4 Reflexões sobre as representações sociais de saúde e doença
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4 Reflexões sobre as representações sociais de saúde e doença
artigo de revisão REFLEXÕES SOBRE AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SAÚDE E DOENÇA PARA CRIANÇAS Camila Bellini Colussi* Angela Elizabeth Lapa Coêlho** RESUMO O entendimento das representações de saúde e doença para as crianças é necessário e imprescindível para a elaboração de programas de saúde que satisfaçam suas necessidades, uma vez que as crianças desenvolvem um entendimento próprio sobre o tema. As respostas das crianças em relação à saúde e às doenças se baseiam em suas experiências pessoais e na influência da família, da escola e dos meios de comunicação. De modo geral, para as crianças, a doença mostra-se relacionada ao impedimento ou limitação das atividades que gostam ou que fazem parte de seu cotidiano. No entanto, além de sensações negativas, as crianças também descrevem aspectos positivos, como a possibilidade de assistir televisão ou vídeos, ganhar doces e brinquedos, receber visitas e atenção. Em relação a melhora, as crianças apontam para a utilização de métodos convencionais como o uso de medicação, mas também para métodos alternativos, tais como ingestão de chá, repouso e mudanças na alimentação. Quanto à prevenção, a alimentação saudável e a prática de exercícios físicos são mencionadas como as categorias mais importantes. Desta forma, conclui-se que a elaboração de programas de prevenção voltados à infância deve basear-se no entendimento das crianças sobre o processo saúde-doença. Palavras-chave: Representação Social. Saúde. Doença. Infância. 1 INTRODUÇÃO * Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail: [email protected] ** Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). E-mail: [email protected] pulação, reduzir sua mortalidade e otimizar a qualidade de vida. Embora muitos Entre os inúmeros aspectos abor- estudos sobre prevenção tenham abor- dados na área da saúde, a prevenção é dado a fase adulta (BEGHINI et al., 2006; considerada imprescindível no que tange HELMAN, as formas de cuidado e atenção à saúde, (DUVEEN, 1995; HELMAN, 2003; LAU- conforme Lei n° 8080 (BRASIL, 1990). WE; Por meio dela, podemos reduzir o acome- FRÖHLING, 2000) têm enfatizado que a timento de determinadas doenças na po- prevenção deve começar ainda na infân- 48 2003), FEUERHAHN, novas 2001; perspectivas SCHMIDT; InterScientia, João Pessoa, v.2, n.3, p.48-66, set./dez. 2014 Camila Bellini Colussi, Angela Elizabeth Lapa Coêlho cia, uma vez que se trata de uma fase do ças de uma pessoa sobre saúde podem desenvolvimento humano na qual esse determinar seu estilo de vida. aspecto pode ser abordado com grande Compreender a percepção das cri- sucesso, de modo que as crianças ve- anças acerca desses temas pode amparar nham a se transformar em adultos sensi- os profissionais da educação e da saúde, bilizados em relação aos fatores de pre- auxiliando as crianças acometidas por venção e de risco. doenças a cooperarem mais efetivamente Desse modo, conhecer o entendi- em relação a sua doença e ao tratamento mento que as crianças têm sobre a saúde e, principalmente, trabalhando na preven- e a doença, tais como as representações ção das mesmas (PERRIN; GERRITY, dadas à prevenção, causas das doenças, 1981; SCHMIDT; FRÖHLING, 2000). o processo de cura, entre outros, permite que possamos abordar tais assuntos de forma focalizada, elaborando programas 2 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SAÚDE E DOENÇA educativos e preventivos, que buscam minimizar a ocorrência de determinadas As representações de saúde e de doenças e promover a adoção de hábitos doença aparecem relacionadas às visões que permitem à criança manter-se saudá- que homens e mulheres têm dos aspectos vel. biológico e social, diferenciando-se muitas De acordo com Pineault e Daveluy vezes, do saber médico (CARDOSO; SCHULZE; GOMES, 2000; HERZLICH, 2005). Para CAMARGO, 2002), os programas de saú- Cardoso e Gomes (2000), a doença é re- de devem ser produzidos também a partir interpretada pelo médico, que faz uso dos da compreensão de saúde da população aspectos reportados pelo paciente e os e, não apenas a partir das carências de analisa à luz dos apontamentos médicos saúde ou da visão de especialistas. Se- biológicos. Já o paciente, interpreta tais gundo Stroebe e Stroebe (1995), o enten- aspectos a partir de um referencial base- dimento das representações de saúde e ado na cultura em que está inserido. Nota- doença para as crianças é necessário e se, portanto, que o fenômeno da doença imprescindível para a elaboração de pro- não é visto somente por meio do conhe- gramas de saúde que satisfaçam suas cimento da Medicina. (1989 apud TEIXEIRA; necessidades, pois as atitudes e as crenInterScientia, João Pessoa, v.2, n.3, p.48-66, set./dez. 2014 49 Reflexões sobre as representações sociais de saúde e doença para crianças autores representações sociais são formas de co- (HERZLICH, 2005; SEVALHO, 1993), a nhecimentos produzidos socialmente, por doença gera uma necessidade de discur- um grupo de pessoas, de modo que per- so e interpretação, devido ao fato de que mita a comunicação e o entendimento