cadernos Nietzsche 25

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cadernos Nietzsche 25
cadernos
Nietzsche
São Paulo – 2009
No 25
ISSN 1413-7755
Os artigos publicados nos
cadernos
Nietzsche
são indexados por
The Philosopher’s Index,
Clase e Geodados
cadernos
Nietzsche
no 25 – São Paulo – 2009
ISSN 1413-7755
Editor / Publisher: GEN – Grupo de Estudos Nietzsche
Editor Responsável / Editor-in-Chief
Scarlett Marton
Editor Adjunto / Associated Editor
André Luís Mota Itaparica
Secretário Editorial / Editorial Secretary
Luis Eduardo Xavier Rubira
Conselho Editorial / Editorial Advisors
Ernildo Stein, Germán Meléndez, José Jara, Luis Enrique de Santiago Guervós,
Mónica B. Cragnolini, Paulo Eduardo Arantes, Rubens Rodrigues Torres Filho
Comissão Editorial / Associate Editors
Adriana Belmonte Moreira, Clademir Luís Araldi, Eduardo Nasser,
Ivo da Silva Júnior, João Evangelista Tude de Mero Neto, Márcia Rezende de Oliveira,
Márcio José Silveira Lima, Vânia Dutra de Azeredo, Wilson Antônio Frezzatti Júnior
Endereço para correspondência / Editorial Offices
cadernos Nietzsche
[email protected]
www.discurso.com.br
cadernos Nietzsche é uma publicação do
GEN
Projeto gráfico e editoração / Graphics Editor: Guilherme Rodrigues Neto
Capa / Cover: Camila Mesquita
Foto da capa / Front Cover: C. D. Friedrich – Der Wanderer über dem Nebelmeer, 1818
600 exemplares / 600 copies
Fundado em 1996, o GEN – Grupo de Estudos
Nietzsche – persegue o objetivo, há muito acalentado, de reunir os estudiosos brasileiros do pensamento de Nietzsche e, portanto, promover a discussão acerca de questões que dele emergem.
As atividades do GEN organizam-se em torno dos
Cadernos Nietzsche e dos Encontros Nietzsche, que têm
lugar em maio e setembro sempre em parceria com
diferentes departamentos de filosofia do país.
Procurando imprimir seriedade aos estudos nietzschianos no Brasil, o GEN acolhe quem tiver interesse, por
razões profissionais ou não, pela filosofia de Nietzsche.
Não exige taxa para a participação.
Scarlett Marton
GEN – Grupo de Estudos Nietzsche – was founded in
1996. Its aim is to gather Brazilian researchers on
Nietzsche’s thinking, and therefore to promote the discussion about questions which arise from his thought.
GEN’s activities are organized around its journal and
its meetings, which occurr every May and September
in different Brazilian departments of philosophy.
GEN welcomes everyone with an interest in Nietzsche,
whether professional or private. No fee for membership is required.
Scarlett Marton
Sumário
Antidoutrinas.
Cena e doutrina
em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche
11
Do dilaceramento do sujeito
à plenitude dionisíaca
53
Lendo Da visão e do enigma
83
Romantismo e tragicidade
no Zaratustra de Nietzsche
115
Werner Stegmaier
Scarlett Marton
Gilvan Fogel
André Martins
Editorial
Cadernos Nietzsche chegam sem interrupção ao número 25. Esta é,
sem dúvida, uma ocasião rara em nosso país. Basta lembrar das dificuldades sempre presentes na elaboração de um periódico, sem falar na
crônica falta de infraestrutura de nossas universidades.
Desde a sua fundação em 1996, pareceu-me indispensável que duas
diretrizes básicas norteassem a revista: a de trazer ao público brasileiro
diferentes leituras do pensamento de Nietzsche, constituindo um espaço
de conflito de interpretações, e a de acolher trabalhos de pesquisadores
internacionais de renome, estudiosos brasileiros confirmados e pósgraduandos, promovendo o diálogo entre gerações.
Procurando imprimir seriedade aos estudos nietzschianos no país, introduzi vocabulário rigoroso, escolhi traduções que me pareciam as mais
apropriadas, adotei a edição das obras completas e da correspondência
organizada por Colli e Montinari, segui as normas de citação dos NietzscheStudien. Sem concessão alguma a escolas, capelas ou redes de poder,
empenhei-me, em cada número, em divulgar as mais diversas vertentes
interpretativas dos escritos do filósofo.
Ao público brasileiro trouxe, pela primeira vez, ensaios – inéditos,
muitos deles – de renomados pesquisadores da filosofia nietzschiana na
esfera internacional. Dentre eles, cabe mencionar Müller-Lauter, Günter
Abel e Werner Stegmaier da Alemanha; Jörg Salaquarda e Johann Figl
da Áustria; Michel Haar, Didier Franck, Eric Blondel e Patrick Wotling
da França; Mazzino Montinari, Giuliano Campioni, Paolo D’Iorio e Marco
Brusotti da Itália; Luis Enrique Santiago e Manuel Barrios Casares da
Espanha; Duncan Large da Inglaterra; Alan Schrift dos Estados Unidos;
Germán Melendez e Carlos Vasquez da Colômbia; Marta de La Vega da
Venezuela; Kathia Hanza do Peru; José Jara do Chile; Lucía Piossek e
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Marton, S.
Mónica Cragnolini da Argentina. E, ao lançar a revista sempre nos meses
de maio e setembro, por ocasião dos Encontros Nietzsche, busquei multiplicar as oportunidades de discussão e intercâmbio entre os estudiosos
brasileiros.
Nestes seus vinte e cinco números, Cadernos Nietzsche contaram com
um conselho editorial formado por nomes de prestígio da filosofia nacional assim como especialistas estrangeiros de Portugal, Espanha, Colômbia, Chile e Argentina. Contaram também com uma comissão editorial
composta por docentes das mais diversas instituições do país.
Logrando indexar a revista em repertórios nacionais e internacionais,
dentre eles no Philosopher’s Index, maior periódico de referência na área,
pude estabelecer acordos de permuta com publicações de filosofia do mais
alto nível no Brasil, América Latina, Estados Unidos e Europa. Procurei
ainda incluir, na íntegra, os números esgotados dos Cadernos Nietzsche no
site do GEN – Grupo de Estudos Nietzsche, responsável pela publicação.
Com isso, vi a revista classificada pela CAPES dentre os melhores periódicos de filosofia no país.
Por considerar que os Cadernos Nietzsche têm uma função social a
exercer, julguei imprescindível enviá-los graciosamente às universidades
estaduais e federais, agências de fomento, institutos de pesquisa e principais bibliotecas brasileiras. Indispensável também me pareceu remetêlos aos Nietzsche-Archiv em Weimar, à Library of Congress em Washington, à Bibliothèque Nationale de Paris, a universidades da América Latina,
Estados Unidos e Europa, assim como às diversas Nietzsche-Societies.
Meu objetivo primordial consistiu em levar a revista a ocupar lugar
de destaque no cenário filosófico. Para tanto, foi preciso um sem-número
de iniciativas: captar artigos, providenciar traduções, normalizar textos,
fazer revisões; obter recursos para a impressão do miolo e da capa, acompanhar os trabalhos da gráfica, insistir no cumprimento de prazos; manter correspondência com o conselho editorial, colaboradores e colegas,
departamentos de filosofia e programas de pós-graduação, instituições e
bibliotecas, repertórios internacionais e periódicos similares; escrever cartas em várias línguas, dar inúmeros telefonemas, responder a pedidos de
doações e aquisições; atualizar endereços, colar etiquetas, envelopar exemplares; enviar prospectos, distribuir fôlderes, afixar cartazes.
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Editorial
Importa sublinhar que, de todo o processo de editoração, lançamento e distribuição da revista, sempre participaram ativamente pesquisadores ligados ao GEN – Grupo de Estudos Nietzsche. De outro modo, não
teria sido possível realizá-lo.
Nos seus treze anos de existência, Cadernos Nietzsche representam
uma iniciativa ímpar, que só encontra similar nos Nietzsche-Studien da
Alemanha e, mais recentemente, nos Estúdios Nietzsche da Espanha.
Como bem avalia André Luís Mota Itaparica, que até o momento foi
editor-adjunto da revista e, a partir do próximo número, passará a responder por ela: “De certo modo, a história da revista confunde-se com a
história da consolidação e expansão da Nietzsche-Forschung brasileira.
Foram nestas páginas que apareceram pela primeira vez em português
grandes comentadores internacionais da obra do filósofo alemão; foram
nelas que importantes pesquisadores nacionais trouxeram à luz os resultados de suas investigações; foram nelas também que mestrandos e doutorandos tiveram a oportunidade de publicar seus textos”.
Com este número, encerra-se uma fase da vida dos Cadernos Nietzsche.
Da forma impressa, eles passarão à versão eletrônica.
E deles agora me despeço.
Scarlett Marton
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Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche
Antidoutrinas.
Cena e doutrina
em Assim falava Zaratustra,
de Nietzsche*
Werner Stegmaier **
Resumo: Zaratustra ensina as doutrinas com as quais Nietzsche se tornou famoso, as doutrinas da morte de Deus, do além-do-homem, da criação, da vontade de potência e, sobretudo, do eterno retorno do mesmo.
Contudo, Nietzsche permitiu que somente seu Zaratustra as ensinasse, e
ele não queria também ser confundido com Zaratustra. Por isso, pode-se
supor que Nietzsche problematize no Zaratustra o ensinamento de doutrinas mesmo. As doutrinas de Zaratustra deveriam ser então antidoutrinas,
doutrinas contra o ensinar.
Palavras-chave: morte de Deus – além-do-homem – vontade de potência – eterno retorno
*
**
Texto publicado em GERHARDT, Volker (org.). Klassiker auslegen:
Friedrich Nietzsche, Also sprach Zaratustra. Berlim: Akademie Verlag, 2000,
p. 191 – 224, e em STEGMAIER, Werner (com colaboração de Hartwig
Frank). Interpretationen. Hauptwerke der Philosophie. Von Kant bis
Nietzsche. Stuttgart: Philipp Reclam jun., 1997, p. 402-43. Tradução de
Clademir Luís Araldi.
Professor do Instituto de Filosofia da Universidade de Greifswald e CoEditor dos Nietzsche-Studien.
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Stegmaier, W.
Nietzsche afirmou com precisão: “essa obra ocupa um lugar à
parte” (EH/EH, “Assim falava Zaratustra”, § 6). Assim falava Zaratustra tornou-se uma das obras filosóficas mais populares, talvez
a mais popular de nossa época, e, ao mesmo tempo, permaneceu
como a mais estranha. Nietzsche parece ter desejado ambas as coisas. Ele deu a seu Zaratustra o subtítulo: “Um livro para todos e
para ninguém”.
A forma poética, a que Nietzsche ligava pretensões desafiadoras, atuou de modo atrativo e fascinante sobre muitas pessoas: ela
teria “grande estilo”, e não haveria por ora ninguém que pudesse
também compreender “a arte, que fora ali esbanjada” (EH/EH, “Por
que escrevo livros tão bons”, § 4). Discutível, do mesmo modo, era
o valor artístico do Zaratustra, que oscilava nas partes individuais.
Desmedida ainda era a pretensão de Nietzsche nessa questão; assustadora era sua profecia de uma grave “crise”, que seu pensamento ocasionaria. Com ele, entraria a “verdade em luta contra a
mentira de milênios”, e haveria “guerras, como nunca antes houve
na Terra. Somente a partir de mim há na Terra grande política”
(idem). Encontrar-se-ia a “fórmula para esse destino, que se faz homem” no seu Zaratustra,1 que lhe teria sobrevindo como uma “revelação”, da qual ninguém mais teria hoje uma noção: “Tudo ocorre de modo involuntário, no mais alto grau, mas como numa
tormenta do sentimento de liberdade, de ser incondicionado, de
poder, de divindade ...” (EH/EH, “Assim falava Zaratustra”, § 3).
Aquele que pretendesse salvaguardar critérios, poderia desqualificar essa obra como um grande delírio de um perturbado mental.
Mas Nietzsche aborda precisamente esses critérios, que se tentara
preservar até agora e que, como ele acreditava ver, tornaram-se frágeis e insustentáveis. “A camada de gelo que ainda hoje persiste”,
escreveu ele em sua Gaia ciência, “tornou-se muito fina: o vento de
degelo sopra, nós mesmos, os sem-pátria, somos algo, que quebra
o gelo e outras ‘realidades’ demasiado finas... Nós não ‘conserva-
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Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche
mos’ nada [...], refletimos acerca da necessidade de novas ordenações,” – e acrescenta, provocativamente: “também acerca de uma
nova escravidão”2.
O chamado de Zaratustra por novos “valores” e novas “tábuas”
entusiasmou todos aqueles que queriam, de algum modo, “levante”, “movimento”, e sobretudo os que, eles mesmos, participaram
de ou fundaram “movimentos”. Movimentos artísticos, políticos e
religiosos invocaram o Zaratustra de Nietzsche, com os objetivos
mais distintos3; bem antes do nacional-socialismo, que buscava confirmar nele seu delírio racial e seus experimentos genéticos, havia
nietzschianismos judeus, que descobriram no Zaratustra o livro fundamental de uma nova eleição do povo judeu4. Do modo como se
entendia Nietzsche, todos estavam certos de compreendê-lo; apenas que as interpretações divergiam entre si ao extremo. Desde então Nietzsche era tido como notoriamente contraditório.
Isso fez com que amainasse o interesse de movimentos sociais
por ele; no entanto, o interesse filosófico aumentou. Quando se perguntava, por que e como a obra de Nietzsche poderia suscitar interpretações extremamente contraditórias, confrontava-se com sua reflexão incessante acerca do interpretar enquanto tal, acerca do
entendimento, do não entendimento, e do mal-entendido necessário. Por trás do Nietzsche penetrante e estrondoso, reconhecia-se
um Nietzsche brando e com nuances, que, de fato, permitia abalar
milênios de velhas plausibilidades do pensamento.
No quinto livro de A gaia ciência (§ 381), que surgiu depois do
Zaratustra, Nietzsche escreveu acerca da “Questão da compreensibilidade”: “Não se quer somente ser compreendido, quando se
escreve, mas, do mesmo modo, também não ser compreendido”.
A suposição de que todos deveriam e poderiam compreender do
mesmo modo foi, segundo Nietzsche, um preconceito moral da filosofia européia, um preconceito, desde o qual ela desenvolveu seus
conceitos de razão, metafísica e moral ao longo de milênios. A este
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preconceito contrapõe-se, para Nietzsche, uma distância insuprimível no entendimento. O que se compreende pode ser entendido
somente a partir das próprias experiências e vivências, que são distintas das dos outros (cf. JGB/BM § 268). Caso se pretenda compreendê-las, imputa-se-lhes com isso as próprias experiências e
vivências, e elas serão assim inevitavelmente mal-entendidas.
Nietzsche não parte mais do poder-compreender, mas do não-poder-compreender. “É difícil ser compreendido”, anotou ele para si;
mas no caso de se acreditar que seria “melhor ser mal-entendido
do que não entendido”, dever-se-ia “conceder uma grande margem para mal-entendidos”. Em contrapartida, haveria “algo de ofensivo no fato de ser compreendido. Ser compreendido? Sabeis pois
o que isso significa? – Comprendre c’est égaler” (XII, 1(182)). Quem
pretende sem mais compreender outrem, iguala simplesmente o
entendimento alheio ao seu próprio, e restringe-se a isso.
Nietzsche apresenta em Assim falava Zaratustra um “mestre”
que, inicialmente, é escarnecido, mas que é sempre mais admirado
e, por fim, é venerado como um deus, que ‘sucumbe’ e quer sucumbir com suas doutrinas. Doutrina é aquilo que alguém pode
transmitir a outrem, sem que o sentido se altere, aquilo que todos
podem compreender da mesma forma, apesar das pressuposições
diferentes. Zaratustra ensina as doutrinas com as quais Nietzsche
se tornou famoso, as doutrinas da morte de Deus, do além-do-homem, da criação, da vontade de potência e, sobretudo, do eterno
retorno do mesmo. Contudo, Nietzsche permitiu que somente seu
Zaratustra as ensinasse, e ele não queria também ser confundido
com Zaratustra5. Por isso, pode-se supor que Nietzsche problematize
no Zaratustra o ensinamento de doutrinas mesmo e, com isso, a
compreensão e a necessária má compreensão enquanto tal.
As doutrinas de Zaratustra deveriam ser então antidoutrinas,
doutrinas contra o ensinar, doutrinas que evidenciam a impossibilidade de ensinar para além da distância no entender. Elas encerra-
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Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche
riam assim uma nova e mais radical crítica da razão, uma crítica da
razão que não pressupõe mais que indivíduos associem a priori o
que quer que seja. Nesse sentido, cada um ficaria isolado em sua
razão, sozinho com seu entendimento. Nietzsche apresenta Zaratustra como um solitário, um solitário justamente no pensar, um
solitário que tem coragem para essa solidão e encontra nela sua
felicidade. Por não querer e não poder guardar sua felicidade para
si, ele abandona a solidão e vai ter com os homens, para ensinarlhes sua felicidade e, assim, “declinar”.
Nietzsche propôs Assim falava Zaratustra não como tratado teórico, mas como “tragédia” de um indivíduo singular que fracassa
na tentativa de comunicar-se a outros. Contudo, não se pode dirimir uma tragédia, um poema, caso se os leve a sério, em teoremas
e sistemas conceituais, na verdade doutrinável de uma razão universal. O “declínio” de Zaratustra, ao contrário, aponta para o próprio declínio desse tipo de verdade, da verdade em que Sócrates
empenhou a filosofia européia no seu começo.
1. A semiótica de Zaratustra
O que anunciara como “tragédia” na Gaia Ciência (FW/GC
§ 342 e 382), Nietzsche configurou, por fim, como narrativa no
pretérito épico (“Assim falava Zaratustra”). A “ação” é pobre de
acontecimentos e esvaecida; ela abarca principalmente diálogos,
doutrinas e poemas. Mas ela tem seu significado e, mesmo sendo
tão pobre, poderia ter seu significado simplesmente pelo fato de
que ela é uma ação. Apresentar algo em forma de uma ação já implica dar-lhe um significado. Ações são ações somente para nós,
caso elas tenham uma significação; ao compreendermos alguma coisa como ação, nós já lhe atribuímos um sentido, involuntariamente
a interpretamos.
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Em contrapartida, algo adquire a forma de uma ação à medida
que é “narrado”, e algo é narrado, via de regra, quando há um
início, um enredo e um final, portanto, quando apresenta uma
seqüência perceptível no tempo; somente com isso se produz sentido6. O sentido, contudo, não está ainda fixado com isso e, via de
regra, não vem a ser exclusivamente fixado. O encanto das Histórias está justamente no fato de que cada um pode entendê-las a seu
modo, e qualquer um as compreenderá conforme a propensão de
suas próprias experiências e vivências. Nas doutrinas, ao contrário,
fixa-se e expressa-se o significado exclusivamente e, quando parecer necessário, ele é esclarecido e fundamentado, com o objetivo
de ser entendido por todos do mesmo modo.
Esse objetivo é contrariado quando as doutrinas são substituídas nos âmbitos das ações. O sentido que cada um atribui involuntariamente e a seu modo à ação sobrepõe-se, então, ao sentido geral
apresentado exclusivamente pelas doutrinas; o sentido geral das
doutrinas rompe-se no sentido individual da ação. Desse modo,
quando se crê ter entendido a doutrina em seu sentido geral, ela foi
compreendida somente no âmbito do sentido individual atribuído à
ação. Acredita-se ter compreendido a doutrina, mas compreendese somente a si mesmo. E, com isso, segundo Nietzsche, “não se
tem mais nenhuma noção do que é imagem, do que é símbolo. Tudo
se oferece como a expressão mais próxima, mais correta, mais simples” (EH/EH, “Assim falava Zaratustra”, § 3). É um sinal de que
se compreende imediatamente.
A narrativa filosófica de Nietzsche tem sua unidade na figura
de Zaratustra e no seu percurso entre os homens. As doutrinas proferidas não são ligadas propriamente entre si; elas não resultam em
alguma teoria filosófica, mas permanecem “fragmentos” e “enigma” e “horrível acaso”. Nietzsche permitiu somente a Zaratustra
dizer isso: “Ensinei-lhes todo o meu poetar e ambicionar: condensar
e reunir em unidade o que no homem é fragmento e enigma e hor-
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Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche
rível acaso”; ele quer ser somente “poeta, decifrador de enigmas e
redentor do acaso” (Za/ZA III, “De velhas e novas tábuas”, § 3).
Segundo Nietzsche, o profeta persa Zaratustra fora o primeiro a
ver “na luta entre o bem e o mal a autêntica roda na engrenagem
das coisas, – a transposição da moral para o metafísico como força,
causa, fim em si, é sua obra. [...] Zaratustra criou esse erro mais
fatídico, a moral; em conseqüência, deve ser também o primeiro a
reconhecê-lo”7. Ele é para Nietzsche um indivíduo que formou, por
conta própria, conceitos de bem e mal, que gradativamente se tornaram conceitos universais8. Assim sendo, ele deveria ser também
aquele que suprime esses conceitos. Após ter sido mestre por
milênios, ele deveria agora criar um novo “futuro” (Za/ZA III, “De
velhas e novas tábuas”, § 3).
No olhar retrospectivo de Nietzsche, também seus próprios escritos seriam fragmentos de uma “educação” para um novo futuro.
Ele reconheceu nas Considerações Extemporâneas “um problema da
educação sem igual, um novo conceito de autodisciplina, autodefesa
até a dureza, um caminho para a grandeza e para tarefas históricomundiais”, que ansiaria “por uma primeira expressão”. Ele a teria
encontrado em “dois tipos célebres e completamente ainda não
definidos”, Arthur Schopenhauer e Richard Wagner, e teria agarrado “pelos cabelos”, “como se agarra uma ocasião pelos cabelos,
para expressar algo, para ter em mãos um par de fórmulas, símbolos e meios lingüísticos a mais”. Ele acrescenta ainda: “De tal modo
Platão se serviu de Sócrates, como de uma semiótica para Platão”
(EH/EH, “As Extemporâneas”, § 3).
Platão, que se tornou célebre por sua doutrina das idéias, era
também poeta. Ele não expôs a doutrina das idéias com seu próprio nome, mas escreveu diálogos, nos quais ele permitiu a Sócrates
expô-la e, igualmente, com ela “sucumbir”. A doutrina das idéias
tem sua unidade apenas na figura de Sócrates, que, por seu turno,
se distancia de toda doutrina com a confissão de que ele sabia, que
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nada sabia. Ele expôs a doutrina das idéias aos distintos participantes do diálogo, de diferentes maneiras; mas quando ele a desdobra
de modo mais decidido, como jovem, no diálogo Parmênides, ela é
também decididamente abalada pelo velho e sábio Parmênides9.
Em Platão Nietzsche encontrou um modelo de como se introduz filosoficamente símbolos, podendo-se evitar uma doutrina
(Lehre)10. Em sua visão, contudo, à medida que Sócrates foi quem
efetuou a “transposição da moral ao metafísico”, ele queria com
seu Zaratustra do mesmo modo retroceder em relação a ele. Também para isso Platão deu-lhe o meio à mão. Quando ele concede a
Sócrates expor doutrinas e fundamentá-las, Platão também parte
do diálogo conflituoso e passa para a narrativa: Sócrates inventou
assim mitos e símbolos. O logos, que deve superar o mito, é, ao
mesmo tempo, fundado no mito; o mito indica também em Platão
os limites do logicamente fundamentável. À medida que Nietzsche
introduz Assim falava Zaratustra completamente como mito, ele
coloca esses limites no primeiro plano e faz deles um tema próprio.
Com a forma do mito, da narrativa, o Zaratustra de Nietzsche
faz lembrar imediatamente uma outra fonte da moral e da metafísica
ocidental, os evangelhos cristãos. Também eles narram o “declínio”
de um mestre com sua doutrina; eles não admitem ainda nenhum
entendimento unitário, por meio de sua multiplicidade e das contradições entre eles, mas, no melhor dos casos “dão margem a malentendidos”. Os evangelhos, sua doutrina e sua linguagem, aparecem sobretudo ao longo do Zaratustra de Nietzsche tanto como
modelo quanto objeto de paródia. Nos póstumos, Nietzsche fala sem
rodeios de seu “Evangelho de Zaratustra”11. Ele mesmo passa mais
tarde a entender Cristo como aquele que “compreendia tudo o que
é natural, temporal, espacial e histórico somente como signo, como
ocasião para símbolos” (AC/AC § 34), e a história do cristianismo
como “a história do mal entendido” desse “simbolismo originário,
que se torna passo a passo sempre mais grosseiro”12.
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Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche
Em Assim falava Zaratustra os dois fundadores da moral cristã
ocidental, Sócrates e Cristo, estão sempre presentes. Assim como já
Schopenhauer e Wagner, eles atuam como “tipos”, em abreviações
simbólicas. Nietzsche compreende também seu Zaratustra como
“tipo” (EH/EH, “Assim falava Zaratustra”, § 1), ao qual ele em
parte transmuta, em parte contrapõe ao tipo Sócrates e ao tipo Jesus. Por um lado, Zaratustra deve ser o tipo da “grande saúde”, de
uma saúde “que não se tem apenas, mas que constantemente ainda
se conquista e se deve conquistar, porque sempre de novo se a abandona, precisa-se abandonar” e, por outro lado, o “ideal de um espírito que, ingenuamente, ou seja, sem querer e com plenitude e
vigor transbordantes, brinca com tudo o que até agora se chamou
de santo, bom, intocável e divino”, e isso no pensamento europeu
representaram principalmente o tipo Sócrates e o tipo Jesus. Como
figura, Zaratustra é bem mais difícil de caracterizar do que Sócrates
na obra de Platão, e Cristo nos evangelhos. Ele é, ao contrário, “o
ideal de um bem-estar e de uma benevolência humana-sobre-humana, que com freqüência parecerá desumana o bastante [...] e,
somente com ele talvez se alteia a grande seriedade, apesar de
tudo”13. Até esse ponto também ele é mera “semiótica”.
Em grande estilo, Nietzsche não explicita quem narra o “declínio” de Zaratustra. É o próprio Zaratustra quem diz “Assim falava
Zaratustra”? Mesmo que o discurso acerca dele seja em terceira
pessoa, o que ocorre é narrado do modo mais afastado possível de
sua visão, e Nietzsche permite que somente ele diga: “Ninguém me
conta nada de novo; assim, conto eu a mim mesmo” (Za/ZA III,
“De velhas e novas tábuas”, § 1). Zaratustra, contudo, narra também muitas coisas, das quais ele mal faz idéia, de modo que mergulha por dias num sono semelhante ao dos mortos. Caso ele pudesse narrar isso sempre retrospectivamente, então dificilmente se
poderá compreender como ele pôde começar com o “Prólogo de
Zaratustra”. De costume, o prólogo pertence a uma obra escrita, e
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no final Zaratustra dirá também: “Viso à minha obra, à minha jornada”. É uma evidente alusão a “Os Trabalhos e os Dias”, de
Hesíodo, e aqui não se trata de obras literárias, mas da jornada de
trabalho dos camponeses. Dificilmente se pode esperar também de
Zaratustra, que ele tenha em vista sua “obra” na mera redação de
sua história. Em vez disso, ele trata logo de dizer como suas doutrinas se teriam propagado durante a história, e juntamente com isso
são introduzidos “livros de histórias” (Za/ZA IV, “A ceia”) e
“narrador”, que relatam coisas distintas (Za/ZA IV, “O canto ébrio”).
Aquele que Nietzsche permite falar deste narrador, dirige-se imediatamente a seus ouvintes ou leitores com as palavras – “O que
pensais que então sucedeu?” –, sem se dar por reconhecer.
Nietzsche permite-lhe, em vez disso, dar a impressão do que foi,
“em verdade”, o caso, citando “a sentença de Zaratustra”: “que
importância tem isso!” (idem, ibidem).
O narrador, que permanece incógnito, fala de Zaratustra assim
como Zaratustra fala na narrativa. Surge, assim, a impressão imprecisa de um grande monólogo, que poderia ser também fictício,
até mesmo talvez uma conversa de sonho. Nietzsche não fornece
um autor reconhecível à narrativa das doutrinas de Zaratustra, que
pudesse assumir a responsabilidade por elas. Desse modo, elas são
signos que se sustentam por si mesmos, e todo aquele que os interpreta tem de assumir a responsabilidade por isso.
2. O declínio de Zaratustra
A história de Zaratustra começa – em seu “prólogo” – com essa
narração: ele, homem de quarenta anos, dirige-se “com a aurora”
diante de sua caverna nas montanhas, e fala ao sol, que, como lhe
parece, se levantou para ele, para que ele lhe tirasse o seu “supérfluo”. Agora ele quer ir aos homens, para que eles lhe tirem sua
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Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche
sabedoria, da qual ele “juntou demais”. Ele é carente devido à abundância, a uma abundância que excede à do sol. Durante dez anos
ele pôde fruir “de seu espírito e de sua solidão”, depois que ele,
“quando tinha trinta anos”, abandonara “sua pátria e o lago de sua
pátria”, para ir às montanhas.
Paralelos com Cristo e a Bíblia entremeiam-se com reminiscências de deuses solares, de diferentes religiões, mas também com
deuses ctônicos, assim como Goethe, que poetizara sobre “cálices
de ouro” e sobre “o esplendor colorido”, em que possuímos a vida,
e, por fim, com recordações do próprio Nietzsche, em suas obras
Aurora e O nascimento da tragédia, da contraposição do deus solar
Apolo ao deus selvático Dioniso. Nietzsche sobrecarrega a cena inicial com tantas possibilidades de interpretação, que elas se entrecruzam e ficam em suspenso.
No transcurso do “Prólogo” Zaratustra desce a montanha, chega nas florestas e lá se depara com um velho santo, que não ouvira
ainda “que Deus está morto”. Cordialmente, Zaratustra deixa-lhe sua
crença e chega à margem das florestas, numa cidade, onde muita
“gente” se havia reunido, para ver um malabarista. De súbito, num
discurso evocatório, Zaratustra começa a ensinar o “além-do-homem”, diante do qual tudo o que é atual se torna “uma satisfação
mesquinha”. Mas a multidão ri de Zaratustra, e quer ver o malabarista. Zaratustra tenta se aproveitar dessa situação, usa o malabarista como imagem do homem e fala somente do que se poderia amar
no homem, começando sempre com “Eu amo”. A multidão, que
podia reconhecer no seu discurso uma inversão provocativa do sermão da montanha, de Cristo, não se deixou impressionar por isso.
Por fim, Zaratustra tenta impressionar com um discurso de “lamento” sobre o que é “mais desprezível”, essa multidão mesma. Mas
sua distração aumenta ainda mais e Zaratustra desiste: “Eles não
me entendem”.
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O que mais impressiona a multidão não é o malabarista, mas
um “farsista” que se apresenta “como um diabo”, saltando sobre a
corda, por cima do malabarista, provocando, com isso, sua queda.
Somente Zaratustra preocupa-se com ele. Ele o estima por ter feito
do perigo sua profissão, e quer enterrá-lo com as próprias mãos.
Quando se põe a caminho com o cadáver, o farsista se dirige a ele,
até mesmo o chama de farsista e aconselha-o a deixar a cidade,
com suas pessoas, que o odeiam – senão poderia suceder-lhe o mesmo que com o malabarista. O malabarista, o farsista e Zaratustra
se afastam.
No caminho, Zaratustra se depara com os coveiros e com um
eremita, que não queriam ir ter com o morto; e nem ele o enterra,
mas coloca-o numa árvore oca, à altura da cabeça” e dorme profundamente. No novo dia ele vê “uma nova verdade”: ele precisa
de companheiros para sua doutrina, não de uma multidão qualquer.
Ele busca “companheiros de criação” para a sua “criação” além
“do bem e do mal”, e seu “percurso” com eles deve ser o “declínio”
dos “bons e justos”. Acompanham-no uma águia e uma serpente,
“o animal mais altivo” e “o animal mais prudente”, animais “perigosos”, mas menos perigosos que os homens; ele os toma por sinais
de sua altivez e de sua prudência. Mas, com isso, começa de novo
“o declínio de Zaratustra”.
Na primeira parte da obra, que tem como título “Os discursos
de Zaratustra”, Zaratustra desenvolve uma polêmica crítica da moral e da metafísica predominantes, as conseqüências disso para o
filosofar futuro e os contornos de uma nova ética sob o signo de
uma doutrina do “criar”. Enquanto isso, ele se demora em meio
dos “irmãos”, que ele agora reuniu em torno dele, numa cidade
(ainda enigmática) com o nome “A Vaca Pintalgada”, mas faz também um passeio solitário pelas montanhas em torno da cidade, que
o conduzem a encontros cheios de significação, especialmente com
uma velhinha, que o lembra para não esquecer do chicote quando
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Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche
ele fosse ter com as mulheres (sem de fato dizer quem ela tinha em
mente)14, e com uma víbora venenosa, que ele não “confunde”, à
medida que retribui seu mal com o bem. Por fim, ele abandona
também a cidade chamada Vaca Pintalgada, cercado de muitos “discípulos”, com a ordem a eles dirigida, de perder Zaratustra, portanto, de superar suas doutrinas, e de encontrar a si mesmos.
Isso, no entanto, parece falhar. Assim que Zaratustra – agora
na Segunda Parte – retirou-se de novo, por anos, nas montanhas e
em sua caverna, ficou claro a ele – através de um sonho – que sua
doutrina estava sendo falseada por seus discípulos. Ele se alegra
por ter de falar novamente, e parte outra vez, agora para as “Ilhas
Bem-aventuradas”. Ele cura cegos e faz paralíticos andarem, é
amado pelo povo, que está disposto a aprender dele. No centro de
seus discursos está a doutrina da vontade de potência e a libertação
que ela pode trazer para a vida, agora ligada à crítica da filosofia de
sua época e às conseqüências para o filosofar futuro. Poemas suplantam sempre os discursos. Mas no final Zaratustra sucumbe na
melancolia e no medo: sua doutrina mais difícil está ainda por vir.
Ele sabe que tem o poder de mudar o mundo com seus pensamentos, e tem de usá-lo agora.
Na terceira parte, ele deixa as ilhas bem-aventuradas e, após
passar pelas cidades, retorna à sua caverna. Agora todos falam de
Zaratustra, mas ele os despreza. Na solidão, seus animais de novo
retornam. Depois de longos e inquietos preparativos, Zaratustra
evoca, de sua profundeza, o “pensamento abismal”, que os animais
formulam como “doutrina” do eterno retorno de tudo. Eles fazem
dele, segundo Zaratustra, “uma cantiga de realejo”. O pensamento
chega ao mundo mal-compreendido; Zaratustra lamenta o eterno
retorno do “homem pequeno”, do homem que apequena tudo o
que é grandioso. Quando os animais chamam-no de “o mestre do
eterno retorno”, cujo destino seria o de retornar eternamente, ele se
cala. Ele almeja “cantar”, canta à “vida” sua canção “Oh, homem,
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presta atenção!”, e marca-os com “sete selos”, que soam toda vez:
“pois eu te amo, oh eternidade!”
Os eventos do “Prólogo” ocorreram num dia e numa noite; o
que se segue, num longo e indefinido tempo, num tempo de anos,
contudo. Os eventos da quarta parte transcorrem, de novo, apenas
num dia, até a manhã seguinte. Zaratustra ficou velho e seus cabelos branquearam. Um dia, ele subiu a uma elevação para verter o
mel de sua felicidade transbordante e, desse modo, atrair os homens para si. Ele espera por seu “grandioso e distante reino dos
homens, o reino milenar de Zaratustra”15. Um adivinho anuncialhe uma torrente de homens e adverte-lhe acerca de sua última tentação, a compaixão. Zaratustra ouve um grito de socorro e segue
atrás dele. No caminho, ele encontra uma série de “homens superiores”, todos eles padecendo da “grande náusea”, pois para eles o
“velho Deus” está morto, e eles não conseguem encontrar nenhum
novo deus. Eles encontram em Zaratustra seu homem superior e
estimam-no alegremente por isso. Zaratustra convida-os a subirem
à noite para a sua caverna, onde deve acontecer uma festa com
uma “ceia”.
Mas ao meio-dia, Zaratustra se encontra de vez com sua felicidade, num instante de calmaria perfeita, em que ele mergulha num
sono de olhos abertos.
Quando retornou à sua caverna, ele reconheceu no grito de socorro, que perseguiu, o grito de muitas vozes de todos os homens
superiores. Ele está cheio de expectativa, por poder começar com
eles sua própria “nova e bela espécie”, e repete ainda a doutrina
do além-do-homem e da criação, acrescentando a doutrina do riso,
que poderia sobrepujar a velha moral. Os homens superiores, contudo, precisam da constante presença de Zaratustra, para livrar-se
de sua melancolia e de sua náusea; sem ele, logo mergulham de
novo nelas. Quando ele deixa a caverna, eles adoram o que está
mais próximo deles, um asno. Zaratustra, a princípio indignado com
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Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche
isso, conforma-se por fim, e interpreta diante deles seu canto “Oh
homem, presta atenção!” como canto do eterno retorno do mesmo,
não de modo conceitual, mas de modo estético-musical. Até mesmo
o “mais feio dos homens”, o homem que aprendeu a ver-se em sua
feiúra completa, crê agora poder afirmar o eterno retorno.
Na manhã seguinte, contudo, Zaratustra recebe “o sinal”, o
“leão ridente”; e quando o adivinho lembra-lhe ainda de seu derradeiro pecado, “a compaixão para com os homens superiores”, ele
sabe que também isso teve seu tempo, e parte de novo, agora não
mais para sua “felicidade”, mas para a sua “obra”, e vai ao encontro de seu “grande meio-dia”, “ardoroso e forte como o sol da manhã, que irrompe de montanhas escuras”.
3. Antidoutrinas
Assim falava Zaratustra não é a configuração poética da doutrina de Nietzsche, mas poema enquanto doutrina, e poema e doutrina constituem a exceção na obra de Nietzsche. Somente através de
Zaratustra Nietzsche fala da doutrina do além-do-homem, exceto
sua apresentação indireta em Ecce homo16, por meio de citações de
seus críticos e amigos, pelos quais se julgava mal compreendido17.
