baixo - Avatares Antenados
Transcrição
baixo - Avatares Antenados
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS DOUTORADO EM LETRAS NEOLATINAS PERSPECTIVA DE UMA MEDIAÇÃO CULTURAL CRÍTICA: PARA ALÉM DO INTERCULTURAL E DO SABER-FAZER ANDRÉIA MATIAS AZEVEDO Rio de Janeiro 2015 PERSPECTIVA DE UMA MEDIAÇÃO CULTURAL CRÍTICA: PARA ALÉM DO INTERCULTURAL E DO SABER-FAZER ANDRÉIA MATIAS AZEVEDO Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pósgraduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Doutor em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos — Opção Língua Francesa). Orientadora: Profa. Doutora Márcia Atálla Pietroluongo. Rio de Janeiro 2015 AZEVEDO, Andréia Matias Azevedo Perspectiva de uma mediação cultural crítica: para além do intercultural e do saber-fazer/Andréia Matias Azevedo _ Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Letras, 2015 Orientadora: Márcia Atálla Pietroluongo Tese (Doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas, 2015. 1. Francês 2. Análise do Discurso. 3 Estudos Linguísticos I. Pietroluongo, Márcia Atálla II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Letras Neolatinas. III. Título PERSPECTIVA DE UMA MEDIAÇÃO CULTURAL CRÍTICA: PARA ALÉM DO INTERCULTURAL E DO SABER-FAZER Andréia Matias Azevedo Orientadora: Professora Doutora Márcia Atálla Pietroluongo Tese de Doutorado submetida ao programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro _ UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Letras Neolatinas (Estudos Neolatinos _ Opção: Língua Francesa. Examinado por: Presidente: Profa. Dra Márcia Atálla Pietroluongo _ Orientadora Universidade Federal do Rio de Janeiro _ UFRJ Prof. Dr. Luiz Carlos Balga Rodrigues Universidade Federal do Rio de Janeiro _ UFRJ Profa. Dra. Maria Paula Frota Pontífica Universidade Católica do Rio de Janeiro _ PUC Prof. Dr. Pedro Armando Magalhães Universidade do Estado do Rio de Janeiro _ UERJ Prof.Dr.Renato Venâncio Sousa Universidade do Estado do Rio de Janeiro _ UERJ Profa. DraTeresa Dias Carneiro _ Suplente Universidade Federal do Rio de Janeiro _ UFRJ Profa.Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold _ Suplente Universidade Federal do Rio de Janeiro _ UFRJ DEDICATÓRIA Dedico esta tese a meu marido e companheiro, André Amaral. A verdadeira viagem de descobrimento não consiste em procurar novas paisagens, e sim em ter novos olhos. Marcel Proust AGRADECIMENTOS À professora Dra. Márcia Atálla Pietroluongo, minha orientadora, que vem me acompanhando desde o mestrado, agradeço a confiança em minhas propostas de investigação e a liberdade de estudar assuntos pelos quais tenho interesse. Muito obrigada. À professora Dra. Ângela Correa, que já conhecia da graduação e do mestrado, mas com quem tive o prazer de conviver um pouco mais no doutorado, agradeço as aulas vivas, capazes de relacionar a teoria com a vida. Aos professores Dr. Luiz Carlos Balga Rodrigues e Dra. Maria Paula Frota, que participaram de minha qualificação, agradeço a leitura atenta e as orientações feitas, permitindo não apenas continuar minha pesquisa, mas enriquecê-la, e vislumbrar novos caminhos. Às minhas amigas Rosane Mavignier Guedes, Mônica Sardinha, Gladys Coutinho, Débora de Castro Barros, Vânia Silva, agradeço a paciência de escutar minhas aflições e inquietações durante três anos, além de me trazerem sugestões para alcançar meus objetivos. Aos meus amigos professores da Aliança Francesa, agradeço o carinho de responder ao questionário que faria parte do corpus desta pesquisa, mas os rumos tomados inviabilizaram sua exploração nessa etapa do percurso. A todos os demais que colaboraram neste trabalho. Aos meus irmãos, Vagner e Adriana, e à minha mãe, Maria de Fátima, que estão sempre torcendo por mim, agradeço a compreensão de minhas ausências presenciais e o conforto contínuo de que tudo dará certo. Ao meu marido, André Amaral, que me incentivou e compartilhou deste meu projeto dia a dia, não apenas como espectador, mas também me ajudando de maneira ativa em todas as minhas atividades diárias, agradeço o companheirismo e a paciência. À minha avó, Luiza Cordeiro, agradeço a alegria, a firmeza e a sabedoria de viver. Suas gargalhadas sempre vão ecoar em minha vida… Ao meu pai agradeço o fato de ter me mostrado a importância de dar doçura à vida e de não perder a serenidade e o equilíbrio. RESUMO A presente pesquisa objetiva refletir sobre a mediação cultural no ensino de francês língua estrangeira (FLE) no Brasil e propor critérios para uma abordagem cultural crítica, transcendendo os interesses do mercado de trabalho e das relações diplomáticas. Importa dizer que este estudo não desconsidera a atuação do professor de língua estrangeira (LE) como mediador intercultural, capaz de agir na promoção da interação entre línguas e culturas distintas; todavia, contesta a ideia de que esse papel se sobrepõe ao de mediador cultural crítico, cujo princípio filosófico consiste sobretudo em despertar nos alunos o interesse pelo questionamento e pela reflexão, a fim de que eles não apenas se adaptem ao mundo como ele é, mas também tenham condições de transformá-lo e de reagir contra os discursos alienantes, dogmáticos e niilistas. Para essa abordagem, a postura relativista só se estabelece quando o indivíduo se põe a pensar, de maneira consciente, sobre sua existência e a recriá-la, sem reduzir o Outro ao Mesmo (LEVINAS, 2014). Acredita-se que determinadas orientações pedagógicas, embora se declarem relativistas em prol da interação, do saber-fazer, podem estar favorecendo uma formação do sujeito ainda de natureza “civilizadora”, reprodutora e antiética. Para avaliar tais hipóteses, serão analisados o tratamento dado ao componente cultural no ensino-aprendizado de FLE e as ideologias subjacentes à formação do professor no curso da história, com base, notadamente, nos estudos de Denys Cuche (1996), Newton Duarte (2000) e Glaudêncio Frigotto (2011). Além disso, à luz das reflexões filosóficas de Cipriano Carlos Luckesi, Max Weber, István Mészáros, Hannah Arendt, entre outros, esta pesquisa vai analisar os atos redentores, reprodutores e críticos no ensinoaprendizado de FLE, notadamente sob a perspectiva da materialidade histórica. Palavras-chave: Mediadores culturais. Formação do professor de LE. Abordagem cultural crítica. ABSTRACT This research aims to reflect on the cultural mediation in the French foreign language education (FLE) in Brazil and propose criteria for a critical cultural approach, transcending the interests of the labour market and diplomatic relations. It must be said that this study does not disregard the role of the foreign language teacher (LE) as intercultural mediator, able to act in promoting interaction between languages and different cultures. However, that shares the idea that this role overlaps with the critical cultural mediator (whose philosophical principle is primarily to arouse students’ interest in questioning and reflection), so that they not only adapt to the world as it is, but also are able to transform it and to react against the alienating, dogmatic and nihilistic speeches, dogmatic. Taking into account this aproach, the relativist position is only established when the individual begins to think consciously about its existence and recreate it without reducing the Other to the Same (LEVINAS, 2014). It is believed that certain pedagogical guidelines, while declaring themselves in favor of relativistic interaction, know-how, may be favoring formation of the subject even of nature “civilizing” reproductive and unethical. To evaluate these hypotheses, we will analyze the treatment of the cultural component in the teaching-learning FLE and ideologies underlying the formation of the teacher in the course of history, based, in particular, the studies of Denys Cuche (1996), Newton Duarte (2000) and Glaudêncio Frigotto (2011). In addition, in the light of the philosophical reflections of Cipriano Carlos Luckesi, Max Weber, István Mészáros, Hannah Arendt, among others, this research will analyze the redemptive acts, players and critics in the teaching-learning FLE, especially from the perspective of historical materiality. Keywords: Cultural mediators. LE teacher training. Cultural critical approach. RÉSUMÉ Cette recherche vise à réfléchir sur la médiation culturelle dans l’enseignement du Français Langue Étrangère (FLE) au Brésil et à proposer des critères pour une approche culturelle critique, transcendant les intérêts du marché du travail et des relations diplomatiques. Il convient de signaler que cette étude n’ignore pas le champs d’action des enseignants de LE en tant que médiateurs interculturels, capables d’agir en favorisant l’interaction entre les langues et les cultures diferentes. Toutefois, on s’oppose à l’idée que ce rôle se superpose à celui de médiateur culturel critique, dont le principe philosophique consiste surtout à éveiller chez les apprenants l’intérêt pour le questionnement et pour la réflexion, de sorte que, non seulement, ils s’adaptent au monde tel qu’il est, mais aussi, qu’ils soient capables de le transformer et de réagir contre les discours aliénants, dogmatiques et nihilistes. D’après cette approche, la position relativiste ne s’établit que lorsque l’individu se tient à penser sciemment à propos de son existence et de se reinventer sans réduire l’Autre au Même (Levinas, 2014). Il est présumé que certaines orientations pédagogiques, tout en se déclarant relativistes, en faveur de l’interaction, du savoir-faire, proposent encore au sujet une formation de nature “civilisatrice”, reproductrice et non éthique. Pour évaluer ces hypothèses, on va analyser le traitement de la composante culturelle dans le FLE et les idéologies sous-jacentes à la formation de l’enseignant au cours de l’histoire de l’enseignement-apprentissage, sur la base, notamment, des études de Denys Cuche (1996), Newton Duarte (2000) et Glaudêncio Frigotto (2011). En outre, à la lumière des réflexions philosophiques de Cipriano Carlos Luckesi, Marx Weber, István Mészáros et Hannah Arendt, entre autres, cette recherche permettra d’analyser les actes rédempteurs, reproducteurs et critiques dans l’enseignement-apprentissage de FLE notamment dans la perspective du matérialisme historique. Mots-clés: Médiateurs culturelles. Formation de l’enseignant de LE. Approche culturelle. SUMÁRIO INTRODUÇÃO: O CENÁRIO DA MEDIAÇÃO NO ÂMBITO DO ENSINO 1 12 A IDENTIDADE CULTURAL BRASILEIRA E O DESEJO DO OUTRO 22 1.1 A REPRESENTAÇÃO DO COLONIZADOR E DO COLONIZADO 29 1.2 A CULTURA FRANCESA NO BRASIL E A RELAÇÃO 1.3 FRANCO-BRASILEIRA 33 SURGIMENTO DO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA 38 1.3.1 A criação do Ministério da Educação e a Reforma Francisco de Campos 40 1.3.2 A Reforma Capanema 42 1.3.3 As diretrizes do ensino de língua estrangeira de 1961 a 1970 44 1.3.4 Diretrizes de 1996 e as atuais orientações no ensino de língua estrangeira 47 1.4 O RELATIVISMO CULTURAL NOS PCNS E NO CECR 49 1.5 A EDUCAÇÃO DO FUTURO SOB AS IDEOLOGIAS E DIRETRIZES MORINIANAS 2 56 INVESTIGAÇÃO DAS AÇÕES E DOS PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO MODERNA E PÓS-MODERNA À PROCURA DO DEVIR 63 2.1 AS IDEOLOGIAS IMPLÍCITAS EM TORNO DO MULTI/PLURI/INTER/TRANSDISCIPLINAR 2.2 71 EDUCAÇÃO COMO REDENÇÃO, REPRODUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO: OS TIPOS DE AÇÕES MEDIADAS 80 2.2.1 A educação redentora de Emile Durkheim 85 2.2.2 O poder ideológico e segregativo da instituição escolar 87 2.2.3 Propostas e brechas de uma educação para o devir 96 3 PROCEDIMENTOS PARA UMA MEDIAÇÃO CULTURAL CRÍTICA EM FLE: ENTRE A PROMESSA DA HARMONIA E DO ESPANTO 3.1 112 A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA NA ABORDAGEM INTERCULTURALISTA NO CONTEXTO DE ENSINO-APRENDIZADO 3.1.1 O método Écho e o tratamento do componente cultural 117 122 3.2.2 Atividades interculturalistas de Christiane Tagliante analisadas 3.3 sob diversos prismas 138 MEDIAÇÃO CRÍTICA DO COMPONENTE CULTURAL 155 3.3.1 Tratamento do componente cultural na perspectiva de uma 4 mediação cultural crítica 160 CONSIDERAÇÕES FINAIS 173 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 183 ANEXOS 198 12 INTRODUÇÃO: O CENÁRIO DA MEDIAÇÃO NO ÂMBITO DO ENSINO Mediação como lugar e ocasião de transição de um mundo a outro, em que se organizam intervalos, silêncios propedêuticos, modelos provisórios; lugar de passagem, no qual estabelecemos outro olhar para os objetos e as pessoas; lugar e instrumento de separação, de afastamento, em que nos esforçamos para nos libertarmos das críticas enganosas e no qual vão emergir novos conhecimentos. (LÉVY, 2003, p. 14)1 Ao ser enunciado o termo “mediação”, a imagem que se tem é, em geral, a de um espaço de passagem, de interseção entre dois contextos distintos que o sujeito precisa percorrer para adquirir novos saberes. Nesse cenário, é comum imaginar igualmente a presença de um mediador, de um terceiro indivíduo, agindo como intermediário no acesso ao desconhecido. Todavia, sabe-se que o ato de mediar não é neutro e que os indivíduos tendem a enxergar o Outro por sua ótica pessoal, cultural, de acordo com seu papel social. Com relação à atuação dos mediadores no organismo social, convém dizer que há os que procuram manter a ordem da sociedade vigente por meio de ideologias reprodutoras e conservadoras, e outros que reagem contra as ações dominadoras. Isso significa que as interações nem sempre se estabelecem de modo harmonioso. Ainda que determinada cultura predomine sobre outra, há sempre forças de poder que procuram desequilibrar determinada hegemonia. Contra as visões dogmáticas, o presente estudo verificou a necessidade de refletir sobre as ações mediadoras praticadas pelos professores de francês língua estrangeira (FLE) ao transmitirem informações culturais. Compreendem-se como mediadores culturais os sujeitos capazes de relativizar as diferenças sociais e culturais e 1 Os excertos das obras citadas em francês na bibliografia, sem tradução publicada no Brasil, foram traduzidos por mim. 13 de refletir de forma contínua sobre suas concepções de mundo, do Outro e de si mesmos. Entretanto, essa mentalidade reivindica uma formação do ensino de línguas que contemple saberes linguísticos, pragmáticos, discursivos, didáticos e pedagógicos, mas também conhecimento proveniente das ciências sociais, da psicologia, da antropologia, entre outros campos. No que diz respeito ao ensino-aprendizado de língua estrangeira no Brasil, não se pode deixar de analisar também que a constituição da identidade brasileira foi marcada pela ação colonizadora de Portugal, que objetivava enriquecer com a descoberta de tais terras e não tinha interesse em fazer da colônia uma nação próspera. Além disso, os índios e os negros que para aqui vieram foram submetidos às culturas do colonizador. Com relação aos colonos que vieram para o Brasil na busca de obter uma vida melhor, muitos foram explorados pelos proprietários dos cafezais e se decepcionaram com a falta de apoio do governo brasileiro (CUCHE, 1996). Sobre o aspecto de aculturação, convém ressaltar igualmente que, embora a França não tenha colonizado o Brasil, até meados do século XX viver, falar, comer, vestir-se como os franceses eram comportamentos que as elites portuguesas admiravam e que acabaram por incorporar na cultura brasileira. As famílias abastadas buscavam repetir tais costumes, pois simbolizavam poder, elegância e civilidade. Posteriormente, a partir de 1950, com o crescimento econômico dos Estados Unidos, muitos brasileiros passaram a cobiçar a cultura americana. Entretanto, a imagem da nação francesa como o símbolo de “excelência cultural” ainda continua viva na memória de muitos. Retomando a relação cultural franco-brasileira, cabe ressaltar ainda que a perda da hegemonia político-econômica da França no cenário mundial conduziu o Estado a convocar agentes culturais capazes de manter seu prestígio. É oportuno salientar que o 14 aspecto cultural tem forte peso no funcionamento da sociedade francesa. Na obra Cultura e Estado: a política cultural na França 1955-2005 (2012), Teixeira Coelho relata que o orçamento reservado à cultura já foi maior que o do Ministério das Relações Exteriores. Além disso, menciona que a nação francesa foi a primeira a criar, em 1959, o Ministério da Cultura. Sobre o ensino de FLE, Maddalena de Carlo (1998) retrata que a concepção da França como modelo de civilização pode ser observada de forma nítida em métodos como o Mauger bleu, no qual o próprio autor declara que o livro visa ao ensino do francês, mas também ao da civilização francesa. Os manuais de FLE demonstram ainda um interesse em divulgar sua cultura; porém, com o fim do período colonial, a concepção de cultura universalista perdeu espaço para as ideias relativistas. Embora o ensino-aprendizado de um idioma tangencie questões delicadas, não se pode negligenciar que esse universo permite ao sujeito refletir sobre sua cultura por meio de outra e, por sua vez, reavaliar suas certezas e convicções, saindo de certo narcisismo. De acordo com Marisa Grigoletto (2006), as identidades se formam na alteridade, no jogo entre o Outro e o Eu. No atual contexto de globalização e informatização, Marisa Grigoletto (2006) destaca que a identidade se mostra ainda mais fragmentada; porém, enfatiza que essa fragmentação não representa nenhum caos. Apoiada nas teorias pós-colonialistas de Homi Bhabha (2013), um teórico que pensa o pós-colonialismo e os sujeitos colonial e pós-colonial, ela defende a importância de o ser humano saber lidar com e gerenciar as diferenças culturais, pois concebe o conflito como essencial na construção da identidade dos sujeitos. Em contrapartida, condena as ações que visem a aniquilar o conflito. Acrescenta, ainda, que a concepção de assimilação ou substituição identitária do período colonial já não se mostra mais coerente na atualidade. 15 Na obra Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador (1967), Albert Memmi demonstra que a relação entre colonizado e colonizador se constituiu pela desigualdade. Este se concebia como superior e tinha orgulho de sua origem, de sua cultura, enquanto o colonizado se sentia inferior e buscava muitas vezes imitar o colonizador para que pudesse se tornar “civilizado”. Em outras palavras, havia interesse em apagar as diferenças. O autor enfatiza que tal atitude do colonizado apenas reforçou durante séculos a posição de poder do colonizador e levou o colonizado a uma crise identitária. Porém, ao se dar conta de que seu projeto de assimilação fracassou, o colonizado passa a revalorizar sua origem, sua cultura e começa a colocar em questão a colonização e a lutar contra o colonizador. Isso gera, posteriormente, outro sentimento extremista: o xenofobismo. Em era de pós-colonialismo, de globalização e de informação, os atuais pensadores da modernidade pregam, entretanto, a diversidade cultural e demonstram condenar as atitudes de intolerância em seus discursos. Gilvan Müller de Oliveira (2010, p. 12) faz esta declaração sobre as atuais políticas linguísticas: “não se postula mais, como política de Estado, que a população de um país permaneça ou se torne monolíngue”. Sobre o conceito de língua, importa ressaltar, ainda, que ela é vista como entidade social, e não mais como simples instrumento de comunicação e de promoção de um sentimento nacionalista, objetivando instaurar a centralização e a unificação do Estado-nação. Danielle Lévy (2003) destaca que a língua francesa, imposta nas colônias da África do Norte no lugar do árabe, é utilizada atualmente como um idioma mediador para magrebinos que vivem em países romanos. Além disso, muitos não a reconhecem 16 mais como uma ameaça identitária, mas como um idioma que favorece o aprendizado de outras línguas latinas. É óbvio que as ações de poder não desapareceram; entretanto, elas se estabelecem atualmente de maneira diferente. Na visão de Albert Memmi (1967), as antigas colônias são hoje nações soberanas, que também promovem a segregação racial. Com o fim da colonização, as economias mais desenvolvidas passaram muitas vezes a dissimular seu etnocentrismo. Em suma, proferem discursos democráticos e defendem a diversidade cultural e identitária como estratégia para que o Outro não se oponha à sua cultura. Com o intuito de defender que o aspecto cultural no ensino de FLE seja tratado de forma crítica e de buscar uma proposta de ensino-aprendizado em que o aluno possa ressignificar a si mesmo e o mundo, esta pesquisa vai definir, no primeiro capítulo, o conceito de cultura, de civilização e abordar a constituição da cultura e da identidade brasileiras, destacando, sobretudo, a relação França-Brasil no contexto social e educacional ao longo da história. Em face de tal propósito, será necessário discorrer sobre as propostas didáticas e pedagógicas e as “políticas linguísticas” realizadas ao longo da história, mas também será fundamental recorrer a outros campos, como a antropologia, em função da complexidade da temática investigada. Quanto aos pensadores de base, vão ser abordadas as teorias de Albert Memmi (1967), Homi K. Bhabha (2013), Denys Cuche (1996), Maria José R. F. Coracini (2003), Contardo Calligaris (1996), Valnir Chagas (1979), José Carlos P. de Almeida Filho (2008), Vilson J. Leffa (1988) e Claude Germain (1993). No segundo capítulo, o interesse será verificar se as ações didáticas, pedagógicas, sociais e políticas concernentes ao ensino-aprendizado de línguas estrangeiras no âmbito da pesquisa e no atual contexto social visariam à formação de 17 sujeitos críticos. Inicialmente, vai ser analisado se ainda há a predominância no ensinoaprendizado de línguas estrangeiras das ações de natureza pragmática ou se essa tendência vem, de fato, se modificando com as novas orientações e reflexões didatológicas e com a defesa da multi/pluri/inter/transdisciplinaridade para a apreensão do conhecimento de forma mais complexa e menos fragmentada. Para tratar de tais questões, vale comentar que foram selecionados os artigos e as obras de José Carlos de Almeida Filho (2008), Newton Duarte (2000), Luis Paulo Moita Lopes (1996) e Glaudêncio Frigotto (2011). Como segundo tópico desse capítulo, a presente pesquisa vai procurar analisar as ações de caráter redentor, reprodutor, transformador, sobretudo no âmbito das pesquisas científicas e nas instituições escolares e acadêmicas, objetivando desmascarar os discursos que se declaram transformadores e críticos, mas que agem também com vistas à alienação dos sujeitos e, por conseguinte, comprometem o devir humano. Em face disso, será feito um estudo sobre as teorias de Cipriano Luckesi, Karl Marx, Emile Durkheim, Max Weber, Louis Althusser, Pierre Bourdieu, Jean-Claude Passeron, Antonio Gramsci e István Mészáros. No terceiro capítulo, o presente estudo propõe critérios para que o professor de LE, em específico de FLE, aja como um mediador cultural crítico. Para tanto, serão analisadas, inicialmente, as teorias e práticas pedagógicas, interculturalistas e tradutórias que abordam a questão cultural, favorecendo a autonomia, a liberdade do sujeito e contestando as ações de caráter reprodutor e alienador. No campo da educação, serão apresentadas as teorias de Lev Semenovich Vygotsky, Reuven Feuerstein, Silvana Serrani e Maddalena de Carlo. No que diz respeito à tradução, serão esboçadas as estratégias tradutórias de Lawrence Venuti, Antoine Berman e Friedrich Schleirmacher relacionadas com o ato de domesticar e de estrangeirizar. 18 Para finalizar, é importante destacar que meu interesse pela mediação cultural no ensino de FLE surgiu ao longo do mestrado, cujo tema de pesquisa foi A imagem da língua materna e da tradução no ensino de francês língua estrangeira (AZEVEDO, 2010), visando a analisar o modo como os professores de FLE concebiam o uso da língua materna e do ato tradutório nesse espaço, dado o fato de as novas orientações didáticas e pedagógicas e de estudiosos sobre o ensino de FLE passarem a reconhecer e a incluir a mediação/a tradução entre as atividades linguageiras (CONSEIL DE L’EUROPE, 2000; LAVAULT, 1998). Na pesquisa de mestrado, verifiquei que, apesar da defesa do plurilinguismo nas novas orientações didáticas e pedagógicas, a ação pedagógica dos professores de FLE no espaço da Aliança Francesa do município do Rio de Janeiro continuava a manter sobretudo uma postura monolinguística. Quanto aos motivos dessas diretrizes, identifiquei o desconhecimento da teoria interpretativa no campo do ensino de LE, na qual o ato de traduzir se faz em função do sentido, e não mais de forma literal (LAVAULT, 1998; LADMIRAL, 1979). Constatei também que existem ainda muitas representações e crenças sobre o ensino-aprendizado de LEs proferidas não apenas pelo senso comum, mas também por educadores e professores de LE. A título de exemplo, a concepção da língua materna (LM) é vista como um fator nocivo nas aulas de língua, ainda que muitos teóricos já tenham declarado que o confronto de sistemas linguísticos e culturais distintos é benéfico, pois permite que o sujeito reavalie suas ideologias, ative e desenvolva sua capacidade cognitiva. Sobre o poder das representações no contexto de ensinoaprendizado, vale dizer que tal fenômeno apontou também para a necessidade de analisar as atuais teorias voltadas para professores de LE (MOITA LOPES, 1996; CASTELLOTTI, 2001; DABÈNE, 1994; LAVAULT, 1998). 19 No que diz respeito às atuais orientações de ensino — a abordagem comunicativa (AC), a perspectiva acional (PA) e o Quadro Europeu Comum de Referência (CECR) —, observei que a defesa da diversidade linguística e cultural se mostrava, sobretudo, de maneira diplomática. Não há, de fato, uma proposta capaz de relacionar prática e teoria. Muitos professores demonstram ainda ter dificuldades para lidar com os aspectos culturais e as teorias interculturalistas em suas aulas (SERRANI, 2005). Em face disso, indaguei-me como poderia tratar dos clichês e dos estereótipos nesses espaços sem mediar “pré-conceitos” e como o professor de LE poderia versar sobre o Outro e sobre si mesmo de modo menos superficial, de forma mais densa e consistente. Quanto à proposta interculturalista, ela demanda que o professor atue como mediador intercultural, como um agente da diplomacia das línguas e das culturas alvo e fonte. Convém dizer que sua filosofia parece coadunar com os interesses políticos, econômicos e sociais do atual contexto de globalização. Não se refutam, aqui, as orientações interculturalistas no processo de ensinoaprendizado de FLE; todavia, este estudo propõe que a abordagem cultural esteja centrada sobretudo em uma mediação de natureza crítica e vá além dos interesses do mercado e da diplomacia. Nessa perspectiva, visa a restituir ao professor o papel de intelectual crítico, capaz de despertar nos alunos o interesse pelo pensamento filosófico, e, por conseguinte, de requestionar o espaço que a ação, o saber-fazer, contempla em nossa sociedade. De acordo com Jacques Demorgon (2005), há dois fenômenos interculturalistas: o voluntário, que acontece de modo espontâneo, factual e que passou a se acentuar com os movimentos de imigração e de globalização; e o voluntarista, que surgiu como uma forma de ação, visando a resolver ou a amenizar os conflitos culturais. Para o autor, o 20 segundo caso tem muitas vezes pretensões idealistas, dada a complexidade do universo cultural. Para José Yuste Frías (2013), o reconhecimento do multiculturalismo, da diversidade cultural e as ações em torno do interculturalismo demonstram uma inquietação política, social e identitária de poder delimitar e demarcar os encontros e as trocas culturais. O autor acrescenta ainda que tanto o multiculturalismo quanto o interculturalismo tratam as identidades culturais de modo homogêneo e procuram territorializá-las, como se o fenômeno de mestiçagem dentro e fora de uma cultura não existisse. É oportuno destacar que Yuste Frías e muitos teóricos das ciências sociais concebem a mestiçagem como um fenômeno que se estabelece na confrontação e no diálogo das diferenças raciais e identitárias. Portanto, não têm a ideia corrente no senso comum de mestiço constituído da simples fusão de culturas distintas, como se os elementos que as compusessem desaparecessem e dessem origem a uma entidade única, tal como acontecesse com os filhos cujos pais têm biótipos físicos diferentes. Sobre o intercultural, Yuste Frías compartilha desta concepção de Jacques Demorgon: O intercultural é […] apenas uma espécie de negociação ajustada entre pessoas ou grupos de culturas diferentes, mantida enquanto tal apesar dos encontros, trocas, cooperações. Se eles estão juntos é somente a serviço de um objetivo externo, como os bons resultados de uma empresa.2 (YUSTE FRIAS, 2014, p. 104 apud DEMORGON, 2005, p. 186) No original: “L’interculturel n’est […] qu’une sorte de négociation ajustée entre des personnes ou des groupes de culture différente maintenue telle au-delà des rencontres, échanges, coopérations. S’ils sont ensemble c’est seulement au service d’un objectif extérieur, par exemple les bons résultats d’une entreprise.” 2 21 Como tradutor, Frias (2014 apud DEMORGON, 2005, p. 103) diz que “não se traduz para buscar sua identidade, mas para perdê-la ao encontrar outra”.3 Nessa perspectiva, o autor reivindica a “trans”culturalidade, um movimento para além do cultural. Em outras palavras, propõe para quem atua como mediador cultural transcender a territorialização, as fronteiras fixadas sobre a formação identitária, que visam a enquadrar os sujeitos. O presente estudo acredita também que muitos professores e autores de métodos didáticos de LE, com o propósito de promover a interação cultural, podem omitir a abordagem de determinadas questões culturais em sala de aula na tentativa de evitar atitudes de rejeição de sua cultura ou da cultura do Outro. Trata-se de uma formação educativa que demonstra privilegiar a ordem do organismo social, condicionando, assim, os sujeitos a aceitarem as desigualdades sociais e as injustiças. No original: “…on ne traduit pas pour rechercher son identité mais pour la perdre tout en retrouvant une autre…”. 3 22 1 A IDENTIDADE CULTURAL BRASILEIRA E O DESEJO DO OUTRO Os relatos sobre o Brasil não deixam de citar sua exuberante e mítica beleza. Quanto aos brasileiros, a simpatia e a alegria são, em geral, elencadas como as fortes qualidades desse povo. No caso da França, são mencionados como referência os monumentos, as construções históricas etc. No que diz respeito aos franceses, eles são admirados por seu pensamento cartesiano e sua postura crítica, o que subtende a existência de uma formação de caráter cultural. Os estereótipos sobre o Brasil, ainda que pareçam positivos, destacam, em geral, sua natureza, remetendo, assim, à ideia do paraíso exótico e do “bom selvagem” rousseauniano (MACHADO, 2007; CORACINI, 2003). Segundo Denys Cuche (1996), os iluministas franceses concebiam a formação cultural como fundamental na transformação do selvagem em civilizado e culto. O autor chama a atenção para o fato de que os franceses compreendiam os termos “civilização” e “cultura” quase como sinônimos. Ambos representavam o abandono de atitudes instintivas e a adoção de comportamentos educados.4 Estabeleceram que o cultural estava atrelado ao indivíduo, à sua “boa maneira” de comer, falar, vestir-se e agir, e o conceito de civilizado referia-se à nação, às suas aquisições materiais. Todavia, em meados do século XVIII, o projeto nacionalista alemão tentou atribuir ao termo “cultura” o sentido de particularização, conferindo à civilização a ideia de universalidade. Cuche conta que Johann Gottfried Herder, em 1774, publicou um texto intitulado Em nome do gênio nacional de cada povo, no qual se opõe às ações O termo “cultura” tem origem latina e designava cuidado dispensado ao campo ou ao gado. No final do século XIII, ganha o sentido de uma parcela da terra cuidada (CUCHE, 1996, p. 19). 4 23 imperialistas francesas e defende a construção da própria cultura alemã. Para Cuche, Herder foi o precursor do conceito relativista. No século XIX, o cientificismo e as transformações da sociedade capitalista favoreceram o advento de duas disciplinas voltadas para o estudo da sociedade: a sociologia, que se pôs a entender e a investigar a nova estrutura social e seu funcionamento, e a etnologia, que buscou explicações para a diversidade humana por meio de uma análise descritiva do aspecto cultural, e não mais de forma normativa, como vinha sendo tratada. Cuche enfatiza que a concepção de cultura de Taylor (1832-1917) demonstra que ela se constitui pela coletividade na sociedade. Dessa forma, rompe com a concepção de cultura como um fenômeno biológico, inato, adquirida hereditariamente. Como método de análise, ele fazia a comparação de culturas mais e menos “civilizadas” com o intuito de traçar a coexistência de costumes ancestrais e de traços culturais recentes. Taylor desejava provar que a cultura mais “avançada” já tinha sido uma cultura “primitiva”; portanto, acreditava que todos os sujeitos eram capazes de vencer o “barbarismo” e se tornar mais “civilizados”. Uma concepção que revela uma visão etnocêntrica e universalista de cultura, uma vez que não consegue enxergar outra possibilidade de cultura que não seja a sua. Posteriormente, o etnógrafo alemão Franz Boas (1858-1942) verificou que cada povo tinha uma cultura particular, própria, em razão de sua história, de suas necessidades. Ele se opunha, portanto, à visão cultural universalista e defendia a valorização das diferenças culturais. Concebia a etnologia como uma ciência de observação direta. Segundo ele, o pesquisador deveria vivenciar a cultura a ser estudada e registrar todos os detalhes observados. Com o intuito de desenvolver sua pesquisa, 24 viveu durante um ano no Ártico, onde não apenas se engajou em compreender os costumes e hábitos dos esquimós, mas também aprendeu o idioma local. Com relação a Boas, Cuche declara: Cada cultura é dotada de um “estilo” particular que se exprime através da língua, das crenças, dos costumes, também da arte, mas não apenas desta maneira. Este estilo, este “espírito” próprio a cada cultura influi sobre o comportamento dos indivíduos. Boas pensava que a tarefa do etnólogo era também elucidar o vínculo que liga o indivíduo à sua cultura. (CUCHE, 1996, p. 45) Para o antropólogo inglês Bronislaw Malinowski (1884-1942), a investigação das culturas deveria ser feita de forma sincrônica e se ater a estudar de forma sistêmica as instituições econômicas, políticas, jurídicas, educativas etc. Em sua concepção: “Em toda cultura, cada costume, cada objeto, cada ideia e cada crença exercem uma certa função vital, têm uma certa tarefa a realizar, representam uma parte insubstituível da totalidade orgânica” (MALINOWSKI, 1944 apud CUCHE, 1996, p. 71). Com tais pressupostos, foi o fundador da teoria funcionalista, segundo a qual as culturas se constituem em função das necessidades da sociedade. Como método de pesquisa, propôs que o pesquisador convivesse com a comunidade, aprendesse o idioma local e confrontasse os dados pesquisados com o relato de quem pertencesse àquela cultura. O indivíduo sente um certo número de necessidades, e cada cultura tem precisamente como função satisfazer à sua maneira essas necessidades fundamentais. Cada uma realiza isso elaborando instituições (econômicas, políticas, jurídicas, educativas…), fornecendo respostas coletivas organizadas, que constituem, cada uma a seu modo, soluções originais que permitem atender a essas necessidades. (LAPLANTINE, 2012. p. 81) Malinowski contestou a corrente evolucionista por seu caráter etnocêntrico, bem como a tendência difusionista por se debruçar em depreender os empréstimos 25 transmitidos de uma cultura a outra. Considerava que os excessos interpretativos de alguns difusionistas atomizavam a realidade cultural. Quanto às críticas à sua teoria, alguns pensadores questionavam sua concepção otimista da sociedade ao tentar mostrar que seu funcionamento não apresentava patologias (CUCHE, 1996; LAPLATINE, 2012). Convém dizer ainda que Malinowski se centrou em estudar o ser humano, propondo a articulação do social, do psicológico e do biológico, a fim de compreendê-lo melhor. Já Durkheim asseverava que os fatos sociais só poderiam ser explicados por outros fatos sociais. Ele pretendia, com esse enfoque, dar à sociologia maior autonomia na constituição de seu objeto de estudo. Porém, Marcel Mauss (1872-1950) contestou as ideias durkheimianas ao afirmar que a sociologia precisa da antropologia para poder se constituir. Apregoava que a compreensão do social deveria ser analisada em sua totalidade, e não de forma fragmentada. No que diz respeito aos estudos da antropologia francesa, é oportuno salientar que apenas a partir da década de 1930, com Marcel Graule, a França vai propor uma investigação etnográfica de campo, o que pode revelar certa resistência francesa em aceitar a diversidade, a diferença. A favor do relativismo, Claude Lévi-Strauss (1908-2009) estabeleceu que as diferenças culturais eram fundamentais para a constituição de uma cultura. Dessa forma, condenou a ideia de raça pura defendida por Adolph Hittler, bem como a definição de povos civilizados e selvagens apoiada no paradigma europeu. Nas tribos indígenas brasileiras, observou que a relação dos índios com a natureza era bem menos predatória do que nas sociedades que se denominavam civilizadas. Quanto à concepção de cultura como sistema simbólico, ela será desenvolvida, sobretudo, nos Estados Unidos por Clifford Geertz (1926-2006). Para esse antropólogo, 26 todos os homens nascem aptos a viver, a se socializar em qualquer cultura; todavia, sinaliza que o contexto tende a restringir tais condições naturais. O mérito de Geertz foi mostrar que os símbolos e significados culturais não estavam simplesmente na mente das pessoas, mas eram compartilhados entre os membros de determinada cultura. Com efeito, propõe o surgimento da antropologia interpretativa e refuta a coleta de dados feita pelos antropólogos estruturalistas com base no argumento de que tal método não dava conta da complexidade cultural (LARAIA, 1986). No que diz respeito a Ruth Benedict (1887-1920), discípula de Boas, ela defendia a teoria de que a visão do indivíduo sobre a realidade era atravessada pelos costumes adquiridos no meio social. Isso implica dizer que a leitura da realidade não está isenta de preconceitos. A autora acrescentava ainda que os costumes adquiridos nos ambientes familiar e social serviam para moldar a conduta dos sujeitos. É oportuno esclarecer que a abordagem de Benedict pertence à antropologia cultural, que investiga os comportamentos particulares e distintivos dos membros de determinado grupo; portanto, diverge da corrente antropológica social, cujo objeto de análise se detém nas relações sociais estabelecidas entre os grupos. Sobre o sentimento etnocêntrico, Roque Laraia (1986, p. 72) escreve que: O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como consequência a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural. Tal tendência, denominada etnocêntrica, é responsável em seus casos extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais. Laraia acrescenta que a dicotomia entre “nós e o Outro” favorece o aparecimento de outros sentimentos, como o nacionalismo e, de modo mais extremo, o xenofobismo. Muitos ainda enxergam o estrangeiro como o estranho que veio perturbar a ordem social. Dessa forma, a referência passa a ser o grupo, e não mais a humanidade. 27 No que diz respeito ao etnocentrismo, o autor conta ainda o caso de africanos levados para outros continentes que se suicidaram em razão da forte apatia e angústia que sentiram ao se confrontarem com povos, línguas e culturas distintos. Tendo vivido no período da Segunda Guerra Mundial e sofrido com suas mazelas econômicas, sociais, morais e éticas, o filósofo Emmanuel Levinas (2014) refletiu sobre a supervalorização do indivíduo e o apagamento do Outro na racionalidade filosófica ocidental sob a égide do pensamento universal “penso, logo existo”, e defendia que essa centralização do sujeito reduzia o Outro ao Mesmo, propondo uma forma de pseudoalteridade e de pseudototalidade. Na concepção filosófica de Levinas, conhecer o Outro deve ser um desejo, sem a pretensão de assimilá-lo ou de domesticá-lo. Isso significa dizer que essa aspiração precisa transcender o pensamento ontológico, que transformou o Outro em algo que precisa se apreendido, dominado, para que o sujeito alcance seus objetivos, sacie seus prazeres mundanos. Enfatiza ainda que “A verdadeira vida está ausente.” Mas nós estamos no mundo. A metafísica surge e mantém-se nesse álibi. Está voltada para o “outro lado”, para o “doutro modo”, para o “outro”. Sob a forma mais geral, que revestiu na história do pensamento, ela aparece, de fato, como um movimento que parte de um mundo que nos é familiar — sejam quais forem as terras ainda desconhecidas —, de uma “nossa casa” que habitamos, para um fora-de-si estrangeiro, para um além. (LEVINAS, 2014, p. 19) Levinas adverte que a alteridade, de fato, se constrói quando a integridade do Outro é preservada. Para tanto, propõe uma razão calcada na ética filosófica, que tem como principal objetivo entender a essência humana a partir desse Outro, não como forma de completá-lo, mas de lhe abrir ainda mais o “apetite” pelo que é estrangeiro (2014, p. 20). 28 Na tentativa de fazer uma breve análise das concepções de cultura ao longo da história, o presente capítulo depreendeu que a imagem de cultura como parâmetro e modelo passou a ser contestada com o advento da formação do Estado-nação (CUCHE, 1996). Todavia, ainda se observam nos dias atuais concepções etnocêntricas e preconceituosas sobre o Outro, que se fazem presentes tanto nas relações sociais quanto no pensamento filosófico ocidental. Quem age como mediador cultural sabe que as relações entre povos distintos, apesar de se mostrarem mais “civilizadas”, não deixam de expressar certo incômodo com o estrangeiro. Com base nas leituras realizadas, o presente estudo reconhece ainda que a cultura age sobre o indivíduo e molda sua identidade; porém, enxerga que a intervenção e a criatividade humana são fundamentais para revitalizá-la. Quanto ao modo de transmissão de uma cultura, com base na teoria interpretativa de Clifford Geertz, ela se estabelece na e pelas relações sociais por meio de signos. A humanização do homem depende, sobretudo, de mediadores que se disponham a apresentar às novas gerações os conhecimentos já construídos. No que diz respeito à formação sistematizada, ela deve ser capaz não apenas de proporcionar a seus discentes a articulação entre os saberes antigos e os novos, mas também de impulsionálos para que sejam capazes de agir sobre sua realidade e a das gerações futuras e de refletir sobre o mundo, de forma mais crítica, reavaliando as atitudes etnocêntricas que os impedem de atuar sobre sua identidade e cultura (ARENDT, 1972). Na modernidade, houve todo um movimento em defesa da relativização e do reconhecimento das diferenças. Os discursos que ditavam determinadas culturas como bárbaras e civilizadas passaram a ser condenados; todavia, a territorialização dos sujeitos, de acordo com suas nacionalidades, profissões e classes sociais, fez com que eles se centrassem sobretudo nas diferenças. No ensino de línguas, a abordagem do 29 Outro parece seguir o mesmo princípio ideológico. O professor e os livros didáticos acabam, muitas vezes, por classificar o ser humano de acordo com os estereótipos produzidos no senso comum. Com relação à abordagem cultural crítica proposta nesta pesquisa, acredita-se que o sentimento de alteridade entre os sujeitos só se estabelece quando eles são capazes de ultrapassar os limites culturais que lhes são impostos, indo até o Outro. Cabe ressaltar ainda que o encontro com esse estrangeiro não é tranquilo, pois instaura inicialmente no sujeito questionamentos e reflexões sobre suas referências culturais e identitárias. 