de traz alterações para a vida individual e determinados coletiva. Ela aparece como um evento que SCHULZE; CAMARGO, 2002). Elas pos- ameaça ou modifica a vida individual, as- sibilitam interpretar, questionar e atribuir sim como a inserção social das pessoas. sentido, além de proporcionar a interven- Dessa forma, causa um desequilíbrio co- ção na realidade, auxiliando na organiza- letivo, o que faz com que a sociedade ção das relações sociais, das pessoas produza discursos interpretativos para tais entre si e com a natureza (GARNELO; fenômenos, de forma a lidar melhor com WRIGHT, 2001; PESTANA; PÁSCOA, eles. Conforme Fortes e Baptista (2004), a 1998). Segundo alguns aspectos (TEIXEIRA; percepção de doença está baseada na Conforme Laplantine (2001), as re- vida da pessoa e é influenciada por as- presentações sociais situam-se sempre pectos familiares e também culturais. na relação do individual e do social e em apud três campos distintos de investigação: o GOMES; MENDONÇA; PONTES, 2002) conhecimento, o valor e a ação. As repre- apontam para o fato de que as respostas sentações sociais consistem em uma in- aos problemas relacionados a doenças terpretação que se torna, para aqueles são constituídas socialmente, por meio de que a adotam, a própria realidade. Alves e Rabelo (1999 práticas, crenças e valores compartilha- Para Jodelet (2001), as represen- dos. A experiência da enfermidade é en- tações sociais são fenômenos em ação no tendida pela forma como uma pessoa si- campo social, formadas por diversos ele- tua-se perante a enfermidade ou como mentos que expressam a realidade, para assume a situação de doença, e essa um determinado grupo. forma está diretamente relacionada ao contexto social. Desta forma, o estudo das representações sociais de saúde e doença constitui-se como um meio favorável para identificar estas questões, uma vez que as 50 [...] as representações sociais são fenômenos complexos sempre ativados e em ação na vida social. Em sua riqueza como fenômeno, descobrimos diversos elementos (alguns, às vezes, estudados de modo isolado): informativos, cognitivos, ideológicos, normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões, imagens, etc. Contudo, estes InterScientia, João Pessoa, v.2, n.3, p.48-66, set./dez. 2014 Camila Bellini Colussi, Angela Elizabeth Lapa Coêlho elementos são organizados sempre sob a aparência de um saber que diz algo sobre o estado da realidade (JODELET, 2001, p.21). Segundo a autora, as representa- mos chamar de “tradição”. Outras se disseminam rapidamente, e apresentam curto período de vida, conhecidas como “modas”. ções sociais possuem um objetivo prático, Jodelet (2001) aponta para o fato orientam e organizam as condutas e as de que as representações sociais, apesar comunicações sociais, e intervêm em di- de não constituírem um conhecimento versos processos, como a transmissão e científico, são consideradas objetos de a apropriação de conhecimentos, desen- estudo tão legítimos quanto os primeiros, volvimento individual e coletivo, definição pois apresentam grande importância soci- de identidades pessoais e sociais, trans- al e permitem o esclarecimento dos pro- formações sociais e expressão de grupos. cessos cognitivos e das interações soci- Nota-se, portanto, a importância de seu ais. Segundo estudo para uma abordagem da vida Schmidt e Fröhling mental individual e coletiva. As represen- (2000), nas últimas décadas, o interesse tações sociais estabelecem uma relação pelas representações sociais de saúde e de simbolização e de interpretação com doença tem crescido. Isso se mostra im- seu objeto, uma vez que o substitui e lhe portante por diversas razões. As pesqui- confere significados (JODELET, 2001). sas que visam tais objetivos trazem à tona Conforme Moscovici (2003), as re- dados que podem ser usados para com- presentações sociais constituem uma es- parações com diferentes grupos etários e pécie de teoria pela qual é possível classi- em estudos multicêntricos. Também per- ficar pessoas ou coisas, descrever e/ou mitem descrever as interações entre os explicar suas características, sentimentos conceitos de doença e as etapas do de- e ações. Para Vala (2004), elas não são senvolvimento humano e planejar pro- formadas apenas de teorias científicas, gramas de educação em saúde. mas também de aspectos culturais, ideo- De acordo com Enumo (2003), o logias formalizadoras, experiências e co- primeiro trabalho em representações so- municações cotidianas. Algumas repre- ciais na área da saúde é datado de 1969, sentações são transmitidas calmamente, com o trabalho de Claudine Herzlich, na de uma geração para outra, o que pode- França. Por apresentar aspectos ameaçadores e estranhos, a doença implica em InterScientia, João Pessoa, v.2, n.3, p.48-66, set./dez. 2014 51 Reflexões sobre as representações sociais de saúde e doença para crianças uma grande capacidade para gerar repre- barulho, os hábitos alimentares, entre ou- sentações, e disto surge o interesse por tras coisas. este tema. Para o autor, o estudo da re- Enumo (2003, p.17) ainda enfatiza presentação social do processo saúde- a importância de que a compreensão do doença se preocupa com o “modo de co- binômio saúde-doença se faça a partir do nhecer” do