Apenas uma vez, em O anticristo (§ 4), Nietzsche a apresenta ainda
num contexto amplo, mas com a expressão cuidadosamente contida “uma espécie de além-do-homem”. A doutrina da vontade de
potência é mencionada por Zaratustra, inicialmente, de tal forma,
como se ela fosse conhecida há muito tempo (cf. Za/ZA I, “De mil e
um alvos”); no entanto, ela aparece aqui, pela primeira vez na obra
publicada de Nietzsche. Em Para além de bem e mal, que deveria
servir de esclarecimento ao Zaratustra (cf. XII, 6 (4) – verão de
1886 – outono de 1887), ela ocorre ainda quase que de modo ocasional; mas lá onde Nietzsche faz dela propriamente um tema, num
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de seus aforismos mais célebres – “O mundo visto de dentro, o
mundo determinado e designado por seu ‘caráter inteligível’ – seria ‘vontade de potência’, e nada além disso” (JGB/BM § 36) –, ele
a assume expressamente como uma “hipótese”, que ele quer “ousar”, a título de experimento; de modo semelhante sucede em Para
a genealogia da moral (GM/GM II § 12). De fato, Nietzsche ocupase intensa e continuamente com a doutrina do eterno retorno do
mesmo, como se pode ver nos póstumos; na obra publicada, contudo, ela praticamente não aparece mais, a não ser em Ecce homo.
Mesmo no interior do poema Zaratustra, Nietzsche distancia
pouco a pouco seu Zaratustra de suas doutrinas. O próprio Zaratustra
profere a doutrina do além-do-homem; ele evoca a doutrina da morte
de Deus como algo já conhecido (“... não ouvistes falar, que Deus
está morto!”)18. Nietzsche deixa que a “vida mesma” fale a Zaratustra
do “segredo” da vida, da vontade de potência como superação de
si (cf. Za/ZA II, “Da superação de si”); e a doutrina do eterno retorno do mesmo, como já dissemos, é alardeada pelos animais (Za/
ZA III, “O convalescente”).
No Zaratustra Nietzsche deixa em suspenso até mesmo a doutrina do além-do-homem. Depois de ter dito que os poetas “mentem demais” (Za/ZA II, “Nas ilhas bem-aventuradas”), Zaratustra
faz logo menção a si mesmo – “Mas também Zaratustra é um poeta
[...] – nós mentimos demais” – e acrescenta: “Em verdade, isso nos
puxa sempre para cima – para o reino das nuvens: sobre ele colocamos nossas coloridas roupagens e as chamamos, então, deuses e
além-dos-homens” (Za/ZA II, “Dos poetas”).
As doutrinas da morte de Deus, do além-do-homem, da vontade de potência e do eterno retorno do mesmo contam entre as mais
veementes da filosofia. Segundo Nietzsche, compreende-se mal a
filosofia, quando ela pretende fornecer doutrinas; doutrinas “para
todos” seriam doutrinas para “ninguém”. Mas considera que também dele são esperadas doutrinas, e sabe que ele permanecerá
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Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche
“incompreendido”, se não oferecer nenhuma doutrina. Ele oferece
assim doutrinas enfáticas, mas de um modo que permite entrever
que não se trata de doutrinas no sentido ordinário. Ele faz concessão aos que procuram por doutrinas, proferidas nas “cátedras da
virtude”, para encontrar um “sentido da vida”19. Eles não podem
proceder de outro modo; além disso, ele será mal compreendido
por eles e, por isso, quer ser mal compreendido. Contudo, os “que
não tem necessidade de nenhum artigo de fé extremo” (XII, 5(71) –
Lenzer Heide – Fragment), talvez reconhecerão nas doutrinas de Zaratustra anti-doutrinas. As doutrinas de Zaratustra parecem ser
pensadas de tal modo que elas distinguem os que precisam de doutrinas, dos que não têm mais necessidade delas. Nietzsche as denomina de “pensamentos”, que atuam “seletivamente”, e devem agir
de modo “disciplinador”20.
4. A morte de Deus e o sofrimento com o homem
No início do “declínio” de Zaratustra está o pensamento da morte
de Deus. Ele é o pressuposto dos pensamentos seguintes de Zaratustra, mas não o seu próprio pensamento. Ele já o supõe conhecido,
quando diz do “velho santo”, que ele não teria “ainda ouvido nada
em sua floresta, de que Deus está morto” (Za/ZA, “Prólogo”, § 2).
Nietzsche principiara o terceiro livro de sua Gaia ciência com
o aforismo:
Novas lutas. – Depois que Buda morreu, sua sombra mostrou-se
por séculos numa caverna – uma imensa e terrível sombra. Deus está
morto, mas, assim como são os homens, talvez ainda por milênios
haverá cavernas, nas quais se mostrará sua sombra. – E nós – nós
temos de vencer também sua sombra! (FW/GC § 108).
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No aforismo 125, ele narra a história de um “homem louco”,
que “acendeu uma lanterna em plena manhã”, para buscar Deus e,
com isso, provocou risos nos presentes, que há muito tempo não
acreditavam mais em Deus.21 No final do século XIX, tornou-se lugar
comum a morte de Deus, a indiferença em relação a Deus. O homem louco busca as sombras de Deus, e as encontra nos seus “assassinos” ingênuos. Ele tenta abrir-lhes os olhos para o que aconteceu: “Que fizemos, quando desatamos esta Terra de seu sol? Para
onde ela se move agora? Para onde nos movemos? [...] Não erramos nós como que através de um nada infinito? [...] Não anoitece
para sempre? Não temos de acender lanternas de manhã?”
Enfim, os presentes escutam. Esse Deus, que eles podem matar, foi por eles criado. Criou-se um Deus para dar um sentido à
vida inteira, um sentido idêntico, comum, transmissível a todos.
O Deus que foi morto era um deus que deveria garantir a ordem
moral da vida, um “deus moral”22. Agora, que ele está morto,
restaram suas sombras, os valores morais, sem luz, desvalorizados.
Mais tarde, Nietzsche liga essa situação ao niilismo23.
Com a “morte” do “deus moral”, segundo Nietzsche, perdeuse a velha crença numa boa ordenação da vida. Com esse evento
tem início um “interregno moral”, uma época de “experimentação”,
em que se tem de “erigir novamente as leis da vida e do agir” por si
mesmos, com desfecho sempre incerto (cf. M/A § 453). Para tanto
são necessários “homens dedicados à experimentação”, homens que
não se deixam censurar, e não precisam ser censurados, por doutrinas vigentes de “valores que se tornaram dominantes”, mas que
se distinguem pelo “ânimo exaltado, pelo ficar só e por poder responsabilizar-se”, e têm a força para “criar” novos valores (cf. JGB/
BM § 210 e 211).
Zaratustra procura “esses criadores”, e ele concebe a si mesmo
como um deles. Nietzsche deixa que ele se envolva cuidadosamente com a crença em Deus. O velho santo, com quem Zaratustra de-
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parou-se no início, não se agarra em Deus porque ele quer manter
o sentido da vida, mas porque ele quer resguardar para si o “amor”
à vida, e Zaratustra deixa que ele fique com essa crença. O velho
santo amou os homens “em demasia”; por isso, ficou desconfiado e
severo em relação a eles, e agora ama somente a Deus. Seu amor a
Deus cresceu do sofrimento, do “nojo” em relação aos homens.
Zaratustra, ao contrário, como o santo logo reconhece, superou esse
nojo nos anos de sua solidão: “Puro é seu olho, e em sua boca não
se esconde nenhum nojo. Não é por isso que ele se move como um
dançarino?” Mas, quando Zaratustra anuncia, inocente como uma
criança: “Amo os homens”, ele o adverte para expor-se de novo a
eles, e Zaratustra se corrige: “Por que fui falar de amor! Trago aos
homens um presente”. Será o “presente” do pensamento do alémdo-homem, que não será aceito pelos homens.
O sofrimento pelo homem se tornará para ele o mais pesado
dos pesos, não apenas na forma do nojo, mas ainda mais na forma
da compaixão. Como o amor, a compaixão é uma doação imediata
a outros homens, a outros homens singulares; de modo diferente do
amor, contudo, é uma doação a eles por causa de seu sofrimento.
Schopenhauer, que renegara decididamente Deus, fez da compaixão a virtude mais elevada, junto com a justiça e, como nenhum
outro filósofo anterior a ele, levou a sério o sofrimento na existência. Ele não admitia nenhuma justificação e transfiguração do sofrimento, o sofrimento do homem não poderia ser suprimido por nada.
A conseqüência disso, para ele, era a renúncia à vida, o desejo por
um “final no nada”24.
Nietzsche vê nesse desejo uma conseqüência do niilismo25 e na
compaixão mesma, a maior ameaça para a criação de novos valores. Zaratustra quer superar a compaixão, à medida que ele supera
o sofrimento, e ele quer superar o sofrimento, à medida que ensina
a vê-lo de outro modo. Aqui começa sua “desumanidade”; segundo ela, o sofrimento na existência não se deve a ela, mas ao sofredor.
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Sofrer na existência significa apenas não aceitá-la, não poder suportála assim como ela é. Quem pode suportar com facilidade um grande sofrimento, é muitíssimo estimado por isso, e vale como forte;
assim, tem de ser uma fraqueza não poder aceitar o sofrimento enquanto tal26. A fraqueza, contudo, toma do sofredor também o respeito por si mesmo, e assim não lhe é devida a compaixão dos outros, que ele deve sentir como importuna, mas sim a vergonha, que
o mantém à distância. Segundo Zaratustra, “falta aos compassivos
[...] vergonha”, e “o que no mundo causou mais sofrimento do que
as loucuras dos compassivos?”. Seu primeiro mandamento é “Não
envergonhar os outros” e aprender a “alegrar-se mais”: “aprendamos a nos alegrar mais; assim desaprenderemos melhor a fazer
mal aos outros e a inventar males” (Za/ZA II, “Dos compassivos”).
Para Zaratustra, no entanto, é mais difícil de manter distância
no sofrer do que no entender. Pois, quando o sofrimento do outro é
aliviado com as justificações que ele encontra nas doutrinas morais
universais, seria “duro” querer privá-lo delas. O mais difícil para
Zaratustra é ter de abandonar esses homens, em seu sofrimento, à
sombra do Deus morto; trata-se de seu próprio sofrimento, quando
ele diz que sofre “do homem” (cf. Za/ZA IV, “Do homem superior”,
§ 6). A morte do deus moral torna-se para ele sofrimento do homem.
Na quarta parte, junto com os “homens superiores”, entra também “o velho papa”. Ele está “sem ofício”; à diferença do “velho
santo”, para ele o “velho Deus” morreu. Ele não pode mais agora
voltar-se ao “amor” a Deus, após sentir “nojo” dos homens. Ele,
que “mais amava e possuía Deus, foi quem mais sentiu sua perda”.
Resolutamente, ele apresenta “de modo mais esclarecido que o próprio Zaratustra” as contradições do velho Deus, que, por causa delas, teve que “morrer”. Mas no que tange à compaixão de Deus
para com os homens, o velho papa silencia “com uma expressão
dolorosa e sombria”. Zaratustra tem de manifestar suas “segundas
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Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche
intenções”: “É verdade o que se fala, que ele foi estrangulado pela
compaixão, – que ele percebeu como o homem pendia na cruz, e
não suportou isso, de modo que o amor aos homens tornou-se seu
inferno e, por fim, levou-o à morte?” (Za/ZA IV, “Sem ofício”).
A religião cristã ensinava que Deus morreu pelo sofrimento dos
homens; ela divinizou a compaixão e sucumbiu por isso. Nas palavras do velho papa, o próprio Deus “cansou-se do mundo, cansouse de querer, até que um dia se asfixiou em sua compaixão desmesurada”. Mas Zaratustra não deixa as coisas ficarem assim: “Bem
poderia ter transcorrido assim: assim, e também de outro modo.
Se os deuses morrem, eles morrem sempre de vários tipos de morte” (Za/ZA IV, “Sem ofício”). Mas os deuses que podem “morrer”
de vários modos, podem “ser criados” também de vários modos.
5. O além-do-homem
Ao final dos “discursos” da primeira parte, a caminho de seus
discípulos, Zaratustra diz: “Mortos estão todos os deuses; queremos
agora que viva o além-do-homem” (Za/ZA I, “Da virtude dadivosa”,
§ 3). O pensamento do além-do-homem deve ajudá-los a poder viver sem sofrimento na existência e sem um deus moral que lhes
possibilite suportá-lo.
Em sua tentativa de “ensinar” ao “povo” o além-do-homem,
Zaratustra reporta-se, de início, à teoria da evolução: o caminho
que levou do “verme” ao “macaco”, e do macaco ao homem, e deve
ainda conduzir para além do homem. Depende agora da “vontade”
dos homens crescer para além de sua “felicidade”, de sua “razão”,
de sua “virtude”, de sua “justiça”, de sua “compaixão” e de sua
“suficiência”, e deixar-se vacinar com a “loucura” do além-do-homem. Ele remete, então, ao mencionar a apresentação do malaba-
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rista, ao “abismo” abaixo dos homens: o homem não possui mais
nada sobre o qual ele possa construir ordenações hierárquicas até
Deus. Agora ele tem de se mover livremente sobre o abismo; quanto mais facilmente ele pode fazer isso, tanto mais ele será amado
por Zaratustra.
O público de Zaratustra não pôde dar início a essa ação; o público do livro Zaratustra muito menos. “A palavra ‘além-do-homem’
como designação de um tipo bem-logrado ao máximo, em oposição
aos homens ‘modernos’, aos homens ‘bons’, aos cristãos e outros
niilistas – uma palavra, que na boca de Zaratustra [...] torna-se uma
palavra muito ponderada, foi quase sempre entendida com total inocência, no sentido daqueles valores, cujo contrário foi trazido à luz
na figura de Zaratustra, como tipo ‘idealista’ de uma espécie superior de homem, meio ‘santo’, meio ‘gênio’... Um outro gado
cornígero erudito suspeitou haver nisso darwinismo”. (EH/EH, “Por
que escrevo livros tão bons”, § 1)
Os mal-entendidos são fáceis de compreender. A “doutrina”
do além-do-homem cria a expectativa de um novo conceito universal de homem, de um homem que, como antes Deus, de algum
modo deveria estar “sobre” os homens. Se a responsabilidade pela
vida inteira, após a morte de Deus, deve passar para o homem,
então deveria ser construído um novo conceito de homem, que conserve em si o conceito do deus antigo – assim como o conservara
em si o conceito de homem, de Feuerbach.
Esse novo conceito, contudo, seria o “último homem”, de quem
fala Zaratustra em sua terceira tentativa de aproximar o além-dohomem ao “povo”. O “último homem” é aquele que considera a
destinação última do homem, a de seu tempo, portanto, como a
destinação do homem em si e, desse modo, põe termo à destinação
do homem em si mesmo, em suas expectativas de uma ordenação
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Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche
da vida. Tratar-se-ia, para Zaratustra (com foco nas expectativas
vigentes no final do século XIX), de uma ordenação, em que não
deveria haver nenhum sofrimento – nenhuma frieza, nenhuma dureza, nenhuma doença, nenhuma desconfiança, nenhuma contradição social, nenhum domínio – mas somente felicidade e diversão.
Poder-se-ia, em vez disso, renunciar completamente a tais
destinações, de modo “ponderado” e, ao mesmo tempo, “vacinado
com loucura”. O “tipo homem”, que Zaratustra concebe, e que
Nietzsche esclarece em Ecce homo (EH/EH, “Por que sou um destino”, § 5), é “um tipo relativamente (!) sobre-humano, sobre-humano justamente em relação aos bons”, ao conceito de bom, que
agora “os bons e justos” formaram para si, segundo sua imagem do
homem. Quanto mais eles se detêm nesse conceito, mais deve parecer-lhes “loucura” tudo o que difere dele. “O homem” é um conceito de homem, que, como o conceito do velho Deus, deve do mesmo
modo valer para todos, e pode ser ensinado a todos. Portanto, se “o
homem” “deve ser superado”, tais conceitos e teorias do homem
devem ser superados também. Entendido como antidoutrina, o pensamento do além-do-homem é a superação do conceito de homem
em geral. Todo conceito geral de homem, seja ele ainda visto tão
“humano”, atua normativamente, torna-se medida para os homens
singulares, e é empregado como justificação para julgá-los segundo
ele e para submetê-los a ele. O pensamento do além-do-homem,
em contrapartida, seria o pensamento de homens para além de todas as normatizações. Ele significava, como Nietzsche anotava para
si, a “redenção do homem de si mesmo” e, como “meta prática”,
“tornar-se artista (criador), santo (o que ama) e filósofo (o que conhece) em uma só pessoa” (X, 16(10) – outono de 1883).
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6. A criação
Se o “além-do-homem” é um conceito oposto a todos os conceitos, não se pode dizer de ninguém, e ninguém pode dizer de si, que
ele é um além-do-homem. Por isso não há nenhum além-do-homem;
pode-se somente tentar sê-lo, de caso a caso. Chegar-se-á a isso
com mais facilidade, enquanto “criador”, na criação de conceitos
que conduzem para além das “sombras” do velho Deus.
“Nesse ponto”, Nietzsche prossegue em seu esclarecimento do
Zaratustra, “e em nenhum outro deve-se iniciar, para compreender
o que quer Zaratustra: essa espécie de homem que ele concebe,
concebe a realidade como ela é: ela é forte o bastante para isso –,
ela não lhe é estranha, oculta; ela ainda tem em si tudo o que é
terrível e problemático nela, somente assim o homem pode possuir
grandeza...” (EH/EH, “Por que sou um destino”, § 5). A realidade, “como ela é”, seria então a realidade além de todos os conceitos generalizáveis e transmissíveis. Naturalmente, essa realidade
também é “concebida”, pensada e interpretada segundo conceitos.
A realidade pode ser sempre somente aquela que nós interpretamos como tal. A conclusão, que já Kant tirou disso, é que a interpretação mesma é a realidade. Nietzsche vai além somente no sentido de que ele não aceita nenhuma interpretação como a priori,
como válida desde sempre, mas considera todas como criações de
indivíduos. Entretanto, quem, como “indivíduo”, pode “criar” interpretações, para além das válidas até agora, “é” a realidade “mesma”, realidade no sentido daquilo que ela é interpretação.
Criativo é o interpretar enquanto “criação” de realidade; nele
estão inseparavelmente ligados o conhecer, o querer e o valorar.
Zaratustra chama a isso de “avaliar”: “Avaliar é criar: ouvi isso, oh
criadores! O próprio avaliar é tesouro e jóia para todas as coisas
avaliadas” (Za/ZA I, “De mil e um alvos”). Nesse sentido, “avaliar”
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Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche
é, segundo Nietzsche, o modo mais eficaz de ser criador: ele altera
o valor da vida, à medida que transforma o pensamento dos homens. Mas é também o mais difícil, pois ele não se pode justificar
por nada, visto que ocorre por completa responsabilidade de cada
um. O próprio Nietzsche escreve seu Zaratustra com a consciência
de uma tal criação: “Conquistar para mim a liberdade e contentamento espirituais, para poder criar e não ser tiranizado por ideais estranhos. (No fundo, pouco importa do que eu me livrei: minha forma
preferida de livramento, no entanto, foi a artística: [...] assim,
Schopenhauer, Wagner, os gregos (o gênio, o santo, a metafísica,
todos os ideais até agora, a moralidade suprema) – isso tudo é um
tributo da gratidão” (X, 16(10) – outono de 1883).
Os “discursos de Zaratustra” da primeira parte estão carregados do “pathos da distância” (cf. JGB/BM § 257) do indivíduo em
relação ao universal. Zaratustra fornece conscientemente provocadoras transvalorações da razão (que seria somente uma “pequena
razão”, e somente “instrumento e brinquedo” da “grande razão”
do corpo), das paixões (como a volúpia, a cobiça e a ambição de
poder, que devem tornar-se “contentamentos”), do fastio da vida
(do qual podem morrer os enfastiados), da luta e da guerra (que se
tem de propor), do Estado (que seria uma “confusão lingüística do
bem e do mal” e teria sido inventado “pelos supérfluos”), da morte
voluntária (pela qual se deveria decidir “no momento certo”) e da
justiça (que tem de ser justa também aos injustos). Ele não quer
com isso criar novos valores – eles seriam apenas os “últimos” valores –, mas sim criar uma nova liberdade para a criação de valores,
para a superação da crença em valores “últimos”. Ao mesmo tempo, ele adverte acerca dessa liberdade, da solidão a ela ligada, e do
perigo de equivocar-se com ela; ele adverte com mais ênfase do
desejo duradouro, no cansaço do “criar”, de se instalar de novo em
solo firme.
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Para poder manter-se na criação, Zaratustra busca “conceber”
para si um novo deus, um deus da criação, que saiba “dançar” (Za/
ZA I, “Do ler e escrever”) e que estimule a dançar, que torne leves
as transvalorações, o qual ele tenha de criar de seus “sete demônios”
(Za/ZA I, “Do caminho do criador”).
7. A vontade de potência
No início da segunda parte, que Nietzsche escreveu quando já
tinha publicado a primeira27, ele deixa Zaratustra abjurar com muito dispêndio o discurso de um novo deus. Dificilmente ele poderia
livrar-se do conceito do velho Deus, na concepção de um novo deus:
“Deus é um pensamento que faz ficar torto tudo o que é reto; que
faz girar tudo o que está de pé. Como? O tempo teria desaparecido,
e todo o perecível seria somente mentira?” Dificilmente se pode
pensar Deus, a não ser fora do tempo e além do tempo. “Mas do
tempo e do vir-a-ser devem falar os melhores símbolos: um elogio
devem ser eles, e uma justificação de tudo o que é perecível!” (Za/
ZA II, “Nas ilhas bem-aventuradas”).
Agora parece-lhe que o melhor símbolo, para falar do tempo e
do vir-a-ser, é a “vontade de potência”. Também o pensamento da
vontade de potência foi (mal)compreendido como doutrina para a
justificação da prepotência de outros. Entretanto, como símbolo “do
tempo e do vir-a-ser”, ele tem de voltar-se justamente contra as justificações por meio de doutrinas. “Avaliar” enquanto “criar” vai
sempre de encontro às avaliações válidas, deve sempre confrontarse com elas e impor-se contra elas. O pensamento da vontade de
potência pode ser um símbolo para isso: uma vontade de potência
sempre se opõe a outras vontades de potência. Ela é somente “vontade” em oposição a uma outra vontade e, enquanto vontade, ela
quer “a potência”, quer impor-se em relação às outras vontades.
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Ela não é nada “em si”, fora desses confrontos e, por causa disso,
ela pode experimentar a si mesma somente nesses confrontos. Desse modo, ela sempre experimenta as outras apenas a partir de si
mesma, e experimenta a si mesma sempre a partir das outras; vontade de potência é, por isso, incessante “superação de si” (Za/ZA
II, “Da superação de si”). Visto que ambos os lados superam a si
mesmos sem cessar, em seu confronto, isso significa que eles vêm a
ser incessantemente outros. Assim, eles não são nada mais do que
tempo: à medida que o tempo consiste na mudança de tudo.
O pensamento da vontade de potência como símbolo do tempo
e do vir-a-ser possibilita renunciar a tudo o que está além do tempo. Zaratustra retorna a Heráclito: “Tudo está em fluxo”. O gelo
sobre o rio, que parecia carregar milênios, a verdade atemporal e
incondicionada da moral e da metafísica, teria se partido agora com
o “vento de degelo” (Za/ZA III, “De velhas e novas tábuas”, § 8).
Teria chegado assim o tempo da “redenção” da relutância contra o
tempo enquanto tal (Za/ZA III, “Da redenção”).
Zaratustra evoca uma sabedoria “selvagem” e “alegre”28, que
não deixa subsistir mais nada de fixo. A crença em algo fixo seria
apenas uma “prudência humana” necessária à vida (Za/ZA II, “Da
prudência humana”). No entanto, é testemunho de “sabedoria” e
“bondade” renunciar de novo a esta prudência, e poder desligar-se
de tudo o que é firme, principalmente na moral e na metafísica.
8. O eterno retorno do mesmo
No Ecce homo, Nietzsche denominou o “pensamento do eterno
retorno”, que aparece na terceira parte, de “concepção básica” do
Zaratustra. Ele seria a “fórmula suprema da afirmação que pode
ser alcançada em geral” (EH/EH, “Assim falava Zaratustra”,
§ 1). Mas, ao mesmo tempo, ele é o pensamento “mais pesado”
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(XI, 26(284)), “mais paralisante” (XII, 5(71) – Lenzer Heide –
Fragment) e “mais abismal” (Za/ZA III, “Da visão e enigma”, 2), o
pensamento “disciplinador”29 par excellence. Ele se tornou a doutrina mais enigmática e controversa de Nietzsche.
O eterno retorno foi apresentado pelo próprio Zaratustra, como
“visão e enigma”, de um “portal”, que se chama “instante”. Ali
chega sempre de novo, de um lado, tudo na mesma seqüência, aquilo que já passou no outro lado. Zaratustra deixa em suspenso, se
isso é um sonho ou não; ele é interrompido pelo uivo de um cão,
que faz “volver” seus pensamentos e traz à sua frente um pastor,
em cuja boca se introduziu a “serpente mais escura e pesada”, da
qual ele só pode livrar-se – seguindo os brados de Zaratustra – se
morder sua cabeça. Então o pastor salta e ri “um riso, como jamais
nenhum homem riu”. Zaratustra, no entanto, mergulha na nostalgia e melancolia (Za/ZA III, “Da visão e do enigma”).
As coisas ficarão nisso. Zaratustra narra o enigma, sem resolvêlo; ele aguarda mesmo pela “hora bem-aventurada”, que virá até
ele, enfatizando que ela tem seu tempo e chega “a contragosto”, que
sua chegada não pode ser antecipada. Ele afasta de si todos os cálculos segundo a razão “antiga” e “pequena”; elas parecem apenas uma
nuvem, diante do “dizer-sim que abençoa”. Ele deixa a “gente baixa”
com suas “pequenas virtudes” (até mesmo com desprezo, que ele
mesmo sempre despreza): “Possam eles de outro modo, então poderiam também querer de outro modo” (Za/ZA III, “Dos renegados”,
§ 1). Também a questão de Deus retorna. Zaratustra lembra do “bom
e belo fim dos deuses”: “Os deuses morreriam de rir, se um deus
quisesse ser o único” (Za/ZA III, “Dos renegados”, § 3). Ele retorna
ao silêncio, à cessação de todo compreender e mal compreender, na
solidão de sua caverna, onde se lhe abre um outro tipo de experiência,
que ele assim descreve: “Aqui saltam até mim palavras e cofres de
palavras de todo o Ser: todo o Ser quer se tornar, aqui, palavra, todo
o vir-a-ser quer aprender comigo a falar” (Za/ZA III, “O regresso”).
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Em seguida, ele reúne a sabedoria que conquistou até então:
da liberdade à transvaloração do pior até agora, da superação do
“espírito de gravidade”, do ideal de aprender a “amar a si mesmo”, da arte “mais sutil, astuta, derradeira e pacienciosa” (Za/ZA
III, “Do espírito de gravidade”, § 2). Todos os “marcos de fronteira” são deslocados, Zaratustra descobriu seu próprio bem e sentese livre do bem e do mal alheios. Não obstante, suas “novas tábuas” estão apenas “escritas pela metade”.
Agora ele quer e tem de evocar o “pensamento abismal”, que
o sacudiu “como um louco” (Za/ZA III, “O convalescente”, § 1).
Devido ao “nojo”, ele permanece estirado ao chão como um morto,
fica sete dias sem comer nem beber, “doente ainda da própria redenção”. Mais tarde ele compreende que o “enigma” do pastor tornou-se verdadeiro para ele – a interpretação do enigma é a própria
experiência que Zaratustra fez com ele.
Por fim, os animais se dirigem a ele. Zaratustra fala primeiro
acerca do discurso, graças ao qual ele retornou, e no qual “o menor
abismo [...] seria o mais difícil de transpor”. Enquanto discurso,
isso suscita a aparência de “coisas” comuns: “bela maluquice, o
falar: com ele o homem dança sobre todas as coisas”. Mas são os
animais que agora procedem assim: eles fazem o experimento com
uma doutrina do ser, segundo a qual “tudo” se encadeia na “roda
do ser”, que “gira eternamente”.
Zaratustra chama isso de “canto de realejo”. Ele os censura
por terem olhado para suas vivências e padecimentos com “compaixão, na qual haveria “prazer” e “acusação”. O que o “sufoca”
não é um mal qualquer, nem o “que há de pior”, mas o “grande
nojo do homem”. E então ele aceita o discurso dos animais acerca
do eterno retorno, mas apenas para lamentar o eterno retorno do
“homem pequeno” e para concluir com “Nojo! Nojo! Nojo!”.
Os animais não o deixam continuar falando, mas recomendamlhe que invente logo “novas liras” para seus “novos cantos”. Eles
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crêem “saber” quem ele é e deve tornar-se, a saber “o mestre do
eterno retorno – este é agora teu destino!”. Eles “sabem” e formulam o que Zaratustra ensina: “que todas as coisas retornam eternamente, e nós mesmos com elas, e que nós existimos já infinitas vezes, e todas as coisas conosco”.
Zaratustra, no entanto, não presta atenção a eles, nem ouve “que
eles silenciaram”. Ele “discorria com sua própria alma”: ele reflete
ainda (Za/ZA III, “O convalescente”, § 2). E depois ele ainda “cantará” seu canto da “eternidade”, que adornou com “sete selos”.
Nietzsche coloca que a “convalescença” de Zaratustra está em
ele dar à luz seu “pensamento”, com o preço de que o pensamento
“abismal” logo se torna “doutrina” para qualquer um, e o seu destino é o de ser seu “mestre”. Como doutrina, contudo, parece que
o pensamento não é pensado até o fim. Enquanto elaborava a terceira parte, Nietzsche anotou: “Nota bene. O pensamento mesmo não
será expresso na terceira parte; apenas preparado” (X, 16(63) – outono de 1883). Somente foi narrado de que modos distintos
Zaratustra e os animais se envolvem com o pensamento. Zaratustra
se contenta com a narração de como o pensamento lhe sobreveio;
os animais tentam formulá-lo teoricamente e, com isso, parecem
compreendê-lo mal. Eles tratam de modo diferente o pensamento,
pelo fato de que os animais só podem fazer dele uma doutrina. Desse
modo, o pensamento mesmo satisfaz àqueles que têm de justificarse por meio de uma doutrina, e distingue-os daqueles que podem
renunciar a ele; assim sendo, ele é um pensamento “disciplinador”.
(À medida que os animais são símbolos do próprio Zaratustra, de
seu orgulho e de sua prudência, ele diferencia em Zaratustra mesmo os dois modos de envolvimento com ele).
Como “doutrina” teórica, o “pensamento” poderia talvez ser
chamado de pesado, paralisante, abismal. E, evidentemente, ele se
suprimiria a si mesmo, visto que se tudo retorna eternamente, não
se pode saber que isso eternamente retorna, pois com esse saber
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algo já se teria alterado. A Zaratustra parece pesado, paralisante e
abismal que se possa fazer do pensamento uma doutrina; que aquilo que cada um vivencia, experimenta e compreende a seu modo, é
inevitavelmente aniquilado, à medida que é comunicado e generalizado; e que essa incessante aniquilação de tudo o que é individual
ocorre em nome do “bom e do justo”, da moral.
“Afirmação”, em sua “forma suprema”, seria assim a afirmação do Individual, que não é conceitualizável, que é sem interpretação, sem explicação e embelezamento. No entanto, pode-se afirmar
apenas de seu ponto de vista individual; dever-se-ia primeiramente
poder afirmar a própria individualidade. Dever-se-ia poder afirmála de tal modo em si mesmo, em face de todo sofrimento e desprezo
de si mesmo, que se pudesse querer seu retorno eterno. Poder afirmar isso significa poder renunciar a querer ter qualquer outra coisa, e poder aceitar tudo, assim como é. Pois se tudo está de algum
modo interligado, ter-se-ia então de querer ter tudo ao mesmo tempo de outro modo, caso se queira ter alguma coisa de outro modo30.
Como pensamento, isso também não seria difícil. Mas será difícil vivê-lo, fazer dele uma medida ética para a própria vida. No Fragmento de Lenzer-Heide isso é citado várias vezes (XII, 5(71));
Nietzsche introduz o pensamento de tal modo, que, com a desvalorização dos valores superiores não teria sucumbido somente
“uma interpretação” da vida, mas, visto que ela “valia como a interpretação”, sucumbiria a crença em interpretações em geral. Parece agora “como se não houvesse nenhum sentido na existência,
como se tudo fosse em vão”. Entretanto, esse seria o “pensamento
mais paralisante”, principalmente quando se compreende que se
foi ridicularizado e se está sem poder de não se deixar mais ser
ridicularizado”. Pensado em sua “forma mais temível”, ele seria o
pensamento “do eterno retorno”: “A existência, assim como ela é,
sem sentido e alvo, mas retornando inevitavelmente, sem um final
no nada”.
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Dependeria assim, prossegue Nietzsche, do modo como o “indivíduo” assume o pensamento: “Todo traço característico fundamental, que jaz ao fundo de todo acontecimento, que se expressa
em todo acontecimento, se ele fosse sentido por um indivíduo como
seu traço característico fundamental, poderia impelir esse indivíduo
a afirmar de modo triunfante cada instante da existência. Tratar-seia mesmo de sentir esse traço característico fundamental em si mesmo como bom, valioso, com prazer”.
Para o próprio Nietzsche ficou em aberto a questão de como
“os mais fortes” – para ele, “os mais comedidos”, que “representam
com orgulho assumido a força atingida do homem” – como “um tal
homem pensaria o eterno retorno”. Na época de elaboração do
Zaratustra, ele anotou: “Talvez ele (o pensamento do eterno retorno) não seja verdadeiro: – possam outros se confrontar com ele!”
(X, 16(63) – outono de 1883).
9. O riso
Os “homens superiores”, que aparecem na quarta parte, com
suas pretensões elevadas em relação à moral, não conseguem livrar-se do “nojo dos homens”, em si mesmos e nos outros. Eles não
encontram por si mesmos a redenção da moral da “nublada, úmida, melancólica velha Europa” (Za/ZA IV, “Entre as filhas do deserto”, § 1), mas buscam-na nas doutrinas de Zaratustra e expõemno à última grande tentação, à compaixão. Ainda mais Zaratustra
busca e encontra sozinho sua felicidade, na calmaria do meio-dia,
quando o sol, por um instante, não projeta nenhuma sombra e o
silêncio não dá margem a mal-entendidos. Essa felicidade é apenas
possível por um tempo; logo Zaratustra estará de novo em meio aos
homens superiores, a seus discursos e a sua compaixão.
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Quando ele enfim se afasta deles, chega até ele o “sinal” do
“leão ridente”. Ele esperara esse sinal por muito tempo31. Na
semiótica de Zaratustra, o leão é o que quer, que quer conhecer,
agir e criar (cf. Za/ZA I, “Das três transmutações”). Enquanto ele
quer, contudo, ele quer também ter algo diverso do que existe, e
assim ele mesmo segue inevitavelmente uma moral, seja ela própria
ou alheia. A moral confere seriedade à ação; o riso, contudo, protege dessa seriedade, à medida que ele a compromete. Quem ri pode
seguir sua moral e, ao mesmo tempo, estar consciente de que ele
segue sua moral. O riso liberta da identificação a uma moral, sem
dissolvê-la; ele permite distanciar-se dela, sem destruí-la; ele chama a atenção para ela, sem romper com ela. A pressão que uma
moral exerce sobre o agente, torna-se através do riso em um “sinal”, com o qual o agente pode se relacionar livremente.
Se o silêncio pode emudecer a moral, então o riso faz lembrar
na moral em todo discurso; se o silêncio torna a moral pesada, o
riso torna-a leve; na linguagem de Zaratustra, ele possibilita “dançar” de novo. Nietzsche concebia o leão ridente “como terceiro animal de Zaratustra – símbolo de sua maturidade e ternura” (IX,
11(155) – início – outono de 1881).
10. O declínio da verdade
Zaratustra denomina a si mesmo de “risonho” (Za/ZA IV, “Do
homem superior”, § 18). Os homens superiores, que não conseguem desligar-se de sua velha moral européia, não se desprendem
também da verdade. Quando Zaratustra deixa a caverna, em meio
à festa, “para uma breve pausa”, o “velho feiticeiro” entoa seu “canto da melancolia”, um canto sobre a perda da verdade; em oposição a ele, o “consciencioso do espírito” tenta salvar a ciência.
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Para Nietzsche, verdade é um assunto da moral. Quando o pensamento do eterno retorno veio até ele – em agosto de 1881 –,32
ele procura também, avaliando as suas conseqüências, as demais
conseqüências para o sentido de “verdade” e a possibilidade da
“ciência”. Nos póstumos podem ser encontradas informações pormenorizadas acerca disso.
A ciência volta-se ao geral, ao que pode ser conhecido,
conscientizado e ensinado. Do “fluxo eterno das coisas” (IX, 11(155)
– início – outono de 1881) ela obtém, segundo Nietzsche, sua generalidade, na medida que ela anula o individual, da parte das coisas assim como da parte do conhecedor; ela busca coisas que devem ser iguais para todos, à custa do que é individual nas coisas e
no conhecedor:
“No fundo a ciência pretende afirmar de que modo o homem –
não o indivíduo – percebe as coisas e a si mesmo, portanto, eliminar a idiossincrasia de indivíduos e grupos, e assegurar a relação
fixa. O que é conhecido não é a verdade, mas o homem, em qualquer época em que ele existe. Assim, um fantasma é construído,
todos laboram sem cessar para encontrar algo em que se possa concordar, pois isso pertence à essência do homem. Aprende-se com
isso que inúmeras coisas não eram essenciais, como se acreditava
por muito tempo, e que com a fixação do essencial nada foi demonstrado em favor da realidade, a não ser que a existência do homem até agora dependia da crença nessa ‘realidade’ (como corpos,
duração da substância etc.). A ciência apenas leva adiante o processo que a natureza da espécie constituiu, para tornar endêmica a
crença em certas coisas, apartar os que não crêem e deixá-los definhar. [...] O instinto das massas impera também no conhecimento:
ele quer conhecer sempre mais suas condições de existência, para
viver mais longamente. A uniformidade da sensação, outrora almejada por meio da sociedade e da religião, agora é almejada pela
ciência: fixado o gosto normal em todas as coisas, o conhecimento,
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Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche
repousando na crença na fixidez, está a serviço das formas mais
rudimentares de fixação (massa, povo, humanidade) e quer apartar
e matar as formas mais sutis, o gosto idiossincrático – ela trabalha
contra a individuação, contra o gosto, que é condição de vida apenas para um indivíduo” (IX, 11(156) – início – outono de 1881).