1.1 A REPRESENTAÇÃO DO COLONIZADOR E DO COLONIZADO Segundo Albert Memmi (1967), a imagem produzida do colonizador é a de quem visava ao progresso social e econômico; em contrapartida, a do colonizado representava a debilidade, a perversidade e o ócio; portanto, precisava da proteção do colonizador para defendê-lo de si mesmo. O sentimento de inferioridade e de impotência deste contribuiu para que ele se submetesse cada vez mais à cultura do colonizador, o que de acordo com o autor contribuiu para sua desumanização. Este trecho vem reforçar a concepção sobre o colonizador e o colonizado: Os preguiçosos, os espíritos lentos, mesmo que tenham as forças físicas para cumprir todas as tarefas necessárias, são por natureza servos. […] Tais são as nações bárbaras e desumanas, estranhas à vida civil e aos costumes pacíficos. E será sempre justo e conforme o direito natural que essas pessoas estejam submetidas ao império de príncipes e de nações mais cultas e humanas, de modo que, graças à virtude destas e à prudência de suas leis, eles abandonem a barbárie e 30 se conformem a uma vida mais humana e ao culto da virtude. E se eles recusarem esse império, pode-se impô-lo pelo meio das armas, e essa guerra será justa, bem como o declara o direito natural que os homens honrados, inteligentes, virtuosos e humanos dominem aqueles que não têm essas virtudes. (LAPLANTINE, 2012, p. 39) Com o fim do colonialismo, a escravidão se tornou crime; todavia, após três séculos de colonização, observa-se ainda o discurso de “complexo de inferioridade” de quem foi “colonizado”. A título de exemplo, determinados brasileiros ainda culpabilizam o ócio e a preguiça como heranças indígenas que comprometem o desenvolvimento econômico, político e social do Brasil e desconsideram as péssimas condições de trabalho, a falta de qualidade de vida, a desigualdade social e a corrupção como os fatores que colocam o país em tal posição (CALLIGARIS, 1996). Com relação ao complexo de inferioridade do povo do Brasil, o psicanalista italiano Contardo Calligaris (1996) relata ter se surpreendido com o número expressivo de brasileiros que lhe proferiram sem pudor o enunciado “Este país não presta”, quando ele anunciava que pretendia viver no país. Em sua concepção, esse tipo de enunciação só seria pertinente se seu enunciador fosse um estrangeiro. Acrescenta que um europeu poderia criticar o governo, a situação econômica de seu país, mas não sua terra. É pertinente elucidar que a fala de Calligaris não apenas serve para perceber a visão do brasileiro sobre sua nação e cultura, mas também a do autor sobre o modo como vê o brasileiro, o Brasil e sua cultura. Quanto ao complexo de inferioridade do brasileiro, para Calligaris, a explicação de tal fenômeno está relacionada com o passado, a constituição histórica do país. Menciona que os discursos dos brasileiros se assemelham aos do colono explorado e do colonizador explorador. Diz: “O colonizador veio então gozar a América, por isso deve esgotá-la, mas sabe que não era a América que queria fazer gozar” (1996, p. 19). A respeito dos colonos, comenta que a maioria se constituía em imigrantes que vieram na 31 busca de uma nova língua e de um novo “pai”. Todavia, ao chegar aqui, não tiveram a acolhida esperada. Na verdade, foram tratados como escravos brancos. Ao tentar analisar o sistema de imigração, Calligaris elucida que o governo dos Estados Unidos agiu contra a importação de escravos brancos. Os colonos que foram para a fronteira norte-americana receberam terras para trabalhar, o que talvez tenha favorecido o surgimento de um sentimento de gratidão pela acolhida recebida. Calligaris acrescenta que o comportamento do colonizador em relação aos brasileiros pode ser depreendido na forma de tratamento atribuído às empregadas domésticas. Além dos baixos salários e dos diversos casos de assédio sexual que essas profissionais sofreram ao longo da história, ele se surpreendeu com o fato de as crianças terem o consentimento dos pais de ordenar e de comandar os funcionários. Em sua concepção, isso lhe remete à busca do colonizador de permitir a seus descendentes o mesmo prazer e gozo que lhe foi dado. No artigo “A celebração do Outro na constituição da identidade” (2003), com base na psicanálise lacaniana e nas teorias do discurso, Maria José R. F. Coracini assevera que as imagens dos estrangeiros sobre os brasileiros e dos brasileiros sobre si mesmos provêm de uma memória histórica. Com o intuito de confirmá-las, a autora se valeu de textos publicados na imprensa escrita. Com relação aos enunciados dos estrangeiros sobre os brasileiros, Coracini depreendeu tais estereótipos: “O brasileiro é desorganizado e indisciplinado”; “O brasileiro é desonesto, caloteiro e explora os estrangeiros”; “Os brasileiros confiam no ‘seu jeitinho’”; “Os brasileiros fogem da responsabilidade”; “O Brasil é um país dependente”. Nas falas a seguir, a autora procurou retratar o modo como os brasileiros se identificam: “Tudo o que é estrangeiro [americano e europeu] é melhor”; “O brasileiro só tem a aprender com o estrangeiro [sobretudo com o americano]”; “É bom 32 ser brasileiro, mas seria melhor ser estrangeiro”; “Os Estados Unidos e os americanos são bons e solidários”. Assim como Bhabha (2013), Coracini enxerga que a identidade subjetiva, social e nacional se tece por meio das narrativas, dos discursos pedagógicos que são transmitidos aos sujeitos como se fossem verdades inquestionáveis. Os autores compartilham da concepção de que a identidade vai se construindo nessa relação conflituosa entre o eu e o Outro. No artigo “Sujeito entre lugares: o lugar do brasileiro e a produção de conhecimento” (2006), Deusa Maria de Souza-Pinheiro Passos, apoiada nas reflexões de Mignolo (2000), Melman (2000) e Bhabha (2013) sobre a noção de colonialismo e póscolonialismo, versa sobre o “complexo de inferioridade” brasileiro concernente ao saber científico. Com o intuito de confirmar a preocupação dos pesquisadores em legitimar suas investigações ao saber “de fora”, Passos cita esta enunciação de Orlandi sobre a produção científica brasileira: Intelectualmente, continuamos terra virgem. Nossas ideias são nomeadas sem nós. Nas relações de sentidos, na reflexibilidade entre textos, são nossos textos que têm de encontrar filiações em cientistas de outras línguas, de preferência em inglês. (PASSOS, 2006 apud ORLANDI, 2003) Orlandi acrescenta ainda que essa atitude contribui para que a produção intelectual brasileira se realize condicionada, dependente do dizer do Outro. Quanto a seu efeito, tem-se uma atuação que coloca o brasileiro como não sujeito da ciência, do conhecimento. Assim como Calligaris (1996), Passos faz também referências aos estudos psicanalíticos, apropriando-se da metáfora paterna na abordagem da identidade 33 brasileira e destacando o fato de Portugal ter procedido como um pai, que nomeou o Brasil, seu povo e tudo que existe nesta terra. Todavia, enfatiza que esse poder não é absoluto. No Brasil, a França já exerceu o papel de mestre; no atual contexto histórico, a mídia e o poder econômico têm instituído os Estados Unidos nessa função. No que tange à produção do conhecimento, o Brasil vem se caracterizando no pós-colonialismo por buscar seu futuro além-mar. Com base em Bhabha (2013), Passos conclui sinalizando que há uma cobrança do intelectual brasileiro em saber o que se produz e em aplicar as teorias produzidas no Primeiro Mundo. Quanto à relevância da abordagem do complexo de inferioridade do brasileiro disseminado tanto no senso comum quanto no campo da pesquisa, essas três leituras reforçaram a importância de investigar o modo como a mediação cultural se processa no ensino de FLE no Brasil ao longo da história, bem como o questionamento quanto à posição do professor e do pesquisador brasileiro nesse contexto com o intuito de verificar se ambos têm atuado como o intelectual que produz conhecimento ou apenas têm absorvido as orientações externas, atribuindo-lhes ainda o papel de mestre. 1.2 A CULTURA FRANCESA NO BRASIL E A RELAÇÃO FRANCOBRASILEIRA O encontro da cultura francesa com a brasileira trouxe, provavelmente, para os brasileiros e franceses um novo olhar sobre o mundo. No Brasil, a cultura francesa está materializada, a saber, em nossa arquitetura, na língua portuguesa, na literatura e nas 34 ideologias democráticas. No território brasileiro, a presença da cultura francesa representou para muitos a possibilidade de salvar o país do “barbarismo”, tendo em vista as imagens, as representações do colonizador e do colonizado que foram transmitidas e reforçadas ao longo da história. Todavia, cabe dizer também que um número expressivo de artistas e intelectuais franceses também sofreu influência da cultura brasileira e levou para a França uma visão do Brasil com base em suas experiências, colocando em questão as concepções do civilizado e do bárbaro, entre outras. Com base nas informações da revista História Viva, em uma edição especial nomeada A herança francesa, de 2005, constata-se que a relação franco-brasileira se iniciou em 1504, com a instalação do capitão Binot Gonneville durante seis meses na atual Santa Catarina. Posteriormente, em 1555, apesar de Nicolas Durand de Villegaignon ter sido expulso por Mem de Sá, sua vinda para fundar a colônia França Antártica no Rio de Janeiro contribuiu para a produção dos relatos História das singularidades da França Antártica (1555), de André Thévet, e História de uma viagem à terra do Brasil, de Jean de Léry (1972). Sobre a obra de Léry, convém destacar que a nudez indígena não é concebida como pecado, como uma ofensa a Deus. Ao contrário, o índio passa a ser visto como o bom selvagem. Tal concepção vai se fazer presente entre outros pensadores franceses, como Montaigne, Voltaire e Rousseau. […] coisa não menos estranha e difícil de crer para os que não os viram é que andam todos, homens, mulheres e crianças, nus como ao saírem do ventre materno. Não só não ocultam nenhuma parte do corpo, mas ainda não dão nenhum sinal de pudor ou vergonha […]. (LÉRY, 1972, p. 14) 35 No que diz respeito aos atos indígenas canibalistas, Léry os descreve com detalhes, relatando como os índios sacrificavam, matavam e comiam os inimigos. Todavia, como vivenciou as revoltas religiosas entre católicos e protestantes na Europa, o autor relativiza a violência indígena, salientando ao leitor que o barbarismo também era praticado pelos europeus. Poderia aduzir outros exemplos de crueldade dos selvagens para com seus inimigos, mas creio que o que disse já basta para arrepiar os cabelos de horror. É útil, entretanto, que ao ler semelhantes barbaridades não se esqueçam os leitores do que se pratica entre nós […]. Não abominemos, portanto, demasiado a crueldade dos selvagens antropófagos. Existem entre nós criaturas tão abomináveis, se não mais, e mais detestáveis do que aqueles que só investem contra nações inimigas de que têm vingança a tomar. Não é preciso ir à América, nem mesmo sair de nosso país, para ver coisas tão monstruosas. (LÉRY, 1972, p. 203) Retomando as tentativas colonizadoras no Brasil, no século XVII, os franceses fracassaram mais uma vez ao tentar implantar uma colônia no atual Maranhão. Porém, as narrativas escritas pelos padres capuchinhos e o nome da cidade, São Luís (“Saint Louis du Maragnan”), em homenagem ao rei francês, deixaram mais uma vez a marca da cultura francesa no Brasil. No final do século XVIII, o luxo da corte de Luís XIV, bem como o prestígio da literatura e da filosofia, motivou a difusão da cultura francesa no mundo ocidental. No que diz respeito à língua francesa, é oportuno ressaltar que o idioma era falado em algumas cortes europeias, além de na cidade parisiense. A supervalorização da cultura francesa floresceu, de fato, após a Revolução Francesa, ancorada na ideologia da “liberdade, igualdade e fraternidade”. Todavia, a leitura de filósofos franceses e os ideais revolucionários do país assustavam as autoridades coloniais. Na revista História Viva, o historiador João Paulo Pimenta (2005, p. 27) afirma o seguinte: “Na crise vivida pelo Império Português no fim do século 36 XVIII, o exemplo histórico da Revolução Francesa estimulou tanto movimentos separatistas brasileiros, como a Conjuração Baiana, quanto a férrea repressão do poder colonial a toda ameaça à ordem estabelecida.” Outro momento histórico importante aconteceu em 1816, com a vinda da Missão Francesa, composta por artistas como Jean-Baptiste Debret, Grandjean de Montigny e Nicolas-Antoine Taunay, que trouxeram para o Brasil o estilo neoclássico e formaram novos discípulos de suas artes. Vale salientar que d. Pedro I, objetivando construir a identidade brasileira, criou uma bandeira para o país baseada na da França napoleônica. Além disso, a frase “Ordem e Progresso” remete à ideologia positivista do filósofo francês Auguste Compte. No século XX, a presença da cultura francesa era ainda muito forte no Brasil, a saber: a Semana de Arte Moderna, um movimento de renovação da arte brasileira, inspirou-se nas ideias de artistas franceses. Posteriormente, a fundação da Universidade de São Paulo (USP) teve como principais colaboradores os intelectuais Claude LéviStrauss, Roger Bastide e Pierre Monbeig. No mundo, a cultura e a língua francesas começaram a perder prestígio para o inglês após a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, acentuaram-se, entretanto, as ações francesas para preservar a imagem da França. O artigo “Intelectuais e artistas nas estratégias francesas de ‘propaganda cultural’ no Brasil”, publicado na Revista de História número 133, de 1995, expõe que eventos culturais franceses foram acordados entre o governo brasileiro e o francês. Além dessa ação, nos anos 1930 professores franceses foram enviados ao Brasil para a organização de programas culturais. O Comitê Francês de Liberação Nacional (CFLN), após três anos de relação com o Brasil, fez, em 1943, esta declaração: 37 […] as elites sul-americanas, tão ligadas tradicionalmente à nossa cultura, têm continuado a procurar nossos educadores, nossos professores, nossos artistas e a esperar as diretrizes do pensamento francês. Na maioria desses países, o domínio norte-americano aumentou, nos aspectos militar, comercial, financeiro, industrial e, em certos casos, cultural. Procurando limitar a extensão desta ação que, em muitos casos, lhes é vantajosa ou mesmo indispensável, muitos dentre eles desejam, contudo, reservar à ação desinteressada da França o domínio do espírito. Nós temos podido promover, graças às subvenções de Londres ou de Vichy, a maioria de nossas obras e de nossos educadores. Nossas posições são ainda bem sólidas e podem servir de ponto de partida a novas influências. Ainda no século XX, é relevante explanar que as manifestações estudantis e operárias de 1968 em Paris influenciaram as organizações de esquerda no Brasil contra a ditadura militar. Todavia, na década de 1970, a derrota dos movimentos de resistência ao governo militar e o contexto econômico-social fizeram surgir uma geração que passou a adotar como referência a cultura americana. Embora as relações franco-brasileiras não sejam as mesmas do passado, é importante salientar que a França e o Brasil ainda mantêm seus laços. Em 1998, o Brasil foi homenageado no Salão do Livro de Paris e, em 2005, aconteceu o Ano do Brasil na França, apresentando uma extensa programação cultural. Como retribuição, em 2009, o Brasil fez uma homenagem à França, com o evento intitulado Ano da França no Brasil. Não podemos deixar de dizer que a presença das Alianças Francesas no Brasil se torna cada vez mais forte. Como foi mencionado em minha pesquisa de mestrado (AZEVEDO, 2010), somente no município do Rio de Janeiro existem oito filiais, sediadas nos bairros de Copacabana, Ipanema, Méier, Barra, Recreio, Centro, Botafogo e Tijuca, além de cursos ministrados em empresas. No que tange ao espaço do ensino-aprendizado da língua francesa, esta pesquisa versará, em particular na próxima seção, sobre as ações educativas referentes às línguas estrangeiras. O objetivo será demonstrar sobretudo a presença e o papel da língua francesa no contexto escolar e social brasileiro, visando a depreender as imagens desse 38 idioma no atual contexto, tendo em vista que os vestígios da memória histórica construídos no meio social (ORLANDI, 2003) têm papel relevante no momento do processo de ensino-aprendizado, de mediação de conhecimentos, de interação alunoprofessor. 1.3 SURGIMENTO DO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA Segundo os estudos realizados por Valnir Chagas (1979), as primeiras ações de uma educação sistematizada no Brasil foram vislumbradas pelos jesuítas em torno do século XVI, tendo seu principal interesse na catequização dos índios. No que diz respeito ao ensino de língua estrangeira (LE), em 1808, no período joanino, foi fundada uma escola de educação na qual se ensinava a língua francesa. Entretanto, o autor conta que o ensino obrigatório dessa disciplina só ocorreu no século XIX, em 1837, concomitantemente ao surgimento do Colégio Pedro II, instituição imperial que visava a oferecer uma formação secundária. Valnir Chagas explicita, contudo, que a escola brasileira manteve até 1855 uma formação baseada nas instruções jesuíticas do século XVI. A saber, no ensino secundário, eram adotadas as diretrizes do humanismo clássico da Ratio Studiorum, que abrangia “cinco classes” de estudos: a retórica, as humanidades e as gramáticas superior, média e inferior. Além disso, o autor salienta que o latim e o grego eram concebidos como disciplinas dominantes; em contrapartida, o vernáculo, a história e a geografia não tinham um estudo autônomo. 39 A partir de 1855, no ministério de Couto Ferraz, o currículo foi modificado, visando a adaptá-lo às necessidades da sociedade e da cultura brasileira de um país prérepublicano. Para tanto, o ensino passou a ser dividido em dois ciclos: os estudos de “primeira classe” e os de “segunda classe”, ambos realizados em quatro anos. Quanto às LEs, elas passaram a ter um status semelhante ao das línguas clássicas. O francês, o inglês e o alemão faziam parte dos estudos obrigatórios, como o grego e o latim. Quanto à metodologia de ensino das línguas modernas, Chagas adverte que elas eram ensinadas conforme as línguas clássicas, ou seja, o método gramática-tradução era o predominante. Caracterizava-se por exercícios gramaticais, leitura, versão e tradução nos dois primeiros anos, e pelos estudos de obras clássicas no terceiro ano. Em Évolution de l’enseignement des langues: 5000 ans d’histoire (1993), Claude Germain explicita que, no método gramática-tradução, o professor é concebido como o personagem principal na sala de aula; ele é o detentor do saber e da autoridade. No que diz respeito ao aluno, este deve apenas fazer os exercícios escolhidos pelo mestre. Afirma que, no período da República, a partir de 1915, o grego foi retirado do ensino. Com relação aos idiomas vivos, o governo limitou-os ao ensino de duas línguas: a francesa e a inglesa ou alemã. O autor faz um panorama do ensino de língua e demonstra o declínio de prestígio dessa disciplina, que contemplava, em 1890, o total de 43 horas semanais — 20 horas destinadas às línguas clássicas: 12 horas de latim e oito horas de grego; e 23 horas, às línguas modernas: 12 horas de francês e 11 horas de inglês ou alemão. Em 1929, os estudos de língua contemplavam um total de 29 horas semanais — o latim manteve-se com 12 horas, a língua francesa passou a ter nove horas, e o inglês ou o alemão passou a ser ministrado em oito horas. Importa dizer que, nesse momento, os alunos podiam ter duas aulas de italiano como disciplina facultativa. 40 Quanto ao francês, cabe elucidar que a primeira Associação da Aliança Francesa, visando à difusão da cultura e da língua francesas, foi fundada no Rio de Janeiro em 1885, após dois anos de sua criação em Paris. O Brasil, como já foi explicitado, tinha a França como modelo de civilização. Na República, em 1911, foi criada a Lei Rivadávia, que prescrevia a adoção de um ensino mais prático das línguas vivas, permitindo ao aluno, ao término do curso, ser capaz de falar e de escrever em duas línguas estrangeiras. Sob tal linha de pensamento configuraram-se também as instruções da Reforma C. Maximiliano, de 1915, na qual se encontra esta afirmação: “O estudo de línguas vivas estrangeiras será exclusivamente prático, de modo que o estudante se torne capaz de falar e ler em francês, inglês ou alemão sem vacilar nem recorrer frequentemente ao dicionário” (MOACIR, 1942 apud CHAGAS, 1979). Contudo, o ensino ainda se baseava sobretudo em atividades voltadas para a tradução, a versão, os exercícios gramaticais e a leitura. 1.3.1 A criação do Ministério da Educação e a Reforma Francisco de Campos A partir de 1930, no governo Getúlio Vargas, o caráter elitista do ensino proposto no país foi questionado. Vargas almejava, para seu programa de reconstrução nacional, a democratização do ensino público brasileiro. Para tanto, criou o Ministério dos Negócios, da Educação e Saúde Pública e nomeou Francisco de Campos ministro, que instituiu o Conselho Nacional de Educação, instaurando a organização do ensino superior e do ensino secundário. 41 Cabe explicitar que foi no Ministério Francisco de Campos que se cogitou uma formação de nível superior para os professores. Os cursos de bacharelado eram de três anos letivos e demandavam mais um ano suplementar de “didática” para a licenciatura. Em suma, o objetivo era oferecer uma formação acadêmica, visando aos estudos universitários, mas também à promoção de uma formação pragmática, voltada para o “fazer”. Valnir Chagas (1979) chama a atenção para o fato de que, com relação às línguas, essa reforma destinou seis horas por semana ao ensino do latim. Já os estudos de línguas modernas passaram a contemplar 17 horas semanais: nove horas para o francês e oito horas para o inglês. Na tentativa de alcançar os objetivos pretendidos, foi adotada, então, no ensino, a metodologia direta (MD), que se caracterizou sobretudo pelo ensino da LE na própria LE, “proibindo” o professor e o aluno de recorrerem à língua materna (LM) e à tradução. Porém, legitimou-se o uso de gestos e de imagens em sala e adotou-se a abordagem implícita da gramática, com base no modo como as crianças aprendiam a LM. Nas salas de aula, os professores passaram, entretanto, a mesclar a metodologia tradicional (MT) e a MD, dando origem mais tarde à metodologia ativa (MA), uma versão mais eclética e mais parcimoniosa da MD. É essencial dizer que o surgimento da MD se deu no início do século XX, fundamentado no pragmatismo de John Dewey. Deve-se ressaltar igualmente que a MD adotada no Brasil não excluía totalmente o uso da LM no ensino-aprendizado de LE. A leitura e a interpretação de autores consagrados ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX ainda continuaram a fazer parte do currículo escolar. No Colégio Pedro II, os bons resultados obtidos com a MD encorajaram outras instituições a continuar investindo em tal proposta de ensino. Contudo, poucos professores de LE tinham, de fato, a proficiência de se expressar e falar na LE ensinada. 42 1.3.2 A Reforma Capanema Em 1942, na era Vargas, ocorreu a Reforma Capanema, que se caracterizou pelo aparecimento dos cursos técnico-profissionalizantes no ensino secundário. Segundo o ministro da Educação e da Saúde da época, Gustavo Capanema, a educação deveria promover o desenvolvimento de habilidades e valores nos sujeitos, despertando uma consciência patriótica e humanística, capaz de contribuir para o bom funcionamento do Estado. Com relação ao ensino de línguas, Valnir Chagas (1979) explana que a Reforma Capanema destinou 35 horas semanais ao ensino de idiomas, representando 19,6% de todo o currículo. No ginásio, o latim, o francês e o inglês foram incluídos como disciplinas obrigatórias, este último contemplando três anos de aprendizado, enquanto os dois primeiros demandavam quatro anos. No colégio, o aprendizado do francês passou a ser ministrado com 13 horas; o do inglês, com 12; o do espanhol, com duas; e o do latim, com oito horas. Nesse contexto, foi mantida a MD no ensino de LEs; portanto, além de ler, escrever, compreender o idioma oral e falar, era necessário também que os professores transmitissem conhecimentos sobre a civilização estrangeira, com o propósito de que os alunos fossem capazes de compreender as tradições de outros povos. Valnir comenta, contudo, que, muitas instituições de ensino continuaram a manter a metodologia tradicional, com base no “leia e traduza”. Para Leffa (1988), o período da Reforma Capanema, nas décadas de 1940 e 1950, foi o grande momento do ensino de LE. Os alunos estudavam latim, francês, inglês e espanhol e eram capazes de ler os clássicos em tais idiomas. Contudo, durante o 43 Estado Novo, no período do regime ditatorial instaurado por Getúlio Vargas, as línguas de imigração do país, o italiano e o alemão, passaram a ser proibidas. Gilvan Müller de Oliveira (2009) relata que, entre 1941 e 1945, o governo fechou escolas comunitárias e gráficas de jornais em alemão e italiano, bem como prendeu e torturou pessoas que não falassem português. Em Santa Catarina, na gestão do governador Nereu Ramos, foram criadas áreas de confinamento para descendentes de alemães que se expressassem em sua língua. De acordo com Müller, essa atitude do Estado fez com que tais idiomas perdessem sua forma escrita e fossem apenas falados nas zonas rurais. Acrescenta ainda que o Brasil poderia ter sido um país mais plurilíngue se tivesse preservado as línguas indígena, italiana e alemã em sua história. Nos anos 1950, tendo em vista as novas demandas sociais e a democratização do ensino, os debates sobre o ensino no Congresso Nacional desembocaram no Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), com o qual se visava à predominância de um currículo “científico” no lugar do de inspiração “clássica”. Todavia, apenas em 1961 essas diretrizes passaram a ser implantadas. Importa lembrar que, após a Segunda Guerra Mundial, a relação entre os Estados Unidos e o Brasil se estreitou, e inúmeros projetos nas áreas de comunicação, comerciais e financeiras foram apoiados pelo governo norte-americano; consequentemente, a cultura e a língua americanas começaram a ser incorporadas ao cotidiano brasileiro, enquanto a cultura e a língua francesas perderam cada vez mais seu prestígio. Todavia, o número de Associações da Aliança Francesa não deixou de crescer na década de 1960. Segundo Daniel Coste (1976), o governo francês, após a perda de suas colônias, passou a investir de forma intensiva em programas culturais e educativos no 44 exterior que permitissem a conservação e o desenvolvimento do conhecimento da língua e da cultura francesas no mundo. 1.3.3 As diretrizes do ensino de língua estrangeira de 1961 a 1970 Após 27 anos de debate sobre a regularização do sistema de educação brasileiro, em 20 de dezembro de 1961 foi publicada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que tem como filosofia predominante os ideais liberalistas. Convém citar que, na década de 1950, a qualidade do ensino público brasileiro já estava sendo criticada pela sociedade. As famílias que tinham melhores condições financeiras começaram a matricular seus filhos em escolas particulares. No período do governo militar, de 1964 até 1985, as instituições privadas ganharam ainda mais força, enquanto as escolas públicas perderam seu prestígio. Com relação ao ensino de LE, nas LDBs de 1961 e de 1971, essa disciplina deixou de ser obrigatória e se tornou “complementar” ou “optativa”. Vale destacar que, nesse contexto, algumas escolas suprimiram o ensino de LE. Em contrapartida, começaram a surgir inúmeros cursos particulares de inglês. As ações neoliberalistas no âmbito da educação se impõem cada vez mais, pois os empresários começam a enxergar o ensino como um mercado rentável. Em Dimensões comunicativas no ensino de línguas (2008), Almeida Filho lamenta a predominância do ensino do inglês sobre o francês nos anos 1950, uma vez que as técnicas pragmáticas de domínio de conversação básica eram baseadas na teoria behaviorista de Skinner e na linguística estruturalista de Leonard Bloomfield, centrando 45 o ensino de língua pela língua, por meio de atividades mecânicas. Por sua vez, a leitura dos clássicos e a formação humanística eram deixadas à margem. No que diz respeito a esse tipo de abordagem, denominada metodologia áudio-oral (MAO), convém esclarecer que a expressão e a compreensão oral passaram a ser o objetivo central de muitos centros de língua nesse contexto. A propósito da questão metodológica, parece relevante mencionar igualmente o surgimento da metodologia audiovisual (MAV), fundamentada na teoria da enunciação de Charles Bally, F. Brunot e B. Benveniste, que leva em conta a significação das palavras e o contexto enunciativo, colocando em questão, por conseguinte, o ensino da língua pela língua da MAO. Todavia, o enfoque dessa metodologia também será a expressão e a compreensão oral (PUREN, 1998; LEFFA, 1988; GERMAIN, 1993). Sobre a MAV, cabe dizer que foi promovida pelo governo francês como forma de lutar contra o domínio da língua inglesa. Além dessa ação, vale acrescentar que muitos professores brasileiros de francês obtiveram bolsas para estudar na França nesse contexto. No Brasil, houve um aumento significativo do número de formações destinadas a professores de língua francesa (DE CARLO, 1998). No que diz respeito ao papel do professor de LE nessas duas metodologias, Claude Germain assevera que, na MAO, o professor era tido como um “chefe de orquestra”, “maestro”, visto que deveria atuar no sentido de dirigir, guiar e controlar o comportamento linguístico dos alunos. Já na MAV, ele passou a atuar como animador, que deveria possibilitar que o aluno se expressasse de maneira espontânea e de forma criativa. No que diz respeito à abordagem de aspectos culturais, no prefácio do manual Voix et images de France (GAUVENET, 1960), vale comentar que os autores desejam apresentar ao aprendiz uma língua autêntica. Como ilustração, esta pesquisa se serve 46 desta citação: “Ensinamos uma língua ‘viva’: uma língua só vive se é falada. Então, queremos que […] o aluno se dedique integralmente a aprender, ouvir, imitar e empregar da forma mais espontânea possível a língua falada coloquial” (DE CARLO, 1998, p. 30).5 A partir dos anos 1970, os manuais audiovisuais começam a apresentar diálogos mais próximos da realidade e a levar em conta os componentes socioculturais e psicológicos, próprios da comunicação. Entretanto, os conceptores do manual de Voix et images de France já haviam explicitado certa insatisfação concernente aos estereótipos, às imagens da cultura e da língua francesas. Os manuais não contemplavam ainda as diversidades linguísticas e culturais existentes na França (DE CARLO, 1998). Segundo Germain (1993), com relação aos papéis dos sujeitos na aula de LE, o aluno é considerado um parceiro da situação comunicativa, devendo agir como responsável por seu próprio aprendizado. Já os professores passam a desempenhar funções de “facilitadores”, “conselheiros”, “cocomunicadores” etc. No que diz respeito à abordagem de aspectos culturais no ensino de FLE (DE CARLO, 1998), os manuais da abordagem comunicativa (AC) passam a contemplar a cultura comportamental ou cotidiana (cultural) francesa. Vale dizer que o sentido negativo do termo “civilização”, expressando a ideia de superioridade de determinados países e povos sobre outros, se sobrepõe em tal contexto de pós-colonização. Daí se explica o motivo pelo qual os métodos de ensino de LE começam a dar preferência, a partir de então, à palavra “cultura” em detrimento do termo “civilização”. No original: “Nous enseignons une langue ‘vivante’: une langue ne vit que si elle est parlée. Nous voulons donc que […] l’élève consacre tous ses efforts à apprendre, à écouter, à imiter, et à employer aussi spontanément que possible la langue parlée familière.” 5 47 1.3.4 Diretrizes de 1996 e as atuais orientações no ensino de língua estrangeira Pela LDB de 1996 (Lei no 9.394), o ensino de LE voltou a ser obrigatório no currículo; porém, o número expressivo de alunos em sala de aula e a carga horária de dois tempos semanais adotada pela maioria das escolas impedem que os professores realizem um trabalho capaz de desenvolver de fato as quatro competências comunicativas (falar, escrever, ler e ouvir) e trabalhar o componente cultural. No Ensino Médio, o governo propõe o ensino-aprendizado de uma segunda LE como optativa para o aluno, estabelecendo apenas um tempo de aula. Essa atitude parece reforçar mais uma vez junto à sociedade o fato de que não há interesse em promover realmente um ensino de LE de qualidade em nosso país. Convém mencionar que a LDB de 1996 permite o ensino de LE dividido em níveis no sistema escolar; todavia, poucas escolas brasileiras agrupam os alunos de acordo com os conhecimentos já adquiridos. Além disso, a LE adotada, em geral, é a inglesa, embora algumas cidades brasileiras tenham a presença marcante das culturas italiana, alemã, francesa e espanhola. Com relação à LDB de 1996, vale citar os excertos a seguir: Art. 24, IV — poderão organizar-se classes, ou turmas, com alunos de séries distintas, com níveis equivalentes de adiantamento na matéria, para o ensino de línguas estrangeiras, artes, ou outros componentes curriculares. […] Art. 26, V — Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição. 48 No que diz respeito ao Ensino Médio, a LDB de 1996, no Capítulo II, estabelece que: “Art. 36, III — será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade local, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição.” Porém, em 2005, a Lei Federal no 11.161, sobre o ensino de língua espanhola, modificou os dispositivos anteriores, ao estabelecer que: Art. 1o O ensino da língua espanhola, de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa para o aluno, será implantado, gradativamente, nos currículos plenos do ensino médio. § 1o O processo de implantação deverá estar concluído no prazo de cinco anos, a partir da implantação desta Lei. Não resta dúvida de que essa lei foi elaborada em função do Mercosul, do acordo econômico entre os países da América do Sul, visando a fortalecer suas economias. Deve-se dizer, contudo, que a ação do governo brasileiro de priorizar o ensino da língua espanhola não apenas coloca em xeque a liberdade escolar, bem como corrobora mais uma vez o desaparecimento do ensino do alemão, do francês e do italiano nas escolas brasileiras. Com relação ao ensino da língua francesa, poucas escolas estaduais e municipais no Rio de Janeiro têm ainda o ensino desse idioma em sua grade escolar. Importa salientar que um dos principais motivos para o declínio significativo do francês nos últimos tempos foi sua exclusão do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para o acesso às universidades brasileiras. Dessa forma, os concursos públicos destinados a professores de LE passaram a privilegiar, sobretudo, o espanhol e o inglês. 49 1.4 O RELATIVISMO CULTURAL NOS PCNS E NO CECR Ainda sobre o atual papel dos Estados com relação ao ensino-aprendizado de LE, convém citar dois documentos: o Quadro Europeu Comum de Referência para as línguas (CONSEIL DE L’EUROPE, 2000), no contexto externo, e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 2002), no contexto interno. Tendo em vista o contexto de globalização no qual vivemos, tanto nos PCNs quanto no CECR nota-se uma preocupação em formar cidadãos plurilíngues e sensíveis à diversidade cultural. Com o intuito de mostrar o papel desses documentos no ensino de LE, esta pesquisa vai discorrer sobre eles nas próximas linhas. Os questionamentos sobre os conhecimentos que são transmitidos pela escola não datam de hoje. Muitos alunos, pais e a sociedade em geral se mostram insatisfeitos com o ensino de determinados conteúdos cobrados pelas instituições de ensino, visto que não reconhecem sua relevância para a formação do sujeito. No âmbito da educação, alguns educadores também já se indagavam sobre a importância atribuída à quantificação de conteúdos e a dificuldade que as pessoas têm de mobilizá-los no trabalho e no dia a dia. No caso do ensino de LE, especialistas da educação reivindicam que os professores ensinem a seus alunos competências comunicativas (competências linguística, pragmática e discursiva) e não comunicativas (saber-ser, saber-fazer, saber-viver, saber-aprender). Os organizadores dos PCNs (BRASIL, 2002) ressaltam inicialmente nesse documento que o objetivo é orientar, ajudar os professores no planejamento das aulas e do currículo escolar em função das atuais diretrizes de ensino-aprendizado. Com relação aos alunos, ressaltam a importância de uma formação que lhes permita a aquisição de 50 conhecimentos básicos, a preparação científica e a capacidade para usar as diferentes tecnologias relativas às áreas de atuação. Ainda na primeira parte desse documento, os organizadores dos PCNs fazem esta declaração: “O Ensino Médio é a etapa de uma educação de caráter geral que situa o educando como sujeito produtor de conhecimento e participante do mundo do trabalho.” Na segunda parte dos PCNs, intitulada “Linguagens, códigos e suas tecnologias”, os elaboradores chamam a atenção de seus usuários para que o Ensino Médio estimule no aluno a curiosidade, o raciocínio e a capacidade de interpretar e intervir no mundo que o cerca. Quanto à concepção de linguagem apresentada nesse documento, convém citar este trecho: A linguagem é considerada aqui como a capacidade humana de articular significados coletivos e compartilhá-los, em sistemas arbitrários de representações, que variam de acordo com as necessidades e experiências de vida em sociedade. A principal razão de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido. A linguagem é uma herança social, uma “realidade primeira”, que, uma vez assimilada, envolve os indivíduos e faz com que as estruturas mentais, emocionais e perceptivas sejam reguladas pelo seu simbolismo. (BRASIL, 2002, p. 125) No que concerne ao estudo de LE nas escolas, os elaboradores dos PCNs consideram que essa disciplina permite ao estudante aproximar-se de diversas culturas. É importante destacar que o ensino-aprendizado de idiomas, tido durante muito tempo como irrelevante, volta a ser visto como imprescindível à formação do sujeito global. Como abordagem metodológica, os PCNs adotam a orientação sociointeracionista, que concebe o aprendizado como um processo que se realiza 51 mediante a interação com o Outro, com a sociedade. Nesse documento, a cultura é assim definida: A cultura, como código simbólico, apresenta-se como dinâmica viva. Todas as culturas estão em constante processo de reelaboração, introduzindo novos símbolos, atualizando valores, adaptando seu acervo tradicional às novas condições historicamente construídas pela sociedade. A cultura pode assumir sentido de sobrevivência, estímulo e resistência. Quando valorizada, reconhecida como parte indispensável das identidades individuais e sociais, apresenta-se como componente do pluralismo próprio da vida democrática. Por isso, fortalecer a cultura de cada grupo social, cultural e étnico que compõe a sociedade brasileira, promover seu reconhecimento, valorização e conhecimento mútuo, é fortalecer a igualdade, a justiça, a liberdade, o diálogo e, portanto, a democracia. (BRASIL, 1998, p. 132, “Temas transversais”) Nesse excerto, a concepção de cultura se mostra como um fenômeno dinâmico. O sujeito se constrói a partir de encontros sociais, na interação com outros indivíduos. Todos são, de alguma forma, afetados pelo Outro. Para que o indivíduo se expresse, ele precisa reconhecer seu(s) interlocutor(es). Em decorrência disso, a cultura transforma o ser humano, e este transforma a cultura, um processo que permite a sobrevivência de ambos pela alteridade. Cabe ressaltar que esse conceito de cultura se coaduna com o do antropólogo americano Clifford Geertz, que reconhece a diferença e a semelhança como elementos cruciais na formação do sujeito. Se alguns sociólogos buscavam uma unidade cultural, o apagamento das diferenças, Geertz procura mostrar que o sujeito se compreende, se significa por meio do relativismo. Define: Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal suspenso a teias de significado que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa à procura do significado. É justamente uma explicação que eu procuro ao construir expressões sociais enigmáticas na sua superfície. (GEERTZ, 2001, p. 15) 52 Nos PCNs, seus precursores chamam a atenção do educador para um ensinoaprendizado de LE voltado para a comunicação, e não apenas para os elementos linguísticos. Todavia, o aspecto cultural parece se restringir à situação comunicativa, ao contexto de ensino-aprendizado, ao conteúdo abordado. Quanto aos aspectos políticos, econômicos e culturais, eles parecem ser tratados de modo muito superficial. Questões identitárias e sociais da cultura-fonte e da cultura-alvo, relevantes nesse contexto, marcado por fortes conflitos religiosos, étnicos e culturais, são muitas vezes negligenciadas. Convém salientar que, na maioria das escolas brasileiras, o ensino de LE ainda é muito desvalorizado. A elaboração de documentos e a revelação dos problemas não bastam para a transformação das práticas escolares. O governo abandonou a responsabilidade de oferecer um ensino-aprendizado de LE de qualidade, e, por conseguinte, a sociedade passou a acreditar que apenas os centros de línguas são capazes de ensinar um idioma. Dessa forma, as desigualdades sociais só se acentuam. O Quadro Europeu Comum de Referência para as línguas (CONSEIL DE L’EUROPE, 2000) foi criado pelo Conselho Europeu com o propósito de estabelecer uma base comum na elaboração de provas, programas, manuais e certificados no ensino de LE, visando a fortalecer, sobretudo, as relações entre os povos europeus. Nesse sentido, os organizadores procuraram, no início desse documento, destacar a importância de se respeitar a diversidade cultural, defendendo o pluriculturalismo e o plurilinguismo, a interação de várias línguas e culturas. No interesse de formar cidadãos globalizados, o CECR adotou o ensinoaprendizado capaz de desenvolver nos sujeitos competências verbais (saberes linguístico, pragmático e sociolinguístico) e não verbais (saber-fazer, saber-ser, saberviver, saber-aprender). Com relação ao ensino-aprendizado, é imperativo dizer que, na 53 década de 1970, o Conselho Europeu de Estrasburgo, com base nas teorias dos atos de fala, elaborou o Niveau seuil, um documento no qual foram descritas as fundamentais competências comunicativas que os sujeitos precisavam dominar para poder falar em LE. No CECR, os organizadores propõem, entretanto, uma descrição das competências comunicativas de forma mais complexa. Nesse documento, são abordados os conhecimentos comunicativos que os falantes, classificados como usuários básicos (A1 e A2), independentes (B1 e B2) e autônomos (C1 e C2), precisam dominar não apenas para falar, mas também para ler, escrever e ouvir em LE nos domínios público, profissional, educacional e pessoal. Além disso, o CECR oferece diretrizes a seus usuários concernentes à avaliação no âmbito do processo de ensino-aprendizado e para a obtenção de diplomas de proficiências de LE. No Brasil, muitos estudantes universitários interessados em estudar na França e no Canadá precisam dos diplomas de estudos em língua francesa (Delf), compostos dos níveis (A1, A2, B1 e B2) e dos diplomas de aprofundamento de língua francesa (Dalf), compreendendo os estágios mais avançados (C1 e C2). É necessário esclarecer que os exames são independentes. A instituição de ensino superior, em geral, é que determina o domínio de proficiência linguística que os alunos devem ter em função dos objetivos acadêmicos. O programa Ciência Sem Fronteiras, uma iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Ministério da Educação (MEC), com o apoio do CNPq, da Capes e das Secretarias de Ensino Superior e de Ensino Tecnológico do MEC, contribuiu para o aumento significativo do número de estudantes de língua francesa. 54 A respeito da competência não verbal, o CECR e os PCNs solicitam que os professores e seus usuários, em geral, desenvolvam nos alunos/sujeitos uma atitude relativista, capaz de reconhecer o Outro além de suas referências culturais. Todavia, as orientações associadas a questões culturais são abordadas de forma muito superficial. No que diz respeito à atividade comunicativa de mediação, o CECR a legitima, pois entende que o mediador permite estabelecer a interação, a relação entre sujeitos de línguas distintas. Contudo, como foi abordado em minha pesquisa de mestrado (AZEVEDO, 2010), esse documento também não apresenta aos usuários informações teóricas e práticas que os ajudem a agir como mediadores. Como solucionar os possíveis mal-entendidos, as tentativas de aculturamento? Como abordar a cultura do Outro sem reforçar preconceitos, clichês? Como libertar o sujeito dos discursos que lhes foram internalizados? No CECR, encontra-se esta definição da mediação: Participando ao mesmo tempo da recepção e da produção, as atividades escritas e/ou orais de mediação permitem, pela tradução ou interpretação, pelo resumo ou relatório, produzir para um terceiro uma reformulação acessível de um texto primeiro ao qual esse terceiro não tem, a princípio, acesso direto. As atividades linguageiras de mediação, retratando um texto prévio, têm lugar considerável no funcionamento linguageiro usual de nossas sociedades. (CONSEIL DE L’EUROPE, 2000, p. 18)6 Na visão de Galisson e Puren (2001), a valorização da língua ao longo da história no ensino de línguas se explica muitas vezes pelo fato de que a abordagem de aspectos culturais coloca em evidência as diferenças, o que pode representar uma ameaça para os interesses político-econômicos dos Estados. A título de ilustração, os No original: “Participant à la fois de la réception et de la production, les activités écrites et/ou orales de médiation, permettent, par la traduction ou l’interprétariat, le résumé ou le compte rendu, de produire à l’intention d’un tiers une reformulation accessible d’un texte premier auquel ce tiers n’a pas d’abord accès direct. Les activités langagières de médiation, retraitant un texte déjà là, tiennent une place considérable dans le fonctionnement langagier ordinaire de nos sociétés.” 6 55 autores mencionam a União Soviética, que buscou impor o socialismo a seu povo e ao mundo e, por causa disso, a abordagem de culturas capitalistas era excluída do contexto escolar ou apresentada de forma inverossímil e deturpada. Galisson e Puren (2001) advertem ainda que todos os países têm o direito de escolher a LE que vai ser ensinada nos estabelecimentos escolares. Eles condenam, contudo, a adoção de abordagens que se restrinjam ao aspecto linguístico, excluindo o cultural, a identidade do Outro. Para os autores, esse tipo de atitude deve ser visto como uma forma de agressão, de violação identitária. Com o intuito de propor uma análise mais complexa das ações educativas no ensino de línguas, em particular no ensino de FLE, esta pesquisa vai discorrer nas próximas linhas sobre a linha de pensamento do pensador Edgar Morin sobre educação, visando a identificar se sua proposta do aprender a aprender se coaduna com a concepção de mediação crítica defendida ao longo deste estudo ou se vem reforçar uma ação pedagógica cujo principal propósito é formar sujeitos para a sustentabilidade do sistema econômico, social e político vigente. É oportuno salientar que suas ideias servem como diretrizes e orientações para muitos pedagogos, professores, elaboradores de métodos e manuais e documentos educativos. No Brasil, muitos educadores e pensadores vêm enxergando as propostas morinianas como a nova solução para a transformação da educação brasileira, apesar de inúmeros de seus conceitos não estarem ainda bem claros, como a concepção do pensamento complexo. No contexto universitário, verifica-se o crescimento de grupos de pesquisas que se interessam pela bifurcação do conhecimento, procurando romper com as fronteiras disciplinares. 