Equipe 202 CORTE INTERAMERICANA DE DIRETOS HUMANOS

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Equipe 202 CORTE INTERAMERICANA DE DIRETOS HUMANOS
Equipe 202
CORTE INTERAMERICANA DE DIRETOS HUMANOS
COMUNIDADE CHUPANKY E OUTRA
Vs.
ESTADO DE LA ATLANTIS
MEMORIAL DO ESTADO DE LA ATLANTIS
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ÍNDICE
ÍNDICE ........................................................................................................................... I
LISTA DE ABREVIATURAS ...................................................................................... III
ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS ................................................................................... V
Documentos Legais ................................................................................................. V
Doutrina ................................................................................................................. V
Casos Legais ..........................................................................................................VI
Comissão Interamericana de Direitos Humanos .............................................VI
Corte Interamericana de Direitos Humanos .................................................. VII
Corte Europeia de Direitos Humanos .............................................................XI
1. DECLARAÇÃO DOS FATOS ...................................................................................1
2. ANÁLISE LEGAL ......................................................................................................6
2.1. ANÁLISE DAS QUESTÕES PRELIMINARES DE ADMSSIBILIDADE .........6
2.1.1. Da Exceção Preliminar de Intempestividade ..........................................6
2.1.2. Da Exceção Preliminar de Não Esgotamento dos Recursos Internos .......7
2.1.3. Da Solicitação de Medidas Cautelares ...................................................8
2.2. ANÁLISE DAS QUESTÕES DE MÉRITO ..................................................... 10
2.2.1. O Estado de La Atlantis não violou o direito à vida (art. 4.1) e o direito à
integridade pessoal (art.. 5.1), em relação ao artigo 1.1 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, no tocante às Comunidades Chupanky e La
Loma ............................................................................................................ 11
2.2.2. O Estado de La Atlantis não violou a proibição da escravidão e da
servidão (art. 6.2), em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos, no tocante à Comunidade Chupanky ............................... 21
I
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2.2.3. O Estado de La Atlantis não violou o direito à propriedade privada (art.
21), em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
no tocante às Comunidades Chupanky e La Loma .......................................... 24
2.2.4. O Estado de La Atlantis não violou o direito à proteção judicial (art. 25),
em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no
tocante às Comunidades Chupanky e La Loma .............................................. 26
3. SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA ........................................................................ 30
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LISTA DE ABREVIATURAS
Ampl. .........................Ampliada
Art(s). ........................Artigo(s)
Atual. .........................Atualizada
CADH ........................Convenção Americana de Direitos Humanos
CEDH ........................Comissão Europeia de Direitos Humanos
CIDH .........................Comissão Interamericana de Direitos Humanos
Comissão ...................Comissão Interamericana de Direitos Humanos
CED ...........................Comissão de Energia e Desenvolvimento
Corte ..........................Corte Interamericana de Direitos Humanos
Corte EDH .................Corte Europeia de Direitos Humanos
Corte IDH ..................Corte Interamericana de Direitos Humanos
Convenção .................Convenção Americana sobre Direitos Humanos
CIJ .............................Corte Internacional de Justiça
DH .............................Direitos Humanos
Doc. ...........................Documento ou Documentos
Ed. .............................Edição
MARN .......................Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais
No. .............................Número
n. ...............................Número
OC .............................Opinião Consultiva
OEA ..........................Organização dos Estados Americanos
ONU ..........................Organização das Nações Unidas
SIDH .........................Sistema Interamericano de Direitos Humanos
p. ...............................Página ou Páginas
III
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par. ............................Parágrafo ou Parágrafos
Rev. ...........................Revista
STJ ............................Supremo Tribunal de Justiça
Trad. ..........................Traduzido
TW ............................Turbo Water
UN .............................United Nations
Vs. .............................Versus
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ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS
•
Documentos Legais
1. Convenção Americana sobre Direitos Humanos
2. Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – Protocolo de San Salvador
3. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher – Convenção de Belém do Pará
4. Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem
5. Estatuto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos
6. Estatuto da Corte Interamericana de Direitos Humanos
7. Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos
8. Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos
9. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas
10. Projeto de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas
11. Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e
Tribais
•
Doutrina
1. B. G. Ramcharan (ed.), The Right to Life in International Law, Dordrecht, Nijhoff,
1985.
2. BROWNLIE, Ian. Priciples of Public Internacional Law. Sexta Edición, Oxford
University Press, 2003.
V
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3. CANÇADO TRINDADE, A. A. “Human Rights and the Environment”, Human
Rights: New Dimensions and Challenges. (Ed. J. Symonides), Paris/Aldershot,
UNESCO/Dartmouth, 1998.
4. Draft Articles on State Responsibility with commentaries. Report of International
Law Commission fiftythird session. Yearbook of the International Law Commision.
5. FAÚNDEZ, Héctor. El Sistema Interamericano de Protección de los Derechos
Humanos, 2ª Ed., Instituto Interamericano de Derechos Humanos (1999).
6. J. G. C. van Aggelen. Le rôle des organisations internationales dans la protection
du droit à la vie, Bruxelles, E. Story-Scientia, 1986.
7. PASQUALUCCI, Jo M. The Inter-american Human Rights System: Establishing
Precedents and Procedure in Human Rights Law. 26U. Miami Inter-American Law
Review, 297 (1995).
8. UNITED
NATIONS,
Compilation
of
General
Comments
and
General
Recommendations Adopted by Human Rights Treaty Bodies, U.N. doc.
HRI/GEN/1/Rev. 3, de 15.08.1997.
•
Casos Legais
Comissão Interamericana de Direitos Humanos
 CIDH. Caso n. 10.208, República Dominicana, Salvador Jorge Blanco. No.
15/89.
 CIDH. Caso n. 12.159, Argentina, Gabriel Egisto Santillan. No. 72/03.
VI
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 CIDH. Caso n. 12.116, México, Maria Estela García Ramirez e Celerino
Jiménez Almaraz. No. 09/03.
 CIDH. Medida Cautelar 382/10 - Comunidades Indígenas da Bacia do Rio
Xingu, Pará, Brasil. Outorgada em 1 de abril de 2011.