Agora os indivíduos podem, se tiverem força para isso, opor-se
ao universal vigente e propor o novo. Eles agem assim em nome da
verdade, mas não estão mais próximos da verdade que os outros;
tudo o que resulta como verdade no “fluxo eterno das coisas”, que
não se deixa abarcar por nenhum conceito, é necessariamente
“erro”. Verdades diferenciam-se apenas enquanto erros “mais grosseiros” ou “mais sutis”:
A espécie é o erro mais grosseiro; o indivíduo, o erro mais sutil, é
mais tardio. Ele luta por sua existência, por seu novo gosto, por sua
posição relativamente única em relação a todas as coisas – ele a considera melhor do que o gosto geral e despreza-o. Ele quer dominar.
Então ele descobre que ele mesmo é algo que muda e tem um gosto
cambiante, com sua sutileza ele desvenda o segredo de que não há
nenhum indivíduo, de que no instante mais breve ele é algo distinto
em relação ao seguinte, e que suas condições de existência são as
mesmas de incontáveis indivíduos. O instante infinitamente breve é a
realidade e a verdade mais elevadas, uma imagem-relâmpago do fluxo eterno. Ele aprende, assim, que todo conhecimento satisfatório
repousa no erro grosseiro da espécie, nos erros mais sutis do indivíduo, e no erro ainda mais sutil do instante criador (IX, 11(156) –
início – outono de 1881).
Na doutrina zaratustriana da criação, também o instante criador é um erro, um erro que é necessário para o entendimento e
para a vida comum do homem, portanto, por razões morais. O erro
faz parte do conhecer enquanto tal; ele é mais profundo que a dis-
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Stegmaier, W.
tinção entre verdade e falsidade no conhecer; todo conhecer já supõe “um mundo fictício do erro [...]: a essência com a crença em
algo fixo nos indivíduos etc. Somente depois que surgiu um mundo
oposto imaginário, em contradição ao fluxo absoluto, foi possível
conhecer algo sobre esse fundamento” (IX, 11(162) – início – outono de 1881). Quanto mais refinado se torna o erro, mais ele chama
a nossa atenção, “até que por fim o erro fundamental pode ser considerado como aquilo sobre o qual tudo repousa (visto que se pode
pensar os opostos)”. Ele não pode ser suprimido, caso não seja mesmo impossível a vida dos homens, e só poderia “ser destruído com
a vida: [...] A vida é a condição do conhecimento. O erro, a condição da vida e, na verdade, erro no fundamento mais profundo.
O saber acerca do erro não o suprime!” (IX, 11(162) – início –
outono de 1881).
Nietzsche acrescenta: “Isso não é nada de ruim!” Podemos viver com o erro fundamental acerca da verdade, à medida que nós
temporalizamos verdade e erro. Nós conheceremos, assim, em um
tempo; com isso também queremos errar, e, contudo, poderemos
conhecer em um outro tempo o erro em todo conhecimento: “Assim, descobriremos também aqui uma noite e um dia como condição de vida para nós: querer-conhecer e querer-errar são maré vazante e maré cheia. Se um dominar absolutamente, o homem
sucumbirá; e ao mesmo tempo a capacidade”.
A verdade além do bem e do mal é uma verdade vinculada ao
tempo. Enquanto trabalhava na terceira parte do Zaratustra,
Nietzsche anotou: “A história fala sempre novas verdades” (X, 16(78)
– outono de 1883). Ele havia concebido então a “tragédia” de
Zaratustra de tal modo que Zaratustra morre, em parte de felicidade pelo anúncio de sua doutrina, em parte de dor pelo seu efeito33.
Em vez disso, na versão publicada Nietzsche permite a Zaratustra
partir para sua “obra”, e esperar o “grande meio-dia” para essa
obra. Acerca disso, Nietzsche escreve: “Não se pode prever o efeito!
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Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche
– o maior pensamento atua do modo mais lento e mais tardio!”
E: “Medo das conseqüências da doutrina: as melhores naturezas
sucumbirão talvez por isso? As piores naturezas a aceitarão?” (X,
16(63) – outono de 1883).
Abstract: Zarathustra teaches doctrines that made Nietzsche famous, like
the God’s death, the overman, the will to power and particularly the eternal recurrence. However, Nietzsche allowed that only Zarathustra taught
them. Besides, he did not wish to be identified with Zarathustra. Therefore one can suppose that Nietzsche called into question the teaching of
doctrines itself. Then Zarathutra’s doctrines should be anti-doctrines, i. e.
doctrines against teaching.
Keywords: God’s death – overman – the will to power – eternal recurrence
Notas
Cf. EH/EH, “Por que sou um destino”, § 2.
FW/GC, § 377. Cf. também Za/ZA, III, “De velhas e novas
tábuas”, § 8 e VII, 25(9) – início de 1884.
3
Cf. Fleischer 4, p. 1-47 e Aschheim 1.
4
Cf. Stegmaier e Krochmalnik 10.
5
Cf. EH/EH, “Por que escrevo livros tão bons”, § 1: “Uma
coisa sou eu, outra são meus escritos”. – Ele escreveu à
sua irmã: “Não creias que meu filho Zaratustra expresse
minhas opiniões. Ele é um de meus ensaios e entreatos. –
Com a permissão!” (Carta a Elisabeth Nietzsche, de 7 de
maio de 1885, KSB VII, p. 48.).
1
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Stegmaier, W.
Cf. White 11.
EH/EH, “Por que sou um destino”, § 3. Cf. também VII,
25(148) – início de 1884. – Nietzsche teria mais tarde
experienciado “casualmente”, “o que ‘Zaratustra’ significa, a saber, ‘estrela de ouro’. Esse acaso me fez feliz. Poder-se-ia pensar que a concepção inteira de meu livrinho
teria sua raiz nessa etimologia: mas eu não sabia até hoje
nada disso” (Carta a Heinrich Köselitz, de 23 de abril de
1883. KSB VI, p. 366). Essa explicação, contudo, foi refutada há muito tempo (cf. Berti 2, p. 396). Acerca do pano
de fundo social, dos mitos e da história das religiões, conforme a situação atual da pesquisa, cf. Colpe 3, p. 13-89.
8
Cf. Colpe 3, p. 20 s.
9
Cf. Wieland 12, § 8, “Ideen ohne Ideenlehre” (125-150).
10
Cf. Simon 9, p. 214-239.
11
XII, 6(4) – verão de 1886 – início de 1887. Trata-se do
esboço de um prefácio a Para além de bem e mal.
12
AC/AC § 37. Cf. também AC/AC § 27 e 31.
13
FW/GC § 382. Cf. também EH/EH, “Assim falava Zaratustra”, § 2.
14
Essa mulher é a da foto famosa de Nietzsche com Lou
Salomé e Paul Rée.
15
Cf. Colpe 3, p. 25: “Esse é o único e unívoco mito iraniano, que retorna transformado no Novo Testamento: ele se
encontra depois da visão dos fins dos tempos, do Apocalipse
de João (20, 1-8). É mencionado ali que Satã, ‘ velha serpente’, ou ainda ‘o dragão’, o qual, ao mesmo tempo é
chamado de diabo ‘enganador’, é aprisionado por mil anos,
tempo durante o qual reina paz na Terra”. Esse “reino de
mil anos” [...] não é o tempo em que Satã definitivamente
é enfraquecido. Ele está acorrentado em algum lugar do
cosmos e retornará ainda uma vez. Somente depois disso é
6
7
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Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche
que começa propriamente o tempo da salvação. Desse
modo, não se trata tanto do esfacelamento do poder, mas
principalmente da repressão do mal”.
16
EH/EH, “Assim falava Zaratustra”, § 6. Cf. tb. EH/EH,
“Por que sou um destino”, § 5.
17
Cf. GD/CI, “Incursões de um extemporâneo”, § 37 e EH/
EH, “Por que escrevo livros tão bons”, § 1.
18
Za/ZA, “Prólogo”, 2. Cf. também FW/GC, § 125.
19
Za/ZA I, “Das cátedras da virtude”. – Nietzsche parece
ter encontrado a fórmula do “sentido da vida”. Cf. Gerhardt
5, p. 815 – 824.
20
XII, 2(100) – verão de 1886 – outono de 1887. Cf. também XI, 26(376) – verão – outono de 1884.
21
Inicialmente, Nietzsche atribuíra essa história a Zaratustra, mas depois alterou o texto. Cf. XIV, p. 256.
22
Cf. XII, 5(71) – junho de 1887 (Lenzer Heide – Fragment):
“No fundo, somente o deus moral foi superado”.
23
Cf. XII, 9(35) – outono de 1887. “O niilismo, um estado
normal. [...] Que significa niilismo? – que os valores superiores se desvalorizaram”.
24
Cf. XII, 5(71) – 6, Lenzer Heide – Fragment e GM/GM III,
§ 28.
25
Cf. XII, 5(71) – 4, Lenzer Heide – Fragment.
26
Cf. X, 16(85) – outono de 1883: “Doutrina principal: está
em nosso poder a disposição do sofrimento em uma bênção,
do veneno em alimento”.
27
Cf. XIV, p. 281.
28
Cf. Za/ZA II, “Dos famosos sábios” e Za/ZA II, “O canto
do túmulo”.
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Stegmaier, W.
XI, 25(211) – início de 1884. Cf. também XI, 26(376) –
verão – outono de 1884; XII, 2(100) – verão de 1886 –
outono de 1887 e XII, 9(8) – outono de 1887.
30
Cf. JGB/BM § 56 e IX, 11(157-160) – início – outono de
1881.
31
Cf. Za/ZA III, “Da visão e enigma” (que termina com o
riso do pastor), e Za/ZA III, “De velhas e novas tábuas”.
32
Cf. EH/EH, “Assim falava Zaratustra”, § 1.
33
Cf. Nachbericht zu Also sprach Zarathustra. KSA X,
p. 963 ss.
29
referências bibliográficas
1. ASCHHEIM, Steven E. Nietzsche und die Deutschen.
Karriere eines Kults. Stuttgart/Weimar, 1996.
2. BERTI, Cristina. “Beiträge zur Quellenforschung”. In
Nietzsche-Studien (22). Berlim: de Gruyter, 1993.
3. COLPE, Carsten & SCHMIDT-BIGGEMANN, W. (orgs.)
Das Böse. Eine historische Phänomenologie des
Unerklärlichen. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993.
4. FLEISCHER, Margot. “Das Spektrum der NietzscheRezeption im geistigen Leben seit der Jahrhunderwende”. In Nietzsche-Studien (20). Berlim: de Gruyter,
1991, p. 1-47.
5. GERHARDT, Volker. “Sinn des Lebens”. In Historisches
Wörterbuch der Philosophie, vol. 9. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft.
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Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche
6. NIETZSCHE, Friedrich W. Sämtliche Briefe. Kritische
Studienausgabe (KSB). 8 vols. Organizada por Giorgio
Colli e Mazzino Montinari. Berlim: de Gruyter, 1986.
7. NIETZSCHE, Friedrich W. Sämtliche Werke. Kritische
Studienausgabe (KSA). 15 vols. Organizada por Giorgio
Colli e Mazzino Montinari. Berlim: de Gruyter, 1988.
8. NIETZSCHE, Friedrich W. Werke. Kritische Gesamtausgabe (KGW). 36 vols. Organizada por Giorgio Colli
e Mazzino Montinari. Berlim: de Gruyter, 1967-2001.
9. SIMON, Josef (org.). Distanz im Verstehen. Zeichen und
Interpretation II. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1995.
10. STEGMAIER, Werner & KROCHMALNIK, Daniel
(orgs.). Jüdischer Nietzscheanismus. Monographien und
Texte zur Nietzsche-Forschung, vol. 36. Berlim: de
Gruyter, 1997.
11. WHITE, Hayden. Die Bedeutung der Form. Erzählstrukturen in der Geschichtsschreibung. Frankfurt am
Main, 1990.
12. WIELAND, Wolfgang. Platon und die Formen des
Wissens. Göttingen, 1982.
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Do dilaceramento do sujeito à plenitude dionisíaca
Do dilaceramento do sujeito
à plenitude dionisíaca*
Scarlett Marton **
Resumo: Tomando como ponto de partida a análise de uma das seções
de Assim falava Zaratustra, aquela intitulada “Dos desprezadores do corpo”, este artigo conta discutir a crítica de Nietzsche à noção de sujeito.
Procurando elucidar a maneira pela qual ele concebe e se serve da fisiologia, pretende avaliar os aportes da nova concepção de eu que então introduz.
Palavras-chave: Zaratustra – sujeito – eu –corpo – fisiologia – dionisíaco.
São múltiplos os desafios que Assim falava Zaratustra propõe
ao leitor. Extremamente complexo quanto à sua composição, o livro
exibe um estilo excepcional no contexto da escrita filosófica. Desigual em suas partes, suscita questões a respeito do protagonista e
do que ele tem a dizer. Se Zaratustra se apresenta como o anunciador
do além-do-homem, não é essa a boa nova que conta trazer aos
homens. Mas o eterno retorno do mesmo, esse seu “pensamento
abissal”, ele acaba por não lhes revelar.
Na primeira parte do livro, depois de discorrer sobre os
ultramundanos, com seus princípios últimos e verdades definitivas,
a personagem central fala dos desprezadores do corpo1. Depois de
*
**
Tradução brasileira da conferência proferida na École Normale Supérieure
de Paris em 14 de março de 2007.
Professora Titular de Filosofia Contemporânea da USP.
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Marton, S.
atacar o dualismo de mundos inventado pela metafísica e fabulado
pela religião cristã, combate a distinção entre corpo e alma. Enquanto os que dela partem sempre enfatizam a importância da alma,
Zaratustra afirma: “sou todo corpo e nada além disso; e alma é apenas uma palavra para algo no corpo”2.
Se nessa passagem Nietzsche, através de sua personagem, se
serve do termo “alma” para se referir a “algo no corpo”, em outras
a ele atribui sentido diverso. É de diferentes maneiras que dele lança mão em seus escritos. Num fragmento póstumo, afirma: “A fé no
corpo é mais fundamental que a fé na alma; esta provém da contemplação não científica da agonia do corpo” (Nietzsche 17, KSA
12, p.112, 2 [102] do outono de 1885/ outono de 1886). Aqui, ele
chega a empregar o termo “alma” no sentido em que o tomam a
religião cristã e a metafísica; está preocupado em reafirmar sua posição. Contrapondo-se às concepções metafísico-religiosas, quer ressaltar que elas carecem de um conhecimento de base fisiológica.
Mas, é à mesma palavra que recorre, quando se refere aos ínfimos
elementos que constituem o organismo. “Nosso corpo”, declara,
“nada mais é do que um edifício coletivo de várias almas” (Nietzsche
17, KSA 5, p.33, JGB/BM § 19).
Entendendo que a consciência não passa de um “órgão de
direção”, o filósofo acaba por inscrevê-la no quadro das considerações fisiológicas. Com os estudiosos de sua época, Roux e Rolph,
ele concebe o organismo como um aglomerado de ínfimos seres vivos3. A partir daí, julga que todos eles possuem consciências elementares e conclui que estas, articuladas de alguma forma, constituem a consciência do organismo4. Ao contrário do que defendem
a religião cristã e a metafísica, sustenta que consciência e corpo não
se opõem, mas acham-se estreitamente vinculados. Com isso, pretende operar nova inversão. Tendo em vista que, na linguagem filosófica, tradicionalmente se entende “alma” como sinônimo de “consciência”, quer então dar-se o direito de atribuir ao termo um novo
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Do dilaceramento do sujeito à plenitude dionisíaca
sentido: ele passa a designar apenas os seres vivos microscópicos
que compõem o corpo5.
Enquanto concepções metafísico-religiosas, a alma, o espírito,
a razão, a consciência, o eu, se inscrevem num mesmo registro teórico. Desta perspectiva, toda e qualquer interioridade converte-se
em mero instrumento e brinquedo do corpo. “O corpo é uma grande razão, uma multiplicidade com um único sentido, uma guerra e
uma paz, um rebanho e um pastor”6, determina Zaratustra. “Instrumento de teu corpo é também a tua pequena razão, meu irmão,
que denominas ‘espírito’, um pequeno instrumento e brinquedo da
tua grande razão” (Nietzsche 17, KSA 4, p. 39, Za/ZA I, “Dos desprezadores do corpo”, §§ 4 e 5).
À primeira vista, tudo se passa como se Nietzsche não conseguisse desfazer-se da relação entre corpo e alma. Se, durante
milênios, a metafísica e a religião cristã atribuíram peso maior à
alma em detrimento do corpo, ele pretenderia agora privilegiar este
às custas daquela. E, com isso, manteria às avessas a dicotomia
mesma que se propõe a combater. Contudo, Zaratustra esclarece:
“Dizes ‘eu’ e orgulhas-te dessa palavra. Mas ainda maior é – no
que não queres acreditar – o teu corpo e a sua grande razão: ela
não diz eu, mas faz o eu” (Nietzsche 17, KSA 4, p. 39, Za/ZA I,
“Dos desprezadores do corpo”, § 6). Ao contrário do que se supõe,
o eu não comanda o corpo mas dele decorre; não executa as ações
mas se constitui enquanto “efeito” delas. Não se trata, pois, de inverter a relação tradicionalmente estabelecida entre corpo e alma,
mas de mostrar que o homem é “todo corpo e nada além disso”.
Se o filósofo se limitasse a negar a alma em proveito do corpo,
ele abraçaria uma interpretação do ser humano tão parcial e débil
quanto aquela que critica. A lógica dualista, que opera a partir de
pólos antagônicos, acaba por voltar-se contra si mesma, na medida
em que barra o caminho a novas perspectivas. Constrangendo a um
único e mesmo procedimento, ela se mostra em certa medida
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autodestrutiva. Razões bastantes para não se proceder a uma inversão, desprezando o pólo antes valorizado para privilegiar o que era
outrora depreciado. Para combater a distinção entre corpo e alma,
é preciso reverter e ultrapassar o dualismo. A reversão leva a conceber o corpo, não mais como o que se opõe à alma, mas como o
que de algum modo a integra, de sorte a não se ter mais dois e sim
apenas um. Importa notar, porém, que este um é múltiplo.
Afinal, que é o corpo? Ora, ele não é um aglomerado de órgãos,
tecidos e células, cuja natureza se mostra nas estruturas anatômicas;
tampouco é a sede de sentimentos e pensamentos, que emergem e
interagem, concebidos segundo o modelo da consciência; e, menos
ainda, é a combinação dos dois registros. Ao contrário, o corpo consiste em impulsos que, agindo e resistindo uns em relação aos outros, fazem surgir diversas configurações e assumem várias formas
de coordenação e conflito, organização e desintegração. Numa palavra, é um complexo de impulsos em luta permanente.
Essa concepção dinâmica do corpo encontra respaldo numa
determinada concepção de fisiologia. É bem verdade que, no século XIX, é outra a corrente que parece predominar. Entendendo a
fisiologia num sentido estrito, ela se acha representada na Alemanha pela Sociedade Médica de Berlim (Berliner Physikalische
Gesellschaft) entre 1840 e 1846. Marcada pelo espírito positivista
da época, julga que no organismo atuam apenas forças físico-químicas, forças essas redutíveis às de atração e repulsão. Convertendo fenômenos psíquicos a fatos orgânicos, opera por reducionismo,
quando não por mera supressão.
Também no campo literário essa concepção cientificista da fisiologia então se faz presente. Nesse domínio, Balzac é um dos primeiros na França a servir-se do termo; em 1829, ele publica a Fisiologia do Matrimônio (Physiologie du Mariage). Mas são os escritores
naturalistas que vão pretender em seus textos prolongar, aplicar e
até pôr à prova os estudos fisiológicos. Tanto é que não hesitam em
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Do dilaceramento do sujeito à plenitude dionisíaca
evocar a todo propósito as doenças nervosas. É o que ocorre, por
exemplo, em Thérèse Raquin que Zola traz a público em 1869.
Algum tempo depois, entusiasmado pelas teorias de Claude Bernard,
o escritor conta elaborar o “romance experimental”. Considerandoo “uma conseqüência da evolução científica do século”, entende
que ele “prolonga e completa a fisiologia, que se baseia ela mesma
na química e na física; substitui o estudo do homem abstrato, do
homem metafísico, pelo estudo do homem natural, submetido às
leis físico-químicas e determinado pelas influências do meio” (Zola
22, p.64-65). Não é por acaso que Nietzsche inclui em sua lista de
“impossíveis (para mim): (...) Zola: ou ‘o prazer de feder’” (Nietzsche
17, KSA 6, p.111, GD/CI, “Incursões de um extemporâneo”, § 1).
Mas, no seu sentido moderno, a fisiologia também se define
como a ciência que estuda as funções e propriedades dos órgãos e
tecidos dos seres vivos. Canguilhem esclarece, sendo a vida uma
“polaridade dinâmica” entre normal e patológico, a fisiologia elege
um objeto, “cuja constância relativa é talvez mais precisamente adequada a dar conta dos fenômenos, que são apesar de tudo flutuantes, de que se ocupa o fisiólogo”. Distingue-se assim da biologia
entendida como estudo de constantes ou invariantes, “codificadas e
tidas convencionalmente por normas, num momento definido do
saber fisiológico” (Canguilhem 5, p. 137). Se ambas partem da distinção entre orgânico e inorgânico, a fisiologia, ao contrário da biologia, acolhe a mudança e se interroga sobre o ser vivo enquanto
um todo. Talvez esses dois pontos tenham contado para que
Nietzsche viesse a preferir tal concepção. A eles viria acrescentarse um terceiro.
Helenista, o filósofo desde cedo sente-se atraído pelos pré-socráticos. Com Sócrates, teve início a ruptura da unidade entre physis
e logos – e a filosofia converteu-se, antes de mais nada, em antropologia. Com o judaísmo, houve o despovoamento de um mundo
que estava cheio de deuses – e a religião tornou-se, acima de tudo,
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um “monótono-teísmo”. Com Platão e o cristianismo, ocorreu a
duplicação dos mundos – e passou-se a negar este em que nos achamos aqui e agora em nome de outro, essencial, imutável e eterno.
Com a modernidade, procedeu-se à implosão do ser humano – e
foi ele dividido em razão e paixões, intelecto e sentidos, consciência
e instintos. Aquém de todas essas cisões, os pré-socráticos tentaram pensar o cosmos enquanto um todo; a eles Aristóteles se referia como οι′ προ′τερον φυσιολογοι, os primeiros fisiólogos (Aristóteles 2, III, 2, 426a20).
Em Nietzsche, o conceito de fisiologia não é de modo algum
inequívoco. Müller-Lauter aponta as três determinações gerais que,
a seu ver, nele se evidenciam. Em primeiro lugar, o filósofo emprega a palavra “fisiologia” no sentido usual das ciências da época; em
segundo, entende o fisiológico como o que determina de modo
somático os homens e remete às funções orgânicas; por fim, interpreta os processos fisiológicos como a luta de quanta de potência
que “interpretam”7. Portanto, ao empregar o termo, ele não confunde de modo algum fisiologia e mero fisiologismo. Isto lança luz
sobre um dos equívocos da leitura heideggeriana. Depois de alertar
para a maneira freqüente com que Nietzsche se deixa levar a enunciados fisiológico-naturalistas sobre a arte, Heidegger afirma ser
necessário ao leitor livrar-se de tudo o que ele “partilha de nefasto
com a sua época, para aproximar-se da intenção essencial de seu
pensamento e dela permanecer próximo” (Heidegger 11, vol.1,
p. 149). O comentador não se dá conta de que, neste caso, é apenas numa primeiríssima abordagem que Nietzsche parece endossar
o espírito do seu tempo. Ao recorrer aos estudos científicos, ele já
os reinterpreta – e sempre a seu favor.
“O que o sentido sente, o que o espírito conhece, nunca tem
dentro de si o seu término”, ensina Zaratustra. “Mas sentido e espírito gostariam de persuadir-te que são o término de todas as coisas;
tamanha é a sua vaidade. Instrumentos e brinquedos são sentido e
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espírito” (Nietzsche 17, KSA 4, p. 39, Za/ZA I, “Dos desprezadores do corpo”, §§ 7 e 8). Não é a razão, a pequena razão, que
comanda o corpo; tampouco são os sentidos. Instrumentos do corpo, sentidos e razão estão a seu serviço. Dele fazendo parte, não
podem ser tomados como se fossem independentes. Não há por que
supor que exista algo distinto do corpo, com natureza própria e
atividades específicas.
Nem a razão nem os sentidos permitem ao homem conhecer-se
e conhecer aquilo que o cerca. Do mesmo modo que, ao alimentarse, o corpo assimila o que não lhe pertence, ao digerir novas experiências, o espírito incorpora o que lhe é estranho. Processos que
não são racionais nem voluntários, eles nada têm a ver com as chamadas faculdades do espírito. Se os processos digestivos independem
do que a tradição filosófica de modo geral entende por razão ou
vontade, o mesmo ocorre com os que levam a captar a “realidade”,
ou melhor, a assimilar cada vez mais o “exterior”. É nessa direção
que Nietzsche escreve: “efetivamente o ‘espírito’ ainda se assemelha ao máximo a um estômago” (Nietzsche 17, KSA 5, p. 168; JGB/
BM § 230). Conhecer é, pois, apropriar-se8. Trata-se de uma
atividade que se verifica em todos os seres vivos; mais ainda, está
presente nas células, tecidos e órgãos. Combatendo a posição
advogada pelos racionalistas e a defendida pelos empiristas, o filósofo entende que, no limite, é todo o corpo que conhece e, ao fazêlo, simplesmente desempenha uma atividade fisiológica. É a fisiologia, pois, que fornece o paradigma do ato de conhecer.
Não é por acaso, aliás, que em seus escritos ele prefere empregar o termo “fisiologia” ao de “biologia”. Se, por vezes, a este recorre é para referir-se e contrapor-se aos ingleses. Entendendo que
os seres vivos microscópicos que constituem o organismo estão em
combate permanente, sustenta que a luta que se trava entre eles é
sempre por mais potência. Os vencedores, num determinado momento, não são, pois, os que se mostram mais aptos e sobrevivem.
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Ao contrário do que pensa Darwin, a vida não pode caracterizar-se
pela adaptação ao meio em que se acha e contra o qual se debate;
ela não busca acomodar-se ao que a rodeia mas quer expandir-se
sempre mais.
Mas, nos textos a partir de Assim falava Zaratustra, ao criticar
a idéia de adaptação, Nietzsche poderia estar visando indiferentemente Darwin e Spencer. Poderia ter em mira até mesmo Lamarck,
embora em momento algum o ataque diretamente. De todo modo,
seria possível congregar os três em torno da idéia de adaptação –
seja porque as variações biológicas resultantes do exercício de uma
necessidade interna ocorreriam sempre no sentido de uma adaptação melhor (Lamarck), seja porque a formação contínua de novas
espécies se caracterizaria por novos meios de adaptação (Darwin),
seja porque a adaptação às condições do meio representaria o bem
almejado pelo ser humano (Spencer). Apontando os “erros fundamentais dos biólogos até hoje”, ele afirma: “a vida não é adaptação
das condições internas às externas, mas vontade de potência que,
do interior, submete e incorpora a si mesma cada vez mais ‘exterior’” (Nietzsche 17, KSA 12, p. 294-295, 7 [9] do final de 1886/
primavera de 1887).
Compreende-se que, ao rejeitar todo e qualquer dualismo, o
filósofo venha a preferir na exposição de suas idéias o termo “fisiologia” ao de “biologia”. Essa preferência manifesta deve-se, também, à diferença dos sentidos que no correr do tempo a eles se
atribuíram. Vale lembrar que o termo “biologia” apareceu no início
do século XIX na França com Lamarck e na Alemanha com Gottfried
Reinhold Treviranus. Na obra intitulada Biologia ou a Filosofia da
natureza viva (Biologie oder die Philosohie der Lebenden Natur),
publicada em 6 volumes entre 1802 e 1822, Treviranus entende
por biologia a ciência que estuda as diferentes formas de vida, as
condições e as leis que regem sua existência assim como as causas
que determinam a sua atividade9. Também Lamarck insiste em fa-
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zer ver que a biologia implica uma distinção radical entre a ordem
do inerte e a ordem do vivido, porque existe “entre as matérias brutas e os corpos vivos um hiatus imenso que não permite ordenar
numa mesma linha essas duas espécies de corpos nem ligá-los por
nuança alguma”10. Definindo-se pela ruptura com a tradição fisiológica, essa ciência se coloca a partir da oposição entre Leib e Körper,
da distinção radical entre orgânico e inorgânico.
“Instrumentos e brinquedos são sentido e espírito: atrás deles
se encontra ainda o si-mesmo (Selbst)”11, afirma Zaratustra. “O simesmo procura também com os olhos do sentido, escuta também
com os ouvidos do espírito. O si-mesmo sempre escuta e procura:
compara, subjuga, conquista, destrói. Domina e é também o
dominador do eu” (Nietzsche 17, KSA 4, p. 39, Za/ZA I, “Dos
desprezadores do corpo”, §§ 7-9). E continua: “Atrás de teus pensamentos e sentimentos, meu irmão, está um soberano poderoso,
um sábio desconhecido – chama-se si-mesmo. Mora no teu corpo,
é o teu corpo” (§ 10). Mas por que o autor, através de sua personagem, precisa, neste momento, dar outro nome ao corpo? A que visa
com esse procedimento? Sem fazer quaisquer considerações acerca
do si-mesmo, não chega a tomá-lo num contexto científico nem a
convertê-lo em princípio místico12. Sem demonstrar ou revelar o simesmo, sem sequer esclarecer o que entende por esse termo,
Nietzsche/Zaratustra limita-se a tomá-lo enquanto sinônimo de corpo.
Ora, nesta seção, o objetivo que personagem e autor perseguem
consiste justamente em atacar a dicotomia entre corpo e alma e,
por essa via, combater a idéia de um eu, de um sujeito que permanece o que é em sua individualidade. É em nome do si-mesmo
(Selbst) que eles promovem, então, a crítica do eu (Ich). Identificado ao corpo, o si-mesmo permite conceber o “eu” de outro modo,
inscrevê-lo em outro registro. É só através de uma ficção que o “eu”
– pluralidade de afetos, multiplicidade de impulsos – poderia constituir uma unidade.
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Marton, S.
Recusando a idéia de um sujeito autônomo, rejeitando a noção
de um eu coeso e sem fissuras, já em Aurora Nietzsche afirma: “Enquanto ‘nós’ acreditamos queixar-nos da violência de um impulso,
no fundo, é um impulso que se queixa de outro” (Nietzsche 17, KSA
3, p. 98, M/A § 109). E, na Gaia Ciência, assevera: “A seqüência
de pensamentos e conclusões lógicas, em nosso cérebro de agora,
corresponde a um processo e luta de impulsos, que por si sós são
todos muito ilógicos e injustos; de hábito só ficamos sabendo do
resultado do combate” (Nietzsche 17, KSA 3, p. 472, FW/GC §
111). Ao criticar as idéias de unidade, identidade e permanência,
ele vem manifestar-se a favor da polifonia da existência humana.
Pensar de outro modo é ir de encontro às próprias concepções
filosóficas de Nietzsche. Basta lembrar a crítica corrosiva que ele
faz da idéia de sujeito13. Da sua perspectiva, a alma ou substância
pensante enquanto sujeito metafísico, o eu transcendental enquanto sujeito epistemológico, a idéia de identidade – subjacente tanto à
concepção cartesiana quanto à kantiana –enquanto sujeito lógico, a
consciência enquanto sujeito psicológico, o agente da ação enquanto sujeito gramatical, enfim, o sujeito em todos esses contextos e
planos é inteiramente ilusório. Portanto, concebido como substrato
que produz vários efeitos, desenvolve diversas atividades e possui
certas propriedades, “o sujeito não é nada além de uma ficção”
Nietzsche 17, KSA 13, p. 398, (72) 9 [108] do outono de 1887).
Entendido como um todo independente, completo, idêntico a si
mesmo, permanente e unitário, “o ego é tão-somente um ‘embuste
superior’, um ‘ideal’” (Nietzsche 17, KSA 6, p. 305, EH/EH, “Por
que escrevo livros tão bons”, § 5).
Não é por acaso que, em todo o livro, raras são as vezes em que
Zaratustra volta a empregar o termo si-mesmo (Selbst) na acepção
em que ele aparece em “Dos desprezadores do corpo”14. Tampouco
é por acaso que Nietzsche inclua esta seção imediatamente depois
de outra intitulada “Dos ultramundanos”. Entende, por certo, que
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a crítica do sujeito é tributária da crítica à metafísica. Os metafísicos,
que postulam o dualismo de mundos, postulam de igual modo a
dicotomia entre corpo e alma. É justamente na superstição religiosa
da alma que a idéia de eu tem origem. Da alma concebida como
“algo indestrutível, eterno e indivisível” procede a idéia de um eu
fixo e estável, o sujeito responsável por todos os atos, inclusive pelo
pensar e pelo sentir.
Arrogante, o eu acredita conhecer tudo o que se passa no corpo. Pretensioso, supõe ter o domínio de todos os pensamentos, sentimentos e impulsos. Assim como o corpo que o criou, o eu não
passa de pluralidade de afetos, multiplicidade de impulsos. Mas,
“por mais longe que alguém possa levar o autoconhecimento”, sustenta o filósofo, “nada é mais incompleto do que a imagem do conjunto de impulsos que constituem seu ser. É com dificuldade que
pode chamar pelo nome os mais grosseiros; seu número e força,
seu fluxo e refluxo, seus jogos recíprocos e jogos contrários e sobretudo as leis de sua nutrição permanecem totalmente desconhecidos” (Nietzsche 17, KSA 3, p. 98, M/A § 109).
Passagens como essa justificam a atenção que os escritos do
filósofo teriam suscitado no fundador da psicanálise. Numa carta
datada de 1o de fevereiro de 1900, Freud escreve a Fliess: “Acabo
de tomar Nietzsche nas mãos, onde encontrarei (assim espero) palavras para muito do que em mim permanence mudo, mas ainda
não abri o livro”. O documento atesta o interesse que, nesse início
do século XX, a obra de Nietzsche parece lhe inspirar. Não se trata, porém, de um interesse qualquer, de algo difuso ou de caráter
geral, de uma simples curiosidade. Tudo leva a crer que, nesse
momento, Freud ainda não abriu o livro do filósofo. Em várias ocasiões, ele insiste em dizer que nunca leu o filósofo, que não conhece a sua obra. Afirma que não pôde estudar os seus textos; talvez
por zelo em não se deixar invadir por elucubrações de ordem meramente especulativa. Declara que por muito tempo evitou o contato
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com os seus escritos; talvez por receio de neles encontrar muitos
pontos convergentes com as próprias descobertas. Confessa que não
se permitiu o prazer da leitura de seus livros; talvez justamente “por
excesso de interesse”15. Hipóteses que não caberia aqui verificar;
nem mesmo haveria como ou por que fazê-lo.
A relação entre Freud e Nietzsche é, por certo, complexa. Ela
se põe em diversos níveis simultâneos de significado e importância.
Revela aspectos variados, requer diferentes abordagens, aponta para
múltiplas perspectivas. É bem possível, por exemplo, que Freud e
Nietzsche participem da mesma épistémé. No entender de Foucault,
graças ao criticismo kantiano, teriam surgido, no século XIX, dois
tipos de análise: uma que apontava as condições anatômico-fisiológicas do conhecimento e outra que assinalava suas condições históricas, econômicas e sociais. Destarte, em decorrência da analítica
da finitude, passou-se a vincular o conhecimento à fisiologia e à
história16. Desse ponto de vista, Nietzsche e Freud estariam em consonância com o seu tempo.
Contudo, o filósofo não se limita, em sua obra, a afirmar que os
processos psicológicos teriam base neuro-fisiológica; procura, antes, suprimir a distinção entre fisiologia e psicologia.
Enfatizando o papel desempenhado pela condição fisiológica dos
doutos, Nietzsche/Zaratustra faz ver quão arrogante e desnecessária
é toda reflexão que despreza o próprio ponto de partida, quão pretensiosa e inútil é toda filosofia que ignora seus verdadeiros móveis.
Zaratustra assegura: “Há mais razão no teu corpo que na tua melhor
sabedoria. E para que o teu corpo precisaria logo da tua melhor
sabedoria?” (Nietzsche 17, KSA 4, p. 40, Za/ZA I, “Dos desprezadores do corpo”, § 11). Contrapondo a perspectiva do si-mesmo
à do eu, dá a entender que a grande razão está para o corpo como
a pequena razão para o eu. E Nietzsche assevera: “Quem observar
os impulsos básicos do homem, para examinar até que ponto eles
aqui gostaram de fazer seu jogo como gênios inspiradores (ou
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demônios ou duendes), verá que todos eles já fizeram alguma vez
filosofia – e que cada um deles bem gostaria de apresentar-se como
o objetivo último da existência e senhor legítimo de todos os outros
impulsos. Pois todo impulso busca dominar e, enquanto impulso,
procura filosofar” (Nietzsche 17, KSA 5, p. 20, JGB/BM § 6).
Da ótica nietzschiana, na seara filosófica, testemunha-se, ao longo dos séculos, uma valorização excessiva da razão. Etapas desse
processo seriam o surgimento do “otimismo teórico” com Sócrates
e o antropocentrismo exacerbado que se instala com a modernidade.
Ora, uma das armas de que Nietzsche lança mão, no seu combate à
metafísica, consiste justamente na crítica de uma racionalidade que
se apresenta como predominante quando não hegemônica. Mas não
nos enganemos! Não é a partir de uma perspectiva futura que ele
fala. Se ataca os ídolos modernos, é porque acredita que se separou
a razão do logos que a engendrou. Se é capaz de se dirigir com
dureza ao presente, é porque se volta para o pensamento grego.
Segundo Giorgio Colli, embora tivesse condições de realizar uma
obra madura sobre os gregos, Nietzsche não o fez. Sentia-se tiranizado pela disciplina rígida que aprendera em Pforta e pelo fascínio
que sobre ele Wagner passou a exercer. Ao libertar-se dessa dupla
tirania, não teve mais necessidade de tratar da Grécia em termos
históricos. Mais maduro, agora olhava os gregos com novos olhos.
Assim é que, a partir desse momento, não quer mais se apresentar
como porta-voz; isso diminuiria seu poder de ataque. Tudo o que
diz é “uma ilustração, uma exegese, uma transposição em chave
moderna” da sua maneira de compreender os gregos. É como grego, como um homem que jamais se confundiria com um decadente,
que ele passa a julgar o mundo que lhe é contemporâneo17.
Que se retome o movimento da seção “Dos desprezadores do corpo” enquanto um todo. Depois de introduzir o problema de que vai
tratar, as diferentes perspectivas que se tem do corpo (§§ 1-3), Zaratustra define o corpo (§ 4), o eu (§§ 5-7) e o si-mesmo (§§ 8-10).
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Marton, S.
Passa, então, ao exame das relações entre o eu e o si-mesmo, para
em nome deste fazer a crítica daquele (§§ 11-14).