56 1.5 A EDUCAÇÃO DO FUTURO SOB AS IDEOLOGIAS E DIRETRIZES MORINIANAS Edgar Nahoum, conhecido como Edgar Morin, nasceu em Paris em 1921; formou-se em direito, história e geografia e trabalhou no Centro Nacional da Pesquisa Científica (CNRS) como pesquisador emérito. Hoje, atua como antropólogo, sociólogo e filósofo, e é tido como um dos principais teóricos da teoria da complexidade, tendo escrito mais de 30 livros. Em sua obra Os sete saberes para a educação do futuro (MORIN, 2002), sobre a qual esta seção discorrerá, ele coloca em questão a estrutura da atual educação, enfatizando que seu buraco negro está na expressiva valorização do aspecto racional e em uma formação de cunho individualista. Como mudança, propõe uma formação que leve em conta a emoção, as incertezas, o sentimento de coletividade, de alteridade no atual cenário de globalização e informatização. Nessa obra, ressalta que seu objetivo não é prescrever normas de como se deve ensinar, mas repensar a complexidade do conhecimento, seus paradoxos, suas congruências e incongruências no espaço escolar, a fim de que os sujeitos sejam mais sábios e hábeis para lidar com as incertezas do mundo pós-moderno. É oportuno salientar que Morin escreveu. Os sete saberes para a educação do futuro a partir de uma demanda da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que pretendia estabelecer as novas diretrizes para a educação futura. Sobre essa instituição, convém informar que: A Unesco é a agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Educação, a Ciência e a Cultura. Foi criada em 1945 na 57 Conferência de Londres, e desde sua criação seu objetivo inicial era elaborar programas de ajuste ao ensino; fomentar o desenvolvimento científico e a repatriação de objetos culturais pós-guerra. Posteriormente, no contexto da chamada guerra fria, a Unesco posicionou-se a favor da segurança e do estilo de vida americano. Todavia, até 1980, essa organização ainda se constituía em uma referência importante para o debate da educação mundial e, em especial, para o incentivo à democratização da escola pública, voltada ao aprendizado e ao acesso do conhecimento nos países pobres, dominados e explorados economicamente. (JIMENEZ; MENDES, 2007, p. 120) No que concerne ao aprender a aprender, Morin (2002) insiste em que o ser humano não está isento de enganos, erros, mesmo que se valha da ciência, de dados científicos. Na defesa de tal concepção, argumenta que o ato de conhecer se faz por meio de percepções que são interpretadas, traduzidas, reformuladas, mediadas pela linguagem, em função dos sentidos que atribuímos ao mundo, às coisas, às pessoas. Na tentativa de analisar os enganos humanos, o autor discorre sobre alguns tipos de erros que os sujeitos estão propensos a cometer. O primeiro, classificado como selfdeception, diz respeito à capacidade que cada mente tem de mentir para si mesma. De acordo com o autor, os indivíduos têm inconscientemente poderes para selecionar as melhores memórias em seu cérebro, embelezá-las, mas podem também apagar as lembranças desfavoráveis, modificá-las e, por conseguinte, criar falsas recordações. Além dos erros ilusórios, destaca igualmente os erros intelectuais, que se manifestam mediante a tentativa de o ser humano proteger suas doutrinas como verdades absolutas. Ainda que haja teorias adversas, sedimentadas em estudos científicos, Morin acredita que elas se tornam muitas vezes imperceptíveis ao olhar de pesquisadores, que ficam fechados em suas ideias e teses. Para a identificação dos erros, das informações enganosas, considera fundamental que o sujeito coloque o conhecimento sempre em contínuo questionamento. Frisa que o ser humano tem tendência a preservar suas teorias, pois teme o inesperado, que o desestabiliza e lhe exige a reavaliação das ideias. De acordo 58 com o autor, a educação do futuro deve estimular esse posicionamento crítico, autocrítico, não apenas do sujeito em relação à sociedade, ao mundo externo, mas também seus mitos, suas crenças e suas concepções racionalizadoras, que cegam os indivíduos e os imobilizam. O autor ainda explana que, com a industrialização, os progressos científicos e os conhecimentos foram divididos em especialidades: cientistas, médicos, educadores que dominam determinado campo de forma intensa, sendo, porém, incapazes de articulá-lo a outros saberes. Na perspectiva moriniana, em uma era marcada pela informatização e pela tecnologia, a interação entre as pessoas e os campos se mostra fundamental e não pode mais ser negligenciada. Diante de tal realidade, postula que o sistema educacional proponha outra maneira de abordar seus saberes. Condena a divisão de disciplinas trabalhadas isoladamente, argumentando que tal organização não se coaduna com a proposta de uma educação cujo objetivo reside na construção de uma consciência complexa, coletiva, planetária. Em suma, compreende que: O conhecimento especializado é uma forma particular de abstração. A especialização “abs-trai”, por outras palavras, extrai um objeto do seu contexto e do seu conjunto, rejeita os laços e as intercomunicações com o seu meio, insere-o num setor conceitual abstrato que é o da disciplina compartimentada, cujas fronteiras quebram arbitrariamente a sistemicidade (relação de uma parte com o todo) e a multidimensionalidade dos fenômenos; conduz a uma abstração matemática que opera em si mesma uma excisão com o concreto, privilegiando tudo quanto é calculável e formalizável. (MORIN, 2002, p. 46) Porém, com relação à bandeira educativa, “aprender a aprender”, é contundente salientar que os lemas aprender a fazer e aprender a aprender remetem ao educador John Dewey, cuja ideologia era formar indivíduos em função das necessidades sociais e 59 econômicas do século XX. No ensino, suas ideias estão presentes na metodologia direta (MD), centrada em atividades que exigem do aprendiz uma atitude mais ativa no processo do aprendizado. A respeito do “aprender a aprender”, essa filosofia educacional foi a divisa do movimento escolanovista no Brasil e, posteriormente, dos construtivistas, e se mantém na atualidade no contexto tanto externo quanto interno por meio da pedagogia de competências, vicejando a ideia de progresso e de inovação; no entanto, vem servindo para a manutenção da hegemonia burguesa e dos interesses neoliberalistas. Como metodologia de ensino, a ideologia “aprender a aprender” se faz presente nas tarefas, nos projetos pedagógicos, na atual orientação pedagógica da perspectiva acional (PA), a qual passou a predominar sobre as outras abordagens e metodologias no ensino-aprendizado de FLE. Para a PA, o sujeito aprendiz é concebido como ator social, que deve dominar conhecimentos comunicativos e não comunicativos (saber-ser, saberfazer, saber-conviver, saber-aprender). Nessa perspectiva, o sistema escolar e o professor devem propor situaçõesproblema aos alunos com as quais eles possam se deparar no dia a dia. Seguindo essa linha de pensamento, os legados culturais, conhecimentos científicos, conteúdos acumulados ao longo da história, fulcrais para que os sujeitos possam refletir sobre o presente, o futuro e entender melhor sua própria existência e a do mundo, perdem espaço em nome de uma “realidade”. Sobre o “aprender a aprender”, Newton Duarte faz esta declaração: O lema “aprender a aprender”, ao contrário de ser um caminho para a superação do problema, isto é, um caminho para uma formação plena dos indivíduos, é um instrumento ideológico da classe dominante para esvaziar a educação escolar destinada à maioria da população, enquanto, por outro lado, são buscadas formas de aprimoramento da educação das elites. (DUARTE, 2000, p. 43) 60 Para Libâneo (2009), o papel da educação deve ser o de promover a interação entre o conhecer, o fazer, o ser e o criticar. Sabe-se que a escola não tem a capacidade de tudo transformar, mudar; contudo, sua atuação de maneira crítica pode ser concebida como uma forma de reação às injustiças, de luta por uma sociedade mais igualitária e, por conseguinte, mais democrática. No que diz respeito à ciência, ainda que ela não seja capaz de dar ao ser humano todas as respostas e soluções para sua angústia e tenha cometido erros, suas contribuições ao longo da história não podem ser negligenciadas. É oportuno frisar que as pesquisas científicas permitiram ao ser humano se questionar, intervir no mundo, em sua vida e renegar o fatalismo determinista dos fatos. Nas reflexões de Morin, os males da humanidade recaem sobre a ciência, sobre o pensamento racional. Segundo Duarte, o ponto recorrente no pensamento pós-moderno consiste em anunciar uma crise da ciência, dos paradigmas da razão. Com base em Marilena Chauí, o autor faz uma síntese de como é apresentada a crise do pensamento pós-moderno. Negação de que haja uma esfera da objetividade. Esta é considerada um mito da razão, em seu lugar surge a figura da subjetividade narcísica desejante; Negação de que a razão possa propor uma continuidade temporal e captar o sentido imanente da história. O tempo é visto como descontínuo, a história é local e descontínua, desprovida de sentido e necessidade, tecida pela contingência; Negação de que a razão possa propor captar núcleos de universalidade no real. A realidade é constituída por diferenças e alteridades, e a universalidade é um mito totalitário da razão; Negação de que o poder se realiza à distância do social, através de instituições que lhe são próprias e fundadas tanto na lógica da dominação quanto na busca da liberdade. Em seu lugar existem micropoderes invisíveis e capilares que disciplinam o social. (DUARTE, 2000, p. 90) Segundo Morin, o ser humano deve ter quatro tipos de consciência: a antropológica, que significa o reconhecimento da unidade dentro da diversidade; a 61 ecológica, que diz respeito ao habitar com todos os seres mortais, respeitando a biosfera, pois sem ela não há vida; a cívica terrestre, que exige do sujeito uma atitude de responsabilidade e de solidariedade com as crianças da Terra; e a consciência espiritual da humana condição, que se instaura nos indivíduos a partir de um exercício contínuo de (auto/inter)reflexão, de (auto/inter)crítica. Na preservação da coesão social, discorre sobre a importância da democracia em uma sociedade diversificada e faz esta análise desse tipo de sistema: A democracia supõe e alimenta a diversidade dos interesses, assim como a diversidade das ideias. O respeito da diversidade significa que a democracia não pode ser identificada como a ditadura da maioria sobre as minorias; deve conter o direito das minorias e dos proletariados à existência e à expressão, e deve permitir a expressão das ideias heréticas e desviantes. Da mesma maneira que é necessário proteger a diversidade das fontes de informação e dos meios de informação (imprensa, mídia) para salvaguardar a vida democrática. (MORIN, 2002, p. 116) É necessário comentar que a democracia se impõe, de fato, quando os sujeitos começam a lutar por seus direitos. A simples existência das leis não garante um Estado democrático. Em face de tal situação, conclui-se que a equidade se estabelece em contextos nos quais as pessoas são esclarecidas e críticas. Para completar esse pensamento, José Carlos Libâneo assevera que o conhecimento é a condição para a democratização. Acrescenta ainda que: Valorizar a escola pública não é, apenas, reivindicá-la para todos, mas realizar nela um trabalho docente diferenciado em termos pedagógicodidáticos. Democratizar o ensino é ajudar os alunos a se expressarem bem, a ter gosto pelo estudo, a dominarem o saber escolar; é ajudá-los na formação de sua personalidade social, na sua organização enquanto coletividade. Trata-se, enfim, de proporcionar-lhes o saber e o saberfazer críticos como precondição para sua participação em outras instâncias da vida social, inclusive para melhoria de suas condições de vida. (LIBÂNEO, 2009, p. 12) 62 Como comentários finais sobre o pensamento moriniano, não se pode deixar de observar que, embora suas orientações pareçam responder às angústias da atualidade e ser transformadoras, elas vão ao encontro dos interesses políticos, econômicos, ideológicos de quem detém o poder em nossa sociedade, bem como geram certo sentimento de fracasso humano. O autor não faz uma crítica pertinente sobre as acentuadas desigualdades econômicas e sociais presentes em determinados países e sociedades. No que diz respeito às críticas morinianas sobre a ciência, este estudo discorrerá no próximo capítulo sobre o papel dos estudos científicos no ensino de LE, os questionamentos em torno da formação especializada e da divisão do conhecimento em disciplinas, bem como tratará do forte movimento, em especial, no âmbito acadêmico pela multi/inter/transdisciplinaridade, com caminhos de mudança, de ruptura para apreensão e difusão do conhecimento. Com o intuito de verificar se as ações pedagógicas moderna e pós-moderna são ainda de natureza reprodutora, esta pesquisa tomará como teóricos Cipriano Luckesi, Louis Althusser, Karl Marx, Emile Durkheim, Max Weber, Antonio Gramsci, Pierre Bourdieu, Jean-Claude Passeron e István Mészáros. 63 2 INVESTIGAÇÃO DAS AÇÕES E DOS PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO MODERNA E PÓS-MODERNA À PROCURA DO DEVIR Nos primeiros anos de vida, são os pais, os familiares e os amigos que agem como os mediadores do mundo para as crianças. Posteriormente, é atribuído à escola e ao professor interagir e transmitir valores e conhecimentos de modo formal e sistêmico, colocando para pensar sobre a relação teoria-prática no processo de ensino-aprendizado. Todavia, muitas orientações e propostas pedagógicas e didáticas parecem estar afastando o professor do pensamento crítico ao valorizar a teoria em detrimento da prática ou a prática em detrimento da teoria, privando-o muitas vezes de estabelecer uma postura dialética. Em face disso, esta seção versará sobre o espaço reservado à teoria e à prática no ensino-aprendizado de LE, tendo como principal objetivo analisar o nível de relação dessas atividades nesse campo e verificar se as orientações multi/pluri/inter/transdisciplinares favorecem, de fato, que os sujeitos tenham uma formação mais complexa e menos fragmentada, como preconizam certos especialistas do campo da educação e da Unesco. Atualmente, convém destacar que o papel do professor parece se limitar a uma prática mecânica e a-histórica do conhecimento, destituindo-o, assim, cada vez mais de sua imagem de intelectual crítico no contexto social. Para confirmar ou refutar tal hipótese, serão apresentadas as concepções de alguns especialistas da educação e do ensino de línguas relacionadas com essa temática, com base notadamente nas teorias de Luis Paulo da Moita Lopes (1996), José Carlos P. de Almeida Filho (2008) e Robert Galisson e Christian Puren (2001). 64 É imprescindível destacar, inicialmente, que, por volta da década de 1950, o ensino de LE passou a se pautar, em especial, pelos critérios da produção e da socialização do conhecimento científico. No século XX, Galisson e Puren (2001) mencionam o aparecimento de três disciplinas vinculadas ao ensino de línguas: a linguística aplicada (LA), que nasceu nos Estados Unidos no período da Segunda Guerra Mundial, mais voltada para o ensino do inglês; a didática das línguas (DL), surgida posteriormente, nos anos 1970, que coloca no centro de suas reflexões o sujeito (aluno); e a didatologia das línguas-culturas (DLC), nos anos 1980, cujo objetivo principal é relacionar as práticas pedagógicas com as teorias. Com base na psicologia behaviorista e na linguística estruturalista, como já foi mencionado nesta pesquisa, estudiosos interessados no ensino-aprendizado de LE, como Leonard Bloomfield, elaboraram a metodologia áudio-oral (MAO), que representou uma ruptura com as metodologias precedentes em virtude de sua natureza científica. Convém dizer que os estudos linguísticos centrados no uso da língua e as novas teorias e pesquisas da área pedagógica favoreceram o surgimento da LA. A LA proveio da linguística teórica, mas se distinguiu por se ater ao ensinoaprendizado de LE. Posteriormente, enveredou por analisar a língua em uso em outros contextos sociais. Cabe dizer que esse tipo de metodologia indutiva era realizado também em outros campos, como a antropologia e a semiótica (MOITA LOPES, 1996). No que diz respeito às grandes contribuições iniciais da LA para o ensino de LE, Moita Lopes (1996) destaca o estudo do erro e, posteriormente, o conceito de interlíngua, uma língua intermediária, construída pelo aprendiz no processo de ensinoaprendizado, apresentando características da língua de partida e da língua de chegada, mas permitindo a interação com os falantes do idioma aprendido. 65 Sob esse paradigma ideológico, a partir da década de 1960, as formações de professores passam a se centrar, em geral, no “como” fazer em detrimento de “o que” e “para que” fazer. No âmbito do ensino de LE, o domínio linguístico da língua ensinada, das orientações propostas nos métodos e dos suportes didáticos, como fitas cassete e vídeos, passa a ser o parâmetro para o julgamento da competência do professor. Sendo assim, o conhecimento se sobrepõe à realidade dos sujeitos; apenas os dados que podem ser investigados e comprovados devem ser considerados. No que tange à aquisição de uma língua, é importante lembrar a existência de três teorias. A behaviorista, na qual o aprendizado humano depende, sobretudo, de estímulos, condicionamento de hábitos e ações externas; a gerativista, que se opôs à primeira sob o argumento de que as crianças já nascem com uma predisposição para aprender, pois são capazes de produzir e de criar novas sentenças; e a interacionista, cujos teóricos contestam as posições precedentes, asseverando que o aprendizado se constrói por meio da interação entre o indivíduo e a sociedade. Figueiredo faz esta análise: Em síntese, na visão interacionista, a língua materna é vista como um produto da atividade social, determinado cultural e historicamente, e um processo de interação das crianças com os membros de sua comunidade. Ela não é uma forma de comportamento, nem tampouco uma faculdade inata que capacita as crianças a adquirir somente a competência linguística. (FIGUEIREDO, 1997, p. 24) Na década de 1980, os pesquisadores da LA e outros estudiosos interessados pelo ensino de línguas se voltam para a questão da interação, dos processos sociointeracionais e dos estudos sociocognitivos, com base na concepção de que todo conhecimento cultural se constrói no contexto social. Todavia, Duarte (2000) sinaliza que esse conhecimento passa a ter como referente a realidade dos sujeitos, excluindo a 66 referência histórica. Com efeito, o aspecto cultural é abordado a partir de uma lógica pragmática, deixando de lado uma abordagem do sujeito de caráter filosófico. Sobre o construtivismo piagetiano, pelo qual as novas orientações passam a se calcar no final do século XX, Duarte se apropria desta enunciação de Ernest von Glasersfeld: A ideia-chave que separa o construtivismo de outras teorias da cognição foi lançada há aproximadamente 60 anos por Jean Piaget. Trata-se da ideia de que o que chamamos de conhecimento não tem, e não pode ter, o propósito de produzir representações de uma realidade independente, mas antes tem uma função adaptativa. Esta mudança na avaliação da atividade cognitiva acarreta um irrevogável rompimento com a tradição epistemológica geralmente aceita na civilização ocidental, de acordo com a qual o conhecedor deve se esforçar para atingir uma visão do mundo real. Embora neste século as revoluções nas ciências físicas tenham conduzido à aceitação de que tal visão parece impossível, mesmo de acordo com a teoria física, a maioria dos filósofos atém-se à crença de que o progresso da ciência, de alguma forma, conduzirá a uma aproximação da verdade definitiva. (VON GLASERSFELD, 1998, p. 19 apud DUARTE, 2000, p. 107) Sobre a psicologia cognitiva, Libâneo (2000) acrescenta que o construtivismo piagetiano se desenvolveu como uma forma de reflexividade que governa o “eu” por meio de uma autonomia, de uma liberdade que o torna submisso aos controles sociais por seu egocentrismo. Ao acreditar que o acesso à realidade depende, sobretudo, de sua análise reflexiva, o sujeito se aliena do mundo e de si mesmo. Na década de 1990, com o suporte das pesquisas científicas realizadas no campo da linguística, da LA, da pragmática, da psicologia e da pedagogia, surgiram no ensino de LE as formações com objetivo específico, denominadas FOS, com a finalidade de oferecer aos sujeitos competências que fossem ao encontro de suas reais necessidades de trabalho e de estudo. Com efeito, muitos professores passaram a se especializar em determinado “segmento”. Por exemplo, dedicaram-se à tradução no ensino de LE, produção oral e escrita, e, por conseguinte, se afastaram, muitas vezes, do processo de 67 aprendizado do aluno como um todo, deixando de ser artesãos, que conhecem todas as etapas de seu ofício, para se tornarem operários, que se detêm em realizar uma função específica. Segundo Luis Porcher (CUQ; GRUGA, 2002), a proposta de formação específica teve como principal obstáculo a dificuldade dos professores de identificar e avaliar as necessidades linguísticas dos aprendizes, de formular os objetivos da aprendizagem e de definir os conteúdos. Cabe elucidar que o século XX foi marcado pela economia fordista, que se caracterizou pela produção em série. Contudo, na década de 1970, o mercado vivenciou o toyotismo, que demandava dos sujeitos competências relacionadas com uma produção mais flexível. De acordo com Libâneo (2000), a sociedade pós-industrial se distinguiu da primeira por apresentar um consumismo especializado e por exigir dos sujeitos um conhecimento também especializado. Analisando as diretrizes educativas e o contexto político, econômico e social, observa-se que as ideologias do mercado foram aportadas para a educação e para a ciência. Tais observações se confirmam com o Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. Na indústria, especialmente para os operadores e os técnicos, o domínio do cognitivo e do informativo nos sistemas de produção torna um pouco obsoleta a noção de qualificação profissional e leva a que se dê muita importância à competência pessoal. O progresso técnico modifica, inevitavelmente, as qualificações exigidas pelos novos processos de produção. As tarefas puramente físicas são substituídas por tarefas de produção mais intelectuais, mais mentais, como o comando de máquinas, a sua manutenção e vigilância, ou por tarefas de concepção, de estudo, de organização à medida que as máquinas se tornam, também, mais “inteligentes” e que o trabalho se “desmaterializa”. (2000, p. 93-94) Com o surgimento das DLCs, pesquisadores como Galisson e Puren (2011) enfatizam a importância de que o professor se torne mais autônomo, que ele mesmo 68 construa seu próprio material. No entanto, advertem que isso reivindica o saber teorizar sobre uma problemática com a qual o professor possa se confrontar em sua prática. Em outros termos, ele deve agir como um pesquisador que procura descrever, analisar, interpretar e conceituar o objeto de estudo. De acordo com Duarte e Libâneo, na década de 1990 a abordagem de formação de professores denominada professor reflexivo se embasava exatamente nesses princípios descritos por Puren e Galisson. No primeiro momento, tem-se a impressão de que há o surgimento de uma postura mais crítica; porém, ao fazer uma análise mais detalhada, o professor se dá conta de que a teoria está atrelada, sobretudo, à sua prática, a um saber-fazer. Sobre o conceito de professor crítico e reflexivo, Libâneo profere que: A meu ver, os professores deveriam desenvolver simultaneamente três capacidades: a primeira, de apropriação teórico-crítica das realidades em questão considerando os contextos concretos da ação docente; a segunda, de apropriação de metodologias de ação, de formas de agir, de procedimentos facilitadores do trabalho docente e de resolução de problemas de sala de aula. O que destaco é a necessidade da reflexão sobre a prática a partir da apropriação de teorias como marco para as melhorias das práticas de ensino, em que o professor é ajudado a compreender o seu próprio pensamento e a refletir de modo crítico sobre sua prática e, também, a aprimorar seu modo de agir, seu saberfazer, internalizando também novos instrumentos. A terceira é a consideração dos contextos sociais, políticos, institucionais na configuração das práticas escolares. (LIBÂNEO, 2002, p. 70) Nessa mesma linha de pensamento de Libâneo, Contreras enfatiza a importância de fazer uma reflexão sobre o contexto político, econômico e social na atividade do docente, dizendo que: Tratar-se-ia é de perguntar se é possível conceber a reflexão como um processo que incorpore a consciência sobre as implicações sociais, econômicas e políticas da prática do ensino, para poder superar visões reducionistas da reflexão que não transcendam as implicações mais imediatas da ação em sala de aula, ou com o objetivo de evitar a absorção por retóricas de maior responsabilização sem aumentar a capacidade de decisão. (CONTRERAS, 2002, p. 139) 69 Para alguns especialistas, como Philippe Perrenoud (1999), e os elaboradores de orientações didáticas e pedagógicas, a formação do professor deve ser de caráter tecnicista. Assim, parecem reconhecer apenas como ação do professor a práxis poiésis,7 que está centrada na produtividade relacionada com as necessidades factuais do sujeito, e renega a práxis filosófica, que visa à atividade ética e política, com o propósito de compreender os fenômenos além de suas aparências. Infelizmente, a práxis utilitária vem tendo peso no espaço educativo. Muitos educadores e professores também demonstram certo desprezo pela práxis filosófica, sem refletir que, ao fazerem assim, perdem cada vez mais a autonomia de sua ação e legitimam que outros lhes ditem, prescrevam o certo e o errado, destituindo-os do papel de intelectual no espaço social. Neste trecho, Perrenoud torna explícito que a formação por competência se pauta pela prática: A formação de competências exige uma pequena revolução cultural para passar de uma lógica do ensino para uma lógica do treinamento, baseada em um postulado relativamente simples: constroem-se as competências exercitando-se em situações complexas. (PERRENOUD, 1999, p. 54) Libâneo (2000) assinala que a proposta de reflexividade de Paulo Freire se assenta no processo da ação-reflexão-ação e na consciência política. Comenta que o “método Paulo Freire” propõe que o professor se afaste, inicialmente, do contexto concreto para que consiga ter uma análise mais crítica dos fatos por meio de uma 7 O pensador Aristóteles identificou três tipos de ações: a práxis, a poiésis e a theoria. A primeira se caracteriza por ser instintiva — como exemplo, o trabalho exercido pelas abelhas ao construir uma colmeia; já na segunda, o ato de produzir exige um planejamento, uma intencionalidade, um objetivo específico, que é próprio da natureza humana. A terceira atividade visa a encontrar uma verdade. Nesse caso, a ação do sujeito está centrada na contemplação, na (inter)subjetividade. Contrário, entretanto, à dicotomia entre prática e teoria no curso da história, Karl Marx propõe a práxis prático-crítica sob o pressuposto de que a teoria orienta a prática dos sujeitos e de que esta posta em ação permite reavaliar a teoria e, por sua vez, transformar a realidade (VÁSQUEZ, 2007; KONDER, 1992). 70 decodificação das situações existenciais, que serão confrontadas, posteriormente, com a decodificação do diálogo realizado entre educador e educandos. No contexto concreto somos sujeitos e objetos em relação dialética com o objeto; no contexto teórico assumimos o papel de sujeitos cognoscentes da relação sujeito-objeto que se dá no contexto concreto para, voltando a este, melhor atuar como sujeitos em relação ao objeto. Estes momentos constituem a unidade […] da prática e da teoria, da ação e da reflexão. […] A reflexão só é legítima quando nos remete sempre […] ao concreto, cujos fatos busca esclarecer, tornando assim possível nossa ação mais eficiente sobre eles. Iluminando uma ação exercida ou exercendo-se, a reflexão verdadeira clarifica, ao mesmo tempo, a futura ação na qual se testa e que, por sua vez, se deve dar a uma nova reflexão. (FREIRE, 1976, p. 135 apud LIBÂNEO, 2000, p. 58) Libâneo conclui salientando que existem dois tipos de reflexividade: a de cunho neoliberal, que se apoia na ideologia (neo)positivista, na racionalidade instrumental, e a de cunho crítico, que discute a reflexividade crítica, crítico-reflexiva, reconstrucionista social, comunicativa, hermenêutica. O autor acrescenta ainda que determinadas concepções do professor reflexivo aportam temas do “pensamento pós-moderno”. Apesar de todas as críticas sobre a formação do professor, Moita Lopes (1996) se mostra um pouco mais otimista com relação ao futuro do ensino-aprendizado de línguas, pois constata a existência de um movimento que denomina professorpesquisador. Isso significa que o professor vem deixando de exercer somente o “papel de cliente/consumidor” (p. 89) e está procurando assumir uma atuação investigativa e crítica. Em sua leitura, essa tendência aponta para uma necessidade do próprio educador de ter um melhor domínio sobre a sala de aula. Almeida Filho (2008), entretanto, adverte que ainda há poucos professores que voltam à universidade. Reconhece, porém, que ser pesquisador exige, em específico, saber pesquisar, ler e discutir sobre as recentes investigações. Todavia, conforme Moita Lopes (1996), o pós-graduado em Letras atuará diferentemente e, por conseguinte, 71 mexerá com o cenário escolar. Cabe dizer que uma das fortes críticas à LA está atrelada, ainda, à distância existente entre a academia e as aulas de língua. Para finalizar, a dicotomia entre teoria e prática no ensino-aprendizado de LE parece ser explicada por sua própria história, que se constituiu, sobretudo, apoiada nos pilares de uma epistemologia pragmática, como se o processo de ensino-aprendizado fosse objetivo e sem inúmeras invariáveis. Se, no período do estruturalismo, isso se expressava nitidamente, no pós-estruturalismo/pós-modernismo observa-se uma dissimulação desse pragmatismo. Ao analisar as fundamentações teóricas, as orientações de ensino e os discursos de determinados pensadores, constata-se que não há uma preocupação em formar sujeitos críticos que reflitam sobre o cenário educativo e proponham transformações, de fato, na história. As “mudanças” propostas surgem apenas como uma adequação às novas necessidades do mercado. 2.1 AS IDEOLOGIAS IMPLÍCITAS EM TORNO DO MULTI/PLURI/INTER/TRANSDISCIPLINAR Fazendo uma breve contextualização dos modos de apreensão e de transmissão do conhecimento, convém ressaltar que a concepção positivista teve seu auge no século XIX com Augusto Comte, que via o método científico como o único meio confiável para se chegar à verdade. Além disso, os positivistas pregavam que o progresso do Estado, do sistema capitalista e da sociedade dependia de leis e de ações que garantissem a ordem social. Essa concepção de organicidade, categorização foi incorporada em diversos domínios. No âmbito do saber, com o intuito de melhor 72 apreendê-lo, as ciências foram divididas em disciplinas; na esfera do trabalho, a fragmentação da produção contribuiu para o aumento da produtividade; na educação, o ato de educar passou a ser um dever das sociedades modernas e o de aprender, um direito do cidadão (IMBERNÓN, 1999). No que diz respeito ao discurso contra a disciplina e a favor da multi/pluri/inter/transdisciplinaridade, é necessário verificar que subjacentes a essa concepção existem muitas vezes ataques às pesquisas científicas. As principais críticas que lhe são lançadas devem-se a seu rigor metodológico para tratar da realidade e dos sujeitos e ao tratamento descontextualizado dos fatos, desconsiderando que eles funcionam, em geral, interligados, integrados e em função de dada realidade. Com relação aos defensores da interdisciplinaridade, convém mencionar que é possível constatar três tipos de vertentes: a humanista, a crítico-social e a da complexidade. No entanto, antes de discorrer sobre as vertentes interdisciplinares, é essencial estabelecer as diferenças entre os conceitos de multidisciplinar, pluridisciplinar, transdisciplinar e interdisciplinar, tão citados no atual contexto. Valer dizer que há muitas polêmicas sobre o modo de conceituá-los. Todavia, muitos estudiosos concordam com o fato de que a interdisciplinaridade remete à ideia de práticas que vão além da disciplinaridade. As autoras Fernanda Morillo, Maria Bordons e Isabel Gómez declaram que: As definições mais comumente aceitas vêm da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] (1998), na qual multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade são usadas para se referir a um nível crescente de interação entre disciplinas. Assim, na pesquisa multidisciplinar o assunto estudado é abordado de diferentes ângulos, usando diferentes perspectivas disciplinares, e não é realizada a integração entre elas. A pesquisa interdisciplinar leva à criação de uma identidade teórica, conceitual e metodológica, assim resultados mais coerentes e integrados são obtidos. Finalmente, a transdisciplinaridade vai um passo além e se refere a um processo no qual a convergência entre as disciplinas é 73 observada, e acompanhada por uma integração mútua das epistemologias disciplinares. (MARTINO; BOAVENTURA, 2013, p. 3 apud MORILLO; BORDONS; GÓMEZ, 2003, p. 1237) José Luiz Fiorin (2008) acrescenta ainda que os pesquisadores não fazem mais a distinção entre multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade. Ambos os termos passaram a remeter ao estudo de um mesmo objeto sob a abordagem de vários campos, de forma paralela e independente. Já a interdisciplinaridade demanda que os investigadores de áreas distintas transfiram conceitos teóricos e metodológicos e sejam capazes de promover a interseção das disciplinas. A título de exemplo, o sociólogo Pierre Bourdieu se valeu de conhecimentos da economia na elaboração de conceitos como capital cultural e bens de cultura, que vão ser tratados na próxima sessão desta pesquisa. No que diz respeito à transdisciplinaridade, a proposta é de fusão e de diluição das fronteiras disciplinares. Nesse caso, Fiorin cita a ecologia, que se constituiu em saberes diversificados. Convém dizer que esse novo tratamento à pesquisa visa a transcender a territorialização científica, centrada no objeto, na matéria e deixando à margem o ser humano. No que diz respeito à vertente interdisciplinar humanística no Brasil, encontramse, como principais representantes, Hilton Japiassu, Ivani Fazenda e Georges Gusdorf. Este último declara que: Os sábios modernos deveriam buscar em comum a restauração das significações humanas do conhecimento […]. É preciso restaurar a aliança da ciência com a sabedoria […]. A significação fundamental da interdisciplinaridade é a de uma chamada à ordem do humano, de um humanismo da pluralidade e da convergência. (GUSDORF, 1977, p. 37) Ao defender a necessidade de restaurar a relação entre ciência e sabedoria, Georges Gusdorf (1977) faz alusão ao fato de que, ao longo da história, filósofos 74 estudiosos em geral adotavam uma postura interdisciplinar em face do conhecimento, tendo esta sido perdida a partir do século XX. Sobre esse relato, vale comentar que o autor, inicialmente, nos leva a reavaliar a imagem da interdisciplinaridade como um pensamento revolucionário, que muitos pesquisadores e entidades, como a Unesco e a OCDE, tentam transmitir, sobretudo no campo das ciências sociais. Contudo, ao versar sobre a LA, o presente estudo mostrou seu caráter interdisciplinar. Aliás, este trecho de Moita Lopes remete a um comentário sobre o reencantamento pela interdisciplinaridade na atualidade: A questão da interdisciplinaridade, que se tornou quase um dos truísmos em epistemologias contemporâneas, já era apontada na LA nos anos 80, embora seja necessário reconhecer que fosse sempre mais defendida como plataforma do que de fato executada. Havia e ainda há uma preponderância de teorização linguística, agora principalmente de uma linguística do discurso, o que já me levou a dizer que na LA temos “interdisciplinaridade, pero no mucho!” (MOITA LOPES, 2006, p. 20) Com relação à formação de especialista, deve-se dizer que a angústia de Gusdorf é compartilhada por um número expressivo de cidadãos que vêm se questionando sobre o tratamento impessoal que recebem nos consultórios, hospitais, escolas etc. Cada profissional se restringe à sua especialidade e desconsidera o ser humano como um todo, desprezando sua realidade, sua história. Para essa vertente, o trabalho interdisciplinar se revela como a melhor solução para recuperar os valores humanistas perdidos na atualidade, integrando conhecimento e ação, ou seja, teoria e prática. Como principais expoentes da vertente social-crítica estão Glaudêncio Frigotto, Norberto J. Etges, Roberto Follarir e Antônio Joaquim Severino. Eles reconhecem a relevância da interdisciplinaridade, sobretudo no universo das ciências sociais e da educação, no qual tudo está subordinado ao ser humano e às suas relações sociais. Além disso, dadas a complexidade humana e a magnitude de desafios impostos ao ser humano 75 na atualidade, o acesso ao conhecimento vai solicitar cada vez mais do pesquisador, de maneira natural, a busca de saberes, de mediações em outros campos e de mudanças no plano epistemológico (FRIGOTTO, 2011). Todavia, é necessário dizer que o surgimento da vertente social-crítica provém da objeção à concepção de interdisciplinaridade da corrente humanista. A principal crítica diz respeito ao fetichismo sobre a interculturalidade, ou seja, vê-la como a salvação de todos os males e desconsiderar o contexto histórico-social no qual a sociedade está inserida. De acordo com Jantsch e Bianchetti (2011), a ideologia capitalista perpassa todas as esferas sociais; não há como negligenciar esse fato. Os autores acrescentam ainda que essa vertente peca por atribuir aos sujeitos o poder absoluto na construção do conhecimento e do pensamento, como se eles fossem capazes de salvar o mundo com a ajuda de parcerias. Todavia, advertem que os trabalhos em “equipe” podem ser tão ou mais fragmentados que os realizados individualmente. O tipo de modalidade de trabalho não é fator determinante para estabelecer uma visão mais totalitária de um problema e menos alienante. Ainda sobre a vertente humanista, Porto e Almeida a definem como: […] uma perspectiva humanista e pedagógica, para propor a busca de um diálogo ecumênico e reflexivo entre as várias áreas do conhecimento, centrando a transformação numa mudança de espírito dos próprios pesquisadores e do sistema de ensino. (PORTO; ALMEIDA, 2002, p. 337) A enunciação reforça a concepção dessa vertente de que o ato de trabalhar com o público, o sujeito, precisa de diálogo, de interação. No âmbito da educação, as relações professor-aluno, aluno-aluno e professor-educador se mostram fundamentais para que se possam avaliar melhor os conhecimentos de que os alunos são detentores e aqueles que 76 ainda precisam da mediação dos educadores para serem alcançados. No entanto, é primordial que todos estejam conscientes do contexto político, econômico e social na preparação dos conteúdos, dos planos de aulas, das propostas pedagógicas etc. Existe uma realidade social fora e dentro do estabelecimento escolar que precisa ser avaliada e pensada no espaço escolar, na sala de aula. A respeito da vertente da complexidade, um de seus principais expoentes é Edgar Morin, o criador da teoria da complexidade. Porto e Almeida destacam que essa terceira tendência […] possui como característica central uma crítica epistemológica à ciência contemporânea [moderna], a partir da incorporação da temática da complexidade e da perspectiva sistêmica, contribuindo para o aprofundamento teórico-metodológico em torno das diferentes estratégias de integração disciplinar. (PORTO; ALMEIDA, 2002, p. 338) Sobre a teoria da complexidade, Morin (2002) define inicialmente que complexus significa um tecido construído em conjunto, cuja funcionalidade de todos os elementos depende da interação e da união de todas as partes. De acordo com o autor, a extração de um componente impede a complexidade. Transportando esse pensamento para a educação, compreende-se que ela não funciona e encontra-se estagnada porque o conhecimento foi dividido em disciplinas. Frigotto contesta a concepção de delimitação de um objeto de investigação como um procedimento de fragmentação arbitrária, asseverando que: A compreensão da categoria totalidade concreta em contraposição à totalidade caótica, vazia, é imprescindível para entendermos a interdisciplinaridade como necessidade imperativa na construção do conhecimento social. A totalidade concreta, como nos adverte Kosik (1978), não é tudo e nem é a busca do princípio fundador de tudo. Investigar dentro da concepção da totalidade concreta significa buscar explicitar, de um objeto de pesquisa delimitado, as múltiplas 77 determinações e mediações históricas que o constituem. A historicidade dos fatos sociais consiste fundamentalmente na explicitação da multiplicidade de determinações fundamentais e secundárias que os produz. (FRIGOTTO, 2011, p. 37) O autor salienta ainda que a produção do conhecimento precisa do sujeito, que, embora busque esgotá-lo em sua totalidade, é limitado. O conhecimento humano é sempre relativo, parcial e incompleto. Além disso, embora a interdisciplinaridade permita, sobretudo ao campo das ciências sociais, tornar seu objeto de investigação mais concreto e complexo, diminuindo, assim, o grau de relatividade, imprecisão, a autora chama a atenção para o fato de que as propostas inter/transdisciplinares têm como principal obstáculo a atual materialidade histórica, que fragmenta o sujeito por meio da dominação, da alienação e da exclusão. Paralelamente a essas correntes, observa-se, em proporção menor, a existência de pesquisadores, professores, filósofos, educadores e outros que começam a questionar a forte pressão do poder público pela incorporação da interdisciplinaridade na educação. Em documentos como os PCNs, congressos, colóquios e nas formações pedagógicas, há sempre orientações para que os professores proponham atividades de natureza interdisciplinar. Convém ainda reforçar que crescem os grupos de estudo sobre essa temática no espaço acadêmico, como o Grupo de Estudos e Pesquisa em Interdisciplinaridade (Gepi) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), criado em 1981. No campo dos críticos da interdisciplinaridade está Carneiro Leão, que entende o surgimento desse movimento como um mecanismo da atualidade para viabilizar a funcionalidade da ciência moderna no controle e no domínio. Em sua linha de pensamento: “O que existe é uma disciplinaridade multi, inter, transdisciplinar” (1991, p. 4). Acrescenta também que não existe muita diferença entre ciências naturais, sociais e humanas, pura ou sistêmica. Em sua ótica, todas estão preocupadas em transformar o 78 real em objeto, em operacionalizá-lo para conseguir apreender o saber e expandir o poder. Com relação à participação das entidades na discussão do tema da interdisciplinaridade, no artigo “O mito da interdisciplinaridade: história e institucionalização de uma ideologia” (2013), Luiz C. Martino e Katrine Tokarski Boaventura se mostram mais indignados porque elas visam a atribuir à interdisciplinaridade o papel de formadora de conhecimento, embora não se tenha ainda uma definição mais precisa do que seja interdisciplinaridade e não se conheçam seus procedimentos epistemológicos. Explanam também que, em 1968, a Unesco publicou em sua revista artigos associados apenas ao tema multidisciplinaridade, e a OCDE organizou um seminário cujo título foi “As ciências sociais em um ponto de virada?”. Para os autores, não resta dúvida de que essas entidades têm interesse em colocar em questão o conhecimento científico moderno. Com o intuito de confirmar as intenções dessas entidades, este estudo se apropria da fala de Luk van Langenhove, que Martino e Tokarski extraíram do artigo “From opening to rething the social sciences”: Minha posição pessoal é que é realmente necessária uma reformulação radical das ciências sociais. As organizações internacionais podem desempenhar um interessante papel em tal processo, tornando os governos cientes dos problemas em seus sistemas nacionais de ciências sociais e estimulando o desenvolvimento de novas abordagens. A organização institucional das ciências sociais será um grande obstáculo na mudança das ciências sociais. Os governos podem intervir no uso do dinheiro público disponível para estimular novas iniciativas transdisciplinares. (LANGENHOVE, 2004, p. 64 apud MARTINO; BOAVENTURA, 2013, p. 8) Como considerações finais sobre o movimento interdisciplinar para a produção e a socialização do conhecimento, é necessário destacar que o desejo de ruptura com o paradigma precedente parece estar se sobrepondo à realidade e à razão humana. Os procedimentos utilizados para a mediação do conhecimento precisam ser avaliados em 79 função do contexto histórico, da situação e dos sujeitos envolvidos. Tomar a interdisciplinaridade como solução para todos os males das ciências naturais, das ciências sociais e da educação significa adotar uma postura tão ou mais positivista. Não se questiona o fato de que a investigação nas ciências sociais com a interação de outras disciplinas permite ao pesquisador um conhecimento mais concreto de seu objeto; porém, o que chama a atenção é a tentativa de mascarar suas limitações. Retomando as críticas sobre a interdisciplinaridade, cumpre dizer também que seu enfoque epistemológico e pedagógico está ainda em processo de construção. Existem apenas definições imprecisas sobre o que é a interdisciplinaridade e uma fundamentação teórico-metodológica que parece desconsiderar a materialidade histórica. A teoria da complexidade moriniana, ao visar ao todo, pode promover a superficialidade do conhecimento, gerando, assim, um conhecimento ainda mais fragmentado. Com o interesse de compreender melhor o modo como a educação se processa na modernidade e/ou na pós-modernidade e sendo consciente de que o ato de educar não se restringe a práticas e a teorias educativas, esta pesquisa considera primordial abordar a questão educativa sob a perspectiva dos estudos sociológicos e filosóficos. Como afirma Frigotto (2011), o conhecimento de forma mais totalizante de si e do mundo só é possível quando os fatores histórico-materiais e culturais são contemplados na formação do sujeito. Em contrapartida, independentemente da pluri/inter/transdisciplinaridade e de todos os outros tipos de mediação do conhecimento, a negligência da materialidade histórica, de modo (in)consciente, aponta para uma ação pedagógica de caráter reprodutor, que não apenas contribui para a fragmentação, a alienação humana, bem como impede sua humanização. 