Diagnóstico situacional do fenômeno da violência sexual infanto

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Diagnóstico situacional do fenômeno da violência sexual infanto
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Universidade Federal de Minas Gerais
Pró-Reitoria de Extensão
Projeto Enfrentamento à Violência Sexual InfantoJuvenil nos Vales do Jequitinhonha, Mucuri e Região
Metropolitana de Belo Horizonte - PAIR Minas
Secretaria Especial de Direitos Humanos da
Presidência da República - BRASIL
Diagnóstico situacional do fenômeno da
violência sexual infanto-juvenil e da rede de
proteção à criança e ao adolescente na área
de expansão do PAIR-MINAS das
mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale
do Rio Doce
Belo Horizonte
2009
Ficha Técnica
Pró-Reitoria de Extensão - UFMG
Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben – Pró-Reitora de Extensão
Paula Cambraia de Mendonça Vianna – Pró-Reitora Adjunta de Extensão
Coordenação Geral do PAIR Minas
Edite da Penha Cunha, MSc. – Pró-Reitoria de Extensão
Coordenação da formulação do Sistema de Monitoramento e Avaliação
do PAIR Minas
Profa. Dra. Magna Inácio – Departamento de Ciência Política/UFMG
Profa. Dra. Marlise Matos – Departamento de Ciência Política/UFMG
Pesquisadores
MSc. Daniela Rezende – Pesquisadora
Estagiários
Matheus Soares Cherem – Assistente de pesquisa
Priscila Jacomini – Assistente de pesquisa
Colaboração
MSc. Marta Mendes da Rocha
Agradecimentos
A elaboração desse diagnóstico foi possível devido à colaboração de diversas instituições,
mediante a gentil cessão de dados e informações sobre o fenômeno da violência sexual,
sobre a rede de atendimento e de enfrentamento presentes nas regiões dos Vales do
Jequitinhonha, do Mucuri, do Rio Doce e da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Agradecemos, em especial, à Diretoria de Proteção e Defesa da Criança e do Adolescente
da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social – Minas Gerais; à Subsecretaria de
Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da Presidência da República; ao Conselho Estadual de Direitos da Criança e do
Adolescente de Minas Gerais; à Fundação Dom Cabral, executora da Pesquisa realizada
pela Telemig Celular, ao Centro Integrado de Informações da Defesa Social-CINDS, da
Secretaria de Estado da Defesa Social-SEDS.
3
Índice de ilustrações
Figura 1: Resumo das Dimensões interativas/relacionais na situação de Abuso Sexual..... 21
Figura 2: Resumo das Dimensões de Interação da Rede Secundária que atua na situação
de Abuso Sexual............................................................................................. 23
Figura 3: Resumo das Dimensões de Interação da Rede de Exploração Sexual................. 46
Figura 4: Detalhamento dos Elementos/Agentes e Interesses principais envolvidos na
situação da Exploração Sexual........................................................................ 48
Mapa 1: Municípios da área de expansão do PAIR nas mesorregiões do Vale do Mucuri
e Rio Doce. Minas Gerais, 2008...................................................................... 64
Mapa 2: Malha rodoviária da área de expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões do
Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce .......................................................... 66
Mapa 3: Nível de gestão do SUAS dos municípios da área de expansão do PAIRMINAS na mesorregião do Vale do Mucuri e Rio Doce................................ 118
Mapa 4: Número de CRAS nos municípios da área de expansão do PAIR-MINAS na
mesorregião do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce................................ 120
Mapa 5: Caracterização do acesso aos serviços do CREAS nos municípios da área........ 125
Mapa 6: Existência do Serviço de Enfrentamento à ESCCA nos municípios da área de
expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale
do Rio Doce ................................................................................................. 126
Mapa 7: Existência de Conselhos Tutelares nos municípios da área de expansão do
PAIR-MINAS nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce. 132
Tabela 1: Área total de Minas Gerais e das mesorregiões geográficas dos municípios
beneficiados pelo projeto de expansão do PAIR Minas, 2000.......................... 57
Tabela 2: Municípios e população beneficiada pela expansão do PAIR Minas
2008/2009 – UFMG/SEDESE/AMAS ............................................................ 57
Tabela 3: Municípios da área de expansão do PAIR-MINAS segundo a mesorregião e
porte populacional .......................................................................................... 59
Tabela 4: Distribuição dos municípios das mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale
do Rio Doce segundo o porte populacional – 2007.......................................... 63
4
Tabela 5: População total, densidade demográfica e percentual de domicílios urbanos
dos municípios segundo o porte populacional. Mesorregiões do Vale do
Mucuri e Rio Doce, 2000, 2004, 2007............................................................. 71
Tabela 6: Distribuição da população infanto-juvenil dos municípios da área de
expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões Vale do Mucuri e Vale do Rio
Doce segundo o grupo etário e sexo – 2000 .................................................... 72
Tabela 7: Percentual de analfabetos na população infanto-juvenil dos municípios da
área de expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões Vale do Mucuri e Vale
do Rio Doce segundo o grupo etário e porte populacional – Ano 2000............ 74
Tabela 8: Evasão, defasagem escolar e população com menos de quatro anos de estudo
nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas nas
mesorregiões do Vale do Mucuri e Rio Doce. 2000. ....................................... 77
Tabela 9: Freqüência escolar da população infanto-juvenil com idade entre 7 e 17 anos
nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas nas
mesorregiões do Vale do Mucuri e do Rio Doce. 2000.................................... 78
Tabela 10: IDEBs observados em 2005, 2007 e Metas para rede Municipal nos
municípios beneficiados pela expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões
do Vale do Mucuri e do Rio Doce. 2000 ......................................................... 80
Tabela 11: Composição Setorial, valor total e per capita do PIB dos municípios da área
de expansão do PAIR Minas nas mesorregiões do Vale do Mucuri e Vale do
Rio Doce. 2006............................................................................................... 82
Tabela 12 Níveis de renda, desenvolvimento e desigualdade nos municípios
beneficiados pela expansão do PAIR Minas na região do Vale do Mucuri e
Rio Doce. 2000............................................................................................... 85
Tabela 13: Razão de Dependência nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR
Minas nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce. 2000...... 86
Tabela 14: Situação Feminina nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR
Minas na região do Vale do Mucuri e Rio Doce em 2000. .............................. 89
Tabela 15: Percentual de internações de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos por
motivos relacionados a gravidez, parto e puerpério nos municípios
beneficiados pela expansão do PAIR Minas nas mesorregiões do Vale do
Mucuri e do Vale do Rio Doce. 2006.............................................................. 90
Tabela 16: Indicadores de criminalidade e gastos públicos na área de segurança pública
nos municípios na área de expansão do PAIR Minas nas mesorregiões dos
Vales do Rio Doce e Mucuri - 2004................................................................ 92
Tabela 17: Casos e Atendimentos registrados pelo Serviço de Combate ao Abuso e
Exploração Sexual oferecido pelos CREAS´s em municípios da área de
expansão do PAIR Minas no ano de 2007....................................................... 93
5
Tabela 18: Número de casos atendidos pelo CREAS segundo tipo e forma de violência
infanto-juvenil ocorridas em municípios da área de expansão do PAIR
Minas, 2007.................................................................................................... 95
Tabela 19: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR
Minas segundo os grupos etários, 2007. .......................................................... 96
Tabela 20: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR
Minas segundo a raça/cor, 2007. ..................................................................... 96
Tabela 21: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR
Minas, segundo sexo, 2007. ............................................................................ 97
Tabela 22: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR
Minas, segundo escolaridade, 2007................................................................. 97
Tabela 23: Renda familiar das vítimas de violência infanto-juvenil atendidas pelo
CREAS na área de expansão do PAIR Minas, 2007. ....................................... 99
Tabela 24: Caracterização das famílias das vítimas de violência infanto-juvenil
atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas, 2007. ................ 99
Tabela 25: Distribuição do agressor por tipo de vínculo com a vítima de violência
sexual infanto-juvenil segundo o porte e município da área de expansão do
PAIR Minas, 2007 ........................................................................................ 100
Tabela 26: Sexo e raça/cor do agressor segundo o porte populacional e município da
área de expansão do PAIR Minas, 2007. ....................................................... 101
Tabela 27: Perfil ocupacional do agressor segundo o porte populacional e município da
área de expansão do PAIR Minas, 2007. ....................................................... 101
Tabela 28: Distribuição dos agressores por uso de drogas segundo o porte e município
da área de expansão do PAIR Minas, 2007. .................................................. 102
Tabela 29: Escolaridade do agressor segundo o porte populacional e município da área
de expansão do PAIR Minas, 2007. .............................................................. 102
Tabela 30: Responsabilização do agressor segundo o porte populacional e município da
área de expansão do PAIR-MINAS, 2007..................................................... 103
Tabela 31: Distribuição dos agressores segundo contato com a vítima nos município da
área de expansão do PAIR-MINAS, 2007..................................................... 103
Tabela 32: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR
Minas segundo acompanhante em atendimento, 2007. .................................. 104
Tabela 33: Número de atendimentos prestados às vítimas pelo CREAS na área de
expansão do PAIR Minas, segundo o tipo de atendimento, 2007................... 104
Tabela 34: Número de atendimentos prestados às vítimas pelo CREAS na área de
expansão do PAIR Minas, segundo o tipo de encaminhamento, 2007............ 105
6
Tabela 35: Tipo e forma de violência infanto-juvenil segundo o município de
atendimento de vítimas na área de expansão do PAIR Minas na
mesorregião do Vale do Jequitinhonha.......................................................... 106
Tabela 36: Tipo e forma de violência sexual infanto-juvenil segundo o município de
origem de vítimas atendidas por serviços especializados na área de expansão
do PAIR Minas na mesorregião do Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce....... 107
Tabela 37: Número de denúncias registradas pelo Serviço Disque-Denúncia Nacional
segundo o tipo de violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da área
de expansão do PAIR Minas– 2003-2005 e 2006-2008. ................................ 108
Tabela 38: Número de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes
registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios dos Vales do
Mucuri e Rio Doce incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas
segundo porte populacional, 2006-2008........................................................ 111
Tabela 39: Perfil etário das crianças e adolescentes registrados pela Polícia Civil de
Minas Gerais nos municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce incluídos no
projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte populacional, 20062008. ............................................................................................................ 112
Tabela 40: Número de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes
registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios dos Vales do
Mucuri e Rio Doce incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas
segundo porte populacional e tipo de violência, 2006-2008........................... 113
Tabela 41: Configuração da Assistência Social nos municípios dos Vales do Mucuri e
Rio Doce incluídos na expansão do PAIR Minas, 2008................................. 119
Tabela 42: Programas de Proteção Social Básica segundo capacidade de atendimento
MDS, 2007. .................................................................................................. 121
Tabela 43: Programas de Proteção Social Especial segundo capacidade de atendimento
MDS, 2007 . ................................................................................................. 122
Tabela 44: Número de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família, Dezembro de
2008. ............................................................................................................ 123
Tabela 45: Volume de recursos repassados pelo MDS, 2007. ......................................... 124
Tabela 46: Existência e caracterização do Serviço de Enfrentamento à violência sexual
contra crianças e adolescentes, segundo nível de gestão no SUAS, 2007....... 126
Tabela 47: Número de escolas existentes municípios da área de expansão do PAIR
Minas, por nível de ensino. ........................................................................... 128
Tabela 48: Número de estabelecimentos de saúde e número de famílias atendidas pelo
PSF por município e porte populacional – 2008. ........................................... 130
Tabela 49: Vítimas de violência sexual infanto-juvenil (abuso e exploração sexual)
atendidas segundo a instituição responsável pelo encaminhamento aos
7
serviços especializados - Mesorregião dos Vales do Mucuri e Rio Doce,
2007. ............................................................................................................ 140
8
Índice de abreviaturas e siglas
BPC – Benefício de Prestação Continuada
CEI/FJP – Centro de Estatística e Informações da Fundação João Pinheiro
CMDCA – Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social
CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social
CRISP – Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública
CT – Conselho Tutelar
DATASUS – Banco de dados do Sistema Único de Saúde- SUS
DER – Departamento de Estradas de Rodagem
ECA – Estatuto da Criança e Adolescente
ESCCA – Exploração Sexual e Comercial de Crianças e Adolescentes
FJP – Fundação João Pinheiro
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IES – Índice de Exclusão Social
IML – Instituto Médico Legal
IMRS – Índice Mineiro de Responsabilidade Social
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPEAdata – Banco de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PAIR-Minas – Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência
Sexual Infanto–juvenil em Minas Gerais
PIB – Produto Interno Bruto
PNAS – Política Nacional de Assistência Social
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Pólos – Programa Pólos de Cidadania
RMBH – Região Metropolitana de Belo Horizonte
SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
SAGI – Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação
SEDESE / MG – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social – Minas Gerais
SEDH/PR – Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República
SIDRA – Sistema IBGE de Recuperação Automática
SUAS – Sistema Único da Assistência Social
TLM – Taxa Líquida de Migração
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UFTM – Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Sumário
Índice de ilustrações.................................................................................... 4
Índice de abreviaturas e siglas..................................................................... 9
Introdução .................................................................................................... 12
O fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes ................... 14
O abuso sexual.......................................................................................... 16
A exploração sexual e a prostituição infanto-juvenil ................................. 29
Por um diagnóstico da violência sexual infanto-juvenil: subsidiando a rede
de ações de enfrentamento à violência sexual em Minas Gerais................ 50
Metodologia ................................................................................................. 56
Expansão do PAIR-MINAS na mesorregião do Vale do Mucuri e Vale do Rio
Doce............................................................................................................. 62
Base territorial do PAIR............................................................................ 62
Caracterização sócio-demográfica da população ....................................... 69
Infra-estrutura, economia e segurança de renda......................................... 80
Grupo familiar e vulnerabilidades ............................................................. 86
A violência sexual infanto-juvenil nas mesorregiões dos Vales do Mucuri e
do Rio Doce.............................................................................................. 91
Infra-estrutura e rede de serviços ............................................................ 115
Considerações Finais.................................................................................. 142
Bibliografia ................................................................................................ 149
Introdução
A elaboração do presente diagnóstico constitui uma das metas do projeto “Enfrentamento à
violência sexual infanto-juvenil nos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri, do Rio Doce e
Região Metropolitana de Belo Horizonte”, desenvolvido em parceria pela Universidade
Federal de Minas Gerais, Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDESE) e
Associação Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte (AMAS). Tendo por
objetivo expandir a área de abrangência do Programa de Ações Integradas e Referenciais
ao Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-juvenil (PAIR), o projeto prevê a sua
implantação em 40 (quarenta) municípios do estado de Minas Gerais, além dos 03 (três)
municípios onde o programa foi implantado nos anos de 2006 e 2007.
“O Projeto de Enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil nos
Vales do Jequitinhonha, do Mucuri e região Metropolitana de Belo
Horizonte se apresenta como uma estratégia de articulação entre a
UFMG, Prefeituras municipais, Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e do Mucuri e instituições diversas nos municípios da área
de abrangência das regionais da SEDESE de Belo Horizonte, de Teófilo
Otoni e de Araçuaí, com vistas a promover o fortalecimento da rede de
proteção integral à criança e ao adolescente para o enfrentamento à
violência sexual infanto-juvenil, no ano de 2008 e 2009 em Minas
Gerais” (UFMG, 2008).
A área de expansão do PAIR-MINAS foi definida de acordo com estudos e diagnósticos
prévios que evidenciaram a concentração de ocorrências de exploração sexual infantojuvenil nos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri e região Metropolitana de Belo Horizonte.
Nessas áreas, a proximidade das BRs 116 e 418 foi identificada com um fator de risco à
exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes e foi um dos critérios de
definição da base territorial para a expansão do programa no estado1.
O diagnóstico fornece uma base informacional sobre o fenômeno da violência sexual
infanto-juvenil e sobre a rede de proteção à criança e ao adolescente nas regiões de
expansão do PAIR-MINAS. O estudo realizado busca contribuir para a construção de uma
1
UFMG - Projeto O Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-juvenil nos Vales do Jequitinhonha,
do Mucuri e região Metropolitana de Belo Horizonte, 2008.
12
agenda comum de trabalho entre os agentes implicados no projeto e para a definição de
estratégias de implementação da metodologia do PAIR nos municípios beneficiados.
13
O fenômeno da violência sexual contra crianças e
adolescentes
Alguns autores, como Guerra (1998), Faleiros (2000) e Libório (2003), explicam que a
história social da infância em várias épocas e países revela como as crianças sempre foram
vitimizadas por diversas formas de violência. Estas violências estão associadas tanto às
concepções autoritárias e repressoras de uma sociedade paternalista - que pautaram,
durante muito tempo, as posturas educativas em castigos corporais – quanto à ausência de
políticas públicas de proteção e de atendimento de qualidade às crianças e adolescentes em
situação de exclusão social, o que fica claro na realidade brasileira.
A violência intrafamiliar e sexual (dentre outros tipos de violência) pode ser pensada como
expressão extrema de uma distribuição desigual e assimétrica de poder entre homens e
mulheres, bem como entre pais e filhos, atravessada complexamente pela distribuição
desigual de renda, pela discriminação racial e étnica, delas desigualdades entre os gêneros
etc. Em relação à violência, observa-se que, no senso comum, esta comumente é vista
somente num plano individual (onde frequentemente as/os vitimizadas/as acabam sendo
culpabilizados/as). No entanto, há inúmeras análises, a exemplo das de Vethencourt (1990)
e Vásquez (1990), que ressaltam a sua dimensão social.
Os diferentes níveis da violência são sistematizados e analisados por Minayo (1990) de
forma bem clara. O primeiro nível – a violência estrutural – caracteriza-se pela existência
de um sistema social desigual, tendo como consequência a fome, o desemprego e os
demais problemas sociais enfrentados pela classe trabalhadora. Já o segundo nível – a
violência revolucionária – relaciona-se à resistência, que se expressa na luta de grupos
oprimidos e discriminados contra a dominação legitimada. Por último, o terceiro nível – a
delinquência – diz respeito às chamadas transgressões sociais, que não podem ser
entendidas, de forma simplista, como um fenômeno natural, uma conduta individual
patológica ou um atributo de grupos marginalizados como pobres e negros. A autora citada
observa que qualquer forma de violência não pode ser compreendida isoladamente, e sim
vista em rede.
14
Na violência intrafamiliar e sexual somam-se, de forma perversa todos estes níveis, de
forma a se cristalizar em um fenômeno que perpassa todas as classes sociais, os diferentes
gêneros e as diferenças etárias. Por exemplo, citando Brandão (l997) e Saffioti (2004), que
efetuaram trabalhos sistemáticos sobre o tema, nas famílias de classes trabalhadoras
urbanas, a violência física seria predominantemente masculina e o enfrentamento dessa
questão pelas mulheres e crianças, isto é, a tentativa de resolução do conflito presente no
âmbito familiar, quando é possível se dar, é por intermédio de notificação aos órgãos
policiais. Entretanto, somente numa pequena minoria dos casos, mesmo que a intensidade
e a freqüência dos atos violentos sejam gravíssimas, há manifesta concordância com a
possibilidade de punição/prisão do violentador.
As formas de maus tratos contra crianças e adolescentes são variadas: abusos físico,
sexual, psicológico, negligência etc. A violência tem inúmeras repercussões na vida de
crianças e adolescentes: no rendimento escolar, na adaptação social, podendo ocorrer
alterações da saúde física e mental e o desenvolvimento de distúrbios sóciocomportamentais.
Abusos contra crianças e adolescentes tornaram-se objeto de estudo e pesquisa somente
cerca de 50 anos atrás, apesar de serem perpetrados desde a Antiguidade (Krugman e
Leventhal, 2005; Leventhal, 2003; Roche et al., 2005; Labbé, 2005) e atingirem todas as
classes socioeconômicas.
Vários transtornos psiquiátricos têm sido relacionados a eventos traumáticos sofridos na
infância, com níveis de gravidade que variam com o tipo de abuso, sua duração e o grau de
relacionamento com o agressor. Alguns estudos apontam os traumas de infância como
responsáveis por cerca de 50% das psicopatologias diagnosticadas em adultos (Craine et
al., 1988, apud Zavaschi et al., 2002). O comprometimento da saúde mental e a futura
adaptação social das vítimas variarão de indivíduo para indivíduo, de acordo com o
ambiente imediato, com o tipo de violência sofrida e com a capacidade de reação diante de
fatos geradores de estresse.
15
Autores têm considerado fundamental a influência da família e sua (des)estruturação como
preditores de fenômenos relacionados à criminalidade (Gover e MacKenzie, 2003;
Craissati et al., 2002), ao abuso de substâncias e às perturbações da saúde mental. Afirmam
também que crianças expostas a um acúmulo perverso de riscos estruturais e sociais têm
maior probabilidade de manifestar problemas mentais (Arboleda-Flórez e Wade, 2001),
tais como depressão crônica na adolescência (Meyerson et al., 2002).
Um aspecto importante a ser destacado é que a continuidade dos abusos físico e sexual tem
sido relacionada à prática de delitos. Jovens delinqüentes mantidos em instituições penais
freqüentemente provêm de cenários familiares caracterizados por abuso, negligência e
outras experiências traumatizantes (Gover e MacKenzie, 2003). O abuso sexual na infância
é considerado um fator de risco independente para um comportamento delinqüente
(Swanston et al. 2003), com maior prevalência entre os abusadores sexuais reincidentes
(Hanson e Harris, 1998, apud Aylwin et al., 2003).
O abuso sexual
Segundo o Glossário OIT/IPEC - Programa de Prevenção e Eliminação da Exploração
Sexual
Comercial
de
Crianças
e
Adolescentes
na
Tríplice
Fronteira
Argentina/Brasil/Paraguai2, o abuso sexual refere-se a:
“contatos ou interações sexuais entre menino ou menina e pessoa com mais
idade, com mais experiência – adulto ou até outra criança mais velha - pode
ser um desconhecido, mas geralmente são pessoas em quem confiam –
irmãos/ãs maiores, pessoas em posição de autoridade como pais, mães,
padrastos, outros parentes, cuidadores, amigos da família, vizinhos,
professores, médicos, padres etc. A criança é utilizada como objeto de
prazer para outra pessoa satisfazer suas necessidades sexuais. Esses
contactos ou interações podem ocorrer mediante força, promessas, coação,
ameaças, manipulação emocional, enganos ou pressão” (OIT/IPEC, 2009).
Várias abordagens deste fenômeno são possíveis e, mais do que isso, necessárias,
conforme finalidades específicas: sociais, médicas, psicológicas, jurídicas, antropológicas,
etc. Assim, um aspecto relevante a ser considerado na definição de abuso sexual refere-se à
2
Glossário de Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes (Português), OIT/IPEC, disponível
em http://white.oit.org.pe/ipec/pagina.php?pagina=284. Última consulta em 15/03/2009.
16
questão da sua evidente relatividade cultural. Embora alguns tipos de contatos físicos mais
íntimos possam ser aceitáveis em grupos com diferentes culturas e concepções acerca da
sexualidade, para outros grupos, no entanto, o mesmo comportamento pode ser percebido
como algo inadequado. Para um avaliador proveniente de diferente contexto social ou
grupo étnico daquela das pessoas envolvidas no caso avaliado, pode ser particularmente
difícil identificar e compreender as interações abusivas (Fontes, 1993)3, pois a percepção
do que seja um comportamento abusivo é algo definido pela sociedade, e varia tanto no
espaço geográfico quanto na dimensão temporal (Friedman, 1990)4.
Abuso é um termo usado para definir uma forma de maus-tratos de crianças e adolescentes,
com violência física e psicológica associada, geralmente repetitivo e intencional e, por
isso, praticado, mais freqüentemente, por familiares ou responsáveis pelo(a) jovem
(Chistoffel e cols., 1992; Council on Ethical and Juridical Affairs - AMA, 1992)5. A
origem deste conceito remonta a meados do século passado, com a descoberta da violência
contra crianças e adolescentes nas grandes cidades. Gordon (1988) e Chistoffel e cols.
(1992) incluem o abuso sexual dentro do item violência, subcategoria de maus-tratos
físicos, em uma orientação técnica do National Institute of Child Health & Human
Development (USA) para pesquisas de injúrias infantis. Dentre 17 meios de injúrias
definidos (incluindo desde lesões causadas por veículos automotivos à síndrome de
Munchausen infantil), encontra-se a agressão sexual.
O abuso sexual pode ser definido, de maneira bastante generalista, como o envolvimento
de crianças e adolescentes — logo, em processo de desenvolvimento — em atividades
sexuais que não compreendem em sua totalidade, para as quais não estão aptos a
concordarem e que violam as regras sociais e familiares de nossa cultura (Glaser, 1991)6.
Esta caracterização inclui basicamente três conjuntos de situações:
3
Ver FONTES, L. A Considering culture and oppression: Steps toward an ecology of sexual child abuse.
Journal of Feminist Family Therapy, 5, 25-54, 1993.
4
Ver FRIEDMANN, S.R. What is child sexual abuse? Journal of Clinical Psychology, 46, 373-375, 1990.
5
Ver CHRISTOFFELL, K.K.; SCHELDT, P.; AGRAN, P.H.; KRAUS, J.F.; McLOUGHLIN, E. &
PAULSON, J. Standart definition for childhood injury research. Washington, NICHD, 1992.
6
Ver GLASER, D. Treatment issues in child sexual abuse. British Journal of Psychiatry, 159:769-782, 1991.
17
a) história de agressão sexual com violência física na qual o/a jovem é a vítima;
b) interação ou contato sexual (como toques, relações sexuais, exibicionismo, voyeurismo,
etc.) entre uma criança e outra pessoa de qualquer idade em que a participação tenha sido
obtida por meios desonestos, como ameaças, coerção moral, mentiras, deturpações de
padres morais e táticas similares;
c) contato ou interação sexual entre criança ou adolescente e adulto, mesmo com a
cooperação voluntária, em situações definidas por lei ou costumes como crime, devido à
presunção de imaturidade do/a jovem e de responsabilidade do adulto. (Simrel et al.,1979)7.
Neste grupo estão incluídos os casos de exploração sexual.
Segundo Flores (1998)8 seria possível acrescentar uma quarta situação, um pouco mais
complexa e menos frequente:
d) falsas denúncias, pois no Brasil, como nos EUA, por exemplo, as consequências de uma
investigação de abuso sexual, especialmente aqueles ocorridos no lar, são, para a família,
devastadoras, resultando em perda de emprego, divulgação pública, processos criminais e
conseqüente abandono por parte de amigos e familiares (Tyler e Brassard, 1984)9. Este
fenômeno foi denominado de "trauma secundário induzido pelo sistema".
Ainda segundo o médico geneticista Renato Z. Flores, da UFRGS, “na medida em que o
conhecimento científico sobre maus-tratos na infância aumentou nas duas últimas décadas,
tornou-se claro que tratava-se de mais de um fenômeno sob o mesmo rótulo (Jones &
McCurdy, 1992)10. Progressivamente, foram construídas árvores cladísticas cada vez mais
complexas, subdividindo os tipos de ocorrências” (p. 27).
Para além de definir o que seria abuso sexual, compreender qual é a sua processualidade, a
sua dinâmica. Neste sentido é fundamental a discussão sobre redes, pois o fenômeno em
tela obedece a características distintas dependendo da configuração sócio-familiar no qual
está inserido. Segundo a literatura, fatores intervenientes tais como: experiências de
violência intensa na família, alcoolismo, desemprego ou estresse econômico-financeiro,
7
Ver SIMREL, K.; BERG, R.; THOMAS, J. Crisis management of sexually abused children. Pediatric
Annals, 85:317-325, 1979.
8
Ver FLORES, Renato Zamorra (1998) Definir e Medir o que são os Abusos Sexuais. IN: .IN: Oficina de
Indicadores de Violência Intrafamiliar e Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes. CESE,
MJ, CECRIA, Fundo Cristão para a Criança, ps. 24 a 33.
9
Ver TYLER, A.H. & BRASSARD, M.R. Abuse in the investigation and treatment of intrafamilial child
sexual abuse. Child Abuse & Neglect, 8:47-53, l984.
10
Ver JONES, E.D. & MCCURDY, K. The links between types of maltreatment and demographic
characteristics of children. Child Abuse & Neglect, 16:201-215, 1992.
18
entre outros, podem predispor as redes familiares à ocorrência da violência sexual contra
crianças e adolescentes.
As redes familiares são redes primárias onde são fabricados os processos básicos e
iniciais de identificação dos seres humanos. É neste âmbito de socialização primária que as
pessoas são nomeadas por alguém, ganham um sobrenome que as vincula às relações de
família e à própria cultura, inserindo-as em projetos e cursos de vida marcados, de
antemão, às condições de classes sociais determinadas, de status social e simbólico. Essas
condições podem ser associadas à ausência ou à presença de determinadas oportunidades
sociais, políticas e econômicas. Evidentemente, essas condições referem-se à educação, à
formação, ao conhecimento e ao capital cultural da família, ou seja, oportunidades que
marcarão a trajetória individual.
Os dados existentes revelam que em processos e dinâmicas de violência intrafamiliar, o
abuso sexual é também predominantemente intrafamiliar, e, portanto,
se produz nas
relações mais próximas da criança ou adolescente. Na grande maioria das situações é
perpetrado pela figura do pai ou por outra substituta a ele (padrasto, namorado, amante etc.
ou ainda, por algum tio, avô ou irmão mais velho). Ele se realiza, predominantemente,
contra crianças na faixa etária de 8 a 13 anos, que são majoritariamente do sexo feminino.
Pode acontecer também contra crianças do sexo masculino, mas a freqüência é menor. É
extremamente comum os abusadores combinarem, através dessa relação autoritária e
profundamente assimétrica e desigual de poder, sedução com a ameaça/medo. Ambas as
características vão gerar um único resultado: impor uma camada de segredo e de silêncio
aos vitimizados e, com alguma freqüência também, às outras “testemunhas” que de alguma
forma tenham se envolvido no escopo dessa relação consangüínea e nisto que
culturalmente definimos como relação de proteção dinâmica da “honra” e da subsistência
da família. A família, nesse caso, funciona como um núcleo central, isto é, ela costuma ser
fechada, mas articulada.
19
As pessoas vitimizadas11, por sua vez, são traumatizadas pelo medo, pela dor, pela
vergonha e pelo terror. Elas reprimem as ocorrências e é muito comum que não desejem
sequer falar do assunto, mas os “sintomas” são fenômenos que passam a fazer parte de seus
cotidianos de vida: é freqüente que venham a sofrer de depressão (em seus vários níveis,
desde um mero desinteresse pelo mundo até situações mais agravantes de desvinculação),
descontrole e grande labilidade emocional, anorexia, dificuldades nos estudos, problemas
de concentração, digestivos, fobias, sensação de estar sujo, excesso de episódios de
masturbação.
Em alguns casos, as crianças vitimizadas podem cometer tentativas de
suicídio ligadas, de certa forma, ao que foi vivido e posteriormente negado. Segundo a
literatura, em casos de abuso de crianças vitimizadas do sexo masculino, pode inclusivo
ocorrer a proibição, pelo abusador, de que o vitimizado use o sobrenome da família, em
função do estigma de homossexual que este passa a carregar após ter sido este abusado
pelo pai e pelo tio. A pessoa vitimizada é frequentemente punida e revitimizada. Esse
processo de revitimização é, muitas vezes, repetido, no próprio processo de atendimento.
Nessa rede de relações, quando é possível romper a barreira inicial do silêncio
extrafamiliar e a criança/adolescente vitimizada (ou algum parente próximo seu) consegue
chegar a denunciar o ocorrido, vai prevalecer a impunidade do abusador, que é,
frequentemente, “perdoado” pela família e até pela sociedade, por razões culturais e
enraizadas numa cultura de relações de gênero e sexuais profundamente autoritárias. A
Figura 1 abaixo ilustra, de forma sucinta, aquelas dimensões mais fundamentais desta
trama em que estaria implicada na “rede familiar autoritária abusadora”:
11
Os autores têm preferido utilizar a expressão “vitimizado” ao invés de vítima por reconhecerem nestes
sujeitos a existência da capacidade de compreensão, reação e superação do processo de violência, seja de
uma ou de outra forma. Assim, estes seriam mais apropriadamente “sujeitos vitimizados/as” e não simples
ou meros “objetos-vítimas”. Concordamos com esta abordagem e iremos reproduzi-la aqui.
20
Figura 1: Resumo das Dimensões interativas/relacionais na situação de Abuso Sexual
cumplicidade/ contrato de sobrevivência
Fonte: Faleiros, Vicente. (1998) Redes de Exploração e Abuso Sexual e Redes de Proteção. p.03.
Como observado antes, essas relações são extremamente complexas e às vezes totalmente
ambíguas: se prestam a interpretações e várias perspectivas analíticas, bem como a
diferentes ênfases de intervenção, a saber: no âmbito da própria dinâmica familiar, no
âmbito da relação autoritária, na própria dinâmica de revelação do problema
ocorrido/vivenciado.
Faleiros faz questão de destacar que a “revelação” do abuso seria um “tema crucial que
contribui para desestruturar esse arranjo autoritário e perverso, mas também é das ações
mais difíceis pelo segredo em que está envolvida” (p.3). De uma forma bastante resumida,
até aqui, teríamos que o ABUSO SEXUAL seria:
•
Normalmente, uma ação realizada no âmbito da rede familiar primária, podendo vir a
ser considerada isolada ou privada por envolver geralmente apenas as pessoas de um
núcleo familiar (um adulto e uma criança ou adolescente e os outros membros da
família que, ou são cúmplices, ou desconhecem o evento);
•
Corresponde, nesta rede familiar primária, a um ato/exercício de poder autoritário,
desigual e assimétrico entre diferentes atores do quadro familiar e geracional;
21
•
É um fenômeno que, devido ao peso moral de reprovação, costuma ser mantido sob o
máximo sigilo por todos os envolvidos. Mesmo o/a vitimizado/a, na maioria das vezes,
nega ou esconde, pelo menos inicialmente, o ocorrido;
•
É um fenômeno de difícil previsão a respeito de quando ou onde irá ocorrer, pois a
única causa comum seriam as relações de gênero autoritárias dentro do âmbito familiar;
•
Envolve, com freqüência relações afetivamente marcadas pela ambigüidade:
amor/ódio, prazer/dor, sedução/terror, desejo/aversão, conivência/aceitação/repúdio.
É importante atentar, no entanto, para o formato da rede secundária, que costuma se
ocupar desta temática em geral, sob a forma de políticas públicas. Essa é também passível
de ser mapeada, de acordo com os enfoques/relações que os atores centrais do processo de
intervenção mantêm com a problemática. Cabe destacar inicialmente que essa rede
secundária está frequentemente atuando de forma fragmentada, e alguns atores chegando
mesmo a agir de forma totalmente isolada. Cada ator/organismo age por seu lado, visando
(na melhor das hipóteses) cumprir o seu respectivo papel. Por exemplo: o delegado e o
juiz, dentro do aparato judiciário e repressivo, alcançam o abusador (dispositivo repressor);
a assistência social recebe as denúncias e providencia, caso necessário o abrigamento
(dispositivo protetor), os conselhos tutelares evidentemente aconselham e procuram
executar encaminhamentos ao restante da rede (dispositivo receptor, aconselhador e
deliberador).
As ações da saúde, da educação e da assistência, integradas, devem
promover o atendimento/tratamento (dispositivo reparador). É possível uma melhor
visualização destas distintas dimensões na figura 2.
Aqui, o autor preferiu destacar a fragilidade e a fragmentação das atuações através do
desenho de linhas pontilhadas, já que estes novos e diferentes atores costumam intervir
“sem definir as áreas em que vai dar ênfase, de forma articulada, com divisão políticooperacional das ações de prevenção, defesa, responsabilização, atendimento emergencial,
acompanhamento da questão como um todo na dinâmica familiar” (p.3).
22
Figura 2: Resumo das Dimensões de Interação da Rede Secundária que atua na
situação de Abuso Sexual
Fonte: Faleiros, Vicente. (1998) Redes de Exploração e Abuso Sexual e Redes de Proteção. p.04.
Concorda-se aqui com a afirmação de Faleiros de que “... é preciso um paradigma de redes
para romper com os curtos-circuitos, a fragmentação, construído de forma conceitual,
estratégica e operacional”. Reitera-se aqui também a posição colocada por esse autor de
que toda essa complexa rede precisaria assumir como seu paradigma fundamental a defesa
dos direitos humanos: (a) numa atitude franca e aberta de valorização da figura da mulher
na cultura e no âmbito familiar, de se sua autonomia e identidade; (b) de mudança cultural
relativa ao machismo e ao autoritarismo no âmbito familiar, no sentido da crítica,
desconstrução e reinterpretação do papel masculino neste e em outros âmbitos; (c) de
reinserção e “cura”/atendimento do vitimizado para que ele/a possa retomar seu curso de
vida e estabelecer escolhas futuras mais protagônicas; (d) de articulação e atuação
conjunta, de fato, com outros atores fundamentais neste processo, como as áreas da saúde e
da educação/escola. Ainda segundo Faleiros: “Hoje, como o demonstra a Declaração de
Jovens Sexualmente Explorados, em Victoria, Canadá, é fundamental o protagonismo dos
jovens, inclusive dos que tiveram experiência de exploração ou abuso, através da escuta de
sua fala, de sua participação na discussão do problema, na cura e reintegração dos(as)
vitimizadas(os), na prevenção”(idem).
23
Sabe-se também que o abuso sexual na infância é visto como fator de risco para a
vitimização sexual na idade adulta, independentemente da atuação familiar (MessmanMoore e Brown, 2004), e para o desenvolvimento de psicopatologias futuras (Molnar et al.,
2001). Estudos recentes têm relacionado diversas parafilias ao abuso sexual continuado na
infância; quanto mais freqüente e persistente, piores os problemas psíquicos,
comportamentais e de relacionamento. As seqüelas levariam as vítimas de abuso a
comportamentos criminosos de transgressão dos costumes (Sharma, 2003).
A repetição dos maus-tratos em crianças pode servir de indicador de disfunção familiar.
Serviços que prestam atendimentos a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual
devem considerar o conjunto dos fatores de risco associados à sua continuidade, a fim de
prevenir ocorrências futuras (Swanston et al., 2002). Os núcleos familiares de mulheres
vítimas de abuso continuado na infância mostraram-se semelhantes, independentemente da
existência ou não de vínculo familiar com o agressor (Gold et al., 2004).
O interesse social e político sobre os direitos da criança e do adolescente, embora
crescente, pode ser considerado paradoxal nos países democráticos ocidentais. Esses
direitos foram estabelecidos internacionalmente a partir de 1924, pela Convenção de
Genebra sobre os direitos da criança, estendida pela Convenção Internacional das Nações
Unidas de 1959 e ratificada em 1990 pelos países signatários (Morales e Schramm, 2002).
A despeito desses avanços, o abuso sexual permanece cercado por uma barreira de silêncio
e se mantém perpetuado pela ignorância (Sharma e Gupta, 2004). Embora seja mais
comum a violência sexual contra o sexo feminino (Queiroz, 2003; Vaz, 2003; Ramírez,
2001), não se deve descartar que essa conclusão é influenciada pela subnotificação das
ocorrências envolvendo o sexo masculino (Biheler, 2002). Esse tipo de abuso altera a
vivência da sexualidade humana, sobretudo quanto atinge crianças e adolescentes, pois
essa vivência é resultado da “integração das dimensões somáticas, emocionais, intelectuais
e sociais do ser humano” (Morales e Schramm, 2002).
24
O fenômeno é universal, com variações decorrentes dos diferentes padrões culturais
(Korbin, 2002), com igual potencial de dano, independentemente de qual forma (Chen et
al., 2004) ou justificativa o abuso sexual assuma.
A violência, por vezes mal percebida pelas partes envolvidas, pode ser desencadeada por
diversos fatores, manifestando-se de formas diferentes, daí decorrendo o seu grande
potencial de dano. Os tipos mais comuns e de mais fácil detecção de abuso contra crianças
são a violência física e a sexual.
O abuso sexual na infância é considerado também como fator de risco para a vitimização
na idade adulta (Messman-Moore e Brown, 2004; Surrat et al., 2004; Polanczyk et al.,
2003). As conseqüências psíquicas do abuso sexual vão além daquelas causadas pelo fato
em si. Elas também decorrem também, direta ou indiretamente, dos efeitos do processo
legal e de seus desdobramentos (Ghetti et al., 2002). Cabe ressaltar, entretanto, que apesar
do sofrimento causado pelos maus-tratos, algumas crianças passam por essa experiência
sem apresentar o quadro de seqüelas descrito pela literatura especializada, conseguindo
encontrar “caminhos de (re)construção de suas próprias vidas” (Junqueira e Deslandes,
2003).
Diante da gravidade do fenômeno em tela, a produção de estimativas de prevalência e
incidência da violência sexual contra crianças e adolescentes e a relação destes fatores com
o seu cotidiano são fundamentais para o desenvolvimento de políticas de prevenção e
abordagem do problema. A produção de estatísticas regulares e confiáveis persiste, no
entanto, como um dos principais entraves ao desenho adequado de políticas públicas de
prevenção às violências contra crianças e adolescentes e à avaliação dos resultados
daquelas em execução.
