Lançamento: 2009 (Alemanha, EUA)
Transcrição
Lançamento: 2009 (Alemanha, EUA)
O DIREITO E O POLITICAMENTE CORRETO Título original: (Inglorious Basterds) Lançamento: 2009 (Alemanha, EUA) Direção: Quentin Tarantino Atores: Brad Pitt, Melanie Laurent, Christoph Walz, Eli Roth. Duração: 153 min Gênero: Vingança Resumo: Grupo de soldados judeus americanos vai à Alemanha de 1948 matar nazistas ou gravá-los a faca com a suástica. Com irônica superioridade e heroísmo debochado, conseguem matar toda a cúpula de comando do III Reich, incluindo Hitler, no interior de um cinema em chamas. O riso do horror Numa época politicamente incorreta, nós, então crianças, brincávamos com revólveres de espoleta depois de ver os filmes de bang-bang, e queríamos ser os mocinhos que triunfavam sobre os maus. Sintomaticamente, numa época politicamente correta, nós, crianças crescidas, brincamos de ver os filmes de Tarantino. Neles nossas fantasias sobre os sentimentos morais a partir de uma visão industrializada da realidade são gostosamente satisfeitas, que vem principalmente com a surpresa de, num ambiente de confessa fantasia, ver surgir personagens tão humanos e tão banais como nós, mas que rompem com a obsessão da segurança, da paz modorrenta, da realização que existencialmente não significa nada, do cinismo que se transforma em virtude. Se éramos todos paranóicos em nossa busca pela normalidade, pelo ideal do direito e do bom, Tarantino é a esquizofrenia de uma vida que não se apreende mais de uma só vez. A vida é um jogo vão e deve ser vivida com tal. Nela, os grandes ideais não orientam nossa vida, exceto se for para serem usados como objetivos estratégicos. O estofo deste mundo é o imaginário fabricado pela indústria cultural de massa das últimas décadas, mesclado com os noticiários e suas regras de interpretação e de canalização da realidade. Imagens referentes a outras imagens, cenários que remetem à 1 memória de outros cenários, personagens que já habitaram outras tramas, fórmulas que já fizeram funcionar outras emoções, esse é o reino do que os autores chamam de pósmoderno, da arte que recria sobre material já dado, do pastiche, do novo que é feito da realidade misturada com as visões de realidade acumuladas no tempo projetado em perspectiva, na tela e na imaginação. Eis o nosso segredo tão bem guardado dos códigos de normalidade – a vida quase nunca é feita do que queremos, e precisamos de diversão, ou mais propriamente, de diversionismo para não olhar nos olhos do mundo. Tarantino sabe disso. Queremos rir do horror; queremos, de vez em quando, ser tão loucos como tudo é; queremos sair do horrível lugar do medo e assumir uma postura arriscada, mas corajosa; queremos nos livrar do peso insuportável que a necessidade de segurança se tornou; queremos rir do ridículo de querer controlar tudo pela norma e dizer em alto e bom som que a vida é mais que isso e não há o que fazer, senão nos relacionarmos e vivermos de verdade. O mundo cool Assim são as personagens dos filmes de Tarantino – cool. E as relações são compreendidas no que elas são, um jogo sem fim. A vida flui em toda a sua precariedade, como acontece com a vida dos bandidos, dos vingadores e do que lidam com o poder, cujos fins são fortemente estabelecidos por certa estupidez, irracionalidade ou má-fé. Em Cães de aluguel (Reservoir Dogs, 1992) há um grupo de criminosos que planeja um assalto a uma grande joalheria, que falha por causa de um policial infiltrado. Todos morrem, no final. Mas até lá, há o dinheiro a dar forte sentido à ação (realizações particulares; as outras pessoas são apenas meios estratégicos); o sadismo com sua presença mais explícita (a tortura do policial por Mr. Blonde/Vic Vega); a exclusão moral como parte integrante essencial e presente da realidade (a despeito das classificações morais, o errado existe, e é bastante real). Do ponto de vista do discurso jornalístico ou da necessidade de segurança irreal que ingenuamente partilhamos, não há esse ambiente cool que glamourize aquele que está de fora da normalidade. Imaginemos só Tarantino fazendo um filme sobre os três dias de Champinha 1 na companhia de sua 1 Em 5 de novembro de 2003, num município do interior de São Paulo próximo a Embu-Guaçu, o menor Champinha, com participação de outros comparsas, matou