Diagnóstico situacional do fenômeno da violência sexual infanto
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Diagnóstico situacional do fenômeno da violência sexual infanto
! " # $ % Universidade Federal de Minas Gerais Pró-Reitoria de Extensão Projeto Enfrentamento à Violência Sexual InfantoJuvenil nos Vales do Jequitinhonha, Mucuri e Região Metropolitana de Belo Horizonte - PAIR Minas Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República - BRASIL Diagnóstico situacional do fenômeno da violência sexual infanto-juvenil e da rede de proteção à criança e ao adolescente na área de expansão do PAIR-MINAS das mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce Belo Horizonte 2009 Ficha Técnica Pró-Reitoria de Extensão - UFMG Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben – Pró-Reitora de Extensão Paula Cambraia de Mendonça Vianna – Pró-Reitora Adjunta de Extensão Coordenação Geral do PAIR Minas Edite da Penha Cunha, MSc. – Pró-Reitoria de Extensão Coordenação da formulação do Sistema de Monitoramento e Avaliação do PAIR Minas Profa. Dra. Magna Inácio – Departamento de Ciência Política/UFMG Profa. Dra. Marlise Matos – Departamento de Ciência Política/UFMG Pesquisadores MSc. Daniela Rezende – Pesquisadora Estagiários Matheus Soares Cherem – Assistente de pesquisa Priscila Jacomini – Assistente de pesquisa Colaboração MSc. Marta Mendes da Rocha Agradecimentos A elaboração desse diagnóstico foi possível devido à colaboração de diversas instituições, mediante a gentil cessão de dados e informações sobre o fenômeno da violência sexual, sobre a rede de atendimento e de enfrentamento presentes nas regiões dos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri, do Rio Doce e da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Agradecemos, em especial, à Diretoria de Proteção e Defesa da Criança e do Adolescente da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social – Minas Gerais; à Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; ao Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais; à Fundação Dom Cabral, executora da Pesquisa realizada pela Telemig Celular, ao Centro Integrado de Informações da Defesa Social-CINDS, da Secretaria de Estado da Defesa Social-SEDS. 3 Índice de ilustrações Figura 1: Resumo das Dimensões interativas/relacionais na situação de Abuso Sexual..... 21 Figura 2: Resumo das Dimensões de Interação da Rede Secundária que atua na situação de Abuso Sexual............................................................................................. 23 Figura 3: Resumo das Dimensões de Interação da Rede de Exploração Sexual................. 46 Figura 4: Detalhamento dos Elementos/Agentes e Interesses principais envolvidos na situação da Exploração Sexual........................................................................ 48 Mapa 1: Municípios da área de expansão do PAIR nas mesorregiões do Vale do Mucuri e Rio Doce. Minas Gerais, 2008...................................................................... 64 Mapa 2: Malha rodoviária da área de expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce .......................................................... 66 Mapa 3: Nível de gestão do SUAS dos municípios da área de expansão do PAIRMINAS na mesorregião do Vale do Mucuri e Rio Doce................................ 118 Mapa 4: Número de CRAS nos municípios da área de expansão do PAIR-MINAS na mesorregião do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce................................ 120 Mapa 5: Caracterização do acesso aos serviços do CREAS nos municípios da área........ 125 Mapa 6: Existência do Serviço de Enfrentamento à ESCCA nos municípios da área de expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce ................................................................................................. 126 Mapa 7: Existência de Conselhos Tutelares nos municípios da área de expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce. 132 Tabela 1: Área total de Minas Gerais e das mesorregiões geográficas dos municípios beneficiados pelo projeto de expansão do PAIR Minas, 2000.......................... 57 Tabela 2: Municípios e população beneficiada pela expansão do PAIR Minas 2008/2009 – UFMG/SEDESE/AMAS ............................................................ 57 Tabela 3: Municípios da área de expansão do PAIR-MINAS segundo a mesorregião e porte populacional .......................................................................................... 59 Tabela 4: Distribuição dos municípios das mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce segundo o porte populacional – 2007.......................................... 63 4 Tabela 5: População total, densidade demográfica e percentual de domicílios urbanos dos municípios segundo o porte populacional. Mesorregiões do Vale do Mucuri e Rio Doce, 2000, 2004, 2007............................................................. 71 Tabela 6: Distribuição da população infanto-juvenil dos municípios da área de expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce segundo o grupo etário e sexo – 2000 .................................................... 72 Tabela 7: Percentual de analfabetos na população infanto-juvenil dos municípios da área de expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce segundo o grupo etário e porte populacional – Ano 2000............ 74 Tabela 8: Evasão, defasagem escolar e população com menos de quatro anos de estudo nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas nas mesorregiões do Vale do Mucuri e Rio Doce. 2000. ....................................... 77 Tabela 9: Freqüência escolar da população infanto-juvenil com idade entre 7 e 17 anos nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Rio Doce. 2000.................................... 78 Tabela 10: IDEBs observados em 2005, 2007 e Metas para rede Municipal nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Rio Doce. 2000 ......................................................... 80 Tabela 11: Composição Setorial, valor total e per capita do PIB dos municípios da área de expansão do PAIR Minas nas mesorregiões do Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce. 2006............................................................................................... 82 Tabela 12 Níveis de renda, desenvolvimento e desigualdade nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na região do Vale do Mucuri e Rio Doce. 2000............................................................................................... 85 Tabela 13: Razão de Dependência nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce. 2000...... 86 Tabela 14: Situação Feminina nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na região do Vale do Mucuri e Rio Doce em 2000. .............................. 89 Tabela 15: Percentual de internações de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos por motivos relacionados a gravidez, parto e puerpério nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce. 2006.............................................................. 90 Tabela 16: Indicadores de criminalidade e gastos públicos na área de segurança pública nos municípios na área de expansão do PAIR Minas nas mesorregiões dos Vales do Rio Doce e Mucuri - 2004................................................................ 92 Tabela 17: Casos e Atendimentos registrados pelo Serviço de Combate ao Abuso e Exploração Sexual oferecido pelos CREAS´s em municípios da área de expansão do PAIR Minas no ano de 2007....................................................... 93 5 Tabela 18: Número de casos atendidos pelo CREAS segundo tipo e forma de violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da área de expansão do PAIR Minas, 2007.................................................................................................... 95 Tabela 19: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas segundo os grupos etários, 2007. .......................................................... 96 Tabela 20: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas segundo a raça/cor, 2007. ..................................................................... 96 Tabela 21: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas, segundo sexo, 2007. ............................................................................ 97 Tabela 22: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas, segundo escolaridade, 2007................................................................. 97 Tabela 23: Renda familiar das vítimas de violência infanto-juvenil atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas, 2007. ....................................... 99 Tabela 24: Caracterização das famílias das vítimas de violência infanto-juvenil atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas, 2007. ................ 99 Tabela 25: Distribuição do agressor por tipo de vínculo com a vítima de violência sexual infanto-juvenil segundo o porte e município da área de expansão do PAIR Minas, 2007 ........................................................................................ 100 Tabela 26: Sexo e raça/cor do agressor segundo o porte populacional e município da área de expansão do PAIR Minas, 2007. ....................................................... 101 Tabela 27: Perfil ocupacional do agressor segundo o porte populacional e município da área de expansão do PAIR Minas, 2007. ....................................................... 101 Tabela 28: Distribuição dos agressores por uso de drogas segundo o porte e município da área de expansão do PAIR Minas, 2007. .................................................. 102 Tabela 29: Escolaridade do agressor segundo o porte populacional e município da área de expansão do PAIR Minas, 2007. .............................................................. 102 Tabela 30: Responsabilização do agressor segundo o porte populacional e município da área de expansão do PAIR-MINAS, 2007..................................................... 103 Tabela 31: Distribuição dos agressores segundo contato com a vítima nos município da área de expansão do PAIR-MINAS, 2007..................................................... 103 Tabela 32: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas segundo acompanhante em atendimento, 2007. .................................. 104 Tabela 33: Número de atendimentos prestados às vítimas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas, segundo o tipo de atendimento, 2007................... 104 Tabela 34: Número de atendimentos prestados às vítimas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas, segundo o tipo de encaminhamento, 2007............ 105 6 Tabela 35: Tipo e forma de violência infanto-juvenil segundo o município de atendimento de vítimas na área de expansão do PAIR Minas na mesorregião do Vale do Jequitinhonha.......................................................... 106 Tabela 36: Tipo e forma de violência sexual infanto-juvenil segundo o município de origem de vítimas atendidas por serviços especializados na área de expansão do PAIR Minas na mesorregião do Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce....... 107 Tabela 37: Número de denúncias registradas pelo Serviço Disque-Denúncia Nacional segundo o tipo de violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da área de expansão do PAIR Minas– 2003-2005 e 2006-2008. ................................ 108 Tabela 38: Número de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte populacional, 2006-2008........................................................ 111 Tabela 39: Perfil etário das crianças e adolescentes registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte populacional, 20062008. ............................................................................................................ 112 Tabela 40: Número de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte populacional e tipo de violência, 2006-2008........................... 113 Tabela 41: Configuração da Assistência Social nos municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce incluídos na expansão do PAIR Minas, 2008................................. 119 Tabela 42: Programas de Proteção Social Básica segundo capacidade de atendimento MDS, 2007. .................................................................................................. 121 Tabela 43: Programas de Proteção Social Especial segundo capacidade de atendimento MDS, 2007 . ................................................................................................. 122 Tabela 44: Número de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família, Dezembro de 2008. ............................................................................................................ 123 Tabela 45: Volume de recursos repassados pelo MDS, 2007. ......................................... 124 Tabela 46: Existência e caracterização do Serviço de Enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, segundo nível de gestão no SUAS, 2007....... 126 Tabela 47: Número de escolas existentes municípios da área de expansão do PAIR Minas, por nível de ensino. ........................................................................... 128 Tabela 48: Número de estabelecimentos de saúde e número de famílias atendidas pelo PSF por município e porte populacional – 2008. ........................................... 130 Tabela 49: Vítimas de violência sexual infanto-juvenil (abuso e exploração sexual) atendidas segundo a instituição responsável pelo encaminhamento aos 7 serviços especializados - Mesorregião dos Vales do Mucuri e Rio Doce, 2007. ............................................................................................................ 140 8 Índice de abreviaturas e siglas BPC – Benefício de Prestação Continuada CEI/FJP – Centro de Estatística e Informações da Fundação João Pinheiro CMDCA – Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente CRAS – Centro de Referência de Assistência Social CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social CRISP – Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública CT – Conselho Tutelar DATASUS – Banco de dados do Sistema Único de Saúde- SUS DER – Departamento de Estradas de Rodagem ECA – Estatuto da Criança e Adolescente ESCCA – Exploração Sexual e Comercial de Crianças e Adolescentes FJP – Fundação João Pinheiro IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IES – Índice de Exclusão Social IML – Instituto Médico Legal IMRS – Índice Mineiro de Responsabilidade Social INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPEAdata – Banco de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MDS – Ministério do Desenvolvimento Social PAC – Programa de Aceleração do Crescimento PAIR-Minas – Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto–juvenil em Minas Gerais PIB – Produto Interno Bruto PNAS – Política Nacional de Assistência Social PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Pólos – Programa Pólos de Cidadania RMBH – Região Metropolitana de Belo Horizonte SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica SAGI – Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação SEDESE / MG – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social – Minas Gerais SEDH/PR – Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República SIDRA – Sistema IBGE de Recuperação Automática SUAS – Sistema Único da Assistência Social TLM – Taxa Líquida de Migração UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UFTM – Universidade Federal do Triângulo Mineiro Sumário Índice de ilustrações.................................................................................... 4 Índice de abreviaturas e siglas..................................................................... 9 Introdução .................................................................................................... 12 O fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes ................... 14 O abuso sexual.......................................................................................... 16 A exploração sexual e a prostituição infanto-juvenil ................................. 29 Por um diagnóstico da violência sexual infanto-juvenil: subsidiando a rede de ações de enfrentamento à violência sexual em Minas Gerais................ 50 Metodologia ................................................................................................. 56 Expansão do PAIR-MINAS na mesorregião do Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce............................................................................................................. 62 Base territorial do PAIR............................................................................ 62 Caracterização sócio-demográfica da população ....................................... 69 Infra-estrutura, economia e segurança de renda......................................... 80 Grupo familiar e vulnerabilidades ............................................................. 86 A violência sexual infanto-juvenil nas mesorregiões dos Vales do Mucuri e do Rio Doce.............................................................................................. 91 Infra-estrutura e rede de serviços ............................................................ 115 Considerações Finais.................................................................................. 142 Bibliografia ................................................................................................ 149 Introdução A elaboração do presente diagnóstico constitui uma das metas do projeto “Enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil nos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri, do Rio Doce e Região Metropolitana de Belo Horizonte”, desenvolvido em parceria pela Universidade Federal de Minas Gerais, Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDESE) e Associação Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte (AMAS). Tendo por objetivo expandir a área de abrangência do Programa de Ações Integradas e Referenciais ao Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-juvenil (PAIR), o projeto prevê a sua implantação em 40 (quarenta) municípios do estado de Minas Gerais, além dos 03 (três) municípios onde o programa foi implantado nos anos de 2006 e 2007. “O Projeto de Enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil nos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri e região Metropolitana de Belo Horizonte se apresenta como uma estratégia de articulação entre a UFMG, Prefeituras municipais, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri e instituições diversas nos municípios da área de abrangência das regionais da SEDESE de Belo Horizonte, de Teófilo Otoni e de Araçuaí, com vistas a promover o fortalecimento da rede de proteção integral à criança e ao adolescente para o enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, no ano de 2008 e 2009 em Minas Gerais” (UFMG, 2008). A área de expansão do PAIR-MINAS foi definida de acordo com estudos e diagnósticos prévios que evidenciaram a concentração de ocorrências de exploração sexual infantojuvenil nos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri e região Metropolitana de Belo Horizonte. Nessas áreas, a proximidade das BRs 116 e 418 foi identificada com um fator de risco à exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes e foi um dos critérios de definição da base territorial para a expansão do programa no estado1. O diagnóstico fornece uma base informacional sobre o fenômeno da violência sexual infanto-juvenil e sobre a rede de proteção à criança e ao adolescente nas regiões de expansão do PAIR-MINAS. O estudo realizado busca contribuir para a construção de uma 1 UFMG - Projeto O Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-juvenil nos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri e região Metropolitana de Belo Horizonte, 2008. 12 agenda comum de trabalho entre os agentes implicados no projeto e para a definição de estratégias de implementação da metodologia do PAIR nos municípios beneficiados. 13 O fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes Alguns autores, como Guerra (1998), Faleiros (2000) e Libório (2003), explicam que a história social da infância em várias épocas e países revela como as crianças sempre foram vitimizadas por diversas formas de violência. Estas violências estão associadas tanto às concepções autoritárias e repressoras de uma sociedade paternalista - que pautaram, durante muito tempo, as posturas educativas em castigos corporais – quanto à ausência de políticas públicas de proteção e de atendimento de qualidade às crianças e adolescentes em situação de exclusão social, o que fica claro na realidade brasileira. A violência intrafamiliar e sexual (dentre outros tipos de violência) pode ser pensada como expressão extrema de uma distribuição desigual e assimétrica de poder entre homens e mulheres, bem como entre pais e filhos, atravessada complexamente pela distribuição desigual de renda, pela discriminação racial e étnica, delas desigualdades entre os gêneros etc. Em relação à violência, observa-se que, no senso comum, esta comumente é vista somente num plano individual (onde frequentemente as/os vitimizadas/as acabam sendo culpabilizados/as). No entanto, há inúmeras análises, a exemplo das de Vethencourt (1990) e Vásquez (1990), que ressaltam a sua dimensão social. Os diferentes níveis da violência são sistematizados e analisados por Minayo (1990) de forma bem clara. O primeiro nível – a violência estrutural – caracteriza-se pela existência de um sistema social desigual, tendo como consequência a fome, o desemprego e os demais problemas sociais enfrentados pela classe trabalhadora. Já o segundo nível – a violência revolucionária – relaciona-se à resistência, que se expressa na luta de grupos oprimidos e discriminados contra a dominação legitimada. Por último, o terceiro nível – a delinquência – diz respeito às chamadas transgressões sociais, que não podem ser entendidas, de forma simplista, como um fenômeno natural, uma conduta individual patológica ou um atributo de grupos marginalizados como pobres e negros. A autora citada observa que qualquer forma de violência não pode ser compreendida isoladamente, e sim vista em rede. 14 Na violência intrafamiliar e sexual somam-se, de forma perversa todos estes níveis, de forma a se cristalizar em um fenômeno que perpassa todas as classes sociais, os diferentes gêneros e as diferenças etárias. Por exemplo, citando Brandão (l997) e Saffioti (2004), que efetuaram trabalhos sistemáticos sobre o tema, nas famílias de classes trabalhadoras urbanas, a violência física seria predominantemente masculina e o enfrentamento dessa questão pelas mulheres e crianças, isto é, a tentativa de resolução do conflito presente no âmbito familiar, quando é possível se dar, é por intermédio de notificação aos órgãos policiais. Entretanto, somente numa pequena minoria dos casos, mesmo que a intensidade e a freqüência dos atos violentos sejam gravíssimas, há manifesta concordância com a possibilidade de punição/prisão do violentador. As formas de maus tratos contra crianças e adolescentes são variadas: abusos físico, sexual, psicológico, negligência etc. A violência tem inúmeras repercussões na vida de crianças e adolescentes: no rendimento escolar, na adaptação social, podendo ocorrer alterações da saúde física e mental e o desenvolvimento de distúrbios sóciocomportamentais. Abusos contra crianças e adolescentes tornaram-se objeto de estudo e pesquisa somente cerca de 50 anos atrás, apesar de serem perpetrados desde a Antiguidade (Krugman e Leventhal, 2005; Leventhal, 2003; Roche et al., 2005; Labbé, 2005) e atingirem todas as classes socioeconômicas. Vários transtornos psiquiátricos têm sido relacionados a eventos traumáticos sofridos na infância, com níveis de gravidade que variam com o tipo de abuso, sua duração e o grau de relacionamento com o agressor. Alguns estudos apontam os traumas de infância como responsáveis por cerca de 50% das psicopatologias diagnosticadas em adultos (Craine et al., 1988, apud Zavaschi et al., 2002). O comprometimento da saúde mental e a futura adaptação social das vítimas variarão de indivíduo para indivíduo, de acordo com o ambiente imediato, com o tipo de violência sofrida e com a capacidade de reação diante de fatos geradores de estresse. 15 Autores têm considerado fundamental a influência da família e sua (des)estruturação como preditores de fenômenos relacionados à criminalidade (Gover e MacKenzie, 2003; Craissati et al., 2002), ao abuso de substâncias e às perturbações da saúde mental. Afirmam também que crianças expostas a um acúmulo perverso de riscos estruturais e sociais têm maior probabilidade de manifestar problemas mentais (Arboleda-Flórez e Wade, 2001), tais como depressão crônica na adolescência (Meyerson et al., 2002). Um aspecto importante a ser destacado é que a continuidade dos abusos físico e sexual tem sido relacionada à prática de delitos. Jovens delinqüentes mantidos em instituições penais freqüentemente provêm de cenários familiares caracterizados por abuso, negligência e outras experiências traumatizantes (Gover e MacKenzie, 2003). O abuso sexual na infância é considerado um fator de risco independente para um comportamento delinqüente (Swanston et al. 2003), com maior prevalência entre os abusadores sexuais reincidentes (Hanson e Harris, 1998, apud Aylwin et al., 2003). O abuso sexual Segundo o Glossário OIT/IPEC - Programa de Prevenção e Eliminação da Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes na Tríplice Fronteira Argentina/Brasil/Paraguai2, o abuso sexual refere-se a: “contatos ou interações sexuais entre menino ou menina e pessoa com mais idade, com mais experiência – adulto ou até outra criança mais velha - pode ser um desconhecido, mas geralmente são pessoas em quem confiam – irmãos/ãs maiores, pessoas em posição de autoridade como pais, mães, padrastos, outros parentes, cuidadores, amigos da família, vizinhos, professores, médicos, padres etc. A criança é utilizada como objeto de prazer para outra pessoa satisfazer suas necessidades sexuais. Esses contactos ou interações podem ocorrer mediante força, promessas, coação, ameaças, manipulação emocional, enganos ou pressão” (OIT/IPEC, 2009). Várias abordagens deste fenômeno são possíveis e, mais do que isso, necessárias, conforme finalidades específicas: sociais, médicas, psicológicas, jurídicas, antropológicas, etc. Assim, um aspecto relevante a ser considerado na definição de abuso sexual refere-se à 2 Glossário de Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes (Português), OIT/IPEC, disponível em http://white.oit.org.pe/ipec/pagina.php?pagina=284. Última consulta em 15/03/2009. 16 questão da sua evidente relatividade cultural. Embora alguns tipos de contatos físicos mais íntimos possam ser aceitáveis em grupos com diferentes culturas e concepções acerca da sexualidade, para outros grupos, no entanto, o mesmo comportamento pode ser percebido como algo inadequado. Para um avaliador proveniente de diferente contexto social ou grupo étnico daquela das pessoas envolvidas no caso avaliado, pode ser particularmente difícil identificar e compreender as interações abusivas (Fontes, 1993)3, pois a percepção do que seja um comportamento abusivo é algo definido pela sociedade, e varia tanto no espaço geográfico quanto na dimensão temporal (Friedman, 1990)4. Abuso é um termo usado para definir uma forma de maus-tratos de crianças e adolescentes, com violência física e psicológica associada, geralmente repetitivo e intencional e, por isso, praticado, mais freqüentemente, por familiares ou responsáveis pelo(a) jovem (Chistoffel e cols., 1992; Council on Ethical and Juridical Affairs - AMA, 1992)5. A origem deste conceito remonta a meados do século passado, com a descoberta da violência contra crianças e adolescentes nas grandes cidades. Gordon (1988) e Chistoffel e cols. (1992) incluem o abuso sexual dentro do item violência, subcategoria de maus-tratos físicos, em uma orientação técnica do National Institute of Child Health & Human Development (USA) para pesquisas de injúrias infantis. Dentre 17 meios de injúrias definidos (incluindo desde lesões causadas por veículos automotivos à síndrome de Munchausen infantil), encontra-se a agressão sexual. O abuso sexual pode ser definido, de maneira bastante generalista, como o envolvimento de crianças e adolescentes — logo, em processo de desenvolvimento — em atividades sexuais que não compreendem em sua totalidade, para as quais não estão aptos a concordarem e que violam as regras sociais e familiares de nossa cultura (Glaser, 1991)6. Esta caracterização inclui basicamente três conjuntos de situações: 3 Ver FONTES, L. A Considering culture and oppression: Steps toward an ecology of sexual child abuse. Journal of Feminist Family Therapy, 5, 25-54, 1993. 4 Ver FRIEDMANN, S.R. What is child sexual abuse? Journal of Clinical Psychology, 46, 373-375, 1990. 5 Ver CHRISTOFFELL, K.K.; SCHELDT, P.; AGRAN, P.H.; KRAUS, J.F.; McLOUGHLIN, E. & PAULSON, J. Standart definition for childhood injury research. Washington, NICHD, 1992. 6 Ver GLASER, D. Treatment issues in child sexual abuse. British Journal of Psychiatry, 159:769-782, 1991. 17 a) história de agressão sexual com violência física na qual o/a jovem é a vítima; b) interação ou contato sexual (como toques, relações sexuais, exibicionismo, voyeurismo, etc.) entre uma criança e outra pessoa de qualquer idade em que a participação tenha sido obtida por meios desonestos, como ameaças, coerção moral, mentiras, deturpações de padres morais e táticas similares; c) contato ou interação sexual entre criança ou adolescente e adulto, mesmo com a cooperação voluntária, em situações definidas por lei ou costumes como crime, devido à presunção de imaturidade do/a jovem e de responsabilidade do adulto. (Simrel et al.,1979)7. Neste grupo estão incluídos os casos de exploração sexual. Segundo Flores (1998)8 seria possível acrescentar uma quarta situação, um pouco mais complexa e menos frequente: d) falsas denúncias, pois no Brasil, como nos EUA, por exemplo, as consequências de uma investigação de abuso sexual, especialmente aqueles ocorridos no lar, são, para a família, devastadoras, resultando em perda de emprego, divulgação pública, processos criminais e conseqüente abandono por parte de amigos e familiares (Tyler e Brassard, 1984)9. Este fenômeno foi denominado de "trauma secundário induzido pelo sistema". Ainda segundo o médico geneticista Renato Z. Flores, da UFRGS, “na medida em que o conhecimento científico sobre maus-tratos na infância aumentou nas duas últimas décadas, tornou-se claro que tratava-se de mais de um fenômeno sob o mesmo rótulo (Jones & McCurdy, 1992)10. Progressivamente, foram construídas árvores cladísticas cada vez mais complexas, subdividindo os tipos de ocorrências” (p. 27). Para além de definir o que seria abuso sexual, compreender qual é a sua processualidade, a sua dinâmica. Neste sentido é fundamental a discussão sobre redes, pois o fenômeno em tela obedece a características distintas dependendo da configuração sócio-familiar no qual está inserido. Segundo a literatura, fatores intervenientes tais como: experiências de violência intensa na família, alcoolismo, desemprego ou estresse econômico-financeiro, 7 Ver SIMREL, K.; BERG, R.; THOMAS, J. Crisis management of sexually abused children. Pediatric Annals, 85:317-325, 1979. 8 Ver FLORES, Renato Zamorra (1998) Definir e Medir o que são os Abusos Sexuais. IN: .IN: Oficina de Indicadores de Violência Intrafamiliar e Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes. CESE, MJ, CECRIA, Fundo Cristão para a Criança, ps. 24 a 33. 9 Ver TYLER, A.H. & BRASSARD, M.R. Abuse in the investigation and treatment of intrafamilial child sexual abuse. Child Abuse & Neglect, 8:47-53, l984. 10 Ver JONES, E.D. & MCCURDY, K. The links between types of maltreatment and demographic characteristics of children. Child Abuse & Neglect, 16:201-215, 1992. 18 entre outros, podem predispor as redes familiares à ocorrência da violência sexual contra crianças e adolescentes. As redes familiares são redes primárias onde são fabricados os processos básicos e iniciais de identificação dos seres humanos. É neste âmbito de socialização primária que as pessoas são nomeadas por alguém, ganham um sobrenome que as vincula às relações de família e à própria cultura, inserindo-as em projetos e cursos de vida marcados, de antemão, às condições de classes sociais determinadas, de status social e simbólico. Essas condições podem ser associadas à ausência ou à presença de determinadas oportunidades sociais, políticas e econômicas. Evidentemente, essas condições referem-se à educação, à formação, ao conhecimento e ao capital cultural da família, ou seja, oportunidades que marcarão a trajetória individual. Os dados existentes revelam que em processos e dinâmicas de violência intrafamiliar, o abuso sexual é também predominantemente intrafamiliar, e, portanto, se produz nas relações mais próximas da criança ou adolescente. Na grande maioria das situações é perpetrado pela figura do pai ou por outra substituta a ele (padrasto, namorado, amante etc. ou ainda, por algum tio, avô ou irmão mais velho). Ele se realiza, predominantemente, contra crianças na faixa etária de 8 a 13 anos, que são majoritariamente do sexo feminino. Pode acontecer também contra crianças do sexo masculino, mas a freqüência é menor. É extremamente comum os abusadores combinarem, através dessa relação autoritária e profundamente assimétrica e desigual de poder, sedução com a ameaça/medo. Ambas as características vão gerar um único resultado: impor uma camada de segredo e de silêncio aos vitimizados e, com alguma freqüência também, às outras “testemunhas” que de alguma forma tenham se envolvido no escopo dessa relação consangüínea e nisto que culturalmente definimos como relação de proteção dinâmica da “honra” e da subsistência da família. A família, nesse caso, funciona como um núcleo central, isto é, ela costuma ser fechada, mas articulada. 19 As pessoas vitimizadas11, por sua vez, são traumatizadas pelo medo, pela dor, pela vergonha e pelo terror. Elas reprimem as ocorrências e é muito comum que não desejem sequer falar do assunto, mas os “sintomas” são fenômenos que passam a fazer parte de seus cotidianos de vida: é freqüente que venham a sofrer de depressão (em seus vários níveis, desde um mero desinteresse pelo mundo até situações mais agravantes de desvinculação), descontrole e grande labilidade emocional, anorexia, dificuldades nos estudos, problemas de concentração, digestivos, fobias, sensação de estar sujo, excesso de episódios de masturbação. Em alguns casos, as crianças vitimizadas podem cometer tentativas de suicídio ligadas, de certa forma, ao que foi vivido e posteriormente negado. Segundo a literatura, em casos de abuso de crianças vitimizadas do sexo masculino, pode inclusivo ocorrer a proibição, pelo abusador, de que o vitimizado use o sobrenome da família, em função do estigma de homossexual que este passa a carregar após ter sido este abusado pelo pai e pelo tio. A pessoa vitimizada é frequentemente punida e revitimizada. Esse processo de revitimização é, muitas vezes, repetido, no próprio processo de atendimento. Nessa rede de relações, quando é possível romper a barreira inicial do silêncio extrafamiliar e a criança/adolescente vitimizada (ou algum parente próximo seu) consegue chegar a denunciar o ocorrido, vai prevalecer a impunidade do abusador, que é, frequentemente, “perdoado” pela família e até pela sociedade, por razões culturais e enraizadas numa cultura de relações de gênero e sexuais profundamente autoritárias. A Figura 1 abaixo ilustra, de forma sucinta, aquelas dimensões mais fundamentais desta trama em que estaria implicada na “rede familiar autoritária abusadora”: 11 Os autores têm preferido utilizar a expressão “vitimizado” ao invés de vítima por reconhecerem nestes sujeitos a existência da capacidade de compreensão, reação e superação do processo de violência, seja de uma ou de outra forma. Assim, estes seriam mais apropriadamente “sujeitos vitimizados/as” e não simples ou meros “objetos-vítimas”. Concordamos com esta abordagem e iremos reproduzi-la aqui. 20 Figura 1: Resumo das Dimensões interativas/relacionais na situação de Abuso Sexual cumplicidade/ contrato de sobrevivência Fonte: Faleiros, Vicente. (1998) Redes de Exploração e Abuso Sexual e Redes de Proteção. p.03. Como observado antes, essas relações são extremamente complexas e às vezes totalmente ambíguas: se prestam a interpretações e várias perspectivas analíticas, bem como a diferentes ênfases de intervenção, a saber: no âmbito da própria dinâmica familiar, no âmbito da relação autoritária, na própria dinâmica de revelação do problema ocorrido/vivenciado. Faleiros faz questão de destacar que a “revelação” do abuso seria um “tema crucial que contribui para desestruturar esse arranjo autoritário e perverso, mas também é das ações mais difíceis pelo segredo em que está envolvida” (p.3). De uma forma bastante resumida, até aqui, teríamos que o ABUSO SEXUAL seria: • Normalmente, uma ação realizada no âmbito da rede familiar primária, podendo vir a ser considerada isolada ou privada por envolver geralmente apenas as pessoas de um núcleo familiar (um adulto e uma criança ou adolescente e os outros membros da família que, ou são cúmplices, ou desconhecem o evento); • Corresponde, nesta rede familiar primária, a um ato/exercício de poder autoritário, desigual e assimétrico entre diferentes atores do quadro familiar e geracional; 21 • É um fenômeno que, devido ao peso moral de reprovação, costuma ser mantido sob o máximo sigilo por todos os envolvidos. Mesmo o/a vitimizado/a, na maioria das vezes, nega ou esconde, pelo menos inicialmente, o ocorrido; • É um fenômeno de difícil previsão a respeito de quando ou onde irá ocorrer, pois a única causa comum seriam as relações de gênero autoritárias dentro do âmbito familiar; • Envolve, com freqüência relações afetivamente marcadas pela ambigüidade: amor/ódio, prazer/dor, sedução/terror, desejo/aversão, conivência/aceitação/repúdio. É importante atentar, no entanto, para o formato da rede secundária, que costuma se ocupar desta temática em geral, sob a forma de políticas públicas. Essa é também passível de ser mapeada, de acordo com os enfoques/relações que os atores centrais do processo de intervenção mantêm com a problemática. Cabe destacar inicialmente que essa rede secundária está frequentemente atuando de forma fragmentada, e alguns atores chegando mesmo a agir de forma totalmente isolada. Cada ator/organismo age por seu lado, visando (na melhor das hipóteses) cumprir o seu respectivo papel. Por exemplo: o delegado e o juiz, dentro do aparato judiciário e repressivo, alcançam o abusador (dispositivo repressor); a assistência social recebe as denúncias e providencia, caso necessário o abrigamento (dispositivo protetor), os conselhos tutelares evidentemente aconselham e procuram executar encaminhamentos ao restante da rede (dispositivo receptor, aconselhador e deliberador). As ações da saúde, da educação e da assistência, integradas, devem promover o atendimento/tratamento (dispositivo reparador). É possível uma melhor visualização destas distintas dimensões na figura 2. Aqui, o autor preferiu destacar a fragilidade e a fragmentação das atuações através do desenho de linhas pontilhadas, já que estes novos e diferentes atores costumam intervir “sem definir as áreas em que vai dar ênfase, de forma articulada, com divisão políticooperacional das ações de prevenção, defesa, responsabilização, atendimento emergencial, acompanhamento da questão como um todo na dinâmica familiar” (p.3). 