80 2.2 EDUCAÇÃO COMO REDENÇÃO, REPRODUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO: OS TIPOS DE AÇÕES MEDIADAS O filósofo Cipriano Luckesi (1994) identificou três tendências filosóficas de interpretação da educação: a redentora, que compreende a educação como uma forma de salvar a sociedade de suas mazelas; a reprodutora, que considera o espaço escolar como um lugar de preparação para a vida em sociedade, um espaço cuja finalidade é reproduzir a sociedade tal como ela está, de modo a perpetuá-la; e a transformadora, que se dá quando o educador, a escola age como instância mediadora, de modo a entender a e a viver na sociedade. No caso da terceira tendência, convém explicitar que a ação pedagógica terá o intuito de problematizar os fatos sociais, e não apenas transmiti-los, como se os alunos fossem um depósito. Nessa ação, o educador, o professor leva em conta os sujeitos, o contexto de interação, as ideologias e os fatores políticos, econômicos, sociais e pedagógicos. Esta fala de Dermeval Saviani vem reforçar tal sentido de educação: Um processo que se caracteriza por uma atividade mediadora no seio da prática social global. Tem-se, pois, como premissa básica que a educação está sempre referida a uma sociedade concreta, historicamente situada. […] Como atividade mediadora, a educação se situa em face das demais manifestações sociais em termos de ação recíproca. A fim de determinar o tipo de ação exercida pela educação sobre diferentes setores da sociedade, bem como o tipo de ação que sofre das demais forças sociais, é preciso, para cada sociedade, examinar as manifestações fundamentais e derivadas, as contradições principais e secundárias. (SAVIANI, 1980, p. 120) Nesse trecho, compreende-se que a ação mediadora considera o sujeito, sua realidade e sua historicidade, bem como os conteúdos e as habilidades escolares, visto que eles também são parte integrante da sociedade. E é nesse confronto de 81 conhecimento que se acredita construir um novo saber. Para finalizar, Saviani (1980) chama essa ação de pedagógico-histórico-crítica e acrescenta que ela surgiu nas escolas públicas, visando a estabelecer um modo de agir que democratizasse não somente o acesso à educação, mas também ao conhecimento. Na leitura de Luckesi (1994), a compreensão da educação como redentora não significa apenas o intuito de livrar o ser humano de seus possíveis “desvios”, mas também de garantir o bem-estar social, a integração da sociedade e dos indivíduos. No dicionário de Aurélio B. H. Ferreira (2008, p. 689), um dos significados do termo “redenção” é: “O resgate do gênero humano por Jesus, sob o aspecto da libertação da escravidão do pecado.” Isso remete a religião, Igreja e mudança de conduta, de comportamento. Sabe-se que a Igreja Católica controlou não apenas a formação dos indivíduos no espaço social, mas também no escolar, durante toda a Idade Média. Ela tinha o direito de expiar, perdoar e impor sanções aos indivíduos. Cambi (1999) afirma que a Igreja estabeleceu na escola determinadas práxis ao professor, como o ato de premiar e castigar, que ainda estão presentes no imaginário de algumas pessoas. Neste excerto, o autor sintetiza o domínio ideológico da Igreja Católica sobre a humanidade: O cuidado educativo que a Idade Média dedica ao imaginário nos indica não só a alta taxa de ideologia que atravessa aquela sociedade (feudal e depois mercantil), agregando ao aspecto religioso uma visão do mundo que sutilmente se difunde, modelando expressões e comportamentos, temores e esperanças, convicções e ações, como também o caráter autoritário, dogmático, conformista dessa ação educativa, da qual são depositárias as classes cultas e dotadas de poder — os oradores, os eclesiásticos in primis —, que agem por meio de muitos instrumentos (da palavra à imagem, ao rito etc.), de modo “microfísico” (ou micropsíquico), construindo um tecido uniforme e profundo (que age na profundeza do indivíduo) na vida social, um tecido persistente e que nem mesmo as aventuras do Moderno 82 conseguirão transformar completamente e muito menos remover. (CAMBI, 1999, p. 148; grifo nosso) Todavia, Luckesi destaca que a concepção da educação como redentora não se restringiu à Igreja, a João A. Comênio, escritor da Didacta magna. Os enciclopedistas da Revolução Francesa (pedagogia tradicional) e os pedagogos do século XIX (pedagogia nova) também “consideram a sociedade como um todo orgânico que deve ser mantido e restaurado através da educação” (LUCKESI, 1994, p. 41). No século XVII, período da Reforma e da Contrarreforma, da revolução burguesa, tem-se o surgimento da escola moderna, organizada e administrada pelo Estado, cujo objetivo será o de formar cidadãos, técnicos, intelectuais. Em face dessa racionalização escolar, a formação religiosa vai perdendo de modo gradativo seu sentido. Segundo Franco Cambi (1999), a instituição escolar e o poder público começam a assumir, nesse cenário, a formação do homem civil, fixando-lhes regras para falar, vestir, comer, comportar-se etc. No século XVIII, a escola se caracteriza, em particular, por ser laica, racional, científica e por rediscutir a liberdade individual com base nos princípios dos ideais iluministas. Parece contundente, entretanto, sublinhar que o filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) expressava nesse contexto certa insatisfação com o sistema escolar, pois este servia aos interesses da elite dirigente do Antigo Regime. A proposta rousseauniana de renaturalização do homem, corrompido pelo luxo das sociedades modernas, apresentada em seu romance Emílio, parece reforçar tal sentimento: Viver é o ofício que lhes quero ensinar. Saindo das minhas mãos, ele não será, admito, nem magistrado, nem soldado, nem padre; será antes de tudo um homem: tudo aquilo que um homem deve ser, ele saberá sê-lo, neste caso como qualquer um; e, por mais que a fortuna possa fazê-lo mudar de condição, ele se encontrará sempre na sua. (ROUSSEAU, 1979) 83 Por outro lado, o iluminista Immanuel Kant (1724-1804) tinha a educação como um instrumento que possibilitaria à natureza humana se tornar melhor e, consequentemente, alcançar a felicidade da humanidade. Apesar de ser racionalista, sua concepção pedagógica estava assentada na redenção, pois confiava à educação a construção de uma sociedade mais harmoniosa. Carvalho (2004) afirma que Kant via o homem como um ser dotado de potencialidades, e a educação, como o meio de aperfeiçoá-las, de polir as imperfeições humanas. As ideologias da Revolução Francesa — liberdade, igualdade e fraternidade — e os interesses burgueses e políticos na fase jacobina e, posteriormente, na fase napoleônica culminaram no advento de uma escola contemporânea estatal e centralizada. Contudo, a democratização do ensino básico, uma das bandeiras dos liberais revolucionários, só se concretizou após a Revolução Industrial. Com o desenvolvimento do capitalismo, a função da escola é revista, advindo uma formação com a finalidade de ajustar o cidadão às novas necessidades do trabalho e da sociedade. Com efeito, há o aparecimento da pedagogia liberal renovada tecnicista (metodologia áudio-oral e metodologia audiovisual), baseada nas teorias psicológicas comportamentalistas e biológicas, cujo foco é oferecer uma educação diferenciada, voltada para as aptidões individuais (LIBÂNEO, 2009). Nasce, portanto, a tendência reprodutora, que interpretará a educação como parte integrante da sociedade. Ou seja, a escola passa a existir para servir à sociedade, a suas necessidades. É essencial esclarecer que a tendência reprodutora não representa uma proposta pedagógica, como as anteriores, mas demonstra como a educação atua na modernidade (LUCKESI, 1994, p. 42). No entanto, antes de adentramos a análise das ações reprodutoras da educação, vale dizer que os pensadores em questão vão demonstrar em suas abordagens imagens 84 otimistas, pessimistas e outras mais realistas do papel da educação para a sociedade. Como procedimento metodológico, este estudo vai estabelecer, inicialmente, a distinção entre esses três grupos, a fim de que se possa ter uma percepção mais nítida das ações pedagógicas. Com base nas tendências filosófico-políticas de Cipriano Luckesi (1994), no primeiro grupo de teóricos está Emile Durkheim, que enxerga a educação como uma instância com poder de tornar melhor a vida da sociedade, do ser humano, da humanidade. Isso revela uma visão redentora da educação. O segundo grupo, composto por Louis Althusser, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, vai demonstrá-la como uma instância da classe dominante, uma ação reprodutora e, por conseguinte, se põe a expor e a denunciar as incongruências das escolas, das instituições educacionais e universitárias. Karl Marx, Antonio Gramsci, Max Weber, István Mészáros e Hannah Arendt podem ser enquadrados no terceiro grupo de teóricos, na medida em que não refutam o papel alienante da educação na sociedade e reconhecem seus condicionantes históricosociais; porém, buscam brechas dentro da realidade social para que o indivíduo seja mais consciente de sua existência e das medidas econômicas, políticas e sociais tomadas no contexto social. No caso de Gramsci e Mészáros, convém dizer que eles veem o professor como um agente contra a internalização das ideologias dogmáticas e alienantes. 85 2.2.1 A educação redentora de Emile Durkheim Em meados do século XIX, ancorado nos aportes da filosofia positivista de Auguste Comte, o sociólogo estruturalista Emile Durkheim (2007) foi quem se debruçou na análise, em específico, do papel da educação na coesão social e na demonstração da semelhança do sistema educacional com o da sociedade. Para Durkheim, a educação era fundamental, pois atuava na socialização do sujeito. No que diz respeito à sociedade moderna, Durkheim verificou a presença de grupos diferentes exercendo papéis sociais diferentes, mas vivendo de forma harmônica. Em uma tribo de índios, em que todos desempenham a mesma função, o autor também observou certa solidariedade entre os sujeitos; entretanto, destacou que esta tinha dinâmicas diferentes. No caso da escola, deparou-se com o mesmo fenômeno social: a presença de uma estrutura fixa, comum a todas, porém apresentando algumas variáveis em função do ideal de ser humano que se pretende formar. Em ambos os espaços, constatou-se a existência de uma consciência coletiva, de uma coesão social, apesar da diversidade de crenças e de valores presentes nas grandes cidades modernas. A título de exemplo, na sociedade brasileira existem muitas escolas que pregam, sobretudo, uma educação laica, mas também há as que visam a uma orientação religiosa específica e outras que vislumbram um ensino ecumênico. Além disso, é possível ter nessas vertentes religiosas pessoas que não compartilham da mesma crença, porém estudam, trabalham e convivem. Durkheim aponta, ainda, como elementos de semelhança entre a sociedade e a escola as crenças, as práticas morais, as tradições nacionais e outros valores que são 86 transmitidos em ambos os ambientes com o objetivo de construir nos indivíduos o sentimento de pertencer a um grupo, a uma coletividade. Na escola, a particularidade do ato de educar está em propiciar para a sociedade uma instrução sistematizada com o propósito de preparar as crianças, os indivíduos para a vida. Como proposta pedagógica, esta enunciação de Durkheim expressa sua concepção da educação: A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não estão maduras para a vida social. Tem por objeto suscitar e desenvolver na criança certo número de estados físicos, intelectuais e morais que lhe exigem a sociedade política no seu conjunto e o meio ao qual se destina particularmente. (DURKHEIM, 2007, p. 14) É impossível não comentar que a concepção durkheimiana gera inicialmente certo desconforto ao colocar a existência humana condicionada à ordem social. Por outro lado, as grandes cidades, compostas de sujeitos de origens, culturas, profissões diversas etc., precisam da educação, da escola para preservar parte da consciência, da moral coletiva. O autor chama a atenção para a ameaça do sentimento individualista na harmonia social nesse tipo de sociedade heterogênea. Na perspectiva durkheimiana, a sociedade é que faz o ser humano. Os pais, os familiares transmitem valores, crenças, costumes, regras às crianças para que elas possam viver com outros indivíduos e construir sua identidade. No entanto, ele não relativiza que é por meio do ser humano, de sua capacidade representativa que existe a sociedade. Este ser social não aparece completo na constituição primitiva do homem… Foi a própria sociedade, à medida que se formou e consolidou, que tirou do seu próprio seio as grandes forças morais… A criança, ao entrar na vida, não traz consigo mais do que a sua natureza de indivíduo. A sociedade encontra-se, pois, por assim dizer, a cada nova geração, na presença de uma tábua quase rasa sobre a qual 87 é necessário começar [a se] constituir de novo... (DURKHEIM, 2007, p. 15) No combate aos filósofos e pedagogos que concebiam a educação como um constructo individual e se opunham à teoria da educação como algo social, Durkheim retrucava as críticas sob a alegação de que suas asserções haviam sido feitas com base em observações, fatos pautados pelos critérios científicos. Como modelo de ensino, defendia um ensino público e laico. Como Marx, também tinha subjacente a suas teorias a ideia de que a educação, no contexto capitalista, agia na reprodução da organização social. No entanto, Marx sonhava com uma ação pedagógica transformadora/crítica. Após o estudo do professor reflexivo de natureza neoliberal, verifica-se nessa vertente o desejo do retorno de uma educação como aliada da paz social, como uma entidade moralizante, bem semelhante do ideário de Durkheim. A respeito dessa busca dos valores tradicionais, Apple (2006), pensador da educação pós-moderna, vem confirmar tal suspeita, ressaltando que existem neoliberalistas pregando o retorno do patriotismo, dos princípios moralizantes, como uma forma de controle social. A título de exemplo, o autor cita William Bennett, que foi ex-secretário da Educação nos Estados Unidos e escreveu um livro com “narrativas morais”, destinado ao público infantil. 2.2.2 O poder ideológico e segregativo da instituição escolar Adverso ao sistema capitalista, Louis Althusser (1918-1990) se engajou em apresentar o modo como a ideologia burguesa se fortaleceu na sociedade para manter o 88 poder do Estado burguês. Concernente ao papel da educação, o autor expressa certo pessimismo, pois não enxerga a instituição escolar como um instrumento de transformação social, mas como um espaço reprodutor, difusor das ideologias da classe dominante. Em Aparelhos ideológicos de Estado (1985), Althusser defende que as ideologias da classe dominante estão disseminadas tanto na superestrutura quanto na infraestrutura social. Vale destacar que, no pensamento marxista, a superestrutura comportava o jurídico-político (o direito e o Estado) e o ideológico (as diferentes ideologias: religiosa, moral, jurídica etc.), e a infraestrutura era a “unidade” das forças produtivas com as relações de produção. Nesse nível, as ideologias dominadoras eram apenas impostas. Para explicar a alienação, a dominação do indivíduo pelo sistema de produção capitalista, Althusser traz o conceito de mecanismo de sujeição, que se instaura quando “o agente se reconhece como sujeito e se sujeita a um Sujeito absoluto” (1985, p. 8) a partir de um falso pensamento, de uma crença que lhe foi incutida na prática social, a saber, a ideia disseminada, introjetada na sociedade e reforçada na escola de que a qualificação assegura a empregabilidade do indivíduo. Almejando entender o funcionamento da ideologia na sociedade, Althusser faz a distinção entre o aparelho repressor do Estado (ARE) e o aparelho ideológico do Estado (AIE). O primeiro compreende o governo, a administração, as Forças Armadas, a polícia, os tribunais, as prisões, impondo a violência física (in)direta e (i)legal. O último constitui o aparelho escolar, o aparelho familiar, o aparelho religioso, o aparelho político etc. Em suma, as diferentes instituições e organizações que fazem parte do sistema. 89 Um aparelho ideológico de Estado é um sistema de instituições, organizações e práticas correspondentes, definidas. Nas instituições, organizações e práticas desse sistema é realizada toda a ideologia de Estado ou uma parte dessa ideologia (em geral, uma combinação típica de certos elementos). A ideologia realizada em um AIE garante sua unidade de sistema “ancorado” em funções materiais, próprias de cada AIE, que não são redutíveis a essa ideologia, mas lhe servem de “suporte” (ALTHUSSER, 2008, p. 104). Deve-se mencionar como distinção desses dois aparelhos ainda o fato de que a Igreja, a escola, os partidos funcionam valendo-se de modo predominante da ideologia. A polícia e a Justiça se utilizam, em particular, da força física ou da força legal. A articulação entre o ARE e o AIE, apoiados nas ideologias da classe dominante, corrobora a reprodução das relações de produção. No caso do sistema escolar, o ARE determina as leis, as diretrizes educacionais, e a escola, com a legitimação dos pais, da sociedade, as aplica. Althusser concebe a escola como o AIE dominante no sistema capitalista. Menciona que o principal AIE, anteriormente, era a Igreja, atuando nas funções religiosas, educacionais, culturais e até editoriais. Com a ascensão da burguesia e o declínio da aristocracia, o aparelho ideológico escolar se sobrepõe ao da Igreja. Um poder de dominação que se faz de forma sutil e com o consentimento da sociedade, que não vê seu poder nocivo (ALTHUSSER, 2008 p. 168). Em Aparelhos ideológicos de Estado (1985), o autor faz esta descrição da escola: Ela se encarrega das crianças de todas as classes sociais, desde o Maternal, e desde o Maternal ela lhes inculca, durante anos, precisamente durante aqueles em que a criança é mais “vulnerável”, espremida entre o aparelho de Estado familiar e o aparelho de Estado escolar, os saberes contidos na ideologia dominante (o francês, o 90 cálculo, a história, as ciências, a literatura), ou, simplesmente, a ideologia dominante em estado puro (moral, instrução cívica, filosofia). Algures, por volta do 16o ano, uma enorme massa de crianças entra “na produção”: são os operários ou os pequenos camponeses. Uma outra parte da juventude escolarizável prossegue: e, seja como for, caminha para os cargos dos pequenos e médios quadros, empregados, funcionários pequenos e médios, pequenos burgueses de todo tipo. Uma última parcela chega ao final do percurso, seja para cair no semidesemprego intelectual, seja para fornecer, além dos “intelectuais do trabalhador coletivo”, os agentes da exploração (capitalistas, gerentes), os agentes da repressão (militares, polícias, políticos, administradores) e os profissionais da ideologia (padres de toda a espécie, que em sua maioria são leigos convictos). (ALTHUSSER, 1985, p. 79) Porém, reconhece que, diferentemente do ARE, formado pela classe dominante, o AIE, constituído de sujeitos de diversas classes sociais, pode servir como lugar de luta de classes dos que perderam o poder, bem como dos que não se submetem à exploração do sistema vigente. Em suma, as ideologias do Estado, embora sejam as predominantes, não são as únicas; há sempre relações de força. Outro exemplo são os partidos políticos com ideologias diversas da do Estado, mas que pertencem ao AIE. O Estado lhes dá direitos legais para que possam atuar. Em compensação, eles devem seguir as regras do sistema. No caso da instituição escolar, Althusser menciona a ação heroica de alguns professores que vão de encontro às ideologias do sistema vigente. Contudo, assinala que a maioria desses profissionais age como um simples reprodutor da ideologia dominante: empenha-se em seguir as recentes orientações, os métodos tidos como novos e não reflete sobre sua sujeição ao sistema vigente. Quanto à contribuição da teoria althusseriana para a presente pesquisa, ela serve para mostrar que a escola é um espaço político e nada neutro. Tanto ao se silenciar quanto ao se pronunciar, sua função preside, em geral, em inculcar suas ideologias. Todavia, Althusser parece desconsiderar que a manutenção do poder do Estado demanda certo equilíbrio em suas decisões e negociações para que suas ideologias não 91 sejam postas em xeque por outras ideologias, mesmo em espaço no qual haja pouca consciência política. No caso do professor, observa-se que há especialistas que se colocam a contestar a formação de caráter pragmático proposta aos docentes e pleiteiam que os cursos de licenciatura considerem a educação como um processo histórico e crítico. Ainda que essa posição não seja predominante, ela traz contribuições importantes para o professor, pois revela as incongruências do professor reflexivo, gerando discussões no campo. A respeito das ações de natureza reprodutora no contexto educativo, o presente estudo não pode deixar de mencionar igualmente as pesquisas de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron (2011) nos anos 1960, nas quais é retratado o aspecto segregativo da educação e é colocado em xeque o discurso da entidade escolar como lugar de reparação das desigualdades sociais, de construção de uma sociedade mais justa, mais democrática e emancipadora. Para esses autores, a escola faz exatamente o oposto, pois privilegia a cultura das elites e ao mesmo tempo renega, negligencia e tenta apagar a cultura das classes desfavorecidas. Em Les héritiers (1964), Bourdieu e Passeron comprovam que a escola reproduz desigualdades sociais no contexto educativo, pautados por estudos estatísticos realizados nos anos 1961 e 1962 na França. Como procedimento metodológico, os autores levaram em conta a instrução e a profissão dos pais. Quanto ao resultado, verificaram que apenas 6% dos filhos de operários conseguiram chegar ao ensino superior. Na tentativa de provar o papel segregativo da escola, um dos principais conceitos criados por Bourdieu (1964) foi o de capital cultural, que consistiu em relacionar o domínio ou a ausência de conhecimentos julgados como relevantes pelo Estado com o sucesso ou o fracasso escolar da criança. Quanto ao procedimento 92 metodológico adotado, o autor se engajou em definir três tipos de capital cultural: o incorporado, que é assimilado no ambiente familiar e transmitido quase de forma imperceptível; o objetivado, que está materializado na aquisição de livros, quadros, obras de arte, viagens; e o institucionalizado, que diz respeito aos diplomas, aos certificados expedidos pelas instituições de ensino. Com relação ao capital cultural incorporado, os autores em questão mencionam, como um dos exemplos, a norma culta, instituída pelos Estados como o falar “correto”, cujo domínio, assim como o dinheiro, dá indubitavelmente aos sujeitos maiores oportunidades de ascender socialmente. Cabe ressaltar que esse bem cultural, em geral, encontra-se nas mãos sobretudo das classes alta e média, que reconhecem seu valor e buscam, portanto, transmiti-lo aos filhos nos ambientes familiar e escolar como forma de distinção social. Convém explicitar que Bourdieu e Passeron (2011) não questionam o ensinoaprendizado da norma culta; porém, criticam a postura da escola de tratá-la como verdade absoluta, mascarando e deixando de explicitar os reais motivos pelos quais esse falar se sobrepõe a outros que também fazem parte da realidade de um número expressivo de cidadãos. No escopo do capital objetivado, a situação também é similar. Os bens culturais contemplados pela escola são os quadros, as esculturas, as músicas, os clássicos outorgados pelas classes alta e média. Já a cultura dos grupos desfavorecidos é, em geral, desconsiderada no espaço escolar. Evidencia-se, portanto, que estes deverão se esforçar muito mais para apreender o modo de falar e de agir que a sociedade legitima como de “bom gosto”. No trecho a seguir, extraído de Les héritiers (1964), Bourdieu e Passeron reforçam as diferenças associadas à formação cultural entre os estudantes de famílias 93 mais e menos favorecidas, explicitadas no último parágrafo, e também apontam para a inabilidade da escola em atenuar as diferenças entre tais grupos: Os alunos mais favorecidos não devem só a seu meio de origem os hábitos, os ensinamentos e as atitudes que os ajudam diretamente em suas tarefas escolares; eles também herdam desse ambiente saberes e um saber-fazer, gostos e um “bom gosto” cujo rendimento escolar embora indireto, nem por isso é menos certo. A cultura “livre”, condição implícita para o êxito acadêmico em algumas disciplinas, é partilhada de forma muito desigual entre os estudantes provenientes de meios sociais distintos, sem que a desigualdade de renda possa explicar a forte diferença dos resultados. O privilégio cultural é visível quando se trata da familiaridade com as obras, o que só ocorre com idas assíduas ao teatro, ao museu ou ao concerto (visita que não é organizada pela escola, ou é realizada de maneira esporádica) […]. (p. 30)8 Como ilustração de capital institucionalizado, é interessante mencionar que os intercâmbios culturais e as formações de mestrado e doutorado no exterior se revelam como o novo saber de consumo cobiçado pelas elites brasileiras. Ainda segundo Bourdieu e Passeron (1964), quanto maior o investimento, o grau de dificuldade na obtenção de títulos, mais legitimidade, mais valor a sociedade parece lhes conferir. Sobre os estudos bourdieusianos em particular, é primordial abordar o conceito de violência simbólica, uma forma de agressão que não se instaura pela força física, mas pela imposição de práticas e de ideologias de um grupo de maior poder político, econômico e social a outros de menor prestígio, sem explicações lógicas pertinentes e de forma dissimulada. Em outras palavras, esse tipo de violência se caracteriza por seu caráter de dominação subjetiva, haja vista que é tido como legítimo tanto para o No original: “Les étudiants les plus favorisés ne doivent pas seulement à leur milieu d’origine des habitudes, des entraînements et des attitudes qui les servent directement dans leurs tâches scolaires; ils en héritent aussi des savoirs et un savoir-faire, des goûts et un ‘bon gout’ dont la rentabilité scolaire, pour être indirecte, n’en est pas moins certaine. La culture ‘libre‘, condition implicite de la réussite universitaire en certaines disciplines, est très inégalement répartie entre les étudiants originaires de milieu différents, sans que l’inégalité des revenus puisse expliquer les écarts constates. Le privilège culturel est manifeste lorsqu’il s’agit de la familiarité avec les oeuvres que seule peut donner la fréquentation régulière du théâtre, du musée ou du concert (fréquentation qui n’est pas organisée par l’Ecole, ou seulement de façon sporadique) […].” 8 94 dominador quanto para o dominado, por meio, em geral, de um “habitus social”, ou seja, de uma prática cultural e social que se constrói culturalmente por meio da transmissão de costumes e crenças mediados, em geral por pais, familiares e amigos de determinada comunidade. Em A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino (2011), os sociólogos Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron versam também sobre o sistema de ensino francês e sua função na sociedade no final da década de 1960, descrevendo os mecanismos de violência simbólica praticados pela instituição escolar, pelos professores e muitas vezes por outros agentes da educação. Segundo os autores, tal violência se constitui, em geral, por meio de práticas pedagógicas que são impostas, inculcadas de forma arbitrária, como o estabelecimento do francês parisiense como o mais legítimo, sendo os outros dialetos abordados como se fossem um “desvio” da norma. Na França, os alunos que ousavam se comunicar em seus dialetos no espaço escolar no período da formação do Estado-nação eram punidos pelos professores, inspetores e demais educadores. Além disso, os povos que têm como idioma a língua francesa, apesar de todo um discurso em prol do plurilinguismo na atualidade, ainda escutam discursos preconceituosos sobre seu modo de falar por não corresponder ao sotaque do parisiense (CALVET, 2007). No ensino-aprendizado de FLE, a percepção que se tem ainda é a de que o francês canadense, o suíço, o argelino etc. são raramente abordados nas aulas. No âmbito do ensino, surgem sempre novas metodologias e teorias, prometendo a fórmula mágica do processo de ensino-aprendizado e refutando a anterior. Com efeito, surgem também mais livros, suportes didáticos vinculados à recente orientação. Subjacente ao discurso de mudança do paradigma de pensamento, constata-se que há 95 um mercado do conhecimento que lucra não apenas com os manuais de ensino, a literatura sobre a temática em enfoque, mas também com palestras, formações etc. É oportuno salientar que muitas formações propostas para os professores a partir da década de 1970 se fundamentam em um discurso neoliberalista, que prega a necessidade dos docentes de buscarem cursos de curta ou longa duração para poder se manter no mercado de trabalho. Atualmente, o número de universidades particulares que oferecem pós-graduação de níveis lato sensu e stricto sensu, sem preocupação com a qualidade, continua a crescer com o aval do governo. Com relação às críticas aos estudos bourdieusianos, o primeiro item observado foi sua tentativa de reduzir todos os espaços escolares a uma forma semelhante. Retomando o que já foi dito na seção precedente, ainda que sejam poucas as instituições de ensino que promovam uma educação democrática, emancipadora, não podemos negligenciar suas contribuições para a transformação do indivíduo e da sociedade. Se, nos estudos durkheimianos, a ordem social se revela determinante nas escolhas dos sujeitos, no universo bourdieusiano o capital econômico (renda, salários, imóveis), o capital cultural (saberes e conhecimentos reconhecidos por diplomas e títulos) e o capital social (relações sociais que podem ser convertidas em “capital”) parecem limitar o deslocamento, a mobilidade do sujeito no campo social. Nessa perspectiva, o sujeito é apenas uma marionete do Estado, do capital, e não vê a educação como um espaço no qual existem forças políticas, de reação ao discurso dominante. 96 2.2.3 Propostas e brechas de uma educação para o devir Contra o sistema capitalista, surgiram pensadores, como Karl Marx e Friedrich Engels, que condenavam a desigualdade social, a alienação do homem à máquina e o trabalho infantil. Seus estudos teóricos sobre o sistema capitalista e sua participação ativa nas lutas dos proletários contra a burguesia trouxeram o espectro do comunismo, que mexeu com toda a Europa. Embora a educação não seja sua temática dominante, Karl Marx não somente denunciou a ação reprodutora da educação de seu tempo. Ele trouxe, também, propostas para um sistema de ensino mais democrático e emancipador. No Manifesto do Partido Comunista (MARX; ENGELS, 2011), a “educação pública e gratuita de todas as crianças” faz parte de suas reivindicações sociais. Entendendo a ação pedagógica como transformadora, ou seja, como uma forma de mediação, que oferece ao homem a possibilidade de se reinventar ao longo de sua existência, Marx e Engels (2009) pleiteavam que os proletariados tivessem uma educação politécnica, que fosse capaz de desenvolver o intelecto, o físico e lhes permitisse viver melhor. Em contrapartida, condenavam as instruções tecnicistas, que restringiam o sujeito à realização de um trabalho repetitivo e alienador. Não queriam o retorno da educação pré-capitalista, mas ensejavam que, com a mudança da organização social — o fim das classes sociais —, pudesse advir uma nova forma de educação. No que tange à concepção marxista de alienação, ela se estabelece neste tipo de situação: O trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O 97 trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata quanto maior número de bens produz. Com a valorização do mundo das coisas, aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz apenas mercadoria; produz-se também a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e justamente na mesma proporção com que produz bens. (Manuscritos econômicofilosóficos, MARX; ENGELS, 1962, p. 111) Atualmente, a exaustiva cobrança escolar com relação à avaliação nos leva a acreditar que o real interesse da instituição de ensino, do Estado e de dirigentes consiste em promover a alienação de alunos e professores, pois, como discentes, realizam suas atividades escolares para “ganhar” notas em recompensa de trabalhos, e, como docentes, perdem longas horas na preparação e nas correções de exames, respectivamente. Já o aprendizado, que deveria ser objeto central no processo de ensino-aprendizado, é tido muitas vezes como fator de menor relevância no espaço escolar. No que tange à relação entre teoria-prática, vale lembrar que os estudos marxistas foram de extrema relevância, pois propõem um critério de apropriação do conhecimento que considera a historicidade e coloca em questão a proposta na qual o objeto de pesquisa é analisado por si só. Deve-se comentar que os expoentes do professor reflexivo-crítico e da vertente interdisciplinar crítico-social partem dos pressupostos marxistas. Nas minhas pesquisas cheguei à conclusão de que as relações jurídicas, assim como as formas de Estado, não podem ser compreendidas por si mesmas, nem pela evolução geral do espírito humano, inserindo-se pelo contrário, nas condições materiais de existência. […] na produção social de sua existência os homens estabelecem relações, necessárias, independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. (MARX, 1962. p. 24) 98 É oportuno frisar que as críticas feitas à escola não desconsideram sua importância para a sociedade e para a formação dos jovens; entretanto, revelam o desejo de se ter uma educação, de fato, democrática. Sobre as considerações de Marx e de Engels concernentes ao sistema educativo, elas não apenas foram essenciais para o surgimento de novas pesquisas no âmbito da educação, mas também contribuíram para pensar o papel da educação na sociedade, além do contexto escolar. Como forma de atuação crítica sobre a realidade, é essencial mencionar Antonio Gramsci (1891-1937), que defendeu o advento de uma contracultura para fazer frente à hegemonia cultural da classe dominante, diluída entre o Estado e a sociedade civil. De acordo com o autor, os trabalhadores precisavam participar do patrimônio cultural de modo consciente e crítico. Nessa perspectiva, reivindicava que os proletariados se tornassem intelectuais da contracultura (SCHLESENER, 2002). É oportuno esclarecer que a concepção gramsciana de intelectual não se restringe a quem domina um saber culto, mas a todos que conseguem agir como mediadores na consciência das pessoas. Gramsci os classifica em dois tipos. No primeiro grupo estão os intelectuais orgânicos, constituídos pela classe dominante e pelos proletariados, pois ambos lutam por determinada hegemonia, tendo como principal instrumento o argumento, a defesa de seus pressupostos. Do segundo grupo, intitulado de tradicional, podem fazer parte padres, bispos, educadores, militares, agindo de modo conservador e apoiando quem está no poder. Deve-se dizer que Gramsci assumiu uma posição de destaque dentro do movimento operário. Infelizmente, não publicou nenhum livro em vida; porém, deixou vários manuscritos no período em que esteve preso, os quais permitiram a elaboração da obra Cadernos do cárcere (2002). Sua atuação contra o sistema capitalista foi a de um 99 intelectual, um revolucionário, que lutou por uma Itália mais democrática e contestava as posições extremistas e idealistas. Quanto à questão cultural, Schlesener faz esta análise do conceito de cultura gramsciana: A cultura é entendida, por volta de 1918-1920, como criação histórica e produção de uma personalidade própria, de uma identidade de classe, expressa num “executar bem” porque “pensar bem”; uma noção vivificada pela ideia de organização, isto é, um modo de ser e pensar que se elabora por meio das lutas enfrentadas no dia a dia e que se produz na ação política. A ideia de cultura liga-se à luta por uma nova ordem social que possibilite uma nova vivência da liberdade, da individualidade e da cidadania. Essa noção é permeada pela relação dialética entre teoria e prática, base da reflexão gramsciana, contrapondo-se, portanto, tanto à concepção burguesa quanto às noções socialista e marxista-leninista de organização. (SCHLESENER, 2002, p. 10) Gramsci criticava a educação religiosa, pois a concebia como uma forma de manipulação e de assujeitamento. Para ele, os pais deveriam educar seus filhos com base em elementos racionais, permitindo-lhes que fossem capazes de fazer suas próprias escolhas. E condenava os ensinamentos culturais como um saber enciclopédico, estático, dogmático, a-histórico, impingindo nos sujeitos informações sem uma análise crítica. Schlesener faz também estas considerações sobre a ótica gramsciana de cultura: A cultura apresenta-se, portanto, como saber que se produz na relação com a ação, o pensar que cria e transforma. É necessário conhecer o processo histórico, os esforços que os homens fizeram para superar preconceitos, derrubar privilégios e vencer os limites impostos às mudanças; o proletariado precisava retomar o passado para compreender o seu papel no presente e distinguir-se enquanto classe. (SCHLESENER, 2002, p. 47) No que concerne à educação formal italiana, também acusou a escola de ser um organismo de manutenção das desigualdades sociais. Aos filhos de operários era oferecida uma educação profissionalizante, por meio de um saber fragmentado, 100 enquanto os filhos dos burgueses, das elites tinham acesso a um ensino visando à formação de intelectuais que agissem na difusão, na inculcação das ideologias dominantes. Portanto, via também na educação formal o meio de os sujeitos se tornarem intelectuais. Para tanto, defendeu a educação pública com o propósito de oferecer uma formação de qualidade e igualitária. Ainda a respeito das ações de caráter redentor, reprodutor e transformador, os estudos de Max Weber (1864-1929), com base na fenomenologia nietzschiana, procuraram demonstrar que a estrutura social não se sedimentava de maneira tão tranquila e passiva como era apresentado nos estudos durkheimianos. No curso da história, conquanto muitos sujeitos se submetam passivamente a ações dominadoras, o autor sublinha que existiram também os que se revoltaram contra o sistema de sua época e criaram situações inovadoras. Na lógica weberiana, mesmo quando os indivíduos se submetem às regras sociais, eles os fazem porque têm certos interesses. Com o intuito de analisar as ações sociais do sujeito/agente, Weber (1991) se restringiu a elaborar quatro tipologias de ação social: a racional, que se centra na finalidade; a racional de natureza mais filosófica, voltada para os valores humanos e éticos; a afetiva, cujo objetivo é a emoção; e a tradicional, visando aos costumes. Isso correspondia, para o autor, a três tipos de dominação: a racional, objetivando transmitir conhecimentos especializados e úteis; a tradicional, cujo interesse está em transmitir valores, condutas de vida, ou seja, é uma dominação de caráter humanístico; e a carismática, despertando as qualidades heroicas ou dons mágicos. Neste último, ele verificou certa instabilidade, na medida em que nada explicava a devoção afetiva do dominado ao dominador. No sistema capitalista, Weber identificou que a dominação racional é a mais atuante na sociedade moderna. Acrescido a essa racionalização, o autor observou o 101 fenômeno da “burocratização”, que se constitui na atribuição de deveres para cada indivíduo de acordo com suas qualificações e aptidões (CARVALHO, 2004). Weber percebeu que essa burocratização se estendia igualmente ao campo da pesquisa científica. O controle da pesquisa é detido por um chefe, enquanto os pesquisadores e docentes ficam separados de seus “meios de produção”. Em síntese, um processo similar ao das empresas capitalistas, nas quais os operários não têm acesso ao produto produzido. No âmbito escolar, pode-se observar que as diretrizes da educação moderna estão voltadas para a formação de sujeitos racionais, capazes de traçar planos, metas e estratégias. É possível observar também uma organização escolar com perfil burocrático: alunos sentados enfileirados, silenciosos, uniformizados e obedientes; e professores que precisam dominar cada vez mais um saber-fazer específico e respeitar as orientações pedagógicas e didáticas elaboradas sem a participação do grupo docente. Nesse contexto, a estratificação dos sujeitos não se dá pela linhagem, mas pelos diplomas, certificados acadêmicos. Assim, a escola age duplamente na manutenção da burocratização, pois inculca na criança esse tipo de dominação racional e também forma sujeitos especializados para o mercado de trabalho. De acordo com Weber (CARVALHO, 2004), isso ajuda na consolidação do sistema capitalista. No que reportamos à análise weberiana para a educação, identifica-se igualmente que a ordem social não tem, nessa perspectiva, total poder sobre o indivíduo. Os efeitos dos ensinamentos morais sobre uma criança podem gerar ações previsíveis, mas também é possível que ela refute, questione e lute contra tais princípios. Para alguns, tais ações talvez sejam vistas como uma ameaça à ordem social; porém, outros as enxergam como um modo de ruptura da dominação. 102 No entanto, é incontestável que a super-racionalização e a burocratização ao longo do tempo em vários seguimentos da sociedade tornam cada vez mais difíceis as ações inovadoras, transformadoras e emancipadoras. Na superação do racionalismo burocrático, Weber reclama aos educadores, aos professores uma educação que articule o espírito carismático (irracional/dionisíaco) ao burocrático (racional/apolíneo) em suas práxis, a fim de que o sujeito não perca sua força criadora (CARVALHO, 2004). Convém lembrar que alguns expoentes da educação pós-moderna têm renegado os parâmetros de racionalidade do conhecimento científico e passam a supervalorizar a emoção. Esse tipo de ação extremista, como já foi dito, não apenas promove no sujeito uma perda de referência, mas também parece acentuar sua alienação. Com relação ao sujeito, cabe dizer que se, na modernidade, sua identidade se constitui em função de uma sociedade com uma estrutura mais fixa e rígida, na pósmodernidade, com a globalização, o organismo social está em dinâmico processo de (re)construção, de transformação e de convivência com culturas cada vez mais paradoxais. Compreendendo a identidade humana como um constructo social, concluise, portanto, que ela passou a incorporar tais características (HALL, 2014; BAUMAN, 2013). De acordo com Bauman, a supervalorização pelo prazer tem desviado a atenção dos sujeitos. No lugar de pensar sobre sua individualidade, eles deveriam refletir sobre sua existência de modo mais complexo. No que diz respeito à concepção de cultura na pós-modernidade, o autor argumenta que: Hoje a cultura consiste em ofertas, e não em proibições; em proposições, não em normas. Como Bourdieu observou, a cultura agora está engajada em fixar tentações e estabelecer estímulos, em atrair e seduzir, não em produzir uma regulamentação normativa; nas relações públicas e não na supervisão policial; em produzir, semear e plantar novos desejos e necessidades, não no cumprimento do dever. Se há uma coisa para a qual a cultura hoje desempenha o papel de 103 homeostato, esta não é a conservação do estado atual, mas a poderosa demanda por mudanças constantes (embora, ao contrário da fase iluminista, se trate de uma mudança sem direção, ou sem rumo estabelecido de antemão). Seria possível dizer que ela serve tanto às estratificações e divisões da sociedade, mas a um mercado de consumo orientado para a rotatividade. (BAUMAN, 2013, p. 18) O discurso de liberdade proposto na era pós-moderna tem levado os sujeitos a acreditar que podem fazer suas próprias escolhas. Todavia, o desejo pela estabilidade e pela segurança no mercado de trabalho, pelo poder nas relações pessoais e pela aquisição de bens de consumo, impingidos na sociedade, os vem mantendo, em geral, em ofícios que lhes são desencantadores. Convém mencionar que a incapacidade de alcançar essa liberdade idealizada, niilista,9 é lida por muitos como uma incompetência pessoal. Bauman diz ainda que a busca pelos sujeitos de adquirir os produtos lançados no mercado, de seguir a moda vigente representa uma maneira de marcar sua individualidade, identidade e se dissociar, assim, da massa. No entanto, de acordo com o autor, a segurança e a liberdade parecem ser desejos que entram muitas vezes em conflito. Sobre a alienação humana, Bauman explana que: A caça é uma atividade de tempo integral no palco da modernidade líquida. Ela consome uma quantidade incomum de atenção e energia, deixando pouco tempo para qualquer outra coisa. Distrai a atenção do caráter inerentemente infindável da tarefa e adia para as calengas gregas — para uma data inexistente — o momento da reflexão e da percepção face a face da impossibilidade de sua realização. Como Blaise Pascal observou séculos atrás, as pessoas procuram ocupações urgentes e opressivas que as impeçam de pensar em si mesmas, e por 9 O principal teórico do niilismo foi Friedrich Nietzsche, visando a demonstrar que a moral moderna nega a vida, o presente. Tal fenômeno surgiu, inicialmente, com Platão, preconizando que o homem só tem acesso ao mundo real por meio do intelecto; portanto, o que era perceptível por meio dos sentidos se torna uma ilusão. Posteriormente, tem-se a ideologia cristã, que promete ao ser humano o paraíso; mas, para tanto, ele precisa fazer sacrifícios e abdicar dos prazeres terrenos. Com o advento do capitalismo, o cristianismo é suplantado pela ciência, que também propõe à humanidade um futuro melhor. Com efeito, o ser humano vai perdendo a consciência de si e de tudo que está em seu entorno, comprometendo, assim, seu devir, sua superação contínua em busca de uma vida idealizada (JOLIVET, 2001). 104 isso estabelecem como alvo um objeto atraente que possa encantá-las e seduzi-las. As pessoas querem fugir à necessidade de pensar sobre sua “condição infeliz”. “É por isso que preferimos a caçada à captura.” “A posse em si não nos livraria de pensar na morte e na miséria, mas a caça, sim.” Os pensamentos de Pascal são concretizados na moda comercializada. (BAUMAN, 2013, p. 30) Bauman caracteriza esse desejo pela posse como uma forma de vida centrada na utopia. Portanto, o autor salienta que ela diverge do pensamento utópico do passado, no qual havia uma preocupação com o futuro da humanidade, indo além dos próprios interesses pessoais. Na ótica de Hannah Arendt, a alienação e a burocratização do ser humano foram um forte agente das barbáries modernas e da banalização do mal. Na defesa de tal ideia, Arendt argumenta que a valorização do tecnicismo e o desprezo pelo pensamento reflexivo tornaram os indivíduos insensíveis ao sofrimento alheio. Para cumprir seus papéis sociais, a autora evidenciou que as pessoas passaram a ser capazes de cometer atos de extrema crueldade e não demonstram nenhum remorso moral. A título de exemplo, ela cita a atitude de muitos alemães, e até mesmo judeus, que, embora fossem tidos como um povo “civilizado”, compactuaram, de maneira ativa ou passiva, com o sistema nazista, porém se consideram inocentes, como o tenente-coronel Adolf Eichmann, que exercia a função de identificar os judeus e de os transportar para os campos de concentração (WAGNER, 2006; ARENDT, 2011). Com o fim do nazismo, Eichmann foi julgado como responsável pela morte e o sofrimento de inúmeros judeus; todavia, ele contestava tal afirmação, justificando que apenas cumpriu ordens e que suas ações estavam fundamentadas na moral kantiana de que o “princípio de minha vontade deve ser sempre tal que possa se transformar no princípio de leis gerais”. De acordo com tal argumento, a filósofa judia Hannah Arendt se pôs a analisar a banalização do mal nos homens que não pensavam, não eram capazes de julgar suas ações e se colocavam a obedecer e a respeitar as ordens cegamente. 