Cultura Digital

Transcrição

Cultura Digital
Dimensões da Interatividade na
Cultura Digital
Hermano José Marques Cintra
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre em
Comunicação e Semiótica sob a
orientação Prof. Dr. Rogério da Costa
São Paulo
2003
O tema desta dissertação obviamente incentiva a interação com seus leitores.
Para este fim, informo meus localizadores digitais e coloco-me à disposição
para a discussão dos temas abordados neste trabalho:
Email [email protected]
ICQ 37939314
(favor referenciar a dissertação no pedido de autorização)
Esta
cópia
foi
disponibilizada
através
do
site
da
TerraForum
(www.terraforum.com.br), empresa de consultoria na qual atua o autor do
trabalho. Em parceria com outros consultores e sob a liderança do Dr. José
Claúdio Terra, renomado especialista mundial em gestão do conhecimento,
oferecemos assessoria em gestão do conhecimento, e-business e e-learning.
Particularmente, o autor está envolvido em projetos de formulação de
estratégias de e-business, de desenvolvimento de ambientes digitais com foco
na eficiência interativa e de construção de comunidades virtuais.
-2-
Para Satomi, minha companheira,
pela paciência, pelo apoio e, em especial, pelo carinho
tão essenciais durante a redação deste trabalho.
-3-
Agradecimentos
Em primeiro lugar, cabe expressar meu profundo apreço à
compreensão e confiança de meu orientador, Prof.
Rogério da Costa, sem as quais teria sido impossível
retomar o percurso do mestrado e chegar ao seu final
mediante a produção desta dissertação. Suas indicações
bibliográficas e as sugestões das trilhas e rotas foram
extremamente valiosas e precisas. Em segundo lugar,
tenho que agradecer minha mãe, Prof. Anna Maria
Marques Cintra, que pacientemente fez a revisão de várias
versões deste texto, expurgando erros de redação e de
lógica, além de diversas preciosas dicas ao longo do
caminho. Em terceiro lugar cabe mencionar o valioso
apoio de meu grande amigo Francisco Yonamine, que do
outro lado do ICQ estava sempre pronto a trocar uma
idéia, confirmar uma dúvida, ou localizar algo na rede,
coisa que faz como ninguém. Vários colegas de trabalho,
que desde 1996 acompanharam minhas perambulações
profissionais pela Internet, também são titulares de uma
dívida de gratidão. Várias das experiências que informam
esta dissertação são fruto de debates, fracassos e
sucessos vividos em equipe.
-4-
Resumo
O objetivo desta dissertação é discutir a interatividade que se estabelece nos
meios digitais. Ela propõe um entendimento específico do fenômeno diante da
incipiente cultura digital. A interatividade é um aspecto central da potência de
transformação que as mídias digitais comportam. Seu estudo é fundamental
para a compreensão da revolução digital cujas etapas iniciais atualmente
presenciamos.
Este trabalho inicia-se com a descrição de três conceitos fundamentais:
interatividade, o fenômeno estudado; cultura digital, o território dentro do qual
o fenômeno é estudado; e interface, o principal operador do fenômeno neste
território.
Em seguida, ele propõe um método particular de análise da interatividade na
cultura digital. Sua principal hipótese é a existência de quatro dimensões
identificáveis, a partir das quais a interatividade pode ser praticada e percebida.
Estas dimensões dão conta das variações nas formas pelas quais os agentes da
comunicação atuam, o sentido é produzido, o tempo é performado e a
espacialidade é construída. Em cada uma destas dimensões, uma série de
vetores é identificada e discutida através dos exemplos de várias tecnologias
que suportam a interatividade no meio digital, como email, aplicativos de
mensagem instantânea e conferências eletrônicas.
Na terceira parte desta dissertação, os mecanismos de interatividade são
analisados em face da perspectiva das dimensões propostas e seus vetores,
para a qual um quadro resumo é construído. Eles são divididos em três grupos:
os viabilizados de espaços de publicação, os potencializadores de diálogos e os
formadores de comunidade. Várias tecnologias são apresentadas dentro destes
grupos. Elas são discutidas em suas funcionalidades e principais conseqüências.
Uma manifestação específica de um mecanismo de interatividade é escolhida
em cada grupo, com o objetivo de demonstrar a viabilidade da análise que as
dimensões e seus vetores possibilitam.
A presente dissertação é apresentada na expectativa de persuadir seus leitores
da importância da interatividade. O modelo de análise construído pela
identificação das dimensões da interatividade pretende informar o
entendimento, a aplicação e o desenvolvimento de ferramentas de
interatividade e seus ambientes de interação.
-5-
Abstract
The goal of this dissertation is to discuss interactivity in the digital realm. It
proposes a specific understanding of this phenomenon in the midst of a nascent
digital culture. Interactivity is a central aspect to the transformational power
that digital media entails. Its study is fundamental to the comprehension of the
digital revolution, of which we live the early stages.
This paper begins with the outline of three fundamental concepts: interactivity,
the studied phenomenon; digital culture, the territory at which the phenomenon
is studied; and interface, the main operator of the phenomenon in the territory.
Following, it proposes a particular method for the analysis of interactivity in the
digital culture. The main hypothesis is that there are four identifiable
dimensions, by which interactivity can be performed and perceived. They
account for the variations in aspects of how agents of communications act,
meaning is produced, time performed and spatiality is built. Within each of
these proposed dimensions, a series of vectors are identified and discussed
through examples of various technologies, which supports interactivity in the
digital medium, such as email, instant messaging and electronic conferences.
In the third part of the dissertation, the mechanisms of interactivity are
analyzed in the perspective of the proposed dimensions and its vectors, for
which a summarizing table is constructed. They are divided in three groups:
enablers of publishing spaces, potentializers of dialogues and builders of virtual
communities. Various technologies are presented within these groups. They are
discussed for their functionalities and major consequences. A specific
manifestation of an interactivity mechanism is chosen in each group for the
purpose of demonstrating the viability of the analysis that dimensions and its
vector entails.
The present dissertation is presented in the expectation of persuading readers
of the importance of interactivity. The analysis model constructed by the
identification of the dimensions of interactivity should inform the understanding,
the application and the development of tools of interactivity and environments.
-6-
Sumário
Resumo __________________________________________________5
Abstract __________________________________________________6
Sumário __________________________________________________7
Introdução________________________________________________9
Capítulo I Conceitos _______________________________________17
Cultura Digital _____________________________________________________ 20
As fronteiras do discurso digital ________________________________________________ 20
Experimentações premonitórias do discurso pós-moderno ___________________________ 21
Algumas implicações sociais da cultura digital _____________________________________ 23
O pensamento na Cultura digital _______________________________________________ 25
A gênese da cultura digital ____________________________________________________ 27
Operações do digital: a Digitalização ____________________________________________ 29
Operações do digital: a Conectividade ___________________________________________ 32
Operações do digital: a Virtualização ____________________________________________ 34
A complexidade e o fim das utopias finalistas _____________________________________ 35
Interatividade _____________________________________________________ 38
Interatividade e produção de significado _________________________________________ 38
A mídia digital e a capacidade de diálogo_________________________________________ 42
O potencial interativo da leitura ________________________________________________ 44
Graus de interatividade _______________________________________________________ 48
Interface _________________________________________________________ 52
A natureza transformadora da interface digital ____________________________________ 52
A interface enquanto metáfora _________________________________________________ 56
Elementos da interface _______________________________________________________ 58
Capítulo II Dimensões ______________________________________62
Dimensão do Agente ________________________________________________ 66
Fluxo: Um-um / Um-muitos / Muitos-muitos ______________________________________ 67
Natureza: Homem-Homem / Homem-Máquina ____________________________________ 68
Identidade: Conhecida / Desconhecida __________________________________________ 70
Dimensão do Sentido________________________________________________ 72
Mecanismo: Seleção / Diálogo _________________________________________________ 73
Método: Dinâmico / Procedimental / Pré-determinado ______________________________ 75
Polaridade: Escritor / Leitor / Neutra ____________________________________________ 76
-7-
Dimensão do Tempo ________________________________________________ 79
Ritmo: Síncrono / Assíncrono __________________________________________________ 80
Retenção: Permanente / Fugaz_________________________________________________ 81
Simultaneidade: Favoráveis / Desfavoráveis ______________________________________ 82
Dimensão do Espaço ________________________________________________ 85
Metáfora: Simples / Complexa _________________________________________________ 86
Acesso: Público / Privado _____________________________________________________ 87
Localização: Imediata / Possível ________________________________________________ 88
Capítulo III Mecanismos ____________________________________91
Os viabilizadores de espaços de publicação ______________________________ 98
A cada um, um pedaço de chão na WWW ________________________________________ 98
Para cada leitor um site diferente______________________________________________ 100
Contando visitas e muito mais ________________________________________________ 101
As possibilidades tecnológicas_________________________________________________ 103
Análise demonstrativa: Projeto Tofte ___________________________________________ 107
Os potencializadores de diálogo ______________________________________ 111
Email: o verdadeiro “killer application” __________________________________________ 111
Papo cabeça e papo furado___________________________________________________ 113
Contatos imediatos _________________________________________________________ 118
Conversas em txt___________________________________________________________ 121
Análise demonstrativa: ICQ___________________________________________________ 124
Os formadores de comunidade _______________________________________ 127
Os primeiros passos ________________________________________________________ 127
As bases da vida comunitária no ciberespaço ____________________________________ 129
As tecnologias de suporte ____________________________________________________ 132
A criação de mundos complexos_______________________________________________ 138
Análise demonstrativa: Brainstorms ____________________________________________ 141
Conclusão ______________________________________________146
Bibliografia _____________________________________________150
-8-
Introdução
-9-
Introdução
A decisão de escrever sobre a interavitidade no âmbito da cultura digital faz
parte de meu percurso pessoal de encantamento com revolução digital. Embora
possa recorrê-lo aos meus primeiros passos com computadores no início da
década 80, é a descoberta dos bulletin board systems (BBS), há dez anos, que
inicia este encantamento com as possibilidades abertas pela Internet. Na
verdade, as BBS ainda não podiam prover acesso à rede das redes no início dos
anos 90. Elas nos conectavam a outras redes como a Bitnet, a Fidonet e a
Usenet, mas já permitiam uma experiência premonitória da potência do email,
dos newsgroups, e do acesso a documentos digitais arquivados a distância.
A experiência com as BBS tinha sabor de antepasto. Antes da regulamentação
do provimento de acesso comercial em 1995, as únicas alternativas de conexão
à Internet no Brasil eram as universidades e a BBS Alternex do Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômica - Ibase, ONG fundada pelo sociólogo
Betinho, que havia viabilizado acesso à Internet, em função de suas atividades
de apoio à conferência ECO-92, no Rio de Janeiro [Ercilia 2000]. No final de
1994, afiliei-me ao Ibase, instalei o browser da Netscape e realizei minhas
primeiras visitas à World Wide Web (WWW).
Em uma destas incursões, encontrei referências ao recém lançado livro de
Nicholas Negroponte, diretor do importante instituto de pesquisa Media Lab do
Massachusetts Institute of Technology, Being Digital [1995]. A leitura deste
livro competou a operação de encantamento. A otimista visão do impacto que a
revolução digital teria em nossas vidas cotidianas, composta por Negroponte,
era fascinante. Continua sê-lo, mesmo após quase oito anos, durante os quais
as promessas da vida digital foram extensamente propagadas pela mídia,
largamente abusadas por empreendores ansiosos em enriquecer na corrida ao
ouro virtual do final dos anos 90 e duramente contestadas em face do debacle
das bolsas em 2000.
O livro de Negroponte dirigiu-me a leitura da revista Wired, o que se tornou um
hábito que mantenho desde setembro de 1995, e esta levou-me até Howard
- 10 -
Introdução
Rheingold e seu livro The Virtual Community [1994]. Este outro relato das
possibilidades que o ciberespaço engendrava, aliado a vários e excelentes
artigos da Wired, comuns nos primeiros anos da revista, raros atualmente,
alimentaram o encantamento e começaram a despertar questionamentos
pessoais que acompanhavam uma progressiva compreensão das conseqüências
da revolução digital.
Em 1996, a curiosidade intelectual encontrou a prática professional. Desde
1991, estava envolvido com televisão por assinatura e, naquele momento,
trabalhava para a holding das Organizações Globo que gerenciava seus
negócios no setor. Fui convidado a gerenciar o projeto que deveria desenvolver
o produto de acesso à Internet em banda larga, a ser lançado pelas operações
de televisão a cabo da empresa. Durante dois anos, tive a oportunidade de aliar
pesquisa e prática na investigação das possibilidades da revolução digital. A
atividade de desenvolvimento de produto permitia que muito do meu tempo
fosse dedicado a leituras de relatórios e newletters que privadamente não teria
condição de pagar, assim como diversas viagens, congressos e contato com
consultores internacionais. No lado da prática, coordenei todas as atividades
que levaram ao lançamento do produto Virtua em operação piloto na cidade de
Sorocaba, no início de 1998 (desliguei-me da empresa dias antes do início das
atividades), o que incluiu testes da tecnologia de cable modem e
desenvolvimento de sites protótipos que exploravam as possibilidades da banda
larga, entre outras atividades.
Foi neste período que dedici engajar-me ao mestrado do Programa de
Comunicação e Semiótica, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Durante os anos de 1997 e 1998, tive a oportunidade de levar meus
questionamentos pessoais ao encontro do pensamento acadêmico em
disciplinas, dentre os quais se destacam: dois cursos ministrados por meu
orientador, professor Rogério da Costa, um que colocava em discussão a
inteligência coletiva e outro focado na epistemologia do tempo; outros dois com
- 11 -
Introdução
o professor Philadelfo Menezes, o primeiro que investigou a existência de um
novo sentimento religioso no bojo da globalização e, um segundo, que discutiu
o texto e a cultura digital; e um outro conduzido pelo professor Sérgio Bairon
que convidou à atuação prática - teórica na construção de roteiros em
hipermídia.
Já na primeira monografia escrita para o programa de mestrado, a opção pelo
estudo da interatividade foi configurada. Este trabalho apresentava a
proposição das dimensões de interatividade e o incentivo do saudoso professor
Philadelfo Menezes levaram-me a transformar esta proposição na base do meu
projeto de pesquisa. Em 1999, trabalhando sob a orientação de Rogério da
Costa, iniciei o empreendimento que deveria produzir esta dissertação até o
final do mesmo ano.
Esta trajetória foi interrompida por um evento de minha vida profissional. Em
outubro de 1999, fui convidado pelo presidente da empresa em que trabalhava
a montar um novo negócio, aproveitando meus conhecimentos sobre a
Internet. Também queríamos embarcar na corrida do ouro virtual. Decidimos
criar um serviço que deveria oferecer a pequenas e médias empresas as
vantagens de eficiência que a Internet viabilizava para as grandes. A missão era
criar uma comunidade de empresas, a partir de ferramentas que o mercado
apelidou de B2B (business to business). Para tornar uma longa e tortuosa
história curta, durante três anos mergulhei de corpo e alma neste projeto que
infelizmente ainda não logrou estabelecer uma comunidade pulsante de
empresas, apesar de ter atraído milhares delas e haver dado margem ao
desenvolvimento de diversos aplicativos.
Neste período, durante o qual afastei-me do programa de mestrado, os
desafios profissionais levaram-me à discussão e à prática com vários dos
mecanismos de interatividade que analiso nesta dissertação. Chegamos tarde à
corrida do ouro virtual e com o estouro da bolha especulativa em abril 2000, as
dificuldades que se abateram sobre as empresas do mercado de serviços de
- 12 -
Introdução
Internet, proporcionaram uma vida dura e um rico aprendizado. As gloriosas
promessas, que haviam sido extensamente exploradas por empreendedores
ávidos em levantar fortunas na bolsa e reverberadas por jornalístas facilmente
encantáveis por uma boa manchete, deram lugar ao ceticismo. Revolução
digital e nova economia passaram a ser tratadas como parte de um embuste
criado para inflar, absurdamente, o valor das empresas pontocom.
Certamente, houve muito exagero e várias certezas que já tive me
abandonaram, porém continuo absolutamente encantado com as possibilidades
do ciberespaço. Não tenho a menor dúvida de que vivemos os primeiros anos
de uma profunda revolução. Como diz Lúcia Santaella:
“Propiciada, entre outros fatores, pelas mídias digitais, a revolução
tecnológica que estamos atravessando é psíquica, cultural e socialmente
muito mais importante do que foi a invenção do alfabeto, do que foi
também a revolução provocada pela invenção de Gutemberg. É ainda
mais profunda do que foi a explosão da cultura de massas, com os seus
meios técnicos mecânico-eletrônicos de produção e transmissão de
mensagens. Muitos especialistas em cibercultura não têm cessado de
alertar para o fato de que a revolução teleinformática, também chamada
de revolução digital é tão vasta a ponto de atingir proporções
antropológicas importantes, chegando a compará-la com a revolução
neolítica.” [2002:389]
Sob esta perspectiva, era mesmo estranho que as transformações provocadas
pelo digital enfrentassem tão pequena resistência, em especial, quando
comparadas às críticas e ao ceticismo ocasionados pela invenção da imprensa.
Seria mais normal que uma revolução destas proporções criasse diversas
rupturas nos meios de produção, levando a processos de destruição de riqueza
e não a uma vertiginosa valorização dos ativos motivadas pelo que Alan
Greenspan,
presidente
do
Federal
Reserve
americano,
definiu
como
“exuberância irracional”. As promessas da revolução digital são válidas, porém
- 13 -
Introdução
elas vão se instalar de maneira muito mais problemática do que se supôs
durante a corrida do ouro e, como todas as revoluções que envolvem grandes
transformações sócio-culturais, vão tomar o período de gerações para que todo
seu potencial se realize.
Desde de o início, tive bastante claro que no bojo da multifacetada revolução
digital o que me interessava estudar era a Internet como fenômeno de
comunicação. O que mais me encantava eram as possibilidades interativas do
meio, sua capacidade de colocar em diálogo múltiplos agentes afastados entre
si no contínuo do tempo-espaço. Nos cursos junto ao programa de
Comunicação e Semiótica e durante a pesquisa que empreendi, pude confirmar
que a interatividade constituia um tema relevante não somente por sua
centralidade diante da cultura digital nascente, como também pela carência de
análises que a tomassem como objeto primário.
Ao longo das leituras, das disclipinas e da prática profissional, várias perguntas
interpunham-se. Existia uma nova linguagem? Formava-se uma nova cultura?
Configurava-se uma nova forma do pensar? Havia veracidade na proposição de
uma inteligência coletiva? Constituiam as comunidades virtuais organizações
socias efetivas? Estas questões foram sendo aclaradas em textos nos quais a
interatividade fazia-se sempre presente. Falava-se da inserção interativa do
leitor imersivo [Santaella 2002], da cultura constituída por uma audiência que
participa [Costa 2002], da inteligência colocada em fluxo coletivo pela interação
[Lévy 1999], das comunidades que nascem em função da interação social
contínua no ciberespaço [Rheingold 1994] e de diversas tecnologias e suas
conseqüências quase sempre caracterizadas pelo potencial de interatividade.
Ficava claro que havia uma cultura digital e que a Internet era um artefato
cultural [Hine 2000] que tinha na interatividade sua fonte de potência.
A pretensão desta dissertação é, portanto, construir um entendimento do
objeto interatividade dentro do contexto específico da cultura digital. A maior
dificuldade que isto oferece é isolar a interatividade do discurso. Por exemplo,
- 14 -
Introdução
não interessam as manifestações da arte digital em si, mas, sim, como ocorrem
as interações dos agentes da comunicação entre si, através das mensagens que
esta compõe. A principal indagação reside em como funcionam os mecanismos
que nos propocionam a interatividade no meio digital. Quais as características
que determinam sua potência e, por conseguinte, contituem o meio digital
como um território transformador.
Além da extensa prática nos âmbitos profissional e pessoal com diversos
mecanismos de interatividade que habitam o ciberespaço, os diversos relatos e
análises que constituem a bibliografia desta dissertação informaram a
construção de um entendimento particular do objeto interatividade. Trata-se de
uma proposta de abordagem analítica que pretende instrumentalizar a
compreensão, a aplicação e a construção de mecanismos de interatividade no
meio digital. Este texto oferece-se como uma ferramenta na medida que
procura caracterizar a interatividade na cultura digital, a partir de um conjunto
de dimensões dentro das quais uma série de vetores criam as possibilidades de
interação entre os agentes e as mensagens no ciberespaço.
O texto parte da caracterização de três conceitos centrais à investigação: a
cultura digital, a interatividade em si, e a interface que a possibilita. O primeiro
capítulo serve para expor minha compreensão destes conceitos à luz das
leituras realizadas, que não se pretendem panorâmicas do estado da arte, mas,
sim, referênciais para a construção da proposição central deste trabalho,
desenvolvida no capítulo seguinte. A discussão conceitual tem por objetivo
demitar a pesquisa ao configurar o fenômeno, seu território e seu operador.
São quatros as dimensões da interatividade que apresento no segundo capítulo.
Elas remetem ao papel do agente, do sentido, do tempo e do espaço. Nessa
etapa da dissertação, fundamento a configuração conceitual das dimensões e
proponho que dentro delas existem os vetores que dão luz à potência da
interatividade na cultura digital. Discuto as dimensões e seus vetores um a um,
- 15 -
Introdução
apresentando-os em face dos mecanismos de interatividade específicos como o
email, a Web e as conferências eletrônicas.
O terceiro capítulo, dá conta de aplicar esta proposição conceitual como método
de análise. À guisa de exemplo da viabilidade do método, o quadro das
dimensões da interatividade é aplicado em três demonstrações analíticas,
eleitas a partir da distribuição dos mecanismos da interatividade em três
grupos, segundo objetivos distintos: a viabilização de espaços de publicação, a
potencialização de diálogos, e a formação de comunidades. As principais
tecnologias que operam a interatividade nestes três grupos são apresentadas
em função de seus aspectos mais relevantes e as dimensões são discutidas vis
a vis a suas funcionalidades.
Na conclusão, discuto a utilidade e as limitações da análise proposta. Na
tentativa de oferecer continuidade para a pesquisa da interatividade aqui
empreendida, elenco duas indagações problemáticas em face ao proposto
método de análise. Por fim, rapidamente relato as indagações pessoais nascidas
durante o projeto que esta dissertação encerra e as possibilidades de caminhos
intelectuais que elas me apresentam para o futuro.
- 16 -
Capítulo I
Conceitos
- 17 -
Capítulo I - Conceitos
O primeiro estágio desta dissertação é colocar em perspectiva os três principais
conceitos que operam no universo temático escolhido: a interatividade, o
fenômeno em análise; a cultura digital, o território de atuação no qual se
analisa o fenômeno; e a interface, o principal operador do fenômeno neste
território.
Pretendo demarcar estes conceitos não somente em relação aos seus limites,
quanto também às suas implicações mais relevantes, em especial, aquelas que
os inter-determinam em conjunto. Pretendo também referenciar culturalmente
estes conceitos e suas críticas, porém, sem qualquer preocupação com a
representatividade quantitativa da análise. A seleção realizada é particular e
referencial, não panorâmica.
Embora a razão da escolha esteja sinteticamente exposta no primeiro paragráfo
acima, cabe situar os conceitos escolhidos em conjunto, antes de tomar cada
um como objeto de análise. Não é necessário defender a existência de uma
interconexão conceitual entre cultura digital, interatividade e interface, mas
cabe discutir sua natureza.
As tecnologias da cultura digital produzem alterações significativas nos
mecanismos da interatividade que por sua vez estão em grande parte
implicados na própria constituição do ciberespaço e sua cultura. Rogério da
Costa abre seu livro A Cultura Digital dizendo “A cultura da atualidade está
intimamente ligada à idéia de interatividade...” [2002:8].
A rede é antes de mais nada um meio de comunicação. Alain Kay, um dos
pioneiros da construção de interfaces, vai além ao afirmar: “O computador é
um meio de comunicação!” [apud Johnson 2001:41]. A cultura digital pode ser
delimitada como aquela que surge do fenômeno da comunicação mediada por
computador (CMC) potencializada pela alta conectividade proporcionada pela
Internet. As alteridades da cultura atual resultam, em grande parte, de
- 18 -
Capítulo I - Conceitos
alteridades na interatividade que, por sua vez, surgem em função das
tecnologias desta mesma cultura.
Existe
um
movimento
de
dupla
determinação
central
ao
potencial
transformador da cultura digital. As tecnologias que fundam as alteridades na
interatividade nascem das pulsões desta cultura digital que, por sua vez, se
nutrem deste potencial da interatividade.
No campo desta dupla determinação, opera a interface. São as interfaces que
pragmatizam a interatividade na comunicação mediada por computador. São
suas capacidades comunicacionais que desenham os novos limites da
interatividade e condicionam, em grande parte, sua eficiência. É nas inovações
da interface que o virtual realiza seu potencial de interatividade.
Fechando o circuito, a interface ocupa um papel central entre as manifestações
da cultura digital, como defende Steven Johnson em seu Cultura da Interface
[2001]. Uma nova cultura pressupõe um novo discurso. A cultura digital opera
seu discurso de maneira primária em seu próprio meio. Pragmatiza-se,
portanto, através de interfaces que nos atualizam o digital. As possibilidades da
interface determinam este discurso.
A interface também é central à cultura digital na medida em que, uma vez
digital, a arte depende de uma interface para se tornar presente a seu público.
A interface está na obra, não é mera moldura, visto que a arte digital implica a
interatividade. A arte digital não se admite estática, não é construída para
contemplação. Ela supõe a interação do público com o objeto artístico, como
nota Lévy:
“Organizando a participação em eventos mais do que espetáculos, as
artes da cibercultura reencontram a grande tradição do jogo e do ritual.”
[1999:155]
- 19 -
Capítulo I - Conceitos
Cultura Digital
As fronteiras do discurso digital
Embora seja historicamente muito recente, o universo da cultura digital é por
natureza profícuo. Suas dimensões são da escala do inimaginável. A quantidade
de produção que pode ser considerada cultural é assustadora. A Internet,
principal repositório das manifestações da cibercultura, é um universo infindável
de textos, imagens e sons que se conectam de maneira múltipla e intrincada.
Diversos são os aparatos que procuram dar alguma organicidade ao imenso
conteúdo da rede. Os mecanismos de busca como Google (www.google.com)
ou Yahoo! (www.yahoo.com) são parada obrigatória a todos aqueles que
procuram algo na Internet; e as eventuais frustações diante dos resultados
destas pesquisas são inescapáveis.
Porém, a explosão informacional e a ansiedade que dela resulta são anteriores
ao crescimento exponencial provocado pela Internet. Vannevar Bush já tratava
do tema em seu seminal ensaio “As We May Think” em 1945. Rogério da Costa
aponta que a profusão de canais de televisão, revistas, livros e filmes, entre
outras produções das mídias de comunicação de massa, já acarretavam a
sensação de impotência diante da quantidade de informação a ser assimilada.
[2002]
A Internet transforma a escala desta tendência. Ela produz uma verdadeira
explosão da produção de conteúdo por meio da World Wide Web (WWW). São
milhões de pessoas distribuídas pelo planeta, produzindo diariamente
informações de imediato disponíveis mundialmente, através de sites pessoais,
corporativos e comunitários. Esta produção corresponde a manifestações
culturais cuja qualidade pode ser questionada, mas cuja realidade não pode ser
negada.
- 20 -
Capítulo I - Conceitos
Primariamente, as produções desta cultura digital ocorrem em seu próprio
meio, portanto, envolvem o processo da digitalização e o suporte de um
computador. Não necessariamente implicam a comunicação através de redes,
embora geralmente pressuponham a conectividade. Analisando produções
artísticas próprias da cultural digital, Lévy escreve:
“As obras offline podem oferecer de forma cômoda uma projeção parcial e
temporária da inteligência e da imaginação coletivas que se desdobram na
rede. Podem também tirar proveito de restrições técnicas mais favoráveis.
Em particular, não conhecem os limites devidos à insuficiência das taxas
de transmissão. Trabalham, enfim, para construir ilhas de originalidade e
criatividade fora do fluxo contínuo da comunicação.” [1999:146]
Também não se excluem do universo da cultura digital manifestações culturais
suportadas por outras mídias. Uma crítica da cultura digital publicada no
formato de um livro deve ser incluída no corpus desta mesma cultura. Da
mesma maneira, devem ser considerados determinados programas de televisão
que estão inseridos no contexto da cultura digital, seja em função de seus
temas, de seus mecanismos ou de sua abordagem estética.
Steven Johnson relaciona entre as manisfestações do digital alguns programas
de televisão que praticam uma metaforma, “uma nova forma cultural que paira
em algum lugar entre meio e mensagem” [2001:33],
cuja expressão
prototípica seria o canal de televisão a cabo E! Entertainment Television.
Johnson argumenta que estas já são expressões da cultura digital, ou, em suas
palavras, “são formas digitais aprisionadas em um meio analógico” [2001:35].
Experimentações premonitórias do discurso pós-moderno
Assim como as manifestações da cultura digital excedem o suporte digital, suas
formas também se anteciparam no tempo. Janet Murray, na sua brilhante
exploração sobre a narrativa digital, Hamet on the Holodeck – The Future of
- 21 -
Capítulo I - Conceitos
Narrative in Cyberspace [1997], traça as origens do discurso digital em diversas
obras culturais que antecedem a formação de uma cultura digital, aceitando-se
que esta só se faça presente quando a comunicação mediada por computador
passa a ocupar um papel relevante na experiência humana, como veremos a
seguir.
A professora do MIT, discutindo o conto “O Jardim dos Caminhos que Bifurcam”
de Borges e o filme “Rashomon” de Kurosawa, entre outros exemplos, aponta
para a existência de um tipo de estrutura narrativa a qual dá o nome de
“estórias multiformes”. Tratam-se de tramas que se desenrolam em múltiplas
possibilidades, seja criando realidades simultâneas distintas, seja narrando o
mesmo enredo a partir de diferentes pontos de vista. A autora sustenta que
esta forma da narrativa trabalha como uma antecipação das possibilidades da
mídia digital. O mesmo movimento também está presente na arte que demanda
uma audiência ativa, como as instalações e performances, o teatro com a
participação do público ou até mesmo a literatura, quando o autor reconhece
diretamente a existência do leitor, passando a travar com este um diálogo
criativo, ao qual transfere parte da responsabilidade da criação do contexto
narrativo. [Murray,1997:Chapter 2]
Richard Lanham, em seu estudo sobre a “palavra eletrônica”, afirma que as
tecnologias digitais trabalham no sentido da suplantação de várias barreiras da
linguagem que as vanguardas do começo do século XX tentaram ultrapassar
[1993]. Lévy, em Cybercultura, argumenta que a “fábula do progresso linear e
garantido” [1999:120], que a cultura digital vem deslocar, já havia sido objeto
de contestação das vanguardas e, citando Jean-François Lyotard, afirma que a
pós-modernidade já havia proclamado o fim das grandes narrativas totalizantes,
antes da cultura digital. [1999: Capítulo VI]
O Professor Philadelfo Menezes, também, defendia este caráter antecipador do
discurso das vanguardas, quando identificava nestas os primeiros passos no
sentido da desconstrução da lógica linear da narrativa [1996]. Neste sentido,
- 22 -
Capítulo I - Conceitos
citava tanto a narrativa em fluxo de consciência, cujo monumental exemplo de
Ulysses, de James Joyce é amplamente citado por Steven Johnson [2001],
quanto as experimentações sintáticas e estilísticas da poesia concreta, do Jogo
de Amarelinha, de Cortazar e das fusões multimidiáticas da videoarte,
largamente documentadas por Artur Matuck em seu livro O Potencial Dialógico
da Televisão [1995].
Algumas outras produções culturais também antecipam a cultura digital,
embora já possam ser, temporalmente, enquadradas em seus primórdios.
Certamente, Neuromancer de Wiliiam Gibson é o exemplo mais clássico desta
antecipação. Gibson não só cunha o termo ciberespaço neste volume, como
também o povoa com suas primeiras imagens e mitos. Suas metáforas do
ciberespaço, assim como as interfaces que descreve, permanecem desafiadoras
até hoje. O holodeck, que Janet Murray coloca no título de seu livro, referencia
o seriado Guerra nas Estrelas: Voyager, a quarta versão do popular programa
de televisão. O holodeck é um aparelho de projeção holográfica utilizado para
“contar histórias” em alguns episódios da série. Murray apresenta o holodeck
como uma antecipação do caráter imersivo da narrativa digital [1997: Chapater
1 e Chapter 4].