 CIDH. Acceso a la justicia para las mujeres víctimas de violencia en las
Américas. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 68. 20 de janeiro de 2007.
Corte Interamericana de Direitos Humanos
Casos Contenciosos
 Corte IDH. Caso Saramaka Vs. Suriname. Sentença de 28 de novembro de
2007. Série C No. 172.
 Corte IDH. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile. Sentença de 26 de
setembro de 2006. Série C No. 154.
 Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Exceções Preliminares.
Sentença de 26 de junho de 1987. Série C No. 1.
 Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Fundo. Sentença de 29
de julho de 1988. Série C No. 4.
 Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Sentença de 26 de
maio de 1987. Série C No. 1.
 Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez v. Honduras. Sentença de 25 de
novembro de 2000. Série C No. 70.
VII
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 Corte IDH. Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. Fundo. Sentença de 25
de novembro de 2000. Série C No. 70.
 Corte IDH. Caso Baena Ricardo y otros Vs. Panamá. Exceções Preliminares.
Sentença de 18 de novembro de 1999. Série C No. 61.
 Corte IDH. Caso Neira Alegría y otros Vs. Perú. Exceções Preliminares.
Sentença de 11 de dezembro de 1991. Série C No. 13.
 Corte IDH. Caso Cayara Vs. Perú. Exceções Preliminares. Sentença de 3 de
fevereiro de 1993. Série C No. 14.
 Corte IDH. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs.
Nicaragua. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 31 de agosto de 2001.
Série C No. 66.
 Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Caso Villagrán Morales y otros
Vs. Guatemala). Fundo. Sentença de 19 de novembro de 1999. Série C No.
63.
 Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Fundo,
Reparações e Custas. Sentença de 31 de janeiro de 2006. Série C No. 140.
 Corte IDH. Caso 19 Comerciantes Vs. Colombia. Fundo, Reparações e
Custas. Sentença de 5 de julho de 2004. Série C No. 109.
 Corte IDH. Caso Myrna Mack Chang Vs. Guatemala. Fundo, Reparações e
Custas. Sentença de 25 de novembro de 2003, Série C No. 101.
VIII
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 Corte IDH. Caso Juan Humberto Sánchez Vs. Honduras. Exceção
Preliminar, Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 7 de junho de 2003.
Série C No. 99.
 Corte IDH. Caso de la Masacre de Mapiripán Vs. Colombia. Exceções
Preliminares. Sentença de 7 de março de 2005. Série C No. 122.
 Corte IDH. Caso de la Masacre de Mapiripán Vs. Colombia. Fundo,
Reparações e Custas. Sentença de 15 de setembro de 2005. Série C No. 134.
 Corte IDH. Caso Yatama Vs. Nicaragua. Exceções Preliminares, Fundo,
Reparações e Custas. Sentença de 23 de junho de 2005. Série C No. 127.
 Corte IDH. Caso de la “Panel Banca” (Paniagua Morales y otros Vs.
Guatemala). Fundo. Sentença de 8 de março de 1998. Série C No. 37.
 Corte IDH. Caso Valle Jaramillo y otros Vs. Colombia. Fundo, Reparações e
Custas. Sentença de 27 de novembro de 2008. Série C No. 192.
 Corte IDH. Caso Aloeboetoe y otros Vs. Suriname. Fundo. Sentença de 4 de
dezembro de 1991. Série C No. 11.
 Corte IDH. Caso Loayza Tamayo Vs. Perú. Fundo. Sentença de 17 de
setembro de 1997. Série C No. 33.
 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Fundo,
Reparações e Custas. Sentença de 29 de março de 2006. Série C No. 146.
 Corte IDH. Caso Goiburú e outros Vs. Paraguay. Sentença sobre Fundo,
Reparações e Custas. Sentença de 22 de setembro de 2006. Série C No. 153.
IX
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 Corte IDH. Caso Gómez Palomino Vs. Perú. Fundo, Reparações e Custas.
Sentença de 22 de novembro de 2005. Série C No. 136.
 Corte IDH. Caso Maritza Urrutia Vs. Guatemala. Fundo, Reparações e
Custas. Sentença de 27 de novembro de 2003. Série C No. 103.
 Corte IDH. Caso López Álvarez Vs. Honduras. Fundo, Reparações e Custas.
Sentença de 1 de fevereiro de 2006. Série C No. 141.
 Corte IDH. Caso del Tribunal Constitucional Vs. Perú. Competência.
Sentença de 24 de setembro de 1999. Série C No. 55.
 Corte IDH. Caso Ivcher Bronstein Vs. Perú. Competência. Sentença de 24 de
setembro de 1999. Série C No. 54.
 Corte IDH. Caso Cantoral Benavides Vs. Perú. Fundo. Sentença de 18 de
agosto de 2000. Série C No. 69.
 Corte IDH. Caso Durand y Ugarte Vs. Perú. Exceções Preliminares. Sentença
de 28 de maio de 1999. Série C No. 50.
 Corte IDH. Caso Cesti Hurtado Vs. Perú. Fundo. Sentença de 29 de setembro
de 1999. Série C No. 56.
Opiniões Consultivas
 Corte IDH. Garantías Judiciales en Estados de Emergencia (arts. 27.2, 25 y
8 Convención Americana sobre Derechos Humanos). Opinião Consultiva
OC-9/87 de 6 de outubro de 1987. Série A No.9.
X
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 Corte IDH. Condición Jurídica y Derechos Humanos del Niño. Opinião
Consultiva OC-17/02 de 28 de agosto de 2002. Série A No. 17.
 Corte
IDH.
Condición
Jurídica
y
Derechos
de
los
Migrantes
Indocumentados. Opinião Consultiva OC-18/03 de 17 de setembro de 2003.
Série A No. 18.
 Corte IDH. Excepciones al Agotamiento de los Recursos Internos (arts. 46.1,
46.2.a y 46.2.b, Convención Americana sobre Derechos Humanos). Opinião
Consultiva OC-11/90 de 10 de agosto de 1990. Série A No. 11.