105 Todavia, apesar de reconhecer que o sistema vigente e a organização social também eram cúmplices de tais barbáries, ela considerava que tal fato não eximia o indivíduo de sua culpa. Importa destacar que os atos concebidos como bárbaros, irracionais, praticados no contexto do nazismo, impulsionaram filósofos, sociólogos e estudiosos, como Max Horkheimer e Theodor Adorno, a defender a tese de que a teoria tradicional, com base na técnica, trouxe para a civilização a alienação, e não o esclarecimento, como afirmavam os pensadores iluministas. Vale acrescentar que Adorno e outros representantes da Escola de Frankfurt10 constituíram a teoria crítica como forma de analisar e provar as incongruências da racionalidade moderna (ADORNO, 1995, p. 119). Adorno dizia que: Entendo por barbárie algo muito simples, ou seja, que, estando na civilização do mais alto desenvolvimento tecnológico, as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação a sua própria civilização — e não apenas por não terem em sua arrasadora maioria experimentado a formação nos termos correspondentes ao conceito de civilização, mas também por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva, um ódio primitivo ou, na terminologia culta, um impulso de destruição, que contribui para aumentar ainda mais o perigo de que toda civilização venha a explodir, aliás, uma tendência imanente que a caracteriza. Considero tão urgente impedir isto que eu reordenaria todos os outros objetivos educacionais por esta prioridade. (ADORNO, 1995, p. 155) Contra a alienação na formação do sujeito na atual conjuntura, marcada por um forte consumismo e individualismo, este estudo se vale também das atuais reflexões de István Mészáros, em A educação para além do capital (2008), que propõe uma ruptura com a lógica do capital e destaca a importância de uma educação que enxergue as 10 Essa escola foi criada em Frankfurt em 1964 com o propósito de investigar a indústria cultural e o seu caráter alienador. Embora os expoentes dessa escola tenham se inspirado inicialmente nos princípios marxistas, eles se mostravam mais pessimistas com relação à emancipação humana. Contrário a Marx, para essa corrente, a mudança da superestrutura social, ou seja, a tomada da classe operária, de partidos socialistas e comunistas ao poder representava apenas que os sujeitos poderiam estar sendo submetidos às ideologias de novos grupos de interesses (ADORNO, 1995). 106 pessoas como sujeitos que não apenas se adaptam às condições políticas, econômicas e sociais, mas que atuam sobre elas, recriando-se e recriando a história. Na concepção do autor, as formações que reduzem o sujeito a simples mão de obra para o mercado de trabalho e para o consumo devem ser substituídas por uma educação que transcenda os interesses do mercado. Ao se valer da epígrafe de Paracelso, segundo a qual “A aprendizagem é a nossa própria vida, desde a juventude até a velhice, de fato quase até a morte; ninguém passa 10 horas sem nada aprender”, Mészáros chama a atenção para o fato de que o ato de aprender constitui uma ação inerente à existência humana. Todavia, adverte também que o ato de aprender pode ter efeitos benéficos e nocivos ao ser humano, pois há aprendizados que contribuem para a libertação dos sujeitos e há os que mascaram, incutam as verdades, aprisionando-os. Com esta outra epígrafe do político, poeta e filósofo José Martí, Mészáros enfatiza que a ação opressora da educação escolar e familiar vem de longa data: Vem-se à terra como cera — e a sorte nos esvazia em moldes préfabricados. As convenções criadas deformam a existência verdadeira […]. As redenções têm se mantido formais — é necessário que sejam essenciais […]. A liberdade política não estará assegurada se antes não se assegurar a liberdade espiritual […]. A escola e o lar são as duas grandes cadeias do homem. (MÉSZÁROS, 2008, p. 21)11 Com relação à educação moderna, Mészáros também não deixa de lhe fazer severas críticas, pois a enxerga como uma forte aliada do sistema capitalista, propondo um aprendizado, em geral, de caráter segregador e alienador. Seu principal objetivo é oferecer uma formação aos sujeitos que garanta o vital funcionamento do capitalismo, o No original: “Se viene a la tierra como cera, — y el azar nos vacía en moldes prehechos. Las convenciones creadas deforman la existência verdadeira […]. Las redenciones han venido siendo formales; — es necessario que sean esenciales […]. La libertad política no estará assegurada, mientras no se asegura la libertad espiritual […]. La escuela y el hogar son las dos formidables cárceles del hombre.” 11 107 que vem a reiterar as concepções de inúmeros pensadores explicitadas ao longo deste estudo. Como terceira epígrafe, Mészáros se serviu desta fala de Karl Marx: A teoria materialista de que os homens são produto das circunstâncias e da educação e de que, portanto, homens modificados são produtos de circunstâncias diferentes e de educação modificada esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o próprio educador precisa ser educado. Leva, pois, forçosamente, à divisão da sociedade em duas partes, uma das quais se sobrepõe à sociedade […]. A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática transformadora. (MÉSZÁROS, 2008, p. 22) Nessa epígrafe, Marx não desconsidera que as circunstâncias modificam o ser humano e a educação; porém, evidencia que tal fenômeno só acontece porque os sujeitos agem sobre a realidade. Isso demonstra que o ser humano não apenas atua como reprodutor do mundo, mas também exerce o papel de transformá-lo. No que diz respeito à necessidade de o educador se educar, pode-se inferir que a lógica estabelecida deve ser sempre posta em suspeita, em contínua análise. Na defesa de uma educação do devir e libertadora, Mészáros compartilha também da concepção de Antonio Gramsci, que vê o sujeito como Homo faber e Homo sapiens. Adverte que: As instituições formais de educação certamente são uma parte importante do sistema global de internalização. Mas apenas uma parte. Quer os indivíduos participem ou não — por mais ou menos tempo, mas sempre em um número de anos bastante limitado — das instituições formais de educação, eles devem ser induzidos a uma aceitação ativa (ou mais ou menos resignada) dos princípios reprodutivos orientadores dominantes na própria sociedade, adequados a sua posição na ordem social, e de acordo com as tarefas reprodutivas que lhes foram atribuídas. (MÉSZÁROS, 2008, p. 44) 108 Salienta, ainda, que, mesmo nos centros de ensino mais autoritários, as crianças e os jovens desfrutam de espaços que lhes favorecem o pensamento intelectual, o aprendizado, dentro ou fora da escola. É oportuno enfatizar que o autor trata do aspecto educativo em sentido global, ressaltando em suas análises a importância do ato educativo informal na vida do ser humano. De fato, da maneira como estão as coisas hoje, a principal função da educação formal é agir como um cão de guarda autoritário ex officio para induzir um conformismo generalizado em determinados modos de interiorização, de forma a subordiná-los às exigências da ordem estabelecida. O fato de a educação formal não poder ter êxito na criação de uma conformidade universal não altera o fato de no seu todo estar orientada para aquele fim […]. (MÉSZÁROS, 2008, p. 15) De fato, com a tecnologia de informação e comunicação, o domínio ideológico da escola, da imprensa, da mídia, da Igreja parece mais enfraquecido. Nas redes sociais, é possível ver um número significativo de comentários e textos que criticam e põem em xeque esses aparelhos ideológicos do Estado. É claro que há nesses espaços também muitos discursos alienantes que agem na solidificação do atual sistema econômico e se servem da fragilidade do sistema educativo. Não se pode negligenciar, igualmente, que o descontrole ideológico implica muitas vezes o uso da força, do autoritarismo, da censura, da ditadura e a elaboração de leis que servem para punir os “transgressores da ordem pública”. No espaço escolar, a repressão se faz muitas vezes por meio de provas, de exames, como estratégia para que os professores contemplem conteúdos irrelevantes e pouco significativos para a formação do sujeito. Sobre o uso da violência, Mészáros sinaliza que: Enquanto a internalização consegue fazer o seu bom trabalho, assegurando os parâmetros reprodutivos gerais do sistema do capital, a 109 brutalidade e a violência podem ser relegadas a um segundo plano (embora de modo nenhum sejam permanentemente abandonadas), posto que são modalidades dispendiosas de imposição de valores, como de fato acontece no decurso do desenvolvimento capitalista moderno. Apenas em períodos de crise aguda volta a prevalecer o arsenal de brutalidade e violência, com o objetivo de impor valores, como o demonstraram em tempos recentes as tragédias dos muitos milhares de desaparecidos no Chile e na Argentina. (MÉSZÁROS, 2008, p. 44) Além disso, Mészáros enfatiza a impossibilidade de extinguir o capital da estrutura social. Ele se faz presente em todos os âmbitos, não há como negar sua presença no trabalho e no sistema educativo. Ainda que sejamos contra o papel do capital na vida dos sujeitos, não se pode desconsiderar seu papel na estrutura da sociedade moderna. Contudo, o autor propõe uma formação educativa que ultrapasse os interesses do mercado, o que suscita dos professores e educadores, entre outros, a ruptura com a lógica capitalista. Nesse sentido, faz-se necessário que a escola e os professores ataquem a internalização das ideologias capitalistas por meio de um aprendizado crítico que exponha, de modo complexo, as contradições do sistema econômico vigente. Mészáros reconhece que o paradigma de uma educação além do capital pede uma ação de “contrainternalização” do sujeito, ou seja, de luta e de rebeldia contra a mediação das ideologias dominantes e alienantes que se instalam em nossa mente. No que diz respeito à mediação capitalista, explana que: O grave e insuportável defeito do sistema do capital consiste na alienação de mediações de segunda ordem que ele precisa impor a todos os seres humanos, incluindo-se as personificações do capital. De fato, o sistema do capital não conseguiria sobreviver durante uma semana sem as suas mediações de segunda ordem: principalmente o Estado, a relação de troca orientada para o mercado, e o trabalho, em sua subordinação estrutural ao capital. Elas (as mediações) são necessariamente interpostas entre indivíduos e suas aspirações, virando essas de “cabeça para baixo” e “pelo avesso”, de forma a conseguir subordiná-los a imperativos fetichistas do sistema do capital. Em outras palavras, essas mediações de segunda ordem 110 impõem à humanidade uma forma alienada de mediação. A alternativa concreta a essa forma de controlar a reprodução metabólica social só pode ser a automediação, na sua inseparabilidade do autocontrole e da autorrealização através da liberdade substantiva e da igualdade, numa ordem social reprodutiva conscienciosamente regulada pelos indivíduos associados. (MÉSZÁROS, 2008, p. 23) Sobre a questão da mediação cultural de caráter crítico, tema central desta pesquisa, Mészáros, assim como Gramsci e Weber, faz a distinção dos tipos de intelectuais: os sujeitos que agem como mediadores dos discursos ideológicos das classes dominantes, buscando manter a organização política, econômica e social vigente, e os que atuam contra tal hegemonia, analisando e verificando suas incongruências e falácias. Convém acrescentar que a escola, o professor e outros intelectuais desse campo muitas vezes agem como agentes do sistema capitalista, reforçando o poder econômico, político, social, cultural de um grupo em prol de outro. Todavia, na atual conjuntura, a escola parece precisar se transformar para garantir seu espaço dentro do organismo social. Além das críticas sociais, da perda de prestígio, concernente à sua atuação como mediadora do saber, é necessário lembrar que ela não detém mais total poder sobre a informação, o conhecimento e o aprendizado. Na transformação da estrutura social vigente, marcada por uma acentuada desigualdade social, pensadores como István Mészáros acreditam que, para vencer tal batalha, é necessário combater, atacar a internalização das ideologias das classes dominantes. Quanto à arma utilizada, ele propõe toda e qualquer educação, formal ou informal, que transcenda os interesses capitalistas. O autor reconhece que tal tarefa exige dos professores e da escola, entre outros mediadores, que não apenas mudem suas práxis, mas atuem como pensadores, intelectuais capazes de interpretar o contexto político, econômico e cultural e de depreender as ideologias internalizadas. 111 Como considerações finais, o presente capítulo empreendeu tratar das ações contrárias e a favor da alienação no espaço da educação. Para tanto, procurou, inicialmente, entender a dissonância entre teoria e prática na práxis dos professores e verificou que os critérios de produção e de socialização do conhecimento têm priorizado ao longo da história um saber-fazer em função do mercado. Com relação aos discursos que proferem novos paradigmas para a educação e ressaltam que a formação dos professores deve ser o objetivo central do sistema educativo, muitos de seus expoentes se dedicam a encontrar meios, soluções para que a engrenagem da atual estrutura social não pare de funcionar nesse contexto de globalização. Assim, a tentativa de condicionar a existência humana à atual “ordem” social aponta para uma educação de caráter reprodutor, segregativo, antidemocrático e alienante, o que demonstra a relevância dos estudos de Durkheim, Bourdieu e Althusser na chamada “pós-modernidade”. 112 3 PROCEDIMENTOS PARA UMA MEDIAÇÃO CULTURAL CRÍTICA EM FLE: ENTRE A PROMESSA DA HARMONIA E DO ESPANTO12 Com o intuito de articular teoria e prática, a presente pesquisa visa a verificar o tratamento dado ao aspecto cultural nas abordagens interculturalistas, discursivas, confrontando com a proposta de uma mediação cultural de natureza crítica, discutida nos capítulos precedentes. Quanto ao objeto de análise, serão utilizados textos, documentos, suportes didáticos nos quais pesquisadores, tradutores e elaboradores de métodos também apresentam diretrizes sobre o modo de tratar os fatores de ordem cultural no atual cenário de globalização. Na seção subsequente, apoiada na fundamentação teórica de uma mediação cultural crítica, esta pesquisa vai propor inicialmente uma atividade sobre o componente cultural. No entanto, antes disso, serão apresentadas as diferenças entre as modalidades multi/pluri/inter/transculturalista, a fim de que se possam compreender melhor seus princípios ideológicos e os interesses políticos, econômicos e sociais subjacentes. Não resta dúvida de que gerenciar a heterogeneidade é um projeto ambicioso, tendo em vista, sobretudo, que as mentalidades ainda estão presas a estabelecer determinados modelos de cultura e de costumes como exemplares e a classificar outros como menores e desprezíveis. Entretanto, o atual contexto de globalização demanda uma postura, de fato, mais engajada com relação ao Outro, ao “estrangeiro”. A falta de uma política de integração, de fato, para imigrantes, para as classes mais desfavorecidas e para todos que estão à margem da sociedade pode trazer No que diz respeito ao termo “espanto”, o escritor e professor emérito da Universidade Estadual de Campinas, Rubens Alves, empregou-o em um documentário no qual defendia que todo professor fosse um Professor do Espanto, capaz de provocar a inteligência, a curiosidade, bem como o espanto. Disponível em: <http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2013/01/18/tv-camara-exibe-o-documentáriorubem-alves-o-professor-de-espantos>. Acesso em: 3 out. 2015. 12 113 consequências não apenas para os países em questão, mas também para o mundo. Na França, o número de jovens franceses ascendentes de famílias muçulmanas, árabes, que vêm participando de ações terroristas só aumenta. As medidas de segurança contra esses ataques podem contê-los, mas seria fundamental também que esses jovens fossem reconhecidos como franceses. No Brasil, o apartheid social parece só se acentuar. A forte desigualdade entre as classes favorecidas e as desfavorecidas é perceptível, demonstrando a falta de interesse dos governantes em mudar tal cenário. Com o aumento da violência nos grandes centros urbanos, o governo também procura melhorar a segurança, mas sem ações sociais que integrem as pessoas à sociedade. No caso do Brasil, observa-se nas últimas décadas uma preocupação social, governamental e educacional com as culturas indígenas, negra e com a educação popular; todavia, elas parecem ainda não terem saído do papel. Nos PCNs (BRASIL, 2002), na sessão “Pluralidade Cultural”, os elaboradores declaram que: Para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar os diferentes grupos e culturas que a constituem. A sociedade brasileira é formada não só por diferentes etnias, como também por imigrantes de diferentes países. Além disso, as migrações colocam em contato grupos diferenciados. Sabe-se que as regiões brasileiras têm características culturais bastante diversas e que a convivência entre grupos diferenciados nos planos social e cultural muitas vezes é marcada pelo preconceito e pela discriminação. (p. 117) Nesse mesmo documento, sinaliza-se também que: Entretanto, apesar da discriminação, da injustiça e do preconceito que contradizem os princípios da dignidade, do respeito mútuo e da justiça, paradoxalmente o Brasil tem produzido também experiências de convívio, reelaboração das culturas de origem, constituindo algo intangível que se tem chamado de brasilidade, que permite a cada um reconhecer-se como brasileiro. (p. 122) 114 Sobre a capacidade de os brasileiros lidarem com as diferenças étnicas, mencionada nesse enxerto, convém salientar que isso pode estar relacionado com a formação do país. Como foi apresentado no primeiro capítulo, índios, negros e imigrantes que vieram para as terras brasileiras não encontraram uma pátria (um genitor) da qual pudessem se orgulhar. Além disso, na Europa, os Estados buscaram despertar sentimentos nacionalistas por meio de ações políticas e culturais. No que diz respeito às ações efetivas de integração no Brasil, não se pode deixar de comentar que o educador e pesquisador Paulo Freire se dedicou durante toda a sua vida em promover uma educação que inserisse a cultura popular no ensino, buscando articular o saber acadêmico com o modo de vida de seus alunos. De acordo com Vera Maria Candau (2006), Freire já defendia princípios da proposta interculturalista. É relevante destacar que, após a Segunda Guerra Mundial, tanto o continente europeu quanto o americano passaram a receber imigrantes de diversos lugares. Segundo Maddalena de Carlo (1998), para atenuar possíveis conflitos, em virtude da diversidade cultural, as estratégias tomadas foram: a assimilação, que se caracterizava pela apropriação da cultura dominante pelo grupo minoritário. Nesse caso, houve uma busca da monoculturação; o integralismo, que, ao contrário, visava a manter a identidade étnico-cultural dos povos. Contudo, a “igualdade” se estabelecia na esfera pública para tornar possível o “funcionamento” do Estado; no âmbito privado, em contrapartida, eram toleradas as diferenças. A crítica aqui está na separação entre as dimensões políticas e a identidade do indivíduo, bem como na oposição entre cultura de origem e cultura de acolhimento, negligenciando o processo de mestiçagem natural desse tipo de contato. Nos Estados Unidos, com base nesse modelo, surgiu o melting pot, uma proposta de fusão das 115 diferenças étnicas em uma única identidade. Convém dizer, entretanto, que subjacente a isso havia a intenção de promover a assimilação da cultura minoritária; o multiculturalismo ou pluriculturalismo, que, no entanto, apresenta quatro acepções: o modelo de cidadania multicultural, que reconhece a dimensão étnica e cultural na esfera da vida pública, contanto que ela não cause danos à coesão social; o modelo maximalista, que refuta um núcleo central de valores e exige total autonomia — nesse caso, a proposta parece ser a justaposição dos espaços culturais; o modelo corporate culturalism, que tem como preocupação maior o fator econômico e, consequentemente, procura trabalhar com as diferenças funcionais, visando à internacionalização dos mercados; e, por último, o modelo cultural multiculturalista, que prega a negociação contínua entre os diferentes grupos, com o intuito de obter a construção de um espaço comum. Sobre os procedimentos culturais, no artigo intitulado “Variations sur la perspective de l’agir social en didactique des langues-cultures étrangères” (2009), Christian Puren, responsável pelo Centro de Estudos em Didática Comparada das Línguas e das Culturas (Cediclec), descreve cinco movimentos culturais, já explanados em minha dissertação de mestrado (AZEVEDO, 2010), mas que devem ser retomados, tendo em vista sua relevância para este estudo: o transculturalismo do século XIX, que objetivava oferecer aos indivíduos uma formação humanística, centrada em valores universais, como ocorria na metodologia tradicional (MT); 116 o metaculturalismo do início do século XX, que propunha uma abordagem mais reflexiva do aspecto cultural no ensino-aprendizado, valendo-se de documentos autênticos; ainda no século XX, o multiculturalismo, que visava ao respeito e ao reconhecimento das diferenças nas sociedades, compostas de uma mestiçagem cultural expressiva; o interculturalismo dos anos 1970, um contexto marcado pela imigração, cuja função era mostrar a importância das diferenças sociais para a formação do sentimento de alteridade nos sujeitos. Tendo em vista tal propósito, o recurso utilizado nas aulas de língua eram os clichês e estereótipos, como uma estratégia para que todos os envolvidos refletissem sobre as concepções generalistas e reducionistas feitas ao Outro; o cocultural do início deste século, que propõe, além do respeito, da alteridade entre indivíduos de culturas distintas, o saber-trabalhar, conviver, agir de forma coletiva. No atual contexto de globalização, informatização e comunicação, muitos especialistas e sujeitos que vivem em contextos multiculturais, pluriculturais, interculturais fazem menção também a outro fenômeno social, o transcultural, um movimento que travessa as territorializações culturais e vai além das fronteiras culturais. De acordo com Cantarella (2007):13 “A competência transcultural não existe por si mesma, mas por um processo contínuo de perlaboração (woking-through).”14 É contundente ressaltar que o surgimento dos movimentos multi/pluri/inter/transculturalistas, que se sobrepõem de maneira rápida, revela uma 13 Giovanna Cantarella faz parte da Associação Europeia para Análise Transcultural de Grupo (AEATG). Newsletter 19th year, nr. 18, new serie, nr. 1067. Disponível em: <www.eatga.net/.../1kahsw1nordeh2sdcmtbiuem1020>. Acesso em: set. 2015. 14 No original: “La compétence transculturelle n’existe pas par elle-même, mais par un processus continuel de per-laboration (woking-through).” 117 forte preocupação dos Estados e das sociedades com relação à diversidade cultural. Em um contexto marcado pela globalização, não resta dúvida de que os conflitos entre os povos podem não somente representar superposição de uma cultura sobre outra, mas também comprometer interesses político-ecônomicos. No que tange a essas modalidades, o presente estudo vai se deter no interculturalismo nas próximas linhas, uma vez que, diferentemente dos outros, ele vislumbrou ações de integração cultural. No ensino-aprendizado de LEs, a abordagem do componente cultural está calcada, no atual contexto, nos princípios ideológicos dessa corrente. Em face disso, a próxima seção desta pesquisa vai versar sobre o modo como os teóricos, pesquisadores, elaboradores de manuais, formadores de formadores, entre outros, orientam os professores no tratamento do componente cultural. Além disso, será analisado o modo como tal proposta concebe o professor de FLE. 3.1 A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA NA ABORDAGEM INTERCULTURALISTA NO CONTEXTO DE ENSINO-APRENDIZADO Na acepção de M. Abdallah-Pretceille (1996), a pedagogia intercultural favorece a abordagem da diversidade cultural no ensino-aprendizado. Além disso, a autora a considera um suporte de extrema importância para tratar do novo cenário sociocultural de intensa globalização. Quanto ao multiculturalismo, salienta que seu objetivo consiste apenas na descrição das diferenças culturais em determinado contexto, marcado por uma crescente coabitação de povos provenientes de diversos cantos do mundo em um mesmo território. 118 Abdallah-Pretceille elucida que a abordagem intercultural se centra nos princípios da fenomenologia, que enxerga o sujeito como um ser capaz de conferir à sua realidade um significado e de agir sobre ela, de forma consciente ou inconsciente. Portanto, contesta os princípios estruturalistas que concebem o ser humano como simples reprodutor da sociedade. Na defesa de tal posição, argumenta que: Devido à internacionalização da vida cotidiana, o indivíduo é cada vez menos determinado pela cultura à qual pertence. Ele não é apenas o produto de sua cultura; é, o contrário, seu ator. A cultura perdeu seu valor na determinação dos comportamentos. De fato, desde o nascimento, a criança vive em um ambiente heterogêneo e plural. Portanto, não pode ignorar a existência de outras referências, de outros hábitos. Ela vive e se socializa em um grupo marcado pela diversidade cultural. Suas escolhas culturais podem se efetuar a partir de uma ampla gama. Ela pode tomar emprestado de outros grupos modelos de comportamento, hábitos e códigos. Assim, independentemente de sua origem, qualquer pessoa pode expressar seu pertencimento de forma rica e variada. A identidade dita de origem não desaparece, mas a maneira de vivê-la e de expressá-la é mais diversificada… (ABDALLAH-PRETCEILLE, 1999, p. 54)15 Abdallah-Pretceille destaca ainda que a proposta interculturalista reconhece a relevância do sujeito na manutenção e na (re)construção de uma cultura, e que isso não significa o retorno do individualismo. A respeito da vertente culturalista, a autora diz que seus expoentes procuram analisar o papel da cultura apoiados nos fenômenos psicológicos; em contrapartida, os interculturalistas se colocam a observar o “eu” e o “tu” e o modo como eles se relacionam e se representam. Dessa forma, o intercultural atua sobre os eixos sujeito/indivíduo, intersubjetividade/subjetividade, universalidade/singularidade. No original: “Du fait de l’internationalisation du quotidien, l’individu est de moins en moins déterminé par sa culture d’appartenance. Il n’est pas seulement le produit de sa culture. Il en est au contraire, l’acteur. La culture a perdu sa valeur de détermination des comportements. En effet, dès sa naissance, l’enfant vit dans un enrironnement hétérogène et pluriel. Il ne peut donc pas ignorer l’existance d’autres références, d’autres habitudes. Il vit et se socialise dans un groupe marqué par la diversité culturelle. Ses choix culturelles peuvent s’effectuer à partir d’une gamme très ouverte. Il peut emprunter à d’autres groupes des modeles de comportement, des habitudes, des codes. Ainsi, quelle que soit son origine, toute personne peut exprimer son appartenance de manière riche et variée. L’identité dite d’origine ne disparaît pas, mais la manière de la vivre et de l’exprimer est plus diversifiée…” 15 119 Maddalena de Carlo (1998) explana que a abordagem intercultural nasceu no âmbito do ensino-aprendizado do francês como LM no início dos anos 1970, destinada aos filhos de imigrantes. Porém, a autora afirma que tal proposta foi interrompida por alguns anos sob a alegação de propor a assimilação das culturas dos imigrantes pela cultura nativa. Com o intuito de oferecer uma melhor percepção do desenvolvimento da abordagem interculturalista, De Carlo (1998) faz um panorama de seu percurso em outros países. A autora afirma que, na Itália, nos anos 1980, foi desenvolvido por pesquisadores e professores um projeto no qual a abordagem interculturalista deveria ser trabalhada de maneira transversal em todas as disciplinas; e, nos Estados Unidos, a partir da Segunda Guerra Mundial, diante do acentuado número de culturas heterogêneas, o aspecto linguístico passou a ser trabalhado atualmente com base em uma perspectiva interculturalista em quase todas as universidades americanas. Quanto ao interculturalismo no ensino de LE, De Carlo (1998) comenta que esse conceito surgiu nos anos 1980 na abordagem comunicativa, modificando de forma radical as modalidades de acesso à cultura estrangeira, visto que não se trata mais de impingir no estrangeiro a competência cultural do nativo. Nesse sentido, a autora faz menção a esta explanação de Chambeu: Os autores, reivindicando a competência intercultural e a comunicação intercultural, salientam, por outro lado, a interação, ou seja, o processo de troca que permite a ambos os interlocutores influenciar-se de forma recíproca, mestiçar-se mutuamente, bem como a intersubjetividade. O intercultural solicita dois sujeitos. Trata-se então de reconhecer ao Outro seu estatuto de sujeito, aceitando a reciprocidade eventual de seu olhar “coisificante”.16 (CHAMBEU, 1997 apud DE CARLO, 1998, p. 44) No original: “Les auteurs se réclamant de la compétence interculturelle et de la communication interculturelle mettent l’accent, par contre, sur l’interaction, c’est-à-dire le processus d’échange qui permet aux deux interlocuteurs de s’influencer réciproquement, de se métisser mutuellement, et aussi sur l’intersubjectivité. L’interculturel sollicite deux Sujets. Il s’agit désormais de reconnaître à l’Autre son statut de Sujet en acceptant la réciprocité éventuelle de son regard ‘chosifiant’.” 16 120 Sobre a abordagem interculturalista, De Carlo (1998) discorre que ela advém não somente das novas reflexões didáticas e didatológicas no campo de ensino de línguas e culturas, mas também de outras ciências sociais, tendo a cultura como principal objeto de alguns campos do saber, como a antropologia cultural, que se interessou pelas diferenças entre as civilizações e privilegiou o estudo dos comportamentos e das maneiras de viver de uma sociedade, levando em consideração também o indivíduo nesse cenário, descartando, porém, a concepção ilusória de uma civilização como modelo de desenvolvimento; a semiologia, que propôs uma leitura do não dito, das ideologias e dos discursos implícitos, expressos nas manifestações sociais e individuais; e a sociologia, que se pôs a analisar as diferenças étnicas e culturais de alguns países, presentes nas sociedades ocidentais com o advento da industrialização. Para De Carlo (1998), a contribuição de uma abordagem interculturalista ao ensino de língua reside em oferecer aos sujeitos uma competência pragmática relacionada com a convivência com o Outro. Para tanto, a discussão sobre os clichês atribuídos a um povo e a um país deve ser realizada entre professores, alunos e demais envolvidos nesse processo de ensino-aprendizado, de modo reflexivo, indagando-se sobre as caracterizações, quase caricaturais, que servem para toda uma população, como se todos fossem iguais, independentemente da condição social, da formação, da idade, do sexo, do contexto social, histórico e econômico etc. Retomando os ganhos de uma abordagem interculturalista no ensino de línguas, a autora menciona igualmente seu papel no tratamento dos medos, anseios, conflitos e de muitos outros sentimentos que se manifestam no encontro de culturas distintas. Cabe aqui destacar que o ensino-aprendizado de uma LE toca em aspectos identitários, colocando em questão, muitas vezes, os valores que o sujeito concebe como verdadeiros ao longo de sua vida. 121 No atual contexto de globalização, pensadores como Zymunt Bauman (2003) consideram que a pós-modernidade demanda também uma consciência transcultural Acreditam que, com o advento da tecnologia de comunicação e de informação, as identidades nacionais ficaram cada vez mais diluídas. Portanto, o intercultural estaria se instaurando de modo natural. Todavia, ações xenofóbicas, homofóbicas, sexistas e outras vêm se tornando cada vez mais comuns. Com relação a esse paradoxo, Stuart Hall compreende que o forte desejo de homogeneização global pode gerar como reação o interesse pelo “local”. Em sua linha de pensamento, a globalização vai promover o aparecimento de novas identificações “globais” e de novas identificações “locais”. Em defesa de tal hipótese, ele menciona a desigualdade de poderes entre sujeitos e nações, alguns exercendo o papel de comandar, e outros se subjugando às ordens estabelecidas. Hall diz ainda que: Tanto o liberalismo quanto o marxismo, em suas diferentes formas, davam a entender que o apego ao local e ao particular dariam gradualmente vez a valores e identidades mais universalistas e cosmopolitas ou internacionais; que o nacionalismo e a etnia eram formas arcaicas de apego — a espécie de coisa que seria “dissolvida” pela força revolucionadora da modernidade. De acordo com essas “metanarrativas” da modernidade, os apegos irracionais ao local e ao particular, à tradição e, às vezes, aos mitos nacionais e às “comunidades imaginadas” seriam gradualmente substituídos por identidades mais racionais e universalistas. Entretanto, a globalização não parece estar produzindo nem o triunfo do “global” nem a persistência, em sua velha forma nacionalista, do “local”. Os deslocamentos ou os desvios da globalização mostram-se, afinal, mais variados e mais contraditórios do que sugerem seus protagonistas ou seus oponentes. Entretanto, isto também sugere que, embora alimentada, sob muitos aspectos, pelo Ocidente, a globalização pode acabar sendo parte daquele lento e desigual, mas continuado, descentramento do mesmo. (2014, p. 56) Em suma, não resta dúvida de que o movimento de guetização dos sujeitos assusta muitos professores, educadores e pensadores da pós-modernidade, pois pode prover a insurgência de comportamentos etnocêntricos e de intolerância à diferença. No 122 entanto, é necessário lembrar que isso se deve, em geral, ao sistema competitivo e seletivo no qual vivemos, que simplesmente exclui, “descarta” quem não corresponde às expectativas e aos interesses do sistema capitalista. A busca do local passa a ser um refúgio e uma maneira de o sujeito impor sua existência. Como já foi explicitado nas páginas anteriores, ainda que o educador queira estabelecer a integração social, o ato de educar não pode desconsiderar a realidade, o contexto político, histórico, econômico e social no qual vivem os sujeitos. Convém dizer que a proposta de uma mediação cultural crítica considera fundamental que os sujeitos consigam sair de seus “territórios” e sejam capazes de enxergar o Outro; todavia, esse movimento deve ser feito de maneira reflexiva e crítica, analisando as ideologias implícitas em tais discursos. 3.1.1 O método Écho e o tratamento do componente cultural Na intenção de compreender o tratamento atribuído ao componente cultural no ensino de LE, sobretudo de FLE, este estudo vai analisar, inicialmente, o método de francês Écho, de J. Girardet e J. Pécheur. Cabe ressaltar que essa escolha se justifica pelo fato de ele ter sido adotado nas Alianças Francesas do Brasil e ser utilizado por um número expressivo de alunos. Em geral, os cinco livros são organizados em três unidades, e cada uma contém quatro lições. Os autores esclarecem que o público-alvo pode ser de jovens e adultos; todavia, destacam que as situações comunicativas não contemplam o mundo escolar. 123 Quanto à sua fundamentação teórica, os autores mencionam que o método segue as diretrizes da perspectiva acional (PA), na qual os alunos são concebidos como atores sociais. Salientam também que o manual contempla como atividade pedagógica os projetos e enfatizam que o vocabulário, a gramática, a fonética, entre outros itens, são trabalhados em função das interações, das situações comunicativas propostas em sala. Na introdução, os autores evidenciam que o método segue as orientações do CECR. Assim, os alunos são preparados para fazer os exames do Delf (Diploma de Estudo em Língua Francesa), e os autores chamam a atenção para o fato de que o manual propõe atividades de avaliações e autoavaliações. Ao analisar o método Écho 2 (GIRADET; PÉCHEUR, 2009), observamos que predominam nas seções reservadas ao tópico “Civilisation” textos descritivos, injuntivos, expositivos, apresentando dados estatísticos, enciclopédicos, que descrevem, em geral, os costumes, os comportamentos do povo francês e a organização da nação francesa, apresentando informações básicas, de forma sistematizada e imparcial. Cabe ressaltar que o componente cultural na abordagem comunicativa (AC) e na perspectiva acional (PA) visa a desenvolver nos alunos competências voltadas para um savoir-faire social, transmitindo informações sobre o modo de agir e de falar da sociedade francesa. Em alguns métodos didáticos da PA, como Forum (BOUGNEC; LOPES; MENAND; VIDAL, 2002) e Le nouveau taxi (CAPELLE; MENAND, 2009), os autores fazem uso do termo sociocultural. Vale lembrar, com base nas análises de Maddalena de Carlo (1998), que isso talvez se deva ao fato de o termo civilização remeter à ideia de uma formação catequizadora, como se houvesse culturas mais e menos civilizadas. No CECR, os autores fazem esta observação sobre o saber sociocultural: 124 Estritamente falando, o conhecimento da sociedade e da cultura da(s) comunidade(s) que fala(m) uma língua é um dos aspectos de conhecimento de mundo. No entanto, é bastante importante lhe dar uma atenção particular, uma vez que, ao contrário de outros tipos de conhecimento, é provável que estes não façam parte do conhecimento prévio do aluno e sejam distorcidos por estereótipos. (p. 82)17 No livro Écho 2, primeiro capítulo, o tópico “Civilisation” tem como tema “L’enseignement en France”, cujo gênero textual é um artigo enciclopédico dividido em três partes: A escola pública obrigatória e laica; Do jardim de infância à obtenção do diploma de ensino médio; e O estudo universitário. Além disso, a página contém três ilustrações de instituições de ensino: o Instituto Universitário de Tecnologia de Cachan, uma escola maternal e a Universidade de Sorbonne. As duas últimas têm legendas ressaltando que desde 1998 a escola francesa pública tem o controle do Estado e que a Sorbonne constitui a universidade francesa mais antiga. No final da página 17, os autores pedem também para que os alunos leiam as informações supracitadas e façam comparações com o ensino de seu país. O tratamento comparativo do componente cultural demonstra que os especialistas do campo passaram a se preocupar também em promover uma formação interculturalista, na qual povos de culturas distintas não apenas reconheçam as diferenças culturais, mas interajam com o Outro. Segundo o texto do CECR: O conhecimento, a consciência e a compreensão das relações (semelhanças e diferenças distintivas) entre “o mundo de onde se vem” e “o mundo da comunidade-alvo” originam uma tomada de consciência intercultural. É necessário sublinhar que a consciência intercultural inclui uma consciência da diversidade regional e social de ambos os mundos. Elas se enriquecem também com a consciência de que há um leque mais vasto de culturas do que as veiculadas pelas L1 e L2 do aluno. Isso ajuda a contextualizá-las. Além de No original: “À proprement parler, la connaissance de la société et de la culture de la (ou des) communauté(s) qui parle(nt) une langue est l’un des aspects de la connaissance du monde. C’est cependant assez important pour mériter une attention particulière puisque, contrairement à d’autres types de connaissances, Il est probable qu’elles n’appartiennent pas au savoir antérieur de l’apprenant et qu’elles sont déformées par des stéréotypes.” 17 125 conhecimento objetivo, a consciência intercultural abrange uma consciência do modo como cada comunidade aparece na ótica do outro, muitas vezes sob a forma de estereótipos nacionais. (CONSEIL DE L’EUROPE, 2000, p. 83)18 Cabe aqui fazer outra observação, ressaltando que no método Écho o tópico “Écrits” dialoga com o de “civilização”. A título de exemplo, nessa lição, os autores solicitam que os alunos redijam um texto sobre a questão educativa e também façam seu currículo em francês. Mas, para tanto, eles lhes propõem, inicialmente, a leitura e um exercício interpretativo do texto “Quelle école pour demain?”, extraído do jornal Le Quotidien do dia 18 de outubro de 2007; então, reivindica-se que o professor organize uma mesa-redonda em sala, na qual a educação de seu país seja debatida com base em uma lista de assuntos que poderiam ser abordados sobre essa temática. É oportuno destacar que a proposta parece ser interessante, pois trata a produção escrita como um fenômeno social, engajando o aluno a atuar como cidadão. Todavia, os autores didatizaram uma entrevista, selecionando apenas algumas opiniões dos pais das crianças e dos professores sobre a educação. O documento não apresenta as referências identitárias sobre as pessoas envolvidas nessa interação. Em outras palavras, não se sabe de que lugar elas falam. Sabe-se apenas que exercem os papéis sociais de pais ou de professores. Infelizmente, embora muitos métodos didáticos e professores declarem uma abordagem da linguagem apoiada na fundamentação teórica de Mikhail M. Bakhtin No original: “La connaissance, la conscience et la compréhension des relations, (ressemblances et différences distinctives) entre “Le monde d’où l’on vient” et “Le monde de la communauté cible” sont à l’origine d’une prise de conscience interculturelle. Il faut souligner que la prise de conscience interculturelle inclut la conscience de la diversité régionale et sociale des deux mondes. Elles s’enrichit également de la conscience qu’il existe un plus grand éventail de cultures que celles véhiculées par les L1 et L2 de l’apprenant. Cela aide à les situer toutes deux en contexte. Outre la connaissance objective, la conscience interculturelle englobe la conscience de la manière dont chaque communauté apparaît dans l’optique de l’autre, souvent sous la forme de stéréotypes nationaux.” 18 126 (2010),19 observam-se ainda no ensino-aprendizado das línguas materna e estrangeira propostas pedagógicas que se limitam a descrever o gênero textual e a identificar sua função social, de maneira fixa e determinante. É pertinente mencionar que a concepção bakhtiniana de linguagem foi revolucionária para esse campo, pois a tratou como atividade social, ideológica, que se constrói no sujeito por meio das interações humanas, contestando os estudos estruturalistas, que a analisavam isolada da vida. Convém reforçar que, na teoria bakhtiniana, embora os gêneros textuais apresentem uma forma relativamente estabilizada, não são totalmente fixos. De acordo com o autor, as necessidades políticas, econômicas e sociais de cada momento histórico e a subjetividade humana podem promover transformações nas estruturas textuais. Com relação ao método Écho 2, na segunda lição, o tópico “Civilisation” versa sobre a economia e o trabalho na França. Como na primeira lição, o gênero discursivo escolhido é o enciclopédico, servindo como suporte para discutir sobre a questão do trabalho na França e pedir para que o aluno faça comparações com sua cultura ou com outras, caso tenha delas conhecimento. No tópico “Écrits”, os autores trazem uma carta de motivação que os alunos precisam ler para responder às perguntas dos exercícios 1 e 2, relacionadas com a estrutura da carta administrativa na sociedade francesa e do país no qual se aprende a língua francesa. Por último, são lançadas duas atividades escritas. Na primeira proposta, o aluno é convocado a responder a um anúncio de emprego e, na segunda, deve redigir um currículo com base no modelo sugerido na página 43. Nesse caso, os autores oferecem aos alunos o mesmo gênero textual no tópico “Civilisation”, o que significa que eles são expostos à mesma situação comunicativa, 19 A respeito do Círculo de Bakhtin, deve-se esclarecer que ele foi formado por volta de 1919, na Rússia, e era constituído por intelectuais de campos distintos, que objetivavam refletir sobre a linguagem, ancorados em princípios filosóficos e nas ideologias marxistas. Todavia, suas ideias só passaram a ser difundidas a partir da década de 1970. No Brasil, os linguistas, literários, entre outros pesquisadores, somente tiveram acesso a suas reflexões em 1979, com a obra Marxismo e filosofia da linguagem, traduzida para o português. É importante elucidar também que os estudos pedagógicos tentaram se apropriar dos conceitos bakhtinianos sobre diálogo, interação, gênero discursivo e polifonia; contudo, em geral, transmitem uma abordagem bastante simplificada para os professores (FARACO, 2009). 127 embora se saiba que existem reportagens, charges, músicas, entre outros textos, na sociedade francesa. No tópico “Écrits”, a carta de motivação serve como modelo para a produção escrita. Todavia, ao analisar alguns documentos autênticos sobre tal gênero textual, observa-se que os consultores de emprego aconselham os candidatos que suas cartas tenham certa dose de originalidade para que o recrutador se interesse por sua candidatura. Com relação à autenticidade dos documentos, Wilkins diz que: […] é necessário concentrar a atenção na aquisição de uma competência receptiva, sendo sua autenticidade uma importante característica dos materiais concebidos para desenvolver essa competência. Com isso, aceitamos materiais que não foram escritos ou gravados para o aprendiz estrangeiro, mas, inicialmente, destinados a um público de língua materna. (WILKINS, 1976 apud DE CARLO, 1998)20 Não resta dúvida de que trabalhar com um documento produzido para o próprio público da língua-alvo faz com que alunos e professores se sintam mais próximos do Outro, de sua cultura. No entanto, Maddalena de Carlo (1998) enfatiza que os documentos, como calendários, menus, programas de cinema, entre outros, não podem ser explorados apenas de forma descritiva, considerando a cultura abordada como um objeto estático pronto a decodificar, sem levar em conta, por exemplo, seus fatores históricos, sociológicos, identitários e suas condições geográficas. A respeito da escolha de um documento para ser trabalhado em sala, Silvana Serrani (2005) considera que a situação comunicativa precisa apresentar determinados fatores: contexto, pois a língua se realiza de acordo com o espaço físico e social e o momento histórico no qual está inserida; pessoas e grupos sociais que não apenas façam No original: “[…] il faut concentrer l’attention sur l’acquisition d’une compétence réceptive, une importante caractéristique des matériaux conçus pour développer cette compétence est leur authenticité. Pour cela, nous entendons des matériaux qui n’ont pas été écrits ou enregistrés pour l’apprenant étranger, mais originairement adresses à un public de langue maternelle”. 