Và timas de Salazar. Estado Novo e violência polà tica

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Và timas de Salazar. Estado Novo e violência polà tica
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some well-defined steps, including entering and leaving the shrine, addressing the
spirit and, always, sacrificing to it. Of particular interest to me are the rites surrounding the agrarian cycle, all of which are tightly linked to sexual symbolism
and procreation. Before cultivation of the rice fields begin, the work season must
be initiated by sacrificing. Clearing the old vegetation, ridging and furrowing a
parcel, seeding the nurseries, transplanting, and harvesting, are all under the
tutelage of one or another of the village’s spirit-shrines. Controlled either by men
or by women, the ukiin are usually propitiated, either collectively or individually,
with palm-wine libations. After the harvest, a series of important rites take place,
at the end of which the ekonkon dances, and the wrestling matches, begin. The
table provided by the author to summarize the ritual cycle and its links with steps
in agrarian activities is especially helpful.
Not surprisingly, Kujamaat notions surrounding the sacrifice came into direct
conflict with the dogma preached by the Catholic missionaries that settled in
Esana in 1930. Refusing to participate in collective sacrifices, accused of revealing
the secrets of the ukiin, and forbidding boys to participate in the grand initiation
or búkut, the new converts established their own quartier, an event that did not end
tensions with traditionalists. Also, what began as cordial relations between Esana
residents and immigrant Muslim Fula ended up in discord as well. Yet, deep
within their being, Kujamaat converts to a new religion still hope that there is an
awañen who continues to ‘wet the ground’.
Whereas Journet-Diallo provides a lengthy and learned introduction to her book,
she finishes the work with only a brief and disappointing conclusion. Surely, at the
end, there are important theoretical points to re-iterate and re-visit concerning the
crucial role played by the spirit-shrines in the social functioning of the Esana village. And there are fruitful comparisons with other Jóola groups, and beyond, to
be pursued. This said, one should certainly recognize that this is a fascinating and
valuable account of what constitutes a formidable ritual link between Jóola village
residents and their land, mediated by the power of the ukiin or spirit-shrines.
June 2008, Olga F. Linares
João MADEIRA, Irene Flunser PIMENTEL & Luís FARINHA, Vítimas de Salazar.
Estado Novo e violência política, prefácio de Fernando Rosas, Lisboa, Esfera
dos Livros, 2007, 452 p., ISBN : 978-989-626-044-6.
Vítimas de Salazar representa a convergência do trabalho de três investigadores do
Instituto de Historia Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, cujos
interesses se têm concentrado seja na área da oposição ao Estado Novo, seja no
campo das instituições do regime, de enquadramento e de repressão.
O coordenador da obra, João Madeira, está a levar para frente uma tese de
doutoramento sobre o Partido Comunista Português (PCP) entre 1943 e 1974,
tendo no entanto publicado a monografia Os engenheiros de almas, o Partido Comunista
e os intelectuais e vários ensaios sobre cultura política e resistência. Luís Farinha,
por seu lado, tem analisado sobretudo a oposição de matriz republicana nos
primeiros anos de ditadura, área em que publicou, entre outras contribuições, a
obra Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo (1926-1940).
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Respeito à terceira autora, Irene Flunser Pimentel, podemos dizer que o conjunto das suas obras é bastante vário, encontrando-se monografias como Judeus
em Portugal durante a II Guerra Mundial, História das Organizações Femininas do Estado
Novo e, mais recentemente, A História da Pide, cujo fio condutor pode ser individuado no gosto pela história narrativa, construída à volta de episódios exemplares
mais que sobre uma elaboração de cariz interpretativa.
Apesar de se tratar de uma obra colectiva – sendo claramente evidente a marca
e a contribuição de cada autor – o livro é geralmente associado sobretudo a Irene
Flunser Pimentel, inserindo-se de facto numa linha de continuidade da produção
desta autora, continuidade que, em alguns casos, torna-se quase numa verdadeira
sobreposição com outras obras, sobretudo com a sucessiva História da Pide (saída
poucos meses depois).
Esta consideração emerge não só analisando a documentação utilizada, frequentemente a mesma, mas também na repetição praticamente integral de inteiros
parágrafos. É o caso, entre os muitos outros, da descrição dos homicídios « ilustres »
cometidos pela PIDE, seja por « acaso », como o do escultor comunista José Dias
Coelho e o do jovem estudante José Ribeiro dos Santos, militante do MRPP
(Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado), seja planeados, como o
de Humberto Delgado. A própria estrutura do texto aproxima-se de forma evidente
daquela da História da Pide, sobretudo na organização em secções temáticas sobre,
por exemplo, a tortura, as mortes violentas, os julgamentos políticos e as medidas
de segurança.