Zaratustra arremata: “Teu si-mesmo ri de teu eu e de seus orgulhosos saltos. ‘O que são, para mim, esses saltos e vôos do pensamento?’ – diz de si para si. ‘Um desvio para chegar ao meu propósito18. Eu sou as andadeiras do eu e o insuflador dos seus conceitos’”
(Nietzsche 17, KSA 4, p. 40, Za/ZA I, “Dos desprezadores do corpo”, § 12). E, nos parágrafos seguintes, ilustra essa idéia, mostrando que é o si-mesmo quem ordena ao eu sentir prazer ou dor e este
logo se regozija ou padece – “e para isto, justamente, deve pensar”.
Esclarecidas as posições que assume, chega ao seu propósito:
fazer o diagnóstico de seus adversários. “Aos desprezadores do corpo quero dizer uma palavra. Seu desprezar constitui o seu apreciar” (§ 15), afirma. E, então, pergunta: “Mas quem criou o apreço e
o desprezo e o valor e a vontade?” (§ 15), para logo em seguida
responder: “O si-mesmo criador criou para si o apreço e o desprezo,
criou para si o prazer e a dor. O corpo criador criou para si o espírito enquanto mão de sua vontade” (§ 16). Em conclusão, dá o seu
veredicto: “Mesmo em vossa doidice e desprezo, ó desprezadores
do corpo, servis ao vosso si-mesmo. Eu vos digo: é justamente o
vosso si-mesmo que quer morrer e volta as costas à vida” (§ 17).
Zaratustra relaciona valores com avaliações: o desprezo que seus
adversários têm pelo corpo decorre do apreço que nutrem pela alma.
E avalia as avaliações: nos desprezadores do corpo, é o si-mesmo
que quer perecer, é o próprio corpo que quer desaparecer19.
Ainda em gestação neste momento da obra do filósofo, o procedimento genealógico, com seu duplo movimento, já se acha presente no diagnóstico que faz a personagem. No primeiro momento, ela
remete os valores aos pontos de vista de apreciação que lhes deram
origem e conferiram valor. No segundo, aprecia as próprias perspectivas avaliadoras, ao perguntar “quem criou o apreço e o des-
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prezo e o valor e a vontade”. E ao responder à pergunta que formulou, fornece o critério que adota para avaliá-las.
No prólogo do livro, Zaratustra anuncia a morte de Deus. Com
a boa nova, revela que o mundo transcendente perdeu seu poder
eficiente e deixou de constituir a sede e a origem dos valores. É a
Terra, este mundo em que nos achamos aqui e agora, que se deve
então tomar enquanto critério de avaliação das avaliações20. Na seção
“Dos desprezadores do corpo”, procede de maneira similar. Então,
anuncia a morte da alma. Com isso, mostra que ela perdeu seu poder eficiente e deixa de constituir a sede dos sentimentos e pensamentos. É o si-mesmo, este corpo que somos aqui e agora, que então se deve tomar enquanto critério de avaliação das avaliações.
Contudo, na segunda parte do livro, é a vida que desempenhará esse papel. Ao introduzir pela primeira vez na obra publicada o
conceito de vontade de potência, é com a vida que o filósofo vai
identificá-la. Concebendo a vontade de potência enquanto vontade
orgânica própria de todo ser vivo, sustenta que ela atua nas células,
tecidos e órgãos que constituem o organismo. “‘Muito, para o vivente, é estimado mais alto do que o próprio viver; mas na própria
estimativa fala – a vontade de potência!’ Assim me ensinou um dia
a vida” (Nietzsche 17, KSA 4, p. 149, Za/ZA II, “Da superação de
si”). É o que Zaratustra declara. “Se falamos de valores, falamos
sob a inspiração, sob a ótica da vida: a vida mesma nos coage a
instituir valores; a vida mesma valora através de nós, quando instituímos valores...” (Nietzsche 17, KSA 6, p. 86, GD/CI, “Moral como
contranatureza”, § 5) É o que Nietzsche afirma. Em ambas as passagens, é a vida, concebida enquanto vontade de potência, que autor e personagem tomam enquanto o único critério que se impõe
por si mesmo para avaliar as avaliações.
A meio caminho entre o prólogo e a segunda parte do livro, a
seção “Dos desprezadores do corpo” apresenta o corpo, a Terra e a
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vida como noções, no limite, intercambiáveis. Tanto é que, nos últimos parágrafos, diz Zaratustra: “assim o vosso si-mesmo quer declinar, ó desprezadores do corpo. Declinar quer o vosso si-mesmo e
por isso vos tornastes desprezadores do corpo! Pois já não conseguis
mais criar para além de vós. E por isso agora vos zangais contra a
vida e contra a Terra” (§§ 19-21).
Neste ponto, encerra-se a seção num movimento circular. Concluído o diagnóstico (§§ 15-21), Zaratustra retoma o momento inicial, em que dizia aos desprezadores do corpo que não deveriam
inverter o que aprenderam ou ensinaram, mas apenas emudecer.
De fato, eles não podem agir de outro modo; o que lhes resta é
morrer. Mas, para concluir, a personagem faz questão, ainda, de
reafirmar sua distância em relação a estes adversários seus: “Não
sigo o vosso caminho, ó desprezadores da vida!” – diz ela. “Não
sois, para mim, ponte que leve ao além-do-homem!” (§ 22) Daí se
depreende que o além-do-homem se situa para além das velhas
dicotomias da filosofia. Não se identifica com o sujeito, concebido
como substrato que produz vários efeitos, desenvolve diversas
atividades e possui certas propriedades; não se confunde com o eu,
entendido como um todo independente, completo, idêntico a si
mesmo, permanente e unitário. E nem poderia, uma vez que tais
noções já se acham comprometidas, elas mesmas, com o pensar
metafísico. Não é por acaso, aliás, que, no prólogo do livro, é apenas depois da notícia da morte de Deus que Zaratustra ensina à
multidão reunida na praça do mercado o além-do-homem. Portanto, ser ponte para o além-do-homem é, antes de mais nada, compreender que o eu se acha submetido ao si-mesmo.
É essa outra concepção de “eu”, um “eu” plural, que reaparece na seção “Do amigo” ainda na primeira parte do livro. Então,
diz Zaratustra: “‘Há sempre alguém a mais perto de mim’ – assim
pensa o solitário. ‘Sempre uma vez um – com o tempo, faz dois!’”21
(Nietzsche 17, KSA 4, p. 71, Za/ZA I, “Do amigo”). Se, por um
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lado, o si-mesmo é mais que a soma de eu e mim, por outro, esta
seção vem corroborar a idéia de que eu único e sem fissuras não
há. Num fragmento póstumo de 1880, bem antes de introduzir o
conceito de vontade de potência em sua obra, Nietzsche tem ciência da pluralidade de afetos, multiplicidade de impulsos, presente
em todo ser humano. Tanto é que ele escreve: “O eu não é a posição de um ser diante de muitos (impulsos, pensamentos, etc.), ao
contrário, o ego é uma pluralidade de forças de espécie pessoal,
das quais ora esta ora aquela se põe em primeiro plano enquanto
ego e encara as outras como um sujeito encara um influente e determinado mundo exterior” (Nietzsche 17, KSA 9, p. 211-212, 6
[70] do outono de 1880).
Em Assim falava Zaratustra, o esfacelamento do “eu” não é
apenas anunciado pela personagem; é por ela vivido. É sintomática
a aparente desordem dos seus sentidos. Os olhos falam a Zaratustra22, seus dedos dos pés escutam23, ele se torna boca por inteiro24
– e sempre se entretém com o seu coração25. Outro sintoma é o
desconcertante desarranjo dos sentidos dos termos que emprega.
Ele tem de forjar novos meios de expressão. Afinal “ele não somente fala de outro modo, ele é também de outro modo...” (Nietzsche
17, KSA 6, p. 260, EH/EH, “Prólogo”, § 4) E, no livro, o desregramento dos sentidos do corpo e o dos sentidos dos termos convergem.
Desregramento dos sentidos, tanto de um quanto de outros, é igualmente o que persegue Rimbaud. Ele, que aspira ao “long, immense
et raisonné dérèglement de tous les sens”, também espera uma
transmutação da linguagem. Na “Alquimia do verbo”, registra: “Eu
escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens”26.
Subverter os sentidos das palavras, transtornar os sentidos do
corpo são atitudes que apontam para outra concepção de indivíduo. Não seria, então, o indivíduo “apenas uma soma de conhecidas sensações, juízos e erros, uma crença, um fragmento do verdadeiro sistema de vida ou muitos fragmentos, pensados ou fabulados
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reunidos, uma ‘unidade’ que não se sustenta enquanto tal”27?
E, neste caso, por que atribuir-lhe um nome?
Se Zaratustra é o alter ego do filósofo, Nietzsche também tem
outros nomes. “O Anticristo”, “Nietzsche César”, “Dioniso”,
“O Crucificado” – é como ele assina cartas e postais enviados de
Turim nos primeiros dias de janeiro de 1889. São heterônimos múltiplos, como os de Fernando Pessoa que sabia nele existirem muitos.
Vivem em nós inúmeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.
Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.
Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu “screvo” 28.
Com muitos nomes, com tantos outros rostos, Nietzsche/Zaratustra, ao dizer quem é, nada mais faz do que falar de como
se torna o que é. Assim o “eu”, em vez de personagem, surge como
palco; em vez de sujeito, aparece enquanto topos. Ponto de convergência de forças agindo e resistindo umas em relação às outras, campo instável de quanta dinâmicos em permanente tensão,
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ele não passa de configurações temporárias e efêmeras que coexistem e se sucedem.
Mas Zaratustra pode muito bem ser, também, aqueles com quem
dialoga em seu percurso. Nele habitaria o saltimbanco, seu companheiro de viagem; o adivinho, seu antagonista; o espírito de peso,
seu inimigo mortal. É grande a cumplicidade que estabelece com
cada um deles. No colóquio que entabula com o saltimbanco e na
atitude que assume depois de sua morte, deixa ver o quanto o preza29. Ao ouvir o adivinho, abre espaço para que sua fala atinja o
seu coração30. Ao enfrentar o espírito de peso, com ele trava uma
luta que o leva à sua grande superação31. Não é por acaso, aliás,
que, na seção intitulada “O convalescente”, a ele se refere como o
seu “abismo” e sua “última profundeza”, identificando-o assim como
o arqui-inimigo com que se depara em si-mesmo. Como bem mostra Jörg Salaquarda, “trata-se de uma disputa interior, de que ele
tem de tomar parte completamente só e em que se trata para ele de
ser ou não ser” (Salaquarda 21, p. 24).
Na verdade, desde o início do livro, é por meio de seus interlocutores que Zaratustra se dá a conhecer. Já no prólogo, é o santo
homem do bosque que o vê como dançarino, criança, desperto32.
Na terceira parte, de volta à cidade, são os mestres da resignação
que dizem ser ele o “sem-Deus”33. E, logo adiante, são seus animais
que o denominam “o mestre do eterno retorno”34. Na quarta parte,
pelos diálogos que com ele entabulam, o adivinho, os reis, o consciencioso do espírito, o encantador, o papa, o mais feio dos homens,
o mendigo voluntário e a sombra parecem conhecê-lo muito bem.
Definindo-o de forma positiva ou negando o que ele não é, os interlocutores de Zaratustra são máscaras para a máscara que ele já é.
Se é através de seus interlocutores que Zaratustra se mostra, é
através de Zaratustra que Nietzsche se apresenta. Filósofo de máscaras, ele mais parece esconder-se que revelar-se35. Pede que não procurem interpretá-lo e alerta para que não o confundam. Essa dupla
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demanda reaparece, repetidas vezes, em seus últimos textos e na
correspondência do período. Mas ele quer ainda sublinhar a dificuldade de fazer-se entender, de partilhar o que pensa. As três idéias
acham-se presentes em Assim falava Zaratustra, ao longo de todo o
texto, a começar pelo subtítulo: um livro para todos e ninguém.
Pondo-se como ermitão e filósofo, Nietzsche deixa entrever que
há algo de incomunicável no que tem a dizer. É de vivências jamais
partilhadas que fala. Por engendrarem-se na solidão, suas palavras
trazem a marca do silêncio. Mas é, também, por outra razão que
elas calam. Entendendo que a filosofia é sempre experimental e
julgando que um filósofo não pode ter opiniões definitivas, ele acena com a idéia de que há algo de provisório no que efetivamente
diz. É de um momento do processo que fala.
Tampouco Zaratustra permanece o mesmo no correr do livro.
“Eu me transformo depressa demais: o meu hoje refuta o meu ontem. Salto amiúde os degraus, quando subo – e isto nenhum degrau me perdoa” (Za/ZAI, “Da árvore da montanha”) – diz a um
de seus discípulos. Em sua trajetória, ele sofre transformações; mais
ainda: sabe de suas transformações. É a luta permanente entre o
seu ontem e o seu hoje que o move; é o combate incessante entre o
que já foi superado e o que há ainda por superar que o impele.
Já na primeira página do prólogo, a personagem compara-se ao
sol; mais ainda, identifica-se com ele. Depois de abrasar a terra, o
sol tem de esconder-se; depois de saturar-se de sabedoria, Zaratustra tem de voltar ao convívio com os homens. Como o astro que se
põe todos os dias no horizonte, ele tem de descer da montanha para
o vale, dos cumes para as profundezas, do mundo para o submundo.
“Igual a ti”, declara, “tenho de declinar”36. O processo por que
passa se assemelha ao curso solar; bem mais, é com o movimento
cósmico que ele se confunde.
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Assim como a aurora e o ocaso se sucedem, destruir e construir
são momentos de um mesmo desenrolar. Não constituem pólos
antagônicos, mas se acham numa relação intrínseca. Ora, a palavra
“dionisíaco” vem expressar justamente “o sentimento da unidade
entre a necessidade do criar e do aniquilar”; Dioniso aparece como
a plena afirmação desse processo uno, “a eterna vontade de geração, de fecundidade, de retorno” (Nietzsche 17, KSA 13, p. 224,
14 [14] da primavera de 1888).
Dionisíaco é o mundo. Totalidade permanentemente geradora
e destruidora de si mesma, ele é pleno vir-a-ser: a cada mudança
se segue uma outra, a cada estado atingido, um outro. Totalidade
interconectada de quanta dinâmicos ou, se se quiser, de campos
de força instáveis em permanente tensão, ele é processo.
“Discípulo do filósofo Dioniso”37, assim se diz Nietzsche. Ele
reivindica a necessidade de destruição, mudança, vir-a-ser; reclama o processo permanente de aniquilamento e criação. Quer afirmar este mundo tal como ele é, “esse meu mundo dionisíaco do
eternamente-criar-a-si-próprio e do eternamente-destruir-a-si-próprio, esse mundo secreto da dupla volúpia, esse meu ‘para além de
bem e mal’” (Nietzsche 17, KSA 11, p. 611, 38 [12] de junho/
julho de 1885).
E, aqui, autor e personagem divorciam-se. Hesitante, Nietzsche
ora considera seu livro o maior presente que se fez à humanidade
ora pensa em renegá-lo38. Liberto, Zaratustra deixa de existir. Se
não chega a ensinar o eterno retorno do mesmo, é porque passa a
vivê-lo. Processo, ele não se torna um sujeito, não consolida um eu.
Na verdade, nem mesmo precisa de um nome; sequer uma personagem ele é. Converte-se em porta-voz de Dioniso.
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Abstract: Taking as point of departure the analysis of one section of
Thus spoke Zarathustra, the one called “Of the despisers of the body”, this
paper aims at discussing Nietzsche’s criticism of the notion of subject.
Trying to elucidate his conception and his uses of physiology, it intends
to evaluate the contributions the new conception of ego introduced
by Nietzsche.
Keywords: Zarathustra – subject – ego – body – physiology – Dionysian.
Notas
Procedimento recorrente no livro, esta seção vem elucidar
dois parágrafos da seção que a precede. Neste caso, presta-se, a meu ver, como comentário e desenvolvimento desta passagem da seção intitulada “Dos ultramundanos”:
“Acreditai-me, meus irmãos! Era o corpo que desesperava
do corpo – quem tateava com os dedos do espírito transtornado as últimas paredes. Acreditai-me, meus irmãos!
Era o corpo que desesperava da Terra – quem ouvia falarlhe o ventre do ser”.
2
Nietzsche 17, KSA 4, p.39, Za/ZA I, “Dos desprezadores
do corpo”, § 3. Salvo menção em contrário, é de minha
responsabilidade a tradução das citações.
3
Segundo Charles Andler, Nietzsche consultou o tratado de
Wilhelm Roux sobre a luta seletiva das partes do organismo. (Der züchtende Kampf der Teile oder die Teilauslese im
Organismus, zugleich eine Theorie der funktionellen
Anpassung) e o trabalho de Rolph sobre questões de biologia
(Biologische Probleme, zugleich als Versuch zur Entwicklung
einer rationellen Ethik), ambos de 1881. De Roux, Nietzsche
teria retido a idéia de que, no próprio organismo, entre
1
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Do dilaceramento do sujeito à plenitude dionisíaca
órgãos, tecidos e células, existe concorrência vital e, de
Rolph, a noção de que a concorrência, em vez de prejudicar a vida, aumenta sua quantidade (cf. Andler 1, tomo II,
p.525-532). No meu entender, as duas idéias vão achar-se
subsumidas no conceito de vontade de potência.
4
Ainda de acordo com Andler, Nietzsche encontrou subsídios para essa tese na psicologia positivista francesa, em
especial na obra de Ribot e Espinas (Andler 1, tomo II,
p. 533-537).
5
Cf. A esse propósito meu “Nietzsche: consciência e inconsciente”. In: Marton 15, p. 167-182. Importa notar que só
se pode falar em “seres” vivos microscópicos no momento
em que Nietzsche introduz em sua obra o conceito de vontade de potência. Mais adiante, quando elabora a teoria
das forças, ele deixa clara a opção que faz pela energética,
opção essa que desautoriza quaisquer resquícios de concepções atomistas ou materialistas.
6
Cf. Bíblia 3, João 10, 16: “Então haverá um rebanho e
um pastor”.
7
Cf. Müller-Lauter 16, em particular p. 21-22.
8
Cf. nessa direção Nietzsche 17, KSA 13, p. 326, 14 [142]
da primavera de 1888, onde se lê: “O chamado impulso de
conhecimento deve ser remetido a um impulso de apropriação e dominação: é por seguir esse impulso que se desenvolveram os sentidos, a memória, os instintos, etc.”
9
Cf. Klein 12, em particular p. 115-121.
10
Lamarck 13, vol. I, p. 370.
11
Sigo, aqui, a tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho,
que esclarece: “em linguagem comum, a palavra Selbst
substantivada (“o si-mesmo”) tem o sentido de “o eu’” (In:
Nietzsche 18, p. 301, nota 2).
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Marton, S.
A esse propósito, Giesz observa: “Zaratustra priva o simesmo de consideração científico-objetiva já pela forma
da comunicação; em outras palavras, o si-mesmo não é
demonstrado ou explorado indutivamente, mas sempre
suposto. (...) Contudo, o si-mesmo não permanece mero
fundamento místico, mas é apreendido indiretamente, uma
vez que se distingue claramente do exemplar Ich-Sein, do
‘caráter’ fixo” (Giesz 10, p. 25).
13
Desenvolvi tais idéias no meu trabalho Nietzsche, das forças cósmicas aos valores humanos, em especial no quinto
capítulo. Cf. Marton 14.
14
Cf. Nietzsche 17, KSA 4, p.47, Za/ZA I “Do pálido criminoso”; KSA 4, p.121, Za/ZA II, “Dos virtuosos”; KSA
4, p. 193, Za/ZA III, “O andarilho”.
15
Cf., por exemplo, Freud 9, Vol. X, p. 53 e Vol.XIV, p. 86.
16
Cf. Foucault 8, p. 329-30.
17
Cf. Colli 6, p. 153.
18
Cf. Nietzsche 17, KSA 10, p. 225, 5 [31] de novembro de
1882/ fevereiro de 1883: “Atrás de teus pensamentos e
sentimentos está teu corpo e teu si-mesmo no corpo: a terra
incognita. Para que tens esses pensamentos e sentimentos?
Teu si-mesmo no corpo quer alguma coisa com isso”. Cf.
também Nietzsche 17, KSA 5, p. 31, JGB/BM § 17, onde
se lê: “um pensamento vem quando ‘ele’ quer e não quando ‘eu’ quero”; de sorte que é uma falsificação do fato
dizer: o sujeito ‘eu’ é a causa do predicado ‘penso’”.
19
Acerca desta passagem, Fink comenta: “No desprezo
idealista do corpo, Nietzsche vê, conseqüente consigo mesmo, uma vontade de destruição que se ignora” (Fink 7,
p. 91). A meu ver, essa vontade de destruição diz respeito
à própria condição fisiológica daqueles que Zaratustra toma
como seus adversários nesta seção.
12
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No início da terceira seção do prólogo, ao discursar para a
multidão reunida na praça do mercado, diz Zaratustra: “Eu
vos suplico, meus irmãos, permanecei fiéis à Terra e não
acrediteis nos que vos falam de esperanças ultraterrenas.
Envenenadores são eles, que o saibam ou não” (cf.
Nietzsche 17, KSA 4, p. 15, Za/ZA, “Prólogo”, 3a Seção).
21
Esta passagem lembra, por certo, as próprias circunstâncias em que surgiu Zaratustra, tal como o autor relata:
“Estava sentado a esperar,
A esperar – a nada esperar,
Para além de bem e mal, a saborear
ora a luz, ora a sombra,
absorto nesse jogo,
que era lago, meio-dia, pura duração.
De repente, amiga, um se fez dois
E Zaratustra passou ao pé de mim...” (KSA 10, p. 107108, 3 [3] do verão/ outono de 1882).
Originalmente intitulado “Portofino”, o poema foi publicado em junho de 1887 nas “Canções do Príncipe
Livrepássaro”, enquanto apêndice à segunda edição da
Gaia Ciência.
22
Cf., dentre várias outras ocorrências, Nietzsche 17, KSA
4, p. 51, Za/ZA I, “Da árvore da montanha”.
23
Cf. Nietzsche 17, KSA 4, p. 282, Za/ZA III “O outro canto
de dança”, 1a Subseção, onde se lê: “Meus calcanhares
erguiam-se, meus dedos dos pés escutavam para compreender-te (a vida): pois, o dançarino leva o seu ouvido – nos
seus dedos dos pés!”
24
Cf. por exemplo Nietzsche 17, KSA 4, p. 111, Za/ZA II,
“Nas ilhas bem-aventuradas”.
25
Cf., dentre inúmeras outras ocorrências, Nietzsche 17, KSA
4, p. 14, Za/ZA, “Prólogo”, 2a Seção.
20
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“J’écrivais des silences, des nuits, je notais l’inexprimable.
Je fixais des vertiges” (Une saison en enfer, Alchimie du verbe.
In: Rimbaud 20, p. 130).
27
Nietzsche 17, KSA 9, p. 443, 11 [7] da primavera/ outono
de l881. A partir deste fragmento póstumo, comenta Jean
Brun: “é necessário, pois, repudiar essa individualidade
imaginária para ligar-se à grande árvore da Vida; é preciso
não mais tomar o ‘eu’, o ‘sujeito’, como a linha do horizonte, mas inverter a perspectiva para participar da corrente
comum que atravessa os indivíduos” (Brun 4, p. 77).
28
Poema de Ricardo Reis. In: Pessoa 19, p. 291.
29
“Fizeste do perigo tua profissão; nisso não há nada de
desprezível”, então lhe diz. “Agora por causa de tua profissão pereces; por isso quero sepultar-te com as minhas
mãos” (Nietzsche 17, KSA 4, p. 22, Za/ZA, “Prólogo”, 6a
Seção).
30
“Triste, vagueava, e cansado”; é como se sente. “E tornou-se igual àqueles de quem o adivinho falara” (Nietzsche
17, KSA 4, p. 173, Za/ZA II, “O adivinho”).
31
“Alto, anão! Ou eu ou tu!” – lança-lhe o desafio. “Mas eu
sou o mais forte de nós dois –: tu não conheces meu pensamento abissal!” (Nietzsche 17, KSA 4, p. 199, Za/ZA III,
“Da visão e enigma”, 2a Subseção).
32
Cf. Nietzsche 17, KSA 4, p. 12, Za/ZA, “Prólogo”, 2a Seção.
33
Cf. Nietzsche 17, KSA 4, p. 215, Za/ZA III, “Da virtude
que apequena”, 3a Subseção.
34
Cf. Nietzsche 17, KSA 4, p. 275, Za/ZA III, “O convalescente”, 2a Subseção.
35
Cf. nessa direção Heidegger 11, v. 1, p. 17 e Fink 7,
p. 15.
36
Nietzsche 17, KSA 4, p. 12, Za/ZA, “Prólogo”, 1a Seção.
Aplicado ao sol e também a Zaratustra, o termo untergehen
26
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inscreve-se em diferentes registros: alude ao ocaso do astro e à descida da personagem ao vale; comporta ainda a
idéia de declinar, ir abaixo, sucumbir.
37
Cf. Nietzsche 17, KSA 6, p. 258, EH/EH, “Prólogo”, § 2.
Cf. ainda KSA 5, p. 238, JGB/BM § 295 e KSA 6, p. 160,
GD/CI, O que devo aos antigos, § 5.
38
Cf. Nietzsche 17, KSA 6, p. 259, EH/EH, “Prólogo”, § 4.
Algum tempo depois de publicar a terceira parte do livro,
o autor renega as três primeiras e planeja elaborar um novo
Zaratustra a partir da quarta.
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Stuttgart: Deutsche Verlags-Anstalt, s/d.
11. HEIDEGGER, Martin. Nietzsche. Berlim: Gunther Neske
Verlag, 1961. 2v.
12. KLEIN, Marc. Regards d’un biologiste. Paris: Hermann,
1980.
13. LAMARCK. Philosophie zoologique. Bruxelas: Culture
et Civilisation, 1963. 2v.
14. MARTON, Scarlett. Nietzsche, das forças cósmicas aos
valores humanos. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2a.
Edição, 2000.
15. _______. Extravagâncias. Ensaios sobre a filosofia de
Nietzsche. São Paulo: Discurso Editorial e Editora
Unijuí, 2a. Edição, 2001.
16. MÜLLER-LAUTER, Wolfgang. “Décadence artística
enquanto décadence fisiológica”. In: Cadernos Nietzsche
6 (Maio de 1999). Trad. Scarlett Marton. São Paulo:
GEN, p. 11-30.
17. NIETZSCHE, Friedrich. Werke. Kritische Studienausgabe
(KSA). Edição de Colli e Montinari. Berlim: Walter de
Gruyter & Co., 1967-1978.
18. _______. Obras incompletas. Tradução de Rubens
Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 2ª
ed., 1978.
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Do dilaceramento do sujeito à plenitude dionisíaca
19. PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: José
Aguilar, 1969.
20. RIMBAUD, Arthur. Oeuvres poétiques. Paris: GarnierFlammarion, 1964.
21. SALAQUARDA, Jörg. “A concepção básica de Zaratustra”, in Cadernos Nietzsche 2 (maio de 1997). Trad.
Scarlett Marton. São Paulo: GEN, p. 17-40.
22. ZOLA, Émile. Le Roman expérimental. Paris: Flammarion, 2006.
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Lendo Da visão e do enigma
Lendo Da visão e do enigma*
Gilvan Fogel**
Resumo: Uma leitura de Da Visão e do Enigma, em Assim Falava Zaratustra, parte III. O destino (história) do homem (Zaratustra) como um destino (história) de dor – a dor que é a vida, enquanto limite, finitude. Dor
maior, porém, é a da revolta contra a dor, i.é, a história do homem doente
do homem (Ocidente, Europa), do espírito de vingança – o humanismo
greco-cristão e sua insistente reivindicação de infinito, ilimitado, eternidade, substancialidade (Deus). Ação de hybris, sanha-melancolia. Superação do homem e assunção de dor – limite, finitude.
Palavras chaves: homem – vida – dor – revolta – espírito de vingança
Comentário do § 1
1. Agora, percorrida a Introdução, estamos melhor equipados
para ler Da Visão e do Enigma. E isso porque sabemos ou, talvez,
entrevemos, agora, “o que vai no coração do viandante”, do errante, isto é, do homem ocidental que, a bordo de seu programa histó*
**
O presente texto é um fragmento. Ele faz parte de um ensaio maior, que
pretende ser uma leitura/interpretação mais detalhada, mais cuidadosa,
de Da Visão e do Enigma, em Assim Falava Zaratustra, III. A este fragmento precede uma Introdução preparatória, a qual é aludida, logo na
abertura. Portanto, esta é sua suposição. A forma, carregando esta suposição, foi contudo mantida, na certeza que ela não compromete basicamente a inteligibilidade do que vai dito. Como se verá, o texto que segue
ocupa-se tão-só com o § 1 do referido discurso do Zaratustra.
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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Fogel, G.
rico, cumpre sua viagem, sua peregrinação, quer dizer, sua estória
(acontecer, suceder, devir) de homem doente do homem.
Este homem, todo furor – ora todo desmedido entusiasmo, ora
todo inveja, ciúme, tristeza, amuo, amargura, acedia, nostalgia, ira,
ódio – este homem, pois, que é todo o repertório das variações e
das modulações de sanha, de hybris, de algum modo e exageradamente compactadas na designação melancolia, enfim, este homem
configura a grande dor, perfaz a dor-homem ou, o que é a mesma
coisa, o “homem-dor” (der Menschen-Schmerz). O inquieto, mais, o
desesperado coração humano. O discurso, intitulado Da visão e do
Enigma, fala da experiência dessa dor, de sua superação ou
atravessamento (Verwindung). A fala do discurso faz-se, pois, no
permeio desse humor, dessa experiência de dor. Nisso, dentro disso,
através disso é preciso ver o que o discurso descreve. Nisso, através
disso dá-se sua visão e seu enigma. E que visão é essa? Que enigma?!
Dissemos: dor, essa dor perfaz a substância, o tecido do coração
do homem, isto é, no discurso, do coração de Zaratustra. E, lembremos: “Do que está cheio o coração, fala a boca”! Mas perguntase: Como fala seu coração? E o texto nos responde: entrando, afundando no abismo, que é essa dor, e à medida que, assim afundando,
cuidadosamente, põe-se à escuta, à sua escuta e ausculta.
Com tal escuta ou ausculta, começa a fala de Da Visão e do
Enigma, que vai dividida em duas partes, numeradas 1 e 2. O §1 é
ainda um preâmbulo, uma preparação para o grande anúncio, para
a grande visão, que se faz no §2. “Grande”, aqui, está dizendo:
mais compacto, mais intenso, mais radical – enfim, mais evidente
ou essencial.
2. Vamos à leitura. Da Visão e do Enigma assim se abre:
Tão logo entre os tripulantes se soube que Zaratustra estava a bordo
– pois um homem, vindo das ilhas bem-aventuradas, subira com ele
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Lendo Da visão e do enigma
para o navio – houve grande curiosidade e expectativa. Mas Zaratustra
guardou silêncio durante dois dias, frio e surdo de tristeza, a tal ponto
que não respondia nem a olhares nem a perguntas. Na noite do segundo dia, contudo, tornou a abrir os ouvidos, se bem que ainda se mantivesse calado: porque havia muita coisa estranha e perigosa para ouvirse, nesse navio, que vinha de longe e rumava para ainda mais longe.
Mas Zaratustra era amigo de todos os que empreendem longas viagens
e não gostam de viver sem perigo. E eis que o escutar soltou-lhe a língua, rompendo o gelo de seu coração; então, começou a falar assim:
(...). (Cf. Za/ZA III, “Da Visão e do Enigma”).1
A viagem, portanto, é o movimento, a dinâmica de exposição
do programa histórico do Ocidente, a saber, a vontade de infinito e,
nela, a vontade de substância, que inclui a vontade de reforma, de
correção e, por fim, de substituição da realidade, da vida. A viagem é a história do espírito de vingança, também e sobretudo
marcada pela revolta contra a dor, o que, no desenrolar da história,
revelar-se-á como sendo a grande, a maior dor. Pois bem, nessa
viagem, a bordo desse programa, embarcado nessa nave, Zaratustra, isto é, o homem ocidental, a certa altura silencia, fez-se “frio e
surdo de tristeza, a tal ponto que não respondia nem a olhares, nem
a perguntas”.
Ele rende-se à tristeza, à melancolia que coage, que comprime,
que oprime e que assim subjuga e faz afundar. Ele afunda, quer
dizer, ele é jogado cada vez mais para o fundo, em movimento crescente de a-pro-fundamento na tristeza, na melancolia – na e da dor.
O jugo, a coerção é tal que ele se torna “frio e surdo”, isto é, como
se estivesse ou se fizesse apático, indiferente, fechado, sim, paralisado, inerte. E isso é movimento, é viagem, é vida – a vida da tristeza coercitiva, enquanto a destinação do programa-infinito.
A verdade é que, assim fechado, assim coagido, assim como
que apoderado e mineralizado por dor e na dor, ele, o homem, vai
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se centrando e se concentrando cada vez mais na dor que ele é – a
revolta, sobretudo! – e assim vai crescentemente descendo, afundando no próprio abismo, isto é, no fundo ou fundamento da dor
que, vimos, é o abismo, o a-bysso, o sem-fundo. Aqui, nesta hora,
a viagem se faz, paradoxalmente, uma escalada na e da descida, no
e do a-profundamento no fundo sem fundo, no e do abissal.
Decisivo, porém, é que esta escalada de descida no fundo sem
fundo da dor, no abissal, é todo um tempo de escuta. Por isso, na
verdade, ele aparenta estar surdo, fechado, inerte. Ele está, sim,
surdo, fechado a tudo que é fora, estranho à radicalidade desse
destino de dor – a esta descida na dor. Estranho, surdo e fechado,
portanto, a toda e qualquer solicitação marginal, desviante,
desorientadora da própria necessidade. E ele assim se faz para ser
todo escuta no que é e se faz desde dentro, no e desde o próprio.
Ele é todo escuta de dor, do destino de dor.
Escuta?! Mas o que é escuta? Como? Em Ecce Homo, Nietzsche
disse: “O Zaratustra é o renascimento da arte do ouvir. Um pressuposto para ele” (EH/EH, “Assim Falava Zaratustra”).
Com certeza, em questão não está o aparelho auditivo, a neurofisiologia da audição, impressões sonoras, representações no córtex cerebral, nervos aferentes e eferentes, sinapses, etc., etc...
Escuta, aqui, é algo mais vago (!), menos preciso... Escuta, aqui, é
o nome da concentração na coerção da dor; é o nome do recolhimento e do consentimento nesse movimento de descida ao fundo e
que revela: “Cume e abismo estão reunidos em um”; escuta é o
nome do aquiescimento nessa dinâmica, que assim se impõe como
estória (devir) de dor. Enfim, escuta é o nome da concentração, do
recolhimento e do assentimento na necessidade. É, pois, o b e d i ê
n c i a. É na escuta, é nesse recolhimento, que é doação e exposição
à coisa, isto é, à dor, que se fazem doação e exposição à transcendência, uma vez que o homem se faz abertura e aquiescimento a
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este acontecimento transcendente, que lhe sobrevem e lhe acomete, a saber, a dor.
É ainda na escuta, como escuta e desde escuta que acontece
outro fenômeno de decisiva importância transfiguradora: é aí e assim que se faz corpo (Leib). De novo, não corpo físico, físico-químico, neurobiológico, mas a intensidade vital (vida, Leben), que não é
intelecto ou razão, que não é consciência ou sujeito da representação, mas que, enquanto esta doação e exposição à coisa, portanto,
enquanto toda intensidade vital na participação, é o que o texto chama também coração. “Coração”, ouçamos “Thimós”, “vitalidade”
– mesmo “Mut” e “Gemut” (i.é, coragem, ânimo), tal como veremos adiante. É a frieza, o gelo, a rigidez desse coração, desse corpo,
que será quebrada, rompida, superada na escuta, desde a escuta.
“Na noite do segundo dia, contudo, tornou a abrir os ouvidos,
se bem que ainda se mantivesse calado: porque havia muita coisa
estranha e perigosa para ouvir-se nesse navio, que vinha de longe e
rumava para mais longe ainda”, uma vez que o rumo desse navio é
o rumo, quer dizer, o destino da estória (acontecer, devir) do homem. É este que vem de longe e que vai para mais longe ainda e é
este destino que está marcado e entremeado por muitas “coisas”,
muitos acontecimentos, explícitos ou velados, que muito precisam
ser ouvidos, auscultados, para que, em tal auscultação, mostre-se,
faça-se visível, e então mais necessário ainda, o próprio destino, a
própria estória.
Zaratustra, o viajante interessado e partícipe desse destino à
medida que o pensa, isto é, à medida que se empenha por entrar
na vida dessa estória, “é amigo”, quer dizer, é próximo, é afeiçoado ou consangüíneo com todos aqueles que igualmente estão a bordo e que igualmente são viajantes, mas principalmente amigo, consangüíneo, não daqueles que vão a bordo como se fossem
mercadoria, isto é, tonel, fardo ou outra coisa qualquer, mas, sim,
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daqueles que são ou estão interessados e partícipes em tal viagem,
em tal destinação estórica, em tal vida ou existência também na escuta, desde e como escuta. São estes que “não gostariam de viver
sem perigo”, pois é para estes e só para estes que se revela, que
“viver é muito perigoso”, quer dizer, que viver, ser estorialmente
(sob a forma e a lei de devir) é, a cada passo, decidir o que será, em
indo ao encontro do que precisa ser – isso é destino. Desse modo
cumpre-se real viagem, quer dizer, real cumprimento de experiência, de envio estórico.
Assim, nessa determinação e esforço de escuta, por fim, “o escutar solta-lhe a língua e rompe-se o gelo de seu coração”. Língua
solta, gelo rompido, ele fala, pode falar, isto é, dizer, mostrar, tornar visível. Será esta a fala, o discurso de sua visão em escuta, desde escuta, por causa da ou graças à escuta.
A escuta, mais, a ausculta (o texto fala de “zuhören”) solta, ou
seja, desamarra, desata, libera ou liberta a língua, a fala, o discurso. A fala, agora, se faz como dizer ou mostrar isso que se revela e
assim se impõe na escuta. Na escuta, isto é, na obediência. A fala,
agora, é obediência de obediência e assim e por isso o coração degela, se revitaliza, se faz realmente o que ele é, a saber, vida, pulso,
cadência. Vida é o pulsar, o cadenciar-se de escuta, de obediência.
A escuta de dor, que é o fundo da vida: “Quanto mais fundo o
homem olha na vida, tanto mais fundo ele olha também na dor”.