Algumas implicações sociais da cultura digital
Para que possamos entender a cultura digital como um fenômeno abrangente,
também é preciso identificar suas manifestações fora do ambiente do discurso.
É preciso perceber suas implicações nas relações sociais que florescem no
ciberespaço.
Um primeiro aspecto a evidenciar é a existência de um sistema de normas de
conduta. A instância mais aparente destas regras de conduta são a netiquette.
Nicholas Negroponte reconhece a existência e a necessidade do sistema de
conduta, porém aponta para o fato de que, em função da juventude do meio,
- 23 -
Capítulo I - Conceitos
estas regras não são ainda nem consolidadas nem conhecidas, muito menos
respeitadas. [1996:191-193] Se isto é verdade para a rede tomada em seu
todo, deixa de sê-lo quando olhamos para comunidades virtuais estabelecidas
na rede. Howard Rheingold relata uma série de eventos que demonstram a
formação de comportamentos socialmente válidos, seja pela simples repetição,
seja pela coerção a desvios não aceitos por esta conduta [1994].
Outros indícios demonstram que esta cultura envolve um projeto ético próprio.
Entre eles está a existência de uma organização como a Eletronic Frontier
Foundation (www.eff.com) que se dispõe a defender os valores do ciberespaço.
Nesta mesma linha, soma-se a coluna The Netizen, publicada durante certo
período na revista Wired, que se ateve à mesma tarefa, embora ainda seja
difícil perceber a existência de um conjunto comum e coerente de valores no
âmbito da rede, que se estenda além de um pequena elite. John Katz,
escrevendo para a mesma Wired, identifica:
“I saw the primordial stirrings of a new kind of nation - the Digital Nation and the formation of a new postpolitical philosophy. This nascent ideology,
fuzzy and difficult to define, suggests a blend of some of the best values
rescued from the tired old dogmas - the humanism of liberalism, the
economic opportunity of conservatism, plus a strong sense of personal
responsibility and a passion for freedom.” [1997:49]
Além do projeto ético, a cultura digital também instaura novos formatos de
relacionamento social. As comunidades virtuais são a grande novidade. Se uma
comunidade é um grupo de pessoas que interage socialmente, comunidades
virtuais
são
grupos
que
mantém
estreitos laços sociais de maneira
independente do espaço físico. Suas relações são mediadas através dos
mecanismos da CMC. Apertos de mão são substituídos por cumprimentos
“eletrônicos” que trafegam na forma de mensagens eletrônicas. O livro de
Howard Rheingold The Virtual Community [1994] é um extenso testemunho da
- 24 -
Capítulo I - Conceitos
existência destas comunidades, a partir da experiência do autor nas origens e
desenvolvimento de algumas delas:
“Virtual communities are social aggregations that emerge from the Net
when enough people carry on those public discussions long enough, with
sufficient human feeling, to form webs of personal relations in
cyberspace.” [1994:5]
O que forma as comunidades é o partilhar de interesses comuns que constrói
um repertório coletivo a partir da interação contínua. A experiência virtual não é
condicionada de maneira alguma pelo espaço físico. As conexões entre as
pessoas é que constituem o espaço virtual. Já em 1968, os diretores da ARPA
(Advanced Research Projects Agency), ponderando sobre as comunidades online, percebiam que “... there will be communities not of common location but
of common interests...” [Licklider, J and Taylor, R apud Rheingold, 1994:24].
O pensamento na Cultura digital
Dentro do campo da cultura digital, também se identificam novos processos de
produção e acumulação do conhecimento. É a inteligência coletiva que Lévy
identifica como “um dos principais motores da cibercultura” [1999:28]. O
conhecimento interconectado que reside no ciberespaço constitui uma nova
forma de memória cultural: coletiva como a que reside nas bibliotecas, porém
muito mais dinâmica e múltipla, visto que é não mediada por uma indústria do
saber que exclui o que não valida.
No âmbito da cultura digital, os obstáculos para a distribuição e para a
permanência do conhecimento particular são mínimos. Não é mais necessário
ter o aval de uma academia ou o apoio de uma editora para publicar
manifestações culturais das mais variadas tendências. Os mecanismos do digital
também deslocam, sem substituir, as instituições do saber do papel de
validação da cultura. A autoridade de um discurso passa a ser estabelecida
- 25 -
Capítulo I - Conceitos
dentro das comunidades virtuais de maneira direta, ou fora delas por meio de
um amplo procedimento de conexão entre publicações digitais operado por
links hipertextuais.
Aqui a cultura digital se destaca das formas que a precedem. Existe um retorno
à transmissão da cultura por coletividades humanas vivas. As manifestações
culturais transitam sem a interferência de agentes mediadores como indústrias
culturais do saber e do entrenimento. Neste movimento, autores como Pierre
Lévy [1999], Steven Johnson [2001] e Philadelfo Menezes [1996] percebem um
retorno à oralidade, característica das culturas anteriores à escrita. Porém, os
discursos digitais não se perdem como os orais; eles são feitos permanentes na
estrutura do ciberespaço.
A cultura digital inaugura profundas transformações em nossos modos de
pensar, visto que isto se realiza a partir do novas tecnologias da inteligencia
[Lévy 1994]. Como comenta Santaella, na cultura digital “estão geminando
formas de pensamento heterôgeneas, mas, ao mesmo tempo, semioticamente
convergentes e não-lineares, cujas implicações mentais e existênciais, tanto
para o indivíduo quanto para a sociedade, estamos apenas começando a
compreender” [2002:392].
Como destaca Lévy, a inteligência coletiva é fruto de um conjunto de:
“... tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e modificam
numerosas funções cognitivas humanas: memória (bancos de dados,
hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos), imaginação
(simulações), percepção (sensores digitais, telepresença, realidades
virtuais), raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenômenos
complexos).” [1999:157]
- 26 -
Capítulo I - Conceitos
A gênese da cultura digital
Se como vimos, as fronteiras da cultura digital são largas, cabe então discutir
sua gênese e seus principios de fundação. De maneira simples, podemos dizer
que a cultura digital é aquela que acompanha a comunicação mediada por
computador. Porém, é preciso tomar um cuidado. Embora a CMC possa ser
recorrida até às experiências iniciais que originaram a Arpanet, a rede ancestral
da Internet, na década de 60, é preciso ressaltar que somente a partir de uma
determinada quantidade de atores conectados é que a rede atinge maturidade
para constituir uma nova cultura. Como ressalta Lévy, o ciberespaço é “fruto de
um verdadeiro movimento social, com seu grupo líder (a juventude
metropolitana escolarizada), suas palavras de ordem (interconexão, criação de
comunidades virtuais, inteligência coletiva) e suas aspirações coerentes” [1999:
123].
Por quase duas décadas, todo o aparato que viabiliza a CMC se manteve dentro
de centros de pesquisa acadêmicos e militares. É o advento do computador
pessoal (PC) que transforma a potência da comunicação mediada por
computador. O jornalista Robert Cringley faz um excelente histórico do
surgimento do PC em seu livro Accidental Empires [1996]. Cringley relata como
um movimento iniciado como hobby, por um pequeno grupo de engenheiros,
se transforma em um fenômeno industrial de larga escala.
A cultura digital começa a se engendrar quando o computador deixa de ser
exclusivo das redomas assépticas dos centros de processamento de dados
(CPD) das grandes empresas, universidades e centros de pesquisa, e se
transfere para as mesas de trabalho de milhões de cidadãos anônimos. Ao
longo das duas últimas décadas, o PC alastrou-se de maneira contínua,
passando a estar presente nos mais diversos ambientes da sociedade moderna.
Atingiu os universos profissionais, domésticos, escolares, comerciais e de lazer.
- 27 -
Capítulo I - Conceitos
Porém, como comenta George Guilder, ensaísta das revista Forbes, o
computador desconectado de uma rede de comunicação pode ser comparado a
um fusca no meio da selva fechada. Ele pode ser muito útil, pois nos protege
dos bichos e da intempérie, mas não nos leva a lugar nenhum. É na confluência
do computador pessoal e da comunicação mediada por computador que
encontramos o nascimento da cultura digital. Em seu relato da emergência das
comunidades
virtuais,
Howard
Rheingold
descreve
boa
parte
dos
acontecimentos que delimitam o surgimento desta cultura [1994].
Tanto Rheingold quanto Cringley documentam os primeiros passos desta
convergência ao relatar como os engenheiros, usuários dos primeiros PC,
criaram os primeiros bulletin board systems (BBS). Animados pelo impulso de
compartilhar suas experiências e conhecedores do potencial da CMC, já
presente no ambiente acadêmico, eles passam a conectar seus computadores a
linhas telefônicas, utilizando aparelhos de modulação / demodulação (modems),
o que lhes permitia trocar arquivos com computadores distantes também
conectados a linhas telefônicas e modems. Este movimento leva à constituição
de centros agregadores, as BBS que, funcionando como repositório de arquivos
e mensagens, passam a mediar a comunicação entre vários usuários equipados
com PC e modem.
O impulso que provoca a criação dos BBS evolui para uma diversidade de
formatos durante a década de 1980. A mais citada das comunidades virtuais, a
The Well, nasce em 1985. Neste período, proliferam também os Usenet groups,
o Internet Relay Chat (IRC) e os multi-user domains (MUD). Porém, é o
advento da WWW que opera a massificação da CMC no início da década de
1990. A cultura digital é certamente anterior a WWW, mas não há como negar
que a Web seja central ao fenômeno, visto que a popularização aumenta a
relevância de uma cultura.
- 28 -
Capítulo I - Conceitos
Operações do digital: a Digitalização
No imbricamento entre o PC e a CMC que funda a cultura digital, se encontra a
operação de digitalização. Nicholas Negroponte faz da afirmação redundante
“bits são bits” o título da primeira parte de seu livro Being Digital [1995], para
reforçar a idéia de que as palavras, imagens e sons que nos são apresentados
pelas interfaces do computador são, antes de mais nada, conjuntos de zeros e
uns. É a digitalização que viabiliza três características marcantes das
manifestações da cultura digital: a multimodalidade, o hipertexto e a simulação.
Escolho o termo multimodalidade e não multimídia para não incorrer na
confusão conceitual exposta por Lévy em Cibertura [1999:61-66]. Bits são
“misturáveis”, portanto textos, fotos, vídeos e música podem fazer parte do
mesmo bit stream, seqüência de bits. A digitalização permite construir discursos
que sensibilizam múltiplos sentidos, ou o que Lévy chama de “modalidades
perceptivas”. Embora a multimodalidade do discurso digital esteja condicionada
a limites impostos tanto pelas funcionalidades da interface quanto pela
eficiência da rede, as manifestações da cultura digital pressupõem a
possibilidade de conectar imagens, sons e textos.
Porém, não devemos deixar de notar que o processo de digitalização também
potencializa o discurso multimídia, entendido como aquele que se produz
utilizando diferentes mídias, como a TV, o rádio, o computador, ou o livro. A
junção das linguagens sonoras, visuais e verbais é um fator de aceleração
prepoderante do movimento de convergência das mídias [Santaella 2002].
Porém, o discurso multimídia não é resultante exclusivo da digitalização. O livro
Maciste no Inferno de Valêncio Xavier [1983] demonstra muito bem este ponto
ao criar na velha mídia do livro impresso um discurso no qual combina imagens
de cinema, pautas musicais e texto linear para construir uma narrativa
intersígnica. Outro exemplo não digital é a videoarte que desde o início abusou
da colagem, valendo-se de materiais advindos de diferentes mídias como a
televisão, o cinema e a fotografia [Matuck 1995]. O que o processo de
- 29 -
Capítulo I - Conceitos
digitalização opera é a facilitação destes amálgamas. Quando a televisão, o
rádio, o jornal se convertem para o suporte digital, a colagem se torna mais
transparente.
Em relação ao hipertexto, é necessário tomar o mesmo cuidado de perceber a
anterioridade do mecanismo do hipertexto em relação à digitalização. Diversos
mecanismos analógicos, que provocam o encadeiamento não linear da leitura,
podem ser arrolados como precursores do hipertexto digital. Alguns exemplos
são: os sistemas de remissão em notas de rodapé de um livro, as referências
cruzadas de uma enciclopédia ou o sistema de mapas de um guia de ruas.
A grande novidade que a digitalização invoca é a remissão automática. O
suporte digital permite a navegação instantânea entre as referências não
lineares de um hipertexto. A velocidade da remissão automática altera tanto a
leitura como a escritura. O hipertexto permite a construção de discursos não
lineares cuja leitura tem que lidar com múltiplas possibilidades de percurso.
A operação de remissão permite modificar o discurso. Liberto da linearidade o
texto pode ser construído a partir de elementos atômicos que se entrelaçam em
percursos múltiplos. Cada um destes elementos adquire novas significações
através da conexão com outros elementos. Se considerarmos que a
digitalização viabiliza a utilização de elementos multimodais, vemos o hipertexto
transformar-se em hipermídia [Santaella 2002:Capítulo VIII]. Neste cenário,
constituem-se as bases de uma nova linguagem que implica um leitor imerso
em discursos que exigem a sua participação interativa [ibidem]. Neste sentido,
como aponta Steven Johnson, os links, elementos básicos do hipertexto digital,
são a característica mais marcante do ciberespaço:
“Peça a qualquer usuário da Web para lembrar o que primeiro o seduziu
no ciberespaço; é pouco provável que ouça descrições rapsódicas de uma
figurinha animada rodopiando, ou de um clipe de som fraco e distorcido.
Não, o momento de eureka para a maior parte de nós veio quando
- 30 -
Capítulo I - Conceitos
clicamos em um link pela primeira vez e nos vimos arremessados para o
outro lado do planeta.” [2001:83]
Esta descrição não denota somente o potencial da hipermída, também aponta
para a segunda operação fundamental do imbricamento entre o PC e a CMC: a
conectividade das redes. Porém antes de tratar deste tema, vamos à terceira
característica implicada pela digitalização: a simulação.
Novamente, a digitalização não inaugura o fenômeno, mas transforma
fundamentalmente sua potência. O teatro já funcionava como uma simulação
do real na Grécia antiga. Uma simulação analógica foi a fonte de inspiração do
projeto da ARPA, a mesma que patrocinou a criação das bases da Internet,
responsável pelo nascimento de boa parte daquilo que erroneamente, como
vimos, é chamado de multimídia.
Impressionados com o sucesso dos israelenses no resgate em Entebe, no ano
de 1976, o Departamento de Defesa americano encomendou à ARPA o
desenvolvimento de meios eletrônicos de treinamento que permitissem a suas
tropas o mesmo nível de aptidão. O sucesso em Entebe havia sido garantido
pela simulação do ataque em uma reprodução detalhada do aeroporto, no qual
os passageiros estavam aprisionados. Porém, a reconstrução física de
ambientes seria muito cara e demorada. A multimídia, ou melhor dizendo, as
interfaces de multimodalidade nasceram do esforço de reconstrução de
ambientes a partir da combinação de sons, imagens e movimento.
[Negroponte, 1995:65-67]
No caso das simulações, a diferença de potencial que o digital opera é de outra
natureza. Não estamos falando de uma remissão que poderia ser feita com
menor rapidez e eficiência por meios analógicos, ou de uma colagem de
diferentes estímulos sensoriais que passa a ser facilmente exeqüível. As
simulações que o ambiente digital permite são efetivamente impossíveis no
mundo analógico. As capacidades de cálculo do computador contribuem para
- 31 -
Capítulo I - Conceitos
isto de duas formas: aumentando o número de variações que podem ser
calculadas e instrumentalizando um conjunto maior de perspectivas sobre a
simulação.
O computador excede a possibilidade humana em relação à simulação. Fugindo
de um exemplo científico: é simplesmente impossível para o homem simular
todas as variações de cenários, para todos os movimentos possíveis de um
jogador, em uma arena como as do jogo eletrônico Quake. O homem conhece
todas as equações, é ele que opera sua digitalização, mas a eficiência de um
esforço humano-analógico impossibilita não só a conclusão do cálculo, como a
produção da imagem.
Operações do digital: a Conectividade
A conectividade é a segunda operação fundamental do encontro do PC com as
possibilidades da comunicação mediada por computador. Os bits são
endereçáveis, portanto, em um meio compartilhado como a Internet, é possível
enviar mensagens para serem lidas por seus destinatários [Negroponte
1995:Part One]. Também é possível estabelecer conexões entre elementos
digitais armazenados em locais físicos distantes ou imediatos. A capacidade de
remissão que, como vimos, é a característica básica do hipertexto, é elevada a
uma nova potência, quando colocada em rede. O discurso apresenta-se como
uma cadeia de conexões aberta que permite conectar conteúdos internos e
externos a si mesmo. Não estamos mais presos dentro do corpo de um
hipertexto específico; podemos interagir com diversos discursos anteriores, da
mesma maneira que navegamos pelas remissões internas.
A conectividade generalizada da cultura digital resulta da inovação tecnológica
que dá origem à Internet, a rede das redes. Trata-se do Transfer Control
Protocol / Internet Protocol (TCP/IP) que foi desenvolvimento para permitir que
computadores com as mais diferentes configurações possam estabelecer canais
- 32 -
Capítulo I - Conceitos
de comunicação entre si. Por ser absolutamente independente de plataforma do
computador, sistema operacional ou software aplicativo, a comunicação via
Internet permitiu conectar milhões de computadores e redes existentes.
Atualmente, a grande maioria das redes públicas e privadas existentes no
planeta tem gateways (portas) para Internet.
A segunda conseqüência da conectividade é o privilégio dado à comunicação
bidirecional. Na cultura digital, é quase sempre possível interagir com o
produtor da mensagem. A capacidade diálogica, que a televisão tem buscado
por meio de mecanismo de participação da audiência, é fator constituinte da
nova cultura. Na WWW, que constitui um dos ambientes menos dialógicos da
Internet, a publicação do endereço de email do responsável pelo conteúdo de
um site é considerada uma providência mínima e obrigatória. Alguns outros
aplicativos como chats, sistemas de conferência ou newsgroups da Usenet
propiciam a interatividade entre os interlocutores na forma direta de diálogos
efetivos.
A conectividade constitui o princípio territorial da cultura digital. É ela que
forma o ciberespaço. Fora do campo da geometria, o território da cultura digital
é determinado pelas possibilidades de percurso através de múltiplas conexões.
Se o espaço físico nos permite caminhar do ponto A ao ponto B por um
corredor, mas nos impede de ir ao ponto C, em função de uma parede, o
espaço digital nos permite transitar a partir dos links e endereços que
interligam e localizam diferentes objetos digitais.
Vale notar que como não guarda correspondência direta ou determinante com
o espaço físico, a cultura digital tende a se desenvolver acima das culturas
nacionais e regionais. A cultura digital é primariamente global. Nesse sentido,
podemos notar como o processo de globalização da economia mantém relação
íntima com esta cultura. Negroponte chega a afirmar:
- 33 -
Capítulo I - Conceitos
“As business world globalizes and the Internet grows, we will start to live
on a seamless digital workplace. Long before political harmony and long
before the GATT talks can reach agreement on the tariff and trade of
atoms, bits will de borderless, stored and manipulated with absolute no
respect to geopolitical boundaries.” [1995:228]
Operações do digital: a Virtualização
Para completar o quadro, precisamos encarar a questão da virtualidade
discutida por Pierre Lévy em seu O Que é o Virtual?. Ele demonstra que o
virtual não se opõe ao real, uma vez que o real é uma condição das substâncias
e o virtual uma condição dos acontecimentos. O virtual opõe-se ao atual, pois
ele propõe uma rede de tendências, de problemas, de situações possíveis,
enquanto o atual é uma solução particular. Por sua vez, o real é oposto ao
potencial, mas aqui, é o real que determina a coisa constituída e particular,
enquanto o potencial são as possibilidades predeterminadas dos corpos. O real
e o atual são manifestos, o virtual e o potencial são latentes [1996].
A virtualização é, portanto, o processo através do qual um acontecimento
qualquer é transformado em rede de possibilidades. É um retorno à
problemática, contrário à atualização que é a solução desta. Lévy descreve uma
série de processos de virtualização. Fala da virtualização do corpo, do texto, da
economia. Ele demonstra que estes movimentos não pertencem apenas ao
mundo pós-moderno. Estão presentes em várias atividades habituais do
homem, como a leitura. Segundo o autor, a leitura pressupõe a virtualização do
texto, pois a solução particular do escrito transforma-se em problema para o
leitor, redes de possibilidades que sua capacidade de significação voltará a
atualizar. [1996]
Os processos de virtualização são comuns no ciberespaço. Os links entre sites
criam possibilidades muitas vezes inesgotáveis para o “surfar” ou “navegar” na
- 34 -
Capítulo I - Conceitos
rede. As relações sociais, livres da natureza rígida dos espaços físicos e dos
valores das comunidades geográficas, tornam-se latentes nas múltiplas
alternativas de conexão que são viabilizadas. Desprendendo-se de seus próprios
corpos, sexo e posição social, os indivíduos virtualizam-se, criando personas
que interagem socialmente nos MUD, chats e conferências da Internet.
O próprio ciberespaço é um virtual, visto que não se apresenta diretamente. Ele
é um campo de possibilidades que nos é atualizado por interfaces. Voltando ao
início deste capítulo, é a virtualidade que empresta à cultura digital sua escala
assustadora. Campo não resolvido que permite uma quantidade sem fim de
atualizações, o ciberespaço difere da biblioteca que se apresenta atualizada nos
diversos volumes que a compõem. Tomada em um momento instantâneo, uma
biblioteca por maior que seja, é um corpo finito, capturável. Certamente, não
será possível ler todos os seus volumes, mas podemos apreender seu tamanho.
O ciberespaço é incomensurável, visto que se atualiza de maneira particular nas
telas de cada um de seus habitantes e se transforma, constantemente, a partir
destas atualizações. Quando visito uma biblioteca, ao sair ela permance
basicamente intacta; ao navegar no ciberespaço, tenho a possibilidade de
deixar meus comentários, participar de votações ou interagir com outros
internautas.
A complexidade e o fim das utopias finalistas
Ao aumento da escala provocado pela virtualização, soma-se a questão da
complexidade.
Existe
um
movimento
de
crise
da
percepção
que
é
potencializado pela explosão informacional, que resulta na multiplicidade de
pontos de vista. A Internet, através da virtualização do espaço social, contribui
para a instauração do complexo como novo paradigma. A realidade não é mais
redutível e, como demonstram Deleuze e Guattari, as tentativas de explicação
da realidade por modelos englobalizadores fracassam [1995].
- 35 -
Capítulo I - Conceitos
Os filósofos franceses, propõem a construção de “rizomáticas”, teorias que se
libertem da procura do uno, da explicação reducionista que tenta prender todas
as manifestações a um único modelo. Eles sugerem que é preciso “... escapar
da oposição abstrata entre o múltiplo e o uno, para escapar da dialética, para
chegar a pensar o múltiplo em estado puro, para deixar de fazer dele o
fragmento numérico de uma Unidade ou Totalidade perdidas ou, ao contrário, o
elemento orgânico de uma unidade ou totalidade por vir – e, sobretudo, para
distinguir tipos de multiplicidades.” [1995:46] A proposição dos filósofos é
bastante desafiadora, já que todo o pensamento ocidental estruturou-se a
partir de categorias, unidades, modelos desde os tempos de Platão.
Trilhando outro caminho, o filósofo italiano Gianni Vattimo propõe a transição
da “sociedade da cultura” que constrói sua própria objetividade através de um
processo de “fabulação do mundo”, para uma “sociedade transparente” que
opere a desmistificação da desmistificação. Vattimo postula que debaixo dos
mitos existem mitos, ou seja, debaixo de signos, signos. Em prol de uma
heterogenia, ele propõe o fim do ideal da auto-consciência.
Diante da cultura digital, as proposições distintas de Deleuze / Guatari e
Vattimo permitem defender que o homem deve emancipar-se da prisão finalista
da utopia. A simultaneidade e fragmentação do cotidiano, operada na polifonia
dos meios de comunicação, afastam o indivíduo da possibilidade do belo
utópico. Sustenta-se uma heterotopia do conhecimento, o “...reconhecimento
de modelos que fazem mundo e que fazem comunidade apenas no momento
em que estes mundos e estas comunidades se dão explicitamente como
múltiplos.” [Vattimo, 1992:74]
Neste mesmo sentido, temos a proposição central de Pierre Lévy em
Cibercultura: o universal sem totalização: “Quanto mais o ciberespaço se
amplia, mais ele se torna universal, e menos o mundo informacional se torna
totalizável.” [1999:111] Lévy dedica a segunda parte de seu livro sobre a
cultura digital a demonstrar como a tese do universal sem totalização perpassa
- 36 -
Capítulo I - Conceitos
campos tão diversos quanto a arte, a educação e a democracia. [1999:Segunda
Parte]
Sua tese é que o digital produz o “universal por contato”, ou seja, o universal
que se faz presente, diretamente, a partir do fenômeno da conectividade
generalizada. A comunicação ocorre na presença do contexto em que é
produzida, visto que este contexto é também digital. De maneira diversa, as
culturas fundadas a partir do texto escrito constroem o contexto por meio de
operações de interpretação e tradução. Estas culturas buscam a universalidade
através da totalização do sentido. É a significação que produz os entes
abstratos que devem alcançar o universal; por conseqüência, estes universais
se pretendem totalizantes, visto que almejam abarcar o conjunto das
possibilidades de um contexto que não é presente. Na cultura digital, o
universal presente impossibilita a totalização. A cultura digital pressupõe a
convivência do contraditório e do múltiplo, portanto, os projetos totalizantes
não fazem mais sentido. Nas palavras do filósofo:
“O universal da cibercultura não possui centro nem diretriz. É vazio, sem
conteúdo particular. Ou antes, ele os aceita todos, pois se contenta em
colocar em contato um ponto qualquer com qualquer outro, seja qual for a
carga semântica das entidades relacionadas.” [1999:111]
- 37 -
Capítulo I - Conceitos
Interatividade
Interatividade e produção de sentido
Em primeiro lugar, cabe delimitar que a interatividade, nos termos desta
dissertação, deve ser entendida como atividade produtora de sentido, a partir
da comunicação direta ou mediada entre dois sujeitos. Está, portanto, excluída
a interação de um sujeito com um objeto que não implique significação. No
entanto, não se atribui qualquer condição de sucesso à operação significação. A
interatividade que buscamos analisar envolve, antes a intenção de um sujeito
em comunicar algo, que sua habilidade em fazê-lo. Desta forma, como comenta
Roy Ascott “... o significado é criado a partir da interação entre pessoas, ao
invés de ser ‘algo’ que é enviado de uma para outra” [apud Matuck 1995:251].
Como pretendo discutir possíveis transformações na interatividade dentro da
cultura digital, vou restringir minha análise à interatividade mediada por
computadores. Isto não deve indicar que a cultura digital não possa provocar
modificações na interatividade da comunicação não mediada, nem exclui a
possibilidade de transformações da interatividade no âmbito de outros
mecanismos de mediação, como as mídias de massa. A restrição corresponde
apenas ao procedimento metodológico de ajuste de foco.
Teremos sempre presente ao menos uma instância de mediação entre os
agentes da comunicação. As possibilidades e restrições do meio digital são,
portanto, determinantes para a interatividade que pretendo discutir. Os
mecanismos que a viabilizam apresentam novos aspectos de eficiência, assim
como acrescentam novas camadas de ruído ao processo de comunicação entre
os agentes cognoscentes. O objetivo desta dissertação é destacar quais fatores
condicionam a interatividade neste contexto.
- 38 -
Capítulo I - Conceitos
A interatividade é compreendida como o processo que permite que agentes
manipulem tanto os discursos que pretendem comunicar quanto as condições
nas quais estes são produzidos, apreendidos e transmitidos. Este processo
exige a participação ativa dos agentes na atualização das condições virtuais de
significação e, portanto, excluem situações que se caracterizam pela apreensão
passiva das mensagens. O fenômeno que interessa a esta análise configura
sistemas complexos e simples, que apresentam múltiplas alternativas de
produção de objetos significantes e de apreensão de significados. A
interatividade é um jogo de possibilidades que condiciona o sentido das
mensagens. “Interativo é o sistema que se abre e nos recebe, como uma
construção arquitetônica nos recebe. O entorno, umwelt, nos aborda e expande
nossa compreensão tal como a linguagem...” [Bairon e Petry apud Santaella
2002:407].
Vale destacar que não estarei preocupado com o processo de interação homem
e máquina em si. Este processo só interessa na medida em que interfere na
comunicação entre dois sujeitos cognoscentes. No entanto, não estou
determinando a natureza do agente, como veremos na análise da dimensão do
agente no próximo capítulo. Apenas pretendo excluir da análise a interação
homem - máquina que serve a objetivo diverso da produção de sentido. Por
exemplo, existe um processo de interação entre homem e máquina quando um
programador senta-se à frente de seu computador para escrever um programa
que, posteriormente, fará cálculos de estrutura arquitetônica. Porém este
processo não interessa à minha pesquisa.
Posteriormente, se o programador pretende que outras pessoas utilizem seu
código, ele vai estar envolvido no processo de criação de uma interface que,
então, caracteriza uma interação entre dois agentes cognoscentes, que se
opera no meio digital, visto que a intenção de comunicar do programador se faz
presente na interface. Neste momento, voltamos ao campo de análise desta
dissertação. Igualmente, estaria dentro de nosso escopo a atividade de
- 39 -
Capítulo I - Conceitos
apresentar os resultados do programa para outras pessoas, a partir de um
suporte digitalmente mediado. Porém, no momento em que programa, a
interação entre homem e máquina não é transmissora de sentido entre dois
sujeitos cognoscentes, embora esta atividade possa ser produtora de
significado a posteriori.
Cabe também notar que a significação que é produzida pelo processo de
interação ocorre em diferentes níveis de complexidade. Ou seja, podemos dizer
que uma troca de emails entre dois especialistas sobre uma questão complexa
de suas pesquisas opera processos de significação que não podem ser
comparados à leitura da previsão do tempo em um site na web. Porém, isto
não interessa a minha análise, já que o que pretendo discutir é a natureza dos
mecanismos de interação no meio digital e não a complexidade das processos
mentais de apreensão do sentido de uma mensagem. O que não quer dizer que
a interatividade não condicione a apropriação do sentido. Ou seja, a
complexidade da mensagem pode condicionar o processo de significação, sem
determinar sistemas de interatividade. Voltando ao exemplo, um email pode
tanto servir a um debate acadêmico intrincado, quanto a uma simples consulta
sobre o tempo, assim como um site na web pode informar sobre o tempo ou
sobre a alta ciência. Retornaremos a este ponto no segundo capítulo.
Alguns autores trabalham a interatividade, distinguindo dois outros conceitos:
interação [Lemos / Vittadini apud Mielniczuk 2000:174] e reatividade [Vittadini /
Williams apud Mielniczuk 2000:175]. Segundo a primeira distinção, a interação
deveria caracterizar o “contato interpessoal”, enquanto a interatividade
caracterizaria a comunicação mediada. Acho duvidosa a utilidade desta
distinção. A linguagem também pode ser entendida como mediação. Neste
caso, os conceitos distiguiriam a comunicação mediada unicamente pela
linguagem e a comunicação mediada não somente pela linguagem. Agora, se
entendo que a arte produz objetos de linguagem, devo excluí-la do campo da
interatividade.
Porém,
como
entendo
- 40 -
a
interatividade
como
sistema
Capítulo I - Conceitos
configurável que permite aos agentes da comunicação transformar texto e
contexto, tenho dificuldade em aceitar que as instalações pós-modernas não
seriam ser entendidas como objetos interativos. A outra saída seria trabalhar a
distinção a partir da caracteriação de “contato interpessoal”. Neste caso, como
lidar com a telepresença? O telefone e a video conferência constituiriam
interação ou interatividade? Se interatividade, teriamos que questionar porque
um diálogo em contato direto difere daquele realizado via teleconfência. Se
interação, caberia perguntar se a comunicação através de um aplicativo de
mensagem instântanea, mesmo mediada pelo computador, teria deixado de
caracterizar interatividade para ser classificada como interação.