Os dados disponíveis sobre o abuso sexual no País não enfocam o testemunho ou a
convivência com as vítimas. São fundamentados quase exclusivamente em relatos de
entidades governamentais que não alcançam a real dimensão do problema. Gomes (1998)
destacou a dificuldade encontrada para acompanhar casos selecionados a partir de um
recorte nos dados gerais de pesquisa realizada pelo Centro Latino-Americano de Estudos
25
sobre Violência e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, de 1994, em visitas às delegacias
policiais, a fim de verificar, após cinco anos, o encaminhamento dado aos registros das
denúncias. Entre os problemas relatados, destacaram-se o arquivamento das fichas em
local de difícil acesso e o fato de que algumas delegacias não facilitavam a tarefa. Somente
106 casos de violência doméstica na faixa de zero a 05 anos foram localizados: 80% de
casos relacionados à morbidade e 20% de casos fatais. Desse total, apenas 24 foram
transformados em inquérito; desses, somente 01, por se tratar de homicídio, tornou-se
processo, sendo o pretenso agressor absolvido. Desse total, apenas 31% das vítimas foram
encaminhadas para a realização de exame pericial para fundamentação das denúncias.
Fatores, como a não-notificação das ocorrências às autoridades policiais por medo de
represálias ou do estigma social, dificulta o conhecimento do desfecho desses casos
(Polanczyk et al., 2003). O tempo entre o fato e a comunicação às autoridades pode variar,
sendo mais curto nos casos em que o agressor é desconhecido ou não tem relação de
parentesco com a vítima. Nos casos em que o agressor é o próprio pai, ou familiar, a
denúncia pode demorar a ser feita (Sharma e Gupta, 2004), provavelmente até que a
criança perceba que tais práticas são incorretas ou injustas, ou que possa se defender. Em
amostra pesquisada na cidade de Santa Cruz de Tenerife (Ilhas Canárias), 67% das
denúncias foram feitas pela própria ofendida, e 88% dos perpetradores eram conhecidos
(Suarez Sola e Gonzalez Delgado, 2003b).
Podem ainda ser considerados motivos para a manutenção desse quadro: a
multidimensionalidade dos fatores conducentes a tais violências, a falta de preparo dos
profissionais para a identificação dos casos de maus-tratos, desconhecimento das leis,
descrédito nas possíveis ações do Estado para resolver o problema, banalização dos efeitos
sobre as vítimas pela violência sofrida, além do descrédito no relato da vítima (Paiva,
2000). Adolescentes abusados sexualmente têm dificuldade de relatar as violências aos
membros da família por receio de não serem levados a sério, vergonha ou medo dos
problemas que tal revelação possa provocar no meio familiar (Koshima, 1999). O
desconhecimento da existência e o funcionamento de serviços de assistência social, a
vontade de manter o problema em segredo, a não percepção do abuso e a desconfiança
inspirada por adultos e/ou profissionais dificulta a procura por atendimento especializado.
26
Outro fator que pode ser considerado é a limitação do amparo que eles podem oferecer às
crianças e adolescentes vitimizados (Crisma et al., 2004).
Profissionais de saúde (física ou mental) têm, por sua vez, dificuldade em identificar os
casos suspeitos de abuso sexual quando solicitados a auxiliar nas decisões judiciais. Eles se
valem para isso de dados obtidos em exames médico-legais, testes psicológicos, revisões e
sumários de pesquisas relevantes na área das ciências sociais. Análise sobre o assunto
concluiu que pelo menos 24% dessas decisões tanto podem resultar em avaliações falsopositivas como falso-negativas (Herman, 2005).
Além do baixo número de notificações – estima-se que somente 10% dos casos sejam
notificados (Barros, 2004; Santos, 1998) – o que preocupa é o altíssimo número de casos
de maus-tratos que são diagnosticados e/ou qualificados como outro tipo de crime. O
depoimento de um atendente de uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher,
no estado do Rio de Janeiro, ilustra a dificuldade para conhecer a realidade dos maus-tratos
em geral: o funcionário acha que o exame de corpo de delito, no caso, para comprovação
de violência sexual, “não vai conseguir provar nada que auxilie no andamento das
investigações”, e ainda acrescentou: “É bobeira mandar a vítima pro [sic] IML à toa, é
melhor registrar o crime como tentativa ou ameaça” (Paiva, 2000).
As falhas nos registros podem ser atribuídas também a fatores médicos: dificuldades do
profissional em associar o quadro clínico a uma situação de violência, “razões éticas;
contato estreito com a comunidade; medo de revanchismo contra bens, família ou contra si;
medo de aparecer na imprensa; temor de transtornos legais e acusação de falsa denúncia;
temor de comparecimento ao tribunal com perda de tempo profissional” (Santos, 1998).
É importante destacar que adolescentes vítimas e testemunhas de atos de violência sexual
encontram-se sujeitos à violência comunitária em geral com mais freqüência do que
aqueles que não foram expostos à violência sexual. A exposição a outros tipos de violência
seria uma conseqüência do comportamento desorganizado possivelmente associado ao
evento traumático (Polanczyk et al., 2003). Experimentar ou testemunhar atos violentos no
27
ambiente familiar, durante a infância tem sido associado à delinqüência e à violência
juvenis, tanto quanto às várias formas de agressões contra mulheres (White e Smith, 2001).
A escola, por sua vez, tem compromisso ético e legal de notificar às autoridades
competentes os casos suspeitos ou confirmados de maus-tratos, que inclui a violência
sexual. Assim, diante da gravidade que encerra a violência sexual para a criança e para o
adolescente e, considerando que a escola deve ter como objetivo garantir a qualidade de
vida de sua clientela, bem como promover a cidadania, é relevante para a definição de
qualquer estratégia de prevenção e de atendimento por parte das redes de enfrentamento da
violência infanto-juvenil conhecer as concepções dos (as) professores (as), diretores (as) e
coordenadores (as) pedagógicos (as) sobre o fenômeno, bem como suas atitudes frente a
uma suspeita ou confirmação de casos de violência sexual envolvendo alunos (as).
No contexto histórico-social da violência contra crianças e adolescentes, no qual se insere a
violência sexual, prevalece uma cultura de dominação e de discriminação social,
econômica, de gênero e de raça. O paradigma de sociedade de direitos rompe com padrões
antigos, mas exige a construção de uma nova cultura de proteção e respeito aos direitos
humanos da criança e do adolescente. Isto “implica em tecer relações de trocas afetivas e
de aprendizagem, coibir abusos, enfrentar ameaças, proteger os vulneráveis e as
testemunhas e responsabilizar os agressores” (Guia Escolar, 2004, p 11). Com relação ao
papel da escola e do professor na prevenção e enfrentamento da violência sexual contra
crianças e adolescentes, Brino e Williams (2003) enfatizam que a escola é o lugar ideal
para prevenção, intervenção e enfrentamento deste fenômeno, pois deve ter como objetivo
a garantia da qualidade de vida de seus alunos e a promoção da cidadania. Nesse contexto,
a centralidade das escolas é respaldada pelo Plano Nacional de Enfrentamento da Violência
Sexual Infanto-Juvenil (2000) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei
8069/90) que definem diretrizes para a implementação de um conjunto de ações articuladas
que permitam a intervenção técnica, política e financeira para o enfrentamento da violência
sexual cometida contra crianças e adolescentes.
Segundo Brino e Willians (2003), em uma pesquisa realizada por estudiosos do assunto,
44% dos casos de abuso sexual são relatados inicialmente para o professor, o que
28
demonstra sua importância para a denúncia e notificação de ocorrências de abuso sexual,
atuando como um agente facilitador da ruptura do círculo de silêncio que caracteriza essas
situações.
A exploração sexual e a prostituição infanto-juvenil
O Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual Comercial Infantil – Declaração e
Agenda de Ação de Estocolmo (1996) - produziu a seguinte definição:
“A exploração sexual comercial de crianças e adolescentes é uma violação
fundamental dos direitos. Abrange o abuso sexual por parte do adulto, e
remuneração em dinheiro ou em espécie para criança e/ ou adolescente ou
para um terceiro ou várias pessoas. A criança ou adolescente é tratada como
objeto sexual ou mercadoria. A exploração sexual comercial constitui uma
forma de coerção e violência contra a infância e adolescência, equivale a
trabalho forçado e constitui uma forma contemporânea de escravidão”.
A expressão exploração sexual comercial de crianças e adolescentes (ESCCA) compreende
as seguintes modalidades: prostituição infantil, pornografia infantil e tráfico para comércio
sexual e turismo sexual infantil12.
Nos instrumentos internacionais é comum se utilizar a expressão prostituição infantil. No
Protocolo Facultativo da Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo à venda de
crianças, à prostituição e à pornografia infantil, há uma definição mais simplificada:
“utilização de crianças em atividades sexuais em troca de remuneração ou de qualquer
retribuição”. Grande parte das organizações que atuam no enfrentamento do problema
prefere utilizar a expressão exploração sexual comercial infantil, por compreender que: a)
o termo abrange todas as modalidades de exploração sexual comercial cometidas contra
meninas/os e adolescentes (à semelhança a prostituição adulta, pornografia, turismo sexual,
tráfico para comércio sexual); b) a utilização do termo prostituição infantil aumenta a
discriminação das vítimas sem enfatizar o papel dos adultos responsáveis pelo delito. Isso
12
Ver Fonte: Glossário OIT/IPEC - Programa de Prevenção e Eliminação da Exploração Sexual Comercial de
Crianças e Adolescentes na Tríplice Fronteira Argentina/Brasil/Paraguai. Disponível em
http://white.oit.org.pe/ipec/pagina.php?pagina=284. Última consulta em 16/03/2009.
29
provoca o olhar (de pena ou censura) da sociedade só para as crianças e adolescentes,
como se, por trás delas, não houvesse uma cadeia de exploradores.
Desta forma, pode-se resumir a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes
como um “processo de tirar proveito sexual de pessoas com menos de 18 anos” (...)
mediante “a utilização da criança/adolescente como objeto sexual” (...), onde ocorre uma
“relação de exploração de trabalho (formalizado ou não)” (Kassar, Mônica et alli,
2005:36)13. A violência que está presente na exploração sexual contra crianças e
adolescentes é, infelizmente, um problema de escala mundial. “Por ser ilegal, clandestina e
em grande parte doméstica, é uma questão ainda pouco visível e difícil de ser qualificada.
O mais freqüente tipo de violência a que estão sujeitas crianças e adolescentes é aquele
denominado estrutural, em função da precária situação sócio-econômica das famílias das
quais grande parte das crianças e adolescentes se originam” (Relatório de Viabilidade –
MDS, p.5/6). E esta é apenas uma face nem sempre visível das múltiplas faces da violência
que acometem as unidades familiares no Brasil.
A prostituição, de uma forma geral e tradicionalmente, já se constitui objeto das ações do
Estado e em especial da Saúde Pública, principalmente inserida dentro de uma ótica
higienista. Quando se fala de prostituição infanto-juvenil, aponta-se para uma realidade
distinta da prostituição em geral, configurando-se este em outro conjunto de
determinações. Por outro lado, a nossa abordagem desse fenômeno aqui não se reduz à
concepção higienista. Vamos acompanhar aqui a excelente apresentação já realizada por
Gomes (1994) no artigo “Prostituição Infantil: Uma Questão de Saúde Pública”, em que o
autor se incumbe de resumir de forma densa, mas muito didática os principais elementos
que se articulam nesta temática. As linhas que seguem estão quase todas praticamente
retiradas do artigo mencionado.
Partimos do pressuposto de que a discussão a respeito da prostituição adulta é controverso
e gera polêmicas que ainda não estão resolvidas, nem na vida prática e muito menos nas
13
Ver KASSAR, Mônica et alli, Aspectos Subjetivos da Percepção da Exploração Sexual Comercial de
Crianças e Adolescentes em Corumbá, 2005.
30
abordagens teóricas. Para Scambler et al. (1990)14, por exemplo, esta denominação é
empregada como um trabalho igual a outro qualquer, definindo a prostituição como uma
forma de trabalho sexual, enquanto uma transação de negócios: tem de haver um
comprador e um vendedor, comodidade oferecida e preço fixado. Nesta transação, troca-se
gratificação sexual por uma taxa/preço estabelecida/o, não havendo nenhuma pretensão à
afeição. Essa concepção difere radicalmente do posicionamento de Barry (1991)15, que
concebe a violência sexual e a prostituição como violações da dignidade humana, crimes
contra a mulher e formas de discriminação sexual. No Terceiro Mundo, segundo a autora, a
prostituição, associada à vulnerabilidade econômica, pode assumir configurações brutais,
presentificadas nas ações do tráfico de seres humanos, por exemplo. O argumento de que a
prostituição é uma forma de trabalho é atacado frontalmente por Barry (1991).
Comparando o trabalho de jogadores de beisebol com a prostituição, a autora verifica que
o jogador, embora contratado para usar o seu corpo, nunca entrega seu corpo, nem seus
atributos para quem o contrata.
Na prostituição, ao contrário, obtêm-se o direito unilateral ao uso sexual direto do corpo
por parte do comprador. Encarar a prostituição como questão de uma cultura específica
também seria, segundo a mesma autora, uma atitude a ser combatida. Segundo o seu ponto
de vista, o ato da prostituição seria essencialmente o mesmo em diferentes culturas, com
variações produzidas por demandas específicas, idiossincráticas e racistas dos clientes. Por
último, Barry observa que quando se situa a prostituição como uma violação dos direitos
humanos e como um crime contra a mulher, podem surgir objeções de que isso afetaria as
mulheres que optam por ser prostitutas, mesmo tendo outras alternativas e a contrapartida
de criminalizar seus clientes seria “injusta”. Rebatendo o argumento, a autora afirma: “na
África do Sul há negros que participam do apartheid, contribuem e ganham com o
apartheid. Mas isso não justifica o apartheid”. A ida (ou como alguns preferem: a “opção”)
de mulheres para a prostituição é fortemente influenciada pela ideologia machista,
14
Ver SCAMBLER, G.; PESWANI, R.; RENTON, A. & SCAMBLER, A., 1990. Women prostitutes in the
AIDS era. Sociology of Health & Illness, 12: 260-273.
15
Ver BARRY, K., 1991. Prostitución y victimización. La mujer ausente: derechos humanos en el mundo
Ediciones de las Mujeres, 15: 63-78. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (1): 58-66, jan/mar, 1994 65
Prostituição Infantil.
31
patriarcalista e capitalista reinante. Para Saffioti (1989)16, a moça – quando vítima de
violência sexual, que vai da sedução ao estupro – pode se ver como “indigna” de viver em
sociedade, onde só há lugar para as “virgens” e “casadas”. Não se enquadrando em
nenhuma essas situações, ela encontraria a zona de prostituição como solução. Por outro
lado, para que na sociedade haja “gente de família”, a prostituição passa a ser o perfeito
mal necessário, uma vez que se concilia o incentivado treinamento sexual masculino prématrimonial com o fato de a moça chegar virgem ao casamento.
Ao se abordar a prostituição, independente do tipo de enfoque, não se pode deixar de lado
a idéia de que esta temática insere-se na categoria do que se define comumente por
“estigma”. Em Goffman (1988)17 pode-se encontrar base para uma melhor compreensão
desta categoria. Segundo o autor, as atitudes das pessoas tidas como “normais” em relação
às pessoas com um estigma possuem características peculiares. Em geral, essas atitudes são
perpassadas por vários tipos de discriminação. Elas fundamentam-se, comumente, numa
teoria de estigma e numa ideologia que serve para racionalizar, entre outros, dois aspectos
centrais: a inferioridade de quem é estigmatizado e o “perigo” que essa pessoa representa.
Alguns aspectos podem nos ajudar na compreensão de como tradicionalmente constituiu-se
o saber sobre a prostituição. Entre os estudos que contribuem para esta compreensão
destacam-se os de Machado et al. (1978)18, Engel (1986, 1989)19 e Soares (1986)20. Esses
trabalhos, no que diz respeito ao saber médico sobre a prostituição, são baseados em
documentos, em geral teses de medicina, do século XIX, produzidos na cidade do Rio de
janeiro. As análises que realizam possuem aspectos comuns e pontos distintos sobre o
assunto. Machado et al. (1978) apontam para o fato de o saber médico da época revelar a
prostituição como um “perigo físico e moral”. Por outro lado, este objeto do saber médico
16
Ver SAFFIOTI, H., 1989. Exploração sexual de crianças In: Crianças Vitimizadas: A Síndrome do Pequeno
Poder (M. A. Azevedo & V. N. A. Guerra, orgs.), pp. 49-95, São Paulo: Iglu.
17
Ver GOFFMAN, E., 1988. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de
Janeiro:Guanabara.
18
Ver MACHADO, R.; LOURENO, A. L. R. & MURICY, K., 1978. Danação da Norma. Medicina Social e
Constituição da Psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal.
19
Ver ENGEL, M. G., 1986. O médico, a prostituta e os significados do corpo In: História e Sexualidade no
Brasil (R. Vainfas, org.), pp. 169-190, Rio de Janeiro: Graal e ENGEL, M. G.,1989. Meretrizes e Doutores:
Saber Médico e Prostituição no Rio de Janeiro (1840-1890). São Paulo: Brasiliense.
20
Ver SOARES, L. C., 1986. Da necessidade do bordel higienizado: tentativas de controle da prostituição
carioca no século XIX. In: História e Sexualidade no Brasil (R. Vainfas, org.), pp. 143-168, Rio de Janeiro:
Graal.
32
também era visto, ao mesmo tempo, como um fato natural e social. Enquanto “perigo
físico”, segundo esses autores, a prostituição era identificada como causa de doença; no
caso, havia principal destaque para a sífilis. Do leito da prostituta para o leito da esposa, o
homem poderia passar “o mal que deforma e mata”, que se estende para os seus
descendentes. Além da sífilis, inúmeras e variadas doenças são apontadas pelos médicos da
época como conseqüências da “cópula desenfreada e desregrada”. Insônia, ansiedade,
ardor de entranhas, decadência progressiva de forças, poluções noturnas e sintomas
nervosos são exemplos que figuram na lista dessas doenças. A dimensão física presente no
discurso médico da época, segundo análises de Engel (1986), inseria a prostituição no
espaço da “sexualidade pervertida”, em contraposição ao casamento, visto como espaço da
“sexualidade sadia”. As imagens do cancro e da úlcera são exemplos dos diagnósticos
presentes neste discurso, apontando para a idéia de ser a prostituição uma enfermidade
ameaçadora da saúde e da vida.
Este enfoque denota certa preocupação com o corpo enquanto aspecto físico. Assim, o
corpo da prostituta em si é visto como “uma doença do corpo que corrói o próprio corpo
(...) E que ameaça outros corpos” (Engel, 1986). Junto às doenças físicas, os médicos
advertiam sobre as conseqüências morais advindas da prostituição. Essa prática poderia ser
um exemplo pernicioso para as moças: desestimular o trabalho e estimular o vício, entre
outros problemas morais. “A prostituição desenfreada e ‘livre’ é colocada como obstáculo
à transformação da família em um local de produção de indivíduos saudáveis” (Machado et
al., 1978). Como observa Engel (1986), o papel da prostituta – visto como oposto ao da
esposa – relacionava-se ao exercício da paixão – oposto ao exercício do amor. Este papel,
para os médicos da época, vinculava-se ao adultério e à degradação dos costumes,
representando o espaço da sexualidade moralmente doente, e, assim como a doença física,
essa sexualidade doente também possui um caráter contagioso que ameaça os costumes.
Por outro prisma de análise, para Machado et al. (1978), os médicos viam a prática da
prostituição como, simultaneamente, um fato natural e social.
Esta prática, presente em todos os países e nas eras mais primitivas, segundo o saber
médico da época, estava ligada ao organismo humano, permitindo que o instinto sexual se
realizasse e promovendo uma entrega ao “desejo arrebatador”. Neste sentido, para este
33
saber, era na própria natureza humana que se deveria estudar a patogenia da prostituição.
Por outro lado, a dimensão social da prostituição também é ressaltada nos documentos
médicos do século passado. Entre as causas desta prática, enquanto fato social são
destacáveis o excesso de riqueza e a miséria, que se explicam pela organização da
sociedade. Neste quadro, uns a procuram e outros a ela se entregam como forma de
sobrevivência, onde são articulados diferentes gradientes da miséria do povo e das paixões
dos ricos, conforme assinalam Machado et al. (1978).
Vinculada à ociosidade – em oposição ao trabalho – a prostituição situava-se no campo das
atividades remuneradas ilegítimas. Junto a essa idéia, na visão de Engel (1986), o discurso
médico da época revela preconceitos sobre o trabalho feminino, quando concebe
costureiras, floristas e enfermeiras, entre outras trabalhadoras femininas, como prostitutas
enrustidas. Sob o ponto de vista deste saber médico, a prostituição – produto da indolência,
da ambição e da miséria – é fruto da doença social em dois sentidos: “seja enquanto espaço
de reprodução da miséria, seja enquanto lugar de produção do luxo ilícito” (Engel, 1986).
Essa doença social ameaçaria a própria riqueza da nação, por ser foco de desagregação do
trabalho e da propriedade. Engel, em outro texto (1989), destaca que o saber médico da
época (1845-1890) oscilava entre o caráter normativo e a extinção da prostituição. A
primeira vertente deste saber voltava - se mais para o controle médico, enquanto a segunda
era pontuada pela repressão policial.
Seja sob a ótica da higiene, seja pela visão moralista dos abolicionistas, a prostituição foi
incorporada à reflexão médica como uma doença que ameaçava a população e que, como
tal, deveria ser controlada ou combatida. “Para conhecer a prostituição foi preciso deixar
de vê-la apenas como pecado, para convertê-la, antes de tudo, em doenças” (Engel, 1989).
O discurso médico fixou os limites entre a moralidade e a doença no campo da
sexualidade, trazendo implícito um projeto de criar normas higiênicas do corpo, que era
concebido não apenas num sentido físico, mas também num sentido moral e social. A
partir desta perspectiva, o médico construía as categorias básicas de classificação: a
perversão (a doença física), a depravação (a doença moral) e o comércio do corpo (a
doença social). Como não podiam acabar com a prostituição, conforme analisa Soares
(1986), já que era considerada um “grande mal”, mas um “mal necessário”, para a
34
estabilidade da família e de toda a sociedade, médicos e autoridades policiais lançaram-se à
sua regulamentação. No entanto, para esses mesmos médicos e autoridades, se a
prostituição pública tinha de ser tolerada, a prostituição clandestina, ao contrário, deveria
ser combatida, uma vez que esta escapava à vigilância. Neste cenário do século passado
surge a proposta da criação do bordel higienizado, com vantagens para a sociedade. Esta
proposta, no entanto, praticamente não foi concretizada, uma vez que a mesma necessitava
de uma política – para regulamentar e normatizar o meretrício – que não chegou a ser
implantada.
Soares (1986), com base em Machado et al. (1978), assinala que a comunidade médica, ao
propor o controle da prostituição, não estava na verdade negando ou reprimindo o sexo,
mas, sobretudo, desejava conhecer todas as suas dimensões. Este saber do século XIX,
para Nunes (1988)21, inseria-se na “tematização da saúde no espaço urbano”. Neste
sentido, segundo o referido autor, a análise dos espaços que representavam perigo de
doença e de desordem, como o bordel, completava o conhecimento sobre a cidade e o
esquadrinhamento urbano. No final do século XIX, ainda no entendimento de Nunes
(1988), emerge o movimento sanitarista, juntamente com a posição que situa a saúde como
uma questão social. Essa realidade vai permanecer até as primeiras décadas do século XX.
No âmbito do saber médico que atravessou o fim do século XIX até o início do presente
século, a prostituição associou-se às doenças venéreas, a ponto de, segundo Carrara (s/d)22,
não ser possível falar da história dessas doenças sem se remeter à prostituição. Nesta
associação perpassa a difícil questão de se atuar frente ao estigma. Para este autor, assim
como atualmente vincula-se a AIDS aos homossexuais masculinos, no passado, a sífilis era
vinculada à figura da prostituição. Junto à idéia de que a prostituição é uma doença,
atualmente percebem-se outros enfoques sobre o assunto. Vislumbra-se, por exemplo, um
enfoque que se desloca da idéia de “grupos de risco” para a de “práticas de risco”.
21
Ver NUNES, E. D., 1988. A medida social no Brasil: um estudo de sua trajetória. Revista de Saúde
Coletiva, 5: 97-111.
22
Ver CARRARA, S., (s/d). A AIDS e a história das doenças venéreas no Brasil (de finais do século XIX até
os anos vinte). Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(Mimeo).
35
Este posicionamento que surge na era da AIDS, dentro de uma perspectiva de saúde
coletiva, orienta-se para uma nova concentração de doença. Nesta concepção, o foco de
atenção não está sobre alguns indivíduos, segregando-os, mas na sociedade como um todo.
“Mesmo que haja indivíduos ou grupos mais expostos, é toda a sociedade que está
imediatamente implicada no processo” (Carrara, s/d).
As estimativas que se tem sobre a prostituição infanto-juvenil no Brasil revelam um quadro
bastante sério e preocupante. Saffioti (1989) cita a estimativa do Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF), que levanta a possibilidade de 20% das meninas brasileiras
entre 10 e 15 anos exerceram a prática da prostituição. Em Dimenstein (1992)23 há outra
estimativa, do Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência (CBIA), que aponta para a
existência de 500 mil meninas brasileiras que vivem na prostituição. Um levantamento
local, mencionado por Vasconcelos (1991)24, aponta para o fato de, num espaço de 40 dias,
ter havido mais de 1.000 meninas e adolescentes do sexo feminino que buscavam
sobrevivência nas ruas e nos bordéis do Recife.
A prostituição infanto-juvenil, em qualquer cenário em que se configura, desponta como
um fato cruel com muitos e diferentes matizes. Há momentos em que ela se integra ao
tráfico de drogas; há situações em que ela se confunde com a miséria; e há casos em que
seu início ocorre dentro do próprio lar. Em qualquer uma dessas situações, as crianças que
a ela sobrevivem têm uma história comum a contar: a história da violência. As marcas
desta violência são visíveis nos corpos e nas mentes, mesmo para aqueles que fazem força
para não ver. Segundo Luppi (1987)25, a prostituição infantil é um dos problemas mais
cruéis e comuns a que está exposta a infância pobre do Brasil. Para o autor,
paradoxalmente, esta temática é uma das menos pesquisadas dentro do conjunto de estudos
23
Ver DIMENSTEIN, G., 1992. Meninas da Noite: A Prostituição de Meninas Escravas no Brasil. São
Paulo: Ática.
24
Ver VASCONCELOS, A., 1991. A prostituição de meninas e adolescentes no Recife. Tempo e Presença,
258: 22-23.
25
Ver LUPPI, C. A., 1987. Malditos Frutos do Nosso Ventre. São Paulo: Ícone.
36
sobre a chamada “questão do menor” (conforme já mencionamos). A precariedade de
dados sobre este assunto também é apontada por Saffioti (1989) e Lamarão et al. (1990)26.
No levantamento preliminar acerca da problemática em questão, em termos de estudos
brasileiros que envolvem trabalho de campo, ressaltam-se apenas quatro investigações. O
primeiro estudo, citado por Vasconcelos (1991), aborda a realidade de meninas que vivem
nas ruas do Recife (Pernambuco), e dentro desta análise há uma reflexão sobre a venda do
corpo como forma de sobrevivência, por parte das meninas. No segundo, de Santos et al.
(1990)27, além de considerações teóricas sobre a temática em questão, há uma breve
análise comparativa sobre a prostituição infantil, a partir de dados presentes em entrevistas
com educadores que trabalham diretamente com meninas de Fortaleza (Ceará). No
terceiro, realizado por Lamarão et al., são examinadas causas e formas de exploração
sexual de meninas de Belém (Pará), a qual se encontra relacionada à pobreza. Por último, o
quarto estudo é um trabalho de jornalismo-pesquisa, de autoria de Dimenstein, que revela,
com todos os seus impactos, a perversidade do tráfico de meninas escravas na Amazônia
legal.
Para Saffioti, praticamente há uma sobreposição da prostituição e da pornografia infantis.
No cenário internacional, o uso de crianças na grande indústria pornográfica já é um fato
alarmante. Em Lorenzi (1987)28 há um dado que registra, nos Estados Unidos, para o ano
de 1987, a existência de 250 publicações especializadas nessa área, envolvendo crianças de
3 a 5 anos. No Brasil, como observa Saffioti, não se dispõe de dados sistemáticos sobre a
pornografia infantil. Alguns autores estabelecem associações entre o uso da droga e a
prostituição infantil. Este uso é mencionado por Vasconcelos como uma das formas de as
meninas “agüentarem a vida de rua”. Já Dimenstein (1992) observa que a rede de
prostituição se cruza e se confunde com a rede do tráfico de drogas. Quando se fala em
prostituição infantil, pensa-se na prostituição infantil feminina. Entretanto, há também a
masculina, mas sobre esta praticamente nada se sabe. As obras levantadas sobre a temática
26
Ver LAMARÃO, M. L. N.; OLIVEIRA, M. B. S. & MARIN, R. E. A., 1990. Cotidiano de Miséria e
Formas de Exploração Sexual de meninas em Belém. Belém: Movimento República do Pequeno Vendedor –
Centro de Defesa do Menor. (Mimeo).
27
Ver SANTOS, C. M. A.; RODRIGUES, J. V.; QUEIROZ, M. O. & PINHEIRO, A. A. A., 1990.
Prostituição infantil: considerações teóricas e observações sobre a realidade da cidade de Fortaleza. Revista
de Psicologia, 7/8: 97-113.
28
Ver LORENZI, M., 1987. Prostituição Infantil no Brasil e Outras Infâmias. Porto Alegre: Tché.
37
praticamente não apresentam dados sobre esta realidade. Alguns autores apenas a
constatam e observam a ausência de dados sobre a prostituição infantil masculina.
Especialmente sobre a prostituição infantil feminina, Saffioti, em termos conceituais,
observa que há duas abordagens sobre exploração sexual: uma se confunde com o conceito
de exploração econômica, enquanto outra se refere à obtenção de prazer, com prejuízos da
saúde mental de quem está sendo explorado. Nas duas abordagens está implícita a idéia de
dominação, perpassada pelas categorias de sexo/gênero e idade. Isso é mais bem explicado
pelo fato de a sociedade ocidental ser “androcêntrica” e “adultocêntrica”, nela se tornando
visíveis o poder do homem e o poder do adulto. Esta dupla opressão da qual a meninaprostituta é vítima, também é assinalada por outros autores, como Santos (1991)29. Saffioti
estabelece duas considerações básicas. A primeira refere-se ao fato de a educação
promovida pelo adulto ser fortemente comprometida por uma visão machista. Na segunda
consideração está presente a idéia de que, no âmbito social, o poder associa-se à violência.
Na medida em que o homem detém maior poder, lhe é permitido desenvolver a violência.
Em geral, segundo a autora em questão, a violência sexual desenvolve-se a partir da
dominação do macho.
Como sabemos a violência contra crianças em geral deixa marcas profundas nas suas
vítimas. Vasconcelos (1991) relata que, na Casa da Passagem, no Recife, no período de
1987 a 1989, 3.700 questionários registram violências praticadas contra meninas e
mulheres-adolescentes, destacando-se estupros, incestos, espancamentos e abusos sexuais.
As conseqüências da violência sexual são analisadas por Santos (1991) e Vittielo (1989)30.
Especialmente em relação à menina que se prostitui para sobreviver, observa-se que o seu
corpo, cobiçado e violentado, se converte em “objeto privilegiado das agressões por parte
dos outros; seja comprando-o, seja maltratando-o” (CEAP, 1993).
Num primeiro plano, comumente a violência sexual é vista como protagonista principal.
No entanto, ao se descortinar este plano, logo se percebe fortes indícios de violência
estrutural na quase totalidade dos casos de prostituição infantil. Este nível de violência é
29
Ver SANTOS, H.O., 1991. Crianças Violadas. Brasília: CBIA/CRAMI.
Ver VITIELO, N., 1989. Vitimização sexual: Conseqüências orgânicas. In: Crianças Vitimizadas: A
Síndrome do Pequeno Poder (M. A. Azevedo & V. N. A. Guerra, orgs.), pp. 123-141, São Paulo: Iglu.
30
38
forjado por um sistema social desigual, onde um enorme número de pessoas é explorado
para garantir privilégios de um pequeno número de outras.
A violência que permeia a prostituição infantil feminina por si só já constitui uma questão
de cunho evidentemente social e também de saúde coletiva. Esta afirmação se insere numa
constatação mais ampla, objeto de análise de Goldenberg et al. (1989)31, que ressalta a
violência contra a mulher na sociedade brasileira. Esta violência estrutura-se a partir da
organização hierárquica das relações de gênero, potencializada por atos violentos,
revelando o papel subalterno das mulheres presente no imaginário social. Segundo
Goldenberg et al., a saúde coletiva deve enfrentar esta questão, que, além das marcas
psíquicas produzidas, ameaça a integridade física da mulher. A saúde da mulher, como
observam Xavier et al. (1989)32, não se restringe à condição corporal, mas estende-se para
outros campos. Entre esses campos podem ser destacadas a sexualidade e a violência.
Além dos autores citados, há outros, como Agudelo (1989)33 e Minayo (1992)34, que vêm
discutindo a violência como uma demanda em saúde. Quase todos os autores tecem
considerações sobre a miséria presente por detrás da prostituição infantil, sem reduzir a
segunda à primeira. Azevedo (1986)35, por exemplo, além das condições sócioeconômicas, analisa outros fatores, como o desenvolvimento do turismo e a
“ideologização” da infância e das sexualidades feminina e masculina. Segundo a autora,
esta ideologização faz com que, entre outras coisas, haja uma divinização da ninfeta. Sem
dúvida, a miséria tem uma pontuação maior entre os inúmeros fatores mencionados pelos
autores. Sobre isso, Santos et al. observam que, em geral, a trajetória da menina de rua
inicia-se na mendicância, passa pelas pequenas vendas nos sinais e tem como fim a
prostituição.
31
Ver GOLDENBERG, P.; MEDRADO, M. A. & PASTERNOSTRO, M. A. N., 1989. A violência contra a
mulher: Uma questão de saúde. In: Mulher, Saúde e Sociedade no Brasil (M. E. Labra, org.), pp. 185-200,
Petrópolis: Vozes.
32
Ver XAVIER, D.; ÁVILA, M. B. & CORREA, S., 1989. Questões feministas para a ordem médica: O
feminismo e o conceito de saúde integral. In: Mulher, Saúde e Sociedade no Brasil (M. E. Labra, org.), pp.
203-222, Petrópolis: Vozes.
33
Ver AGUDELO, S. F., 1989. Violência y/o salud: elementos preliminares para pensarlas y actuar. I
Encontro sobre Violência e Saúde, Rio de Janeiro: Claves/Ensp/Fiocruz. (Mimeo.)
34
MINAYO, M.C.S. 1992. Violência e saúde. In: Pesquisa Social em Saúde (A. W. P. Spínola, E. N. C.
Sá,M. F. Wsetphal, R. C. F. Adorno & F. Zioni, coords.), pp. 257-267, São Paulo: Cortez.
35
Ver AZEVEDO, M. A., 1986. Prostituição infantil: Uma incursão indignada pelo lado não-respeitável da
sociedade. In: Quando a Criança Não Tem Vez: Violência e Desamor (M.H.F. Steiner, org.), pp. 109-113,
São Paulo: Pioneira. (Série Cadernos de Educação).
39
Para Saffioti, as profundas desigualdades sócio-econômicas do país propiciam a
exploração de pessoas por pessoas. Neste contexto, a criança facilmente se torna uma
mercadoria. Segundo a autora citada, esta problemática deve ser entendida nos níveis
nacional e internacional. Em Dimenstein (1992) também fica patente a presença da miséria
no cenário da prostituição de meninas escravas no Brasil. Entre suas conclusões sobre esta
perversa realidade, o autor ressalta o fato de a miséria fazer com que as meninas vendam o
único bem que possuem: o corpo. Outra conclusão do autor sobre o tráfico de meninas
escravas, ligado ao tráfico de drogas, diz respeito à idade de ingresso na prostituição, que
diminui à medida que aumenta o número de crianças que vivem na rua. Uma das
conseqüências deste quadro nacional de pobreza é, sem dúvida, o chamado fenômeno de
“meninos e meninas de rua”.
Minayo et al. (1992) consideram que esta problemática refere-se a um fenômeno urbano
gerado pelo modelo econômico social que privilegiou a cidade sobre o campo e que, em
relação à cidade, descuidou-se da criação de equipamentos de políticas sociais e de geração
de renda. Com base em Vásquez (1990)36 e Minayo (1990)37, entre outros autores, percebese que a pobreza e a miséria podem ser situadas como conseqüências de uma violência
produzida por um sistema social desigual. Neste sentido, o ambiente de pobreza passa a ser
um cenário de violência, onde seus componentes atuam ora como vítimas, ora como
autores dos processos conflitivos.
Especificamente sobre o processo saúde-doença, no artigo de Santos et al. (1990) há dados
que revelam as doenças mais comuns nas meninas envolvidas com a prostituição infantil
em Fortaleza. Entre essas, ressaltam-se as de pele; as sexualmente transmissíveis,
principalmente a gonorréia e a sífilis; e, comumente entre as que dormem na rua, as
infecções respiratórias, a exemplo da pneumonia e da bronquite. O artigo ressalta também
que “nem todas as meninas têm condições de manter uma relação sexual completa,
inclusive por falta de maturidade genital”. Ainda sobre este processo, em Dimenstein
podem ser encontrados exemplos do cotidiano de meninas-prostitutas da Amazônia legal.
Entre as 53 entrevistadas, 15% usavam método contraceptivo, 5% utilizavam regularmente
36
Ver VAZQUEZ, A. S., 1990. Filosofia da Práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Ver MINAYO, M. C. S., 1990. A violência na adolescência: um problema de saúde pública. Cadernos de
Saúde Pública, 1: 278-291.
37
40
preservativo e 40% haviam feito aborto empregando métodos bem rudimentares, como
chutes na barriga, drogas impróprias, a exemplo da quina (destinada à malária), e agulha de
crochê. A maioria não possuía nenhum conhecimento sobre o funcionamento de seu corpo
nem sobre os perigos da gravidez, e algumas meninas confundiam AIDS com cólera.
Tais atitudes presentes na sociedade devem ser levadas em conta para se compreender
aspectos interiores da prostituição e suas relações com a vida social em geral. Não
considerar isso significa, no mínimo, reforçar o preconceito que impede um melhor
entendimento da temática em questão. A partir da articulação entre a intervenção no campo
da infância e da adolescência, da saúde pública, enquanto campo de conhecimento e de
práticas multidisciplinares, e a prostituição infanto-juvenil, pensada sobretudo enquanto
violação dos direitos humanos, é que se afigura a importância das discussões que
finalizamos aqui.
Entram em cena na dinâmica destes tipos de violência os efeitos perversos de um sistema
capitalista de produção que disponibiliza corpos - em especial aqueles “cobiçados” de
crianças e adolescentes, independentemente de sexo, classe social, raça e etnia - como se
estes fossem meras mercadorias a serem “consumidas” e, desta forma, exploradas.
Segundo o mesmo Relatório de Viabilidade, a exploração sexual e comercial de crianças e
adolescentes seria:
“Um fenômeno complexo e de difícil enfrentamento, inserido num
contexto histórico-social de violência endêmica e com profundas raízes
culturais. Foi apenas na década de 90, com a aprovação do Estatuto da
Criança e do Adolescente, que esses passaram no Brasil a ser
juridicamente considerados sujeitos de direitos, e não mais menores
incapazes, objetos de tutela, de obediência e de submissão. Essa ruptura
com antigos padrões societários representa um importante avanço
civilizatório – o dos direitos humanos. A construção de novas relações
adultos-jovens, baseada em relações afetivas, de proteção e de
socialização, implica em denúncia e responsabilização dos violadores
desses direitos (...).A realidade tem demonstrado que uma das situações
mais graves e freqüentes de exclusão, vulnerabilidade e risco social, em
que estão envolvidas crianças e adolescentes, é a de abuso e exploração
sexual comercial.(...) Por conta dos fatores sócio-econômicos, étnicos,
intergeracionais e culturais, o abuso e a exploração sexual comercial não
são de fácil percepção e quantificação” (p.7).
41
O desmonte dessa violência e a tentativa de reconstrução de uma cultura de respeito e amor
às crianças e, sobretudo, que garanta os seus direitos na sociedade implica em denunciar
permanentemente a quebra do respeito e da proteção social, também implica coibir os
abusos, enfrentar as ameaças e revelar os segredos, protegendo neste difícil caminho as
vítimas e as testemunhas. É necessário que seja fortalecida uma cultura extra e
intrafamiliar em que a relação social e a relação sexual não sejam vividas no silêncio mais
ou menos consentido e hipócrita da dominação, da discriminação e da exploração.