É decisivo observar-se, que em última, isto é, em primeiríssima instância, a viagem o é de dor. É na dor que o homem é passageiro. É a bordo da dor que ele está, que ele é. É embarcado na dor,
no navio-dor, que ele ruma e faz estória, perfaz seu destino. Repitamos: a viagem o é de dor e o homem, encarnado em Zaratustra, é o
lugar, a hora, o elemento desta viagem, desta travessia, melhor, deste
atravessamento ou perpassamento. É nessa viagem, assim em escuta e obediência à necessidade de dor, que se faz a superação
(Überwindung), melhor, o perpassamento (Verwindung) de dor, quer
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dizer, da dor-homem, enfim, do homem. Superação, atravessamento
não diz largar, abandonar, deixar de lado, mas justamente atravessar, perpassar. O que é isso e o que acontece então?! ... O fato é
que, mais uma vez, é nesse atravessamento, nesse perpassamento
como e desde escuta, que é preciso entender-se a dimensão corpo
(Leib) como lugar, hora, ou elemento da vida (Leben). Aqui, assim,
corpo (Leib) e vida (Leben) dizem o mesmo. E é porque a viagem o
é de dor e porque o homem, em escuta, aí é seu passageiro, que
ele, o homem, se faz aberto à transcendência. Dor é a transcendência
da vida, na qual o homem está, a qual ele é. É assim e por isso,
graças a isso, que seus ouvidos se abrem e que sua língua se solta,
se liberta. Não fosse assim e “descer à dor”, ao fundo da dor, seria
heroísmo (voluntarismo) e bazófia do sujeito, do “homem”.
Assim transformado, assim transfigurado desde essa escuta, é
que ele, o homem, começa a falar. Começa a discursar, ou seja, a
mostrar e fazer ver a “visão do mais solitário”. Ele diz:
[3] A vós, intrépidos buscadores e tentadores de mundos por descobrir, e quem quer que algum dia, com astuciosas velas, se embarcasse
por mares temerosos –
A vós, os ébrios de enigmas, os amigos do lusco-fusco, cuja alma é
atraída com flautas para todo o enganoso sorvedouro –
Pois não quereis, apalpando-o com mão covarde, seguir um fio que
vos guie e, onde podeis adivinhar, detestais inferir –
A vós somente conto o enigma que eu vi – a visão do mais solitário
(Za/ZA, “Da visão e do Enigma”, § 1).
O homem, o viajante, o errante, começa ratificando sua já falada pertença, sua amizade ou consangüinidade com aqueles que são
interessados e partícipes na viagem, na estória, a saber, os que buscam, arriscam, aventuram-se nas fendas e meandros desse devir
errante e, assim e por isso, são os atraídos, os seduzidos e embria-
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gados por enigmas, na verdade, os que se alegram do lusco-fusco,
isto é, os que se comprazem também com o ambíguo e o obscuro
dessa proveniência e dessa destinação estórica e, desse modo, são
levados, “seduzidos” para caminhos, sendas errantes, que podem
se tornar goelas, gargantas, sorvedouros. Este viajante, o homem
comprometido decisivamente com seu próprio destino, se diz um
amigo, um consangüíneo daqueles que “não querem tatear um fio
com mão covarde e [que] onde podem adivinhar não querem inferir” – O que quer dizer isso?
O homem chamado e, então, movido pelo fazer-se de caminho,
o homem pro-movido por experiência, ou seja, marcado por escuta
e, então, por corpo – “a grande razão”, diz Zaratustra – pois bem,
este homem não suporta, melhor, não concede ou transige em seguir o fio condutor do silogismo, da dedução lógico-formal, enfim,
ao ditame do intelecto, da “razão” – isto é, da “pequena razão”,
ainda segundo Zaratustra, em Dos Desprezadores do Corpo. Isso, a
saber, o fio condutor da razão, da ratio (o fio da causalidade, a
conexão antecedente-conseqüente, causa-efeito), é “mão covarde”,
porque não se lança, não se propõe a agarrar aquilo que se dá em
escuta e somente na e desde a escuta. “Covarde” porque não obedece ao que precisa ser: o ouvir, o auscultar. “Mão covarde” é pensamento covarde, ou seja, nenhum pensamento, à medida que prefere, quer dizer, privilegia concluir, inferir, deduzir lógico-formalmente
e, assim e por essa via, caminhar tirando “conclusões lógicas”, conseqüentes ou consistentes. Pequena razão!
Não, o homem de experiência, de escuta e de obediência, onde
pode adivinhar (erraten), detesta inferir (erschliessen). “Adivinhar”
(erraten), aqui, é seguir, obedecer à fala ou conselho (Rat) da escuta,
isto é, da experiência, do corpo. É isso que lhe concede o poder, o
direito de adivinhar. Ele segue, sim, um fio, um caminho, mas o fio
ou o caminho da escuta, do corpo – “sob o fio condutor do corpo”
mais do que um título, é um imperativo do pensamento de Nietzsche
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e o imperativo de acompanhamento deste destino, desta estória de
dor. Isso, a saber, obedecer à fala ou ao conselho de escuta – isso é
realmente pensar. Pois é por este caminho que é possível pôr-se à
altura das próprias coisas – mais uma vez, isso é pensar! – ou seja,
meditar, besinnen, que é entrar no sentido da própria coisa e assim
participar dele e, por isso, poder dizê-la, mostrá-la ou fazê-la visível
nela mesma e desde ela mesma. Isso é realmente dizer com fundamento in re (pois “coisa”, a “coisa” é sua escuta, o que se mostra ou
se dá na escuta!), quer dizer, falar ou dizer a partir do pôr-se e impor-se da própria coisa – no nosso caso, aqui, agora, a dor – e assim
evidenciá-la, torná-la visível. Zaratustra, o homem de caminho, de
experiência de dor, está falando: amo, isto é, quero, isto é, acolho e
obedeço aquele e somente aquele que se dispõe a fazer caminho e
só desde ou a partir de caminho fala, faz, vê – enfim, pensa. Este é o
método. Só sabe quem faz, co-faz. Este, só este realmente vê. Só este
tem, só para este pode dar-se “a visão do mais só, do mais solitário”.
“Só”, “solitário” não está falando do ensimesmamento mórbido, da introspecção doentia, do encasulamento subjetivista, do isolamento intimista, choroso, meloso, com ecos de romantismo lamuriento. O só, o solitário, aqui, o é do e desde o caminho próprio, do
e desde o próprio fazer, perfazer. É o só da tarefa própria ou da
ação intransferível, que ao longo de sua realização vai cunhando
uma identidade – sim, um próprio. “Só”, então, fala daquele que,
por esta via, desse modo, cresce e se faz um, uno, quer dizer, íntegro, coeso – como “o coração inabalável da verdade”...
E isso se torna o mais só, o mais solitário, quando este fazer ou
esta tarefa é decididamente o caminho de dor, pois dor corta, separa, isola, quer dizer, faz ficar irremediavelmente só e todo um, no
sentido que evidencia o impartilhável, o intransferível de dor. Dor
en-so-zinha (!), singulariza – torna uno e indivisível. E este mais só
é igualmente mais porque esta dor, ou seja, a dor do homem que
faz o caminho, a estória do homem doente do homem, é a dor mais
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radical, mais enraizadamente dor, a dor que dói em todo doer, seja
na unha encravada, no calo; seja no luto, na amargura; seja no ódio.
Trata-se da dor-homem ou do homem-dor – “der MenschenSchmerz”, diz o texto. Esta é a dor que é o próprio ser e viver irremediavelmente no finito, no limitado, no pouco, portanto, a dor que
é existir, ser homem. Aquele que faz até o fim este caminho desta
dor, aquele que afunda até o fundo sem fundo (abisso) desta dor –
este vê, para este se dá a visão, que é também enigma. Enigma,
aqui, não está se referindo a nada escondido, recôndito, subterrâneo, mas fala do que se faz e do que se dá (se mostra) necessariamente – súbita e abissalmente, quer dizer, gratuitamente, ou seja,
sem porquê, sem para quê, sem de onde, sem para onde. Sem sentido – e este será t o d o o sentido! É só o que é e desse modo impõese inexoravelmente. Assim é o limite, que é a dor, a dor-homem.
É no fim, na cumulação desse caminho, que “cume e abismo se
reúnem em um”: o mais fundo e o mais alto, mais elevado; o mais
raiz, o mais radical e o mais sublime; o mais terra, mais humano e o
mais céu, mais divino; o mais pesado e o mais diáfano – são um só
e mesmo limiar, uma só linha de consangüinidade. O instante.
Aí, sobretudo aí, o mais só, o mais solitário.
Há que ouvir a fala do mais solitário – “as mãos do mais solitário erram menos”, disse Rilke –, assim co-fazer o caminho e então,
sim, compartilhar da visão. O compartilhar de quem co-faz – só
quem faz sabe, vê!
E o mais só, o mais solitário fala:
[4] Sombrio, eu caminhava, recentemente, no lívido crepúsculo – sombrio e crispado, mordendo os lábios. Não apenas um sol se havia posto
para mim.
Uma senda, que subia obstinada por entre pedras, uma senda má,
solitária, sem mais o consolo nem de ervas nem de arbustos, uma senda
alpestre rangia sob a obstinação de meu pé.
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Avançando silencioso sobre o escarninho rangido do cascalho, pisando em seixos que o faziam escorregar; assim forçava-se meu pé a
subir (Za/ZA III, “Da visão e do Enigma”, § 1).
A fala é uma recordação. Recordação de percurso, de viagem,
de peregrinação num ermo, num deserto. A fala relembra a aspereza, a dureza do caminho. Subida íngreme – caminho pedregoso,
duro, difícil, puxando para trás. É crepúsculo, fim de dia, poente,
(O)ocidente e de “cores cadavéricas” — “leichen farbne”. A caminhada se faz com lábios crispados, mordidos. Talvez, rangendo
dentes. Não está excluído, em alguma hora, convulsão, espasmo –
sim, ira. E ele diz: “Não apenas u m sol se havia posto para mim”.
Na verdade, era tão sombrio, tão inóspito, tão só, que é como se t o
d o s os sóis se tivessem posto... Todos os dias desfeitos – noite,
noite, só noite. Sol, sóis?! O que é sol? (cf. FW/GC § 125).
Sol evoca luz, calor, força, vida – centro (de gravitação, de
atração), núcleo. O sol está para a Terra, para a vida, tal como Deus,
a metafísica, para a tradição cristã-ocidental, para o humanismo
greco-cristão. Deus, igualmente, diz centro de gravitação, de atração,
núcleo, substância, fundamento, princípio, causa, causa prima.
E assim ele evoca assentamento, segurança, estabilidade – substancialidade. A caminhada do “homem doente do homem” – o
humanismo greco-cristão – é a caminhada, a estória de crescimento e também do esvaziamento de Deus. A estória e o tempo da morte de Deus. “Deus está morto” – aqui começa e aqui acaba a experiência do pensamento de Nietzsche, pensamento este, que, por esta
via, está decidido a trazer à tona a “história velada da filosofia”,
isto é, do Ocidente, da Europa. Este pensamento fala, mostra o ocidente do Ocidente.
Quando este sol (=Deus) se põe, é mais do que um só sol, pois,
na verdade, são todos os sóis. Todos se desfazem, esvaziam-se, quer
dizer, todas as forças, todos os vetores, todos os sentidos – todos os
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valores. O Deus do Ocidente são muitos deuses, quer dizer, são todas as formas, todos os modos possíveis da metafísica, do projeto
metafísico (= vontade de infinito, de substância) se concretizar ou
estoricamente, isto é, em acontecer e devir, se realizar.
Todo e cada valor é Deus, que por ele, nele, como ele fala e se
expõe, isto é, se realiza, se concretiza. O mais só, o mais solitário é
também o mais sem Deus, o mais ateu – o mais sem chão, sem
terra firme. Deus, a metafísica, é compaixão pelo homem. Mais, é
autocomiseração. E o mais só não se compadece sobretudo de si
mesmo. Nisso, a saber, de ser o mais só, ele não se economiza.
Quer dizer, ele se dá à coisa, ao caminho. Assim, a caminhada do
mais só, do mais solitário – do sem Deus, do ateu – é andança,
peregrinação no escuro, na noite, sem sol.
Tal como ele recorda, ele vai frio, lívido, cadavérico. O caminho é senda, trilha pedrenta, pedregosa, árida, quase intransitável,
sem o consolo ou o conforto de uma erva, de um arbusto – sem
nenhuma insinuação ou promessa de verde, isto é, de vida. Subida,
ascensão insistente e penosa. Viela. “Porta estreita”! Só passa, só
entra quem faz! Quer dizer, faz o caminho que, de algum modo, é
fazer o fazer! Secura, aridez, ermo, deserto. Deserto é sempre lugar e hora de solidão; imensidão, uniformidade, monotonia – lugar
e hora em que o espírito, a força ou a têmpera de um homem é
posta à prova. Aqui, principalmente aqui, o imperativo é não pensar
(isto é, refletir, inferir, considerar, ponderar, avaliar), mas resistir,
suportar – superar, atravessar, perpassar, ou seja, über-winden, verwinden. Há que ser, sim, camelo, muito camelo! Assim é o caminho, o percurso, a estória de dor.
No caminho áspero, na subida cheia de cascalho, que rola sob
os pés e assim puxa de volta, para trás e para baixo – nessa penosa
escalada o pé “impelia, coagia (“also zwang mein Fuss sich aufwärts”,
diz o texto), obrigava a subir”, quer dizer, aquele que faz a escalada impõe-se, obriga-se a si próprio, faz crescer desde si mesmo esta
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imposição de subida, de escalada, ou seja, de subida e de escalada
aos píncaros da dor – da vida, da existência. Nada de fora, de estranho ao próprio caminho obriga, coage ou impõe isso, mas a hora
é de imposição, de obrigação, de coação de si (homem) para si (homem). Isso, só isso, aqui, agora, se revela como brio, amor próprio.
Em questão está conquista de próprio, de identidade, de liberdade
– a liberdade de ser o que é, o que precisa ser. Então: subir, subir,
para o alto, para o alto! ...
Ouçamos a seqüência:
[5] ... assim forçava-se meu pé a subir.
A subir – a despeito do espírito que o puxava para baixo, para o abismo, o espírito de gravidade, o meu demônio e mortal inimigo.
A subir – muito embora ele tivesse sentado nas minhas costas, meio
anão, meio toupeira; aleijado, aleijador; pingando chumbo em meus
ouvidos e pensamentos como gotas de chumbo no meu cérebro (Za/ZA
III, “Da Visão e do Enigma”, § 1).
Subir! Subir! Elevar-se. Para o alto! Para o alto! Crescer, quer
dizer, intensificar-se, essencializar-se. Há uma hora em que vida
parece ser ou precisar ser irrevogavelmente isso – só isso.
Mas eis que entra o “espírito de gravidade”, isto é, do peso (Geist
der Schwere), demônio e mortal inimigo de Zaratustra, quer dizer,
do homem empenhado em conquistar sua humanidade. Portanto,
demônio e mortal inimigo da vida.
E o que é o “espírito do peso”? Schwer, dizendo “pesado”, diz
também difícil, duro, áspero, penoso – pesado, porque difícil; difícil, porque pesado. Estranha e paradoxalmente é uma espécie de
categoria da vida, da existência, e que conspira contra a própria
vida. Mais adiante, no § 2 de Da Visão e do Enigma, sob a forma
de anão, o espírito do peso terá lugar e papel decisivos. Ainda na
terceira parte do Zaratustra, encontramos um discurso, intitulado
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“Vom Geist der Schwere” – “Do Espírito do Peso” –, onde esta categoria é tematizada. Grosso modo, o espírito do peso fala da tristeza,
da melancolia, e toma a vida e a Terra, isto é, o finito, o limitado,
por pesados demais, isto é, pesados ou difíceis demais para carregar, suportar. Uma carga que seria sobrecarga.
Este espírito do peso aparece como demônio e mortal inimigo,
inimigo figadal, proto- ou arqui-inimigo (“Todfeind, Erzfeind,
Urfeind”), porque vida, em hora decisiva, parece ser crescimento,
intensificação, floração, emergência, quer dizer, um irromper, aparecer, expor-se e vir à luz. Mas, tal como o demônio na fala do Fausto,
de Goethe, que é “o espírito (= força) que diz sempre não!”, o espírito do peso nega, recusa, puxa para baixo, amolece o ânimo,
entorpece – pingando, gota a gota, chumbo nos pensamentos, nos
propósitos, na ação, enfim, no ânimo, na força vital. É este o seu
lado “anão”, “toupeira”, ou seja, seu lado cavernoso, subterrâneo,
de forças obscuras e, sim, conspiradoras... “Aleijado, aleijador”,
diz a tradução citada. A palavra, em alemão, é lahm, lähmend, talvez, aqui, mais precisamente, lahm diga paralítico, sem forças, então, lerdo, letárgico. Neste sentido, portanto, paralizante. Embotador, paralizador da vida, de seus impulsos ou tendências de ser
para fora, para cima, para o alto: crescimento.
Descartes fala da tormenta deste espírito demoníaco. É no final
da primeira meditação, após ter posto em prática todo o esforço de
catarse, de purificação, de libertação das “opiniões recebidas”,
portanto, em pleno jogo de vida ascendente, crescente, em floração
de sinceridade ou de autenticidade – e, nisso, esforço, empenho,
trabalho. Pois aí, justo aí, Descartes viu-sentiu verticalmente a força e o poder do “espírito do peso”, que ele denominou “une certaine
paresse” – sim, a preguiça, este terrível demônio!! –, “que insensivelmente me arrasta de volta para o curso da vida ordinária”, isto
é, puxa para baixo, para trás, de volta para o hábito e, neste sentido, o lerdo, o torpe, o inerte. E Descartes faz a comparação: “E,
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assim como o escravo que gozava de uma liberdade imaginária,
quando começa a suspeitar de que sua liberdade é apenas um sonho,
teme ser despertado e conspira (!!) com estas ilusões agradáveis para
ser mais longamente enganado, assim também eu re-caio insensivelmente de mim mesmo [i.é, do próprio ou do autêntico da tensão,
da atenção!] em minhas anteriores opiniões e evito (!) despertar dessa
sonolência, desse torpor...”2, isto é, o espírito, a força da preguiça
que conspira com o sono e com a mentira para continuar sonhando
e continuar na doce mentira, na ilusão e no conforto da sonolência,
do torpor, “de cet assoupissement”, diz o texto francês.
Sim, o espírito do peso conspira contra a vida! Ele procura dissuadir, amolecer o ânimo, portanto, desencorajar, des-animar. Como
bom anão, isto é, filho de vermes que roíam o cadáver de um gigante3, portanto, como bom anão, o espírito do peso solapa, rói,
rói, rói! Corrói! Roer, corroer é o seu ofício... E ele, isto é, esta
forma, esta estrutura ou categoria da vida faz isso porque, tudo indica, fazer, empenhar-se, esforçar-se é ruim...! Logo, “ergo”, não
fazer, ceder à preguiça, à inércia, ao torpor, à letargia é o mais fácil
– “melhor”!
O torpor, a inércia, parecem melhores, quer dizer, mais cômodos, mais confortáveis do que o empenho, o esforço, o trabalho ...
Este é maldito! O espírito do peso é, sim, constitutivo da vida (não
fora assim e ele não seria uma categoria), mas é ele, é isso que precisa, que precisará sempre ser também superado, ultrapassado...
De maneira mais incisiva, quer dizer, psicologicamente mais
perspicaz, o espírito do peso estará falando da compaixão – a compaixão da vida ou do homem por ela ou por ele mesmo. Ele fala,
então, de auto-compaixão, de auto-comiseração. E a compaixão é a
maneira, a forma inoportuna, quer dizer, inadequada, falsa, in-essencial do homem se relacionar, se medir com dor. Ela não deixa
dor ser dor... Ela é incapaz de ver – e deixar ser! – na dor o princípio
aristocrático, essencialmente humano, da distância e da solidão.
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Mas vejamos a continuação do texto.
[6] ‘Ó Zaratustra’, cochichava, zombeteiro, pronunciando sílaba por
sílaba, ‘ó pedra da sabedoria! Arremessaste-te para o alto, mas toda a
pedra arremessada precisa – cair!
Ó Zaratustra, pedra da sabedoria, pedra de funda, destroçador de
estrelas!
A ti mesmo arremessaste tão alto; mas toda pedra arremessada – precisa cair!
Condenado a ti mesmo e ao teu próprio apedrejamento, ó Zaratustra,
bem longe, sim, arremessaste a pedra – mas é sobre ti que ela cairá de
volta’ (Za/ZA, “Da Visão e do Enigma”, § 1).
Lembremos e observemos: há que ouvir nesse diálogo de Zaratustra com o espírito do peso um diálogo da vida com a vida, fazendo vir à tona algo de essencial – a saber, vida como ascensão, emergência, crescimento, intensificação e a puxada para baixo, a
conspiração da vida contra a vida, a de-cadência. Como todo grande pensamento, como toda autêntica filosofia, no olhar de Platão, é
um diálogo de Psyché (vida) com Psyché (vida).
A fala do espírito do peso revela como se faz e a que se refere
seu trabalho de sapador, seu ofício de roer. Sua fala é soprada,
“cochichada”, sussurrada, ciciada. É assim que sua fala se faz mais
insinuante. Ela é medida, pesada, sopesada – gotejada, quer dizer,
vai gota a gota instilando o veneno, a dissuasão, o entorpecimento.
Seu ar, seu olhar é, por um lado, sarcástico, sardônico – höhnisch.
Por outro, é, sim, adulador. Ele começa se referindo a Zaratustra
como “pedra da sabedoria”. Isso é elogioso, gratificante – aí a adulação! Por outro lado, na mesma fala, com o mesmo tom, através do
mesmo discurso ele corrompe, entorpece, amolece o ânimo – isso é
astúcia. Demoníaca astúcia!
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“Pedra da sabedoria”! Pedra é coisa firme, sólida, sobre a qual
se constrói, se ergue algo igualmente sólido – por exemplo, um
saber, uma sabedoria radical ou fundamental, que é o que, no
caminho do mais só, do mais solitário, se mostra como sendo o saber do fundo sem fundo da dor, da vida. É um saber que é como
“pedra angular”, isto é, aquela que, por exemplo, na construção de
um arco, de uma ogiva ou de uma abóbada, que vai se erguendo
toda escorada, ela é a última a entrar, a se encaixar, mas se mostra sendo a primeira e a fundamental, uma vez que esta, retirado
todo o escoramento, se mostra ser aquela que tudo ata, junta,
conecta, compõe, amarra – suporta. Vê-se que, se ela for retirada,
tudo se abala, tudo se compromete e a obra vem toda abaixo. Assim é a “pedra da sabedoria” ou o saber conquistado pelo homem
doente do homem na sua caminhada de atravessamento da dor, da
dor-homem, que, de novo e sempre, é o caminho do mais só, do
mais solitário.
Este saber é ainda chamado “pedra de funda”, isto é, de arremesso, de lançamento, ou seja, de impulsão da vida e, tal como a
lança ou o arco, de vida e de morte. Saber, portanto, que se lança e
que assim lança, arremessa, projeta o homem e, desse modo, decide a hora e o lugar do viver, pois vida é o jogo de lançar-se, arremeter-se, projetar-se, crescendo, intensificando-se, refazendo-se
e revigorando-se desde e como recordação e lembrança e, por
isso, na alteração ou na diferenciação, assim cumprindo o jogo de
sua auto-superação.
Esta pedra, este saber, é dito, é “destroçador de estrelas”. No
céu da vida, as estrelas, os pontos luminosos e mostradores ou balizadores de seu percurso, de sua estória ou devir, são os valores.
No caminho de auto-superação do homem doente do homem, isto
é, do homem movido e promovido pelo espírito de vingança, então,
pela vontade de infinito e de substância e desde aí a vontade de
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correção, de reforma e de substituição da vida finita, da existência
pouca — neste caminho de auto-fazer-se do saber radical, do polirse da pedra da sabedoria, velhos valores, isto é, as forças postas e
propostas pelo espírito de vingança, e assim promovedoras, impulsionadoras da doença-homem, do homem doente do homem, pois
bem, estes velhos valores, estas “estrelas”, no caminho e a caminho, são destroçados(as), quer dizer, ultrapassados, superados.
É possível que Zaratustra, o fazedor e conquistador de caminho, se sinta lisonjeado ao ser chamado “pedra da sabedoria”, “pedra de funda”, “destroçador de estrelas”. Mas ... Vem aí uma rasteira da conspiração ...
Perversamente, insidiosamente, demoníacamente – o demônio
“é o espírito que sempre diz não!” – ele, o espírito do peso, gotejando e sussurrando, diz: “Arremessaste-te para o alto, mas toda
pedra arremessada precisa – cair!” A pausa mais longa, indicada
pelo travessão, é perversa. Terrível força de persuasão é a introdução
do silêncio! E isso vai fazer-se um refrão. Três vezes isso se repete.
É para não se perder, é para ir sendo lentamente verrumado e,
desse modo, convencer, persuadir, no caso, minar o ânimo, solapar
a vontade, a determinação – desfazer, corroer, enfim, dissuadir.
Por um lado, com este “toda pedra arremessada precisa – cair!”
está sendo dito: ‘Para que esforço?! Para que realização, conquista
– se tudo se desfaz?! Tudo que sobe – cai!! Tudo que se faz – desfaz-se!! Ora, por que, para que fazer?! Em vão! Inútil! Não, não
faça! Não vale a pena. É em vão.’ É assim que o espírito do peso
puxa para baixo, ‘sapeia’ – des-encoraja, des-anima!
Na verdade, mais fundamente, o que está em questão é a vida
se compadecendo de si mesma, se economizando, sendo avara consigo mesma. Dito de outro modo: é a vida conspirando contra ela
própria, sob a forma da autocomiseração. A compaixão é a maneira
menor, mais baixa de se relacionar com dor. O espírito do peso é
também e sobretudo compaixão – o “Deus da compaixão”! Ele é a
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compaixão do homem pelo homem. Mas talvez se possa, talvez se
deva perguntar, ainda que deixando a pergunta abandonada a ela
própria: por que economizar, para que avareza com o que é dom,
doação, sobra, transbordamento, superabundância?! ...
O texto, na voz do espírito do peso, diz haver ainda um motivo
maior para não fazer. Ele diz que, em arremessando tão longe e tão
alto a pedra, isto é, em se lançando tão funda e tão profundamente
num saber tão radical, ele, Zaratustra (o homem!), o conquistador
desse caminho e desse saber, “se arremessou a si mesmo tão alto”,
assim “se condenou a si mesmo a seu próprio apedrejamento” e
conclui: “É sobre t i mesmo que a pedra cairá de volta!” E isso
seria, mais uma vez e com razão mais forte, motivo para não fazer:
‘Não, não faça, pois você mesmo é sua própria e maior vítima!’
Mas que vítima? Que apedrejamento é esse? O que, como e por
que a conquista se volta sobre o próprio homem do caminho, do
esforço, enfim, sobre o próprio conquistador, realizador?
Na vida, que é estória, isto é, devir, suceder ou acontecer, todo
fazer, melhor, todo feito (passado) repercute sobre o próprio fazer
(presente) e a fazer (futuro). Toda ação ecoa e ressoa no próprio
agir, no próprio fazer. É assim que vida, se fazendo sempre como
caminho de auto-realização, de auto-conquista (este é sempre o caminho de dor), faz de quem vive, de quem decide, lançar-se nisso
ou nisso, aqui e agora, o lugar de ressonância do próprio viver, sobretudo do próprio viver próprio, quer dizer, eco e ressonância do
caminho conquistado desde si próprio ou da atividade que se autosustenta. É desse modo que o viver, o existir, é assumir e reassumir
o vivido no por-viver, o sido no por-ser ou por-vir, o passado no
futuro, na futuração, que é “o sagrado direito da vida”. Esta dinâmica perfaz o jogo da vida, que é o jogo de auto-superação, ou seja,
na e como alteração (i.é, vir a ser outro!) ou na diferenciação, é a
vida crescendo, isto é, intensificando-se e evidenciando-se ou iluminando-se na e como decisão, quer dizer, cindindo-se, separando-se
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do vivido (sido), do conquistado ou do feito e lançando-se, projetando-se no que virá e será. Enfim, separando-se do certo e do seguro (do feito, do dado na e pela conquista) e lançando-se no incerto, no inseguro, que é o por-vir, a saber, o que será, se vier a ser
feito! Sim, é sobre si mesmo que a pedra lançada – a decisão, na
qual volta, re-volta ou re-torna sempre o saber radical, do qual a
decisão é confirmação e pro-moção – assim, pois, é sobre si mesmo
que a pedra realmente sempre cai de volta ...!
E isso, para o espírito do peso, é motivo para não fazer, não
agir, mas para aquele que é inimigo figadal do espírito do peso e
que é segundo o “modo de ser de pássaro (Vogel-Art)” (Za/ZA III,
“Do Espírito do Peso”), que é o que se lança, leve, alegre, decidido
na ação inútil e necessária – para este, pode ser que este voltar
sobre si da pedra lançada seja o grande aguilhão, mesmo o grande
prazer, a grande satisfação, a grande alegria. Alegria de pássaro ...
O texto continua:
[7] Calou-se, então, o anão; e longamente. Mas seu silêncio oprimiame; a dois, em tais circunstâncias, estamos realmente mais sós do
que sozinhos.
Eu subia, subia, sonhava, pensava – mas tudo me oprimia. Era como
um doente prostrado por seu atroz suplício e que um sonho ainda mais
atroz desperta novamente do sono.
Mas há uma coisa, em mim, a qual chamo coragem; e ela, até agora, sempre matou em mim todo o desânimo. Essa coragem mandou-me,
finalmente, parar e falar: ‘Anão! Ou tu ou eu!’ (ZA/ZA III, “Da Visão e
do Enigma”, § 1).
Grande e pesado se faz o silêncio, que se abre, quando o anão,
o espírito do peso, se cala. Pesa, oprime, pois é no silêncio que
mais fundamentalmente repercute a fala, o dito do anão. Como em
toda linguagem essencial, sobretudo no silêncio tal fala se faz ver-
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bo, dizer, mostrar. Neste silêncio ecoa, ressoa e ganha corpo não só
a fala sussurrada, ciciada do anão, mas também o caminho do mais
solitário, a escalada do percurso, da estória de dor.
E é justamente aí, no silêncio e desde o silêncio, que mais se
evidenciará a distância entre o tipo da determinação de perfazimento
e de escalada do caminho da dor (o mais só!) e o tipo que dissuade
disso, que puxa para trás e para baixo, que busca entorpecer, paralisar – imobilizar tudo no tecido, no enredado meloso, grudento da
teia da aranha. “Aranha” é outra materialização, outra cunhagem
plástica para evidenciar a estrutura, a forma anão ou espírito do
peso. Lembremos que, na dissuasão, no entorpecimento, o espírito
do peso, na verdade, fala de uma tendência à compaixão, à autocompaixão, visando poupar, economizar vida.
E é porque aí, no silêncio que se cava quando o anão se cala,
mais se evidencia a natureza e a distância destas duas dimensões
vitais – por isso, é dito que, “em tais circunstâncias, a dois, estamos
realmente mais sós do que sozinhos”.
Seguindo o caminho do mais só, ele sente-se um “doente prostrado”. Mas ele é realmente um doente – ele sofre, ele carrega a
doença-homem e assim ele é o destino (estória, devir) do homem
doente do homem. Lembremos: a doença que é a exasperação da
dor na revolta, na insurreição contra a dor e, a partir daí, na reivindicação de infinito e de substância. Neste caminho do mais só, este
homem que percorre, que quer percorrer todo o caminho de dor
(da doença-homem) é também e principalmente um ou o convalescente dessa doença4. Ele, aqui, agora, aparece, sente-se como que
“prostrado”, quer dizer, jogado, todo à mercê da doença, que o
ameaça de puxar de volta em re-caída. O espírito do peso quer isso,
alimenta isso, na mesma medida em que ele, a saber, aquele que
quer percorrer todo o caminho, se empenha por subir, subir, autosuperar-se ou autotranscender-se, à busca de ar, de luz, de vida –
de saúde. Nessa trajetória, ele é também o tipo da grande saúde,
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que é a que se dá e se faz na linha de tensão, no limiar, que é esta
convalescença, uma vez que esta “grande saúde”, a convalescença,
é um balanço, um jogo e um risco, à medida que é a própria saúde
que, decididamente, a cada passo, cede, abre mão dela própria em
favor de queda, de re-caída, melhor, de uma certa ingenuidade e
de uma certa fraqueza, de uma certa fragilidade, para não ficar forte demais, isto é, toda calo, embotamento, indiferença, apatia.
E o espírito do peso, com sua fala sussurrada e conspiradora
contra a vida, como que o arranca do atroz suplício, que é, ao mesmo tempo, a dor e o esforço de escalada e de conquista na e desde
a doença, para lançá-lo num suplício ainda mais atroz, qual seja, o
convencimento, por parte do espírito do peso, da inutilidade, do
em vão dessa caminhada, desta ascensão ou escalada5. Enfim, o
suplício maior, que é ser arrastado para e pela autocomiseração.
Aqui, agora, irrompe algo que marca, que define de vez os caminhos e que levará Zaratustra a estabelecer uma enfática e final
disjunção, separação: “Anão! Ou tu ou eu!”
A disjunção é radical, o abismo é insondável e intransponível.
Quem põe isso e abre tal abismo é a coragem – Mut. Mut, dizendo
coragem, diz sobretudo o ânimo, a força ou o poder do ânimo, isto
é, vitalidade, thymós, uma espécie de prometéica alegria na e da
ação e que se faz como determinação de crescer, quer dizer, intensificar-se, iluminar-se, sim, evidenciar-se, irromper, ou seja, em si,
desde si abrir-se, impor-se, aparecer, vir à luz — a v i d a , que
Nietzsche denominou também Wille zur Macht (vontade de poder),
isto é, movimento expontâneo ou gratuito (= Wille, vontade) para,
em direção à (zur) luz, isto é, ao aparecer e assim impor-se (Macht,
poder). Enfim, a experiência que diz: ser-aparecer. Isto é, sim, crescer. Não como aumentar de tamanho, engordar, agigantar-se e somar-se, mas como, já dito, intensificação, tônus, tensão vital, concentração, compactação. Evidencia-se, assim, que este crescer, por
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não ser engorda flácida, não é ilimitada ou infinitamente para cima,
para o alto, mas inclui, de maneira essencial, uma extraordinária
capacidade de agüentar, de suportar, de resistir. É o subir, o crescer, que sobe, que cresce, à medida que se sustenta, que se suporta, tal como o pássaro em seu vôo, isto é, a cada segundo resistindo, suportando, c o n q u i s t a n d o seu próprio vôo.
Esta coragem, este ânimo de crescimento-suportação-conquista
é, em última instância, por nada, para nada, ou seja, por causa de
nada ou graças a nada, portanto, pura graça! Com outras palavras,
é gratuito, próprio da vida, que é igualmente gratuita, quer dizer,
sobra, doação, superabundância, uma vez que irrupção súbita,
abissal – “Pura emergência, pura transcendência”, diz incisiva e
limpidamente um verso de Rilke6.
É a irrupção gratuita e irrevogável desse ânimo que “mata”,
que “açoita mortalmente” (totschlägt) no mais solitário todo des-ânimo (Unmut), quer dizer, toda tentação, toda sedução do lerdo, do
inerte, da desistência abúlica e resignada, por fim, de todo não fazer ou não agir apático, indiferente e mórbido, pois sussurra o espírito do peso, do des-ânimo: “Tudo é em vão, inútil, uma vez que
toda pedra arremessada precisa – cair! Tudo que sobe – desce! Ora,
para que, por que fazer?!...”
Não. A coragem, a vitalidade, a gratuidade da alegria dessa força
que irrompe, põe definitivamente a disjunção, ou seja, a radical
intransigência, que define a separação dos caminhos: “Anão! Ou tu
ou eu!” O anão, o espírito do peso, é desafiado para uma luta franca, aberta. E com isso fica marcado o “espírito” do diálogo, que se
desenrolará em 2, entre Zaratustra e o anão, sob o pórtico denominado Instante.
Mas o § 1 ainda dá um contorno mais definido à coragem. Ele
encaminha-se para o seu desfecho, caracterizando-a ou descrevendo-a mais precisamente. Vejamos:
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[8] É que a coragem é o melhor matador – a coragem que ataca;
porque em todo ataque há um toque de clarim.
O homem, porém, é o animal mais corajoso: por isso superou todos os
animais. Ao toque do clarim, superou, também, cada, toda dor; mas a
dor-homem é a dor mais profunda.
A coragem mata, também, a vertigem ante os abismos; e onde o homem não estaria ante abismos? O próprio ver – não é ver abismos?
A coragem é o melhor matador: a coragem mata, ainda, a compaixão. Mas a compaixão é o abismo mais profundo: quanto mais fundo
olha o homem dentro da vida, tanto mais fundo olha, também, dentro
da dor.
Mas a coragem é o melhor matador, a coragem que ataca; mata,
ainda, a morte, porque diz: ‘Era isso, a vida? Pois muito bem, mais
uma vez!’ (Za/ZA III, “Da Visão e do Enigma”).
A coragem, o ânimo (Mut), que ataca, que agride, isto é, o movimento da vida para a vida que é, como o grande guerreiro na
grande luta, direto, limpo, de coração limpo, franco e não subterrâneo, esquivo, sinuoso, sub-reptício, tal como o anão, o espírito do
peso, que, confirmando tudo isso, ainda fala sussurrado, cochichado e meloso, dissimulado, à Capitu ...
Não, no jogo, melhor, na luta da vida, o ânimo, a vitalidade é
agressivamente direta, cara a cara, franca – isso é o seu toque de
clarim, a sua espora, quer dizer, o instigador, o impulsionador, que
perfaz o próprio crescimento, elevação ou intensificação, falando,
mostrando limpa e francamente o que é, o que quer, como é e como
quer. É, sim, uma fórmula de felicidade: “Um sim, um não, uma
linha reta, uma meta!” Atitude, postura de aristocrata, de nobre.
É desse modo que este ânimo, esta disposição é “o melhor
matador” (Totschläger), açoitador, quer dizer, superador, atravessador ou ultra-passador de obstáculos, de resistências. Aquele que
luta, se mede, se confronta e assim supera o adversário. É o tipo
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implacável na luta, na guerra – no grande combate. No grande combate, que é aquele em torno da questão da vida!, o grande é também a franqueza, a limpeza, peito e coração abertos, expostos.
O homem é o animal, isto é, o vivo ou o vivente mais corajoso, mais animado. O “mais” diz mais intenso, mais e v i d e n t e.