20 128 parte da mesma comunidade, mas que possuam também diferenças étnicas, raciais, sociais e ideológicas, bem como legados socioculturais, capazes de permitir depreender a identidade cultural em jogo. Cabe dizer que não se discute aqui a didatização do suporte explorado. Se os sujeitos buscam um professor, isso significa que querem alguém que atue como mediador de tal idioma. Todavia, a maneira como o professor ou o elaborador do manual vai recortar e editar o documento escolhido requer coerência e uma atitude ética para com os sujeitos e as culturas envolvidas. Com base em Bérard (1991), Costa e Marinelli (2008, p. 99) apontam três razões para o uso dos documentos autênticos: a) o fato de um aluno principiante poder compreender, desde o início da aprendizagem da língua estrangeira, um documento autêntico, contribui para a sua motivação. Esses argumentos são retomados por pesquisadores como Canale & Swain e Coste (apud Bérard, 1991:51): “[…] devemos tirar o melhor partido possível de seu valor de motivação. Ele é, com efeito, para o aluno, recompensa e conforto”. b) o documento autêntico favorece a autonomia de aprendizagem do aluno. As estratégias usadas em sala de aula para a compreensão de determinado documento autêntico poderão ser reutilizadas em outras situações, fora do contexto escolar. Dessa forma, além dos conteúdos dos documentos, essa atividade favorece o desenvolvimento de um outro objetivo que é “ensinar a aprender”. c) o terceiro argumento refere-se à língua ensinada. O documento autêntico expõe o aluno a certos aspectos da linguagem cotidiana que não são objeto de estudos das ciências da linguagem, mas que merecem ser conhecidos. Os documentos tornam-se, assim, objetos de estudo não apenas do conteúdo linguístico que veiculam, mas também de sua dimensão pragmática e social. Esse estudo poderá contribuir para que sejam observadas regras de funcionamento da comunicação na língua que se está aprendendo. Para De Carlo, ao escolher um documento, o professor deve levar em consideração sobretudo três elementos: a pertinência, ou seja, o grau de dificuldade do documento para o aluno, se há equilíbrio entre os conhecimentos já adquiridos e os novos; a performatividade, que consiste em avaliar a relevância do assunto para o 129 público em questão, sua funcionalidade; e a forma de explorá-lo, considerando a motivação dos alunos e o programa do curso. A respeito do livro Écho 2, outro fator destacado foi o espaço contemplado para a abordagem do aspecto cultural. O texto “Quelle école pour demain?” parece ter sido um pretexto para trabalhar as compreensões e expressões escritas e orais. Silvana Serrani, em Discurso e cultura na aula de língua: currículo, leituras e escrita, logo no prefácio comenta que, ao observar as aulas de futuros professores de língua inglesa e espanhola, constatou: O componente sociocultural e a dimensão enunciativa da língua costumavam ocupar lugares acessórios na maioria das grandes curriculares. Do mesmo modo, enfoques interculturais que contemplem a diversidade social de modo efetivo são muitos escassos em programas e ementas. (SERRANI, 2005, p. 11) Ainda sobre essa questão, a autora ressalta que, embora o componente sociocultural seja concebido como essencial na formação do sujeito, na prática ele passa a ter papel secundário. Para a autora, os motivos de tal atitude estão vinculados à dificuldade que muitos têm em definir o termo cultura, dada sua complexidade, e à concepção subjacente de que o conteúdo e os exames são mais relevantes no processo de ensino-aprendizado. Convém dizer que o aspecto cultural se faz presente também em outras seções dos livros didáticos; porém, é veiculado, em geral, de maneira implícita e (in)consciente. Ao preparar a aula, o professor precisa ter um olhar atento e identificar as imagens culturais que subjazem aos métodos, a fim de que os estereótipos, os clichês e os discursos do senso comum não sejam reforçados e reproduzidos. Com relação ao método Écho 2, cada lição se organiza dividida em cinco tópicos. Além de “Écrits” e “Civilisation”, já retratados, existem também as seções 130 “Interactions”, “Ressources” e “Simulations”, que o presente estudo vai procurar analisar, visando a demonstrar o modo como os autores transmitem o componente cultural; em suma, questionando se há uma mediação cultural de natureza redentora, reprodutora ou crítica, voltada para o devir humano. Na sessão designada como “Interactions”, os autores propõem um tema de discussão que faz parte da realidade, da vida dos sujeitos. Para motivar os alunos a participar da interação proposta, são lançadas algumas perguntas de forma direcionada, que podem se depreendidas linguisticamente pelo emprego do pronome “vous”, reivindicando que eles se posicionem em face de determinada situação social. Para exemplificar, na lição 2 do livro Écho 2, com o título Tu as du boulot?, encontra-se este texto: Ideias para criar sua empresa Se você está desempregado, se se aborrece em seu trabalho, se precisa de liberdade, crie sua empresa. Muitos estão fazendo isso. Por que não você? Imagine quais serão as novas necessidades. Informe-se sobre os empregos do futuro. Pesquise ideias a seu redor. O que está faltando? Do que as pessoas precisam? Em casa… no trabalho… nas férias… nas cidades… no campo… etc. (p. 18)21 Vale enfatizar que, nessa enunciação, os autores tocam em uma questão muito em voga nos meios de comunicação e nas interações cotidianas, que diz respeito ao empreendedorismo e à associação do empreendedor ao empresário. Ao mediar tais informações em sala, parece fundamental que o professor também análise com os alunos esse modismo e vislumbre também com eles outras possibilidades de “empreender” e viver. No original: “Des idées pour créer votre entreprise Si vous êtes au chômage, si vous vous ennuyez dans votre travail, si vous avez besoin de liberté, créez votre entreprise. Beaucoup l’ont fait. Pourquoi pas vous? Imaginez quels vont être les nouveaux besoins. Renseignez-vous sur les emplois de demain. Recherchez des idées autour de vous. Que manque-t-il? De quoi les gens ont-ils besoin? Chez eux… au travail… en vacances… dans les villes…à la campagne… etc.” 21 131 No tópico “Ressources”, destinado aos aspectos linguísticos e fonéticos, o fato de os autores não abordarem as variações linguísticas presentes no francês, ou seja, a diversidade da língua francesa nos países francófonos, e de privilegiarem o modo de falar dos parisienses demonstra suas posições políticas, econômicas e culturais. Esse tipo de ação, aparentemente “neutra”, parece reforçar e reproduzir a imagem de que os franceses são cultos e têm uma língua “pura”.22 No que diz respeito à francofonia,23 convém dizer que os métodos de FLE, em geral, tratam dessa questão como se fosse mais um tema de civilização pertencente à história da França, da cultura francesa. Com efeito, a concepção de que a Organização Internacional da Francofonia (OIF) foi criada como uma estratégia política para fortalecer a importância da nação e da cultura francesa no mundo e atenuar sua imagem de país colonizador vem se tornando cada vez mais nítida para os professores de FLE. Com o intuito de preencher essa lacuna dos livros didáticos, muitos se valem de filmes, poesias, músicas, entre outros legados culturais, apresentando uma língua francesa além das fronteiras parisienses. Essa postura dos autores do método faz pensar sobre o manifesto intitulado “Pour une littérature-monde en Français” (LE BRIS; ROUAUD, 2007), no qual 44 escritores, entre os quais Tahar Ben Jelloun, Nancy Huston, Alain Mabanckou, Edouard Glissant e Jean-Marie Gustave Le Clézio, propõem o fim da francofonia. Nesse documento, eles afirmam existir uma tensão entre a literatura francófona e a francesa. Esta possui uma posição central entre os críticos e as editoras, enquanto a outra atua 22 Cabe esclarecer que, no período do reinado de Luís XIII, o cardeal Richelieu, juntamente com um grupo de letrados e eruditos, fundou a Academia Francesa, cuja principal função era prescrever regras à língua francesa e torná-la pura, eloquente, apta a tratar das artes e das ciências. Disponível em: <http://www.academie-francaise.fr/la-langue-francaise/le-francais-aujourdhui>. Acesso em: 5 jun. 2015. 23 Faz-se necessário mencionar que o termo “francofonia” foi criado pelo geógrafo Onésime Reclus com o propósito de destacar que a língua francesa era falada nos cinco continentes. Em 1962, Léopold Sédar Senghor, presidente da República do Senegal, se vale dessa expressão e propõe a construção de uma comunidade francófona. Todavia, somente em 1986 acontecerá a primeira conferência sobre a francofonia (JOUBERT, 1997). 132 como se fosse periférica, subserviente à primeira. Para o escritor Mabanckou (2007), “a literatura-mundo é aquela que funda cumplicidades para além dos continentes, das nacionalidades, dos catequismos e das árvores genealógicas…”.24 Ainda sobre o espaço do componente cultural no método Écho 2, no tópico “Simulations”, os autores têm como objetivo que seja trabalhada a compreensão oral, mas também a expressão oral. Para tanto, solicitam que os alunos realizem pequenas cenas, esquetes teatrais, seguindo o contexto social que lhes foi apresentado nos diálogos. Embora os autores apresentem situações comunicativas fictícias, com base, em geral, no modo de vida da sociedade francesa, é possível depreender nesses discursos concepções sobre o papel da mulher, das crianças e dos jovens na sociedade que não são abordadas no tópico “Civilisation” e podem ser aprofundadas pelos alunos com a ajuda da internet e do professor. A título de exemplo, na lição 2 do método, tem-se como situação comunicativa uma entrevista de emprego na qual a funcionária do departamento pessoal indaga à candidata se ela e seu marido pensam em ter filhos em breve. Posteriormente, a contratante explicita que a empresa precisa de alguém que se dedique, de fato, ao posto de chefe de produto. Em geral, quando os alunos brasileiros leem esse diálogo, ficam surpresos com a questão feita à candidata, pois salientam que no Brasil as empresas podem evitar contratar mulheres mais jovens por causa da gravidez, mas dificilmente explicitariam os motivos. Alguns mencionam, com base em suas experiências pessoais, que os franceses são mais diretos que os brasileiros. Ainda que surjam clichês e concepções estereotipadas da cultura-fonte e da cultura-alvo, essas enunciações muitas vezes estimulam o aluno a expor sua visão sobre No original: “[…] la littérature-monde est celle qui fonde les complicités au-delà des continents, des nationalités, des cathéchismes et de l’arbre généalogique…”. Disponível em: <http://www.senspublic.org/article.php3?id_article=493>. 24 133 o Outro e sobre sua cultura, permitindo, assim, que determinadas imagens identitárias sejam (re)avaliadas, pensadas e reconstruídas. Com base em Maddalena de Carlo (1998) e em R. Amossy (2001), o estereótipo representa uma estratégia humana de tentar classificar e categorizar esse Outro. Todavia, ao se aproximar desse universo desconhecido, o sujeito pode se dar conta, com o tempo, de que sua concepção sobre o Outro foi bastante imprecisa e superficial. Sobre a identidade humana, De Carlo (1998, p. 88) acrescenta: O que somos, então, depende não apenas do modo como nos vemos, mas também da imagem que os outros fazem de nós, de nossa relação com eles e do que eles representam para nós. O próprio conceito de identidade, individual e coletiva, não poderia existir fora de uma dialética com os outros: se somos capazes de reivindicar nossa especificidade, é somente sobre a base de uma diferença, de uma separação e, às vezes, de uma desvalorização do outro. Trata-se, como já dissemos, de um paradoxo segundo o qual cada um de nós, para afirmar seu próprio eu, é obrigado a reconhecer a presença de um não eu, que representa ao mesmo tempo uma condição necessária e uma ameaça à nossa existência.25 Maddalena de Carlo (1998) comenta ainda que filósofos e psicólogos concebem o ato de se narrar como um recurso que permite aos sujeitos se escutarem, fazerem um exercício de introspecção, se redescobrirem, favorecendo, assim, a adoção de uma atitude mais flexível sobre si mesmo e sobre o Outro. Para a autora, com base nas teorias de Paul Ricoeur,26 a narração põe em relação o mundo interno (subjetividade) e No original: “Ce que nous sommes dépend alors non seulement de la façon dont nous nous voyons, mais aussi de l’image que les autres se font de nous, de notre relation avec eux et de ce qu’ils représentent à nos yeux. Le concept même d’identité, individuelle et collective, ne pourrait exister en dehors d’une dialectique avec les autres: si nous sommes en mesure de revendiquer notre spécificité, c’est uniquement sur la base d’une différence, d’une séparation et parfois d’une dévalorisation de l’autre. Il s’agit, comme nous l’avons dit, d’un paradoxe selon lequel chacun de nous, pour affirmer son propre moi, est obligé de reconnaître la présence d’un non-moi, qui représente à la fois la condition nécessaire et la menace à notre existence.” 26 Em sua obra Soi-même comme un autre (2014), Ricoeur estabelece que a identidade se constitui em um idem, que se caracteriza pela permanência e manutenção de um mesmo no tempo, e de um ipse, implicando a mudança, a transformação da personalidade do sujeito. Essa dialética entre a mesmidade, a preservação da tradição, e a variabilidade, que representa o despojar-se em Outro, demonstra que o homem é produto da história, mas também que é capaz de intervir sobre ela. 25 134 o externo (contexto histórico-social) por meio da concordância e da discordância. Em face disso, ela sugere que os professores se valham, por exemplo, das autobiografias, dos relatos de viagem, das correspondências em suas aulas. Para concluir, embora o objetivo proposto pelo método nesse tópico seja a compreensão e a expressão oral, os enunciados estão carregados de referências subjetivas e culturais que podem ser exploradas em sala. Quanto às dramatizações/encenações para fins didáticos, Maddalena de Carlo (1998) enxerga esse tipo de exercício como uma forma de “descentralização étnica” e de identificação com os dramas do Outro. Para tanto, os alunos precisam buscar informações sobre a cultura em questão. Todavia, convém ressaltar que, nos métodos didáticos, as diretrizes concernentes a tais atividades são extremamente prescritivas e dão pouco espaço para a criação. Além desses tópicos, nos livros didáticos da perspectiva acional (PA), é comum encontrar também no final de cada unidade propostas de projetos pedagógicos. Muitos pedagogos, elaboradores de manuais, formadores de formadores de LE, entre outros, passaram a adotar os projetos no processo de ensino-aprendizado sob o argumento de que essa atividade permite trabalhar as competências comunicativas, mas também mobilizam outras competências fundamentais para se viver em sociedade, como: saberser, saber-fazer, saber-viver, saber-aprender. É pertinente enfatizar que a teoria de projeto surgiu no mercado de trabalho e, por conseguinte, foi incorporada ao sistema educativo como um mecanismo para tornar o processo de ensino-aprendizado mais pragmático e objetivo. No entanto, uma formação complexa reivindica que o sujeito seja capaz de articular prática e teoria, de considerar a historicidade da humanidade e de enxergar sua existência para além de suas 135 necessidades terrenas (MARX; ENGELS, 2009; MÉSZÁROS, 2008 LEVINAS, 2014; ARENDT, 1972). A respeito da valorização do agir sobre o refletir nos projetos didáticos, no método Écho 2, por exemplo, os autores sugerem no final da Unidade 1 que os alunos, com base nos eventos literários “Le prix Goncourt”27 e “Le prix Fémina”28, escolham um romance da coleção Français Facile, destinada ao público iniciante, e apresentem apenas o início do livro em algumas frases à turma; por conseguinte, devem ler um trecho do texto escolhido. Como sensibilização, o método traz trechos de dois romances, Robert des noms propres, de Amélie Nothomb, e Je voudrais que quelqu’un m’attende quelque part, de Anna Gavalda,29 e de uma história em quadrinhos, Le retour à la terre, la vrai vie, de Ferry e Larcenet.30 Ao lado de cada um, são propostas algumas questões, objetivando ajudar o aluno em sua leitura. No guia do professor, os autores completam tais orientações advertindo os professores de que tal projeto deve ser realizado em várias etapas: o lançamento do projeto, a leitura dos três trechos citados, a pesquisa de obras na biblioteca, a preparação da obra escolhida em casa, sua apresentação em sala e a votação das obras. O número de tarefas propostas leva a inferir muitas vezes que a sedimentação do aprendizado, o processo de ensino-aprendizado e o saber não são mais relevantes. O 27 O prêmio Goncourt surgiu em 1903 na França, mas ainda na atualidade os autores o consideram um dos mais importantes. Embora seja simbólico, ele favorece o aumento significativo da venda das obras premiadas. Disponível em: <http://www.academie-goncourt.fr/>. Acesso em: 4 jun. 2015. 28 O prêmio Fémina também tem o reconhecimento dos escritores e do público; porém, foi criado em 1905 como uma forma de ataque ao prêmio Goncourt, sob o argumento de que este era sexista. É importante dizer que, atualmente, Fémina premia tanto escritoras quando escritores. Disponível em: <http://www.prixfemina.org/tagged/histoire-du-prix-femina>. Acesso em: 4 jun. 2015. 29 No livro do professor Écho 2, os autores explicitam apenas que Amélie Nothomb representa uma escritora belga de língua francesa, cujo sucesso se deve à sua verve e imaginação. Entre as suas obras, eles citam Hygiène de l’assassin, Stupeur et tremblements e Le Robert des noms propres. Quanto a Anna Gavalda, mencionam que nasceu na década de 1970 e atuou como professora de francês. Em 1999, publicou Je voudrais que quelqu’un m’attende quelque part e, em 2004, Ensemble c’est tout, que fez muito sucesso na França. 30 Le retour à la terre constitui-se em uma série de histórias em quadrinho que versam sobre o modo de vida no campo, tendo como personagens principais o desenhista Manu e sua esposa, que deixaram a cidade parisiense para ter uma vida mais tranquila. Disponível em: <http://ruralia.revues.org/1111>. Acesso em: 4 jun. 2015. 136 professor deve se ater sobretudo à quantidade de atividades que os alunos são capazes de fazer. Além dessa observação, a impressão que se tem é a de que os trechos literários propostos no método Écho 2 estão soltos, descontextualizados e demandam que os alunos tenham um conhecimento linguístico, sociolinguístico e lexical superior ao nível A2 descrito no CECR, que só será atingindo ao término desse método. Nesse sentido, acredita-se que os autores se preocuparam sobretudo com a autenticidade dos textos, em estimular nos alunos uma postura autônoma, desconsiderando a importância da didatização da obra, de sua pertinência, performatividade e funcionalidade para o público em questão, como defendem Maddalena de Carlo (1998) e outros estudiosos do campo. Cabe ainda enfatizar que as orientações pedagógicas sobre o projeto vêm descaracterizando o sentido dessa atividade no âmbito acadêmico e escolar ao limitá-la à simples execução de tarefas, bem como atrelam o professor a um papel mecanicista. A aplicabilidade de um projeto em sala de aula não se centra em um fazer, mas implica que os envolvidos, alunos e professores, tenham uma postura de pesquisador, sejam capazes de mobilizar teoria e prática. No caso do professor, em específico, ele deverá atuar como orientador, sugerindo novas fontes de pesquisa a seus alunos-pesquisadores e ajudando-os a aceder ao conhecimento almejado. Como ferramenta complementar, o método apresenta vídeos fictícios e autênticos. Os autores ressaltam que os alunos podem usar esse material de maneira autônoma. Com relação ao primeiro grupo, o livro Écho 2 contém 16 episódios, com fichas para professores e alunos, visando a trabalhar a compreensão oral, aspectos lexicais e pontos gramaticais. O manual oferece também cinco reportagens de France 137 24;31 todavia, os objetivos parecem ser os mesmos, e o componente cultural continua a ser explorado como se fosse menos relevante que as outras competências. Como considerações finais sobre os métodos didáticos, as críticas aqui lançadas não objetivam propor o fim da adoção desse suporte nas aulas de LE, mas chamar a atenção dos professores para a importância de fazer uma análise crítica do conceito de cultura mediado neles. Com base no método Écho 2, pode-se observar que o ensinoaprendizado do componente cultural ainda procura civilizar o Outro. Se antes sua função se concentrava em passar saberes, valores, conhecimentos históricos, literários e humanísticos, com a abordagem comunicativa (AC) e a perspectiva acional (PA) verifica-se que sua mediação visa a transmitir regras de comportamento atreladas ao cotidiano, à realidade sociocultural. Em cada situação comunicativa, os alunos aprendem o que devem e podem dizer. Logo, constata-se uma busca de adaptar o sujeito ao contexto social. Conforme os pensadores da modernidade e da pós-modernidade, como Bauman e Arendt, entre outros, a cultura é paradoxal, sua existência depende da manutenção da tradição, mas também reivindica que o sujeito rompa com a “mesmidade”,32 o “idem”, e busque sua “ipseidade”, sua singularidade. Importa dizer que a simples transmissão de valores, de savoir-faire, não permite que o sujeito reflita sobre sua identidade e enxergue o Outro. 31 France 24 constitui um canal de televisão internacional criado em 6 de dezembro de 2006 pelo presidente Jacques Chirac como forma de combater o poder da emissora americana CNN, da britânica BBC e da qatar Al Jazeera. Seu slogan, “Liberdade, Igualdade e Atualidade”, está embasado no da Revolução Francesa. Disponível em: <http://www.programme-tv.net/news/tv/46138-france-24programmes-audiences-presentation-chaine>. Acesso em: 7 jun. 2015. 32 Em O si-mesmo como Outro (2014), os conceitos de mesmidade e ipseidade foram empregados pelo pensador Paul Ricoeur objetivando mostrar que, ao narrar sobre sua identidade, o sujeito dá espaço ao indivíduo, permitindo a dialética entre o si e o mesmo. 138 3.2.2 Atividades interculturalistas de Christiane Tagliante analisadas sob diversos prismas Na tentativa de compreender melhor o tratamento do componente cultural na perspectiva interculturalista, a presente pesquisa considerou importante também analisar, em particular, as orientações e as atividades de Christiane Tagliante, que atua como especialista na área do FLE e é responsável pelo Polo Avaliação e Certificação do Ciep, sendo autora de diversos livros nesse domínio. Em La classe de langue (2006), no 10o capítulo, intitulado “La civilisation, la culture, le socioculturel, l’interculturel”, a autora oferece aos professores duas fichas: “La Fête de Pâques” e “Dis-moi comment tu payes, je te dirai qui tu es”. No entanto, antes de apresentar suas fichas, Tagliante faz uma breve contextualização do uso do componente cultural nas aulas de língua, chamando a atenção para o fato de que somente a partir da metodologia audiovisual (MAV) “cultura” e “civilização” passaram a ser estudadas de forma dissociada nos métodos de ensino e ganharam práticas distintas. A cultura diz respeito aos eventos sociais de nossa realidade, e a civilização remete à tradição, aos valores morais. Enfatiza ainda que o uso de documentos autênticos contribuiu para que estudiosos do campo refletissem sobre as diferenças existentes entre “cultura culta”, “cultura histórica”, “cultura midiática” e “cultura antropológica”. Todavia, a autora também não as define. Com base nos estudos feitos sobre o aspecto cultural, o presente estudo compreende que a cultura culta diz respeito ao conhecimento literário, às artes e remete a um saber mais erudito, demandando poder econômico, capital (BOURDIEU, 1998). A segunda está presente nas lembranças, nas 139 memórias do sujeito (HALL, 2014). A terceira é adquirida por meio das mídias e se caracteriza por ser volátil e colocar em questão a tradição (BAUMAN, 2003). E, por último, a quarta se caracteriza por investigar as divergências culturais existentes no mundo, com base, por exemplo, nos mitos, nas religiões e nas línguas de cada povo (LAPLANTINE, 2012). Sobre a abordagem intercultural no ensino de LE, Tagliante diz, com base na enunciação de Louis Porcher (1998), que, para que a dimensão “interculturalista” ou “comparatista” se consolide, ela deve ser ensinada nas salas de aula. Com essa observação, a impressão que se tem dessa enunciação, inicialmente, é de que o professor precisa melhorar sua formação e incorporá-la em suas práticas. Convém dizer, no entanto, que existem críticas pertinentes, de estudiosos consagrados, às abordagens interculturalistas. Marmoz e Mohamed (2001), com base em Pierre Furter, como primeira crítica explanam que o intercultural, tal como é concebido em FLE, parece minimizar a complexidade das relações interculturais ao se limitar, sobretudo, à comunicação e desconsiderar as dimensões econômicas, sociais e políticas. Nesse caso, os autores apontam como primeiro problema sua fragilidade teórica. Além disso, Marmoz considera que as ações interculturalistas servem para facilitar o funcionamento do mercado e manter a atual estrutura social. Acrescenta ainda que princípios como o respeito e o direito à diferença podem atuar para que não se questione o sistema de dominação vigente. Convém lembrar que essas ações remetem à educação reprodutora, discutida no segundo capítulo desta pesquisa. Como terceira crítica, vale recuperar a crítica de Jacques Demorgon (2005), feita na introdução desta pesquisa. Para o autor, a proposta interculturalista não traz nada de inovador. Ele argumenta evidenciando que, ao longo da história, ações de caráter 140 interculturalista sempre aconteceram dentro e fora das comunidades. Acredita ainda que o intercultural voluntário (criado) visa a ocultar o intercultural factual (real). Em sua concepção, o processo de adaptação cultural é um fenômeno que ocorre de forma espontânea, ou seja, tem de certa forma a aquiescência da sociedade; portanto, não depende apenas de intervenção política e educacional. Demorgon (2005, p. 25) diz ainda que: A cultura como processo adaptativo permanente deve poder sempre retomar as escolhas anteriores e adaptá-las em razão das mudanças. Essa adaptação é também sempre antagonista. Abertura, mas também fechamento; unidade, mas também diversidade; estabilidade, mas também mudança.33 Embora o presente estudo reconheça os problemas concernentes à abordagem intercultural e defenda que o principal papel do professor deve ser o de promover uma educação para o devir humano, não se pode desconsiderar que essa proposta pode ajudar na mediação de culturas distintas, favorecendo, assim, que os sujeitos interajam e se conheçam melhor. Contudo, este estudo defende uma mediação interculturalista fundamentada na materialidade histórica e em princípios éticos, que, seguindo a linha de pensamento de Emmanuel Levinas, ocorre quando o Outro não é reduzido ao Mesmo. Com relação às orientações de Tagliante na mediação do componente cultural, a autora sublinha que os documentos autênticos têm discursos que não são neutros e aconselha os professores a evitar temas que possam “chocar os alunos” (p. 166). A preocupação da autora em limitar o tipo de assunto a ser abordado nas aulas de língua vem a confirmar a hipótese de que muitas propostas interculturalistas manipulam a mediação do componente cultural com o propósito de promover a interação entre as No original: “La culture en tant que processus adaptatif permanente doit toujours pouvoir reprendre les choix antérieurs et les adapter en raison des changements. Cette adaptation est ainsi toujours antagoniste. Ouverture mais aussi Fermeture, unité mais aussi diversité, stabilité mais aussi changement…” 33 141 culturas em jogo. Nesse sentido, o papel do professor seria o de mascarar as divergências culturais e atuar como um mediador a favor da alienação e contra a ética. No que diz respeito às fichas pedagógicas de Tagliante, convém dizer que “La Fête de Pâques” foi elaborada para alunos com nível de francês equivalente ao B1 (intermediário) e versa sobre as festas religiosas. Na segunda ficha, contemplando o nível A1, intitulada “Dis-moi comment tu payes, je te dirai qui tu es”, a autora salienta que o objetivo dessa atividade será trabalhar a competência cultural e a linguística. Importa ressaltar que, nas duas atividades, Tagliante enfatiza a importância de o professor promover a comparação entre a cultura-fonte e a cultura-alvo. Outro fator que deve ser comentado diz respeito aos tipos de informação. Para a autora, a “cultura culta” e a “cultura midiático-antropológica” precisam ser dosadas. A primeira ficha, “La Fête de Pâques”, apresenta um texto enciclopédico, trazendo, inicialmente, o título “Número de crentes na França” e ao lado a data: 1990. Na linha subsequente, há uma grade na qual estão listadas, em ordem decrescente, católicos, mulçumanos, judeus, protestantes e budistas, com os respectivos números de adeptos. Em seguida, o autor do texto destaca que na França as festas religiosas, marcadas por feriados, são todas católicas. Após oferecer ao leitor esses dados gerais, o autor se limita a dar informações sobre a festa da Páscoa, de forma descritiva. Quanto à forma de abordagem do texto em questão, Tagliante sugere que o professor faça estas perguntas aos alunos: — Por que razão a festa da Páscoa é tida como uma data importante? — No seu país, festeja-se a Páscoa? — Existem tradições diferentes nos outros países? (Por exemplo, na Alemanha, é um coelho branco que esconde os ovos.) — No seu país, os feriados estão relacionados com as festas religiosas? (TAGLIANTE, 2006, p. 168)34 No original: “— Pour quelle raison la date de la fête de Pâques est-elle importante? — Dans votre pays, fête-t-on Pâques? — Y a-t-il des traditions différentes dans les autres pays (Par exemple, en 34 142 Convém dizer que o texto de base não ajuda os alunos a responder às questões supracitadas, bem como não ajuda a fazer muitas inferências. Portanto, o debate se centra, sobretudo, no conhecimento de mundo dos alunos. O texto não oferece informações capazes de provocá-los, de desestabilizar suas concepções sobre sua referência de mundo e a referência do Outro, pois não traz nada de novo que seja capaz de mexer com os conhecimentos cognitivos dos alunos. Quanto à segunda, à terceira e à quarta perguntas, elas se enquadram na categoria de questões fechadas, que não favorecem o diálogo e a interação. Portanto, não trazem contribuições relevantes aos envolvidos na interação. O professor terá de contar com o interesse dos alunos em desenvolvê-las. Cabe dizer que o gênero discursivo escolhido foi também um artigo enciclopédico. Os objetivos e as atividades propostas se assemelham muito aos do livro didático Écho 2. O componente cultural continua a ser abordado de maneira bastante superficial. Com esse tipo de enfoque, a impressão que se tem é de que, mais uma vez, o texto é apenas um artifício para trabalhar as expressões oral e escrita. Deve-se relembrar que a neutralidade é a principal característica desse tipo de texto. Não há a presença dos discursos diretos, indiretos e indiretos livres, adjetivos, modalizadores, usos expressivos dos sinais de pontuação, nem de outros fenômenos linguísticos e não linguísticos que permitam ao leitor identificar um ser humano no texto. Portanto, esse suporte parece coadunar com as orientações de Christine Tagliante, já mencionadas, que consistem em não oferecer aos alunos textos capazes de chocá-los. Contudo, o presente estudo acredita que, se não há choque e espanto, não há aprendizagem. O ato de aprender reivindica a desestabilização do que já se conhece, reivindica entrar em contato com algo novo. No que diz respeito à ação de ensinar, ela Allemagne, c’est un lapin Blanc qui cache les oeufs.) — Dans votre pays, les jours de congés correspondent-ils généralement à des fêtes religieuses?” 143 deve estar centrada na reflexão, em despertar o gosto do sujeito por pensar e em lhe proporcionar o prazer dos insights. Cabe comentar que, em um contexto marcado pelas tecnologias de informação e comunicação (TICs), os sujeitos podem ter acesso a esse tipo de informação generalista sobre a Páscoa sem sair de casa. Para o educador e pesquisador Reuven Feuerstein35 (2014), a relevância do professor dentro da atual sociedade consiste em agir como um mediador capaz de ajudar os sujeitos a interpretar seu contexto político, econômico e social, a compreender seu papel na sociedade e a refletir sobre sua identidade (ZANATTA DA ROS, 2002). Na visão feuersteiniana, o professor mediador é aquele que se dedica a analisar os procedimentos cognitivos ativados pelos alunos, e não apenas a transmitir conhecimentos. Além disso, segundo o autor, a simples exposição direta das crianças e dos sujeitos a estímulos no contexto social não promove a modificabilidade cognitiva do sujeito. Como Vygotsky, Feuerstein defendia que o desenvolvimento das estruturas intrapsíquicas depende também de relações interpsíquicas. Não resta dúvida de que Feuerstein se embasou nas teorias de Lev Semenovic Vygotsky, para quem a aquisição do pensamento formal depende do acesso à cultura e à história e da mediação humana. Essa sua asserção deu à educação, à pedagogia e à didática outro status, pois demonstrou que os fatores genéticos não eram determinantes para o funcionamento cognitivo. Para Vygotsky, com estímulos as pessoas poderiam melhorar sua capacidade intelectual (CAMBI, 1999). 35 Ao contestar as teorias de 1940 e de 1950, que tentavam atribuir o fracasso escolar de algumas crianças a fatores de ordem biológica, genética, étnica, social e cultural, o professor e psicopedagogo israelense Reuven Feuerstein procurou demonstrar que a inteligência humana pode ser modificada independentemente das circunstâncias impostas. Todavia, destacou que a modificabilidade cognitiva estrutural (MCE) dos sujeitos necessita da ação de um professor, de um mediador comprometido com o aluno, com o mediado, tentando compreender, de modo deliberativo, sua lógica de pensamento, de raciocínio (ZANATTA DA ROS, 2002; FEUERSTEIN, 2014; FALIK, 2014). 144 Deve-se relatar que os critérios de mediação criados por Feuerstein partiram da teoria de zona proximal, de Vygotsky, que permite ao professor avaliar melhor as tarefas que os sujeitos são capazes de fazer, de forma autônoma, e as que têm a potencialidade de realizar, mas precisam inicialmente da ajuda de um mediador para executá-las. Feuerstein desenvolveu inicialmente o conceito de experiência da aprendizagem mediada (EAM), estabelecendo determinados critérios de mediação que possam ajudar o professor/mediador no processo de aprendizagem de quem se encontra “excluído”, à margem do sistema de ensino, não se enquadrando no padrão de competência cognitiva concebida como “normal”. É oportuno salientar que a relevância de suas pesquisas consiste, sobretudo, em articular teoria e prática e conseguir atender às reais necessidades da sociedade. Para Feuerstein, o educador/mediador precisa, inicialmente, de três fatores: intencionalidade, que consiste em precisar os objetivos de compartilhar, de pensar e de discutir sobre determinado conhecimento; estratégias e recursos utilizados, se eles são significativos para os alunos; e coparticipação do aluno. Com relação ao ato de aprender, Silvia Zanatta Da Ros faz ainda esta observação: A educação, nesse contexto, requer a presença de uma pedagogia que considere o desenvolvimento do que se chama “autoplasticidade do ser humano”, ou seja, da modificabilidade que lhe permite estar aberto para apreender o novo que se mostra, entre outros aspectos, nos avanços tecnológicos e nas diferentes formas de comunicação que organizam o viver dos homens na contemporaneidade. Essa condição de modificabilidade, que se traduz pela possibilidade de percorrer uma trajetória diferente daquela já vivenciada, é importante porque, ao se produzirem transformações nas relações que pautam o viver dos homens, são produzidas, no mesmo instante, demandas de plasticidade para o exercício de novos e diferentes processos psicológicos, tanto afetivos como cognitivos. (ZANATTA DA ROS, 2002) 145 Feuerstein evidencia que a intencionalidade do mediador e o surgimento do espírito de cooperação entre professor e aluno favorecem a transcendência, a extrapolação. Em sua linha de pensamento, tal procedimento cognitivo se manifesta quando o aprendiz se torna capaz de promover a interação de seus conhecimentos prévios com os novos, ampliando, assim, sua visão de mundo. Seguindo as análises da proposta de Christiane Tagliante, o presente estudo versará nas próximas linhas sobre a segunda ficha, “Dis-mois comment tu payes, je te dirai qui tu es”. Nessa atividade, a autora propõe não apenas que o professor promova um debate sobre as vantagens e as desvantagens das diferentes formas de pagamento, fazendo um contraponto entre a cultura-fonte e a cultura-alvo, mas também que os alunos manipulem cartão de crédito, cheque e dinheiro. Como segunda tarefa, sugere que seja distribuído aos alunos um questionário contendo diversos produtos, no qual eles deverão escolher o modo como cada item seria pago. Por último, para lançar uma discussão em sala, a autora orienta que o professor se sirva de documentos cuja temática seja a idade adequada para que o jovem tenha cartão de crédito. Ao analisar as propostas dessa atividade, verifica-se que a autora busca levar para a sala de aula a atmosfera de compra, que remete ao método “Simulação global”, cujo principal criador, Yaiche (1996, p. 70), considera que: A simulação global pode ser considerada, em muitos aspectos, como um mosaico de atividades que contribuem para um projeto global, a construção de um lugar de vida, uma esfera que é na verdade uma bolha imaginária. Tomadas isoladamente, essas atividades não têm na maior parte do tempo nenhum caráter lúdico: trata-se, de fato, de escrever uma biografia, um perfil de personagem, compor um texto que descreve uma paisagem, um quarto, um prédio, um hotel etc., mas cada uma dessas atividades está implícita no pressuposto de que jogamos, que “fingimos”, que representamos a vida, que atuamos no jogo da vida.36 No original: “La simulation globale peut être considérée à bien des égards comme une mosaïque d’activités qui concourent à un projet global, la construction d’un lieu de vie, une sphère qui est en réalité une bulle d’imaginaire. Prise isolément, ces activités n’ont la plupart du temps aucun caractère 36 146 Embora essa atividade tenha sua relevância nas aulas de língua, pois favorece o trabalho da expressão oral dentro de determinada situação comunicativa, a autora não propõe uma abordagem reflexiva e crítica do componente cultural. As informações sobre a relação entre dinheiro e as culturas em jogo são tratadas de maneira muito vaga. Em suma, o componente cultural se limita à descrição de comportamentos, do modo como um grupo de sujeitos de determinada cultura age. Sabe-se que, de acordo com a classe social, a idade, o sexo, o contexto social e histórico, a maneira de apreciar o dinheiro e as coisas mudam. No que diz respeito ao método comparativo, François Laplantine diz: Lembremos em primeiro lugar que a análise comparativa não é a primeira abordagem do antropólogo. Este deve passar pelo caminho lento e trabalhoso que conduz da coleta e impregnação etnográfica à compreensão da lógica própria da sociedade estudada (etnologia). Em seguida, apenas poderá interrogar-se sobre a lógica das variações da cultura (antropologia). Vale dizer que o pesquisador deve ter uma prudência considerável. Antes de serem confrontados uns aos outros, os materiais recolhidos devem ser meticulosamente criticados. Pois, se começarmos comparando os costumes de dada população africana com os de tal outra europeia, chegaremos apenas a evidenciar algumas analogias. Mas então, como diz Kroeber, as “universalidades” encontradas poderiam muito bem ser apenas a projeção de “categorias lógicas” próprias somente da sociedade do observador… (LAPLANTINE, 2012, p. 163) Laplantine enfatiza ainda que o método comparativo da antropologia contemporânea difere da abordagem comparatista dos primeiros etnólogos. No atual contexto, os antropólogos comparam costumes, comportamentos, levando em consideração seus contextos. Para tanto, fazem inicialmente um estudo etnográfico e, por conseguinte, propõem uma análise de natureza etnológica. ludique: Il s’agit en effet d’écrire une biographie, un portrait de personnage, de composer un texte décrivant un paysage, une chambre, un immeuble, un hôtel etc, mais chacune de ces activités est sousentendue par le postulat que l’on joue à “faire comme si”, que l’on répresente la vie, que l’on joue au jeu de la vie.” 147 Como consideração final sobre o método comparativo, é oportuno destacar que esse tipo de atividade precisaria ser abordado de maneira mais cuidadosa no ensino de FLE, considerando sua complexidade. Na verdade, ao omitir a heterogeneidade presente nas culturas, os professores podem também estar agindo para reforçar preconceitos e clichês. Não resta dúvida de que uma proposta comparativa capaz de considerar a diversidade no contexto interno e externo demanda tempo. Portanto, parece mais lógico muitas vezes que o professor se detenha em analisar junto com os alunos a heterogeneidade e a homogeneidade dentro de determinada cultura, procurando compreender os motivos de tais divergências e semelhanças, ancorados em documentos nos quais os legados das culturas em jogo possam ser sentidos e depreendidos. A título de exemplo, o professor pode tratar da questão da variedade linguística no território francês contrapondo com a imagem corrente nos métodos de FLE de que os franceses dominam a norma culta e têm como “único” sotaque o francês parisiense. Ainda sobre a questão da proposta de comparações culturais, deve-se ressaltar que o presente estudo reconhece a teoria interculturalista no ensino de línguas. Cabe dizer ainda que a proposta de Silvana Serrani (2005), baseada na análise do discurso de linha francesa, toca em questões linguísticas, discursivas, culturais, políticas, abordando o sentido dentro de sua complexidade, indo ao encontro dos princípios de uma mediação cultural crítica, voltada para o devir humano. Sobre a análise de discurso (AD), é pertinente ressaltar que ela surgiu nos anos 1960, visando a estudar o discurso do ser humano em sociedade, e não apenas a língua, a frase, de modo isolado. Para tanto, filiou-se às ciências sociais e à linguística, confrontando o político e o simbólico e permitindo a reflexão sobre a materialização da linguagem na ideologia e a manifestação da ideologia na língua. Diferentemente dos 148 estudos textuais anteriores, Orlandi (2003) enfatiza que a AD não se interessa apenas por extrair o conteúdo textual, mas por entender como o texto significa. Na linha de pensamento de Serrani, o professor de língua deve ser um mediador cultural, um interculturalista; mas, para tanto, precisa atuar como: Um sujeito capaz de convocar todos os componentes que lhe permitem compreender melhor a complexidade da linguagem, bem como os conceitos teóricos subjacentes às propostas de ensino de linguagem, os planos de aula, as opções políticas, científicolinguística, socioeducacional e cultural possíveis [sic] e as atividades linguístico-discursivas de professores e alunos. (SERRANI, 2005, p. 47) No que diz respeito à linguagem, Serrani reivindica que o professor seja capaz não apenas de interpretar os elementos intradiscursivos, os enunciados, as sequências linguístico-discursivas, mas também o interdiscurso, que diz respeito às memórias implícitas. Com o intuito de reforçar que a significação se processa além do contexto, a autora chama a atenção também para o fato de que os sentidos dos enunciados se constroem em função das imagens, dos papéis que os sujeitos exercem na sociedade. Sobre as formações imaginárias, Orlandi faz tais considerações: Todos esses mecanismos de funcionamento do discurso repousam no que chamamos formações imaginárias. Assim, não são os sujeitos físicos nem seus lugares empíricos como tal, isto é, como estão inscritos na sociedade, e que poderiam ser sociologicamente descritos, que funcionam no discurso, mas suas imagens que resultam de projeções. São essas projeções que permitem passar das situações empíricas — os lugares dos sujeitos — para as posições dos sujeitos no discurso. (ORLANDI, 2001, p. 40) No que diz respeito aos papéis sociais em outra cultura, Serrani (2005) cita como exemplo o caso de sociedades em que os garçons podem expor suas opiniões sobre a escolha do cliente e lhes sugerir um prato, e outras que consideram tal atitude 149 inadequada, pois têm outras memórias discursivas sobre o cenário do restaurante e as relações entre os envolvidos em jogo. Para alguns povos, o papel do garçom é o de atender o cliente e de falar apenas quando solicitado. Quanto ao efeito do desconhecimento dessas posições pelos sujeitos, a autora menciona os mal-entendidos. É relevante destacar que a compreensão da cultura-alvo nas aulas de LE se realiza muitas vezes em função dos conhecimentos, das referências da cultura de partida. Na abordagem de aspectos culturais em aulas de língua, Serrani (2005) considera relevante que o professor parta da cultura-fonte como forma de valorizar os conhecimentos prévios do aluno e sua identidade e, em seguida, contraponha-a à cultura-alvo, a fim de que os sujeitos envolvidos possam enxergar o Outro e a si mesmos, além das mediações estigmatizadas pelo senso comum e por outros mediadores. Cabe dizer que, para alunos iniciantes, o contraponto com a cultura-fonte, quando estudado de maneira crítica e complexa, ajuda-os a se aproximar mais desse Outro, tido como um “estrangeiro”, um “estranho”, e a refletir sobre sua própria identidade. Todavia, nos níveis intermediários e avançados, enxergar o Outro sem tentar interpretá-lo com base no próprio referencial cultural, mas, sobretudo, procurar compreender seus valores em função de sua realidade, de sua historicidade, pode ser uma proposta de mediação do componente cultural ainda menos etnocêntrica. Ao considerar que o aspecto cultural pode ser abordado também partindo da própria cultura de chegada, o presente estudo procurou conhecer melhor as teorias tradutórias de Lawrence Venuti (2002) e analisar se elas podem ser consideradas no ensino-aprendizado de LE. Convém ressaltar que Venuti é reconhecido por trazer debates polêmicos ao campo, questionando não apenas a invisibilidade do tradutor 150 nesse espaço, mas também acusando a prática tradutória de agir na manutenção e na reprodução do poder ao privilegiar mais uma cultura que outra. Sob a ótica de Venuti (1996), o tradutor também deveria conduzir o leitor ao texto de origem e mostrar-lhe