As políticas sociais de intervenção neste campo “delicado” não deveriam se restringir
exclusivamente ao binômio denúncia-repressão. É fundamental que direitos e prioridades,
no sentido dos recursos públicos, sejam garantidos em lei e em serviços do Estado para
proteger as pessoas vitimizadas, punir os agressores, prevenir os abusos. Além disso, numa
sociedade e num Estado de direitos consolidados faz-se necessário
a discussão
responsável, e de forma mais aberta, sobre a sexualidade, assegurando à criança seu direito
à autonomia, à aprendizagem, ao desenvolvimento saudável da apropriação do seu próprio
corpo. Isto, obviamente, implica também num maior acesso das famílias brasileiras a todas
as políticas sociais básicas como educação, saúde, habitação, lazer e renda mínima,
inserindo-as na grande rede de proteção social que se configura no paradigma mais atual de
ação nesse campo, como veremos mais adiante. Criança é cidadão. O Estado deve ainda,
assegurar facilidades para a denúncia e a punição dos agressores. O Estado também deve
estar em condições de poder melhor identificar, numa lógica em que recursos alocativos
sejam escassos, aquelas populações de crianças e adolescentes no Brasil que se encontrem
mais e especialmente vulneráveis a sofrerem o dano da exploração sexual e comercial.
“Num processo contraditório, a luta pela implementação do direito, da
proteção às crianças e adolescentes e do incentivo a sua autonomia e
aprendizagem é uma luta ideológica, cultural, simbólica contra esses
valores citados e uma luta pela mudança das condições de vida. Essa luta
implica também a construção da “cultura do castigo e da punição” aos
agressores e o fim da impunidade dos abusadores. A figura de parente, pai,
chefe de família não deve ser motivo para excusas e tolerâncias com o abuso
ou a exploração sexual de crianças e adolescentes. A lei deve criminalizar as
agressões, os assédios, os abusos, a exploração e criar mecanismos para
que sejam responsabilizados os pais, padrastos e agentes do Estado, no
exercício ou não de suas funções que venham a praticar essas violações. O
poder de pai não anula o outro como poder ser e ser de poder. Ao contrário,
42
só se legitima ao construí-lo nos limites dos padrões civilizatórios dos
direitos humanos, incluindo a sexualidade responsável.” (Faleiros, 1997:p.7)
Desmontar a violência intrafamiliar acarreta, não apenas, em denunciar e contar o número
de vítimas e encaminhar vitimizados, numa circulação “pingue-pongue” de um lugar para
outro, de um profissional para outro.
É preciso que os agentes envolvidos em seu
enfrentamento estejam mais preparados e qualificados para mitigar esse tipo de violência
que hoje extrapola, inclusive, os limites dos estados nacionais e tem assumido uma
estrutura de rede muito bem articulada e administrada, onde o lucro capitalista é o grande
motor.
Também em termos da definição desta outra faceta da violência sexual vamos nos deparar
com farta polissemia. Há muitas dúvidas de como são estabelecidas aquelas que
poderíamos determinar como sendo “relações no mercado do sexo”. O que significa o fato
de separar o sexo do amor para poder comercializá-lo? Existe prazer no sexo sem afeição?
Como não se sentir violentado no mercado do sexo? Sexo sem afeto, sem amor, sem
carinho. Relação na qual um não considera o outro como sujeito, mas somente como
objeto? Qual é o prazer que os clientes e as pessoas que trabalham neste mercado de sexo
encontram ali? Estas são algumas das muitas dúvidas que nos acorrem quando
necessitamos de uma definição mais estrita do que seja a exploração sexual comercial.
Não resta dúvida de que a exploração sexual de crianças e adolescentes é crime previsto na
Constituição Brasileira, artigo 27, parágrafo 4º, assim como o trabalho infanto-juvenil que
tem suas normas definidas pelo artigo 68 do ECA. Neste sentido, entende-se que crianças
não devem trabalhar em lugar nenhum, pois o trabalho precoce pode vir a prejudicar o seu
desenvolvimento psicossocial e físico. No caso de adolescentes, estes só devem trabalhar
em locais que propiciem a sua efetiva profissionalização, durante o dia, sem correr
quaisquer perigos.
Sabe-se, entretanto, que adolescentes podem, segundo uma leitura mais “liberal”, até viver
a sua sexualidade no “mercado do sexo”, mas é fundamental dizer que algumas das
principais características deste “mercado” propiciam grande possibilidade que essas sejam
exploradas. Sabemos que a adolescência é vivida como um período de grandes
43
turbulências, onde, frequentemente, ocorrem: desorientações temporais, manifestações da
evolução sexual, atitudes anti-sociais, acompanhadas (ou não) da vontade de separação
progressiva dos pais, além de muitas outras mudanças oriundas das tentativas do/a jovem
buscar a construção de uma nova identidade para si mesmo/a.
Nesta fase, o “mercado do sexo” pode se afigurar um lugar de possibilidade do exercício
da aventura, da liberdade, da autonomia, da sedução e da conquista. Mas, o que significa
viver a adolescência no “mercado do sexo” numa fase de mudança do corpo, sem
conhecimento sobre o mesmo, cheio de mitos e fantasias? Viver este momento como um
simples objeto, num espaço que, muitas vezes, não se encontra afeição? Como valorizar
este novo corpo na prostituição que, na verdade, o desvaloriza? Ou será que recebe uma
importância que fora dela não encontra? Será que o corpo é o único “instrumento” da
mulher pobre que é visto pelo mercado moderno? É bastante comum encontrarmos casos
em que a figura do adulto, ao invés de funcionar como um referencial/apoio, trabalhar
como um aproveitador deste momento de fragilidade e de busca do/a adolescente. Sabemos
que muitos são os riscos deste “mercado”: a gravidez precoce, abortos, doenças
sexualmente transmissíveis, assim como a dupla exclusão social, quando não atendem mais
as exigências do mesmo.
Numa cultura de gênero ainda profundamente tradicional, patriarcal e machista como em
geral é a brasileira, na qual a primeira relação sexual é tão valorizada, a perda da
virgindade desvaloriza a menina. A saída encontrada pode ser se casar com o autor ou ser
vista como perdida (para o casamento). O casamento precoce e a separação em seguida ou
a nova identidade de perdida são alguns dos fatores que influenciam, certamente, na
“entrada” no mercado do sexo. Falta de lazer e opções de sobrevivência, vivência de abuso
sexual na família e repressão sexual também são alguns outros elementos importantes desta
dinâmica.
A exploração sexual, mesmo a de crianças e adolescentes, refere-se ao comércio das
relações sexuais. Aqui entram em cena a figura de explorador, do rufião, da dona de boate,
do aliciador. Crianças em situação de exploração sexual são duplamente vitimizadas:
44
violentadas sexualmente pelos “clientes” e exploradas por quem tira proveito dessas
relações, como o dono de boate ou, às vezes, os próprios pais.
Para entendimento desse ponto, cabe agora considerar a rede autoritária de exploração
sexual de crianças e adolescentes. Esta outra trama é, como o próprio nome evidencia,
centrada no lucro comercial que se possa obter com o trabalho sobre o corpo da criança ou
adolescente, ou seja, ela atua fundamentalmente condição de transformação e submissão
do corpo infanto-juvenil em mercadoria humana para benefício sexual do cliente e
benefício comercial dos proprietários do comércio e aliciadores.
Vale dar fundamental destaque ao fato da exploração sexual de crianças e adolescentes se
distinguir da prostituição adulta, principalmente daquela que seria “opcional” (isto se este
tipo efetivamente existir).
A exploração sexual de crianças e adolescentes viola o direito humano fundamental ao
desenvolvimento autônomo do ser e do corpo da criança, à dignidade de seu corpo, a sua
própria humanidade. Trata-se aqui do fato da criança ser mantida de forma involuntária:
seja pela imposição da força física mesmo, seja pela força do amedrontamento, ou ainda da
própria ignorância ou desconhecimento de alternativas de vida. Algumas poucas pesquisas
já realizadas em bordéis ou prostíbulos mostram que são, justamente, as crianças e
adolescentes que não têm, sequer, a liberdade de ir e vir, conformando-se esta em uma
situação de evidente violação de seus direitos civis, políticos, sociais. Alem desses, essa
situação viola os direitos inerentes à condição de pessoa em desenvolvimento e que são
previstos em vários tratados nacionais e internacionais e, sobretudo, delineados no nosso
Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo Faleiros, a rede de exploração pode ser
mapeada da seguinte forma:
45
Figura 3: Resumo das Dimensões de Interação da Rede de Exploração Sexual
Fonte: Faleiros, Vicente. (1998) Redes de Exploração e Abuso Sexual e Redes de Proteção. p.05.
Por sua vez, a rede da exploração sexual se articula de acordo com os termos da economia
predominante num determinado território/espaço, e ela também se articula, pronta e
rapidamente, com outras redes tais como as: do turismo sexual, dos garimpos, da farta e
transitória circulação de caminhoneiros, do trânsito livre e desimpedido entre fronteiras
nacionais, da construção e, às vezes, do próprio crescimento desordenado de novas
cidades, ou ainda, de obras que produzam impactos nestas cidades onde haja a necessidade
de ampla contratação de mão de obra masculina temporária; da livre circulação de pessoas
por áreas ribeirinhas empobrecidas e pouco vigiadas; da presença de populações
vulneráveis e de caráter “exótico” tais como as populações indígenas e as mulheres
“mulatas”/negras; entre outras. Estes elementos acabaram por se configurar nas diretrizes
que orientaram a criação dos Centros de Referência do Serviço de Enfrentamento à
Violência Sexual contra Crianças e adolescentes (já que o abuso sexual não possui
características territoriais - espaciais e geográficas – que o demarquem).
Esta rede também se diversifica de acordo com o mercado de usuários/clientes, podendo
vir a se conformar em redes de alto luxo para cargos de alto escalão de políticos,
executivos e empresários e redes focadas mais para as camadas de média ou baixa renda
(ou ainda para um tipo específico de consumo corporal, a exemplo dos travestis e
transgêneros). Nesse caso, estão situados os bares noturnos com quartos anexos onde as
crianças trabalham servindo mesas ou vendendo flores e outras bugigangas e são também
exploradas sexualmente.
46
Como já salientado, as redes de intervenção pública estão fragmentadas, e no caso do
enfrentamento da exploração sexual, encontram-se operando com extrema fragilidade.
Destacam-se no âmbito do combate às redes de exploração, as ações de cunho quase
exclusivamente repressivo e de grande de impacto e visibilidade na opinião pública e na
mídia tais como as blitzes, com a conseqüente prisão de alguns agentes e exploradores. A
mesma rede visualizada na figura acima precisaria ser muitíssimo melhor articulada para
enfrentamento da questão da exploração sexual de crianças e adolescentes. Contudo, é
totalmente incomum que os/as vitimizados/as da exploração sexual venham buscar o apoio
público-estatal (já que a dinâmica envolve lucros imensos – nem sempre da criança
explorada, ameaças etc.). Cabe à rede de intervenção pública ter uma atitude pró-ativa de
identificação destes casos, o que ainda não acontece no Brasil.
Nesta perspectiva preventiva e de atendimento é preciso valorizar, sensibilizar, defender a
identidade, a dignidade, a autonomia e a igualdade destas crianças e adolescentes. Parte
importante disso é a desconstrução dos papéis de gênero, ainda profundamente
tradicionalizados dentro do âmbito familiar e cultural, revendo o lugar ocupado hoje pelas
mulheres e homens nas famílias, no trabalho e na sociedade.
Em alguns casos também é necessário o trabalho de combate a todas as formas de
discriminação étnico-racial presentes na sociedade brasileira, pois estas têm influenciado e
permeado, em função do exotismo de outras representações sociais construídas neste
âmbito relacional, as redes de abuso e exploração sexual.
Nesta sociedade profundamente desigual, como a brasileira, não é possível mais reforçar a
argumentação de que seria a pobreza a maior ou a única justificativa para qualquer forma
de abuso ou mesmo exploração comercial de crianças e adolescentes, principalmente no
trabalho. O direito igual a uma saudável convivência familiar e o acesso a patamares de
excelência na educação são basilares para a proteção integral à criança e ao adolescente.
47
Na figura abaixo é possível identificar um detalhamento dos atores e respectivos interesses
envolvidos no processo de exploração sexual.
Figura 4: Detalhamento dos Elementos/Agentes e Interesses principais envolvidos na
situação da Exploração Sexual
Fonte: Elaboração Própria, Pesquisa de Avaliação Qualitativa do Programa Sentinela, DCP/MDS, 2006.
As pessoas vitimizadas pela exploração sexual, ainda que possam obter em troca algum
dinheiro, deixam de exercer a sua autonomia, o direito sobre si, a decisão sobre seu próprio
corpo e seu destino, com conseqüências sérias sobre seu equilíbrio psicossocial, saúde e
educação. Um dos mecanismos é o constante aumento de sua dívida para com o
explorador, o que (re)coloca os/as vitimizados/as um posição e clara opressão e
subalternidade.
De forma sucinta, a exploração sexual de crianças e adolescentes:
48
•
Não é uma ação isolada ela, geralmente, envolve mais do que duas pessoas, senão um
intenso processo de interação (redes de exploração), pelo menos no sentido de mais de
um adulto fará uso do explorado, seja uso físico ou dos recursos advindos do processo;
•
É um fenômeno, comumente mais visível, já que deve ser dado a conhecer àqueles que
farão uso, de alguma forma, dos serviços do/a vitimizado/a;
•
No caso da exploração, a questão econômica pode ser considerada como um
determinante bastante importante, mas não o único;
•
Tem aumentado, não somente no Brasil, mas também no mundo como um todo,
constituindo-se numa preocupação para vários países. Uma das razões desse aumento é
a associação dessa exploração com o crime organizado, não ficando restrito aos limites
das fronteiras de cada país.
Devido a especificidades desses fenômenos sociais, não é possível tratá-los da mesma
forma e nem ter a pretensão de que os instrumentos que se prestam ao seu enfrentamento
ou combate servirão indistintamente e de forma eficaz o abuso e a exploração sexual. Estes
são fenômenos que podem vir associados, mas que pertencem a dinâmicas sociais de
naturezas bastante distintas.
Conforme já assinalado acima, a real extensão desse tipo de violência é de difícil
dimensionamento em decorrência dos diversos fatores que conferem invisibilidade ao
fenômeno, tais como a subnotificação dos casos de abuso sexual (Biheler, 2002; Lalor,
2004 a; Polanczyk et al., 2003; Suarez-Sola e Gonzalez Delgado, 2003b; Barros, 2004;
Koshima, 1999; Santos, 1998), as diferenças culturais (Korbin, 2002; Lalor, 2004a; Islam e
Islam, 2003) e de legislação, bem como a conduta dos profissionais (peritos-legistas,
médicos, assistentes sociais, autoridades policiais e judiciárias) envolvidos, que não raro
resulta em diagnósticos e análises enviesados (Paiva, 2000; Herman, 2005; Santos, 1998).
A escassez e a irregularidade dos serviços de assistência social, o amparo jurídico-legal
limitado oferecido às vítimas (Crisma et al., 2004) e a dificuldade de acompanhamento dos
casos registrados (Gomes, 1998; Polanczyk et al., 2003) concorrem para que o assunto
permaneça pouco conhecido. Chama à atenção a carência de informações existentes sobre
as ocorrências e os atendimentos – aspecto analisado, a seguir, no contexto das regiões de
expansão do PAIR-MINAS -, especialmente os registros especializados previstos em casos
49
de violências sexuais infanto-juvenil, tais como os contidos nos laudos de exame médicolegal, nos boletins de ocorrência e relatórios médicos. Outros agravantes dizem respeito à
ausência de uniformidade dos termos empregados para designar o fenômeno e a expressiva
ausência de dados sobre o agressor. O fato alerta para a necessidade de um atendimento
contextualizado, no qual a atenção profissional individualizada deveria ceder espaço à
implantação de uma rede que acolhe, trata, age e pensa de forma integrada.
Por um diagnóstico da violência sexual infanto-juvenil:
subsidiando a rede de ações de enfrentamento à violência
sexual em Minas Gerais
Uma caracterização da violência sexual infanto-juvenil exige grande esforço dos
pesquisadores que a ela se dedicam, uma vez que: a) há escassez de diagnósticos
disponíveis (e mesmo de dados confiáveis) sobre o tema, e b) a já citada ocorrência, em
patamares expressivos, de subnotificação dos registros relacionados a esse tipo específico
de violência. Segundo Moutinho e Sampaio (2005):
“Os principais fatores que costumam ser apontados como aqueles que
contribuem para o sub-registro são: tipo de crime; visão da vítima sobre a
polícia e a sua capacidade de resolver conflitos; experiência anterior da
vítima com a polícia; seleção de tipos e tratamentos que os variados
crimes recebem dos sistemas policial e judiciário; grau e tipo de
relacionamento da vítima com o agressor.” (Moutinho e Sampaio,
2005:15).
A violência sexual contra crianças e adolescentes se caracteriza pela proximidade entre
vítima e agressor (especialmente nos casos de abuso sexual)38 e dizem respeito a crimes
que causam constrangimento às vítimas (Aded et al., 2006). Ademais, além da
subnotificação dos registros, as pesquisas relacionadas a esse tema têm de enfrentar a
inexistência de bases de dados informatizadas e a falta de sistematização das informações
disponíveis no âmbito nacional (Moutinho e Sampaio, 2005:23).
38
Nas seções que se seguem serão apresentados dados fornecidos pelo CREAS a respeito da caracterização
das vítimas e dos agressores, a partir dos atendimentos realizados nesse equipamento em municípios
beneficiados pela expansão do PAIR-MINAS,
50
Pode-se entender essa forma de violência como um processo de violação de direitos que
engloba tanto as situações de abuso sexual intra e extrafamiliar que se caracterizam como
não possuindo um caráter comercial, como as situações de exploração sexual, nas quais a
dimensão mercantil está nitidamente presente.
Apesar de a sociedade ressaltar a importância da família, historicamente sua organização
não se fez sob os princípios fundamentais de respeito à pessoa humana, configurando-se
como um espaço da hierarquia e da subordinação caracterizado pelo domínio dos homens
sobre as mulheres e de adultos sobre as crianças. A violência interpessoal de caráter sexual
contra crianças e adolescentes, nesse sentido, é uma violação de direitos humanos, sexuais
e dos direitos particulares de pessoa em desenvolvimento. A violência sexual intrafamiliar
constitui uma violação ao direito de uma convivência familiar protetora e uma
ultrapassagem dos limites estabelecidos pelas regras sociais, culturais e familiares.
A violência - que no cotidiano familiar é apresentada como abuso sexual, psicológico ou
mesmo a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes - configura-se a partir das
complexidades e sutilezas envolvidas no exercício do poder no contexto intrafamiliar.
Segundo Faleiros (1997),
“Esta violência, manifesta, concretamente, uma relação de poder que se
exerce pelo adulto ou mesmo não adulto, porém mais forte, sobre a
criança e o adolescente num processo de apropriação e dominação não só
do destino, do discernimento e da decisão livre destes, mas de sua pessoa
enquanto outro. Esse uso (chamado abuso) do poder da força é, de fato,
uma profunda desestruturação de uma relação de poder legitimado pelo
direito e pelo diálogo, pela autoridade da maiêutica na dinâmica de
ensino/ aprendizagem mútua vivida no questionamento comum do
mundo e na construção da autoridade legítima” (Faleiros,1997:6).
Este tipo de violência, em especial, está enredado por uma trama social onde o que
predomina é uma perversa cultura do silêncio. Algumas das pesquisas39 (Faleiros, 1995,
1997), neste campo ainda pouco investigado, tendem a destacar determinados aspectos que
estão associados ao fenômeno do abuso intrafamiliar. Entre eles:
39
Pryor traz o resumo de 10 estudos recentes sobre o abuso sexual. In PRYOR, Douglas. Unspeakable acts.
Why men sexually abuse children. New York, New York University Press, 1996.
51
A) O segredo familiar. O problema da violência intrafamiliar está envolto em relações
complexas da e na família, pois os agressores são quase sempre parentes ou pessoas
muito próximas das vítimas, vinculando sua ação, ao mesmo tempo, à sedução e à
ameaça.
A violência se manifesta pelo envolvimento dos atores na relação
consangüínea, frequentemente para proteção da “honra” do abusador, para
preservação do provedor e tem contado, muitas vezes, com a complacência de
outros membros da família, que nesse caso;
B) As crianças e adolescentes vitimizadas40 são traumatizadas pelo medo, pela
vergonha e até mesmo pelo terror. É recorrente que as mesmas tendam a reprimir
ou evitar falar do assunto, mas sofrem com freqüência sintomas de depressão,
descontrole emocional, anorexia, dificuldades nos estudos, problemas de
concentração, digestivos, fobias e da sensação de estar sujo. Há, em casos mais
graves, tentativas de suicídio ligadas ao trauma;
C) A reincidência. Os abusadores são quase sempre reincidentes; não se limitam a
episódios únicos ou isolados de violação, seja da família ou fora dela. Exemplo
disso são os pedófilos;
D) A repetição da violência. As pessoas vitimizadas podem desenvolver a tendência a
repetir a violência, desta vez com outras pessoas, da mesma forma como foram
vitimizadas;
E) A presença da violência em todos os segmentos sociais.
Pesquisas revelam
inexistir um perfil específico para as crianças que sofrem este tipo de violência,
sendo mais freqüente a existência de um número maior de denúncias de famílias
pobres. Mas a pobreza não pode ser considerada causa de abuso, e sim uma
situação de vulnerabilidade e de risco maiores ao propiciar a possibilidade da
experiência da falta de alojamento adequado, de frustrações em relação à miséria,
do desemprego, do analfabetismo, do alcoolismo, da falta de uma cultura do
diálogo com as crianças;
F) As crianças e adolescentes podem ser vitimizados em qualquer idade, mas as
reações e os traumas são diferenciados de acordo com a idade em que o abuso foi
iniciado. É igualmente diferenciada a capacidade da criança ou adolescente de
40
Usamos a expressão “vitimizado/a” ao invés de vítima por reconhecer no sujeito capacidade de
compreensão e reação de uma ou outra forma. Trata-se de um sujeito vitimizado e não de um objeto-vítima.
52
reagir, contar, resistir e do apoio que venha a receber. Não se pode definir um
padrão único de abuso41;
G) A impunidade do abusador. O abusador é, muitas vezes, “perdoado” pela família e,
em determinados caso, até pela sociedade por razões culturais, patriarcais e
autoritárias;
H) “Fuga da casa”. É freqüente, em depoimentos de meninos e meninas de rua, a
constatação de que a fuga da casa foi motivada por agressões e abusos físicos e/ou
sexuais;
I) A necessidade, em alguns casos, de atendimento terapêutico e quase de
acompanhamento em formato multiprofissional ou interdisciplinar, tendo em vista
a complexidade do problema.
A violência que está presente na exploração sexual e comercial contra crianças e
adolescentes, por sua vez é, infelizmente, um problema de escala mundial. “Por ser ilegal,
clandestina e em grande parte doméstica, é uma questão ainda pouco visível e difícil de ser
qualificada. O mais freqüente tipo de violência a que estão sujeitas crianças e adolescentes
é aquele denominado estrutural, em função da precária situação sócio-econômica das
famílias das quais grande parte das crianças e adolescentes se originam” (Relatório de
Viabilidade – MDS, p.5/6). Mas esta é apenas uma face nem sempre visível das múltiplas
faces da violência que acometem as unidades familiares no Brasil.
Segundo o Relatório de Viabilidade produzido pelo Ministério de Desenvolvimento Social
e Combate à Fome, a exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes é:
“(...) um fenômeno complexo e de difícil enfrentamento, inserido num
contexto histórico-social de violência endêmica e com profundas raízes
culturais. Foi apenas na década de 90, com a aprovação do Estatuto da
Criança e do Adolescente, que esses passaram no Brasil a ser
juridicamente considerados sujeitos de direitos, e não mais menores
incapazes, objetos de tutela, de obediência e de submissão. Essa ruptura
com antigos padrões societários representa um importante avanço
civilizatório – o dos direitos humanos. A construção de novas relações
adultos-jovens, baseada em relações afetivas, de proteção e de
socialização, implica em denúncia e responsabilização dos violadores
41
Ver, por exemplo, HAESEVOETS, Yves-Hiram. “Symptomatologie particulière des enfants victimes
d’inceste” in Les Politiques Sociales 55(1&2):51-57, Mons, 1996.
53
desses direitos (...).A realidade tem demonstrado que uma das situações
mais graves e freqüentes de exclusão, vulnerabilidade e risco social, em
que estão envolvidas crianças e adolescentes, é a de abuso e exploração
sexual comercial.(...) Por conta dos fatores sócio-econômicos, étnicos,
intergeracionais e culturais, o abuso e a exploração sexual comercial não
são de fácil percepção e quantificação” (p.7).
O desmonte dessa violência e a construção de uma cultura amorosa da criança e de
garantia de seus direitos na sociedade implicam em denunciar permanentemente a quebra
do respeito e da proteção social. Esse desmonte também implica em coibir os abusos,
enfrentar as ameaças e revelar os “segredos”, protegendo neste difícil caminho as crianças
e as testemunhas.
As políticas sociais de intervenção, neste campo delicado, não podem se restringir
exclusivamente ao binômio denúncia-repressão. A garantia de direitos e promoção de
políticas consistentes de proteção social – em seus componentes de prevenção e
atendimento – são aspectos centrais para a construção de um novo marco referencial de
ação pública voltada para o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. Isto,
obviamente, implica também num maior acesso das famílias brasileiras a todas as políticas
sociais básicas como educação, saúde, habitação, lazer e renda mínima, de forma a garantir
uma atenção integrada a tais públicos, como será discutido adiante.
Cabe destacar ainda a importância de novas abordagens da sexualidade, assegurando à
criança seu direito à autonomia, à aprendizagem, a desenvolver saudavelmente a
apropriação do seu próprio corpo, numa sociedade e num Estado de direitos efetivamente
consolidados.
A garantia dos direitos de crianças e adolescentes requer instituições de Estado capazes de
dotar de direcionalidade as ações voltadas para os grupos de crianças e adolescentes no
Brasil em situação de maior vulnerabilidade ao abuso e à exploração sexual e comercial e
ampliar a capilaridade de suas ações mediante o fortalecimento das redes de
enfrentamento. Outro aspecto central é o fortalecimento das capacidades institucionais do
sistema de garantia de direitos de forma a que a responsabilização dos agressores atue, de
fato, com um dos pilares da política de enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil.
54
Desmontar a violência sexual intra e extrafamiliar contra as crianças e adolescentes no
Brasil implica, não apenas, em denunciar, contar o número de vítimas e encaminhá-las para
os serviços competentes, numa circulação, do tipo “pingue-pongue”, dos profissionais no
interior do sistema mais imediato em que atua. É importante reconhecer que esse tipo de
violência, hoje, atravessa diferentes fronteiras, inclusive os limites dos Estados nacionais,
conformando-se rápida e instantaneamente em uma estrutura de rede muito bem articulada
e administrada.
Os esforços e as possibilidades de enfrentamento do problema da ESCCA no Brasil
requerem, portanto, novas modalidades de ação pública, destacando-se a configuração de
redes de proteção e enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil, como proposto por
programas como o PAIR.
Nesse contexto, o presente trabalho caracteriza os municípios da área de expansão do
PAIR-MINAS no tange ao quadro de violência e de criminalidade observada, e em
seguida, aborda o fenômeno da violência sexual infanto-juvenil. Além disso, esse trabalho
apresenta um esforço de caracterização da rede de vigilância sócio-assistencial e dos
órgãos do sistema de garantia de direitos, de modo a fomentar a articulação entre esses,
garantindo, assim, estratégias mais eficazes de enfrentamento à violência sexual contra
crianças e adolescentes.
55
Metodologia
A elaboração do diagnóstico consistiu no levantamento, sistematização e análise de
informações secundárias sobre as características socioeconômicas e demográficas das
populações residentes, sobre a configuração do fenômeno da violência sexual infantojuvenil e da rede de proteção à criança e ao adolescente na área de expansão do PAIR
Minas.
A estrutura do diagnóstico obedece a um recorte regional, adotando-se como marco
referencial as mesorregiões geográficas e o porte populacional dos municípios. Esse
marco possibilita a identificação de especificidades relacionadas à matriz de riscos e
vulnerabilidades sociais, ao fenômeno da violência sexual infanto-juvenil e à rede de
proteção potencial no âmbito municipal, ao mesmo tempo em que permite o
estabelecimento de vínculos com as estruturas de desigualdades socioterritoriais
presentes no espaço regional.
Essa escolha metodológica justifica-se por duas razões principais. Em primeiro lugar, a
regionalização dos riscos e das ocorrências de violência sexual infanto-juvenil foi um
dos aspectos considerados na definição da área de expansão do PAIR Minas, sendo foco
da atenção os riscos e vulnerabilidades sociais configuradas territorialmente. Em
segundo, a regionalização das políticas sociais é hoje uma das estratégias centrais para
ampliar a efetividade das ações e serviços governamentais, incluindo aqueles voltados
para o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. Esse aspecto é de especial
importância no contexto do PAIR na medida em as políticas voltadas para a proteção às
crianças e adolescentes veem adotando modalidades regionalizadas de oferta de
serviços, como é o caso da Assistência Social, da saúde e do Sistema de Garantia de
Direitos.
O atual projeto de expansão do PAIR abrange 04 (quatro) mesorregiões e 07 (sete)
microrregiões do estado de Minas Gerais. As variações entre as regiões, relativamente
ao número de municípios e população atingida pela expansão do PAIR, reiteram a
importância de um diagnóstico baseado em um recorte regional, ainda que desagregado
no nível municipal.
Tabela 1: Área total de Minas Gerais e das mesorregiões geográficas dos
municípios beneficiados pelo projeto de expansão do PAIR Minas, 2000.
MESORREGIÃO
GEOGRÁFICA
ÁREA DA MESORREGIÃO GEOGRÁFICA
(Km²)
Jequitinhonha
50.598,9
Vale do Mucuri
19.728,5
Vale do Rio Doce
41.809,1
Metropolitana de Belo Horizonte
39.508,9
Minas Gerais
526.528,293
Fonte: IBGE – SIDRA, Dados de 2000.
A área de expansão do PAIR inclui 40 (municípios) e está territorialmente concentrada,
principalmente, em duas mesorregiões, o Vale do Mucuri e o Vale do Jequitinhonha. Na
primeira, o projeto atingirá 14 municípios, o que representa 60,9% do total e 81,9% da
sua população residente. No Vale do Jequitinhonha, está prevista a expansão do
programa para 15 municípios (29,4%) que abrangem 42,6% da população. A
mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte será beneficiada com a inclusão de
apenas 7,6% de seus municípios, mas a expansão atingirá 32% da população residente,
pois serão incluídos municípios de grande porte42. Na mesorregião Vale do Rio Doce
serão beneficiados 03 (três) municípios, que representam 2% da população residente.
Tabela 2: Municípios e população beneficiada pela expansão do PAIR Minas
2008/2009 – UFMG/SEDESE/AMAS
UNIDADES TERRITORIAIS
MESORREGIAO
Vale do Mucuri
MICRORREGIAO
Teófilo Otoni
Nanuque
Vale do Rio Doce
Governador Valadares
Jequitinhonha
Araçuaí
Pedra Azul
Almenara
Metropolitana
de Belo Horizonte
ÁREA DE ABRANGÊNCIA DA EXPANSÃO
PAIR-MINAS
MUNICÍPIOS
Beneficiados
Total
(N)
(%)
14
60,9
10
76,9
04
40,0
03
02.9
03
12,0
15
29,4
06
75,0
05
100,0
04
25,0
POPULAÇÃO
Beneficiada
Total
(N)
(%)
308.443
81,9
220.461
85,4
87.982
74,2
30.283
1,9
30.283
07,3
296.147
42,6
131.627
85,0
84.313
100,0
80.207
45,6
08
07,6
2.011.070
32,1
08
33,3
2.011.070
41,6
MINAS GERAIS
40
4,7
2.645.943
13,7
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE – Contagem da População 2007.
Belo Horizonte
Nas regiões do Vale do Mucuri e Vale do Jequitinhonha o número expressivo de
municípios incluídos nessa fase de expansão do PAIR Minas pode atuar como elemento
42
Cabe destacar que o PAIR já está implantado no município de Belo Horizonte, que abrange 50%
da população desta mesorregião.
57
importante para a capilarização do Programa no espaço regional. Cabe destacar, no
entanto, que é importante considerar que o efeito potencial dessa capilaridade para o
enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil depende da capacidade de
organização e oferta de ações e serviços relativos aos seis eixos estratégicos definidos
no Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil43 no âmbito
desses territórios.
Nessa direção, um parâmetro importante é o porte dos municípios beneficiados pela
expansão do PAIR Minas. A diferenciação dos municípios com base nesse critério é
hoje adotada pela política de Assistência Social como elemento norteador na
caracterização do perfil e volume de demandas por ações socioassistenciais, bem como
da capacidade de oferta desses serviços por parte dos municípios. No contexto da
política nacional de Assistência Social, o porte populacional dos municípios é uma
variável crítica tanto para o mapeamento de matrizes de riscos e vulnerabilidades sociais
quanto para a definição de estratégias de organização e hierarquização dos serviços
socioassistenciais44.
Conforme apresentado na tabela abaixo, os municípios beneficiados com a expansão do
PAIR Minas são, predominantemente, de pequeno porte, sendo que 50% deles têm uma
população de até 20.000 habitantes (Pequeno I) e 25% com até 50.000 habitantes
(Pequeno II). Estes municípios estão distribuídos nas mesorregiões Vale do Mucuri, do
Jequitinhonha e do Rio Doce. Do total de 10 municípios de médio porte e grande, 08
estão localizados na região Metropolitana de Belo Horizonte.
43
Esses eixos são: análise da situação, mobilização e articulação, defesa e responsabilização, atendimento,
prevenção e protagonismo infanto-juvenil. SEDH,MJ, 2000.
44
A metodologia utilizada pela Política Nacional de Assistência Social distingue o porte populacional dos
municípios em cinco categorias: Municípios pequenos I: população até 20.000 habitantes; municípios
pequenos II: população entre 20.001 a 50.000 habitantes; municípios médios: população entre 50.001 a
100.000 habitantes; municípios grandes: população entre 100.001 a 900.000 habitantes; metrópoles:
população superior a 900.000 habitantes. Segundo a PNAS “a referida classificação tem o propósito de
instituir o Sistema Único de Assistência Social, identificando as ações de proteção básica de atendimento
que devem ser prestadas na totalidade dos municípios brasileiros e as ações de proteção social especial, de
média e alta complexidade, que devem ser estruturadas pelos municípios de médio, grande porte e
metrópoles, bem como pela esfera estadual, por prestação direta como referência regional ou pelo
assessoramento técnico e financeiro na constituição de consórcios intermunicipais. Levar-se-á em conta,
para tanto, a realidade local, regional, o porte, a capacidade gerencial e de arrecadação dos municípios, e
o aprimoramento dos instrumentos de gestão” (PNAS, 2004:40)
58
Tabela 3: Municípios da área de expansão do PAIR-MINAS segundo a
mesorregião e porte populacional
PORTE POPULACIONAL DO MUNICÍPIO
MESORREGIÃO
Pequeno I
Pequeno II
Vale do Mucuri
Vale do Jequitinhonha
Vale do Rio Doce
Metropolitana de Belo Horizonte
Médio
Grande
11
01
01
01
07
08
02
01
01
07
20
10
02
08
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE – Contagem da População 2007.
Metrópole
Total
-
15
03
08
40
14
O número expressivo de municípios de pequeno porte (I e II) e a concentração dos
mesmos em determinadas regiões reforçaram a importância de caracterização do espaço
regional em relação ao perfil de demandas e ao potencial de oferta de serviços
socioassistenciais. Esses serviços são estratégicos para o enfrentamento da violência
sexual contra crianças e adolescentes, particularmente para prover atenções
especializadas, incluindo o atendimento psicoassistencial e jurídico às vítimas e suas
famílias em casos de risco ou de violação de direitos. Atualmente, a provisão dessas
atenções é assegurada mediante um modelo de proteção social hierarquizado (básica e
especial), operacionalizado a partir de estratégias de regionalização de serviços45,
notadamente aqueles de média e alta complexidade, incluindo aqueles destinados às
vítimas de violência sexual infanto-juvenil.
A operacionalização dessa escolha metodológica – o recorte regional com foco na
matriz de riscos e vulnerabilidades e na rede de proteção existente – resultou na
organização do diagnóstico em quatro eixos: (1) a base territorial da área de expansão
do PAIR Minas; (2) caracterização sócio-demográfica; (3) violência sexual infantojuvenil e (4) a rede de proteção social e de enfrentamento à violência sexual infantojuvenil.
O primeiro eixo do diagnóstico caracteriza os territórios beneficiados pela expansão do
PAIR Minas, relativamente às especificidades desses espaços no âmbito municipal e
estadual. A caracterização e a territorizalização da matriz de riscos e vulnerabilidades à
exploração sexual infanto-juvenil foi uma das principais estratégias das primeiras
iniciativas de enfrentamento à exploração sexual infanto-juvenil no país. O primeiro
45
A “hierarquização da rede pela complexidade dos serviços e abrangência territorial de sua
capacidade em face da demanda” é um dos parâmetros de organização da rede socioassistencial previstos
pelo Sistema Único de Assistência Social (NOB-SUAS, 2005:23).
59
programa de combate à ESCCA implantado em escala nacional, o programa Sentinela,
utilizou como critérios de focalização de suas ações a presença de um conjunto de riscos
e vulnerabilidades vinculados às condições socioterritoriais do município46. Segundo
essa estratégia, as seguintes características dos municípios foram identificadas como
fatores de risco à ESCCA: proximidade às rodovias, presença de garimpos, presença de
aldeias indígenas, localização em regiões ribeirinhas ou portuárias, a realização de obras
de grande impacto, extensão da atividade de turismo, localização em região de fronteira.
Dentre os fatores de risco, alguns assumem maior centralidade para a definição de
estratégias de enfrentamento da violência infanto-juvenil por não serem temporários ou
transitórios, sendo, ao contrário, aspectos estruturadores dos territórios e da extensão e
complexidade da matriz de riscos ali presente.
A caracterização dos territórios foi realizada de forma a identificar a presença desses
fatores de riscos e associar a sua presença à ocorrência de eventos de violência sexual
infanto-juvenil nas mesorregiões consideradas.
O segundo eixo caracteriza os territórios em relação aos aspectos sociodemográficos,
com foco na presença de população mais vulnerável à violência sexual contra crianças e
adolescentes. Ainda que não pretenda estabelecer relações de causalidade entre os
fenômenos tratados, o diagnóstico fornece um painel relativamente amplo de
informações sobre a infra-estrutura econômica dos municípios, a (in)segurança de renda
dos diferentes segmentos populacionais e as vulnerabilidades sociais passíveis de serem
associadas aos perfis dos grupos familiares.
O eixo seguinte, sobre a violência sexual infanto-juvenil organiza as informações
disponíveis sobre o fenômeno no contexto das ocorrências de criminalidade e das
violências acometidas contra crianças e adolescentes, configuradas em cada território.
Cabe ressaltar, o caráter aproximado do quadro que emerge dos indicadores analisados,
em especial, por se tratar de uma área ainda afetada pela subnotificação dos eventos e,
em conseqüência, um dimensionamento do fenômeno subestimado. O uso, nesse caso,
de estatísticas oficiais e de estudos especiais certamente limita o dimensionamento do
46
Programa iniciado em 2001, atualmente foi reorganizado, no âmbito da rede socioassistencial, como
serviço prestado pelos Centros de Referência Especializados de Assistência Social, como serviço de
média complexidade denominado Proteção Social às Crianças e aos Adolescentes Vítimas de Violência,
Abuso e Exploração Sexual e suas Famílias.
60
fenômeno apresentado pela restrição dos dados e inexistência de séries temporais de
dados sobre essa temática. Essa restrição reflete a saliência ainda recente do tema na
agenda pública e as condições limitadas de responsabilização dos violadores de direitos,
associadas à incipiência e fragilidade institucional do sistema de garantia de direitos na
maioria dos municípios.
No último eixo, são abordadas as configurações das redes de proteção47 e de
enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil existente nos municípios. A
caracterização da primeira rede dimensiona a infra-estrutura instalada, relativamente a
programas e serviços estratégicos para o enfrentamento dessa violência, fornecendo à
Comissão Operativa Local um quadro dos recursos e insumos disponíveis no nível
municipal e regional, bem como dos agentes cujas ações são relevantes para a
materialização do PAIR Minas. A configuração da rede de enfrentamento é focalizada a
partir da identificação de agentes governamentais e da sociedade civil, atuantes em
diferentes ambientes institucionais e áreas de políticas.
As informações foram coletadas junto a diversas fontes de informação, incluindo órgãos
oficiais de estatísticas, órgãos gestores de políticas públicas, centros de pesquisa e
universidades.
Um aspecto importante é que a estrutura do diagnóstico é compatível e complementar
aquela adotada no Sistema de monitoramento e avaliação do Projeto PAIR Minas.