Seguindo para a segunda distinção, entre reatividade e interatividade, temos,
de uma lado, a capacidade de suscitar a “reação da audiência” e, de outro, a
interatividade que “implicaria uma resposta genuína” da audiência [Williams
apud Mielniczuk 2000:175]. Meu primeiro problema é como caracterizar o que é
uma “resposta genuína”. Os três fatores citados para resolver esse impasse são
a presença de: “ação comum entre dois uma mais agentes”; “capacidade
igualitária de ação ... ação de um deve servir como premissa para a ação do
outro”; e “imprevisibilidade das ações” [Mielniczuk 2000:175]. Deverá ficar
claro, no decorrer do texto, que vários dos mecanismos de interatividade que
identifico e analiso não cumprem um ou mais dos requisitos acima. A
construção desta distinção tem o viés de análise das mídias de massa. Neste
contexto, a desigualdade entre os agentes da comunicação é preponderante e a
idéia da reatividade, talvez, faça sentido. No meio digital, esta desigualdade é
dinâmica e não, necessariamente, determinada pelo poder econômico.
O conceito de interatividade utilizado nesta dissertação abarca o que na análise
acima é chamado de interação, interatividade e reatividade. As diferentes
resultantes da interatividade produzidas pela variação dos contextos de
comunicação são entendidas como questão de intensidade, como veremos ao
final deste item, quando será apresentada a formulação da idéia de graus de
- 41 -
Capítulo I - Conceitos
interatividade,
utilizada
por
Pierre
Lévy
[1999].
Utilizarei
os
termos
interatividade e interação como referentes do mesmo conceito.
A mídia digital e a capacidade de diálogo
Um dos pontos mais interessantes sobre o meio digital é a ubiqüidade da
capacidade de interação direta entre os agentes. Mesmo quando o formato da
comunicação não pressupõe o diálogo em sua primeira instância, esta
possibilidade é apresentada como forma de feedback pelo produtor de
discursos digitais. Raramente, encontramos um site na Web que não
disponibilize um email para contato.
Não devemos, no entanto, ter a impressão de que a interação dialógica ocupa
uma posição central na cultura digital. Boa parte das manifestações da cultura
digital são publicadas em meios digitais, para leitura por diversos públicos, não
pressupondo que um diálogo venha a se estabelecer com estes leitores. Mesmo
em uma conferência eletrônica como The Well ou Brainstorms, a comunidade
atualmente liderada por Howard Rheingold, a maior parte dos participantes se
resume a ler os debates que se produzem, sem fazer uso do potencial dialógico
do meio. Cerca de 80% dos participantes de fóruns técnicos jamais fazem um
comentário [Zhang 2002:26].
Não obstante, é a capacidade diálogica que anima a crescente utilização do
meio digital pelos veículos de mídia de massa. Quando canais de televisão e
rádio, jornais e revistas procuram maior interatividade, o que, normalmente,
está em jogo é a capacidade de ouvir a audiência. São já inúmeros os exemplos
de veículos de comunicação em massa que procuram interagir com seus
públicos, por meio de votações, utilizando sites na web ou mensagens de texto
(SMS – short messaging system) em telefones celulares. Entre outras, a rádio
Eldorado de São Paulo e a MTV têm utilizado a Web de maneira bastante
efetiva para estabelecer um diálogo com sua audiência. No Brasil, também
- 42 -
Capítulo I - Conceitos
podemos arrolar os exemplos recentes das votações através de SMS, em
“reality shows” como Big Brother e Casa dos Artistas. Na Europa, onde o
fenômeno do SMS é mais consolidado, há vários exemplos de interação
audiência
–
veículo,
utilizando
esta
tecnologia
www.xiam.com/news/business-gets-the-message/b2c/television.shtml).
(ver
Mas
não devemos supervalorizar esta tendência. Uma recente pesquisa da revista
inglesa The Economist demonstra, de maneira bastante clara, que a televisão
permanece
como
um
meio
de
entretenimento,
basicamente,
passivo
[Pedder:2002].
Também devemos notar que o potencial dialógico que está implicado neste
cruzamento entre mídias de massa e meio digital é bastante restrito, em face
do que ocorre no ambiente deste último, por meio de vários mecanismos. O
diálogo digital traz diversas novas possibilidades que serão analisadas em maior
detalhe no terceiro capítulo. O fenômeno do email, uma das primeiras e, na
minha opinião, ainda a mais importante tecnologia do mundo digital,
operacionaliza a interatividade através do diálogo. Da mesma forma, operam os
sistemas de mensagens instantâneas, os fóruns eletrônicos e as salas de chat.
Um dos aspectos mais importantes do diálogo no meio digital é a telepresença.
As tecnologias do ciberespaço permitem que seus agentes se façam presentes
e disponíveis para o diálogo, por meio de uma série de mecanismos. Embora
um email possa ser comparado às antigas correspondências, não há como
negar que eu não me faço presente na casa de um amigo que mora em outro
país, pelo fato de que ele pode me enviar uma carta. Já quando alguém visita
meu site e se depara com meu endereço de email, bastando um click para se
comunicar comigo, seria válido afirmar que eu estou presente no site, dada a
natureza quase imediata desta comunicação.
Alguns, talvez, defendam que a ausência da sincronia não permite caracterizar
telepresença. Mas, se tomarmos o exemplo das comunidades virtuais,
percebemos que a presença virtual é tratada nestes ambientes de maneira
- 43 -
Capítulo I - Conceitos
bastante equivalente à presença física. É comum usuários de fóruns eletrônicos
se referirem, no meio de uma discussão, a outros participantes da seguinte
maneira: “tenho certeza que fulano quando chegar aqui terá algo a dizer sobre
este assunto”. As discussões são tratadas como espaços, porque, como vimos
anteriormente, caracterizam possibilidades de conexão. Os membros de uma
comunidade virtual sentem-se presentes nelas.
Não quero, no entanto, disputar o fato de que, quando envolve a possibilidade
do diálogo síncrono, como nos aplicativos de mensagens intantâneas ou nas
salas de chat, a telepresença se apresente de maneira muito mais direta.
Nestes ambientes, ela se compara de maneira direta ao telefone, o formato
mais corriqueiro de telepresença que conhecemos.
O potencial interativo da leitura
Qualquer processo de leitura pressupõe a interatividade do leitor com o escritor
através da mediação do texto. O meio digital transforma este campo da
interação de maneira bastante significativa, graças à digitalização e seus já
discutidos mecanismos característicos: a multimodalidade, o hipertexto e a
simulação. Cabe agora discutir como se altera a interatividade do leitor com o
texto.
De maneira geral, os textos analógicos, tomados aqui da maneira ampla,
abrangendo diferentes formatos que não apenas o texto escrito, conduzem o
leitor à produção do sentido, a partir de uma ordem linear previamente
determinada pelo autor. É claro que esta tendência que é óbvia no exemplo do
livro, é menos presente em uma exposição fotográfica, ou pode ser mesmo
evitada
em
uma
instalação
pós-moderna.
Porém,
as
possibilidades
manipulativas da leitura do objeto análogico são, definitivamente, restritas,
quando comparadas com os objetos digitais.
- 44 -
Capítulo I - Conceitos
No meio digital, a leitura se abre sobre um novo campo de possibilidades. As
diversas seções de um folheto eletrônico não se apresentam por uma seqüência
de páginas; transformam-se em uma lista de títulos ou expressões resumos que
procuram atrair a atenção do leitor que deverá optar pelo item que mais lhe
interessa. É certo que este recurso pode ser comparado a um mero índice
eletrônico, no entanto, quando bem construído, o texto digital pode permitir
que esta remissão constitua uma multiplicidade de sentidos.
Um objeto digital, como um jogo eletrônico, demonstra, de maneira mais
eloquënte, as possibilidades de interatividade da leitura. O jogo Myst, que
caracteriza um marco na produção de jogos de aventura, constitui um
excelente exemplo. Existe uma história em Myst: uma ilha abandonada em que
aconteceu algo misterioso que precisamos desvendar. Porém, a leitura desta
história, que inclusive determina o sucesso do jogador, é feita a partir da
interação com os múltiplos objetos que o mundo gráfico do jogo nos apresenta.
À exceção de um pequeno manual, não há qualquer indicação do caminho a ser
seguido na leitura deste objeto digital. Cada leitor / jogador faz o seu percurso,
construindo de maneira interativa o sentido do texto escrito pelos criadores do
jogo.
Há ainda muito a ser explorado. O fato de que jogos eletrônicos voltados ao
público jovem constituam alguns dos exemplos mais ricos das possibilidades
desta nova leitura, é bastante ilustrativo. Criadores de jogos estão, por
natureza, habituados a planejar interações abertas com um grande espectro de
possibilidades, visto que sem isto teríamos jogos monótonos. Porém, em muitas
outras escrituras, persiste o desafio de construção de um discurso que se
aproprie, por completo, das possibilidades criadoras desta leitura interativa.
Janet Murray sustenta essa afirmação em sua análise do encontro da arte da
narrativa com o ciberespaço, ao mesmo tempo em que documenta os diversos
avanços realizados por pioneiros como Michael Joyce, autor do romance
hipertextual Afternoon [1997]. De maneira similar, Steven Johnson recorre ao
- 45 -
Capítulo I - Conceitos
exemplo da descontinuada revista eletrônica Suck (www.suck.com), para
demonstrar quão mais rica pode ser a utilização do recurso do hipertexto para a
construção de um discurso intersígnico.
“O resto da Web via o hipertexto como um sumário eletrificado, ou um
suprimento ‘anabolizado’ de notas de rodapé. Os ‘Sucksters’ o viam como
uma maneira de frasear um pensamento.” [2001:99]
Ainda no exemplo dos sites da WWW, é fácil perceber que a escritura continua
a ser linear, embora a possibilidade da não linearidade esteja latente na
profusão de links utilizados. Por mais que se utilize de links para enriquecer sua
mensagem, o autor pretende que seu leitor siga de um paragráfo ao próximo.
Os links não constroem uma leitura alternativa; apenas acrescentam uma nova
camada refencial explícita, que adiciona sentido ao texto, mas não pertence a
ele.
No entanto, é preciso perceber que, mesmo neste estágio embrionário em que
se desenvolve uma nova escritura que, efetivamente, se apropria das
possibilidades interativas do meio digital, existe um movimento de transferência
do pólo da significação da escritura para a leitura. Não quero aqui contradizer
os ensinamentos de Umberto Eco de que o leitor sempre foi agente da
significação, mas o texto linear permitia ao escritor um maior controle sobre
sua mensagem. Com o potencial de interatividade do texto digital, o escritor
produz uma obra ainda mais aberta, visto que mais determinada pelas seleções
do leitor diante de alternativas explicitas do objeto digital.
Um outro ponto muito importante desta nova leitura é a presença imediata do
contexto. O texto impresso se dissocia de seu contexto de produção. Quando
lemos um romance de Goethe, não temos presente o conjunto de referências
implicado pelo momento histórico em que foi escrito. Desta forma, o texto
implica um aparato de interpretação, uma “tecnologia linguística” nas palavras
de Lévy [1999:114]. Já o texto digital apresenta a possibilidade de referenciar
- 46 -
Capítulo I - Conceitos
seu contexto. É possível dar permanência ao debate que envolveu o
pensamento do autor na construção do texto. Não se trata apenas de um
conjunto de referências que já eram possíveis via notas de rodapé no texto
escrito; agora, um emaranhado de links permite que o leitor contextualize o
discurso dentro de um momento histórico. Não estamos mais restritos às
referências selecionadas pelo autor, mas, a partir da web, é possível absorver o
“esprit du temps” que envolve o texto. É claro que permance um esforço de
interpretação, mas sendo o texto digital, as conexões são imediatas e o
contexto se apresenta por contato.
Tanto Richard Lanham [1993], quanto Pierre Lévy [1999], citando os estudos
de Walter Ong sobre a oralidade, percebem neste movimento um retorno às
condições que prevalecem no discurso oral. Nas culturas anteriores ao texto
impresso, o contexto era presente na figura do narrador. O trovador carregava
consigo o contexto daquilo que interpretava em seu discurso. Sua audiência
tinha acesso imediato a suas referências, já que escritura e leitura coexistiam.
No ciberespaço, o tempo se faz permanente, através das referências que são
persistidas em bancos de dados, as memórias eletrônicas da cultura digital.
Uma última particulariedade da interatividade da leitura no meio digital são as
novas possibilidades de inclusão do leitor no texto. Como a digitalização opera a
virtualização do texto, um autor versado nas possibilidades do meio pode criar
ambientes que são determinados a partir da interação. Tomarei um jogo
eletrônico novamente. O popular SimCity carrega um texto complexo no bojo
de suas regras. Neste jogo, o usuário é convidado a desenvolver uma cidade.
Ele toma decisões típicas de planejamento urbano e enfrenta as repercussões
sociais de seus atos. Sua cidade pode crescer e prosperar ou empobrecer e ser
abandonada por seus habitantes. Ele pode ser elogiado ou execrado pelos
jornais locais. Obviamente, todas estas possibilidades foram previamente
escritas pelos autores do jogo, mas é somente a inserção do leitor / jogador
que atualiza o texto. Ao comentar esta característica do texto digital, Janet
- 47 -
Capítulo I - Conceitos
Murray conclui que a leitura no meio digital constitui uma experiência de
imersão [1997]. O exemplo mais potente desta nova inserção do leitor no texto
são os MUD. Nestes ambientes, o leitor possui uma persona que se faz
presente no texto coletivo que cria o ambiente. Para ler tem que agir. Se ao
entrar em uma sala, peço para “ver” o que lá existe, posso descobrir uma caixa
que necessita ser “aberta” para ser explorada. Além desta operação ativa que
me projeta no texto, posso ser surpreendido por um inexperado “ataque”, que
o criador / programador da sala, programou para ocorrer sempre que alguém
tentar “abrir” a caixa. Minha persona está no texto.
Graus de interatividade
O que o meio digital apresenta, de maneira inovadora, é o aumento de potência
da participação ativa dos agentes na construção do sentido das mensagens.
Antes de demonstrar as novas dimensões que estão implicadas no fenômeno da
interatividade na cultura digital, que será o tema do próximo capítulo, quero
apontar para algumas conseqüências desta potencialização da interatividade. “A
possibilidade de reapropriação e de recombinação material da mensagem por
seu receptor é um parâmetro fundamental para avaliar o grau de
interatividade...” [Lévy 1999:79]
Em primeiro lugar, é preciso perceber que o potencial de interatividade não se
distribui igualmente, através das manifestações da cultura digital. Certamente,
o ciberespaço sempre implica em algum nível de interatividade, como não
poderia deixar de ser em qualquer meio de comunicação. No entanto, temos
discursos mais e menos interativos; algumas vezes, por força das tecnologias e
interfaces que lhes dão suporte, outras vezes, em função das opções
particulares do autor.
Uma rápida análise comparativa entre algumas tecnologias que convivem no
ciberespaço é útil para exemplificar as diferenças entre os graus de
- 48 -
Capítulo I - Conceitos
interatividade. Estes mecanismos são investigados, em maior detalhe, no
terceiro capítulo. As tecnologias viabilizadoras de diálogo, como os softwares de
messagem instantânea, o email e as salas de chat, apresentam um potencial de
interatividade superior a sites expositivos na Web. Nestes, o autor não é
imediatamente influenciado pelo feedback da leitura, e seu texto é, geralmente,
predeterminado, embora possa acolher uma série de possibilidades de
manipulação pelo leitor. Já o diálogo representa a forma clássica da
interdeterminação direta do discurso por seus agentes que se alternam em
interlocução.
Agora, quando se compara a interação via um software de mensagem
instantânea ao que ocorre em um MUD, é possível perceber maior potência
interativa no segundo, pois este, além de permitir a reprocidade efetiva entre
os agentes da comunicação, viabiliza a reapropriação do texto pelo leitor e sua
efetiva transformação. Neste último caso, a leitura não somente atualiza o
texto, como também o transforma a partir de nova operação de virtualização.
Por fim, tomando como exemplo uma conferência eletrônica, temos textos
particulares que não podem ser alterados por seus leitores, mas que constituem
um texto coletivo: o conjunto das mensagens enviadas à conferência, que é
formado pela interação de escritos / leitores, envolvendo, portanto, múltiplos
processos de produção de sentido. A interatividade na cultura digital constitui
um universo complexo, visto que comporta várias tecnologias de comunicação e
que estas se combinam, formando diversos híbridos.
Dentro deste universo, cabe destacar a interatividade como convivência. Se
aceito a idéia de ciberespaço e percebo que sou capaz de investir uma persona
a minhas interações, é possível perceber que o ato de interagir nos ambientes
digitais mais participativos, como as comunidades virtuais e os MUD, tem a
natureza de se fazer presente. Uma vez que estamos falando de ambientes nos
quais muitos agentes interagem, esta presença termina por se configurar em
- 49 -
Capítulo I - Conceitos
convivência que é operada através da interação. Descrevendo sua experiência
no The Well, Howard Rheingold caracteriza bem este fato:
“The feeling of logging into the Well for just a minute or two, dozens of
times a day, is very similar to the feeling of peeking into the café, the pub,
the common room to see who’s there and whether you want to stay
around for a chat.” [1994:26]
Outro ponto a destacar é a existência de uma escritura coletiva. Uma escritura
em diálogo que se transforma em texto coletivo, através da virtualização
operada pelo ciberespaço. É o que Lévy caracteriza como “... bases de dados
‘vivas’, alimentadas permanentemente por coletivos de pessoas interessadas
pelos mesmos assuntos e confrontadas umas às outras” [1999:100]. Para
ilustrar este ponto, vamos tomar o livro que nos apresenta a correspondência
entre Herman Hesse e Thomas Mann. Embora a escritura ainda permaneça um
exercício isolado, o produto livro é um texto com dois autores e, quando leio o
texto, construo sentidos a partir da interação entre os textos de Hesse e Mann.
Se tomamos um newsgroup da Usenet bem organizado temos diversos autores,
e, novamente, a escritura permance um exercício individual; porém, quando
visito esta conferência eletrônica e leio seu conjunto de mensagens, a
significação será realizada a partir do conjunto das mensagens publicadas.
Agora, neste ambiente, há duas novidades: a primeira é que o texto permanece
aberto para minha atuação: posso participar da sua escritura; a segunda, é que
de tempos em tempos, as pessoas mais freqüentes, neste grupo, se organizam
com o objetivo de publicar um resumo daquilo que seu debate discute, gerando
documentos que muitas vezes tomam o formato de um FAQ (frenquently asked
questions) com o objetivo de informar novos visitantes sobre as principais
convergências e divergências que a interação entre seus participantes produziu.
Por último, quero destacar que interagir atualiza o ciberespaço. Mesmo quando
um internauta exerce, de maneira mais simples, o potencial de interatividade
do meio, navegando despretenciosamente entre sites e links, ele deixa rastros.
- 50 -
Capítulo I - Conceitos
Os sites que visita, os links em que clica são armazenados pelos servidores que
hospedam estes sites e constituem
dados de tráfego que servirão,
posteriormente, para informar, ao criador do site, como seus leitores têm
interagido com o conteúdo que publicou. Esta atualização implícita que a
navegação provoca no ciberespaço, soma-se a diversas possibilidades explícitas
de interação, como publicar comentários em páginas nas quais navegamos,
contribuir em fóruns eletrônicos, publicar links com sites favoritos, entre outros.
- 51 -
Capítulo I - Conceitos
Interface
A natureza transformadora da interface digital
Em última instância, o ciberespaço é constituido de pulsos elétricos que
transitam através de cabos telefônicos, fibra óticas, circuitos integrados e
processadores. Como não temos condições de compreender estas informações
neste estado, construímos mecanismos adequados a nossos sentidos. As
interfaces reproduzem os pulsos eletrônicos na forma de símbolos que somos
capazes de interpretar. Elas constituem as portas de entrada e saída do
computador.
Através
delas,
capturamos
informações
armazenadas
e
transmitidas digitalmente e inserimos as informações que pretendemos
digitalizar, armazenar e, posteriormente, transmitir.
A interface se aproxima da linguagem, visto que, também, não temos condições
de compreender os pensamentos alheios diretamente das consciências
humanas. Inicialmente vou propor que a interface seja uma instância da
linguagem que justapõe as linguagens verbal, visual e sonora, condicionando as
relações de significação que atuam no meio digital. Sendo a interface digital
produto da combinação de várias modalidades perceptivas, seguindo a
termologia proposta por Lévy [1999:61-66], ela se compara aos discursos das
mídias eletrônicas, porém sua natureza é mais ampla. Enquanto a linguagem
televisiva, por exemplo, condiciona uma forma de produção de sentido que
envolve a prática de criação de um discurso, assim como condiciona sua
recepção, a interface digital condiciona, também, novas formas do diálogo.
Portanto, se aproxima do telefone e do rádio, mas seus recursos são muito
mais abrangentes que o teclado numérico e o toque de ocupado do primeiro,
ou as abreviações e comandos, utilizados em comunicações em canal aberto,
do segundo.
- 52 -
Capítulo I - Conceitos
No sentido desta complexidade, a interface digital também se apresenta de
maneira bastante diversa dentre as experiências midiáticas. No meio digital, a
interface exige capacidades de manipulação muito mais abrangentes. A
primeira vez que alguém entra em um chat, é necessário dominar uma série de
elementos da interface como: aonde clicar para introduzir o texto através do
teclado; qual botão usar para enviar o texto; como definir para quem o texto
está sendo enviado; além de uma série de alternativas contextuais que
permitem enviar um ícone que demonstre uma emoção, definir que sua
mensagem deve ser reservada a uma única pessoa da sala de chat ou optar por
não receber mensagens vindas de um participante, em particular. Comparemos
este ambiente, à interface que devemos dominar para escutar rádio: o dial e o
botão de volume. Soma-se a esta constatação o fato de que cada sala de chat
apresenta seus elementos de maneira particular e que existe uma série de
outros mecanismos de comunicação no ciberespaço com diferentes interfaces.
Neste ponto, temos que retroceder no raciocínio proposto acima, para desfazer
a simplificação: a interface digital aproxima-se da linguagem, mas não é
linguagem. A linguagem digital é condicionada pelas possibilidades da interface,
mas não se confunde com ela. Um texto digital que utiliza links de maneira
eficiente, para justapor diversos elementos e permitir uma leitura mais
interativa, está tomando proveito da interface para se transformar, mas se
constitui linguagem, na medida em que produz significação, enquanto sistema
simbólico partilhado pelos agentes do processo de comunicação.
Desta maneira, ao percebermos o papel inovador da interface, não devemos
desprezar o potencial da linguagem digital, que, embora incipiente, é bastante
transformador. Tomando o exemplo do cinema, podemos dizer que diferentes
estilos e diferentes autores requerem diferentes capacidades interpretativas,
mas a interface de recepção é basicamente a mesma: a tela grande dentro da
sala escura. Não obstante a natureza simples da interface, a linguagem
cinematográfica comporta hoje uma complexidade que se apresenta nas opções
- 53 -
Capítulo I - Conceitos
estéticas de diversos discursos. Porém, isto não foi uma conseqüência imediata
do invento dos irmãos Lumière. Os primórdios da televisão são ainda mais
ilustrativos do hiato que se impõe entre o desenvolvimento da interface e da
linguagem. As primeiras transmissões televisivas, ainda sem levar em conta o
potencial cênico do meio, exibiam a filmagem de atores do rádio à frente de
microfones. A linguagem digital se encontra neste estágio, sendo que a
proficuidade da interface digital constitui ao mesmo tempo um desafio e uma
oportunidade. Como comenta Steven Johnson, “a representação de toda essa
informação (o ciberespaço) vai exigir uma nova linguagem, tão completa e
significativa quanto as grandes narrativas metropolitanas do romance do século
XX” [2001:20].
A interface é um objeto de mediação do ciberespaço. Sua natureza é permitir
que os atores dos diversos processos de comunicação manipulem os objetos
cognitivos que habitam este universo. A interface do browser media a
comunicação entre produtor de um site e o internauta. Porém, a mensagem
está contida nos elementos de linguagem engendrados pelo produtor, seus
textos, imagens, sons. A interface é o mediador que permite que o produtor
construa sua mensagem e que o internauta a manipule. Para que uma
comunicação se produza, os agentes devem compartilhar um certo nível de
compreensão dos mecanismos da interface, da mesma maneira que é
necessário que comunguem, minimamente, do mesmo código de linguagem,
mesmo porque a linguagem também opera uma mediação na significação entre
os agentes.
Porém, enquanto a linguagem carrega a mensagem, a interface condiciona a
linguagem. Voltando ao exemplo do cinema, podemos perceber o quanto a
evolução de sua interface transformou seu discurso. Do advento do cinema
falado, às imagens coloridas, e ao contínuo avanço das técnicas de efeitos
especiais, a linguagem cinematográfica se transformou profundamente e com
ela a capacidade do artista transmitir sua mensagem. De maneira paralela,
- 54 -
Capítulo I - Conceitos
quando adicionamos ao email, anteriormente restrito ao texto corrido, a
capacidade de manipular código HTML (hypertext markup language), com seu
potencial de multimodalidade e hipertextualidade, permitimos a criação de
mensagens mais complexas, visto que utilizam de maior gama de recursos de
linguagens.
Contribui para a dificuldade em definir os limites entre linguagem e interface no
ambiente digital, o fato de esta última requerer uma apreensão inicial. A
interface precisa ser dominada. Para isto, ela carrega em si um discurso de
auto-explicação. Trata-se, em princípio, de um texto repetitivo, visto que não é
particular a uma comunicação específica. Funciona para permitir que seu
usuário compreenda sua lógica. Este metadiscurso da interface é, obviamente,
expresso pelo uso da linguagem. Se em nosso uso cotidiano podemos relevar
este texto explicativo, uma vez dominada a interface, nas manifestações da
arte digital o exercício de apreensão do objeto artístico implica na leitura do
discurso da interface. O artista digital que Lévy identifica como um “engenheiro
de mundos”, produz tanto a interface quanto o próprio objeto [1999]. A
significação envolve, portanto, a apreensão da interface, assim como do próprio
objeto.
“Esperamos muitas vezes das artes do virtual um fascínio espetacular,
uma compreensão imediata, intuitiva, sem cultura. Como se a novidade do
suporte devesse anular a profundeza temporal, a espessura do sentido, a
paciência da contemplação e da interpretação. Mas a cibercultura não é,
justamente, a civilização do zapping. Antes de encontrar o que
procuramos na World Wide Web é preciso aprender a navegar e
familiarizar-se com o assunto. Para integrar-se a uma comunidade virtual,
é preciso conhecer seus membros e é preciso que eles o reconheçam
como um dos seus. As obras e os documentos interativos em geral não
fornecem nenhuma informação ou emoção imediatamente. Se não lhes
forem feitas perguntas, se não for dedicado um tempo para percorrê-los
- 55 -
Capítulo I - Conceitos
ou compreendê-los, permanecerão selados. Ocorre o mesmo com as artes
do virtual” [Lévy 1999:68-69]
Por outro lado, devo manifestar minha discordância com Steven Johnson
quando este pretende “elevar” a interface a uma forma de manifestação
artística [2001]. Prefiro dizer que a arte se enriquece por passar a incluir, de
forma mais abrangente, as possibilidade de desenvolvimento de sua própria
interface. Não há nisto qualquer ineditismo. A praxis da arte digital inclui a
construção da interface, da mesma maneira que a poesia concreta inclui a
disposição do texto em seu processo de significação; no entanto, a
diagramação não se tornou arte por ter sido incluída dentro das possibilidades
da criação artística. Vale também lembrar que as artes plásticas, já há muito
tempo, realizaram a apropriação da interface em seu universo. As instalações,
abandonando uma perspectiva meramente comtemplativa do objeto artístico,
há muito passaram a incluir os ambientes e os mecanismos de sua percepção
no âmbito do objeto artístico.
A interface enquanto metáfora
A interface condiciona o discurso, à medida que seus mecanismos ampliam ou
restrigem as capacidades comunicacionais humanas. Voltando ao exemplo da
sala de chat, a possibilidade de ignorar, automaticamente, as manifestações de
um determinando participante, funciona como um acréscimo a nossas
capacidades naturais, visto que não temos condições de desabilitar nossos
sentidos de maneira tão seletiva. Por outro lado, se tomarmos a comunicação
por meio de mensagens de texto, em aparelhos celulares (SMS), é fácil
perceber quanto o discurso é influenciado pelas restriçãos impostas pela
extensão máxima de 160 caracteres por mensagem e pela dificuldade de
manipulação dos 128 caracteres da tabela ASC, em um teclado de 10 teclas.
Estas condições da interface transformam o texto “Você também vai à festa! Te
vejo lá, até mais.” em “vc tb vai a festa t vj lá t+”. De maneira paralela, a
- 56 -
Capítulo I - Conceitos
ausência de contexto característico da comunicação face a face propicia a
utilização dos emoticons ou smileys, imagens formadas de caracteres que
procuram reproduzir emoções como: :-) feliz; :-( triste; ou :-))) risada (ver
http://members.aol.com/bearpage/smileys.htm
para
uma
compilação
de
emoticons)
“Um computador (...) é sistema simbólico em todos os aspectos. Aqueles
pulsos de eletricidade são símbolos que representam zeros e uns, que por
sua vez representam conjuntos de instruções matemática simples, que por
sua vez representam palavras ou imagens, planilhas e mensagens de email. O poder do computador digital contemporâneo depende dessa
capacidade de auto-representação.” [Johnson 2001:18]
Tomando o cuidado de demonstrar que as metáforas são elementos culturais
com “uma longa e memorável história” [2001:18], Johnson argüi a tese de que
as interfaces são construídas a partir de metáforas, em função da dissonância
cognitiva que a introdução do computador provoca. A realização da existência
de um novo e complexo universo constituído por pulsos elétricos, superfícies de
sílicio, circuitos e cabos que não podemos apreender diretamente, exige um
grande esforço de representação. A metáfora oferece ao homem o domínio
deste universo desconhecido, ao mapear seus objetos e operações, a partir de
relações semióticas presentes em nosso cotidiano. Os emoticons são um claro
exemplo desta operação, ao reproduzir, simbolicamente, em texto, as
expressões faciais que caracterizam nossas emoções. A metáfora da mesa de
trabalho, o desktop, que domina a computação pessoal, desde a popularização
absoluta das GUI (graphics user interface), com o advento do sistema
operacional Windows, é amplamente discutida por Johnson em Cultura da
Interface.
De maneira ainda mais ampla, quando Vannevar Bush escreve seu seminal
ensaio “As We May Think”, que, posteriormente, vai influenciar toda uma
geração de pesquisadores preocupados com a produção de interfaces, o que
- 57 -
Capítulo I - Conceitos
ele está buscando é a criação de uma máquina que realize uma metáfora do
pensamento humano. Nas suas palavras, “whenever logical process of thought
are employed – that is, whenever thought for a time runs along an accepted
groove – there is an opportunity for the machine” [1945:37]. Embora Bush
tome o cuidado de distinguir os pensamentos criativos dos essecialmente
repetitivos, lembrando que apenas estes são passíveis de automatização, o que
ele estava buscando eram técnicas e aparatos que reproduzissem a capacidade
humana de associar objetos cognitivos. Seu desafio era a criação de uma
máquina capaz de aumentar a eficiência humana em armazenar, associar e
capturar informações. Sua proposição conceitual, o Memex, ensaiava recriar os
artifícios que utilizamos para produzir associações entre diversos objetos
cognitivos.
Elementos da interface
Nos primórdios da cultura digital, a interface constitui-se, singularmente, de:
cursor, um pequeno traço piscando abaixo da altura do texto; linhas de
comando indicadas pelo sinal de maior, na parte esquerda da tela; texto; e
algumas raras imagens simbólicas constituídas por enormes quadrados. Estes
elementos eram visualizados em monitores monocromáticos e nosso único
mecanismo de manipulação do computador era o teclado. A evolução que se
operou em 20 anos foi assustadora.