que a obra traduzida é uma tradução. Dessa forma, defende como procedimento tradutório a estrangeirização, que compreende a manutenção da estranheza do texto original e da cultura de partida. Em contrapartida, critica os procedimentos que objetivam apagar a existência do tradutor, dando ao leitor a ilusão de estar diante do texto original. Além disso, condena tal atitude sob o argumento de considerá-la não apenas romântica e idealizadora, mas de pretender domesticar o estrangeiro, o que revela determinado comportamento imperialista. Para Venuti, o […] “estrangeirismo”, na tradução estrangeirizadora, não é uma representação transparente de uma essência que reside no texto estrangeiro e que tenha valor em si, mas uma construção estratégica cujo valor depende da situação em vigor na cultura receptora. A tradução estrangeirizadora mostra as diferenças do texto estrangeiro, porém somente por meio da ruptura dos códigos culturais que prevalecem na cultura-alvo. No empenho de fazer o que é próprio à cultura de partida, essa prática tradutória deve fazer o que é impróprio à cultura de chegada, desviando-se o suficiente das normas para apresentar uma experiência estranha — escolhendo para traduzir um texto estrangeiro excluído pelos cânones literários da cultura receptora, por exemplo, ou usando um discurso marginal para traduzilo. (2002, p. 10) Venuti salienta que as obras, em geral, são traduzidas para o inglês, delegando assim mais poder cultural, político e econômico aos Estados Unidos. Como forma de contra-ataque, relata que passou a traduzir, sobretudo, textos estrangeiros de culturas minoritárias, propondo a tradução estrangeirizadora, que consiste em traduzir voltado para o Outro. Justifica: Minha preferência pela tradução minorizante também se dá a partir de uma postura ética que reconhece as relações assimétricas em qualquer projeto de tradução. A tradução nunca pode ser simplesmente a 151 comunicação entre similares, porque ela é fundamentalmente etnocêntrica. A maioria dos projetos literários tem início na cultura doméstica, onde um texto estrangeiro é selecionado para satisfazer gostos diferentes daqueles que motivaram sua composição e recepção em sua cultura nativa. E a função mesma da tradução é a assimilação, a inscrição de um texto estrangeiro com inteligibilidade e interesses domésticos… (VENUTI, 2002, p. 27) A respeito da relevância das reflexões venutianas para a abordagem do componente cultural no ensino de FLE no Brasil, embora não se tenha aqui o mesmo poder político-econômico dos Estados Unidos e da França, os brasileiros também questionam os costumes e hábitos de outros povos, e até mesmo os condenam, porque os leem ancorados, muitas vezes, em suas referências culturais. Para Friedrich Schleiermacher (2001, p. 35-37), “cada pessoa é dominada pela língua que fala, ela e todo o seu pensamento são um produto dela”. Venuti esclarece ainda que os atos de domesticar, ou seja, traduzir centrado em sua cultura, e o de estrangeirizar, ou seja, traduzir centrado no Outro, não podem ser vistos de forma dicotômica e maniqueísta. Convém dizer que essa observação do autor tem como objetivo contrapor as críticas lançadas a seu projeto tradutório, que são explicitadas no excerto a seguir: Diferentemente do que alegam meus críticos, os termos “domesticação” e “estrangeirização” não estabelecem uma clara oposição binária que pode simplesmente ser encaixada sobre as estratégias discursivas de “fluência” ou “resistência”, e nem podem esses dois conjuntos de termos ser reduzidos aos verdadeiros binários que proliferaram na história da crítica da tradução, como “literal” vs. “livre”, “formal” vs. “dinâmica” e “semântica” vs. “comunicativa”. Os termos “domesticação” e “estrangeirização” indicam fundamentalmente atitudes éticas em relação a um texto e uma cultura estrangeira, efeitos éticos produzidos pela escolha de um texto para tradução e pela estratégia escolhida, enquanto termos como “fluência” e “resistência” indicam fundamentalmente características discursivas de estratégias de tradução em relação ao processamento cognitivo do leitor. Ambos os pares de termos demarcam um espectro de efeitos textuais e culturais cujas descrições e análises dependem da relação entre um projeto de tradução e os arranjos hierárquicos de valores na 152 situação de chegada em um dado momento histórico. (VENUTI, 1996, p. 19; grifos do autor) Cabe destacar que o presente estudo também chamou a atenção para o fato de que a valorização de determinados idiomas nas diretrizes educativas e nos currículos escolares não é neutra, pois há sempre subjacente a tal escolha questões de ordem política, econômica e cultural. Além disso, constatou-se também que o professor pode atuar na internalização ou na contrainternalização das ideologias vigentes. Quanto ao modo de abordar o componente cultural, assim como Venuti, o presente estudo também considera legítimos o procedimento de domesticação e o de estrangeirizar no ensino de línguas, e não os vê como propostas dicotômicas. A escolha de um em detrimento do outro exige que o professor seja capaz de analisar o contexto de ensino-aprendizado. Em outras palavras, os meios de acesso ao conhecimento não podem se sobrepor aos objetivos. Ao ler o trecho a seguir, no qual Venuti descreve as competências de um tradutor, verificou-se que tais ideologias e práticas coadunam com as orientações propostas para o professor de LE ao longo desta tese: O conhecimento da cultura de partida, ainda que em nível de expertise, é insuficiente para produzir uma tradução que é ao mesmo tempo legível e resistente a uma redução domesticadora. Os tradutores devem possuir também um conhecimento amplo da língua e cultura de tradução, tanto passada quanto presente. E eles devem ser capazes de implantar esse conhecimento na escrita. A seleção de um texto estrangeiro para tradução e a intervenção de uma estratégia discursiva para traduzi-lo deve se basear em uma avaliação crítica da cultura de recepção, suas hierarquias e exclusões, suas relações com as culturas estrangeiras em todo o mundo. Antes de escolher um texto estrangeiro ou aceitar uma tradução, os tradutores devem escrutinar a atual situação do gênero textual e do tipo de texto, área ou disciplina em que estão operando… (VENUTI, 1996, p. 267) 153 No que diz respeito ao ato de domesticar e ao de estrangeirizar, deve-se mencionar que Venuti se inspirou, em particular, nas orientações de Friedrich Schleiermacher, filósofo, teólogo, professor e tradutor que revolucionou os estudos tradutórios no século XIX ao dizer que “ou o tradutor deixa o autor em paz e leva o leitor até ele, ou deixa o leitor em paz e leva o autor até ele” (2001, p. 43). Todavia, Schleiermacher, diferentemente de Venuti, abordava tais procedimentos como se fossem práticas dicotômicas e mostrava que defendia o primeiro, pois o enxergava como um ato de resistência ao apagamento da identidade estrangeira em um contexto no qual a França e a língua francesa detinham o poder político-cultural e a Alemanha procurava se constituir como nação. Para tanto, o autor contesta a concepção de cultura universalista francesa, condenando as práticas tradutórias ancoradas ainda nos princípios das belles infidèles, que pregavam uma tradução voltada para a cultura de chegada. Venuti comenta ainda que: Schleiermacher oferece ao tradutor a escolha entre uma prática domesticadora, uma redução etnocêntrica do texto estrangeiro aos valores culturais da situação de recepção, trazendo o autor para casa, e uma prática estrangeirizadora, uma pressão etnodesviante de seus valores para registrar as diferenças culturais e linguísticas do texto estrangeiro, mandando o leitor para o exterior. (VENUTI, 2008, p. 15) Segundo Venuti, a proposta de Schleiermacher de estrangeirização das traduções vai ao encontro dos interesses políticos, econômicos e culturais da elite burguesa alemã. Em sua concepção, Schleiermacher se valeu de tais princípios ideológicos para que a Alemanha passasse a dominar o continente europeu. Nessa perspectiva, compreende-se que tanto a prática de estrangeirizar quanto a de domesticar podem ser utilizadas como instrumentos de dominação e de transformação. 154 No que diz respeito às traduções centradas na língua e na cultura-alvo, o tradutor e teórico Antoine Berman, em A prova do estrangeiro (2002), condena a tradução que valoriza a transmissibilidade e nega a estranheza da obra estrangeira. Em O albergue do longínquo, afirma que: Etnocentrismo significará aqui: traz tudo à sua própria cultura, às suas normas e valores, e considera o que se encontra fora dela — o Estrangeiro — como negativo ou, no máximo, bom para ser anexado, adaptado, para aumentar a riqueza desta cultura. (BERMAN, 2007, p. 28) Após essas reflexões sobre os atos de domesticar e de estrangeirizar, o presente estudo chama a atenção mais uma vez para o fato de que o processo de ensinoaprendizado não pode ser concebido de maneira binária e aprisionado a determinados dogmas. No tocante à orientação interculturalista empenhada em promover a interação e buscando evitar o estranhamento entre a cultura-fonte e a cultura-alvo, é fundamental que os professores tenham um olhar muito atento e crítico sobre o modo como o componente cultural é tratado. No âmbito do ensino-aprendizado de LE, constata-se que a comparação domesticadora vem sendo feita como se fosse a mais plausível, independentemente de sua pertinência, relevância e funcionalidade, o que pode retomar princípios das belles infidèles no ensino de LE e ir de encontro à ideologia relativista, sobre a qual se fundamentou a proposta interculturalista. É importante destacar igualmente que as teorias mediadas no processo de ensino são muitas vezes simplificadas e interpretadas de maneira equivocada. Como foi apresentado na última seção, ainda que os autores tenham dito seguir as orientações interculturalistas, o que vai de fato confirmar isso é o tratamento dado ao aspecto cultural e o modo como determinada orientação concebe o papel do professor, se elas o 155 veem, mesmo que de maneira inconsciente, como um agente redentor, reprodutor ou transformador. 3.3 MEDIAÇÃO CRÍTICA DO COMPONENTE CULTURAL Na tentativa de contrapor as atuais orientações pedagógicas e didáticas, que tratam a cultura como um simples saber-fazer social, visando à dominação, à apropriação dos sujeitos, o presente estudo propõe que ela seja mediada sob a égide da ética e do pensamento crítico. Importa dizer que essa abordagem de ensino-aprendizado do componente cultural reivindica que o professor de LE domine conhecimentos linguísticos, discursivos, didáticos, pedagógicos, mas também que conheça outros campos, a saber, o psicológico, o filosófico, o etnológico, o antropológico, o sociológico, o tradutório, com base no contexto político, econômico, social e cultural. No que diz respeito aos procedimentos para uma mediação cultural crítica, o presente estudo defende que os professores proporcionem aos sujeitos um espaço que não apenas sirva para falar sobre o Outro e sobre si mesmo, mas para interagir com o Outro, fazendo como que ele faça parte da interação. Em outras palavras, além dos relatos sobre o modo de viver, de vestir e de falar da cultura-alvo, é necessário também que os textos e as situações comunicativas tragam o Outro, com sua voz, identidade, memória, história, e deem-lhe um rosto, a fim de que ele não se reduza a um simples objeto de análise cultural. Levinas compreende que: 156 O rosto é significação, e significação sem contexto. Quero dizer que outrem, na retidão do seu rosto, não é uma personagem num contexto. Normalmente, somos “personagem”: é-se professor na Sorbona, vicepresidente do Conselho de Estado, filho de fulano, tudo o que está no passaporte, a maneira de se vestir, de se apresentar. E toda a significação, no sentido habitual do termo, é relativa a um contexto: o sentido de alguma coisa está na sua relação com outra coisa. Aqui, pelo contrário, o rosto é sentido só para ele. Tu és tu. (LEVINAS, 2014, p. 78-79) É necessário sublinhar que esse tratamento mais humano do estrangeiro pode contribuir para que o Outro deixe de ser concebido como simples veículo que permite satisfazer as necessidades e os caprichos do “eu”. Sensibilizar os alunos a enxergar o Outro significa dar a esse ser vida própria e também desconstruir a concepção egoísta de que sua função é de completude. Para completar tais ideias, valemo-nos desta enunciação de Levinas: Louca aspiração ao invisível quando uma experiência pungente do humano ensina, no século XX, que os pensamentos dos homens são conduzidos pelas necessidades, as quais explicam sociedade e história; que a fome e o medo podem vencer toda a resistência humana e toda a liberdade. Não se trata de duvidar da miséria humana — do domínio que as coisas e os maus exercem sobre o homem —, da animalidade. Mas ser homem é saber que é assim. A liberdade consiste em saber que a liberdade está em perigo. Mas saber ou ter consciência é ter tempo para evitar e prevenir o momento da inumanidade. É o adiamento perpétuo da hora da traição — ínfima diferença entre o homem e o não homem — que supõe o desinteresse da bondade, o desejo do absolutamente Outro ou a nobreza, a dimensão metafísica. (LEVINAS, 2014, p. 21) Na perspectiva levinasiana, o reencontro entre o mesmo e o Outro não os funde, não visa à totalidade. Todavia, isso não quer dizer que eles vão se manter sempre os mesmos. Segundo o autor, a identidade do “eu” se constrói em função das experiências vividas, por meio de um ato de identificação infinita com o Outro e com o mundo. Para tanto, é fundamental que o “eu”, inicialmente, adote uma postura de alteridade consigo 157 mesmo e rompa com a postura individualista e antropocêntrica da modernidade, que fecha o indivíduo em si mesmo. É relevante destacar que a alteridade levinasiana não se estabelece sob os princípios de um humanismo espiritual, redentor e condicionador, mas sob uma ética que se fundamenta em um pensamento crítico, colocando em questão o racionalismo dogmático, que procura legitimar uma verdade única e despreza as posições divergentes. Em outras palavras, para Levinas, o reconhecimento do Outro só é possível em contextos nos quais os sujeitos reflitam sobre suas certezas. Diferentemente, portanto, de alguns pensadores da pós-modernidade, ele concebe o passado, a consciência, a memória como essenciais para o devir do ser humano, pois parte do princípio de que ele está sempre em reconstrução. Cabe sublinhar que a proposta de uma mediação cultural crítica objetiva transcender o pensamento racional da modernidade e da pós-modernidade, que vem desumanizando o ser humano cada vez mais por meio de uma ideologia centrada no niilismo, na burocratização e na coisificação. Não se cogita aqui o retorno ao teocentrismo como meio de aliviar as angústias existenciais dos sujeitos e o fim do cientificismo. Todavia, indo na mesma direção de alguns pensadores da modernidade, como Emmanuel Levinas, Hannah Arendt, Theodor W. Adorno e Marx Horkheimer, o presente estudo acredita que o olhar crítico do sujeito sobre si mesmo permite que ele se veja como responsável pelo Outro, pela humanidade. Não se pode deixar de comentar que esses pensadores vivenciaram de perto a crueldade humana no período da Primeira e da Segunda Guerra Mundial. De acordo com eles, a falta de análise crítica dos discursos alienantes contribuiu para que os homens participassem, de maneira direta ou indireta, do genocídio de judeus, timorenses, bosnianos, ruandeses e japoneses. 158 Quanto aos procedimentos para o ensino-aprendizado do componente cultural, seguindo a linha de pensamento de Christian Puren (2009), que postula a ideia de que as abordagens metodológicas se fundamentam na homologia fins-meios, o presente estudo propõe, inicialmente, que o professor leve para a sala de aula textos de gêneros discursivos distintos da cultura-alvo, a fim de que os alunos possam abordar determinado assunto a partir de vários contextos sociais. Segundo Bakhtin (2010), os enunciados dos discursos remetem a memórias discursivas, permitindo ao leitor depreender determinadas concepções culturais e histórico-sociais do enunciador. Cabe dizer que essas vozes provocam o receptor a estabelecer uma relação dialógica com a cultura-alvo, o que não significa que não haja confrontos e discordâncias de pensamentos. Bakhtin preconiza que: Os enunciados não são indiferentes entre si nem se bastam cada um a si mesmo; uns conhecem os outros e se refletem mutuamente uns nos outros. […] Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera da comunicação discursiva. Cada enunciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos enunciados precedentes de um determinado campo (concebemos a palavra “resposta” no sentido mais amplo): ela os rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva em conta. (BAKHTIN, 2010, p. 297) Para a interpretação dos gêneros discursivos em jogo, como Serrani (2005), o presente estudo se vale das teorias da AD de vertente francesa, dado o fato de a linguagem é abordada como um fenômeno social, histórico e simbólico. Além disso, essa proposta contribui para a análise das posições ideológicas (formações ideológicas) subjacentes aos discursos e permite identificar o modo como o sujeito é afetado pela historicidade, como aciona a memória institucionalizada (o arquivo, o intertexto), a memória constitutiva (o esquecido, o interdiscursivo) e as imagens sobre o Outro e sobre si mesmo (formações imaginárias) em determinada situação comunicativa. Para a 159 AD, o ato de interpretar vai além do dito, do que está na superfície do texto (ORLANDI, 2001). Ainda de acordo com Orlandi (2001, p. 15): “Na análise de discurso, procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história.” Com relação ainda aos textos propostos, convém dizer que eles levam a pensar nos mitos gregos, que serviam como mediadores entre o mundo e o ser humano. As mitologias ajudavam o ser humano a refletir sobre sua vida e, por conseguinte, a ter uma compreensão mais realista de sua existência no universo, conscientizando-se de suas limitações, de sua finitude, da necessidade de se reinventar e de atuar como um Superhomem37 diante das situações que a vida lhe impõe. Isso reforça a importância da linguagem simbólica nos textos selecionados, pois ela age não apenas para encantar os sujeitos, com seu lado apolíneo (belo e perfeito), mas também é capaz de lhes trazer o espanto, o dionisíaco (feio e imperfeito), ao apresentar os fatos sem encobrir as contingências da realidade. Nessa perspectiva, é reavaliada a ideia maniqueísta presente na modernidade de que bem e mal caminham de maneira dissociada (NIETZSCHE, 1992). Nesse sentido, os textos literários, a ficção, postos à margem na abordagem comunicativa, dado o fato de que seu objetivo era a cultura cotidiana, são tidos como essenciais para a proposta de uma mediação cultural crítica. Convém ressaltar que a proposta interculturalista de pesquisadores como Serrani também reconheceu a relevância da literatura e de outras linguagens semióticas no contexto de ensinoaprendizado de línguas. Sobre a importância da arte na vida dos homens, o presente estudo se apropria desta enunciação nietzschiana: O termo nietzschiano “Super-homem” designa o indivíduo que está na busca de sua superação dentro de sua realidade, que age contra o niilismo, a negação da vida. 37 160 Teremos ganho muito a favor da ciência estética se chegarmos não apenas à intelecção (compreensão) lógica, mas à certeza (segurança) imediata da introvisão de que o contínuo desenvolvimento da arte está ligado à duplicidade do apolíneo e do dionisíaco; da mesma maneira como a procriação depende da dualidade dos sexos, em que a luta é incessante (contínua) e onde intervêm periódicas reconciliações. Tomamos estas denominações dos gregos, que tornam perceptíveis à mente perspicaz os profundos ensinamentos secretos de sua visão da arte, não, a bem dizer, por meio de conceitos, mas nas figuras penetrantemente claras de seu mundo dos deuses. (NIETZSCHE, 1992, p. 27) 3.3.1 Tratamento do componente cultural na perspectiva de uma mediação cultural crítica Com o intuito de que professores e todos que se interessam pelo ensino de LE possam compreender melhor o tratamento do componente cultural sob os princípios de uma mediação cultural crítica, o presente estudo apresenta uma proposta que poderá servir como forma de contraposição às do método Écho e às de Christiane Tagliante, fundamentadas nas orientações da PA e do CECR. Para tanto, foram selecionados três documentos de gêneros distintos: uma charge, o artigo “Pôle emploi a mis en place de nouvelles méthodes pour faire la chasse aux fraudeurs” e a música Assedic, com o propósito de que os alunos possam compreender melhor a situação do desemprego, a realidade dos desempregados, das agências de emprego e do governo francês. Com relação à escolha dos discursos, as tecnologias de informação e comunicação (TICs) permitem que professores de LE e alunos tenham acesso mais fácil à cultura da língua-alvo. No atual contexto, as informações locais atingem as esferas nacional e internacional. Além disso, a associação de diversas mídias contribui para que as aulas sejam ainda mais dinâmicas e vivas. O público pode escutar, ver, ler uma 161 reportagem, bem como postar uma mensagem escrita e oral e solicitar mais informações, não apenas a quem as produziu, tendo também a possibilidade de interagir com outras pessoas que tenham interesses em comum. Para tanto, os sujeitos se valem de linguagens distintas, que podem ser interpretadas e mediadas de maneira inter e intrassemiótica. Contudo, na situação de ensino-aprendizado, os professores devem precisar a relevância da utilização de tais recursos midiáticos na mediação do conhecimento, do saber almejado, a fim de que a tecnologia não se torne o objetivo da aula e nem a conceba como a salvação da educação. O presente estudo chama a atenção para essa questão, pois teme os discursos que buscam fetichizar a tecnologia, atribuindo-lhe a imagem de entidade superior. Convém dizer que o pensador Theodor Adorno já ressaltava essa inquietação em seus estudos, pois via que a tecnologia e a cultura da comercialização podem agir como estratégias da modernidade para alienar o ser humano de sua condição de vida. Em uma de suas obras, ele diz que: “Os homens inclinam-se a considerar a técnica como sendo algo em si mesma, um fim em si mesmo, uma força própria, esquecendo que ela é a extensão do braço do homem” (ADORNO, 1995, p. 132). Quanto ao público, esse material poderá ser explorado com alunos, contemplando o nível intermediário da língua francesa (A2/B1). O objetivo central dessa aula será proporcionar que os alunos sejam capazes de refletir sobre a questão do desemprego no atual contexto político, econômico, social e histórico e de também poder vivenciar de alguma maneira tal situação, e não a negligenciar, como muitas pessoas o fazem, sob a ilusão platonista de serem os protagonistas do mundo e de terem poderes espirituais e metafísicos para transcender tal realidade. 162 Como sensibilização, o professor poderá se valer inicialmente de uma charge, a fim de que os alunos depreendam o tema de discussão da aula. Esse tipo de gênero textual, em geral, por sua riqueza significativa, fazendo uso da linguagem verbal e não verbal e explorando os sentidos denotativos e conotativos das palavras, desperta muitas vezes a curiosidade dos alunos sobre o componente cultural subentendido. Atividade 1: Sensibilização ao tema abordado 1) 2) 3) 4) Leitura da linguagem não verbal. Leitura da linguagem verbal. Contexto histórico-social. Sujeitos sociais (os personagens e o chargista). Ancorando-se nos princípios da AD, convém dizer que o leitor deverá considerar os personagens presentes na charge, mas também seu autor, procurando compreender os motivos pelos quais ele produziu esse texto e as estratégias discursivas utilizadas para estabelecer uma interação com seu interlocutor e sensibilizá-lo sobre essa questão social. Para a segunda atividade, como modalidade de trabalho, cada grupo pode analisar o texto proposto. É pertinente que o professor estabeleça algumas estratégias de leitura capazes de fazer com que os alunos ajam como analistas do discurso, e não se limitem a depreender o significado do texto, mas se ponham a compreender como o 163 texto faz sentido e como os sujeitos são atravessados por seu contexto político, econômico e social. Convém dizer que seria interessante também que os grupos abordassem textos distintos. Todavia, o professor precisaria de mais tempo para a preparação da atividade e sua realização. Para exemplificar o modo de leitura que o professor deve privilegiar para tal proposta cultural, o presente estudo vai se valer do texto a seguir: Atividade 2: Leitura do texto em pequenos grupos REPORTAGE — Pôle emploi a mis en place de nouvelles méthodes pour faire la chasse aux fraudeurs. Par Alexis Toulonet Sandrine Prioul Alors que les chiffres publiés lundi montrent une nouvelle progression du nombre de chômeurs, la question de l’emploi est plus que jamais centrale pour le gouvernement. Afin d’éviter les abus et de recentrer les efforts de Pôle emploi sur ceux qui en ont vraiment besoin, l’agence a durci le ton et teste discrètement un nouveau dispositif dans quatre régions pour lutter contre la fraude. Une méthode qui s’explique par les besoins de l’assurance chômage de faire des économies, mais dont les méthodes inquiètent chômeurs et agents de Pôle emploi. Europe 1 s’est rendu à Fécamp, dans un centre expérimental. Des chasseurs de fraudeurs. Pôle emploi a mis en place une plateforme téléphonique où les agents sont dédiés à la traque des fraudeurs. Ils épluchent environ cinquante dossiers par semaine et leur mission est de vérifier que vous cherchez bien du travail. Pour cela, ils appellent l’URSSAF, vos employeurs et vous, afin d’obtenir tous les justificatifs dont ils ont besoin. Une traque impersonnelle. Certains agents s’inquiètent toutefois car à Fécamp, la plateforme Pôle emploi est à une soixantaine de kilomètres de la ville et les contrôleurs appellent les chômeurs sans les connaître. « Vous avez une personne qui vous appelle et demande des justificatifs. Moi Je ne mets pas en doute la bonne foi des demandeurs d’emploi, on voit si la personne cherche activement ou pas », explique au micro d’Europe 1 l’élue CGT Véronique Riesco. L’inquiétude des chômeurs. Les contrôles ont, pour le moment, démasqué peu de grosses fraudes, mais les chômeurs s’agacent de devoir se justifier. « Il fallait justifier les demandes d’emploi. Je lui ai dit que je cherchais tous les jours du travail et on m’a proposé une offre d’emploi à laquelle j’avais déjà postulé. Je vais le refaire pour lui faire plaisir », s’agace au micro d’Europe 1 un transporteur au chômage depuis un an. Or, s’il ne fournit pas méticuleusement ses justificatifs, il risque une radiation de quinze jours. Entre la punition et le découragement, les contrôles sont la « double peine », assure Véronique Riesco. http://www.europe1.fr/emploi/pole-emploi-renforce-les-controles-1783937 164 Ao compreender que o sujeito se constitui em função de sua historicidade, de sua posição na sociedade e de sua identidade biológica, étnica e psicológica, o presente estudo considera fundamental para a leitura do texto proposto em sala que os alunos sejam capazes de analisar os itens a seguir: 1) O documento proposto: finalidade e meios Qual é sua finalidade? Por que o autor o escreveu? Como o autor se expressa? Como ele se dirige a seu interlocutor? 2) Os sujeitos e suas posições socioculturais Quem são? (Como se veem? Como são vistos?) O que fazem? (Quais são seus papéis sociais?) 3) Os sujeitos e seus contextos sócio-históricos Onde vivem e em que cenário social? 4) O leitor e o Outro Quais os efeitos das informações mediadas? Qual a relevância do documento apresentado? Nessa etapa da atividade, é fundamental que o professor oriente e estimule os alunos para que eles consigam interagir com o texto e façam uma leitura mais complexa da questão social discutida. O objetivo não é apenas que respondam às questões propostas, mas que sejam capazes de formular novas questões, de enxergar o sentido dessa tarefa e conseguir aplicá-la em outros contextos (FEUERSTEIN, 2014). Atividade 3: Apresentação e reflexão dos textos abordados Após essa tarefa, é fundamental que todos apresentem suas leituras para a classe, considerando os itens solicitados. Acredita-se que esse tipo de atividade, com a mediação do professor, vai permitir que eles reflitam sobre suas convicções e que 165 consigam enxergar o Outro além de suas referências culturais, bem como sejam capazes de depreender as imagens concernentes ao desempregado, ao governo, aos agentes na França, conforme a posição e a situação político-social dos sujeitos em questão. Eis uma possível análise do texto da Atividade 2 para o professor: com o título “Pôle emploi a mis en place de nouvelles méthodes pour faire la chasse aux fraudeurs”, o leitor provavelmente vai inferir que a temática abordada nessa reportagem é o emprego. Além disso, tal enunciação remete a pensar que os autores associam o papel da empresa ao de caçadores. Quanto ao termo fraudador, compreende-se que existem sujeitos agindo de maneira antiética. Todavia, a designação, a classificação das pessoas como caçadores e fraudadores chama a atenção, visto que esses termos expressam um tratamento de extrema agressividade e de desrespeito pelo outro. Portanto, para traçar o perfil dos sujeitos no texto, é fundamental que os alunos observem o léxico empregado na tessitura textual. Além da análise do título, os alunos devem observar também outros elementos paratextuais, como: o editor, o autor, a data de publicação, o subtítulo, o lead, os símbolos culturais. Esses dados contribuem para que o leitor consiga depreender melhor o contexto comunicativo e os papéis sociais dos sujeitos em questão. Para ajudar o leitor/aluno, seria interessante que o professor lhe fornecesse também algumas informações, a saber: A emissora Europe 1, antiga Europe no 1, é privada. Foi criada em 1955 e se destacou por abordar temas diversos, tendo inserido a participação de seus ouvintes em suas programações. Contudo, a partir de 1990, começou a perder audiência. A Unions de Recouvrement des Cotisations de Sécurité Sociale et d’Allocations Familiales, conhecida como URSSAF, é um sistema francês de proteção social que oferece assistência aos sujeitos em caso de doença, invalidez, morte etc.38 38 Disponível em: <http://www.securite-sociale.fr/L-organisation-de-la-Securite sociale?type=part>. 166 A respeito do texto propriamente dito, no primeiro parágrafo o leitor vai ter certeza de que os fraudadores em questão estão no grupo dos sujeitos desempregados. De acordo com a enunciação dos autores, compreende-se que o governo passou a adotar novas medidas com relação ao desemprego no momento em que se constatou um aumento das taxas de desempregados na França, o que demonstra certa inquietação dos governantes, que pode ser de natureza econômica, mas também política. Importa dizer que o professor deverá solicitar dos alunos não somente que eles respondam às questões, mas que as justifiquem com base em informações presentes no cotexto, mas também no contexto. A saber, com relação à questão da temporalidade, ela pode ser apreendida no texto por meio do mecanismo de discurso “alors que”, cujo valor semântico é de temporalidade. O importante não é verificar se o aluno sabe a classificação do termo, mas se ele é capaz de depreender seu sentido. No que diz respeito ao dito e ao não dito, convém destacar que os autores do artigo não mencionam se tais ações contra as fraudes foram tomadas porque havia evidências de fraude. Caso tal informação tenha sido omitida, de maneira (in)consciente, o professor poderá solicitar que os alunos lancem algumas hipóteses sobre os motivos de a emissora, de o autor, ter omitido tal informação. Ainda sobre o modo de dizer do autor, o professor dever chamar a atenção dos leitores para a estrutura do texto; observar, por exemplo, que os parágrafos estão divididos em três rubricas: os caçadores de fraudadores, uma perseguição impessoal e a inquietação dos desempregados. No primeiro item, os autores se põem a descrever a função dos agentes que trabalham nessas agências. Quanto às ações realizadas, são citados os atos de perseguição aos fraudadores, a quantidade de documentos que eles devem “descascar” por dia e a missão de verificar se as pessoas estão, de fato, procurando emprego. Com todas essas tarefas, caso os alunos não tenham se dado conta 167 disso, o professor poderá indagá-los sobre o regime de trabalho desses profissionais. Além disso, questioná-los sobre o efeito de sentido do termo “vous” empregado pelos autores e como os desempregados são tratados e vistos. Na segunda rubrica, os enunciadores salientam que determinados agentes se sentem constrangidos de chamar o desempregado para inquiri-lo. Além disso, os autores se valem do depoimento de uma funcionária que ressalta não colocar em questão a palavra dos convocados. É importante destacar que esse tipo de discurso parece se contrapor e retrucar os discursos negativos que os agentes têm no contexto social. Embora o professor não mencione os termos polifonia e interdiscurso, é interessante que ele perceba que a enunciação da funcionária remete a um já dito, a uma imagem sobre seu papel social. Na última rubrica, os enunciados sinalizam que os controladores identificaram poucos casos de fraudes e que os desempregados estão se queixando de tais ações. É oportuno sinalizar que um dos efeitos de tais dados no leitor pode ser de fazê-lo questionar as medidas adotadas pelo governo francês. Outro item que cabe ser sinalizado na leitura do texto é a fala de um desempregado. Desafiar os alunos a explicar as razões pelas quais o autor preferiu fazer uso de um discurso citado e não narrado se mostra de extrema relevância, porque não apenas aponta sua capacidade de se servir dos recursos discursivos para se expressar, mas também porque ele é utilizado como uma estratégia dos jornalistas para marcar sua imparcialidade e se isentar da responsabilidade do que foi dito. Para concluir a análise dos textos selecionados, o interessante é observar como os sujeitos são afetados pela língua, pela linguagem e pela historicidade. Convém dizer que os leitores, como sujeitos sociais, pertencentes a certa cultura, compartilhando de determinados conhecimentos de mundo com seu interlocutor, mas também possuindo 168 sua própria identidade, vão, de maneira voluntária, fazer analogias entre a cultura-alvo e a cultura-fonte. Orlandi assevera que: Os dizeres não são, como dissemos, apenas mensagens a serem decodificadas. São efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma presentes no modo como se diz, deixando vestígios que o analista de discurso tem de apreender. São pistas que ele aprende a seguir para compreender os sentidos aí produzidos, pondo em relação o dizer com sua exterioridade, suas condições de produção. Esses sentidos têm a ver com o que é dito ali, mas também em outros lugares, assim como o que não é dito, e com o que poderia ser dito e não foi. Dessse modo, as margens do dizer, do texto, também fazem parte dele. (ORLANDI, 2001, p. 30) Neste momento, os alunos farão, provavelmente, comparações com a cultura brasileira, mencionando, por exemplo, a situação do desemprego e do desempregado no Brasil. O objetivo central de uma mediação cultural crítica é propor que os sujeitos olhem para o mundo de outra perspectiva e de maneira mais complexa, considerando em suas reflexões a situação política, econômica, social, histórica, geográfica e identitária de cada país. Atividade 4: Análise das memórias discursivas (interdiscurso), das formações imaginárias e das posições ideológicas dos sujeitos Assedic J’en avais marre de travailler Et de perdre mon temps A faire des boulots mal payés Avec des gens très emmerdants Je cherchais la combine Et c’est pas facile De se tirer de l´usine Pour partir dans les îles. Je me creusais le ciboulot. J’étais comme tous les gens Allergique au boulot Mais pas allergique à l’argent. 169 Je ne connais qu’une façon De se tirer sous les tropiques Quand on est petit, laid Et qu’on n’a pas de fric. ASSEDIC Je t’écrirai de temps en temps Toi tu m’enverras mon virement Directement Tout là-bas, dans mon île ASSEDIC Avec ton amie RMI Vous serez mes deux meilleurs amies Ce sera dément. L’Agence Nationale pour l’Emploi M’écrit de France. Ils veulent à peine au bout d’un mois Me gâcher mes jolies vacances En m’envoyant chez « Prisunic » Décharger des camions. Avec ma copine ASSEDIC Evidemment on a dit non Je veux que ça dure toute la vie Que chaque jour soit férié. Un jour, je recevrai l’avis De fin de droit dans mon courrier Mais faudra me payer cher Pour retourner au carnaval Du R.E.R. Et du Leclerc de Bougival ASSEDIC Je t’écrirai de temps en temps Toi tu m’enverras mon virement Directement Tout là-bas, dans mon île ASSEDIC Enfin ma place au soleil A moi les ciels vermeils Et les beaux voyages M’en priver ce serait dommage. ASSEDIC Tu seras ma petite maman La maman de tous les gens Qui n’ont pas d’argent. (Pas beaucoup... pas beaucoup...) Caso o professor disponha de tempo e queira trabalhar a questão do desemprego sob outra ótica, o presente estudo propõe como sugestão a música Assedic, do grupo 170 Escrocs, composto por Eric Toulis, Didier Morel e Hervé Coury, que propõe, com tom irônico e ritmo de bossa nova, uma crítica aos que deixam de trabalhar para viver com o dinheiro dos cofres públicos. Convém dizer que essa música fez muito sucesso na França, levando a supor que muitos franceses compartilham do discurso do desempregado como malandro, esperto e preguiçoso, que almeja ter dinheiro, passar férias em uma região com praia, mas não quer trabalhar. Para depreender essas imagens, o professor pode trabalhar a linguagem verbal a partir de um exercício lexical. A música apresenta um registro informal; trazer o registro formal não apenas ressaltaria suas diferenças, mas também ajudaria os alunos a compreender melhor o sentido do texto por meio de uma tradução intralinguística. Além disso, a linguagem empregada tem relação com a posição social do enunciador, e existem alguns termos que trazem a cor local da cultura francesa, o génie próprio da língua francesa, que não deveria ser domesticado. Nesse caso, é interessante que o aluno consiga se desterritorializar. Como considerações finais, este capítulo se deteve em analisar o tratamento do aspecto cultural na proposta interculturalista e constatou que a maioria dos suportes didáticos e pedagógicos de FLE visa a estabelecer interações entre a cultura-alvo e a cultura-fonte, a fim de que os indivíduos possam conviver de maneira harmoniosa em tal contexto de globalização. Nesse caso, a concepção de professor de FLE demonstra ser sobretudo a de um diplomata. No método Écho 2 e na proposta didática de Christiane Tagliante, o presente estudo verificou que o componente cultural tem sobretudo caráter reprodutor, pois objetiva passar informações e instruções de como lidar com o estrangeiro sem uma abordagem reflexiva, crítica e política. Importa dizer que essa afirmação se justifica também pelo fato de os gêneros textuais mais explorados nesses espaços para a 171 abordagem do componente cultural serem os enciclopédicos, cujo objetivo é fornecer informações gerais sobre determinado assunto. Além disso, verificou-se que os tópicos reservados ao componente cultural são muitas vezes explorados para trabalhar as expressões e compreensões escritas e orais. O que remete a pensar que tais competências são ainda mais prestigiadas e mais valoradas que o aspecto cultural. Outra crítica sobre a abordagem cultural nas atuais orientações diz respeito ao modo simplista como as culturas em jogo são comparadas. Apesar de muitos teóricos, elaboradores de manuais, entre outros, orientarem os professores sobre a questão dos clichês e dos estereótipos, o fato de desconsiderarem em suas propostas as particularidades de cada povo em seu contexto externo e interno revela que eles os reforçam. No que diz respeito ao modo como a cultura-alvo e a cultura-fonte vão ser mediadas, é essencial que o professor tenha liberdade e autonomia para escolher as diretrizes que vai tomar. O uso do método contrastivo e a adoção da domesticação em detrimento da estrangeirização, ou vice-versa, dependem do contexto de ensinoaprendizado. Assim como nas pesquisas, o recurso utilizado pelo pesquisador é estabelecido em função de seus objetivos, de sua realidade e do conhecimento que ele pretende alcançar. O presente estudo reconhece que a proposta interacionista tem seu espaço e sua legitimidade, pois acredita que o reconhecimento do Outro e de si mesmo, de maneira reflexiva, precisa do professor, de alguém que se coloque a agir como mediador. Contudo, chama a atenção para o fato de que, em nome da interação, da harmonia, determinadas práticas educativas visam à alienação humana e à sua subserviência. 172 A respeito da mediação cultural crítica, esta pesquisa considera que o pensamento reflexivo e analítico do componente cultural, com a intervenção de um mediador, não apenas contribui para a modificação da competência cognitiva do ser humano, mas também permite que este se espante com a vida, a observe de outras perspectivas, levando em consideração sua materialidade histórica, e consiga atuar sobre ela, de maneira mais autônoma, reagindo às ações dogmáticas e alienantes que impedem seu devir. Além disso, o motivo de uma nova proposta pedagógica para o tratamento do componente cultural proveio da hipótese de que o papel do professor de LE se associa cada vez mais ao de um tecnicista, ao de um diplomata, e o afasta de seu lugar de mediador intelectual, que fomenta o questionamento não apenas em si mesmo, mas também nos outros, não apenas se pondo a descrever e a observar os fatos, mas também propondo novos caminhos. 173 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao olhar de maneira mais distanciada para as atuais orientações de FLE centradas no relativismo e na ética, preconizando a alteridade, surgiu o questionamento sobre as reais condições de o professor de FLE brasileiro agir como mediador cultural crítico, contrário às ações reprodutoras, redentoras e catequizadoras de uma cultura concebida ao curso da história como modelo de civilização. É oportuno enfatizar que, embora os discursos do “civilizado”, “bárbaro”, “colonizado” e “colonizador” sejam condenados e negados na era da globalização, e alguns pensadores da pós-modernidade preconizarem que as sociedades estejam caminhando para a transculturalidade, transcendendo, assim, os movimentos da multi/pluri/interculturalidade, a imagem da França como referência de civilização e de cultura ainda se faz presente no imaginário social de muitos povos e de muitos brasileiros. Além disso, os discursos relativistas parecem também não coadunar com o princípio do sistema capitalista, que se caracteriza, sobretudo, por despertar nos sujeitos o sentimento de individualidade, competitividade e coisificação do Outro. De acordo com Stuart Hall, existem dois tipos de identidade no atual contexto: a “global”, que acontece no momento em que as diferenças identitárias se apagam tendo-se a perda da heterogeneidade cultural, capaz de mobilizar os sujeitos a se requestionar e reavaliar seus paradigmas culturais, e a “local”, em que ocorre o oposto, ou seja, as diferenças culturais acentuadas podem despertar nas pessoas o sentimento de indiferença e de intolerância para com o Outro. Com o propósito de encontrar as respostas para minhas indagações sobre o modo como se processa a mediação cultural em FLE, uma das primeiras tarefas foi olhar para as ações em torno da mediação do componente cultural nesse contexto ao longo da 174 história. Para tanto, este estudo se dividiu em três pilares: a historiografia do componente cultural, abordando os conceitos de cultura, a identidade brasileira, as relações franco-brasileiras no espaço social e no âmbito do ensino-aprendizado da língua francesa; as ações mediadoras do conhecimento, baseadas nos princípios do positivismo, da interdisciplinaridade e do materialismo histórico; e o papel do professor de línguas, em particular de FLE, para os teóricos do campo e para as orientações didáticas e pedagógicas. O terceiro pilar discorreu sobre os procedimentos para o tratamento do componente cultural no ensino de FLE, contrapondo as teorias e práticas interculturalistas às de uma mediação cultural crítica. Em face das temáticas em jogo, observou-se que os aspectos a serem investigados revelam que apenas os estudos linguísticos, didáticos e pedagógicos não teriam condições de responder a tais questionamentos. Seria necessário, portanto, buscar contribuições de outros campos de conhecimento, como a sociologia, a antropologia, a etnologia, a psicanálise, a psicologia e a filosofia. No que diz respeito à identidade das culturas em jogo, o estudo em questão se deteve, no primeiro capítulo, em explicitar as principais concepções culturais tecidas nas escolas evolucionista, difusionista, funcionalista, estruturalista, interpretativa e na antropologia crítica. Vale a pena chamar a atenção para o fato de que as leituras feitas demonstravam que muitos pesquisadores tinham certo fascínio por conhecer e desvendar esse Outro, que vivia sobretudo nos continentes asiático, americano e africano. Quanto às contribuições da literatura antropológica aos estudos da mediação, deve-se enfatizar que tais leituras permitiram enxergar melhor as ideologias subjacentes aos conceitos culturais e precisar que este estudo compreende cultura como uma entidade que atua na formação identitária do ser humano em todas as instâncias de sua 175 vida, pois ela o precede. Todavia, compartilha também da teoria de alguns pensadores, como a do antropólogo Claude Lévi-Strauss e a do sociólogo Max Weber, discípulos das ideias marxistas, de que o componente cultural se alimenta da intervenção do sujeito e do ambiente. As análises dos conceitos de cultura foram fundamentais também para compreender determinadas posturas relativistas em torno das questões culturais. No contexto social e no cenário de ensino-aprendizado, é comum escutar sujeitos que dizem reconhecer as diferenças étnica, racial, religiosa, sexual, entre outras; no entanto, seus discursos demonstram estarem pautados ainda pelas ideias da escola evolucionista, na qual o “bárbaro” poderia ascender ao patamar de “civilizado”. No que tange às representações e aos mitos do colonizador e do colonizado, verificou-se que o complexo de inferioridade do brasileiro ainda está vivo em suas memórias, em seus discursos e em suas posturas em face do Outro, do estrangeiro. Um dos exemplos citados é a atitude de subserviência de pesquisadores e professores com relação às teorias externas. É importante mencionar que o presente estudo não objetiva o xenofobismo e a fetichização do nacional, porém considera necessário que as pesquisas sejam avaliadas em função de sua relevância e pertinência. No que diz respeito à concepção do professor como mediador cultural no ensinoaprendizado de FLE na atualidade, o presente estudo observou que as orientações didáticas e pedagógicas o enxergam como um diplomático, um intermediário, que age para promover o diálogo entre sujeitos de culturas e línguas distintas, tentando evitar os possíveis conflitos e mal-entendidos. Cabe dizer que tal imagem do professor de FLE está presente no CECR (CONSEIL DE L’EUROPE, 2000), um documento no qual são descritas as diretrizes para ensinar, aprender e avaliar a língua francesa e no qual é explicitada a importância de os usuários promoverem uma formação voltada para a 176 alteridade e o plurilinguismo. Daí talvez se explique a razão pela qual os elaboradores tenham inserido entre as atividades comunicativas (falar, escrever, ler e ouvir) a mediação (traduzir/interpretar). Contudo, como já dito ao longo desta pesquisa e em minha dissertação (AZEVEDO, 2010), a mediação (inter/intralinguística e semiótica) é citada de maneira diplomática. O CECR não propõe um estudo teórico e prático dessa competência comunicativa. É oportuno ressaltar que as orientações sobre o tratamento do componente cultural no CECR remetem à proposta interculturalista, que surgiu em torno da década de 1970 com o fenômeno da imigração, a fim de que os sujeitos não somente respeitassem as diferenças culturais, mas também fossem capazes de interagir com o “estrangeiro”. Em um contexto de globalização, observou-se também que as ações interculturalistas e até mesmo as transculturalistas podem se instaurar sem a intervenção de um mediador. Nesse caso, a necessidade dos sujeitos é que vai ser fator determinante para que haja interação entre os indivíduos. Alguns teóricos expressam certa ressalva quanto à eficácia do interculturalismo voluntário, sob a alegação de que os conflitos culturais, muitas vezes, são fruto de problemas religiosos, identitários, econômicos, entre outros, que estão, em geral, acima dos poderes do mediador. Quanto à concepção do professor como mediador cultural visionada nesta pesquisa, ela está apoiada, em particular, na imagem do filósofo, do pensador, que se põe a questionar, a problematizar um fato de sua realidade, de sua existência, a estudálo sob diversas perspectivas, e, por conseguinte, visa a compartilhar de sua inquietação com outros sujeitos. Em outras palavras, não tem a pretensão de doutrinar ou inculcar seus conhecimentos, mas obter novas reflexões, indagações, apreciações e avaliações sobre o objeto contemplado com base na historicidade. 