Tão evidente e tão intenso que se faz o evidente, o intenso, ou seja,
o homem é o único para o qual o ânimo, este ânimo ou esta vitalidade é tal ânimo ou tal vitalidade, quer dizer, o único para o qual
este ânimo aparece, se mostra e se impõe como tal. Em outras palavras, de tal modo o mais corajoso, o mais animado, que só o homem é na e desde a determinação e necessidade, ou seja, no destino ou no envio, da própria vida, da própria imposição de vir a ser
como crescer e estória, isto é, como devir, acontecer, suceder ou
dar-se de ânimo.
É assim e por isso, igualmente, que ele, o homem, já “superou
todo animal”. “Superar”, überwinden, diz ultrapassar, isto é, passar para além, onde além aponta para essência, um modo fundamental de ser ou uma consistência própria. Portanto, graças ao mais
corajoso, o homem já passou para outra instância, para outro grau
de tensão, outro nível de vitalidade, outra e extrema dimensão da
própria vida e, por isso, também já superou toda, cada dor, isto é,
já ultrapassou, transfigurando ou transformando, sobretudo e principalmente a maior, a mais profunda dor, quer dizer, a única que
de fato e realmente é plena e inteiramente dor, a saber, o homem,
a dor-homem, “der Menschen-Schmerz”.
A dor do homem, melhor, a dor-homem é a dor que o homem
é; a dor que faz do homem homem e que é a dor que é a necessidade do esforço, por parte do homem, para ele vir a ser homem –
isso, sobretudo isso é ser corajoso! –, para fazer homem, pois homem não é nada feito ou dado, ou seja, não é coisa, não é pedra,
não é mero animal – gato ou lagartixa; não é mero vegetal – couveflor ou cenoura! Pedra, vegetal, animal – tudo isso adjetivado pelo
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mero, já está pronto, feito, dado e acabado sem precisar de nenhum
esforço próprio, sem precisar de nenhum empenho (coragem!) próprio
para vir a ser o que é. Assim, mineral, vegetal e animal também
não estão no risco de poder e tender a cair na tentação de renúncia
e de abandono dessa dor, à medida que poderiam se fazer reivindicadores de infinito e de substância. Portanto, sem o risco de reclamarem para si o direito de precisar e dever ser o que por constituição e princípio não podem ser. Isso, tal reivindicação, que é próprio
do espírito de vingança, no homem doente do homem, se faz dor
ainda maior.
Tudo que não tem, que não é dor, a dor-homem, não tem e não
é estória (Geschichte), quer dizer, devir, acontecer. Só o homem é,
sim, a dor, que é o finito, o limitado – também a tentação e o risco
do infinito e do ilimitado – quer dizer, o precisar ser esforço, trabalho. Só ele precisa fazer vida, fazer homem. Precisa, desde ânimo,
fazer ânimo vir a ser ânimo. Esta é a mais profunda, quer dizer, a
única real e verdadeiramente dor. Isso é ser essencialmente dor.
Por isso, graças a isso é o homem constitutivamente estória, devir.
Sua substância é estória – logo, substância nenhuma. É preciso ouvir toda esta fala de dor sem patetismo, sem melodramatismo, sem
choramingação ou lamúria e, igualmente, sem heroísmo, sem
voluntarismo, sem bazófia. É preciso ouvir isso fria ou, talvez, desde o olhar-ouvir de Heráclito, que é incandescente, quer dizer, intenso, para dentro e gelado, quer dizer, intransigente, implacável,
para fora.
Desde o ânimo, animada ou corajosamente, ou seja, lançandose naquilo em que está lançado (!), a saber, na necessidade do devir
de ânimo no jogo de auto-superação da vida – assim, pois, o homem já superou também toda e cada dor, toda e cada hora ou vicissitude do viver, uma vez que em cada uma dessas se dá t o d o o
viver, isto é, toda a dor-homem. Em cada uma, em cada passo, celebra-se, festeja-se a alegria e a inutilidade da ação necessária, da
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ação transbordante, superabundante – a alegria, a graça e a jovialidade da ação prometéica. A ação, a atividade ou o fazer, que aparece exemplarmente na obra de arte. E, então: “Era i s s o a vida?”
Wohlan! Hélas! Evoé! , “De novo! Mais uma vez!” Assim o partícipe,
o portador da dor-homem chama, evoca, aquiesce na divindade da
fartura, da superabundância – Dioniso. Conclama-a e lança-se inútil e necessariamente – i s s o é a vida. Gratuita. Crescer e aparecer,
quer dizer, ser – sem sentido, sem porquê, sem para quê, sem ‘de
onde’, sem ‘para onde’. Inutilmente. Necessária, irrevogavelmente.
Para nada. Por nada. Graças a – nada! I s s o é a vida. Mais uma
vez! De novo! Abissal.
Assim, nessa via, também a morte é superada. Superada, quer
dizer, incorporada, apropriada no devir alegre e não expulsa, excluída, jogada fora ou de lado. Ela é incorporada na dinâmica de
auto-superação, à medida que nela e por ela é apropriada, isto é,
tornada própria ou um e o mesmo com o movimento de auto-ultrapassamento e crescimento-intensificação. Superada, portanto, à
medida que é incorporada e apropriada no jogo de essencialização
da vida.
Nesse caminho, no percurso do ânimo, todo abismo é igualmente superado. Isso quer dizer: o ânimo inútil, à medida que aquiesce no abismo, isto é, no dom, na doação, dele igualmente se apropria ou o faz próprio, transfigurando-o na e desde a ação inútil (e
necessária!), tornando-o, assim, graciosa superfície, gracioso limiar, onde pulsam todo o raso e todo o insondável ou profundo da
vida, do próprio ânimo. Assim e por tudo isso, o abismo é transposto e transfigurado, uma vez que incorporado e consubstancializado
na disposição da ação gratuita – alegre, jovial. Aqui se tem aquilo
que cresce, se intensifica e, nesse sentido, sobe, se eleva, não chocha e flacidamente, como o que engorda e se agiganta no tamanho,
mas, sim, o que cresce e se eleva como vôo de pássaro, ou seja,
suportando, resistindo, atravessando, enfim, conquistando sempre,
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Fogel, G.
a cada segundo, o seu próprio vôo, o seu crescimento lento, contido, sereno — o parado-tenso de uma Natureza Morta, de um “Stilleben” ... Desde nada, para nada ... Inutilmente ... Necessariamente... I s s o , sim, é a vida!
Pois, “o próprio ver não é – ver abismo?”. “Ver”, aqui, está
falando de um mostrar-se ou de um revelar-se que se faz ao longo
de um caminho, isto é, percorrendo, fazendo ou abrindo o caminho, que é o próprio ver ou fazer-se visível. No caso, trata-se do
mostrar-se ou revelar-se da vida em toda a sua abissal evidência.
A evidência do abismo se dá quando este se faz todo superfície. E
ele se faz todo superfície quando não mais se precisa sondá-lo,
perscrutá-lo, isto é, infinita ou ilimitadamente a-pro-fundá-lo. Agora,
sim, o abismo é guardado, resguardado como abismo, o sem-fundo
vem à tona como sem-fundo. Em outros termos, o abismo se faz
superfície e ver é ver abismo como celebração de profundo no raso,
como festa, alegria e aquiescência do raso no e do abissal. Aqui,
agora, pode-se dizer com autoridade, cheio: “Cume e abismo – isto
agora está reunido em um!” (Za/ZA III, “O Viandante”). Agora,
isto é, em tal caminho, sim, a cada passo, em cada gesto, em todo e
cada dizer, se está e se é frente, à beira de abismo, desse abismo. E
como não seria?! “Onde não estaria o homem à beira de abismo?!”
Isto é, onde e quando não seria, não precisaria ser o homem na vida,
desde a vida, ou seja, no e desde o ânimo, a coragem que, desde
nada, para nada, cresce, eleva-se – supera-se, auto-supera-se?!
A coragem, o ânimo é que supera, que ultrapassa a compaixão.
A compaixão que, é dito, “é o mais profundo abismo”.
A compaixão, vimos, é compaixão ou apiedamento da vida pela
vida. Portanto, autocompaixão, autocomiseração, que, em última
instância, é o que promove o espírito do peso, o anão. É a tentativa
de afastar da vida o seu caráter, sim, de peso, ou seja, de esforço,
de realização, de auto-realização e conquista. Em suma, a tentativa
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de desviar vida de vida, à medida que solapa, que corrompe, que
dissuade astuciosa e subterraneamente o ânimo, em conspirando
contra ele.
Por um lado, justo porque esta compaixão é tentativa de desviar vida de vida – justo por isso, nessa auto-compaixão, é a compaixão o maior, o mais profundo abismo. Parece mesmo que esta compaixão sempre volta, sempre retorna e constitui-se no mal, no
demônio que, dizendo sempre não!, precisa ser sempre superado.
E aí entra a coragem, a alegria prometéica da ação gratuita e inútil,
que supera também a compaixão, ou seja, olha mais fundo na vida,
mais fundo na dor, no abissal da dor e, fria, serenamente, proclama: “Era isso a vida? Pois muito bem! Mais uma vez! De novo!”
Mas há ainda um outro lado, positivo para a compaixão, em
razão do qual é ela o mais profundo abismo. “Tanto mais fundo o
homem olha na vida, tanto mais fundo olha ele também na dor”.
Por isso, é preciso com-padecer com vida, isto é, com-sentir e assim
com-fazer e com-crescer na e com a dor, que mais e mais se evidencia, tanto mais fundo se vê, se faz o caminho-vida, pois, então,
tanto mais se vê, se faz o caminho-dor – a via, o envio, o destinodor, como estória (suceder, acontecer, Geschichte), devir do homem.
É, portanto, só nessa com-paixão, nesse com-sentir e com-fazer, que
o abismo se faz realmente abismo e, por isso, revela-se esta compaixão como o mais profundo abismo. E o ânimo supera também
esta compaixão, primeiro, à medida que consente, isto é, aquiesce,
acolhe o necessário do abismo, o necessário de dor e, segundo, igualmente supera à medida que, na alegria da ação gratuita, trans-forma, trans-figura dor, o abissal, em obra, que é a superfície, a alegria do raso. O grego, dizia já o jovem Nietzsche, de O Nascimento
da Tragédia, viu, conheceu e acolheu o mais terrível, o mais medonho, o mais abissal da vida e transformou ou transfigurou esta dor
em obra – a tragédia e a filosofia, a arte e o pensamento, onde se
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Fogel, G.
fazem o riso do fundo, do pro-fundo... Com-paixão, assim, passa a
ser a única sintonia, o único compassamento com vida e, por isso, o
ajustamento e a consonância com o mais profundo abismo.
9. Este § 1, de Da Visão e do Enigma, fecha-se assim:
Nessas máximas, porém, há muitos toques de clarim. Quem tem
ouvidos, que ouça. –
“Nessas máximas”, mais próxima e imediatamente, quer dizer:
em toda essa fala, em todos estes “enunciados” a respeito de coragem, de superação e de auto-superação de dor e de compaixão, em
tudo isso que leva a afirmar e reafirmar a vida de modo incondicional – “Era isso a vida? Pois bem! Mais uma vez! De novo!”. Em
tudo isso, diz o texto, há “viel klingendes Spiel”, segundo a tradução, “muitos toques de clarim”. Klingendes Spiel, ao pé da letra,
diz “jogo sonante, sonoro” – digamos, “com música”! O sentido é
que, em tal fala, há como que uma música, que claramente chama,
que francamente convida, que limpamente atrai, “seduz”. É a força
retórica, persuasiva, dessa fala. Um jogo, uma fala anunciadora,
prenunciadora – que indica, acena, aponta. Quem tem olhos, que
veja! Quem tem ouvidos, que ouça!
Pouco acima, já foi dito e comentamos que, em todo ataque,
em toda arremetida, à medida que seja realmente da vida, do ânimo, há um klingendes Spiel, um “toque de clarim”. É isso que agora é recordado. É esta música, esta franqueza que torna o discurso,
a fala verdadeira, isto é, consonante, afinada, ajustada ou compassada com a vida, com o jogo da vida, que é estória, dinâmica de
auto-superação.
E: “Quem tem ouvidos, que ouça”. É um convite, que mais
soa como uma intimação, uma convocação, que é a passagem para
o § 2. Esta convocação está dizendo: quem, até aqui, fez, co-fez o
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caminho e que assim e por isso é capaz de ver, de pensar – isso é o
ouvir! –, que continue o caminho, que seja companheiro dessa viagem que segue, que segue... E “seguir”, aqui, diz, tal como vida,
crescer, intensificar-se, concentrar-se, enfim, evidenciar-se.
Abstract: The essay is a reading from The vision and the enigma, in Thus
spoke Zarthustra, part III. It works upon the destiny (history) of the man
(Zarathustra) as a destiny (history) of pain – the pain that life is while it is
limit, finitude, however, the ultimate pain is that of the rebellion of pain
against pain, this is, the history of man sick of himself (the West, Europe),
of the spirit of revenge – the greek-christian humanism in its persisting
claim for the infinite, the ilimited, for eternity, substanciality (God). Movement of hybris, wrath, melancholy. The surpassing of man and the assuming of pain, limit, finitude.
Keywords: Man – life – pain – rebellion – spirit of revenge
Notas
As citações de Da visão e do enigma serão feitas sempre na
tradução de Mário da Silva, em Assim Falava Zaratustra
(Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981). Alterações,
modificações, acréscimos ocorrerão, segundo o interesse
do comentário, da interpretação, pretendendo, porém, ir
sempre ao encontro do interesse próprio do próprio texto.
2
Cf. Descartes, R., Meditações Metafísicas, primeira meditação, final.
1
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Fogel, G.
Esta é uma das caracterizações da origem do anão, na mitologia nórdica!
4
Ver em Assim Falava Zaratustra, Parte III, o discurso
intitulado O Convalescente.
5
Aqui mais se evidencia o paralelo que apontamos acima,
em 5, com a passagem de Descartes, em Meditações, I,
final.
6
Cf. Rilke, R.M., Sonetos a Orfeu, I, 1.
3
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Romantismo e tragicidade no Zaratustra de Nietzsche
Romantismo e tragicidade
no Zaratustra de Nietzsche
André Martins *
Resumo: Considera-se usualmente o primeiro período da produção de
Nietzsche como “romântico”, e aquele inaugurado por Zaratustra como o
de sua “verdadeira filosofia”. Mas seria O Nascimento da tragédia de fato
romântico? Já não traz a filosofia singular de Nietzsche? Por outro lado,
Assim falava Zaratustra não seria romântico? Sua expressão, enquanto um
romance de formação, não o vincula ao romantismo, não favorecendo sua
filosofia trágica? Nossa hipótese é a de que, contrariamente à tradição de
comentários, O Nascimento da tragédia não é filosoficamente romântico,
assim como Assim falava Zaratustra é estilisticamente romântico, sobretudo até sua parte três, o que se relativizaria na parte quatro, tornando-a a
mais importante do livro. Veremos em que sentido, e quais as implicações
destas considerações.
Palavras-chave: Zaratustra – romantismo alemão – romance de formação – tragicidade – amor fati
Introdução
Em sua Tentativa de autocrítica, de 1886, Nietzsche descreve
seu livro O Nascimento da tragédia, de 1872, como uma obra “acometida de todos os defeitos da mocidade, sobretudo”, completa,
*
Professor Associado da UFRJ e membro permanente do PPGF-IFCS, onde
coordena o Grupo de Pesquisas Spinoza & Nietzsche (SpiN).
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Martins, A.
“de sua Sturm und Drang (tempestade e ímpeto)” (GT/NT, “Tentativa de autocrítica”, § 2), acrescentando: “acho-o (...) sentimental,
aqui e ali açucarado” (idem, § 3). No livro, uma voz dionisíaca, diz
Nietzsche, “se escondia (...) sob a pesadez e a rabugice dialética do
alemão, inclusive sob os maus modos do wagneriano” (idem, ibidem).
Ao final deste ensaio, Nietzsche se defende da acusação de que se
trate de um livro romântico, mas, ao fazê-lo, enumera características românticas que o fazem assemelhar-se aos “românticos de
1830, sob a máscara do pessimismo de 1850” (GT/NT, “Tentativa
de autocrítica”, § 7). Em contraposição às propostas de cunho
schopenhaueriano de seu livro, como a “metafísica do artista” e o
“consolo metafísico”, Nietzsche argumenta que os românticos deveriam antes aprender “a arte do consolo deste lado de cá”, e mandar “um dia ao diabo toda a ‘consoladora’ metafísica – e a metafísica
em primeiro lugar!” (idem). Alguns anos mais tarde, em Ecce Homo,
de 1888, Nietzsche escreveu que O Nascimento da tragédia “tem
um cheiro escandalosamente hegeliano”, e está “impregnado em
algumas fórmulas pelo cheiro cadavérico de Schopenhauer” (EH/
EH, “O Nascimento da tragédia”, §1).
No século XX, visivelmente motivados por conferir à filosofia
nietzschiana um caráter sistemático e doutrinal1, comentadores de
formação fenomenológica, como Karl Löwith2, dividiram a obra de
Nietzsche em três fases. Certamente influenciado por aquelas duas
autocríticas feitas pelo próprio Nietzsche, Eugen Fink3 se refere à
primeira fase como o “início romântico”. Charles Andler4 também
se refere à fase que iria de 1869 a 1876 como a do “pessimismo
romântico”. Esta mesma tradição se refere ao Zaratustra como o
livro que marca o início da fase “madura” da obra de Nietzsche, na
qual, segundo Löwith, se apresentaria sua “verdadeira filosofia”.
Fink considera que, em Zaratustra, Nietzsche encontra sua “verdadeira natureza”. Enquanto que, em O Nascimento da tragédia, a
voz dionisíaca se expressava numa linguagem estranha; como vi-
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Romantismo e tragicidade no Zaratustra de Nietzsche
mos, no Zaratustra, escreve Fink, Nietzsche teria encontrado sua
própria linguagem para seus próprios pensamentos.
A primeira questão que pretendemos colocar tem uma dupla
face: Seria O Nascimento da tragédia de fato romântico? E Assim
falava Zaratustra seria de fato, por sua vez, não romântico? Em
que sentido toma-se o suposto “romantismo” de O Nascimento da
tragédia que leva a se considerar o Zaratustra como não romântico? Trata-se de um sentido propriamente filosófico ou estilístico?
Contrariamente à tradição dos comentários, nossa hipótese é a de
que O Nascimento da tragédia não é filosoficamente romântico, assim como Assim falava Zaratustra é estilisticamente romântico.
Veremos o sentido e quais as implicações filosóficas e interpretativas destas considerações.
O Nascimento da tragédia e o Zaratustra
Se, em concordância com o que o próprio Nietzsche enfatiza ao
longo de sua obra5, consideramos o Romantismo alemão como caracterizado filosoficamente por seu Idealismo – nostalgia ou esperança de um mundo melhor ou mais natural, aceitação deste mundo com resignação, impossibilidade de realização nos mais diversos
sentidos (do amor, da liberdade, de um mundo melhor) –, podemos concordar com Nietzsche quando este considera que O Nascimento da tragédia é um livro anti-romântico, um livro trágico e ipso
facto oposto ao romantismo. Já em O Nascimento da tragédia o que
está em jogo, em termos filosóficos, é a afirmação da vida e da existência com todas as suas vicissitudes e contrariedades, incluindo-se
aí prazer e dor. O conceito do trágico expressa o sentimento de afirmação e aprovação da vida, que futuramente tomará o nome de
amor fati e fundamentará o pensamento do eterno retorno6.
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Martins, A.
O que há de romântico em O Nascimento da tragédia, ainda
como o próprio Nietzsche observara, é, primeiramente, a presença
de noções de herança schopenhaueriana e, por via deste, kantiana,
tais como uma certa oposição entre aparência e essência, ou os termos consolo metafísico e metafísica do artista, que trazem em si
uma conotação de fato idealista. Minha hipótese, contudo, é a de
que esta conotação idealista se encontra muito mais na expressão,
na linguagem, que propriamente nas idéias com as quais Nietzsche
tenta se expressar. É nítida a inadequação dos termos em relação
ao que com eles o autor quer dizer. Não raro entendemos a idéia, a
partir do esforço de compreensão do autor, e nos dizemos algo como
“mas não é o que o termo leva a entender”7. De fato, a inapropriação
dos termos confunde a compreensão, e dá margem a interpretações
que passam ao largo do sentido nietzschiano, não somente posterior,
mas sim desde já presente no próprio O Nascimento da tragédia.
Há, contudo, um segundo aspecto romântico em O Nascimento
da tragédia, e, este sim, também intrinsecamente nietzschiano: a
valorização ontológico-existencial da arte e a crítica à desmesura da
razão. Ora, o Idealismo alemão interpretara, desde Fichte, a proposta kantiana de limitação do conhecimento em seu sentido oposto: ao invés de desautorizar a metafísica, por esta não se limitar ao
que se dá aos sentidos, o neokantismo alemão considerou que a
crítica kantiana à razão pura autorizava a metafísica a não mais se
preocupar em conhecer o real, permitindo-lhe destarte a pensar suas
verdades, verdades estas inalcançáveis à razão. Enquanto Kant
desautorizava toda e qualquer intuição intelectual, o pós-kantismo8,
que suas críticas inspiraram na Alemanha, interpretavam-na não
somente como um incentivo à intuição intelectual, mas como tornando esta o único meio legítimo de compreensão da verdade, dados
os limites da razão9. Interpretando ainda, a partir da crítica kantiana
à faculdade do juízo, que a arte propicia a passagem dos sentidos à
Idéia sem a intervenção da razão, a arte passou a ser vista no Ro-
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Romantismo e tragicidade no Zaratustra de Nietzsche
mantismo, como em todo o Idealismo, enquanto um meio privilegiado de alcance das verdades metafísicas inacessíveis à razão10.
O valor dado por Nietzsche à arte indica genealogicamente o
solo cultural no qual seu pensamento surgiu, e a partir do qual
Nietzsche viu o mundo e expressou suas idéias11. No entanto, mais
uma vez podemos distinguir entre um Zeitgeist12 que determina uma
forma de expressão e um universo de questões, característico de
uma época, por um lado, e as idéias que se expressam neste solo,
que podem tanto estar em sintonia com essa mesma época, como,
ao contrário, opor-se a esta, alcançando assim um caráter mais
extemporâneo. Minha interpretação é a de que a valorização da arte
em Nietzsche é herdeira de seu tempo e de sua cultura, porém, a
maneira de valorização da arte, o que Nietzsche valoriza na arte, se
contrapõe à valorização da arte por parte do Idealismo alemão.
Ambos, Nietzsche e o Idealismo, consideram que a arte é a via privilegiada, quiçá a única, de expressão da verdade da vida e do real.
Contudo, dada esta origem comum, enquanto o Idealismo de uma
forma geral considera que a arte permite alcançar uma verdade para
além da realidade, em Nietzsche a arte, mais do que revelar, intensifica a percepção da potência do próprio real. Ou, em termos
nietzschianos, enquanto a arte para o Idealismo é um meio de acesso à verdade, ou à “coisa em si”, e neste sentido um lenitivo face às
vicissitudes e contrariedades da vida, para Nietzsche é um meio de
estranhamento das ilusões e dos lenitivos habituais do quotidiano e
assim de apreensão da intensidade da vida, e neste sentido um meio
de aprovação e afirmação da beleza trágica da existência. Em
Nietzsche, a arte reforça o sentimento trágico, a aprovação da vida
em sua imanência, a transformação do niilismo em ação. As noções
de “consolo metafísico” e de “metafísica do artista”, enfim, não lhe
são apropriadas justamente por obscurecerem a concepção trágica
da arte, já inteiramente presente em O Nascimento da tragédia, e
por se aproximarem da concepção idealista e romântica da arte, de
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fuga da realidade e acesso a uma verdade oculta, concepção que
seria oposta à trágica.
Assim, enquanto o primeiro aspecto – os termos utilizados –
diz respeito mais à inadequação da linguagem em relação às idéias,
o segundo – o elogio à arte – aparece intrinsecamente nas próprias
idéias de Nietzsche, como seu ponto de partida cultural e epocal,
mas de uma forma inteiramente coerente com suas idéias, e mais,
permitindo esclarecer em que sentido aqueles termos herdados a
reboque do enaltecimento romântico da arte não eram apropriados
para o seu enaltecimento da arte. Mais precisamente, o elogio da
arte em Nietzsche, embora seja nitidamente uma herança de sua
cultura alemã romântica – certamente influenciado não somente por
Schopenhauer, como também por Goethe, Schiller, Hölderlin e
Heine, por exemplo – em nada herda deste mesmo romantismo o
caráter idealista que nestes o elogio da arte traz. Porém, junto com
a herança do elogio da arte, num primeiro tempo – em O Nascimento da tragédia – Nietzsche utilizava os termos que estes textos
inspiradores românticos lhe traziam, para só depois ver o quanto
eles eram inapropriados para as idéias que, embora suscitadas por
sua leitura dos românticos, nada tinham de românticas. Em outros
termos, o romantismo de fato intrínseco, de fato herdado não como
um corpo estranho – como os conceitos de consolo metafísico, etc.
– mas como parte constitutiva do escopo da filosofia de Nietzsche,
não vem por isso carregado do idealismo que caracteriza filosoficamente as idéias românticas – diz respeito somente à valorização da
arte e da forma de expressão artística, não ao conteúdo filosófico
propriamente dito.
O romantismo de O Nascimento da tragédia não está no “consolo metafísico” ou na “metafísica do artista”, que são apenas termos que não expressam as idéias do próprio texto de O Nascimento
da tragédia. Nestes termos está a herança de um romantismo que
não é o de Nietzsche. Antes, o “romantismo” de Nietzsche está na
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Romantismo e tragicidade no Zaratustra de Nietzsche
valorização da arte como instrumento, não mais de manifestação de
um mundo verdadeiro, mas de expressão de um amor à vida
imanente – e por conseguinte, está também na valorização da expressão artística das idéias.
Se em O Nascimento da tragédia não existe um romantismo nas
idéias de Nietzsche, mas somente em alguns termos de sua expressão, justifica-se considerar a dita primeira fase de sua obra como
romântica? Podemos pensar que sim, não pelo motivo alegado pelos comentadores, portanto, pois que os conceitos do trágico e do
amor fati já estão presentes em O Nascimento da tragédia e são
incompatíveis com o idealismo romântico, mas por sua expressão.
Se assim for, porém, para considerarmos esta fase como romântica,
teríamos ainda que admitir que uma expressão romântica não estaria igualmente presente na fase inaugurada por Assim falava Zaratustra. Além disso, para que consideremos esta última fase como a
de sua ‘verdadeira filosofia’, teremos que admitir também que a
filosofia propriamente de Nietzsche somente aparece a partir do
Zaratustra. Em suma, para podermos concordar com a definição e
nomeação dadas pelos comentadores ao primeiro e ao último período da obra de Nietzsche, teríamos que admitir que somente o primeiro período tem uma expressão romântica, e que somente no último período está presente a “verdadeira” filosofia de Nietzsche.
Ora, minha hipótese é a de que a filosofia da aprovação trágica
da vida, que em sua última fase aparece nos termos do amor fati,
do eterno retorno e da superação do niilismo, já estão presentes em
O Nascimento da tragédia. E, quanto ao romantismo, que o solo
cultural romântico da Alemanha de Nietzsche está igualmente presente em Assim falava Zaratustra – como não poderia deixar de
ser, aliás. Mais precisamente, que este solo está presente não somente na expressão poética de seu romance filosófico, mas na forma literária específica deste romance, enquanto romance de formação, característica marcante do Romantismo Alemão13.
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Martins, A.
O Bildungsroman, romance de formação, de iniciação ou de
aprendizado, surgido no final do século XVIII, expressa um caminho de aprendizado do herói através de experiências individuais,
que se estendem por vários anos, e que o levam a um ideal de amadurecimento e elevação. Herda da Revolução Francesa o ideal de
liberdade, transposta para a liberdade individual, como emancipação não mais pela razão, mas pelo sentimento. Dirige-se ao leitor,
na intenção de iniciá-lo em um aprendizado análogo ao do herói.
No movimento Sturm und Drang o romance de formação tem como
características a evolução psicológica de um indivíduo que se libera
gradualmente das normas sociais, podendo assim, e somente assim, expandir suas predisposições pessoais14. Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, de Goethe, de 1796, é considerado o modelo maior do gênero. Hyperion de Hölderlin, de 1797-99, e Heinrich
Von Ofterdingen de Novalis, de 1802, também podem ser citados.
São muito numerosos os romances de formação no final do século
XVIII – presentes até mesmo na Ópera, como por exemplo com A
Flauta mágica, de Emanuel Schikaneder, libreto da célebre obra
de Mozart, de 1791 – como também ao longo de todo o século
XIX, chegando com vigor até a primeira metade do século XX (com
Thomas Mann e Hermann Hesse, por exemplo).
Ora, as características fundamentais do romance de formação
estão todas presentes em Assim falava Zaratustra15: seu herói, Zaratustra, passa por experiências pessoais em sua relação com o ambiente social, que o levam a uma evolução psicológica que o liberam das normas e exigências da sociedade, realizando assim suas
predisposições pessoais, ou tornando-se o que é. Em acréscimo, não
somente o diálogo com a Bíblia é explícito, como em outros romances de formação, mas também o estilo metafórico e alegórico é análogo ao das Escrituras – permitindo-nos inclusive levantar a hipótese de que a opção pela alegoria não se deva a uma predileção de
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Romantismo e tragicidade no Zaratustra de Nietzsche
estilo, aliás não mais retomado por Nietzsche, mas ao objetivo de
parodiar o texto bíblico e sua narração da saga de Jesus.
Assim como em O Nascimento da tragédia, porém, também em
Assim falava Zaratustra a expressão romântica não está a serviço
de idéias românticas, diferentemente de seus contemporâneos –
talvez Nietzsche tenha sido neste ponto influenciado pela leitura de
Keller e Stifter, autores cujos romances de formação são críticos ao
próprio gênero16. A saga de aprendizado dos heróis da Bildungsroman no Romantismo se dá, em consonância com a filosofia romântica, no sentido ora de uma suposta elevação espiritual a partir
de uma decepção com a vida e a existência, ora de uma resignação
às normas sociais, como ruins porém necessárias ou inevitáveis. Decepção, nostalgia, resignação. Oposição dialética entre amor e dever,
emoção e razão; impossibilidade de retorno à inocência originária,
perdida pelas conquistas da civilização. Oposição entre natureza e
cultura, indivíduo e sociedade. Busca de uma síntese possível, dada
esta dicotomia. Contrariamente a isso, a saga de Zaratustra vai no
sentido do aprendizado da afirmação e aprovação da realidade, da
existência e da vida, sem que o fato destas incluírem inevitavelmente a dor ser um motivo de decepção ou desvalorização.
Embora se possa considerar que Nietzsche encontrara em Assim
falava Zaratustra um estilo apropriado para suas próprias idéias,
não é a forma de expressão que caracteriza este livro como filosoficamente nietzschiano, mas sim, tanto quanto seus outros livros,
suas idéias. Muito pelo contrário, a expressão romanesca iniciática, que mais lhe agradara, é tão romântica quanto a expressão de
estilo metafísico de O Nascimento da tragédia, que ele posteriormente rejeitara. É precisamente na concepção filosófica, ou
conceitual17, que tanto O Nascimento da tragédia – em sua expressão “douta” – quanto Assim falava Zaratustra – em sua expressão
poética – são não românticos; e, ambos, expressam uma filosofia
propriamente nietzschiana.
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Martins, A.
Enunciado já em O Nascimento da tragédia, o conceito do trágico (GT/NT § 16)18 é retomado até seu último livro, Ecce Homo,
remete ao amor fati também expresso pelo eterno retorno, e fundamenta sua crítica ao niilismo e a transvaloração de todos os valores
a partir da vida como critério dos critérios19. Se esta concepção
transvaloradora encontrou sua intuição máxima no Zaratustra, ela
fora fomentada desde seus primeiros escritos, como o próprio
Nietzsche observa em O Crepúsculo dos ídolos (GD/CI, “O que devo
aos antigos”, § 5)20; e fora desenvolvida não no próprio Zaratustra,
mas em seus livros posteriores, como o próprio Nietzsche também
relata em cartas. Após dizer que seu Zaratustra expressa “o pensamento que divide em dois a história da humanidade”, acrescentando, na mesma carta a Overbeck do dia 10 de março de 1884, que
a partir deste livro “tudo mudará e se reverterá e todos os valores
tradicionais serão desvalorados”, Nietzsche diz que “este Zaratustra é apenas um prefácio, uma antecâmara”. Nesta mesma carta,
Nietzsche, que já havia terminado a redação da terceira parte de
Assim falava Zaratustra, que se encontrava com o editor em fase
final de impressão, não parece considerar a forma do Zaratustra
como ideal, mas como possível naquele momento de forte intuição
e ainda pouca clareza reflexiva: “Foi preciso dar-me coragem, pois
de todas as partes me vinha o desencorajamento; a coragem de suportar este pensamento! Pois estou ainda longe de poder enunciá-lo
e representá-lo.” A forma romanesca aparece assim como expressão
possível naquele momento de uma intuição nova e intensa, mas que
o próprio Nietzsche via como sendo apenas um preâmbulo, devendo
se tornar mais clara em seus livros posteriores – cujo estilo voltara a
ser, como sempre, poético, aforístico, ensaístico, mas não mais alegórico ou iniciático. Em carta a Malwida Von Meysenbug de junho
do mesmo ano, Nietzsche confirma esta idéia: “Agora que construí
esta antecâmara de minha filosofia, preciso retomar isso em mãos e
não esmorecer até que se erija diante de mim o edifício principal”.
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Romantismo e tragicidade no Zaratustra de Nietzsche
A forma romanesca, alegórica e didática aparece assim como
expressão possível de uma intuição importante e difícil para o próprio Nietzsche naquele momento de vida, expressão que portanto
não somente visaria o aprendizado do leitor, mas o seu próprio. Um
exemplo disso é o elogio de Zaratustra à solidão, que de diversas
formas atravessa as quatro partes do livro, ao mesmo tempo em
que em suas cartas21 Nietzsche relata uma intensa e sofrida solidão
pessoal. Mesmo a afirmação da vida aparece nas cartas como um
sentimento, ora presente ora não, e não como uma conquista, um
ponto de elevação espiritual ou de amadurecimento alcançado. Em
carta a Hans von Bullow, de Rapallo, datada de dezembro de 1882,
Nietzsche escreve: “a nova maneira de pensar e de sentir que há
seis anos tenho expressado em meus escritos, conservou-me em vida
e quase me trouxe à saúde”. A Franz Overbeck, em carta do dia 25
do mesmo mês e ano, referindo-se ao seu desentendimento com a
mãe e a irmã, Nietzsche afirma: “se eu não descobrir a arte alquimista de transformar essa lama em ouro, estou perdido”. Em carta
a Overbeck do dia 24 de março de 1883, Nietzsche, de Gênova,
desabafa: “Não entendo mais por que eu deveria viver, que sejam
seis meses a mais; tudo é entediante, dolorosamente desagradável”.
No dia 19 de abril do mesmo ano, escreve para o mesmo amigo:
“O tempo está esplêndido, minha saúde e minha coragem continuam em alta... Há freqüentes períodos de angústia para mim que
supero com dificuldade.” Hóspede de uma família suíça em Roma,
escreve a Gast no dia 20 de maio do mesmo ano: “Estou extremamente tocado e passo muito tempo em companhia agradável; assim
que me vejo sozinho me sinto abalado como nunca em minha vida”.
De Gênova, escreve a Overbeck no dia 11 de novembro: “não tenho ninguém com quem possa refletir sobre o futuro do homem –
de fato, estou interiormente inteiramente doente e ferido pela longa
privação de uma companhia que seja feita para mim. (...) Com
freqüência minha solidão me pesa”. Em Sils-Maria, relata ainda a
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Overbeck em carta do dia 25 de julho de 1884: “as noites em que
estou só, sentado em meu pequeno e estreito quarto, são duras de
mastigar”. Em Ecce Homo, de 1888, Nietzsche relembra no capítulo sobre o Zaratustra, que os anos de sua redação e aqueles que se
seguiram “foram anos de um estado de sofrimento sem igual” (EH/
EH, “Assim falava Zaratustra”, § 5).
Ao contrário de desautorizá-lo, este diálogo do livro com seu
próprio autor, este escrever para si próprio, reforça o sentimento
trágico de Assim falava Zaratustra. Pois, e este é o ponto principal
do sentimento filosófico que se quer transmitir no Zaratustra, a afirmação trágica da vida só faz sentido caso inclua não apenas o prazer, mas também a dor. Daí o romance de formação ser, ao contrário de um meio privilegiado para a transmissão de um pensamento
trágico, um meio inapropriado para isso, ou no mínimo um meio
que não favorece esta transmissão. Afinal, relatar o amadurecimento do herói que de anunciador do Übermensch se torna o mestre do
eterno retorno, ainda parece contraditório com o próprio eterno retorno, ou para ser mais claro, ainda parece irreal, idealizado, contrário à aceitação e afirmação não só das limitações e dificuldades
afetivas dos Homens Superiores, como também e sobretudo de suas
próprias. Em outras palavras, a própria idéia de um mestre, ou de
um acabamento do herói, ou talvez mesmo a própria idéia de um
herói, como aliás a do gênio, tão cara ao Romantismo e ao Idealismo alemão, já pouco sentido fazem quando o que importa é a compreensão da vida22, sua afirmação e sua aprovação.
É precisamente neste sentido que nos parece ser a quarta parte
de Assim falava Zaratustra a mais importante de todas, por ser aquela que esclarece o mal-entendido que um romance de formação
poderia gerar, e que parece estar de fato presente até a parte três.
Pois é somente na quarta parte que efetivamente a aprovação da
vida – o amor fati e o eterno retorno – é de fato vivenciada, e não
na terceira.
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Romantismo e tragicidade no Zaratustra de Nietzsche
A parte quatro do Zaratustra e a vivência do amor fati
Como se sabe a partir dos fragmentos póstumos, as três primeiras partes de Assim falava Zaratustra foram redigidas respectivamente23 de janeiro a fevereiro de 1883, em julho de 1883; e de
outubro de 1883 a janeiro de 1884. Elas foram publicadas separadamente, à medida que eram concluídas, pelo editor Schmeitzner.