Hoje, além dos onipresentes teclados e mouses, podemos manipular e inserir
informações em nossos computadores pessoais, através de joysticks, scanners,
camêras digitais, teclados musicais... Nossas máquinas comunicam-se conosco,
através de interfaces gráficas apresentadas em monitores de excelente
definição e milhões de cores, sistemas de sons sofisticados, além de precisas
impressoras coloridas. Em suas telas, temos janelas capazes de manter diversas
atividades operando simultaneamente. Ícones representam documentos e
- 58 -
Capítulo I - Conceitos
podem ser manipulados por meio do mouse, por operações tão simples, quanto
“clicar e arrastar” um deles para cima de outro.
Embora continue a ser elemento central de nossa experiência, a metáfora do
desktop desdobra-se em uma série de novas interfaces particulares. Cada novo
aplicativo lançado se apropria dos elementos de interface para produzir seu
ambiente particular de interação. Botões conduzem a ações específicas, as
janelas são dividas e dispostas de acordo com sua utilidade, ícones indicam
estados dos objetos que representam. O popular aplicativo de mensagem
instantânea ICQ é um bom exemplo. Suas características florezinhas, ao lado
do nome de um usuário, indicam, graças à cor e à iconografia, se a pessoa
representada por este símbolo está disponível para conversar, afastada de seu
computador ou desconectada. Ao clicar em cima do nome de um usuário,
temos a oportunidade de iniciar uma conversa com esta pessoa. Este diálogo se
representa por uma janela que reserva espaços diferentes para as mensagens
de cada um dos interlocutores. Neste ambiente, temos ícones que nos levam à
apresentação do histórico de mensagens trocadas entre as partes, que nos
permitem acessar informações sobre a pessoa com quem estamos interagindo,
botões que nos permitem alterar cor e tamanho do texto de nossas
mensagens...
Apesar da diversidade de possibilidades que a interface comporta, os elementos
que entram em combinatória para produzir essas instâncias específicas da
interface digital são restritos. Johnson discute alguns dos mais relevantes em
Cultura da Interface; são eles as janelas, os links e o texto. [2001] Tomando o
cuidado de expandir o termo texto para abranger as produções de linguagem
verbal, pictórica e sonora, completo este quadro com três conjuntos: botões e
menus; cursores e avatares; ícones:
1. As janelas operam como o delimitador dos ambientes. Seus contornos e
suas divisões distribuem as informações e determinam os campos de
interação com suas particulariedades funcionais específicas.
- 59 -
Capítulo I - Conceitos
2. Os botões e menus, assim como as antigas linhas de comando, operam
as ações que transformam tanto os conteúdos apresentados através da
interface, quanto a natureza desta.
3. O cursor e os avatares nos representam na interface, eles localizam
nossa presença na interface e agem em nosso nome: quando os
manipulamos, determinam onde será inserido o texto que digitamos e
apontam para os botões cujas ações correspondentes pretendemos
disparar.
4. Os links operam a conexão entre os conteúdos apresentados pela
interface. Eles conectam os textos apresentados e nos permitem
remeter, automaticamente, através das associações que representam.
5. Os textos carregam as mensagens, são eles que operam a comunicação.
Suas palavras, imagens e sons produzem a significação engendrada
pelos agentes e que deve ser absorvida através da manipulação da
interface.
6. Os ícones representam objetos ao ambiente digital como arquivos e
pastas em um desktop. Atuando sobre estes ícones realizamos
operações que transformam os objetos por ele representados.
Através da combinação destes elementos, as interfaces produzem ambientes
imersivos para dentro dos quais nos projetamos por meio do cursor e de
avatares. Segundo Janet Murray o ambiente digital é procedimental,
participatório, espacial e enciclopédico. A natureza procedimental do meio
digital é conseqüência direta do fato de que estamos falando de computadores,
máquinas que rodam softwares, que nada mais são que conjuntos de
instruções e procedimentos. [Murray 1997:Chapter 3]
Segundo a autora, o caráter participativo do meio decorre do fato de que
computadores são, pelo menos em princípio, máquinas inertes cuja atividade
- 60 -
Capítulo I - Conceitos
depende do estímulo de seus usuários [Murray 1997:Chapter 3]. Neste ponto, a
autora deixa de apontar que esta natureza participativa da máquina envolve
dois fenômenos: a interatividade homem-máquina e a interatividade homemhomem via máquina. Estes fenômenos não passam desapercebidos, visto que a
autora comenta ambos proficuamente em seu livro. Porém, parece-me
necessário notar que, do ponto de vista da comunicação, apenas a interação
homem – homem constitui uma experiência de significação que demanda a
participação direta de, ao menos, um destes atores no ambiente digital.
A questão da espacialidade requer uma demonstração um pouco mais
complexa. Murray utiliza como exemplo um dos primeiros jogos de adventure:
Zork. Relata a experiência do jogador que, como personagem, ao entrar em um
porão escuro, tem a porta fechada a suas costas. A percepção da espacialidade
difere da sensação do leitor de um livro, pois entrar no porão é resultado da
ação do jogador e a porta se fecha atrás dele, de seu personagem, que passa
então a ser sujeito dos perigos daquele novo ambiente. [Murray 1997:
Chapter 3]
O caráter enciclopédico dos ambientes digitais deriva de uma operação dupla: o
conjunto de computadores conectados, via Internet, constitui o maior sistema
de armazenagem de informações jamais criado pelo homem; e o mecanismo de
conexão do hipertexto permite a remissão automática a diversos objetos
significativos armazenados na rede. Mesmo as memórias digitais que
constituem os ambientes digitais específicos, ultrapassam, em muito, a
capacidade humana. A possibilidade enciclopédica permite não só um infindável
número de justaposições no bojo do discurso, como adiciona a possibilidade de
enriquecê-lo através de múltiplas aberturas via conexões tanto internas quanto
externas ao ambiente digital que o abriga. [Murray 1997:Chapter 3]
- 61 -
Capítulo II
Dimensões
- 62 -
Capítulo II - Dimensões
Neste capítulo, pretendo propor um método de análise para a interatividade na
cultura
digital.
Pretendo
destacar
as
operações
que
diferenciam
as
possibilidades comunicacionais dos mecanismos de interação que atuam no
ciberespaço. Identificando este conjunto de possibilidades, acredito ser possível
instrumentalizar
uma
avaliação
das
condições
de
significação
destes
mecanismos, vis a vis os objetivos que motivam seu desenvolvimento e sua
utilização. Ou seja, se puder distinguir como os mecanismos da interatividade
se comportam em relação aos elementos que diferenciam sua operação, será
possível discutir as eficiências de um mecanismo particular em relação a um
objetivo comunicacional específico como: seria melhor utilizar uma ferramenta
de chat ou um servidor de mailing list (lista de email) para produzir um debate
entre alunos de um curso superior?
Os mecanismos específicos serão analisados no próximo capítulo, que conclui a
construção metodológica que aqui se inicia. Vale notar que não pretendo tratar
de manifestações de interatividade decorrentes da cultura digital que ocorram
fora do ciberespaço. O objetivo desta análise é permitir a comparação entre si
dos mecanismos que operam nos ambientes digitais. Também não pretendo
discutir, em especial, se tal ou qual característica identificada como relevante
era ou não presente em mecanismos de interatividade anteriores à cultura
digital.
Tomando o fenômeno da interação de maneira genérica, vou partir do
questionamento de quais seriam indagações centrais que deveriam compor
minha análise. Embora a proposição da análise seja a abrangência, vou
abandonar,
intencionalmente,
o
questionamento
de
operações
cujas
conseqüências para a significação se produzam, prioritariamente, em função
das qualidades do discurso praticado, ao invés de decorrer das possibilidades
dos sistemas de interatividade utilizados no ciberespaço. Por esta razão, decidi
não considerar discussões acerca da linguagem, muito embora reconheça ser a
linguagem a matéria prima dos mecanismo de interatividade e, portanto, seu
- 63 -
Capítulo II - Dimensões
estudo, em contraposição à interatividade, deve ser incluído em um projeto
mais abrangente de uma análise desta última. As quatro questões que são
investigadas neste capítulo são:
1. Qual a natureza dos agentes da interação?
2. Que elementos da interação condicionam a produção de sentido?
3. Como se comporta o tempo em relação à interação?
4. Quais as características do espaço em que ocorre a interação?
Em minha proposição analítica, cada uma destas perguntas corresponde a uma
dimensão específica da interatividade na cultura digital. Escolhi nomeá-las como
dimensões em função da conclusão de que os questionamentos selecionados
implicam diversos fatores que se comportam de maneira independente. Quando
analiso o comportamento do tempo em face das condições de interatividade em
um mecanismo de comunicação da cultura digital, posso perceber vetores e
polaridades que condionam a temporalidade em vários aspectos. Ora, um
conjunto de vetores caracteriza um espaço, porém o objeto em análise é
sempre o mesmo: a interatividade. O que varia é o foco da análise, portanto
estamos olhando o mesmo objeto em diversas dimensões. Lembrando que a
interatividade que nos interessa é a aquela que produz significação, estabeleci
as seguintes dimensões:
5. Dimensão do Agente – quem significa
6. Dimensão do Sentido – como significa
7. Dimensão do Tempo – quando significa
8. Dimensão do Espaço – onde significa
Para cada uma destas dimensões, procuro identificar quais são os eixos que
diferenciam
as
ocorrências
da
interatividade.
- 64 -
Por
vezes,
vamos
ter
Capítulo II - Dimensões
caracterizações discretas: em relação ao aspecto X a interatividade pode ser A,
B ou C. Por outras, teremos continuidades: em relação ao aspecto Y, a
interatividade se distribui entre os extremos A e B. Neste segundo caso, não
vou tentar estabelecer uma relação matemática que permita mapear a
interatividade dentro destes contínuos. Vou estabelecer referências para estes
eixos, por meio de pontuações arbitrárias: em relação ao aspecto Y que se
distribui entre os extremos A e B, a interatividade se aproxima dos pontos C, D
ou E. Esta proposição esquemática pretende derivar, no capítulo posterior, a
construção de uma tabela que permita caracterizar os mecanismos de
interatividade a serem analisados.
Sendo a interatividade na cultura digital um fenômeno complexo que abriga
diversos mecanismos, a validade da análise se constrói a partir de sua
capacidade de informar estratégias de interação, que se destinam a diferentes
objetivos de comunicação. Neste capítulo, não vou tomar o universo atual dos
mecanismo de interatividade como ponto de partida, mesmo porque não é
verdade que todas as possibilidades da cultura digital já tenham sido
pragmatizadas em tecnologias específicas. Vou pautar minha análise na
problemática estabelecida pela operação da virtualização. Em cada uma das
dimensões, parto das possibilidades interativas que resultam do movimento de
virtualização da própria interatividade que, por conseqüência, implicam a
virtualização do agente, do sentido, do tempo e do espaço.
- 65 -
Capítulo II - Dimensões
Dimensão do Agente
Quem está falando? Esta pergunta, que merece resposta simples e direta em
uma ligação telefônica, é transformada em problema no ciberespaço. As
mensagens desmaterializadas, que transitam nos ambientes digitais, operam a
virtualização dos agentes da comunicação. Eles não estão presentes em suas
mensagens e sua atualização se opera a partir de um campo complexo de
possibilidades.
Pierre Lévy discute largamente as condições dos agentes em face do processo
de cognição. [1993] Segundo o autor, os agentes virtualizados operam uma
comunicação em fluxo que se resolve em múltiplas conexões. Ele propõe que os
agentes participam de uma ecologia cognitiva, um meio no qual representações
se propagam através da conectividade entre agentes e redes técnicas. [ibidem]
Em Cibercultura [1999], Lévy volta sua atenção para a rede técnica específica
configurada pelo ciberespaço. Neste contexto, comenta largamente como as
tecnologias do mundo digital criam a potência dos coletivos pensantes.
As possibilidades e as conseqüências da comunicação “muitos-muitos” que
merecem larga atenção de Howard Rheingold [1994], funcionam como
pressuposto para as tecnologias digitais que operam a inteligência coletiva,
vislumbrada por Lévy. A discussão da interação “muitos-muitos” permeia
grande parte da bibliografia sobre a CMC, a Internet e cultura digital [Zhang
2002]. A possibilidade da máquina como agente interativo, também, alimenta
um bom debate [Lévy 1999 / Costa 2002], em especial, dado o tom de
polêmica que cerca o tema da inteligência artificial. Outro ponto de discussão
inflamada envolve a questão da identidade dos agentes, porém, num sentido
muito mais amplo do que o que interessa à investigação da interatividade.
Ao investigar o universo dos MUD, Sherryl Turkle [1994] e Elizabeth Reid
[1994] demonstram que, no meio digital, os agentes se auto-determinam. As
possibilidades de manipulação da identidade são múltiplas, envolvem aspectos
- 66 -
Capítulo II - Dimensões
tão diversos como a sexualidade, a timidez e a aparência. Porém, essa
discussão não é parte da análise aqui proposta, pois ela não determina a
natureza dos mecanismos de interatividade, embora seja, sem dúvida,
relevante para a produção de sentido.
Fluxo: Um-um / Um-muitos / Muitos-muitos
A questão da quantidade dos agentes em fluxo, durante o processo de
significação é caracterizada a partir da distinção discreta entre a unidade e a
pluralidade. É claro que a idéia de pluralidade pode ser contestada, na medida
em que a apreensão do sentido é sempre realizada por um indivíduo particular.
Porém, se isto é válido na instância primária da significação, não é verdadeiro
quando tomamos a interatividade na instância superior que compreende o
alcance e a intenção dos objetos comunicacionais que a operam.
É fácil perceber que o objetivo de um ato comunicacional pode ser o de atingir
um conjunto de pessoas, ao invés de uma em particular. O livro impresso há
muito tempo permitiu ao homem realizar este objetivo de maneira eficiente. O
autor de um romance não escreve para um leitor em particular, mas sim para
muitos leitores. É neste prisma que se estabelece a comunicação um-muitos,
apesar de prevalecer o fato da produção de sentido ocorrer na comunicação
entre o autor e um leitor particular. As mídias de massa operam da mesma
maneira, quando procuram atingir milhões de pessoas com sua mensagem.
Se é fácil perceber a existência de múltiplos leitores, a proposição de vários
autores é um pouco mais problemática. O exemplo da publicação da
correspondência entre Thomas Mann e Herman Hesse, utilizado no capítulo
anterior, já apresenta um objeto que possui mais de um autor, mas a validade
deste caso pode ser contestada, visto que a correspondência entre os escritores
constitui, originalmente, uma comunicação um-um. A experiência de salas de
chat públicas é mais apropriada para caracterizar a comunicação muitos-muitos.
- 67 -
Capítulo II - Dimensões
Estes ambientes polifônicos permitem que seus diversos agentes conversem
com diversos outros ao mesmo tempo. Diversas frases não direcionadas são
apresentadas pela interface, várias pessoas falam ao mesmo tempo, sendo que
o mecanismo de interatividade da sala organiza a polifônia de maneira a
permitir a apreensão das mensagens concomitantes, o que no mundo analógico
produziria um barulho ininteligível. Porém, as salas de chat têm a desvantagem
de engendrar conversas rasas de significação e muitas vezes se perder por um
longo entrecorte de conversas paralelas.
Uma conferência eletrônica perminte o mesmo nível de polifonia, porém a
natureza mais pausada das mensagens tem a vantagem de produzir um
ambiente em que muitos falam e muitos ouvem, e cujo texto final, quando lido
a posteriori, permite perceber que um conjunto de escritores operou a
construção deste texto coletivo.
Por último, vale notar que, quando se identifica a possibilidade da interação
um-muitos, é sempre a audiência que é plural. Teoricamente, nada impede o
autor plural e um leitor individual. Mas acho difícil perceber utilidade de um
mecanismo de interação que reúna vários agentes para constituir uma
mensagem cujo destino seja um indíviduo exclusivo.
Natureza: Homem-Homem / Homem-Máquina
Obviamente, a defesa de que uma máquina possa ocupar, de maneira
autônoma, qualquer um dos pólos da atividade de significação, remete à
polêmica discussão acerca da inteligência artificial. Não pretendo entrar neste
debate.
Quando estabeleço a possibilidade de uma máquina atuar como agente
interativo, estou compreendendo que a máquina esteja se comportando de
acordo com regras e procedimentos previamente programados pelo homem. Ou
seja, quando a significação é produzida a partir da interação de um homem
- 68 -
Capítulo II - Dimensões
com um autômato, previamente programado por um homem, caracterizo uma
interação homem- máquina.
Vale, aqui voltar ao que comentei no item sobre a interatividade, no capítulo
anterior. Não estou preocupado com a interação entre o homem e a máquina
que tem como objetivo a manipulação do computador isolado. Ou seja, o fato
de estar escrevendo esta dissertação por meio de um processador de texto não
constitui uma interação homem-máquina, nos termos de minha análise, pois a
significação pretendida pelo objeto comunicacional que escrevo não ocorre com
máquina, mas, sim, junto a seus leitores humanos.
A comunicação homem-máquina é bem caracterizada pelo exemplo de nossa
interação por telefone através dos menus que nos são oferecidos pela voz
gravada ou sintetizada de uma URA (unidade de resposta audível). No
ciberespaço, uma série de mecanismos opera esta possibilidade de interação,
constituindo significações de naturezas diversas:
• padronizadas e pouco interativas, como as mensagens automáticas que
podemos programar em nossos clientes de email, para responder
automaticamente quando estamos ausentes;
• padronizadas e interativas, como a consulta através de perguntas e
respostas a softwares de atendimento ao cliente, agentes (esta palavra
será grafada em itálico sempre que se referir aos autômatos contruídos
por software, para evitar a confusão com agentes da comunicação) que
resolvem dúvidas de usuários através de salas de chat, emails ou
conferências eletrônicas (ver www.nativeminds.com);
• procedimentais e interativas, como a interação com personagens virtuais
que mantêm diálogos cada vez mais elaborados com os interlocutores que
lhes enviam mensagens (ver www.setezoom.com.br); e
- 69 -
Capítulo II - Dimensões
• procedimentais e não interativas, como um autômato que dá as boas
vindas a novos membro da comunidade virtual Brainstorms, com o qual
não é possível dialogar, mas que percebe a presença dos novos membros
e envia mensagens.
Os personagens virtuais trazem conseqüências surpreendentes para o campo
da narrativa e dos jogos. Desenvolvimentos tecnológicos recentes têm
expandido suas possibilidades comportamentais e interativas de maneira
impressionante. Paralelamente, temos o adventos dos agentes voltados a
produtividade que vêm sendo desenvolvidos nos laboratórios. São autômatos
que atuam em nosso nome, interpretando e selecionando conteúdos que
possam nos interessar, interagindo com desconhecidos ou outros agentes para
nos poupar o tempo de conversas desnecessárias ou, até mesmo, negociando
transações financeiras, sempre seguindo procedimentos por nós previamente
programados.
Identidade: Conhecida / Desconhecida
Outro fator importante da natureza do sujeito na interação, que ocorre no meio
digital, é a determinação da identidade dos agentes da comunicação. Não há
aqui o que constestar acerca da possibilidade de comunicação entre conhecidos
ou desconhecidos. É claro que o diálogo em que um dos pólos desconhece a
identidade do outro é menos corriqueiro que o desconhecimento do audiência
pelo produtor na comunicação midiática, mas as cartas anônimas são um
exemplo óbvio e antigo.
No entanto, o meio digital opera um espectro maior de possibilidades: (1)
permite que o escritor / produtor tenha condições técnicas de apreender a
indentidade de vários de seus leitores / espectadores em uma interação ummuitos, através de formulários, bancos de dados e sistemas que monitoram as
atividades dos usuários; (2) permite que a interação com desconhecidos seja
- 70 -
Capítulo II - Dimensões
realizada de maneira segura em função da desmaterialização dos corpos; e (3)
aumenta as possibilidades de farsa em relação à identidade, visto que, sem os
corpos presentes, é fácil um homem passar por mulher ou uma criança por
adulto.
Como já disse, não vou discutir a real identidade dos agentes, embora está seja
certamente uma das questões mais polêmicas do ciberespaço. Para a análise
dos mecanismos de interatividade, basta perceber se estes supõem agentes
conhecidos ou desconhecidos. Não importa se o agente conhecido é fruto de
uma ilusão, visto que a intenção de comunicar pressupõe que a interação se
dirige a um indivíduo específico.
É claro que existe um eixo contínuo de possibilidades entre o totalmente
desconhecido que um possível e o plenamente conhecido que é um não
possível. No entanto, seguindo minha proposição metodológica, vou identificar
apenas
dois
pólos
discretos:
o
desconhecido
como
não
específico,
indiferenciado; e o conhecido, agente que posso particularizar, independente do
volume e da qualidade de informações que possua a seu respeito.
- 71 -
Capítulo II - Dimensões
Dimensão do Sentido
A dimensão do sentido é certamente a mais complexa de todas as dimensões
que me propus analisar. A virtualização do sentido é um pressuposto da
interação, seja qual for o suporte midiático que a abriga. A comunicação
pressupõe que o sentido é seguidamente virtualizado e atualizado pelos
agentes que se conectam em redes, ou ecologias cognitivas. [Lévy 1993] A
interatividade é uma propriedade das tecnologias da inteligência que operam no
ciberespaço. [Lévy 1999]
Os agentes postos em fluxo, dos quais falamos acima, produzem e apreendem
sentido em função das múltiplas conexões que as tecnologias da inteligência
viabilizam. Pierre Lévy, comentando a corrente conexionista das ciências
cognitivas, afirma:
“os sistemas cognitivos são redes compostas por um grande número de
pequenas unidades que podem atingir diversos estados de excitação. As
unidades apenas mudam de estado em função dos estados das unidades
às quais estão conectados.” [Lévy 1993:155]
Os mecanismos de interatividade são ferramentas para conectar estas
unidades. Como vimos, eles viabilizam ambientes que oferecem múltiplas
alternativas para colocar em conexão os agentes da comunicação através de
seus discursos.
Pertencem à dimensão do sentido os vários elementos que operam a
virtualização da mensagem: linguagem, veículo, interface, e inteligência.
Porém, vale lembrar que os eixos que identifico, neste capítulo, são
selecionados em função de sua relevância para diferenciar os diversos
mecanismos de interação que operam na cultura digital. Da longa série de
fatores que poderiam ser levados em consideração, seleciono apenas três eixos
cujas variações considero instrumentais ao objetivo de melhor compreender as
- 72 -
Capítulo II - Dimensões
funcionalidades dos mecanismo de interatividade vis a vis a seus objetivos
comunicacionais específicos.
Tenho consciência de que minha seleção, em especial neste item, merece um
debate mais aprofundado do que será empreendido neste texto. Vale discutir,
em maior detalhe, se os recursos de linguagem utilizados são condição de
diferenciação dos mecanismos de interatividade em função de seu processo de
significação. Santaella investiga estas possibilidades no último capítulo de
Matrizes da Linguagem e do Pensamento [2002]. Segundo a autora, o leitor
interativo é um pressuposto da linguagem na hipermídia. [ibidem]
Neste momento, opto por não considerar as questões atreladas à linguagem
por dois motivos. Primeiramente, não pretendo privilegiar um discurso
multimodal em detrimento de outro puramente textual, em relação à eficiência
da interatividade. Um mecanismo de interação que não permite o tráfego de
imagens é obviamente inadequado para uma discussão sobre fotografia, mas
isto é tão óbvio que não se constitui relevante para minha análise. O hipertexto
transformado em hípermídia pode conectar imagens, palavras e sons entre si,
mas a ausência de uma destas possibilidades não altera a natureza do
mecanismo de interação, embora reduza as possibilidades expressivas do
discurso. Um discurso multimodal não é necessariamente mais interativo. O
segundo motivo é que percebo as alternativas de manipulação da mensagem
pelos agentes, através das possibilidades da interface, como fatores
preponderantes na análise dos mecanismos de interatividade.
Mecanismo: Seleção / Diálogo
Os primeiros elementos da dimensão do sentido já foram discutidos quando
apresentei o conceito da interatividade. Minha proposição é que a interação no
meio digital opera uma seleção ou um diálogo. A primeira está, basicamente,
associada à leitura, na medida em que interagir com um discurso digital implica
- 73 -
Capítulo II - Dimensões
selecionar entre as alternativas que foram previstas pelo seu autor. Esta
seleção pode se concretizar por vários métodos: através de links de hipertexto;
através de opções em menus de diversos formatos que permitem transformar o
texto ou selecionar perspectivas específicas sobre um discurso; ou a partir da
informação prévia de dados sobre minhas preferências e personalidade aliada a
recursos de programação que produzem uma versão particular do objeto
digital.
Agora, ao informar meu perfil, estou operando a capacidade dialógica do meio.
O que constitui um bom exemplo para indicar a extensão que pretendo
abranger com o conceito de diálogo. Ele não deve ser entendido de maneira
restritiva, limitado a trocas “diretas” (as aspas remetem ao fato de que todas as
interações digitais implicam a mediação do computador em ao menos uma
instância, conforme já anteriormente apontado). A operação do diálogo
compreende, aqui, tanto as interações nas quais dois ou mais seres humanos
produzem significação, alternando-se na produção e apreensão de discursos,
quanto as situações nas quais a interface do mecanismo digital permite à
máquina
escutar
o
interlocutor
e
apresentar
conteúdos
previamente
determinados por seu produtor / programador, em função desta interação.
Alguns dos mecanismos de interatividade utilizam ambos operadores, porém, é
comum que uma das operações prepondere sobre a outra. O operador do
diálogo é quase sempre presente, fato já apontado quando comentei sobre a
capacidade dialógica das mídias digitais. Também são raros os mecanismos de
interatividade que não incluem a possibilidade de utilização de links de
hipertexto. Os objetos mais comuns do mundo digital são, justamente, links e
endereços de email, estes, por sua vez, são, habitualmente, apresentados por
meio de links que acionam nossos aplicativos de email.
A WWW é o principal exemplo da centralidade da operação de seleção. Mesmo
os sites menos interativos operam algum tipo de atividade de seleção, através
dos links que se remetem a suas próprias páginas; aliás, sem links, um site não
- 74 -
Capítulo II - Dimensões
merece este nome, visto que consiste apenas em uma página. Mesmo assim,
conforme já comentado, é igualmente raro encontrar site que não apresente
um endereço de email para feedback. Um site que não contenha qualquer um
destes itens é um objeto digital, mas não é um objeto interativo.
A prepoderância do diálogo sobre a seleção é evidente em vários mecanismos:
email, messagem instantânea e chats. O diálogo também ocupa o lugar central
na maioria dos instrumentos de formação de comunidades virtuais, embora
nestes ambientes a operação de seleção seja muito mais presente que nos
outros mecanismos citados neste parágrafo. Nos MUD, boa parte da atividade
pode ser entendida como selecionar objetos e possibilidades de transformar o
texto que constitui o espaço compartilhado. Ao mesmo tempo, a interação
entre os participantes ocorre, prioritariamente, na forma de diálogos, cujos
conteúdos nem sempre são textos, mas, por vezes, ações que são implicadas
em seus avatares.
Método: Dinâmico / Procedimental / Pré-determinado
O sentido das mensagens que transitam através dos mecanismos de
interatividade do ciberespaço pode ser produzido a partir de diferentes
processos. Podemos ter ambientes nos quais as mensagens são totalmente
dinâmicas, ou seja, completamente abertas ao conjunto das possibilidades de
significação que se apresentam aos agentes, tanto na produção quanto na
apreensão dos discursos. Podemos ter também ambientes nos quais as
mensagens são absolutamente pré-determinadas, a partir de um conjunto
restrito de alternativas de interação, que se reproduzem de maneiras
previamente concebidas em função das opções apresentadas aos agentes. Por
último, podemos ter ambientes que comportam mensagens procedimentais,
que, embora previamente determinadas por uma programação específica,
compreendem um vasto número de possibilidades que não foram previamente
conjuradas em si, mas, sim, previstas em potência pelo programador.
- 75 -
Capítulo II - Dimensões
As significações dinâmicas são aquelas que, normalmente, operam através do
diálogo entre um conjunto de sujeitos humanos, interagindo de maneira
síncrona. As possibilidades humanas são sempre dinâmicas. Por mais que, por
exemplo, possamos pretender restringir o discurso de operadores de
atendimento ao cliente a um conjunto de possibilidades pré-determinadas de
discurso, o homem sempre reserva a potência de interargir como bem entende.
No outro lado da moeda, a tecnologia ainda não produziu nenhuma inteligência
artificial que seja capaz de produzir significações absolutamente dinâmicas.
As significações pré-determinadas ocorrem em diversas situações. Na WWW, a
maioria das interações envolve discursos previamente produzidos cujas
capacidades de interatividade estão previamente descritas e cujas mensagens
decorrentes
também
são
estabelecidas
a priori. A maior parte das
comunicações homem – máquina também envolvem significações prédeterminadas, na medida em que a programação da máquina, normalmente,
descreve um conjunto restrito de situações de interação possíveis e estabelece
mensagens padronizadas a elas correspondentes.
As significações procedimentais estão mais presentes em jogos, MUD e algumas
inovações tecnológicas que envolvem a programação de autômatos capazes de
reagir a situações não previamente programadas. Conforme vimos acima, são
máquinas capazes de responder a estímulos de interação com mensagens não
padronizadas, engendradas a partir de regras e procedimentos que produzem
textos originais, visto que inexistentes à sua programação. Estes programas
podem atuar a partir de diversos mecanismos de interação, desde que as
tecnologias implicadas se façam compatíveis.
Polaridade: Escritor / Leitor / Neutra
Propor a existência de uma polaridade na produção de sentido entre escritor e
leitor é bastante complicado. O primeiro cuidado é situar esta distinção na
- 76 -
Capítulo II - Dimensões
operação da interatividade. Ou seja, não estou preocupado com a produção
primária do discurso, operação que tem como pólo significativo o escritor /
produtor, nem estou preocupado com a compreensão do discurso, operação na
qual a produção do sentido é ato do leitor / espectador. A comunicação
invariavelmente envolve os dois pólos, sem que seja válido demarcar uma
preponderância de um sobre o outro. O objeto da minha distinção é a forma
pela qual a interatividade do discurso constitui um objeto, digitalmente,
transformável. O que estou procurando perceber é quais dos agentes, escritor
ou leitor, produz os atos interativos que transformam o texto e contexto.
Quando o escritor programa, previamente, as possibilidades do seu texto e as
apresenta ao leitor de maneira que este possa atuar uma interação com o
discurso, produzindo uma atualização particular de suas possibilidades, temos
uma situação em que o sentido é produzido pela atuação interativa do leitor.
De maneira contrária, quando o escritor tem condições de coletar informações
do leitor, monitorando seus atos, sendo capaz de customizar seu discurso
digital, a partir destas informações, a significação é produzida por uma
capacidade interativa do escritor. No entanto, não é possível perceber qualquer
polaridade na maior parte das operações de interatividade que ocorrem no
ciberespaço; estas situações classifico como neutras, em relação ao pólo de
significação.
A maior parte dos mecanismos de interação que operam a capacidade diálogica
do meio de maneira “direta” deve ser percebida como neutra, uma vez que a
polaridade aqui implicada prevê condições desiguais entre os agentes na
produção de seus discursos, fato pouco comum em situações de diálogo no
ciberespaço. Na WWW, as três situações são possíveis, porém a neutralidade é
mais rara em ambientes que viabilizam a interação homem-máquina. Quando a
programação é determinante da configuração das mensagens, a decisão da
polaridade é uma questão mais relevante. Algumas tecnologias transferem ao
- 77 -
Capítulo II - Dimensões
leitor as opções interativas de transformação do discurso; outras pressupõem
um leitor passivo que recebe o discurso transformado pelo escritor presciente.
- 78 -
Capítulo II - Dimensões
Dimensão do Tempo
Para a questão da interatividade, a virtualização do tempo corresponde a novas
possibilidades de suspensão e de retenção das mensagens que surgem em
função da sua desmaterialização. Virtualizada, a mensagem retém o potencial
de se atualizar de acordo com regras que permitem a manipulação dos
intervalos interativos, assim como orientam a sua reprodutibilidade. O tempo
linear contínuo não governa, de maneira soberana, a interação no ciberespaço,
em função da capacidade de memória que é subjacente à operação de
digitalização.