22 Figura 2: Resumo das Dimensões de Interação da Rede Secundária que atua na situação de Abuso Sexual Fonte: Faleiros, Vicente. (1998) Redes de Exploração e Abuso Sexual e Redes de Proteção. p.04. Concorda-se aqui com a afirmação de Faleiros de que “... é preciso um paradigma de redes para romper com os curtos-circuitos, a fragmentação, construído de forma conceitual, estratégica e operacional”. Reitera-se aqui também a posição colocada por esse autor de que toda essa complexa rede precisaria assumir como seu paradigma fundamental a defesa dos direitos humanos: (a) numa atitude franca e aberta de valorização da figura da mulher na cultura e no âmbito familiar, de se sua autonomia e identidade; (b) de mudança cultural relativa ao machismo e ao autoritarismo no âmbito familiar, no sentido da crítica, desconstrução e reinterpretação do papel masculino neste e em outros âmbitos; (c) de reinserção e “cura”/atendimento do vitimizado para que ele/a possa retomar seu curso de vida e estabelecer escolhas futuras mais protagônicas; (d) de articulação e atuação conjunta, de fato, com outros atores fundamentais neste processo, como as áreas da saúde e da educação/escola. Ainda segundo Faleiros: “Hoje, como o demonstra a Declaração de Jovens Sexualmente Explorados, em Victoria, Canadá, é fundamental o protagonismo dos jovens, inclusive dos que tiveram experiência de exploração ou abuso, através da escuta de sua fala, de sua participação na discussão do problema, na cura e reintegração dos(as) vitimizadas(os), na prevenção”(idem). 23 Sabe-se também que o abuso sexual na infância é visto como fator de risco para a vitimização sexual na idade adulta, independentemente da atuação familiar (MessmanMoore e Brown, 2004), e para o desenvolvimento de psicopatologias futuras (Molnar et al., 2001). Estudos recentes têm relacionado diversas parafilias ao abuso sexual continuado na infância; quanto mais freqüente e persistente, piores os problemas psíquicos, comportamentais e de relacionamento. As seqüelas levariam as vítimas de abuso a comportamentos criminosos de transgressão dos costumes (Sharma, 2003). A repetição dos maus-tratos em crianças pode servir de indicador de disfunção familiar. Serviços que prestam atendimentos a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual devem considerar o conjunto dos fatores de risco associados à sua continuidade, a fim de prevenir ocorrências futuras (Swanston et al., 2002). Os núcleos familiares de mulheres vítimas de abuso continuado na infância mostraram-se semelhantes, independentemente da existência ou não de vínculo familiar com o agressor (Gold et al., 2004). O interesse social e político sobre os direitos da criança e do adolescente, embora crescente, pode ser considerado paradoxal nos países democráticos ocidentais. Esses direitos foram estabelecidos internacionalmente a partir de 1924, pela Convenção de Genebra sobre os direitos da criança, estendida pela Convenção Internacional das Nações Unidas de 1959 e ratificada em 1990 pelos países signatários (Morales e Schramm, 2002). A despeito desses avanços, o abuso sexual permanece cercado por uma barreira de silêncio e se mantém perpetuado pela ignorância (Sharma e Gupta, 2004). Embora seja mais comum a violência sexual contra o sexo feminino (Queiroz, 2003; Vaz, 2003; Ramírez, 2001), não se deve descartar que essa conclusão é influenciada pela subnotificação das ocorrências envolvendo o sexo masculino (Biheler, 2002). Esse tipo de abuso altera a vivência da sexualidade humana, sobretudo quanto atinge crianças e adolescentes, pois essa vivência é resultado da “integração das dimensões somáticas, emocionais, intelectuais e sociais do ser humano” (Morales e Schramm, 2002). 24 O fenômeno é universal, com variações decorrentes dos diferentes padrões culturais (Korbin, 2002), com igual potencial de dano, independentemente de qual forma (Chen et al., 2004) ou justificativa o abuso sexual assuma. A violência, por vezes mal percebida pelas partes envolvidas, pode ser desencadeada por diversos fatores, manifestando-se de formas diferentes, daí decorrendo o seu grande potencial de dano. Os tipos mais comuns e de mais fácil detecção de abuso contra crianças são a violência física e a sexual. O abuso sexual na infância é considerado também como fator de risco para a vitimização na idade adulta (Messman-Moore e Brown, 2004; Surrat et al., 2004; Polanczyk et al., 2003). As conseqüências psíquicas do abuso sexual vão além daquelas causadas pelo fato em si. Elas também decorrem também, direta ou indiretamente, dos efeitos do processo legal e de seus desdobramentos (Ghetti et al., 2002). Cabe ressaltar, entretanto, que apesar do sofrimento causado pelos maus-tratos, algumas crianças passam por essa experiência sem apresentar o quadro de seqüelas descrito pela literatura especializada, conseguindo encontrar “caminhos de (re)construção de suas próprias vidas” (Junqueira e Deslandes, 2003). Diante da gravidade do fenômeno em tela, a produção de estimativas de prevalência e incidência da violência sexual contra crianças e adolescentes e a relação destes fatores com o seu cotidiano são fundamentais para o desenvolvimento de políticas de prevenção e abordagem do problema. A produção de estatísticas regulares e confiáveis persiste, no entanto, como um dos principais entraves ao desenho adequado de políticas públicas de prevenção às violências contra crianças e adolescentes e à avaliação dos resultados daquelas em execução. Os dados disponíveis sobre o abuso sexual no País não enfocam o testemunho ou a convivência com as vítimas. São fundamentados quase exclusivamente em relatos de entidades governamentais que não alcançam a real dimensão do problema. Gomes (1998) destacou a dificuldade encontrada para acompanhar casos selecionados a partir de um recorte nos dados gerais de pesquisa realizada pelo Centro Latino-Americano de Estudos 25 sobre Violência e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, de 1994, em visitas às delegacias policiais, a fim de verificar, após cinco anos, o encaminhamento dado aos registros das denúncias. Entre os problemas relatados, destacaram-se o arquivamento das fichas em local de difícil acesso e o fato de que algumas delegacias não facilitavam a tarefa. Somente 106 casos de violência doméstica na faixa de zero a 05 anos foram localizados: 80% de casos relacionados à morbidade e 20% de casos fatais. Desse total, apenas 24 foram transformados em inquérito; desses, somente 01, por se tratar de homicídio, tornou-se processo, sendo o pretenso agressor absolvido. Desse total, apenas 31% das vítimas foram encaminhadas para a realização de exame pericial para fundamentação das denúncias. Fatores, como a não-notificação das ocorrências às autoridades policiais por medo de represálias ou do estigma social, dificulta o conhecimento do desfecho desses casos (Polanczyk et al., 2003). O tempo entre o fato e a comunicação às autoridades pode variar, sendo mais curto nos casos em que o agressor é desconhecido ou não tem relação de parentesco com a vítima. Nos casos em que o agressor é o próprio pai, ou familiar, a denúncia pode demorar a ser feita (Sharma e Gupta, 2004), provavelmente até que a criança perceba que tais práticas são incorretas ou injustas, ou que possa se defender. Em amostra pesquisada na cidade de Santa Cruz de Tenerife (Ilhas Canárias), 67% das denúncias foram feitas pela própria ofendida, e 88% dos perpetradores eram conhecidos (Suarez Sola e Gonzalez Delgado, 2003b). Podem ainda ser considerados motivos para a manutenção desse quadro: a multidimensionalidade dos fatores conducentes a tais violências, a falta de preparo dos profissionais para a identificação dos casos de maus-tratos, desconhecimento das leis, descrédito nas possíveis ações do Estado para resolver o problema, banalização dos efeitos sobre as vítimas pela violência sofrida, além do descrédito no relato da vítima (Paiva, 2000). Adolescentes abusados sexualmente têm dificuldade de relatar as violências aos membros da família por receio de não serem levados a sério, vergonha ou medo dos problemas que tal revelação possa provocar no meio familiar (Koshima, 1999). O desconhecimento da existência e o funcionamento de serviços de assistência social, a vontade de manter o problema em segredo, a não percepção do abuso e a desconfiança inspirada por adultos e/ou profissionais dificulta a procura por atendimento especializado. 26 Outro fator que pode ser considerado é a limitação do amparo que eles podem oferecer às crianças e adolescentes vitimizados (Crisma et al., 2004). Profissionais de saúde (física ou mental) têm, por sua vez, dificuldade em identificar os casos suspeitos de abuso sexual quando solicitados a auxiliar nas decisões judiciais. Eles se valem para isso de dados obtidos em exames médico-legais, testes psicológicos, revisões e sumários de pesquisas relevantes na área das ciências sociais. Análise sobre o assunto concluiu que pelo menos 24% dessas decisões tanto podem resultar em avaliações falsopositivas como falso-negativas (Herman, 2005). Além do baixo número de notificações – estima-se que somente 10% dos casos sejam notificados (Barros, 2004; Santos, 1998) – o que preocupa é o altíssimo número de casos de maus-tratos que são diagnosticados e/ou qualificados como outro tipo de crime. O depoimento de um atendente de uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, no estado do Rio de Janeiro, ilustra a dificuldade para conhecer a realidade dos maus-tratos em geral: o funcionário acha que o exame de corpo de delito, no caso, para comprovação de violência sexual, “não vai conseguir provar nada que auxilie no andamento das investigações”, e ainda acrescentou: “É bobeira mandar a vítima pro [sic] IML à toa, é melhor registrar o crime como tentativa ou ameaça” (Paiva, 2000). As falhas nos registros podem ser atribuídas também a fatores médicos: dificuldades do profissional em associar o quadro clínico a uma situação de violência, “razões éticas; contato estreito com a comunidade; medo de revanchismo contra bens, família ou contra si; medo de aparecer na imprensa; temor de transtornos legais e acusação de falsa denúncia; temor de comparecimento ao tribunal com perda de tempo profissional” (Santos, 1998). É importante destacar que adolescentes vítimas e testemunhas de atos de violência sexual encontram-se sujeitos à violência comunitária em geral com mais freqüência do que aqueles que não foram expostos à violência sexual. A exposição a outros tipos de violência seria uma conseqüência do comportamento desorganizado possivelmente associado ao evento traumático (Polanczyk et al., 2003). Experimentar ou testemunhar atos violentos no 27 ambiente familiar, durante a infância tem sido associado à delinqüência e à violência juvenis, tanto quanto às várias formas de agressões contra mulheres (White e Smith, 2001). A escola, por sua vez, tem compromisso ético e legal de notificar às autoridades competentes os casos suspeitos ou confirmados de maus-tratos, que inclui a violência sexual. Assim, diante da gravidade que encerra a violência sexual para a criança e para o adolescente e, considerando que a escola deve ter como objetivo garantir a qualidade de vida de sua clientela, bem como promover a cidadania, é relevante para a definição de qualquer estratégia de prevenção e de atendimento por parte das redes de enfrentamento da violência infanto-juvenil conhecer as concepções dos (as) professores (as), diretores (as) e coordenadores (as) pedagógicos (as) sobre o fenômeno, bem como suas atitudes frente a uma suspeita ou confirmação de casos de violência sexual envolvendo alunos (as). No contexto histórico-social da violência contra crianças e adolescentes, no qual se insere a violência sexual, prevalece uma cultura de dominação e de discriminação social, econômica, de gênero e de raça. O paradigma de sociedade de direitos rompe com padrões antigos, mas exige a construção de uma nova cultura de proteção e respeito aos direitos humanos da criança e do adolescente. Isto “implica em tecer relações de trocas afetivas e de aprendizagem, coibir abusos, enfrentar ameaças, proteger os vulneráveis e as testemunhas e responsabilizar os agressores” (Guia Escolar, 2004, p 11). Com relação ao papel da escola e do professor na prevenção e enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, Brino e Williams (2003) enfatizam que a escola é o lugar ideal para prevenção, intervenção e enfrentamento deste fenômeno, pois deve ter como objetivo a garantia da qualidade de vida de seus alunos e a promoção da cidadania. Nesse contexto, a centralidade das escolas é respaldada pelo Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil (2000) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8069/90) que definem diretrizes para a implementação de um conjunto de ações articuladas que permitam a intervenção técnica, política e financeira para o enfrentamento da violência sexual cometida contra crianças e adolescentes. Segundo Brino e Willians (2003), em uma pesquisa realizada por estudiosos do assunto, 44% dos casos de abuso sexual são relatados inicialmente para o professor, o que 28 demonstra sua importância para a denúncia e notificação de ocorrências de abuso sexual, atuando como um agente facilitador da ruptura do círculo de silêncio que caracteriza essas situações. A exploração sexual e a prostituição infanto-juvenil O Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual Comercial Infantil – Declaração e Agenda de Ação de Estocolmo (1996) - produziu a seguinte definição: “A exploração sexual comercial de crianças e adolescentes é uma violação fundamental dos direitos. Abrange o abuso sexual por parte do adulto, e remuneração em dinheiro ou em espécie para criança e/ ou adolescente ou para um terceiro ou várias pessoas. A criança ou adolescente é tratada como objeto sexual ou mercadoria. A exploração sexual comercial constitui uma forma de coerção e violência contra a infância e adolescência, equivale a trabalho forçado e constitui uma forma contemporânea de escravidão”. A expressão exploração sexual comercial de crianças e adolescentes (ESCCA) compreende as seguintes modalidades: prostituição infantil, pornografia infantil e tráfico para comércio sexual e turismo sexual infantil12. Nos instrumentos internacionais é comum se utilizar a expressão prostituição infantil. No Protocolo Facultativo da Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo à venda de crianças, à prostituição e à pornografia infantil, há uma definição mais simplificada: “utilização de crianças em atividades sexuais em troca de remuneração ou de qualquer retribuição”. Grande parte das organizações que atuam no enfrentamento do problema prefere utilizar a expressão exploração sexual comercial infantil, por compreender que: a) o termo abrange todas as modalidades de exploração sexual comercial cometidas contra meninas/os e adolescentes (à semelhança a prostituição adulta, pornografia, turismo sexual, tráfico para comércio sexual); b) a utilização do termo prostituição infantil aumenta a discriminação das vítimas sem enfatizar o papel dos adultos responsáveis pelo delito. Isso 12 Ver Fonte: Glossário OIT/IPEC - Programa de Prevenção e Eliminação da Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes na Tríplice Fronteira Argentina/Brasil/Paraguai. Disponível em http://white.oit.org.pe/ipec/pagina.php?pagina=284. Última consulta em 16/03/2009. 29 provoca o olhar (de pena ou censura) da sociedade só para as crianças e adolescentes, como se, por trás delas, não houvesse uma cadeia de exploradores. Desta forma, pode-se resumir a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes como um “processo de tirar proveito sexual de pessoas com menos de 18 anos” (...) mediante “a utilização da criança/adolescente como objeto sexual” (...), onde ocorre uma “relação de exploração de trabalho (formalizado ou não)” (Kassar, Mônica et alli, 2005:36)13. A violência que está presente na exploração sexual contra crianças e adolescentes é, infelizmente, um problema de escala mundial. “Por ser ilegal, clandestina e em grande parte doméstica, é uma questão ainda pouco visível e difícil de ser qualificada. O mais freqüente tipo de violência a que estão sujeitas crianças e adolescentes é aquele denominado estrutural, em função da precária situação sócio-econômica das famílias das quais grande parte das crianças e adolescentes se originam” (Relatório de Viabilidade – MDS, p.5/6). E esta é apenas uma face nem sempre visível das múltiplas faces da violência que acometem as unidades familiares no Brasil. A prostituição, de uma forma geral e tradicionalmente, já se constitui objeto das ações do Estado e em especial da Saúde Pública, principalmente inserida dentro de uma ótica higienista. Quando se fala de prostituição infanto-juvenil, aponta-se para uma realidade distinta da prostituição em geral, configurando-se este em outro conjunto de determinações. Por outro lado, a nossa abordagem desse fenômeno aqui não se reduz à concepção higienista. Vamos acompanhar aqui a excelente apresentação já realizada por Gomes (1994) no artigo “Prostituição Infantil: Uma Questão de Saúde Pública”, em que o autor se incumbe de resumir de forma densa, mas muito didática os principais elementos que se articulam nesta temática. As linhas que seguem estão quase todas praticamente retiradas do artigo mencionado. Partimos do pressuposto de que a discussão a respeito da prostituição adulta é controverso e gera polêmicas que ainda não estão resolvidas, nem na vida prática e muito menos nas 13 Ver KASSAR, Mônica et alli, Aspectos Subjetivos da Percepção da Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes em Corumbá, 2005. 30 abordagens teóricas. Para Scambler et al. (1990)14, por exemplo, esta denominação é empregada como um trabalho igual a outro qualquer, definindo a prostituição como uma forma de trabalho sexual, enquanto uma transação de negócios: tem de haver um comprador e um vendedor, comodidade oferecida e preço fixado. Nesta transação, troca-se gratificação sexual por uma taxa/preço estabelecida/o, não havendo nenhuma pretensão à afeição. Essa concepção difere radicalmente do posicionamento de Barry (1991)15, que concebe a violência sexual e a prostituição como violações da dignidade humana, crimes contra a mulher e formas de discriminação sexual. No Terceiro Mundo, segundo a autora, a prostituição, associada à vulnerabilidade econômica, pode assumir configurações brutais, presentificadas nas ações do tráfico de seres humanos, por exemplo. O argumento de que a prostituição é uma forma de trabalho é atacado frontalmente por Barry (1991). Comparando o trabalho de jogadores de beisebol com a prostituição, a autora verifica que o jogador, embora contratado para usar o seu corpo, nunca entrega seu corpo, nem seus atributos para quem o contrata. Na prostituição, ao contrário, obtêm-se o direito unilateral ao uso sexual direto do corpo por parte do comprador. Encarar a prostituição como questão de uma cultura específica também seria, segundo a mesma autora, uma atitude a ser combatida. Segundo o seu ponto de vista, o ato da prostituição seria essencialmente o mesmo em diferentes culturas, com variações produzidas por demandas específicas, idiossincráticas e racistas dos clientes. Por último, Barry observa que quando se situa a prostituição como uma violação dos direitos humanos e como um crime contra a mulher, podem surgir objeções de que isso afetaria as mulheres que optam por ser prostitutas, mesmo tendo outras alternativas e a contrapartida de criminalizar seus clientes seria “injusta”. Rebatendo o argumento, a autora afirma: “na África do Sul há negros que participam do apartheid, contribuem e ganham com o apartheid. Mas isso não justifica o apartheid”. A ida (ou como alguns preferem: a “opção”) de mulheres para a prostituição é fortemente influenciada pela ideologia machista, 14 Ver SCAMBLER, G.; PESWANI, R.; RENTON, A. & SCAMBLER, A., 1990. Women prostitutes in the AIDS era. Sociology of Health & Illness, 12: 260-273. 15 Ver BARRY, K., 1991. Prostitución y victimización. La mujer ausente: derechos humanos en el mundo Ediciones de las Mujeres, 15: 63-78. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (1): 58-66, jan/mar, 1994 65 Prostituição Infantil. 31 patriarcalista e capitalista reinante. Para Saffioti (1989)16, a moça – quando vítima de violência sexual, que vai da sedução ao estupro – pode se ver como “indigna” de viver em sociedade, onde só há lugar para as “virgens” e “casadas”. Não se enquadrando em nenhuma essas situações, ela encontraria a zona de prostituição como solução. Por outro lado, para que na sociedade haja “gente de família”, a prostituição passa a ser o perfeito mal necessário, uma vez que se concilia o incentivado treinamento sexual masculino prématrimonial com o fato de a moça chegar virgem ao casamento. Ao se abordar a prostituição, independente do tipo de enfoque, não se pode deixar de lado a idéia de que esta temática insere-se na categoria do que se define comumente por “estigma”. Em Goffman (1988)17 pode-se encontrar base para uma melhor compreensão desta categoria. Segundo o autor, as atitudes das pessoas tidas como “normais” em relação às pessoas com um estigma possuem características peculiares. Em geral, essas atitudes são perpassadas por vários tipos de discriminação. Elas fundamentam-se, comumente, numa teoria de estigma e numa ideologia que serve para racionalizar, entre outros, dois aspectos centrais: a inferioridade de quem é estigmatizado e o “perigo” que essa pessoa representa. Alguns aspectos podem nos ajudar na compreensão de como tradicionalmente constituiu-se o saber sobre a prostituição. Entre os estudos que contribuem para esta compreensão destacam-se os de Machado et al. (1978)18, Engel (1986, 1989)19 e Soares (1986)20. Esses trabalhos, no que diz respeito ao saber médico sobre a prostituição, são baseados em documentos, em geral teses de medicina, do século XIX, produzidos na cidade do Rio de janeiro. As análises que realizam possuem aspectos comuns e pontos distintos sobre o assunto. Machado et al. (1978) apontam para o fato de o saber médico da época revelar a prostituição como um “perigo físico e moral”. Por outro lado, este objeto do saber médico 16 Ver SAFFIOTI, H., 1989. Exploração sexual de crianças In: Crianças Vitimizadas: A Síndrome do Pequeno Poder (M. A. Azevedo & V. N. A. Guerra, orgs.), pp. 49-95, São Paulo: Iglu. 17 Ver GOFFMAN, E., 1988. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro:Guanabara. 18 Ver MACHADO, R.; LOURENO, A. L. R. & MURICY, K., 1978. Danação da Norma. Medicina Social e Constituição da Psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal. 19 Ver ENGEL, M. G., 1986. O médico, a prostituta e os significados do corpo In: História e Sexualidade no Brasil (R. Vainfas, org.), pp. 169-190, Rio de Janeiro: Graal e ENGEL, M. G.,1989. Meretrizes e Doutores: Saber Médico e Prostituição no Rio de Janeiro (1840-1890). São Paulo: Brasiliense. 20 Ver SOARES, L. C., 1986. Da necessidade do bordel higienizado: tentativas de controle da prostituição carioca no século XIX. In: História e Sexualidade no Brasil (R. Vainfas, org.), pp. 143-168, Rio de Janeiro: Graal. 32 também era visto, ao mesmo tempo, como um fato natural e social. Enquanto “perigo físico”, segundo esses autores, a prostituição era identificada como causa de doença; no caso, havia principal destaque para a sífilis. Do leito da prostituta para o leito da esposa, o homem poderia passar “o mal que deforma e mata”, que se estende para os seus descendentes. Além da sífilis, inúmeras e variadas doenças são apontadas pelos médicos da época como conseqüências da “cópula desenfreada e desregrada”. Insônia, ansiedade, ardor de entranhas, decadência progressiva de forças, poluções noturnas e sintomas nervosos são exemplos que figuram na lista dessas doenças. A dimensão física presente no discurso médico da época, segundo análises de Engel (1986), inseria a prostituição no espaço da “sexualidade pervertida”, em contraposição ao casamento, visto como espaço da “sexualidade sadia”. As imagens do cancro e da úlcera são exemplos dos diagnósticos presentes neste discurso, apontando para a idéia de ser a prostituição uma enfermidade ameaçadora da saúde e da vida. Este enfoque denota certa preocupação com o corpo enquanto aspecto físico. Assim, o corpo da prostituta em si é visto como “uma doença do corpo que corrói o próprio corpo (...) E que ameaça outros corpos” (Engel, 1986). Junto às doenças físicas, os médicos advertiam sobre as conseqüências morais advindas da prostituição. Essa prática poderia ser um exemplo pernicioso para as moças: desestimular o trabalho e estimular o vício, entre outros problemas morais. “A prostituição desenfreada e ‘livre’ é colocada como obstáculo à transformação da família em um local de produção de indivíduos saudáveis” (Machado et al., 1978). Como observa Engel (1986), o papel da prostituta – visto como oposto ao da esposa – relacionava-se ao exercício da paixão – oposto ao exercício do amor. Este papel, para os médicos da época, vinculava-se ao adultério e à degradação dos costumes, representando o espaço da sexualidade moralmente doente, e, assim como a doença física, essa sexualidade doente também possui um caráter contagioso que ameaça os costumes. Por outro prisma de análise, para Machado et al. (1978), os médicos viam a prática da prostituição como, simultaneamente, um fato natural e social. Esta prática, presente em todos os países e nas eras mais primitivas, segundo o saber médico da época, estava ligada ao organismo humano, permitindo que o instinto sexual se realizasse e promovendo uma entrega ao “desejo arrebatador”. Neste sentido, para este 33 saber, era na própria natureza humana que se deveria estudar a patogenia da prostituição. Por outro lado, a dimensão social da prostituição também é ressaltada nos documentos médicos do século passado. Entre as causas desta prática, enquanto fato social são destacáveis o excesso de riqueza e a miséria, que se explicam pela organização da sociedade. Neste quadro, uns a procuram e outros a ela se entregam como forma de sobrevivência, onde são articulados diferentes gradientes da miséria do povo e das paixões dos ricos, conforme assinalam Machado et al. (1978). Vinculada à ociosidade – em oposição ao trabalho – a prostituição situava-se no campo das atividades remuneradas ilegítimas. Junto a essa idéia, na visão de Engel (1986), o discurso médico da época revela preconceitos sobre o trabalho feminino, quando concebe costureiras, floristas e enfermeiras, entre outras trabalhadoras femininas, como prostitutas enrustidas. Sob o ponto de vista deste saber médico, a prostituição – produto da indolência, da ambição e da miséria – é fruto da doença social em dois sentidos: “seja enquanto espaço de reprodução da miséria, seja enquanto lugar de produção do luxo ilícito” (Engel, 1986). Essa doença social ameaçaria a própria riqueza da nação, por ser foco de desagregação do trabalho e da propriedade. Engel, em outro texto (1989), destaca que o saber médico da época (1845-1890) oscilava entre o caráter normativo e a extinção da prostituição. A primeira vertente deste saber voltava - se mais para o controle médico, enquanto a segunda era pontuada pela repressão policial. Seja sob a ótica da higiene, seja pela visão moralista dos abolicionistas, a prostituição foi incorporada à reflexão médica como uma doença que ameaçava a população e que, como tal, deveria ser controlada ou combatida. “Para conhecer a prostituição foi preciso deixar de vê-la apenas como pecado, para convertê-la, antes de tudo, em doenças” (Engel, 1989). O discurso médico fixou os limites entre a moralidade e a doença no campo da sexualidade, trazendo implícito um projeto de criar normas higiênicas do corpo, que era concebido não apenas num sentido físico, mas também num sentido moral e social. A partir desta perspectiva, o médico construía as categorias básicas de classificação: a perversão (a doença física), a depravação (a doença moral) e o comércio do corpo (a doença social). Como não podiam acabar com a prostituição, conforme analisa Soares (1986), já que era considerada um “grande mal”, mas um “mal necessário”, para a 34 estabilidade da família e de toda a sociedade, médicos e autoridades policiais lançaram-se à sua regulamentação. No entanto, para esses mesmos médicos e autoridades, se a prostituição pública tinha de ser tolerada, a prostituição clandestina, ao contrário, deveria ser combatida, uma vez que esta escapava à vigilância. Neste cenário do século passado surge a proposta da criação do bordel higienizado, com vantagens para a sociedade. Esta proposta, no entanto, praticamente não foi concretizada, uma vez que a mesma necessitava de uma política – para regulamentar e normatizar o meretrício – que não chegou a ser implantada. Soares (1986), com base em Machado et al. (1978), assinala que a comunidade médica, ao propor o controle da prostituição, não estava na verdade negando ou reprimindo o sexo, mas, sobretudo, desejava conhecer todas as suas dimensões. Este saber do século XIX, para Nunes (1988)21, inseria-se na “tematização da saúde no espaço urbano”. Neste sentido, segundo o referido autor, a análise dos espaços que representavam perigo de doença e de desordem, como o bordel, completava o conhecimento sobre a cidade e o esquadrinhamento urbano. No final do século XIX, ainda no entendimento de Nunes (1988), emerge o movimento sanitarista, juntamente com a posição que situa a saúde como uma questão social. Essa realidade vai permanecer até as primeiras décadas do século XX. No âmbito do saber médico que atravessou o fim do século XIX até o início do presente século, a prostituição associou-se às doenças venéreas, a ponto de, segundo Carrara (s/d)22, não ser possível falar da história dessas doenças sem se remeter à prostituição. Nesta associação perpassa a difícil questão de se atuar frente ao estigma. Para este autor, assim como atualmente vincula-se a AIDS aos homossexuais masculinos, no passado, a sífilis era vinculada à figura da prostituição. Junto à idéia de que a prostituição é uma doença, atualmente percebem-se outros enfoques sobre o assunto. Vislumbra-se, por exemplo, um enfoque que se desloca da idéia de “grupos de risco” para a de “práticas de risco”. 21 Ver NUNES, E. D., 1988. A medida social no Brasil: um estudo de sua trajetória. Revista de Saúde Coletiva, 5: 97-111. 22 Ver CARRARA, S., (s/d). A AIDS e a história das doenças venéreas no Brasil (de finais do século XIX até os anos vinte). Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Mimeo). 35 Este posicionamento que surge na era da AIDS, dentro de uma perspectiva de saúde coletiva, orienta-se para uma nova concentração de doença. Nesta concepção, o foco de atenção não está sobre alguns indivíduos, segregando-os, mas na sociedade como um todo. “Mesmo que haja indivíduos ou grupos mais expostos, é toda a sociedade que está imediatamente implicada no processo” (Carrara, s/d). As estimativas que se tem sobre a prostituição infanto-juvenil no Brasil revelam um quadro bastante sério e preocupante. Saffioti (1989) cita a estimativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que levanta a possibilidade de 20% das meninas brasileiras entre 10 e 15 anos exerceram a prática da prostituição. Em Dimenstein (1992)23 há outra estimativa, do Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência (CBIA), que aponta para a existência de 500 mil meninas brasileiras que vivem na prostituição. Um levantamento local, mencionado por Vasconcelos (1991)24, aponta para o fato de, num espaço de 40 dias, ter havido mais de 1.000 meninas e adolescentes do sexo feminino que buscavam sobrevivência nas ruas e nos bordéis do Recife. A prostituição infanto-juvenil, em qualquer cenário em que se configura, desponta como um fato cruel com muitos e diferentes matizes. Há momentos em que ela se integra ao tráfico de drogas; há situações em que ela se confunde com a miséria; e há casos em que seu início ocorre dentro do próprio lar. Em qualquer uma dessas situações, as crianças que a ela sobrevivem têm uma história comum a contar: a história da violência. As marcas desta violência são visíveis nos corpos e nas mentes, mesmo para aqueles que fazem força para não ver. Segundo Luppi (1987)25, a prostituição infantil é um dos problemas mais cruéis e comuns a que está exposta a infância pobre do Brasil. Para o autor, paradoxalmente, esta temática é uma das menos pesquisadas dentro do conjunto de estudos 23 Ver DIMENSTEIN, G., 1992. Meninas da Noite: A Prostituição de Meninas Escravas no Brasil. São Paulo: Ática. 24 Ver VASCONCELOS, A., 1991. A prostituição de meninas e adolescentes no Recife. Tempo e Presença, 258: 22-23. 25 Ver LUPPI, C. A., 1987. Malditos Frutos do Nosso Ventre. São Paulo: Ícone. 36 sobre a chamada “questão do menor” (conforme já mencionamos). A precariedade de dados sobre este assunto também é apontada por Saffioti (1989) e Lamarão et al. (1990)26. No levantamento preliminar acerca da problemática em questão, em termos de estudos brasileiros que envolvem trabalho de campo, ressaltam-se apenas quatro investigações. O primeiro estudo, citado por Vasconcelos (1991), aborda a realidade de meninas que vivem nas ruas do Recife (Pernambuco), e dentro desta análise há uma reflexão sobre a venda do corpo como forma de sobrevivência, por parte das meninas. No segundo, de Santos et al. (1990)27, além de considerações teóricas sobre a temática em questão, há uma breve análise comparativa sobre a prostituição infantil, a partir de dados presentes em entrevistas com educadores que trabalham diretamente com meninas de Fortaleza (Ceará). No terceiro, realizado por Lamarão et al., são examinadas causas e formas de exploração sexual de meninas de Belém (Pará), a qual se encontra relacionada à pobreza. Por último, o quarto estudo é um trabalho de jornalismo-pesquisa, de autoria de Dimenstein, que revela, com todos os seus impactos, a perversidade do tráfico de meninas escravas na Amazônia legal. Para Saffioti, praticamente há uma sobreposição da prostituição e da pornografia infantis. No cenário internacional, o uso de crianças na grande indústria pornográfica já é um fato alarmante. Em Lorenzi (1987)28 há um dado que registra, nos Estados Unidos, para o ano de 1987, a existência de 250 publicações especializadas nessa área, envolvendo crianças de 3 a 5 anos. No Brasil, como observa Saffioti, não se dispõe de dados sistemáticos sobre a pornografia infantil. Alguns autores estabelecem associações entre o uso da droga e a prostituição infantil. Este uso é mencionado por Vasconcelos como uma das formas de as meninas “agüentarem a vida de rua”. Já Dimenstein (1992) observa que a rede de prostituição se cruza e se confunde com a rede do tráfico de drogas. Quando se fala em prostituição infantil, pensa-se na prostituição infantil feminina. Entretanto, há também a masculina, mas sobre esta praticamente nada se sabe. As obras levantadas sobre a temática 26 Ver LAMARÃO, M. L. N.; OLIVEIRA, M. B. S. & MARIN, R. E. A., 1990. Cotidiano de Miséria e Formas de Exploração Sexual de meninas em Belém. Belém: Movimento República do Pequeno Vendedor – Centro de Defesa do Menor. (Mimeo). 27 Ver SANTOS, C. M. A.; RODRIGUES, J. V.; QUEIROZ, M. O. & PINHEIRO, A. A. A., 1990. Prostituição infantil: considerações teóricas e observações sobre a realidade da cidade de Fortaleza. Revista de Psicologia, 7/8: 97-113. 28 Ver LORENZI, M., 1987. Prostituição Infantil no Brasil e Outras Infâmias. Porto Alegre: Tché. 37 praticamente não apresentam dados sobre esta realidade. Alguns autores apenas a constatam e observam a ausência de dados sobre a prostituição infantil masculina. Especialmente sobre a prostituição infantil feminina, Saffioti, em termos conceituais, observa que há duas abordagens sobre exploração sexual: uma se confunde com o conceito de exploração econômica, enquanto outra se refere à obtenção de prazer, com prejuízos da saúde mental de quem está sendo explorado. Nas duas abordagens está implícita a idéia de dominação, perpassada pelas categorias de sexo/gênero e idade. Isso é mais bem explicado pelo fato de a sociedade ocidental ser “androcêntrica” e “adultocêntrica”, nela se tornando visíveis o poder do homem e o poder do adulto. Esta dupla opressão da qual a meninaprostituta é vítima, também é assinalada por outros autores, como Santos (1991)29. Saffioti estabelece duas considerações básicas. A primeira refere-se ao fato de a educação promovida pelo adulto ser fortemente comprometida por uma visão machista. Na segunda consideração está presente a idéia de que, no âmbito social, o poder associa-se à violência. Na medida em que o homem detém maior poder, lhe é permitido desenvolver a violência. Em geral, segundo a autora em questão, a violência sexual desenvolve-se a partir da dominação do macho. Como sabemos a violência contra crianças em geral deixa marcas profundas nas suas vítimas. Vasconcelos (1991) relata que, na Casa da Passagem, no Recife, no período de 1987 a 1989, 3.700 questionários registram violências praticadas contra meninas e mulheres-adolescentes, destacando-se estupros, incestos, espancamentos e abusos sexuais. As conseqüências da violência sexual são analisadas por Santos (1991) e Vittielo (1989)30. Especialmente em relação à menina que se prostitui para sobreviver, observa-se que o seu corpo, cobiçado e violentado, se converte em “objeto privilegiado das agressões por parte dos outros; seja comprando-o, seja maltratando-o” (CEAP, 1993). Num primeiro plano, comumente a violência sexual é vista como protagonista principal. No entanto, ao se descortinar este plano, logo se percebe fortes indícios de violência estrutural na quase totalidade dos casos de prostituição infantil. Este nível de violência é 29 Ver SANTOS, H.O., 1991. Crianças Violadas. Brasília: CBIA/CRAMI. Ver VITIELO, N., 1989. Vitimização sexual: Conseqüências orgânicas. In: Crianças Vitimizadas: A Síndrome do Pequeno Poder (M. A. Azevedo & V. N. A. Guerra, orgs.), pp. 123-141, São Paulo: Iglu. 30 38 forjado por um sistema social desigual, onde um enorme número de pessoas é explorado para garantir privilégios de um pequeno número de outras. A violência que permeia a prostituição infantil feminina por si só já constitui uma questão de cunho evidentemente social e também de saúde coletiva. Esta afirmação se insere numa constatação mais ampla, objeto de análise de Goldenberg et al. (1989)31, que ressalta a violência contra a mulher na sociedade brasileira. Esta violência estrutura-se a partir da organização hierárquica das relações de gênero, potencializada por atos violentos, revelando o papel subalterno das mulheres presente no imaginário social. Segundo Goldenberg et al., a saúde coletiva deve enfrentar esta questão, que, além das marcas psíquicas produzidas, ameaça a integridade física da mulher. A saúde da mulher, como observam Xavier et al. (1989)32, não se restringe à condição corporal, mas estende-se para outros campos. Entre esses campos podem ser destacadas a sexualidade e a violência. Além dos autores citados, há outros, como Agudelo (1989)33 e Minayo (1992)34, que vêm discutindo a violência como uma demanda em saúde. Quase todos os autores tecem considerações sobre a miséria presente por detrás da prostituição infantil, sem reduzir a segunda à primeira. Azevedo (1986)35, por exemplo, além das condições sócioeconômicas, analisa outros fatores, como o desenvolvimento do turismo e a “ideologização” da infância e das sexualidades feminina e masculina. Segundo a autora, esta ideologização faz com que, entre outras coisas, haja uma divinização da ninfeta. Sem dúvida, a miséria tem uma pontuação maior entre os inúmeros fatores mencionados pelos autores. Sobre isso, Santos et al. observam que, em geral, a trajetória da menina de rua inicia-se na mendicância, passa pelas pequenas vendas nos sinais e tem como fim a prostituição. 31 Ver GOLDENBERG, P.; MEDRADO, M. A. & PASTERNOSTRO, M. A. N., 1989. A violência contra a mulher: Uma questão de saúde. In: Mulher, Saúde e Sociedade no Brasil (M. E. Labra, org.), pp. 185-200, Petrópolis: Vozes. 32 Ver XAVIER, D.; ÁVILA, M. B. & CORREA, S., 1989. Questões feministas para a ordem médica: O feminismo e o conceito de saúde integral. In: Mulher, Saúde e Sociedade no Brasil (M. E. Labra, org.), pp. 203-222, Petrópolis: Vozes. 33 Ver AGUDELO, S. F., 1989. Violência y/o salud: elementos preliminares para pensarlas y actuar. I Encontro sobre Violência e Saúde, Rio de Janeiro: Claves/Ensp/Fiocruz. (Mimeo.) 