 Corte IDH. El Derecho a la Información sobre la Asistencia Consular en el
Marco de las Garantías del Debido Proceso Legal. Opinião Consultiva OC16/99 de 1 de Outubro de 1999. Série A No. 16.
 Corte IDH. Ciertas Atribuciones de la Comisión Interamericana de
Derechos Humanos (arts. 41, 42, 44, 46, 47, 50 y 51 Convención Americana
sobre Derechos Humanos). Opinião Consultiva OC-13/93 de 16 de julho de
1993. Série A No. 13.
Corte Europeia de Direitos Humanos
 Corte EDH. Caso Gibas Vs. Polônia. Decisões e Relatórios, vol. 82-B,
Strasbourg, C.E., 1995
 Corte EDH. Caso Ahmet Sadik Vs. Grécia. Julgamento de 15 de novembro de
1996.
 Corte EDH. Caso Golder Vs. The United Kingdom. Julgamento em 1975.
XI
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 Corte EDH. Caso Kiliç Vs. Turkey. Julgamento de 28 de março de 2000,
Solicitação No. 22492/93.
 Corte EDH. Caso Osman Vs. the United Kingdom. Julgamento de 28 de
outubro de 1998, Informações sobre julgamentos e Decisões VIII.
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1. DECLARAÇÃO DOS FATOS
O Estado de La Atlantis (doravante denominado “La Atlantis”) é um país insular
de democracia representativa, tem uma população de aproximadamente 9 milhões de
habitantes e sua capital é Tripol. Nação rica em recursos naturais e dotada de importante e
complexo patrimônio hídrico-florestal, La Atlantis possui uma população predominantemente
mestiça, concentrada na costa oeste da ilha, região que apresenta o principal desenvolvimento
econômico do país.
Em razão da característica miscigenada de seu povo, e por conta dos conflitos
culturais ocorridos nos dois últimos séculos, La Atlantis concretizou, em 1990, o Acordo
Nacional de Reconciliação, e, em 1994, reconheceu o direito dos povos indígenas à livre
determinação e desenvolvimento e admitiu a sua personalidade jurídica. Hodiernamente, o
Estado de La Atlantis reconhece 11 % de sua população como indígena, aos quais outorgou
cédulas de identidade oficiais.
Signatário dos principais instrumentos regionais e universais em matéria de
direitos humanos, o Estado de La Atlantis aceitou a competência contenciosa da Corte
Interamericana de Direitos Humanos em 1 de janeiro de 1995. Posteriormente, com a reforma
constitucional de 2008, reconheceu os direitos humanos assegurados pela Constituição e
garantiu sua interpretação à luz dos tratados internacionais na matéria, prestigiando, dessarte,
a hermenêutica em prol da pessoa humana.
Em 2010, La Atlantis se comprometeu internacionalmente a se tornar a primeira
Nação Carbono Neutro do mundo até 2021, e, para satisfazer tal compromisso, bem como
para concretizar o Plano Nacional de Desenvolvimento de 2003, o Estado tem realizado
várias ações em favor do desenvolvimento do país, como a licitação para a construção da
Usina Hidroelétrica do Cisne Negro. Tal usina representa um dos principais projetos de
investimento estrangeiro da década, gerando inúmeros benefícios industriais e resultando no
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crescimento econômico da ilha, principalmente na região leste do país, onde se registram os
maiores índices de pobreza e marginalização entre os vários grupos étnicos e camponeses, e
onde se localiza o rio Motompalmo.
O projeto de construção da Usina Hidroelétrica do Cisne Negro demandou um
estudo de viabilidade, que foi realizado em novembro de 2003 e concluiu pela instalação da
usina na zona média da região de Chupuncué, utilizando o rio Motompalmo. Segundo o
primeiro relatório da Comissão de Energia e Desenvolvimento (doravante denominada
“CED”), a realização do projeto afetaria o território da comunidade camponesa La Loma e o
território da comunidade indígena Chupanky, adjacentes ao rio Motompalmo.
Tendo sido outorgada a concessão para a construção da Usina Hidrelétrica à
empresa Turbo Water (doravante denominada “TW”), o Estado, por meio da CED, iniciou os
procedimentos legais cabíveis para a expropriação das terras a serem utilizadas no projeto da
Usina. La Atlantis declarou a zona do projeto como de utilidade pública, depositou 50 % do
valor cadastral dos lotes do terreno da comunidade de La Loma e ofereceu terras alternativas,
de qualidade agrícola, aos proprietários da comunidade.
Inobstante tenha o Estado de La Atlantis oferecido todas as compensações
devidas pelas terras declaradas como sendo de utilidade pública, parte dos proprietários da
comunidade La Loma – os quais foram reassentados em acampamentos provisórios por não
consentirem com as terras alternativas – não aceitou a oferta do Estado, tendo iniciado
processo perante o juízo cível solicitando fossem aplicadas normas internacionais para a
realização de um procedimento de consulta prévia. O pedido não foi acolhido pelo juízo
cível, haja vista serem tais normas aplicáveis a comunidades indígenas ou tribais, e não a
comunidades camponesas, como é reconhecida La Loma. O Juiz da Vara Cível fixou, então,
o valor total da justa indenização em favor daqueles que não aceitaram as terras alternativas
inicialmente. Estes beneficiários se recusaram novamente a receber o pagamento, no entanto.
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No tocante à Comunidade Chupanky, o Estado de La Atlantis iniciou um
processo de consulta prévia, segundo os seus usos e costumes, havendo criado um Comitê
Inter-Setorial com capacidade de fazer acordos com a comunidade. O Comitê Inter-Setorial
ofereceu às autoridades Chupanky e aos chefes de família – que, pelas tradições da
Comunidade, são os legitimados para representá-la nas negociações – terras alternativas de
grandes dimensões e de boa qualidade agrícola, ofereceu a possibilidade de trabalhar na
construção da hidroelétrica a todos os membros da comunidade maiores de 16 anos, a
realização de estudos de impactos ambientais por peritos independentes, e muitos outros
benefícios que seriam concedidos quando do funcionamento da usina, permitindo-lhes, assim,
a manutenção de suas tradições culturais e rituais religiosos relacionados ao rio
Motompalmo. Em dezembro de 2007, destarte, o Comitê obteve a aprovação da primeira fase
do projeto por maioria dos votos dos chefes de família da Comunidade Chupanky.