“Time is erased in the new communication system when past, present and
future can be programmed to interact with each other in the same
message. The space of flows and timeless time are the material
foundations of a new culture that transcends and includes the diversity of
historically transmitted systems of representation: the culture of real
virtuality where make-belief is belief in the making.” [Castells apud Hine
2000:84]
Christine Hine toma a proposição de Castells como ponto de partida para sua
investigação das colagens temporais elaboradas por produtores de sites na Web
e participantes de newsgroups. A autora conclui que, longe de serem aleatórias,
as manipulações do contínuo do tempo são altamente significativas. Porém, sua
apreensão depende de uma competência cultural que precisa ser dominada
pelos agentes no ciberespaço. Nos newgroups, por exemplo, a simultaneidade
das conversas entrecortadas provoca uma sensação de desorientação para o
novo usuário, o que corrobora para demonstrar o tempo como construção
cultural. [2000]
É esta multiplicidade do tempo que opera na construção das estórias
multiformes que Janet Murray identifica como um dos pilares da narrativa
digital. [1997] Lévy coloca esta questão a partir do quadro mais amplo da
- 79 -
Capítulo II - Dimensões
linguagem como instrumento de construção de temporalidade e, neste sentido,
discute a capacidade das memórias digitais e as possibilidades conectivas da
rede. [1994] As novas formas da temporalidade são estabelecidas pela
capacidade de retenção do passado e de transformação do presente, expandido
nas
possibilidades
assíncronas
da
interatividade
e
potencializado
pela
introdução de mecanismos que levam a interação síncrona para novos espaços.
Ritmo: Síncrono / Assíncrono
No eixo que regula o intervalo entre as ações e reações que compõem a
interação, vou identificar dois pólos distintos: a interatividade síncrona que se
define como aquela durante a qual os agentes não se desengajam do processo
de comunicação e a interatividade assíncrona que, contrariamente, se
caracteriza pelo desengajamento. A dificuldade desta proposição está na
definição do engajamento, em especial, quando se leva em conta que, no meio
digital, raramente, estamos envolvidos com uma única atividade. É comum, por
exemplo, estar escrevendo um texto, enquanto o aplicativo de mensagem
instantânea, que se mantêm operando em background, gerencia diálogos
entrecortados com interlocutores que também estão às voltas com outras
atividades.
Minha proposição é entender o engajamento como uma expectativa de resposta
aliada à manutenção da atenção dos agentes da interação. Essa atenção não
precisa ser contínua, pois posso fazer outras coisas, mas a expectativa deve se
prolongar até que seja obtida a resposta, mantendo-me pronto a interagir. É
mais fácil de apreender a idéia de atenção quando pensamos no diálogo. Mas
ao interagir com um site da Web que invoca minha participação para a
produção de sentido, essa atenção está presente na medida em que o site
tenha a capacidade de reagir a meus estímulos de maneira imediata.
- 80 -
Capítulo II - Dimensões
No processo de interação síncrona, os agentes do processo permanecem à
espera da resposta de seu interlocutor. Quando estamos consultando uma
página da Web ou dialogando em um chat, opera-se este mecanismo. Não há,
no entanto, uma determinação de ritmo. O que caracteriza a continuidade da
interação é o fato de que os sujeitos mantém o canal de comunicação durante
a espera pela reação do interlocutor e não quão rapidamente vem esta
resposta. Também não interessa a intensidade da atenção dedicada e, sim, a
percepção de que estou envolvido em uma interação que ainda se desenvolve,
apesar dos intervalos que possam decorrer entre as trocas interativas.
As interações assíncronas, ao contrário, pressupõem a alternância entre
engajamento e desengajamento durante o processo de comunicação. O
exemplo mais óbvio é o email, visto que o remetente da mensagem interrompe
seu processo de comunicação com o destinatário, até que este retorne uma
resposta. Os sistemas de conferência eletrônica trabalham de maneira análoga,
uma vez que não existe a pressuposição de que todos os agentes envolvidos na
comunicação,
que
este
mecanismo
estabelece,
estejam
lendo,
simultaneamente, as mensagens enviadas. A interação mediada por agentes
inteligentes também caracteriza o desengajamento, visto que o usuário, após
informar seus interesses ao agente, pode voltar sua atenção para outros
assuntos, retornando apenas no momento em que necessite dos resultados.
Retenção: Permanente / Fugaz
Aqui, está em jogo a capacidade de retenção em memórias digitais dos
registros de interações particulares, pelos mecanismos que lhes dão suporte. O
que pretendo diferenciar é se a interação produz objetos cognitivos que podem
ser apreendidos a posteriori ou se ela é fugaz, não propiciando maior
permanência que aquela que é necessária para sua própria consecução. A
compreensão a posteriori, aqui implicada, não indica que a permanência seja
uma propriedade de mecanismos de interação assíncronos. Um chat que me
- 81 -
Capítulo II - Dimensões
permite gravar o conteúdo de uma interlocução específica é síncrono e
permanente.
Quando navego por um site interativo na WWW que não reconhece minha
identidade e não retém as minhas opções de interação, transformando-as em
dado particular e reaproveitável, posso dizer que essa interação não tem
permanência. Já, quando entro em uma conferência eletrônica na qual minhas
eventuais contribuições são anexadas ao discurso coletivo que é feito
permanente em seus arquivos, existe permanência.
Na maior parte das vezes, a permanência é uma opção dos mecanismos de
interatividade que atuam no ciberespaço, uma vez que o meio digital, por
princípio, produz as condições para a permanência. Uma vez digitalizados,
todos os conteúdos são passíveis de serem armazenados e reproduzidos. A
opção pela permanência ou não é determinada pela natureza da interação, ou
seja, se ela produz ou não objetos significativos no contexto de interações
futuras. Alguns proprietários de weblogs avaliam que os comentários deixados
por seus leitores são significativos e merecem permanência, por isto habilitam a
funcionalidade de publicação destes comentários, normalmente presentes nos
softwares que produzem estes sites; outros preferem deixar esta função
desabilitada, por compreenderem que os comentários não representam uma
contribuição significativa. Esta opção é, obviamente, bastante determinante
para a natureza da experiência interativa que um weblog engendra com sua
audiência.
Simultaneidade: Favoráveis / Desfavoráveis
Por princípio, o meio digital é palco de simultaneidades. A interface gráfica com
suas múltiplas janelas, a capacidade operada pelo processamento parelelo do
computador e a manutenção concomitante de milhares de conexões por meio
das redes são os motores básicos da simultaneidade. Em função disso, os
- 82 -
Capítulo II - Dimensões
habitantes do mundo virtual se habituaram a manter várias atividades em
paralelo. Mesmo assim existem mecanismos de interação que propiciam
simultaneidade e outros que a inibem; alguns que se aproveitam dela e outros
que se prejudicam em função dela.
De maneira geral, os mecanismos de interatividade que implicam processos de
leitura, e não de diálogo, e envolvem interações síncronas, são desfavoráveis à
simultaneidade. A sua interação envolve uma imersão que tira proveito da
atenção exclusiva de seu interlocutor. Tomando, por exemplo, um site bem
construído, rico em conteúdo e com diversas possibilidades de navegação,
temos uma situação na qual a produção de sentido é prejudicada pela
interferência de acontecimentos digitais simultâneos. Parte da crítica e da
pesquisa sobre o hipertexto concentra-se na dificuldade imposta ao leitor de
seguir uma leitura coerente de um discurso digital, em função da dispersão
provocada por links que o transportam para outros processos de significação
que, ao se interporem ao primeiro, acabam por prejudicá-lo. A opção pela
simultaneidade da apresentação do conteúdo dos links em novas janelas é
muitas vezes utilizada em função deste problema.
Já em uma conferência eletrônica, a simultaneidade é um princípio construtivo.
A possibilidade de manter uma série de discussões paralelas é intrínseca à
riqueza do mecanismo. Estar, simultaneamente, presente em várias salas de
discussões através de perguntas, respostas, comentários e proposições, permite
que ganhemos uma nova natureza, uma certa ubiqüidade que eleva nosso
potencial de interação. Os aplicativos de messagem instantânea, também, tiram
proveito da simultaneidade. Parte da vantagem deste mecanismo em relação ao
telefone, está no fato de, ao invés de ser interrompido por uma ligação
telefônica, por exemplo, ter a possibilidade de manter atividades paralelas,
enquanto abro uma novo canal de comunicação no qual posso determinar o
ritmo da interação.
- 83 -
Capítulo II - Dimensões
Para completar a comparação iniciada acima, posso também afirmar que, de
maneira geral, os diálogos no meio digital tiram proveito da simultaneidade,
independente de serem ou não síncronos. Mas esta generalização deve ser
tomada com bastante cuidado. Por exemplo, em um jogo de combate com
múltiplos usuários, como Doom online, que opera o potencial dialógico do meio
digital, a última coisa que quero é ser interrompido por uma mensagem de ICQ,
quando estou sendo perseguido por um ávido oponente armado até os dentes.
- 84 -
Capítulo II - Dimensões
Dimensão do Espaço
A idéia de espaço é o produto da virtualização do digital mais intensamente
discutido. Ainda que persistam as localizações físicas dos agentes humanos
implicados na interação que se engendra digitalmente, estas localizações, em
geral, não implicam ganhos ou perdas de eficiência para a significação que se
pretende. Aqui, o que me importa, especialmente, é o espaço virtual que se
estabelece a partir da capacidade de conexão dos agentes e dos discursos
digitais que operam a interatividade no ciberespaço.
Margaret Wertheim aponta que o ciberespaço reconstitui a possibilidade de um
espaço fora do universo do mundo físico. Ela contrapõe o ciberespaço à
proposição metafísica do espaço da alma. A partir de uma historiografia do
espaço, ela desmonstra que o mundo científico havia revogado a possibilidade
de um espaço diverso daquele representado por leis da física, fossem elas
euclidianas, newtonianas, relativistas ou quânticas. O ciberespaço recria a
possibilidade de expansão do homem além de seus limites físicos e, desta
maneira, segundo a autora, dá margem a uma nova pulsão utópica. [2001]
As diversas maneiras pelas quais o meio digital constrói seu espaço são um
tema rico, debatido sob diferentes óticas. Johnson, discutindo a interface,
argumenta que as representações que utilizamos para fazer o digital presente à
tela do computador implicam, via de regra, metáforas espaciais. [2001] Janet
Murray, em seu estudo sobre as narrativas no ciberespaço, demonstra que os
ambientes digitais são espaciais. [1997] Como diz Lévy, o ciberespaço é um
território complexo no qual navegamos, por vezes, buscando um objetivo
preciso com a ajuda de mapas e guias virtuais, ou, eventualmente, sem
destino, como verdadeiros flaneurs virtuais. [1999:V]
Christine Hine, partindo da proposição teórica de Castells como vimos, discute
como a WWW e os newsgroups da Usenet criam diferentes espacialidades.
[2000] Apresenta a primeira como um território complexo, “it is clear that while
- 85 -
Capítulo II - Dimensões
space might de expressed as connectivity rather than distance on the WWW,
this space is far from homogeneous…” [ibidem:107]. E, discutindo exemplos da
configuração dos espaços nos newsgroups, demonstra que, como os temas e as
regras de conduta, produzem uma especialidade socialmente significativa, “all
space can be thought of... as in some sense a social achievement as it is
interpreted and made meaningful to its inhabitants” [ibidem:113].
Metáfora: Simples / Complexa
Alguns ambientes digitais engendram espaços complexos, na medida em que
agrupam seus conteúdos, os organizam em camadas e determinam múltiplos
caminhos para conectá-los. Os MUD são ambientes digitais deste tipo que, na
maior parte das vezes, operam associações com o espaço físico: salas, edifícios,
cidades... A interação, nestes ambientes, implica percorrer estas metáforas. As
conferências eletrônicas, também, criam estruturas complexas, quando
organizam seus conteúdos dividindo as mensagens que as compõem por
assunto e / ou referenciamento cronológico.
Outros ambientes digitais são muito menos elaborados do ponto de vista
espacial. A maior parte dos portais mais volumosos organiza suas informações a
partir da metáfora da revista, mesmo porque esta é muitas vezes a origem
primária de seus conteúdos, limitando-se a criar sumários e seções e a oferecer
um mecanismo de busca. Nos aplicativos de mensagem instantânea, as
instâncias de diálogo são sempre similares e não pressupõem qualquer tipo de
circulação ou hierarquia entre si. Estes ambientes requerem uma navegação
muito menos espacial que os anteriores.
Como a complexidade da metáfora espacial utilizada não constitui polarizações
discretas per se, proponho delimitá-las a partir de um critério duplo,
absolutamente subjetivo. Entender como complexas aquelas que operem
múltiplas camadas de organização de seus conteúdos e, ao mesmo tempo,
- 86 -
Capítulo II - Dimensões
engendrem
ambientes
imersivos,
nos
quais
nossos
avatares
estejam,
problematicamente, incluídos, ou seja, possam ser objetos de ações
transformadoras, como no exemplo do jogo Zork, citado no primeiro capítulo.
Por contraposição, seriam metáforas espacialmente simples, aquelas que ou
não constituem diversas camadas de organização de seus conteúdos, ou não
pressupõem a presença problemática de nossos avatares dentro de seus
ambientes.
Acesso: Público / Privado
Apesar do polêmico e, muitas vezes, mal informado debate sobre a segurança
no mundo digital, uma de suas grandes vantagens é a facilidade que temos
para construir espaços privados cujo acesso é exclusivo àqueles que possuam
senhas autorizadas. A maior parte do conteúdo da Internet é, notoriamente,
público e essa característica está bastante presente no discurso da utopia
tecnológica que acompanha o fenômeno. Mesmo assim, a possibilidade de
restringir o acesso é tão essencial à interatividade no mundo digital, quanto à
facilidade de replicar e distribuir seus objetos.
As comunidades virtuais são um excelente exemplo desta dualidade. O
Brainstorm, comunidade já citada anteriormente, caracteriza-se por um discurso
de tom humanístico, pausado, pleno de considerações estruturadas, no qual se
proíbem e censuram comportamentos agressivos e ataques à individualidade.
Por essa razão, trata-se de uma comunidade fechada, protegida por senha, da
qual só participam aqueles que são convidados ou solicitam um convite ao seu
organizador original, Howard Rheingold. Já o Slashdots (www.slashdots.com),
certamente, uma das mais influentes e populares comunidades virtuais em
atividade, povoada por técnicos e tecnófilos, em que se apresentam, lado a
lado, comentários bem informados e opiniões rasas, aconselhamentos
tecnológicos precisos e ataques pessoais de baixo valor, é uma comunidade
aberta cujo conteúdo está disponível à leitura de todos e cuja participação não
- 87 -
Capítulo II - Dimensões
impõe qualquer ritual mais complexo que o preenchimento de um simples
cadastro.
A constituição de um espaço de interação público ou privado é uma questão de
opção do usuário na maior parte dos mecanismos de interação disponíveis. Nos
aplicativos de mensagem instantânea, por exemplo, o usuário pode alterar sua
condição disponível para interação com o público em geral, para a opção de
interagir apenas com usuários previamente autorizados. Infelizmente, o email,
o mais popular de todos os mecanismos de interatividade, carece da opção de
privacidade. Embora existam algumas novas tecnologias que acenam com a
possibilidade de combater a praga digital dos emails não solicitados (spam)
ainda é quase impossível permanecer ileso a este mal que aflige, até mesmo,
os usuários mais experientes, que seguem à risca os melhores procedimentos
para evitar a inclusão de seu endereço nas famigeradas listas de emails que são
vendidas na Internet a preço irrisório.
Localização: Imediata / Possível
Aqui, volto minha atenção para as coordenadas que levam aos agentes da
interação que, de maneira geral, serão caracterizadas pelas condições de
acesso à discursos interativos e / ou interlocutores de diálogos. Não interessa,
efetivamente, aonde se encontram, mas, sim, o grau de dificuldade que tenho
para encontrar os agentes com quem pretendo interagir. Vou dividir as
ocorrências, neste eixo, entre dois pontos discretos: os agentes que se
encontram imediatamente ao meu alcance; e os que me exigem um esforço de
busca.
Os imediatos são aqueles que estão diretamente localizados na interface dos
mecanismos de interação. Na WWW, são os endereços que armazeno na minha
pasta de favoritos, por exemplo. Nos aplicativos de messagem instantânea, são
os usuários autorizados cujos nomes são listados com a indicação de sua
- 88 -
Capítulo II - Dimensões
disponibilidade para interação, quando abro a interface. No email, são os
endereços das pessoas que conheço e pretendo contatar.
Os possíveis constituem uma instância mais complexa. Em primeiro lugar, vale
anotar a possibilidade daqueles que, absolutamente, não consigo localizar para
descartá-los, pois não importam, visto que jamais será possível estabelecer com
eles uma interação. Porém, é preciso perceber que a capacidade de localizar
um conteúdo ou um interlocutor, na vastidão do ciberespaço, depende,
fundamentalmente, do talento de quem pesquisa. Para o fim que minha análise
comporta, vou, arbitrariamente, supor que este talento se distribui igualmente,
ou seja, se alguém é capaz de localizar, todos o são.
Para entender esta minha opção, precisamos nos voltar ao objetivo de
caracterizar os mecanismo de interatividade. O email só permite a interação
com interlocutores cujos endereços eu possuo. Não há como localizar um
endereço utilizando este mecanismo de interatividade. Portanto, o email só
permite a interatividade em um espaço constituídos por agentes que me são
imediatos.
Obviamente, eu posso me dirigir a um site na web ou pesquisar em catálogos
públicos e ser bem sucedido, caso a pessoa que quero contatar possua seu
endereço eletrônico listado. Mas, neste caso, eu sai do ambiente do mecanismo
de interatividade do próprio email. Alguém poderia argumentar que o endereço
poderia ser obtido através de um email para um conhecido em comum, mas
esta não é uma propriedade do mecanismo email e, sim, uma possibilidade da
linguagem; o mesmo poderia ser feito por telefone, ou em uma conversa face a
face. Um aplicativo de envio de mensagem via SMS funciona de maneira
análoga: se não possuo o número do celular do interlocutor que pretendo, a
comunicação é impossível. O mesmo ocorre em comunidades virtuais que não
mantém listagens de seus participantes: só posso interagir dentro dos
ambientes imediatos de uma dada comunidade.
- 89 -
Capítulo II - Dimensões
Porém, a maior parte dos outros mecanismos de interatividade possui
ferramentas
de
procura
dentro
das
possibilidades
da
sua
interface,
possibilitando a interatividade com agentes possíveis, mas não imediatos. Na
Web, diversos sites de busca competem para prestar o melhor serviço. Os
aplicativos de mensagem instantânea, também, apresentam facilidades de
pesquisa. Os ambientes de troca “person to person” (P2P) como Kazaa
(www.kazaa.com),
SoulSeek
(www.opencola.com)
combinam
(www.soulseek.org)
interatividade
entre
ou
seus
ferramentas de busca no sentido de localizar seus conteúdos.
- 90 -
OpenCola
usuários
e
Capítulo III
Mecanismos
- 91 -
Capítulo III - Mecanismos
O objetivo deste terceiro capítulo é a discussão dos mecanismos de
interatividade presentes na cultura digital, vis a vis às dimensões formuladas no
capítulo anterior. Vou agrupar os mecanismos em três conjuntos, em função de
seus macro-objetivos comunicacionais, e discuti-los a partir de dois focos: suas
funcionalidades e a interatividade que proporcionam. Os três macro-objetivos
são: a publicação de textos para leitura; a viabilização de diálogos e a
constituição de comunidades virtuais.
Dada a multiplicidade de mecanismos de interatividade que operam na
Internet, seria inviável tratá-los unitariamente. A análise por meio do
agrupamento proposto pretende permitir que as dimensões de interatividade
sejam compreendidas de maneira comparativa, evidenciando similitudes e
diferenças entre os vários mecanismos de interatividade que operam cada um
dos macro-objetivos identificados. Ademais, o propósito desta dissertação é
mapear as dimensões da interatividade e não constituir sua cartografia na
cultura digital.
O
agrupamento
pelos
macro-objetivos
identificados
é,
certamente,
problemático. Sua construção cristalizou-se durante a discussão da versão
preliminar desta dissertação, junto à banca examinadora de qualificação. A
criação de dois campos distintos pelos processos de escritura / leitura e pela
atividade do diálogo é bastante evidente, tendo permeado itens anteriores do
presente texto. A maior dificuldade está na proposição de que mecanismos de
interatividade para formação de comunidade criam um terceiro campo, que se
insere no mesmo plano que os dois anteriores, do ponto de vista do macroobjetivo comunicacional.
O primeiro problema está no fato de que as comunidades virtuais operam tanto
processos de escritura / leitura, quanto de diálogo. A solução está na
compreensão do objetivo que orienta os agentes interativos, quando estes
operam os mecanismos de interavidade das comunidades virtuais. Os agentes
do processo de escritura / leitura comunicam-se, tendo como objetivo a
- 92 -
Capítulo III - Mecanismos
construção e compreensão do objeto texto. O escritor tem como meta
impregnar o texto de um determinado sentido que tenciona transmitir. O leitor,
por sua vez, tem a intenção de apropriar-se de um sentido do texto produzido.
No diálogo, opera o mesmo mecanismo, se entendermos cada fala dos agentes
como um pequeno texto. Porém, neste caso, o objetivo dos agentes é a
construção de sentido através da interlocução. Não há um texto previamente
produzido cujo sentido é construído pela apropriação do leitor, mas, sim, um
texto diálogico produzido pelos interlocutores durante a interação. Na escritura
/ leitura, a interatividade produz o sentido; no diálogo ela produz o texto. Nas
comunidades virtuais, o textos e os diálogos produzem um ambiente social. A
interatividade produz o contexto que condiona o sentido produzido pelo
diálogo, impregado na escritura e apropriado pela leitura. O objetivo maior dos
mecanismos de interatividade que viabilizam as comunidades virtuais não é
fazer transitar textos ou permitir que interlocutores dialoguem. A razão de
existir destes mecanismos é constituir a “sensação de pertencer a um ambiente
que todos constroem e compartilham” [Costa 2002:71].
Muito embora não pretenda operar uma perspectiva peirciana nesta
dissertação, cabe aqui sugerir, para questionamento futuro, que estes três
macro-objetivos espelham as categorias básicas de Peirce: primeiridade,
secundidade e terceiridade [Santaella 2002]. Texto, diálogo e comunidade
refletindo,
respectivamente,
a
primeiridade;
enquanto
qualidade;
a
secundidade, enquanto ação e reação; e a terceiridade, enquanto mediação
[ibidem]. Como demonstra Santaella em seu magnifico tratado sobre as
matrizes da linguagem e do pensamento, o texto pode ser carregado de
múltiplas
instâncias
das
categorias
peircianas
que
se
encadeiam
seqüencialmente [ibidem]. Já em relação à interatividade, o texto é um objeto
mônade, já que a interação produz o sentido que emana do objeto. Perceber o
diálogo como secundidade é mais simples, visto que este é pura ação e reação,
uma relação diádica [ibidem]. No diálogo, o sentido emana da relação entre os
interlocutores. Nas comunidades, a interação opera para construir o contexto. A
- 93 -
Capítulo III - Mecanismos
interação conduz os agentes a produzir o terceiro elemento, a própria
comunidade, criando a relação triádica que caracteriza a terceiridade [ibidem].
O sentido supera o objeto texto e os interlocutores e passa a ser constituído em
função
da
mediação
do
contexto
de
relações
sociais,
construído
interativamente.
O segundo problema subjacente ao agrupamento pelos macro-objetivos
identificados é que tanto a escritura / leitura, quanto o diálogo comportam
relacionamentos sociais entre seus atores. Não há escritor, leitor ou interlocutor
fora de uma comunidade. Neste ponto, é necessário centrar o foco no objeto da
pesquisa, a interatividade. Na escritura / leitura, os agentes estão inseridos em
suas comunidades, o que certamente condiciona o sentido daquilo que
comunicam. Porém a interação não opera a comunidade, tanto que podemos
ler textos escritos por autores que não compartilham nosso contexto social. Já
o diálogo está inserido numa relação social presente. Porém, os agentes não
precisam pertencer a uma mesma comunidade, para que o diálogo ocorra. Já,
quando tomo os mecanismo de interatividade que têm por objetivo a formação
de comunidade, o que está em jogo é a capacidade de colocar os agentes num
contexto de relacionamento social comum.
Para cada um dos agrupamentos, vou identificar os mecanismos de
interatividade inseridos e discutir sua natureza. Não de maneira exaustiva e,
sim, com o objetivo de explicitar o que considero relevante para a compreensão
da interatividade, vis a vis o macro-objetivo em questão. Não existe um
compromisso de abarcar todos os mecanismos de interatividade. A rapidez com
que novos mecanismos têm se desenvolvido condenaria esta pretensão de
abragência ao fracasso.
Vale também notar que os mecanismos de interatividade na cultura digital são,
na maior parte das vezes, híbridos, em relação aos macro-objetivos
identificados para esta análise. Híbridos nas suas manisfestações, como no caso
de um site na WWW, espaço de publicação por excelência da Internet, que
- 94 -
Capítulo III - Mecanismos
pode carregar uma sala de chat para viabilizar diálogo ou ser o endereço de
uma comunidade virtual constituída através de um sistema de conferência
eletrônica. Híbridos também nas suas finalidades, como demonstra o
mecanismo email que, embora seja o mais importante potencializador de
diálogos da Internet, viabiliza mailing lists que operam formação de
comunidades e newsletters que constituem método de publicação de texto.
Para completar o objetivo deste capítulo e da dissertação em si, vou
empreender uma análise prática de uma manifestação específica para cada um
dos três grupos, nos quais divido os mecanismos de interatividade. Novamente,
há qualquer pretensão de abrangência, o objetivo é demonstrar a viabilidade e
a utilidade da análise, através das dimensões propostas no capítulo anterior. A
seleção dos objetos de análise é puramente pessoal, tomando por critério, seja
minha intimidade com o mecanismo de interatividade, seja meu apreço por
uma manifestação específica.
Como exemplo de espaço de publicação, tomarei na WWW um de meus sites
preferidos, www.tofteproject.com, pois o considero uma demonstração
superlativa das possibilidades de construção de interface para leitura interativa
de um discurso abrangente e complexo. Para exemplificar as dimensões da
interatividade no campo dos potencializadores de diálogo, vou analisar o
aplicativo de mensagem instantânea: o ICQ (www.icq.com), não somente por
força de sua populariedade, mas, principalmente, pelo fato de ser uma
tecnologia que utilizo diariamente. Como objeto de análise entre os formadores
de comunidade, minha escolha é tão pessoal quanto as demais, trata-se da
comunidade Brainstorms, constituída por Howard Rheingold, da qual venho
participando há mais de dois anos. Esta opção apresenta um pequeno
problema, visto tratar-se de uma comunidade privada cujos conteúdos não
devem ser reproduzidos fora de seus domínios. Mantenho essa escolha, apesar
deste fato, visto que o que pretendo discutir são mecanismos de interatividade
que podem ser descritos, sem o apoio de imagens e exemplos específicos e,
- 95 -
Capítulo III - Mecanismos
também, porque como membro da comunidade posso discorrer sobre os
objetivos comunais e as normas de conduta, além das funcionalidades do
mecanismo de interatividade que a comunidade utiliza, o software Caucus
(www.caucus.com). Além do mais, qualquer leitor interessado em contrapor
meu relato ao objeto em si, pode ser convidado a participar da comunidade
mediante o envio de um email ao Howard Rheingold, conforme instruções
descritas em seu site (www.rheingold.com).
Com o objetivo de mapear, graficamente, cada um destes três objetos em
relação às dimensões da interatividade identificadas no capítulo anterior, vou
utilizar o gráfico reproduzido abaixo. Vale notar, que a aplicação deste gráfico
não caracteriza o mecanismo de interação cujo objeto de análise exemplifica. A
proposição analítica, que a imagem do gráfico corporifíca, é válida apenas para
a manifestação específica que pretende representar. Ou seja, o gráfico
desenhado para a comunidade Brainstorm não se aplica para a comunidade
Slashdots, como veremos no item dedicado aos formadores de comunidade. O
objetivo do gráfico e de sua aplicação é, novamente, demonstrar a utilidade da
análise prática que as dimensões de interatividade possibilitam.
O gráfico apresenta as quadro dimensões com seus vetores específicos. Os
vetores que se definem, a partir de polaridades, têm suas instâncias
representadas por esferas. Já aqueles vetores, que se distribuem em contínuos,
são representados por eixos cujos pontos limites caracterizam as instâncias
discutidas no capítulo 2. Na descrição gráfica, temos duas representações um
pouco diversas deste esquema geral. Para o vetor do método na dimensão do
sentido, também representamos a instância caracterizada pelo ponto médio. No
vetor da polaridade da mesma dimensão, a possibilidade de um mecanismo de
interação não polar é representada pela esfera, fora do eixo.
- 96 -
Capítulo III - Mecanismos
DIMENSÃO DO AGENTE
DIMENSÃO DO TEMPO
Fluxo
Ritmo
um-um
um-muitos
muitos-muitos
síncrono
Natureza
Retenção
homem-máquina
homem-homem
permanente
fugaz
Identidade
conhecida
Simultaneidade
desconhecida
favorável
desfavorável
DIMENSÃO DO SENTIDO
DIMENSÃO DO ESPAÇO
Mecanismo
Metáfora
seleção
diálogo
simples
complexa
Acesso
Método
dinâmico
procedimental
público
pré-determinado
escritor
privado
Localização
Polaridade
neutro
assíncrono
imediata
leitor
Figura 1 – Dimensões da interatividade
- 97 -
possível
Capítulo III - Mecanismos
Os viabilizadores de espaços de publicação
A cada um, um pedaço de chão na WWW
A publicação de um site na World Wide Web está ao alcance de qualquer
cidadão capaz de manipular um computador pessoal. Não é necessário
conhecer linguagens de programação específicas, visto que vários serviços
disponíveis na Internet permitem a construção de sites por meio de simples
preenchimento de formulários eletrônicos. A maior parte dos portais oferece
este
serviço
(ver
www.vilabol.com.br;
www.hpg.ig.com.br;
ou
br.geocities.yahoo.com). Embora limitados, os sites construídos através destas
ferramentas são tão disponíveis ao público, quanto aquele desenvolvido por
especialistas para uma grande empresa, utilizando a mais moderna tecnologia e
com vultosos orçamentos.
A democratização da capacidade de expressão encantou diversos sonhos
útopicos, no início da revolução digital. Atualmente, temos uma percepção
muito mais clara. Com a entrada, em massa, das grandes empresas na rede,
durante a década passada, pudemos perceber que o poder econômico cria
campos desiguais em função da sua capacidade de gerar visibilidade para seus
endereços na WWW, utilizando mídias tradicionais [Hine 2000:Capítulo 5]. Este
fato não deve obliterar, mas, sim, relativizar a percepção da WWW como novo
espaço de publicação. Este espaço existe e é, amplamente, disponível. Porém
continua a operar o poder das marcas, do marketing e da capacidade de
investimento dos diversos agentes.
Entendido que a possibilidade de publicação na WWW é amplamente distribuída
e que o potencial de interatividade de um site depende de sua localização na
rede, o que é condicionado pela capacidade de divulgação da sua existência,
vamos explorar que tipo de interatividade estes espaços proporcionam. Por
enquanto, não vou trabalhar as possibilidades de interação através de diálogo,
- 98 -
Capítulo III - Mecanismos
visto que esta função caracteriza o próximo macro-objetivo a ser discutido. O
que interessa, neste momento, é perceber quais são as ferramentas utilizadas
na escritura / leitura interativas.
A primeira constatação é que a disponibilização de ferramentas de fácil
manipulação não induz à compreensão do potencial do hipertexto. O discurso
linear é a norma [Johnson 2001]. Na maioria da vezes, o uso de links fica
restrito à paginação do discurso em diferentes seções navegáveis através de
menus. É raro encontrar discursos que construam múltiplas possibilidades de
leitura, oferecendo ao leitor caminhos alternativos ou opções transformadoras
do conteúdo do discurso. O problema não é a capacidade ou a disponibilidade
da tecnolgia; é, antes, a competência para uma nova escritura [Johnson 2001].