Dados os limites de elaboração do diagnóstico com base em informações secundárias
sobre uma temática cujas estatísticas são ainda recentes e limitadas, as conclusões
apresentadas devem ser complementadas e atualizadas pelas informações produzidas
pela primeira coleta de dados do Sistema, que será a linha de base para avaliação do
programa48. Os indicadores do presente diagnóstico e aqueles incluídos no Sistema de
Monitoramento e avaliação do PAIR Minas são similares e complementares, permitindo
à Comissão local definir estratégias de ação adequadas ao cenário diagnosticado e
acompanhar os impactos das mesmas ao longo do ciclo de implantação do projeto.
47
Conforme previsto na Lei 8069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente.
48
A linha de base consiste no levantamento e caracterização da área de problema em questão antes da
intervenção do Programa, no caso, o PAIR. Segundo o cronograma do projeto, a construção dessa linha
de base ocorrerá a partir da adesão dos municípios ao PAIR, prevista para abril de 2009.
61
Expansão do PAIR-MINAS na mesorregião do Vale
do Mucuri e Vale do Rio Doce
Base territorial do PAIR
O objetivo dessa seção é caracterizar as estruturas socioterritoriais dos municípios
beneficiados com a expansão do PAIR-MINAS nas regiões do Vale do Mucuri e do
Vale do Rio Doce em relação aos fatores de risco e vulnerabilidade à violência sexual
infanto-juvenil. Nas mesorregiões do Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce o projeto de
expansão do PAIR-MINAS prevê a inclusão, respectivamente de 14 (quatorze) e 03
(três) municípios, num total de 17 municípios beneficiados.
A caracterização desses espaços territoriais constitui-se em elemento importante para o
dimensionamento do fenômeno, para a compreensão de sua configuração e dinâmica no
espaço regional e local. Um primeiro aspecto a ser considerado na caracterização
socioterritorial da matriz de riscos e vulnerabilidades de crianças e adolescentes à
violência sexual é o porte populacional dos municípios.
No contexto de políticas públicas que crescentemente adotam o critério populacional
para fins de alocação de recursos públicos e equipamentos públicos, de hierarquização e
regionalização de serviços e programas, é importante avaliar a configuração espacial
dos territórios beneficiados pelo PAIR em relação a esse aspecto. A expansão do PAIR
Minas no Vale do Mucuri atingirá 14 (quatorze) municípios, o que representa 60,9% do
total de municípios nessa mesorregião. Do ponto de vista da dispersão territorial,
observa-se uma concentração espacial na microrregião de Teófilo Otoni, onde 10
municípios serão beneficiados. Quanto ao porte populacional, os municípios são,
predominantemente, de pequeno porte, sendo 11 (onze) deles caracterizados como de
pequeno porte I, conforme tabela abaixo.
Na mesorregião do Vale do Rio Doce, a implantação do programa está prevista para 03
(três) municípios, sendo 02 (dois) de pequeno porte I e 01 (um) de pequeno porte II.
Essa expansão representará a inclusão de 2,9% do total de 102 municípios. A expansão
do programa concentra-se na microrregião de Governador Valadares.
62
A predominância de pequenos municípios entre os beneficiados deve ser objeto de
atenção na definição das estratégias de ação do PAIR Minas no âmbito local e regional,
pois tem implicações importantes na configuração das redes de serviços públicos e a
presença de instituições de governo, com será discutida na seção relativa à infraestrutura relacionada à rede de serviços sociais.
Tabela 4: Distribuição dos municípios das mesorregiões do Vale do Mucuri e do
Vale do Rio Doce segundo o porte populacional – 2007
MESORREGIÃO GEOGRÁFICA
PORTE
POPULACIONAL VALE DO MUCURI
VALE DO RIO DOCE
Grande
Teófilo Otoni
Médio
Nanuque
Pequeno II
Carlos Chagas
Itambacuri
Pequeno I
Águas Formosas
Campanário
Ataléia
Pescador
Catuji
Franciscópolis
Frei Gaspar
Itaipé
Ladainha
Novo Oriente de Minas
Ouro Verde de Minas
Pote
Serra dos Aimorés
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE, 2007.
Estudos chamaram a atenção para a interiorização da violência sexual de crianças e
adolescentes, particularmente devido à presença de fatores que podem ser associados ao
crescimento das ocorrências em municípios menores e localizados nas diferentes regiões
do país49. Dentre os fatores de risco, alguns assumem maior centralidade para a
definição de estratégias de ações voltadas para o combate a esse tipo de violência
devido ao fato de não serem temporários, constituindo em elementos estruturadores dos
territórios e da extensão e complexidade da matriz de riscos ali presente. A localização
dos municípios nas proximidades de rodovias, a presença de garimpos e de aldeias
indígenas, o fato de situar-se em áreas litorâneas, ribeirinhas ou em regiões de fronteira
são alguns desses fatores.
Em avaliação recente do “Programa Sentinela”, Matos et. al. (2007) argumentaram, no
entanto, que esses fatores são preditores importantes da exploração sexual, mas não dos
eventos de abuso sexual de crianças e adolescentes. Em atenção a esse aspecto, a
49
Matriz intersetorial de enfrentamento da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, 2004.
63
discussão que se segue abordará, inicialmente, a presença daqueles fatores de risco e, na
sequência, discutirá aspectos relacionados à vulnerabilidade social de certos segmentos
sociais e grupos familiares.
Mapa 1: Municípios da área de expansão do PAIR nas mesorregiões do Vale do
Mucuri e Rio Doce. Minas Gerais, 2008.
Fonte: Elaboração própria.
A metodologia de expansão do PAIR Minas adotou a proximidade de rodovias como
critério de seleção dos municípios a serem beneficiados. Diagnósticos sobre a violência
sexual infanto-juvenil mostram que nos municípios próximos a rodovias e a
entroncamentos rodoviários há uma concentração de pontos vulneráveis à exploração
sexual de crianças e adolescentes. O Guia para Localização de Pontos Vulneráveis à
Exploração Sexual Infanto-juvenil ao longo das Rodovias Federais Brasileiras 2007
identifica esses pontos com base na presença de “estacionamentos de caminhões,
balneários, lojas, paradas de ônibus, lanchonetes, hotéis, borracharias, clubes, postos de
caixa eletrônico, povoados, vilarejos, trevos e rotatórias nas estradas, festas freqüentes,
praças, casas particulares, viadutos ou pontos espalhados ao longo das estradas”
(2007:14). Estudos demonstram que a existência de uma infra-estrutura destinada aos
64
viajantes acaba também servindo à ocorrência do fenômeno da exploração sexual
infanto-juvenil já que é, geralmente, nesses pontos de parada, que o fenômeno ocorre. 50
Minas Gerais ocupa posição destacada dentro da malha rodoviária nacional uma vez que
a maioria das rodovias federais corta o território estadual, totalizando 14.158,9
quilômetros de rodovias. Além disso, a “malha rodoviária conta ainda com 13.218,6 km
de rodovias estaduais, 3.427,2 km de rodovias estaduais transitórias e 239.249,4 km de
rodovias municipais, perfazendo um total de 270.053,8 km de rodovia” (Guia para a
Localização dos Pontos Vulneráveis à Exploração Sexual Infanto-Juvenil ao Longo das
Rodovias Federais Brasileiras, 2007). Essa extensão da malha rodoviária do estado
merece destaque na medida em que Minas Gerais ocupou o primeiro lugar em número
de pontos vulneráveis à exploração sexual infanto-juvenil no país segundo estudo da
Polícia Federal em 2007 (idem, 2007).
Em se tratando dos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas nas regiões
do Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce, a existência de pontos vulneráveis a exploração
sexual em duas rodovias federais (BR-116 e a BR-418) se apresenta como um dos
principais fatores de risco presentes nessa área.
A BR-116 é a principal rodovia brasileira e corta o Brasil de Norte-Sul, tendo início na
cidade de Fortaleza no estado do Ceará e término na cidade de Jaguarão no estado do
Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai. Em Minas Gerais, a rodovia se inicia no
município de Divisa Alegre, na divisa com a Bahia e termina em Além Paraíba, na
divisa com o Rio de Janeiro.
A presença dessa rodovia é identificada com um dos fatores responsáveis pela
regionalização do fenômeno da exploração e abuso sexual contra crianças e
adolescentes Diagnóstico realizado pelo Centro de Estudos de Criminalidade e
Segurança Pública (CRISP/UFMG), o Programa Pólos de Cidadania (Pólos/UFMG) e a
Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), no ano de 2007 no âmbito da
50
Diagnósticos realizados pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP/UFMG),
pelo Programa Pólos de Cidadania (Pólos/UFMG) e pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM).
65
expansão do PAIR Minas, mostrou que a BR-116 se constitui um fator de risco
permanente em relação ao fenômeno da exploração sexual infanto-juvenil. 51
Os municípios beneficiados pela expansão do PAIR localizam-se em uma área de
confluência de rodovias importantes e de grande centralidade para a circulação de
veículos e transporte de cargas do país. 04 (quatro) municípios beneficiados pela
expansão do PAIR Minas nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce –
Teófilo Otoni, Campanário, Itambacuri e Catuji – são atravessados pela BR-116.
Teófilo Otoni se situa em um encontro de rodovias (BR-116 e as rodovias estaduais
418, 217 e 342). Catuji se situa no encontro da BR-116 com a rodovia estadual 342 e
Campanário no encontro da BR-116 com a rodovia estadual 311.
Mapa 2: Malha rodoviária da área de expansão do PAIR-MINAS nas
mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce
Fonte: Elaboração própria.
51
PROJETO PAIR/MG - Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil em
Minas Gerais – DIAGNÓSTICO Teófilo Otoni - Secretaria Especial de Direitos Humanos, Universidade Federal de Minas Gerais Pró-Reitoria de Extensão, Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública, Programa Pólos de Cidadania - Agosto de
2007.
66
Outros municípios que se localizam na área de influência da BR-116 são Itaipé,
Ladainha, Novo Oriente de Minas, Frei Gaspar, Pescador e Poté.
Por sua extensão geográfica (4.385 km), importância econômica - a rodovia interliga 10
estados brasileiros e cidades brasileiras importantes - e fluxo de veículos, a BR-116
dispõe de infra-estrutura para atender aos viajantes, inclusive, os caminhoneiros, com a
presença de hotéis, restaurantes, bares e outros pontos de parada. Como se sabe,
geralmente a exploração sexual de crianças e adolescentes ocorre com mais freqüência
nesses pontos de parada ao longo das rodovias. Os estudos realizados nessa área
também mostram que os agressores mais comuns são caminhoneiros que se envolvem
sexualmente com crianças e adolescentes durante o deslocamento por essas rodovias.
Teófilo Otoni situa-se na BR-116, e também na confluência com outras rodovias
estaduais e federais. A pesquisa realizada pelo CRISP (2007) mostra que a localização
próxima a estas vias de tráfego intenso, em grande parte de caminhões, atua fortemente
para promover o problema da exploração sexual infanto-juvenil no município.
Notadamente, alguns pontos específicos são áreas de risco, como o entroncamento da
BR-116 e da rodovia estadual MG-217, onde se situa o município de Teófilo Otoni e,
nas proximidades, o município de Poté.
A BR-418 também exerce influência sobre alguns municípios da região do Vale do
Mucuri beneficiados pela expansão do PAIR Minas. A BR-418 é uma rodovia de
ligação 52 entre o leste de Minas Gerais e o litoral sul da Bahia. Tem início no município
de Teófilo Otoni, passa por Nanuque e termina na BR-101, já em território baiano.
Trata-se de uma rodovia com tráfego intenso porque é rota de circulação de turistas que
se dirigem das regiões Sudeste e Centro-Oeste com destino às cidades turísticas do sul
da Bahia. A rodovia corta o município de Teófilo Otoni e Nanuque e se localiza
próxima aos municípios de Serra dos Aimorés e Carlos Chagas que, por essa razão,
também sofrem sua influência.
As rodovias de ligação são aquelas que unem duas rodovias federais entre si, ou uma rodovia a alguma
localidade próxima, ou à nossas fronteiras internacionais, ou, ainda, que não possam ser classificadas em
nenhum dos outros tipos.
52
67
O diagnóstico realizadao pelo CRISP revelou que nos arredores da BR-418 há muitos
pontos comerciais, em especial supermercados e postos de gasolina, nenhum de pernoite
de caminhoneiros. Segundo o estudo, a ponte Nanuque, situada nessa BR, é também um
local em evidência quando se trata da exploração sexual infanto-juvenil.
Demais riscos territoriais associados à exploração e abusos sexuais referem-se a
determinadas atividades econômicas, como garimpagem, turismo, obras de grande
impacto, etc.
A região caracteriza-se pela presença importante da atividade econômica de garimpo.
Do total de 17 municípios, apenas 04 (quatro) municípios não desenvolvem essa
atividade: Itambacuri, Itaipé, Ouro Verde de Minas e Pescador. Ataléia, Catuji, Teófilo
Otoni e Franciscópolis são os municípios que mais se destacam nessa atividade. O
garimpo de gemas é uma atividade importante, para a economia local, ainda que perda
significativa de sua importância em função da produção em grande medida artesanal e
em pequena escala. Embora a atividade se dirija também para a exportação de gemas, o
impacto comercial é reduzido na medida em que as pedras são exportadas sem
beneficiamento, com baixo valor agregado.
Em todos esses municípios, a forma
principal de garimpo praticado é de tipo tradicional. Diferentemente das frentes de
garimpagem, essa modalidade se caracteriza por uma presença mais constante de
núcleos familiares, maior integração com as comunidades locais e menor fluxo
migratório, fatores associados à menor incidência de ESCCA.
Os riscos à ESCCA associados ao turismo, sobretudo, o turismo litorâneo e o ligado às
festas típicas, negócios, pesca esportiva e cidades históricas decorrem do deslocamento
de grande fluxo de pessoas e da sua concentração em alguns municípios. O turismo, em
suas diferentes modalidades, não se constitui em uma atividade econômica relevante na
região. Apenas Teófilo Otoni se destaca pelo turismo de negócios, com impacto nos
municípios circunvizinhos, associado à comercialização de pedras preciosas extraídas
através do garimpo. Essa atividade é voltada principalmente para a exportação dessas
pedras e resulta em certo afluxo de turistas estrangeiros nesse município.
A presença de populações e terras indígenas no território é também identificada como
uma condição associada à violência sexual infanto-juvenil. No vale do Mucuri há a
68
presença importante de comunidades indígenas no território, incluindo existência de
terra indígena e assentamentos.
Antes de qualquer avaliação de possíveis impactos desses fatores sobre a configuração
de um contexto favorável à exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes é
necessário analisar a composição e dinâmica populacional desses territórios e possíveis
interações entre esses aspectos.
Caracterização sócio-demográfica da população
Em conjunto, os 17 municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na região do
Vale do Mucuri/Rio Doce possuem uma população de 338.726 habitantes. Os 14
(quatorze) municípios beneficiados na região do Vale do Mucuri somam 308.443
habitantes que representam 81,9% do total da população da região. Já no Vale do Rio
Doce, os 03 (três) municípios beneficiados possuem uma população correspondente a
30.283 habitantes que equivale a 1,9% do total da população da região.
Na região do Vale do Mucuri se destacam os municípios de Teófilo Otoni e Nanuque
cuja população representa, respectivamente, 37,5 e 11,9% do total da população
beneficiada pela expansão do PAIR Minas na região.
Os municípios menos populosos considerando-se as duas mesorregiões são:
Campanário e Pescador (Vale do Rio Doce); Franciscópolis, Catuji, Frei Gaspar, Ouro
Verde de Minas e Serra dos Aimorés (Vale do Mucuri). Nesses municípios, a população
não supera os 10 mil habitantes.
Conforme demonstrado por Matos & Garcia (2006), essas duas mesorregiões53
encontravam-se entre aquelas com maiores níveis de perda populacional no período
compreendido entre 1995 e 2000. O Vale do Mucuri e o Vale do Rio Doce apresentaram
taxas de crescimento vegetativo da população de 1.027% e 1.115%, respectivamente,
que são inferiores a estadual (1.448%). Nesse caso, a perda decorreu de processos mais
acentuados de emigração do que imigração, indicada pelas Taxas Líquidas de Migração
53
Juntamente com as mesorregiões Jequitinhonha, Norte de Minas, Noroeste e Central Mineira.
69
– TLMs54 negativas. Com relação à TLM observada nesse período, o Vale do Mucuri (1.41%) ocupa a primeira posição entre as mesorregiões com perda líquida de população,
enquanto o Vale do Rio Doce ocupa a quarta posição (-0,54%).
Para o conjunto dos 17 municípios beneficiados com a expansão do PAIR Minas, a
população total em 2000 era de 346.829 habitantes, em 2004 de 341.756, atingindo
338.726 habitantes em 2007. Esta tendência de perda populacional, porém, não foi uma
tendência geral, apresentando variações entre os municípios dessas regiões. Entre 2000
e 2007, 09 (nove) municípios experimentaram um crescimento populacional, enquanto
08 (oito) apresentaram a redução de sua população. Destes, destaca-se Itambacuri,
localizado na região do Vale do Rio Doce, que experimentou uma redução significativa
de sua população entre 2000 e 2007. Os municípios de grande, médio e pequeno porte II
caracterizaram-se pela redução de sua população entre 2000 e 2007. Já entre os
municípios de pequeno porte I, a maioria apresentou um leve crescimento populacional
no período.
Nessa área de expansão do PAIR Minas observa-se diferenças importantes quanto à
densidade demográfica dos municípios, ou seja, uma razão entre o número total de
habitantes e a área territorial de cada uma dessas unidades. Os municípios mais
densamente povoados eram, em 2007, Teófilo Otoni (39,75 hab/ km2) e Ouro Verde de
Minas (39,04 hab/km2) que se situavam acima do padrão estadual (30,50 hab/ km2) e
bem acima do padrão nacional (22 hab/km2)55. Os municípios com menor densidade
eram Carlos Chagas, Franciscópolis, Ataléia e Campanário, onde a densidade não
ultrapassava 10 habitantes por km2.
Entre os municípios com maior densidade,
destacam-se Teófilo Otoni, de grande porte, Nanuque, classificado como pequeno porte
II e Ouro Verde de Minas e Serra dos Aimorés, classificados como de pequeno porte I.
No que tange ao grau de urbanização, essas mesorregiões comportam municípios com
populações rurais expressivas, o que implica na necessidade de desconcentração das
ações do PAIR em direção às áreas rurais.
Apenas 04 municípios atingiram um
percentual de urbanização próximo ao nacional (84% de domicílios localizados em área
A TLM é a diferença entre a taxa de imigração e emigração, indicando os movimentos internos da
população no município considerado.
55
Os valores para o estado e para o país são do IBGE, 2005.
54
70
urbana),56 sendo que em Nanuque o grau de urbanização superava esse patamar. Catuji,
Frei Gaspar, Franciscopólis, Itaipé, Ladainha, Novo Oriente de Minas Ataléia
caracterizavam-se como municípios predominantemente rurais, ou seja, com menos de
50% de domicílios urbanos.
Tabela 5: População total, densidade demográfica e percentual de domicílios
urbanos dos municípios segundo o porte populacional. Mesorregiões do Vale do
Mucuri e Rio Doce, 2000, 2004, 2007.
PORTE
POPULACIONAL
MUNICÍPIO
ano 2000
População total ¹
ano 2004
ano 2007
Densidade
demográfica ²
Domicílios
urbanos ²
Hab./Km²
%
N.
N.
N.
Grande
Teófilo Otoni
129.424
128.109
128.895
39,75
81,53
Médio
Pequeno II
Nanuque
Carlos Chagas
Itambacuri
Águas Formosas
Ataléia
Campanário
Catuji
Franciscópolis
Frei Gaspar
Itaipé
Ladainha
Novo Oriente de Minas
Ouro Verde de Minas
Pescador
Pote
Serra dos Aimorés
Vale do Mucuri
41.619
21.995
22.688
17.846
16.748
3.419
7.787
7.323
6.103
10.846
15.832
9.974
6.223
4.036
14.782
8.184
380.735
40.864
21.331
23.424
18.254
16.161
3.538
7.481
6.126
5.446
11.833
15.437
10.553
5.351
3.877
14.833
7.134
..
40.307
20.812
22.635
18.518
15.078
3.592
6.597
5.664
6.343
11.497
16.479
10.327
6.832
4.056
14.749
8.345
376.667
26,61
6,51
15,95
22,64
8,2
8,15
15,67
7,91
10,1
23,9
19,05
13,7
39,04
12,75
23,3
38,81
..
92,26
63,11
65,93
76,69
48,71
74,79
24,7
40,94
30,82
44,9
29,2
43,8
62,69
80,79
60,67
82,32
..
..
..
..
..
..
..
Pequeno I
Mesorregião
Vale do Rio Doce
1.534.268
..
1.591.392
Estadual
Minas Gerais
17.891.494
19.039.000
19.765.000
Nacional
Brasil
169.799.170
182.060.000
189.820.000
Fonte: ¹ Elaboração própria a partir de dados do Sidra – IBGE, anos de referência 2000, 2004 e 2007.
² Formulação própria a partir de dados do IBGE cidades@.,2007.
A vinculação entre as características populacionais e a configuração da vulnerabilidade
à violência sexual infanto-juvenil requer a análise da população dos municípios de
acordo com a sua composição por gênero e faixa etária na medida em que crianças e
adolescentes do sexo feminino apresentam índices mais altos de incidência do
fenômeno.
Nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce, as crianças e adolescentes
com idade entre 0 e 17 anos somavam, no ano 2000, 142.974 habitantes e
representavam 41,46% da população do total dos 17 municípios analisados naquele ano.
Em termos absolutos, o contingente populacional nessa faixa etária era maior em
56
O valor referente ao percentual de domicílios urbanos no Brasil é do IBGE, 2005.
71
Teófilo Otoni, Itambacuri e Nanuque e menor em Campanário e Pescador onde não
passava de 2 mil habitantes. No conjunto, o grupo etário de maior expressão numérica
era o de crianças e adolescentes com idade entre 7 e 14 anos, seguido do grupo de
crianças de 0 a 6 anos e do segmento jovem de 15 a 17 anos.
Com relação ao gênero, as mulheres representavam 50,5% da população de crianças e
adolescentes com idade entre 0 e 17 anos e os homens 49,5%.
Tabela 6: Distribuição da população infanto-juvenil dos municípios da área de
expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce
segundo o grupo etário e sexo – 2000
PORTE
POPULACIONAL
0 - 6 anos
MUNICÍPIO
Homens
Mulheres
7 - 14 anos
Total
Homens
Mulheres
15 - 17 anos
Total
Homens
Mulheres
Total
Total
0 - 17 anos
Grande
Teófilo Otoni
8.493
8.039
16.532
10.396
10.361
20.757
4.400
4.508
8.908
46.197
Médio
Nanuque
2.577
2.638
5.215
3.542
3.329
6.871
1.487
1.385
2.872
14.958
Carlos Chagas
1.434
1.451
2.885
1.705
1.669
3.374
876
767
1.643
7.902
Itambacuri
..
..
3.336
..
..
4.391
..
..
1.674
9.401
Águas Formosas
1.342
1.336
2.678
1.635
1.605
3.240
762
688
1.450
7.368
Ataléia
1.163
1.199
2.362
1.706
1.575
3.281
700
626
1.326
6.969
Campanário
264
238
502
..
..
686
143
86
229
1.417
Catuji
646
677
1.323
936
852
1.788
365
265
630
3.741
Franciscópolis
581
578
1.159
877
822
1.699
304
280
584
3.442
Frei Gaspar
451
513
964
634
610
1.244
233
194
427
2.635
Itaipé
954
941
1.895
1.077
1.142
2.219
443
358
801
4.915
Ladainha
1.338
1.358
2.696
1.691
1.673
3.364
613
642
1.255
7.315
Novo Oriente de Minas
818
777
1.595
898
980
1.878
387
415
802
4.275
Ouro Verde de Minas
513
436
949
619
605
1.224
238
220
458
2.631
Pescador
274
268
542
..
..
878
137
125
262
1.682
Pote
1.132
1.035
2.167
1.368
1.423
2.791
624
519
1.143
6.101
Serra dos Aimorés
598
532
1.130
713
679
1.392
309
255
564
3.086
Total
22.578
22.016
47.930
27.797
27.325
61.077
12.021
11.333
25.028
134.035
151.165
Pequeno II
Pequeno I
Mesorregião
Vale do Mucuri*
..
..
54.350
..
..
68.886
..
..
27.929
Vale do Rio Doce*
..
..
203.217
..
..
251.932
..
..
101.376
556.525
Estadual
Minas Gerais*
..
..
2.119.942
..
..
2.840.931
..
..
1.105.930
6.066.803
Nacional
Brasil*
..
..
21.715.233
..
..
27.629.064
..
..
10.742.000
60.086.341
Fonte: Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA, Programa
Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil. 2006.
* Sidra IBGE, 2000.
A definição de estratégias voltadas para o enfrentamento da violência sexual infantojuvenil requer a produção de informações transversais sobre esse segmento de forma a
identificar e dimensionar a matriz multidimensional de riscos e vulnerabilidade a que
esse público está sujeito em diferentes ciclos da infância e adolescência e sob diferentes
estruturas de sociabilidade. A atenção integral às crianças e adolescentes em situação de
ameaça ou de violação de direitos demanda o conhecimento das bases e da dinâmica
dessa matriz em diferentes espaços e redes de interação social. São nesses espaços e sob
72
a influência dessas redes que se definem, para esse segmento etário, as distintas
estruturas de oportunidades e se configuram capacidades diferenciais de proteção contra
os riscos de violência infanto-juvenil, incluindo a sexual.
Parte importante da configuração dessas capacidades diferenciais de proteção está
relacionada à presença e efetividade das ações desenvolvidas pelas instituições voltadas
para a população infanto-juvenil. Para além da caracterização da demanda, o
dimensionamento da capacidade de oferta de ações e políticas efetivas deve ser
suportado pela análise da capilaridade e da inclusividade das ações executadas por
instituições e organizações, públicas e/ou privadas, voltadas para esse segmento etário.
Um aspecto importante para o desenvolvimento de proteções sociais integrais é a
identificação e coordenação das interdependências das ações executadas por diferentes
setores de políticas. Passo importante para isso é, pois, avaliar como a demanda e a
oferta de políticas e programas configuram-se para esse segmento específico.
Nessa direção, um campo de políticas central é o educacional, seja pelos efeitos
esperados sob a estrutura de oportunidades individuais que a trajetória educacional
promove, seja pela centralidade dessas instituições para a proteção social integral de
crianças e adolescentes. A inclusividade e efetividade da política educacional em
relação ao segmento populacional em foco, crianças e adolescentes, são entendidas,
nesse contexto, como dimensões críticas para a avaliação de capacidades diferenciais de
proteção em relação aos riscos e vulnerabilidades à violência infanto-juvenil.
A persistência do analfabetismo entre a população em idade escolar é um indicador
claro do grau de inclusividade da política educacional. O percentual de crianças e
adolescentes analfabetos na faixa etária de 7 a 14 anos, variava, no ano 2000, de 5,24%
em Águas Formosas e 7,44% em Nanuque a 20,82% em Ladainha e 23% em Novo
Oriente de Minas.
Do total dos 17 (dezessete) municípios analisados, em 12 (doze) o percentual de
analfabetos no grupo com idade de 7 a 14 anos era superior ao nacional (12,4%) e em
todos os municípios era superior ao percentual estadual de 6,6%. Isso evidencia um
traço importante do quadro de vulnerabilidade social que caracteriza as populações
dessas regiões, principalmente no Vale do Mucuri.
73
Na faixa de 15 a 17 anos, os percentuais observados situaram-se em patamares
inferiores, abaixo de 10% em todos os municípios. O percentual variou de 1,29% em
Águas Formosas e 1,31% em Nanuque a 8,93% em Novo Oriente de Minas e 9,91% em
Ladainha. Em ambas as faixas etárias, o percentual de analfabetos encontra-se acima do
valor estadual e do valor nacional no ano de 2001, respectivamente, 1,5 e 2,9%.57 Os
maiores percentuais de analfabetismo, em ambas as faixas etárias, foram encontrados
nos municípios classificados como de pequeno porte I.
Observa-se bastante variação no percentual de analfabetos com idade superior aos 15
anos. Os menores percentuais foram encontrados em Teófilo Otoni, Nanuque e
Campanário, menos de 20%. E os maiores foram observados em Novo Oriente de
Minas e Ladainha – supera os 50% - e em Franciscópolis e Itaipé (quase 50%). O
mesmo padrão é observado em relação ao analfabetismo entre a população com idade
acima de 25 anos. Na maioria dos municípios, o percentual de analfabetos acima dos 15
ou acima dos 25 anos é superior a 40%.
Tabela 7: Percentual de analfabetos na população infanto-juvenil dos municípios
da área de expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões Vale do Mucuri e Vale do
Rio Doce segundo o grupo etário e porte populacional – Ano 2000
Analfabetos
%
PORTE POPULACIONAL
MUNICÍPIO
7 - 14 anos¹ 15 - 17 anos² acima 15 anos¹ acima 25 anos¹
Grande
Teófilo Otoni
9,21
2,60
18,35
22,76
Médio
Nanuque
7,44
1,30
19,16
24,40
Pequeno II
Carlos Chagas
11,82
4,10
28,69
38,36
Itambacuri
15,11
4,30
28,69
34,32
Pequeno I
Águas Formosas
9,17
1,30
31,86
42,61
Ataléia
15,68
4,20
32,67
42,72
Campanário
13,82
3,40
23,38
29,38
Catuji
22,43
7,10
35,39
45,79
Franciscópolis
19,78
5,90
36,40
48,35
Frei Gaspar
15,11
3,00
35,19
46,17
Itaipé
19,30
6,00
36,60
47,48
Ladainha
20,82
9,90
39,44
52,38
Novo Oriente de Minas 23,00
8,90
42,64
57,13
Ouro Verde de Minas
18,82
4,90
33,22
43,96
Pescador
12,69
2,80
27,12
35,44
Poté
16,03
6,30
32,48
41,02
Serra dos Aimorés
9,36
2,60
25,95
33,86
Mesorregião
Vale do Mucuri
12,7
..
26,80
34,40
Vale do Rio Doce
7,00
..
16,50
21,00
Estadual
Minas Gerais
6,60
..
..
14,80
Nacional
Brasil
12,40
..
..
16,00
58
Fonte: ¹IpeaData, 2000 Ver definição dos indicadores.
²Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA, Programa
Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil. 2006.
57 Dados referentes ao estado e ao país retirado de IPEAdata, 2001.
58 Analfabetos: Percentual de pessoas que não sabem ler nem escrever um bilhete simples (IPEAdata).
74
O papel do sistema educacional como agente de proteção das crianças e adolescentes e
como agente da rede de enfrentamento depende diretamente da sua capacidade de
retenção dos estudantes. De acordo com dados do Censo de 2000, o percentual da
população de 10 a 14 anos em situação de evasão escolar - alunos matriculados que
abandonam a escola - não apresentava variação expressiva entre os municípios
analisados, oscilando entre não apresentou variação expressiva entre os municípios
analisados. Os menores percentuais foram observados em Poté, Teófilo Otoni e Ataléia,
um patamar próximo ao verificado para o estado (4,1%) em 2001. Essa proporção de
estudantes evadidos mostrou-se mais expressiva em Novo Oriente de Minas e
Franciscópolis, superando 10% da população de 10 a 14 anos.
É no grupo etário de 15 a 17, potencialmente em fase de mudança entre níveis da
educação básica (do fundamental para o médio) que o percentual de evasão escolar
mostrou-se bastante elevado, confirmando o caráter crítico dessa transição para a
retenção dos estudantes no sistema escolar. Os menores percentuais foram observados
em Teófilo Otoni, Serra dos Aimorés e Nanuque, abaixo do valor observado no estado
(23,96%). Nos demais municípios, o percentual de alunos evadidos nesse grupo etário
foi superior ao percentual estadual.
A permanência de crianças e adolescentes no sistema de ensino formal é compreendida
como elemento importante e complementar do sistema de proteção às crianças e
adolescentes, cumprindo importante papel no enfrentamento da violência infantojuvenil, incluindo a sexual. Quando fora da escola, aqueles se encontram mais expostos
à violação de seus direitos e a vários tipos de violência e exploração, entre elas o
trabalho infantil e a exploração sexual, evidenciando um quadro de vulnerabilidades
sociais cumulativas. Em apenas 06 (seis) municípios – Itambacuri, Catuji, Itaipé,
Ladainha, Novo Oriente de Minas e Poté – o percentual de crianças adolescentes na
faixa etária de 10 a 14 anos em situação de evasão escolar e de trabalho superava os
10%, sendo superior ao percentual das duas mesorregiões, e bem superior aos
percentuais do estado, 6,54%, e do país, 6,0%. Em todos os demais municípios o
percentual de crianças e adolescentes nessa faixa etária em situação, simultaneamente,
de evasão e de trabalho, ficava entre o percentual do país e o da mesorregião do Vale do
Mucuri.
75
O quadro mostrou-se mais grave quando se considerou a defasagem escolar, medida
relativa à proporção de crianças freqüentando séries anteriores àquelas recomendadas
para sua idade em relação ao total de estudantes. Observou-se grande variação na faixa
de 07 a 14 anos.
59
Em todos os municípios analisados, o percentual de crianças e
adolescentes em situação de defasagem foi superior ao percentual estadual de 17,9%. Os
municípios que apresentaram os menores percentuais de crianças e adolescentes com
defasagem escolar foram Nanuque, Águas Formosas, Campanário e Serra dos Aimorés
(19,9 a 25%). Nos municípios de Novo Oriente de Minas, Ladainha e Catuji,
predominantemente rurais, foram verificadas altas taxas de defasagem escolar, ou seja,
(igual ou superior a 40%). Em Novo Oriente de Minas mais da metade da população
nessa faixa etária encontrava-se em situação defasagem escolar (55,86%). Cabe destacar
que os municípios de pequeno porte I apresentaram os percentuais mais elevados de
evasão e, de forma mais acentuada, de defasagem escolar.
O percentual de crianças de 10 a 14 anos com menos de 04 anos de estudo apresentava
grande variação entre os municípios, sendo menor em Nanuque (31,14%) e maior em
Novo Oriente de Minas (80,25%). Esse resultado pode ser associado, diretamente, às
taxas de defasagem escolar observadas acima. Cabe chamar a atenção para o fato de
que, em 2000, 09 (nove) municípios, entre os 17 (dezessete) analisados, apresentavam
mais de 50% da população dessa faixa etária com menos de 04 anos de estudo.
Na faixa de 15 a 17 anos o percentual de adolescentes com menos de 4 anos de estudo
era menor, mas também apresentava grande variação. Mais uma vez, o menor
percentual é observado em Nanuque (7,63%) e o maior em Novo Oriente de Minas
(52,03%). Os municípios de grande, médio e pequeno porte II, com exceção de
Itambacuri, tenderam a apresentar melhores resultados em relação a esse indicador.
59
Esta era a forma utilizada para calcular a defasagem idade-série apresentada até a Síntese de
Indicadores Sociais 2004. Assim, era considerada defasada a criança que freqüentava as séries não
correspondentes e anteriores à sua idade cronológica. Considerando que este indicador apresentava
algumas diferenças conceituais em relação às recomendações internacionais e ao próprio MEC,
resultando em algumas distorções e que tanto as taxas internacionais quanto a do MEC adotam como
critério de defasagem a criança ter idade superior em no mínimo dois anos à recomendada para cada série,
o IBGE optou por adotar essa nova leitura de defasagem escolar na publicação da Síntese de Indicadores
Sociais no ano de 2008. (Fonte: IBGE - Síntese de indicadores sociais: Uma análise das condições de vida
da população brasileira 2008)
76
Tabela 8: Evasão, defasagem escolar e população com menos de quatro anos de
estudo nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas nas
mesorregiões do Vale do Mucuri e Rio Doce. 2000.
PORTE
POPULACIONAL
Grande
Médio
Pequeno II
Pequeno I
Mesorregião
MUNICÍPIO
Teófilo Otoni
Nanuque
Carlos Chagas
Itambacuri
Águas Formosas
Ataléia
Campanário
Catuji
Franciscópolis
Frei Gaspar
Itaipé
Ladainha
Novo Oriente de
Minas
Ouro Verde de
Minas
Pescador
Pote
Serra dos Aimorés
Vale do Mucuri
Evasão escolar ¹
Trabalhando
Fora da escola
15 - 17
10 - 14 anos 10 - 14
anos
anos
%
%
%
Defasagem
escolar ¹
7 - 14 anos
%
Pessoas com menos de quatro
anos de estudo ²
10 - 14 anos
15 - 17 anos
%
%
6,70
4,88
19,28
26,69
43,05
11,33
7,97
6,79
18,78
8,82
8,84
6,85
12,40
8,38
7,30
10,73
12,62
6,12
9,12
7,32
5,72
4,36
5,95
6,11
10,25
7,30
6,58
8,16
23,61
28,64
30,74
24,97
25,57
26,39
32,78
33,98
29,16
37,72
34,45
19,99
27,53
28,34
23,05
32,54
23,70
41,00
38,68
39,25
38,83
40,69
31,14
44,96
50,41
45,45
39,81
43,41
51,30
53,59
57,66
62,08
60,37
7,63
12,61
20,34
14,79
13,68
16,67
19,05
23,89
22,21
29,63
34,65
11,60
10,12
32,99
55,86
80,25
52,03
7,98
6,61
10,85
6,78
8,20
5,24
6,13
4,54
6,64
6,17
26,44
32,97
25,66
21,34
25,51
39,12
30,83
31,08
24,28
29,7
56,04
47,68
46,26
42,91
..
26,60
20,09
18,74
14,09
..
Vale do Rio Doce
7,46
5,27
28,13
18,7
..
..
Estadual
Minas Gerais
6,54
4,11
23,96
17,9
..
..
Nacional
Brasil
6,00
5,35
22,29
25,3
..
..
Fonte: ¹IPEAdata, 2000.
²Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA, Programa
Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil. 2006. Ver
60
definição dos indicadores.
Em consonância com o quadro educacional brasileiro, os municípios das duas
mesorregiões também apresentaram percentuais mais elevados de crianças e
adolescentes de 10 a 14 anos freqüentando o Ensino Fundamental (77,35% a 92,74%)
do que de adolescentes freqüentando o Ensino Médio (11,55% a 37,22%). No ano de
2000, em 13 (treze) dos 17 (dezessete) municípios o percentual de crianças cursando o
Ensino Fundamental superou os 85%. Já quanto aos adolescentes freqüentando escolas
de Ensino Médio, esse percentual não atingiu os 40% em nenhum dos municípios
pesquisados, estando muito abaixo do percentual estadual de 79%.
Evasão escolar trabalhando: percentual de pessoas de 10 a 14 anos de idade que trabalharam na última
semana de julho (2000). Considera-se o trabalho remunerado ou não (ajuda a membros da família, aprendiz,
estagiário) e também o trabalho na produção para consumo próprio. Evasão escolar fora da escola: percentual de
pessoas de x a y anos de idade que não freqüentam a escola (IPEAdata).Defasagem escolar: O atraso escolar é obtido
pela comparação entre a idade e a série escolar da criança, através da equação: atraso escolar = [(idade - 7) - número
da série completada]. Espera-se, portanto, que uma criança de oito anos já tenha completado um ano de estudo
(IPEAdata). Pessoas com menos de quatro anos de estudo: Percentual de pessoas de 25 ou mais anos de idade que
não completaram a quarta série do fundamental, ou seja, que podem ser classificados como “analfabetos funcionais”
(IPEAdata).
60
77
No ano 2000, patamares mais baixos de universalização do Ensino Fundamental foram
observados nos municípios de Novo Oriente de Minas, Itaipé e Pescador. Os
percentuais mais expressivos de cobertura educacional, sem considerar à adequação
idade-série, nesse nível de ensino foram atingidos por Campanário, Serra dos Aimorés,
Pote, Ladainha, Frei Gaspar e Ataléia (superava os 90%).
No nível de ensino médio, os municípios com menor percentual de adolescentes
freqüentando a escola eram Ladainha, Itaipé e Franciscópolis (menos de 15% de
adolescentes de 15 a 17 anos estavam no Ensino Médio). Os municípios com maior
percentual eram Teófilo Otoni, Nanuque, Serra dos Aimorés e Ataléia (superior a 30%).
Embora não seja possível perceber uma relação direta entre o porte do município e o
percentual de crianças e adolescentes freqüentando o ensino fundamental e o médio,
respectivamente, observa-se que aqueles que apresentam os menores percentuais são
classificados como de pequeno porte I. Os dados da tabela abaixo mostram, portanto,
que os municípios classificados como de pequeno porte I tendem a apresentar maior
vulnerabilidade em relação a alguns indicadores educacionais.