Em janeiro de 2008, o grupo “Guerreiras do Arco Íris” manifestou-se contra o
projeto de construção da usina, em razão de as mulheres da Comunidade Chupanky não
terem sido consultadas, motivo pelo qual o processo estava viciado e era discriminatório. Em
comunicado enviado ao Comitê Inter-Setorial, solicitaram uma reunião, todavia, o Comitê
respondeu que não poderia atendê-las de pronto, mas que avaliariam o seu pedido.
Em fevereiro de 2008, o Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais
(doravante denominado “MARN”) designou à Organização de Recursos Energéticos Verdes
a realização de estudos de impacto ambiental, dos quais participaram peritos independentes
na matéria, conforme fora acordado com as autoridades e chefes de família da Comunidade
Chupanky. Segundo o MARN, o relatório – cuja cópia autêntica foi enviada à Comunidade
Chupanky – foi favorável ao projeto, especialmente no tocante aos benefícios resultantes da
geração de energia elétrica para as comunidades.
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A empresa TW deu início aos trabalhos de construção da usina em 20 de junho de
2008, tendo contratado – por meio de contratos individuais de trabalho – pessoas qualificadas
e com experiência na construção de hidroelétricas, além de ter oferecido 350 empregos aos
membros – homens e mulheres – da Comunidade Chupanky.
O Grupo Guerreiras do Arco Íris, junto, agora, de membros da Comunidade de La
Loma, continuou protestando contra a empresa TW e, em dezembro de 2008, foram a Tripol
denunciar perante a CED e o MARN as irregularidades cometidas pela empresa TW. Em
reunião com esses órgãos, foi-lhes assegurado que o caso seria estudado e, se apropriado,
remetido às autoridades competentes.
Em 9 de janeiro de 2009, o Conselho de Anciãos da Comunidade Chupanky, por
meio da ONG Morpho Azul, interpôs um recurso administrativo perante a CED, solicitando a
anulação do projeto de construção da usina. O recurso foi rejeitado em 12 de abril de 2009,
tendo em conta que a comunidade havia sido informada e teria dado a sua aprovação ao
projeto, motivo pelo qual não existiam razões para a suspensão.
O caso foi, então, submetido ao Tribunal Contencioso Administrativo, que
proferiu sua decisão em 10 de agosto de 2009. Com base na Constituição do Estado de La
Atlantis e nos tratados internacionais de que este é parte, a sentença dispôs que as
comunidades indígenas não teriam direito a vetar o projeto, uma vez que (1) a consulta foi
realizada acorde com as condições estabelecidas nas normas, (2) a comunidade teria aceito os
termos e, portanto, deveria permitir que o projeto avançasse até sua etapa final, (3) o processo
de consulta foi realizado de acordo com os usos e costumes da comunidade, (4) as supostas
práticas discriminatórias contra as mulheres eram responsabilidade da própria comunidade,
resultante de sua autonomia e livre determinação como povo, e que (5), em relação às
reclamações trabalhistas, a autoridade competente para processá-las era a vara trabalhista ou
o mecanismo contemplado no Tratado de Livre Comércio na matéria.
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Em 26 de setembro de 2009, a Comunidade interpôs um Recurso de Amparo
perante o Supremo Tribunal de Justiça, solicitando a suspensão das obras por conta dos
efeitos negativos à integridade física e cultural das comunidades Chupanky e La Loma. O
Supremo Tribunal rejeitou o recurso em 15 de dezembro de 2009, por considerar que as
diversas autoridades competentes cumpriram os requisitos estabelecidos na legislação e nas
normas internacionais.
Em 26 de maio de 2010, a ONG Morpho Azul apresentou uma petição perante a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), alegando que foram violados os
artigos 4.1, 5.1, 6.2, 21, 22, 23, 8, 25 e 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(CADH) e as obrigações da Convenção de Belém do Pará, em prejuízo dos integrantes das
comunidades Chupanky e La Loma.
Em suas observações perante a CIDH, o Estado de La Atlantis alegou, em 1 de
setembro de 2010, que esses direitos não foram violados, pois o Estado agiu em
conformidade com as disposições legais nacionais e internacionais, sempre aplicando a
norma mais favorável à pessoa humana e o controle de convencionalidade.
Em 9 de março de 2011, a Comissão emitiu seu relatório sobre admissibilidade e
mérito, tendo encontrado violações apenas aos artigos 1.1, 4.1, 5.1, 6.2, 21 e 25 da CADH,
em prejuízo da Comunidade Chupanky, e violações aos artigos 5.1, 21 e 25 da CADH, em
prejuízo da Comunidade de La Loma. Ademais, a Comissão recomendou ao Estado de La
Atlantis a adoção de medidas reparatórias e cautelares.
Vencido o prazo para cumprir com as recomendações e com a solicitação de
medidas cautelares, e em conformidade com o artigo 35 do Regulamento da Corte
Interamericana, em 4 de outubro de 2011, a CIDH submeteu o caso à Corte IDH, pela suposta
violação dos dispositivos supracitados. O relatório da Comissão foi admitido pela Corte em
11 de novembro de 2011, e a data da audiência foi fixada para o dia 25 de maio de 2012.
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2. ANÁLISE LEGAL
2.1. ANÁLISE DAS QUESTÕES PRELIMINARES DE ADMSSIBILIDADE
2.1.1. Da Exceção Preliminar de Intempestividade
A presente demanda, apresentada pela Comissão a esta Corte em 4 de outubro de
2011, padece do vício insanável da preclusão, visto que fora oferecida após o transcurso do
prazo de três meses estabelecido pelos artigos 50 e 51 da Convenção Americana. Dessa
forma, a Comissão somente poderia ter adotado o procedimento descrito na segunda parte do
artigo 51.