A obra é composta por dezassete capítulos, analisando aspectos específicos do
mecanismo repressivo do Estado Novo, passando em resenha o seu alvo, os seus
instrumentos e os seus agentes – mais ou menos formalizados – e as instituições
que, embora não fossem originariamente predispostas por isso, como as Forças
Armadas, acabaram por contribuir ao exercício da violência política contra a
oposição. Entre os meios repressivos são assinalados a censura, os julgamentos
políticos, as medidas de segurança, a deportação, os campos de concentração e
o exílio, assim como outros menos « oficiais », antes de mais a tortura, depois as
escutas telefónicas e a violação do correio, o saneamento na função pública, a
manutenção do país num estado de pobreza, as cargas de polícia na rua e,
finalmente, o assassinatos.
O principal alvo de todas as formas de repressão citadas é individuado no PCP
e, a partir da primeira metade dos anos Sessenta, em novos protagonistas da luta
contra o regime : os movimentos estudantis, as organizações de extrema esquerda,
sobretudo marxistas-leninistas e, já nos anos do marcelismo, os grupos de luta
armada. A repressão contra os movimentos de libertação, eles também surgidos
a partir dos anos Sessenta, é por outro lado, apenas mencionada, tratando-se de
facto de um assunto que teria necessitado um espaço e uma investigação especial,
que transcende a área de trabalho dos autores. Teria sido todavia útil explicitar
melhor, na introdução, esta escolha e fundamentar as motivações pelas quais se
excluiu da obra a área geográfica onde, muito provavelmente, a violência política
do Estado Novo se exprimiu com maior intensidade.
As fontes utilizadas são de vários tipo. Entre as fontes escritas, encontra-se
sobretudo documentação pertencente ao Arquivo da Administração Interior, ao
Arquivo da PIDE, ao Arquivo Oliveira Salazar e ao Arquivo Histórico Militar. São
referidas também algumas fontes legislativas, sobretudo decretos-leis, sobressaindo
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todavia a completa ausência de qualquer referência a própria legislação penal e,
porque não, civil. Ficam assim abertas algumas questões fundamentais sobre os
instrumentos legais à base da violência política no salazarismo: há alguma continuidade jurídica neste sentido com a República ? O Estado Novo codificou novas
normas para tornar mais autoritária a gestão da ordem pública ou foi suficiente
uma diferente interpretação da legislação existente? E qual era a ideologia jurídica
à base do próprio conceito de segurança do estado ?
Trata-se de facto de problemáticas que a literatura sobre o assunto tem enfrentado desde há alguns anos, sobretudo por parte dos estudiosos que se ocupam de
movimentos sociais e das suas interacções com a política institucional e com a
dimensão de policing protest. Podemos citar aqui alguns exemplos clássicos como as
obras de Donatella della Porta e Herbert Reiter Policing Protest: The Control of Mass
Demonstrations in Western Democracies (Social Movements, Protest, and Contention), Social
Movement, Political Violence and the State: A Comparative Analysis of Italy and Germany e
Polizia e protesta. L’ordine pubblico dalla Liberazione ai « no global ». Ainda que se trate
de obras dedicadas a regimes democráticos, fornecem instrumentos teóricos e
empíricos que, ao nosso ver, são muito importantes para definir a questão da
violência política exercitada por parte do Estado.
Sobretudo Polizia e protesta evidencia como uma gestão autoritária da ordem
pública possa existir também em presença de instituições democráticas. Seria o
caso da Itália do pós-guerra, em que a legislação penal e civil e as leis de pública
segurança elaboradas durante o fascismo não foram praticamente modificadas,
sem ter em conta o facto de, nos anos Sessenta, muitos funcionários de polícia e
juízes estarem no topo de uma brilhante carreira começada mesmo durante o
fascismo.
Assim, se por um lado Vítimas de Salazar fornece um valioso instrumento de
divulgação da pesquisa desenvolvida pelos autores sobre o Estado Novo, tendo a
vantagem de reunir muita informação que até agora se encontrava dispersa, por
outro, a nosso ver, não contribui à reflexão sobre os assuntos tratados. Isto devese, alem de que à falta de interpretação mais teórica, que já foi mencionada, à
quase completa ausência da dimensão comparativa, seja com outros períodos da
história portuguesa, seja com outros regimes autoritários – baseados nos mesmos
princípios ou de marca oposta, como os da Europa de leste – seja, por fim, com
os regimes democráticos.
Este último ponto, que também foi já em parte debatido, parece-nos bastante
fundamental, pois, se é verdade que, como salienta Fernando Rosas no Prefácio,
não é útil criar um « violentometro » (p. 24) para medir o grau de violência política dos regimes, na nossa opinião seria oportuno determinar com maior clareza
se existe e qual é a especificidade da violência política de um regime autoritário.
Isso sobretudo porque muitas das formas de repressão policial mencionadas pelos
autores de Vítimas de Salazar – e consideradas como peculiares do regime – podem
ser encontradas em outros países democráticos, também em tempos recentes. Como
salienta Diego Palácios Cerezales na sua recensão ao livro, as mortes violentas,
devidas à repressão policial, são recorrentes nos países democráticos, citando o caso
da Itália, em que entre 1948 e 1962 morreram, sob as balas dos carabinieri, cerca
de cem manifestantes, a maioria jornaleiros e o da França, com o massacre de
17 de Outubro de 1961 ou da Grã-bretanha, com o domingo sangrento de 1972.