Tabela 9: Freqüência escolar da população infanto-juvenil com idade entre 7 e 17
anos nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas nas mesorregiões
do Vale do Mucuri e do Rio Doce. 2000
Freqüência escolar
7 - 14 anos¹
15 - 17 anos
MUNICÍPIO
%
Teófilo Otoni
88,41
37,22
Nanuque
88,99
21,37
Carlos Chagas
86,03
27,91
Itambacuri
86,51
35,17
Pequeno I
Águas Formosas
88,22
27,76
Ataléia
92,74
30,28
Campanário
90,22
24,03
Catuji
85,81
16,55
Franciscópolis
84,20
13,67
Frei Gaspar
90,00
15,41
Itaipé
80,75
11,55
Ladainha
92,00
14,68
Novo Oriente de Minas
77,35
15,36
Ouro Verde de Minas
89,57
16,36
Pescador
81,21
21,18
Pote
92,92
19,78
Serra dos Aimorés
91,16
36,41
Mesorregião
Vale do Mucuri
93,80
..
Vale do Rio Doce
94,70
..
Estadual
Minas Gerais
95,90
..
Nacional
Brasil
94,50
..
61
Fonte: ¹ IPEAdata, 2000. Ver definição dos indicadores.
PORTE
POPULACIONAL
Grande
Médio
Pequeno II
Freqüência escolar: Percentual de pessoas de 7 a 14 anos de idade que estão freqüentando a
escola, independentemente do grau e série (IPEA data).
61
78
No ano 2000, em relação à escolaridade, os municípios de Nanuque, Águas Formosas,
Serra dos Aimorés e Teófilo Otoni apresentavam os melhores indicadores. Quanto ao
desempenho dos municípios em relação aos indicadores considerados um quadro de
maior gravidade foi observado em Novo Oriente de Minas e Ladainha.
Esse quadro educacional pode ser mais bem avaliado a partir do Indicador de
Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, que busca mensurar a qualidade
educacional mediante a combinação de informações sobre o desempenho dos estudantes
nas etapas finais de ensino (4ª e 8ª. Séries do ensino fundamental e 3ª. Série do ensino
médio) em exames padronizados (prova Brasil ou SAEB) com informações sobre o
rendimento escolar, ou seja, aprovação (INEP, s/d). Esse indicador abarca, portanto,
dois resultados centrais do sistema educacional, a aprendizagem (desempenho nos
exames) e fluxo (aprovação) e a “combinação de ambos tem também o mérito de
equilibrar as duas dimensões: se um sistema de ensino retiver seus alunos para obter
resultados de melhor qualidade no Saeb ou Prova Brasil, o fator fluxo será alterado,
indicando a necessidade de melhoria do sistema. Se, ao contrário, o sistema apressar a
aprovação do aluno sem qualidade, o resultado das avaliações indicará igualmente a
necessidade de melhoria do sistema” (INEP). O índice varia de um a dez, sendo que a
meta do Brasil é atingir em 2022 a média 6,0, correspondente a um sistema educacional
de qualidade comparável aos dos países desenvolvidos.
No ano de 2005, os menores IDEBs foram encontrados nos municípios de
Franciscópolis e Itambacuri e os maiores em Teófilo Otoni, Pescador e Poté. No ano de
2007, os maiores IDEBs foram verificados em Teófilo Otoni e Carlos Chagas e os
menores em Águas Formosas, Franciscópolis e Serra dos Aimorés. No mesmo ano, os
municípios de Teófilo Otoni, Nanuque, Carlos chagas, Itambacuri, Campanário,
Franciscópolis e Pescador, para os quais há informações disponíveis, atingiram ou
superaram as metas estabelecidas.
O quadro apresentado até o momento destacou a presença de fatores de risco
consideráveis no espaço regional e de um segmento de crianças e adolescentes
expressivo no conjunto dos municípios expostos, ainda que com variações importantes
entre os municípios, a vulnerabilidades sociais importantes, como a educacional. A
seguir, um quadro mais completo dessa matriz de vulnerabilidades é apresentado com
79
foco nas condições locais que impactam o bem-estar e a segurança de renda dessa
população.
Tabela 10: IDEBs observados em 2005, 2007 e Metas para rede Municipal nos
municípios beneficiados pela expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões do Vale
do Mucuri e do Rio Doce. 2000
PORTE
IDEB Observado
POPULACIONAL
MUNICÍPIO
Anos
Grande
Teófilo Otoni
Iniciais
2005
4,0
2007
4,0
Metas Projetadas
2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021
5,4
5,6
5,9
6,2
Finais
3,6
3,9
3,6
3,8
4,0
4,4
4,8
Médio
Nanuque
Iniciais
3,1
3,1
3,2
3,5
3,9
4,2
4,5
Finais
3,1
3,2
3,1
3,3
3,6
4,0
4,3
Pequeno II
Carlos Chagas
Iniciais
3,3
4,2
3,4
3,7
4,1
4,4
4,7
Finais
3,4
4,4
3,4
3,6
3,9
4,3
4,7
Itambacuri
Iniciais
2,6
3,3
2,7
3,1
3,5
3,8
4,1
Finais
2,7
2,6
2,8
2,9
3,2
3,6
3,9
Pequeno I
Águas Formosas
Iniciais
2,7
3,1
3,5
3,8
4,1
Finais
Ataléia
Iniciais
3,1
3,5
3,9
4,2
4,5
Finais
Campanário
Iniciais
3,0
3,4
3,0
3,4
3,8
4,1
4,4
Finais
Catuji
Iniciais
3,1
3,6
4,0
4,3
4,6
Finais
Franciscópolis
Iniciais
2,9
3,8
3,0
3,4
3,9
4,2
4,5
Finais
1,4
1,8
1,5
1,9
2,4
3,0
3,5
Frei Gaspar*
Iniciais
..
..
..
..
..
..
..
Finais
..
..
..
..
..
..
..
Itaipé*
Iniciais
..
..
..
..
..
..
..
Finais
..
..
..
..
..
..
..
Ladainha*
Iniciais
..
..
..
..
..
..
..
Finais
..
..
..
..
..
..
..
Novo Oriente de Minas* Iniciais
..
..
..
..
..
..
..
Finais
..
..
..
..
..
..
..
Ouro Verde de Minas* Iniciais
..
..
..
..
..
..
..
Finais
..
..
..
..
..
..
..
Pescador
Iniciais
3,6
3,7
3,6
4,0
4,4
4,7
5,0
Finais
Pote
Iniciais
3,6
3,5
3,6
4,0
4,4
4,7
5,0
Finais
Serra dos Aimorés
Iniciais
3,4
2,8
3,5
3,8
4,2
4,5
4,8
Finais
2,9
3,1
3,4
3,8
4,2
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IDEB. * Informações para cálculo do IDEB não disponíveis.
4,1
4,4
4,8
5,1
5,1
4,8
4,6
5,0
4,9
4,4
4,2
4,4
4,8
4,7
4,9
4,8
3,7
..
..
..
..
..
..
..
..
..
..
5,2
5,3
5,1
4,4
5,3
5,1
4,9
5,3
5,2
4,7
4,5
4,7
5,1
5,0
5,2
5,1
4,0
..
..
..
..
..
..
..
..
..
..
5,5
5,5
5,4
4,7
5,6
5,4
5,1
5,6
5,4
5,0
4,7
5,0
5,4
5,3
5,5
5,4
4,3
..
..
..
..
..
..
..
..
..
..
5,8
5,8
5,6
5,0
Infra-estrutura, economia e segurança de renda
Essa seção aborda a infra-estrutura e dinamismo econômico dos municípios inseridos
nas áreas de expansão do PAIR Minas e suas conexões potenciais com a (in)segurança
de renda e bem-estar de suas populações.
80
Um primeiro aspecto a ser destacado é a posição das suas mesorregiões em foco em
relação a um dos principais indicadores de dinamismo econômico, o Produto Interno
Bruto-PIB. O Vale do Mucuri integra o grupo de mesorregiões com menor participação
no PIB mineiro62, correspondendo a 0,91% em 2006. Esse resultado evidencia o baixo
dinamismo da economia regional e sintetiza o quadro de pobreza que distancia essa
região das demais. De forma diversa, o Vale do Rio Doce ocupava a quinta posição na
participação do PIB mineiro, representando 6,84% nesse ano.
A composição setorial do PIB municipal (agropecuária, indústria e serviços) indica uma
estrutura econômica diversificada, com variações importantes em relação ao peso
relativo de cada setor na economia local. Esse aspecto é importante para a identificação
das estruturas de oportunidades laborais e de geração de renda para as populações em
foco, particularmente diante do peso relativo da população rural presente nessas
mesorregiões, conforme destacado anteriormente.
Como o único município de grande porte da região, Teófilo Otoni destaca-se
economicamente dos demais, possuindo um PIB que corresponde a 44,8% do total dos
municípios analisados. Outros municípios que se destacam são Nanuque, de médio
porte, Carlos Chagas e Itambacuri, de pequeno porte II. Em todos os 13 (treze)
municípios de pequeno porte I (população até 20 mil habitantes), o PIB não supera,
sequer, os 50 mil reais.
Observa-se, entretanto, que, independentemente do volume de riquezas produzidas por
cada município, o setor de serviços é responsável por mais da metade do PIB em todos
os 17 municípios da região, acompanhando a composição setorial do PIB mineiro, onde
esse setor representa 60% do PIB e apresenta um dinamismo importante no estado nos
últimos anos (FJP/CEI, 2008). Esse setor aparece com destaque em Teófilo Otoni importante polo regional - Águas Formosas, Catuji, Ladainha, Novo Oriente de Minas e
Poté, onde representa mais de 70% do total do PIB de cada município.
62
Conforme Ralfos & Garcia (2006:4), no período de 1999 a 2003, o Vale do Mucuri, a Central Mineira, o
Oeste de Minas e o Campo das Vertentes eram as mesorregiões com menores participações, não
ultrapassando, no total, 8% do PIB mineiro.
81
O setor primário é responsável por grande parte das riquezas produzidas nos municípios
de Carlos Chagas, Ataléia, Franciscópolis, Frei Gaspar, Itaipé e Ouro Verde Minas,
onde representa cerca de 1/3 do total do PIB. Destes municípios, 04 (quatro) – Ataléia,
Franciscópolis, Frei Gaspar e Itaipé – são também aqueles com áreas rurais expressivas,
conforme destacado antes. Carlos Chagas e Ouro Verde de Minas – possuem pouco
mais de 60% dos domicílios localizados na zona urbana.
Para o conjunto de municípios, a participação do setor secundário no PIB é inferior a
observada no Estado (32%).
Tabela 11: Composição Setorial, valor total e per capita do PIB dos municípios da
área de expansão do PAIR Minas nas mesorregiões do Vale do Mucuri e Vale do
Rio Doce. 2006.
PORTE
POPULACIONAL
Agropecuária Indústria Serviços
MUNICÍPIO
Grande
Teófilo Otoni
Médio
Pequeno II
Nanuque
Carlos Chagas
Itambacuri
Águas Formosas
Ataléia
Campanário
Catuji
Franciscópolis
Frei Gaspar
Itaipé
Ladainha
Novo Oriente de
Minas
Ouro Verde de Minas
Pescador
Pote
Serra dos Aimorés
Vale do Mucuri
Pequeno I
Mesorregião
%
%
%
5,91
16,41
77,69
11,99
31,28
19,29
15,80
32,06
24,69
18,76
37,20
33,79
33,76
15,87
23,99
14,70
11,16
13,34
9,25
8,26
9,99
7,09
8,54
7,97
10,51
64,02
54,02
69,55
70,85
58,69
67,05
71,26
55,71
57,67
58,26
73,63
15,02
30,31
27,80
18,00
24,81
15,26
11,86
8,00
8,29
8,73
21,99
15,36
73,13
61,69
63,91
73,27
53,20
69,38
Valor Adicionado
Total
PIB per
capta
R$mil
473.845
162.440
83.613
61.597
39.533
38.044
10.669
12.784
13.797
13.477
24.988
24.891
R$mil
4.038,22
4.270,56
4.050,92
2.797,24
2.274,37
2.370,36
3.175,89
1.772,54
2.237,91
2.415,13
2.239,12
1.621,17
16.696
1.665,24
14.137
10.753
29.622
27.038
2.514,95
2.799,24
2.055,72
3.763,33
1.708.068
5.094,50
Vale do Rio Doce
5,75
37,82
56,43
12.834.638
6.755,70
Estadual
Minas Gerais
8,37
31,85
59,78
187.647.319
11.027,75
Nacional
Brasil
..
..
..
..
12.688,00
63
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Informativo CEI – PIB MG 2006. Ver definição dos indicadores.
O PIB per capita apresentava importante variação entre os municípios no ano de 2006.
Os maiores valores foram encontrados nos municípios de grande e médio porte –
respectivamente, Teófilo Otoni e Nanuque – e também em Carlos Chagas, de pequeno
porte II. Na maioria dos municípios – 09 (nove) em 17 – o PIB per capita ficava entre 2
63
Participação de cada setor da economia no Produto Interno Bruto a preços correntes de mercado
(PIB-pm); PIB-pm total; PIB-pm por habitante (Informativo CEI).
82
e 3 mil reais. Catuji, Ladainha e Novo Oriente de Minas são os municípios que
apresentavam os valores mais baixos. Estes dois últimos, como se viu, são também os
municípios que apresentam maior vulnerabilidade no tocante aos indicadores
educacionais. Em todos os municípios, o PIB per capita era inferior ao da respectiva
mesorregião e bem inferior ao do estado.
No que tange à relação entre esse quadro de infra-estrutura econômica e as condições de
segurança de renda e bem-estar dessas populações, é importante incorporar à análise,
indicadores sobre a estrutura de desigualdades operando nesses territórios. Os dados
abaixo abordam o grau de desigualdade social, medido através do índice de GINI e o
grau de desenvolvimento medido através do Índice de Desenvolvimento Humano –IDH.
O Índice de GINI é uma medida do grau de concentração de uma distribuição, cujo
valor varia de zero (perfeita igualdade) até um (a desigualdade máxima). O índice é o
coeficiente expresso em pontos percentuais (é igual ao coeficiente multiplicado por
100). A tabela a seguir mostra os índices relativos à distribuição de renda. A
desigualdade de renda, medida através do Índice de GINI era menor em Ladainha
(apresentava valor igual a 0,45) e Itambacuri (valor igual a 0,47) e maior em Águas
Formosas (0,68). No caso de Ladainha é bom lembrar que se trata de um município com
um dos menores PIBs per capita. Em face do desempenho econômico e dos patamares
de pobreza observados nesses municípios pelos indicadores econômicos, esse resultado
deve ser interpretado como uma distribuição menos discrepante da renda, mas de uma
renda que se situa em patamares consideravelmente baixos.
Entre os 17 municípios, 11 obtiveram coeficiente com valores entre 0,60 e 0,68,
semelhante ao índice para o estado de Minas Gerais (0,615) e para o país (0,645).
Um indicador importante para avaliar as condições de desenvolvimento humano, para
além do critério renda, é o Índice de Desenvolvimento Humano. Esse índice é uma
ferramenta valiosa na mensuração das condições de bem-estar e proteção em relação
diferentes dimensões da vida humana. Ele varia de zero (nenhum desenvolvimento
humano) até 1 (desenvolvimento humano total), sendo os países classificados como
desenvolvimento baixo quando o IDH está entre 0 e 0,499; médio quando está entre
0,500 e 0,799; e alto quando está entre 0,800 e 1. Para fins desse estudo, utilizou-se o
83
IDH-municipal, apurado para avaliação das oportunidades de desenvolvimento humano
em cada município do país, apurado a partir de informações do ano de 2000.
Entre os municípios da área de expansão do PAIR Minas no Vale do Mucuri e Vale do
Rio Doce os patamares mais elevados de IDH foram observados em Franciscópolis
(0,79) e o menor em Novo Oriente de Minas (0,58). Do total de 17 (dezessete)
municípios beneficiados nessas duas mesorregiões, 12 (doze) têm valores de IDH entre
0,60 e 0,68, abaixo dos índices estadual e nacional, respectivamente 0,773 e 0,766.
Todos os municípios possuem um nível médio de desenvolvimento segundo os critérios
do IDH.
A pobreza é uma das variáveis críticas na avaliação das condições de segurança de
renda presentes nesses territórios e do volume e perfil das demandas pelas proteções
afiançadas pelo Poder Público.
Para maior focalização do público-alvo do PAIR, considera-se a capacidade econômica
de famílias com membros de até 17 anos, de forma a dimensionar a vulnerabilidade
social desse segmento etário, ou seja, as crianças e adolescentes vivendo com famílias
em situação de insegurança de rendimento.
Entre os municípios das duas mesorregiões variava significativamente o percentual de
pessoas de 0 a 14 anos vivendo em famílias pobres. Enquanto Teófilo Otoni e Nanuque
apresentavam os menores percentuais, respectivamente, 53,80% e 58,64%, os maiores
eram encontrados em Franciscópolis e Catuji (superava os 85%). Em todos os
municípios, no entanto, a pobreza atingia mais da metade da população nessa faixa
etária. Entre os 14 (quatorze) municípios do Vale do Mucuri, em 9 (nove), o percentual
de pessoas de 0 a 14 anos vivendo em famílias pobres era superior a 80%. Já nos 03
(três) municípios da região do Vale do Rio Doce esse percentual ficava entre 67 e 77%.
Os dados revelam que a indigência também era uma realidade marcante nos municípios
da região, atingindo mais da metade da população de 0 a 14 anos em 09 dos 18
municípios. Os menores percentuais de indigência nessa faixa etária foram encontrados
em Nanuque e Teófilo Otoni (24,19% e 28,35%, respectivamente) e os maiores em
Ladainha (65,08%), Franciscópolis (62,50%) e Catuji (61,73%). Mais uma vez,
84
destacam-se os municípios classificados como de pequeno porte I como aqueles que
apresentam os maiores percentuais de crianças e adolescentes em situação de indigência
(a exceção fica por conta de Itambacuri, município de médio porte que apresenta alto
percentual de crianças e adolescentes em situação de indigência).
Tabela 12 Níveis de renda, desenvolvimento e desigualdade nos municípios
beneficiados pela expansão do PAIR Minas na região do Vale do Mucuri e Rio
Doce. 2000.
Teófilo Otoni
0,55
0,77
Percentual de
pessoas pobres
0 a 14 anos²
53,8
Nanuque
Carlos Chagas
Itambacuri
Pequeno I
Águas Formosas
Ataléia
Campanário
Catuji
Franciscópolis
Frei Gaspar
Itaipé
Ladainha
Novo Oriente de Minas
Ouro Verde de Minas
Pescador
Poté
Serra dos Aimorés
Mesorregião
Vale do Mucuri
0,54
0,63
0,47
0,68
0,6
0,63
0,68
0,6
0,62
0,62
0,45
0,60
0,61
0,59
0,62
0,54
..
0,61
0,64
0,66
0,63
0,65
0,62
0,68
0,79
0,61
0,73
0,63
0,58
0,63
0,66
0,60
0,74
..
58,64
71,35
73,82
78,34
81,47
67,74
87,6
89,92
84,87
81,92
87,27
81,17
80,59
76,74
78,49
72,48
69,06
PORTE
POPULACIONAL
Grande
Médio
Pequeno II
MUNICÍPIO
Índice de Gini¹
IDH-M¹
Percentual de
pessoas indigentes
0 a 14 anos²
28,36
24,19
38,63
45,98
58,48
48,28
38,15
61,73
62,5
59,05
58,45
65,08
59,67
52,01
45,26
50,84
37,62
42,35
Vale do Rio Doce
..
..
52,62
27,45
Estadual
Minas Gerais
0,615
0,773
43,36
20,49
Nacional
Brasil
0,645
0,766
45,99
25,18
Fonte. ¹ Fonte: Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA,
Programa Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil.
2006.
² IPEAdata. Ver definição dos indicadores. 64
É importante chamar a atenção para possíveis mudanças nesse quadro na última década,
dado que em face do dinamismo econômico e a ampliação da cobertura de programas de
transferência de renda verificou-se uma queda da desigualdade social no país.
Percentual de pessoas com idade entre 0 e 14 anos que tem renda domiciliar per capita inferior à linha
de pobreza de R$ 75,50. (IPEAdata). Indigência: medida através do percentual de pessoas com renda
domiciliar per capita inferior a R$ 37,75, equivalentes a 1/4 do salário mínimo vigente em agosto de
2000. O universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes.
(IPEAdata).
64
85
Grupo familiar e vulnerabilidades
As políticas públicas no Brasil têm incorporado a matricialidade sociofamiliar como um
dos principais componentes das estratégias de proteção social e de garantia de direitos.
A atenção, portanto, à composição, dinâmica e natureza das dependências que
estruturam o grupo familiar é fundamental para se compreender as condições de
sociabilidade, as estratégias de sobrevivência adotadas e o grau de risco e
vulnerabilidade de crianças e adolescentes à violência sexual no ambiente intra e
extrafamiliar.
Tabela 13: Razão de Dependência nos municípios beneficiados pela expansão do
PAIR Minas nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce. 2000
PORTE
POPULACIONAL
MUNICÍPIO
Razão de Dependência
Grande Teófilo Otoni
39,65
Médio Itambacuri
48,92
Pequeno II Carlos Chagas
37,51
Nanuque
41,3
Pequeno I Águas Formosas
44,62
Ataléia
48,3
Campanário
49,34
Catuji
55,23
Franciscópolis
56,63
Frei Gaspar
52,82
Itaipé
51,81
Ladainha
53,21
Novo Oriente de Minas
50,28
Ouro Verde de Minas
51,56
Pescador
50,81
Poté
50,95
Serra dos Aimorés
46,54
Mesorregião
Vale do Mucuri
45,12
Vale do Rio Doce
40,44
Estadual
Minas Gerais
39,19
Nacional
Brasil
41,07
Fonte: IPEAdata, 2000.
A Razão de Dependência possibilita verificar o peso da população considerada inativa
(0 a 14 anos e 65 anos e mais de idade) sobre a população potencialmente ativa (15 a 64
anos de idade), em um determinado espaço geográfico, no ano considerado. A razão de
dependência pode ser calculada, separadamente, para as duas faixas etárias identificadas
como população dependente. Para se calcular a razão de dependência das crianças
divide-se a população com idade entre 0 a 14 anos pela população com idade entre 15 e
64 anos e multiplica-se por 100. Para calcular a razão de dependência dos idosos dividise a população com idade de 65 anos ou mais pela população com idade entre 15 e 64
86
anos e multiplica-se por 100. Os valores elevados indicam que a população em idade
produtiva deve sustentar uma grande proporção de dependentes, o que significa
consideráveis encargos assistenciais para a sociedade. (Fonte: IBGE)
Considerando um único valor para as duas faixas etárias, a Razão de Dependência, no
ano 2000, oscilava de 37,511 em Carlos Chagas a 56,633 em Franciscópolis. Dos 14
(quatorze) municípios beneficiados pela expansão do PAIR-MINAS na região do Vale
do Mucuri, apenas 04 (quatro) – Teófilo Otoni, Carlos Chagas, Nanuque e Águas
Formosas – possuíam razão de dependência inferior à da mesorregião que é de 45,12.
Os 03 (três) municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na região do Vale
do Rio Doce apresentavam razão de dependência superior à da mesorregião que é de
40,44. Com exceção de Carlos Chagas, todos os demais municípios apresentavam
valores superiores ao do estado de Minas Gerais (39,19) e do país (41,07), no tocante à
razão de dependência.
Um indicador importante da dinâmica do grupo familiar é a presença de mulheres
responsáveis pela família, principalmente em unidades monoparentais. Tendo em vista
as condições de participação das mulheres no mercado de trabalho no Brasil, a maior
dependência econômica dos membros em relação ao chefe de família pode se associar a
estratégias de sobrevivência que incluam a realização de atividades laborais pelas
crianças e adolescentes.
O percentual médio de mulheres responsáveis pela família, sem cônjuges, e com filhos
menores de 15 anos era, no ano 2000, de 6,53% considerando-se os 17 municípios
analisados. O menor percentual era encontrado em Ataléia (3,43%) e o maior em
Ladainha (8,25%). Em 15 (quinze) dos 17 (dezessete) municípios analisados o
percentual era superior ao do estado e do país. Apenas Ataléia e Campanário possuíam
um percentual inferior ao estadual e ao nacional.
Esse quadro é agravado quando se considera a escolaridade das mulheres nessa
condição. Para além do impacto dessa variável sobre as oportunidades no mercado de
trabalho, é conhecida a influência da educação das mães sobre as decisões relativas à
permanência dos filhos na escola. Em famílias monoparentais e com filhos menores de
87
15 anos, as estratégias de sobrevivência baseadas no exercício de atividades laborais
incidirá sobre crianças e adolescentes que se encontram nas fases iniciais de
escolarização (ensino fundamental). As mulheres chefes de domicílio com 0 a 4 anos de
estudo representavam, em média, 15,54%. Entretanto, observou-se grande variação
entre os municípios, sendo o menor percentual encontrado em Pescador (7,96%) e o
maior em Catuji (22,96%).
Embora com os dados utilizados não seja possível estabelecer uma relação de
causalidade, é importante explorar possíveis conexões entre a vivência precoce da
sexualidade, gravidez na adolescência e os riscos e vulnerabilidades à exploração e
abuso sexual da população infanto-juvenil feminina nessa mesorregião. Nesse contexto,
serão apenas abordados alguns indicadores dos processos acima que devem ser objetos
de levantamentos mais atuais e exaustivos em cada município.
Um primeiro indicador é o percentual de meninas com idade entre 10 e 14 anos com
filhos. Os municípios em tela apresentaram percentuais reduzidos para esse indicador
nesse grupo etário, sendo o mais alto observado em Carlos Chagas (0,79%). Na faixa
etária de 15 a 17 anos o quadro revelou-se distinto, na medida em que o percentual de
mães variou de 2,10% em Ataléia a 11,71% em Ladainha. Na mesorregião do Vale do
Rio Doce, o município de Campanário possuía um percentual superior ao da
mesorregião, enquanto em Itambacuri e Pescador esse percentual era inferior.
Já na mesorregião do Vale do Mucuri, dos 14 (quatorze) municípios, 05 (cinco) –
Catuji, Ataléia, Águas Formosas, Carlos Chagas e Nanuque – possuíam um percentual
de mulheres com idade entre 10 e 14 anos com filhos superior ao da mesorregião.
Considerando-se os 17 (dezessete) municípios, percebe-se que em 10 (dez) o percentual
era inferior ao do estado (0,28), e em 11 (onze) inferior ao do país. Os municípios com
maior percentual de mulheres com idade entre 10 e 14 anos com filhos eram, em 2000,
Nanuque, Carlos Chagas, Águas Formosas, Ataléia, Campanário e Catuji (em todos eles
o percentual era superior ao estadual, nacional e de suas respectivas mesorregiões). Esse
quadro sugere a necessidade de atenção especial da rede de enfrentamento local no
sentido de avaliar a existência ou não de relação entre a maternidade precoce e
violências sexuais.
88
Tabela 14: Situação Feminina nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR
Minas na região do Vale do Mucuri e Rio Doce em 2000.
PORTE
Grande
MUNICÍPIO
Teófilo Otoni
Mulheres chefes de família
sem cônjuge e filhos
menores de 15 anos²
%
6,94
Mulheres chefes de
domicílio com 0 a 4
anos de estudo¹
%
11,86
Mulheres de 10 a
14 anos com
filhos²
%
0,13
Mulheres de 15 a
17 anos com
filhos²
%
6,13
Médio
Pequeno II
Nanuque
7,18
15,45
1,20
8,14
Carlos Chagas
7,17
18,86
0,79
5,98
Itambacuri
6,10
15,51
0,13
8,48
Pequeno I Águas Formosas
6,14
16,54
0,61
8,46
Ataléia
3,43
12,51
0,63
2,10
Campanário
4,74
15,88
0,61
7,57
Catuji
7,50
22,96
0,49
6,07
Franciscópolis
6,06
16,73
0,03
5,40
Frei Gaspar
7,19
17,27
0,09
11,71
Itaipé
6,61
17,81
0,02
7,52
Ladainha
8,25
16,20
0,03
11,66
Novo Oriente de
Minas
6,30
20,17
0,02
5,80
Ouro Verde de
Minas
7,88
20,90
0,09
9,12
Pescador
5,94
7,960
0,26
4,44
Poté
5,99
8,190
0,02
5,60
Serra dos
Aimorés
7,62
10,90
0
7,34
Mesorregião Vale do Mucuri
..
..
0,29
7,43
Vale do Rio
Doce
..
..
0,28
5,49
Estadual
Minas Gerais
5,86
..
0,28
6,12
Nacional
Brasil
5,83
..
0,43
8,45
Fonte. ¹ Fonte: Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA,
Programa Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil.
2006.
² IPEAdata. Ver definição dos indicadores.
Em relação à situação feminina, considerando-se o conjunto de indicadores, os
municípios com maior vulnerabilidade são: Ouro Verde de Minas, Ladainha, Frei
Gaspar, Carlos Chagas e Nanuque. 03 (três) desses municípios – Ouro Verde de Minas,
Ladainha e Frei Gaspar – também estão entre os municípios com maior Razão de
Dependência.
Um outro indicador importante é que os motivos pelos quais essa população utiliza os
equipamentos de saúde especializados estão fortemente relacionados à gravidez
precoces e fatores relacionados. No ano de 2006, os municípios de Novo Oriente de
Minas, Itambacuri, Águas Formosas, Frei Gaspar e Pescador destacaram-se pelo
percentual de internações hospitalares do sistema único de saúde de crianças e
adolescentes com idade entre 10 e 14 anos por motivos relacionados a gravidez, parto e
puerpério. Na faixa etária de 15 a 19 anos, os maiores percentuais de internação por
esses motivos foram encontrados em Nanuque, Novo Oriente de Minas e Ouro Verde de
Minas, em torno dos 80%. Os menores percentuais foram encontrados em Frei Gaspar,
89
Itaipé e Ladainha. Esse dado chama a atenção para a participação elevada de gravidez
precoce no total de internações hospitalares envolvendo adolescentes e reforça a
importância de diagnósticos mais pontuais sobre a relação entre a maternidade e as
violências sexuais nesses municípios.
Tabela 15: Percentual de internações de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos
por motivos relacionados a gravidez, parto e puerpério nos municípios
beneficiados pela expansão do PAIR Minas nas mesorregiões do Vale do Mucuri e
do Vale do Rio Doce. 2006
PORTE
POPULACIONAL
Grande
Médio
Pequeno II
MUNICÍPIO
Internações por motivos relacionados à gravidez, parto e puerpério
10 a 14 anos
15 a 19 nos
Total
(%)
(%)
(%)
Teófilo Otoni
..
Nanuque
9,1
Carlos Chagas
..
Itambacuri
13,7
Pequeno I
Águas Formosas
13,3
Ataléia
3
Campanário
0
Catuji
10
Franciscópolis
60
Frei Gaspar
12,5
Itaipé
9,4
Ladainha
8,2
Novo Oriente de Minas
22,2
Ouro Verde de Minas
0
Pescador
12,5
Poté
2,8
Serra dos Aimorés
..
65
Fonte: DATASUS: Indicadores e Dados Básicos – Brasil. Ver definição dos indicadores.
..
80
..
62,4
77,4
62,1
77,3
76,1
70,8
91,4
56,6
53,8
82,6
81,3
75,8
67,5
..
..
25
..
19,5
24,4
14,7
24,5
34
28,6
29
15,7
23,8
26,4
31,7
27
21,4
..
A análise dos dados relativos aos aspectos territoriais, demográficos e socioeconômicos
dos municípios da área de expansão do PAIR nos Vales do Mucuri e Doce chamou a
atenção para uma matriz complexa de riscos e vulnerabilidades sociais no espaço
regional, sendo mais acentuada em alguns deles. É importante, destacar, no entanto, que
a presença de riscos e vulnerabilidades não implica, necessariamente, em sua conversão
em eventos de violências sexuais. O dimensionamento e tipificação dessas violências,
bem com a apreensão da microdinâmica do fenômeno em cada município é um passo
necessário na avaliação do potencial de conversão de riscos e vulnerabilidades em
eventos.
Distribuição percentual das internações hospitalares pagas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) por
grupo de causas selecionadas na população residente nos municípios, no ano de 2006 (DATASUS).
65
90
A violência sexual infanto-juvenil nas mesorregiões dos
Vales do Mucuri e do Rio Doce
Para uma caracterização adequada da violência sexual infanto-juvenil nas mesorregiões
dos Vales do Mucuri e do Rio Doce é importante identificar, inicialmente, o perfil da
violência e da criminalidade observada nos municípios dessas duas áreas de expansão
do PAIR Minas.
Um primeiro indicador a ser considerado é a taxa de crimes violentos, categoria que
agrega crimes como homicídios, tentativas de homicídio, estupros, roubo e roubo à mão
armada66.
Considerando os municípios incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas,
localizados nas duas mesorregiões em tela, observou-se grande variação na taxa67 de
crimes violentos, sendo o menor valor aquele apresentado pelo município de Ladainha
(38,80) e o maior valor foi registrado no município de Teófilo Otoni (563,0). Verificase, conforme tabela abaixo, que essa variação não está associada ao porte populacional,
havendo diferenças expressivas entre as taxas observadas em municípios de pequeno
porte.
Os dados relativos aos crimes violentos contra a pessoa – que exclui as ocorrências de
roubos e roubos à mão armada - mostraram que o município de Pescador teve a menor
taxa (25,73) no ano considerado. O município de Nanuque, com a taxa de 201,07 crimes
por 100 mil habitantes, superou o quadro observado nos municípios da RMBH. É
importante salientar que a taxa de crimes violentos inclui as ocorrências de homicídios,
tentativas de homicídio, estupros, roubo e roubo à mão armada, enquanto a taxa de
crimes violentos contra a pessoa inclui apenas os crimes tipificados como homicídios,
tentativas de homicídio e estupros. Nesse sentido, é possível afirmar que o município de
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Boletim de informações criminais. Abril a junho de 2008. 32p.
Disponível em http://www.seds.mg.gov.br/docs/BIC9_Abril-Jun_2008.pdf. Consulta realizada em
23/11/2008.
67
“Taxas são medidas estatísticas idealizadas para representar mudanças associadas ao comportamento de
uma determinada variável durante um determinado período de tempo. A composição da taxa de um
determinado crime é um produto do número de ocorrências registradas, multiplicado por uma constante
(neste caso, 100.000), dividido pela população da área representada na variável. Assim, para efeito de
exemplo, a taxa de crimes violentos em Minas Gerais no ano de 2003 será: Nº de Ocorrências X 100.000
/ População de Minas Gerais no ano de 2003.” Extraído de: FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Boletim de
informações
criminais.
Abril
a
junho
de
2008.
32p.
Disponível
em
http://www.seds.mg.gov.br/docs/BIC9_Abril-Jun_2008.pdf. Consulta realizada em 13/03/2009.
66
91
Nanuque se destaca em relação aos crimes violentos contra a pessoa, enquanto o
município de Teófilo Otoni apresenta a mais alta taxa de crimes violentos.
Interessante comparar essas informações sobre a criminalidade violenta nos municípios
dos Vales do Mucuri e do Rio Doce com o investimento municipal em Segurança
Pública. O município de Nanuque, que apresentou a taxa mais alta de crimes violentos
contra a pessoa, é também aquele com o maior investimento de recursos na área da
política de Segurança Pública, considerando-se o ano de 2004.
Tabela 16: Indicadores de criminalidade e gastos públicos na área de segurança
pública nos municípios na área de expansão do PAIR Minas nas mesorregiões dos
Vales do Rio Doce e Mucuri - 2004
PORTE
Grande
MUNICÍPIO
Teófilo Otoni
Taxa de crimes
violentos por 100
mil hab.
2004
563,00
Taxa de crimes violentos
contra a pessoa por 100
mil hab.
Gasto orçamentário per
capita com Segurança
Esforço orçamentário
com Segurança Pública
(%)
150,24
0,26
0,04
0,28
Médio
Itambacuri
262,03
131,01
1,61
Pequeno II
Carlos Chagas
369,08
102,66
0,00
0,00
0,84
Pequeno I
Nanuque
288,01
201,07
3,45
Águas Formosas
67,91
30,87
0,30
0,06
0,06
Ataléia
59,51
35,71
0,39
Campanário
53,55
13,39
0,00
0,00
0,14
Catuji
121,67
106,46
0,77
Franciscópolis
109,51
73,01
0,08
0,01
0,01
Frei Gaspar
118,98
93,48
0,06
Itaipé
316,56
119,78
1,02
0,17
0,27
Ladainha
38,80
25,87
1,24
Novo Oriente de Minas
219,44
156,74
0,00
0,00
Ouro Verde de Minas
258,97
147,98
2,62
0,34
0,00
Pescador
180,09
25,73
0,00
Poté
128,12
74,17
1,60
0,33
124,98
0,06
0,01
0,26
Média
199,49
94,89
Fonte: Índice Mineiro de Responsabilidade Social. Dados referentes ao ano de 2004.
0,04
Serra dos Aimorés
236,08
Tais informações fornecem um quadro geral sobre a criminalidade e violência nos
municípios considerados. É preciso reconhecer que a violência sexual contra crianças e
adolescentes possui, como já relatado, uma dinâmica complexa própria relacionada a
múltiplos fatores, dentre eles os de risco, tais como existência de áreas de garimpo,
turismo, terras indígenas, como apresentadas na primeira parte desse relatório, e
92
também aspectos relacionados à vulnerabilidade sócio-familiar, que foram abordados na
segunda parte e que serão oportunamente retomados. Ademais, estabelecer qualquer
relação entre o quadro da criminalidade e a ocorrência de violência sexual nos
municípios não é tarefa simples dado que essas últimas são, sistematicamente,
subnotificadas, o que dificulta o dimensionamento real do fenômeno.
Uma primeira aproximação do quadro de violência contra crianças e adolescentes
observado nesses municípios pode ser realizada a partir dos registros relativos à entrada
e ao fluxo de atendimento das vítimas pelo sistema de proteção social são elementos
relevantes para o dimensionamento do fenômeno, particularmente em relação a um tema
sensível, enquanto problema público, como é a violência sexual infanto-juvenil. As
informações a seguir se referem aos casos e atendimentos relativos à violência em geral
contra crianças e adolescentes registrados pelos CREAS de Minas Gerais e
encaminhados à Diretoria de Proteção e Defesa da Criança e do Adolescente, da
Superintendência de Políticas para a Criança e o Adolescente da Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Social de Minas Gerais (SEDESE/MG)68.
Tabela 17: Casos e Atendimentos registrados pelo Serviço de Combate ao Abuso e
Exploração Sexual oferecido pelos CREAS´s em municípios da área de expansão
do PAIR Minas no ano de 2007
PORTE
MUNICÍPIO
Casos Atendimentos
Grande
Teófilo Otoni69
48
Pequeno II Nanuque70
Pequeno I
25
Águas Formosas71 74
Total
147
202
331
9040
9573
Fonte: SEDESE, 2008
Como se vê na tabela acima, há informações disponíveis para um pequeno número de
municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce considerados na expansão do PAIR Minas.
O volume de casos e atendimentos apresenta grande variação nos municípios dos Vales
do Mucuri e Rio Doce considerados no projeto de expansão do PAIR Minas.
68
As informações disponibilizadas se referem aos atendimentos realizados pelos CREAS no ano de 2007.
Os dados foram coletados pelas equipes do CREAS e encaminhados à Diretoria de Proteção e Defesa da
Criança e do Adolescente que as cedeu gentilmente para a elaboração desse relatório.
69
Dentre esses, três são de Frei Gaspar e um de Ouro Verde de Minas.
70
Considerando que houve seis casos provenientes de Serra dos Aimorés.
71
Dentre os 74 casos, quatro são de Água Quente, seis de Crisólita, dois de Pavão e um de Umburatiba.
93
Destacando-se o município de Águas Formosas, com o maior numero de casos e o
município de Nanuque com o menor volume.
Tal variação deve estar associada não apenas à dimensão do fenômeno da violência
contra crianças e adolescentes, mas também ao nível de gestão do município do Sistema
Único de Assistência Social, uma vez que os recursos relacionados à vigilância sócioassistencial disponíveis para atendimento das vítimas de violência sexual infanto-juvenil
são disponibilizados de acordo com tal classificação e se relacionam, portanto, à
capacidade de atendimento de cada município72.
Entretanto, pode-se afirmar que os dados administrativos de atendimento permitem uma
melhor caracterização da violência contra e crianças e adolescentes nos municípios em
questão73 na medida em que identificam aspectos importantes do perfil vitimadas
crianças e adolescentes vitimizados, de suas famílias e dos agressores. As divergências
entre os dados apresentados acima e aqueles que serão discutidos a seguir deve-se,
sobremaneira, à existência de informações perdidas ou mesmo indisponíveis nos
registros aqui consultados74.
Ao considerar os dados sobre os casos de violência sexual encaminhados ao Serviço de
Proteção social às crianças e aos adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração
sexual e suas famílias, oferecido pelo CREAS (antigo programa Sentinela) em 200775,
verificou-se um número mais expressivo de casos de abuso sexual em relação aos outros
tipos de violência. Em Águas Formosas, foram atendidas 41 vítimas de abuso sexual no
total de 55 casos de violência contra crianças e adolescentes atendidos. No município de
Teófilo Otoni verificou-se, também, a predominância de casos de abuso sexual - 33 no
Ademais, como os dados disponibilizados pela SEDESE/MG diziam respeito apenas a esses
municípios, certamente haveria perda de informações se fosse considerada apenas essa fonte de dados.
