ENTREVISTA Shaul Gabbay
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ENTREVISTA Shaul Gabbay
l Mundo l Domingo 7.7.2013 2ª Edição O GLOBO l 39 TURBULÊNCIA NA PRIMAVERA _ Nobel enfrenta resistência no Egito Rejeição de grupo islâmico pró-golpe adia escolha de ElBaradei como premier; Irmandade convoca protestos Após a nomeação do Nobel da Paz Mohamed ElBaradei ser dada como certa ao longo de um dia em que ele manteve reuniões com o presidente interino, o porta-voz da Presidência egípcia disse que ainda não foi escolhido o premier que comandará o governo de transição estabelecido após o golpe militar que derrubou Mohamed Mursi, o primeiro presidente democraticamente eleito da História do Egito. Além da Irmandade Muçulmana, de Mursi, o segundo maior grupo islâmico do país, o salafista al-Nour, havia expressado oposição à nomeação de ElBaradei. Com a ameaça do al-Nour de retirar o apoio ao governo de transição, o porta-voz disse que era preciso levar em conta a oposição a ElBaradei e que não há data para apontar um premier interino. ElBaradei, de 71 anos, Nobel da Paz em 2005 por seu trabalho à frente da Agência Internacional de Energia Atômica e líder da Frente de Liberação Nacional, que ao longo de todo o ano de governo de Mursi liderou os protestos contra as políticas islamistas e de concentração de poder do presidente deposto, passou o dia reunido com Adly Mansour, ex-chefe do Judiciário apontado como presidente interino pelos militares após o golpe da última quarta-feira. ElBaradei, que apareceu ao lado do chefe das Forças Amadas quando a deposição de Mursi foi anunciada, declarou na ocasião que a Irmandade Muçulmana viveu “uma ilusão” ao pensar que poderia controlar o país por conta própria. O Partido da Liberdade e da Justiça (PLJ), braço político da Irmandade Muçulmana, afirmou não reconhecer a nomeação de ElBaradei. Farid Ismail, do PLJ, descreveu o Nobel da Paz como “uma escolha de Washington”, uma referência à suspeita cumplicidade dos EUA à deposição de Mursi. O Partido al-Nour, segunda maior força islamista do país, também declarou sua rejeição a ElBaradei. — Trata-se de uma violação à transição pacífica que as forças políticas acordaram com o chefe das Forças Armadas, o general Abdel Fattah al-Sisi — condenou Ahmed Khalil, vice-líder do partido, tradicionalmente o maior aliado da Irmandade Muçulmana, mas que apoiou o golpe militar. -CAIRO- RADICAIS FORMAM NOVAS MILÍCIAS Em um encontro no norte do Cairo, o PLJ reiterou que rejeitará “este golpe e todas as suas consequências”. A Coalizão Nacional em Apoio à Legitimidade, ligada à Irmandade Muçulmana, convocou novos protestos para hoje, em uma resposta às vítimas provocadas pelos conflitos de sexta-feira. Segundo dados oficiais divulgados ontem, ao menos 36 pessoas morreram e mil ficaram feridas em todo o país, em conflito entre defensores e opositores do presidente deposto. O movimento pró-Mursi assegura que não apoiará episódios violentos, mas islamistas radicais não mostram a mesma inibição. O conflito egípcio já provoca a formação de milícias em regiões do país. Um novo grupo, batizado Ansar al-Sharia, anunciou ontem em um fórum online que iniciará o treinamento de seus membros e recorrerá às armas para combater o Exército. Ontem, um sacerdote copta — religião que conta com 8 milhões de fiéis no Egito — foi morto em uma região anárquica no norte de Sinai, o que seria o primeiro indício de um ataque sectário desde a derrubada militar de Mursi — o Papa copta foi outro a apoiar o golpe. O governo de transição teme que a polarização política estenda-se a conflitos religiosos. Em um decreto religioso, também conhecido como fatwa, o clérigo Youssef al-Qaradawi, um dos mais proeminentes líderes sunitas do Oriente Médio, exortou os egípcios a apoiarem Mursi. Nascido no Egito, Qaradawi, hoje baseado no Qatar, acredita que a intervenção militar da última semana foi um atentado à democracia e à Constituição. Segundo o religioso, sua opinião é compartilhada por estudiosos da Universidade Islâmica al-Azhar, uma influente instituição do Cairo. As Forças Armadas egípcias acreditam que a aliança com ElBaradei seria bem-vinda entre os líderes ocidentais, ainda relutantes em chamar de “golpe” a deposição de Mursi, que foi antecedida de protestos que levaram milhões às ruas e teve apoio de amplos setores da sociedade egípcia. Os conflitos da semana passada preocuparam a União Europeia, grande doadora de recursos para o país, e principalmente os EUA, que promoveram, em 1979, um acordo de paz entre o Egito e Israel. Além do suporte político e financeiro ocidental, ElBaradei, segundo a imprensa egípcia, poderia, num momento de grave crise econômica, angariar recursos entre as monarquias árabes do Golfo, que eram hostis à liderança da Irmandade Muçulmana. O governo de Mursi recebeu empréstimos e subsídios de US$ 7 bilhões do Qatar e depósitos menores de Turquia e Líbia. A instabilidade que tomou o Egito desde a revolução de 2011 tem mantido turistas distantes do país. Naquele ano, o número de visitantes despencou cerca de 30% em relação a 2010. A queda afe- U Quem é MOHAMED ELBARADEI. Formado em Direito pela Universidade do Cairo, começou sua carreira como diplomata da missão permanente do Egito na ONU em 1964. Dez anos depois, tornou-se assessor do Ministério das Relações Exteriores de seu país. Ganhou projeção mundial ao assumir o comando da Agência Internacional de