Felipe Silva Caffé (19 anos) com um tiro na nuca, e, depois de estuprar e torturar por três dias, matou Liana Bei Friedenbach (16 anos), degolada e 2 infeliz vítima, construindo uma narração cinematográfica que integre todos os seus atos à normalidade com o privilégio que só o cinema possui, e configurando-o não como o outro, mas como um de nós, expectadores. Como um de nós, toda ação é justificada, a menos que criemos novas regras para determinar quando um se torna outro, ou para manter o outro do lado de fora. Tarantino traz o outro para o âmbito do nosso, com uma técnica que faz tornar os Champinhas toleráveis e até amistosos – a vida social é vista como um imenso acaso, no qual os indivíduos possuem apenas interesses estratégicos, e o todo não é responsabilidade de ninguém; o mundo é assim anárquico, fragmentário, casual; a realidade parece não ser dramatizada, mas espontânea, fluida, com personagens naturalmente descontraídas, familiares, gente com a gente – só estão situados em um lugar moral recortado, e suas ações se projetam sobre um pano de fundo difuso. Não há, assim, naturezas morais, identidades fixas em busca de integridade que consigam se distinguir em meio a um fluxo cruzado de discursos e de ações. É a expressão cinematográfica do pós-moderno? Talvez, se isso for a promoção econômica dos antigos filmes classe B, que tinham como fórmula fazer divertir com o medo, de oferecer o horror, a vingança e o sadismo bem próximos, mas a uma distância segura da tela, para brincar de realidade. E se pós-moderno for, é claro, a mudança de lugar da arrogância, agora não mais exclusiva daqueles que se julgam superiores por buscarem obsessivamente a normalidade e a excelência. Estamos, enfim, emancipados de tentar ser melhores. Então vamos brincar de matar! Jackie Brown, Pulp Fiction e Kill Bill, I e II, seguem a mesma fórmula moral – um evento visto pelo recorte da realidade. Um mundo visto pelos desejos pessoais; personagens que amadureceram e não idealizam mais nada, exceto os estúpidos que logo morrerão; a vida que, de verdade, é de guerra de todos contra todos (uma das produtoras dos filmes é dogs eat dogs production); os ideais transformados em piada e o ataque a eles transformados em confidência com o público. esfaqueada na cabeça. O crime comoveu a sociedade brasileira e reacendeu o debate sobre a maioridade penal no direito pátrio. 3 Jackie Brown é uma negra, pobre e sem perspectivas, que consegue dar um golpe bem sucedido tanto na lei quanto no crime. Enquanto os policiais brigam com o traficante de armas, ela vai para bem longe com uma mala de dinheiro. Jackie é a consciência dolorida, contida, que ainda não se resignou. Aceita o sofrimento como uma determinação, mas já é madura o suficiente para ver que a sua liberdade não se encontra na normalidade, essa já dominada pelos senhores dos contratos e da lei, por um lado, e por outro, o espaço que sobrou, o da normalidade ilegal, reinam os senhores do poder sumário, sem a pomposa mediação das boas justificativas. Ser livre, assim, é ser imoral, ilegal, e ainda assim preservar seu auto-respeito, seus bons sentimentos, sua dignidade quase intacta, o que, aliás, sempre foi uma arte reservada aos muito ricos. Democratizar a liberdade, ironicamente, e sem precisar mudar o mundo politicamente, é o que tentam essas personagens apolíticas que tentam viver desesperadamente num jogo letal. Talvez isso seja uma piada. Em Pulp Fiction os cachorros continuam se pegando. Como toda riqueza é suja, e o que a faz legítima é estar de acordo com a bandidagem legal, o livre e bem sucedido é o que consegue escapar quando as duas faces da normalidade ambiciosa se enfrentam. Butch (Bruce Willis) é a Jackie Brown da vez, um boxeador que engana o poderoso Marsellus, gangster que continua vivo seguramente por não ser gentil. Ali vemos apenas o mundo que pressupõe a legalidade e a normalidade, o mundo obscuro dos ratos e das baratas que mereceram nossa atenção. Jules e Vega, cobradores violentos de Marsellus, andam pelo dia e por entre as pessoas que pensam viver em um outro mundo por estarem do lado bom da normalidade. Fora as armas que carregam, Jules e Vega não se distinguem de ninguém e nenhum detector de morais dispararia seu alarme. No fim Marsellus continua poderoso, Vega morre de