73
Embora os registros de atendimentos a vítimas de violência sexual infanto-juvenil pelos serviços atenção
especializada sejam importantes para um dimensionamento do fenômeno, é importante ressaltar que as
variações observadas acima entre os municípios podem estar relacionadas ainda à capacidade de oferta de
desses serviços pelos municípios habilitados em diferentes níveis de gestão do SUAS. Esse aspecto será
discutido adiante.
74
Há dados disponíveis apenas para os seguintes municípios: Almenara, Araçuaí. Medina, Padre Paraíso,
Pedra Azul e Ponto dos Volantes.
75
Há dados disponíveis apenas para os seguintes municípios: Teófilo Otoni, Nanuque, Águas Formosas,
Frei Gaspar, Ouro Verde Minas, Itaipé e Serra dos Aimorés. Tais informações foram encaminhadas pelos
CREAS para a Diretoria de Proteção e Defesa da Criança e do Adolescente, da Superintendência de
Políticas para a Criança e o Adolescente da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e
gentilmente cedidas para a realização desse diagnóstico.
94
total de 48 vítimas de violências -, mas acompanhada de um número expressivo (15) de
vítimas de exploração sexual.
Teófilo Otoni distinguiu-se dos demais municípios pela concentração de casos
envolvendo violências extrafamiliares, relativamente àquelas ocorrências que não
envolvem membros do grupo familiar. Nos demais municípios, os casos de violências
intrafamiliares atendidos nos CREAS prevaleceram. Sendo assim, é importante que
ações relativas ao enfrentamento dessas violências priorizem a atenção aos grupos
familiares e orientam as iniciativas de vigilância socioassistencial para esse públicoalvo. A identificação de agentes públicos atuando junto aos grupos familiares e a
articulação das ações do PAIR aquelas desenvolvidas por esses agentes são movimento
relevantes dado nesse contexto.
Tabela 18: Número de casos atendidos pelo CREAS segundo tipo e forma de
violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da área de expansão do PAIR
Minas, 2007.
PORTE
MUNICÍPIO
Tipo de violência
Forma de violência
Abuso
sexual
Exploração
sexual
Negligência Psicológica
Total
Intrafamiliar
Extrafamiliar Total
Grande
Teófilo Otoni
33
15
0
0
48
14
30
44
Pequeno II
Pequeno I
Nanuque
15
2
1
1
19
15
4
19
Águas Formosas
41
4
4
6
55
37
21
58
Frei Gaspar
3
0
0
0
3
0
3
3
Ouro Verde de Minas 2
0
0
0
2
2
0
2
Itaipé
8
4
0
0
12
8
4
12
Serra dos Aimorés
3
2
2
0
7
5
2
7
105
27
7
7
146
81
64
145
Total
Fonte: SEDESE/MG, 2008.
A identificação do perfil aproximado das vítimas de violência sexual infanto-juvenil nos
municípios considerados é um recurso fundamental para imprimir maior direcionalidade
às ações do PAIR Minas no nível local, ou seja, priorizar o segmento mais vulnerável à
violência sexual. Para isso, será analisado, a seguir, o perfil das vítimas atendidas pelos
CREAS (SEDESE/MG, 2007) por grupo etário, cor, sexo e escolaridade.
Com relação ao perfil etário das vítimas, constatou-se que a maioria das vítimas
encontrava-se na faixa etária compreendida entre 7 e 14 anos, seguida de percentual
menor de casos envolvendo adolescentes com idade entre 15 e 17 anos. Chamou
atenção ainda a existência de um percentual reduzido, mas importante, de crianças e
95
adolescentes vitimizados, na faixa etária de 0 a 6 anos. É preciso considerar, no entanto,
que essas informações referem-se aos registros administrativos efetuados pelas
instituições do sistema de proteção social, e que esse volume expressivo de crianças
menores pode também indicar uma maior capacidade de focalização e atendimento
desse público por parte desses centros de atendimento especializado.
Tabela 19: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do
PAIR Minas segundo os grupos etários, 2007.
Idade
0-6 anos
PORTE
Grande
MUNICÍPIO
Teófilo Otoni
N
%
5 11,36
7-14 anos
15-17 anos
Total
N
%
N
%
N
%
29
65,91
10
22,73
44
30,77
Pequeno II Nanuque
1
5,88
12
70,59
4
23,53
17
11,89
Pequeno I
Águas Formosas
3
5,17
42
72,41
13
22,41
58
40,56
Frei Gaspar
0
0,00
3
100,00
0
0,00
3
2,10
Ouro Verde de Minas 0
0,00
2
100,00
0
0,00
2
1,40
Itaipé
0
0,00
9
75,00
3
25,00
12
8,39
Serra dos Aimorés
0
0,00
7
100,00
0
0,00
7
4,90
9
6,29
104
72,73
30
20,98
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
143 100,00
Com relação à cor das crianças e adolescentes atendidas pelos CREAS, constatou-se o
predomínio de vítimas de cor “parda” em Teófilo Otoni, Nanuque, Frei Gaspar e Ouro
Verde de Minas. Esse dado pode reforçar a relação recorrentemente encontrada em
outros estudos a relação entre cor/vulnerabilidade à violência sexual, uma vez que a
maior parte das vítimas, considerando-se os municípios analisados, é de cor “parda”
(57,14%).
Tabela 20: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do
PAIR Minas segundo a raça/cor, 2007.
Raça/cor
Negra
Porte
Médio
Município
Teófilo Otoni
Parda
N
%
4
9,09 35
9
Branca
Total
%
N
%
N
%
79,55
5
11,36%
44
27,33%
52,94
5
29,41%
17
10,56%
50,00 11 14,47%
76
47,20%
Pequeno II Nanuque
3
Pequeno I
Águas Formosas
27 35,53 38
Frei Gaspar
0
0,00
3
100,00
0
0,00%
3
1,86%
Ouro Verde de Minas
0
0,00
2
100,00
0
0,00%
2
1,24%
Itaipé
9
75,00
3
25,00
0
0,00%
12
7,45%
Serra dos Aimorés
1
14,29
2
28,57
4
57,14%
7
4,35%
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
17,65
N
44 27,33 92
57,14 25 15,53% 161 100,00%
96
No município de Águas Formosas, embora tenha sido observado o predomínio de
vítimas de cor parda, foi registrado um número expressivo de vítimas negras, assim
como em Itaipé, em que do total de 12 vítimas, 9 foram identificadas como negras.
Quanto ao sexo, verificou-se a prevalência de vítimas do sexo feminino em todos os
municípios para os quais há dados disponíveis. Esse resultado sinaliza para uma relação
positiva entre ser do sexo feminino e estar vulnerável à violência nos estes municípios
analisados, demonstrando a existência de um viés de gênero a ser observado no
direcionamento das ações do PAIR.
Tabela 21: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do
PAIR Minas, segundo sexo, 2007.
PORTE
MUNICÍPIO
Masculino
N
%
N
Sexo
Feminino
%
Total
N
%
Médio
Teófilo Otoni
5
11,36%
39
88,64%
44
30,99%
Pequeno II
Nanuque
5
29,41%
12
70,59%
17
11,97%
Pequeno I
Águas Formosas
9
15,52%
49
84,48%
58
40,85%
Frei Gaspar
0
0,00%
3
100,00%
3
2,11%
Ouro Verde de Minas
0
0,00%
1
100,00%
1
0,70%
Itaipé
5
41,67%
7
58,33%
12
8,45%
1
14,29%
6
85,71%
7
4,93%
25
17,61%
117
82,39%
142
100,00%
Serra dos Aimorés
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
Tabela 22: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do
PAIR Minas, segundo escolaridade, 2007.
Porte
Município
Escolaridade
Fundamental
(completo/incompleto)
%
Analfabeta
%
2
4,76
40
100,00
Médio
(completo/incompleto)
%
0
0,00
Médio
Teófilo Otoni
Pequeno II
Nanuque
1
5,56
17
100,00
0
0,00
Pequeno I
Águas Formosas
2
3,33
56
96,55
2
3,33
Frei Gaspar
0
0,00
3
100,00
0
0,00
Ouro Verde de Minas
0
0,00
1
100,00
0
0,00
Itaipé
0
0,00
12
100,00
0
0,00
Serra dos Aimoré
0
0,00
7
100,00
0
0,00
5
3,50
136
98,55
2
1,40
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
A distribuição das vítimas de violência sexual infanto-juvenil por nível de escolaridade
mostrou que os casos atendidos pelos CREAS eram, em sua maioria, relacionados a
crianças e adolescentes que estavam cursando ou cursaram o ensino fundamental.
Analisando o total de ocorrências, verificou-se que prevalece o percentual de atendidos
nesse nível de ensino ou daqueles que já o concluíram (98,55%). Considerando o perfil
etário predominante das vítimas – na faixa da idade esperada para esse nível de ensino -,
97
os dados sugerem que parte das vítimas estava inserida no sistema escolar, o que amplia
a importância das escolas no enfrentamento desse tipo de violência76. Cabe destacar, no
entanto, que, embora 30 casos de vítimas com idade entre 15 e 17 anos tenham sido
identificados, foram registradas apenas 02 vítimas que cursaram ou que estavam
cursando o ensino médio, nível de ensino adequado a essa faixa etária.
Nos dias de hoje, as oportunidades de bem estar variam de acordo com os tipos e
estruturas familiares. As peculiaridades de cada família, tais como sua composição,
condições de vida e a idade de seus componentes indicam vulnerabilidades potenciais.
A instituição familiar sofre impactos de mudanças sociais, culturais e econômicas que
redefinem sua organização. Por dispender recursos econômicos com seus membros, as
famílias tendem a possuir menor número de pessoas, de forma a serem capazes de
manter suas necessidades sociais e humanas básicas.
A conexão entre vulnerabilidades sociais dos grupos familiares e violência sexual
infanto-juvenil é um importante aspecto a ser avaliado em cada um dos municípios,
conforme destacado na parte inicial desse diagnóstico. Nesse sentido, serão
apresentadas algumas informações sobre o grupo familiar das vítimas de violência
sexual atendidas pelos CREAS em municípios localizados nas mesorregiões dos Vales
do Mucuri e do Rio Doce beneficiados com a expansão do PAIR Minas.
Uma das principais dimensões para caracterizar a vulnerabilidade social é a renda,
principalmente aquela apurada levando-se em conta a composição familiar e as
dependências internas ao grupo familiar.
Como pode ser verificado na abaixo, a
maioria das crianças e adolescentes pertencia a grupos familiares cuja renda variava
entre as faixas de um e três salários mínimos. Entretanto, tal informação não permite
aferir se os membros de tal grupo estavam em situação de pobreza ou indigência, uma
vez que esse dado não leva em consideração o número efetivo de pessoas que dependia
dessa renda para sobreviver. Em apenas dois dos municípios considerados foram
identificadas vítimas oriundas de famílias com renda superior a três salários mínimos.
Uma análise mais detida desse ponto requer informações desagregadas no nível individual,
diferentemente da estrutura dos dados em análise, agregados por municípios.
76
98
Tabela 23: Renda familiar das vítimas de violência infanto-juvenil atendidas pelo
CREAS na área de expansão do PAIR Minas, 2007.
Renda familiar das vítimas
Não tem renda
PORTE
MUNICÍPIO
Menos de 1 SM
1 a 3 SM
Mais de 3 SM
N
%
N
%
N
%
N
%
8
18,18
36
81,82
0
0,00
Grande
Teófilo Otoni
0
0,00
Pequeno II
Nanuque
2
9,09
8
36,36
12
54,55
0
0,00
Pequeno I
Águas Formosas
3
4,05
20
27,03
49
66,22
2
2,70
Frei Gaspar
0
0,00
0
0,00
3
100,00
0
0,00
Ouro Verde de Minas
0
0,00
1
100,00
0
0,00
0
0,00
Itaipé
1
20,00
0
0,00
4
80,00
0
0,00
Serra dos Aimorés
1
14,29
0
0,00
6
85,71
0
0,00
7
4,49
37
23,72
110
70,51
2
1,28
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
Um elemento importante para a compreensão do fenômeno da violência sexual infantojuvenil, bem como para a definição de estratégias de enfrentamento, é identificar a
extensão em que as vulnerabilidades são (ou não) cumulativas, ou seja, se são
vulnerabilidades que remetem a diferentes dimensões da vida social dessas famílias e,
especialmente, se elas se reforçam mutuamente.
Aspectos relacionados à
vulnerabilidade familiar, tais como a presença anterior de trajetória de rua, histórico de
violência e desemprego serão discutidos a seguir.
A caracterização do grupo familiar e a trajetória da violência no interior do mesmo
fornecem elementos importantes para a avaliação das múltiplas vulnerabilidades a que
podem estar sujeitas as vítimas de violência sexual infanto-juvenil. O levantamento dos
atendimentos dos CREASs (SEDESE/MG, 2007) diferenciou a família das vítimas em
cinco categorias: famílias com trajetória de rua, com histórico de violências, sem
histórico de violência relevante, família afetiva ou desempregada.
Tabela 24: Caracterização das famílias das vítimas de violência infanto-juvenil
atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas, 2007.
Caracterização as famílias
Trajetória de rua Histórico de violência Sem histórico de violência relevante Família afetiva Família desempregada
PORTE
MUNICÍPIO
Grande
Teófilo Otoni
1
2,56
15
38,46
22
56,4103
1
2,5641
4
9,52
Pequeno II
Nanuque
0
0,00
0
0,00
15
93,75
1
6,25
1
5,88
Pequeno I
Águas Formosas
0
0,00
9
60,00
0
0
6
40
7
31,8
Frei Gaspar
0
0,00
0
0,00
0
0
0
0
3
100
Ouro Verde de Minas
0
0,00
0
0,00
1
100
0
0
0
0
Itaipé
0
0,00
0
0,00
0
0
0
0
0
0
Serra dos Aimorés
0
0,00
0
0,00
7
100
0
0
0
0
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
1
1,28
24
30,77
45
57,6923
8
10,2564
15
16,3
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
99
Pode-se ver que em Águas Formosas predominou o número de vítimas que possuíam
histórico de violência na família. Já nos municípios de Teófilo Otoni, Nanuque, Ouro
Verde de Minas e Serra dos Aimorés prevaleceu o número de famílias sem histórico de
violência relevante, o que não significa que não tenha havido violência anterior, uma
vez que, como dito no início dessa seção, há subnotificação no registro de eventos de
violência, em especial quando essa é de natureza sexual e praticada por membros da
família. Entretanto, tais características não permitem uma análise mais aprofundada da
configuração familiar das vítimas, uma vez que as informações se encontram
agregadas77 ou que a definição das mesmas não está clara78.
Outra dimensão central para a definição de ações de enfrentamento a violência infantojuvenil é caracterização dos agressores e da natureza do vínculo existente entre a vítima
e o violador. No total dos casos registrados, constatou-se que o pai ou o padrasto foi o
principal agressor, sendo que em Teófilo Otoni, 91,7% do total 48 casos atendidos o pai
da vítima foi identificado como o agressor. Em Águas Formosas, foram registrados 71%
casos em que o agressor era padrasto da vítima. Nos demais municípios, embora com
poucos casos registrados, o pai manteve-se com o principal agressor.
Tabela 25: Distribuição do agressor por tipo de vínculo com a vítima de violência
sexual infanto-juvenil segundo o porte e município da área de expansão do PAIR
Minas, 2007
Vínculo com a vítima
Pai
Porte
Município
Padrasto
Família extensa
Vizinho
N
%
N
%
N
%
N
%
0
0,00
1
2,08
3
6,25
Grande
Teófilo Otoni
44
91,67
Pequeno II
Nanuque
15
53,57
3
10,71
2
7,14
8
28,57
Pequeno I
Águas Formosas
8
8,89
64
71,11
15
16,67
3
3,33
Frei Gaspar
3
100,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
Ouro Verde de Minas
1
50,00
0
0,00
0
0,00
1
50,00
Itaipé
8
80,00
2
20,00
0
0,00
0
0,00
Serra dos Aimorés
6
66,67
1
11,11
0
0,00
2
22,22
85
44,74
70
36,84
18
9,47
17
8,95
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
No que tange ao sexo, constatou-se que o agressor era, em sua maioria, do sexo
masculino. Apenas no município de Águas Formosas as mulheres ocuparam a posição
Como no caso da categoria “família desempregada”, que não permite saber se todos os membros do
grupo familiar estão desempregados ou se apenas o chefe da família está nessa situação.
78
Como a definição de histórico de violência relevante ou não. Nesse caso seria melhor perguntar se há ou
não histórico de violência, já que a categoria “relevante” pode implicar um critério subjetivo que dificulta
a comparação das informações e a confiabilidade das mesmas.
77
100
majoritária como agressoras, como se vê na tabela abaixo79. Com relação à cor do
agressor, o levantamento realizado pelos CREAS não registrou o dado para a maioria
dos casos, dificultando a identificação do perfil dos agressores em relação a essa
característica. Considerando apenas 18 do total 55 de vítimas atendidas em Águas
Formosas, para os quais essa informação foi registrada, observou-se um número
predominante de agressores negros. Esse dado, no entanto, deve ser visto com reserva
em face do número significativo de casos sem registro da informação relativa à raça.
Tabela 26: Sexo e raça/cor do agressor segundo o porte populacional e município
da área de expansão do PAIR Minas, 2007.
Sexo
Raça/ cor
Masculino
Porte
Município
Feminino
Negra
Parda
Branca
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
100,00
0
0,00
1
20,00
3
60,00
1
20,00
28,57
Grande
Teófilo Otoni
44
Pequeno II
Nanuque
15
83,33
3
16,67
2
14,29
8
57,14
4
Pequeno I
Águas Formosas
8
11,11
64
88,89
15
83,33
3
16,67
0
0,00
Frei Gaspar
3
100,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
Ouro Verde de Minas
1
100,00
0
0,00
0
0,00
1
100,00
0
0,00
Itaipé
8
80,00
2
20,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
Serra dos Aimorés
6
85,71
1
14,29
0
0,00
2
50,00
2
50,00
85
54,84
70
45,16
18
42,86
17
40,48
7
16,67
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
No conjunto dos casos atendidos para os quais consta a informação sobre a atividade
ocupacional do agressor, constatou-se que os agressores, na quase totalidade, não
trabalhavam. Novamente, é preciso salientar que essa informação foi registrada apenas
para um número reduzido de casos.
Tabela 27: Perfil ocupacional do agressor segundo o porte populacional e
município da área de expansão do PAIR Minas, 2007.
Situação ocupacional
Trabalha
PORTE
MUNICÍPIO
Não trabalha
N
%
N
%
4
57,14
Grande
Teófilo Otoni
3
42,86
Pequeno II
Nanuque
6
54,55
5
45,45
Pequeno I
Águas Formosas
2
8,33
22
91,67
Frei Gaspar
0
0,00
S/I
-
Ouro Verde de Minas
1
100,00
S/I
-
Itaipé
0
0,00
2
100,00
3
50,00
3
50,00
15
29,41
36
70,59
Serra dos Aimorés
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
Nesse sentido, o dado apresentado deve se referir a pais/mães e padrastos/madrastas, informação
não especificada nas informações citadas pela SEDESE/MG (2008).
79
101
Com relação ao uso de drogas, destacou-se o município de Águas Formosas com 22
registros de violadores que faziam uso de drogas, o que representa 52,38% do total de
violadores que faziam uso de drogas nos municípios analisados.
Tabela 28: Distribuição dos agressores por uso de drogas segundo o porte e
município da área de expansão do PAIR Minas, 2007.
Uso de drogas
PORTE
MUNICÍPIO
N
%
Grande
Teófilo Otoni
3
7,14
Pequeno II
Nanuque
13
30,95
Pequeno I
Águas Formosas
22
52,38
Frei Gaspar
0
0,00
Ouro Verde de Minas
0
0,00
Itaipé
0
0,00
Serra dos Aimorés
4
9,52
42
100,00
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
Já no tocante à escolaridade dos agressores é importante observar que no município de
Águas Formosas, 10 dos 22 violadores desse município a respeito dos quais há
informações possuía escolaridade relativa ao Ensino Superior.
A ausência de
informações sobre a escolaridade - particularmente no caso de Teófilo Otoni, um dos
municípios com alto índice desse tipo de violência - dificulta uma avaliação mais
detalhada do perfil dos agressores nesse quesito.
Tabela 29: Escolaridade do agressor segundo o porte populacional e município da
área de expansão do PAIR Minas, 2007.
PORTE
Grande
Pequeno II
Pequeno I
MUNICÍPIO
Teófilo Otoni
Nanuque
Águas Formosas
Frei Gaspar
Ouro Verde de Minas
Itaipé
Serra dos Aimorés
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
Analfabeto
N
%
0
0,00
4
44,44
1
4,55
0
0,00
0
0,00
0
0,00
4
100,00
9
25,00
Escolaridade
Ensino fundamental
Ensino médio
(completo/incompleto) (completo/incompleto)
N
%
N
%
1
100,00
0
0,00
4
44,44
0
0,00
8
36,36
3
13,64
0
0,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
13
36,11
3
8,33
N
0
1
10
0
0
0
0
11
Superior
%
0,00
11,11
45,45
0,00
0,00
0,00
0,00
30,56
A tabela abaixo apresenta um quadro grave a respeito da responsabilização dos autores
de crimes contra crianças e adolescentes: menos de 25% dos violadores foi
responsabilizado (18, num total de 81 registros), e apenas 3
deles respondiam a
102
inquérito pelo crime cometido. Por fim, em cerca de 30% dos casos com informação
disponível, as vítimas mantinham contato com os respectivos agressores.
Tabela 30: Responsabilização do agressor segundo o porte populacional e
município da área de expansão do PAIR-MINAS, 2007
Responsabilização
Responsabilizado
Porte
Município
Não responsabilizado
Abertura de inquérito ou
processo em andamento
N
%
N
%
N
Grande
Teófilo Otoni
0
0,00
1
100,00
0
0
Pequeno II
Nanuque
4
50,00
4
50,00
0
0
Pequeno I
Águas Formosas
1
8,33
8
66,67
3
25
Frei Gaspar
0
0,00
0
0,00
0
0
Ouro Verde de Minas
0
0,00
0
0,00
0
0
Itaipé
0
0,00
0
0,00
0
0
Serra dos Aimorés
4
100,00
0
0,00
0
0
9
36,00
13
52,00
3
12
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
%
Tabela 31: Distribuição dos agressores segundo contato com a vítima nos
município da área de expansão do PAIR-MINAS, 2007
Contato com a vítima
Sim
PORTE
Grande
MUNICÍPIO
Teófilo Otoni
N
Não
%
N
%
6
33,33 12 66,67
Pequeno II Nanuque
6
35,29 11 64,71
Pequeno I
Águas Formosas
16 31,37 35 68,63
Frei Gaspar
S/I
-
S/I
-
Ouro Verde de Minas S/I
-
S/I
-
Itaipé
Serra dos Aimorés
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
1
9,09
10 90,91
4
57,14
3
42,86
33 31,73 71 68,27
Para a definição das ações do PAIR Minas no nível local e identificação dos agentes
estratégicos da rede de enfrentamento é importante identificar o fluxo da vítima no
interior do sistema de garantia de direitos e do sistema de proteção social,
particularmente no que se refere à “entrada” da vítima nessas instituições.
Com relação à procura do CREAS, os dados mostraram que a maioria das vítimas
buscou os atendimentos na companhia da mãe. A tabela abaixo indica que a maioria das
vítimas deu entrada no CREAS acompanhada pela mãe (74 casos) ou pelo responsável
(37 casos). Esse aspecto ressalta a centralidade da figura materna nas políticas da
proteção e promoção dos direitos de crianças e adolescentes, especialmente daquelas
com direitos violados e deve se levado em consideração quando do planejamento das
103
ações do PAIR Minas. Somente nos municípios de Águas Formosas e Teófilo Otoni
foram registrados casos em a própria vítima procurou os serviços especializados de
atendimento.
Tabela 32: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do
PAIR Minas segundo acompanhante em atendimento, 2007.
Porte
Município
Veio sozinha
%
N
Mãe
N
%
Acompanhante
Pai
%
N
N
Responsável
Vizinho
%
%
N
Médio
Teófilo Otoni
7
15,91
22
50,00
1
2,27
14
37,84
0
0,00
Pequeno II
Nanuque
0
0,00
11
61,11
4
22,22
3
16,67
0
0,00
Pequeno I
Águas Formosas
7
11,86
32
54,24
11
18,64
9
17,31
0
0,00
Frei Gaspar
0
0,00
0
0,00
0
0,00
3
100,00
0
0,00
Ouro Verde de Minas
0
0,00
0
0,00
0
0,00
1
100,00
0
0,00
Itaipé
0
0,00
4
33,33
1
8,33
6
50,00
1
12,50
Serra dos Aimorés
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
0
0,00
5
71,43
1
14,29
1
14,29
0
0,00
14
9,72
74
51,39
18
12,50
37
28,46
1
1,79
Considerando o conjunto de serviços ofertados pelos CREAS em cada município,
apenas em Águas Formosas a maioria das vítimas recebeu todos os atendimentos
disponíveis, enquanto em Teófilo Otoni e Nanuque a maioria dos atendidos recebeu
atendimento na área de Serviço Social. Em Serra dos Aimorés e Itaipé os atendimentos
se concentraram nas áreas de Serviço Social e Psicologia. Nos municípios de Frei
Gaspar e Ouro Verde de Minas, ambos municípios de pequeno porte, segundo
informações da SEDESE (2008), não há registro de atendimentos especializados às
vítimas.
Tabela 33: Número de atendimentos prestados às vítimas pelo CREAS na área de
expansão do PAIR Minas, segundo o tipo de atendimento, 2007.
Todos os serviços
PORTE
MUNICÍPIO
Psicol / Serv Social /
Educacional
Jurídico
Psicológico e
serviço social
Serviço
Social
Psicológico
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
Médio
Teófilo Otoni
0
0,00
0
0,00
5
15,15
8
24,24
15
45,45
5
15,15
Pequeno II
Nanuque
9
17,65
1
1,96
3
5,88
4
7,84
33
64,71
1
1,96
Pequeno I
Águas Formosas
48
64,86
0
0,00
14
18,92
12
16,22
0
0,00
0
0,00
Frei Gaspar
0
0,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
Ouro Verde de Minas
0
0,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
Itaipé
0
0,00
1
10,00
0
0,00
9
90,00
0
0,00
0
0,00
Serra dos Aimorés
2
28,57
1
14,29
1
14,29
3
42,86
0
0,00
0
0,00
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
59
33,71
3
1,71
23
13,14
36
20,57
48
27,43
6
3,43
104
O fluxo de encaminhamentos das vítimas realizados pela equipe do CREAS é um
elemento relevante para a identificação de agentes públicos e instituições a serem
articuladas pela rede de enfrentamento local da violência sexual infanto-juvenil. Entre
os municípios com informações disponíveis no levantamento realizado pela
SEDESE/MG (2007), é importante ressaltar o número reduzido de encaminhamentos à
rede de saúde, ação inexistente em quatro dos sete municípios analisados, a saber: Frei
Gaspar, Ouro Verde de Minas, Itaipé e Serra dos Aimorés. Quanto aos
encaminhamentos à rede municipal de Assistência Social, esses foram realizados com
maior freqüência, mas não ocorreu em três municípios (Frei Gaspar, Ouro Verde de
Minas e Itaipé). Cabe destacar ainda o grande número de encaminhamentos realizados
no município de Águas Formosas, que representam 76,29% do total de
encaminhamentos realizados nos municípios considerados. Essas informações remetem
à organização da rede de serviços, aspecto que será abordado na próxima seção.
Tabela 34: Número de atendimentos prestados às vítimas pelo CREAS na área de
expansão do PAIR Minas, segundo o tipo de encaminhamento, 2007.
Porte
Médio
Município
Teófilo Otoni
Encaminhamentos
Rede de saúde Rede de assistência municipal
Total
N
%
N
%
N
%
1
9,09
10
90,91
11
Pequeno II Nanuque
1
11,11
8
88,89
9
9,28
Pequeno I
Águas Formosas
4
5,41
70
94,59
74
76,29
Frei Gaspar
0
0,00
0
0,00
0
0,00
Ouro Verde de Minas
0
0,00
0
0,00
0
0,00
Itaipé
0
0,00
0
0,00
0
0,00
Serra dos Aimorés
0
0,00
3
100,00
3
3,09
6
6,19
91
93,81
97 100,00
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
11,34
Entretanto, como indicado no início dessa seção, a violência sexual infanto-juvenil
possui especificidades que a diferenciam tanto do quadro de criminalidade violenta,
apresentado na tabela acima, quanto da violência física e psicológica contra crianças e
adolescentes80. Tais especificidades, apontadas na ampla discussão teórica presente na
Introdução desse relatório, indicam que à violência sexual contra crianças e
adolescentes deve ser dada especial atenção. Dessa forma, serão apresentados a seguir
dados relativos a esse tipo de violência oriundos de diversas fontes, constituindo uma
105
tentativa de dimensionar de forma adequada o fenômeno em questão e contribuir para
um desenho eficaz da política de enfrentamento.
Uma primeira análise nesse sentido diz respeito ao cruzamento entre o tipo de violência
e à sua forma (se extra ou intrafamiliar). Como dito anteriormente, em todos os
municípios para os quais há dados disponíveis, há predomínio da violência sexual em
relação a outro tipos de violência, como negligência, por exemplo. Entretanto, o que
chama atenção na tabela abaixo, é que nos municípios de Águas Formosas e Teófilo
Otoni, há grande percentual de casos relativos a abuso sexual atendidos no CREAS se
refere à violência extrafamiliar, ou seja, não praticada por membros da família, o que
indica um padrão desviante do esperado, apresentado na discussão teórica já citada.
Também com relação à exploração sexual há registro de casos em que essa violência foi
praticada por membros da família (caracterizando-se como intrafamiliar, portanto) em
Nanuque e Águas Formosas.
Tabela 35: Tipo e forma de violência infanto-juvenil segundo o município de
atendimento de vítimas na área de expansão do PAIR Minas na mesorregião do
Vale do Jequitinhonha
MUNICIPIO
DE ATENDIMENTO
DA VÍTIMA
Águas Formosas
TIPO DE
VIOLENCIA
Abuso Sexual
Exploração Sexual
Outras Violências
Total
22
40,7
32
59,3
54
4
80,0
1
20,0
5
1
6,7
14
93,3
15
36,5
47
63,5
74
Abuso Sexual
4
23,5
13
76,5
17
Exploração Sexual
0
0,0
4 100,0
4
Outras Violências
2
50,0
2
50,0
4
6
24,0
19
76,0
25
Total
T. Otoni
Intrafamiliar
N
%
27
Total
Nanuque
FORMA DE VIOLENCIA
Extrafamiliar
N
%
Abuso Sexual
18
54,5
15
45,5
33
Exploração Sexual
15
100,0
0
0,0
15
Total
33
68,8
15
31,3
48
Fonte: SEDESE, 2008.
Tais informações implicam na necessidade de adequação das estratégias de
enfrentamento à violência sexual às características específicas que essas assumem
nesses municípios, em uma abordagem que mobilize e informe a população e em
especial as famílias das crianças e adolescentes vitimizados e que combine políticas
públicas nesse enfrentamento, uma vez que, por exemplo, a exploração sexual
intrafamiliar recorrente nos municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce incluídos na
106
expansão do PAIR Minas pode estar relacionada ao recurso à violência como meio de se
obter renda para o sustento da família, o que requer, portanto, que se pense em
programas de geração de renda, qualificação profissional e em políticas de transferência
de renda e combate ao trabalho infantil81.
A inclusão da informação sobre os municípios de origem das crianças e adolescentes
vitimizados permite também dimensionar de forma mais adequada a violência sexual
contra crianças e adolescentes na região, uma vez que permite refinar as informações
sobre os casos atendidos, possibilitando trabalhar de forma mais específica em cada
município.
Tabela 36: Tipo e forma de violência sexual infanto-juvenil segundo o município de
origem de vítimas atendidas por serviços especializados na área de expansão do
PAIR Minas na mesorregião do Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce
MUNICIPIO DE
ORIGEM DA
VÍTIMA
Água Quente / A.F
TIPO DE
VIOLENCIA
Abuso Sexual
Águas Formosas
Abuso Sexual
Exploração Sexual
Crisólita
FORMA DE VIOLENCIA
Extrafamiliar
Intrafamiliar
N
%
N
% Total
1 33,3
2 66,7
3
40,5
75,0
25
1
59,5
25,0
42
4
Abuso Sexual
Exploração Sexual
1 25,0
1 100,0
3
0
75,0
0,0
4
1
Frei Gaspar
Abuso Sexual
3 100,0
0,0
3
Nanuque
Abuso Sexual
Exploração Sexual
3
0
21,4
0,0
11 78,6
2 100,0
14
2
Ouro Verde
Abuso Sexual
0
0,0
1 100,0
1
Pavâo
Abuso Sexual
2
66,7
1
33,3
3
Santa Helena de Minas Abuso Sexual
0
0,0
1 100,0
1
Serra dos Aimores
Abuso Sexual
Exploração Sexual
1
0
33,3
0,0
2 66,7
2 100,0
3
2
T. Otoni
Abuso Sexual
Exploração Sexual
Umburatiba
Abuso Sexual
Fonte: SEDESE, 2008.
17
3
15 51,7
15 100,0
14
0
48,3
0,0
29
15
1 100,0
0
0,0
1
Uma consideração importante se refere à presença de vítimas oriundas de municípios
não incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas na mesorregião dos Vales do
Mucuri e Rio Doce, mas que estão vinculados a um CREAS regionalizado sediado em
Na seção seguinte será caracterizada a rede e infra-estrutura de serviços disponíveis nesses municípios,
como forma de orientar e fomentar a interlocução entre diversos órgãos e políticas que podem e devem
ser combinadas para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes.
107
município incluído nesse projeto, como é o caso de Água Quente, Crisólita, Pavão,
Santa Helena de Minas e Umburatiba, vinculados ao CREAS de Águas Formosas. Há
que se definir, portanto, uma estratégia que possibilite a interlocução não apenas com os
municípios incluídos na expansão, mas que reforce também a interlocução co os
municípios que recorrem ao CREAS regionalizado, de modo que a expansão não ocorra
em detrimento de ações já existentes.
Tabela 37: Número de denúncias registradas pelo Serviço Disque-Denúncia
Nacional segundo o tipo de violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da
área de expansão do PAIR Minas– 2003-2005 e 2006-200882.
2003-2005
2006-2008
PORTE
Grande
MUNICÍPIO
Teófilo Otoni
Exploração
Exploração Sexual
Sexual
Comercial
Abuso
Comercial Sexual com intermediário
1
1
2
Médio
Itambacuri
0
0
1
0
5
1
7
Pequeno II
Carlos Chagas
0
0
0
3
5
0
8
Nanuque
0
2
2
1
1
0
6
Águas Formosas
0
0
0
0
0
0
0
Ataléia
0
1
1
1
1
0
4
Campanário
0
0
0
0
0
0
0
Catuji
0
0
0
0
0
0
0
Franciscópolis
0
0
0
0
0
0
0
Frei Gaspar
0
0
0
0
2
0
2
Itaipé
0
1
0
2
0
0
3
Ladainha
0
0
0
0
0
0
0
Novo Oriente de Minas
1
0
1
0
0
0
2
Ouro Verde de Minas
0
0
0
0
2
0
2
Pescador
0
0
0
0
1
0
1
Poté
0
0
2
0
3
0
5
Serra dos Aimorés
0
0
0
0
0
0
0
Total
2
5
9
12
35
3
66
Pequeno I
Exploração Sexual
Comercial
sem intermediário
5
Abuso
Sexual Pornografia Total
15
2
26
Fonte: Disque Denúncia Nacional da SEDH, 2003, 2004, 2005, 2006 e 2008.
Outra abordagem interessante diz respeito à comparação entre esses dados e
informações oriundas de outras fontes, buscando-se construir um quadro mais próximo
à realidade dos municípios em questão. Assim, outra fonte de dados a respeito da
violência sexual contra crianças e adolescentes é o Disque-Denúncia Nacional que
mantido pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. No período considerado - 2003,
2005 e 2006 a 200883 - o volume de denúncias registradas foi baixo e diz respeito
82
Até 11/09/2008.
Até 11/09/2008.
108
apenas a um pequeno conjunto de municípios, ainda que a comparação84 entre os dois
períodos indique um aumento no número de denúncias nos anos entre 2006 e 2008. A
despeito do reduzido número de denúncias registradas, parte expressiva delas referia-se
a ocorrências de abuso sexual.
Entre 2003 e 2005, foram registradas denúncias relacionadas aos municípios de Teófilo
Otoni, Nanuque, Ataléia, Itaipé e Novo Oriente de Minas. No período entre 2006 e
2008, o município de Teófilo Otoni também apresentou o maior número de denúncias
de abuso sexual e de exploração sexual (22 denúncias no total), seguido pelos
municípios de Itambacuri (6) e Carlos Chagas (5).
Ao longo de todo o período considerado, o único município de grande porte entre os
municípios analisados, Teófilo Otoni, destacou-se dos demais pelo volume de denúncias
- 26 no total – o que representa quase a metade do total de registros no período. A esse
município, seguem as cidades de Carlos Chagas (8 registros), Itambacuri (7), Nanuque
(6) e Poté (5).
Cabe considerar que o número de registros é um indicador potencial de ocorrências do
fenômeno, mas é importante frisar que essas manifestações também repercutem a
saliência do tema para o público, a centralidade do tema na agenda local, etc., como
afirma Faleiros (2005):
“Muitas pessoas têm utilizado com mais freqüência o número
telefônico oferecido pelo Estado destinado às denúncias, porque
a ligação permite –lhes o anonimato. É um canal aberto, mas
precisa estar articulado a uma rede. A denúncia pode trazer
mais visibilidade ao que é contado, contabilizado, mas é ponta
de um iceberg e segue as variações das campanhas, aumentando
no momento forte dos apelos e diminuindo em seguida.”
(Faleiros, 2005:9).
Assim, para dimensionar a extensão e incidência do fenômeno da violência sexual nos
municípios em tela é necessário avaliar, de forma mais acurada, os registros de
ocorrências desse tipo de violência efetuados pelos serviços de proteção social e
instituições do sistema de garantia de direitos.
84
Importante destacar que a comparação entre os dois períodos fica prejudicada pela adoção de categorias
distintas em 2003-2005 e em 2006-2008. Sugere-se que tais categorias sejam padronizadas de forma a
possibilitar maior comparabilidade e garantir maior consistência aos dados coletados.
109
Dados relativos à entrada e ao fluxo de atendimento das vítimas pelo sistema de
proteção social são elementos relevantes para o dimensionamento do fenômeno,
particularmente em relação a um tema sensível, enquanto problema público, como é a
violência sexual infanto-juvenil. Ao comparar os dados do Disque Denúncia Nacional
com as informações sobre casos e atendimentos registrados pelo Serviço de Combate ao
Abuso e Exploração Sexual oferecido pelos CREAS no ano de 2007, fornecidos pela
SEDESE, pode-se afirmar que a primeira fonte apresenta problemas de subnotificação.
Os dados referentes aos casos de violência sexual encaminhados ao CREAS e aos
atendimentos realizados, permitem constatar a subnotificação dos registros de violência
sexual apresentados pelo Disque-Denúncia. Tal divergência explicita a necessidade de
interlocução entre serviços, projetos e programas relacionados ao combate à violência
sexual contra crianças e adolescentes no país e em Minas Gerais, o que permitiria a
construção de diagnósticos mais fiéis à realidade e, por conseguinte, o desenho de
estratégias mais efetivas e eficazes.
Interessante observar que o município de Águas Formosas, para o qual não há nenhum
registro de violência sexual no Disque Denúncia Nacional no período entre 2003 e
2008, é o município com maior número de casos e atendimentos registrados no CREAS:
157 casos e 9.040 atendimentos, apenas no ano de 200785. Esse é município é o de
menor porte dentre os considerados na tabela acima, o que indica uma inversão na
relação entre porte do município e ocorrências de violência sexual86, pois o município
de Teófilo Otoni, único de grande porte, figurava com o maior número de registros
realizados pelo disque-denúncia.
Um quadro mais amplo pode ser observado se no diagnóstico forem incluídos dados
originados das instituições de defesa e responsabilização, que compõem o chamado
Sistema de Justiça, uma vez que essas são responsáveis pela notificação dos casos de
85
Deve-se considerar que esses casos e atendimentos envolvem não apenas ocorrências
relacionadas à violência sexual, mas todos os casos encaminhados ao CREAS, incluindo-se aí aqueles
referidos a violência física e psicológica, por exemplo.
86
Apesar do porte, o número de ocorrências de violência sexual pode ser um indicador de
vulnerabilidade social, critério considerado para a implantação do Serviço de Enfrentamento à Violência
Sexual contra Crianças e Adolescentes, como veremos na seção seguinte. Assim, apesar do município de
Águas Formosas ser de pequeno porte, esse apresenta um CREAS regionalizado que presta atendimento a
vítimas oriundas de sete municípios do Vale do Mucuri. Tais informações serão retomadas em momento
oportuno.