doente, desmistificando a idéia contexto em que se insere, de modo que divulgada pelo discurso médico de que a os conhecimentos do senso comum pos- doença e o doente são fenômenos uni- sam ser considerados legítimos e com versais. Dessa forma, ocorre uma valori- lógica própria. Dessa forma “valoriza-se zação do senso comum como um tipo de [...] o senso comum como um tipo de co- conhecimento legítimo, com lógica e coe- nhecimento legítimo, autônomo, com uma rência próprias, cuja análise é imprescin- lógica e coerência próprias, exigindo ser dível para a eficácia do tratamento e o analisado caso se busque a eficácia do sucesso dos projetos sociais de saúde. tratamento ou o sucesso de projetos soci- Adam e Herzlich (2001) explicam ais de saúde”. que este primeiro trabalho, sobre as re- A teoria da representação social presentações sociais, analisou as repre- tem sido bastante utilizada, especialmente sentações de saúde e doença para pes- em nosso país, em estudos na área da soas das classes média e alta, por meio saúde. A saúde e a doença são descritos de entrevistas aprofundadas. Acreditava- por Enumo (2003) como o segundo tema se que havia noções de saúde e doença mais estudado, e como exemplo, pode-se independentes dos conhecimentos médi- citar os estudos no campo da AIDS. Ana- cos, o que foi confirmado no estudo, no lisaremos agora alguns aspectos sobre as qual se observou que a linguagem utiliza- representações sociais de saúde e doen- da para falar a respeito da saúde e da ça para crianças. doença “[...] é uma linguagem do indivíduo em relação com a sociedade” (p.77). 3 SAÚDE E DOENÇA PARA CRIANÇAS As pessoas atribuíam seus estados de saúde a um estilo de vida errado, relacio- De acordo com Helman (2003) e nado a uma sociedade competitiva, na com base na revisão bibliográfica realiza- qual a saúde pode ser prejudicada por da, pesquisas recentes têm enfocado o conta do ritmo de vida, a poluição do ar, o modo como as crianças percebem e rea- 52 InterScientia, João Pessoa, v.2, n.3, p.48-66, set./dez. 2014 Camila Bellini Colussi, Angela Elizabeth Lapa Coêlho gem às doenças e aos tratamentos aos estruturado e adquirindo identidade. A quais são submetidas. criança internaliza as práticas coletivas da Para Duveen (1995), as crianças comunidade na qual está inserida por internalizam as representações sociais de meio da interação com adultos competen- sua comunidade de modo gradativo, as- tes e outras crianças que já possuem sumindo papéis como atores sociais pou- maior conhecimento. De co a pouco, o que inclui seu entendimento acordo com Lauwe e acerca do processo saúde-doença. Ape- Feuerhahn (2001), a representação é um sar disto, o papel da criança como ator mecanismo importante na infância, ser- social ficou marginalizado pela Psicologia vindo como ferramenta de socialização e Social. No entanto, o autor aponta que a de comunicação. compreensão desse ponto é fundamental Ela aparece como um instrumento de cognição que possibilita à criança interpretar as descobertas do meio físico e social realizadas por meio de suas sensações, ações e experiências, conferindo-lhe um sentido e valores fornecidos pelo meio, principalmente em suas relações e trocas com o outro (LAUWE; FEUERHAHN, 2001, p.281). para o entendimento acerca das representações sociais, já que se torna requisito importante para seu entendimento o conhecimento dos processos pelos quais as representações são produzidas e transformadas. A questão fundamental era entender como a criança nasce em Nota-se como é de fundamental um mundo que já está estruturado quanto às representações sociais e se torna um membro participativo em sua comunidade. O autor acreditava que, apesar de nascer em um mundo estruturado por representações sociais, a criança não nascia com competência para ser um ator social independente no mundo. Inicialmente, ela apenas figurava como objeto para representações que outros sustentavam, e, só importância o estudo das representações sociais na infância, tanto para adquirirmos conhecimentos sobre os sentidos que as crianças dão aos fenômenos, de modo que possamos auxiliá-las nos mais diversos aspectos, quanto para entendermos as representações sociais de modo geral, sua estruturação e modificações durante o desenvolvimento. Dessa forma, é importante enten- posteriormente, internaliza pouco a pouco essas representações sociais, identificando sua posição em meio a esse mundo der o quê as crianças têm em mente quando falam sobre saúde e doença e InterScientia, João Pessoa, v.2, n.3, p.48-66, set./dez. 2014 53 Reflexões sobre as representações sociais de saúde e doença para crianças como elas estruturam seus pensamentos idade entre sete e dez anos, e notou-se e cognições sobre esses temas. Podere- que: mos, então, entender seus comportamentos e sentimentos em relação ao processo saúde-doença e auxiliá-las a lidarem com tais aspectos de forma ativa (SCHMIDT; FRÖHLING, 2000). [...] saúde e doença [...] foram frequentemente expressas como qualidades opostas: a saúde com características positivas e a doença faltando aquelas qualidades. [...] Frequentemente a doença era vista como um fenômeno fisiológico e a saúde mais em termos psicológicos e mentais. Conforme Helman (2003), as crianças