34 MINAYO, M.C.S. 1992. Violência e saúde. In: Pesquisa Social em Saúde (A. W. P. Spínola, E. N. C. Sá,M. F. Wsetphal, R. C. F. Adorno & F. Zioni, coords.), pp. 257-267, São Paulo: Cortez. 35 Ver AZEVEDO, M. A., 1986. Prostituição infantil: Uma incursão indignada pelo lado não-respeitável da sociedade. In: Quando a Criança Não Tem Vez: Violência e Desamor (M.H.F. Steiner, org.), pp. 109-113, São Paulo: Pioneira. (Série Cadernos de Educação). 39 Para Saffioti, as profundas desigualdades sócio-econômicas do país propiciam a exploração de pessoas por pessoas. Neste contexto, a criança facilmente se torna uma mercadoria. Segundo a autora citada, esta problemática deve ser entendida nos níveis nacional e internacional. Em Dimenstein (1992) também fica patente a presença da miséria no cenário da prostituição de meninas escravas no Brasil. Entre suas conclusões sobre esta perversa realidade, o autor ressalta o fato de a miséria fazer com que as meninas vendam o único bem que possuem: o corpo. Outra conclusão do autor sobre o tráfico de meninas escravas, ligado ao tráfico de drogas, diz respeito à idade de ingresso na prostituição, que diminui à medida que aumenta o número de crianças que vivem na rua. Uma das conseqüências deste quadro nacional de pobreza é, sem dúvida, o chamado fenômeno de “meninos e meninas de rua”. Minayo et al. (1992) consideram que esta problemática refere-se a um fenômeno urbano gerado pelo modelo econômico social que privilegiou a cidade sobre o campo e que, em relação à cidade, descuidou-se da criação de equipamentos de políticas sociais e de geração de renda. Com base em Vásquez (1990)36 e Minayo (1990)37, entre outros autores, percebese que a pobreza e a miséria podem ser situadas como conseqüências de uma violência produzida por um sistema social desigual. Neste sentido, o ambiente de pobreza passa a ser um cenário de violência, onde seus componentes atuam ora como vítimas, ora como autores dos processos conflitivos. Especificamente sobre o processo saúde-doença, no artigo de Santos et al. (1990) há dados que revelam as doenças mais comuns nas meninas envolvidas com a prostituição infantil em Fortaleza. Entre essas, ressaltam-se as de pele; as sexualmente transmissíveis, principalmente a gonorréia e a sífilis; e, comumente entre as que dormem na rua, as infecções respiratórias, a exemplo da pneumonia e da bronquite. O artigo ressalta também que “nem todas as meninas têm condições de manter uma relação sexual completa, inclusive por falta de maturidade genital”. Ainda sobre este processo, em Dimenstein podem ser encontrados exemplos do cotidiano de meninas-prostitutas da Amazônia legal. Entre as 53 entrevistadas, 15% usavam método contraceptivo, 5% utilizavam regularmente 36 Ver VAZQUEZ, A. S., 1990. Filosofia da Práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Ver MINAYO, M. C. S., 1990. A violência na adolescência: um problema de saúde pública. Cadernos de Saúde Pública, 1: 278-291. 37 40 preservativo e 40% haviam feito aborto empregando métodos bem rudimentares, como chutes na barriga, drogas impróprias, a exemplo da quina (destinada à malária), e agulha de crochê. A maioria não possuía nenhum conhecimento sobre o funcionamento de seu corpo nem sobre os perigos da gravidez, e algumas meninas confundiam AIDS com cólera. Tais atitudes presentes na sociedade devem ser levadas em conta para se compreender aspectos interiores da prostituição e suas relações com a vida social em geral. Não considerar isso significa, no mínimo, reforçar o preconceito que impede um melhor entendimento da temática em questão. A partir da articulação entre a intervenção no campo da infância e da adolescência, da saúde pública, enquanto campo de conhecimento e de práticas multidisciplinares, e a prostituição infanto-juvenil, pensada sobretudo enquanto violação dos direitos humanos, é que se afigura a importância das discussões que finalizamos aqui. Entram em cena na dinâmica destes tipos de violência os efeitos perversos de um sistema capitalista de produção que disponibiliza corpos - em especial aqueles “cobiçados” de crianças e adolescentes, independentemente de sexo, classe social, raça e etnia - como se estes fossem meras mercadorias a serem “consumidas” e, desta forma, exploradas. Segundo o mesmo Relatório de Viabilidade, a exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes seria: “Um fenômeno complexo e de difícil enfrentamento, inserido num contexto histórico-social de violência endêmica e com profundas raízes culturais. Foi apenas na década de 90, com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que esses passaram no Brasil a ser juridicamente considerados sujeitos de direitos, e não mais menores incapazes, objetos de tutela, de obediência e de submissão. Essa ruptura com antigos padrões societários representa um importante avanço civilizatório – o dos direitos humanos. A construção de novas relações adultos-jovens, baseada em relações afetivas, de proteção e de socialização, implica em denúncia e responsabilização dos violadores desses direitos (...).A realidade tem demonstrado que uma das situações mais graves e freqüentes de exclusão, vulnerabilidade e risco social, em que estão envolvidas crianças e adolescentes, é a de abuso e exploração sexual comercial.(...) Por conta dos fatores sócio-econômicos, étnicos, intergeracionais e culturais, o abuso e a exploração sexual comercial não são de fácil percepção e quantificação” (p.7). 41 O desmonte dessa violência e a tentativa de reconstrução de uma cultura de respeito e amor às crianças e, sobretudo, que garanta os seus direitos na sociedade implica em denunciar permanentemente a quebra do respeito e da proteção social, também implica coibir os abusos, enfrentar as ameaças e revelar os segredos, protegendo neste difícil caminho as vítimas e as testemunhas. É necessário que seja fortalecida uma cultura extra e intrafamiliar em que a relação social e a relação sexual não sejam vividas no silêncio mais ou menos consentido e hipócrita da dominação, da discriminação e da exploração. As políticas sociais de intervenção neste campo “delicado” não deveriam se restringir exclusivamente ao binômio denúncia-repressão. É fundamental que direitos e prioridades, no sentido dos recursos públicos, sejam garantidos em lei e em serviços do Estado para proteger as pessoas vitimizadas, punir os agressores, prevenir os abusos. Além disso, numa sociedade e num Estado de direitos consolidados faz-se necessário a discussão responsável, e de forma mais aberta, sobre a sexualidade, assegurando à criança seu direito à autonomia, à aprendizagem, ao desenvolvimento saudável da apropriação do seu próprio corpo. Isto, obviamente, implica também num maior acesso das famílias brasileiras a todas as políticas sociais básicas como educação, saúde, habitação, lazer e renda mínima, inserindo-as na grande rede de proteção social que se configura no paradigma mais atual de ação nesse campo, como veremos mais adiante. Criança é cidadão. O Estado deve ainda, assegurar facilidades para a denúncia e a punição dos agressores. O Estado também deve estar em condições de poder melhor identificar, numa lógica em que recursos alocativos sejam escassos, aquelas populações de crianças e adolescentes no Brasil que se encontrem mais e especialmente vulneráveis a sofrerem o dano da exploração sexual e comercial. “Num processo contraditório, a luta pela implementação do direito, da proteção às crianças e adolescentes e do incentivo a sua autonomia e aprendizagem é uma luta ideológica, cultural, simbólica contra esses valores citados e uma luta pela mudança das condições de vida. Essa luta implica também a construção da “cultura do castigo e da punição” aos agressores e o fim da impunidade dos abusadores. A figura de parente, pai, chefe de família não deve ser motivo para excusas e tolerâncias com o abuso ou a exploração sexual de crianças e adolescentes. A lei deve criminalizar as agressões, os assédios, os abusos, a exploração e criar mecanismos para que sejam responsabilizados os pais, padrastos e agentes do Estado, no exercício ou não de suas funções que venham a praticar essas violações. O poder de pai não anula o outro como poder ser e ser de poder. Ao contrário, 42 só se legitima ao construí-lo nos limites dos padrões civilizatórios dos direitos humanos, incluindo a sexualidade responsável.” (Faleiros, 1997:p.7) Desmontar a violência intrafamiliar acarreta, não apenas, em denunciar e contar o número de vítimas e encaminhar vitimizados, numa circulação “pingue-pongue” de um lugar para outro, de um profissional para outro. É preciso que os agentes envolvidos em seu enfrentamento estejam mais preparados e qualificados para mitigar esse tipo de violência que hoje extrapola, inclusive, os limites dos estados nacionais e tem assumido uma estrutura de rede muito bem articulada e administrada, onde o lucro capitalista é o grande motor. Também em termos da definição desta outra faceta da violência sexual vamos nos deparar com farta polissemia. Há muitas dúvidas de como são estabelecidas aquelas que poderíamos determinar como sendo “relações no mercado do sexo”. O que significa o fato de separar o sexo do amor para poder comercializá-lo? Existe prazer no sexo sem afeição? Como não se sentir violentado no mercado do sexo? Sexo sem afeto, sem amor, sem carinho. Relação na qual um não considera o outro como sujeito, mas somente como objeto? Qual é o prazer que os clientes e as pessoas que trabalham neste mercado de sexo encontram ali? Estas são algumas das muitas dúvidas que nos acorrem quando necessitamos de uma definição mais estrita do que seja a exploração sexual comercial. Não resta dúvida de que a exploração sexual de crianças e adolescentes é crime previsto na Constituição Brasileira, artigo 27, parágrafo 4º, assim como o trabalho infanto-juvenil que tem suas normas definidas pelo artigo 68 do ECA. Neste sentido, entende-se que crianças não devem trabalhar em lugar nenhum, pois o trabalho precoce pode vir a prejudicar o seu desenvolvimento psicossocial e físico. No caso de adolescentes, estes só devem trabalhar em locais que propiciem a sua efetiva profissionalização, durante o dia, sem correr quaisquer perigos. Sabe-se, entretanto, que adolescentes podem, segundo uma leitura mais “liberal”, até viver a sua sexualidade no “mercado do sexo”, mas é fundamental dizer que algumas das principais características deste “mercado” propiciam grande possibilidade que essas sejam exploradas. Sabemos que a adolescência é vivida como um período de grandes 43 turbulências, onde, frequentemente, ocorrem: desorientações temporais, manifestações da evolução sexual, atitudes anti-sociais, acompanhadas (ou não) da vontade de separação progressiva dos pais, além de muitas outras mudanças oriundas das tentativas do/a jovem buscar a construção de uma nova identidade para si mesmo/a. Nesta fase, o “mercado do sexo” pode se afigurar um lugar de possibilidade do exercício da aventura, da liberdade, da autonomia, da sedução e da conquista. Mas, o que significa viver a adolescência no “mercado do sexo” numa fase de mudança do corpo, sem conhecimento sobre o mesmo, cheio de mitos e fantasias? Viver este momento como um simples objeto, num espaço que, muitas vezes, não se encontra afeição? Como valorizar este novo corpo na prostituição que, na verdade, o desvaloriza? Ou será que recebe uma importância que fora dela não encontra? Será que o corpo é o único “instrumento” da mulher pobre que é visto pelo mercado moderno? É bastante comum encontrarmos casos em que a figura do adulto, ao invés de funcionar como um referencial/apoio, trabalhar como um aproveitador deste momento de fragilidade e de busca do/a adolescente. Sabemos que muitos são os riscos deste “mercado”: a gravidez precoce, abortos, doenças sexualmente transmissíveis, assim como a dupla exclusão social, quando não atendem mais as exigências do mesmo. Numa cultura de gênero ainda profundamente tradicional, patriarcal e machista como em geral é a brasileira, na qual a primeira relação sexual é tão valorizada, a perda da virgindade desvaloriza a menina. A saída encontrada pode ser se casar com o autor ou ser vista como perdida (para o casamento). O casamento precoce e a separação em seguida ou a nova identidade de perdida são alguns dos fatores que influenciam, certamente, na “entrada” no mercado do sexo. Falta de lazer e opções de sobrevivência, vivência de abuso sexual na família e repressão sexual também são alguns outros elementos importantes desta dinâmica. A exploração sexual, mesmo a de crianças e adolescentes, refere-se ao comércio das relações sexuais. Aqui entram em cena a figura de explorador, do rufião, da dona de boate, do aliciador. Crianças em situação de exploração sexual são duplamente vitimizadas: 44 violentadas sexualmente pelos “clientes” e exploradas por quem tira proveito dessas relações, como o dono de boate ou, às vezes, os próprios pais. Para entendimento desse ponto, cabe agora considerar a rede autoritária de exploração sexual de crianças e adolescentes. Esta outra trama é, como o próprio nome evidencia, centrada no lucro comercial que se possa obter com o trabalho sobre o corpo da criança ou adolescente, ou seja, ela atua fundamentalmente condição de transformação e submissão do corpo infanto-juvenil em mercadoria humana para benefício sexual do cliente e benefício comercial dos proprietários do comércio e aliciadores. Vale dar fundamental destaque ao fato da exploração sexual de crianças e adolescentes se distinguir da prostituição adulta, principalmente daquela que seria “opcional” (isto se este tipo efetivamente existir). A exploração sexual de crianças e adolescentes viola o direito humano fundamental ao desenvolvimento autônomo do ser e do corpo da criança, à dignidade de seu corpo, a sua própria humanidade. Trata-se aqui do fato da criança ser mantida de forma involuntária: seja pela imposição da força física mesmo, seja pela força do amedrontamento, ou ainda da própria ignorância ou desconhecimento de alternativas de vida. Algumas poucas pesquisas já realizadas em bordéis ou prostíbulos mostram que são, justamente, as crianças e adolescentes que não têm, sequer, a liberdade de ir e vir, conformando-se esta em uma situação de evidente violação de seus direitos civis, políticos, sociais. Alem desses, essa situação viola os direitos inerentes à condição de pessoa em desenvolvimento e que são previstos em vários tratados nacionais e internacionais e, sobretudo, delineados no nosso Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo Faleiros, a rede de exploração pode ser mapeada da seguinte forma: 45 Figura 3: Resumo das Dimensões de Interação da Rede de Exploração Sexual Fonte: Faleiros, Vicente. (1998) Redes de Exploração e Abuso Sexual e Redes de Proteção. p.05. Por sua vez, a rede da exploração sexual se articula de acordo com os termos da economia predominante num determinado território/espaço, e ela também se articula, pronta e rapidamente, com outras redes tais como as: do turismo sexual, dos garimpos, da farta e transitória circulação de caminhoneiros, do trânsito livre e desimpedido entre fronteiras nacionais, da construção e, às vezes, do próprio crescimento desordenado de novas cidades, ou ainda, de obras que produzam impactos nestas cidades onde haja a necessidade de ampla contratação de mão de obra masculina temporária; da livre circulação de pessoas por áreas ribeirinhas empobrecidas e pouco vigiadas; da presença de populações vulneráveis e de caráter “exótico” tais como as populações indígenas e as mulheres “mulatas”/negras; entre outras. Estes elementos acabaram por se configurar nas diretrizes que orientaram a criação dos Centros de Referência do Serviço de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e adolescentes (já que o abuso sexual não possui características territoriais - espaciais e geográficas – que o demarquem). Esta rede também se diversifica de acordo com o mercado de usuários/clientes, podendo vir a se conformar em redes de alto luxo para cargos de alto escalão de políticos, executivos e empresários e redes focadas mais para as camadas de média ou baixa renda (ou ainda para um tipo específico de consumo corporal, a exemplo dos travestis e transgêneros). Nesse caso, estão situados os bares noturnos com quartos anexos onde as crianças trabalham servindo mesas ou vendendo flores e outras bugigangas e são também exploradas sexualmente. 46 Como já salientado, as redes de intervenção pública estão fragmentadas, e no caso do enfrentamento da exploração sexual, encontram-se operando com extrema fragilidade. Destacam-se no âmbito do combate às redes de exploração, as ações de cunho quase exclusivamente repressivo e de grande de impacto e visibilidade na opinião pública e na mídia tais como as blitzes, com a conseqüente prisão de alguns agentes e exploradores. A mesma rede visualizada na figura acima precisaria ser muitíssimo melhor articulada para enfrentamento da questão da exploração sexual de crianças e adolescentes. Contudo, é totalmente incomum que os/as vitimizados/as da exploração sexual venham buscar o apoio público-estatal (já que a dinâmica envolve lucros imensos – nem sempre da criança explorada, ameaças etc.). Cabe à rede de intervenção pública ter uma atitude pró-ativa de identificação destes casos, o que ainda não acontece no Brasil. Nesta perspectiva preventiva e de atendimento é preciso valorizar, sensibilizar, defender a identidade, a dignidade, a autonomia e a igualdade destas crianças e adolescentes. Parte importante disso é a desconstrução dos papéis de gênero, ainda profundamente tradicionalizados dentro do âmbito familiar e cultural, revendo o lugar ocupado hoje pelas mulheres e homens nas famílias, no trabalho e na sociedade. Em alguns casos também é necessário o trabalho de combate a todas as formas de discriminação étnico-racial presentes na sociedade brasileira, pois estas têm influenciado e permeado, em função do exotismo de outras representações sociais construídas neste âmbito relacional, as redes de abuso e exploração sexual. Nesta sociedade profundamente desigual, como a brasileira, não é possível mais reforçar a argumentação de que seria a pobreza a maior ou a única justificativa para qualquer forma de abuso ou mesmo exploração comercial de crianças e adolescentes, principalmente no trabalho. O direito igual a uma saudável convivência familiar e o acesso a patamares de excelência na educação são basilares para a proteção integral à criança e ao adolescente. 47 Na figura abaixo é possível identificar um detalhamento dos atores e respectivos interesses envolvidos no processo de exploração sexual. Figura 4: Detalhamento dos Elementos/Agentes e Interesses principais envolvidos na situação da Exploração Sexual Fonte: Elaboração Própria, Pesquisa de Avaliação Qualitativa do Programa Sentinela, DCP/MDS, 2006. As pessoas vitimizadas pela exploração sexual, ainda que possam obter em troca algum dinheiro, deixam de exercer a sua autonomia, o direito sobre si, a decisão sobre seu próprio corpo e seu destino, com conseqüências sérias sobre seu equilíbrio psicossocial, saúde e educação. Um dos mecanismos é o constante aumento de sua dívida para com o explorador, o que (re)coloca os/as vitimizados/as um posição e clara opressão e subalternidade. De forma sucinta, a exploração sexual de crianças e adolescentes: 48 • Não é uma ação isolada ela, geralmente, envolve mais do que duas pessoas, senão um intenso processo de interação (redes de exploração), pelo menos no sentido de mais de um adulto fará uso do explorado, seja uso físico ou dos recursos advindos do processo; • É um fenômeno, comumente mais visível, já que deve ser dado a conhecer àqueles que farão uso, de alguma forma, dos serviços do/a vitimizado/a; • No caso da exploração, a questão econômica pode ser considerada como um determinante bastante importante, mas não o único; • Tem aumentado, não somente no Brasil, mas também no mundo como um todo, constituindo-se numa preocupação para vários países. Uma das razões desse aumento é a associação dessa exploração com o crime organizado, não ficando restrito aos limites das fronteiras de cada país. Devido a especificidades desses fenômenos sociais, não é possível tratá-los da mesma forma e nem ter a pretensão de que os instrumentos que se prestam ao seu enfrentamento ou combate servirão indistintamente e de forma eficaz o abuso e a exploração sexual. Estes são fenômenos que podem vir associados, mas que pertencem a dinâmicas sociais de naturezas bastante distintas. Conforme já assinalado acima, a real extensão desse tipo de violência é de difícil dimensionamento em decorrência dos diversos fatores que conferem invisibilidade ao fenômeno, tais como a subnotificação dos casos de abuso sexual (Biheler, 2002; Lalor, 2004 a; Polanczyk et al., 2003; Suarez-Sola e Gonzalez Delgado, 2003b; Barros, 2004; Koshima, 1999; Santos, 1998), as diferenças culturais (Korbin, 2002; Lalor, 2004a; Islam e Islam, 2003) e de legislação, bem como a conduta dos profissionais (peritos-legistas, médicos, assistentes sociais, autoridades policiais e judiciárias) envolvidos, que não raro resulta em diagnósticos e análises enviesados (Paiva, 2000; Herman, 2005; Santos, 1998). A escassez e a irregularidade dos serviços de assistência social, o amparo jurídico-legal limitado oferecido às vítimas (Crisma et al., 2004) e a dificuldade de acompanhamento dos casos registrados (Gomes, 1998; Polanczyk et al., 2003) concorrem para que o assunto permaneça pouco conhecido. Chama à atenção a carência de informações existentes sobre as ocorrências e os atendimentos – aspecto analisado, a seguir, no contexto das regiões de expansão do PAIR-MINAS -, especialmente os registros especializados previstos em casos 49 de violências sexuais infanto-juvenil, tais como os contidos nos laudos de exame médicolegal, nos boletins de ocorrência e relatórios médicos. Outros agravantes dizem respeito à ausência de uniformidade dos termos empregados para designar o fenômeno e a expressiva ausência de dados sobre o agressor. O fato alerta para a necessidade de um atendimento contextualizado, no qual a atenção profissional individualizada deveria ceder espaço à implantação de uma rede que acolhe, trata, age e pensa de forma integrada. Por um diagnóstico da violência sexual infanto-juvenil: subsidiando a rede de ações de enfrentamento à violência sexual em Minas Gerais Uma caracterização da violência sexual infanto-juvenil exige grande esforço dos pesquisadores que a ela se dedicam, uma vez que: a) há escassez de diagnósticos disponíveis (e mesmo de dados confiáveis) sobre o tema, e b) a já citada ocorrência, em patamares expressivos, de subnotificação dos registros relacionados a esse tipo específico de violência. Segundo Moutinho e Sampaio (2005): “Os principais fatores que costumam ser apontados como aqueles que contribuem para o sub-registro são: tipo de crime; visão da vítima sobre a polícia e a sua capacidade de resolver conflitos; experiência anterior da vítima com a polícia; seleção de tipos e tratamentos que os variados crimes recebem dos sistemas policial e judiciário; grau e tipo de relacionamento da vítima com o agressor.” (Moutinho e Sampaio, 2005:15). A violência sexual contra crianças e adolescentes se caracteriza pela proximidade entre vítima e agressor (especialmente nos casos de abuso sexual)38 e dizem respeito a crimes que causam constrangimento às vítimas (Aded et al., 2006). Ademais, além da subnotificação dos registros, as pesquisas relacionadas a esse tema têm de enfrentar a inexistência de bases de dados informatizadas e a falta de sistematização das informações disponíveis no âmbito nacional (Moutinho e Sampaio, 2005:23). 38 Nas seções que se seguem serão apresentados dados fornecidos pelo CREAS a respeito da caracterização das vítimas e dos agressores, a partir dos atendimentos realizados nesse equipamento em municípios beneficiados pela expansão do PAIR-MINAS, 50 Pode-se entender essa forma de violência como um processo de violação de direitos que engloba tanto as situações de abuso sexual intra e extrafamiliar que se caracterizam como não possuindo um caráter comercial, como as situações de exploração sexual, nas quais a dimensão mercantil está nitidamente presente. Apesar de a sociedade ressaltar a importância da família, historicamente sua organização não se fez sob os princípios fundamentais de respeito à pessoa humana, configurando-se como um espaço da hierarquia e da subordinação caracterizado pelo domínio dos homens sobre as mulheres e de adultos sobre as crianças. A violência interpessoal de caráter sexual contra crianças e adolescentes, nesse sentido, é uma violação de direitos humanos, sexuais e dos direitos particulares de pessoa em desenvolvimento. A violência sexual intrafamiliar constitui uma violação ao direito de uma convivência familiar protetora e uma ultrapassagem dos limites estabelecidos pelas regras sociais, culturais e familiares. A violência - que no cotidiano familiar é apresentada como abuso sexual, psicológico ou mesmo a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes - configura-se a partir das complexidades e sutilezas envolvidas no exercício do poder no contexto intrafamiliar. Segundo Faleiros (1997), “Esta violência, manifesta, concretamente, uma relação de poder que se exerce pelo adulto ou mesmo não adulto, porém mais forte, sobre a criança e o adolescente num processo de apropriação e dominação não só do destino, do discernimento e da decisão livre destes, mas de sua pessoa enquanto outro. Esse uso (chamado abuso) do poder da força é, de fato, uma profunda desestruturação de uma relação de poder legitimado pelo direito e pelo diálogo, pela autoridade da maiêutica na dinâmica de ensino/ aprendizagem mútua vivida no questionamento comum do mundo e na construção da autoridade legítima” (Faleiros,1997:6). Este tipo de violência, em especial, está enredado por uma trama social onde o que predomina é uma perversa cultura do silêncio. Algumas das pesquisas39 (Faleiros, 1995, 1997), neste campo ainda pouco investigado, tendem a destacar determinados aspectos que estão associados ao fenômeno do abuso intrafamiliar. Entre eles: 39 Pryor traz o resumo de 10 estudos recentes sobre o abuso sexual. In PRYOR, Douglas. Unspeakable acts. Why men sexually abuse children. New York, New York University Press, 1996. 51 A) O segredo familiar. O problema da violência intrafamiliar está envolto em relações complexas da e na família, pois os agressores são quase sempre parentes ou pessoas muito próximas das vítimas, vinculando sua ação, ao mesmo tempo, à sedução e à ameaça. A violência se manifesta pelo envolvimento dos atores na relação consangüínea, frequentemente para proteção da “honra” do abusador, para preservação do provedor e tem contado, muitas vezes, com a complacência de outros membros da família, que nesse caso; B) As crianças e adolescentes vitimizadas40 são traumatizadas pelo medo, pela vergonha e até mesmo pelo terror. É recorrente que as mesmas tendam a reprimir ou evitar falar do assunto, mas sofrem com freqüência sintomas de depressão, descontrole emocional, anorexia, dificuldades nos estudos, problemas de concentração, digestivos, fobias e da sensação de estar sujo. Há, em casos mais graves, tentativas de suicídio ligadas ao trauma; C) A reincidência. Os abusadores são quase sempre reincidentes; não se limitam a episódios únicos ou isolados de violação, seja da família ou fora dela. Exemplo disso são os pedófilos; D) A repetição da violência. As pessoas vitimizadas podem desenvolver a tendência a repetir a violência, desta vez com outras pessoas, da mesma forma como foram vitimizadas; E) A presença da violência em todos os segmentos sociais. Pesquisas revelam inexistir um perfil específico para as crianças que sofrem este tipo de violência, sendo mais freqüente a existência de um número maior de denúncias de famílias pobres. Mas a pobreza não pode ser considerada causa de abuso, e sim uma situação de vulnerabilidade e de risco maiores ao propiciar a possibilidade da experiência da falta de alojamento adequado, de frustrações em relação à miséria, do desemprego, do analfabetismo, do alcoolismo, da falta de uma cultura do diálogo com as crianças; F) As crianças e adolescentes podem ser vitimizados em qualquer idade, mas as reações e os traumas são diferenciados de acordo com a idade em que o abuso foi iniciado. É igualmente diferenciada a capacidade da criança ou adolescente de 40 Usamos a expressão “vitimizado/a” ao invés de vítima por reconhecer no sujeito capacidade de compreensão e reação de uma ou outra forma. Trata-se de um sujeito vitimizado e não de um objeto-vítima. 52 reagir, contar, resistir e do apoio que venha a receber. Não se pode definir um padrão único de abuso41; G) A impunidade do abusador. O abusador é, muitas vezes, “perdoado” pela família e, em determinados caso, até pela sociedade por razões culturais, patriarcais e autoritárias; H) “Fuga da casa”. É freqüente, em depoimentos de meninos e meninas de rua, a constatação de que a fuga da casa foi motivada por agressões e abusos físicos e/ou sexuais; I) A necessidade, em alguns casos, de atendimento terapêutico e quase de acompanhamento em formato multiprofissional ou interdisciplinar, tendo em vista a complexidade do problema. A violência que está presente na exploração sexual e comercial contra crianças e adolescentes, por sua vez é, infelizmente, um problema de escala mundial. “Por ser ilegal, clandestina e em grande parte doméstica, é uma questão ainda pouco visível e difícil de ser qualificada. O mais freqüente tipo de violência a que estão sujeitas crianças e adolescentes é aquele denominado estrutural, em função da precária situação sócio-econômica das famílias das quais grande parte das crianças e adolescentes se originam” (Relatório de Viabilidade – MDS, p.5/6). Mas esta é apenas uma face nem sempre visível das múltiplas faces da violência que acometem as unidades familiares no Brasil. Segundo o Relatório de Viabilidade produzido pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes é: “(...) um fenômeno complexo e de difícil enfrentamento, inserido num contexto histórico-social de violência endêmica e com profundas raízes culturais. Foi apenas na década de 90, com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que esses passaram no Brasil a ser juridicamente considerados sujeitos de direitos, e não mais menores incapazes, objetos de tutela, de obediência e de submissão. Essa ruptura com antigos padrões societários representa um importante avanço civilizatório – o dos direitos humanos. A construção de novas relações adultos-jovens, baseada em relações afetivas, de proteção e de socialização, implica em denúncia e responsabilização dos violadores 41 Ver, por exemplo, HAESEVOETS, Yves-Hiram. “Symptomatologie particulière des enfants victimes d’inceste” in Les Politiques Sociales 55(1&2):51-57, Mons, 1996. 53 desses direitos (...).A realidade tem demonstrado que uma das situações mais graves e freqüentes de exclusão, vulnerabilidade e risco social, em que estão envolvidas crianças e adolescentes, é a de abuso e exploração sexual comercial.(...) Por conta dos fatores sócio-econômicos, étnicos, intergeracionais e culturais, o abuso e a exploração sexual comercial não são de fácil percepção e quantificação” (p.7). O desmonte dessa violência e a construção de uma cultura amorosa da criança e de garantia de seus direitos na sociedade implicam em denunciar permanentemente a quebra do respeito e da proteção social. Esse desmonte também implica em coibir os abusos, enfrentar as ameaças e revelar os “segredos”, protegendo neste difícil caminho as crianças e as testemunhas. As políticas sociais de intervenção, neste campo delicado, não podem se restringir exclusivamente ao binômio denúncia-repressão. A garantia de direitos e promoção de políticas consistentes de proteção social – em seus componentes de prevenção e atendimento – são aspectos centrais para a construção de um novo marco referencial de ação pública voltada para o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. Isto, obviamente, implica também num maior acesso das famílias brasileiras a todas as políticas sociais básicas como educação, saúde, habitação, lazer e renda mínima, de forma a garantir uma atenção integrada a tais públicos, como será discutido adiante. Cabe destacar ainda a importância de novas abordagens da sexualidade, assegurando à criança seu direito à autonomia, à aprendizagem, a desenvolver saudavelmente a apropriação do seu próprio corpo, numa sociedade e num Estado de direitos efetivamente consolidados. A garantia dos direitos de crianças e adolescentes requer instituições de Estado capazes de dotar de direcionalidade as ações voltadas para os grupos de crianças e adolescentes no Brasil em situação de maior vulnerabilidade ao abuso e à exploração sexual e comercial e ampliar a capilaridade de suas ações mediante o fortalecimento das redes de enfrentamento. Outro aspecto central é o fortalecimento das capacidades institucionais do sistema de garantia de direitos de forma a que a responsabilização dos agressores atue, de fato, com um dos pilares da política de enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. 54 Desmontar a violência sexual intra e extrafamiliar contra as crianças e adolescentes no Brasil implica, não apenas, em denunciar, contar o número de vítimas e encaminhá-las para os serviços competentes, numa circulação, do tipo “pingue-pongue”, dos profissionais no interior do sistema mais imediato em que atua. É importante reconhecer que esse tipo de violência, hoje, atravessa diferentes fronteiras, inclusive os limites dos Estados nacionais, conformando-se rápida e instantaneamente em uma estrutura de rede muito bem articulada e administrada. Os esforços e as possibilidades de enfrentamento do problema da ESCCA no Brasil requerem, portanto, novas modalidades de ação pública, destacando-se a configuração de redes de proteção e enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil, como proposto por programas como o PAIR. Nesse contexto, o presente trabalho caracteriza os municípios da área de expansão do PAIR-MINAS no tange ao quadro de violência e de criminalidade observada, e em seguida, aborda o fenômeno da violência sexual infanto-juvenil. Além disso, esse trabalho apresenta um esforço de caracterização da rede de vigilância sócio-assistencial e dos órgãos do sistema de garantia de direitos, de modo a fomentar a articulação entre esses, garantindo, assim, estratégias mais eficazes de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. 55 Metodologia A elaboração do diagnóstico consistiu no levantamento, sistematização e análise de informações secundárias sobre as características socioeconômicas e demográficas das populações residentes, sobre a configuração do fenômeno da violência sexual infantojuvenil e da rede de proteção à criança e ao adolescente na área de expansão do PAIR Minas. A estrutura do diagnóstico obedece a um recorte regional, adotando-se como marco referencial as mesorregiões geográficas e o porte populacional dos municípios. Esse marco possibilita a identificação de especificidades relacionadas à matriz de riscos e vulnerabilidades sociais, ao fenômeno da violência sexual infanto-juvenil e à rede de proteção potencial no âmbito municipal, ao mesmo tempo em que permite o estabelecimento de vínculos com as estruturas de desigualdades socioterritoriais presentes no espaço regional. Essa escolha metodológica justifica-se por duas razões principais. Em primeiro lugar, a regionalização dos riscos e das ocorrências de violência sexual infanto-juvenil foi um dos aspectos considerados na definição da área de expansão do PAIR Minas, sendo foco da atenção os riscos e vulnerabilidades sociais configuradas territorialmente. Em segundo, a regionalização das políticas sociais é hoje uma das estratégias centrais para ampliar a efetividade das ações e serviços governamentais, incluindo aqueles voltados para o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. Esse aspecto é de especial importância no contexto do PAIR na medida em as políticas voltadas para a proteção às crianças e adolescentes veem adotando modalidades regionalizadas de oferta de serviços, como é o caso da Assistência Social, da saúde e do Sistema de Garantia de Direitos. O atual projeto de expansão do PAIR abrange 04 (quatro) mesorregiões e 07 (sete) microrregiões do estado de Minas Gerais. As variações entre as regiões, relativamente ao número de municípios e população atingida pela expansão do PAIR, reiteram a importância de um diagnóstico baseado em um recorte regional, ainda que desagregado no nível municipal. Tabela 1: Área total de Minas Gerais e das mesorregiões geográficas dos municípios beneficiados pelo projeto de expansão do PAIR Minas, 2000. MESORREGIÃO GEOGRÁFICA ÁREA DA MESORREGIÃO GEOGRÁFICA (Km²) Jequitinhonha 50.598,9 Vale do Mucuri 19.728,5 Vale do Rio Doce 41.809,1 Metropolitana de Belo Horizonte 39.508,9 Minas Gerais 526.528,293 Fonte: IBGE – SIDRA, Dados de 2000. A área de expansão do PAIR inclui 40 (municípios) e está territorialmente concentrada, principalmente, em duas mesorregiões, o Vale do Mucuri e o Vale do Jequitinhonha. Na primeira, o projeto atingirá 14 municípios, o que representa 60,9% do total e 81,9% da sua população residente. No Vale do Jequitinhonha, está prevista a expansão do programa para 15 municípios (29,4%) que abrangem 42,6% da população. A mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte será beneficiada com a inclusão de apenas 7,6% de seus municípios, mas a expansão atingirá 32% da população residente, pois serão incluídos municípios de grande porte42. Na mesorregião Vale do Rio Doce serão beneficiados 03 (três) municípios, que representam 2% da população residente. Tabela 2: Municípios e população beneficiada pela expansão do PAIR Minas 2008/2009 – UFMG/SEDESE/AMAS UNIDADES TERRITORIAIS MESORREGIAO Vale do Mucuri MICRORREGIAO Teófilo Otoni Nanuque Vale do Rio Doce Governador Valadares Jequitinhonha Araçuaí Pedra Azul Almenara Metropolitana de Belo Horizonte ÁREA DE ABRANGÊNCIA DA EXPANSÃO PAIR-MINAS MUNICÍPIOS Beneficiados Total (N) (%) 14 60,9 10 76,9 04 40,0 03 02.9 03 12,0 15 29,4 06 75,0 05 100,0 04 25,0 POPULAÇÃO Beneficiada Total (N) (%) 308.443 81,9 220.461 85,4 87.982 74,2 30.283 1,9 30.283 07,3 296.147 42,6 131.627 85,0 84.313 100,0 80.207 45,6 08 07,6 2.011.070 32,1 08 33,3 2.011.070 41,6 MINAS GERAIS 40 4,7 2.645.943 13,7 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE – Contagem da População 2007. Belo Horizonte Nas regiões do Vale do Mucuri e Vale do Jequitinhonha o número expressivo de municípios incluídos nessa fase de expansão do PAIR Minas pode atuar como elemento 42 Cabe destacar que o PAIR já está implantado no município de Belo Horizonte, que abrange 50% da população desta mesorregião. 57 importante para a capilarização do Programa no espaço regional. Cabe destacar, no entanto, que é importante considerar que o efeito potencial dessa capilaridade para o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil depende da capacidade de organização e oferta de ações e serviços relativos aos seis eixos estratégicos definidos no Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil43 no âmbito desses territórios. Nessa direção, um parâmetro importante é o porte dos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas. A diferenciação dos municípios com base nesse critério é hoje adotada pela política de Assistência Social como elemento norteador na caracterização do perfil e volume de demandas por ações socioassistenciais, bem como da capacidade de oferta desses serviços por parte dos municípios. No contexto da política nacional de Assistência Social, o porte populacional dos municípios é uma variável crítica tanto para o mapeamento de matrizes de riscos e vulnerabilidades sociais quanto para a definição de estratégias de organização e hierarquização dos serviços socioassistenciais44. Conforme apresentado na tabela abaixo, os municípios beneficiados com a expansão do PAIR Minas são, predominantemente, de pequeno porte, sendo que 50% deles têm uma população de até 20.000 habitantes (Pequeno I) e 25% com até 50.000 habitantes (Pequeno II). Estes municípios estão distribuídos nas mesorregiões Vale do Mucuri, do Jequitinhonha e do Rio Doce. Do total de 10 municípios de médio porte e grande, 08 estão localizados na região Metropolitana de Belo Horizonte. 