110
violência, bem como pela investigação e responsabilização dos agressores. Nesse
escopo estão incluídas as Polícias Civil e Militar, o Judiciário, Ministério Público,
Defensoria Pública e Institutos de Medicina Legal.
É de extrema importância que os registros desses órgãos sejam considerados como
orientação para as políticas de enfrentamento à violência sexual contra crianças e
adolescentes porque, apesar da subnotificação citada anteriormente, tais instituições
possuem grande capilaridade e sua atuação é relevante no que se refere à
responsabilização dos agressores que só irá ocorrer se o fluxo for ali iniciado.
Assim, um quadro mais completo a respeito da violência contra crianças e adolescentes
pode ser traçado a partir dos registros da Polícia Civil87 relacionados à violência contra
crianças e adolescentes no período de 2006-2008. A tabela abaixo mostra que há
registros de violência contra crianças e adolescentes em todos os municípios dos Vales
do Mucuri e Rio Doce incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas.
Tabela 38: Número de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes
registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios dos Vales do Mucuri
e Rio Doce incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte
populacional, 2006-2008.
PORTE
2006
2007
2008
2006-08
POPULACIONAL
MUNICÍPIOS
Fem. Masc. SI Tot. Fem. Masc. SI Tot. Fem. Masc.
SI
Tot. Fem. Masc. SI
Grande
Teófilo Otoni
52% 47% 1% 255 60% 40% 0% 217 56% 44%
0%
32 56% 44% 0%
Médio
Nanuque
41% 59% 0%
34 47% 50% 3%
32 62% 31%
7%
45 51% 45% 4%
Pequeno II
Carlos Chagas
39% 59% 2%
41 47% 36% 18% 45 54% 40%
5%
57 48% 44% 8%
Itambacuri
46% 49% 6%
35 39% 52% 9%
46 75%
8% 17%
12 46% 45% 9%
Pequeno I
Águas Formosas
44% 50% 6%
54 37% 51% 11% 35 35% 48% 17%
23 40% 50% 10%
Ataléia
45% 45% 9%
22 71% 24% 6%
17 56% 33% 11%
9 56% 35% 8%
Campanário
60% 20% 20%
5 33% 33% 33%
6
0%
0% 100%
2 38% 23% 38%
Catuji
..
..
..
..
..
..
..
..
..
..
..
..
..
..
..
Franciscópolis
33% 67% 0%
3
0% 100% 0%
1 25% 75%
0%
4 25% 75% 0%
Frei Gaspar
64% 27% 9%
11 75% 25% 0%
4
0%
0%
0%
0 67% 27% 7%
Itaipé
41% 59% 0%
17 39% 50% 11% 18 50%
0% 50%
4 41% 49% 10%
Ladainha
35% 45% 20% 20 45% 36% 18% 22 88% 13%
0%
8 48% 36% 16%
Novo Oriente de Minas 31% 62% 8%
13
0% 100% 0%
2
0%
0%
0%
0 27% 67% 7%
Ouro Verde de Minas
0% 100% 0%
2 20% 80% 0%
5
0%
0%
0%
0 14% 86% 0%
Pescador
50% 50% 0%
4 100%
0% 0%
2
0%
0%
0%
0 67% 33% 0%
Poté
55% 36% 9%
22 73% 20% 7%
15 58% 25% 17%
12 61% 29% 10%
Serra dos Aimorés
42% 50% 8%
24 58% 33% 8%
12 56% 33% 11%
18 50% 41% 9%
Fonte: CINDS, 2009.
Como se vê na tabela acima, os registros da Polícia Civil referentes a todos os tipos de
violência contra criança e adolescentes superam os dados apresentados pelo CREAS.
87
As informações relativas aos registros da polícia Civil de Minas Gerais foram gentilmente cedidas pelo
Centro de Informações de Defesa Social. Tal ação demonstra o compromisso dessas instituições com o
enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes.
111
Tot.
504
111
143
93
112
48
13
..
8
15
39
50
15
7
6
49
54
Resta saber se esse padrão se mantém, quando se analisa separadamente os registros de
violência sexual.
Outra informação que pode ser extraída dos dados cedidos pela Polícia Civil diz
respeito ao perfil etário das crianças e adolescentes vitimizados, que pode ser
visualizado na tabela abaixo.
Tabela 39: Perfil etário das crianças e adolescentes registrados pela Polícia Civil de
Minas Gerais nos municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce incluídos no projeto
de expansão do PAIR Minas segundo porte populacional, 2006-2008.
PORTE
POPULACIONAL
MUNICÍPIOS
Grande
Teófilo Otoni
Médio
Nanuque
Pequeno II
Carlos Chagas
Itambacuri
Pequeno I
Águas Formosas
Ataléia
Campanário
Catuji
Franciscópolis
Frei Gaspar
Itaipé
Ladainha
Novo Oriente de Minas
Ouro Verde de Minas
Pescador
Poté
Serra dos Aimorés
Fonte: CINDS, 2009.
0 a 12
anos
28%
29%
24%
29%
31%
27%
0%
..
67%
27%
12%
15%
8%
100%
25%
27%
38%
2006
13 a 17
anos
Total
72% 255
71%
34
76%
41
71%
35
69%
54
73%
22
100%
5
..
..
33%
3
73%
11
88%
17
85%
20
92%
13
0%
2
75%
4
73%
22
63%
24
0 a 12
anos
23%
22%
11%
28%
23%
12%
17%
..
0%
25%
22%
32%
0%
60%
50%
33%
42%
2007
13 a 17
anos
Total
77%
217
78%
32
89%
45
72%
46
77%
35
88%
17
83%
6
..
..
100%
1
75%
4
78%
18
68%
22
100%
2
40%
5
50%
2
67%
15
58%
12
0 a 12
anos
28%
44%
23%
42%
17%
22%
0%
..
0%
0%
25%
63%
0%
0%
0%
8%
50%
2008
13 a 17
anos
Total
72%
32
56%
45
77%
57
58%
12
83%
23
78%
9
100%
2
..
..
100%
4
0%
0
75%
4
38%
8
0%
0
0%
0
0%
0
92%
12
50%
18
0 a 12
anos
26%
33%
20%
30%
26%
21%
8%
..
25%
27%
18%
30%
7%
71%
33%
24%
43%
2006-08
13 a 17
anos
Total
74% 504
67% 111
80% 143
70%
93
74% 112
79%
48
92%
13
..
..
75%
8
73%
15
82%
39
70%
50
93%
15
29%
7
67%
6
76%
49
57%
54
A tabela permite verificar que a maioria das crianças e adolescentes vitimizados se
encontrava na faixa etária de 13 a 17 anos, em todos os anos considerados, com exceção
dos municípios de Franciscópolis (2006), Novo Oriente de Minas (2007), Ladainha
(2008) e Ouro Verde Minas (2006 e 2007). Tal informação não pode ser comparada aos
registros do CREAS, uma vez que as faixas etárias não são as mesmas consideradas
pela Polícia Civil.
Considerando, pois, os tipos de violência perpetrados contra crianças e adolescentes
verificou-se que para todos os municípios em todos os anos considerados há
predominância de ocorrências relativas à violência em geral, com exceção de Ladainha
em 2008, em que 75% dos casos registrados se tratavam de estupro e Pescador em 2007,
em que os dois casos registrados foram classificados como estupro.
112
Tabela 40: Número de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes
registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios dos Vales do Mucuri
e Rio Doce incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte
populacional e tipo de violência, 2006-2008.
2006
PORTE
POPULACIONAL
Grande
Médio
Pequeno II
Pequeno I
MUNICÍPIOS
Teófilo Otoni
Nanuque
Carlos Chagas
Itambacuri
Águas Formosas
Ataléia
Campanário
Catuji
Franciscópolis
Frei Gaspar
Itaipé
Ladainha
Novo Oriente de Minas
Ouro Verde de Minas
Pescador
Poté
Serra dos Aimorés
2007
Violência
em geral
Atentado
violento
ao pudor
Estupro
Total
98%
88%
95%
86%
98%
95%
100%
..
67%
91%
94%
90%
100%
100%
100%
91%
100%
2%
9%
0%
3%
0%
5%
0%
..
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
5%
0%
0%
3%
5%
11%
2%
0%
0%
..
33%
9%
6%
10%
0%
0%
0%
5%
0%
255
34
41
35
54
22
5
..
3
11
17
20
13
2
4
22
24
2008
Violência
em geral
Atentado
violento
ao pudor
Estupro
Total
98%
100%
100%
93%
97%
100%
100%
..
100%
100%
100%
86%
100%
80%
0%
87%
92%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
..
0%
0%
0%
5%
0%
0%
0%
0%
0%
2%
0%
0%
7%
3%
0%
0%
..
0%
0%
0%
9%
0%
20%
100%
13%
8%
217
32
45
46
35
17
6
..
1
4
18
22
2
5
2
15
12
2006-08
Violência
em geral
Atentado
violento
ao pudor
Estupro
Total
88%
98%
95%
58%
87%
100%
100%
..
100%
0%
100%
25%
0%
0%
0%
92%
89%
0%
0%
5%
0%
4%
0%
0%
..
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
0%
13%
2%
0%
42%
9%
0%
0%
..
0%
0%
0%
75%
0%
0%
0%
8%
11%
32
45
57
12
23
9
2
..
4
0
4
8
0
0
0
12
18
Violência
em geral
Atentado
violento
ao pudor
Estupro
Total
97%
95%
97%
86%
96%
98%
100%
..
88%
93%
97%
78%
100%
86%
67%
90%
94%
1%
3%
2%
1%
1%
2%
0%
..
0%
0%
0%
2%
0%
0%
0%
2%
0%
2%
2%
1%
13%
4%
0%
0%
..
13%
7%
3%
20%
0%
14%
33%
8%
6%
504
111
143
93
112
48
13
..
8
15
39
50
15
7
6
49
54
Fonte: CINDS, 2009.
Chama atenção o pequeno volume de registros de violência sexual em todo o período
considerado. Se se considera apenas o ano de 2007, período de referência dos dados
coletados pelos CREAS, verifica-se que há grande divergência entre as informações
referidas a registros de atendimentos a crianças e adolescentes vitimizados e as
informações da Polícia Civil de Minas Gerais, uma vez que nesse órgão não há registros
de violência sexual Nanuque e Frei Gaspar nesse mesmo ano e que o volume de casos
nos municípios de Teófilo Otoni e Águas Formosas no mesmo período é bem menor se
comparado aos registros do CREAS.
A análise dos dados permite verificar que o número de casos de violência sexual
atendidos nos CREAS dessa mesorregião é bastante superior, o que indica
descontinuidades importantes no fluxo das vítimas no interior da rede e atendimento e
do sistema de garantia de direitos. Tal informação se relaciona, certamente, ao pequeno
número de agressores responsabilizados, informação apresentada anteriormente e que
indica a necessidade de articulação e mobilização dos atores institucionais responsáveis
pelo enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. Essa mobilização
e articulação são, portanto, passos cruciais para se evitar a já citada subnotificação e
113
aproximar crianças e adolescentes vitimizados dos órgãos responsáveis pela garantia e
proteção de seus direitos88.
Comparando os dados do CREAS, da Polícia Civil e do Disque-Denúncia, que tratam
especificamente da violência sexual, com as informações apresentadas no início dessa
seção nota-se que o município de Águas Formosas se destacou pelos números
apresentados a partir dos dados do CREAS, tanto com relação ao volume de casos,
quanto ao perfil dos agressores e à responsabilização dos mesmos. Nesse sentido, é
possível afirmar que a dinâmica da violência contra crianças e adolescentes obedece a
uma dinâmica própria, que não segue, necessariamente, os padrões da criminalidade
violenta, apresentados no início dessa seção e em que se destacam os municípios de
maior porte, como Teófilo Otoni e Nanuque. Além disso, o município de Águas
Formosas não se destaca como um município com grandes problemas associados à
vulnerabilidade do grupo familiar e segurança de renda, por exemplo, como indica a
análise realizada nas seções anteriores.
O município de Teófilo Otoni, que se destacou pelo alto índice de crimes violentos
apresentou um volume considerável de casos de violência, embora ocupe a segunda
posição entre os municípios considerados no que tange ao número absoluto de
violências infanto-juvenil registradas. Ressalta-se que os dados sobre a violência sexual
infanto-juvenil estão disponíveis apenas para alguns municípios e a ausência de
informações sobre os atendimentos mais uma vez impossibilita que se analise de forma
adequada a relação entre vulnerabilidade sócio-familiar e desigualdade econômica e
violência sexual contra crianças e adolescentes.
Desse modo, as informações disponíveis permitem reconstruir um cenário aproximado
do quadro real da situação de violência sexual infanto-juvenil nos municípios em tela89.
Nesse sentido, uma importante etapa desse projeto de expansão diz respeito à realização
de um diagnóstico local que servirá de linha de base para o monitoramento das ações
Questões relacionadas à rede de serviços e políticas serão abordadas detidamente na próxima seção.
Entretanto, é preciso ressaltar que um diagnóstico confiável sobre a violência contra crianças e
adolescente, em especial, sobre a violência sexual, requer um olhar atento de todos os atores envolvidos:
família, instituições de atendimento, Conselhos Tutelares, escolas e órgãos do sistema de justiça, como
polícias e Judiciário.
89
Os dados coletados pelas equipes de atendimento dos CREAS se limitam a apenas cinco municípios dos
oito incluídos na expansão do PAIR e que muitas das informações não estão disponíveis nem mesmo para
esses cinco municípios.
114
desenvolvidas a partir da implantação do PAIR Minas, o que permitirá análises mais
exaustivas sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes.
Ademais, o esforço de construção de um sistema de monitoramento e avaliação das
ações do PAIR Minas, concomitantemente à expansão do Programa nos municípios
selecionados, permitirá um acompanhamento mais sistemático da política de
enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes.
Infra-estrutura e rede de serviços
Aspecto importante a ser considerado em diagnóstico que tem como objetivo subsidiar a
expansão do PAIR Minas diz respeito à organização da rede de serviços e equipamentos
públicos disponíveis, passíveis de serem mobilizados e integrados à rede de
enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. Na seqüência, será
realizado o dimensionamento da infra-estrutura relativa à assistência social, ou seja, dos
serviços e programas de proteção que compõem a rede de vigilância socioassistencial,
além de outros componentes, relacionados ao sistema de garantia de direitos, como
Conselhos Tutelares e Conselhos de Direitos, em funcionamento nos municípios.
Antes da análise da rede de proteção social é importante abordar a configuração da
política de assistência social a partir da criação do Sistema Único da Assistência Social
(SUAS), que se organiza a partir da diferenciação dos municípios segundo porte
populacional, vulnerabilidade90 e exclusão91 social e prevê a oferta de serviços e
programas em dois níveis, a saber, a proteção social básica, que tem como foco de
atenção a “família referenciada”, ou seja, a família que se apresenta em situação de
vulnerabilidade, mas sem experimentar ainda a violação de direitos, e a proteção social
especial, que tem como referência situações de risco ou violação de direitos já instalada,
tais como aquelas detalhadas acima (MDS, 2005:23,4):
Segundo o Plano Nacional de Assistência Social (2004:51), as políticas de assistência social,
especialmente, àquelas caracterizadas como “proteção básica” se voltam às populações “em situação de
vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos
serviços públicos, dentre outros)”.
91
“Entende-se por exclusão social o processo que impossibilita parte da população de partilhar dos bens e
recursos oferecidos pela sociedade, conduzindo à privação, ao abandono e à expulsão dessa população
dos espaços sociais” (PNAS, 2004:53).
90
115
“A proteção social de Assistência Social é hierarquizada em básica e
especial e, ainda, tem níveis de complexidade do processo de
proteção, por decorrência do impacto desses riscos no indivíduo e em
sua família. A rede socioassistencial, com base no território, constitui
um dos caminhos para superar a fragmentação na prática dessa
política, o que supõe constituir ou redirecionar essa rede, na
perspectiva de sua diversidade, complexidade, cobertura,
financiamento e do número potencial de usuários que dela possam
necessitar. A proteção social básica tem como objetivos prevenir
situações de risco, por meio do desenvolvimento de potencialidades,
aquisições e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.
(...) A proteção social especial tem por objetivos prover atenções
socioassistenciais a famílias e indivíduos que se encontram em
situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus
tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias
psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de
rua, situação de trabalho infantil, entre outras” (MDS, 2005:20. Grifo
nosso).
A oferta das ações socioassistenciais se dá por meio da implantação, a partir da criação
do SUAS, de dois equipamentos específicos, a saber, o Centro de Referência de
Assistência Social – CRAS - e o Centro de Referência Especializado de Assistência
Social – CREAS. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, o CRAS:
“(...) é uma unidade pública da política de assistência social, de base
municipal, integrante do SUAS, localizado em áreas com maiores
índices de vulnerabilidade e risco social, destinado à prestação de
serviços e programas socioassistenciais de proteção social básica às
famílias e indivíduos, e à articulação destes serviços no seu território
de abrangência, e uma atuação intersetorial na perspectiva de
potencializar a proteção social” (MDS, 2008).
O CREAS oferece serviços especializados de forma contínua, voltadas ao apoio,
orientação e acompanhamento a indivíduos e famílias em situação de risco ou violação
de direitos. Seus principais objetivos dizem respeito ao fortalecimento de redes sociais
que possam apoiar as famílias em situação de ameaça ou violação de direitos, garantir
atendimento por equipe multidisciplinar a pessoas em situação de violência e prevenir o
abandono e a institucionalização das pessoas em situação de vulnerabilidade, tais como
crianças e adolescentes em situação de risco social e pessoal e idosos,o que deve ser
realizado a partir da articulação com outros serviços e políticas públicas e com o sistema
116
de garantia de direitos92 (MDS, 2008). São considerados como critérios para
implantação do CREAS o nível de gestão do município no SUAS e o seu porte
populacional.
Além da diferenciação entre níveis de proteção social, há ainda uma hierarquização dos
municípios com relação ao nível de gestão no SUAS, que pode ser caracterizada como
inicial, básica e plena. A gestão inicial ocorre quando os municípios não se habilitarem
para a gestão básica ou plena. Nesse caso, a transferência de recursos ocorre por
intermédio do Fundo Nacional de Assistência Social e o município deve desenvolver
programas de Erradicação do Trabalho Infantil e Combate ao Abuso e à Exploração
Sexual de Crianças e Adolescentes.
A gestão básica permite ao município gerir as ações de proteção social básica, conforme
os seguintes critérios territoriais: municípios classificados como Pequeno Porte I –
mínimo de 1 CRAS para até 2.500 famílias referenciadas; municípios classificados
como Pequeno Porte II – mínimo de 1 CRAS para até 3.500 famílias referenciadas;
municípios classificados como Médio Porte – mínimo de 2 CRAS, cada um para até
5.000 famílias referenciadas; municípios classificados como Grande Porte – mínimo de
4 CRAS, cada um para até 5.000 famílias referenciadas; Metrópoles – mínimo de 8
CRAS, cada um para até 5.000 famílias referenciadas (DS, 2005: 27).
Por fim, os municípios classificados no nível de gestão plena segundo o SUAS devem
organizar serviços e equipamentos públicos que visem a “prevenir situações de risco,
por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, além de proteger as
situações de violação de direitos” (MDS, 2005), ou seja, além da proteção social básica
devem oferecer ainda ações relacionadas à proteção social especial. Com relação a esses
serviços, há a possibilidade de que em municípios de pequeno porte I e II e municípios
de médio porte esses serviços sejam oferecidos de forma regionalizada, havendo para
tanto co-financiamento dos mesmos (MDS, 2005: 30).
O Sistema de Garantia de Direitos é composto por atores que visam à garantia dos direitos de crianças e
adolescentes, composto por famílias, organizações da sociedade civil, Conselhos de Direitos da Criança e
Adolescentes, Conselhos Tutelares e diferentes instâncias do poder público (Ministério Público, Juizado
da Infância e da Juventude, Defensoria Pública, Secretaria de Segurança Pública). Suas ações se
organizam em três eixos, a saber, a promoção dos direitos, a través da formulação de políticas públicas, a
defesa dos mesmos, garantindo que os atores acima citados se responsabilizem por eventuais violações e
o controle social, que envolve ações de fiscalização e acompanhamento. Extraído de
www.ceca.ba.gov.br/eca_sistemadireitos.html em 30/11/2008.
92
117
A configuração organizacional da gestão da política de assistência social no nível
municipal e regional tem conseqüências diretas sobre a dinâmica e desempenho do
PAIR. Cabe destacar que o programa não contempla ações de atendimento e de acolhida
às vítimas de violência sexual infanto-juvenil e requer - para maior efetividade de suas
ações em relação aos casos de direitos violados - a mobilização e articulação das
instituições do setor público e organizações não-governamentais responsáveis ou que
executem tais ações. A existência de infra-estrutura adequada e a capacidade de gestão
da política de assistência social no plano municipal são, portanto, aspectos críticos para
a implementação do PAIR.
Mapa 3: Nível de gestão do SUAS dos municípios da área de expansão do PAIRMINAS na mesorregião do Vale do Mucuri e Rio Doce.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados dos dados da SEDESE, 2008.
Como se vê no mapa acima, a maioria dos municípios contemplados pela expansão do
PAIR Minas nos Vales do Mucuri e do Rio Doce apresenta configuração da Assistência
Social concentrada na Proteção Social Básica, o que decorre, como dito anteriormente,
de critérios territoriais e de caracterização da população. Ademais, tal como previsto na
118
NOB SUAS (MDS, 2005), os municípios de pequeno porte I e II e médio porte
apresentam ações de proteção social especial, ofertadas pelo CREAS, vinculadas a
equipamentos regionalizados, como será visto adiante.
Tabela 41: Configuração da Assistência Social nos municípios dos Vales do Mucuri
e Rio Doce incluídos na expansão do PAIR Minas, 2008.
Grande
Teófilo Otoni
Capacidade de
Número de
Nível de Gestão Nº de
atendimento ano
famílias
no SUAS
CRAS
(nº de famílias) referenciadas
4667
23333
Plena
5
Médio
Itambacuri
Básica
PORTE
MUNICÍPIO
1
750
3500
Básica
1
750
3500
Nanuque
Plena
1
750
3333
Águas Formosas
Plena
1
500
2500
Ataléia
Inicial
0
S/I
S/I
Campanário
Básica
0
S/I
S/I
3500
Pequeno II Carlos Chagas
Pequeno I
Catuji
Básica
1
750
Franciscópolis
Básica
0
S/I
S/I
Frei Gaspar
Inicial
0
S/I
S/I
Itaipé
Plena
1
500
2500
Ladainha
Básica
1
500
2500
Novo Oriente de Minas Básica
1
500
2500
Ouro Verde de Minas
Básica
1
500
2500
Pescador
Básica
1
1000
5000
Poté
Básica
1
500
2500
Serra dos Aimorés
Básica
1
500
2500
Fonte: SEDESE, 2008.
No atual quadro de reorganização da política de Assistência Social, os programas
sociais cumprem importante papel na atenção integral de famílias e de indivíduos em
situação de risco e vulnerabilidade. Na medida em que esses programas produzem
informações relativas aos grupos familiares, às matrizes de riscos e vulnerabilidades
relevantes em cada contexto, à inserção e fluxo desses grupos no sistema de proteção
social, eles são fontes estratégicas de informações laterais - informações produzidas
para com outros objetivos, mas referidas ao mesmo público e/ou território - para a
definição e execução das ações do PAIR.
Com relação aos programas da proteção social básica e à capacidade de atendimento
dos mesmos - relativamente às metas de atendimentos por programas co-financiados
recursos do Governo Federal -, verificou-se que o PAIF, programa de apoio às famílias
119
em situação de vulnerabilidade e os programas de transferência de renda, como
Benefício de Prestação Continuada, o BPC eram, no ano considerado, as iniciativas com
maior número de beneficiários. A Tabela abaixo apresenta de forma mais detalhada a
oferta de serviços de proteção social básica nos municípios em questão no ano de 2007.
Mapa 4: Número de CRAS nos municípios da área de expansão do PAIR-MINAS
na mesorregião do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce
Fonte: Elaboração própria a partir de dados dos dados da SEDESE, 2008.
Como pode ser observado, os municípios de Teófilo Otoni e Nanuque apresentam maior
oferta de programas associados à Proteção Social Básica, enquanto os municípios de
Frei Gaspar e Franciscópolis apresentam maior precariedade de serviços, que se
restringem, nesses dois municípios, ao Benefício de Prestação Continuada. O projeto de
expansão do PAIR Minas deve considerar esses aspectos, uma vez que eles refletem a
infra-estrutura de serviços disponíveis à população e que eventualmente podem ser
acionados para prestar assistência às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual
e suas famílias.
120
O PETI é um programa importante no que se refere ao combate à violência sexual
infanto-juvenil, uma vez que busca assegurar a permanência da criança na escola
mediante incentivos financeiros condicionados à freqüência escolar, aspectos que atuam
no sentido de minimizar a vulnerabilidade das vítimas desse tipo de violência e de suas
famílias. Cabe chamar a atenção para o atendimento, por parte desse programa, de
crianças e adolescentes em área rurais nos municípios com populações rurais
significativas localizados nessas mesorregiões.
Tabela 42: Programas de Proteção Social Básica segundo capacidade de
atendimento MDS, 2007.
PORTE
MUNICÍPIO
PSB Jovem 15 a 17
anos - Bolsa
Agente Jovem
PBF PAIF
PBV PAC Ação
socioeducacional com
jovens
PBT - PAC e API Idosos, crianças,
famílias
BPC
Idoso
BPC
Deficiente
200
25000
200
2300
2588
1499
Grande
Teófilo Otoni
Médio
Pequeno
II
Itambacuri
0
3500
0
510
338
194
Carlos Chagas
25
3500
25
450
542
295
Nanuque
50
3500
50
560
1375
526
Águas Formosas
0
2500
0
380
271
154
Ataléia
0
0
0
100
138
189
Campanário
0
0
0
100
42
36
Catuji
0
2500
0
307
10
12
Franciscópolis
0
0
0
0
17
10
Pequeno
I
Frei Gaspar
0
0
0
0
7
11
Itaipé
25
2500
25
295
7
92
Ladainha
Novo Oriente de
Minas
Ouro Verde de
Minas
50
2500
50
80
49
99
25
2500
25
180
20
25
0
2500
0
158
0
1
Pescador
0
5000
0
0
21
25
Poté
0
2500
Serra dos
Aimorés
0
2500
Fonte: GEOSUAS, 2008. Dados referentes ao ano de 2007.
0
255
169
198
0
240
245
81
A existência de programas de transferência de renda destinados a famílias em situação
de vulnerabilidade, e com foco em crianças e adolescentes, sejam esses vinculados à
Proteção Social Básica ou Especial, desempenham função relevante no combate à
violência sexual infanto-juvenil, uma vez que possibilitam acesso não só a uma renda
mínima, mas também a equipamentos e serviços públicos, que podem prestar
atendimento assistencial, escolar, médico, entre outros.
121
Assim, outro dado relevante diz respeito ao número de famílias beneficiadas pelo
Programa Bolsa Família93 nos municípios em questão (Tabela 52), uma vez que tal
programa, além de garantir o acesso a uma renda mínima possui condicionalidades
relacionadas à educação (como a garantia de freqüência à escola de crianças em idade
escolar) e à saúde (como vacinação e acompanhamento pré e pós-natal) que devem ser
cumpridas pelos beneficiários. Nesse sentido, esse programa constitui um aporte ao qual
se pode recorrer no tocante os encaminhamentos a serem realizados com relação às
vítimas de violência sexual e suas famílias.
Tabela 43: Programas de Proteção Social Especial segundo capacidade de
atendimento MDS, 2007 .
PORTE
MUNICÍPIO
PETI Infantil Bolsa Rural
PETI - Bolsa
Urbana 1
PETI Jornada Rural
PETI - Jornada
Urbana 1
PAC
I
PTMC - Idoso e
deficiente
Grande
Teófilo Otoni
250
550
250
550
120
190
Médio
Pequeno
II
Itambacuri
100
220
100
220
20
0
Carlos Chagas
70
30
70
30
20
0
Nanuque
50
130
50
130
60
0
Águas Formosas
50
150
50
150
0
0
Ataléia
0
0
0
0
0
0
Campanário
0
0
0
0
0
0
Catuji
50
100
50
100
0
0
Franciscópolis
100
0
100
0
0
0
Pequeno
I
Frei Gaspar
6
0
6
5
0
0
Itaipé
150
150
150
150
0
0
Ladainha
Novo Oriente de
Minas
Ouro Verde de
Minas
163
0
163
1
0
0
45
98
45
98
0
0
0
0
0
0
0
0
Pescador
Poté
0
0
0
0
0
0
250
200
250
200
0
0
68
47
68
0
0
Serra dos Aimorés
47
Fonte: GEOSUAS. Dados referentes ao ano de 2007.
Vê-se que há grande variação no número de famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa
Família nos municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce considerados na expansão do
PAIR Minas. Esse dado deve ser considerado no momento de implantação desse
93
“O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda com
condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$
60,01 a R$ 120,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 60,00), de acordo com a
Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004 e o Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004.” Extraído de:
http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/o-que-e/ . Acesso em 15/02/2009, às
17:08.
122
programa, uma vez que o PBF se apresenta como aporte importante para famílias em
situação de vulnerabilidade social.
Essa informação permite dimensionar o número de famílias em situação de
vulnerabilidade nos municípios em questão. Além disso, é preciso conjugar, como dito
anteriormente, políticas de transferência de renda com políticas de enfrentamento à
violência sexual, de forma a amenizar a condição de vulnerabilidade das famílias e
evitar que a violência sexual (em especial a exploração sexual) seja encarada como
fonte renda. Outra dimensão importante é que o programa Bolsa Família já prevê a
articulação com áreas importantes para a atenção a crianças e adolescentes vitimizados,
como Saúde e Educação.
Tabela 44: Número de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família,
Dezembro de 2008.
PORTE
POPULACIONAL
MUNICÍPIO
Número de Famílias
atendidas pelo PBF
Grande
Teófilo Otoni
11.049
Médio
Itambacuri
2.218
Pequeno II
Carlos Chagas
2.208
Nanuque
3.120
Águas Formosas
2.035
Ataléia
1.879
Campanário
312
Catuji
870
Franciscópolis
784
Frei Gaspar
770
Itaipé
1.220
Ladainha
1.732
Pequeno I
Novo Oriente de Minas 1.072
Ouro Verde de Minas
836
Pescador
383
Poté
1.565
Serra dos Aimorés
826
Fonte: SIBEC, 2009.
Um indicador crítico na avaliação da infra-estrutura e capacidade de gestão da política
de Assistência Social refere-se aos recursos repassados a cada nível de gestão, cujo
volume está condicionado à configuração dos programas vinculados à proteção social
básica e à proteção social especial, conforme apresentado nas tabelas anteriores. Nesse
123
sentido, a hierarquização dos níveis de gestão no SUAS prevê conseqüentemente, a
diferenciação no volume de recursos repassados conforme a oferta de ações descritas
acima, variação que pode ser visualizada na tabela abaixo:
Tabela 45: Volume de recursos repassados pelo MDS, 2007.
PORTE
MUNICÍPIO
POPULACIONAL
Grande
Teófilo Otoni
Nível de Gestão SUAS
Gestão Plena
933.610,48
364.264,40
10.313.750,24
Médio
Itambacuri
Gestão Básica
136.872,00
85.805,00
1.328.269,58
Pequeno II
Carlos Chagas
Gestão Básica
136.933,96
33.551,20
2.132.493,62
Nanuque
Gestão Plena
190.257,32
74.946,20
4.812.456,38
Águas Formosas
Gestão Plena
131.611,20
44.125,00
1.109.051,62
Ataléia
Gestão Inicial
20.424,00
0,00
852.251,05
Campanário
Gestão Básica
20.424,00
0,00
179.126,95
Catuji
Gestão Básica
109.553,28
0,00
79.028,85
Franciscópolis
Gestão Básica
0,00
26.610,00
66.692,06
Frei Gaspar
Gestão Inicial
0,00
2.225,00
29.069,02
Itaipé
Gestão Plena
139.250,76
70.975,00
535.908,38
Ladainha
Gestão Básica
120.339,12
47.465,00
368.408,58
Novo Oriente de Minas Gestão Básica
111.733,16
45.825,00
106.181,30
Ouro Verde de Minas
Gestão Básica
86.269,92
44.402,76
381,44
Pescador
Gestão Básica
108.000,00
480,00
101.995,45
Poté
Gestão Básica
98.422,20
92.695,00
953.005,85
Serra dos Aimorés
Gestão Básica
78.508,80
29.555,00
846.794,42
Pequeno I
Repasse PSB Repasse PSE Repasse BPC
Fonte: GEOSUAS, 2008.
Pode-se verificar que o município de Teófilo Otoni apresenta os maiores valores
referentes ao repasse para a Proteção Social Básica, Proteção Social Especial e
Benefício de Prestação Continuada, enquanto não constam registros de repasse de
recursos para os municípios de Franciscópolis e Frei Gaspar (Proteção Social Básica) e
para os municípios de Ataléia, Campanário e Catuji (Proteção Social Especial). Tal fato
decorre da já mencionada possibilidade prevista na NOB SUAS referente à
regionalização da oferta dos serviços de proteção social especial. Com relação ao BPC o
menor volume do repasse é apresentado pelo município de Ouro Verde de Minas, que
recebe um volume de recursos quase insignificante (R$ 381,00).
124
Mapa 5: Caracterização do acesso aos serviços do CREAS nos municípios da área
Fonte: Elaboração própria a partir de dados dos dados da SEDESE, 2008.
Especificamente com relação ao Serviço de Proteção social às crianças e aos
adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias, o mapa
acima indica que esse serviço é oferecido em apenas sete municípios dos Vales do
Mucuri e Rio Doce incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas. Nesses sete
municípios o programa é regionalizado, ou seja, a oferta se dirige não apenas ao
município-sede do CREAS, mas a localidades vizinhas, a maioria delas não incluídas no
projeto de expansão do PAIR Minas.
Tal configuração coloca em questão o desenho da oferta de serviços regionalizados e a
necessidade de articulação da rede de atendimento e de garantia de direitos, de forma a
garantir que vítimas de violência sexual sejam atendidas por serviços especializados ou
impossibilitadas de reivindicar ou exercer a titularidade de seus direitos.
125
Tabela 46: Existência e caracterização do Serviço de Enfrentamento à violência
sexual contra crianças e adolescentes, segundo nível de gestão no SUAS, 2007
Grande
Teófilo Otoni
Plena
Existência do Serviço de Enfrentamento
à violência, abuso e exploração sexual
contra crianças e adolescentes
Sim
Médio
Itambacuri
Básica
Não
NSA
Pequeno II
Carlos Chagas
Básica
Não
NSA
Nanuque
Plena
Sim
regional - sede
Águas Formosas
Plena
Sim
regional - sede
Ataléia
Inicial
Não
NSA
Campanário
Básica
Não
NSA
Catuji
Básica
Não
NSA
Franciscópolis
Básica
Não
NSA
Frei Gaspar
Inicial
Sim
regional – Teófilo Otoni
PORTE
POLULACIONAL
Pequeno I
MUNICÍPIO
Nível de Gestão SUAS
Caracterização do Serviço
regional - sede
Itaipé
Plena
Sim
regional - Padre Paraíso
Ladainha
Básica
Não
NSA
Novo Oriente de Minas
Básica
Não
NSA
Ouro Verde de Minas
Básica
Não
regional - Teófilo Otoni
Pescador
Básica
Não
NSA
Poté
Básica
Não
NSA
Serra dos Aimorés
Básica
Sim
regional - Nanuque
Fonte: SEDESE, 2008.
Mapa 6: Existência do Serviço de Enfrentamento à ESCCA nos municípios da área
de expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do
Rio Doce
126
Fonte: Elaboração própria.
A partir dessas informações pode-se concluir que há grande variação com relação ao
desenho da infra-estrutura de serviços relacionada à Assistência Social nos municípios
elencados acima, com grande concentração na proteção social básica em decorrência de
características territoriais, como porte populacional e configuração da vulnerabilidade
social. Essa configuração impõe um formato regionalizado à política de enfrentamento à
violência sexual infanto-juvenil, uma vez que essa deve ser balizada pela oferta de
serviços especializados de proteção social. Isso torna imperativo que a implantação do
PAIR Minas nessa região se oriente pela articulação de uma rede intermunicipal de
serviços e instituições, que ultrapasse a rede socioassistencial, de forma a assegurar a
garantia efetiva de direitos no espaço regional.
Uma perspectiva de rede adotada pela metodologia do PAIR requer a integração das
ações executadas nas diferentes áreas de políticas públicas, incorporando uma
abordagem ampla e transversal de proteção social. Essa abordagem implica no
alinhamento de diferentes políticas setoriais, como saúde, educação, renda e trabalho,
com vistas à atenção integrada de seus beneficiários. Nessa direção, cabe identificar no
espaço do município as bases potenciais de articulação dos agentes públicos e
organizações governamentais e não-governamentais implicados nas diferentes áreas de
políticas.
Em primeiro lugar, considera-se que a rede escolar (estadual e municipal) possui - ou
pode vir a assumir - um papel central como executora de ações transversais de
enfrentamento, particularmente, no campo da prevenção e do desenvolvimento do
protagonismo infanto-juvenil. e como agente facilitador da identificação e notificação
de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Além disso, a escola
oferece condições particularmente importantes Nesse sentido, é o dimensionamento da
rede escolar desses municípios será realizado com o objetivo de identificar bases
potenciais de mobilização dos educadores e de suas instituições para atuação como
integrante da rede local de enfrentamento.
Como se vê na tabela abaixo, os municípios considerados na expansão do PAIR Minas
nos Vales do Rio Doce e Mucuri caracterizam-se pela presença de uma extensa rede
escolar, com especial destaque para as escolas de Ensino Fundamental. Tal dado,
127
somado ao fato de que a maioria das vítimas nesses municípios possuía, como
indicaram os dados da SEDESE/MG, escolaridade relativa ao Ensino Fundamental
(concluído ou em curso), aponta para a centralidade das ações envolvendo essas
instituições.
Para uma avaliação mais acurada desse potencial são necessárias
informações complementares acerca da presença dessas escolas nas áreas mais
vulneráveis e da acessibilidade das mesmas relativamente às populações em situação de
risco e vulnerabilidade.
Tabela 47: Número de escolas existentes municípios da área de expansão do PAIR
Minas, por nível de ensino.
PORTE
POPULACIONAL
MUNICÍPIO
Grande
Teófilo Otoni
Médio
Itambacuri
Pequeno II
Carlos Chagas
11
32
2
0
5
17
4
0
17
22
6
1
Águas Formosas
5
31
2
0
Ataléia
7
16
2
0
Campanário
1
19
1
Não informado
Catuji
1
10
1
Não informado
Franciscópolis
2
7
1
Não informado
Frei Gaspar
2
22
1
Não informado
Itaipé
1
31
2
0
Ladainha
3
16
2
Não informado
Novo Oriente de Minas
1
20
1
Não informado
Ouro Verde de Minas
6
22
1
0
Pescador
5
10
1
0
Poté
1
3
1
Não informado
Nanuque
Pequeno I
Escolas
Escolas
Escolas
Escolas
Ensino Pré-Escolar* Ensino Fundamental* Ensino Médio* Ensino Superior**
45
98
19
6
Serra dos Aimorés
Total
1
2
1
Não informado
114
378
48
7
Fonte: IBGE Cidades * dados referentes a 2007; ** dados referentes a 2005.
No que tange ao desenvolvimento de iniciativas transversais relacionadas à temática do
PAIR, pode-se destacar a execução do Programa de Educação Afetivo Sexual nas
escolas públicas do estado (PEAS Juventude). Esse programa teve como foco inicial a
temática da sexualidade, mas atualmente privilegia o fomentado do protagonismo
juvenil94, o que o torna grande parceiro no que se refere ao combate à violência sexual
94
“O Peas Juventude está presente em 213 municípios mineiros, com atendimento a 400 mil estudantes do
Ensino Médio e 150 mil do Ensino Fundamental. Em 2008, a Secretaria de Estado de Educação investiu
R$2,52 milhões nas 423 escolas estaduais participantes. O programa é considerado um instrumento de
formação dos jovens por estar estruturado a partir de uma visão afirmativa da juventude. O foco é o
jovem como fonte de soluções, de iniciativas, de compromisso e soluções para a sua comunidade. O
objetivo central é a promoção do desenvolvimento pessoal e social do adolescente através de ações de
128
contra crianças e adolescentes. Esse programa está presente nos municípios de Teófilo
Otoni, Carlos Chagas, Nanuque, Águas Formosas, Ataléia, Campanário, Novo Oriente
de Minas e Poté.