desenvolvem um entendimento pró- No estudo de Schmidt e Fröhling prio sobre as enfermidades, suas causas (2000), explorou-se os conceitos de saú- e os modos de tratamentos. Indagam e de e doença de crianças, adolescentes e exploram o porquê e, como adoeceram e suas mães. Foram entrevistados 99 parti- porque isto aconteceu naquele momento. cipantes, nas faixas etárias de cinco, oito, As respostas das crianças em relação à 12 e 16 anos, assim como 48 mães des- saúde e às doenças se baseiam em suas sas crianças. Os conceitos de saúde e experiências pessoais e na influência da doença relatados pelos participantes fo- família, da escola e dos meios de comuni- ram considerados menos sofisticados se cação. Algumas vezes, essas percepções comparados aos conceitos médicos. Os podem ser reflexo das percepções dos autores apontam para o fato de que tais adultos que estão à sua volta. Também conceitos não são menos importantes, pode ocorrer que essas percepções sejam uma vez que a descrição desses concei- bastante diferentes das percepções dos tos são os pontos iniciais nos quais se adultos, indicando concepções próprias devem basear as campanhas de preven- sobre os assuntos. Esses fatores devem ção. Os autores também apontam, em ser levados em consideração quando seu estudo, para o uso de formulações pensamos em campanhas de prevenção dicotomizadas, com respostas polarizadas voltadas para as crianças. como sentir-se bem e sentir-se mal, estar Segundo Vaskilampi, Kalpio e ativo e ter as atividades restringidas. As Hallia (1996, p.310), as crianças podem definições de saúde como uma constru- dicotomizar a saúde e a doença. Em seu ção interna, abrangendo aspectos abstra- estudo, foram entrevistadas crianças com tos, foram expressas pela minoria dos participantes. 54 InterScientia, João Pessoa, v.2, n.3, p.48-66, set./dez. 2014 Camila Bellini Colussi, Angela Elizabeth Lapa Coêlho Os autores também confirmaram o características das crianças em diferentes fato de que crianças mais jovens têm me- idades. Segundo Piaget (1974), a com- nos entendimento sobre condições sérias preensão que as crianças têm de saúde e de doenças. Entre os adolescentes que doença está relacionada ao seu desen- participaram da pesquisa, 60% apontaram volvimento cognitivo. Conforme amadure- a AIDS como a doença mais grave que cem, seus entendimentos mudam. Esse conhecem. Este número cai para 12% aspecto foi confirmado por outros autores, entre as crianças na faixa etária de oito como anos de idade. Já entre as crianças com Fröhling (2000) e Williams e Binnie aproximadamente cinco anos de idade, a (2002). Campbell (1975), Schmidt e compreensão acerca de doenças mais Campbell (1975) realizou um estu- graves é bastante pequena. Para as cri- do sobre as definições de doença dadas anças menores, os resfriados e as infec- pelas crianças, relacionando-as às mu- ções de estômago foram consideradas as danças no seu desenvolvimento e às de- doenças mais graves, sendo que a AIDS finições de doença utilizadas pelas mães e o câncer foram raramente mencionadas, dessas crianças. Ele entrevistou 264 cri- provavelmente, por se tratar de elementos anças que tinham entre seis e 12 anos, não familiares, que só seriam incorpora- pacientes de um hospital pediátrico, e su- dos às representações sociais dessas as mães. As crianças mais velhas de- crianças por meio dos processos de obje- monstraram ter conhecimento sobre do- tivação e ancoragem (VALA, 2004). O enças e diagnósticos específicos. Elas estudo demonstrou também que aspectos também definiam a doença utilizando de vulnerabilidade, condições ambientais conceitos mais peculiares. Diferentemen- e estresse foram mencionados apenas te, as crianças mais jovens, tendiam a dar por adolescentes e suas mães, e não pe- respostas com definições mais vagas. las crianças menores. Dessa forma, o autor notou que as pers- Conforme Perrin e Gerrity (1981), o pectivas de doença estavam relacionadas entendimento sobre a saúde e sobre as ao desenvolvimento da criança, sendo causas, prevenção e tratamento de doen- que não notou relação importante com o ças varia conforme os estágios do desen- sexo das crianças e seu status sócio- volvimento, desde a criança mais jovem econômico. até o adulto, o que nos faz considerar as InterScientia, João Pessoa, v.2, n.3, p.48-66, set./dez. 2014 55 Reflexões sobre as representações sociais de saúde e doença para crianças Banks (1990) realizou um estudo em que foram entrevistadas 75 crianças e voltadas para os aspectos culturais e médicos. adolescentes entre três e 15 anos de ida- Conforme Lewis e Volkmar (1993), de, provenientes de uma comunidade o desenvolvimento das crianças é um dos com predominância de famílias de classe fatores aos quais estão relacionadas as média baixa. As entrevistas foram realiza- reações psicológicas das crianças frente das nas escolas e nas casas das crian- às doenças. Outros fatores citados por ças, a partir da permissão dos pais. As esses autores são o grau de sofrimento e questões abrangiam temas como o que mutilação, o significado que a doença tem faz uma pessoa ficar doente, como elas para a criança e para seus pais, a relação melhoram e o que são os remédios. Tam- entre pais e filhos e a resposta da criança bém