43 Esses eixos são: análise da situação, mobilização e articulação, defesa e responsabilização, atendimento, prevenção e protagonismo infanto-juvenil. SEDH,MJ, 2000. 44 A metodologia utilizada pela Política Nacional de Assistência Social distingue o porte populacional dos municípios em cinco categorias: Municípios pequenos I: população até 20.000 habitantes; municípios pequenos II: população entre 20.001 a 50.000 habitantes; municípios médios: população entre 50.001 a 100.000 habitantes; municípios grandes: população entre 100.001 a 900.000 habitantes; metrópoles: população superior a 900.000 habitantes. Segundo a PNAS “a referida classificação tem o propósito de instituir o Sistema Único de Assistência Social, identificando as ações de proteção básica de atendimento que devem ser prestadas na totalidade dos municípios brasileiros e as ações de proteção social especial, de média e alta complexidade, que devem ser estruturadas pelos municípios de médio, grande porte e metrópoles, bem como pela esfera estadual, por prestação direta como referência regional ou pelo assessoramento técnico e financeiro na constituição de consórcios intermunicipais. Levar-se-á em conta, para tanto, a realidade local, regional, o porte, a capacidade gerencial e de arrecadação dos municípios, e o aprimoramento dos instrumentos de gestão” (PNAS, 2004:40) 58 Tabela 3: Municípios da área de expansão do PAIR-MINAS segundo a mesorregião e porte populacional PORTE POPULACIONAL DO MUNICÍPIO MESORREGIÃO Pequeno I Pequeno II Vale do Mucuri Vale do Jequitinhonha Vale do Rio Doce Metropolitana de Belo Horizonte Médio Grande 11 01 01 01 07 08 02 01 01 07 20 10 02 08 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE – Contagem da População 2007. Metrópole Total - 15 03 08 40 14 O número expressivo de municípios de pequeno porte (I e II) e a concentração dos mesmos em determinadas regiões reforçaram a importância de caracterização do espaço regional em relação ao perfil de demandas e ao potencial de oferta de serviços socioassistenciais. Esses serviços são estratégicos para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, particularmente para prover atenções especializadas, incluindo o atendimento psicoassistencial e jurídico às vítimas e suas famílias em casos de risco ou de violação de direitos. Atualmente, a provisão dessas atenções é assegurada mediante um modelo de proteção social hierarquizado (básica e especial), operacionalizado a partir de estratégias de regionalização de serviços45, notadamente aqueles de média e alta complexidade, incluindo aqueles destinados às vítimas de violência sexual infanto-juvenil. A operacionalização dessa escolha metodológica – o recorte regional com foco na matriz de riscos e vulnerabilidades e na rede de proteção existente – resultou na organização do diagnóstico em quatro eixos: (1) a base territorial da área de expansão do PAIR Minas; (2) caracterização sócio-demográfica; (3) violência sexual infantojuvenil e (4) a rede de proteção social e de enfrentamento à violência sexual infantojuvenil. O primeiro eixo do diagnóstico caracteriza os territórios beneficiados pela expansão do PAIR Minas, relativamente às especificidades desses espaços no âmbito municipal e estadual. A caracterização e a territorizalização da matriz de riscos e vulnerabilidades à exploração sexual infanto-juvenil foi uma das principais estratégias das primeiras iniciativas de enfrentamento à exploração sexual infanto-juvenil no país. O primeiro 45 A “hierarquização da rede pela complexidade dos serviços e abrangência territorial de sua capacidade em face da demanda” é um dos parâmetros de organização da rede socioassistencial previstos pelo Sistema Único de Assistência Social (NOB-SUAS, 2005:23). 59 programa de combate à ESCCA implantado em escala nacional, o programa Sentinela, utilizou como critérios de focalização de suas ações a presença de um conjunto de riscos e vulnerabilidades vinculados às condições socioterritoriais do município46. Segundo essa estratégia, as seguintes características dos municípios foram identificadas como fatores de risco à ESCCA: proximidade às rodovias, presença de garimpos, presença de aldeias indígenas, localização em regiões ribeirinhas ou portuárias, a realização de obras de grande impacto, extensão da atividade de turismo, localização em região de fronteira. Dentre os fatores de risco, alguns assumem maior centralidade para a definição de estratégias de enfrentamento da violência infanto-juvenil por não serem temporários ou transitórios, sendo, ao contrário, aspectos estruturadores dos territórios e da extensão e complexidade da matriz de riscos ali presente. A caracterização dos territórios foi realizada de forma a identificar a presença desses fatores de riscos e associar a sua presença à ocorrência de eventos de violência sexual infanto-juvenil nas mesorregiões consideradas. O segundo eixo caracteriza os territórios em relação aos aspectos sociodemográficos, com foco na presença de população mais vulnerável à violência sexual contra crianças e adolescentes. Ainda que não pretenda estabelecer relações de causalidade entre os fenômenos tratados, o diagnóstico fornece um painel relativamente amplo de informações sobre a infra-estrutura econômica dos municípios, a (in)segurança de renda dos diferentes segmentos populacionais e as vulnerabilidades sociais passíveis de serem associadas aos perfis dos grupos familiares. O eixo seguinte, sobre a violência sexual infanto-juvenil organiza as informações disponíveis sobre o fenômeno no contexto das ocorrências de criminalidade e das violências acometidas contra crianças e adolescentes, configuradas em cada território. Cabe ressaltar, o caráter aproximado do quadro que emerge dos indicadores analisados, em especial, por se tratar de uma área ainda afetada pela subnotificação dos eventos e, em conseqüência, um dimensionamento do fenômeno subestimado. O uso, nesse caso, de estatísticas oficiais e de estudos especiais certamente limita o dimensionamento do 46 Programa iniciado em 2001, atualmente foi reorganizado, no âmbito da rede socioassistencial, como serviço prestado pelos Centros de Referência Especializados de Assistência Social, como serviço de média complexidade denominado Proteção Social às Crianças e aos Adolescentes Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual e suas Famílias. 60 fenômeno apresentado pela restrição dos dados e inexistência de séries temporais de dados sobre essa temática. Essa restrição reflete a saliência ainda recente do tema na agenda pública e as condições limitadas de responsabilização dos violadores de direitos, associadas à incipiência e fragilidade institucional do sistema de garantia de direitos na maioria dos municípios. No último eixo, são abordadas as configurações das redes de proteção47 e de enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil existente nos municípios. A caracterização da primeira rede dimensiona a infra-estrutura instalada, relativamente a programas e serviços estratégicos para o enfrentamento dessa violência, fornecendo à Comissão Operativa Local um quadro dos recursos e insumos disponíveis no nível municipal e regional, bem como dos agentes cujas ações são relevantes para a materialização do PAIR Minas. A configuração da rede de enfrentamento é focalizada a partir da identificação de agentes governamentais e da sociedade civil, atuantes em diferentes ambientes institucionais e áreas de políticas. As informações foram coletadas junto a diversas fontes de informação, incluindo órgãos oficiais de estatísticas, órgãos gestores de políticas públicas, centros de pesquisa e universidades. Um aspecto importante é que a estrutura do diagnóstico é compatível e complementar aquela adotada no Sistema de monitoramento e avaliação do Projeto PAIR Minas. Dados os limites de elaboração do diagnóstico com base em informações secundárias sobre uma temática cujas estatísticas são ainda recentes e limitadas, as conclusões apresentadas devem ser complementadas e atualizadas pelas informações produzidas pela primeira coleta de dados do Sistema, que será a linha de base para avaliação do programa48. Os indicadores do presente diagnóstico e aqueles incluídos no Sistema de Monitoramento e avaliação do PAIR Minas são similares e complementares, permitindo à Comissão local definir estratégias de ação adequadas ao cenário diagnosticado e acompanhar os impactos das mesmas ao longo do ciclo de implantação do projeto. 47 Conforme previsto na Lei 8069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. 48 A linha de base consiste no levantamento e caracterização da área de problema em questão antes da intervenção do Programa, no caso, o PAIR. Segundo o cronograma do projeto, a construção dessa linha de base ocorrerá a partir da adesão dos municípios ao PAIR, prevista para abril de 2009. 61 Expansão do PAIR-MINAS na mesorregião do Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce Base territorial do PAIR O objetivo dessa seção é caracterizar as estruturas socioterritoriais dos municípios beneficiados com a expansão do PAIR-MINAS nas regiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce em relação aos fatores de risco e vulnerabilidade à violência sexual infanto-juvenil. Nas mesorregiões do Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce o projeto de expansão do PAIR-MINAS prevê a inclusão, respectivamente de 14 (quatorze) e 03 (três) municípios, num total de 17 municípios beneficiados. A caracterização desses espaços territoriais constitui-se em elemento importante para o dimensionamento do fenômeno, para a compreensão de sua configuração e dinâmica no espaço regional e local. Um primeiro aspecto a ser considerado na caracterização socioterritorial da matriz de riscos e vulnerabilidades de crianças e adolescentes à violência sexual é o porte populacional dos municípios. No contexto de políticas públicas que crescentemente adotam o critério populacional para fins de alocação de recursos públicos e equipamentos públicos, de hierarquização e regionalização de serviços e programas, é importante avaliar a configuração espacial dos territórios beneficiados pelo PAIR em relação a esse aspecto. A expansão do PAIR Minas no Vale do Mucuri atingirá 14 (quatorze) municípios, o que representa 60,9% do total de municípios nessa mesorregião. Do ponto de vista da dispersão territorial, observa-se uma concentração espacial na microrregião de Teófilo Otoni, onde 10 municípios serão beneficiados. Quanto ao porte populacional, os municípios são, predominantemente, de pequeno porte, sendo 11 (onze) deles caracterizados como de pequeno porte I, conforme tabela abaixo. Na mesorregião do Vale do Rio Doce, a implantação do programa está prevista para 03 (três) municípios, sendo 02 (dois) de pequeno porte I e 01 (um) de pequeno porte II. Essa expansão representará a inclusão de 2,9% do total de 102 municípios. A expansão do programa concentra-se na microrregião de Governador Valadares. 62 A predominância de pequenos municípios entre os beneficiados deve ser objeto de atenção na definição das estratégias de ação do PAIR Minas no âmbito local e regional, pois tem implicações importantes na configuração das redes de serviços públicos e a presença de instituições de governo, com será discutida na seção relativa à infraestrutura relacionada à rede de serviços sociais. Tabela 4: Distribuição dos municípios das mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce segundo o porte populacional – 2007 MESORREGIÃO GEOGRÁFICA PORTE POPULACIONAL VALE DO MUCURI VALE DO RIO DOCE Grande Teófilo Otoni Médio Nanuque Pequeno II Carlos Chagas Itambacuri Pequeno I Águas Formosas Campanário Ataléia Pescador Catuji Franciscópolis Frei Gaspar Itaipé Ladainha Novo Oriente de Minas Ouro Verde de Minas Pote Serra dos Aimorés Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE, 2007. Estudos chamaram a atenção para a interiorização da violência sexual de crianças e adolescentes, particularmente devido à presença de fatores que podem ser associados ao crescimento das ocorrências em municípios menores e localizados nas diferentes regiões do país49. Dentre os fatores de risco, alguns assumem maior centralidade para a definição de estratégias de ações voltadas para o combate a esse tipo de violência devido ao fato de não serem temporários, constituindo em elementos estruturadores dos territórios e da extensão e complexidade da matriz de riscos ali presente. A localização dos municípios nas proximidades de rodovias, a presença de garimpos e de aldeias indígenas, o fato de situar-se em áreas litorâneas, ribeirinhas ou em regiões de fronteira são alguns desses fatores. Em avaliação recente do “Programa Sentinela”, Matos et. al. (2007) argumentaram, no entanto, que esses fatores são preditores importantes da exploração sexual, mas não dos eventos de abuso sexual de crianças e adolescentes. Em atenção a esse aspecto, a 49 Matriz intersetorial de enfrentamento da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, 2004. 63 discussão que se segue abordará, inicialmente, a presença daqueles fatores de risco e, na sequência, discutirá aspectos relacionados à vulnerabilidade social de certos segmentos sociais e grupos familiares. Mapa 1: Municípios da área de expansão do PAIR nas mesorregiões do Vale do Mucuri e Rio Doce. Minas Gerais, 2008. Fonte: Elaboração própria. A metodologia de expansão do PAIR Minas adotou a proximidade de rodovias como critério de seleção dos municípios a serem beneficiados. Diagnósticos sobre a violência sexual infanto-juvenil mostram que nos municípios próximos a rodovias e a entroncamentos rodoviários há uma concentração de pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes. O Guia para Localização de Pontos Vulneráveis à Exploração Sexual Infanto-juvenil ao longo das Rodovias Federais Brasileiras 2007 identifica esses pontos com base na presença de “estacionamentos de caminhões, balneários, lojas, paradas de ônibus, lanchonetes, hotéis, borracharias, clubes, postos de caixa eletrônico, povoados, vilarejos, trevos e rotatórias nas estradas, festas freqüentes, praças, casas particulares, viadutos ou pontos espalhados ao longo das estradas” (2007:14). Estudos demonstram que a existência de uma infra-estrutura destinada aos 64 viajantes acaba também servindo à ocorrência do fenômeno da exploração sexual infanto-juvenil já que é, geralmente, nesses pontos de parada, que o fenômeno ocorre. 50 Minas Gerais ocupa posição destacada dentro da malha rodoviária nacional uma vez que a maioria das rodovias federais corta o território estadual, totalizando 14.158,9 quilômetros de rodovias. Além disso, a “malha rodoviária conta ainda com 13.218,6 km de rodovias estaduais, 3.427,2 km de rodovias estaduais transitórias e 239.249,4 km de rodovias municipais, perfazendo um total de 270.053,8 km de rodovia” (Guia para a Localização dos Pontos Vulneráveis à Exploração Sexual Infanto-Juvenil ao Longo das Rodovias Federais Brasileiras, 2007). Essa extensão da malha rodoviária do estado merece destaque na medida em que Minas Gerais ocupou o primeiro lugar em número de pontos vulneráveis à exploração sexual infanto-juvenil no país segundo estudo da Polícia Federal em 2007 (idem, 2007). Em se tratando dos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas nas regiões do Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce, a existência de pontos vulneráveis a exploração sexual em duas rodovias federais (BR-116 e a BR-418) se apresenta como um dos principais fatores de risco presentes nessa área. A BR-116 é a principal rodovia brasileira e corta o Brasil de Norte-Sul, tendo início na cidade de Fortaleza no estado do Ceará e término na cidade de Jaguarão no estado do Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai. Em Minas Gerais, a rodovia se inicia no município de Divisa Alegre, na divisa com a Bahia e termina em Além Paraíba, na divisa com o Rio de Janeiro. A presença dessa rodovia é identificada com um dos fatores responsáveis pela regionalização do fenômeno da exploração e abuso sexual contra crianças e adolescentes Diagnóstico realizado pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP/UFMG), o Programa Pólos de Cidadania (Pólos/UFMG) e a Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), no ano de 2007 no âmbito da 50 Diagnósticos realizados pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP/UFMG), pelo Programa Pólos de Cidadania (Pólos/UFMG) e pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). 65 expansão do PAIR Minas, mostrou que a BR-116 se constitui um fator de risco permanente em relação ao fenômeno da exploração sexual infanto-juvenil. 51 Os municípios beneficiados pela expansão do PAIR localizam-se em uma área de confluência de rodovias importantes e de grande centralidade para a circulação de veículos e transporte de cargas do país. 04 (quatro) municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce – Teófilo Otoni, Campanário, Itambacuri e Catuji – são atravessados pela BR-116. Teófilo Otoni se situa em um encontro de rodovias (BR-116 e as rodovias estaduais 418, 217 e 342). Catuji se situa no encontro da BR-116 com a rodovia estadual 342 e Campanário no encontro da BR-116 com a rodovia estadual 311. Mapa 2: Malha rodoviária da área de expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce Fonte: Elaboração própria. 51 PROJETO PAIR/MG - Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil em Minas Gerais – DIAGNÓSTICO Teófilo Otoni - Secretaria Especial de Direitos Humanos, Universidade Federal de Minas Gerais Pró-Reitoria de Extensão, Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública, Programa Pólos de Cidadania - Agosto de 2007. 66 Outros municípios que se localizam na área de influência da BR-116 são Itaipé, Ladainha, Novo Oriente de Minas, Frei Gaspar, Pescador e Poté. Por sua extensão geográfica (4.385 km), importância econômica - a rodovia interliga 10 estados brasileiros e cidades brasileiras importantes - e fluxo de veículos, a BR-116 dispõe de infra-estrutura para atender aos viajantes, inclusive, os caminhoneiros, com a presença de hotéis, restaurantes, bares e outros pontos de parada. Como se sabe, geralmente a exploração sexual de crianças e adolescentes ocorre com mais freqüência nesses pontos de parada ao longo das rodovias. Os estudos realizados nessa área também mostram que os agressores mais comuns são caminhoneiros que se envolvem sexualmente com crianças e adolescentes durante o deslocamento por essas rodovias. Teófilo Otoni situa-se na BR-116, e também na confluência com outras rodovias estaduais e federais. A pesquisa realizada pelo CRISP (2007) mostra que a localização próxima a estas vias de tráfego intenso, em grande parte de caminhões, atua fortemente para promover o problema da exploração sexual infanto-juvenil no município. Notadamente, alguns pontos específicos são áreas de risco, como o entroncamento da BR-116 e da rodovia estadual MG-217, onde se situa o município de Teófilo Otoni e, nas proximidades, o município de Poté. A BR-418 também exerce influência sobre alguns municípios da região do Vale do Mucuri beneficiados pela expansão do PAIR Minas. A BR-418 é uma rodovia de ligação 52 entre o leste de Minas Gerais e o litoral sul da Bahia. Tem início no município de Teófilo Otoni, passa por Nanuque e termina na BR-101, já em território baiano. Trata-se de uma rodovia com tráfego intenso porque é rota de circulação de turistas que se dirigem das regiões Sudeste e Centro-Oeste com destino às cidades turísticas do sul da Bahia. A rodovia corta o município de Teófilo Otoni e Nanuque e se localiza próxima aos municípios de Serra dos Aimorés e Carlos Chagas que, por essa razão, também sofrem sua influência. As rodovias de ligação são aquelas que unem duas rodovias federais entre si, ou uma rodovia a alguma localidade próxima, ou à nossas fronteiras internacionais, ou, ainda, que não possam ser classificadas em nenhum dos outros tipos. 52 67 O diagnóstico realizadao pelo CRISP revelou que nos arredores da BR-418 há muitos pontos comerciais, em especial supermercados e postos de gasolina, nenhum de pernoite de caminhoneiros. Segundo o estudo, a ponte Nanuque, situada nessa BR, é também um local em evidência quando se trata da exploração sexual infanto-juvenil. Demais riscos territoriais associados à exploração e abusos sexuais referem-se a determinadas atividades econômicas, como garimpagem, turismo, obras de grande impacto, etc. A região caracteriza-se pela presença importante da atividade econômica de garimpo. Do total de 17 municípios, apenas 04 (quatro) municípios não desenvolvem essa atividade: Itambacuri, Itaipé, Ouro Verde de Minas e Pescador. Ataléia, Catuji, Teófilo Otoni e Franciscópolis são os municípios que mais se destacam nessa atividade. O garimpo de gemas é uma atividade importante, para a economia local, ainda que perda significativa de sua importância em função da produção em grande medida artesanal e em pequena escala. Embora a atividade se dirija também para a exportação de gemas, o impacto comercial é reduzido na medida em que as pedras são exportadas sem beneficiamento, com baixo valor agregado. Em todos esses municípios, a forma principal de garimpo praticado é de tipo tradicional. Diferentemente das frentes de garimpagem, essa modalidade se caracteriza por uma presença mais constante de núcleos familiares, maior integração com as comunidades locais e menor fluxo migratório, fatores associados à menor incidência de ESCCA. Os riscos à ESCCA associados ao turismo, sobretudo, o turismo litorâneo e o ligado às festas típicas, negócios, pesca esportiva e cidades históricas decorrem do deslocamento de grande fluxo de pessoas e da sua concentração em alguns municípios. O turismo, em suas diferentes modalidades, não se constitui em uma atividade econômica relevante na região. Apenas Teófilo Otoni se destaca pelo turismo de negócios, com impacto nos municípios circunvizinhos, associado à comercialização de pedras preciosas extraídas através do garimpo. Essa atividade é voltada principalmente para a exportação dessas pedras e resulta em certo afluxo de turistas estrangeiros nesse município. A presença de populações e terras indígenas no território é também identificada como uma condição associada à violência sexual infanto-juvenil. No vale do Mucuri há a 68 presença importante de comunidades indígenas no território, incluindo existência de terra indígena e assentamentos. Antes de qualquer avaliação de possíveis impactos desses fatores sobre a configuração de um contexto favorável à exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes é necessário analisar a composição e dinâmica populacional desses territórios e possíveis interações entre esses aspectos. Caracterização sócio-demográfica da população Em conjunto, os 17 municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na região do Vale do Mucuri/Rio Doce possuem uma população de 338.726 habitantes. Os 14 (quatorze) municípios beneficiados na região do Vale do Mucuri somam 308.443 habitantes que representam 81,9% do total da população da região. Já no Vale do Rio Doce, os 03 (três) municípios beneficiados possuem uma população correspondente a 30.283 habitantes que equivale a 1,9% do total da população da região. Na região do Vale do Mucuri se destacam os municípios de Teófilo Otoni e Nanuque cuja população representa, respectivamente, 37,5 e 11,9% do total da população beneficiada pela expansão do PAIR Minas na região. Os municípios menos populosos considerando-se as duas mesorregiões são: Campanário e Pescador (Vale do Rio Doce); Franciscópolis, Catuji, Frei Gaspar, Ouro Verde de Minas e Serra dos Aimorés (Vale do Mucuri). Nesses municípios, a população não supera os 10 mil habitantes. Conforme demonstrado por Matos & Garcia (2006), essas duas mesorregiões53 encontravam-se entre aquelas com maiores níveis de perda populacional no período compreendido entre 1995 e 2000. O Vale do Mucuri e o Vale do Rio Doce apresentaram taxas de crescimento vegetativo da população de 1.027% e 1.115%, respectivamente, que são inferiores a estadual (1.448%). Nesse caso, a perda decorreu de processos mais acentuados de emigração do que imigração, indicada pelas Taxas Líquidas de Migração 53 Juntamente com as mesorregiões Jequitinhonha, Norte de Minas, Noroeste e Central Mineira. 69 – TLMs54 negativas. Com relação à TLM observada nesse período, o Vale do Mucuri (1.41%) ocupa a primeira posição entre as mesorregiões com perda líquida de população, enquanto o Vale do Rio Doce ocupa a quarta posição (-0,54%). Para o conjunto dos 17 municípios beneficiados com a expansão do PAIR Minas, a população total em 2000 era de 346.829 habitantes, em 2004 de 341.756, atingindo 338.726 habitantes em 2007. Esta tendência de perda populacional, porém, não foi uma tendência geral, apresentando variações entre os municípios dessas regiões. Entre 2000 e 2007, 09 (nove) municípios experimentaram um crescimento populacional, enquanto 08 (oito) apresentaram a redução de sua população. Destes, destaca-se Itambacuri, localizado na região do Vale do Rio Doce, que experimentou uma redução significativa de sua população entre 2000 e 2007. Os municípios de grande, médio e pequeno porte II caracterizaram-se pela redução de sua população entre 2000 e 2007. Já entre os municípios de pequeno porte I, a maioria apresentou um leve crescimento populacional no período. Nessa área de expansão do PAIR Minas observa-se diferenças importantes quanto à densidade demográfica dos municípios, ou seja, uma razão entre o número total de habitantes e a área territorial de cada uma dessas unidades. Os municípios mais densamente povoados eram, em 2007, Teófilo Otoni (39,75 hab/ km2) e Ouro Verde de Minas (39,04 hab/km2) que se situavam acima do padrão estadual (30,50 hab/ km2) e bem acima do padrão nacional (22 hab/km2)55. Os municípios com menor densidade eram Carlos Chagas, Franciscópolis, Ataléia e Campanário, onde a densidade não ultrapassava 10 habitantes por km2. Entre os municípios com maior densidade, destacam-se Teófilo Otoni, de grande porte, Nanuque, classificado como pequeno porte II e Ouro Verde de Minas e Serra dos Aimorés, classificados como de pequeno porte I. No que tange ao grau de urbanização, essas mesorregiões comportam municípios com populações rurais expressivas, o que implica na necessidade de desconcentração das ações do PAIR em direção às áreas rurais. Apenas 04 municípios atingiram um percentual de urbanização próximo ao nacional (84% de domicílios localizados em área A TLM é a diferença entre a taxa de imigração e emigração, indicando os movimentos internos da população no município considerado. 55 Os valores para o estado e para o país são do IBGE, 2005. 54 70 urbana),56 sendo que em Nanuque o grau de urbanização superava esse patamar. Catuji, Frei Gaspar, Franciscopólis, Itaipé, Ladainha, Novo Oriente de Minas Ataléia caracterizavam-se como municípios predominantemente rurais, ou seja, com menos de 50% de domicílios urbanos. Tabela 5: População total, densidade demográfica e percentual de domicílios urbanos dos municípios segundo o porte populacional. Mesorregiões do Vale do Mucuri e Rio Doce, 2000, 2004, 2007. PORTE POPULACIONAL MUNICÍPIO ano 2000 População total ¹ ano 2004 ano 2007 Densidade demográfica ² Domicílios urbanos ² Hab./Km² % N. N. N. Grande Teófilo Otoni 129.424 128.109 128.895 39,75 81,53 Médio Pequeno II Nanuque Carlos Chagas Itambacuri Águas Formosas Ataléia Campanário Catuji Franciscópolis Frei Gaspar Itaipé Ladainha Novo Oriente de Minas Ouro Verde de Minas Pescador Pote Serra dos Aimorés Vale do Mucuri 41.619 21.995 22.688 17.846 16.748 3.419 7.787 7.323 6.103 10.846 15.832 9.974 6.223 4.036 14.782 8.184 380.735 40.864 21.331 23.424 18.254 16.161 3.538 7.481 6.126 5.446 11.833 15.437 10.553 5.351 3.877 14.833 7.134 .. 40.307 20.812 22.635 18.518 15.078 3.592 6.597 5.664 6.343 11.497 16.479 10.327 6.832 4.056 14.749 8.345 376.667 26,61 6,51 15,95 22,64 8,2 8,15 15,67 7,91 10,1 23,9 19,05 13,7 39,04 12,75 23,3 38,81 .. 92,26 63,11 65,93 76,69 48,71 74,79 24,7 40,94 30,82 44,9 29,2 43,8 62,69 80,79 60,67 82,32 .. .. .. .. .. .. .. Pequeno I Mesorregião Vale do Rio Doce 1.534.268 .. 1.591.392 Estadual Minas Gerais 17.891.494 19.039.000 19.765.000 Nacional Brasil 169.799.170 182.060.000 189.820.000 Fonte: ¹ Elaboração própria a partir de dados do Sidra – IBGE, anos de referência 2000, 2004 e 2007. ² Formulação própria a partir de dados do IBGE cidades@.,2007. A vinculação entre as características populacionais e a configuração da vulnerabilidade à violência sexual infanto-juvenil requer a análise da população dos municípios de acordo com a sua composição por gênero e faixa etária na medida em que crianças e adolescentes do sexo feminino apresentam índices mais altos de incidência do fenômeno. Nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce, as crianças e adolescentes com idade entre 0 e 17 anos somavam, no ano 2000, 142.974 habitantes e representavam 41,46% da população do total dos 17 municípios analisados naquele ano. Em termos absolutos, o contingente populacional nessa faixa etária era maior em 56 O valor referente ao percentual de domicílios urbanos no Brasil é do IBGE, 2005. 71 Teófilo Otoni, Itambacuri e Nanuque e menor em Campanário e Pescador onde não passava de 2 mil habitantes. No conjunto, o grupo etário de maior expressão numérica era o de crianças e adolescentes com idade entre 7 e 14 anos, seguido do grupo de crianças de 0 a 6 anos e do segmento jovem de 15 a 17 anos. Com relação ao gênero, as mulheres representavam 50,5% da população de crianças e adolescentes com idade entre 0 e 17 anos e os homens 49,5%. Tabela 6: Distribuição da população infanto-juvenil dos municípios da área de expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce segundo o grupo etário e sexo – 2000 PORTE POPULACIONAL 0 - 6 anos MUNICÍPIO Homens Mulheres 7 - 14 anos Total Homens Mulheres 15 - 17 anos Total Homens Mulheres Total Total 0 - 17 anos Grande Teófilo Otoni 8.493 8.039 16.532 10.396 10.361 20.757 4.400 4.508 8.908 46.197 Médio Nanuque 2.577 2.638 5.215 3.542 3.329 6.871 1.487 1.385 2.872 14.958 Carlos Chagas 1.434 1.451 2.885 1.705 1.669 3.374 876 767 1.643 7.902 Itambacuri .. .. 3.336 .. .. 4.391 .. .. 1.674 9.401 Águas Formosas 1.342 1.336 2.678 1.635 1.605 3.240 762 688 1.450 7.368 Ataléia 1.163 1.199 2.362 1.706 1.575 3.281 700 626 1.326 6.969 Campanário 264 238 502 .. .. 686 143 86 229 1.417 Catuji 646 677 1.323 936 852 1.788 365 265 630 3.741 Franciscópolis 581 578 1.159 877 822 1.699 304 280 584 3.442 Frei Gaspar 451 513 964 634 610 1.244 233 194 427 2.635 Itaipé 954 941 1.895 1.077 1.142 2.219 443 358 801 4.915 Ladainha 1.338 1.358 2.696 1.691 1.673 3.364 613 642 1.255 7.315 Novo Oriente de Minas 818 777 1.595 898 980 1.878 387 415 802 4.275 Ouro Verde de Minas 513 436 949 619 605 1.224 238 220 458 2.631 Pescador 274 268 542 .. .. 878 137 125 262 1.682 Pote 1.132 1.035 2.167 1.368 1.423 2.791 624 519 1.143 6.101 Serra dos Aimorés 598 532 1.130 713 679 1.392 309 255 564 3.086 Total 22.578 22.016 47.930 27.797 27.325 61.077 12.021 11.333 25.028 134.035 151.165 Pequeno II Pequeno I Mesorregião Vale do Mucuri* .. .. 54.350 .. .. 68.886 .. .. 27.929 Vale do Rio Doce* .. .. 203.217 .. .. 251.932 .. .. 101.376 556.525 Estadual Minas Gerais* .. .. 2.119.942 .. .. 2.840.931 .. .. 1.105.930 6.066.803 Nacional Brasil* .. .. 21.715.233 .. .. 27.629.064 .. .. 10.742.000 60.086.341 Fonte: Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA, Programa Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil. 2006. * Sidra IBGE, 2000. A definição de estratégias voltadas para o enfrentamento da violência sexual infantojuvenil requer a produção de informações transversais sobre esse segmento de forma a identificar e dimensionar a matriz multidimensional de riscos e vulnerabilidade a que esse público está sujeito em diferentes ciclos da infância e adolescência e sob diferentes estruturas de sociabilidade. A atenção integral às crianças e adolescentes em situação de ameaça ou de violação de direitos demanda o conhecimento das bases e da dinâmica dessa matriz em diferentes espaços e redes de interação social. São nesses espaços e sob 72 a influência dessas redes que se definem, para esse segmento etário, as distintas estruturas de oportunidades e se configuram capacidades diferenciais de proteção contra os riscos de violência infanto-juvenil, incluindo a sexual. Parte importante da configuração dessas capacidades diferenciais de proteção está relacionada à presença e efetividade das ações desenvolvidas pelas instituições voltadas para a população infanto-juvenil. Para além da caracterização da demanda, o dimensionamento da capacidade de oferta de ações e políticas efetivas deve ser suportado pela análise da capilaridade e da inclusividade das ações executadas por instituições e organizações, públicas e/ou privadas, voltadas para esse segmento etário. Um aspecto importante para o desenvolvimento de proteções sociais integrais é a identificação e coordenação das interdependências das ações executadas por diferentes setores de políticas. Passo importante para isso é, pois, avaliar como a demanda e a oferta de políticas e programas configuram-se para esse segmento específico. Nessa direção, um campo de políticas central é o educacional, seja pelos efeitos esperados sob a estrutura de oportunidades individuais que a trajetória educacional promove, seja pela centralidade dessas instituições para a proteção social integral de crianças e adolescentes. A inclusividade e efetividade da política educacional em relação ao segmento populacional em foco, crianças e adolescentes, são entendidas, nesse contexto, como dimensões críticas para a avaliação de capacidades diferenciais de proteção em relação aos riscos e vulnerabilidades à violência infanto-juvenil. A persistência do analfabetismo entre a população em idade escolar é um indicador claro do grau de inclusividade da política educacional. O percentual de crianças e adolescentes analfabetos na faixa etária de 7 a 14 anos, variava, no ano 2000, de 5,24% em Águas Formosas e 7,44% em Nanuque a 20,82% em Ladainha e 23% em Novo Oriente de Minas. Do total dos 17 (dezessete) municípios analisados, em 12 (doze) o percentual de analfabetos no grupo com idade de 7 a 14 anos era superior ao nacional (12,4%) e em todos os municípios era superior ao percentual estadual de 6,6%. Isso evidencia um traço importante do quadro de vulnerabilidade social que caracteriza as populações dessas regiões, principalmente no Vale do Mucuri. 73 Na faixa de 15 a 17 anos, os percentuais observados situaram-se em patamares inferiores, abaixo de 10% em todos os municípios. O percentual variou de 1,29% em Águas Formosas e 1,31% em Nanuque a 8,93% em Novo Oriente de Minas e 9,91% em Ladainha. Em ambas as faixas etárias, o percentual de analfabetos encontra-se acima do valor estadual e do valor nacional no ano de 2001, respectivamente, 1,5 e 2,9%.57 Os maiores percentuais de analfabetismo, em ambas as faixas etárias, foram encontrados nos municípios classificados como de pequeno porte I. Observa-se bastante variação no percentual de analfabetos com idade superior aos 15 anos. Os menores percentuais foram encontrados em Teófilo Otoni, Nanuque e Campanário, menos de 20%. E os maiores foram observados em Novo Oriente de Minas e Ladainha – supera os 50% - e em Franciscópolis e Itaipé (quase 50%). O mesmo padrão é observado em relação ao analfabetismo entre a população com idade acima de 25 anos. Na maioria dos municípios, o percentual de analfabetos acima dos 15 ou acima dos 25 anos é superior a 40%. Tabela 7: Percentual de analfabetos na população infanto-juvenil dos municípios da área de expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce segundo o grupo etário e porte populacional – Ano 2000 Analfabetos % PORTE POPULACIONAL MUNICÍPIO 7 - 14 anos¹ 15 - 17 anos² acima 15 anos¹ acima 25 anos¹ Grande Teófilo Otoni 9,21 2,60 18,35 22,76 Médio Nanuque 7,44 1,30 19,16 24,40 Pequeno II Carlos Chagas 11,82 4,10 28,69 38,36 Itambacuri 15,11 4,30 28,69 34,32 Pequeno I Águas Formosas 9,17 1,30 31,86 42,61 Ataléia 15,68 4,20 32,67 42,72 Campanário 13,82 3,40 23,38 29,38 Catuji 22,43 7,10 35,39 45,79 Franciscópolis 19,78 5,90 36,40 48,35 Frei Gaspar 15,11 3,00 35,19 46,17 Itaipé 19,30 6,00 36,60 47,48 Ladainha 20,82 9,90 39,44 52,38 Novo Oriente de Minas 23,00 8,90 42,64 57,13 Ouro Verde de Minas 18,82 4,90 33,22 43,96 Pescador 12,69 2,80 27,12 35,44 Poté 16,03 6,30 32,48 41,02 Serra dos Aimorés 9,36 2,60 25,95 33,86 Mesorregião Vale do Mucuri 12,7 .. 26,80 34,40 Vale do Rio Doce 7,00 .. 16,50 21,00 Estadual Minas Gerais 6,60 .. .. 14,80 Nacional Brasil 12,40 .. .. 16,00 58 Fonte: ¹IpeaData, 2000 Ver definição dos indicadores. ²Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA, Programa Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil. 2006. 57 Dados referentes ao estado e ao país retirado de IPEAdata, 2001. 58 Analfabetos: Percentual de pessoas que não sabem ler nem escrever um bilhete simples (IPEAdata). 74 O papel do sistema educacional como agente de proteção das crianças e adolescentes e como agente da rede de enfrentamento depende diretamente da sua capacidade de retenção dos estudantes. De acordo com dados do Censo de 2000, o percentual da população de 10 a 14 anos em situação de evasão escolar - alunos matriculados que abandonam a escola - não apresentava variação expressiva entre os municípios analisados, oscilando entre não apresentou variação expressiva entre os municípios analisados. Os menores percentuais foram observados em Poté, Teófilo Otoni e Ataléia, um patamar próximo ao verificado para o estado (4,1%) em 2001. Essa proporção de estudantes evadidos mostrou-se mais expressiva em Novo Oriente de Minas e Franciscópolis, superando 10% da população de 10 a 14 anos. É no grupo etário de 15 a 17, potencialmente em fase de mudança entre níveis da educação básica (do fundamental para o médio) que o percentual de evasão escolar mostrou-se bastante elevado, confirmando o caráter crítico dessa transição para a retenção dos estudantes no sistema escolar. Os menores percentuais foram observados em Teófilo Otoni, Serra dos Aimorés e Nanuque, abaixo do valor observado no estado (23,96%). Nos demais municípios, o percentual de alunos evadidos nesse grupo etário foi superior ao percentual estadual. A permanência de crianças e adolescentes no sistema de ensino formal é compreendida como elemento importante e complementar do sistema de proteção às crianças e adolescentes, cumprindo importante papel no enfrentamento da violência infantojuvenil, incluindo a sexual. Quando fora da escola, aqueles se encontram mais expostos à violação de seus direitos e a vários tipos de violência e exploração, entre elas o trabalho infantil e a exploração sexual, evidenciando um quadro de vulnerabilidades sociais cumulativas. Em apenas 06 (seis) municípios – Itambacuri, Catuji, Itaipé, Ladainha, Novo Oriente de Minas e Poté – o percentual de crianças adolescentes na faixa etária de 10 a 14 anos em situação de evasão escolar e de trabalho superava os 10%, sendo superior ao percentual das duas mesorregiões, e bem superior aos percentuais do estado, 6,54%, e do país, 6,0%. Em todos os demais municípios o percentual de crianças e adolescentes nessa faixa etária em situação, simultaneamente, de evasão e de trabalho, ficava entre o percentual do país e o da mesorregião do Vale do Mucuri. 