No município de Franciscópolis há também o Programa Travessia, voltado à melhoria
da qualidade de vida, redução da pobreza e inclusão produtiva da população em situação
de vulnerabilidade social. A distribuição desse programa obedece a critérios
relacionados à vulnerabilidade social, considerando indicadores como o IDH, o que faz
com que a maioria deles se apresente nos municípios caracterizados como muito
vulneráveis, como visto nas seções anteriores.
As instituições da área de saúde assumem papel estratégico por serem, potencialmente,
receptoras de vítimas de violência sexual infanto-juvenil em decorrência de agravos ao
quadro de saúde associados a esse tipo de violação. Essa condição torna os órgãos de
atendimento da área de saúde de especial importância para o desenvolvimento do PAIR,
particularmente no que tange à identificação de casos de violação, notificação às
autoridades competentes e encaminhamento às instâncias de atendimento especializado.
A partir da tabela abaixo é possível visualizar a abrangência do Programa Saúde da
Família e a número de estabelecimentos de saúde existentes em cada um dos municípios
incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas:
As informações acima permitem dimensionar a abrangência do Programa Saúde da
Família, importante parceiro das ações de enfrentamento à violência sexual contra
crianças e adolescentes, uma vez que atua direta e intensamente com a população. Nesse
sentido, o PAIR Minas deve dar especial atenção à mobilização e capacitação de tais
equipes.
Entretanto, a mobilização e a articulação desses agentes não devem estar limitadas aos
estabelecimentos de saúde, mas deve abranger as equipes de Programas como Saúde da
caráter educativo e participativo. Inicialmente voltado para a temática da sexualidade, hoje o seu foco é o
protagonismo juvenil e é dividido em três importantes áreas temáticas: sexualidade e afetividade;
adolescência e cidadania; mundo do trabalho e perspectiva de vida”. Informações extraídas de:
http://www.educacao.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=360&Itemid=256.
Consulta realizada em 15/02/2008.
129
Família, pautados na inserção das equipes nas comunidades e no estabelecimento de
vínculos com as famílias. Essa capilaridade dos programas da saúde no espaço local é
de especial importância para o mapeamento das áreas e identificação das famílias em
situação de vulnerabilidade à violência sexual. A orientação dos profissionais dessa área
a respeito das especificidades da situação de violência sexual, dos encaminhamentos e
providências necessários, além de questões relacionadas à prevenção e conscientização
das famílias é fundamental para o sucesso das ações de enfrentamento à violência
sexual infanto-juvenil.
Tabela 48: Número de estabelecimentos de saúde e número de famílias atendidas
pelo PSF por município e porte populacional – 2008.
Porte
Grande
Município
Teófilo Otoni
Médio
Itambacuri
27
S/I
28
5.072
Nanuque
62
8.763
Águas Formosas
18
S/I
Ataléia
6
2935
Campanário
4
825
Catuji
6
2.085
Franciscópolis
2
1.332
Frei Gaspar
2
S/I
Itaipé
5
2.907
Ladainha
5
3.614
Novo Oriente de Minas
5
2.181
Ouro Verde de Minas
3
1.846
Pescador
1
1.271
Poté
7
4.362
Serra dos Aimorés
8
2.763
Pequeno II Carlos Chagas
Pequeno I
Número de
Número de famílias
estabelecimentos
acompanhadas pelo PSF**
de saúde*
298
15.907
Fonte: DATASUS, 2009. * dados referentes a dezembro de 2008; ** dados referentes a outubro de 2008.
Há, ainda, nos municípios de Ataléia, Campanário, Caraí, Carlos Chagas, Catuji,
Crisólita, Franciscópolis, Frei Gaspar, Águas Formosas, Itaipé, Itambacuri, Ladainha,
Nanuque, Novo Oriente de Minas, Ouro Verde de Minas, Pescador, Poté, Serra dos
Aimorés e Teófilo Otoni, o Programa Territórios da Cidadania, que tem como objetivo
melhorar a qualidade de vida dos habitantes de áreas de grande vulnerabilidade, em
especial, das áreas rurais95.
95
O Território da Cidadania do Vale do Mucuri (MG), com 23.221,40 quilômetros quadrados, é formado
pelos municípios de Ataléia, Bertópolis, Campanário, Caraí, Carlos Chagas, Catuji, Crisólita,
Franciscópolis, Frei Gaspar, Fronteira dos Vales, Águas Formosas, Itaipé, Itambacuri, Ladainha,
Machacalis, Malacacheta, Nanuque, Novo Oriente de Minas, Ouro Verde de Minas, Pavão, Pescador,
130
Nesse sentido, o Programa se desenvolve nos municípios citados a partir de conjuntos
de ações organizados segundo os eixos: direitos e desenvolvimento social, que inclui
ações relacionadas aos serviços de proteção social básica e especial e documentação de
mulheres trabalhadoras rurais; organização sustentável da produção relacionada ao
fomento da agricultura familiar, crédito, incentivo ao cooperativismo, apoio técnico a
iniciativas em áreas indígenas, comunidades quilombolas e assentamentos rurais além
da capacitação de mulheres trabalhadoras rurais, por exemplo; saúde, saneamento e
acesso à água, que inclui a ampliação do acesso à atenção básica em saúde através do
Programa Saúde da Família e o acesso a cisternas, apenas para citar alguns exemplos;
educação e cultura, que prevê a construção, manutenção e modernização de escolas e
bibliotecas, implantação do ProJovem e apoio a pontos de cultura; apoio à gestão
territorial, a partir da elaboração de planos de desenvolvimento sustentável e
capacitação de agentes de desenvolvimento; por fim, ações fundiárias, relacionadas à
regulamentação de imóveis rurais.
Como se percebe, o Programa prevê a articulação entre programas ligados a diversos
Ministérios: Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Desenvolvimento Agrário; do
Trabalho e Emprego; Ministério da Saúde; Ministério da Cultura; das Minas e Energia;
das Cidades e da Integração Nacional. Tal articulação se mostra extremamente relevante
para o desenvolvimento das ações do PAIR Minas, na medida em que pode
potencializar a sua atuação nas áreas rurais dos municípios considerados no projeto de
expansão96.
Além disso, a atuação do Programa Territórios da Cidadania pode
constituir um elo de ligação do PAIR em relação a segmentos específicos, como a
população dos territórios indígenas, caracterizados como áreas de vulnerabilidade em
relação à violência sexual infanto-juvenil.
Poté, Santa Helena de Minas, Serra dos Aimorés, Setubinha, Teófilo Otoni e Umburatiba. Com 431.840
habitantes, dos quais 160.747 (37,22%) vivem na área rural, o IDH médio do território é 0,68. O Vale do
Mucuri tem 12.779 agricultores familiares, 207 famílias assentadas, 177 famílias de pescadores, seis
comunidades
quilombolas
e
uma
terra
indígena.
Extraído
de
http://comunidades.mda.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/mediojequitinhonhamg/onecommunity?page_num=0. Acesso em 23/03/09, às 10:07.
96
Oportuno lembrar que os municípios incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas nos Vales do
Mucuri e Rio Doce se caracterizam por apresentar grande percentual de domicílio rurais (ou,
inversamente, pequeno percentual de domicílios urbanos), como mostrado na primeira seção desse
relatório, que tratou da caracterização sócio-demográfica dos mesmos. Assim, apenas para citar alguns
exemplos, os municípios de Franciscópolis, Catuji, Frei Gaspar, Itaipe, Ladainha, Ataléia e Novo Oriente
de Minas possuem menos de 45% de domicílios urbanos, ou seja, são cidades predominantemente rurais.
131
Outro aspecto relevante com relação aos parceiros potenciais do PAIR Minas diz
respeito à mobilização dos componentes do Sistema de Garantias de Direitos. Essas
instituições estão diretamente implicadas na execução das ações previstas nos eixos de
defesa dos direitos das crianças e adolescentes e responsabilização dos diversos
envolvidos, de forma a garantir e fiscalizar o cumprimento desses direitos: o Conselho
Tutelar, o Conselho de Direitos, o Ministério Público, a Defensoria e o Poder Judiciário.
Nesse sentido, importante ressaltar que todos os municípios dos Vales do Mucuri e Rio
Doce incluídos na expansão do PAIR Minas possuem Conselhos Tutelares (CT) e
Conselhos de Direitos (CMDCA) 97.
Mapa 7: Existência de Conselhos Tutelares nos municípios da área de expansão do
PAIR-MINAS nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce
Fonte:Elaboração própria,
Com relação à caracterização de tais equipamentos, levantamento realizado pelo
Instituto Telemig Celular em 200198 constatou que apenas 43% do total de municípios
97
Dados disponíveis no portal do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente:
www.cedca.mg.gov.br.
98
Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do
Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular, 2001.
Pesquisa realizada com 178 CMDCAs e 188 CTs no estado de Minas Gerais. Dentre esse total, foram
incluídos na amostra 6 CMDCAs e 10 CTs localizados no Vale do Mucuri. Foram consideradas na análise
132
localizados no Vale do Mucuri possuíam CTs e que 30% somente dispunham de
CMDCAs. No Vale do Rio Doce a situação é ainda mais grave, uma vez que somente
16% dos municípios componentes dessa mesorregião possuíam CTs e 19% tinham
CMDCAs instalados. Nesse sentido, pode-se observar que os municípios dessas
mesorregiões selecionados para expansão do PAIR Minas estão em situação não tão
grave uma vez que, como dito, todos possuem Conselhos Tutelares e de Direitos
instalados.
Com relação aos CMDCAs do estado de Minas Gerais, a pesquisa identificou algumas
características relacionadas ao perfil dos conselheiros:
1. Há, em geral, predominância da presença de mulheres, mas no Vale do
Mucuri a proporção entre homens e mulheres se apresenta equilibrada;
2. Com relação à idade, a maioria dos conselheiros (42%) se apresenta na faixa
dos 36 a 45 anos; no que se refere à escolaridade, há concentração em dois
subgrupos: Ensino Médio completo e Ensino Superior completo, havendo
ainda predomínio dos profissionais da Educação e de servidores públicos
entre a maioria dos Conselheiros;
3. Há ainda uma tendência a que municípios maiores apresentem Conselhos
compostos por maior número de membros, bem como há maior
probabilidade de que esses sejam presididos por conselheiro representante da
sociedade civil. Ademais, os dados coletados indicaram que “quanto menor
o município, menor o percentual de conselheiros que trabalham em entidades
ligadas à área da criança e do adolescente” (Instituto Telemig Celular,
2001:20). Tais aspectos indicam que o porte populacional é um fator
relevante no que se refere à organização dos CMDCAs e, portanto, aspecto
relevante a ser considerado na organização das atividades de formação e
mobilização previstas na metodologia do PAIR Minas;
as variáveis porte dos municípios, medido pela população municipal de 0 a 17 anos (critério diferente,
portanto, do porte utilizado na análise desenvolvida no presente relatório), mesorregião e índice de
desenvolvimento infantil, calculado pelo UNICEF e baseado em informações sobre crianças de 0 a 6
anos, tais como vacinação e acesso a pré-escolas. Segundo o relatório da pesquisa, “... são apresentados
apenas alguns cruzamentos efetuados, priorizando-se os casos em que foi encontrada uma associação
digna de nota entre as questões pesquisadas e as variáveis acima descritas” (Instituto Telemig Celular,
2001:11). Dessa forma, far-se-á menção a algumas informações agregadas por indisponibilidade de dados
desagregados (por mesorregião e/ou porte) para determinados temas.
133
4. Com relação às instituições da sociedade civil representadas nos CMDCAs,
há predomínio das entidades de atendimento, de defesa de direitos e
mobilização, voltadas à criança e ao adolescente;
5.
A seleção dos conselheiros se dá, na maioria dos municípios pesquisados,
por meio de eleições e o principal critério para a seleção dos membros é a
atuação prévia em entidades voltadas à criança e ao adolescente.
Com relação à infra-estrutura, foi verificado que a maioria dos conselhos possui uma
“sede” para atuar, local que é predominantemente mantido pelo poder público municipal
e que grande parte dos conselheiros considera satisfatório. Entretanto, a pesquisa indica
que apenas 41% dos CMDCAs pesquisados possui telefone fixo. Com relação à equipe
de apoio, o levantamento realizado apontou que mais da metade dos Conselhos dispõe
de apoio administrativo, geralmente cedido pelo poder público. Interessante ressaltar
que a infra-estrutura dos CMDCAs é tanto melhor quanto maiores os municípios, o que
traz ao debate, novamente, a questão do porte populacional.
Com relação ao planejamento e avaliação das ações desenvolvidas, a pesquisa constatou
que:
“(...) a maior parte das CMDCAs não dispõe ainda de ferramentas
básicas para a organização e o direcionamento de suas atividades. (…)
apenas 21% deles dispõem de diagnóstico local sobre a situação das
crianças e adolescentes, formalmente elaborado e fundamentado em
indicadores sociais. Da mesma forma, 21% não dispõem de
comissões de estudo e atuação em áreas temáticas prioritárias.
Somente 17% possuem um plano de trabalho documentado, com
metas e estratégias de ação claramente definidas. Como decorrência
natural desta ausência de planejamento, é menor ainda o número de
CMDCAs (13%) que possuem procedimentos estruturados para o
acompanhamento e avaliação dos resultados de suas ações” (Instituto
Telemig Celular, 2001:24)
A expansão do PAIR Minas pode contribuir para a reversão desse quadro, ainda que
especificamente no que se refere ao tema da violência sexual contra crianças e
adolescentes, pois esse Programa prevê em sua metodologia o permanente
monitoramento das ações planejadas com base no cenário inicial diagnosticado. Nessas
duas mesorregiões, verificou-se que nenhum Conselho localizado no Vale do Mucuri
possuía, à época, diagnóstico sobre a situação das crianças e adolescentes.
134
Apesar indisponibilidade de estudos sistemáticos e desagregados por município, a
pesquisa realizada pelo Instituto Telemig Celular em 200199 apresenta informações
sobre a percepção dos conselheiros acerca dos principais problemas que atingem
crianças e adolescentes, a saber: pobreza e desestruturação familiar, gravidez na
adolescência, falta de oportunidade qualificação profissional e condições precárias de
moradia. A exploração ou abuso sexual aparece em 13º lugar no ranking dos principais
problemas e as percepções acerca da sua gravidade variam também de acordo com o
porte municipal, sendo considerado mais grave pelos entrevistados nos municípios com
mais de 40 mil habitantes e menos grave nos municípios com menos de 10 mil
habitantes. Em um índice que varia de 0 (não atinge) e 1 (atinge em alto grau), os dados
dos CMDCAs do Vale do Mucuri avaliaram que a questão da violência sexual contra
crianças e adolescentes não é tão grave, apresentando valor de 0,44.
Ainda segundo as percepções dos conselheiros, a capacidade das entidades de
atendimento para lidar com os problemas é mediana, sendo a avaliação positiva no que
se refere ao enfrentamento de questões relativas à desnutrição e à insuficiência de
alimentos. Essa avaliação é negativa quanto ao atendimento dos casos relacionados à
exploração e abuso sexual, informação especialmente relevante no escopo da proposta
de ampliação do PAIR Minas.
Com relação às articulações e parcerias dos CMDCAs, aspecto de grande relevância
para a expansão do PAIR Minas, a pesquisa realizada pelo Instituto Telemig Celular em
2001100 verificou que há, aparentemente, um bom relacionamento desses órgãos com
instituições que atuam na área da criança e do adolescente, principalmente com os CTs
e atores ligados à área jurídica. Com relação às parcerias, essas são mais freqüentes nos
municípios maiores e ocorrem geralmente com “... órgãos de caráter público que, por
imperativos legais ou organizacionais, deveriam naturalmente estabelecer interfaces
com a ação dos conselhos: Executivo Municipal, CT, entidades de atendimento,
Ministério Público, Poder Judiciário” (Instituto Telemig Celular, 2001:27). Tais
informações podem orientar a ação do PAIR Minas no sentido de reforçar ou fomentar
Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do
Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular, 2001.
100
Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do
Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular, 2001.
99
135
tais parcerias, especificamente no que se refere à questão do enfrentamento à violência
sexual infanto-juvenil.
No tocante ao relacionamento dos CMDCAs com as mídias, a pesquisa aponta que há
possibilidades de ampliação e qualificação da relação com os meios de comunicação, o
que pode se traduzir em ações de mobilização mais eficazes:
“(...) parece haver um potencial comunicativo nos conselhos que
poderia ser desenvolvido para uma interação mais ampla com os
meios de comunicação, ou mesmo para oferecer aos órgãos de
imprensa locais subsídios para uma disseminação mais qualificada e
eficaz de informações” (Instituto Telemig Celular, 2001:30).
Interessante observar que na avaliação dos conselheiros, segundo a pesquisa em tela, as
ações bem-sucedidas são aquelas destinadas à divulgação de problemas que afetam
crianças e adolescentes em eventos que, por sua vez, são de caráter contingencial e nãosistemático.
Outro aspecto importante diz respeito às entidades de atendimento cadastradas nos
CMDCAs, havendo concentração daquelas voltadas a crianças de 0 a 6 anos, como
creches e ao atendimento a famílias de baixa renda ou em situação de risco. As
informações disponíveis indicam que os conselheiros identificam como problemas na
atuação dessas entidades a falta de metodologia de atendimento sistematizada e
problemas relacionados à gestão.
Por fim, entre as prioridades de ação para fortalecimento dos conselhos, foi apontada a
necessidade de capacitação para o planejamento de políticas de atendimento à criança e
ao adolescente. Também com relação a tal aspecto, há a possibilidade que a implantação
do PAIR Minas atue no sentido de promover uma ampliação do conhecimento e prática
em planejamento, em decorrência da metodologia utilizada no Programa. Assim, ainda
que esse seja focado em questões relativas à violência sexual infanto-juvenil, a
experiência de sua implementação pode se converter em aprendizagem organizacional
que amplia a atuação qualificada dos conselheiros para outras áreas relacionadas à
criança e ao adolescente.
136
Passando à análise dos dados informados pelos CTs, o padrão identificado para os
CMDCAs com relação ao perfil dos conselheiros se repete, havendo predominância de
mulheres conselheiras e concentração nas faixas etárias intermediárias. Entretanto, com
relação à escolaridade, predominam os conselheiros que possuem Ensino Médio
completo e, especificamente com relação ao Vale do Mucuri, não há nenhum
conselheiro com Ensino Superior completo. Já a região do Vale do Rio Doce apresenta
o maior percentual de conselheiros com ensino Fundamental incompleto (20%).
Também com relação à área de formação se mantém a área predominante nos
CMDCAs, qual seja, educação, havendo predomínio também de servidores públicos.
Segundo as percepções dos entrevistados, a seleção dos conselheiros se dá
principalmente pelos critérios de “tempo, interesse e disponibilidade para atuar na área”,
pertencimento a entidades que atuam na área da criança e do adolescente e aprovação
em processo de seleção composto por prova (Instituto Telemig Celular, 2001:56101). A
eleição dos conselheiros é, em 62% do total de casos analisados no estado de Minas
Gerais, aberta a todos eleitores do município, diferentemente do CMDCAs, em que a
escolha é limitada a instituições voltadas ao atendimento a crianças e adolescentes.
Com relação à infra-estrutura dos CTS, 94% dispõem de espaço físico, havendo uma
piora dessa condição no Vale do Mucuri, em que apenas 70% dos conselhos possuem
“sede”. A presença de equipamentos como telefone fixo, computador e veículo próprio
é relatada como insatisfatória, situação que se apresenta mais adequada nos municípios
de maior porte e pior no Vale do Mucuri, onde apenas 20% dos CTs possuem telefone
fixo e no Vale do Rio Doce, onde nenhum CT possui veículo.
Tal situação também é inadequada no que se refere à presença de equipe de apoio, fator
que varia, também, com o porte populacional:
“(...) uma parcela minoritária dos CTs conta com pessoal de assessoria
para o exercício de suas atividades de defesa de direitos de crianças e
adolescentes. A assessoria é mais comum nas áreas de assistência
social (43%), jurídica (39%), psicológica (39%) e administrativa
(32%). A análise dos dados por porte de município mostrou que, tal
Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do
Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular, 2001.
101
137
como no caso dos CMDCAs, nos maiores municípios é maior o
número de CTs com pessoal de apoio administrativo (60%). Porém,
no caso das outras assessorias, a situação se inverte: apenas 16% dos
maiores municípios contam com assessoria jurídica, contra 36% dos
médios e 50% dos pequenos. Da mesma forma, 19% dos maiores
municípios contam com assessoria na área de assistência social, contra
42% dos médios e 51% dos pequenos. Tendência semelhante se
verifica quanto a assessoria pedagógica e psiquiátrica” (Instituto
Telemig Celular, 2001:58).
A maioria (94%) dos conselheiros tutelares que participaram desse levantamento no
estado de Minas Gerais recebe remuneração; entretanto, em 82% dos municípios essa
remuneração não ultrapassava, à época da pesquisa, o valor de R$ 500,00, havendo
aumento do mesmo nos municípios de maior porte populacional.
Quanto ao seu funcionamento, nos CTs prevalecem as decisões tomadas por colegiados
e em 86% deles há presença de regimento interno. Em 46% dos casos a jornada de
trabalho é de 40 horas semanais, havendo aumento da carga horária nos municípios de
maior porte.
No tocante ao relacionamento com atores que também atuam na área da criança e do
adolescente, predominam as articulações com Ministério Público e Poder Judiciário e
com conselhos gestores de outras áreas, sendo que a relação com o CMDCAs,
Executivo Municipal e órgãos de segurança é caracterizada como razoável.
Especificamente com relação ao Comissariado de Menores, a avaliação desse órgão é
tanto melhor quanto menos o porte do município.
Com relação às dificuldades colocadas à atuação dos CTs, a pesquisa identificou a
insuficiência de entidades para as quais possa haver uma rotina de encaminhamentos de
crianças e adolescentes, a falta de conhecimento da sociedade sobre o papel do conselho
e a falta de reconhecimento da autoridade desse órgão. Por outro lado, foram citadas
ações bem-sucedidas como a realização de eventos de formação e o estímulo a parcerias
às entidades locais, o que coloca esse órgão em posição de destaque no que se refere à
mobilização de atores e recursos, fator importante no que se refere à metodologia do
PAIR Minas.
138
Os conselheiros, no que tange às entidades de atendimento, avaliaram que os maiores
problemas nesse aspecto seriam que os maiores problemas nesse aspecto seriam a baixa
qualificação das equipes e “a incapacidade ema tender a demanda” (Instituto Telemig
Celular, 2001:64102).
Quanto aos principais problemas que afetam as crianças e os adolescentes, os
conselheiros indicaram que esses se referem à pobreza e à desestruturação familiar e à
gravidez na adolescência, ficando a violência sexual infanto-juvenil, mais uma vez, em
13º lugar, assim como nos CMDCAs.
As ações para se combater tais problemas estão focadas na orientação e no
acompanhamento temporário e encaminhamento aos pais e responsáveis, havendo
pouco recurso à inserção das famílias em “programas de auxílio” (transferência de
renda, desintoxicação devido ao uso de drogas etc.).
Finalmente, entre as prioridades de ação para fortalecimento dos CTs, destacam-se a
criação de políticas ou programas voltadas à criança e ao adolescente, possibilitando
uma atuação menos pontual dos CTS, a necessidade de melhorar o relacionamento com
outros órgãos e a capacitação dos conselheiros, além da melhoria da infra-estrutura
desse órgãos.
Pode-se afirmar que CMDCAs e CTs são órgãos centrais no que se refere à garantia de
direitos de crianças e adolescentes e que as informações apresentadas podem subsidiar
estratégias de ação do PAIR-MINAS no que se refere à mobilização, realização do
diagnóstico situacional e no planejamento de ações. Importante observar, ademais, as
variações apresentadas pelos Conselhos Tutelares e Municipais de Direitos quando se
considera o porte populacional dos municípios, variável relevante no que se refere ao
desenho de ações previstas na expansão do PAIR-MINAS.
Outra informação importante que se relaciona ao papel dos Conselhos Tutelares como
“porta de entrada” das crianças e adolescentes vitimizados no Sistema de Garantia de
Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do
Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular, 2001.
102
139
Direitos se refere aos encaminhamentos recebidos pelos CREAS em 2007, segundo
dados disponibilizados pela SEDESE/MG.
Tabela 49: Vítimas de violência sexual infanto-juvenil (abuso e exploração sexual)
atendidas segundo a instituição responsável pelo encaminhamento aos serviços
especializados - Mesorregião dos Vales do Mucuri e Rio Doce, 2007.
MUNICIPIO DE
ATENDIMENTO
Águas Formosas
INSTITUIÇÃO
Conselho Tutelar
3
5,08
Delegacia Regional
1
1,69
Juizado
41
69,5
Outros
6
10,2
Promotoria
Nanuque
Total
Conselho Tutelar
Juizado
Promotoria
Teófilo Otoni
VÍTIMAS
ENCAMINHADAS
N
%
Total
Conselho Tutelar
8
13,6
59
100
19
90,5
1
4,8
1
4,8
21
100
12
25
Juizado
4
8,4
Outros
16
33,4
16
33,4
48
100
Promotoria
Total
Como pode ser observado, apenas em Nanuque houve predominância do CT como
responsável pelo encaminhamento ao CREAS, fato que indica que o CT não atuou da
forma prevista ou esperada. Resta saber se esse fato se deve à falta de infra-estrutura dos
CTs dos municípios em questão para realizar tais encaminhamentos ou se tal fato
decorre da falta de preparo e informação para lidar com o tema da violência sexual
infanto-juvenil, que pode estar relacionada à percepção dos conselheiros de que esse
tipo de violência não é um problema presente ou relevante na região, como mostrou a
pesquisa desenvolvida pelo Instituto Telemig Celular (2002), apresentada acima.
Interessante notar que em todos os municípios considerados houve encaminhamentos ao
CREAS realizados pela Delegacia Regional e mesmo pelo poder Judiciário.
Especialmente quanto a esses órgãos do Sistema de Garantia de Direitos componentes
do Sistema de Justiça, ou seja: Ministério Público, Defensoria e Juizado relativos à
infância e juventude, a situação é precária. Segundo levantamento realizado pela
140
Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da
Infância e Juventude (2008)103, em Minas Gerais, apenas cinco municípios possuem
Vara Especializada. Com relação à existência de Delegacia Especializada, a situação é
ainda mais precária, visto que apenas em Belo Horizonte há esse órgão.
Segundo Faleiros (2005), é de extrema importância a participação dos órgãos do
Sistema de Justiça no combate à violência sexual contra crianças e adolescentes:
“O combate à violência intrafamiliar e da exploração sexual de
crianças e adolescentes implica responsabilização legal dos
envolvidos, a denúncia, a declaração formal, a instauração do
devido processo e o julgamento. Os aparelhos policial e
judiciário precisam atuar, pois, na construção de uma cultura
cívica da punição legal em oposição à cultura da impunidade, da
chacota e desmoralização das denunciantes, do descrédito dos
depoimentos de crianças e adolescentes e das pessoas pobres. A
cultura da cidadania precisa se inculcar no aparato policial e
judiciário, segundo a fórmula: lei igual para todos.” (Faleiros,
2005:13).
Dessa forma, a precariedade apontada implica na demanda por um trabalho bem
desenhado de mobilização por parte dos responsáveis pelo PAIR, uma vez que os
órgãos envolvidos não trabalham especificamente com crianças e adolescentes. Além
disso, essa precariedade reforça a necessidade de processos de formação e capacitação
continuados para os atores responsáveis por esses órgãos, visando à construção de um
entendimento adequado acerca da violência sexual infanto-juvenil, suas causas e
estratégias de combate, prevenção e responsabilização.
O sistema de justiça da infância e da juventude nos 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente:
desafios na especialização para garantia de direitos de crianças e adolescentes. Associação Brasileira de
Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude - ABMP: Brasília,
2008. Disponível em: http://www.abmp.org.br/ABMP_Levantamento_Julho.pdf. Consulta realizada em
04/12/2008.
103
141
Considerações Finais
A atual etapa de inclusão de novos municípios ao PAIR Minas no Vale do Mucuri
atingirá 14 (quatorze) municípios, o que representa 60,9% do total de municípios nessa
mesorregião. No Vale do Rio Doce, a implantação do programa está prevista para 03
(três) municípios, atingindo 2,9% do total de 102 municípios. A expansão do programa
concentra-se nas microrregiões de Teófilo Otoni e de Governador Valadares.
A configuração dessa área de expansão é de especial interesse devido à predominância
de municípios de pequeno porte entre os selecionados. O porte populacional é um
preditor importante da infra-estrutura de equipamentos e serviços públicos, em
particular, de serviços especializados. Ademais disso, há um número considerável de
municípios com população rural expressiva, o que remete a condições bastante
diferenciadas de exposição a riscos, bem como de garantia de proteções sociais
afiançadas.
A distribuição regional de determinados serviços e as condições de acesso da população
a esses serviços dentro de territórios de grande extensão deve ser objeto de atenção por
parte dos implementadores do PAIR. Nessa direção, é importante que a comissão local
avalie o potencial de atendimento e oferta de serviços no espaço regional, bem como a
necessidade de articulação da rede de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil a
partir de iniciativas intermunicipais e de caráter regional.
Os municípios beneficiados localizam-se em áreas de influência de importante parte da
malha rodoviária presente no estado de Minas Gerais, incluindo rodovias federais de
grande fluxo e com presença de pontos vulneráveis à ESCCA. Os municípios de Teófilo
Otoni, Campanário, Itambacuri e Catuji são atravessados por uma das principais
rodovias federais do país, a BR-116. Outros fatores considerados indicativos de riscos e
vulnerabilidades à violência sexual de crianças e adolescentes estão presentes na região,
como o garimpo, turismo e presença de população indígena, mas não foi possível
avaliar a extensão em que esses riscos se convertem em eventos de violência.
142
Em termos da abrangência populacional, a área de expansão do PAIR no Vale do
Mucuri atingirá 82% da população desta mesorregião e 1,9% da população no Vale Rio
Doce. Cabe destacar que essa as duas regiões sofreram perdas populacionais na última
décadas, embora com variações entre os municípios.
A análise das condições sociodemográficas indicou a presença de um segmento
populacional significativo no grupo etário de referência do PAIR, ou seja, de crianças e
adolescentes, principalmente nos maiores centros como Teófilo Otoni e Nanuque. Essa
composição etária da população sinaliza para a necessidade de ampliação e de melhoria
da capacidade de vigilância e prevenção em relação às ameaças e riscos de violências
sexuais que possam afetar esse segmento.
Além das vulnerabilidades relacionadas à segurança de rendimento, expressas pelos
patamares de pobreza observados nesses municípios, notadamente no Vale do Mucuri,
destacaram-se as vulnerabilidades educacionais que atingem o grupo etário de
referência do PAIR. Apesar das variações no desempenho do sistema educacional local,
foram registrados resultados inferiores aos observados no estado e no país em relação a
várias dimensões, principalmente entre os municípios do Vale do Mucuri. Cabe registrar
em relação às vulnerabilidades educacionais, as dificuldades de retenção pelo sistema
educacional da população em fase de transição entre níveis de ensino (Fundamental para
o Médio). No tocante à educação, pode-se destacar que os municípios Ladainha, Novo
Oriente de Minas e Catuji apresentaram os patamares mais elevados de vulnerabilidade.
O quadro de insegurança de rendimento observado nos municípios da região em
relação a vários indicadores é particularmente grave quando se considera o volume de
crianças e adolescentes vivendo com famílias pobres. A proporção da população
infanto-juvenil nessa condição mostrou-se mais expressiva nos municípios de
Fransciscópolis e Catuji, no ano considerado.
Além disso, verificou-se uma
participação expressiva das mulheres como responsáveis pela sobrevivência de grupos
familiares monoparentais, embora com variações entre os municípios. Em 15 dos 17
municípios analisados a participação de mulheres responsáveis por famílias, sem
cônjuge e com filhos, era superior aos patamares estaduais e nacionais. Esse quadro
ganha gravidade quando se considera a escolaridade precária das mulheres nessa
condição. No ano 2000, o percentual de mulheres chefes de domicílio com 0 (zero) a 04
143
(quatro) anos de estudo ultrapassava os 20% em Catuji, município que se destacou em
outros indicadores de vulnerabilidade social.
As vulnerabilidades associadas à condição feminina apresentam um quadro peculiar no
tocante à proporção de jovens na faixa de 15 a 19 anos com filhos, com uma presença
de um segmento importante da população jovem nessa condição em alguns dos
municípios. Esse quadro sugere a necessidade de atenção especial por parte da rede de
enfrentamento local no sentido de avaliar a existência ou não de relação entre a
maternidade precoce e a ocorrência de violências sexuais. Na faixa etária de 15 a 17
anos a presença de mães jovens variou de 2,10% em Ataléia a 11,71% em Ladainha. O
volume de internações hospitalares no sistema público de saúde de crianças e
adolescentes com idade 15 a 19 anos por motivos relacionados à gravidez, parto e
puerpério foi expressivo em Novo Oriente de Minas, Itambacuri, Águas Formosas, Frei
Gaspar e Pescador.
Na faixa etária de 15 a 19 anos, os maiores percentuais de
internação por esses motivos foram encontrados em Nanuque, Novo Oriente de Minas e
Ouro Verde de Minas, em torno dos 80%. Os menores percentuais foram encontrados
em Frei Gaspar, Itaipé e Ladainha.
A presença de indicadores de riscos e vulnerabilidades sociais no espaço regional deve
ser objeto de permanente monitoramento por parte da comissão local, principalmente
através do Sistema de monitoramento e avaliação do Pair. É importante, destacar, no
entanto, que isso não implica, necessariamente, na ocorrência de eventos de violências
sexuais. O dimensionamento e a tipificação dessas violências, bem com a apreensão da
microdinâmica do fenômeno em cada município, devem ser assumidos com uma missão
contínua da rede de enfrentamento constituída.
O confronto de informações sobre eventos de violência sexual infanto-juvenil de
diversas fontes revelou discrepâncias importantes no registro desses eventos por parte
das instituições implicadas no enfrentamento desse problema. Os dados de atendimentos
efetuados pelos CREAS apontam que o quadro da violência infanto-juvenil distancia-se
daqueles identificado com base no Disque-Denúncia Nacional entre 2003 e 2008. o
município de Águas Formosas, para o qual não há nenhum registro de violência sexual
no Disque Denúncia Nacional no período entre 2003 e 2008, é o município com maior
144
número de casos e atendimentos registrados no CREAS: 157 casos e 9.040
atendimentos, apenas no ano de 2007.
Os dados sobre atendimento das vítimas de violência infanto-juvenil por serviços
especializados indicaram a prevalência do abuso e exploração sexual em comparação
com os outros tipos de violência. Em Águas Formosas, foram atendidas 41 vítimas de
abuso sexual no total de 55 casos de violência contra crianças e adolescentes atendidos.
No município de Teófilo Otoni verificou-se, também, a predominância de casos de
abuso sexual - 33 no total de 48 vítimas de violências -, mas acompanhada de um
número expressivo (15) de vítimas de exploração sexual.
O perfil das vítimas de violências em geral indicou uma predominância de casos
envolvendo crianças e adolescentes com idade entre 07 e 14 anos, de cor “parda” e do
sexo feminino. Chamou atenção ainda a existência de um percentual reduzido, mas
importante, de crianças e adolescentes vitimizados, na faixa etária de 0 a 6 anos.
Quanto ao perfil do agressor, considerando todos os tipos de violências, constatou-se
que o agressor era, em sua maioria, do sexo masculino. Apenas no município de Águas
Formosas as mulheres ocuparam a posição majoritária como agressoras. No tocante à
escolaridade dos agressores é importante observar que no município de Águas
Formosas, 10 dos 22 violadores possuíam escolaridade relativa ao Ensino Superior no
conjunto de casos de atendimento pelo CREAS a respeito dos quais há informações.
Dentre os casos atendidos, a responsabilização dos agressores ocorreu de forma bastante
limitada, cerca de 30% dos casos com informações disponíveis, sendo destacável o
número de vítimas que ainda mantinha contato com o agressor.
Com relação às vítimas de abuso sexual, os dados de atendimento realizado pelos
CREASs mostraram especificidades locais que devem ser objeto de atenção por parte da
comissão local do PAIR. Chama atenção o fato de que nos municípios de Águas
Formosas e Teófilo Otoni verificou-se que um grande percentual de casos relativos a
abuso sexual atendidos no CREAS se refere à violência extrafamiliar, ou seja, não
praticada por membros da família. Esses dados sugerem a necessidade de a comissão
145
local adotar estratégias de enfrentamento da violência sexual adequadas a essas
especificidades.
A análise da origem das vítimas atendidas pelos CREAS revelou um aspecto importante
da dinâmica regional que a comissão local do PAIR deve atentar: a presença de crianças
e adolescentes oriundas de municípios não beneficiados pela expansão do PAIR nessas
mesorregiões, mas que estão vinculados a CREAS regionalizado sediado em município
incluído nesse projeto, como é o caso de Água Quente, Crisólita, Pavão, Santa Helena
de Minas e Umburatiba, vinculados ao CREAS de Águas Formosas. A adoção,
portanto, de estratégias voltadas para a interlocução não apenas com os municípios
incluídos na expansão, mas também com os municípios que recorrem ao CREAS
regionalizado, de modo que a expansão não ocorra em detrimento de ações já existentes.
No que tange à da rede de atendimento, a configuração da Assistência Social está
focada na Proteção Social Básica, mas com a presença de serviços especializados em
alguns dos municípios. Cabe destacar, as possíveis limitações que essa configuração
possa representar para o atendimento a vítimas de violências sexuais, vinculado na atual
política de assistência social à proteção social especial.
Dentre as limitações,
especificamente com relação ao atendimento às crianças e aos adolescentes vítimas de
violência, abuso e exploração sexual e suas famílias, verificou-se que esse serviço é
oferecido em apenas sete municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce incluídos no
projeto de expansão do PAIR Minas. Nesses sete municípios o programa é
regionalizado, ou seja, a oferta se dirige não apenas ao município-sede do CREAS, mas
a localidades vizinhas, a maioria delas não incluídas no projeto de expansão do PAIR
Minas.
Essa configuração impõe um formato regionalizado à política de enfrentamento à
violência sexual infanto-juvenil, uma vez que essa política deve ser balizada pela oferta
de serviços especializados de proteção social. Nesse sentido, a implantação do PAIR
Minas nessa região deve se orientar pela articulação de uma rede intermunicipal de
serviços e instituições, que ultrapasse a rede socioassistencial, de forma a assegurar a
garantia efetiva de direitos no espaço regional.
146
No que tange à articulação das demais instituições implicadas na atenção integral ao
grupo etário de referência do PAIR, a rede escolar (estadual e municipal) apresenta um
potencial importante para o desenvolvimento das ações do programa. Essa rede, seja
pela extensão e capilaridade, seja pela natureza do vínculo com os estudantes e suas
famílias, é central para a proteção das crianças e adolescentes e para a mitigação dos
efeitos de violações de direitos. Os municípios contam com redes escolares importantes,
que devem ser alvo preferencial das ações de articulação da rede local do PAIR.
As instituições da área de saúde assumem papel estratégico por serem, potencialmente,
receptoras de vítimas de violência sexual infanto-juvenil em decorrência de agravos ao
quadro de saúde associados a esse tipo de violação. Os dados sobre gravidez precoce e
internações por motivos associados a essa condição reforçam a importância de um
diagnóstico mais exaustivo sobre o perfil dessas usuárias do sistema e sobre a existência
ou não de uma associação entre as violências sexuais e esse nível de demanda no
sistema de saúde.
A configuração da rede de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil existente
nos municípios é um aspecto decisivo para a definição das estratégias da comissão local
do PAIR. Nessas duas mesorregiões, todos os municípios contam com Conselhos
Tutelares e Conselhos de Direitos.
Os dados relativos ao encaminhamento de vítimas de violências sexuais para os serviços
de atendimento especializada (CREAS) efetuado por CTs, mostram que essa instituição
atuou como principal “porta de entrada” aos serviços de proteção especial
principalmente em Nanuque.
O quadro que emerge do presente diagnóstico sinaliza para a importância das seguintes
iniciativas: (a) ações preventivas – em face da participação expressiva do segmento
infanto-juvenil no total da população e parte dele em situação de vulnerabilidade social;
(b) ações para potencializar a rede de atendimento, seja pela articulação de serviços
regionalizados, seja pela melhoria do fluxo de atendimento às vítimas no interior de
uma rede de proteção ampliada, particularmente com o adensamento das relações com
as instituições do sistema de garantia de direitos; (c) e ações de articulação dos atores
locais e regionais com vistas à execução de iniciativas voltadas para as especificidades
147
locais e para as demandas que singularizam a região no âmbito do estado de Minas
Gerais.
A implementação adequada de estratégias orientadas por essas preocupações dependerá,
no entanto, do aperfeiçoamento desse diagnóstico a partir das ferramentas de
monitoramento desenvolvidas pelo PAIR. Essa aproximação possibilitou a identificação
dos componentes principais do fenômeno da violência sexual nas mesorregiões em tela
e de sua dinâmica no espaço regional. Passo importante, agora, é apropriar da
microdinâmica assumida por esses componentes em cada município e construir metas
de ação e estratégias de trabalho adequadas ao desafio que se impõe.
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