O artigo 51.1 da Convenção estabelece o prazo dentro do qual a Comissão deve
apresentar o caso à competência contenciosa da Corte. Transcorrido tal prazo, a Comissão
perde o direito de submetê-lo 1. De acordo com o entendimento jurisprudencial deste
Tribunal, o prazo estabelecido pelo dispositivo em questão começa a ser contado a partir da
data de transmissão do relatório referido no artigo 50 ao Estado em questão 2. Esta Corte já
decidiu, também, que o dito “limite temporal, ainda que não seja fatal, tem caráter preclusivo,
salvo circunstâncias excepcionais, no tocante à submissão do caso a este Tribunal”. 3 Por
excepcionais entendem-se as situações que, no curso do prazo, tenham a capacidade de
suspender a contagem do prazo preclusivo. 4
Ocorre que a Comissão emitiu o Relatório 969/2011 no dia 9 de março de 2011, e
somente após quase seis meses houve a apresentação do caso à Corte – no dia 4 de outubro de
1
Corte IDH. Caso Povo Saramaka Vs. Suriname. Sentença de 28 de novembro de 2007, Série C No. 172, par.
34 a 40; Corte IDH. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile. Sentença de 26 de setembro de 2006. Série C
No. 154, par. 58.
2
Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Sentença de 26 de junho de 1987. Série C No. 1, par.
162; Corte IDH. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile. Sentença de 26 de setembro de 2006. Série C No.
154, par. 56; Corte IDH. Caso Baena Ricardo y otros Vs. Panamá. Sentença de 18 de novembro de 1999. Série
C No. 61, par. 37; Certas Atribuições da CIDH (arts. 41, 42, 44, 46, 47, 50 y 51 Convenção Americana de
Direitos Humanos). Opinião Consultiva OC-13/93 de 16 de julho de 1993. Série A No. 13, par. 51.
3
Corte IDH. Caso Neira Alegría y otros Vs. Perú. Sentença de 11 de dezembro de 1991. Série C No. 13, par.
32-34; Corte IDH. Caso Cayara Vs. Perú. Sentença de 3 de fevereiro de 1993. Série C No. 14, par. 38-39.
4
Corte IDH. Caso Cayara Vs. Perú. Sentença de 3 de fevereiro de 1993. Série C No. 14, par. 39.
6
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2011 -, em flagrante ultrapassagem do prazo máximo estabelecido no artigo 51, qual seja, três
meses. Também não há registros, ressalte-se, de circunstâncias capazes de suspender o prazo
preclusivo. Dessa forma, tendo em vista a afronta ao artigo 51 da Convenção Americana, o
Estado requer seja recepcionada a presente exceção preliminar, a fim de que seja declarada a
intempestividade desta demanda.
2.1.3. Da Exceção Preliminar de Não Esgotamento dos Recursos Internos
As alegações das supostas vítimas relativas às condições de trabalho estabelecidas
entre os membros da comunidade Chupanky e a Empresa TW – supostamente violadoras do
preceito 6.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos – não devem ser recepcionadas
por esta Corte, tendo em vista não haverem sido esgotados previamente todos os recursos
internos nesta matéria, conforme preceitua as normas de direito internacional. 5
Desde o início dos processos de implementação da Usina Hidroelétrica do Cisne
Negro, La Atlantis, em conformidade com os compromissos internacionalmente avençados,
não se furtou à obrigação de garantir a proteção judicial adequada. 6 Nada obstante, as
supostas vítimas optaram por apresentar demandas somente perante a jurisdição
administrativa, questionando o procedimento de consulta à comunidade indígena, bem como
protestando pela paralisação do projeto.
Depreende-se da sentença proferida pelo Tribunal Contencioso Administrativo
em 10 de agosto de 2009 que as supostas vítimas foram informadas de que possíveis
demandas trabalhistas deveriam ser apresentadas perante a autoridade competente 7 – a saber,
a vara trabalhista ou o mecanismo contemplado no Tratado de Livre Comércio na matéria.
Até o presente momento, todavia, não há registros de interposição de recurso perante a
5
Convenção Americana de Direitos Humanos, artigo 46, a.
Corte IDH. Opinião Consultiva OC 16/99, de 1 de Outubro de 1999. Série N º 16, par. 117; Caso n. 10.208
(República Dominicana), CIDH, Informe Anual 1988-1989, pp. 122-123; Corte Europeia de Direitos Humanos.
Caso Gibas Vs. Polônia. Decisões e Relatórios, vol. 82-B, Strasbourg, C.E., 1995, p. 81.
7
Corte IDH. Opinião Consultiva OC-11/90, de 10 de agosto de 1990. Série A, N º 11, par. 38.
6
7
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autoridade trabalhista 8, o que inviabiliza a apresentação de tais demandas perante esta
Egrégia Corte.
Note-se que as três únicas possibilidades de exceção à regra do prévio
esgotamento, contidas no art. 46 da Convenção, não são aplicáveis à presente situação. Isso
porque há, na jurisdição interna, procedimento adequado às demandas trabalhistas, e não
houve impedimento das supostas vítimas ao acesso a tais demandas. Tampouco se pode falar,
ainda, em demora injustificada do procedimento, visto que o Estado sequer chegou a ser
acionado. 9
Por todo o exposto, o Estado pugna perante esta Corte pelo acolhimento da
presente exceção preliminar 10, tendo em vista que os procedimentos existentes no sistema
jurídico nacional de La Atlantis são efetivamente adequados para atender as supostas vítimas,
não sendo cabível recorrer a esta Corte.
2.1.4. Da Solicitação de Medidas Cautelares
Ao submeter o seu Relatório a esta Corte, a Comissão, com fundamento no artigo
63.2 da Convenção, solicitou a adoção de medidas cautelares em favor da Comunidade
Chupanky, a fim de suspender a obra da Hidroelétrica do Cisne Negro até a decisão deste
caso. Contudo, suspender o projeto que já está em andamento desde 20 de junho de 2008
mostra-se inviável frente ao alto valor do investimento já direcionado às obras, bem como
frente à fragilidade energética do Estado de La Atlantis, que depende da finalização da
Hidroelétrica do Cisne Negro para melhorar significativamente o fornecimento de
eletricidade às principais regiões do país.
8
Pergunta para Esclarecimento 68.