75 O quadro mostrou-se mais grave quando se considerou a defasagem escolar, medida relativa à proporção de crianças freqüentando séries anteriores àquelas recomendadas para sua idade em relação ao total de estudantes. Observou-se grande variação na faixa de 07 a 14 anos. 59 Em todos os municípios analisados, o percentual de crianças e adolescentes em situação de defasagem foi superior ao percentual estadual de 17,9%. Os municípios que apresentaram os menores percentuais de crianças e adolescentes com defasagem escolar foram Nanuque, Águas Formosas, Campanário e Serra dos Aimorés (19,9 a 25%). Nos municípios de Novo Oriente de Minas, Ladainha e Catuji, predominantemente rurais, foram verificadas altas taxas de defasagem escolar, ou seja, (igual ou superior a 40%). Em Novo Oriente de Minas mais da metade da população nessa faixa etária encontrava-se em situação defasagem escolar (55,86%). Cabe destacar que os municípios de pequeno porte I apresentaram os percentuais mais elevados de evasão e, de forma mais acentuada, de defasagem escolar. O percentual de crianças de 10 a 14 anos com menos de 04 anos de estudo apresentava grande variação entre os municípios, sendo menor em Nanuque (31,14%) e maior em Novo Oriente de Minas (80,25%). Esse resultado pode ser associado, diretamente, às taxas de defasagem escolar observadas acima. Cabe chamar a atenção para o fato de que, em 2000, 09 (nove) municípios, entre os 17 (dezessete) analisados, apresentavam mais de 50% da população dessa faixa etária com menos de 04 anos de estudo. Na faixa de 15 a 17 anos o percentual de adolescentes com menos de 4 anos de estudo era menor, mas também apresentava grande variação. Mais uma vez, o menor percentual é observado em Nanuque (7,63%) e o maior em Novo Oriente de Minas (52,03%). Os municípios de grande, médio e pequeno porte II, com exceção de Itambacuri, tenderam a apresentar melhores resultados em relação a esse indicador. 59 Esta era a forma utilizada para calcular a defasagem idade-série apresentada até a Síntese de Indicadores Sociais 2004. Assim, era considerada defasada a criança que freqüentava as séries não correspondentes e anteriores à sua idade cronológica. Considerando que este indicador apresentava algumas diferenças conceituais em relação às recomendações internacionais e ao próprio MEC, resultando em algumas distorções e que tanto as taxas internacionais quanto a do MEC adotam como critério de defasagem a criança ter idade superior em no mínimo dois anos à recomendada para cada série, o IBGE optou por adotar essa nova leitura de defasagem escolar na publicação da Síntese de Indicadores Sociais no ano de 2008. (Fonte: IBGE - Síntese de indicadores sociais: Uma análise das condições de vida da população brasileira 2008) 76 Tabela 8: Evasão, defasagem escolar e população com menos de quatro anos de estudo nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas nas mesorregiões do Vale do Mucuri e Rio Doce. 2000. PORTE POPULACIONAL Grande Médio Pequeno II Pequeno I Mesorregião MUNICÍPIO Teófilo Otoni Nanuque Carlos Chagas Itambacuri Águas Formosas Ataléia Campanário Catuji Franciscópolis Frei Gaspar Itaipé Ladainha Novo Oriente de Minas Ouro Verde de Minas Pescador Pote Serra dos Aimorés Vale do Mucuri Evasão escolar ¹ Trabalhando Fora da escola 15 - 17 10 - 14 anos 10 - 14 anos anos % % % Defasagem escolar ¹ 7 - 14 anos % Pessoas com menos de quatro anos de estudo ² 10 - 14 anos 15 - 17 anos % % 6,70 4,88 19,28 26,69 43,05 11,33 7,97 6,79 18,78 8,82 8,84 6,85 12,40 8,38 7,30 10,73 12,62 6,12 9,12 7,32 5,72 4,36 5,95 6,11 10,25 7,30 6,58 8,16 23,61 28,64 30,74 24,97 25,57 26,39 32,78 33,98 29,16 37,72 34,45 19,99 27,53 28,34 23,05 32,54 23,70 41,00 38,68 39,25 38,83 40,69 31,14 44,96 50,41 45,45 39,81 43,41 51,30 53,59 57,66 62,08 60,37 7,63 12,61 20,34 14,79 13,68 16,67 19,05 23,89 22,21 29,63 34,65 11,60 10,12 32,99 55,86 80,25 52,03 7,98 6,61 10,85 6,78 8,20 5,24 6,13 4,54 6,64 6,17 26,44 32,97 25,66 21,34 25,51 39,12 30,83 31,08 24,28 29,7 56,04 47,68 46,26 42,91 .. 26,60 20,09 18,74 14,09 .. Vale do Rio Doce 7,46 5,27 28,13 18,7 .. .. Estadual Minas Gerais 6,54 4,11 23,96 17,9 .. .. Nacional Brasil 6,00 5,35 22,29 25,3 .. .. Fonte: ¹IPEAdata, 2000. ²Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA, Programa Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil. 2006. Ver 60 definição dos indicadores. Em consonância com o quadro educacional brasileiro, os municípios das duas mesorregiões também apresentaram percentuais mais elevados de crianças e adolescentes de 10 a 14 anos freqüentando o Ensino Fundamental (77,35% a 92,74%) do que de adolescentes freqüentando o Ensino Médio (11,55% a 37,22%). No ano de 2000, em 13 (treze) dos 17 (dezessete) municípios o percentual de crianças cursando o Ensino Fundamental superou os 85%. Já quanto aos adolescentes freqüentando escolas de Ensino Médio, esse percentual não atingiu os 40% em nenhum dos municípios pesquisados, estando muito abaixo do percentual estadual de 79%. Evasão escolar trabalhando: percentual de pessoas de 10 a 14 anos de idade que trabalharam na última semana de julho (2000). Considera-se o trabalho remunerado ou não (ajuda a membros da família, aprendiz, estagiário) e também o trabalho na produção para consumo próprio. Evasão escolar fora da escola: percentual de pessoas de x a y anos de idade que não freqüentam a escola (IPEAdata).Defasagem escolar: O atraso escolar é obtido pela comparação entre a idade e a série escolar da criança, através da equação: atraso escolar = [(idade - 7) - número da série completada]. Espera-se, portanto, que uma criança de oito anos já tenha completado um ano de estudo (IPEAdata). Pessoas com menos de quatro anos de estudo: Percentual de pessoas de 25 ou mais anos de idade que não completaram a quarta série do fundamental, ou seja, que podem ser classificados como “analfabetos funcionais” (IPEAdata). 60 77 No ano 2000, patamares mais baixos de universalização do Ensino Fundamental foram observados nos municípios de Novo Oriente de Minas, Itaipé e Pescador. Os percentuais mais expressivos de cobertura educacional, sem considerar à adequação idade-série, nesse nível de ensino foram atingidos por Campanário, Serra dos Aimorés, Pote, Ladainha, Frei Gaspar e Ataléia (superava os 90%). No nível de ensino médio, os municípios com menor percentual de adolescentes freqüentando a escola eram Ladainha, Itaipé e Franciscópolis (menos de 15% de adolescentes de 15 a 17 anos estavam no Ensino Médio). Os municípios com maior percentual eram Teófilo Otoni, Nanuque, Serra dos Aimorés e Ataléia (superior a 30%). Embora não seja possível perceber uma relação direta entre o porte do município e o percentual de crianças e adolescentes freqüentando o ensino fundamental e o médio, respectivamente, observa-se que aqueles que apresentam os menores percentuais são classificados como de pequeno porte I. Os dados da tabela abaixo mostram, portanto, que os municípios classificados como de pequeno porte I tendem a apresentar maior vulnerabilidade em relação a alguns indicadores educacionais. Tabela 9: Freqüência escolar da população infanto-juvenil com idade entre 7 e 17 anos nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Rio Doce. 2000 Freqüência escolar 7 - 14 anos¹ 15 - 17 anos MUNICÍPIO % Teófilo Otoni 88,41 37,22 Nanuque 88,99 21,37 Carlos Chagas 86,03 27,91 Itambacuri 86,51 35,17 Pequeno I Águas Formosas 88,22 27,76 Ataléia 92,74 30,28 Campanário 90,22 24,03 Catuji 85,81 16,55 Franciscópolis 84,20 13,67 Frei Gaspar 90,00 15,41 Itaipé 80,75 11,55 Ladainha 92,00 14,68 Novo Oriente de Minas 77,35 15,36 Ouro Verde de Minas 89,57 16,36 Pescador 81,21 21,18 Pote 92,92 19,78 Serra dos Aimorés 91,16 36,41 Mesorregião Vale do Mucuri 93,80 .. Vale do Rio Doce 94,70 .. Estadual Minas Gerais 95,90 .. Nacional Brasil 94,50 .. 61 Fonte: ¹ IPEAdata, 2000. Ver definição dos indicadores. PORTE POPULACIONAL Grande Médio Pequeno II Freqüência escolar: Percentual de pessoas de 7 a 14 anos de idade que estão freqüentando a escola, independentemente do grau e série (IPEA data). 61 78 No ano 2000, em relação à escolaridade, os municípios de Nanuque, Águas Formosas, Serra dos Aimorés e Teófilo Otoni apresentavam os melhores indicadores. Quanto ao desempenho dos municípios em relação aos indicadores considerados um quadro de maior gravidade foi observado em Novo Oriente de Minas e Ladainha. Esse quadro educacional pode ser mais bem avaliado a partir do Indicador de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, que busca mensurar a qualidade educacional mediante a combinação de informações sobre o desempenho dos estudantes nas etapas finais de ensino (4ª e 8ª. Séries do ensino fundamental e 3ª. Série do ensino médio) em exames padronizados (prova Brasil ou SAEB) com informações sobre o rendimento escolar, ou seja, aprovação (INEP, s/d). Esse indicador abarca, portanto, dois resultados centrais do sistema educacional, a aprendizagem (desempenho nos exames) e fluxo (aprovação) e a “combinação de ambos tem também o mérito de equilibrar as duas dimensões: se um sistema de ensino retiver seus alunos para obter resultados de melhor qualidade no Saeb ou Prova Brasil, o fator fluxo será alterado, indicando a necessidade de melhoria do sistema. Se, ao contrário, o sistema apressar a aprovação do aluno sem qualidade, o resultado das avaliações indicará igualmente a necessidade de melhoria do sistema” (INEP). O índice varia de um a dez, sendo que a meta do Brasil é atingir em 2022 a média 6,0, correspondente a um sistema educacional de qualidade comparável aos dos países desenvolvidos. No ano de 2005, os menores IDEBs foram encontrados nos municípios de Franciscópolis e Itambacuri e os maiores em Teófilo Otoni, Pescador e Poté. No ano de 2007, os maiores IDEBs foram verificados em Teófilo Otoni e Carlos Chagas e os menores em Águas Formosas, Franciscópolis e Serra dos Aimorés. No mesmo ano, os municípios de Teófilo Otoni, Nanuque, Carlos chagas, Itambacuri, Campanário, Franciscópolis e Pescador, para os quais há informações disponíveis, atingiram ou superaram as metas estabelecidas. O quadro apresentado até o momento destacou a presença de fatores de risco consideráveis no espaço regional e de um segmento de crianças e adolescentes expressivo no conjunto dos municípios expostos, ainda que com variações importantes entre os municípios, a vulnerabilidades sociais importantes, como a educacional. A seguir, um quadro mais completo dessa matriz de vulnerabilidades é apresentado com 79 foco nas condições locais que impactam o bem-estar e a segurança de renda dessa população. Tabela 10: IDEBs observados em 2005, 2007 e Metas para rede Municipal nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Rio Doce. 2000 PORTE IDEB Observado POPULACIONAL MUNICÍPIO Anos Grande Teófilo Otoni Iniciais 2005 4,0 2007 4,0 Metas Projetadas 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021 5,4 5,6 5,9 6,2 Finais 3,6 3,9 3,6 3,8 4,0 4,4 4,8 Médio Nanuque Iniciais 3,1 3,1 3,2 3,5 3,9 4,2 4,5 Finais 3,1 3,2 3,1 3,3 3,6 4,0 4,3 Pequeno II Carlos Chagas Iniciais 3,3 4,2 3,4 3,7 4,1 4,4 4,7 Finais 3,4 4,4 3,4 3,6 3,9 4,3 4,7 Itambacuri Iniciais 2,6 3,3 2,7 3,1 3,5 3,8 4,1 Finais 2,7 2,6 2,8 2,9 3,2 3,6 3,9 Pequeno I Águas Formosas Iniciais 2,7 3,1 3,5 3,8 4,1 Finais Ataléia Iniciais 3,1 3,5 3,9 4,2 4,5 Finais Campanário Iniciais 3,0 3,4 3,0 3,4 3,8 4,1 4,4 Finais Catuji Iniciais 3,1 3,6 4,0 4,3 4,6 Finais Franciscópolis Iniciais 2,9 3,8 3,0 3,4 3,9 4,2 4,5 Finais 1,4 1,8 1,5 1,9 2,4 3,0 3,5 Frei Gaspar* Iniciais .. .. .. .. .. .. .. Finais .. .. .. .. .. .. .. Itaipé* Iniciais .. .. .. .. .. .. .. Finais .. .. .. .. .. .. .. Ladainha* Iniciais .. .. .. .. .. .. .. Finais .. .. .. .. .. .. .. Novo Oriente de Minas* Iniciais .. .. .. .. .. .. .. Finais .. .. .. .. .. .. .. Ouro Verde de Minas* Iniciais .. .. .. .. .. .. .. Finais .. .. .. .. .. .. .. Pescador Iniciais 3,6 3,7 3,6 4,0 4,4 4,7 5,0 Finais Pote Iniciais 3,6 3,5 3,6 4,0 4,4 4,7 5,0 Finais Serra dos Aimorés Iniciais 3,4 2,8 3,5 3,8 4,2 4,5 4,8 Finais 2,9 3,1 3,4 3,8 4,2 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IDEB. * Informações para cálculo do IDEB não disponíveis. 4,1 4,4 4,8 5,1 5,1 4,8 4,6 5,0 4,9 4,4 4,2 4,4 4,8 4,7 4,9 4,8 3,7 .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 5,2 5,3 5,1 4,4 5,3 5,1 4,9 5,3 5,2 4,7 4,5 4,7 5,1 5,0 5,2 5,1 4,0 .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 5,5 5,5 5,4 4,7 5,6 5,4 5,1 5,6 5,4 5,0 4,7 5,0 5,4 5,3 5,5 5,4 4,3 .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 5,8 5,8 5,6 5,0 Infra-estrutura, economia e segurança de renda Essa seção aborda a infra-estrutura e dinamismo econômico dos municípios inseridos nas áreas de expansão do PAIR Minas e suas conexões potenciais com a (in)segurança de renda e bem-estar de suas populações. 80 Um primeiro aspecto a ser destacado é a posição das suas mesorregiões em foco em relação a um dos principais indicadores de dinamismo econômico, o Produto Interno Bruto-PIB. O Vale do Mucuri integra o grupo de mesorregiões com menor participação no PIB mineiro62, correspondendo a 0,91% em 2006. Esse resultado evidencia o baixo dinamismo da economia regional e sintetiza o quadro de pobreza que distancia essa região das demais. De forma diversa, o Vale do Rio Doce ocupava a quinta posição na participação do PIB mineiro, representando 6,84% nesse ano. A composição setorial do PIB municipal (agropecuária, indústria e serviços) indica uma estrutura econômica diversificada, com variações importantes em relação ao peso relativo de cada setor na economia local. Esse aspecto é importante para a identificação das estruturas de oportunidades laborais e de geração de renda para as populações em foco, particularmente diante do peso relativo da população rural presente nessas mesorregiões, conforme destacado anteriormente. Como o único município de grande porte da região, Teófilo Otoni destaca-se economicamente dos demais, possuindo um PIB que corresponde a 44,8% do total dos municípios analisados. Outros municípios que se destacam são Nanuque, de médio porte, Carlos Chagas e Itambacuri, de pequeno porte II. Em todos os 13 (treze) municípios de pequeno porte I (população até 20 mil habitantes), o PIB não supera, sequer, os 50 mil reais. Observa-se, entretanto, que, independentemente do volume de riquezas produzidas por cada município, o setor de serviços é responsável por mais da metade do PIB em todos os 17 municípios da região, acompanhando a composição setorial do PIB mineiro, onde esse setor representa 60% do PIB e apresenta um dinamismo importante no estado nos últimos anos (FJP/CEI, 2008). Esse setor aparece com destaque em Teófilo Otoni importante polo regional - Águas Formosas, Catuji, Ladainha, Novo Oriente de Minas e Poté, onde representa mais de 70% do total do PIB de cada município. 62 Conforme Ralfos & Garcia (2006:4), no período de 1999 a 2003, o Vale do Mucuri, a Central Mineira, o Oeste de Minas e o Campo das Vertentes eram as mesorregiões com menores participações, não ultrapassando, no total, 8% do PIB mineiro. 81 O setor primário é responsável por grande parte das riquezas produzidas nos municípios de Carlos Chagas, Ataléia, Franciscópolis, Frei Gaspar, Itaipé e Ouro Verde Minas, onde representa cerca de 1/3 do total do PIB. Destes municípios, 04 (quatro) – Ataléia, Franciscópolis, Frei Gaspar e Itaipé – são também aqueles com áreas rurais expressivas, conforme destacado antes. Carlos Chagas e Ouro Verde de Minas – possuem pouco mais de 60% dos domicílios localizados na zona urbana. Para o conjunto de municípios, a participação do setor secundário no PIB é inferior a observada no Estado (32%). Tabela 11: Composição Setorial, valor total e per capita do PIB dos municípios da área de expansão do PAIR Minas nas mesorregiões do Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce. 2006. PORTE POPULACIONAL Agropecuária Indústria Serviços MUNICÍPIO Grande Teófilo Otoni Médio Pequeno II Nanuque Carlos Chagas Itambacuri Águas Formosas Ataléia Campanário Catuji Franciscópolis Frei Gaspar Itaipé Ladainha Novo Oriente de Minas Ouro Verde de Minas Pescador Pote Serra dos Aimorés Vale do Mucuri Pequeno I Mesorregião % % % 5,91 16,41 77,69 11,99 31,28 19,29 15,80 32,06 24,69 18,76 37,20 33,79 33,76 15,87 23,99 14,70 11,16 13,34 9,25 8,26 9,99 7,09 8,54 7,97 10,51 64,02 54,02 69,55 70,85 58,69 67,05 71,26 55,71 57,67 58,26 73,63 15,02 30,31 27,80 18,00 24,81 15,26 11,86 8,00 8,29 8,73 21,99 15,36 73,13 61,69 63,91 73,27 53,20 69,38 Valor Adicionado Total PIB per capta R$mil 473.845 162.440 83.613 61.597 39.533 38.044 10.669 12.784 13.797 13.477 24.988 24.891 R$mil 4.038,22 4.270,56 4.050,92 2.797,24 2.274,37 2.370,36 3.175,89 1.772,54 2.237,91 2.415,13 2.239,12 1.621,17 16.696 1.665,24 14.137 10.753 29.622 27.038 2.514,95 2.799,24 2.055,72 3.763,33 1.708.068 5.094,50 Vale do Rio Doce 5,75 37,82 56,43 12.834.638 6.755,70 Estadual Minas Gerais 8,37 31,85 59,78 187.647.319 11.027,75 Nacional Brasil .. .. .. .. 12.688,00 63 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Informativo CEI – PIB MG 2006. Ver definição dos indicadores. O PIB per capita apresentava importante variação entre os municípios no ano de 2006. Os maiores valores foram encontrados nos municípios de grande e médio porte – respectivamente, Teófilo Otoni e Nanuque – e também em Carlos Chagas, de pequeno porte II. Na maioria dos municípios – 09 (nove) em 17 – o PIB per capita ficava entre 2 63 Participação de cada setor da economia no Produto Interno Bruto a preços correntes de mercado (PIB-pm); PIB-pm total; PIB-pm por habitante (Informativo CEI). 82 e 3 mil reais. Catuji, Ladainha e Novo Oriente de Minas são os municípios que apresentavam os valores mais baixos. Estes dois últimos, como se viu, são também os municípios que apresentam maior vulnerabilidade no tocante aos indicadores educacionais. Em todos os municípios, o PIB per capita era inferior ao da respectiva mesorregião e bem inferior ao do estado. No que tange à relação entre esse quadro de infra-estrutura econômica e as condições de segurança de renda e bem-estar dessas populações, é importante incorporar à análise, indicadores sobre a estrutura de desigualdades operando nesses territórios. Os dados abaixo abordam o grau de desigualdade social, medido através do índice de GINI e o grau de desenvolvimento medido através do Índice de Desenvolvimento Humano –IDH. O Índice de GINI é uma medida do grau de concentração de uma distribuição, cujo valor varia de zero (perfeita igualdade) até um (a desigualdade máxima). O índice é o coeficiente expresso em pontos percentuais (é igual ao coeficiente multiplicado por 100). A tabela a seguir mostra os índices relativos à distribuição de renda. A desigualdade de renda, medida através do Índice de GINI era menor em Ladainha (apresentava valor igual a 0,45) e Itambacuri (valor igual a 0,47) e maior em Águas Formosas (0,68). No caso de Ladainha é bom lembrar que se trata de um município com um dos menores PIBs per capita. Em face do desempenho econômico e dos patamares de pobreza observados nesses municípios pelos indicadores econômicos, esse resultado deve ser interpretado como uma distribuição menos discrepante da renda, mas de uma renda que se situa em patamares consideravelmente baixos. Entre os 17 municípios, 11 obtiveram coeficiente com valores entre 0,60 e 0,68, semelhante ao índice para o estado de Minas Gerais (0,615) e para o país (0,645). Um indicador importante para avaliar as condições de desenvolvimento humano, para além do critério renda, é o Índice de Desenvolvimento Humano. Esse índice é uma ferramenta valiosa na mensuração das condições de bem-estar e proteção em relação diferentes dimensões da vida humana. Ele varia de zero (nenhum desenvolvimento humano) até 1 (desenvolvimento humano total), sendo os países classificados como desenvolvimento baixo quando o IDH está entre 0 e 0,499; médio quando está entre 0,500 e 0,799; e alto quando está entre 0,800 e 1. Para fins desse estudo, utilizou-se o 83 IDH-municipal, apurado para avaliação das oportunidades de desenvolvimento humano em cada município do país, apurado a partir de informações do ano de 2000. Entre os municípios da área de expansão do PAIR Minas no Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce os patamares mais elevados de IDH foram observados em Franciscópolis (0,79) e o menor em Novo Oriente de Minas (0,58). Do total de 17 (dezessete) municípios beneficiados nessas duas mesorregiões, 12 (doze) têm valores de IDH entre 0,60 e 0,68, abaixo dos índices estadual e nacional, respectivamente 0,773 e 0,766. Todos os municípios possuem um nível médio de desenvolvimento segundo os critérios do IDH. A pobreza é uma das variáveis críticas na avaliação das condições de segurança de renda presentes nesses territórios e do volume e perfil das demandas pelas proteções afiançadas pelo Poder Público. Para maior focalização do público-alvo do PAIR, considera-se a capacidade econômica de famílias com membros de até 17 anos, de forma a dimensionar a vulnerabilidade social desse segmento etário, ou seja, as crianças e adolescentes vivendo com famílias em situação de insegurança de rendimento. Entre os municípios das duas mesorregiões variava significativamente o percentual de pessoas de 0 a 14 anos vivendo em famílias pobres. Enquanto Teófilo Otoni e Nanuque apresentavam os menores percentuais, respectivamente, 53,80% e 58,64%, os maiores eram encontrados em Franciscópolis e Catuji (superava os 85%). Em todos os municípios, no entanto, a pobreza atingia mais da metade da população nessa faixa etária. Entre os 14 (quatorze) municípios do Vale do Mucuri, em 9 (nove), o percentual de pessoas de 0 a 14 anos vivendo em famílias pobres era superior a 80%. Já nos 03 (três) municípios da região do Vale do Rio Doce esse percentual ficava entre 67 e 77%. Os dados revelam que a indigência também era uma realidade marcante nos municípios da região, atingindo mais da metade da população de 0 a 14 anos em 09 dos 18 municípios. Os menores percentuais de indigência nessa faixa etária foram encontrados em Nanuque e Teófilo Otoni (24,19% e 28,35%, respectivamente) e os maiores em Ladainha (65,08%), Franciscópolis (62,50%) e Catuji (61,73%). Mais uma vez, 84 destacam-se os municípios classificados como de pequeno porte I como aqueles que apresentam os maiores percentuais de crianças e adolescentes em situação de indigência (a exceção fica por conta de Itambacuri, município de médio porte que apresenta alto percentual de crianças e adolescentes em situação de indigência). Tabela 12 Níveis de renda, desenvolvimento e desigualdade nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na região do Vale do Mucuri e Rio Doce. 2000. Teófilo Otoni 0,55 0,77 Percentual de pessoas pobres 0 a 14 anos² 53,8 Nanuque Carlos Chagas Itambacuri Pequeno I Águas Formosas Ataléia Campanário Catuji Franciscópolis Frei Gaspar Itaipé Ladainha Novo Oriente de Minas Ouro Verde de Minas Pescador Poté Serra dos Aimorés Mesorregião Vale do Mucuri 0,54 0,63 0,47 0,68 0,6 0,63 0,68 0,6 0,62 0,62 0,45 0,60 0,61 0,59 0,62 0,54 .. 0,61 0,64 0,66 0,63 0,65 0,62 0,68 0,79 0,61 0,73 0,63 0,58 0,63 0,66 0,60 0,74 .. 58,64 71,35 73,82 78,34 81,47 67,74 87,6 89,92 84,87 81,92 87,27 81,17 80,59 76,74 78,49 72,48 69,06 PORTE POPULACIONAL Grande Médio Pequeno II MUNICÍPIO Índice de Gini¹ IDH-M¹ Percentual de pessoas indigentes 0 a 14 anos² 28,36 24,19 38,63 45,98 58,48 48,28 38,15 61,73 62,5 59,05 58,45 65,08 59,67 52,01 45,26 50,84 37,62 42,35 Vale do Rio Doce .. .. 52,62 27,45 Estadual Minas Gerais 0,615 0,773 43,36 20,49 Nacional Brasil 0,645 0,766 45,99 25,18 Fonte. ¹ Fonte: Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA, Programa Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil. 2006. ² IPEAdata. Ver definição dos indicadores. 64 É importante chamar a atenção para possíveis mudanças nesse quadro na última década, dado que em face do dinamismo econômico e a ampliação da cobertura de programas de transferência de renda verificou-se uma queda da desigualdade social no país. Percentual de pessoas com idade entre 0 e 14 anos que tem renda domiciliar per capita inferior à linha de pobreza de R$ 75,50. (IPEAdata). Indigência: medida através do percentual de pessoas com renda domiciliar per capita inferior a R$ 37,75, equivalentes a 1/4 do salário mínimo vigente em agosto de 2000. O universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes. (IPEAdata). 64 85 Grupo familiar e vulnerabilidades As políticas públicas no Brasil têm incorporado a matricialidade sociofamiliar como um dos principais componentes das estratégias de proteção social e de garantia de direitos. A atenção, portanto, à composição, dinâmica e natureza das dependências que estruturam o grupo familiar é fundamental para se compreender as condições de sociabilidade, as estratégias de sobrevivência adotadas e o grau de risco e vulnerabilidade de crianças e adolescentes à violência sexual no ambiente intra e extrafamiliar. Tabela 13: Razão de Dependência nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce. 2000 PORTE POPULACIONAL MUNICÍPIO Razão de Dependência Grande Teófilo Otoni 39,65 Médio Itambacuri 48,92 Pequeno II Carlos Chagas 37,51 Nanuque 41,3 Pequeno I Águas Formosas 44,62 Ataléia 48,3 Campanário 49,34 Catuji 55,23 Franciscópolis 56,63 Frei Gaspar 52,82 Itaipé 51,81 Ladainha 53,21 Novo Oriente de Minas 50,28 Ouro Verde de Minas 51,56 Pescador 50,81 Poté 50,95 Serra dos Aimorés 46,54 Mesorregião Vale do Mucuri 45,12 Vale do Rio Doce 40,44 Estadual Minas Gerais 39,19 Nacional Brasil 41,07 Fonte: IPEAdata, 2000. A Razão de Dependência possibilita verificar o peso da população considerada inativa (0 a 14 anos e 65 anos e mais de idade) sobre a população potencialmente ativa (15 a 64 anos de idade), em um determinado espaço geográfico, no ano considerado. A razão de dependência pode ser calculada, separadamente, para as duas faixas etárias identificadas como população dependente. Para se calcular a razão de dependência das crianças divide-se a população com idade entre 0 a 14 anos pela população com idade entre 15 e 64 anos e multiplica-se por 100. Para calcular a razão de dependência dos idosos dividise a população com idade de 65 anos ou mais pela população com idade entre 15 e 64 86 anos e multiplica-se por 100. Os valores elevados indicam que a população em idade produtiva deve sustentar uma grande proporção de dependentes, o que significa consideráveis encargos assistenciais para a sociedade. (Fonte: IBGE) Considerando um único valor para as duas faixas etárias, a Razão de Dependência, no ano 2000, oscilava de 37,511 em Carlos Chagas a 56,633 em Franciscópolis. Dos 14 (quatorze) municípios beneficiados pela expansão do PAIR-MINAS na região do Vale do Mucuri, apenas 04 (quatro) – Teófilo Otoni, Carlos Chagas, Nanuque e Águas Formosas – possuíam razão de dependência inferior à da mesorregião que é de 45,12. Os 03 (três) municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na região do Vale do Rio Doce apresentavam razão de dependência superior à da mesorregião que é de 40,44. Com exceção de Carlos Chagas, todos os demais municípios apresentavam valores superiores ao do estado de Minas Gerais (39,19) e do país (41,07), no tocante à razão de dependência. Um indicador importante da dinâmica do grupo familiar é a presença de mulheres responsáveis pela família, principalmente em unidades monoparentais. Tendo em vista as condições de participação das mulheres no mercado de trabalho no Brasil, a maior dependência econômica dos membros em relação ao chefe de família pode se associar a estratégias de sobrevivência que incluam a realização de atividades laborais pelas crianças e adolescentes. O percentual médio de mulheres responsáveis pela família, sem cônjuges, e com filhos menores de 15 anos era, no ano 2000, de 6,53% considerando-se os 17 municípios analisados. O menor percentual era encontrado em Ataléia (3,43%) e o maior em Ladainha (8,25%). Em 15 (quinze) dos 17 (dezessete) municípios analisados o percentual era superior ao do estado e do país. Apenas Ataléia e Campanário possuíam um percentual inferior ao estadual e ao nacional. Esse quadro é agravado quando se considera a escolaridade das mulheres nessa condição. Para além do impacto dessa variável sobre as oportunidades no mercado de trabalho, é conhecida a influência da educação das mães sobre as decisões relativas à permanência dos filhos na escola. Em famílias monoparentais e com filhos menores de 87 15 anos, as estratégias de sobrevivência baseadas no exercício de atividades laborais incidirá sobre crianças e adolescentes que se encontram nas fases iniciais de escolarização (ensino fundamental). As mulheres chefes de domicílio com 0 a 4 anos de estudo representavam, em média, 15,54%. Entretanto, observou-se grande variação entre os municípios, sendo o menor percentual encontrado em Pescador (7,96%) e o maior em Catuji (22,96%). Embora com os dados utilizados não seja possível estabelecer uma relação de causalidade, é importante explorar possíveis conexões entre a vivência precoce da sexualidade, gravidez na adolescência e os riscos e vulnerabilidades à exploração e abuso sexual da população infanto-juvenil feminina nessa mesorregião. Nesse contexto, serão apenas abordados alguns indicadores dos processos acima que devem ser objetos de levantamentos mais atuais e exaustivos em cada município. Um primeiro indicador é o percentual de meninas com idade entre 10 e 14 anos com filhos. Os municípios em tela apresentaram percentuais reduzidos para esse indicador nesse grupo etário, sendo o mais alto observado em Carlos Chagas (0,79%). Na faixa etária de 15 a 17 anos o quadro revelou-se distinto, na medida em que o percentual de mães variou de 2,10% em Ataléia a 11,71% em Ladainha. Na mesorregião do Vale do Rio Doce, o município de Campanário possuía um percentual superior ao da mesorregião, enquanto em Itambacuri e Pescador esse percentual era inferior. Já na mesorregião do Vale do Mucuri, dos 14 (quatorze) municípios, 05 (cinco) – Catuji, Ataléia, Águas Formosas, Carlos Chagas e Nanuque – possuíam um percentual de mulheres com idade entre 10 e 14 anos com filhos superior ao da mesorregião. Considerando-se os 17 (dezessete) municípios, percebe-se que em 10 (dez) o percentual era inferior ao do estado (0,28), e em 11 (onze) inferior ao do país. Os municípios com maior percentual de mulheres com idade entre 10 e 14 anos com filhos eram, em 2000, Nanuque, Carlos Chagas, Águas Formosas, Ataléia, Campanário e Catuji (em todos eles o percentual era superior ao estadual, nacional e de suas respectivas mesorregiões). Esse quadro sugere a necessidade de atenção especial da rede de enfrentamento local no sentido de avaliar a existência ou não de relação entre a maternidade precoce e violências sexuais. 88 Tabela 14: Situação Feminina nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na região do Vale do Mucuri e Rio Doce em 2000. PORTE Grande MUNICÍPIO Teófilo Otoni Mulheres chefes de família sem cônjuge e filhos menores de 15 anos² % 6,94 Mulheres chefes de domicílio com 0 a 4 anos de estudo¹ % 11,86 Mulheres de 10 a 14 anos com filhos² % 0,13 Mulheres de 15 a 17 anos com filhos² % 6,13 Médio Pequeno II Nanuque 7,18 15,45 1,20 8,14 Carlos Chagas 7,17 18,86 0,79 5,98 Itambacuri 6,10 15,51 0,13 8,48 Pequeno I Águas Formosas 6,14 16,54 0,61 8,46 Ataléia 3,43 12,51 0,63 2,10 Campanário 4,74 15,88 0,61 7,57 Catuji 7,50 22,96 0,49 6,07 Franciscópolis 6,06 16,73 0,03 5,40 Frei Gaspar 7,19 17,27 0,09 11,71 Itaipé 6,61 17,81 0,02 7,52 Ladainha 8,25 16,20 0,03 11,66 Novo Oriente de Minas 6,30 20,17 0,02 5,80 Ouro Verde de Minas 7,88 20,90 0,09 9,12 Pescador 5,94 7,960 0,26 4,44 Poté 5,99 8,190 0,02 5,60 Serra dos Aimorés 7,62 10,90 0 7,34 Mesorregião Vale do Mucuri .. .. 0,29 7,43 Vale do Rio Doce .. .. 0,28 5,49 Estadual Minas Gerais 5,86 .. 0,28 6,12 Nacional Brasil 5,83 .. 0,43 8,45 Fonte. ¹ Fonte: Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA, Programa Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil. 2006. ² IPEAdata. Ver definição dos indicadores. Em relação à situação feminina, considerando-se o conjunto de indicadores, os municípios com maior vulnerabilidade são: Ouro Verde de Minas, Ladainha, Frei Gaspar, Carlos Chagas e Nanuque. 03 (três) desses municípios – Ouro Verde de Minas, Ladainha e Frei Gaspar – também estão entre os municípios com maior Razão de Dependência. Um outro indicador importante é que os motivos pelos quais essa população utiliza os equipamentos de saúde especializados estão fortemente relacionados à gravidez precoces e fatores relacionados. No ano de 2006, os municípios de Novo Oriente de Minas, Itambacuri, Águas Formosas, Frei Gaspar e Pescador destacaram-se pelo percentual de internações hospitalares do sistema único de saúde de crianças e adolescentes com idade entre 10 e 14 anos por motivos relacionados a gravidez, parto e puerpério. Na faixa etária de 15 a 19 anos, os maiores percentuais de internação por esses motivos foram encontrados em Nanuque, Novo Oriente de Minas e Ouro Verde de Minas, em torno dos 80%. Os menores percentuais foram encontrados em Frei Gaspar, 89 Itaipé e Ladainha. Esse dado chama a atenção para a participação elevada de gravidez precoce no total de internações hospitalares envolvendo adolescentes e reforça a importância de diagnósticos mais pontuais sobre a relação entre a maternidade e as violências sexuais nesses municípios. Tabela 15: Percentual de internações de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos por motivos relacionados a gravidez, parto e puerpério nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce. 2006 PORTE POPULACIONAL Grande Médio Pequeno II MUNICÍPIO Internações por motivos relacionados à gravidez, parto e puerpério 10 a 14 anos 15 a 19 nos Total (%) (%) (%) Teófilo Otoni .. Nanuque 9,1 Carlos Chagas .. Itambacuri 13,7 Pequeno I Águas Formosas 13,3 Ataléia 3 Campanário 0 Catuji 10 Franciscópolis 60 Frei Gaspar 12,5 Itaipé 9,4 Ladainha 8,2 Novo Oriente de Minas 22,2 Ouro Verde de Minas 0 Pescador 12,5 Poté 2,8 Serra dos Aimorés .. 65 Fonte: DATASUS: Indicadores e Dados Básicos – Brasil. Ver definição dos indicadores. .. 80 .. 62,4 77,4 62,1 77,3 76,1 70,8 91,4 56,6 53,8 82,6 81,3 75,8 67,5 .. .. 25 .. 19,5 24,4 14,7 24,5 34 28,6 29 15,7 23,8 26,4 31,7 27 21,4 .. A análise dos dados relativos aos aspectos territoriais, demográficos e socioeconômicos dos municípios da área de expansão do PAIR nos Vales do Mucuri e Doce chamou a atenção para uma matriz complexa de riscos e vulnerabilidades sociais no espaço regional, sendo mais acentuada em alguns deles. É importante, destacar, no entanto, que a presença de riscos e vulnerabilidades não implica, necessariamente, em sua conversão em eventos de violências sexuais. O dimensionamento e tipificação dessas violências, bem com a apreensão da microdinâmica do fenômeno em cada município é um passo necessário na avaliação do potencial de conversão de riscos e vulnerabilidades em eventos. Distribuição percentual das internações hospitalares pagas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) por grupo de causas selecionadas na população residente nos municípios, no ano de 2006 (DATASUS). 65 90 A violência sexual infanto-juvenil nas mesorregiões dos Vales do Mucuri e do Rio Doce Para uma caracterização adequada da violência sexual infanto-juvenil nas mesorregiões dos Vales do Mucuri e do Rio Doce é importante identificar, inicialmente, o perfil da violência e da criminalidade observada nos municípios dessas duas áreas de expansão do PAIR Minas. Um primeiro indicador a ser considerado é a taxa de crimes violentos, categoria que agrega crimes como homicídios, tentativas de homicídio, estupros, roubo e roubo à mão armada66. Considerando os municípios incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas, localizados nas duas mesorregiões em tela, observou-se grande variação na taxa67 de crimes violentos, sendo o menor valor aquele apresentado pelo município de Ladainha (38,80) e o maior valor foi registrado no município de Teófilo Otoni (563,0). Verificase, conforme tabela abaixo, que essa variação não está associada ao porte populacional, havendo diferenças expressivas entre as taxas observadas em municípios de pequeno porte. Os dados relativos aos crimes violentos contra a pessoa – que exclui as ocorrências de roubos e roubos à mão armada - mostraram que o município de Pescador teve a menor taxa (25,73) no ano considerado. O município de Nanuque, com a taxa de 201,07 crimes por 100 mil habitantes, superou o quadro observado nos municípios da RMBH. É importante salientar que a taxa de crimes violentos inclui as ocorrências de homicídios, tentativas de homicídio, estupros, roubo e roubo à mão armada, enquanto a taxa de crimes violentos contra a pessoa inclui apenas os crimes tipificados como homicídios, tentativas de homicídio e estupros. Nesse sentido, é possível afirmar que o município de FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Boletim de informações criminais. Abril a junho de 2008. 32p. Disponível em http://www.seds.mg.gov.br/docs/BIC9_Abril-Jun_2008.pdf. Consulta realizada em 23/11/2008. 67 “Taxas são medidas estatísticas idealizadas para representar mudanças associadas ao comportamento de uma determinada variável durante um determinado período de tempo. A composição da taxa de um determinado crime é um produto do número de ocorrências registradas, multiplicado por uma constante (neste caso, 100.000), dividido pela população da área representada na variável. Assim, para efeito de exemplo, a taxa de crimes violentos em Minas Gerais no ano de 2003 será: Nº de Ocorrências X 100.000 / População de Minas Gerais no ano de 2003.” Extraído de: FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Boletim de informações criminais. Abril a junho de 2008. 32p. Disponível em http://www.seds.mg.gov.br/docs/BIC9_Abril-Jun_2008.pdf. Consulta realizada em 13/03/2009. 66 91 Nanuque se destaca em relação aos crimes violentos contra a pessoa, enquanto o município de Teófilo Otoni apresenta a mais alta taxa de crimes violentos. Interessante comparar essas informações sobre a criminalidade violenta nos municípios dos Vales do Mucuri e do Rio Doce com o investimento municipal em Segurança Pública. O município de Nanuque, que apresentou a taxa mais alta de crimes violentos contra a pessoa, é também aquele com o maior investimento de recursos na área da política de Segurança Pública, considerando-se o ano de 2004. Tabela 16: Indicadores de criminalidade e gastos públicos na área de segurança pública nos municípios na área de expansão do PAIR Minas nas mesorregiões dos Vales do Rio Doce e Mucuri - 2004 PORTE Grande MUNICÍPIO Teófilo Otoni Taxa de crimes violentos por 100 mil hab. 2004 563,00 Taxa de crimes violentos contra a pessoa por 100 mil hab. Gasto orçamentário per capita com Segurança Esforço orçamentário com Segurança Pública (%) 150,24 0,26 0,04 0,28 Médio Itambacuri 262,03 131,01 1,61 Pequeno II Carlos Chagas 369,08 102,66 0,00 0,00 0,84 Pequeno I Nanuque 288,01 201,07 3,45 Águas Formosas 67,91 30,87 0,30 0,06 0,06 Ataléia 59,51 35,71 0,39 Campanário 53,55 13,39 0,00 0,00 0,14 Catuji 121,67 106,46 0,77 Franciscópolis 109,51 73,01 0,08 0,01 0,01 Frei Gaspar 118,98 93,48 0,06 Itaipé 316,56 119,78 1,02 0,17 0,27 Ladainha 38,80 25,87 1,24 Novo Oriente de Minas 219,44 156,74 0,00 0,00 Ouro Verde de Minas 258,97 147,98 2,62 0,34 0,00 Pescador 180,09 25,73 0,00 Poté 128,12 74,17 1,60 0,33 124,98 0,06 0,01 0,26 Média 199,49 94,89 Fonte: Índice Mineiro de Responsabilidade Social. Dados referentes ao ano de 2004. 