se solicitou às crianças que produ- frente à reação dos pais e frente aos pro- zissem desenhos sobre germes. A autora cedimentos. concluiu em seu estudo que as crianças Para alguns autores (BEE, 1997; mais velhas eram capazes de responder TORRES, 2002), as crianças em idade de forma mais específica e de dar respos- pré-escolar apresentam dificuldades de tas mais consistentes e relacionadas a compreensão dos aspectos de irreversibi- conhecimentos científicos e também rela- lidade da morte, o fato de que a morte cionados à cultura em que estão inseri- atinge a todos e que ela significa a inter- das. Crianças mais jovens fornecem con- rupção de todas as funções. Esse enten- ceitos externos sobre as doenças, diferen- dimento só será adquirido em idade esco- temente das crianças mais velhas que lar, e elas podem, ainda, utilizar suas de- apresentavam conceitos internos sobre as fesas para lidar com sua própria morte doenças, como as ações pessoais e a potencial. responsabilidade sobre as doenças. As Torres (2002) aponta para o fato de crianças mais jovens também apresentam que as doenças crônicas na infância po- idéias egocêntricas, ou seja, atribuem a dem causar um impacto desestruturante elas mesmas os aspectos referentes à sobre a aquisição do conceito de morte se doença, como sua ocorrência. Já as cri- ocorrerem no nível Pré-Operacional, con- anças mais velhas apresentavam idéias forme os estágios descritos por Piaget. No menos egocêntricas e mágicas, e mais entanto, se as doenças crônicas ocorrem no nível de Operações Concretas, a do- 56 InterScientia, João Pessoa, v.2, n.3, p.48-66, set./dez. 2014 Camila Bellini Colussi, Angela Elizabeth Lapa Coêlho ença funciona como um fator de amadu- vência relacionada a doenças crônicas recimento do conceito de morte. Em um torna-se fator de amadurecimento na a- estudo realizado pela autora, participaram quisição do conceito de morte. Perrin e 167 crianças de ambos os sexos, com Gerrity (1981) também estudaram essa idade entre cinco e 13 anos, em condi- fase, que abrange a idade entre sete e 12 ções de carência sócio-econômica, aten- anos, e na qual a criança já pode enten- didas em hospitais da rede pública do Rio der mais de uma dimensão de um fenô- de Janeiro e portadoras de diversas pato- meno ao mesmo tempo. Elas se tornam logias crônicas. Segundo a autora, além menos egocêntricas e já podem resolver das diferenças encontradas entre as ida- problemas com elementos lógicos. Esses des das crianças, as concepções de mor- conhecimentos são importantes tanto para te também se diferenciam com as experi- as famílias quanto para os profissionais ências das crianças. As crianças portado- da educação, uma vez que lhes permitem ras de doenças terminais têm concepções ter maior compreensão em relação à ex- mais amadurecidas sobre a morte do que periência que a criança vivencia frente a as crianças que não vivenciaram tal expe- uma doença crônica e a eminência da riência. morte. Conforme Perrin e Gerrity (1981), o No estudo de Williams e Binnie estágio Pré-Operacional ocorre entre dois (2002), foram entrevistadas 60 crianças, e sete anos de idade, e é caracterizado sendo 30 com quatro anos de idade e 30 pela predominância do uso do pensamen- com sete anos de idade. Uma semana to baseado em aspectos empíricos em depois, a metade das crianças de cada detrimento dos aspectos lógicos, além do grupo participou de uma intervenção, na início da aptidão das crianças para usar qual recebeu informações sobre saúde e símbolos como a linguagem e as repre- doença, e participou de grupos de discus- sentações sociais. Elas conseguem en- são. As crianças que não foram incluídas tender apenas uma dimensão de um fe- nesse grupo não receberam nenhum tipo nômeno e têm dificuldades para generali- de intervenção. Uma semana depois, to- zar de uma experiência ou observação das as crianças foram novamente entre- para outra similar. Porém, segundo Torres vistadas. Quando foram comparadas as (2002), quando essas crianças atingem o respostas relatadas pelas crianças, na período de Operações Concretas, a vi- primeira e na segunda entrevista, notou- InterScientia, João Pessoa, v.2, n.3, p.48-66, set./dez. 2014 57 Reflexões sobre as representações sociais de saúde e doença para crianças se um aprimoramento no conhecimento desenvolveu, no qual entrevistou 264 cri- das crianças que participaram do grupo anças, com idades entre seis e 12 anos, e de intervenção. suas mães, internados em um hospital Conforme Cordazzo (2004), o en- pediátrico de Washington, nos Estados tendimento das crianças acerca de outras Unidos. As crianças mais velhas apresen- doenças, como a AIDS, pode se mostrar tavam maior entendimento sobre doenças prejudicado. Isso ocorre pelo fato de que, e diagnósticos específicos, o que não a- diferentemente de doenças como gripes e contecia com as crianças mais jovens, resfriados, a AIDS pode não fazer parte que apresentavam entendimento mais da experiência de vida da criança e, des- vago em suas definições de doença. sa forma, ela pode se mostrar menos fa- O estudo de Williams e Binnie miliarizada com a doença. Em seu estudo, (2002) também aponta para o fato de que participaram da pesquisa 55 crianças en- as crianças mais velhas (sete