PASQUALUCCI, Jo M. The Inter-american Human Rights System: Establishing Precedents and Procedure in
Human Rights Law. 26U. Miami Inter-American Law Review, 297 (1995), p. 337.
10
Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Sentença de 26 de maio de 1987. Série C No.1, par. 58;
Corte Europeia de Direitos Humanos. Caso Ahmet Sadik Vs. Grécia, Julgamento de 15 de novembro de 1996,
pp. 17-19.
9
8
Equipe 202
Ademais, conforme o artigo 63.2 da Convenção Americana, à Corte está
facultada a possibilidade de adotar medidas cautelares que considere necessárias, em casos de
extrema gravidade e urgência, com vistas a evitar danos irreparáveis às supostas vítimas. Para
tanto, faz-se indeclinável, todavia, a presença das seguintes condições 11, as quais não se
verificam no presente caso:
a)
Extrema gravidade da ameaça: Para a configuração desta condição, é
necessário haver evidências que demonstrem a exposição dos possíveis beneficiários à
situação de grande perigo, do qual o Estado não pode ou não quer protegê-los. No caso
em questão, não há que se falar em situação de grande perigo à qual a Comunidade
Chupanky esteja submetida pelo Estado. Pelo contrário. O lapso temporal de seis meses
entre a consulta à comunidade – em procedimento adequado às suas tradições e
costumes –, com a consequente aprovação do projeto, e a efetiva inicialização dos
trabalhos da empresa TW comprovam a preocupação de La Atlantis em assegurar as
condições propícias à realização da obra, a fim de minimizar a repercussão na
comunidade. Ademais, o Estado permanece firme quanto aos seus compromissos
internacionais em garantir a todos os seus cidadãos, sem distinção segregatícia, o livre
acesso à tutela jurisdicional 12.
b)
Necessidade de evitar danos irreparáveis às pessoas: Não há, também aqui,
adequação da condição necessária à adoção de medida cautelar. Isso porque não há
comprovação de dano irreparável à Comunidade Chupanky, uma vez que as terras
alternativas colocadas à disposição da Comunidade foram apresentadas aos seus
11
FAÚNDEZ, Héctor. El Sistema Interamericano de Protección de los Derechos Humanos, Segunda Ed.,
Instituto Interamericano de Derechos Humanos (1999), p. 387.
12
Corte Europeia de Direitos Humanos. Caso Golder Vs. The United Kingdom, 1975, pp. 29-36; Corte IDH.
Caso Velásquez Rodríguez v. Honduras. Sentença de 25 de novembro de 2000. Série C No. 70; Caso Gabriel
Egisto Santillan (Argentina), CIDH, Relatório No. 72/03; Caso Maria Estela García Ramirez e Celerino
Jiménez Almaraz (México), CIDH, Relatório No. 09/03.
9
Equipe 202
representantes13. Tais terras possuem dimensões maiores e melhor qualidade agrícola
do que as atuais, bem como possuem acesso direto ao Rio Motompalmo – segundo
proposto no relatório ambiental de 14 de maio de 2008. Ademais, foi assegurada à
Comunidade a participação nos benefícios da construção, conforme preceituam as
normais internacionais na matéria 14. De toda sorte, restou acordado entre o Estado e a
Comunidade que a sua transferência somente se daria quando da Fase 3 do projeto. Até
lá, o Estado garantiu à Comunidade Chupanky a inalterabilidade do território.
c)
Urgência da medida requerida: Tendo em vista que a urgência da medida
acautelatória advém da ameaça iminente de um dano irreparável, ao ser demonstrada a
inexistência de danos irreparáveis na situação que se apresenta, não há que se falar em
urgência devida que justifique esse tipo de medida.
Por todo o exposto, o Estado de La Atlantis requer a esta Egrégia Corte que não
dê provimento à solicitação de outorga de medidas cautelares formulada pela Comissão, haja
vista não se adequar o presente caso ao propósito real de tais providências 15.
2.2. ANÁLISE DAS QUESTÕES DE MÉRITO
Em havendo esta Insigne Corte examinado as exceções preliminares apresentadas
e deliberado pela admissibilidade do caso sub judice, o Estado de La Atlantis provará que
esta petição é inadmissível e lançará por terra quaisquer refutações ao fiel cumprimento
conferido por La Atlantis ao direitos abrigados na Convenção Americana sobre Direitos
Humanos e nos instrumentos internacionais na matéria. Para tanto, exporá seus argumentos
relacionados às supostas violações aos artigos 1.1, 4.1, 5.1, 6.2, 21 e 25 da CADH, em
13
Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, art. 28.2.
Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, de 7 de junho
de 1989, art. 15.2; Projeto de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovado pela
Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 26 de fevereiro de 1997, art. 18, § 5.
15
Corte IDH. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Sentença de 31 de agosto de
2001. Série C No. 66, par. 9.
14
10
Equipe 202
prejuízo da Comunidade Chupanky, e aos artigos 5.1, 21 e 25, também da CADH, em
detrimento da Comunidade de La Loma, violações estas alegadas no Relatório 969/2011,
emitido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Em conformidade com a intelecção da Corte IDH de que “los tratados de
derechos humanos son instrumentos vivos, cuya interpretación tiene que acompañar la
evolución de los tiempos y las condiciones de vida actuales”16, o Estado de La Atlantis valerse-á, em sua argumentação, da sólida jurisprudência desta Colenda Corte, bem como dos
notáveis precedentes da Corte Europeia de Direitos Humanos e da Corte Internacional de
Justiça, comumente evocados quando da prolação de um decisum por este Tribunal.
2.2.1. O Estado de La Atlantis não violou o direito à vida (art. 4.1) e o direito à
integridade pessoal (art.. 5.1), em relação ao artigo 1.1 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, no tocante às Comunidades Chupanky e
La Loma
O artigo 4.1 da Convenção, em conexão com o disposto no artigo 1.1, estabelece
que toda pessoa goza do direito de ter sua vida respeitada, não podendo dela ser privada
arbitrariamente, e que é dever do Estado protegê-la por lei 17. Assim, em virtude deste papel
essencial que lhes atribui a Convenção, os Estados tem a obrigação de garantir a criação das
condições que se requerem para evitar que ocorram violações a esse direito inalienável18,
porquanto o direito à vida é um direito humano fundamental, cujo gozo pleno é um prérequisito para o desfrute de todos os demais direitos humanos 19.