Energia, cargo que ocupou entre 1997 e 2009. Por seu trabalho à frente da instituição, foi laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 2005. tou uma das principais fontes de moeda estrangeira e de emprego do país, dificultando os esforços do governo em reaquecer a economia. Em 2010, o setor representava cerca de 10% do PIB egípcio. A deposição de Mursi na quarta-feira rachou o país. Liberais e progressistas apoiaram o Exército, preocupados com o acúmulo de poder do autocrata religioso, que cogitou a retirada de militares da rua e sua substituição por uma Guarda Revolucionária. JULGAMENTO DE MUBARAK É ADIADO A Irmandade Muçulmana, por sua vez, protestou contra o atentado à Constituição e o desrespeito ao resultado das primeiras eleições democráticas realizadas no Egito. Os islamistas temem a volta à repressão sofrida pelo grupo durante os 30 anos em que o país foi comandado pelo ditador Hosni Mubarak. Em uma audiência transmitida ao vivo pela televisão, os advogados de Mubarak reiteraram que o ditador, preso há dois anos, não foi cúmplice de cerca de 850 assassinatos ocorridos durante a Primavera Árabe. O ex-líder egípcio e seus filhos, Alaa e Gamal, também são julgados por corrupção. Uma nova audiência ocorrerá no dia 17 de agosto. l LOUAFI LARBI/REUTERS Luto. Aliados do presidente deposto Mohamed Mursi rezam no Cairo diante do funeral de quatro homens, mortos durante um confronto contra as Forças Armadas: conflito polarizou o país ENTREVISTA Shaul Gabbay ‘Um caminho de conflito muito perigoso’ Para especialista em Oriente Médio da Universidade de Denver, nos EUA, país pode até assistir a reconciliação com o ditador Hosni Mubarak DEBORAH BERLINCK Correspondente na Europa [email protected] -GENEBRA- Era necessário um golpe de Estado no Egito? Foi uma ação necessária em termos do processo pelo qual o Egito está passando, do sentimento quanto à Irmandade Muçulmana e do mau funcionamento do governo. Esta foi a motivação para as pessoas fazerem uma segunda revolução contra um presidente eleito. Há três cenários agora. Um é o Egito voltar à vida normal, uma transição pacífica, com os militares no poder temporariamente para depois convocar eleições. Mas não acho que vai l acontecer. Outro é a Irmandade Muçulmana não aceitando a legitimidade do governo militar e o que fizeram. O governo foi enxotado e houve um golpe militar, o que não é obviamente um processo democrático. A Irmandade Muçulmana, com seu poder e organização, vai se mobilizar em atividades contra o governo e contra o turismo, entrando no caminho do conflito. A sociedade do Egito vai se rachar. No terceiro, o país voltaria a algum tipo de autoritarismo onde os militares governam. Voltariam a um regime do tipo Mubarak. O mais provável é que a Irmandade Muçulmana não aceite os militares. O Egito vai embarcar num caminho de conflito muito perigoso. Partidários de Mursi morreram em confrontos. A violência vai aumentar? A Irmandade Muçulmana não vai aceitar abandonar a oportunidade que conseguiu democraticamente. (O golpe) aconteceu apenas um ano depois da chegada ao poder. A Irmandade não conseguiu neste ano o controle dos militares. Se tivesse acontecido três ou quatro anos depois, o grupo teria reposicionado oficiais e a elite militar. Aí se- l ria um cenário diferente. É preciso lembrar da grande diferença de paradigmas. De um lado, os laicos acreditam em democracia e racionalidade como regra básica. De outro, islamistas acreditam que quem chegou ao poder (Mursi) foi enviado por Deus. O golpe foi um erro? É complicado. Não foi um erro do ponto de vista dos militares. Os militares não estavam tristes em ver Mursi sob tanta pressão. Mursi não era a escolha dos militares. E algumas ações de Mursi eram contra eles. A revolução no Egito foi contra Hosni Mubarak como indivíduo, mas, uma vez que ele se foi, não é que todas as elites tenham querido isso. De fato, a maioria dos militares e oficiais foi promovida por Mubarak, que veio das Forças Armadas. Vai ser interessante ver o que acontece agora com Mubarak. Ele foi humilhado numa sociedade em que honra e respeito são os valores mais importantes. l l Poderá haver uma reconciliação com Mubarak? Possivelmente. Pelo menos, simboli- “Os militares afirmaram seu papel na sociedade egípcia como os representantes legítimos do povo, algo aceito em muitos círculos” camente. O que foi mais humilhante do que ver Mubarak, que governou o país por 30 anos, levado para o tribunal numa pequena gaiola? Os militares agiram de acordo com o interesse próprio. Eles afirmaram seu papel na sociedade egípcia como representantes legítimos do povo, algo aceito em muitos círculos. Na revolução contra Mubarak, os militares agiram com responsabilidade e pediram que ele deixasse o poder. Hoje, estão agindo de acordo com o que pedem as pessoas na Praça Tahrir. l Qual é o melhor caminho para o Egito hoje? Eleições? Os militares não determinaram quando vai haver eleições. Mas as eleições têm que acontecer quando houver certa calma e a sociedade estiver preparada. Os desafios para o Egito são reais: a economia está em frangalhos, a qualidade de vida dos egípcios caiu tremendamente no último ano, com enormes filas para a gasolina, desemprego numa sociedade onde os jovens são maioria. Quem chegar ao poder vai ter um desafio real para enfrentar. O questão é como vai se dar a transição. l
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