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Alem disso, na Itália do pós-guerra, que é a realidade sobre a qual temos mais
conhecimentos, censura, informadores, escutas telefónicas, controlo político da
oposição foram instrumentos constantes. Sem ser necessário, por averiguar esta
situação, visitar em Roma os muito esclarecedores arquivos da Pública Segurança,
teria sido suficiente ter em conta alguns dos vários livros que já foram publicados
sobre o assunto, como as obras de Mauro Canali, de Guido Crainz, de Colarizi
ou as citadas de Della Porta. Também não é possível esquecer, num eventual discurso
comparativo respeito ao exercício da violência por parte do Estado, os recentes
episódios de repressão que se verificaram em ocasião da reunião do G8 em Génova
em 2001, em que, alem de todas as práticas mais violentas de gestão da « praça »,
foi abundantemente utilizada a tortura para com os manifestantes presos.
Voltando ao Prefácio de Fernando Rosas, concordamos com a exigência de lutar
contra o um certo revisionismo que existe em Portugal, assim como em Itália,
virado a minimizar as responsabilidades e as consequências dos regimes autoritários e, ao mesmo, a desvalorizar a atitude de os que combateram contra eles.
Todavia, achamos que o caminho para este trabalho, muito delicado, passe necessariamente por uma análise quanto mais rigorosa dos mecanismo e das estruturas
mais profundas destes regimes e não por uma amplificação dos traços mais evidentes. A nosso ver, se nos limitarmos à simples exibição dos episódios e das
práticas mais clamorosas corremos o risco de cair numa verdadeira falta de objectividade (se não em graves erros), sendo de facto sempre possível, como se viu,
que episódios ainda mais violentos se tenham passado em algum lado e sob regimes completamente diferentes. Isso sim poderá, eventualmente, solicitar interpretações revisionistas.
O mesmo discurso parece ser valido no que diz respeito ao capitulo sobre a
censura, em que são sublinhados vários assuntos, ou até palavras, que teriam sido
proibidas de comparecer na imprensa durante o Estado Novo, entre as quais, só
para citar alguns exemplos, Partido Comunista, movimento estudantil, Picasso
(p. 34). Este estudo, todavia, baseia-se apenas nas normas de censura estabelecidas,
sem que o autor tenha desenvolvido uma contra-análise da própria imprensa,
sendo de fato paradoxal que nenhuma fonte de imprensa se encontre mencionada
nem no texto nem em nota.
Na verdade, no principal diário conservador do país, o Diário de Notícias, que
analisámos entre 1956 e 1974, não só aparecem frequentemente aqueles assuntos,
mas também muitos outros que podem parecer inesperados. Assim, em 27 de
Junho de 1957, um artigo do Diário de Notícias refere que Sartre, Picasso e Aragon
se associam ao movimento internacional de protesto pela condenação à morte dos
escritores húngaros e insurgem contra o regime comunista. Apenas três dias depois,
a 27 de Junho, as páginas culturais daquele jornal são inteiramente dedicadas ao
escritor neo-realista, que também pertenceu ao PCP, Mário Dionísio. Sem contar
as muitas vezes que o PCP é directamente nomeado, claramente sempre em
associação a alguma actividade criminosa, assim como movimento estudantil,
estudantes ou subversão, todos conceitos que, a partir de 1962, recorrem com
frequência nas paginas do Diário de Notícias. Lembra-se que se trata apenas de
alguns dos inúmeros exemplos que se poderiam fazer.
Parece evidente que, na vontade de demonstrar a intransigência do regime
e a sua dureza e, com efeito, sustentar a declarada luta contra o revisionismo
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actualmente dominante, o autor tenha esquecido algumas basilares regras de
cientificidade, fornecendo assim, a nosso ver, argumentos aos próprios revisionistas.
Para concluir, embora João Madeira avise na Introdução de não esperar « encontrar aqui um estudo sobre a violência política no Estado Novo », acho que isto é
mesmo o que o leitor espera encontrar – sobretudo considerando a segunda parte
do próprio título: Estado Novo e Violência Política – e também o que realmente
encontra. Todavia, falta completamente qualquer contextualização teórica do
conceito de violência política, talvez também em relação ao conceito « irmão » de
consenso, considerado, pela ciência política, a outra grande coluna sobre que se
baseia qualquer regime. Continuar a evitar o discurso do consenso parece o outro
lado da medalha de uma atitude que procura exagerar, até ao limite do erro, a
utilização da violência e da repressão por parte do salazarismo, no medo de cair
no revisionismo. Tendo presente quanto seja difícil um trabalho deste tipo, lembrese o escândalo na Itália pós-fascista quando nos anos Sessenta Renzo de Felice
começou a falar do consenso durante o regime, achamos todavia importante que
a historiografia portuguesa comece a enfrentar este assunto, ainda que delicado e
doloroso.
10 de Novembro de 2008, Guya Accornero
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