anos de tre nove e 12 anos, que cursavam a quar- idade) apresentavam conhecimentos mais ta e a quinta séries do ensino fundamental aprimorados em relação às crianças mais de uma escola particular. Elas responde- jovens (quatro anos de idade). ram um questionário que continha ques- Outro aspecto importante na con- tões tais como o que é AIDS, como se cepção das crianças sobre as doenças e pega AIDS, como prevenir-se, uma crian- a saúde são os sintomas. Em uma pes- ça pode pegar AIDS e porquê. Os resul- quisa de Trakas e Sanz (1996 apud HEL- tados apontaram para a existência de mi- MAN, 2003), realizada com crianças entre tos e preconceitos em torno da AIDS, co- sete e 12 anos, com objetivo de examinar mo não passar perto de alguém contami- a experiência de enfermidades e consumo nado, que revelam a falta de conhecimen- de remédios entre crianças de nove paí- to em relação às formas de prevenção da ses europeus, os principais sintomas de doença, além de conhecimentos inade- doenças relatados pelas crianças diziam quados em relação à transmissão e a respeito à febre, dor de cabeça, tontura própria definição de AIDS. ou erupções na pele. Suas percepções Para Campbell (1975), esse enten- indicavam que a doença estava relacio- dimento acerca de doenças diversas mos- nada ao isolamento, solidão ou tédio, an- tra-se mais complexo em crianças mais siedade e tristeza. Quando doentes, elas velhas, como pôde notar no estudo que se colocavam como figuras centrais, cer- 58 InterScientia, João Pessoa, v.2, n.3, p.48-66, set./dez. 2014 Camila Bellini Colussi, Angela Elizabeth Lapa Coêlho cadas por pessoas ou objetos familiares, ponderam que elas mesmas perceberam sendo que a mãe era a principal provedo- que estavam doentes. Elas sabiam que ra de cuidado. Essa posição da mulher estavam doentes quando percebiam o como uma das principais cuidadoras das estado de suas gargantas, febre, mau crianças em casos de enfermidades é re- humor, insônia, calafrios, ou quando esta- latada em outros estudos (BANKS, 1990; vam sob estresse. Com relação às causas QUEIROZ, 1993). Além das mães, os das doenças, as crianças mais jovens, por médicos e outros membros da família fo- volta de quatro anos de idade, atribuíram ram apontados como as principais pesso- suas doenças a aspectos como o “ar”. as que auxiliam na doença (BANKS, Algumas crianças disseram que seus a- 1990). migos do jardim de infância passaram suNum estudo de Ianotti e Kapor as doenças para elas, mas elas não sou- (1996), no qual participaram 50 crianças beram dizer como isso aconteceu. As cri- de uma pré-escola e uma escola primária, anças com sete anos de idade relaciona- divididas em três grupos de quatro, sete e ram suas doenças a eventos como não 11 anos de idade, foram questionados os utilizar roupas adequadas no frio, beber aspectos referentes à última vez em que água gelada, não obedecer a suas mães. elas sentiram-se mal. Na análise dos de- Já as crianças na faixa etária de 11 anos senhos realizados pelas crianças sobre os de idade apontaram para aspectos fisioló- sentidos dados à saúde e à doença, no- gicos e até psicológicos como responsá- tou-se que a maioria das crianças dese- veis pelo aparecimento de suas doenças. nhou auto-retratos. De modo geral, as No estudo de Banks (1990), notou- crianças desenharam-se sozinhas, porém, se que as crianças mais jovens também notou-se também um grande número de associavam a doença ao clima frio e ao desenhos nos quais as crianças estavam uso de roupas inadequadas ao sair nesse acompanhadas de suas mães. As crian- mesmo clima. As crianças mais velhas ças mais velhas desenhavam-se sozinhas mencionavam o contágio por germes ou o com mais freqüência do que as crianças fato de estar próximo a pessoas doentes. Essa diferença nas concepções de menores. Também foi questionado como as saúde e doença relacionadas à faixa etá- crianças sabiam que estavam doentes. ria também aparece no estudo de Boru- Aproximadamente 93% das crianças res- chovitch e Mednick (2000). As autoras InterScientia, João Pessoa, v.2, n.3, p.48-66, set./dez. 2014 59 Reflexões sobre as representações sociais de saúde e doença para crianças entrevistaram 96 crianças entre seis e 14 doentes. As crianças enfatizavam a dura- anos e concluíram que crianças mais jo- ção desse contato e a proximidade da vens atribuem saúde e doença a fatores pessoa doente como fatores importantes incontroláveis, diferentemente das crian- para o contágio. Além disso, elas aponta- ças mais velhas. As respostas das crian- ram para algo concreto que se move de ças incluíam categorias que associavam uma pessoa para outra, durante o contá- saúde e doença à sorte ou falta dela, ao gio, como os micróbios. O estilo de vida clima, a ter nascido com saúde ou com também foi responsabilizado pelas doen- doença, à obediência ou desobediência. ças. Entre os comportamentos menciona- Iannotti e Kapor (1996) apontam dos encontram-se ingerir alimentos con- para o fato de que é prática comum que o taminados e/ou estragados e comer mui- médico pediatra dirija-se aos pais para to. dar-lhes recomendações sobre prevenção Nota-se, porém, que as experiên- e tratamento das doenças, e não às cri- cias de enfermidade relatadas pelas cri- anças, o que lhes isenta