177 Confrontando os dois conceitos de mediação cultural supracitados, averiguou-se que as imagens de professores, os princípios teóricos e as ações concernentes ao processo de ensino-aprendizado são bastante distintos. Importa dizer que a proposta de mediação desta pesquisa demonstra a relevância de se promover o diálogo em torno de determinada inquietação; todavia, não menciona o papel do mediador como conciliador, apaziguador. Pelo contrário, a associação da imagem do professor à do intelectual e filósofo remete a imaginar o sujeito que está propenso a provocar o Outro e a repensar suas referências de mundo. Após tais reflexões, surgiu a hipótese de que as mediações culturais baseadas nos princípios da proposta interculturalista poderiam estar promovendo uma formação acrítica e, por conseguinte, alienadora. Além disso, o presente estudo inferiu se tal abordagem voltada para a harmonia não teria o interesse subjacente de manter o equilíbrio da estrutura social vigente por meio da ideologia da relatividade e da alteridade. Nessa linha de pensamento, questionou-se igualmente se tal abordagem tem contribuído para destituir o professor do papel de intelectual. A respeito da concepção de mediação da presente pesquisa, é essencial frisar ainda que ela se fundamentou sobretudo nos princípios da fenomenologia e do materialismo histórico marxista. Na primeira corrente, os pesquisadores valorizam a observação, a percepção e a reflexão como forma de conhecer o mundo e de se conhecer melhor; na segunda, o conhecimento se sedimenta mediante a relação entre prática e teoria, contribuindo não somente para a transformação do sujeito, mas também da sociedade. No último caso, com base também nas ideias nietzschianas, observa-se que o ambiente atua sobre o ser humano, mas também que ele pode agir, intervir sobre sua realidade e modificá-la de alguma forma, sem esperar que apareça algum herói e vilão. 178 No que diz respeito à corrente positivista, o presente trabalho reconhece a relevância da ciência, pois ela apresentou métodos que permitem aos pesquisadores comprovar suas teses e responder às necessidades da sociedade. Todavia, a crença de que os suportes metodológicos empregados seriam suficientes para responder às inúmeras indagações existentes parece ser tão ilusória quanto a criada pela religião. No âmbito do ensino-aprendizado, a tentativa de racionalizar as atividades pedagógicas, os exames e a relação professor-aluno, procurando definir os fins e os meios, desconsiderando a subjetividade humana, tem tornado o espaço escolar e o processo de aprendizagem desencantadores. O tempo de questionamento, de contemplação e de prazer parece estar sendo posto à margem em nome da produtividade, do saber-fazer. Contudo, o presente estudo não compactua da concepção de alguns intelectuais da pós-modernidade, como a do francês Edgar Morin, que procura implantar nos sujeitos a dúvida sobre os conhecimentos produzidos pela humanidade, ao negligenciar as conquistas do passado e supervalorizar o presente e o futuro. Cabe comentar que as orientações didáticas e pedagógicas no curso da história demonstram sempre tentar encontrar seus heróis e vilões. No atual contexto, é possível observar que muitos professores e educadores passaram a reproduzir as ideias morinianas como se elas fossem a salvação para o sistema educativo brasileiro; porém, sabemos que os problemas centrais da nossa educação é a falta de investimento. Com relação à formação do professor, as considerações de Newton Duarte e de José Libâneo foram fulcrais para compreender que a educação continua a tratar o processo de ensino-aprendizado como destituído de sujeitos. Os fatores externos à educação, como as políticas econômicas, sociais, educativas e a materialidade histórica, são ainda desconsiderados nas suas formações. 179 Ainda sobre os anjos e demônios da educação, em oposição à fragmentação do conhecimento imposto com o rigor dos métodos científicos, muitos pesquisadores, orientações de ensino e organizações como, a Unesco, passaram a defender a interdisciplinaridade. Todavia, embora a abordagem interdisciplinar permita ao pesquisador analisar seu objeto de outras perspectivas, ela não garante que os resultados sejam mais complexos e totalizantes. Na concepção de Glandêncio Frigotto, verificamos que a fragmentação está nos princípios ideológicos do atual contexto político, econômico e social; portanto, ela se sobrepõe aos métodos multi/pluri/inter/transdisciplinares. Para combatê-la, parece fundamental que os pesquisadores se ponham a atacar em seus estudos as ideologias alienantes, reavaliando de maneira contínua suas concepções. No que diz respeito às mediações do conhecimento, convém explicitar que as tendências pedagógicas redentora, reprodutiva e transformadora de Cipriano Luckesi (1994) foram fundamentais para depreender que a educação ocidental na sociedade moderna e pós-moderna atua na manutenção do sistema capitalista. De acordo com as pesquisas de Louis Althusser, apoiado nas ideias marxistas, a escola vem agindo ao longo da história como o principal aliado do sistema político-econômico, fortalecendo a ideologia burguesa. Nessa mesma linha de pensamento, Pierre Bourdieu demonstrou, com base em dados estatísticos, que o sistema escolar é injusto e desigual, contemplando saberes e conhecimentos de determinada classe e, por conseguinte, procurando impô-la por meio de uma violência simbólica, que atua no inconsciente social. Quanto a Max Weber, ele também reconhece o poder das ideologias burguesas na estrutura social e critica a burocratização, a coisificação dos sujeitos; porém, constatou em seus estudos a presença de forças capazes de agir na contracorrente de determinados habitus. 180 No ataque à educação centrada nos interesses do mercado, esta pesquisa considerou pertinente citar as teorias de István Mészáros, que preconiza o ato de educar, de mediar conhecimentos e saberes centrados na contrainternalização das ideologias, a fim de que os sujeitos possam se libertar dos discursos dogmáticos. Para tanto, considerando o contexto social, econômico e histórico, o autor encontra como brecha a possibilidade de uma educação para além do mercado, do sistema capitalista. No entanto, ressalta que uma educação contra as internalizações ideológicas precisa de professores e educadores que (re)avaliem as crenças e certezas que lhes foram mediadas. Com o intuito de contrapor as ideologias da abordagem interculturalista à mediação cultural crítica, o terceiro capítulo apresenta as análises das atividades culturais do método Écho e de Christine Tagliante, procurando reforçar a tese de que determinadas orientações didáticas e pedagógicas, baseadas nas teorias interculturalistas, em prol da convivência harmoniosa omitem, distorcem, escondem os fatos; legitimam, destituem e restituem seus heróis e vilões, e, por conseguinte, atuam também para adequar os sujeitos ao contexto político, econômico e social. Com relação às atividades baseadas nas propostas interculturalistas, este estudo observou o tratamento do componente cultural pautado pelo enfoque contrastivo entre a cultura-alvo e a cultura-fonte, como se este fosse o mais justo, correto, independentemente da situação de ensino-aprendizado. Contudo, para esta pesquisa, o professor pode versar sobre a cultura do Outro com base também no referencial cultural da cultura-alvo, uma vez que nem sempre é possível fazer equivalências. Como destacam muitos antropólogos, uma cultura deve ser avaliada em função do contexto histórico, geográfico e identitário no qual ela se constitui, pois, embora haja semelhanças, existem muitos aspectos que só podem ser explicados a partir da cultura 181 em questão. Convém destacar ainda que cada país tem sua diversidade cultural. Como fazer um trabalho comparativo contemplando as inúmeras variantes, a saber, a classe social dos sujeitos, seu gênero sexual, as faixas etárias, entre outros fatores, na culturaalvo e na cultura-fonte? É contundente enfatizar que existem propostas interculturalistas críticas e reflexivas, como a da professora e pesquisadora Silvana Serrani. Em seus estudos, ela chama a atenção dos professores de língua para o papel da memória coletiva na situação de ensino-aprendizado e da materialidade histórica. Para a autora, há toda uma lembrança e um legado cultural no inconsciente dos sujeitos que devem ser valorizados nas mediações proferidas nas aulas de língua. Além disso, destaca a importância de o professor dominar conhecimentos em diversos campos do saber, que lhe permitam compreender seu papel no contexto político, econômico e social. No que tange à proposta de uma mediação cultural crítica, a primeira observação feita foi sobre a importância de o professor levar para a sala discursos nos quais existam sujeitos com uma voz, com um rosto. Como defende Emmanuel Levinas, acredita-se que a alteridade só aconteça quando o sujeito é capaz de refletir sobre sua existência. Nessa perspectiva, o presente estudo propõe que os documentos utilizados considerem os aspectos apolíneo (belo e perfeito) e dionisíaco (feio e imperfeito) da vida, e para a análise dos textos reivindica a AD de base francesa, pois esta considera o sujeito não apenas como um ser biológico, mas também psicológico e social. No ensejo de encontrar outras visadas sobre a mediação de aspectos culturais, o presente estudo recorreu também às reflexões de tradutores, como Lawrence Venuti, que versa sobre ações de aculturamento cometidas no contexto tradutório. Para Venuti, tanto o ato de domesticação, que consiste na tradução voltada para a cultura e língua- 182 fonte, quanto o de estrangeirização, a tradução centrada na cultura e na língua-alvo, podem ter caráter reprodutor no momento em que são abordados de maneira dogmática. Em suma, a linha de pensamento tradutória de Venuti coaduna com a deste estudo, que defende a liberdade do professor na escolha dos recursos, dos métodos utilizados para “passar” informações, conhecimentos culturais a seu público. Todavia, é fundamental salientar que essa liberdade precisa estar calcada na ética, no reconhecimento da diversidade e na busca contínua de combater e de expurgar as mediações alienadoras, que distorcem os fatos produzindo caricaturas do Outro e de si mesmo. Não podemos deixar de comentar igualmente que muitos se deixam alienar como forma de se eximir de qualquer responsabilidade. No âmbito educativo, é comum observar educadores procurando justificar suas ações antiéticas e, até mesmo desumanas, com base no argumento que apenas estão seguindo as orientações estabelecidas. Porém, atuam enquanto agentes, logo, são responsáveis. Com relação aos sujeitos que atuam como mediadores do conhecimento, convém dizer que a preocupação com a ética deveria ser ainda maior. O corrente provérbio de que “a aculpa é do sistema”, com o propósito de justificar as atitudes desumanas, serve mais uma vez para confirmar as ideias arendtianas de que o barbarismo humano não é totalmente irracional, mas sim, que ele se vale de uma certa conivência. Como considerações finais, a proposta de uma mediação cultural crítica no ensino-aprendizado de FLE surge como meio de contra-atacar as ações alienadoras (in)voluntárias, que comprometem a liberdade dos sujeitos, a relação professor-aluno e, por conseguinte, vêm tornando o universo escolar e social desencantadores. Nessa perspectiva, o presente estudo chamou a atenção para a importância de o professor lutar por seu papel de pensador, de intelectual crítico, que busca retratar a realidade de 183 diversas perspectivas, não protegendo e nem furtando os alunos das congruências e incongruências da vida em prol da realidade ontológica. Dado à perda de prestígio da posição do professor no contexto social, o espaço escolar precisará reavaliar o seu papel como “transmissor” de conhecimento em um cenário marcado pela globalização e pelas Tecnologias de Informção e Comunicação (TICs). Com o bombardeio diário de informação, o caminho para a recuperação da legitimidade do professor parece ser o de agir como um mediador capaz de promover leituras, interpretações e discussões críticas sobre a realidade. Reconhecemos, enquanto professores, o quão difícil é atuar como mediador crítico em um contexto no qual o pragmatismo, o saber-fazer, se sobrepõe ao pensamento crítico. Em geral, as instituições de ensino visam à produção: o tempo para refletir é concebido muitas vezes como desperdício para a racionalidade moderna. Com relação ao professor de línguas estrangeiras, esta proposta parece mais irreal, tendo em vista o seu desprestígio no contexto social. Aliás, em muitos centros de ensino, o mestre passou a ser um instrutor de línguas, que precisa apenas seguir as orientações dos métodos, pois as aulas já estão “prontas”. No entanto, enquanto pensadores, reconhecemos igualmente que o professor precisa ter cada vez mais consciência das suas ações como agente mediador. Se o espaço acadêmico banalizar essa realidade do sistema educativo, sem levantar reflexões e propor sugestões para todos esses problemas, estará também compactuando com a concepção de que “a culpa é do sistema”. Sendo a universidade o espaço do saber, de construção do conhecimento, da racionalidade e de reflexão de nossas práticas, o seu grau de responsabilidade das suas ações ou “não-ações” parece ser ainda muito maior. Com relação ainda à relevância da pesquisa para o campo de ensino de francês língua estrangeira, o interesse principal é que ela fomente novas reflexões sobre a 184 abordagem do componente cultural no ensino de língua estrangeira e sobre a dicotomia entre prática e teoria nesse universo. É essencial salientar também que os campos filosófico, sociológico e antropológico ainda me são misteriosos. Todavia, o mais relevante de tais encontros não era o domínio do Outro, seu apagamento para que meus objetivos fossem alcançados, mas sim que esses encontros me permitissem olhar para o campo de ensino-aprendizado de francês língua estrangeira por outro prisma, oferecendo-me condições de ir além de meu mundo. 185 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDALLAH-PRETCEILLE, Martine. Compétence culturelle, compétence interculturelle: pour une anthropologie de la communication. Le Français dans le Monde: recherches et applications, Paris: Hachette, 1996. p. 28-38. ______. Former et éduquer en contexte hétérogène: pour un humanisme du divers. Paris: Anthropos, 2003. ______. Que sais-je? L’éducation interculturelle. Paris: PUF, 1999. ADORNO, Theodor W. Educação após Auschwitz. In: Educação e emancipação. 3. ed. Tradução de Wolfgang Leo Maar. São Paulo: Paz e Terra. 1995. p. 119-138. ALBUQUERQUE, José A. G. Introdução. In: ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. 2. ed. Tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Graal, 1985. ALLIANCE FRANÇAISE. Référentiel de programmes pour l’Alliance Française élaboré à partir du Cadre Européen Commun. Paris: CLE International, 2008. ALMEIDA, Glaucia. Pra que somar se a gente pode dividir? Abordagens integradoras em saúde, trabalho, meio ambiente. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) — Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2000. 90 f. ALMEIDA FILHO, José C. P. de. Dimensões comunicativas no ensino de línguas. 5. ed. Campinas: Pontes, 2008. ______. Linguística aplicada, ensino de línguas e comunicação. 3. ed. Campinas: Pontes, 2005. ______. Ontem e hoje no ensino de línguas no Brasil. In: STEVENS, Cristina Maria Teixeira; CUNHA, Maria Jandira Cavalcanti (Org.). Caminhos e colheita: ensino e pesquisa na área de inglês no Brasil. Brasília: UnB, 2003. ______. O professor de língua estrangeira em formação. 3. ed. Campinas: Pontes, 2009. ALMEIDA FILHO, Naomar. Intersetorialidade, transdisciplinaridade e saúde coletiva: atualizando um debate em aberto. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 6, p. 11-34, nov./dez. 2000. ______. Transdisciplinaridade e saúde coletiva. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1-2, 1997. 186 ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. 2. ed. Tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Graal, 1985. ______. Sobre a reprodução. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2008. AMOSSY, Ruth. D’une culture à l’autre: réflexions sur la transposition des clichés et des stéréotypes. Palimpsestes: le cliché en traduction. Edição de Paul Bensimon. Paris: Presses de la Sorbonne Nouvelle, n. 13, 2001. ANQUETIL, Mathilde. Apprendre à être un médiateur culturel en situation d’échange scolaire. La médiation et la didactique des langues et des cultures. Le Français dans le Monde: recherches et applications. Paris: CLE International, número especial, jan. 2003. APPLE, Michael W. Ideologia e currículo. Tradução de Vinicius Figueira. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. ARCE, Alessandra. Compre um kit neoliberal para a educação infantil e ganhe grátis os dez passos para se tornar um professor reflexivo. Educ. Soc., v. 22, n. 74, p. 251-283, 2001. AREAL, P. O papel da cultura francesa na construção da representação da cultura brasileira. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004. ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Tradução de Mauro W. Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2011. ______. La crise de la culture: huit exercices de pensée politique. Tradução de Patrick Lévy. Paris: Gallimard, 1972. ÁVILA, José L. P. A crítica da escola capitalista em debate. Petrópolis: Vozes, 1985. AZEVEDO, Andréia M. Imagens da língua materna e da tradução no ensino de francês língua estrangeira. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) — Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2010. p. 203. BAUMAN, Zygmunt. Ensaios sobre o conceito de cultura. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. ______. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. ______. Sobre educação e juventude. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. 187 BENEDICT, Ruth. O crisântemo e a espada. São Paulo: Perspectiva, 1972. BENJAMIN, Walter. A tarefa: renúncia do tradutor. Tradução de Susana Kampff Lages. In: HEIDERMANN, Werner (Org.). Clássicos da teoria da tradução. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina/Núcleo de Tradução, 2001. (Antologia Bilíngue, alemão-português; v. 1). BÉRARD, Evelyne. L’approche communicative. Paris: CLE International, 1991. BERMAN, Antoine. A prova do estrangeiro. Tradução de Maria Emília P. Chanut. Bauru: Edusc, 2002. ______. A tradução e a letra, ou o albergue do longínquo. Tradução de Marie Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan e Andréia Guerini. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007. ______. A tradução em manifesto. In: A prova do estrangeiro: cultura e tradução na Alemanha romântica: Herder, Goethe, Schlegel, Novalis, Humboldt, Schleiermacher, Holderlin. Tradução de Maria Emília Pereira Chanut. São Paulo: Edusc, 2002. BHABHA, Homi. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis e Gláucia Renate Gonçalves. 2. ed. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2013. BOUGNEC, J.; LOPES, M.; MENAND, R.; VIDAL, M. Forum: méthode de français. Paris: Hachette, 2002. BOURDIEU, Pierre. Ce que parler veut dire. Paris: Fayard, 1982. ______. Langage et pouvoir symbolique. Paris: Seuil, 2001. ______. Les trois états du capital culturel. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, n. 30, nov. 1979. ______. Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio (Org.). Escritos de educação. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1998. ______. Systèmes d’enseignement et systèmes de pensée. Revue Internationale des Sciences Sociales, Paris: Unesco, v. 3, p. 367-409, 1967. ______; PASSERON, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Tradução de Reynaldo Bairão. 4. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2011. ______; ______. Les héritiers: les étudiants et la culture. Paris: Les Éditions de Minuit, 1964. BOURGUIGNON, Christiane; DABÈNE, Luisa. Le métalangage: un point de rencontre obligé entre enseignants de langue maternelle et de langue étrangère. Le Français dans le Monde, n. 177, p. 45-49, 1983. 188 BOUTINET, Jean-Pierre. Antropologia do projeto. Tradução de Patrícia Chittoni Ramos. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002 BRANDÃO, Anna C. O que é educação?. 33. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais: língua estrangeira. Brasília, 1998. ______. Secretaria de Educação Média e Tecnologia. Parâmetros curriculares nacionais: Ensino Médio. Brasília, 2002. BRITO, Iracélia de. Conceito de cultura e competência: contribuição para um ensino crítico de inglês no contexto brasileiro. Dissertação (Mestrado) — Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999. BRITTO, Paulo. H. O tradutor como mediador cultural. Synergies Brésil, São Paulo, número especial 2, p. 135-141, 2010. CALLIGARIS, Contardo. Hello Brasil! Notas de um psicanalista europeu viajando ao Brasil. São Paulo: Escuta, 1996. CALVET, L.-J. As políticas linguísticas. Tradução de Jonas Tenfen e Marcos Bagno. São Paulo: Parábola, 2007. CAMBI, Franco. História da pedagogia. Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1999. CANDAU, Vera. Educação intercultural e cotidiano escolar. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006. CAPELLE, G.; MENAND, R. Le nouveau taxi! Méthode de français. Paris: Hachette, 2009. CARNEIRO LEÃO, Emmanuel. Para uma crítica da interdisciplinaridade. Tempo Brasileiro, 1991. CARVALHO, Alonso B de. Educação e liberdade em Max Weber. Rio Grande do Sul: Unijuí, 2004. CASTELLOTTI, Véronique. La langue maternelle en classe de langue étrangère. Paris: CLE International, 2001. CAVALCANTE, Maria do Socorro Aguiar de Oliveira. Ensino de qualidade e cidadania nos Parâmetros curriculares nacionais: o simulacro de um discurso modernizador. Tese (Doutorado) — Programa de Pós‐graduação em Letras e Linguística, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2002. CERVO, Irene Z. S. Tradução e ensino de línguas. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) — Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada, IL-UnB, Brasília, 2003. 189 CHAGAS, Valnir. Didática especial de línguas modernas. 3. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979. CHARAUDEAU, Patrick. L’interculturel entre mythe et réalité. Le Français dans le Monde: recherches et applications, Paris, v. 230, p. 49-53, 1996. COELHO, Teixeira. Cultura e Estado: a política cultural na França 1955-2005. São Paulo: Iluminuras/Itaú Cultural, 2012. CONSEIL DE L’EUROPE. Un cadre européen commun de référence pour les langues: apprendre, enseigner, évaluer. 2000. CONTRERAS, Diogo J. La autonomía del profesorado. Madri: Moreto, 2002. CORACINI, Maria José R. F. A celebração do Outro na constituição da identidade. Organon: discurso, língua e memória, Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, v. 17, n. 35, 2003. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/organon/article/view/30024>. Acesso em: 10 fev. 2015. COSTA, Heloisa B. Albuquerque; MARINELLI, Vera Lúcia. Formação inicial de professores de língua estrangeira: o ensino e a pesquisa no curso de Letras Francês da PUC-SP. Revista Intercâmbio, São Paulo: Lael/PUC-SP, v. XVIII, p. 94-106, 2008. Disponível: <http://revistas.pucsp.br/index.php/intercambio/article/viewFile/3554/2322>. COSTE, Daniel. Un niveau seuil. Le Français dans le Monde, n. 126, p. 17-22, 1976. CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Tradução de Viviane Ribeiro. São Paulo: Edusc, 1996. CUQ, Jean Pierre; GRUCA, Isabelle. Cours de didactique du français langue étrangère et seconde. Grenoble: PUG, 2005. DABÈNE, Louise. Repères sociolinguistiques pour l’enseignement des langues. Paris: Hachette, 1994. DEBYSER, Francis. L’immeuble, roman simulation en 66 exercices. Paris: Belc, 1996. DE CARLO, Maddalena. L’interculturel. Paris: CLE International, 1998. DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI. Unesco, Ministério da Educação e Cultura. São Paulo: Cortez, 1998. DEMORGON, Jacques. Critique de l’interculturel, l’horizon de la sociologie. Paris: Economica, 2005. DEPAULA, Lillian. (Org.). Tradução: uma fonte para o ensino. Vitória: Edufes, 2007. 190 DEWEY, John. Democracia e educação: introdução à filosofia da educação. 3. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959. DUARTE, Newton. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. Campinas: Autores Associados, 2000. DU BELLAY, Joachin. La deffence et illustration de la langue françoyse. Édition critique publiée par Henri Chamard. Paris: M. Didier, 1948 [1549]. DURKHEIM, Emile. Educação e sociologia. Tradução de Nuno Garcia Lopes. Portugal: Edições 70, 2007. ECO, Umberto. Quase a mesma coisa. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: BestBolso, 2011. ETGES, Norberto Jacob. Ciência, interdisciplinaridade e educação. In: JANTSCH, Ari Paulo; BIANCHETTI, Lucídio (Org.). Interdisciplinaridade: para além da filosofia do sujeito. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 51-84. FACCI, Marilda G. D. Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor? Um estudo crítico-comparativo da teoria do professor reflexivo, do construtivismo e da psicologia vigotskiana. Campinas: Autores Associados, 2004. FARACO, Carlos Alberto. Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009. FEUERSTEIN, Reuven; FEUERSTEIN, Refael; FALIK, Louis. Além da inteligência: aprendizagem mediada e a capacidade de mudança do cérebro. Rio de Janeiro: Vozes, 2014. FERREIRA, Aurélio B. H. Dicionário da língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2008. FIGUEIREDO, F. J. Q. Aprendendo com os erros: uma perspectiva comunicativa de ensino de línguas. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 1997. FIORIN, Luiz. Linguagem e interdisciplinaridade. Revista Alea, Rio de Janeiro, v. 10, n. 11, p. 11-34, nov./dez. 2008. FONTORA, A. Diretrizes e bases da educação nacional: introdução, crítica, comentários, interpretação. Rio de Janeiro: Aurora, 1968. FRANZONI, Patricia H. Nos bastidores da comunicação autêntica: uma reflexão em linguística aplicada. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1992. FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. ______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970. 191 FRIGOTTO, Gaudêncio. A interdisciplinaridade como necessidade e como problema nas ciências sociais. In: JANTSCH, Ari Paulo; BIANCHETTI, Lucídio (Org.). Interdisciplinaridade: para além da filosofia do sujeito. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 25-49. GADOTTI, Moacir. Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2003. GALISSON, Robert. D’hier à aujourd’hui: la didactique générale des langues étrangères du structuralisme au fonctionnalisme. Paris: CLE International, 1991. ______; PUREN, Christian. La formation en question. Paris: CLE International, 2001. GAUVENET, H. et al. Préface à la première édition. In: Voix et images de France: livre du maître. Paris: Crédif, 1960. p. 21. GEERTZ, Clifford. Nova luz sobre a antropologia. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. GERMAIN, Claude. Évolution de l’enseignement des langues: 5000 ans d’histoire. Paris: CLE International, 1993. GIRADET, Jacky; PÉCHEUR, Jacques. Écho. Paris: CLE International, 2009. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere: americanismo e fordismo. Edição e tradução de Carlos Nelson Coutinho. Coedição de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. v. 4, Caderno 22. ______. Concepção dialética da história. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. GRICE, Paul. Lógica e conversação. In: DASCAL, Marcelo (Org.). Fundamento metodológico da linguística. Tradução de João Wanderley Geraldi. Campinas: Unicamp, 1975. v. V, p. 81-103. GRIGOLETTO, Marisa. Leituras sobre a identidade: contingência, negatividade e invenção. In: MAGALHÃES, I.; GRIGOLETTO, M.; CORACINI, M. J. (Org.). Práticas identitárias: língua e discurso. São Paulo: Claraluz, 2006. GUSDORF, G. Passé, présent, avenir de la recherche interdisciplinaire. Revue Internationale de Sciences Sociales, Paris, v. 29, n. 4, p. 627-648, 1977. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: Lamparina, 2014. HYMES, Dell. H. Vers la compétence de communication. In: Langues et apprentissage des langues.Paris: Hatier-Crédif, 1972. IMBERNÓN, Claire Fa (Org.). Educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. Tradução de Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 1999. 192 INALCO, Akbar. A. Médiation culturelle comme compétence: une définition à l’usage des enseignants de langue. Synergies Brésil, São Paulo, número especial 2, p. 135-141, 2010. JAKOBSON, R. Aspectos linguísticos da tradução. In: Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1969. JANTSCH, Ari Paulo, BIANCHETTI, Lucídio (Org.). Interdisciplinaridade: para além da filosofia do sujeito. 9. ed. Atualizada e ampliada. Petrópolis: Vozes, 2011. JAPIASSU, Hilton. A atitude interdisciplinar no sistema de ensino. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 108, p. 83-94, jan./mar. 1992. JIMENEZ, Suzana; MENDES, Maria D. S. Erradicar a pobreza e reproduzir o capital: notas críticas sobre as diretrizes para a educação do novo milênio. Cadernos de Educação, Pelotas: FAE/PPGE/UFPEL, n. 28, p. 119-137, jan./jun. 2007. JOLIVET, Régis. Curso de filosofia. Tradução de Eduardo Prado de Mendonça. 20. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2001. JOUBERT, Jean-Louis. La francophonie. Paris: CLE International, 1997. KRAMSCH, Claire. Context and culture in language teaching. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 1994. KONDER, L. O futuro da filosofia da práxis. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1992 LADMIRAL, Jean-René. Traduire: théorèmes pour la traduction. Paris: Payot, 1979. LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 2012. LARAIA, Roque. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1986. LAVAULT, Elisabeth. Fonctions de la traduction en didactique des langues. Paris: Didier Érudition, 1998. LEÃO, Antônio. C. O ensino de línguas vivas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935. LE BRIS, Michel; ROUAUD, Jean (Org.). Pour une littérature-monde. Paris: Gallimard, 2007. LEDERER, Mariane. Interpréter pour traduire. Paris: Hachette, 1994. LEFEVERE, André. Tradução, escrita e manipulação da fama literária. Tradução de Claudia Matos Seligmann. Bauru: Edusc, 2007. LEFFA, Vilson J. Metodologia no ensino de línguas. In: BOHN, H. I.; VANDRESEN, P. Tópicos em linguística aplicada: o ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1988. 193 ______. O ensino das línguas estrangeiras no contexto nacional. Revista Contexturas/Ensino Crítico da Língua Inglesa, São Paulo: Apliesp, v. 4, 1998. LEMOS, Sany. Imagens de língua francesa no contexto da UFRJ. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) — Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005. LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978. LÉRY, Jean de. Viagens à terra do Brasil. Tradução de Sergio Milliet. São Paulo: Martins, 1972. LEVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito. Tradução de José Pinto Ribeiro. 3. ed. Lisboa: Edições 70, 2014. LÉVY, Daniel. Médiation, didactique des langues et subjectivité. In: LÉVY, D.; ZARATE, G. La médiation et la didactique des langues et des cultures. Le Français dans le Monde: recherches et applications, Paris: CLE International, número especial, jan. 2003. LIBÂNEO, José. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. 23. ed. São Paulo: Loyola, 2009. ______. Pedagogia e pedagogos, para quê?. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000. ______. Reflexividade e formação de professores: outra oscilação do pensamento pedagógico brasileiro?. In: PIMENTA, S. M.; GHEDIN, E. (Org.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. LUCKESI, Cipriano. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994. MACHADO, Igor. Reflexões sobre as identidades brasileiras em Portugal. In: MALHEIROS, José (Org.). Alto Comissariado para Imigração e Diálogo Intercultural, Lisboa, 2007. MALINOWISK, B. What is culture. In: A scientific theory of culture and other essays by Bronislaw Malinowski. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1944. p. 36-42. MARMOZ, Louis; MOHAMED, D. (Org.). L’interculturel en questions: l’autre, la culture et l’éducation. Paris: L’Harmattan, 2001. MARTINO, Luiz C.; BOAVENTURA, Katrine T. O mito da interdisciplinaridade: história e institucionalização de uma ideologia. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação | E-compós, Brasília, v. 16, n. 1, jan./abr. 2013. MARTINS, L. M. Análise do processo de personalização de professores. Tese (Doutorado) — Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2001. 276 f. 194 MARX, Karl. O capital. São Paulo: Difel. 1982. 6 v. ______. On general education. 1869. Disponível em: <http://www.marxists.org/archive/marx/iwma/documents/1869/educationspeech.htm>.Acesso em: 6 jan. 2014. ______; ENGELS, F. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de J. Campos. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1962. ______; ______. O manifesto do Partido Comunista. Tradução de Marcos Aurélio Nogueira e Leandro Konder. Petrópolis: Vozes, 2011. ______; ______. Textos sobre educação e ensino. Tradução de Rubens Eduardo Frias. 5. ed. São Paulo: Centauro, 2009. MELMAN, Charles. O Complexo de Colombo. In: Association Freudienne Internationale e Maison de l’Amérique Latine. Um inconsciente pós-colonial, se é que ele existe. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000. MEMMI, Albert. Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador. Tradução de Roland Corbisier e Mariza Pinto Coelho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967. MESCHONNIC, Henry. Pour sortir du postmoderne. Paris: Klincksiek, 2009. p. 89. MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. Tradução de Isa Tavares. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2008. MIGNOLO, Walter D. Colonialy, subaltern knowledge and border thingking. Nova Jersey: Princeton University Press, 2000. MOITA LOPES, L. P. Oficina de linguística: a natureza social e educacional dos processos de ensino/aprendizagem de línguas. Campinas: Mercado de Letras, 1996. ______ (Org.). Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006. MORILLO, Fernanda; BORDONS, Maria; GÓMEZ, Isabel. Interdisciplinarity in science: a tentative typology of disciplines and research areas. Journal of the American Society for Information Science and Technology, v. 54, n. 13, p. 1237-1249, 2003. MORIN, Edgar. Os sete saberes para a educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2002. MOUNIN, George. Os problemas teóricos da tradução. São Paulo: Cultrix, 1963. MUELLER, Rafael Rodrigo. Trabalho, produção da existência e do conhecimento: o fetichismo do conceito de interdisciplinaridade. Dissertação (Mestrado em Educação) — Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006. 115 f. 195 NASTARI, Alfredo. História viva grandes temas: herança francesa. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A visão dionisíaca do mundo. Tradução de Marcos Sinésio Pereira Fernandes e Maria Cristina dos Santos de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 2005. ______. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. NOGUEIRA, M. A.; NOGUEIRA, C. M. Bourdieu & e a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. OLIVEIRA, Gilvan M. O lugar das línguas: a América do Sul e os mercados linguísticos na nova economia. In: STREHLER, R.; GOROWITZ, S. (Org.). Politiques publiques et changements en éducation: pour un enseignement réciproque du portugais et du français. Synergies Brésil, São Paulo, número especial 1, 2010. ______. Plurilinguismo no Brasil: repressão e resistência. In: DAHLET, V. B. (Org.). Le Brésil et ses langues: perspectives en français. Synergies Brésil, São Paulo, número 7, 2009. OMAGGIO, Alice. Teaching language in context. Massachusetts: Heinle & Heinle, 1986. ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: princípios & procedimentos. Campinas: Pontes, 2001. ______. Colonização, globalização, tradução e autoria científica. In: GUIMARÃES, E. Produção e circulação do conhecimento: política, ciência, divulgação. Campinas: Pontes, 2003. OUSTINOFF, Michaël. Tradução: história, teorias e métodos. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2001. PASSOS, Deusa Maria. Sujeitos entre-lugares: o lugar do brasileiro e a produção de conhecimento. In: MAGALHÃES, Isabel; CORACINI, Maria José; GRIGOLETTO, Marisa (Org.). Práticas identitárias: língua e discurso. São Carlos: Claraluz, 2006. PAZ, Otávio. Traducción: literatura y literalidad. 2. ed. Barcelona: Tusquets, 1981. PÉCHEUR, J.; VIGNER, G. Méthodes et méthodologies. Le Français dans le Monde, número especial, jan. 1995. PENNYCOOK, Alastair. A linguística aplicada dos anos 90: em defesa de uma abordagem crítica. In: SIGNORINI, Inês; CAVALCANTI, Marilda C. (Org.). Linguística aplicada e transdisciplinaridade: questões e perspectivas. Tradução de Denise B. Braga e Maria Cecília dos S. Fraga. Campinas: Mercado de Letras, 1998. p. 23-49. 196 ______. The cultural politics of English as an international language. Harlow: Longman, 1994. PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed, 1999. ______. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação. Lisboa: Dom Quixote, 1993. PILETTI, Claudino. Filosofia da educação. 9. ed. São Paulo: Ática, 2005. PIMENTA, João Paulo. Os “abomináveis princípios franceses”. História Viva Grandes Temas: a herança francesa, São Paulo, p. 26-33, 30 jun. 2005. PORCHER, Louis. De l’interculturel. Les Cahiers Pédagogiques, n. 360, p. 48-49, jan. 1998. PORTO, M. F. de S.; ALMEIDA, G. E. S. de. Significados e limites das estratégias de integração disciplinar: uma reflexão sobre as contribuições da saúde do trabalhador. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 335-347, 2002. PUREN, Christian. Continuités, ruptures et circularités dans l’évolution de la didactique des langues étrangères en France. Études de Linguistique Appliquée, Paris: Didier Érudition, n. 78, p. 65-74, abr./jun. 1990. ______. Histoires des méthodologies de l’enseignement des langues. Paris: Nathan/CLE International, 1998. (Coleção DLE). ______. La didactique des langues-cultures entre la centration sur l’apprenant et l’éducation transculturelle. Paris: APLV, jun. 2008. Disponível em: <www.aplvlanguesmodernes.org>. Acesso em: 10 jul. 2008. ______. Méthodes d’enseignement, méthodes d’apprentissage et activités méthodologiques en classe de langue. In: Les langues modernes. APLV, 1990. n. 1. ______. Variations sur la perspective de l’agir social en didactique des langues-cultures étrangères. Le Français dans le Monde: recherches et applications, n. 45, 2009. RAMOS, Nereu. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação?. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. REIS, Marília F. A contribuição da sociologia da educação para a compreensão da educação escolar. Disponível em: <http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/169/3/01d09t03.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2014. RELATÓRIO para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. Educação: um tesouro a descobrir. 4. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC/Unesco, 2000. 197 REVUZ, Christine. A língua estrangeira entre o desejo de um outro lugar e o risco do exílio. In: SIGNORINI, Inês (Org.). Língua(gem) e identidade. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: Fapesp, 2001. p. 213-230. RICOEUR, Paul. O si-mesmo como Outro. Tradução de Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. RIVAS, P. Diálogos interculturais. São Paulo: Hucitec, 2005. RODRIGUES, Albert T. Sociologia da educação. 6. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007. ROMANELLI, Otaíza. História da educação do Brasil (1930-1973). 30. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. RÓNAI, Paulo. A tradução vivida. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. ROUSSEAU, Jean J. Emílio ou da educação. Rio de Janeiro: Difel, 1979. SALON, A. L’action culturelle de la France dans le monde. Tese (Doutorado) — Universidade de Paris 1, Paris, 1981. SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas. Campinas: Autores Associados, 1997. ______. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Ática, 1980. ______. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 2011. ______. Transformações do capitalismo, do mundo do trabalho e da educação. In: LOMBARDI, José C. et al. (Org.). Capitalismo, trabalho e educação. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 17. SCHLEIERMACHER, F. E. D. Sobre os diferentes métodos de tradução. In: HEIDERMANN, W. (Org.). Clássicos da teoria da tradução: antologia bilíngue. Tradução de Margarethe von Mühlen. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina/Núcleo de Tradução, 2001. v. I: Alemão-português. SCHLESENER, Anita H. Revolução e cultura em Gramsci. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2002. SELL, Carlos. E. Sociologia clássica: Durkheim, Weber e Marx. 2. ed. Itajaí: Univali, 2002. SERRANI, Silvane. Discurso e cultura na aula de língua/currículo — leitura — escrita. Campinas: Pontes, 2005. SIGNORINI, Inês. (Org.). Língua(gem) e identidade. São Paulo: Mercado de Letras, 2006. 198 SOUZA, Octavio. Fantasia de Brasil: as identificações na busca da identidade nacional. São Paulo: Escuta, 1994. STRECK, Danilo R. O ethos de uma educação humanizadora. Espaço Pedagógico, n. 1, p. 95-106, 2006. SUPPO, Hugo. Intelectuais e artistas nas estratégias francesas de “propaganda cultural” no Brasil (1940-1944). Revista de História, n. 133, 2005. TAGLIANTE, Christiane. La classe de langue. Paris: CLE International, 2006. VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão Popular, 2007. VECHIA, Ariclê; LORENZ, Karl. (Org.). Programa de ensino da escola secundária brasileira 1850-1951. Curitiba: Editora do Autor, 1998. VENUTI, Lawrence. A invisibilidade do tradutor. Tradução de Carolina Alfaro. Revisão técnica de Paulo Henriques Britto e Maria Paula Frota. Revista Palavra, PUCRio, Departamento de Letras, n. 3, p. 111-134, 1996. ______. Escândalos da tradução. Tradução de Laureano Pelegrin, Lucinéia Marcelino Villela, Marileide Dias Esqueda e Valéria Biondo Bauru. São Paulo: Edusc, 2002. ______. The translator’s invisibility. Londres: Routledge, 1995. VYGOTSKY, Lev. S. Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1988. WACQUANT, Loïc. Durkheim e Bourdieu: a base comum e suas fissuras. Revista Novos Estudos — Cebrap, n. 48, p. 29-38, 1997. WAGNER, Eugênia Sales. Hannah Arendt: Ética e Política. Cotia, São Paulo: Ateliê Editorial, 2006. WCEFA — CONFERÊNCIA MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS. Declaração mundial sobre educação para todos e Plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien, Tailândia, mar. 1990. WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1991. v. 2. WEITHERN, Jorge. Apresentação da edição brasileira. In: MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. Revisão técnica de Edgard de Assis Carvalho. 2. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: Unesco, 2000. p. 11-12. WIDDOWSON, Hymes G. Une approche communicative de l’enseignement des langues. Paris: Hatier-Crédif “LAL”, 1991. YAICHE, Francis D. Les simulations globales: mode d’emploi. Paris: Hachette, 1996. 199 YUSTE FRÍAS, José. Aux seuils de la traduction et de l’interprétation en milieu social. In: BENAYOUN, Jean-Michel; NAVARRO, Élisabeth (Ed.). Interprétation-médiation: l’an II d’un nouveau métier. Paris: Presses Universitaires de Sainte Gemme, 2013. p. 115-145. ______. Interculturalité, multiculturalité et transculturalité dans la traduction et l’interprétation en milieu social. Cédille, 2014. ZANATTA DA ROS, Silvia. Pedagogia e mediação em Reuven Feuerstein: o processo da mudança em adultos com história de deficiência. São Paulo: Plexus, 2002. 200 ANEXOS