16
CORTE IDH. OC-16/99 de 01 de outubro de 1999, par. 114.
Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Caso Villagrán Morales y otros Vs. Guatemala). Sentença de 19
de novembro de 1999. Série C No. 63, par. 144.
18
Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006. Série C
No. 140, par.120.
19
Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006. Série C
No. 140, par.120; Corte IDH.Caso 19 Comerciantes Vs. Colombia. Sentença de 5 de julho de 2004. Série C No.
109, par.153; Corte IDH. Caso Myrna Mack Chang Vs. Guatemala. Sentença de 25 de novembro de 2003, Série
C No. 101, par. 152; Corte IDH. Caso Juan Humberto Sánchez Vs. Honduras. Sentença de 7 de junho de 2003.
17
11
Equipe 202
O Estado de La Atlantis reconhece que o direito à vida é um direito humano
fundamental, tanto assim que o garantiu em sua própria Constituição, sendo concebido como
um direito inerente à pessoa humana em sua dimensão individual, social e transcendental,
impassível, portanto, de mera concepção do Estado ou de qualquer outro organismo.
O direito à vida não implica, no entanto, apenas a obrigação negativa de não
privar a ninguém de sua própria vida arbitrariamente, senão, também, a obrigação positiva de
tomar as medidas necessárias para assegurar que não seja violado aquele direito básico. E,
hodiernamente, tal hermenêutica do direito à vida encontra respaldo tanto na jurisprudência
internacional como na doutrina 20. Nessa esteira, o direito à vida não pode ser interpretado
restritivamente, referindo-se apenas à privação arbitrária da vida física. A privação arbitrária
da vida se estende igualmente à privação do direito de viver com dignidade, e esta visão
conceitualiza o direito à vida como pertencente, ao mesmo tempo, ao domínio dos direitos
civis e políticos e ao domínio dos direitos econômicos, sociais e culturais, refletindo,
dessarte, a inter-relação e indivisibilidade de todos os direitos humanos 21.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem estabelecido que a
responsabilidade internacional dos Estados, no marco da Convenção Americana, surge no
momento da violação das obrigações gerais reconhecidas nos artigos 1.1 e 2 do referido
tratado 22. Destas obrigações gerais derivam deveres especiais, determináveis em função das
Série C No. 99, par. 110; Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Caso Villagrán Morales y otros Vs.
Guatemala). Sentença de 19 de novembro de 1999. Série C No. 63, par. 144.
20
Cf., a respeito, v.g., B. G. Ramcharan (ed.), The Right to Life in International Law, Dordrecht, Nijhoff, 1985,
pp. 1-314; J. G. C. van Aggelen, Le rôle des organisations internationales dans la protection du droit à la vie,
Bruxelles, E. Story-Scientia, 1986, pp. 1-104; A. A. Cançado Trindade, “Human Rights and the Environment”,
Human Rights: New Dimensions and Challenges (ed. J. Symonides), Paris/Aldershot, UNESCO/Dartmouth,
1998, pp. 117-153; e cf. os comentários gerais ns. 6/1982 e 14/1984 do Comitê de Direitos Humanos, Pacto de
Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, reproduzidos in: United Nations, Compilation of General
Comments and General Recommendations Adopted by Human Rights Treaty Bodies, U.N. doc.
HRI/GEN/1/Rev. 3, de 15.08.1997, pp. 6-7 e 18-19.
21
Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Caso Villagrán Morales y otros Vs. Guatemala). Voto
concorrente conjunto dos Juízes A. A. Cançado Trindade e A. Abreu Burelli, par. 4.
22
Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006. Série C
No. 140, par. 111; Corte IDH. Caso de la Masacre de Mapiripán Vs. Colombia. Sentença de 7 de março de
2005. Série C No. 122, par. 111; Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados, Opinião
Consultiva OC-18/03 de 17 de setembro de 2003. Série A No. 18, par. 140.
12
Equipe 202
particulares necessidades de proteção do sujeito de direito, seja por sua condição pessoal, seja
pela situação em que se encontra, como extrema pobreza ou marginalização.
É claro, para a Corte, que um Estado não pode ser responsável por qualquer
situação de risco ao direito à vida. Tendo em conta as dificuldades que implicam a
planificação e adoção de políticas públicas e as escolhas de caráter operacional que devem ser
feitas em função de prioridades e recursos, as obrigações positivas do Estado devem ser
interpretadas de forma que não se imponha às autoridades uma carga impossível ou
desproporcional, como assentou a Corte Europeia de Direitos Humanos no julgamento do
caso Kiliç Vs. Turkey23.
Para que surja esta obrigação positiva, deve estabelecer-se que, no momento dos
fatos, as autoridades sabiam ou deveriam saber da existência de uma situação de risco real e
imediato para a vida de um indivíduo ou grupo de indivíduos, e não tomaram as medidas
necessárias dentro do âmbito de suas atribuições que, julgadas razoavelmente, podiam ser
esperadas para prevenir e evitar esse risco24.
No presente caso, a respeito das condições em que vivem os membros das
Comunidades Chupanky e La Loma, não existe controvérsia entre o Estado de La Atlantis e a
Comissão sobre o fato de elas serem ou não inadequadas para uma existência digna, nem a
respeito da realidade e iminência do perigo que tais condições representam para sua vida. A
controvérsia radica em determinar se o Estado é responsável por estas supostas vítimas
estarem nessas condições e se tem adotado, dentro do âmbito de suas atribuições, as medidas
necessárias esperadas para prevenir ou evitar o risco ao direito à vida das presumidas vítimas.
Pois bem. A esse tocante, não há dúvidas de que o Estado de La Atlantis agiu e
tem agido em plena conformidade com os seus deveres legais e acorde com os princípios
23
Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006. Série C
No. 140, par. 124; Corte Europeia de Direitos Humanos. Caso Kiliç Vs. Turkey (2000) III, 63.
24
Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006. Série C
No. 140, par. 123 e 124.