da responsabili- anças nas pesquisas revisadas, não a- dade sobre o cuidado e manutenção de presentavam apenas aspectos negativos. sua saúde. No entanto, segundo Brazel- Segundo a pesquisa de Vaskilampi, Kal- ton e Sparrow (2003), entre três e seis pio e Hallia (1996), as experiências de anos, as crianças podem preocupar-se enfermidade das crianças não eram to- com sua responsabilidade sobre a sua talmente ruins, já que, além de sensações enfermidade, já que correlacionam a do- negativas, elas descreviam aspectos posi- ença com a consciência de seus efeitos tivos, como a possibilidade de assistir te- sobre o mundo que as cercam. Além dis- levisão ou vídeos, ganhar doces e brin- so, elas captam o estresse que sua doen- quedos, receber visitas e atenção. Suas ça gera em seus pais, o que pode reforçar explicações para as causas das enfermi- sua culpa. dades envolviam conceitos e modelos No estudo de Vaskilampi, Kalpio e absorvidos do mundo adulto e da cultura Hallia (1996), foram entrevistados 55 me- em que estavam inseridas, e incluíam ninos e 66 meninas, entre sete e dez anos conceitos sobre germes, contágio, clima de idade. Para os participantes, a trans- frio, alimentação e seus próprios estilos missão das doenças estava relacionada de vida ou comportamentos. Para as cri- não apenas a estar próximo a pessoas anças, as doenças carregam tanto aspec- 60 InterScientia, João Pessoa, v.2, n.3, p.48-66, set./dez. 2014 Camila Bellini Colussi, Angela Elizabeth Lapa Coêlho tos de interrupção dos relacionamentos capacidade de trabalhar e garantir a sub- sociais quanto maior aproximação dos sistência familiar. pais. Além disso, as crianças tendem a A doença de uma criança é consi- perceber as enfermidades a partir de seus derada por Brazelton e Sparrow (2003) aspectos funcionais, como a incapacidade como um momento de solidariedade fami- de realizar determinada tarefa. liar. Para as crianças, as visitas ao médico Em um estudo de Moreira e Dupas e ao hospital são potencialmente assus- (2003), foram entrevistadas crianças entre tadoras, já que podem desvendar o que sete e 12 anos, sendo que 14 crianças elas têm “de ruim”. A hospitalização é es- encontravam-se em contexto escolar e 13 pecialmente ameaçadora, pois pode acar- em contexto hospitalar. Para as crianças retar separação e procedimentos doloro- entrevistadas na escola, a doença estava sos, exigindo, portanto, o apoio dos pais. relacionada ao impedimento ou limitação Para Moreira e Dupas (2003), a das atividades que gostam ou que fazem hospitalização exige da criança profundas parte de seu cotidiano. Porém, para as adaptações, já que ela sai do ambiente crianças hospitalizadas, a doença era familiar para estar em outro ambiente, considerada como algo que as separava com pessoas estranhas e procedimentos de seus familiares e amigos. que lhe causam dor e sofrimento, geram Para Vaskilampi, Kalpio e Hallia medo, ansiedade e insegurança. Além (1996), a visão das crianças em relação à disso, a criança se percebe desprovida saúde é, de forma geral, holística, multi- dos objetos que lhe proporcionam sentido dimensional, e incorpora elementos físi- à sua identidade. cos, psicológicos e sociais. Já com rela- Os pais devem preparar a criança ção à doença, elas tendem a vê-la em para a hospitalização, além disso, é ne- termos funcionais, como a incapacidade cessário que se respeite seu ponto de de fazer determinadas coisas. Segundo vista sobre a enfermidade e sobre a hos- Queiroz (1993), essa concepção de doen- pitalização. Também devem ser dadas ça, a partir da incapacidade de desempe- explicações, em relação à doença e ao nhar determinada atividade, é percebida tratamento, que façam sentido à criança e também em adultos, sendo que, para e- que sejam verdadeiras, especialmente les, essas atividades estão relacionadas à sobre a dor, as separações necessárias e a necessidade da criança ir ao hospital InterScientia, João Pessoa, v.2, n.3, p.48-66, set./dez. 2014 61 Reflexões sobre as representações sociais de saúde e doença para crianças (BRAZELTON; SPARROW, 2003; ção, e a utilização de métodos alternativos, como ingestão de chá, repouso e HELMAN, 2003). Outro aspecto discutido aponta pa- mudanças na alimentação. ra o fato de que as crianças também a- Em relação à prevenção, Schmidt e presentam um ponto de vista próprio so- Fröhling (2000) apontaram, a partir dos bre a adoção de medicamentos. Para e- dados de sua pesquisa, que a alimenta- las, o repouso é mais importante do que o ção saudável e a prática de exercícios uso de remédios para a recuperação. A físicos eram mencionadas pelas crianças percepção que têm dos remédios também e adolescentes que participaram do estu- é importante na descrição da experiência do como as categorias mais importantes. de enfermidade (HELMAN, 2003). Os aspectos psicológicos eram mencio- No estudo de Banks (1990), os re- nados apenas pelas mães dessas crian- médios são apontados como meios de ças e adolescentes, e assim mesmo, por auxílio para a melhora e o hospital foi apenas 17% delas. A abstenção de álcool descrito como o lugar que faz as pessoas e cigarro só foi mencionada pelas crian- melhorarem, no qual são realizadas ope- ças a partir de 12 anos. Entre as crianças rações e