Ao final de 1885, Nietzsche considerava que Assim falava Zaratustra estava terminado com a terceira parte, e começou a pensar em
um novo livro com o mesmo personagem, que deveria se chamar
Meio-dia e eternidade e a princípio ter igualmente três partes. A
primeira parte deste novo livro foi escrita em Nice e Eze, de janeiro
a março de 1885, um ano portanto após o término das três primeiras partes. Não contando mais com um editor, Nietzsche a publicou
com seus próprios recursos como uma quarta parte de Assim falava
Zaratustra, em uma reduzida tiragem de 40 exemplares. Em 1886,
de volta a seu antigo editor de Leipzig, E. W. Fritzsch, Nietzsche
publicou Assim falava Zaratustra apenas com as três primeiras partes, pela primeira vez juntas em um mesmo volume. Somente em
1890, já sem o aval de Nietzsche, a quarta parte foi republicada
separadamente como tal; e somente em 1892 as quatro partes foram publicadas juntas como um único volume, por Peter Gast. No
entanto, em Ecce Homo (EH/EH, “Assim falava Zaratustra”, § 1),
Nietzsche se refere à quarta parte como “a parte final”, referindose assim ao livro como composto por quatro partes.
O próprio Nietzsche portanto, ao menos em um primeiro momento, concebera o Zaratustra como terminando na terceira parte,
que relata, de modo próximo a todo romance de formação, o amadurecimento de Zaratustra. É, aliás, enquanto ponto culminante da
formação de Zaratustra que, no final da terceira parte, como lembra Machado, é apresentado “o pensamento do eterno retorno como
o ápice de um saber trágico”24: “há, assim, na trajetória de Zara-
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tustra, uma progressão da doença à convalescença e, finalmente, à
saúde”25. Porém, o fato de o Zaratustra alcançar ali o ápice do eterno retorno – a “concepção fundamental da obra”, nas palavras do
próprio Nietzsche: “esta fórmula suprema de afirmação, a mais alta
que se possa conceber” (EH/EH, “Assim falava Zaratustra”, § 1) –
não quer dizer que tenha se dado por satisfeito ao término desta
parte culminante. Afinal concebera uma continuação do relato, seja
em uma nova parte, seja em um novo livro. Uma continuação foi
pensada pelo próprio Nietzsche como necessária.
Considerar a parte quatro, embora não apresente nenhum tema
fundamental, como uma parte fundamental para a compreensão e
transmissão da mensagem do Zaratustra – e, num certo sentido,
mesmo a principal e mais importante do livro, por apresentar uma
vivência que reelabora e esclarece a parte três e sem a qual esta
permaneceria entregue à contradição de propor uma aceitação trágica demasiado “acabada”, “per-feita” – parece confirmar-se por
uma análise conjunta do final da parte três (o capítulo “O outro
canto da dança”, mas também “Os sete selos”); do que se segue a
este ao longo de toda a parte quatro; e do final desta parte (“O
canto da embriaguez”, mas também “O sinal”), em comparação com
o da anterior. Minha hipótese portanto, como veremos, é a de que o
eterno retorno, embora apareça com clareza na parte três, somente
se torna de fato compreensível enquanto amor fati na parte quatro.
Em “O canto de dança” (das Tanzlied), da parte dois, Zaratustra ama a vida à luz do dia, mas a põe em questão quando a noite
lhe indaga se ele ainda vive, por que, para que, com qual finalidade: não será uma loucura insistir em viver? (Za/ZA II, “O canto de
dança”) Zaratustra coloca a vida em questão por ser ela, a seu ver
neste momento, má e pérfida, embora seja sedutora e ele a ame.
Além disso, Zaratustra pede aos amigos que lhe perdoem a tristeza;
sofre por não conseguir manter incólume seu amor apolíneo26 quando chega a noite. Na verdade, a jovialidade da vida se esvai quando
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Romantismo e tragicidade no Zaratustra de Nietzsche
Zaratustra dela se aproxima com sua sabedoria. Machado pontua
que a tristeza de Zaratustra deve-se aí ao “desacordo entre vida e
sabedoria”27. Ao longo de seu périplo de anúncio do Übermensch,
de sofrimento com a mesquinhez do próximo, de amaldiçoamento
de todo tipo de niilismo e de niilistas, embora Zaratustra tivesse ele
próprio amor à vida, e luminosa sabedoria sobre esta, ainda se abalava com o niilismo circundante e com seus próprios afetos ruins
que brotavam de sua relação com o mundo e com a realidade, ao
ponto de entristecer-se e pôr em dúvida seu próprio amor à vida.
Embora não partilhasse com o adivinho (ou profeta, der Wahrsager)
do sentimento de que “tudo é igual, nada vale a pena”, aproximava-se de seu pesar sempre que se defrontava com o fato de que os
outros não amavam a vida como ele. Ressentia-se com o ressentimento alheio. Padecia de afetos tristes pelas ilusões dos outros e
por seu próprio sofrimento, e desculpava-se por essa sua “imperfeição” junto a seus discípulos. Desejava ser forte o bastante para nunca
afetar-se mal.
É apenas na terceira parte que Zaratustra entende o sentimento
do eterno retorno, necessário para um efetivo amor à vida: para o
amor fati. Assim, em “O outro canto de dança”, Zaratustra não se
culpa mais por sofrer quando a vida não o aquece – “O que não
sofreria eu de boa vontade por ti?”, diz à vida. Sua sabedoria não
impede mais a dança jovial; agora ele próprio dança: “sigo-te a dançar”, diz à vida.
Ainda assim, implora à vida que o leve consigo. Pede para a
vida que se mantenha ao seu lado, mas ela sobe e lhe escapa; ele
salta atrás dela mas cai. A reação de Zaratustra é de forçar a vida a
dançar ao som de seu chicote. Ao que ela responde que ambos não
prestam nem para o bem nem para mal. A vida diz então a Zaratustra que há um velho e pesado bordão que bate com as doze badaladas da meia-noite, e que ela sabe que toda noite naquele momento
ele pensa que irá deixá-la em breve. Ao que Zaratustra lhe respon-
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de que ele, por sua vez, para o espanto da vida, conhece o segredo
dela, que parece ser o do eterno retorno. Ambos se olham emocionados. O ditirambo termina com as doze badaladas da meia-noite,
que da quinta à décima segunda dizem:
O mundo é profundo, profundo, mais do que o dia imagina. Profunda, decerto, é a sua dor, mas mais profundo o seu prazer. A dor diz:
“Passa!” Mas todo prazer quer a eternidade! – quer a profunda eternidade! [Weh spricht: Vergeh! Doch alle Lust will Ewigkeit – will tiefe,
tiefe Ewigkeit!] (Za/ZA IV, “O outro canto de dança”, § 12).
No capítulo seguinte, “Os sete selos (ou a canção do sim e do
amém)”, último da parte três, todos os sete selos terminam com os
versos “Oh, como não hei de arder com o desejo da eternidade, o
desejo do anel dos anéis, o anel nupcial do Retorno (Wiederkunft)!
Ainda não encontrei a mulher de quem quisesse ter filhos, a não
ser esta mulher a quem amo, porque te amo, ó Eternidade!” (Za/
ZA IV, “Os sete selos”). No quarto selo, Zaratustra diz que sua mão
misturou o prazer com a dor (Lust zu Leid), o pior mal com o bem
supremo, e que ele próprio é um grão do solvente que permite que
todas as coisas se misturem, do solvente que integra o bem e o mal
(das Gutes mit Bösem).
Enquanto em “O canto de dança”, da segunda parte, Zaratustra vê a vida dançar mas não tem leveza para dançar, em “O outro
canto de dança” a relação de sua sabedoria com a vida muda. Contudo, há ainda em Zaratustra a vontade ou necessidade de forçar a
vida a dançar, segundo seu desejo. Zaratustra já entende que o
mundo é mais profundo do que o dia imagina, mais do que a sabedoria apolínea e luminosa pode imaginar. Teremos sempre afetos
tristes. O que pode mudar é a maneira como lidamos com eles, é a
maneira como eles nos afetam, o que pensamos e o que sentimos a
partir deles; é a compreensão e o amor à vida que nos permitem
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Romantismo e tragicidade no Zaratustra de Nietzsche
aceitá-los, afirmá-los, englobá-los. É neste sentido que o romance
de formação, enquanto tal, não favorece a expressão do amor fati.
Parece contraditório com a idéia de uma compreensão trágica, e
assim com a própria idéia do eterno retorno, que ao final da parte
três Zaratustra perfaça seu aprendizado, caso entendamos que não
há término ou perfeição na vida. Que o processo de compreensão
de nossos afetos é contínuo, precisamente por se dar a partir da
relação que temos com o mundo a cada instante, o tempo todo; que
talvez sequer faça sentido pensar propriamente uma formação ou
aprendizado, mas, antes, algo como uma melhoria de nossa compreensão, de nosso modo de nos afetarmos, feita de inesgotáveis
reconquistas. É neste sentido que, segundo esta interpretação, podemos considerar a parte quatro como fundamental para dissipar a
ilusão de um acabamento, de um amadurecimento final, de um
ponto de chegada, de todo modo, aliás, contraditório com o sentimento do amor fati.
Na parte quatro, anos tendo se passado de sua saga, Zaratustra
tendo permanecido em sua caverna com a águia e a serpente, diz
agora a eles estar transbordando de mel, mas na verdade está taciturno e solitário e por isso ouve um chamado de angústia (Za/ZA
IV, “A oferta de mel”): “a minha felicidade é pesada, e em nada
semelhante à onda líquida; pesa sobre mim e obsede-me, aderente
como uma resina derretida”, “é o mel que me corre nas veias que
me torna o sangue mais espesso e minha alma mais taciturna”. A si
mesmo, confessa que falara astuciosamente com seus animais: “Se
falei de mel, e da oferenda do mel, era um artifício oratório (...).
Era para fazer uma isca (...). É para apanhar o homem que lanço a
minha linha dourada”. Zaratustra diz assim que não quer mais descer até os homens, mas sim que eles subam até sua caverna (idem)
para aprender com sua felicidade; mas acaba por sair à procura do
grande grito de angústia [Notschrei] pelo qual sentiu compaixão,
influenciado pelo niilismo do adivinho (Za/ZA IV, “O grito de an-
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gústia”). O grito de angústia, diz o adivinho a Zaratustra, “é a ti que
se dirige”. Se Zaratustra deixou-se influenciar pelo adivinho foi porque sentia uma “solidão mortal” no silêncio de seu isolamento. Zaratustra sai então à procura do homem superior e de seu grito de
angústia. Durante suas buscas diurnas, encontrou: o adivinho niilista;
os reis nobres – esnobes e corrompidos – e seu acompanhante, o
burro que diz sim a tudo mecanicamente; a sanguessuga – espírito
do escrúpulo intelectual, que arranca sua própria carne; o auto-penitente sedutor; o último Papa – compassivo e irritado; o mais hediondo dos homens – assassino de Deus; o mendigo voluntário e
entediado; e, por fim, a sua própria sombra – humilde, inquieta e
infeliz. Ao longo do encontro com esses homens, Zaratustra sonha
novamente com ilhas afortunadas, e volta a desejar e a anunciar o
Übermensch. Homem por homem, Zaratustra amaldiçoa novamente
a todos, pragueja contra eles, enoja-se, volta a se ressentir com eles
e por eles, mas ao mesmo tempo se sensibiliza com a angústia deles, se angustia por isso, e envia-os um a um à intimidade de sua
própria morada.
É fundamental para o texto que tudo isso volte, que volte o que
representa cada um desses homens demasiadamente humanos. Afinal, a vida não é sempre um Meio-Dia sem sombras. Zaratustra
involuiu, regrediu, desaprendeu? Enlouqueceu, teve uma recaída,
novamente adoeceu? Não. Ao contrário. Considero que se Zaratustra lhes dá abrigo dentro de seu lar mais íntimo, se tem compaixão
por eles, é porque se identifica com eles. O grito de angústia deles
era ouvido dentro de si mesmo. Somente agora foi possível a Zaratustra ouvir suas próprias angústias até então ocultas, e enfim aceitálas, acolhê-las, rir com elas, como veremos.
Durante o dia, Zaratustra ouvia a angústia, mas não via de onde
ela vinha; é somente à noite que pôde ver que ela vinha de dentro
de si. Pois foi somente após longa busca diurna (Za/ZA IV, “A saudação”) que Zaratustra, não tendo encontrado o ‘homem superior’,
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Romantismo e tragicidade no Zaratustra de Nietzsche
resolveu retornar à sua caverna. Ao chegar em seu lar, já ao entardecer, viu para sua surpresa que vinha de lá o grande grito de
angústia, de todos os homens singulares (Wunderlichen) que ele mesmo tinha convidado, como uma armadilha para si mesmo: “Foi então vosso grito de angústia que ouvi! E sei agora onde se encontra
aquele que procurei inutilmente todo o dia, o homem superior. Eilo portanto na minha caverna, o homem superior! Mas por que hei
de admirar-me? Não fui eu próprio que o atraí aqui com meu oferecimento de mel e os malignos chamarizes de minha felicidade?”
(Za/ZA IV, “A saudação”). Sua felicidade era ainda uma auto-exigência de perfeição, como o próprio Zaratustra admitira no primeiro capítulo desta quarta parte, confessando a si mesmo que ela era
apenas uma isca para buscar companhia e livrar-se de sua angustiada solidão.
O sutil paradoxo que somente a quarta parte do Zaratustra permite sentir e compreender, é a idéia de que a afirmação do eterno
retorno não é garantia de uma felicidade idealizada e perfeita. Não
é garantia de que a partir de então somente teremos afetos positivos. Não adianta, como o mendigo voluntário, desejar “levar a vida
que me agrada, ou não viver de modo algum” (Za/ZA IV, “O mendigo voluntário”). O isolamento de Zaratustra ao final de sua saga
progressiva na parte três, parecia ser ainda sintoma de uma dificuldade em viver no mundo. Viver no mundo implica em ter afetos
passivos, por vezes afetos tristes. Viver isolado do mundo e das pessoas parece ser ainda uma fuga, uma tentativa de se evitar os afetos
tristes. Mas eles nos chegam mesmo assim, pois são conseqüência
intrínseca e portanto inevitável da existência, da relação com o ambiente, seja ele qual for. Juntos a outros nos afetamos; isolados,
também. Daí ter sido o adivinho quem fez Zaratustra acordar para
seus próprios gritos de angústia: se juntos ou isolados, entendendo
o eterno retorno ou não, teremos momentos de tristeza, então tudo
é igual, tudo se equivale, nada vale a pena? Zaratustra entende en-
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fim que seu mel não vale nada, a menos que sirva para transfigurar
seus afetos28. Ver uma beleza trágica mesmo no que há de mais
doloroso no mundo e em nós mesmos: é vida! Isso nos faz fortes,
não para isolarmo-nos, mas para não precisarmos nos isolar. Não
para, no mundo, não sofrermos; não para, no mundo, sofrermos;
mas para, no mundo, sentirmo-nos fortes, potentes, criativos, transformadores. Na luta, com alegria, em ação. Se entendemos que a
dor é contrariedade (Weh), afirmar a realidade – isto é, não nos
sentirmos contrariados por ela – nos deixa mais fortes para a ação.
É neste sentido que o ápice da parte três deve ser comparado
ao ápice da parte quatro. Se naquele, bem e mal já estão misturados, parece, contudo, que as contrariedades ainda não são vistas
como parte da alegria, mas antes como toleradas. Em ‘O outro canto de dança’, a dor diz a Zaratustra: “Passa!” O que pode ser dito
da seguinte forma: Zaratustra diz a si mesmo nos momentos de dor:
a dor quer me destruir; quer que eu passe e pereça. Mas (Doch) o
prazer quer a eternidade. Quero que a dor passe e pereça, para
deixar lugar ao prazer, que quer a eternidade. Há uma oposição
entre dor e prazer.
Já na quarta parte, após ouvir de sua sombra: “ai daquele que
oculta [birgt] desertos!” (Za/ZA IV, “Entre as filhas do deserto”);
após mais uma vez ter acreditado que os homens convalesciam (Za/
ZA IV, “O despertar”, § 2) porque tinham mudado – de forma a
não mais contrariar o desejo de Zaratustra de encontrar uma companhia que fosse, não como ela é, mas como o próprio Zaratustra
queria que fosse –; após ter visto, enfim, que eles não mudaram,
que eles continuavam os mesmos, embora agora rissem de si mesmos; Zaratustra, à noite, saindo de sua caverna com todos (Za/ZA
IV, “O canto da embriaguez”, § 1), após todos terem dançado (Za/
ZA IV, “A festa do burro”), todos os homens “de coração consolado e corajoso, surpresos por se sentirem tão felizes na terra” (Za/
ZA IV, “O canto da embriaguez”, § 1), “pensou consigo: ‘Oh! Como
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Romantismo e tragicidade no Zaratustra de Nietzsche
me agradam agora esses homens superiores!’”. O mais hediondo
dos homens falou então, conseguindo amar a vida: “Estou pela primeira vez disposto a aceitar essa longa vida. (...) Vale a pena ter
vivido nesta terra. (...) Era isso então a vida?, direi à morte. Pois
bem, de novo!” Estava “pleno da doçura de viver e tinha esquecido
qualquer melancolia”. Cada um dos homens, rindo, chorando, se
sentia transformado. Sentindo-se ébrio, Zaratustra chamou seus
novos amigos e alertou-os “aproxima-se a meia-noite!” (Za/ZA IV,
“O canto da embriaguez”, § 2). Até aqui29, diz a eles, “dançastes,
mas uma perna ainda não é uma asa.” (idem, § 5). É hora agora,
“embriagados de luar”, de libertar “as sepulturas”, acordar “os
cadáveres”, aceitar seus próprios fantasmas. O sino, das doze badaladas da meia-noite, “agora deseja morrer, morrer de felicidade
(...) da inebriante felicidade de morrer à meia-noite, da felicidade
que canta: O mundo é profundo, mais do que o dia pode imaginar.” (idem, § 6).
São doze os cantos ébrios, e Zaratustra retoma, a partir do sexto, os mesmos termos de “O outro canto da dança”. “Profunda é a
sua dor”, diz o sétimo canto. Mas “se a dor é profunda, mais profundo ainda é o prazer”, diz o oitavo canto. O nono aproxima-se
ainda mais de ‘O outro canto de dança’: “A dor diz: ‘Passa! Vai-te,
dor!’ Mas tudo o que sofre quer viver para amadurecer, para conhecer o prazer e o desejo – o desejo das coisas longínquas, mais
altas, mais claras. “Quero herdeiros, diz tudo o que sofre, quero
filhos, não é a mim que quero”. Mas o prazer não quer ter filhos
nem herdeiros – o prazer deseja-se a si mesmo, quer a eternidade,
o Retorno”. Zaratustra retoma neste canto a oposição entre a dor e
o prazer presente em ‘O outro canto de dança’. E é somente no
décimo, após perguntar-se se é ele próprio apenas um profeta ou
um sonhador, que consegue afirmar que “a meia-noite é também
meio-dia. A dor é também prazer”, “a noite é também sol”. Entoa
então um novo canto, impossível de ser entoado ao final da terceira
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parte, que modifica fundamental e significativamente o outro canto
de dança:
Alguma vez dissestes sim a um prazer? Ó meus amigos, então dissestes
ao mesmo tempo sim a todas as dores. Todas as coisas estão encadeadas,
misturadas, amorosamente enlaçadas.
Alguma vez desejastes que uma mesma coisa se repetisse? Alguma
vez dissestes: “Agrada-me felicidade, piscar de olhos, instante!” Então
desejastes a volta (zurück) de todas as coisas!
Todas voltando novamente, todas eternas, todas encadeadas, misturadas, amorosamente enlaçadas; oh! foi assim que amastes o mundo!
Vós próprios eternos, vós amai-lo eternamente e sempre; e mesmo à
dor (zum Weh) dizeis: “Passa, mas volta (komm zurück)!” Pois todo
prazer quer a eternidade! (Denn alle Lust will – Ewigkeit!) (Za/ZA IV,
“O canto da embriaguez”, § 10).
Notemos que se antes, ao final da parte três, é a dor (Weh) que
diz “Passa!” a Zaratustra, mesmo que entendamos que Zaratustra
também deseja que ela passe, já no final da parte quatro é Zaratustra e os homens que à dor (zum Weh) dizem “Passa!”. Se em “O
outro canto da dança”, há uma oposição entre dor e prazer, indicada
pela adversativa “Mas” (Doch): a dor diz “passa”, mas todo prazer
quer a eternidade, e por isso insiste-se em viver – apesar da dor; já
em “O canto da embriaguez” não se diz apenas à dor que passe,
mas também que volte; e que volte porque todo prazer quer a eternidade. Para se ter novos momentos prazerosos, para que eles voltem
sempre e mais, e mais intensamente, agora se entende, não adianta
odiar a dor, querer que ela passe, sentimo-la querendo nos destruir. É preciso entender – e sentir – que prazer e dor estão amorosamente enlaçados. Somente desejando a vida como um todo, com
prazer e dor, que o prazer, real e não ideal, pode ser sentido e
vivido como eterno. Não se trata mais de sensações agradáveis, mas,
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Romantismo e tragicidade no Zaratustra de Nietzsche
agora sim, de um amor fati, de um amor ao fatum, à efetividade
como um todo. Que a contrariedade volte, não por um suposto masoquismo, por um amor à dor em si, mas porque ela é parte integrante, e mesmo desafiadora e estimulante, do prazer de viver.
É somente neste décimo canto, onde a ebriedade dionisíaca supera e engloba a alegria e a leveza da dança, que Zaratustra expressa em toda sua profundidade e clareza, intensidade e sentimento
o amor fati, base de sua filosofia trágica. Integrando o eterno retorno ao amor fati da forma mais intricada, a dor quer passar mas
também retornar porque – se prazer e dor estão misturados, se não
é possível e portanto não se deseja corrigir a existência – para que
o prazer retorne é preciso que a dor retorne também. No décimo
primeiro canto, Zaratustra confirma que todo prazer “quer o mel e
o fel”, quer também as “lágrimas fúnebres” e “o esplendor do sol
poente” – pois também o entardecer é esplendoroso.
O que poderia ser uma objeção ao argumento, o fato de no décimo segundo canto da embriaguez Zaratustra voltar a entoar
exatamente o mesmo canto de “O outro canto de dança”, nos parece, ao contrário, confirmá-lo. Pois, no momento da décima segunda
badalada, quando se faz exatamente meia-noite, é preciso lembrar,
mais uma vez, que nada é uma conquista que nos tire do devir. Se
aprendizado há, é afetivo e não teórico, e como tal, serve para nossos afetos na vida real, e não para um fechamento triunfal. O último
capítulo do livro corrobora esta lembrança. “Que eu padeça ou me
compadeça – que importa!” (Za/ZA, IV, “O sinal”), diz Zaratustra,
“ardente e vigoroso como o sol matinal”, após encontrar o leão que
diz não, mas que desta vez é um leão doce e risonho – doce e risonho
pois que seu não é, desta vez, posterior ao sim. Não mais um não
aos outros, mas um sim a si próprio e suas próprias dificuldades.
Se o eterno retorno é o ponto culminante do trágico, este já está
presente na filosofia de Nietzsche desde O Nascimento da tragédia.
Se este seu livro inaugural apresentava características do romantis-
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mo, Assim falava Zaratustra também apresenta uma expressão romântica. Mas se em seu primeiro livro a influência romântica não
comprometeu de todo suas idéias, no Zaratustra é somente com a
parte quatro que sua intuição filosófica escapa de fato ao viés romântico de sua forma. Pois se o conceito do trágico já estava presente na parte três do Zaratustra, se o eterno retorno, seu ponto
culminante, foi enunciado no final desta parte, ele ainda o fora,
todavia, dentro do modelo iniciático característico do Bildungsroman
que tanto marcou o romantismo. Não é à toa que naquele momento
a leveza e a alegria da dança cantavam o prazer ainda apesar da
dor, o meio-dia apesar da meia-noite, a luz apesar da sombra, e
Zaratustra, ainda demasiado apolíneo, cultuava seu mel, sem ainda
nele poder incluir o fel. É somente na vivência e aceitação da perda
de tudo aquilo que parecia uma conquista definitiva e representava
o auge da formação de Zaratustra, que se quebrou o romântico suposto progresso do herói. Somente aceitando e afirmando sua própria noite, não se importando mais se também padece e compadece, que Zaratustra pôde enfim amar os homens, e de fato a vida e a
si mesmo, e só então cantar, com a embriaguez dionisíaca sob a luz
do luar, que ilumina em meio à escuridão da noite, o prazer e a
dor, e desejar não somente aquele, mas também esta, pois que estão amorosamente enlaçados. É, enfim, somente com a quebra do
ideal romântico de se perfazer um percurso de formação, que o
amor fati pôde efetivamente ser vivenciado. O fim do livro é assim
não mais um final de percurso, mas apenas um sinal. Afinal, a história de Zaratustra continuaria, talvez sem fim, como de fato ficou.
Pois Nietzsche, deixando de lado o estilo do romance ou da alegoria, preferiu dedicar-se a escrever seus outros tantos livros que a
este se seguiram.
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cadernos Nietzsche 25, 2009
Romantismo e tragicidade no Zaratustra de Nietzsche
Abstract: One usually considers the first moment of Nietzsche’s writings
as “romantic”, and that one started by Zarathustra as his “true philosophy”. But is The birth of tragedy really romantic? Is not yet there his own
philosophy? And Thus Spoke Zarathustra weren’t it romantic? The way
Nietzsche expresses himself in the former, would not link him to the romanticism, a former not favorable to Nietzsche tragic philosophy? Our
hypothesis is that The birth of tragedy is not philosophically romantic, as
long as Thus Spoke Zarathustra is written in a romantic stile, mainly until
the third part. It would do the fourth the most important part of the book.
Our aim is to show the philosophical consequences of these ideas.
Keywords: Zarathustra – German Romanticism - educational novel –
tragicalness – amor fati
notas
Cf. igualmente Heidegger 7, que aponta cinco termos capitais da doutrina de Nietzsche (o niilismo, a transvaloração
de todos os valores, o além-do-homem, a vontade de potência, e o eterno retorno).
2
Cf. Löwith 12.
3
Cf. Fink 4.
4
Cf. Andler 1.
5
Nietzsche refere-se ao romantismo como ligado ao niilismo,
à hipersensibilidade, à décadence, à fraqueza vital, a um
descontentamento e uma insatisfação incuráveis. (Cf. entre outros, GT/NT, “Tentativa de autocrítica”, §7; FW/GC
§ 24 e 370; GD/CI, “Divagações de um extemporâneo”,
§ 50), e portanto à dificuldade em suportar a realidade,
que encontra expressão e abrigo no idealismo.
1
cadernos Nietzsche 25, 2009
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Martins, A.
E num certo sentido está implicado no próprio perspectivismo, como na teoria nietzschiana das pulsões e dos instintos, em sua crítica ao niilismo e em seus conceitos de
fisiologia e da grande saúde.
7
Como por exemplo, quando em GT/NT, § 16 e 17, Nietzsche
descreve sob os termos de alegria metafísica e consolo
metafísico o sentimento de júbilo e prazer que sentimos ao
nos identificarmos com a vida, afirmando-a e aprovando-a
com suas dores e aniquilamentos inerentes ao seu devir.
8
Notadamente Fichte, Schelling, Schopenhauer e Hegel.
9
Cf. Chenet 3.
10
Cf. Heine 8.
11
Observemos que, analogamente, o mesmo ocorre com
Spinoza em relação ao racionalismo e mesmo à ordem geométrica: são heranças de seu solo cultural e de sua época.
Assim como a arte em Nietzsche, constituem intrinsecamente sua forma de expressão, e portanto participam do
sentido de suas filosofias. Porém, participam como expressão, não modificando fundamentalmente propriamente seu
sentido filosófico. Mas esta perspectiva demanda um desenvolvimento argumentativo e demonstrativo que não caberia no escopo deste texto.
12
Que poderíamos, guardadas as diferenças, aproximar da
idéia de “solo epistêmico” de Foucault.
13
Cf. Machado 13, p.28-31.
14
Cf. Borcherdt 2; Jacobs, 9; Selbmann, 16.
15
Cf. Machado 13, p. 30 e 137; Janz, 10.
16
De fato, dentre os romances de formação, há dois que são
repetidamente elogiados por Nietzsche desde o início dos
anos 1880: Henrique o verde, de Gottfried Keller, de 1855,
e Nachsommer, de Adalbert Stifter, de 1857. Ambos, contudo, são bem particulares, pois no primeiro, considerado
6
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cadernos Nietzsche 25, 2009
Romantismo e tragicidade no Zaratustra de Nietzsche
“realista” (e não romântico), o herói é uma espécie de antiherói, cuja formação fracassa; e no segundo, a própria idéia
de formação é posta em questão, ao apresentar o desejo de
um destino heróico e fora do comum como fonte de sofrimento e frustração. Os elogios que faz a estes autores
talvez indiquem uma crítica de Nietzsche a este gênero
de romance.
17
Se consideramos os conceitos não necessariamente no sentido nietzschiano da crítica a Sócrates, como forma de
denegação dos instintos, de fachada para o moralismo, de
exigência de explicação ainda que por causas imaginárias
(GD/CI, “O problema de Sócrates”); mas sim no de termos
utilizados por um autor com um sentido nuançado próprio
à sua filosofia – como por exemplo quando em GT/NT,
§16, Nietzsche utiliza o termo “conceito do trágico (Begriff
des Tragischen)”.
18
Retomado em EH/EH, “O Nascimento da tragédia”, § 3.
Cuja idéia ou intuição atravessa, a nosso ver, toda a obra
de Nietzsche, expressa de maneiras diversas.
19
Uma vez que “o valor da vida não pode ser avaliado.
Não por um vivo, pois ele é parte, e mesmo objeto, do
litígio, e não juiz; tampouco por um morto, por uma outra
razão.” (GD/CI, “O problema de Sócrates”, § 2). Ou ainda: “Uma condenação da vida feita por um vivo é, no fim
das contas, apenas um sintoma de um certo tipo de vida: a
questão de saber se esta condenação é justificada ou não
sequer se coloca. Seria preciso se situar fora da vida, e,
aliás, conhecê-la tão bem como ninguém, como muitos,
como todos que viveram, para ter apenas o direito de abordar o problema do valor da vida. Quando falamos de valores, falamos sob a inspiração, sob a ótica da vida: é ela que
nos força a criar valores, é a vida que ‘valora’ através de
nós a cada vez que criamos valores...” (GD/CI, “A moral
como antinatureza”, § 5).
cadernos Nietzsche 25, 2009
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Martins, A.
“O Nascimento da tragédia foi minha primeira transvaloração de todos os valores”.
21
Cf. Gandillac; Deleuze, 6.
22
Cf. por exemplo GD/CI, “A moral como antinatureza”, §6.
23
Cf. Gandillac; Deleuze, 5.
24
Machado 13, p. 153. Lampert 11 também enfatiza sobretudo as três primeiras partes do Zaratustra.
25
Machado 13, p. 145.
26
No sentido de um amor à vida apenas luminoso, isto é, no
que a vida é fonte de prazer e não de desprazer.
27
Machado 13, p.95.
28
Cf. KSA XII, 9[8]; GD/CI, “A moral como antinatureza”,
§ 1 e 3.
29
E até “O outro canto da dança”.
20
referências bibliográficas
1. ANDLER, C. Nietzsche, sa vie, sa pensée. Paris: Gallimard,
1958.
2. BORCHERDT, H. H. ‚Bildungsroman’. In: Reallexikon
der deutschen Literaturgeschichte, 2. Berlim: Walter
de Gruyter, 1958.
3. CHENET, X. ‘Kant et l’Idéalisme Allemand’. In:
Morichère, B. . (org.) Philosophes et philosophies, tome
2. Paris: Nathan, 1992.
4. FINK, E. Nietzsches Philosophie. Stuttgart: Kohlhammer,
1960.
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cadernos Nietzsche 25, 2009
Romantismo e tragicidade no Zaratustra de Nietzsche
5. GANDILLAC, M. ; Deleuze, G. Les manuscrits. In:
Nietzsche, F. Ainsi parlait Zarathoustra. Paris: Gallimard, 1985, p. 403-406.
6. _________. Dates et événements de la vie de Nietzsche
de l’Automne 1882 à la fin 1884. In: NIETZSCHE,
F. Ainsi parlait Zarathoustra. Paris: Gallimard, 1985,
p.395-402.
7. HEIDEGGER, M. Nietzsche. Pfullinger: Neske, 1961.
8. HEINE, H. Contribuição à história da religião e da filosofia na Alemanha. São Paulo: Iluminuras, 1991.
9. JACOBS, J. Wilhelm Meister und seine Brüder. Untersuchungen zum deutschen Bildungsroman. München:
W. Fink, 1972.
10. JANZ, C. P. Friedrich Nietzsche Biographie. München:
Hansen, 1978.
11. LAMPERT, L. Nietzsche’s teaching: an interpretation of
‚Thus spoke Zarathustra. New Haven: Yale Univ. Press,
1986.
12. LÖWITH, K. Nietzsches Philosophie der ewigen Wiederkehr
des Gleichen. Stuttgart: Kohlhammer, 1935.
13. MACHADO, R. Zaratustra tragédia nietzschiana. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
14. NIETZSCHE, F. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe, 15 volumes. Berlim, Walter de Gruyter,
1988.
15. ________. O nascimento da tragédia. Trad. J. Guinsburg.
São Paulo: Cia das Letras, 1998.
16. SELBMANN, R. Der deutsche Bildungsroman. Stuttgart:
J. B. Metzler, 1984.
cadernos Nietzsche 25, 2009
| 143
Índices dos Cadernos Nietzsche
Índices dos Cadernos Nietzsche
(por número, autor e tema)
Índice por número
CN2
Marton, Scarlett. “Nietzsche e a celebração da vida”
Salaquarda, Jörg. “A concepção básica de Zaratustra”
Naffah Neto, Alfredo. “Nietzsche e a psicanálise”
Duarte, Regina Horta. “Nietzsche e o ser social histórico”
Zilberman, Regina. “Nietzsche e a história da literatura”
CN3
Dias, Rosa Maria. “A influência de Schopenhauer na filosofia da arte de
Nietzsche”
Giacoia Junior, Osvaldo. “O Platão de Nietzsche. O Nietzsche de Platão”
Novaes de Rezende, Cristiano. “Filosofia e linguagem em Nietzsche: considerações acerca do recurso às figuras”
Chaves, Ernani. “Ler Nietzsche com Mazzino Montinari”
Montinari, Mazzino. “Ler Nietzsche: O crepúsculo dos ídolos”
CN4
Rorty, Richard. “Nietzsche, Sócrates e o pragmatismo”
Ghiraldelli Jr., Paulo. “Rorty, Nietzsche e a democracia”
Leopoldo e Silva, Franklin. “O lugar da interpretação”
Nascimento, Miguel Antonio do. “O trágico, a moral, o fundamento”
Mendonça, Alexandre. “Ecce homo: um livro quase homem”
Caponi, Sandra N. C. “A compaixão no poder médico-assistencial”
cadernos Nietzsche 25, 2009
| 145
Índices dos Cadernos Nietzsche
CN5
Onate, Alberto Marcos. “Nietzsche e o caos. A abordagem de Michel Haar”
Haar, Michel. “Vida e totalidade natural”
Azeredo, Vânia Dutra de. “Sobre a interpretação deleuziana de Nietzsche:
intraextratextualidade”
Itaparica, André Luís Mota. “Filosofia, literatura, desconstrução”
Araldi, Clademir Luís. “Para uma caracterização do niilismo na obra tardia
de Nietzsche”
CN6
Marton, Scarlett. “Décadence, um diagnóstico sem terapêutica. Sobre a interpretação de Wolfgang Müller-Lauter”
Müller-Lauter, Wolfgang. “Décadence artística enquanto décadence fisiológica: A propósito da crítica tardia de Friedrich Nietzsche a Richard Wagner”
Cabrera, Julio. “Para uma defesa nietzschiana da ética de Kant (à procura do
super-homem moral):Uma reflexão semântica”
Muñoz, Yolanda Gloria Gamboa. “A vingança contra Roma...”
Salaquarda, Jörg. “A última fase de surgimento da A Gaia Ciência”
CN7
Schrift, Alan D. “A disputa de Nietzsche: Nietzsche e as guerras culturais”
Ferraz, Maria Cristina Franco. “Nietzsche: esquecimento como atividade”
Silva, Divino José da. “Horkheimer leitor de Nietzsche”
Montinari, Mazzino. “Interpretações nazistas”
CN8
Brusotti, Marco. “Ressentimento e vontade de nada”
Brum, José Thomaz. “Pascal e Nietzsche”
Silva, Cíntia Vieira da. “Nietzsche, Freud e o problema da cultura”
Burnett, Henry. “Humano, demasiado humano, livro 1. Nice, primavera de
1886”
Barros, Fernando de Moraes. “A letra viva de Nietzsche: uma abordagem
afetiva da reflexão filosófica”
146 |
cadernos Nietzsche 25, 2009
Índices dos Cadernos Nietzsche
CN9
Large, Duncan. “ ‘Nosso maior mestre’: Nietzsche, Burckhardt e o conceito de
cultura”
Chaves, Ernani. “Cultura e política: o jovem Nietzsche e Jakob Burckhardt”
Itaparica, André Luís Mota. “Nietzsche e a ‘superficialidade’ de Descartes”
Marton, Scarlett. “Silêncio, solidão”
CN10
Frezzatti Junior, Wilson Antonio. “Como viver no deserto sem transformar em
deserto a própria vida”
Cragnolini, Mónica B. “Nietzsche por Heidegger. Contrafiguras para uma perda”
Casa Nova, Marco Antonio. “Interpretação enquanto princípio de constituição
do mundo”
Cardim, Leandro. “Nietzsche e a matéria poética”
Jara, José. “De Nietzsche a Heidegger: ‘voltar a ser novamente diáfanos’”
CN11
Fornazari, Sandro Kobol. “O corpo-escritura de Nietzsche”
Meléndez, Gérman. “Homem e estilo em Nietzsche”
Percia, Marcelo. “Um estilo de coisas cansadas, quase perdidas. Notas sobre
‘Homem e estilo em Nietzsche’ de Gérman Médendez”
Gazolla, Rachel. “Caminhos de Dioniso: Platão e Nietzsche (a propósito do
diálogo Symposium)”
Pimenta, Olímpio. “Arte e conhecimento em Nietzsche”
Perspectivas
Barrenechea, Estela Beatriz. “Nietzsche na filosofia atual: o eterno retorno
como acontecimento do pensar”
Maresca, Silvio Juan. “A emancipação da mulher”
Magliano, Roberto Mario. “Trabalho, escravidão, rivalidade. Um modo de
organização social trágico”
Langellotti, Osvaldo. “Sobre o futuro de nossos estabelecimentos educacionais”
Virasoro, Mónica. “Filosofia trágica e Iluminismo”
Pinkler, Leandro. “Aspectos do paganismo no pensamento de Nietzsche”
Yafar, Raúl A. “O ateísmo como vontade de ocaso”
Maci, Guillermo A. “A verdade em Nietzsche”
cadernos Nietzsche 25, 2009
| 147
Índices dos Cadernos Nietzsche
CN12
Araldi, Clademir Luís. “Os desafios da Filosofia da Interpretação”
Abel, Günter. “Verdade e Interpretação”
Azeredo, Vânia Dutra de. “A interpretação em Nietzsche: perspectivas
instintuais”
Paschoal, Antonio Edmilson. “Nossas virtudes. Indicações para uma moral do
futuro”
Montinari, Mazzino. “Equívocos marxistas”
Prebisch, Lucía Piossek. “Interpretação: arbitrariedade ou probidade filológica?”