0,04 Serra dos Aimorés 236,08 Tais informações fornecem um quadro geral sobre a criminalidade e violência nos municípios considerados. É preciso reconhecer que a violência sexual contra crianças e adolescentes possui, como já relatado, uma dinâmica complexa própria relacionada a múltiplos fatores, dentre eles os de risco, tais como existência de áreas de garimpo, turismo, terras indígenas, como apresentadas na primeira parte desse relatório, e 92 também aspectos relacionados à vulnerabilidade sócio-familiar, que foram abordados na segunda parte e que serão oportunamente retomados. Ademais, estabelecer qualquer relação entre o quadro da criminalidade e a ocorrência de violência sexual nos municípios não é tarefa simples dado que essas últimas são, sistematicamente, subnotificadas, o que dificulta o dimensionamento real do fenômeno. Uma primeira aproximação do quadro de violência contra crianças e adolescentes observado nesses municípios pode ser realizada a partir dos registros relativos à entrada e ao fluxo de atendimento das vítimas pelo sistema de proteção social são elementos relevantes para o dimensionamento do fenômeno, particularmente em relação a um tema sensível, enquanto problema público, como é a violência sexual infanto-juvenil. As informações a seguir se referem aos casos e atendimentos relativos à violência em geral contra crianças e adolescentes registrados pelos CREAS de Minas Gerais e encaminhados à Diretoria de Proteção e Defesa da Criança e do Adolescente, da Superintendência de Políticas para a Criança e o Adolescente da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (SEDESE/MG)68. Tabela 17: Casos e Atendimentos registrados pelo Serviço de Combate ao Abuso e Exploração Sexual oferecido pelos CREAS´s em municípios da área de expansão do PAIR Minas no ano de 2007 PORTE MUNICÍPIO Casos Atendimentos Grande Teófilo Otoni69 48 Pequeno II Nanuque70 Pequeno I 25 Águas Formosas71 74 Total 147 202 331 9040 9573 Fonte: SEDESE, 2008 Como se vê na tabela acima, há informações disponíveis para um pequeno número de municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce considerados na expansão do PAIR Minas. O volume de casos e atendimentos apresenta grande variação nos municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce considerados no projeto de expansão do PAIR Minas. 68 As informações disponibilizadas se referem aos atendimentos realizados pelos CREAS no ano de 2007. Os dados foram coletados pelas equipes do CREAS e encaminhados à Diretoria de Proteção e Defesa da Criança e do Adolescente que as cedeu gentilmente para a elaboração desse relatório. 69 Dentre esses, três são de Frei Gaspar e um de Ouro Verde de Minas. 70 Considerando que houve seis casos provenientes de Serra dos Aimorés. 71 Dentre os 74 casos, quatro são de Água Quente, seis de Crisólita, dois de Pavão e um de Umburatiba. 93 Destacando-se o município de Águas Formosas, com o maior numero de casos e o município de Nanuque com o menor volume. Tal variação deve estar associada não apenas à dimensão do fenômeno da violência contra crianças e adolescentes, mas também ao nível de gestão do município do Sistema Único de Assistência Social, uma vez que os recursos relacionados à vigilância sócioassistencial disponíveis para atendimento das vítimas de violência sexual infanto-juvenil são disponibilizados de acordo com tal classificação e se relacionam, portanto, à capacidade de atendimento de cada município72. Entretanto, pode-se afirmar que os dados administrativos de atendimento permitem uma melhor caracterização da violência contra e crianças e adolescentes nos municípios em questão73 na medida em que identificam aspectos importantes do perfil vitimadas crianças e adolescentes vitimizados, de suas famílias e dos agressores. As divergências entre os dados apresentados acima e aqueles que serão discutidos a seguir deve-se, sobremaneira, à existência de informações perdidas ou mesmo indisponíveis nos registros aqui consultados74. Ao considerar os dados sobre os casos de violência sexual encaminhados ao Serviço de Proteção social às crianças e aos adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias, oferecido pelo CREAS (antigo programa Sentinela) em 200775, verificou-se um número mais expressivo de casos de abuso sexual em relação aos outros tipos de violência. Em Águas Formosas, foram atendidas 41 vítimas de abuso sexual no total de 55 casos de violência contra crianças e adolescentes atendidos. No município de Teófilo Otoni verificou-se, também, a predominância de casos de abuso sexual - 33 no Ademais, como os dados disponibilizados pela SEDESE/MG diziam respeito apenas a esses municípios, certamente haveria perda de informações se fosse considerada apenas essa fonte de dados. 73 Embora os registros de atendimentos a vítimas de violência sexual infanto-juvenil pelos serviços atenção especializada sejam importantes para um dimensionamento do fenômeno, é importante ressaltar que as variações observadas acima entre os municípios podem estar relacionadas ainda à capacidade de oferta de desses serviços pelos municípios habilitados em diferentes níveis de gestão do SUAS. Esse aspecto será discutido adiante. 74 Há dados disponíveis apenas para os seguintes municípios: Almenara, Araçuaí. Medina, Padre Paraíso, Pedra Azul e Ponto dos Volantes. 75 Há dados disponíveis apenas para os seguintes municípios: Teófilo Otoni, Nanuque, Águas Formosas, Frei Gaspar, Ouro Verde Minas, Itaipé e Serra dos Aimorés. Tais informações foram encaminhadas pelos CREAS para a Diretoria de Proteção e Defesa da Criança e do Adolescente, da Superintendência de Políticas para a Criança e o Adolescente da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e gentilmente cedidas para a realização desse diagnóstico. 94 total de 48 vítimas de violências -, mas acompanhada de um número expressivo (15) de vítimas de exploração sexual. Teófilo Otoni distinguiu-se dos demais municípios pela concentração de casos envolvendo violências extrafamiliares, relativamente àquelas ocorrências que não envolvem membros do grupo familiar. Nos demais municípios, os casos de violências intrafamiliares atendidos nos CREAS prevaleceram. Sendo assim, é importante que ações relativas ao enfrentamento dessas violências priorizem a atenção aos grupos familiares e orientam as iniciativas de vigilância socioassistencial para esse públicoalvo. A identificação de agentes públicos atuando junto aos grupos familiares e a articulação das ações do PAIR aquelas desenvolvidas por esses agentes são movimento relevantes dado nesse contexto. Tabela 18: Número de casos atendidos pelo CREAS segundo tipo e forma de violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da área de expansão do PAIR Minas, 2007. PORTE MUNICÍPIO Tipo de violência Forma de violência Abuso sexual Exploração sexual Negligência Psicológica Total Intrafamiliar Extrafamiliar Total Grande Teófilo Otoni 33 15 0 0 48 14 30 44 Pequeno II Pequeno I Nanuque 15 2 1 1 19 15 4 19 Águas Formosas 41 4 4 6 55 37 21 58 Frei Gaspar 3 0 0 0 3 0 3 3 Ouro Verde de Minas 2 0 0 0 2 2 0 2 Itaipé 8 4 0 0 12 8 4 12 Serra dos Aimorés 3 2 2 0 7 5 2 7 105 27 7 7 146 81 64 145 Total Fonte: SEDESE/MG, 2008. A identificação do perfil aproximado das vítimas de violência sexual infanto-juvenil nos municípios considerados é um recurso fundamental para imprimir maior direcionalidade às ações do PAIR Minas no nível local, ou seja, priorizar o segmento mais vulnerável à violência sexual. Para isso, será analisado, a seguir, o perfil das vítimas atendidas pelos CREAS (SEDESE/MG, 2007) por grupo etário, cor, sexo e escolaridade. Com relação ao perfil etário das vítimas, constatou-se que a maioria das vítimas encontrava-se na faixa etária compreendida entre 7 e 14 anos, seguida de percentual menor de casos envolvendo adolescentes com idade entre 15 e 17 anos. Chamou atenção ainda a existência de um percentual reduzido, mas importante, de crianças e 95 adolescentes vitimizados, na faixa etária de 0 a 6 anos. É preciso considerar, no entanto, que essas informações referem-se aos registros administrativos efetuados pelas instituições do sistema de proteção social, e que esse volume expressivo de crianças menores pode também indicar uma maior capacidade de focalização e atendimento desse público por parte desses centros de atendimento especializado. Tabela 19: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas segundo os grupos etários, 2007. Idade 0-6 anos PORTE Grande MUNICÍPIO Teófilo Otoni N % 5 11,36 7-14 anos 15-17 anos Total N % N % N % 29 65,91 10 22,73 44 30,77 Pequeno II Nanuque 1 5,88 12 70,59 4 23,53 17 11,89 Pequeno I Águas Formosas 3 5,17 42 72,41 13 22,41 58 40,56 Frei Gaspar 0 0,00 3 100,00 0 0,00 3 2,10 Ouro Verde de Minas 0 0,00 2 100,00 0 0,00 2 1,40 Itaipé 0 0,00 9 75,00 3 25,00 12 8,39 Serra dos Aimorés 0 0,00 7 100,00 0 0,00 7 4,90 9 6,29 104 72,73 30 20,98 Total Fonte: SEDESE, 2008. 143 100,00 Com relação à cor das crianças e adolescentes atendidas pelos CREAS, constatou-se o predomínio de vítimas de cor “parda” em Teófilo Otoni, Nanuque, Frei Gaspar e Ouro Verde de Minas. Esse dado pode reforçar a relação recorrentemente encontrada em outros estudos a relação entre cor/vulnerabilidade à violência sexual, uma vez que a maior parte das vítimas, considerando-se os municípios analisados, é de cor “parda” (57,14%). Tabela 20: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas segundo a raça/cor, 2007. Raça/cor Negra Porte Médio Município Teófilo Otoni Parda N % 4 9,09 35 9 Branca Total % N % N % 79,55 5 11,36% 44 27,33% 52,94 5 29,41% 17 10,56% 50,00 11 14,47% 76 47,20% Pequeno II Nanuque 3 Pequeno I Águas Formosas 27 35,53 38 Frei Gaspar 0 0,00 3 100,00 0 0,00% 3 1,86% Ouro Verde de Minas 0 0,00 2 100,00 0 0,00% 2 1,24% Itaipé 9 75,00 3 25,00 0 0,00% 12 7,45% Serra dos Aimorés 1 14,29 2 28,57 4 57,14% 7 4,35% Total Fonte: SEDESE, 2008. 17,65 N 44 27,33 92 57,14 25 15,53% 161 100,00% 96 No município de Águas Formosas, embora tenha sido observado o predomínio de vítimas de cor parda, foi registrado um número expressivo de vítimas negras, assim como em Itaipé, em que do total de 12 vítimas, 9 foram identificadas como negras. Quanto ao sexo, verificou-se a prevalência de vítimas do sexo feminino em todos os municípios para os quais há dados disponíveis. Esse resultado sinaliza para uma relação positiva entre ser do sexo feminino e estar vulnerável à violência nos estes municípios analisados, demonstrando a existência de um viés de gênero a ser observado no direcionamento das ações do PAIR. Tabela 21: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas, segundo sexo, 2007. PORTE MUNICÍPIO Masculino N % N Sexo Feminino % Total N % Médio Teófilo Otoni 5 11,36% 39 88,64% 44 30,99% Pequeno II Nanuque 5 29,41% 12 70,59% 17 11,97% Pequeno I Águas Formosas 9 15,52% 49 84,48% 58 40,85% Frei Gaspar 0 0,00% 3 100,00% 3 2,11% Ouro Verde de Minas 0 0,00% 1 100,00% 1 0,70% Itaipé 5 41,67% 7 58,33% 12 8,45% 1 14,29% 6 85,71% 7 4,93% 25 17,61% 117 82,39% 142 100,00% Serra dos Aimorés Total Fonte: SEDESE, 2008. Tabela 22: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas, segundo escolaridade, 2007. Porte Município Escolaridade Fundamental (completo/incompleto) % Analfabeta % 2 4,76 40 100,00 Médio (completo/incompleto) % 0 0,00 Médio Teófilo Otoni Pequeno II Nanuque 1 5,56 17 100,00 0 0,00 Pequeno I Águas Formosas 2 3,33 56 96,55 2 3,33 Frei Gaspar 0 0,00 3 100,00 0 0,00 Ouro Verde de Minas 0 0,00 1 100,00 0 0,00 Itaipé 0 0,00 12 100,00 0 0,00 Serra dos Aimoré 0 0,00 7 100,00 0 0,00 5 3,50 136 98,55 2 1,40 Total Fonte: SEDESE, 2008. A distribuição das vítimas de violência sexual infanto-juvenil por nível de escolaridade mostrou que os casos atendidos pelos CREAS eram, em sua maioria, relacionados a crianças e adolescentes que estavam cursando ou cursaram o ensino fundamental. Analisando o total de ocorrências, verificou-se que prevalece o percentual de atendidos nesse nível de ensino ou daqueles que já o concluíram (98,55%). Considerando o perfil etário predominante das vítimas – na faixa da idade esperada para esse nível de ensino -, 97 os dados sugerem que parte das vítimas estava inserida no sistema escolar, o que amplia a importância das escolas no enfrentamento desse tipo de violência76. Cabe destacar, no entanto, que, embora 30 casos de vítimas com idade entre 15 e 17 anos tenham sido identificados, foram registradas apenas 02 vítimas que cursaram ou que estavam cursando o ensino médio, nível de ensino adequado a essa faixa etária. Nos dias de hoje, as oportunidades de bem estar variam de acordo com os tipos e estruturas familiares. As peculiaridades de cada família, tais como sua composição, condições de vida e a idade de seus componentes indicam vulnerabilidades potenciais. A instituição familiar sofre impactos de mudanças sociais, culturais e econômicas que redefinem sua organização. Por dispender recursos econômicos com seus membros, as famílias tendem a possuir menor número de pessoas, de forma a serem capazes de manter suas necessidades sociais e humanas básicas. A conexão entre vulnerabilidades sociais dos grupos familiares e violência sexual infanto-juvenil é um importante aspecto a ser avaliado em cada um dos municípios, conforme destacado na parte inicial desse diagnóstico. Nesse sentido, serão apresentadas algumas informações sobre o grupo familiar das vítimas de violência sexual atendidas pelos CREAS em municípios localizados nas mesorregiões dos Vales do Mucuri e do Rio Doce beneficiados com a expansão do PAIR Minas. Uma das principais dimensões para caracterizar a vulnerabilidade social é a renda, principalmente aquela apurada levando-se em conta a composição familiar e as dependências internas ao grupo familiar. Como pode ser verificado na abaixo, a maioria das crianças e adolescentes pertencia a grupos familiares cuja renda variava entre as faixas de um e três salários mínimos. Entretanto, tal informação não permite aferir se os membros de tal grupo estavam em situação de pobreza ou indigência, uma vez que esse dado não leva em consideração o número efetivo de pessoas que dependia dessa renda para sobreviver. Em apenas dois dos municípios considerados foram identificadas vítimas oriundas de famílias com renda superior a três salários mínimos. Uma análise mais detida desse ponto requer informações desagregadas no nível individual, diferentemente da estrutura dos dados em análise, agregados por municípios. 76 98 Tabela 23: Renda familiar das vítimas de violência infanto-juvenil atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas, 2007. Renda familiar das vítimas Não tem renda PORTE MUNICÍPIO Menos de 1 SM 1 a 3 SM Mais de 3 SM N % N % N % N % 8 18,18 36 81,82 0 0,00 Grande Teófilo Otoni 0 0,00 Pequeno II Nanuque 2 9,09 8 36,36 12 54,55 0 0,00 Pequeno I Águas Formosas 3 4,05 20 27,03 49 66,22 2 2,70 Frei Gaspar 0 0,00 0 0,00 3 100,00 0 0,00 Ouro Verde de Minas 0 0,00 1 100,00 0 0,00 0 0,00 Itaipé 1 20,00 0 0,00 4 80,00 0 0,00 Serra dos Aimorés 1 14,29 0 0,00 6 85,71 0 0,00 7 4,49 37 23,72 110 70,51 2 1,28 Total Fonte: SEDESE, 2008. Um elemento importante para a compreensão do fenômeno da violência sexual infantojuvenil, bem como para a definição de estratégias de enfrentamento, é identificar a extensão em que as vulnerabilidades são (ou não) cumulativas, ou seja, se são vulnerabilidades que remetem a diferentes dimensões da vida social dessas famílias e, especialmente, se elas se reforçam mutuamente. Aspectos relacionados à vulnerabilidade familiar, tais como a presença anterior de trajetória de rua, histórico de violência e desemprego serão discutidos a seguir. A caracterização do grupo familiar e a trajetória da violência no interior do mesmo fornecem elementos importantes para a avaliação das múltiplas vulnerabilidades a que podem estar sujeitas as vítimas de violência sexual infanto-juvenil. O levantamento dos atendimentos dos CREASs (SEDESE/MG, 2007) diferenciou a família das vítimas em cinco categorias: famílias com trajetória de rua, com histórico de violências, sem histórico de violência relevante, família afetiva ou desempregada. Tabela 24: Caracterização das famílias das vítimas de violência infanto-juvenil atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas, 2007. Caracterização as famílias Trajetória de rua Histórico de violência Sem histórico de violência relevante Família afetiva Família desempregada PORTE MUNICÍPIO Grande Teófilo Otoni 1 2,56 15 38,46 22 56,4103 1 2,5641 4 9,52 Pequeno II Nanuque 0 0,00 0 0,00 15 93,75 1 6,25 1 5,88 Pequeno I Águas Formosas 0 0,00 9 60,00 0 0 6 40 7 31,8 Frei Gaspar 0 0,00 0 0,00 0 0 0 0 3 100 Ouro Verde de Minas 0 0,00 0 0,00 1 100 0 0 0 0 Itaipé 0 0,00 0 0,00 0 0 0 0 0 0 Serra dos Aimorés 0 0,00 0 0,00 7 100 0 0 0 0 Total Fonte: SEDESE, 2008. 1 1,28 24 30,77 45 57,6923 8 10,2564 15 16,3 N % N % N % N % N % 99 Pode-se ver que em Águas Formosas predominou o número de vítimas que possuíam histórico de violência na família. Já nos municípios de Teófilo Otoni, Nanuque, Ouro Verde de Minas e Serra dos Aimorés prevaleceu o número de famílias sem histórico de violência relevante, o que não significa que não tenha havido violência anterior, uma vez que, como dito no início dessa seção, há subnotificação no registro de eventos de violência, em especial quando essa é de natureza sexual e praticada por membros da família. Entretanto, tais características não permitem uma análise mais aprofundada da configuração familiar das vítimas, uma vez que as informações se encontram agregadas77 ou que a definição das mesmas não está clara78. Outra dimensão central para a definição de ações de enfrentamento a violência infantojuvenil é caracterização dos agressores e da natureza do vínculo existente entre a vítima e o violador. No total dos casos registrados, constatou-se que o pai ou o padrasto foi o principal agressor, sendo que em Teófilo Otoni, 91,7% do total 48 casos atendidos o pai da vítima foi identificado como o agressor. Em Águas Formosas, foram registrados 71% casos em que o agressor era padrasto da vítima. Nos demais municípios, embora com poucos casos registrados, o pai manteve-se com o principal agressor. Tabela 25: Distribuição do agressor por tipo de vínculo com a vítima de violência sexual infanto-juvenil segundo o porte e município da área de expansão do PAIR Minas, 2007 Vínculo com a vítima Pai Porte Município Padrasto Família extensa Vizinho N % N % N % N % 0 0,00 1 2,08 3 6,25 Grande Teófilo Otoni 44 91,67 Pequeno II Nanuque 15 53,57 3 10,71 2 7,14 8 28,57 Pequeno I Águas Formosas 8 8,89 64 71,11 15 16,67 3 3,33 Frei Gaspar 3 100,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Ouro Verde de Minas 1 50,00 0 0,00 0 0,00 1 50,00 Itaipé 8 80,00 2 20,00 0 0,00 0 0,00 Serra dos Aimorés 6 66,67 1 11,11 0 0,00 2 22,22 85 44,74 70 36,84 18 9,47 17 8,95 Total Fonte: SEDESE, 2008. No que tange ao sexo, constatou-se que o agressor era, em sua maioria, do sexo masculino. Apenas no município de Águas Formosas as mulheres ocuparam a posição Como no caso da categoria “família desempregada”, que não permite saber se todos os membros do grupo familiar estão desempregados ou se apenas o chefe da família está nessa situação. 78 Como a definição de histórico de violência relevante ou não. Nesse caso seria melhor perguntar se há ou não histórico de violência, já que a categoria “relevante” pode implicar um critério subjetivo que dificulta a comparação das informações e a confiabilidade das mesmas. 77 100 majoritária como agressoras, como se vê na tabela abaixo79. Com relação à cor do agressor, o levantamento realizado pelos CREAS não registrou o dado para a maioria dos casos, dificultando a identificação do perfil dos agressores em relação a essa característica. Considerando apenas 18 do total 55 de vítimas atendidas em Águas Formosas, para os quais essa informação foi registrada, observou-se um número predominante de agressores negros. Esse dado, no entanto, deve ser visto com reserva em face do número significativo de casos sem registro da informação relativa à raça. Tabela 26: Sexo e raça/cor do agressor segundo o porte populacional e município da área de expansão do PAIR Minas, 2007. Sexo Raça/ cor Masculino Porte Município Feminino Negra Parda Branca N % N % N % N % N % 100,00 0 0,00 1 20,00 3 60,00 1 20,00 28,57 Grande Teófilo Otoni 44 Pequeno II Nanuque 15 83,33 3 16,67 2 14,29 8 57,14 4 Pequeno I Águas Formosas 8 11,11 64 88,89 15 83,33 3 16,67 0 0,00 Frei Gaspar 3 100,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Ouro Verde de Minas 1 100,00 0 0,00 0 0,00 1 100,00 0 0,00 Itaipé 8 80,00 2 20,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Serra dos Aimorés 6 85,71 1 14,29 0 0,00 2 50,00 2 50,00 85 54,84 70 45,16 18 42,86 17 40,48 7 16,67 Total Fonte: SEDESE, 2008. No conjunto dos casos atendidos para os quais consta a informação sobre a atividade ocupacional do agressor, constatou-se que os agressores, na quase totalidade, não trabalhavam. Novamente, é preciso salientar que essa informação foi registrada apenas para um número reduzido de casos. Tabela 27: Perfil ocupacional do agressor segundo o porte populacional e município da área de expansão do PAIR Minas, 2007. Situação ocupacional Trabalha PORTE MUNICÍPIO Não trabalha N % N % 4 57,14 Grande Teófilo Otoni 3 42,86 Pequeno II Nanuque 6 54,55 5 45,45 Pequeno I Águas Formosas 2 8,33 22 91,67 Frei Gaspar 0 0,00 S/I - Ouro Verde de Minas 1 100,00 S/I - Itaipé 0 0,00 2 100,00 3 50,00 3 50,00 15 29,41 36 70,59 Serra dos Aimorés Total Fonte: SEDESE, 2008. Nesse sentido, o dado apresentado deve se referir a pais/mães e padrastos/madrastas, informação não especificada nas informações citadas pela SEDESE/MG (2008). 79 101 Com relação ao uso de drogas, destacou-se o município de Águas Formosas com 22 registros de violadores que faziam uso de drogas, o que representa 52,38% do total de violadores que faziam uso de drogas nos municípios analisados. Tabela 28: Distribuição dos agressores por uso de drogas segundo o porte e município da área de expansão do PAIR Minas, 2007. Uso de drogas PORTE MUNICÍPIO N % Grande Teófilo Otoni 3 7,14 Pequeno II Nanuque 13 30,95 Pequeno I Águas Formosas 22 52,38 Frei Gaspar 0 0,00 Ouro Verde de Minas 0 0,00 Itaipé 0 0,00 Serra dos Aimorés 4 9,52 42 100,00 Total Fonte: SEDESE, 2008. Já no tocante à escolaridade dos agressores é importante observar que no município de Águas Formosas, 10 dos 22 violadores desse município a respeito dos quais há informações possuía escolaridade relativa ao Ensino Superior. A ausência de informações sobre a escolaridade - particularmente no caso de Teófilo Otoni, um dos municípios com alto índice desse tipo de violência - dificulta uma avaliação mais detalhada do perfil dos agressores nesse quesito. Tabela 29: Escolaridade do agressor segundo o porte populacional e município da área de expansão do PAIR Minas, 2007. PORTE Grande Pequeno II Pequeno I MUNICÍPIO Teófilo Otoni Nanuque Águas Formosas Frei Gaspar Ouro Verde de Minas Itaipé Serra dos Aimorés Total Fonte: SEDESE, 2008. Analfabeto N % 0 0,00 4 44,44 1 4,55 0 0,00 0 0,00 0 0,00 4 100,00 9 25,00 Escolaridade Ensino fundamental Ensino médio (completo/incompleto) (completo/incompleto) N % N % 1 100,00 0 0,00 4 44,44 0 0,00 8 36,36 3 13,64 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 13 36,11 3 8,33 N 0 1 10 0 0 0 0 11 Superior % 0,00 11,11 45,45 0,00 0,00 0,00 0,00 30,56 A tabela abaixo apresenta um quadro grave a respeito da responsabilização dos autores de crimes contra crianças e adolescentes: menos de 25% dos violadores foi responsabilizado (18, num total de 81 registros), e apenas 3 deles respondiam a 102 inquérito pelo crime cometido. Por fim, em cerca de 30% dos casos com informação disponível, as vítimas mantinham contato com os respectivos agressores. Tabela 30: Responsabilização do agressor segundo o porte populacional e município da área de expansão do PAIR-MINAS, 2007 Responsabilização Responsabilizado Porte Município Não responsabilizado Abertura de inquérito ou processo em andamento N % N % N Grande Teófilo Otoni 0 0,00 1 100,00 0 0 Pequeno II Nanuque 4 50,00 4 50,00 0 0 Pequeno I Águas Formosas 1 8,33 8 66,67 3 25 Frei Gaspar 0 0,00 0 0,00 0 0 Ouro Verde de Minas 0 0,00 0 0,00 0 0 Itaipé 0 0,00 0 0,00 0 0 Serra dos Aimorés 4 100,00 0 0,00 0 0 9 36,00 13 52,00 3 12 Total Fonte: SEDESE, 2008. % Tabela 31: Distribuição dos agressores segundo contato com a vítima nos município da área de expansão do PAIR-MINAS, 2007 Contato com a vítima Sim PORTE Grande MUNICÍPIO Teófilo Otoni N Não % N % 6 33,33 12 66,67 Pequeno II Nanuque 6 35,29 11 64,71 Pequeno I Águas Formosas 16 31,37 35 68,63 Frei Gaspar S/I - S/I - Ouro Verde de Minas S/I - S/I - Itaipé Serra dos Aimorés Total Fonte: SEDESE, 2008. 1 9,09 10 90,91 4 57,14 3 42,86 33 31,73 71 68,27 Para a definição das ações do PAIR Minas no nível local e identificação dos agentes estratégicos da rede de enfrentamento é importante identificar o fluxo da vítima no interior do sistema de garantia de direitos e do sistema de proteção social, particularmente no que se refere à “entrada” da vítima nessas instituições. Com relação à procura do CREAS, os dados mostraram que a maioria das vítimas buscou os atendimentos na companhia da mãe. A tabela abaixo indica que a maioria das vítimas deu entrada no CREAS acompanhada pela mãe (74 casos) ou pelo responsável (37 casos). Esse aspecto ressalta a centralidade da figura materna nas políticas da proteção e promoção dos direitos de crianças e adolescentes, especialmente daquelas com direitos violados e deve se levado em consideração quando do planejamento das 103 ações do PAIR Minas. Somente nos municípios de Águas Formosas e Teófilo Otoni foram registrados casos em a própria vítima procurou os serviços especializados de atendimento. Tabela 32: Vítimas de violência atendidas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas segundo acompanhante em atendimento, 2007. Porte Município Veio sozinha % N Mãe N % Acompanhante Pai % N N Responsável Vizinho % % N Médio Teófilo Otoni 7 15,91 22 50,00 1 2,27 14 37,84 0 0,00 Pequeno II Nanuque 0 0,00 11 61,11 4 22,22 3 16,67 0 0,00 Pequeno I Águas Formosas 7 11,86 32 54,24 11 18,64 9 17,31 0 0,00 Frei Gaspar 0 0,00 0 0,00 0 0,00 3 100,00 0 0,00 Ouro Verde de Minas 0 0,00 0 0,00 0 0,00 1 100,00 0 0,00 Itaipé 0 0,00 4 33,33 1 8,33 6 50,00 1 12,50 Serra dos Aimorés Total Fonte: SEDESE, 2008. 0 0,00 5 71,43 1 14,29 1 14,29 0 0,00 14 9,72 74 51,39 18 12,50 37 28,46 1 1,79 Considerando o conjunto de serviços ofertados pelos CREAS em cada município, apenas em Águas Formosas a maioria das vítimas recebeu todos os atendimentos disponíveis, enquanto em Teófilo Otoni e Nanuque a maioria dos atendidos recebeu atendimento na área de Serviço Social. Em Serra dos Aimorés e Itaipé os atendimentos se concentraram nas áreas de Serviço Social e Psicologia. Nos municípios de Frei Gaspar e Ouro Verde de Minas, ambos municípios de pequeno porte, segundo informações da SEDESE (2008), não há registro de atendimentos especializados às vítimas. Tabela 33: Número de atendimentos prestados às vítimas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas, segundo o tipo de atendimento, 2007. Todos os serviços PORTE MUNICÍPIO Psicol / Serv Social / Educacional Jurídico Psicológico e serviço social Serviço Social Psicológico N % N % N % N % N % N % Médio Teófilo Otoni 0 0,00 0 0,00 5 15,15 8 24,24 15 45,45 5 15,15 Pequeno II Nanuque 9 17,65 1 1,96 3 5,88 4 7,84 33 64,71 1 1,96 Pequeno I Águas Formosas 48 64,86 0 0,00 14 18,92 12 16,22 0 0,00 0 0,00 Frei Gaspar 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Ouro Verde de Minas 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Itaipé 0 0,00 1 10,00 0 0,00 9 90,00 0 0,00 0 0,00 Serra dos Aimorés 2 28,57 1 14,29 1 14,29 3 42,86 0 0,00 0 0,00 Total Fonte: SEDESE, 2008. 59 33,71 3 1,71 23 13,14 36 20,57 48 27,43 6 3,43 104 O fluxo de encaminhamentos das vítimas realizados pela equipe do CREAS é um elemento relevante para a identificação de agentes públicos e instituições a serem articuladas pela rede de enfrentamento local da violência sexual infanto-juvenil. Entre os municípios com informações disponíveis no levantamento realizado pela SEDESE/MG (2007), é importante ressaltar o número reduzido de encaminhamentos à rede de saúde, ação inexistente em quatro dos sete municípios analisados, a saber: Frei Gaspar, Ouro Verde de Minas, Itaipé e Serra dos Aimorés. Quanto aos encaminhamentos à rede municipal de Assistência Social, esses foram realizados com maior freqüência, mas não ocorreu em três municípios (Frei Gaspar, Ouro Verde de Minas e Itaipé). Cabe destacar ainda o grande número de encaminhamentos realizados no município de Águas Formosas, que representam 76,29% do total de encaminhamentos realizados nos municípios considerados. Essas informações remetem à organização da rede de serviços, aspecto que será abordado na próxima seção. Tabela 34: Número de atendimentos prestados às vítimas pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas, segundo o tipo de encaminhamento, 2007. Porte Médio Município Teófilo Otoni Encaminhamentos Rede de saúde Rede de assistência municipal Total N % N % N % 1 9,09 10 90,91 11 Pequeno II Nanuque 1 11,11 8 88,89 9 9,28 Pequeno I Águas Formosas 4 5,41 70 94,59 74 76,29 Frei Gaspar 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Ouro Verde de Minas 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Itaipé 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Serra dos Aimorés 0 0,00 3 100,00 3 3,09 6 6,19 91 93,81 97 100,00 Total Fonte: SEDESE, 2008. 11,34 Entretanto, como indicado no início dessa seção, a violência sexual infanto-juvenil possui especificidades que a diferenciam tanto do quadro de criminalidade violenta, apresentado na tabela acima, quanto da violência física e psicológica contra crianças e adolescentes80. Tais especificidades, apontadas na ampla discussão teórica presente na Introdução desse relatório, indicam que à violência sexual contra crianças e adolescentes deve ser dada especial atenção. Dessa forma, serão apresentados a seguir dados relativos a esse tipo de violência oriundos de diversas fontes, constituindo uma 105 tentativa de dimensionar de forma adequada o fenômeno em questão e contribuir para um desenho eficaz da política de enfrentamento. Uma primeira análise nesse sentido diz respeito ao cruzamento entre o tipo de violência e à sua forma (se extra ou intrafamiliar). Como dito anteriormente, em todos os municípios para os quais há dados disponíveis, há predomínio da violência sexual em relação a outro tipos de violência, como negligência, por exemplo. Entretanto, o que chama atenção na tabela abaixo, é que nos municípios de Águas Formosas e Teófilo Otoni, há grande percentual de casos relativos a abuso sexual atendidos no CREAS se refere à violência extrafamiliar, ou seja, não praticada por membros da família, o que indica um padrão desviante do esperado, apresentado na discussão teórica já citada. Também com relação à exploração sexual há registro de casos em que essa violência foi praticada por membros da família (caracterizando-se como intrafamiliar, portanto) em Nanuque e Águas Formosas. Tabela 35: Tipo e forma de violência infanto-juvenil segundo o município de atendimento de vítimas na área de expansão do PAIR Minas na mesorregião do Vale do Jequitinhonha MUNICIPIO DE ATENDIMENTO DA VÍTIMA Águas Formosas TIPO DE VIOLENCIA Abuso Sexual Exploração Sexual Outras Violências Total 22 40,7 32 59,3 54 4 80,0 1 20,0 5 1 6,7 14 93,3 15 36,5 47 63,5 74 Abuso Sexual 4 23,5 13 76,5 17 Exploração Sexual 0 0,0 4 100,0 4 Outras Violências 2 50,0 2 50,0 4 6 24,0 19 76,0 25 Total T. Otoni Intrafamiliar N % 27 Total Nanuque FORMA DE VIOLENCIA Extrafamiliar N % Abuso Sexual 18 54,5 15 45,5 33 Exploração Sexual 15 100,0 0 0,0 15 Total 33 68,8 15 31,3 48 Fonte: SEDESE, 2008. Tais informações implicam na necessidade de adequação das estratégias de enfrentamento à violência sexual às características específicas que essas assumem nesses municípios, em uma abordagem que mobilize e informe a população e em especial as famílias das crianças e adolescentes vitimizados e que combine políticas públicas nesse enfrentamento, uma vez que, por exemplo, a exploração sexual intrafamiliar recorrente nos municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce incluídos na 106 expansão do PAIR Minas pode estar relacionada ao recurso à violência como meio de se obter renda para o sustento da família, o que requer, portanto, que se pense em programas de geração de renda, qualificação profissional e em políticas de transferência de renda e combate ao trabalho infantil81. A inclusão da informação sobre os municípios de origem das crianças e adolescentes vitimizados permite também dimensionar de forma mais adequada a violência sexual contra crianças e adolescentes na região, uma vez que permite refinar as informações sobre os casos atendidos, possibilitando trabalhar de forma mais específica em cada município. Tabela 36: Tipo e forma de violência sexual infanto-juvenil segundo o município de origem de vítimas atendidas por serviços especializados na área de expansão do PAIR Minas na mesorregião do Vale do Mucuri e Vale do Rio Doce MUNICIPIO DE ORIGEM DA VÍTIMA Água Quente / A.F TIPO DE VIOLENCIA Abuso Sexual Águas Formosas Abuso Sexual Exploração Sexual Crisólita FORMA DE VIOLENCIA Extrafamiliar Intrafamiliar N % N % Total 1 33,3 2 66,7 3 40,5 75,0 25 1 59,5 25,0 42 4 Abuso Sexual Exploração Sexual 1 25,0 1 100,0 3 0 75,0 0,0 4 1 Frei Gaspar Abuso Sexual 3 100,0 0,0 3 Nanuque Abuso Sexual Exploração Sexual 3 0 21,4 0,0 11 78,6 2 100,0 14 2 Ouro Verde Abuso Sexual 0 0,0 1 100,0 1 Pavâo Abuso Sexual 2 66,7 1 33,3 3 Santa Helena de Minas Abuso Sexual 0 0,0 1 100,0 1 Serra dos Aimores Abuso Sexual Exploração Sexual 1 0 33,3 0,0 2 66,7 2 100,0 3 2 T. Otoni Abuso Sexual Exploração Sexual Umburatiba Abuso Sexual Fonte: SEDESE, 2008. 17 3 15 51,7 15 100,0 14 0 48,3 0,0 29 15 1 100,0 0 0,0 1 Uma consideração importante se refere à presença de vítimas oriundas de municípios não incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas na mesorregião dos Vales do Mucuri e Rio Doce, mas que estão vinculados a um CREAS regionalizado sediado em Na seção seguinte será caracterizada a rede e infra-estrutura de serviços disponíveis nesses municípios, como forma de orientar e fomentar a interlocução entre diversos órgãos e políticas que podem e devem ser combinadas para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. 107 município incluído nesse projeto, como é o caso de Água Quente, Crisólita, Pavão, Santa Helena de Minas e Umburatiba, vinculados ao CREAS de Águas Formosas. Há que se definir, portanto, uma estratégia que possibilite a interlocução não apenas com os municípios incluídos na expansão, mas que reforce também a interlocução co os municípios que recorrem ao CREAS regionalizado, de modo que a expansão não ocorra em detrimento de ações já existentes. Tabela 37: Número de denúncias registradas pelo Serviço Disque-Denúncia Nacional segundo o tipo de violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da área de expansão do PAIR Minas– 2003-2005 e 2006-200882. 2003-2005 2006-2008 PORTE Grande MUNICÍPIO Teófilo Otoni Exploração Exploração Sexual Sexual Comercial Abuso Comercial Sexual com intermediário 1 1 2 Médio Itambacuri 0 0 1 0 5 1 7 Pequeno II Carlos Chagas 0 0 0 3 5 0 8 Nanuque 0 2 2 1 1 0 6 Águas Formosas 0 0 0 0 0 0 0 Ataléia 0 1 1 1 1 0 4 Campanário 0 0 0 0 0 0 0 Catuji 0 0 0 0 0 0 0 Franciscópolis 0 0 0 0 0 0 0 Frei Gaspar 0 0 0 0 2 0 2 Itaipé 0 1 0 2 0 0 3 Ladainha 0 0 0 0 0 0 0 Novo Oriente de Minas 1 0 1 0 0 0 2 Ouro Verde de Minas 0 0 0 0 2 0 2 Pescador 0 0 0 0 1 0 1 Poté 0 0 2 0 3 0 5 Serra dos Aimorés 0 0 0 0 0 0 0 Total 2 5 9 12 35 3 66 Pequeno I Exploração Sexual Comercial sem intermediário 5 Abuso Sexual Pornografia Total 15 2 26 Fonte: Disque Denúncia Nacional da SEDH, 2003, 2004, 2005, 2006 e 2008. Outra abordagem interessante diz respeito à comparação entre esses dados e informações oriundas de outras fontes, buscando-se construir um quadro mais próximo à realidade dos municípios em questão. Assim, outra fonte de dados a respeito da violência sexual contra crianças e adolescentes é o Disque-Denúncia Nacional que mantido pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. No período considerado - 2003, 2005 e 2006 a 200883 - o volume de denúncias registradas foi baixo e diz respeito 82 Até 11/09/2008. Até 11/09/2008. 108 apenas a um pequeno conjunto de municípios, ainda que a comparação84 entre os dois períodos indique um aumento no número de denúncias nos anos entre 2006 e 2008. A despeito do reduzido número de denúncias registradas, parte expressiva delas referia-se a ocorrências de abuso sexual. Entre 2003 e 2005, foram registradas denúncias relacionadas aos municípios de Teófilo Otoni, Nanuque, Ataléia, Itaipé e Novo Oriente de Minas. No período entre 2006 e 2008, o município de Teófilo Otoni também apresentou o maior número de denúncias de abuso sexual e de exploração sexual (22 denúncias no total), seguido pelos municípios de Itambacuri (6) e Carlos Chagas (5). Ao longo de todo o período considerado, o único município de grande porte entre os municípios analisados, Teófilo Otoni, destacou-se dos demais pelo volume de denúncias - 26 no total – o que representa quase a metade do total de registros no período. A esse município, seguem as cidades de Carlos Chagas (8 registros), Itambacuri (7), Nanuque (6) e Poté (5). Cabe considerar que o número de registros é um indicador potencial de ocorrências do fenômeno, mas é importante frisar que essas manifestações também repercutem a saliência do tema para o público, a centralidade do tema na agenda local, etc., como afirma Faleiros (2005): “Muitas pessoas têm utilizado com mais freqüência o número telefônico oferecido pelo Estado destinado às denúncias, porque a ligação permite –lhes o anonimato. É um canal aberto, mas precisa estar articulado a uma rede. A denúncia pode trazer mais visibilidade ao que é contado, contabilizado, mas é ponta de um iceberg e segue as variações das campanhas, aumentando no momento forte dos apelos e diminuindo em seguida.” (Faleiros, 2005:9). Assim, para dimensionar a extensão e incidência do fenômeno da violência sexual nos municípios em tela é necessário avaliar, de forma mais acurada, os registros de ocorrências desse tipo de violência efetuados pelos serviços de proteção social e instituições do sistema de garantia de direitos. 84 Importante destacar que a comparação entre os dois períodos fica prejudicada pela adoção de categorias distintas em 2003-2005 e em 2006-2008. Sugere-se que tais categorias sejam padronizadas de forma a possibilitar maior comparabilidade e garantir maior consistência aos dados coletados. 109 Dados relativos à entrada e ao fluxo de atendimento das vítimas pelo sistema de proteção social são elementos relevantes para o dimensionamento do fenômeno, particularmente em relação a um tema sensível, enquanto problema público, como é a violência sexual infanto-juvenil. Ao comparar os dados do Disque Denúncia Nacional com as informações sobre casos e atendimentos registrados pelo Serviço de Combate ao Abuso e Exploração Sexual oferecido pelos CREAS no ano de 2007, fornecidos pela SEDESE, pode-se afirmar que a primeira fonte apresenta problemas de subnotificação. Os dados referentes aos casos de violência sexual encaminhados ao CREAS e aos atendimentos realizados, permitem constatar a subnotificação dos registros de violência sexual apresentados pelo Disque-Denúncia. Tal divergência explicita a necessidade de interlocução entre serviços, projetos e programas relacionados ao combate à violência sexual contra crianças e adolescentes no país e em Minas Gerais, o que permitiria a construção de diagnósticos mais fiéis à realidade e, por conseguinte, o desenho de estratégias mais efetivas e eficazes. Interessante observar que o município de Águas Formosas, para o qual não há nenhum registro de violência sexual no Disque Denúncia Nacional no período entre 2003 e 2008, é o município com maior número de casos e atendimentos registrados no CREAS: 157 casos e 9.040 atendimentos, apenas no ano de 200785. Esse é município é o de menor porte dentre os considerados na tabela acima, o que indica uma inversão na relação entre porte do município e ocorrências de violência sexual86, pois o município de Teófilo Otoni, único de grande porte, figurava com o maior número de registros realizados pelo disque-denúncia. Um quadro mais amplo pode ser observado se no diagnóstico forem incluídos dados originados das instituições de defesa e responsabilização, que compõem o chamado Sistema de Justiça, uma vez que essas são responsáveis pela notificação dos casos de 85 Deve-se considerar que esses casos e atendimentos envolvem não apenas ocorrências relacionadas à violência sexual, mas todos os casos encaminhados ao CREAS, incluindo-se aí aqueles referidos a violência física e psicológica, por exemplo. 86 Apesar do porte, o número de ocorrências de violência sexual pode ser um indicador de vulnerabilidade social, critério considerado para a implantação do Serviço de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, como veremos na seção seguinte. Assim, apesar do município de Águas Formosas ser de pequeno porte, esse apresenta um CREAS regionalizado que presta atendimento a vítimas oriundas de sete municípios do Vale do Mucuri. Tais informações serão retomadas em momento oportuno. 