estupidez, Jules passa a ser cobrador (moral) em outra organização e Butch sai vivo da guerra para gastar seu dinheiro num lugar distante, quem sabe na Espanha de Jackie Brown. Kill Bill, dividido em duas bilheterias, é uma história de vingança. Pouca coisa no mundo mobiliza tanto a atenção como a vingança. O universo inteiro, com seus infinitos anos-luz, é só um detalhe no ânimo que temos de provocar no outro o mesmo sofrimento que tivemos. Pela resposta ao menosprezo de um sentimento ou à agressão fortuita, muitas vidas e filmes foram construídos – e destruídos. O recorte moral (pela trama ser guiada pelas subjetividades com poucas referências “externas”) não é apenas uma forma de narrar e dar sentido à história, mas é uma forma de ser. Beatrix Kiddo é 4 um exemplo acabado de uma vida que se reduz à própria subjetividade, e por isso nos faz tanto sentido. O mundo da moral sem o direito Bartardos Inglórios (Inglorious Basterds, 2009) é considerado por vários críticos o melhor filme de Tarantino. Melhor produção, melhor direção, melhor figurino. Como os outros, o filme tem o mesmo apelo do vídeo game – temos licença para fazermos o que bem entenderemos, pois sabemos que é de faz de conta. Com a diferença de que apertamos a tecla play ao entrarmos na sala de exibição, e o resto o diretor faz sozinho, exatamente do jeito que esperávamos que ele fizesse. O cinema de Tarantino não pretende ser uma resposta a uma angústia, uma pretensão de verdade, um desafio intelectual, a narração de um evento singular, uma surpresa agradável. Ele solicita do expectador que imagine a história antes de vê-la, pelas várias fórmulas e imagens já vistas e repetidas, e verifique se a expectativa foi cumprida. Agora não representamos apenas a história para nós, uma história que busca oferecer um sentido em si mesma; representamos também o nosso papel como expectador, desde a ida ao cinema até pensarmos que o sentido da história só existe na compreensão de minha expectativa como simples entretenimento. A fita pede que se veja a sua trama com distanciamento, com o expectador consciente de que aquela é apenas uma história divertida, e sempre pelos mesmos meios – a vingança, o triunfo sobre a normalização, e o risco de viver num mundo onde o que manda não é o cinismo das forças instituídas com os ideais e pelos ideais, ou seja, o mundo do direito sem moral, mas, ao contrário, no mundo da moral sem o direito. Por exemplo, em Bastardos Inglórios, sabemos que a história não foi aquilo que aconteceu, que Hitler, o preconceituoso, o sádico, o não liberal, o não democrático e não americano, não morreu por alguns justiceiros morais numa sala de cinema, quando ria do extermínio de seus inimigos na história do herói nazista. Nessa trama, o verdadeiro Hitler será Tarantino, que assumiu a mesma postura moral e política do Führer ao convocar para o nosso lado, o dos bons, tal como os nazistas achavam que eram, mas perderam a guerra, o direito da vingança, de impor a humilhação, o sadismo, a nossa arrogância e a eterna condenação do povo alemão, que continua vivo e liberal, por medo dos nossos próprios crimes. 5 O nazismo é absolutamente indefensável em sua perseguição aos judeus, e talvez tenhamos até o direito de brincar com a tragédia, opondo a ironia e condenação aos que não se deram conta do que está realmente em jogo. Não é certo, entretanto, se a vontade de hegemonia ideológica, a arrogante pretensão de superioridade, a ameaçadora competência técnica e comercial e os meios jurídicos e morais para excluir os inferiores é tão diferente em nosso mundo liberal democrático. Bem, mas isso é apenas um detalhe, um ingrediente no que é preciso para fazer um filme tarantinesco. Precisamos, primeiro, de um motivo para sermos impiedosos. Como já lemos em outros livros, nos quais os autores matam uma personagem para afastá-la de um romance que encanta o leitor, ou em inúmeros outros filmes, nos quais se mata a mulher e a filhinha linda do policial veterano, íntegro e irreverente, para fazêlo destruir o mundo dos maus, também aqui precisamos de um contumaz inimigo, desta vez buscado na história. Para a nossa alegria, teremos que ter também guerreiros arrogantes e seguros de si e da própria superioridade, que vão para a guerra como se vai para uma partida de futebol em