cuidados, e ocorrem nascimen- menores, com cerca de cinco anos de tos de bebês. Quando questionadas sobre idade, os comportamentos preventivos os medicamentos, as crianças mais ve- mencionados incluíam comer frutas e ve- lhas descreviam as propriedades específi- getais, usar roupas quentes, se exercitar e cas dos remédios, como aparência e sa- tomar ar fresco. bor, e, em alguns casos, descreviam o Perrin e Gerrity (1981) convidaram processo pelo qual os remédios atuam no crianças do jardim de infância, segundo, organismo. As crianças mais jovens ape- quarto, sexto e oitavo anos de uma escola nas diziam que os remédios faziam as pública do subúrbio de Nova Iorque para pessoas melhorarem. participar de seu estudo, no qual questio- Iannotti e Kapor (1996) notaram, navam aspectos referentes às causas, em seu estudo, duas categorias de res- prevenção e tratamento das doenças. Os postas dadas pelas crianças em relação à autores perceberam que o conceito de sua melhora, sendo elas o uso de méto- prevenção de doenças era particularmen- dos convencionais para o tratamento das te difícil para as crianças compreenderem. doenças, o que inclui o uso de medica- Tal aspecto é importante para pensarmos 62 InterScientia, João Pessoa, v.2, n.3, p.48-66, set./dez. 2014 Camila Bellini Colussi, Angela Elizabeth Lapa Coêlho nas formas como os adultos explicam as As crianças vivenciam o processo doenças e os aspectos relativos a elas saúde-doença a partir de aspectos pró- para as crianças. É necessário que as prios, que podem ou não ser reflexo das explanações sejam feitas de forma menos representações sociais dos adultos. Além sofisticada para que as crianças alcancem dos aspectos negativos, como a restrição um entendimento próprio. das atividades rotineiras, as crianças também podem encontrar diversos aspectos 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS positivos na enfermidade. Além disso, nota-se a presença de entendimentos pró- As crianças apresentam papel de prios e diferenciados a respeito do pro- destaque frente às políticas de saúde. A cesso saúde-doença entre as crianças abordagem desta faixa etária permite que mais novas e as crianças mais velhas. a estruturação de hábitos saudáveis se dê Em relação às formas de contágio, logo cedo na vida de uma pessoa, maxi- nota-se a necessidade de orientação em mizando as oportunidades dela vir a ser relação às formas de transmissão de al- um adulto apto a manter tais costumes. O gumas doenças, o que pode ser desen- estudo das representações sociais de sa- volvido como temas transversais nas dis- úde e doença para crianças é imprescin- ciplinas desenvolvidas na própria escola. dível na estruturação de programas de A partir desses entendimentos, po- prevenção em saúde para tal população. de-se estabelecer trabalhos voltados para O modo pelo qual as crianças dão sentido a infância que permitam que as crianças à saúde e à doença pode ser diferente da desenvolvam suas capacidades para tor- maneira como os adultos o fazem, o que narem-se atores sociais ativos no cuidado torna imprescindível a realização de pes- com sua saúde. É possível presumir que a quisas específicas. elaboração de programas de prevenção Esse trabalho pretendeu compre- voltados à infância alcançaria resultados ender as representações sociais de saúde satisfatórios. As intervenções educacio- e doença para crianças, uma vez que tais nais devem basear-se nas informações a dados são considerados importantes no respeito do entendimento das crianças planejamento de estratégias de preven- sobre o processo saúde-doença como ção e adoção de hábitos saudáveis para a norte para a realização de diversos pro- vida das pessoas. gramas de prevenção na área da saúde. InterScientia, João Pessoa, v.2, n.3, p.48-66, set./dez. 2014 63 Reflexões sobre as representações sociais de saúde e doença para crianças ABSTRACT The understanding of health and illness representations for children is necessary and essential for the development of health programs that meet their needs, because children develop a proper understanding of the theme. Children's responses about health and disease are based on their personal experiences and family influence, school and the media. In general, for children, the disease is related to impediment or limiting the activities they enjoy or that are part of their daily lives. However, in addition to negative feelings, children also describe positive aspects such as the possibility to watch TV or videos, to get candy and toys, receiving visitors and attention. In relation to improvement, children suggest the use of conventional methods such as medication, but also for alternative methods, such as take a tea, rest and changes in diet. About prevention, healthy eating and physical exercise are mentioned as the most important categories. Thus, it is concluded that the development of prevention programs aimed at children should be based on an understanding of children on the healthdisease process. Keywords: Social Representation. Health. Illness. Childhood. Recebido em: 08/09/2014 Aceito em: 03/11/2014 REFERÊNCIAS ADAM, P.; HERZLICH, C. Sociologia da BORUCHOVITCH, E.; MEDNICK, B. R. doença e da medicina. 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