110 violência, bem como pela investigação e responsabilização dos agressores. Nesse escopo estão incluídas as Polícias Civil e Militar, o Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Institutos de Medicina Legal. É de extrema importância que os registros desses órgãos sejam considerados como orientação para as políticas de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes porque, apesar da subnotificação citada anteriormente, tais instituições possuem grande capilaridade e sua atuação é relevante no que se refere à responsabilização dos agressores que só irá ocorrer se o fluxo for ali iniciado. Assim, um quadro mais completo a respeito da violência contra crianças e adolescentes pode ser traçado a partir dos registros da Polícia Civil87 relacionados à violência contra crianças e adolescentes no período de 2006-2008. A tabela abaixo mostra que há registros de violência contra crianças e adolescentes em todos os municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas. Tabela 38: Número de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte populacional, 2006-2008. PORTE 2006 2007 2008 2006-08 POPULACIONAL MUNICÍPIOS Fem. Masc. SI Tot. Fem. Masc. SI Tot. Fem. Masc. SI Tot. Fem. Masc. SI Grande Teófilo Otoni 52% 47% 1% 255 60% 40% 0% 217 56% 44% 0% 32 56% 44% 0% Médio Nanuque 41% 59% 0% 34 47% 50% 3% 32 62% 31% 7% 45 51% 45% 4% Pequeno II Carlos Chagas 39% 59% 2% 41 47% 36% 18% 45 54% 40% 5% 57 48% 44% 8% Itambacuri 46% 49% 6% 35 39% 52% 9% 46 75% 8% 17% 12 46% 45% 9% Pequeno I Águas Formosas 44% 50% 6% 54 37% 51% 11% 35 35% 48% 17% 23 40% 50% 10% Ataléia 45% 45% 9% 22 71% 24% 6% 17 56% 33% 11% 9 56% 35% 8% Campanário 60% 20% 20% 5 33% 33% 33% 6 0% 0% 100% 2 38% 23% 38% Catuji .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. Franciscópolis 33% 67% 0% 3 0% 100% 0% 1 25% 75% 0% 4 25% 75% 0% Frei Gaspar 64% 27% 9% 11 75% 25% 0% 4 0% 0% 0% 0 67% 27% 7% Itaipé 41% 59% 0% 17 39% 50% 11% 18 50% 0% 50% 4 41% 49% 10% Ladainha 35% 45% 20% 20 45% 36% 18% 22 88% 13% 0% 8 48% 36% 16% Novo Oriente de Minas 31% 62% 8% 13 0% 100% 0% 2 0% 0% 0% 0 27% 67% 7% Ouro Verde de Minas 0% 100% 0% 2 20% 80% 0% 5 0% 0% 0% 0 14% 86% 0% Pescador 50% 50% 0% 4 100% 0% 0% 2 0% 0% 0% 0 67% 33% 0% Poté 55% 36% 9% 22 73% 20% 7% 15 58% 25% 17% 12 61% 29% 10% Serra dos Aimorés 42% 50% 8% 24 58% 33% 8% 12 56% 33% 11% 18 50% 41% 9% Fonte: CINDS, 2009. Como se vê na tabela acima, os registros da Polícia Civil referentes a todos os tipos de violência contra criança e adolescentes superam os dados apresentados pelo CREAS. 87 As informações relativas aos registros da polícia Civil de Minas Gerais foram gentilmente cedidas pelo Centro de Informações de Defesa Social. Tal ação demonstra o compromisso dessas instituições com o enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. 111 Tot. 504 111 143 93 112 48 13 .. 8 15 39 50 15 7 6 49 54 Resta saber se esse padrão se mantém, quando se analisa separadamente os registros de violência sexual. Outra informação que pode ser extraída dos dados cedidos pela Polícia Civil diz respeito ao perfil etário das crianças e adolescentes vitimizados, que pode ser visualizado na tabela abaixo. Tabela 39: Perfil etário das crianças e adolescentes registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte populacional, 2006-2008. PORTE POPULACIONAL MUNICÍPIOS Grande Teófilo Otoni Médio Nanuque Pequeno II Carlos Chagas Itambacuri Pequeno I Águas Formosas Ataléia Campanário Catuji Franciscópolis Frei Gaspar Itaipé Ladainha Novo Oriente de Minas Ouro Verde de Minas Pescador Poté Serra dos Aimorés Fonte: CINDS, 2009. 0 a 12 anos 28% 29% 24% 29% 31% 27% 0% .. 67% 27% 12% 15% 8% 100% 25% 27% 38% 2006 13 a 17 anos Total 72% 255 71% 34 76% 41 71% 35 69% 54 73% 22 100% 5 .. .. 33% 3 73% 11 88% 17 85% 20 92% 13 0% 2 75% 4 73% 22 63% 24 0 a 12 anos 23% 22% 11% 28% 23% 12% 17% .. 0% 25% 22% 32% 0% 60% 50% 33% 42% 2007 13 a 17 anos Total 77% 217 78% 32 89% 45 72% 46 77% 35 88% 17 83% 6 .. .. 100% 1 75% 4 78% 18 68% 22 100% 2 40% 5 50% 2 67% 15 58% 12 0 a 12 anos 28% 44% 23% 42% 17% 22% 0% .. 0% 0% 25% 63% 0% 0% 0% 8% 50% 2008 13 a 17 anos Total 72% 32 56% 45 77% 57 58% 12 83% 23 78% 9 100% 2 .. .. 100% 4 0% 0 75% 4 38% 8 0% 0 0% 0 0% 0 92% 12 50% 18 0 a 12 anos 26% 33% 20% 30% 26% 21% 8% .. 25% 27% 18% 30% 7% 71% 33% 24% 43% 2006-08 13 a 17 anos Total 74% 504 67% 111 80% 143 70% 93 74% 112 79% 48 92% 13 .. .. 75% 8 73% 15 82% 39 70% 50 93% 15 29% 7 67% 6 76% 49 57% 54 A tabela permite verificar que a maioria das crianças e adolescentes vitimizados se encontrava na faixa etária de 13 a 17 anos, em todos os anos considerados, com exceção dos municípios de Franciscópolis (2006), Novo Oriente de Minas (2007), Ladainha (2008) e Ouro Verde Minas (2006 e 2007). Tal informação não pode ser comparada aos registros do CREAS, uma vez que as faixas etárias não são as mesmas consideradas pela Polícia Civil. Considerando, pois, os tipos de violência perpetrados contra crianças e adolescentes verificou-se que para todos os municípios em todos os anos considerados há predominância de ocorrências relativas à violência em geral, com exceção de Ladainha em 2008, em que 75% dos casos registrados se tratavam de estupro e Pescador em 2007, em que os dois casos registrados foram classificados como estupro. 112 Tabela 40: Número de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte populacional e tipo de violência, 2006-2008. 2006 PORTE POPULACIONAL Grande Médio Pequeno II Pequeno I MUNICÍPIOS Teófilo Otoni Nanuque Carlos Chagas Itambacuri Águas Formosas Ataléia Campanário Catuji Franciscópolis Frei Gaspar Itaipé Ladainha Novo Oriente de Minas Ouro Verde de Minas Pescador Poté Serra dos Aimorés 2007 Violência em geral Atentado violento ao pudor Estupro Total 98% 88% 95% 86% 98% 95% 100% .. 67% 91% 94% 90% 100% 100% 100% 91% 100% 2% 9% 0% 3% 0% 5% 0% .. 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 5% 0% 0% 3% 5% 11% 2% 0% 0% .. 33% 9% 6% 10% 0% 0% 0% 5% 0% 255 34 41 35 54 22 5 .. 3 11 17 20 13 2 4 22 24 2008 Violência em geral Atentado violento ao pudor Estupro Total 98% 100% 100% 93% 97% 100% 100% .. 100% 100% 100% 86% 100% 80% 0% 87% 92% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% .. 0% 0% 0% 5% 0% 0% 0% 0% 0% 2% 0% 0% 7% 3% 0% 0% .. 0% 0% 0% 9% 0% 20% 100% 13% 8% 217 32 45 46 35 17 6 .. 1 4 18 22 2 5 2 15 12 2006-08 Violência em geral Atentado violento ao pudor Estupro Total 88% 98% 95% 58% 87% 100% 100% .. 100% 0% 100% 25% 0% 0% 0% 92% 89% 0% 0% 5% 0% 4% 0% 0% .. 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 13% 2% 0% 42% 9% 0% 0% .. 0% 0% 0% 75% 0% 0% 0% 8% 11% 32 45 57 12 23 9 2 .. 4 0 4 8 0 0 0 12 18 Violência em geral Atentado violento ao pudor Estupro Total 97% 95% 97% 86% 96% 98% 100% .. 88% 93% 97% 78% 100% 86% 67% 90% 94% 1% 3% 2% 1% 1% 2% 0% .. 0% 0% 0% 2% 0% 0% 0% 2% 0% 2% 2% 1% 13% 4% 0% 0% .. 13% 7% 3% 20% 0% 14% 33% 8% 6% 504 111 143 93 112 48 13 .. 8 15 39 50 15 7 6 49 54 Fonte: CINDS, 2009. Chama atenção o pequeno volume de registros de violência sexual em todo o período considerado. Se se considera apenas o ano de 2007, período de referência dos dados coletados pelos CREAS, verifica-se que há grande divergência entre as informações referidas a registros de atendimentos a crianças e adolescentes vitimizados e as informações da Polícia Civil de Minas Gerais, uma vez que nesse órgão não há registros de violência sexual Nanuque e Frei Gaspar nesse mesmo ano e que o volume de casos nos municípios de Teófilo Otoni e Águas Formosas no mesmo período é bem menor se comparado aos registros do CREAS. A análise dos dados permite verificar que o número de casos de violência sexual atendidos nos CREAS dessa mesorregião é bastante superior, o que indica descontinuidades importantes no fluxo das vítimas no interior da rede e atendimento e do sistema de garantia de direitos. Tal informação se relaciona, certamente, ao pequeno número de agressores responsabilizados, informação apresentada anteriormente e que indica a necessidade de articulação e mobilização dos atores institucionais responsáveis pelo enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. Essa mobilização e articulação são, portanto, passos cruciais para se evitar a já citada subnotificação e 113 aproximar crianças e adolescentes vitimizados dos órgãos responsáveis pela garantia e proteção de seus direitos88. Comparando os dados do CREAS, da Polícia Civil e do Disque-Denúncia, que tratam especificamente da violência sexual, com as informações apresentadas no início dessa seção nota-se que o município de Águas Formosas se destacou pelos números apresentados a partir dos dados do CREAS, tanto com relação ao volume de casos, quanto ao perfil dos agressores e à responsabilização dos mesmos. Nesse sentido, é possível afirmar que a dinâmica da violência contra crianças e adolescentes obedece a uma dinâmica própria, que não segue, necessariamente, os padrões da criminalidade violenta, apresentados no início dessa seção e em que se destacam os municípios de maior porte, como Teófilo Otoni e Nanuque. Além disso, o município de Águas Formosas não se destaca como um município com grandes problemas associados à vulnerabilidade do grupo familiar e segurança de renda, por exemplo, como indica a análise realizada nas seções anteriores. O município de Teófilo Otoni, que se destacou pelo alto índice de crimes violentos apresentou um volume considerável de casos de violência, embora ocupe a segunda posição entre os municípios considerados no que tange ao número absoluto de violências infanto-juvenil registradas. Ressalta-se que os dados sobre a violência sexual infanto-juvenil estão disponíveis apenas para alguns municípios e a ausência de informações sobre os atendimentos mais uma vez impossibilita que se analise de forma adequada a relação entre vulnerabilidade sócio-familiar e desigualdade econômica e violência sexual contra crianças e adolescentes. Desse modo, as informações disponíveis permitem reconstruir um cenário aproximado do quadro real da situação de violência sexual infanto-juvenil nos municípios em tela89. Nesse sentido, uma importante etapa desse projeto de expansão diz respeito à realização de um diagnóstico local que servirá de linha de base para o monitoramento das ações Questões relacionadas à rede de serviços e políticas serão abordadas detidamente na próxima seção. Entretanto, é preciso ressaltar que um diagnóstico confiável sobre a violência contra crianças e adolescente, em especial, sobre a violência sexual, requer um olhar atento de todos os atores envolvidos: família, instituições de atendimento, Conselhos Tutelares, escolas e órgãos do sistema de justiça, como polícias e Judiciário. 89 Os dados coletados pelas equipes de atendimento dos CREAS se limitam a apenas cinco municípios dos oito incluídos na expansão do PAIR e que muitas das informações não estão disponíveis nem mesmo para esses cinco municípios. 114 desenvolvidas a partir da implantação do PAIR Minas, o que permitirá análises mais exaustivas sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes. Ademais, o esforço de construção de um sistema de monitoramento e avaliação das ações do PAIR Minas, concomitantemente à expansão do Programa nos municípios selecionados, permitirá um acompanhamento mais sistemático da política de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. Infra-estrutura e rede de serviços Aspecto importante a ser considerado em diagnóstico que tem como objetivo subsidiar a expansão do PAIR Minas diz respeito à organização da rede de serviços e equipamentos públicos disponíveis, passíveis de serem mobilizados e integrados à rede de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. Na seqüência, será realizado o dimensionamento da infra-estrutura relativa à assistência social, ou seja, dos serviços e programas de proteção que compõem a rede de vigilância socioassistencial, além de outros componentes, relacionados ao sistema de garantia de direitos, como Conselhos Tutelares e Conselhos de Direitos, em funcionamento nos municípios. Antes da análise da rede de proteção social é importante abordar a configuração da política de assistência social a partir da criação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), que se organiza a partir da diferenciação dos municípios segundo porte populacional, vulnerabilidade90 e exclusão91 social e prevê a oferta de serviços e programas em dois níveis, a saber, a proteção social básica, que tem como foco de atenção a “família referenciada”, ou seja, a família que se apresenta em situação de vulnerabilidade, mas sem experimentar ainda a violação de direitos, e a proteção social especial, que tem como referência situações de risco ou violação de direitos já instalada, tais como aquelas detalhadas acima (MDS, 2005:23,4): Segundo o Plano Nacional de Assistência Social (2004:51), as políticas de assistência social, especialmente, àquelas caracterizadas como “proteção básica” se voltam às populações “em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros)”. 91 “Entende-se por exclusão social o processo que impossibilita parte da população de partilhar dos bens e recursos oferecidos pela sociedade, conduzindo à privação, ao abandono e à expulsão dessa população dos espaços sociais” (PNAS, 2004:53). 90 115 “A proteção social de Assistência Social é hierarquizada em básica e especial e, ainda, tem níveis de complexidade do processo de proteção, por decorrência do impacto desses riscos no indivíduo e em sua família. A rede socioassistencial, com base no território, constitui um dos caminhos para superar a fragmentação na prática dessa política, o que supõe constituir ou redirecionar essa rede, na perspectiva de sua diversidade, complexidade, cobertura, financiamento e do número potencial de usuários que dela possam necessitar. A proteção social básica tem como objetivos prevenir situações de risco, por meio do desenvolvimento de potencialidades, aquisições e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. (...) A proteção social especial tem por objetivos prover atenções socioassistenciais a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras” (MDS, 2005:20. Grifo nosso). A oferta das ações socioassistenciais se dá por meio da implantação, a partir da criação do SUAS, de dois equipamentos específicos, a saber, o Centro de Referência de Assistência Social – CRAS - e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, o CRAS: “(...) é uma unidade pública da política de assistência social, de base municipal, integrante do SUAS, localizado em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social, destinado à prestação de serviços e programas socioassistenciais de proteção social básica às famílias e indivíduos, e à articulação destes serviços no seu território de abrangência, e uma atuação intersetorial na perspectiva de potencializar a proteção social” (MDS, 2008). O CREAS oferece serviços especializados de forma contínua, voltadas ao apoio, orientação e acompanhamento a indivíduos e famílias em situação de risco ou violação de direitos. Seus principais objetivos dizem respeito ao fortalecimento de redes sociais que possam apoiar as famílias em situação de ameaça ou violação de direitos, garantir atendimento por equipe multidisciplinar a pessoas em situação de violência e prevenir o abandono e a institucionalização das pessoas em situação de vulnerabilidade, tais como crianças e adolescentes em situação de risco social e pessoal e idosos,o que deve ser realizado a partir da articulação com outros serviços e políticas públicas e com o sistema 116 de garantia de direitos92 (MDS, 2008). São considerados como critérios para implantação do CREAS o nível de gestão do município no SUAS e o seu porte populacional. Além da diferenciação entre níveis de proteção social, há ainda uma hierarquização dos municípios com relação ao nível de gestão no SUAS, que pode ser caracterizada como inicial, básica e plena. A gestão inicial ocorre quando os municípios não se habilitarem para a gestão básica ou plena. Nesse caso, a transferência de recursos ocorre por intermédio do Fundo Nacional de Assistência Social e o município deve desenvolver programas de Erradicação do Trabalho Infantil e Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A gestão básica permite ao município gerir as ações de proteção social básica, conforme os seguintes critérios territoriais: municípios classificados como Pequeno Porte I – mínimo de 1 CRAS para até 2.500 famílias referenciadas; municípios classificados como Pequeno Porte II – mínimo de 1 CRAS para até 3.500 famílias referenciadas; municípios classificados como Médio Porte – mínimo de 2 CRAS, cada um para até 5.000 famílias referenciadas; municípios classificados como Grande Porte – mínimo de 4 CRAS, cada um para até 5.000 famílias referenciadas; Metrópoles – mínimo de 8 CRAS, cada um para até 5.000 famílias referenciadas (DS, 2005: 27). Por fim, os municípios classificados no nível de gestão plena segundo o SUAS devem organizar serviços e equipamentos públicos que visem a “prevenir situações de risco, por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, além de proteger as situações de violação de direitos” (MDS, 2005), ou seja, além da proteção social básica devem oferecer ainda ações relacionadas à proteção social especial. Com relação a esses serviços, há a possibilidade de que em municípios de pequeno porte I e II e municípios de médio porte esses serviços sejam oferecidos de forma regionalizada, havendo para tanto co-financiamento dos mesmos (MDS, 2005: 30). O Sistema de Garantia de Direitos é composto por atores que visam à garantia dos direitos de crianças e adolescentes, composto por famílias, organizações da sociedade civil, Conselhos de Direitos da Criança e Adolescentes, Conselhos Tutelares e diferentes instâncias do poder público (Ministério Público, Juizado da Infância e da Juventude, Defensoria Pública, Secretaria de Segurança Pública). Suas ações se organizam em três eixos, a saber, a promoção dos direitos, a través da formulação de políticas públicas, a defesa dos mesmos, garantindo que os atores acima citados se responsabilizem por eventuais violações e o controle social, que envolve ações de fiscalização e acompanhamento. Extraído de www.ceca.ba.gov.br/eca_sistemadireitos.html em 30/11/2008. 92 117 A configuração organizacional da gestão da política de assistência social no nível municipal e regional tem conseqüências diretas sobre a dinâmica e desempenho do PAIR. Cabe destacar que o programa não contempla ações de atendimento e de acolhida às vítimas de violência sexual infanto-juvenil e requer - para maior efetividade de suas ações em relação aos casos de direitos violados - a mobilização e articulação das instituições do setor público e organizações não-governamentais responsáveis ou que executem tais ações. A existência de infra-estrutura adequada e a capacidade de gestão da política de assistência social no plano municipal são, portanto, aspectos críticos para a implementação do PAIR. Mapa 3: Nível de gestão do SUAS dos municípios da área de expansão do PAIRMINAS na mesorregião do Vale do Mucuri e Rio Doce. Fonte: Elaboração própria a partir de dados dos dados da SEDESE, 2008. Como se vê no mapa acima, a maioria dos municípios contemplados pela expansão do PAIR Minas nos Vales do Mucuri e do Rio Doce apresenta configuração da Assistência Social concentrada na Proteção Social Básica, o que decorre, como dito anteriormente, de critérios territoriais e de caracterização da população. Ademais, tal como previsto na 118 NOB SUAS (MDS, 2005), os municípios de pequeno porte I e II e médio porte apresentam ações de proteção social especial, ofertadas pelo CREAS, vinculadas a equipamentos regionalizados, como será visto adiante. Tabela 41: Configuração da Assistência Social nos municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce incluídos na expansão do PAIR Minas, 2008. Grande Teófilo Otoni Capacidade de Número de Nível de Gestão Nº de atendimento ano famílias no SUAS CRAS (nº de famílias) referenciadas 4667 23333 Plena 5 Médio Itambacuri Básica PORTE MUNICÍPIO 1 750 3500 Básica 1 750 3500 Nanuque Plena 1 750 3333 Águas Formosas Plena 1 500 2500 Ataléia Inicial 0 S/I S/I Campanário Básica 0 S/I S/I 3500 Pequeno II Carlos Chagas Pequeno I Catuji Básica 1 750 Franciscópolis Básica 0 S/I S/I Frei Gaspar Inicial 0 S/I S/I Itaipé Plena 1 500 2500 Ladainha Básica 1 500 2500 Novo Oriente de Minas Básica 1 500 2500 Ouro Verde de Minas Básica 1 500 2500 Pescador Básica 1 1000 5000 Poté Básica 1 500 2500 Serra dos Aimorés Básica 1 500 2500 Fonte: SEDESE, 2008. No atual quadro de reorganização da política de Assistência Social, os programas sociais cumprem importante papel na atenção integral de famílias e de indivíduos em situação de risco e vulnerabilidade. Na medida em que esses programas produzem informações relativas aos grupos familiares, às matrizes de riscos e vulnerabilidades relevantes em cada contexto, à inserção e fluxo desses grupos no sistema de proteção social, eles são fontes estratégicas de informações laterais - informações produzidas para com outros objetivos, mas referidas ao mesmo público e/ou território - para a definição e execução das ações do PAIR. Com relação aos programas da proteção social básica e à capacidade de atendimento dos mesmos - relativamente às metas de atendimentos por programas co-financiados recursos do Governo Federal -, verificou-se que o PAIF, programa de apoio às famílias 119 em situação de vulnerabilidade e os programas de transferência de renda, como Benefício de Prestação Continuada, o BPC eram, no ano considerado, as iniciativas com maior número de beneficiários. A Tabela abaixo apresenta de forma mais detalhada a oferta de serviços de proteção social básica nos municípios em questão no ano de 2007. Mapa 4: Número de CRAS nos municípios da área de expansão do PAIR-MINAS na mesorregião do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce Fonte: Elaboração própria a partir de dados dos dados da SEDESE, 2008. Como pode ser observado, os municípios de Teófilo Otoni e Nanuque apresentam maior oferta de programas associados à Proteção Social Básica, enquanto os municípios de Frei Gaspar e Franciscópolis apresentam maior precariedade de serviços, que se restringem, nesses dois municípios, ao Benefício de Prestação Continuada. O projeto de expansão do PAIR Minas deve considerar esses aspectos, uma vez que eles refletem a infra-estrutura de serviços disponíveis à população e que eventualmente podem ser acionados para prestar assistência às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e suas famílias. 120 O PETI é um programa importante no que se refere ao combate à violência sexual infanto-juvenil, uma vez que busca assegurar a permanência da criança na escola mediante incentivos financeiros condicionados à freqüência escolar, aspectos que atuam no sentido de minimizar a vulnerabilidade das vítimas desse tipo de violência e de suas famílias. Cabe chamar a atenção para o atendimento, por parte desse programa, de crianças e adolescentes em área rurais nos municípios com populações rurais significativas localizados nessas mesorregiões. Tabela 42: Programas de Proteção Social Básica segundo capacidade de atendimento MDS, 2007. PORTE MUNICÍPIO PSB Jovem 15 a 17 anos - Bolsa Agente Jovem PBF PAIF PBV PAC Ação socioeducacional com jovens PBT - PAC e API Idosos, crianças, famílias BPC Idoso BPC Deficiente 200 25000 200 2300 2588 1499 Grande Teófilo Otoni Médio Pequeno II Itambacuri 0 3500 0 510 338 194 Carlos Chagas 25 3500 25 450 542 295 Nanuque 50 3500 50 560 1375 526 Águas Formosas 0 2500 0 380 271 154 Ataléia 0 0 0 100 138 189 Campanário 0 0 0 100 42 36 Catuji 0 2500 0 307 10 12 Franciscópolis 0 0 0 0 17 10 Pequeno I Frei Gaspar 0 0 0 0 7 11 Itaipé 25 2500 25 295 7 92 Ladainha Novo Oriente de Minas Ouro Verde de Minas 50 2500 50 80 49 99 25 2500 25 180 20 25 0 2500 0 158 0 1 Pescador 0 5000 0 0 21 25 Poté 0 2500 Serra dos Aimorés 0 2500 Fonte: GEOSUAS, 2008. Dados referentes ao ano de 2007. 0 255 169 198 0 240 245 81 A existência de programas de transferência de renda destinados a famílias em situação de vulnerabilidade, e com foco em crianças e adolescentes, sejam esses vinculados à Proteção Social Básica ou Especial, desempenham função relevante no combate à violência sexual infanto-juvenil, uma vez que possibilitam acesso não só a uma renda mínima, mas também a equipamentos e serviços públicos, que podem prestar atendimento assistencial, escolar, médico, entre outros. 121 Assim, outro dado relevante diz respeito ao número de famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família93 nos municípios em questão (Tabela 52), uma vez que tal programa, além de garantir o acesso a uma renda mínima possui condicionalidades relacionadas à educação (como a garantia de freqüência à escola de crianças em idade escolar) e à saúde (como vacinação e acompanhamento pré e pós-natal) que devem ser cumpridas pelos beneficiários. Nesse sentido, esse programa constitui um aporte ao qual se pode recorrer no tocante os encaminhamentos a serem realizados com relação às vítimas de violência sexual e suas famílias. Tabela 43: Programas de Proteção Social Especial segundo capacidade de atendimento MDS, 2007 . PORTE MUNICÍPIO PETI Infantil Bolsa Rural PETI - Bolsa Urbana 1 PETI Jornada Rural PETI - Jornada Urbana 1 PAC I PTMC - Idoso e deficiente Grande Teófilo Otoni 250 550 250 550 120 190 Médio Pequeno II Itambacuri 100 220 100 220 20 0 Carlos Chagas 70 30 70 30 20 0 Nanuque 50 130 50 130 60 0 Águas Formosas 50 150 50 150 0 0 Ataléia 0 0 0 0 0 0 Campanário 0 0 0 0 0 0 Catuji 50 100 50 100 0 0 Franciscópolis 100 0 100 0 0 0 Pequeno I Frei Gaspar 6 0 6 5 0 0 Itaipé 150 150 150 150 0 0 Ladainha Novo Oriente de Minas Ouro Verde de Minas 163 0 163 1 0 0 45 98 45 98 0 0 0 0 0 0 0 0 Pescador Poté 0 0 0 0 0 0 250 200 250 200 0 0 68 47 68 0 0 Serra dos Aimorés 47 Fonte: GEOSUAS. Dados referentes ao ano de 2007. Vê-se que há grande variação no número de famílias beneficiadas pelo Programa Bolsa Família nos municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce considerados na expansão do PAIR Minas. Esse dado deve ser considerado no momento de implantação desse 93 “O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 60,00), de acordo com a Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004 e o Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004.” Extraído de: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/o-que-e/ . Acesso em 15/02/2009, às 17:08. 122 programa, uma vez que o PBF se apresenta como aporte importante para famílias em situação de vulnerabilidade social. Essa informação permite dimensionar o número de famílias em situação de vulnerabilidade nos municípios em questão. Além disso, é preciso conjugar, como dito anteriormente, políticas de transferência de renda com políticas de enfrentamento à violência sexual, de forma a amenizar a condição de vulnerabilidade das famílias e evitar que a violência sexual (em especial a exploração sexual) seja encarada como fonte renda. Outra dimensão importante é que o programa Bolsa Família já prevê a articulação com áreas importantes para a atenção a crianças e adolescentes vitimizados, como Saúde e Educação. Tabela 44: Número de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família, Dezembro de 2008. PORTE POPULACIONAL MUNICÍPIO Número de Famílias atendidas pelo PBF Grande Teófilo Otoni 11.049 Médio Itambacuri 2.218 Pequeno II Carlos Chagas 2.208 Nanuque 3.120 Águas Formosas 2.035 Ataléia 1.879 Campanário 312 Catuji 870 Franciscópolis 784 Frei Gaspar 770 Itaipé 1.220 Ladainha 1.732 Pequeno I Novo Oriente de Minas 1.072 Ouro Verde de Minas 836 Pescador 383 Poté 1.565 Serra dos Aimorés 826 Fonte: SIBEC, 2009. Um indicador crítico na avaliação da infra-estrutura e capacidade de gestão da política de Assistência Social refere-se aos recursos repassados a cada nível de gestão, cujo volume está condicionado à configuração dos programas vinculados à proteção social básica e à proteção social especial, conforme apresentado nas tabelas anteriores. Nesse 123 sentido, a hierarquização dos níveis de gestão no SUAS prevê conseqüentemente, a diferenciação no volume de recursos repassados conforme a oferta de ações descritas acima, variação que pode ser visualizada na tabela abaixo: Tabela 45: Volume de recursos repassados pelo MDS, 2007. PORTE MUNICÍPIO POPULACIONAL Grande Teófilo Otoni Nível de Gestão SUAS Gestão Plena 933.610,48 364.264,40 10.313.750,24 Médio Itambacuri Gestão Básica 136.872,00 85.805,00 1.328.269,58 Pequeno II Carlos Chagas Gestão Básica 136.933,96 33.551,20 2.132.493,62 Nanuque Gestão Plena 190.257,32 74.946,20 4.812.456,38 Águas Formosas Gestão Plena 131.611,20 44.125,00 1.109.051,62 Ataléia Gestão Inicial 20.424,00 0,00 852.251,05 Campanário Gestão Básica 20.424,00 0,00 179.126,95 Catuji Gestão Básica 109.553,28 0,00 79.028,85 Franciscópolis Gestão Básica 0,00 26.610,00 66.692,06 Frei Gaspar Gestão Inicial 0,00 2.225,00 29.069,02 Itaipé Gestão Plena 139.250,76 70.975,00 535.908,38 Ladainha Gestão Básica 120.339,12 47.465,00 368.408,58 Novo Oriente de Minas Gestão Básica 111.733,16 45.825,00 106.181,30 Ouro Verde de Minas Gestão Básica 86.269,92 44.402,76 381,44 Pescador Gestão Básica 108.000,00 480,00 101.995,45 Poté Gestão Básica 98.422,20 92.695,00 953.005,85 Serra dos Aimorés Gestão Básica 78.508,80 29.555,00 846.794,42 Pequeno I Repasse PSB Repasse PSE Repasse BPC Fonte: GEOSUAS, 2008. Pode-se verificar que o município de Teófilo Otoni apresenta os maiores valores referentes ao repasse para a Proteção Social Básica, Proteção Social Especial e Benefício de Prestação Continuada, enquanto não constam registros de repasse de recursos para os municípios de Franciscópolis e Frei Gaspar (Proteção Social Básica) e para os municípios de Ataléia, Campanário e Catuji (Proteção Social Especial). Tal fato decorre da já mencionada possibilidade prevista na NOB SUAS referente à regionalização da oferta dos serviços de proteção social especial. Com relação ao BPC o menor volume do repasse é apresentado pelo município de Ouro Verde de Minas, que recebe um volume de recursos quase insignificante (R$ 381,00). 124 Mapa 5: Caracterização do acesso aos serviços do CREAS nos municípios da área Fonte: Elaboração própria a partir de dados dos dados da SEDESE, 2008. Especificamente com relação ao Serviço de Proteção social às crianças e aos adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias, o mapa acima indica que esse serviço é oferecido em apenas sete municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas. Nesses sete municípios o programa é regionalizado, ou seja, a oferta se dirige não apenas ao município-sede do CREAS, mas a localidades vizinhas, a maioria delas não incluídas no projeto de expansão do PAIR Minas. Tal configuração coloca em questão o desenho da oferta de serviços regionalizados e a necessidade de articulação da rede de atendimento e de garantia de direitos, de forma a garantir que vítimas de violência sexual sejam atendidas por serviços especializados ou impossibilitadas de reivindicar ou exercer a titularidade de seus direitos. 125 Tabela 46: Existência e caracterização do Serviço de Enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, segundo nível de gestão no SUAS, 2007 Grande Teófilo Otoni Plena Existência do Serviço de Enfrentamento à violência, abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes Sim Médio Itambacuri Básica Não NSA Pequeno II Carlos Chagas Básica Não NSA Nanuque Plena Sim regional - sede Águas Formosas Plena Sim regional - sede Ataléia Inicial Não NSA Campanário Básica Não NSA Catuji Básica Não NSA Franciscópolis Básica Não NSA Frei Gaspar Inicial Sim regional – Teófilo Otoni PORTE POLULACIONAL Pequeno I MUNICÍPIO Nível de Gestão SUAS Caracterização do Serviço regional - sede Itaipé Plena Sim regional - Padre Paraíso Ladainha Básica Não NSA Novo Oriente de Minas Básica Não NSA Ouro Verde de Minas Básica Não regional - Teófilo Otoni Pescador Básica Não NSA Poté Básica Não NSA Serra dos Aimorés Básica Sim regional - Nanuque Fonte: SEDESE, 2008. Mapa 6: Existência do Serviço de Enfrentamento à ESCCA nos municípios da área de expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce 126 Fonte: Elaboração própria. A partir dessas informações pode-se concluir que há grande variação com relação ao desenho da infra-estrutura de serviços relacionada à Assistência Social nos municípios elencados acima, com grande concentração na proteção social básica em decorrência de características territoriais, como porte populacional e configuração da vulnerabilidade social. Essa configuração impõe um formato regionalizado à política de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, uma vez que essa deve ser balizada pela oferta de serviços especializados de proteção social. Isso torna imperativo que a implantação do PAIR Minas nessa região se oriente pela articulação de uma rede intermunicipal de serviços e instituições, que ultrapasse a rede socioassistencial, de forma a assegurar a garantia efetiva de direitos no espaço regional. Uma perspectiva de rede adotada pela metodologia do PAIR requer a integração das ações executadas nas diferentes áreas de políticas públicas, incorporando uma abordagem ampla e transversal de proteção social. Essa abordagem implica no alinhamento de diferentes políticas setoriais, como saúde, educação, renda e trabalho, com vistas à atenção integrada de seus beneficiários. Nessa direção, cabe identificar no espaço do município as bases potenciais de articulação dos agentes públicos e organizações governamentais e não-governamentais implicados nas diferentes áreas de políticas. Em primeiro lugar, considera-se que a rede escolar (estadual e municipal) possui - ou pode vir a assumir - um papel central como executora de ações transversais de enfrentamento, particularmente, no campo da prevenção e do desenvolvimento do protagonismo infanto-juvenil. e como agente facilitador da identificação e notificação de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Além disso, a escola oferece condições particularmente importantes Nesse sentido, é o dimensionamento da rede escolar desses municípios será realizado com o objetivo de identificar bases potenciais de mobilização dos educadores e de suas instituições para atuação como integrante da rede local de enfrentamento. Como se vê na tabela abaixo, os municípios considerados na expansão do PAIR Minas nos Vales do Rio Doce e Mucuri caracterizam-se pela presença de uma extensa rede escolar, com especial destaque para as escolas de Ensino Fundamental. Tal dado, 127 somado ao fato de que a maioria das vítimas nesses municípios possuía, como indicaram os dados da SEDESE/MG, escolaridade relativa ao Ensino Fundamental (concluído ou em curso), aponta para a centralidade das ações envolvendo essas instituições. Para uma avaliação mais acurada desse potencial são necessárias informações complementares acerca da presença dessas escolas nas áreas mais vulneráveis e da acessibilidade das mesmas relativamente às populações em situação de risco e vulnerabilidade. Tabela 47: Número de escolas existentes municípios da área de expansão do PAIR Minas, por nível de ensino. PORTE POPULACIONAL MUNICÍPIO Grande Teófilo Otoni Médio Itambacuri Pequeno II Carlos Chagas 11 32 2 0 5 17 4 0 17 22 6 1 Águas Formosas 5 31 2 0 Ataléia 7 16 2 0 Campanário 1 19 1 Não informado Catuji 1 10 1 Não informado Franciscópolis 2 7 1 Não informado Frei Gaspar 2 22 1 Não informado Itaipé 1 31 2 0 Ladainha 3 16 2 Não informado Novo Oriente de Minas 1 20 1 Não informado Ouro Verde de Minas 6 22 1 0 Pescador 5 10 1 0 Poté 1 3 1 Não informado Nanuque Pequeno I Escolas Escolas Escolas Escolas Ensino Pré-Escolar* Ensino Fundamental* Ensino Médio* Ensino Superior** 45 98 19 6 Serra dos Aimorés Total 1 2 1 Não informado 114 378 48 7 Fonte: IBGE Cidades * dados referentes a 2007; ** dados referentes a 2005. No que tange ao desenvolvimento de iniciativas transversais relacionadas à temática do PAIR, pode-se destacar a execução do Programa de Educação Afetivo Sexual nas escolas públicas do estado (PEAS Juventude). Esse programa teve como foco inicial a temática da sexualidade, mas atualmente privilegia o fomentado do protagonismo juvenil94, o que o torna grande parceiro no que se refere ao combate à violência sexual 94 “O Peas Juventude está presente em 213 municípios mineiros, com atendimento a 400 mil estudantes do Ensino Médio e 150 mil do Ensino Fundamental. Em 2008, a Secretaria de Estado de Educação investiu R$2,52 milhões nas 423 escolas estaduais participantes. O programa é considerado um instrumento de formação dos jovens por estar estruturado a partir de uma visão afirmativa da juventude. O foco é o jovem como fonte de soluções, de iniciativas, de compromisso e soluções para a sua comunidade. O objetivo central é a promoção do desenvolvimento pessoal e social do adolescente através de ações de 128 contra crianças e adolescentes. Esse programa está presente nos municípios de Teófilo Otoni, Carlos Chagas, Nanuque, Águas Formosas, Ataléia, Campanário, Novo Oriente de Minas e Poté. No município de Franciscópolis há também o Programa Travessia, voltado à melhoria da qualidade de vida, redução da pobreza e inclusão produtiva da população em situação de vulnerabilidade social. A distribuição desse programa obedece a critérios relacionados à vulnerabilidade social, considerando indicadores como o IDH, o que faz com que a maioria deles se apresente nos municípios caracterizados como muito vulneráveis, como visto nas seções anteriores. As instituições da área de saúde assumem papel estratégico por serem, potencialmente, receptoras de vítimas de violência sexual infanto-juvenil em decorrência de agravos ao quadro de saúde associados a esse tipo de violação. Essa condição torna os órgãos de atendimento da área de saúde de especial importância para o desenvolvimento do PAIR, particularmente no que tange à identificação de casos de violação, notificação às autoridades competentes e encaminhamento às instâncias de atendimento especializado. A partir da tabela abaixo é possível visualizar a abrangência do Programa Saúde da Família e a número de estabelecimentos de saúde existentes em cada um dos municípios incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas: As informações acima permitem dimensionar a abrangência do Programa Saúde da Família, importante parceiro das ações de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, uma vez que atua direta e intensamente com a população. Nesse sentido, o PAIR Minas deve dar especial atenção à mobilização e capacitação de tais equipes. Entretanto, a mobilização e a articulação desses agentes não devem estar limitadas aos estabelecimentos de saúde, mas deve abranger as equipes de Programas como Saúde da caráter educativo e participativo. Inicialmente voltado para a temática da sexualidade, hoje o seu foco é o protagonismo juvenil e é dividido em três importantes áreas temáticas: sexualidade e afetividade; adolescência e cidadania; mundo do trabalho e perspectiva de vida”. Informações extraídas de: http://www.educacao.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=360&Itemid=256. Consulta realizada em 15/02/2008. 129 Família, pautados na inserção das equipes nas comunidades e no estabelecimento de vínculos com as famílias. Essa capilaridade dos programas da saúde no espaço local é de especial importância para o mapeamento das áreas e identificação das famílias em situação de vulnerabilidade à violência sexual. A orientação dos profissionais dessa área a respeito das especificidades da situação de violência sexual, dos encaminhamentos e providências necessários, além de questões relacionadas à prevenção e conscientização das famílias é fundamental para o sucesso das ações de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil. Tabela 48: Número de estabelecimentos de saúde e número de famílias atendidas pelo PSF por município e porte populacional – 2008. Porte Grande Município Teófilo Otoni Médio Itambacuri 27 S/I 28 5.072 Nanuque 62 8.763 Águas Formosas 18 S/I Ataléia 6 2935 Campanário 4 825 Catuji 6 2.085 Franciscópolis 2 1.332 Frei Gaspar 2 S/I Itaipé 5 2.907 Ladainha 5 3.614 Novo Oriente de Minas 5 2.181 Ouro Verde de Minas 3 1.846 Pescador 1 1.271 Poté 7 4.362 Serra dos Aimorés 8 2.763 Pequeno II Carlos Chagas Pequeno I Número de Número de famílias estabelecimentos acompanhadas pelo PSF** de saúde* 298 15.907 Fonte: DATASUS, 2009. * dados referentes a dezembro de 2008; ** dados referentes a outubro de 2008. Há, ainda, nos municípios de Ataléia, Campanário, Caraí, Carlos Chagas, Catuji, Crisólita, Franciscópolis, Frei Gaspar, Águas Formosas, Itaipé, Itambacuri, Ladainha, Nanuque, Novo Oriente de Minas, Ouro Verde de Minas, Pescador, Poté, Serra dos Aimorés e Teófilo Otoni, o Programa Territórios da Cidadania, que tem como objetivo melhorar a qualidade de vida dos habitantes de áreas de grande vulnerabilidade, em especial, das áreas rurais95. 