final de campeonato. Lembremos que não são vidas que estão em jogo, mas apenas avatares, personagens de games. Para dissimular nossas verdadeiras intenções, precisamos também de uma justificação moral para o extermínio – judeus americanos vingando justamente seus compatriotas e liquidando soldados nazistas com escárnio. Desta vez a vingança foi contra os nazis, mas a história é grande, e poderia ter sido no velho oeste, em outra galáxia, em Taiwan com luta oriental, na Palestina contra os judeus ou nas ruas de Los Angeles contra os latinos. Mas por que essa fórmula funciona? Tarantino e o politicamente correto Se a organização social obsessiva pode gerar ditadores e sistemas políticos opressores, o atomismo social pode gerar psiques frágeis e inseguras, mesmo que belicamente mais competentes, pela prontidão competidora. A necessidade de heróis é sintoma de espíritos que contam pouco com a coletividade, e que vivem em um mundo essencialmente corrupto, definido mais pela busca das virtudes, individuais e coletivas, que pela realização delas. O treino das mentes individualmente competitivas, especialmente nas habilidades da vingança, nos desafios às capacidades individuais, ou nos imensos esforços pela vontade de singularidade, é, na verdade, entretenimento. Basta ver os 6 desenhos animados feitos para as nossas crianças para notarmos que a trama humana, desde a idade da pedra, continua a mesma. Nossa alegria é a guerra, e o Estado tem apenas que conter o furor quando sai dos limites produtivos, como quando ocorre o assassinato por ciúmes e posse, ou como quando se mata por pertencer à torcida rival e houver provocações incontornáveis ao orgulho futebolístico. A onda do politicamente correto, que se discute nos EUA desde a década de 1970 e se espalhou pelo mundo desde então, configura-se como uma tentativa de tornar a linguagem neutra quanto a caracterizações das diferenças sócio-econômico-culturais, e a relativizar os juízos morais ligados às experiências sociais no tempo. Mas mesmo mudando, para melhor, muito de nossas formas de lidar com as diferenças e do que se afasta do esforço normalizante, bem como muitos de nossos juízos pragmáticos, repousam ainda em preconceitos ou em fortes convicções. Devemos atentar para o fato de que toda visão de mundo é um preconceito e é fruto de uma sabedoria social acumulada ao longo do tempo, além de ser, claro, formas tradicionais de segregação. As visões de mundo passam a ser inconvenientes quando há fortes mudanças sociais, que as subverte como a que temos vivido há algumas décadas. Daí acontecer uma distância entre formas morais ainda ligadas ao passado (recente) e os ideais de sociabilidade divulgados geralmente pelos agentes formadores de opinião. O politicamente correto acaba espelhando um sistema político e econômico dominante, contra o qual não há possibilidade. Um império forte da competição desregulamentada, da vigilância intensiva sobre tudo e sobre todos, do controle pelos desejos das psiques individuais, veio junto com a luta pelos direitos humanos, contra os preconceitos e discriminações por sexo, cor da pele ou poder econômico, e muitas vezes essas forças positivas se confundem com aquelas negativas. A força do livre espontâneo varreu o mundo das virtudes tradicionais e implantou novas faces, novas cores e formas ao imaginário e realidade coletivos. As opiniões fortes, as conclusões baseadas nas experiências pessoais, as possibilidades de contestação, todas ficaram inibidas pelas opiniões construídas em massa. Tarantino é também essa revolta da realidade contra a propaganda, embora inteiramente imersa na maior fonte de propaganda ideológica do mundo que é Hollywood. Seus personagens estão a dizer, a todo o momento, que o mundo é feito de outra matéria, de uma guerra não declarada e encoberta por um encanto massificado. Como outsiders, eles podem viver num ambiente cool, sem o controle mais severo que 7 o fardado, da vigilância moral que é o monitoramento ideológico, da normalidade obsessiva, num mundo em guerra estrutural. Algumas ênfases Os filmes de Tarantino narram recortes morais que estão situados em um panorama social apenas indicado, mas não explícito. Entretanto, é possível reconstituir esse pano de fundo valorativo e dinâmico, sobre o qual suas tramas vingativas fluem. Eis algumas observações que nos fazem refletir sobre o direito, a crítica cultural e o cinema a partir de seus filmes: 1) A cultura do pós-moderno é a subversão da integridade, dos grandes ideais totalizantes, da coerência e racionalidade universais. É sobretudo a mudança do lugar da arrogância, deixando de ser domínio dos que buscam obsessivamente a normalidade e a excelência, e passa aos que detém o poder imediato, mesmo que temporário. Estamos, enfim, emancipados de ser melhores, no interior dessa perspectiva. 