Neste sentido, o recente advento da popularização dos weblogs é um fato a ser
destacado. Weblogs são sites que publicam, periodicamente, comentários de
um ou vários autores acerca dos mais diversos assuntos. A palavra log é um
termo técnico que corresponde a arquivos que contém registros cronológicos
das atividades de um determinado programa de computador. O arquivamento e
a navegabilidade dos comentários publicados periodicamente é a característica
mais marcante da tecnologia dos weblogs. Atualmente, há weblogs que
discorrem sobre os mais variados assuntos, embora sua concepção original
recorra à idéia dos diários pessoais. Da sua popularização recente que tomou
de assalto a Internet no ano passado (2002) resultou a disponibilização de
diversas tecnologias concorrentes para a publicação destes sites (para
diferentes
tecnologias
ver
www.blogger.com;
www.movabletype.org;
manila.userland.com).
Os weblogs, ou blogs, permitem a criação de sites com uma interface
apropriada para a exposição de comentários, seu arquivamento e sua
discussão. A maior parte das ferramentas de criação de weblogs oferece ao
usuário a possibilidade de aceitar comentários de seus leitores. Esta questão já
foi tratada no capítulo anterior. O que interessa notar, agora, é que os blogs
- 99 -
Capítulo III - Mecanismos
têm proporcionado uma nova escritura, na medida em que a utilização de links
para os objetos comentados, notas anteriores, comentários em outros blogs
fazem parte do método de escritura. O texto dos blogs é muito mais dinâmico,
em função da correta exploração das possibilidades do hipertexto.
Para cada leitor um site diferente
Como vimos, a correta exploração das capacidades interativas do hipertexto
constitui um desafio para a maior parte dos autores de discursos na Web.
Entretanto, quando discursos complexos que utilizam este potencial de maneira
intensa são criados, é o leitor que encontra dificuldades. A leitura de textos não
lineares configura um problema para o leitor acostumado a seguir uma
narrativa de começo ao fim [Murray 1997]. Estamos acostumados a nos
apropriar de um discurso em sua totalidade. A existência de múltiplas
possibilidades gera uma sensação de desorientação ou perda, visto que fica
evidente que o objeto texto contém outras possibilidades que não foram
apreendidas [Santaella 2002]. Quão mais complexa a estrutura espacial que a
interatividade constrói, maior a necessidade de criação de um “modelo-mapa-
desígnio, isto é, um mapa que contém programas de viagem” [Santaella
2002:406] para orientar o leitor.
A outra possibilidade de transformação interativa dos textos reside nas
tecnologias de personalização. A tecnologia apresenta várias possibilidades e,
conforme comentado no capítulo anterior, temos a possibildade de realizar a
transformação do texto, priorizando as opções interativas do leitor, ou a
possibilidade de fazê-lo com total controle do escritor / produtor do site. No
primeiro caso, vários sites jornalísticos apresentam a seus leitores formulários
que lhes permitem escolher que tipo de artigos gostariam de receber em
newletters enviadas a suas caixas de correio. Alguns aplicativos de eletronic
banking oferecem ao usuário a possibilidade de determinar, interativamente, as
- 100 -
Capítulo III - Mecanismos
informações que devem ser apresentadas logo que acessem suas contas no site
do banco.
No segundo caso das tecnologias de personalização, temos a possibilidade de
que sites da WWW reconhecem o internauta automaticamente, em função de
visitas anteriores. Isto é feito, normalmente, através de cookies, pequenos
arquivos que os sites armazenam no computador do internauta que lhe visita,
contendo dados sobre suas ações interativas de visitas anteriores. A partir
destes dados, os sites têm a possibilidade de alterar seu discurso de maneira
dinâmica. O nível de personalização varia de maneira bastante larga. Em alguns
sites, esta se restringe a tratar o usuário pelo nome com qual o internauta se
registrou anteriormente. Com tecnologias mais robustas, como a utilizada pela
livraria virtual Amazon (www.amazon.com), é possível não só conhecer o nome
do usuário, como também determinar quais livros devem ser expostos na
primeira página, em função de suas compras anteriores. Neste caso, temos um
mecanismo de interatividade que permite que o sentido seja transformado,
prioritariamente, no pólo do escritor / produtor e que produz mensagens de
maneira dinâmica.
Contando visitas e muito mais
Durante sua pesquisa etnográfica, Christine Hine pôde constatar que a
audiência constitui uma preocupação constante de todos entrevistados que se
propuseram a construir um site na WWW [2000:Capítulo 5]. Igualmente, uma
exploração aleatória de sites amadores na Web permite verificar uma grande
quantidade de sites que exibem, em destaque, o número de visitas obtidas até
um dado momento. Qualquer discurso pretende um público e as tecnologias da
WWW permitem contabilizar este público de maneira eficiente e imediata. Os
contadores de visita são apenas a mais simples das possibilidades.
- 101 -
Capítulo III - Mecanismos
Tecnologias
mais
robustas
como
os
softwares
Webtrends
(www.webtrends.com) e Webalizer (www.mrunix.net/webalizer) permitem aos
produtores de sites web conhecer vários outros dados além do simples número
de visitas. É possível conhecer por quais caminhos os usuários navegam dentro
do site; quais as expressões mais pesquisadas em mecanismos de busca, e, por
conseguinte, quais assuntos que mais trazem internautas ao site; e quais os
destinos mais freqüentes de internautas que deixam o site. A leitura na Internet
deixa rastros [Lévy 1999]. Os percursos de diversos leitores oferecem ao
produtor uma percepção crítica da maneira pela qual os internautas se
apropriam de seu discurso.
Excluídas as possibilidades oferecidas pela publicidade, seja ela em mídias
tradicionais ou na própria WWW, a principal ferramenta do produtor de um site,
para incrementar sua audiência, reside em mecanismos de buscas e links em
outros sites que remetam ao seu [Hine 2000:Capítulo 5]. A inscrição em
mecanismos de busca é atividade obrigatória, porém o resultado desta
estratégia, que não pode ser controlado pelo produtor do site, é bastante
limitado, em função da profusão de sites que habitam o ciberespaço. Para
aumentar sua audiência, os produtores de site entram em contato com outro
sites para trocar links [ibidem]. A prática de criação de páginas de links
preferidos, comum no ciberespaço, acaba por construir um supra texto que
encadeia um conjunto de sites originalmente dispersos. Esta prática é
cristalizada nos webrings, aplicativos que dividem a tela em dois frames: no
menor uma barra de controle, que utiliza os botões de um video cassete como
metáfora, permite navegar entre os sites que são agrupados pelo webring; no
maior temos em destaque o site visitado. Os webrings são uma tecnologia
antiga na veloz cronologia da Web, porém ela se mantém, basicamente, restrita
a alguns temas, em especial, sites dedicados à idolatria de personalidades do
mundo do show business.
- 102 -
Capítulo III - Mecanismos
As possibilidades tecnológicas
Existe uma multidão de tecnologias disponíveis para a publicação de discursos
em hipermídia. Boa parte delas explora o potencial expressivo da comunicação
na Internet. Um dos exemplos mais potentes é a tecnologia Flash da
Macromedia (www.flash.com). Certamente superior à linguagem HTML, a
língua franca da Web, ela não apresenta, no entanto, nenhum avanço
significativo em potencial de interatividade. Com Flash é possível dar
movimento a imagens gráficas e exibir textos, utilizando um maior número de
recursos visuais; porém, do ponto de vista da interatividade, a criação de sites
em Flash remete a elementos já presentes no HTML: links, botões, menus,
fomulários, campos de input, etc. Ou seja, a tecnologia não transforma os
mecanismos por meio dos quais interagimos com a máquina.
Por outro lado, algumas tecnologias recentes e outras ainda incipientes
introduzem novas alternativas de interface, transformando as possibilidades
interativas do meio digital. Estas inovações caminham em três sentidos: o
primeiro dá conta da natureza dos aparatos utilizados para acessar o mundo
digital, em especial, das tecnologias que visam à mobilidade física dos agentes;
o segundo objetivo é a transformação das interfaces de entrada que
atualmente utilizamos, em particular, pretende-se dotar o computador da
capacidade de interagir via voz; o terceiro, envolve a pesquisa para a criação de
ambientes imersivos multisensoriais.
No sentido da mobilidade, a indústria de telefonia móvel já nos oferece um
espaço de publicação, análogo ao da WWW, através da tecnologia WAP.
Utilizando uma linguagem de programação tão simples quanto o HTML, é
possível publicar sites desenvolvidos em tecnologia WAP em endereços da
própria WWW. Apesar de disponível há alguns anos e do grande investimento
realizado pela companhias telefônicas, esta tecnologia ainda não ganhou
popularidade. Para alguns o entrave para maior adoção da tecnologia é a
qualidade da interface proporcionada pelos telefones: telas reduzidas com
- 103 -
Capítulo III - Mecanismos
capacidade gráfica limitada e ausência de teclado alfanúmerico. No entanto, o
SMS (Short Message Service), que será discutido mais à frente, também opera
a partir da mesma interface. O que não o impediu de ganhar o status de
fenômeno de massa em diversos países do mundo, tendo superado o WAP, em
termos de utilização, até mesmo no Brasil onde foi lançado posteriormente. As
tecnologias, uma vez apropriadas por seus públicos, transformam-se, muitas
vezes, afastando-se dos objetivos que seus criadores tinham em mente.
O sonho de comandar o computador através da fala está cada dia mais
próximo. Em março de 2003, pode-se ter a experiência de “conversar” com o
computador através de serviços oferecidos por companhias telefônicas. O Vocall
da Telemar (www.vocall.com.br) e o Mediz da Gradiente, em parceria com
operadores de celular (www.gradiente.com/site/produtos/index.asp?id=130),
permitem manipular uma agenda de telefones e compromissos e consultar
informações, através de uma ligação telefônica que é atendida por
computadores equipados com tecnologias de reconhecimento e sintetização de
voz.
Embora
a
pesquisa
neste
campo
tenha
avançado
de
maneira
impressionante nos últimos anos, ainda não temos máquinas capazes de
reconhecer um grande universo de fonemas, timbres e pronúncias. Os
aplicativos atuais ainda permanecem restritos a um pequeno universo de
expressões e palavras ou a uma voz específica (ver The Economist – Tecnology
Quartely 08/12/2001 página 13).
No sentido de dar voz à web, outro desenvolvimento relevante é a linguagem
VXML (voice extensible markup language - www.w3.org/TR/voicexml20). De
maneira resumida, podemos decrevê-la como um protocolo para inserção de
arquivos de audio na estrutura de navegação, descrita por códigos HTML em
sites da Web, permitindo que sintetizadores de voz sejam capazes de “ler” um
site em voz alta e que instruções “ouvidas” via reconhecimento de voz sejam
traduzidas em comandos HTML.
- 104 -
Capítulo III - Mecanismos
O terceiro campo da pesquisa de interface que afeta a interatividade é,
normalmente, generalizado como realidade virtual. Porém, como nota Lévy,
este campo se divide em dois esforços de desenvolvimento distintos: o primeiro
pretende colocar o homem dentro da máquina, na tentativa de criação de uma
realidade virtual imersiva, cujo objetivo final é iludir os sentidos humanos,
criando uma sensação análoga ao real; o segundo campo de pesquisa leva o
nome de realidade estendida e o que se pretende é trazer o mundo para dentro
da máquina, ou seja, conectar o mundo físico com a máquina através de
sensores capazes de perceber e atuar nos ambientes. [1999] A primeira linha
de pesquisa que, como já dito, propiciou o nascimento de várias tecnologias de
hipermídia, tem no protocolo VRML (virtual reality modeling language) um de
seus desenvolvimentos mais recentes. O consórcio WEB3D (www.web3d.org)
está desenvolvendo uma arquitetura que permite representar objetos e
ambientes em três dimensões na WWW. A segunda linha de pesquisa ainda não
nos tem brindado com aparatos de uso cotidiano, exceção feita às câmeras
web, largamente utilizadas por diversos sites, que nos transmitem imagens ao
vivo dos mais variados sabores.
Longe das fronteiras da pesquisa avançada, temos tecnologias que viabilizam
modelos específicos de produção de discursos hipermídia. Além dos weblogs,
discutidos anteriormente, vale lembrar a tecnologia por detrás dos Wiki
(www.wiki.org). Embora esta tecnologia pudesse ser incluída entre os
mecanismos formadores de comunidade, em função da atuação coletiva
viabiliza, o formato constante e altamente determinante da interatividade dos
sites que utilizam esta tecnologia tem lugar nos comentários sobre os
mecanismos de interatividade para publicação. Wiki é um software que permite
criar páginas web seguindo uma estrutura fixa. Comentários são apresentados
seqüencialmente, links para páginas complementares e afiliações que os
conceitos discutidos possuem são exibidos no mesmo local. Conceitos que ainda
devem ser explicados são indicados com um ponto de interrogação. E, de
maneira quase anárquica, a atualização das páginas é acessivel a todos, até
- 105 -
Capítulo III - Mecanismos
mesmo a usuários anônimos. O Wiki é, talvez, o melhor exemplo que temos da
visão de Pierre Lévy acerca da fusão entre leitura e escritura [1999].
Por último, devemos visitar a terra prometida dos agentes inteligentes. A
promessa é a criação de softwares que possam interagir no ciberespaço em
nosso nome. Embora as intenções eclipsem as realizações neste domínio, já é
possível utilizar alguns automatos capazes de atuar em nosso nome, seguindo
regras estruturadas, como também é possível encontrar aplicativos que
selecionam sites, produtos ou textos, em função de preferências que
informamos, através de formulários [Costa 2002]. O verdadeiro desafio reside
na criação de agentes capazes de aprender, por reconhecimento, por padrões
que, utilizando esta tecnologia, sejam capazes de conhecer seus usuários e
personificá-los no meio digital, de forma a reduzir nosso trabalho e minimizar os
efeitos do excesso de informação [ibidem].
- 106 -
Capítulo III - Mecanismos
Análise demonstrativa: Projeto Tofte
Figura 2 – www.tofteproject.com (acessado em 17/03/2003)
Logo após uma pequena introdução que nos avisa que a história será
contada nas vozes dos autores do projeto e nos pede para ligar os altofalantes, uma voz em off:
“Welcome to the website which tells the story of the Tofte Project, a collaborative effort
in sustainable design. My name is Medora Woods and it was my purchase of a 50 yearold summer cabin on the north shore of Lake Superior, which began the project.
Whatever your reason for visiting this site, we hope you find something here: ideas,
information or even just a sense of what such a process can be like. The beauty of land
and water and the power of an idea inspired the talented and creative people who
designed and built the cabin and those who designed and built this web site. We hope
that spirit is catching and you take away something, which inspires you to make your
dreams real. We invite you to wander about the ways in which we are all interconnected
and interdependent. Thank you for coming.”
- 107 -
Capítulo III - Mecanismos
Criado em Flash, o website do Projeto Tofte é uma das melhores peças de
webdesign que encontrei em inúmeras visitas à WWW. Do ponto de vista
estético, seu discurso é uma excelente demonstração das possibilidades da
linguagem verbo-visual-sonora [Santaella 2002]. Imagens, áudio e texto,
compõe o “texto” que somos convidados a visitar. Um conjunto variado de
estímulos é utilizado para compor uma mensagem sensorialmente complexa.
Diversos detalhes do chalé, do terreno e da região em que este se localiza são
apresentados por meio de seqüência de fotos e pequenos filmes acompanhados
de monólogos ou diálogos dos criadores do projeto. Cada um destes segmentos
descritivos
é
antecedido
pela
apresentação
de
estatísticas
sobre
desenvolvimento sustentável que compõem um intertexto com o detalhe que
será explorado em seguida.
Como objeto interativo, apresenta grande riqueza. Três diferentes formas de
navegação pelo site são apresentadas em áreas distintas: no canto superior
direito, pontos no horizonte simulam estrelas que ao encontro do mouse
desenham a silhueta da cabine como uma constelação, cada uma das estrelas
serve de link para textos sobre o projeto do chalé e do site que se apresentam
nesta mesma janela, assim como para um índice contendo todos os segmentos
descritivos; no canto inferior direito, três botões nos permitem alternar entre
desenhos esquemáticos da região, do terreno e do chalé, eles contém pontos
que remetem aos segmentos descritivos e que, ao encontro do mouse, nos
apresentam o título dos segmentos; ocupando a quase totalidade do lado
esquerdo e do centro da tela, temos o espaço no qual os segmentos descritivos
são apresentados e, no qual, imagens ilustrativas de cada segmento são
distribuídas de maneira dinâmica, em função do já foi apresentado durante a
visita, abaixo destas imagens temos pequenos quadrados que se acumulam
durante a visita e nos remetem aos segmentos já visitados, e que, ao encontro
do mouse, visualizam a imagem ilustrativa do segmento e seu título. Ao final
dos segmentos que descrevem a influência da luz natural no projeto
arquitêtonico, somos convidados a manipular imagens, através de barras e
- 108 -
Capítulo III - Mecanismos
botões, para perceber as alterações da luminosidade no chalé, em função do
horário e da estação climática. Alguns segmentos descritivos possuem
seqüências que são apresentadas como links em texto que se sobrepõem à
imagem final do segmento. Por último, a partir de alguns itens do menu
superior direito, também temos a oportunidade de remeter a outros sites que
serviram de referência ao projeto.
Um dos aspectos mais interessantes da navegação oferecida pela interface é
que nenhum dos diagramas apresenta o conjunto dos segmentos descritos. A
apreensão do site é uma experiência imersiva que nos convida a explorar a
arquitetura fluída do texto [Santaella 2002] e nos atinge através de uma
experiência multi sensorial.
Vamos à aplicação do quadro das dimensões de interatividade representada na
figura 3. Na dimensão do agente, temos uma configuração característica das
publicações digitais: interação um-muitos, homem-homem, envolvendo agentes
desconhecidos entre si.
Em relação à dimensão do sentido, a interatividade opera o mecanismo da
seleção, que se constrói pelo método procedimental, balanceando a atuação do
escritor e leitor, visto que o leitor não tem a capacidade de alterar o conteúdo
do discurso, mas sua atuação na seleção dos complexos percursos permitidos
pelo texto é determinante na apreensão realizada pela leitura.
A dimensão do tempo apresenta-se de maneira um pouco particular ao
universo da WWW, embora assíncrona como é característico de processos de
escritura / leitura. O site do Projeto Tofte dá permanência à interatividade de
uma maneira não muito habitual, quando explicita o percurso da visita de
maneira dinâmica em sua interface. Só não chega a dar total permanência ao
registro da interação, porque não apresenta o registro de visitas anteriores. O
caráter profudamente imersivo, também, torna a interatividade do internauta
com o site mais desfavorável à simultaneidade do que seria costumeiro em
- 109 -
Capítulo III - Mecanismos
nossas navegações na Web, já que dificilmente teremos nossa atenção dividida
por múltiplas janelas, visto que perderíamos as imagens e os sons dos
segmentos descritivos.
Em relação à dimensão do espaço, o site contrói uma metáfora razoavelmente
complexa, em função de suas múltiplas áreas e da representação que pretende
dos ambientes do chalé, terreno e região. Ademais, trata-se de um site público
e cuja localização é possível.
DIMENSÃO DO AGENTE
DIMENSÃO DO TEMPO
Fluxo
Ritmo
um-muitos
um-muitos
um-um
muitos-muitos
Natureza
homem-homem
homem-homem
Retenção
homem-máquina
permanente
fugaz
Identidade
conhecida
Simultaneidade
desconhecida
favorável
desfavorável
DIMENSÃO DO SENTIDO
DIMENSÃO DO ESPAÇO
Mecanismo
Metáfora
seleção
diálogo
simples
complexa
Acesso
Método
dinâmico
procedimental
pré-determinado
público
público
escritor
privado
Localização
Polaridade
neutro
assícrono
assíncrono
síncrono
leitor
imediata
Figura 3 – Dimensões da Interatividade no site www.tofteproject.com
- 110 -
possível
possível
Capítulo III - Mecanismos
Os potencializadores de diálogo
Email: o verdadeiro “killer application”
Logo que os primeiros computadores foram conectados à distância, ligando
quatro universidades americanas, seus usuários sentiram a necessidade de
trocar mensagens: criaram o email. Como comenta Howard Rheingold, o email
não foi a razão que levou à criação da rede, mas uma decorrência lógica de seu
potencial de comunicação [1994].
Na mesma época surgiram outras duas tecnologias: Telnet, FTP (file transfer
protocol). A primeira é utilizada para criar “seções” no sistema operacional da
máquina conectada, permitindo que o usuário opere comandos à distância. A
segunda realiza o transporte de arquivos entre dois computadores conectados
entre si. Enquanto, Telnet e FTP mantiveram-se quase que totalmente restritas
ao universo dos usuários especialistas, o email ganhou o mundo. Um internauta
padrão, vez por outra, encontra um comando FTP na forma de um link para o
download de um arquivo. Provavelmente, fará o download de maneira
transparente, sem a consciência de estar utilizando um protocolo que precede,
em vários anos, os códigos HTML que constituem a maior parte da WWW. Fora
do ambiente dos sistemas operacionais manipulados por especialistas, uma
seção de Telnet recorre à memória apenas dos antigos usuários de BBS que
digitavam, em arcaicas linhas de comando, as instruções necessárias para
interagir com os bancos de dados destes serviços.
Já o email tornou-se a tecnologia mais ubíqua do ciberespaço. É a tecnologia de
diálogo mais utilizada na rede: são milhões de mensagens trocadas
diariamente. A quase totalidade dos provedores de acesso à Internet oferece
contas de email como parte de seu serviço básico. Trata-se de uma tecnologia
tão potente que, uma vez que nos tornamos usuários, acabamos por questionar
como viveríamos sem ela.
- 111 -
Capítulo III - Mecanismos
A potência do email reside no ritmo da comunicação que viabiliza. A
interatividade assíncrona já existia através das cartas e do correio, porém a
velocidade de transmissão que o email permite transforma as condições do
diálogo. A mensagem que envio chega a seu destino em questão de segundos
ou minutos, o que permite tratar questões sensíveis ao tempo. No entanto, são
mantidas as vantagens da comunicação assíncrona, ou seja, permite-se que a
interação ocorra sem o engajamento simultâneo dos agentes, que cada
interação possa ser recebida e respondida no intervalo de tempo que se fizer
necessário e que os agentes possam, discretamente, decidir se desejam ou não
dar continuidade à interação. Além disto, o email opera os benefícios da
digitalização, sendo capaz de transportar arquivos, em hipermídia, passíveis de
serem retidos e transformados.
Outro aspecto importante da interatividade operada pelo email reside nas
possibilidades dos aplicativos que, aliadas a certas normas de conduta,
permitem explicitar a seqüência do diálogo. Ao redigir a resposta a uma
mensagem recebida, a maior parte dos softwares utilizados para o acesso a
contas de email copia o texto da mensagem anterior no corpo da nova. Um
email parte de um diálogo contendo uma seqüencia de interações e pode
carregar em seu corpo todo o conjunto de mensagens, indicando de maneira
gráfica a ordem do texto. Não existe uma padronização para disposição, o que
muitas vezes pode tornar confusa a comprensão da temporalidade do diálogo.
A maioria dos aplicativos de email coloca a mensagem que está sendo
respondida após o texto do novo email, porém existem casos em que é feito o
contrário. Também vale notar que, por vezes, muitos usuários optam por não
repetir a mensagem anterior em seus emails de resposta, para não carregar
demais o texto ou para diminuir o tamanho dos arquivos. Porém, é norma de
conduta manter o texto sempre que encaminhamos uma mensagem a um
terceiro que não estava envolvido no diálogo inicial, o que constitui um outro
importante benefício da possibilidade de dar permanência à interatividade,
através do email. Além de operações na dimensão do tempo, ritmo e retenção,
- 112 -
Capítulo III - Mecanismos
temos a simultaneidade: é possível manter vários diálogos em paralelo, via
email.
Essa tecnologia opera transformações nas condições dos agentes, ao viabilizar
a interação um-muitos, pois um email pode ser endereçado a vários
destinatários concomitantes, e a interação muitos-muitos. Através dos mailing
lists, a tecnologia do email possibilitou a primeira forma de diálogo coletivo que
caracteriza as comunidades virtuais que analisaremos no terceiro item deste
capítulo. O primeiro mailing list, SF-Lovers, que data do final da década de 70,
foi formado por um grupo de usuários da Arpanet aficionados por romances de
ficção científica [Rheingold 1994]. Atualmente, existem milhares de listas sobre
os mais diversos assuntos. As listas são mantidas por aplicativos, identificados
pelo nome genérico de listservs, que gerenciam a inclusão e exclusão de
participantes e se encarregam do envio das mensagens para os endereços de
email cadastrados [Zhang 2002]. Existem diversos softwares de utilização
gratuita para este fim, assim como provedores que oferecem este serviço (ver
www.lyris.com e br.groups.yahoo.com). As listas podem ser públicas ou
privadas, o que neste caso dá conta da possibilidade de cadastrar um novo
email, ou seja, uma lista pública permite o registro sem qualquer censura,
enquanto em uma lista privada isto ocorrerá por convite, ou mediante um
pedido submetido à aprovação. Vou detalhar melhor a interatividade oferecida
por essa tecnologia no item terceiro item deste capítulo, mas é válido ressaltar
que nem todos os mailing lists caracterizam uma comunidade virtual.
Papo cabeça e papo furado
No campo dos mecanismos de interatividade síncrona, temos o IRC (Internet
relay chat) e salas de chat da WWW. O IRC foi desenvolvido no final da década
de 80, na Finlândia. O diálogo síncrono composto unicamente pelo texto escrito
e desmaterializado na virtualidade do ciberespaço constituía uma novidade.
[Reid 1991] Os agentes virtualizados podiam se comunicar de maneira eficiente
- 113 -
Capítulo III - Mecanismos
por detrás do anonimato de seus apelidos. [Turkle 1994] Diversos assuntos
passaram a ser discutidos em ambientes, chamados canais, que se
estabelecem, dinamicamente, pelas fronteiras dos assuntos e comportamentos
que são ali valorizados ou coibidos. As restrições expressivas do texto e as
possibilidades liberalizantes da virtualização dos corpos [Lévy 1996] remetem à
necesidade de compor um código de conduta apropriado à manutenção do
espaço social constituído nos canais hospedados em servidores de IRC pelo
mundo afora. Foi neste contexto que nasceram os emoticons [Reid 1991],
assim como se reforçou a convenção de escrever textos em letras maiúsculas
para identificar a elevação da voz. “IRC is essentially a playground. Within its
domain people are free to experiment with different forms of communication
and self-representation.” [Reid 1991:Preface] No entanto, não é possível
brincar neste playground sem o controle de uma série de comandos. Se o
usuário pretende participar de uma conversa em algum canal de IRC, além de
obter o aplicativo cliente (ver www.mirc.com), é aconselhável aprender os
conceitos básicos e a sintaxe que deve ser utilizada em suas linhas de
comando. Apesar dessa dificuldade, os diversos servidores de IRC espalhados
pelo mundo continuam bastante ativos e seus canais abrigam conversações
pulsantes.
Em contraponto às dificuldades interpostas pela interface pouco amigável do
IRC, surgiram as salas de chat da Web. Os complicados comandos deram lugar
a uma interface gráfica que permite ao usuário participar do diálogo, utilizando
o know how que já lhes é familiar em função da navegação na WWW. As salas
de chat povoam diversos portais voltados à população em geral e a grupos de
interesse específico. As possibilidades interativas destes ambientes espelham-se
nos canais de IRC que a interface facilita. Os emoticons são transformados em
ícones que podem ser inseridos no meio dos textos dos diálogos e expressões
representando ações, como “piscar” ou “gritar”, acompanham a identificação do
interlocutor junto a suas falas. Também é possível estabelecer conversas
reservadas, criando um espaço privado dentro do espaço público, como se
- 114 -
Capítulo III - Mecanismos
chamássemos nosso interlocutor para o canto da sala, ou é possível ignorar as
mensagens de um usuário específico.
Embora seja possível encontrar salas de chat e canais de IRC sobre os mais
variados assuntos, os temas mais populares são a “paquera” e o sexo. Basta
uma breve visita ao chat do UOL (www.uol.com.br/bp) para perceber este fato,
o que não se deve estranhar, dado o grande apelo que exercem. Uma sala
aberta para discutir futebol, certamente, atrairá mais publico que uma utilizada
para debater as últimas descobertas da ciência. A possibilidade de intercâmbio
de imagens no chat, via WWW, inexistente nos canais de IRC, aliada ao maior
contigente de usuários, provoca a concentração dos espaços mais explícitos nas
salas providas por portais. Muitos usuários de IRC referem-se, pejorativamente,
às salas de chat em função de sua população. Obviamente, a necessidade de
domínio dos comandos acaba, de certa maneira, por qualificar os usuários de
IRC.
Apesar da maior visibilidade das salas dedicadas a temas populares de
qualidade intelectual contextável, tanto a Web quanto os servidores de IRC
abrigam diversos ambientes dedicados a diálogos sobre temas específicos.
Diversos sites hospedam salas de chat para que visitantes possam debater o
tema a que se dedicam, muitas vezes, operando a interatividade em espaços
privados, protegidos por senhas. No IRC, o acesso privado pode ser construído
no nível do servidor que pode requisitar a autenticação do usuário, o que não é
praxe, ou pelo estabelecimento de canais privados. Criar um canal é uma
operação corriqueira (alguns portais também facilitam a criação de salas a seus
usuários). Basta utilizar o mesmo comando (/join <canal>) utilizado para entrar
em um canal, com o nome do novo canal. Neste sentido, estes espaços de
interatividade não têm permanência. Basta que o último usuário deixe o canal
(/leave <canal>) para que ele deixe de existir (para uma compilação /
explicação
dos
comandos
de
IRC
ver
[Reid
www.mirc.com/ircintro.html e www.mirc.com/cmds.html).
- 115 -
1994:Appendix]
ou
Capítulo III - Mecanismos
A fluidez da estruturação do espaço no IRC é uma de suas qualidades
determinantes. Qualquer usuário pode criar o seu canal e, tornando-se o
channel op que passa a controlá-lo, convidar (/invite <apelido>) ou expulsar
(/kill <apelido>) participantes. Os espaços podem se comportar de quatro
maneiras, em relação ao acesso: (1) canais públicos (padrão: todos os canais
são públicos a princípio), permitem a entrada de qualquer usuário; (2)
exclusivos (/mode i), são visíveis (são listados pelo comando /list) com acesso
restrito, sendo permitido o acesso somente mediante convite do channel op;
(3) privados (/mode p), não visíveis e com acesso restrito; (4) secretos (/mode
s), invisíveis, sem acesso e com seus participantes excluídos das listagens de
usuários (/who). Como nas salas de chat, é possível criar dobras no espaço,
estabelecendo conversas particulares (/query <apelido> ou /msgs <apelido>),
ou ignorando particiantes específicos (/ignore <apelido>). Os temas do diálogo
nos canais também são atribuídos dinamicamente (/topic <tema>) por
qualquer usuário, ou somente pelo channel op, se assim for por ele
determinado (/mode t).
Em relação à dimensão do tempo, além do ritmo síncrono da interação, os
diálogos no IRC e nas salas da WWW favorecem a simultaneidade. Os agentes
se engajam em diálogos múltiplos, ora respondendo a um determinado
participante, ora a outro. Na tela do computador, os diálogos são cruzados na
polifonia das múltiplas interações que ocorrem em paralelo. O usuário novato,
muitas vezes, se perde em meio a este caos aparente, porém a permanência
das falas permite que, uma vez dominado o ambiente, haja a manutenção de
várias interlocuções concomitantes.
Muitas vezes, mesmo ocorrendo de maneira pública, ou seja, visível para todos
os presentes, os diálogos envolvem apenas dois interlocutores, caracterizando
uma interação um-um. Por outras, as falas são dirigidas aos presentes de
maneira geral, caracterizando uma interação um-muitos. Em salas de
“paquera”, é comum novos participantes digitarem “alguém quer tc comigo?”
- 116 -
Capítulo III - Mecanismos
(tc, abreviação de teclar, quer dizer conversar). Perguntas genéricas também
são muitas vezes endereçadas aos presentes. Outra manifestação de interação
um-muitos é a dos chats com convidados, bastante populares nos grandes
portais. Personalidades são convidadas a participar de uma conversa coletiva
com seus fãs que lhes dirigem perguntas e comentários. Quando as interações
dirigidas ao público presente se encadeiam em um debate articulado, contituise a interação muitos-muitos [Rheingold 1994] que é a base da inteligência
coletiva [Lévy 1999].