CN13
Barrios Casares, Manuel. “O ‘giro retórico’ de Nietzsche”
Souto, Marcelo Lion Villela. “‘Lições sobre os filósofos pré-platônicos’ e ‘A filosofia na época trágica dos gregos: um ensaio comparativo’”
Piva, Paulo Jonas de Lima. “Odium fati: Emil Cioran, a hiena pessimista”
Fogel, Gilvan. “Por que não teoria do conhecimento? Conhecer é criar”
CN14
Bornheim, Gerd. “Nietzsche e Wagner: O sentido de uma ruptura”
Calomeni, Tereza Cristina B. “Solidão e verbo: a palavra intempestiva e o
tempo poético”
Rufioni, Priscila Rossinetti. “Filosofar em abismo: ‘cada filosofia esconde uma
filosofia’”
Braga, Paula. “A linguagem em Nietzsche: as palavras e os pensamentos”
Santiago Guervós, Luis Enrique de. “Nos limites da linguagem: Nietzsche e a
expressão vital da dança”
CN15
Wotling, Patrick. “As paixões repensadas: Axiologia e afetividade no pensamento de Nietzsche”
Pimenta, Olímpio. “O lugar da verdade na literatura”
Julião, José Nicolau. “O mundo sem fundo de Zaratustra”
Barros, Fernando de Moraes. “Um Oriente ao oriente do Oriente: a investigação de Johann Figl”
Figl, Johann. “Os primeiros contatos de Nietzsche com o pensamento asiático”
148 |
cadernos Nietzsche 25, 2009
Índices dos Cadernos Nietzsche
CN16
Blondel, Eric. “Nietzsche: a vida e a metáfora”
Cavalcanti, Anna Hartmann. “Nietzsche e a leitura de Do Belo Musical de
Eduard Hanslick”
Salviano, Jarlee Oliveira Silva. “Schopenhauer, Nietzsche e a crítica da filosofia universitária”
Venturinha, Nuno. “Sobre a Metamorfoseabilidade da Experiência em Die
Geburt der Tragödie de Nietzsche”
Parmeggiani, Marco. “Nietzsche: o pluralismo e a pós-modernidade”
CN17
Rivera, Silvia. “Friedrich Nietzsche: metafísica, mitologia e linguagem”
Bonaccini, Juan A. “Em torno do conceito de sintoma: uma solução ao
problema do historicismo?”
Leite, Alex. “Codificação, memória, coesão: um paralelo entre Nietzsche e
Clastres”
Rubira, Luís Eduardo. “Vestígios das manhãs: notas acerca da escrita de
Nietzsche enquanto ‘tarde’ de seus pensamentos”
Vega Visbal, Marta de La. “Ética e política. Genealogia e alcance do ‘último
homem’ na filosofia de Nietzsche”
CN18
Rossi, Miguel Angel. “Nietzsche: esboços de um perspectivismo político”
Sampaio, Alan. “Fronteiras da História”
Burnett, Henry. “Povos e Pátrias: Wagner e a política”
Calomeni, Tereza Cristina B. “A redenção da temporalidade: a trágica intuição do eterno retorno em Nietzsche”
Vasquez, Carlos. “A aparência embriagada”
CN19
Franck, Didier. “As mortes de Deus”
Di Filippo, Josefina. “Nietzsche e contemporâneos: a cultura como sintoma”
Itaparica, André Luís Mota. “Nietzsche e o sentido histórico”
Hanza, Kathia. “Distinções em torno da faculdade de distinguir: o gosto na
obra intermediária de Nietzsche”
cadernos Nietzsche 25, 2009
| 149
Índices dos Cadernos Nietzsche
CN20
Deleuze, Gilles. “Mistério de Ariadne segundo Nietzsche”
Fornazari, Sandro Kobol. “A diferença e o eterno retorno”
Silva, Cíntia Vieira da. “Crueldade e inocência: novos valores para um novo
pensamento”
Craia, Eladio. “Um acercamento da leitura deleuziana de Nietzsche”
D’Iorio, Paolo. “O eterno retorno. Gênese e interpretação”
CN21
Safatle, Vladimir. “Nietzsche e a ironia em música”
Frezzatti Jr., Wilson Antonio. “ ‘O valor de um caracol’ ou ‘O nobre
nietzschiano’: um elogio a Cálicles?”
Valls, Alvaro L.M. “Kierkegaard, um leitor de Nietzsche avant la lettre”
Araldi, Clademir Luís. “Heidegger e Nietzsche: o conflito entre arte e verdade”
Werle, Marco Aurélio. “Nietzsche e Heidegger: a arte como vontade ou fundada na origem?”
CN22
Sánchez, Sergio. “Giuliano Campioni e a arte de ler Nietzsche”
Campioni, Giuliano. “Friedrich Nietzsche: paixão e crítica da moral heróica”
Moreira, Adriana Belmonte. “Nietzsche e o cinismo grego: elementos para a
crítica à ‘vontade de verdade’”
Rodrigues, Luzia Gontijo. “Friedrich Nietzsche: ‘ideal clássico’ e ‘ideal romântico’ na tradição alemã”
Constantinidès, Yannis. “O niilismo extático como instrumentoda Grande política”
CN23
Benoit, Blaise. “Meio-dia; instante da mais curta sombra”
Delbó, Adriana. “Estado e promoção da cultura no jovem Nietzsche”
Mello, Ivan Maia de. “A antropofagia oswaldiana como filosofia trágica”
Julião, José Nicolao. “Sobre o prólogo do Zaratustra”
Paschoal, Antonio Edmilson. “A palavra Übermensch nos escritos de Nietzsche”
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cadernos Nietzsche 25, 2009
Índices dos Cadernos Nietzsche
CN24
Denat, Céline. “Nietzsche, pensador da história? Do problema do ‘sentido histórico’ à exigência genealógica”
Júnior, Ivo da Silva. “Tropeços nacionalistas: Lutero na berlinda”
Lima, Márcio José Silveira. “Em torno do gosto musical”
Nasser, Eduardo. “A crítica da concepção de substância em Nietzsche”
Fornari, Maria Cristina. “O filão spenceriano na mina moral de Aurora”
CN25
Editorial
Stegmaier, Werner. “Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche”
Marton, Scarlett. “Do dilaceramento do sujeito à plenitude dionisíaca”
Fogel, Gilvan. “Lendo ‘da visão e do enigma’”
Martins, André. “Romantismo e tragicidade no Zaratustra de Nietzsche”
Índice por autor
Abel, Günter. “Verdade e Interpretação” (CN12)
Araldi, Clademir Luís. “Heidegger e Nietzsche: o conflito entre arte e verdade” (CN 21)
Araldi, Clademir Luís. “Os desafios da Filosofia da Interpretação” (CN12)
Araldi, Clademir Luís. “Para uma caracterização do niilismo na obra tardia
de Nietzsche” (CN5)
Azeredo, Vânia Dutra de. “A interpretação em Nietzsche: perspectivas
instintuais” (CN12)
Azeredo, Vânia Dutra de. “Sobre a interpretação deleuziana de Nietzsche:
intra-extratextualidade” (CN5)
Barrenechea, Estela Beatriz. “Nietzsche na filosofia atual: o eterno retorno
como acontecimento do pensar” (CN11)
Barrios Casares, Manuel. “O “giro retórico” de Nietzsche” (CN13)
Barros, Fernando de Moraes. “A letra viva de Nietzsche: uma abordagem
afetiva da reflexão filosófica” (CN8)
cadernos Nietzsche 25, 2009
| 151
Índices dos Cadernos Nietzsche
Barros, Fernando de Moraes. “Um Oriente ao oriente do Oriente: a investigação de Johann Figl” (CN15)
Benoit, Blaise. “Meio-dia; instante da mais curta sombra” (CN23)
Blondel, Eric. “Nietzsche: a vida e a metáfora” (CN16)
Bonaccini, Juan A. “Em torno do conceito de sintoma: uma solução ao problema do historicismo?” (CN17)
Bornheim, Gerd. “Nietzsche e Wagner: O sentido de uma ruptura” (CN14)
Braga, Paula. “A linguagem em Nietzsche: as palavras e os pensamentos”
(CN14)
Brum, José Thomaz. “Pascal e Nietzsche” (CN8)
Brusotti, Marco. “Ressentimento e vontade de nada” (CN8)
Burnett, Henry. “Humano, demasiado humano, livro 1. Nice, primavera de
1886” (CN8)
Burnett, Henry. “Povos e Pátrias: Wagner e a política” (CN18)
Cabrera, Julio. “Para uma defesa nietzschiana da ética de Kant (à procura
do super-homem moral): Uma reflexão semântica” (CN6)
Calomeni, Tereza Cristina B. “A redenção da temporalidade: a trágica intuição do eterno retorno em Nietzsche” (CN 18)
Calomeni, Tereza Cristina B. “Solidão e verbo: a palavra intempestiva e o
tempo poético” (CN14)
Campioni, Giuliano. “Friedrich Nietzsche: paixão e crítica da moral heróica”
(CN22)
Caponi, Sandra N. C. “A compaixão no poder médico-assistencial” (CN4)
Cardim, Leandro. “Nietzsche e a matéria poética” (CN10)
Casa Nova, Marco Antonio. “Interpretação enquanto princípio de constituição do mundo” (CN10)
Cavalcanti, Anna Hartmann. “Nietzsche e a leitura de Do Belo Musical”
Chaves, Ernani. “Cultura e política: o jovem Nietzsche e Jakob Burckhardt”
(CN9)
Chaves, Ernani. “Ler Nietzsche com Mazzino Montinari” (CN3)
Constantinidès, Yannis. “O niilismo extático como instrumento da Grande
política” (CN22)
Cragnolini, Mónica B. “Nietzsche por Heidegger. Contrafiguras para uma perda” (CN10)
Craia, Eladio. “Um acercamento da leitura deleuziana de Nietzsche” (CN20)
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cadernos Nietzsche 25, 2009
Índices dos Cadernos Nietzsche
D’Iorio, Paolo. “O eterno retorno. Gênese e interpretação” (CN20)
de Eduard Hanslick” (CN16)
Delbó, Adriana. “Estado e promoção da cultura no jovem Nietzsche” (CN23)
Deleuze, Gilles. “Mistério de Ariadne segundo Nietzsche” (CN20)
Denat, Céline. “Nietzsche, pensador da história? Do problema do ‘sentido histórico’ à exigência genealógica” (CN24)
Di Filippo, Josefina. “Nietzsche e contemporâneos: a cultura como sintoma”
(CN19)
Dias, Rosa Maria. “A influência de Schopenhauer na filosofia da arte de
Nietzsche” (CN3)
Duarte, Regina Horta. “Nietzsche e o ser social histórico” (CN2)
Ferraz, Maria Cristina Franco. “Nietzsche: esquecimento como atividade”
(CN7)
Figl, Johann. “Os primeiros contatos de Nietzsche com o pensamento asiático”
(CN15)
Fogel, Gilvan. “Lendo ‘da visão e do enigma’” (CN25)
Fogel, Gilvan. “Por que não teoria do conhecimento? Conhecer é criar.”
(CN13)
Fornari, Maria Cristina. “O filão spenceriano na mina moral de Aurora”
(CN24)
Fornazari, Sandro Kobol. “A diferença e o eterno retorno” (CN20)
Fornazari, Sandro Kobol. “O corpo-escritura de Nietzsche” (CN11)
Franck, Didier. “As mortes de Deus” (CN19)
Frezzatti Jr., Wilson Antonio. “‘O valor de um caracol’ ou ‘O nobre
nietzschiano’: um elogio a Cálicles?” (CN21)
Frezzatti Junior, Wilson Antonio. “Como viver no deserto sem transformar
em deserto a própria vida” (CN10)
Gazolla, Rachel. “Caminhos de Dioniso: Platão e Nietzsche (a propósito do
diálogo Symposium)” (CN11)
Ghiraldelli Jr., Paulo. “Rorty, Nietzsche e a democracia” (CN4)
Giacoia Junior, Osvaldo. “O Platão de Nietzsche. O Nietzsche de Platão”
(CN3)
Haar, Michel. “Vida e totalidade natural” (CN5)
Hanza, Kathia. “Distinções em torno da faculdade de distinguir: o gosto na
obra intermediária de Nietzsche” (CN19)
cadernos Nietzsche 25, 2009
| 153
Índices dos Cadernos Nietzsche
Itaparica, André Luís Mota. “Filosofia, literatura, desconstrução” (CN5)
Itaparica, André Luís Mota. “Nietzsche e a ‘superficialidade’ de Descartes”
(CN9)
Itaparica, André Luís Mota. “Nietzsche e o sentido histórico” (CN19)
Jara, José. “De Nietzsche a Heidegger: ‘voltar a ser novamente diáfanos’ “
(CN10)
Julião, José Nicolao. “Sobre o prólogo do Zaratustra” (CN23)
Julião, José Nicolau. “O mundo sem fundo de Zaratustra” (CN15)
Júnior, Ivo da Silva. “Tropeços nacionalistas: Lutero na berlinda” (CN24)
Langellotti, Osvaldo. “Sobre o futuro de nossos estabelecimentos educacionais” (CN11)
Large, Duncan. “‘Nosso maior mestre’: Nietzsche, Burckhardt e o conceito de
cultura” (CN9)
Leite, Alex. “Codificação, memória, coesão: um paralelo entre Nietzsche e
Clastres” (CN17)
Leopoldo e Silva, Franklin, “O lugar da interpretação” (CN4)
Lima, Márcio José Silveira. “Em torno do gosto musical” (CN24)
Maci, Guillermo A. “A verdade em Nietzsche” (CN11)
Magliano, Roberto Mario. “Trabalho, escravidão, rivalidade. Um modo de
organização social trágico” (CN11)
Maresca, Silvio Juan. “A emancipação da mulher” (CN11)
Martins, André. “Romantismo e tragicidade no Zaratustra de Nietzsche”
(CN25)
Marton, Scarlett. “Décadence, um diagnóstico sem terapêutica. Sobre a interpretação de Wolfgang Müller-Lauter” (CN6)
Marton, Scarlett. “Do dilaceramento do sujeito à plenitude dionisíaca” (CN25)
Marton, Scarlett. “Nietzsche e a celebração da vida” (CN2)
Marton, Scarlett. “Silêncio, solidão” (CN9)
Meléndez, Gérman. “Homem e estilo em Nietzsche” (CN11)
Mello, Ivan Maia de. “A antropofagia oswaldiana como filosofia trágica”
(CN23)
Mendonça, Alexandre, “Ecce homo: um livro quase homem” (CN4)
Montinari, Mazzino. “Equívocos marxistas” (CN12)
Montinari, Mazzino. “Interpretações nazistas” (CN7)
Montinari, Mazzino. “Ler Nietzsche: O crepúsculo dos ídolos” (CN3)
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cadernos Nietzsche 25, 2009
Índices dos Cadernos Nietzsche
Moreira, Adriana Belmonte. “Nietzsche e o cinismo grego: elementos para a
crítica à “vontade de verdade” (CN22)
Müller-Lauter, Wolfgang. “Décadence artística enquanto décadence fisiológica:A propósito da crítica tardia de Friedrich Nietzsche a Richard Wagner”
(CN6)
Muñoz, Yolanda Gloria Gamboa. “A vingança contra Roma...” (CN6)
Naffah Neto, Alfredo. “Nietzsche e a psicanálise” (CN2)
Nascimento, Miguel Antonio do. “O trágico, a moral, o fundamento” (CN4)
Nasser, Eduardo. “A crítica da concepção de substância em Nietzsche”
(CN24)
Novaes de Rezende, Cristiano. “Filosofia e linguagem em Nietzsche: considerações acerca do recurso às figuras” (CN3)
Onate, Alberto Marcos. “Nietzsche e o caos. A abordagem de Michel Haar”
(CN5)
Parmeggiani, Marco. “Nietzsche: o pluralismo e a pós-modernidade” (CN16)
Paschoal, Antonio Edmilson. “A palavra Übermensch nos escritos de Nietzsche”
(CN23)
Paschoal, Antonio Edmilson. “Nossas virtudes. Indicações para uma moral
do futuro” (CN12)
Percia, Marcelo. “Um estilo de coisas cansadas, quase perdidas. Notas sobre
‘Homem e estilo em Nietzsche’ de Gérman Médendez” (CN11)
Pimenta, Olímpio. “Arte e conhecimento em Nietzsche” (CN11)
Pimenta, Olímpio. “O lugar da verdade na literatura” (CN15)
Pinkler, Leandro. “Aspectos do paganismo no pensamento de Nietzsche”
(CN11)
Piva, Paulo Jonas de Lima. “Odium fati: Emil Cioran, a hiena pessimista”
(CN13)
Prebisch, Lucía Piossek. “Interpretação: arbitrariedade ou probidade filológica?” (CN12)
Rivera, Silvia. “Friedrich Nietzsche: metafísica, mitologia e linguagem”
(CN17)
Rodrigues, Luzia Gontijo. “Friedrich Nietzsche: ‘ideal clássico’ e ‘ideal romântico’ na tradição alemã” (CN22)
Rorty, Richard. “Nietzsche, Sócrates e o pragmatismo” (CN4)
cadernos Nietzsche 25, 2009
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Índices dos Cadernos Nietzsche
Rossi, Miguel Angel. “Nietzsche: esboços de um perspectivismo político”
(CN18)
Rubira, Luís Eduardo. “Vestígios das manhãs: notas acerca da escrita de
Nietzsche enquanto ‘tarde’ de seus pensamentos” (CN17)
Rufioni, Priscila Rossinetti. “Filosofar em abismo: ‘cada filosofia esconde uma
filosofia’” (CN14)
Safatle, Vladimir. “Nietzsche e a ironia em música” (CN21)
Salaquarda, Jörg. “A concepção básica de Zaratustra” (CN2)
Salaquarda, Jörg. “A última fase de surgimento da A Gaia Ciência” (CN6)
Salviano, Jarlee Oliveira Silva. “Schopenhauer, Nietzsche e a crítica da filosofia universitária” (CN16)
Sampaio, Alan. “Fronteiras da História” (CN18)
Sánchez, Sergio. “Giuliano Campioni e a arte de ler Nietzsche” (CN 22)
Santiago Guervós, Luis Enrique de. “Nos limites da linguagem: Nietzsche e
a expressão vital da dança” (CN14)
Schrift, Alan D. “A disputa de Nietzsche: Nietzsche e as guerras culturais”
(CN7)
Silva, Cíntia Vieira da. “Crueldade e inocência: novos valores para um novo
pensamento” (CN20)
Silva, Cíntia Vieira da. “Nietzsche, Freud e o problema da cultura” (CN8)
Silva, Divino José da. “Horkheimer leitor de Nietzsche” (CN7)
Souto, Marcelo Lion Villela. “‘Lições sobre os filósofos pré-platônicos’ e ‘A
filosofia na época trágica dos gregos: um ensaio comparativo’” (CN13)
Stegmaier, Werner. “Antidoutrinas. Cena e doutrina em Assim falava Zaratustra, de Nietzsche” (CN25)
Valls, Alvaro L. M. “Kierkegaard, um leitor de Nietzsche avant la lettre”
(CN21)
Vasquez, Carlos. “A aparência embriagada” (CN18)
Vega Visbal, Marta de La. “Ética e política. Genealogia e alcance do ‘último
homem’ na filosofia de Nietzsche” (CN17)
Venturinha, Nuno. “Sobre a Metamorfoseabilidade da Experiência em Die
Geburt der Tragödie de Nietzsche” (CN16)
Virasoro, Mónica. “Filosofia trágica e Iluminismo” (CN11)
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cadernos Nietzsche 25, 2009
Índices dos Cadernos Nietzsche
Werle, Marco Aurélio. “Nietzsche e Heidegger: a arte como vontade ou fundada na origem?” (CN21)
Wotling, Patrick. “As paixões repensadas: Axiologia e afetividade no pensamento de Nietzsche” (CN15)
Yafar, Raúl A. “O ateísmo como vontade de ocaso” (CN11)
Zilberman, Regina. “Nietzsche e a história da literatura” (CN2)
Índice por temas
Além-do-homem
Calomeni CN18) – Deleuze (CN20) – Constantinidès (CN22) – Julião (CN23)
– Paschoal (CN23) – Stegmeier (CN25)
Amor fati
Marton (CN2) – Salaquarda (CN2) – Onate (CN5) – Piva (CN13) – Calomeni
(CN18) – Martins (CN25)
Apolíneo/Dionisíaco
Zilbermann (CN2) – Dias (CN3) – Gazolla (CN11) – Pinkler (CN11) –
Venturinha (CN16) – Mello (CN23)
Arte/Estética
Mendonça (CN4) – Marton (CN6) – Müller-Lauter (CN6) – Pimenta (CN11)
– Bornheim (CN14) – Rufinoni (CN14) – Santiago Guervós (CN14) –
Cavalcanti (CN16) – Burnett (CN18) – Vasquez (CN18) – Hanza (CN19) –
Safatle (CN21) – Araldi (CN21) – Werle (CN21) – Rodrigues (CN22) – Lima
(CN24)
Ciência/Conhecimento
Salaquarda (CN6) – Pimenta (CN11) – Fogel (CN13) – Pimenta (CN15) –
Venturinha (CN16)
cadernos Nietzsche 25, 2009
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Índices dos Cadernos Nietzsche
Cultura/Educação
Silva (CN8) – Large (CN9) – Chaves (CN9) – Maresca (CN11) – Bornheim
(CN14) – Calomeni (CN14) – Barros (CN15) – Figl (CN15) – Salviano (CN16)
– Leite (CN17) – Filippo (CN19) – Frezzatti Jr. (CN21) – Rodrigues (CN22)
– Delbó (CN23) – Silva Júnior (CN 24) – Lima (CN24)
Décadance
Marton (CN6) – Müller-Lauter (CN6) – Langellotti (CN11) – Safatle (CN23)
Estilo/Aforismo
Azeredo (CN5) – Itaparica (CN5) – Salaquarda (CN6) – Brum (CN8) – Barros (CN8) – Fornazari (CN11) – Meléndez (CN11) – Percia (CN11) – Souto
(CN13) – Santiago Guervós (CN14) – Rubira (CN17)
Eterno retorno
Marton (CN2) – Salaquarda (CN2) – Montinari (CN3) – Haar (CN5) –
Barrenechea (CN11) – Calomeni (CN18) – Franck (CN19) – Deleuze (CN20)
– Fornazari (CN20) – Craia (CN20) – D´Iorio (CN20) – Constantinidès
(CN22) – Stegmeier (CN25)
Ética/Moral
Giacoia Junior (CN3) – Nascimento (CN4) – Araldi (CN5) – Cabrera (CN6) –
Burnett (CN8) – Paschoal (CN12) – Wotling (CN15) – Vega Visbal (CN17) –
Franck (CN19) – Silva (CN20) – Campioni (CN22) – Julião (CN23) – Paschoal
(CN23) – Fornari (CN24)
Filologia
Chaves (CN3) – Montinari (CN3) – Montinari (CN7) – Prebisch (CN12) –
Barros (CN15) – Figl (CN15) – Cavalcanti (CN16) – Sánchez (CN22) –
Campioni (CN22)
Filosofia contemporânea
Rorty (CN4) – Ghiraldelli Jr. (CN4) – Itaparica (CN5) – Schrift (CN7) – Silva
(CN7) – Piva (CN13) – Parmeggiani (CN16)
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cadernos Nietzsche 25, 2009
Índices dos Cadernos Nietzsche
Fisiologia/Corpo
Caponi (CN4) – Marton (CN6) – Müller-Lauter (CN6) – Ferraz (CN7) – Marton
(CN9) – Jara (CN10) – Fornazari (CN11) – Silva (CN20) – Frezzatti Jr. (CN21)
– Denat (CN24) – Marton (CN25)
Genealogia
Naffah (CN2) – Araldi (CN5) – Ferraz (CN7) – Brusotti (CN8) – Silva (CN8)
– Leite (CN17) – Itaparica (CN19) – Moreira (CN22) – Denat (CN24)
História
Duarte (CN2) – Chaves (CN3) – Muñoz (CN6) – Large (CN9) – Chaves (CN9)
– Bonaccinni (CN17) – Sampaio (CN18) – Itaparica (CN19) – Denat (CN24)
História da filosofia
Giacoia Junior (CN3) – Haar (CN5) – Cabrera (CN6) – Brum (CN8) – Itaparica
(CN9) – Gazolla (CN11) – Souto (CN13) – Rufinoni (CN14) – Salviano (CN16)
– Valls (CN21) – Fornari (CN24)
Interpretação
Chaves (CN3) – Montinari (CN3) – Leopoldo e Silva (CN4) – Azeredo (CN5)
– Montinari (CN7) – Casa Nova (CN10) – Araldi (CN12) – Abel (CN12) –
Montinari (CN12) – Azeredo (CN12) – Prebisch (CN12) – Braga (CN14) –
Wotling (CN15) – Sánchez (CN22)
Linguagem
Rezende (CN3) – Itaparica (CN5) – Cabrera (CN6) – Ferraz (CN7) – Barros
(CN8) – Itaparica (CN9) – Cardim (CN10) – Meléndez (CN11) – Araldi
(CN12) – Azeredo (CN12) – Barrios Cesares (CN13) – Calomeni (CN14) –
Braga (CN14) – Santiago Guervós (CN14) – Blondel (CN16) – Rivera (CN17)
– Rubira (CN17)
Literatura
Zilbermann (CN2) – Salaquarda (CN6) – Cardim (CN10) – Pimenta (CN15)
– Mello (CN23)
cadernos Nietzsche 25, 2009
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Índices dos Cadernos Nietzsche
Metafísica/Ontologia
Giacoia Junior(CN3) – Rezende (CN3) – Leopoldo e Silva (CN4) – Mendonça (CN4) – Frezzatti Junior (CN10) – Cragnolini (CN10) – Jara (CN10) –
Barrios Cesares (CN13) – Julião (CN15) – Rivera (CN17) – Craia (CN20) –
D´Iorio (CN20) – Araldi (CN21) – Werle (CN21) – Denat (CN24) – Nasser
(CN24)
Niilismo/Pessimismo
Marton (CN2) – Salaquarda (CN2) – Araldi (CN5) – Silva (CN7) – Brusotti
(CN8) – Burnett (CN8) – Frezzatti Junior (CN10) – Cragnolini (CN10) – Yafar
(CN11) – Paschoal (CN12) – Piva (CN13) – Rossi (CN18) – Constantinidès
(CN22)
Perspectivismo
Dias (CN3) – Giacoia Junior (CN3) – Casa Nova (CN10) – Abel (CN12) –
Fogel (CN13) – Parmeggiani (CN16) – Rossi (CN18) – Sampaio (CN18) –
Moreira (CN22)
Política
Rorty (CN4) – Schrift (CN7) – Montinari (CN7) – Montinari (CN12) – Vega
Visbal (CN17) – Rossi (CN18) – Burnett (CN18) – Filippo (CN19) – Benoit
(CN23) – Delbó (CN23) – Silva Júnior (CN24)
Psicologia/Psicanálise
Naffah (CN2) – Silva (CN8) – Percia (CN11) – Blondel (CN16)
Trágico
Nascimento (CN4) – Cabrera (CN6) – Pimenta (CN11) – Magliano (CN11) –
Virasoro (CN11) – Calomeni (CN18) – Vasquez (CN18) – Mello (CN23) –
Martins (CN25)
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cadernos Nietzsche 25, 2009
Índices dos Cadernos Nietzsche
Verdade
Rorty (CN4) – Ghiraldelli Jr. (CN4) – Itaparica (CN9) – Meléndez (CN11) –
Pimenta (CN11) – Araldi (CN12) – Abel (CN12) – Barrios Cesares (CN13) –
Souto (CN13) – Pimenta (CN15) – Rivera (CN17) – Araldi (CN21) – Moreira
(CN22)
Vida
Mendonça (CN4) – Onate (CN5) – Haar (CN5) – Marton (CN9) – Blondel
(CN16) – Deleuze (CN20) – Marton (CN25)
Vontade de potência/Vontade
Montinari (CN3) – Haar (CN5) – Brusotti (CN8) – Casa Nova (CN10) – Jara
(CN10) – Wotling (CN15) – Julião (CN15) – Franck (CN19) – Fornazari
(CN20) – Werle (CN21) – Nasser (CN24) – Stegmeier (CN25) – Marton
(CN25)
cadernos Nietzsche 25, 2009
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Convenção para a citação das obras de Nietzsche
Convenção para a citação
das obras de Nietzsche
Os cadernos Nietzsche adotam a convenção proposta pela edição
Colli/Montinari das Obras Completas do filósofo. Siglas em português
acompanham, porém, as siglas alemãs, no intuito de facilitar o trabalho
de leitores pouco familiarizados com os textos originais.
I. Siglas dos textos publicados por Nietzsche:
I.1. Textos editados pelo próprio Nietzsche:
GT/NT – Die Geburt der Tragödie (O nascimento da tragédia)
DS/Co. Ext. I – Unzeitgemässe Betrachtungen. Erstes Stück: David Strauss:
Der Bekenner und der Schriftsteller (Considerações extemporâneas I:
David Strauss, o devoto e o escritor)
HL/Co. Ext. II – Unzeitgemässe Betrachtungen. Zweites Stück: Vom Nutzen
und Nachteil der Historie für das Leben (Considerações extemporâneas
II: Da utilidade e desvantagem da história para a vida)
SE/Co. Ext. III – Unzeitgemässe Betrachtungen. Drittes Stück: Schopenhauer als Erzieher (Considerações extemporâneas III: Schopenhauer
como educador)
WB/Co. Ext. IV – Unzeitgemässe Betrachtungen. Viertes Stück: Richard
Wagner in Bayreuth (Considerações extemporâneas IV: Richard Wagner
em Bayreuth)
cadernos Nietzsche 25, 2009
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Convenção para a citação das obras de Nietzsche
MAI/HHI – Menschliches Allzumenschliches (vol. 1) (Humano, demasiado
humano (vol. 1))
VM/OS – Menschliches Allzumenschliches (vol. 2): Vermischte Meinungen
(Humano, demasiado humano (vol. 2): Miscelânea de opiniões e sentenças)
WS/AS – Menschliches Allzumenschliches (vol. 2): Der Wanderer und sein
Schatten (Humano, demasiado humano (vol. 2): O andarilho e sua
sombra)
M/A – Morgenröte (Aurora)
IM/IM – Idyllen aus Messina (Idílios de Messina)
FW/GC – Die fröhliche Wissenschaft (A gaia ciência)
Za/ZA – Also sprach Zarathustra (Assim falava Zaratustra)
JGB/BM – Jenseits von Gut und Böse (Para além de bem e mal)
GM/GM – Zur Genealogie der Moral (Genealogia da moral)
WA/CW – Der Fall Wagner (O caso Wagner)
GD/CI – Götzen-Dämmerung (Crepúsculo dos ídolos)
NW/NW – Nietzsche contra Wagner
I.2. Textos preparados por Nietzsche para edição:
AC/AC – Der Antichrist (O anticristo)
EH/EH – Ecce homo
DD/DD – Dionysos-Dithyramben (Ditirambos de Dioniso)
II. Siglas dos escritos inéditos inacabados:
GMD/DM – Das griechische Musikdrama (O drama musical grego)
ST/ST – Socrates und die Tragödie (Sócrates e a tragédia)
DW/VD – Die dionysische Weltanschauung (A visão dionisíaca do mundo)
GG/NP – Die Geburt des tragischen Gedankens (O nascimento do pensamento trágico)
BA/EE – Über die Zukunft unserer Bildungsanstalten (Sobre o futuro de
nossos estabelecimentos de ensino)
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cadernos Nietzsche 25, 2009
Convenção para a citação das obras de Nietzsche
CV/CP – Fünf Vorreden zu fünf ungeschriebenen Büchern (Cinco prefácios
a cinco livros não escritos)
PHG/FT – Die Philosophie im tragischen Zeitalter der Griechen (A filosofia
na época trágica dos gregos)
WL/VM – Über Wahrheit und Lüge im aussermoralischen Sinne (Sobre verdade e mentira no sentido extramoral)
Edições:
Salvo indicação contrária, as edições utilizadas serão as organizadas
por Giorgio Colli e Mazzino Montinari: Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe em 15 volumes, Berlim/Munique, Walter de Gruyter & Co./
DTV, 1980 e Sämtliche Briefe. Kritische Studienausgabe em 8 volumes,
Berlim/Munique, Walter de Gruyter & Co./DTV, 1986.
Forma de citação:
Para os textos publicados por Nietzsche, o algarismo arábico indicará
o aforismo; no caso de GM/GM, o algarismo romano anterior ao arábico
remeterá à parte do livro; no caso de Za/ZA, o algarismo romano remeterá à parte do livro e a ele se seguirá o título do discurso; no caso de GD/
CI e de EH/EH, o algarismo arábico, que se seguirá ao título do capítulo,
indicará o aforismo.
Para os escritos inéditos inacabados, o algarismo arábico ou romano,
conforme o caso, indicará a parte do texto.
Para os fragmentos póstumos, o algarismo romano indicará o volume
e os arábicos que a ele se seguem, o fragmento póstumo.
cadernos Nietzsche 25, 2009
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Convenção para a citação das obras de Nietzsche
Contents
Anti-doctrines.
Scene and doctrine in
Also spoke Zarathustra
7
From the Tearing to pieces
of the Subject to the Dionysian Fullness
49
Reading The vision and the enigma
79
Romanticism and tragicalness
on Nietzsche’s Zarathustra
111
Werner Stegmaier
Scarlett Marton
Gilvan Fogel
André Martins
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cadernos Nietzsche 25, 2009
Convenção para a citação das obras de Nietzsche
INSTRUÇÕES PARA OS AUTORES
1. Os trabalhos enviados para
publicação devem ser inéditos,
conter no máximo 55.000
caracteres (incluindo espaços) e
obedecer às normas técnicas da
ABNT (NB 61 e NB 65) adaptadas para textos filosóficos.
2. Os artigos devem ser acompanhados de resumo de até 100
palavras, em português e inglês
(abstract), palavras-chave em
português e inglês e referências
bibliográficas, de que devem
constar apenas as obras citadas.
Os títulos dessas obras devem
ser ordenados alfabeticamente
pelo sobrenome do autor e
numerados em ordem crescente, obedecendo às normas
de referência bibliográfica da
ABNT (NBR 6023).
3. Reserva-se o direito de aceitar,
recusar ou reapresentar o original ao autor com sugestões de
mudanças. Os relatores de parecer permanecerão em sigilo.
Só serão considerados para apreciação os artigos que seguirem
a convenção da citação das obras
de Nietzsche aqui adotada.
NOTES TO CONTRIBUTORS
1. Articles are considered on the
assumption that they have not
been published wholly or in
part else-where. Contributions
should not normally exceed
55.000 characters (including
spaces).
2. A summary abstract of up to 100
words should be attached to the
article. A bibliographical list of
cited references beginning with
the author’s last name, initials,
followed by the year of publication in parentheses, should be
headed ‘References’ and placed
on a separate sheet in alphabetical order.
3. All articles will be strictly refereed, but only those with strictily
followed the convention rules
here adopted for the Nietzsche’s
works.
cadernos Nietzsche 25, 2009
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Convenção para a citação das obras de Nietzsche
Os cadernos Nietzsche visam a constituir um forum de debates em torno das múltiplas questões colocadas acerca e a partir da reflexão nietzschiana.
Nos cem anos que nos separam do momento em que o filósofo interrompeu a produção intelectual, as mais variadas imagens colaram-se à sua figura, as leituras mais diversas juntaram-se ao seu legado. Conhecido sobretudo
por filosofar a golpes de martelo, desafiar normas e destruir ídolos, Nietzsche,
um dos pensadores mais controvertidos de nosso tempo, deixou uma obra
polêmica que continua no centro da discussão filosófica. Daí, a oportunidade
destes cadernos.
Espaço aberto para o confronto de interpretações, os cadernos
Nietzsche pretendem veicular artigos que se dedicam a explorar as idéias
do filósofo ou desvendar a trama dos seus conceitos, escritos que se consagram à influência por ele exercida ou à repercussão de sua obra, estudos que
comparam o tratamento por ele dado a alguns temas com os de outros autores, textos que se detêm na análise de problemas específicos ou no exame de
questões precisas, trabalhos que se empenham em avaliar enquanto um todo
a atualidade do pensamento nietzschiano.
Ligados ao GEN – Grupo de Estudos Nietzsche, que atua junto ao
Departamento de Filosofia da USP, os cadernos Nietzsche contam difundir
ensaios de especialistas brasileiros e traduções de trabalhos de autores estrangeiros, artigos de pesquisadores experientes e textos de doutorandos e
mestrandos ou mesmo graduandos.
Publicação que se dispõe a acolher abordagens plurais, os cadernos
Nietzsche querem levar a sério este filósofo tão singular.
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cadernos Nietzsche 25, 2009
Convenção para a citação das obras de Nietzsche
Founded in 1996, cadernos Nietzsche is published twice yearly - every May and September. Its purpose is to provide a much needed forum in a
professional Brazilian context for contemporay readings of Nietzsche. In particular, the journal is actively committed to publishing translations of contemporary European and American scholarship, original articles of Brazilian researchers, and contributions of postgraduated students on Nietzsche’s
philosophy.
Cadernos Nietzsche is edited by Scarlett Marton with an internationally recognized board of editorial advisors. Fully refereed, the journal has
already made its mark as a forum for innovative work by both new and established scholars. Contributors to the journal have included Wolfgang MüllerLauter, Jörg Salaquarda, Mazzino Montinari, Michel Haar, and Richard Rorty.
Attached to GEN – Grupo de Estudos Nietzsche, which takes place
at the Department of Philosophy of the University of São Paulo, cadernos
Nietzsche aims at the highest analytical level of interpretation. It has a current circulation of about 1000 copies and is actively engaged in expanding
its base, especially to university libraries. And it has been sent free of charge
to the Brazilian departments of philosophy, foreigner libraries and research
instituts, in order to promote the discussion on philosophical subjects and
particularly on Nietzsche’s thought.
cadernos Nietzsche 25, 2009
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