2) Num mundo ultra-liberal, de alta competitividade, no qual os homens são lobos dos próprios homens, ou cães que devoram cães, o vencedor é o que sobrevive ao processo normalizador. A lei e o crime são simbióticos, pois ambos constituem a normalidade e ambos se suportam mutuamente. Sobrevive quem for esperto para ir além da idealização da vida, para ir além da moral e da lei, bem como lidar bem com o império do poder privado. 3) Numa era de incerteza estrutural, na qual as regras com as quais mal nos acostumamos são mudadas em nome da eficiência e do desenvolvimento, a segurança se torna algo obsessivo. Pelos avanços da técnica e da organização racional da vida, conseguimos uma vida mais segura, mas ao preço de transformarmos a própria vida numa representação. Só assim foi possível brincar com o horror, com o medo, com o sadismo e a vingança, e transformá-los em entretenimento. A vida de verdade vai ficando cada vez mais distante e mediada pelos canais emotivos e interpretativos fornecidos pela indústria cultural. Vivemos, enfim, na segurança de uma bolha (ou de um cinema). 4) A narrativa de Tarantino privilegia a primazia absoluta da moral sobre o direito. Num mundo atomizado, com mínimo apelo à coletividade, é a vontade pessoal o 8 elemento mais presente e mais definidor das relações humanas; o poder é do interesse imediato e pessoal. Esse mundo convive com seu simétrico patológico, o mundo da primazia absoluta do direito sobre a moral. Neste mundo se espera que tudo seja resolvido pela lei, de forma impessoal, sem que ninguém tenha que se comprometer pessoalmente com nada, exceto pelos interesses econômicos individuais. Esses dois opostos se complementam e convivem em estado de guerra perpétua. Tarantino faz seus recortes naquela primeira instância, ironizando esta segunda. 5) As personagens de Tarantino não têm grilo de si. Isso destoa de seus expectadores ocupados em reconstruir suas identidades a todo o momento, de acordo com as demandas de mercado. Assim é agradável ver na tela pessoas objetivas, resolutas, legítimas, voltadas para a ação e sem temerem a vigilância moral sobre seu linguajar e opinião. Elas simplesmente não partilham da normalidade obsessiva. 6) As coisas podem não ser assim, mas há uma incrível coincidência da exploração do ufanismo fundamentalista de Bush e a mensagem moral dos Bastardos. Ambos procuram definir o “nós” e polarizar a diferença contra o “eles”, de uma maneira extremamente simplista e que justifica a nossa mesma barbárie com a qual os acusamos. Assim, temos que decidir: ou vemos nisso algo de engraçado, que fica classificado no escaninho do “entretenimento”, ou vemos como algo trágico, uma conclamação à selvageria, no escaninho do “ridículo”. Em ambos os casos, em ambos acontecimentos, o público seguramente exigirá o pior. Questões especulativas sobre o filme: 1) Tarantino indica um pano de fundo social, no qual apresenta suas personagens. Tente configurá-lo. 2) Caracterize psicologicamente as personagens do filme Bartardos Inglórios e responda por que aquela ficção de guerra mobiliza realmente a nossa visão de realidade. 3) O comportamento dos Bastardos era diferente do dos nazistas? 4) A política externa dos EUA, e em especial a da guerra ao terror, se assemelha em muitos aspectos à política nazista. Indique que aspectos seriam esses e 9 explique por que, ou por que não, esse filme de Tarantino possui uma afinidade imensa com tal política e por que mobiliza bem os sentimentos necessários a ela. Texto e questões preparadas para acompanhamento da exibição do filme Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino, no curso de extensão “Direito e cinema: direito e futuro”, coordenado pelo prof. Dr. João da Cruz Gonçalves Neto, da faculdade de direito da UFG. 10