95 O Território da Cidadania do Vale do Mucuri (MG), com 23.221,40 quilômetros quadrados, é formado pelos municípios de Ataléia, Bertópolis, Campanário, Caraí, Carlos Chagas, Catuji, Crisólita, Franciscópolis, Frei Gaspar, Fronteira dos Vales, Águas Formosas, Itaipé, Itambacuri, Ladainha, Machacalis, Malacacheta, Nanuque, Novo Oriente de Minas, Ouro Verde de Minas, Pavão, Pescador, 130 Nesse sentido, o Programa se desenvolve nos municípios citados a partir de conjuntos de ações organizados segundo os eixos: direitos e desenvolvimento social, que inclui ações relacionadas aos serviços de proteção social básica e especial e documentação de mulheres trabalhadoras rurais; organização sustentável da produção relacionada ao fomento da agricultura familiar, crédito, incentivo ao cooperativismo, apoio técnico a iniciativas em áreas indígenas, comunidades quilombolas e assentamentos rurais além da capacitação de mulheres trabalhadoras rurais, por exemplo; saúde, saneamento e acesso à água, que inclui a ampliação do acesso à atenção básica em saúde através do Programa Saúde da Família e o acesso a cisternas, apenas para citar alguns exemplos; educação e cultura, que prevê a construção, manutenção e modernização de escolas e bibliotecas, implantação do ProJovem e apoio a pontos de cultura; apoio à gestão territorial, a partir da elaboração de planos de desenvolvimento sustentável e capacitação de agentes de desenvolvimento; por fim, ações fundiárias, relacionadas à regulamentação de imóveis rurais. Como se percebe, o Programa prevê a articulação entre programas ligados a diversos Ministérios: Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Desenvolvimento Agrário; do Trabalho e Emprego; Ministério da Saúde; Ministério da Cultura; das Minas e Energia; das Cidades e da Integração Nacional. Tal articulação se mostra extremamente relevante para o desenvolvimento das ações do PAIR Minas, na medida em que pode potencializar a sua atuação nas áreas rurais dos municípios considerados no projeto de expansão96. Além disso, a atuação do Programa Territórios da Cidadania pode constituir um elo de ligação do PAIR em relação a segmentos específicos, como a população dos territórios indígenas, caracterizados como áreas de vulnerabilidade em relação à violência sexual infanto-juvenil. Poté, Santa Helena de Minas, Serra dos Aimorés, Setubinha, Teófilo Otoni e Umburatiba. Com 431.840 habitantes, dos quais 160.747 (37,22%) vivem na área rural, o IDH médio do território é 0,68. O Vale do Mucuri tem 12.779 agricultores familiares, 207 famílias assentadas, 177 famílias de pescadores, seis comunidades quilombolas e uma terra indígena. Extraído de http://comunidades.mda.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/mediojequitinhonhamg/onecommunity?page_num=0. Acesso em 23/03/09, às 10:07. 96 Oportuno lembrar que os municípios incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas nos Vales do Mucuri e Rio Doce se caracterizam por apresentar grande percentual de domicílio rurais (ou, inversamente, pequeno percentual de domicílios urbanos), como mostrado na primeira seção desse relatório, que tratou da caracterização sócio-demográfica dos mesmos. Assim, apenas para citar alguns exemplos, os municípios de Franciscópolis, Catuji, Frei Gaspar, Itaipe, Ladainha, Ataléia e Novo Oriente de Minas possuem menos de 45% de domicílios urbanos, ou seja, são cidades predominantemente rurais. 131 Outro aspecto relevante com relação aos parceiros potenciais do PAIR Minas diz respeito à mobilização dos componentes do Sistema de Garantias de Direitos. Essas instituições estão diretamente implicadas na execução das ações previstas nos eixos de defesa dos direitos das crianças e adolescentes e responsabilização dos diversos envolvidos, de forma a garantir e fiscalizar o cumprimento desses direitos: o Conselho Tutelar, o Conselho de Direitos, o Ministério Público, a Defensoria e o Poder Judiciário. Nesse sentido, importante ressaltar que todos os municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce incluídos na expansão do PAIR Minas possuem Conselhos Tutelares (CT) e Conselhos de Direitos (CMDCA) 97. Mapa 7: Existência de Conselhos Tutelares nos municípios da área de expansão do PAIR-MINAS nas mesorregiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce Fonte:Elaboração própria, Com relação à caracterização de tais equipamentos, levantamento realizado pelo Instituto Telemig Celular em 200198 constatou que apenas 43% do total de municípios 97 Dados disponíveis no portal do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente: www.cedca.mg.gov.br. 98 Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular, 2001. Pesquisa realizada com 178 CMDCAs e 188 CTs no estado de Minas Gerais. Dentre esse total, foram incluídos na amostra 6 CMDCAs e 10 CTs localizados no Vale do Mucuri. Foram consideradas na análise 132 localizados no Vale do Mucuri possuíam CTs e que 30% somente dispunham de CMDCAs. No Vale do Rio Doce a situação é ainda mais grave, uma vez que somente 16% dos municípios componentes dessa mesorregião possuíam CTs e 19% tinham CMDCAs instalados. Nesse sentido, pode-se observar que os municípios dessas mesorregiões selecionados para expansão do PAIR Minas estão em situação não tão grave uma vez que, como dito, todos possuem Conselhos Tutelares e de Direitos instalados. Com relação aos CMDCAs do estado de Minas Gerais, a pesquisa identificou algumas características relacionadas ao perfil dos conselheiros: 1. Há, em geral, predominância da presença de mulheres, mas no Vale do Mucuri a proporção entre homens e mulheres se apresenta equilibrada; 2. Com relação à idade, a maioria dos conselheiros (42%) se apresenta na faixa dos 36 a 45 anos; no que se refere à escolaridade, há concentração em dois subgrupos: Ensino Médio completo e Ensino Superior completo, havendo ainda predomínio dos profissionais da Educação e de servidores públicos entre a maioria dos Conselheiros; 3. Há ainda uma tendência a que municípios maiores apresentem Conselhos compostos por maior número de membros, bem como há maior probabilidade de que esses sejam presididos por conselheiro representante da sociedade civil. Ademais, os dados coletados indicaram que “quanto menor o município, menor o percentual de conselheiros que trabalham em entidades ligadas à área da criança e do adolescente” (Instituto Telemig Celular, 2001:20). Tais aspectos indicam que o porte populacional é um fator relevante no que se refere à organização dos CMDCAs e, portanto, aspecto relevante a ser considerado na organização das atividades de formação e mobilização previstas na metodologia do PAIR Minas; as variáveis porte dos municípios, medido pela população municipal de 0 a 17 anos (critério diferente, portanto, do porte utilizado na análise desenvolvida no presente relatório), mesorregião e índice de desenvolvimento infantil, calculado pelo UNICEF e baseado em informações sobre crianças de 0 a 6 anos, tais como vacinação e acesso a pré-escolas. Segundo o relatório da pesquisa, “... são apresentados apenas alguns cruzamentos efetuados, priorizando-se os casos em que foi encontrada uma associação digna de nota entre as questões pesquisadas e as variáveis acima descritas” (Instituto Telemig Celular, 2001:11). Dessa forma, far-se-á menção a algumas informações agregadas por indisponibilidade de dados desagregados (por mesorregião e/ou porte) para determinados temas. 133 4. Com relação às instituições da sociedade civil representadas nos CMDCAs, há predomínio das entidades de atendimento, de defesa de direitos e mobilização, voltadas à criança e ao adolescente; 5. A seleção dos conselheiros se dá, na maioria dos municípios pesquisados, por meio de eleições e o principal critério para a seleção dos membros é a atuação prévia em entidades voltadas à criança e ao adolescente. Com relação à infra-estrutura, foi verificado que a maioria dos conselhos possui uma “sede” para atuar, local que é predominantemente mantido pelo poder público municipal e que grande parte dos conselheiros considera satisfatório. Entretanto, a pesquisa indica que apenas 41% dos CMDCAs pesquisados possui telefone fixo. Com relação à equipe de apoio, o levantamento realizado apontou que mais da metade dos Conselhos dispõe de apoio administrativo, geralmente cedido pelo poder público. Interessante ressaltar que a infra-estrutura dos CMDCAs é tanto melhor quanto maiores os municípios, o que traz ao debate, novamente, a questão do porte populacional. Com relação ao planejamento e avaliação das ações desenvolvidas, a pesquisa constatou que: “(...) a maior parte das CMDCAs não dispõe ainda de ferramentas básicas para a organização e o direcionamento de suas atividades. (…) apenas 21% deles dispõem de diagnóstico local sobre a situação das crianças e adolescentes, formalmente elaborado e fundamentado em indicadores sociais. Da mesma forma, 21% não dispõem de comissões de estudo e atuação em áreas temáticas prioritárias. Somente 17% possuem um plano de trabalho documentado, com metas e estratégias de ação claramente definidas. Como decorrência natural desta ausência de planejamento, é menor ainda o número de CMDCAs (13%) que possuem procedimentos estruturados para o acompanhamento e avaliação dos resultados de suas ações” (Instituto Telemig Celular, 2001:24) A expansão do PAIR Minas pode contribuir para a reversão desse quadro, ainda que especificamente no que se refere ao tema da violência sexual contra crianças e adolescentes, pois esse Programa prevê em sua metodologia o permanente monitoramento das ações planejadas com base no cenário inicial diagnosticado. Nessas duas mesorregiões, verificou-se que nenhum Conselho localizado no Vale do Mucuri possuía, à época, diagnóstico sobre a situação das crianças e adolescentes. 134 Apesar indisponibilidade de estudos sistemáticos e desagregados por município, a pesquisa realizada pelo Instituto Telemig Celular em 200199 apresenta informações sobre a percepção dos conselheiros acerca dos principais problemas que atingem crianças e adolescentes, a saber: pobreza e desestruturação familiar, gravidez na adolescência, falta de oportunidade qualificação profissional e condições precárias de moradia. A exploração ou abuso sexual aparece em 13º lugar no ranking dos principais problemas e as percepções acerca da sua gravidade variam também de acordo com o porte municipal, sendo considerado mais grave pelos entrevistados nos municípios com mais de 40 mil habitantes e menos grave nos municípios com menos de 10 mil habitantes. Em um índice que varia de 0 (não atinge) e 1 (atinge em alto grau), os dados dos CMDCAs do Vale do Mucuri avaliaram que a questão da violência sexual contra crianças e adolescentes não é tão grave, apresentando valor de 0,44. Ainda segundo as percepções dos conselheiros, a capacidade das entidades de atendimento para lidar com os problemas é mediana, sendo a avaliação positiva no que se refere ao enfrentamento de questões relativas à desnutrição e à insuficiência de alimentos. Essa avaliação é negativa quanto ao atendimento dos casos relacionados à exploração e abuso sexual, informação especialmente relevante no escopo da proposta de ampliação do PAIR Minas. Com relação às articulações e parcerias dos CMDCAs, aspecto de grande relevância para a expansão do PAIR Minas, a pesquisa realizada pelo Instituto Telemig Celular em 2001100 verificou que há, aparentemente, um bom relacionamento desses órgãos com instituições que atuam na área da criança e do adolescente, principalmente com os CTs e atores ligados à área jurídica. Com relação às parcerias, essas são mais freqüentes nos municípios maiores e ocorrem geralmente com “... órgãos de caráter público que, por imperativos legais ou organizacionais, deveriam naturalmente estabelecer interfaces com a ação dos conselhos: Executivo Municipal, CT, entidades de atendimento, Ministério Público, Poder Judiciário” (Instituto Telemig Celular, 2001:27). Tais informações podem orientar a ação do PAIR Minas no sentido de reforçar ou fomentar Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular, 2001. 100 Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular, 2001. 99 135 tais parcerias, especificamente no que se refere à questão do enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil. No tocante ao relacionamento dos CMDCAs com as mídias, a pesquisa aponta que há possibilidades de ampliação e qualificação da relação com os meios de comunicação, o que pode se traduzir em ações de mobilização mais eficazes: “(...) parece haver um potencial comunicativo nos conselhos que poderia ser desenvolvido para uma interação mais ampla com os meios de comunicação, ou mesmo para oferecer aos órgãos de imprensa locais subsídios para uma disseminação mais qualificada e eficaz de informações” (Instituto Telemig Celular, 2001:30). Interessante observar que na avaliação dos conselheiros, segundo a pesquisa em tela, as ações bem-sucedidas são aquelas destinadas à divulgação de problemas que afetam crianças e adolescentes em eventos que, por sua vez, são de caráter contingencial e nãosistemático. Outro aspecto importante diz respeito às entidades de atendimento cadastradas nos CMDCAs, havendo concentração daquelas voltadas a crianças de 0 a 6 anos, como creches e ao atendimento a famílias de baixa renda ou em situação de risco. As informações disponíveis indicam que os conselheiros identificam como problemas na atuação dessas entidades a falta de metodologia de atendimento sistematizada e problemas relacionados à gestão. Por fim, entre as prioridades de ação para fortalecimento dos conselhos, foi apontada a necessidade de capacitação para o planejamento de políticas de atendimento à criança e ao adolescente. Também com relação a tal aspecto, há a possibilidade que a implantação do PAIR Minas atue no sentido de promover uma ampliação do conhecimento e prática em planejamento, em decorrência da metodologia utilizada no Programa. Assim, ainda que esse seja focado em questões relativas à violência sexual infanto-juvenil, a experiência de sua implementação pode se converter em aprendizagem organizacional que amplia a atuação qualificada dos conselheiros para outras áreas relacionadas à criança e ao adolescente. 136 Passando à análise dos dados informados pelos CTs, o padrão identificado para os CMDCAs com relação ao perfil dos conselheiros se repete, havendo predominância de mulheres conselheiras e concentração nas faixas etárias intermediárias. Entretanto, com relação à escolaridade, predominam os conselheiros que possuem Ensino Médio completo e, especificamente com relação ao Vale do Mucuri, não há nenhum conselheiro com Ensino Superior completo. Já a região do Vale do Rio Doce apresenta o maior percentual de conselheiros com ensino Fundamental incompleto (20%). Também com relação à área de formação se mantém a área predominante nos CMDCAs, qual seja, educação, havendo predomínio também de servidores públicos. Segundo as percepções dos entrevistados, a seleção dos conselheiros se dá principalmente pelos critérios de “tempo, interesse e disponibilidade para atuar na área”, pertencimento a entidades que atuam na área da criança e do adolescente e aprovação em processo de seleção composto por prova (Instituto Telemig Celular, 2001:56101). A eleição dos conselheiros é, em 62% do total de casos analisados no estado de Minas Gerais, aberta a todos eleitores do município, diferentemente do CMDCAs, em que a escolha é limitada a instituições voltadas ao atendimento a crianças e adolescentes. Com relação à infra-estrutura dos CTS, 94% dispõem de espaço físico, havendo uma piora dessa condição no Vale do Mucuri, em que apenas 70% dos conselhos possuem “sede”. A presença de equipamentos como telefone fixo, computador e veículo próprio é relatada como insatisfatória, situação que se apresenta mais adequada nos municípios de maior porte e pior no Vale do Mucuri, onde apenas 20% dos CTs possuem telefone fixo e no Vale do Rio Doce, onde nenhum CT possui veículo. Tal situação também é inadequada no que se refere à presença de equipe de apoio, fator que varia, também, com o porte populacional: “(...) uma parcela minoritária dos CTs conta com pessoal de assessoria para o exercício de suas atividades de defesa de direitos de crianças e adolescentes. A assessoria é mais comum nas áreas de assistência social (43%), jurídica (39%), psicológica (39%) e administrativa (32%). A análise dos dados por porte de município mostrou que, tal Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular, 2001. 101 137 como no caso dos CMDCAs, nos maiores municípios é maior o número de CTs com pessoal de apoio administrativo (60%). Porém, no caso das outras assessorias, a situação se inverte: apenas 16% dos maiores municípios contam com assessoria jurídica, contra 36% dos médios e 50% dos pequenos. Da mesma forma, 19% dos maiores municípios contam com assessoria na área de assistência social, contra 42% dos médios e 51% dos pequenos. Tendência semelhante se verifica quanto a assessoria pedagógica e psiquiátrica” (Instituto Telemig Celular, 2001:58). A maioria (94%) dos conselheiros tutelares que participaram desse levantamento no estado de Minas Gerais recebe remuneração; entretanto, em 82% dos municípios essa remuneração não ultrapassava, à época da pesquisa, o valor de R$ 500,00, havendo aumento do mesmo nos municípios de maior porte populacional. Quanto ao seu funcionamento, nos CTs prevalecem as decisões tomadas por colegiados e em 86% deles há presença de regimento interno. Em 46% dos casos a jornada de trabalho é de 40 horas semanais, havendo aumento da carga horária nos municípios de maior porte. No tocante ao relacionamento com atores que também atuam na área da criança e do adolescente, predominam as articulações com Ministério Público e Poder Judiciário e com conselhos gestores de outras áreas, sendo que a relação com o CMDCAs, Executivo Municipal e órgãos de segurança é caracterizada como razoável. Especificamente com relação ao Comissariado de Menores, a avaliação desse órgão é tanto melhor quanto menos o porte do município. Com relação às dificuldades colocadas à atuação dos CTs, a pesquisa identificou a insuficiência de entidades para as quais possa haver uma rotina de encaminhamentos de crianças e adolescentes, a falta de conhecimento da sociedade sobre o papel do conselho e a falta de reconhecimento da autoridade desse órgão. Por outro lado, foram citadas ações bem-sucedidas como a realização de eventos de formação e o estímulo a parcerias às entidades locais, o que coloca esse órgão em posição de destaque no que se refere à mobilização de atores e recursos, fator importante no que se refere à metodologia do PAIR Minas. 138 Os conselheiros, no que tange às entidades de atendimento, avaliaram que os maiores problemas nesse aspecto seriam que os maiores problemas nesse aspecto seriam a baixa qualificação das equipes e “a incapacidade ema tender a demanda” (Instituto Telemig Celular, 2001:64102). Quanto aos principais problemas que afetam as crianças e os adolescentes, os conselheiros indicaram que esses se referem à pobreza e à desestruturação familiar e à gravidez na adolescência, ficando a violência sexual infanto-juvenil, mais uma vez, em 13º lugar, assim como nos CMDCAs. As ações para se combater tais problemas estão focadas na orientação e no acompanhamento temporário e encaminhamento aos pais e responsáveis, havendo pouco recurso à inserção das famílias em “programas de auxílio” (transferência de renda, desintoxicação devido ao uso de drogas etc.). Finalmente, entre as prioridades de ação para fortalecimento dos CTs, destacam-se a criação de políticas ou programas voltadas à criança e ao adolescente, possibilitando uma atuação menos pontual dos CTS, a necessidade de melhorar o relacionamento com outros órgãos e a capacitação dos conselheiros, além da melhoria da infra-estrutura desse órgãos. Pode-se afirmar que CMDCAs e CTs são órgãos centrais no que se refere à garantia de direitos de crianças e adolescentes e que as informações apresentadas podem subsidiar estratégias de ação do PAIR-MINAS no que se refere à mobilização, realização do diagnóstico situacional e no planejamento de ações. Importante observar, ademais, as variações apresentadas pelos Conselhos Tutelares e Municipais de Direitos quando se considera o porte populacional dos municípios, variável relevante no que se refere ao desenho de ações previstas na expansão do PAIR-MINAS. Outra informação importante que se relaciona ao papel dos Conselhos Tutelares como “porta de entrada” das crianças e adolescentes vitimizados no Sistema de Garantia de Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular, 2001. 102 139 Direitos se refere aos encaminhamentos recebidos pelos CREAS em 2007, segundo dados disponibilizados pela SEDESE/MG. Tabela 49: Vítimas de violência sexual infanto-juvenil (abuso e exploração sexual) atendidas segundo a instituição responsável pelo encaminhamento aos serviços especializados - Mesorregião dos Vales do Mucuri e Rio Doce, 2007. MUNICIPIO DE ATENDIMENTO Águas Formosas INSTITUIÇÃO Conselho Tutelar 3 5,08 Delegacia Regional 1 1,69 Juizado 41 69,5 Outros 6 10,2 Promotoria Nanuque Total Conselho Tutelar Juizado Promotoria Teófilo Otoni VÍTIMAS ENCAMINHADAS N % Total Conselho Tutelar 8 13,6 59 100 19 90,5 1 4,8 1 4,8 21 100 12 25 Juizado 4 8,4 Outros 16 33,4 16 33,4 48 100 Promotoria Total Como pode ser observado, apenas em Nanuque houve predominância do CT como responsável pelo encaminhamento ao CREAS, fato que indica que o CT não atuou da forma prevista ou esperada. Resta saber se esse fato se deve à falta de infra-estrutura dos CTs dos municípios em questão para realizar tais encaminhamentos ou se tal fato decorre da falta de preparo e informação para lidar com o tema da violência sexual infanto-juvenil, que pode estar relacionada à percepção dos conselheiros de que esse tipo de violência não é um problema presente ou relevante na região, como mostrou a pesquisa desenvolvida pelo Instituto Telemig Celular (2002), apresentada acima. Interessante notar que em todos os municípios considerados houve encaminhamentos ao CREAS realizados pela Delegacia Regional e mesmo pelo poder Judiciário. Especialmente quanto a esses órgãos do Sistema de Garantia de Direitos componentes do Sistema de Justiça, ou seja: Ministério Público, Defensoria e Juizado relativos à infância e juventude, a situação é precária. Segundo levantamento realizado pela 140 Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude (2008)103, em Minas Gerais, apenas cinco municípios possuem Vara Especializada. Com relação à existência de Delegacia Especializada, a situação é ainda mais precária, visto que apenas em Belo Horizonte há esse órgão. Segundo Faleiros (2005), é de extrema importância a participação dos órgãos do Sistema de Justiça no combate à violência sexual contra crianças e adolescentes: “O combate à violência intrafamiliar e da exploração sexual de crianças e adolescentes implica responsabilização legal dos envolvidos, a denúncia, a declaração formal, a instauração do devido processo e o julgamento. Os aparelhos policial e judiciário precisam atuar, pois, na construção de uma cultura cívica da punição legal em oposição à cultura da impunidade, da chacota e desmoralização das denunciantes, do descrédito dos depoimentos de crianças e adolescentes e das pessoas pobres. A cultura da cidadania precisa se inculcar no aparato policial e judiciário, segundo a fórmula: lei igual para todos.” (Faleiros, 2005:13). Dessa forma, a precariedade apontada implica na demanda por um trabalho bem desenhado de mobilização por parte dos responsáveis pelo PAIR, uma vez que os órgãos envolvidos não trabalham especificamente com crianças e adolescentes. Além disso, essa precariedade reforça a necessidade de processos de formação e capacitação continuados para os atores responsáveis por esses órgãos, visando à construção de um entendimento adequado acerca da violência sexual infanto-juvenil, suas causas e estratégias de combate, prevenção e responsabilização. O sistema de justiça da infância e da juventude nos 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente: desafios na especialização para garantia de direitos de crianças e adolescentes. Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude - ABMP: Brasília, 2008. Disponível em: http://www.abmp.org.br/ABMP_Levantamento_Julho.pdf. Consulta realizada em 04/12/2008. 103 141 Considerações Finais A atual etapa de inclusão de novos municípios ao PAIR Minas no Vale do Mucuri atingirá 14 (quatorze) municípios, o que representa 60,9% do total de municípios nessa mesorregião. No Vale do Rio Doce, a implantação do programa está prevista para 03 (três) municípios, atingindo 2,9% do total de 102 municípios. A expansão do programa concentra-se nas microrregiões de Teófilo Otoni e de Governador Valadares. A configuração dessa área de expansão é de especial interesse devido à predominância de municípios de pequeno porte entre os selecionados. O porte populacional é um preditor importante da infra-estrutura de equipamentos e serviços públicos, em particular, de serviços especializados. Ademais disso, há um número considerável de municípios com população rural expressiva, o que remete a condições bastante diferenciadas de exposição a riscos, bem como de garantia de proteções sociais afiançadas. A distribuição regional de determinados serviços e as condições de acesso da população a esses serviços dentro de territórios de grande extensão deve ser objeto de atenção por parte dos implementadores do PAIR. Nessa direção, é importante que a comissão local avalie o potencial de atendimento e oferta de serviços no espaço regional, bem como a necessidade de articulação da rede de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil a partir de iniciativas intermunicipais e de caráter regional. Os municípios beneficiados localizam-se em áreas de influência de importante parte da malha rodoviária presente no estado de Minas Gerais, incluindo rodovias federais de grande fluxo e com presença de pontos vulneráveis à ESCCA. Os municípios de Teófilo Otoni, Campanário, Itambacuri e Catuji são atravessados por uma das principais rodovias federais do país, a BR-116. Outros fatores considerados indicativos de riscos e vulnerabilidades à violência sexual de crianças e adolescentes estão presentes na região, como o garimpo, turismo e presença de população indígena, mas não foi possível avaliar a extensão em que esses riscos se convertem em eventos de violência. 142 Em termos da abrangência populacional, a área de expansão do PAIR no Vale do Mucuri atingirá 82% da população desta mesorregião e 1,9% da população no Vale Rio Doce. Cabe destacar que essa as duas regiões sofreram perdas populacionais na última décadas, embora com variações entre os municípios. A análise das condições sociodemográficas indicou a presença de um segmento populacional significativo no grupo etário de referência do PAIR, ou seja, de crianças e adolescentes, principalmente nos maiores centros como Teófilo Otoni e Nanuque. Essa composição etária da população sinaliza para a necessidade de ampliação e de melhoria da capacidade de vigilância e prevenção em relação às ameaças e riscos de violências sexuais que possam afetar esse segmento. Além das vulnerabilidades relacionadas à segurança de rendimento, expressas pelos patamares de pobreza observados nesses municípios, notadamente no Vale do Mucuri, destacaram-se as vulnerabilidades educacionais que atingem o grupo etário de referência do PAIR. Apesar das variações no desempenho do sistema educacional local, foram registrados resultados inferiores aos observados no estado e no país em relação a várias dimensões, principalmente entre os municípios do Vale do Mucuri. Cabe registrar em relação às vulnerabilidades educacionais, as dificuldades de retenção pelo sistema educacional da população em fase de transição entre níveis de ensino (Fundamental para o Médio). No tocante à educação, pode-se destacar que os municípios Ladainha, Novo Oriente de Minas e Catuji apresentaram os patamares mais elevados de vulnerabilidade. O quadro de insegurança de rendimento observado nos municípios da região em relação a vários indicadores é particularmente grave quando se considera o volume de crianças e adolescentes vivendo com famílias pobres. A proporção da população infanto-juvenil nessa condição mostrou-se mais expressiva nos municípios de Fransciscópolis e Catuji, no ano considerado. Além disso, verificou-se uma participação expressiva das mulheres como responsáveis pela sobrevivência de grupos familiares monoparentais, embora com variações entre os municípios. Em 15 dos 17 municípios analisados a participação de mulheres responsáveis por famílias, sem cônjuge e com filhos, era superior aos patamares estaduais e nacionais. Esse quadro ganha gravidade quando se considera a escolaridade precária das mulheres nessa condição. No ano 2000, o percentual de mulheres chefes de domicílio com 0 (zero) a 04 143 (quatro) anos de estudo ultrapassava os 20% em Catuji, município que se destacou em outros indicadores de vulnerabilidade social. As vulnerabilidades associadas à condição feminina apresentam um quadro peculiar no tocante à proporção de jovens na faixa de 15 a 19 anos com filhos, com uma presença de um segmento importante da população jovem nessa condição em alguns dos municípios. Esse quadro sugere a necessidade de atenção especial por parte da rede de enfrentamento local no sentido de avaliar a existência ou não de relação entre a maternidade precoce e a ocorrência de violências sexuais. Na faixa etária de 15 a 17 anos a presença de mães jovens variou de 2,10% em Ataléia a 11,71% em Ladainha. O volume de internações hospitalares no sistema público de saúde de crianças e adolescentes com idade 15 a 19 anos por motivos relacionados à gravidez, parto e puerpério foi expressivo em Novo Oriente de Minas, Itambacuri, Águas Formosas, Frei Gaspar e Pescador. Na faixa etária de 15 a 19 anos, os maiores percentuais de internação por esses motivos foram encontrados em Nanuque, Novo Oriente de Minas e Ouro Verde de Minas, em torno dos 80%. Os menores percentuais foram encontrados em Frei Gaspar, Itaipé e Ladainha. A presença de indicadores de riscos e vulnerabilidades sociais no espaço regional deve ser objeto de permanente monitoramento por parte da comissão local, principalmente através do Sistema de monitoramento e avaliação do Pair. É importante, destacar, no entanto, que isso não implica, necessariamente, na ocorrência de eventos de violências sexuais. O dimensionamento e a tipificação dessas violências, bem com a apreensão da microdinâmica do fenômeno em cada município, devem ser assumidos com uma missão contínua da rede de enfrentamento constituída. O confronto de informações sobre eventos de violência sexual infanto-juvenil de diversas fontes revelou discrepâncias importantes no registro desses eventos por parte das instituições implicadas no enfrentamento desse problema. Os dados de atendimentos efetuados pelos CREAS apontam que o quadro da violência infanto-juvenil distancia-se daqueles identificado com base no Disque-Denúncia Nacional entre 2003 e 2008. o município de Águas Formosas, para o qual não há nenhum registro de violência sexual no Disque Denúncia Nacional no período entre 2003 e 2008, é o município com maior 144 número de casos e atendimentos registrados no CREAS: 157 casos e 9.040 atendimentos, apenas no ano de 2007. Os dados sobre atendimento das vítimas de violência infanto-juvenil por serviços especializados indicaram a prevalência do abuso e exploração sexual em comparação com os outros tipos de violência. Em Águas Formosas, foram atendidas 41 vítimas de abuso sexual no total de 55 casos de violência contra crianças e adolescentes atendidos. No município de Teófilo Otoni verificou-se, também, a predominância de casos de abuso sexual - 33 no total de 48 vítimas de violências -, mas acompanhada de um número expressivo (15) de vítimas de exploração sexual. O perfil das vítimas de violências em geral indicou uma predominância de casos envolvendo crianças e adolescentes com idade entre 07 e 14 anos, de cor “parda” e do sexo feminino. Chamou atenção ainda a existência de um percentual reduzido, mas importante, de crianças e adolescentes vitimizados, na faixa etária de 0 a 6 anos. Quanto ao perfil do agressor, considerando todos os tipos de violências, constatou-se que o agressor era, em sua maioria, do sexo masculino. Apenas no município de Águas Formosas as mulheres ocuparam a posição majoritária como agressoras. No tocante à escolaridade dos agressores é importante observar que no município de Águas Formosas, 10 dos 22 violadores possuíam escolaridade relativa ao Ensino Superior no conjunto de casos de atendimento pelo CREAS a respeito dos quais há informações. Dentre os casos atendidos, a responsabilização dos agressores ocorreu de forma bastante limitada, cerca de 30% dos casos com informações disponíveis, sendo destacável o número de vítimas que ainda mantinha contato com o agressor. Com relação às vítimas de abuso sexual, os dados de atendimento realizado pelos CREASs mostraram especificidades locais que devem ser objeto de atenção por parte da comissão local do PAIR. Chama atenção o fato de que nos municípios de Águas Formosas e Teófilo Otoni verificou-se que um grande percentual de casos relativos a abuso sexual atendidos no CREAS se refere à violência extrafamiliar, ou seja, não praticada por membros da família. Esses dados sugerem a necessidade de a comissão 145 local adotar estratégias de enfrentamento da violência sexual adequadas a essas especificidades. A análise da origem das vítimas atendidas pelos CREAS revelou um aspecto importante da dinâmica regional que a comissão local do PAIR deve atentar: a presença de crianças e adolescentes oriundas de municípios não beneficiados pela expansão do PAIR nessas mesorregiões, mas que estão vinculados a CREAS regionalizado sediado em município incluído nesse projeto, como é o caso de Água Quente, Crisólita, Pavão, Santa Helena de Minas e Umburatiba, vinculados ao CREAS de Águas Formosas. A adoção, portanto, de estratégias voltadas para a interlocução não apenas com os municípios incluídos na expansão, mas também com os municípios que recorrem ao CREAS regionalizado, de modo que a expansão não ocorra em detrimento de ações já existentes. No que tange à da rede de atendimento, a configuração da Assistência Social está focada na Proteção Social Básica, mas com a presença de serviços especializados em alguns dos municípios. Cabe destacar, as possíveis limitações que essa configuração possa representar para o atendimento a vítimas de violências sexuais, vinculado na atual política de assistência social à proteção social especial. Dentre as limitações, especificamente com relação ao atendimento às crianças e aos adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias, verificou-se que esse serviço é oferecido em apenas sete municípios dos Vales do Mucuri e Rio Doce incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas. Nesses sete municípios o programa é regionalizado, ou seja, a oferta se dirige não apenas ao município-sede do CREAS, mas a localidades vizinhas, a maioria delas não incluídas no projeto de expansão do PAIR Minas. Essa configuração impõe um formato regionalizado à política de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, uma vez que essa política deve ser balizada pela oferta de serviços especializados de proteção social. Nesse sentido, a implantação do PAIR Minas nessa região deve se orientar pela articulação de uma rede intermunicipal de serviços e instituições, que ultrapasse a rede socioassistencial, de forma a assegurar a garantia efetiva de direitos no espaço regional. 146 No que tange à articulação das demais instituições implicadas na atenção integral ao grupo etário de referência do PAIR, a rede escolar (estadual e municipal) apresenta um potencial importante para o desenvolvimento das ações do programa. Essa rede, seja pela extensão e capilaridade, seja pela natureza do vínculo com os estudantes e suas famílias, é central para a proteção das crianças e adolescentes e para a mitigação dos efeitos de violações de direitos. Os municípios contam com redes escolares importantes, que devem ser alvo preferencial das ações de articulação da rede local do PAIR. As instituições da área de saúde assumem papel estratégico por serem, potencialmente, receptoras de vítimas de violência sexual infanto-juvenil em decorrência de agravos ao quadro de saúde associados a esse tipo de violação. Os dados sobre gravidez precoce e internações por motivos associados a essa condição reforçam a importância de um diagnóstico mais exaustivo sobre o perfil dessas usuárias do sistema e sobre a existência ou não de uma associação entre as violências sexuais e esse nível de demanda no sistema de saúde. A configuração da rede de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil existente nos municípios é um aspecto decisivo para a definição das estratégias da comissão local do PAIR. Nessas duas mesorregiões, todos os municípios contam com Conselhos Tutelares e Conselhos de Direitos. Os dados relativos ao encaminhamento de vítimas de violências sexuais para os serviços de atendimento especializada (CREAS) efetuado por CTs, mostram que essa instituição atuou como principal “porta de entrada” aos serviços de proteção especial principalmente em Nanuque. O quadro que emerge do presente diagnóstico sinaliza para a importância das seguintes iniciativas: (a) ações preventivas – em face da participação expressiva do segmento infanto-juvenil no total da população e parte dele em situação de vulnerabilidade social; (b) ações para potencializar a rede de atendimento, seja pela articulação de serviços regionalizados, seja pela melhoria do fluxo de atendimento às vítimas no interior de uma rede de proteção ampliada, particularmente com o adensamento das relações com as instituições do sistema de garantia de direitos; (c) e ações de articulação dos atores locais e regionais com vistas à execução de iniciativas voltadas para as especificidades 147 locais e para as demandas que singularizam a região no âmbito do estado de Minas Gerais. A implementação adequada de estratégias orientadas por essas preocupações dependerá, no entanto, do aperfeiçoamento desse diagnóstico a partir das ferramentas de monitoramento desenvolvidas pelo PAIR. Essa aproximação possibilitou a identificação dos componentes principais do fenômeno da violência sexual nas mesorregiões em tela e de sua dinâmica no espaço regional. Passo importante, agora, é apropriar da microdinâmica assumida por esses componentes em cada município e construir metas de ação e estratégias de trabalho adequadas ao desafio que se impõe. 148 Bibliografia ADED, N.L.O. - Síndrome da Criança Espancada, In: Hércules, H. (ed.) Medicina Legal Texto e Atlas. Atheneu, Rio de Janeiro, pp. 641-652, 2005. ADED, N.L.O.; OLIVEIRA, S.F. - Síndrome da Criança Espancada, In: Hércules, H. (atual.) Medicina Legal Hélio Gomes. Ed. Freitas Bastos, Rio de Janeiro, pp. 725-742, 1997. ADED, N. L.de O., DALCIN, B. L. G. da S., MORAES, T. M. & CAVALCANTI, M. T. C. Abuso sexual em crianças e adolescentes: revisão de 100 anos de literatura. In: Revista de Psiquiatria Clínica. 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