Por último, vale comentar alguns outros espaços da interatividade síncrona
através do diálogo. Há várias iniciativas que pretendem construir ambientes
gráficos em duas ou três dimensões, espelhando o mundo físico, através de
metáforas arquitetônicas. Johnson comenta em detalhe sua experiência no The
Palace (www.thepalace.com), permitindo concluir que o detalhamento gráfico
dos ambientes não enriquece o diálogo. [2001] A possibilidade de transitar com
avatares pelo espaço descrito, visualmente, dá margem ao encontro casual,
porém este não parece criar grandes, novas e ricas possibildades de
engajamento interativo. [ibidem] Mesmo assim a criação de ambientes gráficos
para interação continua a atrair esforços. No início deste ano (2003), dois novos
e visíveis empreendimentos foram lançados There (www.there.com) e Second
Life (www.secondlife.com). Neles se pretende associar as possibilidades
interativas do chat, à capacidade de descrição dos ambientes em 3d e aos
mecanismos de construção espacial dos MUD, que discutiremos mais adiante.
Além dos ambientes gráficos, temos as ferramentas de trabalho colaborativo.
Existe uma grande quantidade de aplicativos que são utilizados por empresas e
instituições de pesquisa para facilitar o trabalho a distância. Não há grande
utilidade em comentar esta variedade, visto que os mecanismos de
interatividade utilizados são os mesmos descritos neste capítulo: chats,
conferências eletrônicas, email. Porém, importa ressaltar a ênfase dada por
essas tecnologias ao compartilhamento e manipulação conjunta de arquivos dos
mais variados tipos: arquivos de texto, planilhas, apresentações; e a utilização
- 117 -
Capítulo III - Mecanismos
de imagens transmitidas digitalmente em video conferências (para exemplo ver
www.microsoft.com/windows/netmeeting).
Contatos imediatos
Outro importante mecanismo de interatividade síncrona são os aplicativos de
mensagem instantânea (IM - do inglês: instant messaging). A característica
chave deste mecanismo é administração da disponibilidade dos agentes
interativos. Existem vários sistemas de IM concorrentes. Os mais utilizados são
o
Messenger
da
Microsoft
(messenger.msn.com.br),
o
AIM
da
AOL
(www.aol.com.br/aim) e o ICQ (http://web.icq.com/) que também pertence à
AOL/Time Warner, mas opera de maneira independente. Como o ICQ é o
objeto análise demonstrativa logo abaixo, vou me restringir aqui a comentar as
funcionalidades e implicações genéricas da tecnologia, deixando a discussão
mais detalhada das dimensões da interatividade para a análise do ICQ.
O primeiro passo é escolher um sistema de IM. Neste caso, o sistema não
determina apenas a interface. Essa escolha determina também os possíveis
agentes com quem a comunicação é viável, visto que é necessário que estes
estejam inscritos no mesmo sistema, para que possam interagir. Ao me tornar
usuário de um sistema, recebo um identificador único: um número, no caso do
ICQ, (o nome do usuário é uma condição do número), e um apelido, no caso do
AIM e do Messenger. Estes identificadores funcionam como avatares que nos
corporificam nas telas dos aplicativos de IM. Só posso interagir com usuários
cujos identificadores conheço e que são, por conseguinte, apresentados na
interface do software cliente que reside em meu computador. É possível
pesquisar em bases de dados à busca de pessoas conhecidas, através de
funcionalidades oferecidas pelos aplicativos. Com o identificador do meu
interlocutor apresentado na interface, posso iniciar um diálogo que em muito
assemelha-se ao que ocorre nas salas de chat, porém, nesse caso, a interação
- 118 -
Capítulo III - Mecanismos
é um-um. É possível enviar mensagens para múltiplos usuários ao mesmo
tempo, porém as intelocuções se dão sempre aos pares.
A gestão da disponibilidade é feita por um sistema de status representados por
cores e ícones associados ao identificador dos usuários. As cores indicam se a
pessoa representada pelo avatar está conectada ou não ao sistema de IM. Estar
conectado, no entanto, não é a única indicação de disponibilidade. O usuário
tem, na sua interface, o controle de uma série de status que representa sua
propensão para o diálogo. Tomando o ICQ como exemplo, existem as opções:
available; free for chat; away; not available (extended away); occupied (urgent
messages); do not disturb; privacy (invisible); e offline. Estas opções são
identificadas por ícones que acompanham o identificador do usuário na
interface do aplicativo. Na maior parte, o status é determinado pelo usuário,
porém, quando me afasto do computador por um tempo longo, o próprio
sistema,
ao
perceber
esta
inatividade,
altera
o
indicador
de
minha
disponibilidade para “away”.
Paradoxalmente, o fato de estar desconectado não impede que outros usuários
me enviem mensagens. Portanto, os status são puramente indicativos da minha
intenção. As mensagens recebidas são armazenadas e apresentadas, quando o
usuário se conecta novamente ao sistema. Ou ainda, quando um usuário
escolhe apresentar-se como invisível, é representado, para os demais, com o
status desconectado; porém, caso outro usuário resolva, mesmo assim, enviarlhe uma mensagem, ele a receberá imediatamente e, caso a responda, seu
ícone será alterado para o de invisível, apenas para o interlocutor com quem se
comunicou.
Os aplicativos também oferecem a opção de gerenciar a relação com outros
usuários de maneira diferenciada. Quando feita a opção de privacidade, é
possível determinar uma lista de usuários que deve enxegar o status invisível,
ao invés, do status de desconectado como os demais. Também é possível fazer
o contrário e determinar uma lista de usuários que sempre verá o status
- 119 -
Capítulo III - Mecanismos
desconetado, até que se estabeleça uma conexão com eles. Além disto, é
possível ignorar usuários.
Mais importante, o usuário pode determinar o nível de promiscuidade do seu
avatar no sistema, quando escolhe a opção “free for chat” (ICQ), ele indica que
qualquer outro usuário do sistema que esteja a procura de um par para o
diálogo pode contatá-lo, o que é feito de maneira aleatória pelo próprio
aplicativo. No outro extremo, pode determinar que somente usuários,
previamente autorizados, possam lhe enviar mensagens; os demais são
restritos a requisitar esta autorização.
A gestão da disponibilidade torna-se ainda mais eficiente diante do fato de que
o aplicativo pode permanecer ativo, quando conectado à Internet, de maneira
não intrusiva, permitindo que o usuário realize outras atividades, enquanto
opera em “background”. Somente quando um diálogo é inciado, o usuário é
requisitado pelo aplicativo para que decida se deseja ou não estabelecer o
diálogo.
A
configuração
desta
disponibilidade
permanente,
altamente
administrada, rendeu a adesão de milhões de internautas aos sistemas de
mensagem instantânea em pouco mais de 4 anos, desde que o pioneiro ICQ foi
lançado. Estes mesmos motivos têm levado à sua crescente adoção em
ambientes de trabalho [Zhang 2002].
Ainda acerca dos aplicativos de IM, vale comentar que eles apresentam uma
série de recursos adicionais. Tomando, novamente, o ICQ como exemplo, é
possível: enviar arquivos a outros usuários; determinar que uma mensagem
seja enviada também por email ou SMS; dialogar através da fala, utilizando
microfones e alto falantes; estabelecer comunicação por vídeo através de
webcams; ou até criar sessões de chat entre usuários do sistema.
É preciso notar que mesmo com todo este rol de possibilidades, o IM não
suplanta outros mecanismos de interatividade que viabilizam o diálogo. Não é
adequado para a interação de textos extensos e complexos, como os que o
- 120 -
Capítulo III - Mecanismos
email possibilita, pois existem limites para o número de caracteres das
mensagens e sua interface é mais adequada para o diálogo rápido. Também
não substitui as salas de chat, visto que privilegia a comunicação um-um.
Tampouco, combina as possibilidades do diálogo à capacidade de distribuição
como fazem os mailing lists.
Conversas em txt
Para finalizar o quadro dos mecanismos potencializadores do diálogo, temos
que visitar o mundo sem fio novamente, mais especificamente, a tecnologia de
SMS (short message service). Como já mencionamos anteriormente, essa
tecnologia ganhou ampla adesão, especialmente na Europa. Em 2001, mais de
200 bilhões de mensagens foram enviadas. [Costa 2002:75] As limitações
expressivas da interface, também anteriormente mencionadas, como o
tamanho da mensagem, a tela pequena, a digitação alfabética no teclado
numérico, não parecem ser grandes obstáculos diante da possibilidade de
manter a conexão contínua, quando em movimento, longe dos espaços
doméstico e de trabalho.
95% das mensagens de SMS correspondem a p2p messaging, ou seja, diálogos
(ver www.mbusinessdaily.com/story/WORLDWATCH/MBZ20020313S0004). Ao
contrário dos aplicativos de IM, a maior parte dos usuários não conta com
funcionalidades facilitadoras do controle de disponibilidade, aplicativos para
envio de mensagens para múltiplos destinatários ou com possibilidade de envio
de ícones expressivos. É tudo tão simples quanto: telefone do destinatário +
mensagem + botão de enviar. Mais intrigante é o fato de isso ser feito através
de um telefone que permitiria também uma ligação telefônica para a mesma
pessoa a quem envio a mensagem de texto.
A razão deste mistério é comportamental. Como afirma Rogério da Costa, “a
revolução real na computação sem fio não é comercial nem tecnológica, mas
- 121 -
Capítulo III - Mecanismos
social.” [Costa 2002:74] Uma rápida pesquisa feita por motivos profissionais no
início de 2002, revela motivações curiosas para a utilização da tecnologia por
seu principal público, os jovens entre 15 e 25 anos: “no bar não dá para
conversar mas é possível teclar”; “posso combinar uma balada sem que meu
pai me ouça”; “quando estou na aula não posso atender o celular, mas dá para
ver a mensagens e responder escondido”, “eu estou no trabalho e não dá para
atender o telefone, a mensagem chega e fica lá até que eu posso ver, se for
urgente respondo senão deixo para depois” e assim vai. Na maioria dos países,
o custo de um SMS é também bastante inferior ao de uma ligação. No Brasil,
alguns operadores ainda cobram um valor excessivo.
O mais recente livro de Howard Rheingold, Smart Mobs, trata da nova
revolução social ocasionada pela comunicação instantânea (este livro não foi
incluído na bibliografia deste trabalho, mas o autor também mantém um blog
coletivo, www.smartmobs.com, que foi extensamente consultado). O título
smart mobs escolhido por Rheingold opera um duplo sentido, mobs como
abreviação de mobile phone, fazendo referência a tecnologias de comunicação
móvel inteligentes, ou à palavra mob propriamente dita, o que traduziria a
expressão como “gangues inteligentes”. O segundo sentido me parece mais
relevante. É ele que resume os potentes relatos: cidadãos Filipinos organizando,
através de SMS, as manifestações que reuniram mais de um milhão pessoas
que derrubaram o Presidente Joseph Estrada; os enxames de adolescentes em
Shopping Centers de Helsinque que combinam os encontros relâmpagos via
SMS [Costa 2002:77]; e a utilização de SMS pelas ONG responsáveis pela
manisfestação de 15 de fevereiro 2003 contra a invasão norteamericana no
Iraque.
A potência interativa dessa tecnologia está na capacidade de engajamento
contínuo e simultâneo que é operado pelos aparelhos de comunicação móvel
que nos acompanham. Eles criam um mundo imersivo que mantém presentes
nossos entes queridos, provocando a confortável sensação de estarmos,
- 122 -
Capítulo III - Mecanismos
permanentemente, em contato. A ligação telefônica também provoca este
conforto,
em
especial
em
relação à
segurança,
mas
sua
interação,
obrigatoriamente síncrona, exige um nível de atenção maior. O contato através
do texto é menos presente e por isto pode ser mais permanente.
A interação via SMS não se resume a diálogos entre amigos. Uma série de
aplicativos são oferecidos pelas operadoras de telefonia móvel. Computadores
ligados às plataformas de SMS são capazes de operar programas que criam
scripts de diálogo que simulam salas de chat, que enviam títulos de email, que
recebem votações como as do programa Big Brother e que viabilizam jogos dos
mais variados tipos. Nesta interação, a produção do sentido é claramente
dominada pelo pólo de ocupado pela máquina, embora caracterize um diálogo.
Podemos dizer que neste caso as possibilidades restritivas da máquina são
superadas pelas possibildades extensivas da programação.
- 123 -
Capítulo III - Mecanismos
Análise demonstrativa: ICQ
figura 4 – Aplicativo de mensagem instantânea ICQ
O ICQ faz parte de meu dia a dia desde 1999. Não há qualquer exagero na
afirmação de sua presença diária no meu cotidiano. Meu computador no
trabalho e em minha residência estão permanentemente conectados à Internet
e raramente são desligados. Assim sendo, desenvolvi o hábito de checar,
constantemente, se tenho mensagens e verificar se um amigo que também
utiliza o ICQ está online antes de usar telefone como primeira opção de
contato. Os mecanismos de interatividade via Internet são profudamente
potencializados pelo acesso contínuo por banda larga, o ICQ especialmente,
visto que o aplicativo permanece em funcionamento sem requisitar minha
atenção.
- 124 -
Capítulo III - Mecanismos
Vou tomar minha utilização diária como parâmetro para a análise que esta
resumida na figura 5. Esta retringe-se às funcionalidades de mensagem
instantânea, portanto, o quadro comentado e apresentado abaixo não
considera a maior parte das funcionalidades adicionais do aplicativo como
comunicação via voz, vídeo ou SMS.
Na dimensão do agente, a interatividade é prioritáriamente um-um, com a
possibilidade de uma comunicação um-muitos restrita, já que é pouco prático
manter várias conversas simultâneas, sobre o mesmo tema, utilizando o
aplicativo. Para isso, uma sala de chat seria mais recomendada. A interação é,
habitualmente, homem-homem, embora a possibilidade de interagir com robô
de conversação, em tese, não seja descartada. Os agentes da interação são
conhecidos, pois mesmo quando converso com estranhos, existe um nome que
o identifica e a conversa, normalmente, começa por uma apresentação das
partes. É possível receber mensagens de spam por ICQ, mas digamos que isto
não caracteriza o comportamento interativo a que se destina a tecnologia.
Na dimensão do sentido, temos sua construção pelo mecanismo do diálogo, de
maneira dinâmica e neutra, em relação a polarização, como a maior parte das
tecnologias viabilizadoras de diálogos.
Em relação ao tempo, a interatividade é primariamente síncrona, porém a
possibilidade de envio de mensagens, quando os usuários estão desconectados,
configura um diálogo desengajado, próprio do ritmo assíncrono. Este
mecanismo dá permanência aos diálogos, embora estes se evaporem uma vez
fechadas as janelas em que se corporificam, já que todas as intelocuções são
armazenadas e acessíveis, via interface. Por último, a interatividade é
totalmente favorável à simultaneidade. É comum manter várias conversas e
outras atividades em paralelo.
A dimensão do espaço opera uma metáfora simples no sentido que as
conversas ocorrem em janelas de diálogo evanescentes, porém, complexas em
- 125 -
Capítulo III - Mecanismos
função das possibilidades de gestão da disponibilidade. O acesso é,
prioritariamente, privado, com possíveis exceções controladas pelo usuário. Os
agentes são quase sempre, imediatamente, localizáveis, através de seus
avatares na interface do programa, exceção feita à possibilidade de entreter
diálogos com usuários selecionados aleatoriamente pelo sistema.
DIMENSÃO DO AGENTE
DIMENSÃO DO TEMPO
Fluxo
Ritmo
um-um
um-um
um-muitos
um-muitos
síncrono
síncrono
muitos-muitos
Natureza
homem-homem
homem-homem
Retenção
homem-máquina
permanente
fugaz
Identidade
Simultaneidade
desconhecida
conhecida
favorável
desfavorável
DIMENSÃO DO SENTIDO
DIMENSÃO DO ESPAÇO
Mecanismo
Metáfora
seleção
diálogo
simples
complexa
Acesso
Método
dinâmico
procedimental
pré-determinado
público
público
escritor
privado
privado
Localização
Polaridade
neutro
neutro
assíncrono
assíncrono
leitor
Figura 3 – Dimensões da Interatividade no site aplicativo ICQ
- 126 -
imediata
imediata
possível
possível
Capítulo III - Mecanismos
Os formadores de comunidade
Os primeiros passos
Traçar histórico das comunidades virtuais não é uma tarefa fácil. Vários
desenvolvimentos em separado cruzam-se na linha do tempo e, para cada um
deles, poder-se-ia discutir se e quando passaram a constituir comunidades. Um
dos primeiros desenvolvimentos a estabelecer caminhos para formações
socialmente complexas, via comunicação mediada por computador, reside nas
pesquisas de Murray Turoff do New Jersey Innstitute of Technology que
levaram ao desenvolvimento do Electronic Information Exchange System (EIES)
[Rheingold 1994:Chapter Four]. No meio da década de 70, portanto, pré
computador pessoal e pré interfaces gráficas, este sistema, atualmente em sua
segunda versão (ver http://www.njit.edu/old/CCCC/eies.html), permitia a
organização de conferências eletrônicas, então, utilizadas por pequenos grupos
de pesquisadores.
No final na década de 70 e início dos anos 80, vários desenvolvimentos vão
cooperar para permitir que grupos dispersos geograficamente constituíssem os
diálogos interconectados que levariam à formação de comunidades. O
desenvolvimento do protocolo UUCP (unix to unix copy protocol) pelo Bell
Laboratories vai permitir constituir redes entre as diversas BBS que começavam
a brotar, atraindo os pioneiros usuários dos computadores pessoais [ibidem]. A
Fidonet, a Bitnet e Usernet surgem neste período. A primeira foi criada para a
troca de arquivos entre milhares de BBS existentes a partir do software Fido. A
segunda viabilizava uma rede de emails anterior à Internet. A terceira, que nos
importa agora, oferecia o primeiro ambiente público de conferências
eletrônicas.
Os newsgroups da Usenet permitem que mensagens particulares sejam
distribuídas
de
acordo
com
assuntos
- 127 -
específicos
e
disponibilizadas,
Capítulo III - Mecanismos
publicamente, para todos os seus usários. As mensagens são atribuídas por
seus autores a grupos, em função dos assuntos a que estes se dedicam.
Embora o texto de uma mensagem possa endereçar à pessoa que participa do
grupo, a mensagem, em si, é direcionada ao grupo. Esta dinâmica, que é
espelhada nos sistemas de conferência eletrônica em geral, viabiliza a
comunicação muitos-muitos que é condição primária para o estabelecimento de
comunidades virtuais.
O que mais impressiona na Usenet é a sua organização anárquica. Os grupos
particulares se vinculam a uma cadeia hierárquica à qual, no entanto, não
importa controle, visto que seus administradores, basicamente, definem a
formação dos grupos que o descendem na estrutura. Por exemplo, o
newsgroup alt.culture.usenet que se dedica a discutir os aspectos culturais dos
newsgroups na Usenet é administrado por um de seus usuários cujo principal
poder
reside
no
direito
de
criar
outro
grupo,
como
por
exemplo,
alt.culture.usenet.education, e estabelecer quem será o operador do novo
grupo, da mesma maneira que o operador do alt.culture o fez.
A experiência pioneira mais comentada, no entanto, é a comunidade Well
(Whole Earth Eletronic Link - ver www.well.com). Estabelecida em 1985 por
Stewart Brand, fundador da The Whole Earth Review, um ícone da contracultura
americana,
a
Well
constituiu
uma
experiência
instigante
e
surpreendente para seus primeiros habitantes, como demonstra o vívido relato
de Howard Rheingold [1994]. Em suas conferências eletrônicas temos os
exemplos mais expressivos da potência dos laços sociais que unem pessoas que
muitas vezes nunca se viram frente a frente. Como escreve Katie Hafner, em
artigo para Wired sobre a comunidade: “history has already decreed The Well
to be synonymous with online communication in its best, worst, and, above all,
most vital forms.” [1997]
- 128 -
Capítulo III - Mecanismos
As bases da vida comunitária no ciberespaço
O que caracteriza uma comunidade virtual? Certamente, não basta que um
grupo de pessoas passe a se comunicar através de CMC para que se forme uma
comunidade no ciberespaço. Rheingold elenca três fatores que estabelecem as
bases da formação comunitária: o estabelecimento de normas de conduta que
regem as interações socias entre seus participantes; a comunhão sobre um
conjunto de valores que serve aos objetivos do grupo; e a sensação emocional
de pertencimento que leva os membros de uma comunidade a identificarem-se
como tal. [1994] Em seu relato acerca da Well, o autor demonstra como a
interação continuada, nos espaços vivenciados conjuntamente das conferências
eletrônicas, permite estabelecer as normas de conduta, convergir os valores e
criar a história coletiva que constrói o sensação de pertencimento.
As normas de conduta fazem-se presentes na quase totalidade dos ambientes
do ciberespaço que comportam a interatividade muitos-muitos. As regras são
por vezes escritas e organizadas em textos específicos. Muitos newsgroups e
mailing list produzem arquivos contendo perguntas e respostas (FAQ) para
informar aos novos membros e lembrar aos antigos quais comportamentos são
socialmente aceitos. Como vimos, uma das preocupações constantes é a
manutenção do objetivo do espaço compartilhado, ou seja, um newsgroup
dedicado à arte celta, não é espaço adequado para uma discussão do atual
estado do futebol britânico. No entanto, estes limites são bastante fluídos. Em
muitos grupos, o bate papo descompromissado é tolerado, desde que não tome
de assalto o espaço interativo, obrigando seus participantes a seguir longas
séries de mensagens fora do tópico de discussão a que se dedicam.
As normas também procuram controlar o tom das mensagens, uma vez que a
presença descorporificada dos agentes dá margem ao abuso da linguagem
agressiva. A maior parte dos ambientes de interação muitos-muitos comporta
regras próprias a esse respeito, mas o espírito geral é capturado por esta frase
largamente utilizada pelos antigos sysops (system operators) da Fidonet: “thou
- 129 -
Capítulo III - Mecanismos
shalt not offend; thou shalt not be easely offended.” [Rheingold 1994:137]
Porém, o que pode ser considerado ofensivo é claramente variado. Um dos
membros mais notórios da Well, Tom Mandel, contrariado em sua relação
amorosa com uma outra participante, iniciou uma discussão cujo título era “An
Expedition into Nana's Cunt”. A expedição à vagina de sua antiga namorada,
historiada em ricos e agressivos detalhes, foi estabelecida dentro da
conferência “Weird”, cuja proposição era permitir conversações sobre temas
estranhos, sem qualquer censura. Como tal, a discussão não foi censurada,
embora tenha provocado inúmeras reações, discussões e protestos. Os
administradores da Well chegaram a perguntar à própria Nana, se ela desejava
que a discussão fosse interrompida, o que foi declinado em nome da ética de
liberdade de expressão regente. A expedição durou apenas três dias, pois,
embora não tenha havido censura coercitiva, vários membros da comunidade
começaram a bombardear a discussão com uma série de longas e irrelevantes
mensagens, o que levou, por fim, Mandel interrompê-la. [Hafner 1997]
Além de normas e condutas para coibir a agressividade, as comunidades
virtuais estabelecem procedimentos para tornar a comunicação mais eficiente.
Em conferências eletrônicas, é comum haver regras para inibir o envio
duplicado de uma mensagem, mesmo quando esta abrange temas discutidos
em mais de um tópico. São utilizadas soluções como iniciar uma nova discussão
que comporte os temas tratados, avisar os participantes sobre as mensagens
relevantes enviada a outro item ou, até, o envio duplicado, com o devido alerta
sobre o fato. As convenções são, normalmente, ricas no espaço das
comunidades virtuais. Criam-se expressões específicas e comportamentos
valorizados. Na comunidade Brainstorms, há um item dedicado à manutenção
de um glossário, contendo termos utilizados com um significado específico,
neologismos ali nascidos e um extenso conjunto de abreviações. O
referênciamento
a
mensagens
anteriores
também
respeita
algumas
possibilidades de sinalização gráfica, de acordo com os usos e costumes
estabelecidos. Por vezes, os textos são citados entre aspas ou grafados em
- 130 -
Capítulo III - Mecanismos
itálico. Em chats, é comum haver referência a mensagens, informando o nome
do participante e a hora da mensagem: “não concordo com fulano em 12:55”.
As normas, obviamente, refletem valores éticos específicos que nascem da
convivência e da construção particular do espaço comunitário. Recentemente,
em uma discussão sobre um tema da atualidade, presenciei um confronto entre
dois membros da Brainstorms que solicitou a interferência do moderador, cujo
papel é discutido a seguir). Seguindo a ética vigente, os participantes em
conflito eram instados a restringir-se à discussão do tópico em questão,
refreando comentários sobre a individualidade alheia. A esta regra geral sobre a
convivência, apunha-se um segundo pedido, este específico das regras de uma
das conferências da Brainstorms. Um dos membros engajados no conflito
possui uma “Life Story”, um relato pessoal de sua vida diária que é hospedado
em uma conferência, especificamente criada para este fim. Nela, um membro
da comunidade envia mensagens que constituem um diário particular que é
comentado por outros membros, com quem cria vínculos de amizade, em
função de incentivos, sugestões e críticas que recebe. Segundo a ética
específica deste espaço, as life stories são propriedade das pessoas a cuja vida
se referem e, portanto, as mensagens ali enviadas não podem ser referenciadas
em outras discussões, dentro da Brasinstorms. Desavisado, um dos membros
beligerantes havia baseado boa parte da sua contestação nas idéias defendidas
pelo outro nos relatos pessoais publicados em seu “Life Story”.
Esta regra particular, na verdade, reflete uma regra geral desta comunidade.
YOYOW, “you own your own words”: é uma regra que descende da Well que é,
fortemente, aplicada na Brainstorms. Ela deve ser entendida em dois sentidos,
o primeiro e mais importante é que o conteúdo das mensagens enviadas dentro
dos limites da comunidade não deve ser repetido fora destes mesmos limites,
sem a autorização expressa de quem as enviou. Boa parte dos membros
explicita sua posição particular, em relação a esta regra em suas apresentações
pessoais, dizendo que suas palavras podem ser repetidas sem cerimônia;
- 131 -
Capítulo III - Mecanismos
utilizadas livremente, desde que não haja vantagem financeira para quem as
repete; citadas desde que devidamente reconhecidas como suas e linkadas a
seu site; ou somente mediante consulta específica e direta através de email. O
segundo sentido da norma de propriedade do discurso no âmbito da
comunidade é que o usuário pode manipular aquilo que escreveu, da forma que
melhor entender, pode mudar um comentário refletindo sua mudança de
opinião, pode adendar uma mensagem ou, até mesmo, apagar o que escreveu.
No entanto, este comportamento é mal visto, já que pode alterar ou tornar sem
sentido o fluxo de uma conversa expressa pela seqüência das mensagens que
compõe a discussão coletiva. É convencionado que as alterações, normalmente,
para corrigir erros de escrita, adicionar novos fatos ou apagar mensagens
duplicadas, sejam devidamente assinaladas com tal por um breve alerta
colocado entre colchetes.
As tecnologias de suporte
As conferências eletrônicas constituem os exemplos mais ricos de tecnologia de
suporte a comunidades virtuais, mas não são os únicos. Existem comunidades
que se constituem a partir de salas de chat, IRC e mailing lists. Por um lado,
nem todas as conferências constituem comunidades, por outro, algumas salas
de chat abrigam comunidades efetivas. A tecnologia não é determinante. São
os laços sociais construídos, a partir da interação constante durante um longo
período de tempo que determinam a constituição de uma comunidade.
Quando freqüentadas por uma audiência cativa, que, ao longo do tempo,
estabelece convenções sociais próprias, salas de chat na Web ou em IRC
permitem a formação de comunidades plenas. Porém, como a tecnologia não
oferece suporte para a permanência da interatividade de maneira eficiente, e
como as interações ocorrem de maneira síncrona, as comunidades que se
desenvolvem nestes espaços são, via de regra, motivadas pela necessidade de
socialização em si, e não em função do interesse por um tema específico. O
- 132 -
Capítulo III - Mecanismos
mais comum é a reunião de adolescentes que criam vínculos de amizade ou
reforçam relações pré existentes, através da convivência social que, em muito,
espelha seus hábitos e interesses no mundo real. Isto não quer dizer que este
mecanismo não dê margem a situações problemáticas.
O recente caso de um jovem americano que morre de over dose de drogas
pesadas, durante uma sessão de IRC com amigos virtuais, é assustador (ver
news.bbc.co.uk/1/hi/technology/2724819.stm). Ripper, ou Brandon Vedas,
toma uma série de medicamentos de uso restrito, enquanto interage com os
habitués do canal #shroomery, ao mesmo tempo em que transmite imagens de
seu quarto, utilizando uma webcam. Lendo o log desta sessão IRC (ver
www.killcreek.com/ripperlog.htm), percebe-se que as pessoas presentes se
conhecem há algum tempo e compartilham a inclinação ao uso de drogas
pesadas. Durante a trágica sessão de IRC, alguns membros comportam-se de
maneira adolescente, incentivando Ripper a tomar mais drogas, enquanto,
outros que, inicialmente, participam da “brincadeira”, vão ficando cada vez mais
preocupados em função da gravidade evidente dos fatos e de sua impotência,
pois, apesar de conhecerem Ripper, não têm qualquer referência de sua
localização geográfica, o que os impede de tentar salvar o amigo.
As comunidades formadas a partir de mailing lists, também, oferecem desafios
de interatividade, em função do vetor da permanência na dimensão do tempo.
Algumas listas oferecem a possibilidade de consulta a seus arquivos, porém
esta é uma opção pouco funcional, visto que é superposta ao formato original
da discussão, que se procede email a email. Por outro lado, por serem
assíncronas, as interações nesses ambientes permitem o tratamento de temas
mais densos. A comunidade que se desenvolve em função do mailing list
Nettime (www.nettime.org) é um exemplo pulsante de discussões do mais
elevado padrão intelectual. Bruce Sterling, por exemplo, ex-editor da revista
Wired, renomado autor de ficção científica e futurista, que acaba de lançar o
bem recebido Tomorrow Now, é um contribuinte freqüente. Esta comunidade
- 133 -
Capítulo III - Mecanismos
se dedica a discutir “networked cultures, politics, and tactics”. Um outro
aspecto relevante da construção de comunidades, utilizando este mecanismo, é
a simplicidade da metáfora espacial que engendra. As listagens de email não
dão margem à constituição de múltiplos espaços, segundo temas e convenções
particulares, como fazem as conferências eletrônicas em seus diferentes tópicos
de discussão.
Os newsgroups sofrem da mesma limitação em relação à metáfora espacial.
Embora as hierarquias da Usenet permitam o estabelecimento de múltiplos
grupos, segundo os mais variados assuntos, as comunidades que se formam
neste domínio, via de regra, são particulares a um newsgroup específico e,
portanto, constituem um espaço unicameral. O maior desafio para a formação
de comunidades em newsgroups decorre de seu caráter totalmente público.
A maior parte dos newsgroups não oferece qualquer restrição de acesso, existe
a exceção dos newsgroups moderados, nos quais todas as mensagens passam
pela aprovação do moderador antes de serem publicadas. O caráter
primordialmente público dá margem a maior incidência de comportamentos
desviantes das convenções estabelecidas, seja por desrespeito ao tema da
discussão, seja por agressividade excessiva, e possibilita o envio de spams,
que, no contexto dos newsgroups, equivalem a mensagens comerciais,
impessoais, fora do tópico, normalmente geradas por autômatos.
Em relação à permanência, a solução oferecida pelos aplicativos que nos
propocionam acesso aos servidores de newsgroups é parcial, não por sua
possibilidade técnica, mas em função do volume de mensagens que a
armazenagem e exibição de todo o histórico importaria. A maior parte dos
servidores apresenta um conjunto parcial das últimas mensagens de cada
grupo. [Hine 2000] Como anteriormente comentado, algumas comunidades
mais estruturadas realizam, de tempos em tempos, o esforço de resumir suas
regras de conduta e as conclusões de discussões empreendidas em FAQ, que
- 134 -
Capítulo III - Mecanismos
são prontamente reenviadas por usuários mais antigos, quando um novo
membro o demanda.
As conferências eletrônicas organizam espaços mais complexos ao permitir
múltiplas discussões dentro de seu ambiente. Os discursos interativos têm
permanência, mas o acesso às conversações mais antigas varia. A forma pela
qual os discursos interativos se apresentam é, particularmente, relevante nos
ambientes de interação muitos-muitos. Nas conferências eletrônicas, duas
correntes dividem opiniões: a primeira opção é pela rolagem das mensagens de
acordo com sua seqüência cronológica, formato apelidado de toilet roll; a
segunda, chamada thread format, corresponde a apresentração das mensagens
em cascata, seguindo sua ordem de resposta, uma mensagem ou é a primeira
de uma seqüência ou é colocada abaixo da mensagem a qual responde.
Existem argumentos para ambas as opções. A rolagem contínua dificulta o
seguimento dos debates em separado, visto que uma nova mensagem sobre
um assunto diverso ao anterior pode interromper a seqüência de uma
conversação em andamento. Para lidar com a polifonia que resulta deste
método, operam as diversas convenções de referenciamento. Por outro lado, o
atrito entre discussões em andamento e novos temas pode ser positivo, pois dá
mobilidade ao pensamento coletivo e impede que as conversações se percam
num contínuo de mensagens repetivas e cada vez menos relevantes, à medida
que se afastam dos comentários que lhes dão origem. O formato thread,
contrariamente, têm a capacidade de gerenciar um número maior de debates
concomitantes. Porém, induz à fragmentação, para alguns, negativa para a
construção do espírito comunitário. Os defensores do formato toilet roll
argumentam que, apesar de tornar a leitura mais complexa, este constitui uma
metáfora mais próxima da maneira pela qual as interações sociais ocorrem no
mundo físico.
O fato de serem operacionalizadas através de softwares específicos, dá margem
a diversas configurações em relação a importantes aspectos da interatividade.
- 135 -
Capítulo III - Mecanismos
Algumas comunidades permitem o anonimato, mas a maioria procura manter
algum controle sobre a identidade de seus participantes, mesmo que sem
impedir sua manipulação. A maior parte delas exige, ao menos, a confirmação
de uma forma de contato, por meio de um email válido. Existem conferências
públicas e conferências privadas. Algumas permitem a visualização de suas
conversações, mas restringem a participação.
Todos os espaços comunitários virtuais oferecem algum nível de controle dos
comportamentos, vis a vis as normas sociais estabelecidas. Além dos
operadores de sistemas, é comum a figura do moderador. A pessoa investida
desta tarefa deve garantir que as normas e condutas sejam respeitadas. Em
uma primeira instância de controle, o moderador alia seu status à estratégia de
convecimento, utilizando as possibilidades interativas comuns do mecanismo de
interatividade em questão como enviar um email para o mailing list ou para o
participante específico, publicar uma mensagem na conferência eletrônica que
modera ou dialogar na sala de chat. Quando esta estratégia não logra
resultados, os moderadores têm a seu alcance algumas possibilidades
diferenciadas que caracterizam seu poder. O operador de um canal de IRC
pode utilizar o modo de moderação (/mode m), fazendo com que todas as
mensagens enviadas ao canal sejam submetidas à sua aprovação para serem
publicadas, mesmo expediente utilizado em newsgroups, conforme já
comentado. Este recurso, também, é utilizado em mailing lists. Nas salas de
chat da Web, embora possível, sua utilização é incomum fora do âmbito dos
chats com personalidades convidadas. Moderadores de chat e IRC podem
excluir participantes. Nas listas de email e nas conferências, o administrador do
sistema pode controlar, discretamente, a inscrição, excluindo membros de
comportamento desviante. Os newsgroups não moderados são os mais frágeis
em relação ao comportamento disruptivo de um participante.
A função dos moderadores não se restringe ao policiamento das normas de
conduta. Na maior parte das vezes, sua missão mais importante é a
- 136 -
Capítulo III - Mecanismos
manutenção da atividade dentro do espaço comunitário. Cabe a ele animar
discussões, propor novos temas, conduzir polêmicas construtivas e incentivar a
participação de membros menos falantes. Na maior parte das vezes, as ações
não implicam qualquer diferenciação das possibilidades interativas entre
moderadores e participantes. No entanto, existem algumas possibilidades
interessantes. Na comunidade Brainstorms, existe uma newletter interna,
publicada em um tópico da conferência de boas vindas, que, semanalmente,
realiza um resumo das discussões e mensagens mais interessantes. Este
mecanismo funciona como um incentivo à participação.
Em conferências eletrônicas públicas como Slashdots (www.slashdot.com),
Kuro5hin (www.kuro5hin.org) ou Plastic (www.plastic.com), a facilidade de
acesso e a inexistência de restrição para o envio de mensagens, dá margem à
profusão de mensagens sem qualquer valor. Sistemas de classificação das
mensagens, por notas, trabalham para dar maior significância aos discursos. Os
espaços privilegiados, como as primeiras páginas da comunidade, são
estritamente controlados. No Slashdots, aparecer neste local é sinônimo
automático de prestigio. Ser “slashdoted”, ou seja, ser comentado na primeira
página do site que abriga a comunidade, significa uma garantia de milhões de
visitas e milhares de emails. A publicação neste espaço é controlada pelos
“editores” do slashdots. Na comunidade Kuro5hin, os artigos que se situam na
área nobre da primeira página são fruto de um esforço de edição coletiva.
Clay Shirky, em seu interessante artigo sobre softwares que dão suporte a
formações
sociais
[2003b],
comenta
as
estratégias
adotadas
pelos
organizadores da Slashdots, na construção de sua proposição. Argumenta que é
necessário pensar a forma pela qual a experiência do grupo é construída.
Segundo o autor, existe uma carência na pesquisa sobre as interfaces de
interatividade em grupo, visto que os métodos de pesquisa utilizados sabem
investigar as perspectivas de usuários individuais, mas não conseguem extrair
uma percepção do grupo. “Social software has progressed far less quickly than
- 137 -
Capítulo III - Mecanismos
single-user software, in part because we have a much better idea of how to
improve user experience than group experience, and a much better idea of how
to design interface than constitutions.” [ibidem]
A criação de mundos complexos
Os MUD, multi-user dungeons originalmente, ou multi-user domains como são
por vezes chamados, também são fruto do efervescente período do final do
anos 70, início dos anos 80. O MUD original, o jogo que cunhou o termo, foi
desenvolvido na Inglaterra e lançado em 1978. Ele era uma evolução do
primeiro jogo de role playing, Adventure, desenvolvido no início dos anos 70.
Como outros jogos desenvolvidos na mesma época, o primeiro MUD partia das
possibilidades do role playing, inovando ao permitir que múltiplos participantes
jogassem um contra o outro, ou formando times, utilizando mecanismos de
comunicação internos ao software. [Reid 1994:Background]
O que começou como um jogo com personagens e ambientes saídos dos livros
de Tolkien, forma hoje um universo variado. Há MUD para os mais diferentes
gostos (ver list.ewtoo.org para uma listagem atualizada e para um histórico
bastante
completo:
www.legendmud.org/raph/gaming/mudtimeline.html).
Segundo Reid, os MUD podem ser divididos em três categorias: os MUD de
aventura, competições com diferentes objetivos, nos quais existe uma
hierarquia formal que discrimina privilégios entre os diferentes jogadores; os
MUD sociais, também chamados MUSH ou MUCK, ambientes menos
hierárquicos cujo objetivo é estimular a interação social entre os parcipantes,
sem importar competição; e os acadêmicos, como MediaMOO criado pela
pesquisadora Amy Bruckman no MIT, nos quais utilizam-se as possibilidades
interativas do meio, para o compartilhamento de recursos e experiências e para
a produção conjunta de pesquisas. [ibidem]
- 138 -
Capítulo III - Mecanismos
Os softwares que dão suporte aos MUD oferecem grande diversidade de
formatos de interatividade, ainda maior que os apresentados pelos diferentes
sistemas de conferência eletrônica. Embora a maior parte continue a ser
constituída, unicamente, por texto, alguns são representados graficamente (ver
www.achaea.com
ou
zone.msn.com/asheronscall/start.asp).
Todas
as
tecnologias possibilitam diálogo um-um e muitos-muitos no próprio ambiente
do MUD. A maior parte da interação é síncrona, mas é possível deixar
mensagens para participantes que não estão online. Os registros da interações
são mantidos para permitir a continuidade do jogo, mas não há regra em
relação à permanência da interatividade. Na maior parte das vezes é possível
manter arquivos, logs, contendo as seqüências de texto que compuseram os
diálogos e as ações em um determinado ambiente.
O aspecto mais importante da interação no ambiente dos MUD é a possibilidade
de realizar ações e não só enviar mensagens. Esta ações são determinadas por
comandos que permitem por em relação jogadores ou jogadores e objetos.
Posso beijar uma pessoa ou pegar um espada. Estas ações são realizadas em
relação às personagens com as quais atuamos dentro destes ambientes. Como
diz Turkle “all interactions are take place ‘in character’” [1994], o que
transforma os MUD no principal domínio das transformações da identidade
estudadas pela autora.
Os MUD abrigam construções especiais complexas. Constituem verdadeiros
mundos virtuais com salas, castelos, tuneis, campos etc. No caso mais
interessante dos MUD representados unicamente por texto, estes ambientes
são descritos a partir das funcionalidades originais do software de suporte. O
operador do jogo, habitualmente chamado “deus”, inicia a descrição dos
primeiros espaços e à medida que novos habitantes começam a povoá-los, os
poderes de construção de novos compartimentos são distribuídos. Em alguns
casos, a capacidade de constituir ambientes é restrita aos “magos”, que são
participantes que recebem poderes especiais dos “deuses”. Em outros, todos os
- 139 -
Capítulo III - Mecanismos
participantes podem criar suas salas. Também é possível criar objetos cuja
“existência” é evidenciada pela descrição dos espaços e dos personagens. Na
maior parte dos MUD, em especial nos socias e acadêmicos, a habilidade de
engendrar novos objetos é amplamente distribuída. As funções destes artefatos
também podem variar muito. Alguns são portadores de mensagens, outros de
ações transformadoras do ambiente: um interruptor pode apagar a luz de uma
sala, desabilitando o comando “ver”.
A metáfora espacial complexa e as amplas possibilidades interativas dos MUD,
implicam em construções sociais elaboradas. Nos jogos de aventura, as regras
são, normalmente, claras e rígidas. Porém, “deuses” e “magos” podem abusar
de suas prerrogativas, o que costuma criar conflitos. [Reid 1994] Nos MUD
sociais, as normas e convenções são mais fluídas e os poderes descricionários
menos determinantes. [ibidem] Em função das possibilidades interativas e dos
objetivos para os quais cada um destes mundos são constituídos, as mais
variadas situações da vida social têm lugar: brigas, amores, alianças, traições...
Nos MUD, a potencialidade do meio digital em “fazer mundo” [Levy 1999]
demonstra-se em sua forma mais completa. A comunicação entre agentes, a
partir de novos métodos de interação, permite novas formações culturais. O
novo está na possibilidade de criar realidades que permitam ao homem o
exercício da experiência social fora dos limites de sua existência física. Ecoando
Rheingold, Elizabeth Reid comenta que a realidade virtual é “primarily an
imaginative than a sensory experience.” [1994:Introduction] A potencialidade
da interatividade na cultura digital tem nos jogos, como os MUD, seu melhor
exemplo. Comunicar interativamente é não apenas engendrar o texto da
mensagem, mas é, também, criar os mecanismos de interação que permitem
aos agentes manipulá-la.
- 140 -
Capítulo III - Mecanismos
Análise demonstrativa: Brainstorms
Figura 6 – Centro personalizado da Comunidade Brainstorms
A imagem acima corresponde à visão particular que o Caucus, software
utilizado pela Brainstorms, proporciona a cada um dos membros da
comunidade. Essa tela apresenta um resumo das últimas atividades nas
conferências em que optei por participar, assim como alguns destaques da
comunidade em geral. Ela constitui o principal método de navegação do espaço
da comunidade. A partir deste ponto, posso visualizar as mensagens que ainda
não li e me dirigir às conferências das quais participo. A perspectiva
personalizada é um ponto central da experiência da interface, visto que há
dezenas de conferências concomitantes com dezenas ou centenas de tópicos
cada uma, estes contendo centenas ou, às vezes, milhares de mensagens.
- 141 -
Capítulo III - Mecanismos
O objetivo da comunidade é viabilizar conversações sobre os mais variados
assuntos:
“Brainstorms
hosts
a
private
webconferencing
community
for
knowledgeable, civil, adult, fun conversation about technology, the future,
life online, culture, society, family, history, books, health, home, mind,
phun, money, spirituality, media, and academiaville. We are a few
hundred people of all kinds from all over the world. To get in, either I
invite you or you email me and explain why you would be a valuable
addition to the conversation.” (texto de apresentação da comunidade
Brainstorms no site de Howard Rheingold www.rheingold.com)
A comunidade comporta um conjunto complexo de normas e convenções,
dentre as quais algumas regulam a convivência como um todo, outras são
particulares a certas conferências. Alguns exemplos já utilizados, neste capítulo,
demonstram este fato. O ponto, talvez, mais importante a ressaltar aqui é o
princípio da constituição ética do espaço: compartilhar conhecimento. Os
membros são estimulados a contribuir com opiniões e referências. Uma visita à
Brainstorms, normalmente, rende-me uma dezena de dicas de artigos e sites
interessantes a explorar. As idéias fluem livremente e os únicos tipos de
restrição referem-se a normas de cordialidade e à constituição do espaço, ou
seja, respeito aos temas tratados. Membros que deixam de visitar a
comunidade, recebem um email convidando à participação, que deve incluir
não somente a leitura, como também o eventual envio de suas contribuições
pessoais, até um prazo específico, sob pena de terem suas contas
desabilitadas.
Os habitantes da comunidade possuem laço de pertencimento forte que é
exibido com certo orgulho pelos membros mais antigos. O procedimento de
boas vindas é bastante ilustrativo deste fato. Ao ingressar na comunidade, a
partir de convite recebido via email, o novo membro recebe outro email com
instruções para sua participação. É orientado a completar seu perfil em uma
- 142 -
Capítulo III - Mecanismos
área específica, na qual existe um espaço para uma pequena biografia e, antes
de mais nada, enviar uma mensagem apresentado-se no tópico específico de
apresentações da conferência de boas vindas. Ao fazer isso, é recebido por uma
série de membros antigos, moderadores de conferências ou participantes
indistintos, que, além de lhe saudar, indicam conferências e discussões que
possam lhe interessar, em função das informações contidas em sua biografia.
A comunidade organiza-se em uma série ambientes nos quais se estabelece um
rico fluxo de comunicação muitos-muitos em formato de toilet roll. Os agentes
são conhecidos e humanos, exceção feita ao caucusbot, autômato que dá boas
vindas na conferência de apresentações, conforme anteriormente descrito. A
veracidade da identidade é uma das regras da comunidade, embora não exista
um procedimento metódico de checagem. Os participantes são instados a
registrar-se com seu nome verdadeiro e indicar um email válido.
Na dimenção do sentido, o diálogo é claramente o mecanismo preponderante,
embora boa parte do discurso seja complementado por links externos às
mensagens que implicam operações de seleção. Por este motivo, caracterizo
uma pequena superioridade da atuação do leitor na produção de sentido, que é
operado de maneira dinâmica, como é característico das interações dialógicas.
Em relação à dimensão do tempo, o ritmo da interatividade é, obviamente,
assíncrono, mas existe a exceção das salas de chat em IRC, associadas a certas
conferências. Os discursos são permanentes, pois, ao clicar em cada tópico,
todas as mensagens enviadas são disponíveis. Alguns tópicos têm milhares de
mensagens, requisitando a navegação por páginas e mais páginas de
mensagens. Discussões que deixam de receber a atenção dos membros são
arquivadas, mas basta manipular uma opção da tela que apresenta os tópicos
de uma conferência, para visualizar todos os itens “aposentados”. E basta que
um membro tenha interesse, para que os itens sejam re-ativados pelo
moderador da conferência. O mecanismo de interatividade é totalmente
favorável à simultaneidade.
- 143 -
Capítulo III - Mecanismos
Em relação ao espaço, temos uma metáfora complexa, embora não seja
arquitetônica. A comunidade como um todo não é apreensível. Não existe uma
imagem geral do espaço; a única representação totalizante é uma listagem
completa das conferências na tela que permite a seleção particular de cada
membro. A figura 6, acima, representa uma perspectiva sobre o espaço em
função da minha seleção de conferências. Também posso manipular o espaço
“esquecendo” tópicos que não me interessam. Estes espaços são configurados
pelos assuntos a que se destinam. A primeira mensagem informa a natureza da
discussão à qual o tópico destina-se. Como já comentei, o acesso é privado e as
conversações que se produzem dentro de seus limites não devem ser repetidas
fora deste espaço. A localização dos agentes é imediata, na medida em que são
os agentes que se fazem presentes ao ambiente da mensagem. Mais
claramente, quando respondo a um participante específico, sua presença está
implicada na mensagem à qual faço referência.
A figura 7 representa o resumo da análise das dimensões de interatividade do
mecanismo de interatividade utilizado pela comunidade Brainstorms.
- 144 -
Capítulo III - Mecanismos
DIMENSÃO DO AGENTE
DIMENSÃO DO TEMPO
Fluxo
Ritmo
um-um
um-muitos
um-muitos
síncrono
muitos-muitos
assíncrono
assíncrono
Natureza
homem-homem
homem-homem
Retenção
homem-máquina
permanente
fugaz
Simultaneidade
Identidade
desconhecida
conhecida
favorável
desfavorável
DIMENSÃO DO SENTIDO
DIMENSÃO DO ESPAÇO
Mecanismo
Metáfora
seleção
diálogo
simples
complexa
Método
dinâmico
procedimental
Acesso
pré-determinado
público
Polaridade
neutro
escritor
privado
privado
Localização
leitor
imediata
imediata
Figura 7 – Dimensões da Interatividade na comunidade Brainstorms
- 145 -
possível
Conclusão
- 146 -
Bibliografia
Espero ter demonstrado tanto a possibilidade quanto a utilidade da análise que
o quadro das dimensões da interatividade possibilita. Howard Rheingold
termina The Virtual Community da seguinte forma:
“The battle for the shape of the Net is joined. Part of the battle is a battle
of dollars and power, but the great lever is still understanding – if enough
people can understand what is happening, I still believe that we can have
an influence. Whether we live in a Panoptic or democratic Net ten years
from now depends, in no small measure, on what you and I do now. The
outcome remains uncertain. What the Net will become is still, in large
part, up to us.” [Rheingold 1994:310]
O livro foi escrito há dez anos atrás. Podemos dizer que a batalha continua.
Derrotas e vitórias podem ser contadas por aqueles que defedem a utilização
mais democrática e libertária possível para o meio. Muitas das grandiosas
promessas dos anos 90 não se concretizaram. Porém, mesmo os mais céticos
têm que admitir que o mundo não é mais o que era antes da Internet. A
revolução digital está apenas começando. Meu filho, hoje com dois anos e
meio, utilizará as possibilidades desta tecnologia de formas que mal
conseguimos imaginar.
Acredito que a interatividade pelo meio digital é elemento fundamental de seu
potencial transformador. A compreensão dos mecanismos através dos quais a
interatividade opera é, portanto, fundamental para todos aqueles que
pretendem utilizar a Internet em toda a sua potência. Ao entender como a
interatividade funciona, podemos aplicar as tecnologias que lhe dão suporte de
maneira mais adequada. Podemos escolher melhor entre os diversos
mecanismos,
configurá-los
de
maneira
mais
adequada
aos
objetivos
comunicacionais que pretendemos. Mais ainda, podemos tirar maior proveito
das capacidades interativas destes mecanismos, ao produzir os discursos
digitais a que se destinam.
- 147 -
Bibliografia
No entanto, estou certo de que esta dissertação apresenta apenas uma
indicação de um caminho que me parece possível dentre tantos outros. A
Internet e a cultura digital, embora objetos de várias pesquisas nos últimos
anos, ainda escondem diversas incógnitas. São fenômenos recentes em
transformação acelerada. O potencial de interatividade ainda precisa ser
largamente explorado, dado que são seus mecanismos que, em conjunto com
as novas possibilidades da linguagem da hipermídia, inauguram novas formas
de comunicação.
O modelo de análise que apresento nessa dissertação me provoca diversas
angústias intelectuais. A mais importante é a ausência de um modelo filosófico
que explique as dimensões e seus vetores. A proposição que faço nasce de
minha experiência e das leituras que fiz para entender minha experiência. As
opções
conceituais
não
estão
confrontadas
com
ontologias
primárias.
Certamente, as proposições filosóficas de Pierre Lévy são extensamente
utilizadas durante a construção do modelo de análise, mas não há uma
descrição ou um paralelo entre as dimensões e os vetores identificados e o
pensamento de Lévy.
A primeira indagação que este fato provoca é: existiriam outras dimensões,
existiriam outros vetores? A segunda questão é: as dimensões e vetores
identificados são significativos, têm um fundamento filosófico, ou são apenas
indicação de distinções irrelevantes da interatividade?
Responder a essas questões é um dos caminhos pessoais abertos pela pesquisa
empreendida no Mestrado. Cabe investigar a interavidade a partir das
categorias ontológicas em se situam as suas dimensões, colocando-as em
diálogo com as teorias da comunicação e com a semiótica. Na verdade, acredito
que esta investigação determine duas possibilidades distintas de pesquisa:
uma, panorâmica, pesquisando o pensamento sobre os agentes, o sentido, o
tempo e o espaço; outra, específica, realizando o confronto da teoria peirciana
diante do fenômeno da interatividade. As outras possibilidades de investigação
- 148 -
Bibliografia
que capturam meu interesse correspondem a perspectivas menos filosóficas e
mais próximas de aplicações práticas. Acredito existir um largo campo para a
crítica das interfaces, tendo a análise das dimensões da interatividade como
perspectiva. E, voltando-me para minha formação em administração de
empresas, tenho certeza de que existe grande utilidade na investigação das
conseqüências que a cultura digital e seus mecanismos de interatividade terão
para a organização das empresas.
Embora válidos os quatro caminhos, este último será, provavelmente, o
primeiro a ser trilhado. A transformação no universo das organizações mal
começou. Embora a efervecência dos anos 90 com suas empresas pontocom
tenha sido enorme, as mudanças foram superficiais. As organizações do futuro
vão nascer da apropriação definitiva das possibilidades do meio digital que vão
transformar da natureza jurídica aos métodos de organização do trabalho. As
companhias virtuais são um objeto nascente e a nova potência da
interatividade é seu princípio constituinte.
- 149 -
Bibliografia
1. AIDAR, José Luís [1998] “A Virtualização levyana” in Revista FACE, 1998 - 1o
semestre (disponível em março de 2003 no endereço
www.pucsp.br/pos/cos/face/s1_1998/virtua.htm)
2. BENJAMIN, Walter [1936] “A Obra de Arte na Época de sua
Reprodutibilidade Técnica” (Tradução Carlos Nelson Coutinho) in Lima, Luiz
Costa (org.) [1990] Teoria da Cultura de Massa. São Paulo: Paz e Terra
3. BERGSON, Henri [1939] Matéria e Memória. (Tradução Paulo Neves da
Silva) São Paulo: Martins Fontes
4. BORGES, Jorge Luis [1956] Ficções. (Tradução Carlos Nejar) São Paulo:
Editora Globo
5. BRADBURY, Ray [1953] Fahrenheit 451. Nova York: Balantine Books
6. BRUCKMAN, Amy [1994] “MOOSE Crossing: Creating a Learning Culture”
artigo não publicado (disponível em março de 2003 no endereço
www.ruthvilmi.net/hut/Project/VLC/moose_crossing_proposal.txt )
7. BURROUGHS, William S. [1970] The Electronic Revolution. USA: Expanded
Media Editions (disponível em março de 2003 no endereço
www.hyperreal.com/wsb/elect-ver.html)
8. BUSH, Vannevar [1945] “As we may think” in Druckrey, Timothy (ed.)
[1996] Electronic Culture – Technology and Visual Representation. Quebec:
Aperture Foundation
9. CALVINO, Italo [1987] The Literature Machine. (Tradução Patrick Creagh)
Londres: Secker & Warburg
10. COSTA, Mario [1995] O Sublime Tecnológico. São Paulo: Experimento
11. COSTA, Rogério [2002] A Cultura Digital. São Paulo: Publifolha
12. CRINGLELY, Robert X. [1996] Accidental Empires. Nova York:
HarperBusiness
13. DELANY, Paul e LANDOW, George (ed.) [1993] The Digital Word: text based
computing in the Humanities. Cambridge: MIT Press
- 150 -
Bibliografia
14. DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix [1995] Mil Platôs – Capitalismo e
Esquizofrenia. (Tradução Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa) Rio de
Janeiro: Editora 34
15. DYSON, Esther [1999] Release 2.0: a Design for Living in the Digital Age.
Nova York: Broadway Books
16. EISENSTEIN, Elizabeth [1983] The Printing Revolution in Early Modern
Europe. Cambridge: Cambridge University Press
17. ERCÍLIA, Maria [2000] A Internet. São Paulo: Publifolha
18. FULLER, Ben, BEST, Eric, KELLY, Eamonn e CASSIO, Jamais [1995] “What
are some business implications of the Internet in 2010” in GBN Internet
Scenarios – Meeting Report – Part II. São Francisco: Global Business
Network
19. GIBSON, William [1995 – reedição] Neuromancer. Nova York: Ace Books
20. GIBSON, William [1996] Idoru. Londres: Penguim Books
21. GILDER, George [1996] “Angst and Awe on the Internet” in Forbes ASAP,
Fevereiro 1996. Nova York: Forbes Inc. (disponível em março de 2003 no
endereço http://www.seas.upenn.edu/~gaj1/angstgg.html)
22. HAFNER, Katie [1997] “The Epic Saga of The Well” in Wired, Issue 5.05,
Maio de 1997. São Francisco: Wired Ventures (disponível em março de 2003
no endereço www.wired.com/wired/archive/5.05/ff_well.html)
23. HAGEL III, John e AMRSTRONG, Arthur G. [1997] Net Gain. Boston: Harvard
Business School Press
24. HINE, Christine [2000] Virtual Ethnography. Londres: Sage Publications
25. HUXLEY, Aldous [1932] Brave New World. Nova York: HarperPerennial
26. JOHNSON, Steven [2001] Cultura da Interface. (Tradução Maria Luiza
Borges) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores
27. KATZ, John [1997] “Birth of a Digital Nation” in Wired, Issue 5.04, Abril de
1997. San Francisco: Wired Ventures Ventures (disponível em março de
2003 no endereço http://www.wired.com/wired/archive/5.04/netizen.html)
28. LANDOW, George (ed.) [1994] Hyper/Text/Theory. Baltimore: The John
Hopkins University Press
- 151 -
Bibliografia
29. LANDOW, George [1992] Hypertext: The Convergence of Contemporary
Critical Theory and Technology. Baltimore: The John Hopkins University
Press
30. LANHAM, Richard [1993] The Eletronic Word - Democracy, Technology and
the Arts. Chicago: University of Chicago Press
31. LÉVY, Pierre [1994] Tecnologias da Inteligência - O Futuro do Pensamento
na Era da Informática. (Tradução Carlos Irineu Costa) Rio de Janeiro:
Editora 34
32. LÉVY, Pierre [1996] O Que é o Virtual? (Tradução Paulo Neves) São Paulo:
Editora 34
33. LÉVY, Pierre [1999] Cibercultura (Tradução Carlos Irineu da Costa) São
Paulo: Editora 34
34. MATUCK, Artur [1995] O Potencial Dialógico da Televisão. São Paulo:
Annablume
35. MCLUHAN, Marshall [1969] The Gutenberg Galaxy: The Making of
Typographic Man. Nova York: New American Library
36. MCLUHAN, Marshall [1964] Os Meios de Comunicação como Extensões do
Homem. (Tradução Décio Pignatari) São Paulo: Cultrix
37. MCLUHAN, Marshall e FIORE, Quentin [1997] War and Peace in the Global
Village. São Francisco: Hardwired
38. MENEZES, Philadelfo [1996] “Apontamentos sobre a presença da
regiliosidade na cultura das novas tecnologias” in Fausto Neto, Antônio e
Pinto, Milton José [1996] O indivíduo e as mídias. Rio de Janeiro:
Diadorim/Compós
39. MENEZES, Philadelfo [1998] “Poetics and New Technologies of
Communication: a Semiotic Approach” in Revista FACE, 1998 - 1o semestre
(disponível em março de 2003 no endereço
www.pucsp.br/pos/cos/face/s1_1998/poesia.htm)
40. MIELNICZUK, Luciana [2000] “Considerações sobre a interatividade no
contexto das novas mídias” in Lemos, André e Palacios, Marcos (orgs.)
Janelas do Ciberespaço – Comunicação e Cibercultura. Porto Alegre: Editora
Sulina
41. MILLER, Jonathan [1982] As idéias de McLuhan. São Paulo: Cultrix
- 152 -
Bibliografia
42. MURRAY, Janet H. [1997] Hamlet on The Holodeck: the Future of Narrative
in Cyberspace. Nova York: Free Press
43. NEGROPONTE, Nicholas [1995] Being Digital. Nova York: Alfred A. Knopf
44. PEDDER, Shophie [2002] “Power in your hand: A survey of Television” in
The Economist, 13 de abril de 2002. Londres: The Economist
45. PESSIS-PASTERNAK, Guita (ed.) [1991] Do Caos à Inteligência Artificial. São
Paulo: Editora UNESP
46. REID, Elizabeth [1991] “Electropolis: Communication and Community on
Internet Relay Chat”, trabalho de graduação não publicado. (disponível em
março de 2003 no endereço aluluei.home.att.net/electropolis.htm)
47. REID, Elizabeth [1994] “Cultural Formations in Text-Based Virtual Realities”,
dissertação de mestrado não publicada. (disponível em março de 2003 no
endereço aluluei.home.att.net/cult-form.htm)
48. RHEINGOLD, Howard [1994] The Virtual Community. Nova York:
HarperPerennial
49. SANTAELLA, Lucia [2002] Matrizes da linguagem e Pensamento – Sonora
Visual Verbal. São Paulo: Iluminuras
50. SANTAELLA, Lucia [1996] Cultura das Mídias. São Paulo: Experimento
51. SHIRKY, Clay [2003a] “Power Laws, Weblogs and Inequality”, artido não
publicado. (disponível em março de 2003 no endereço
www.shirky.com/writings/powerlaw_weblog.html)
52. SHIRKY, Clay [2003b] “Social Software and the Politics of Groups”, artido
não publicado. (disponível em março de 2003 no endereço
www.shirky.com/writings/group_politics.html)
53. STANDAGE, Tom [2001] “The Internet, untethered: A survey of the mobile
Internet” in The Economist, 13 de outubro de 2001. Londres: The Economist
54. TURKLE, Sherry [1994] “Constructions and Reconstructions of Self in Virtual
Reality”, seminário apresentado na 3Cyberconf em Austin. (disponível em
março de 2003 no endereço web.mit.edu/sturkle/www/constructions.html)
55. VATTIMO, Gianni [1992] A Sociedade Transparente. (Tradução Hossein
Shooja e Isabel Santos) Lisboa: Relógio d’Água
56. VIRILIO, Paul [1988] A Máquina de Visão. (Tradução Paulo Roberto Pires)
Rio de Janeiro: José Olympio Editora
- 153 -
Bibliografia
57. VIRILIO, Paul [1993] A Arte do Motor. (Tradução Paulo Roberto Pires) São
Paulo: Editora Estação
58. WERTHEIM, Margaret [2001] Uma história do espaço de Dante à Internet.
(Tradução Maria Luiza X. de A. Borges) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores
59. XAVIER, Valêncio [1983] Maciste no Inferno. Curitiba: Edições Criar
60. ZHANG, Yi [2002] “Literature Review for Online Communities &
Recommender Systems – State of the Art Paper”. Dissertação não publicada
(disponível em março de 2003 no endereço
http://web.njit.edu/~yxz1847/research/SOTA.pdf)
- 154 -