13
Equipe 202
internacionais que orientam uma escorreita atuação estatal no sentido de assegurar existência
digna a todos os seus cidadãos, indígenas ou não.
Foi com o fim de promover o desenvolvimento econômico do país – garantindo,
assim, o direito ao desenvolvimento progressivo, previsto no artigo 26 da Convenção – que o
Estado realizou o projeto de construção da usina, que, como principal fonte de energia, porá
fim à escassez crônica de energia e à dependência de seu fornecimento externo, beneficiando
o lado leste da ilha – onde se encontram as comunidades peticionárias – e, consequentemente,
reduzindo os índices de pobreza e marginalização entre os vários grupos étnicos e
camponeses, promovendo a plena realização dos direitos sociais, econômicos e culturais
desses povos, e respeitando sua identidade social e cultural, seus costumes e tradições e suas
instituições.
O Estado manifestou estrito respeito ao artigo 4.1 da Convenção, uma vez que
adotou todas as medidas legais previstas no sistema jurídico nacional e nos instrumentos
internacionais para levar adiante o projeto de construção da Usina Hidroelétrica do Cisne
Negro. A licitação foi realizada por órgão competente (Comissão de Energia e
Desenvolvimento) e em conformidade com a legislação interna do país, em nada estando
viciada.
Ainda, em atendimento à obrigação contida no artigo 1º da CADH, a fim de
assegurar o respeito aos direitos e liberdades individuais sem incorrer em atos
discriminatórios em relação à Comunidade Chupanky, o Estado procedeu à devida consulta à
Comunidade, segundo os usos, costumes e tradições desse povo indígena. Os processos de
consulta foram realizados entre um Comitê representante do poder estatal e da empresa
concessionária e as autoridades da Comunidade (que é patriarcal e, portanto, representada
somente pelos chefes de família).
14
Equipe 202
Em favor dos argumentos apresentados, cita-se precedente da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, que, na Medida Cautelar N. 382/2010, outorgada em
favor das comunidades indígenas da bacia do Rio Xingu, no Pára, Brasil, em similar
procedimento de licenciamento do projeto da Usina Hidroelétrica de Belo Monte, solicitou ao
Governo Brasileiro a “realização de processos de consulta, em cumprimento das obrigações
internacionais do Brasil, no sentido de que a consulta seja prévia, livre, informativa, de boa
fé, culturalmente adequada, e com o objetivo de chegar a um acordo, em relação a cada uma
das comunidades indígenas afetadas”25. No mesmo sentido, o caso Yatama Vs. Nicaragua26,
citado pelo Tribunal Contencioso Administrativo de La Atlantis.
Percebe-se, destarte, dentre as muitas iniciativas voltadas para a proteção e
promoção dos direitos das comunidades indígenas, a importância que o Estado de La Atlantis
confere ao princípio de consulta às comunidades indígenas sobre medidas que lhes digam
respeito. É inegável, portanto, que o procedimento de consulta respeitou os costumes e
tradições da Comunidade Chupanky, tendo sido utilizados intérpretes da língua Rapstani, que
se encarregaram da tradução da língua espanhola para a respectiva língua materna, e tendo
sido prestadas informações a respeito do projeto, incluindo seus riscos e impactos. A consulta
mostrou-se, por conseguinte, “prévia, livre, informativa, de boa-fé e culturalmente
adequada”, tendo cumprido com as condições estabelecidas na Constituição do Estado e nos
tratados internacionais 27.
Não bastasse a obediência do Estado ao disposto na Convenção, La Atlantis
também revelou-se cumpridor de suas obrigações assumidas em função da ratificação da
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. As consultas foram realizadas em
conformidade com o art. 6º da Convenção 169, que estabelece o direito dos povos indígenas
25
Comissão IDH. MC 382/10 - Comunidades Indígenas da Bacia do Rio Xingu, Pará, Brasil. Outorgada em 1
de abril de 2011.
26
Corte IDH. Caso Yatama Vs. Nicaragua. Sentença de 23 de junho de 2005. Série C No. 127.
27
Corte IDH. Caso Saramaka Vs. Suriname. Sentença de 28 de novembro de 2007. Série C No. 172.
15
Equipe 202
de serem consultados sobre temas que se refiram a seus direitos e interesses e quando houver
o planejamento ou a implantação de programas e projetos que afetem suas vidas – o que se dá
no caso sub examen.
Em relação às alegações de supostas práticas discriminatórias contra as mulheres
da Comunidade Chupanky, o Estado de La Atlantis é deveras isento de responsabilidade, uma
vez que a exclusão das mulheres nos processos de consulta à Comunidade é decorrência
direta das tradições do povo Rapstan. Assim, não há falar em violação, por parte do Estado,
ao artigo 1.1 da Convenção por discriminação por motivo de sexo, bem como não se pode
sustentar o desrespeito às obrigações decorrentes da Convenção de Belém do Pará, no que
tange aos deveres dos Estados (arts. 7, 8 e 9) para com os direitos das mulheres.
Ainda que a Corte IDH tenha estabelecido o dever dos Estados de “garantir a
todas as pessoas sob suas respectivas jurisdições o livre e pleno exercício dos direitos
convencionalmente protegidos (aí incluídos os listados no rol do art. 1.1 da Convenção),
obrigação esta exigível não só em relação ao poder estatal, senão, também, em relação à
atuação de terceiros particulares”28, ela esclarece, outrossim, que “um Estado não pode ser
responsável por qualquer violação de direitos humanos cometida entre particulares dentro de
sua jurisdição. Com efeito, o caráter erga omnes das obrigações convencionais de garantia a
cargo dos Estados não implica uma responsabilidade ilimitada dos mesmos frente a qualquer
ato de particulares [...]”29. É dizer, ainda que um ato, omissão ou fato de um particular tenha
como consequência jurídica a violação de determinados direitos humanos de outro particular,
aquele não é automaticamente atribuível ao Estado, pois deve atender-se às circunstâncias
particulares do caso e à concreção de ditas obrigações de garantia. Neste sentido, a
28
Corte IDH. Condición Jurídica y Derechos Humanos del Niño. Opinião Consultiva OC-17/02, de 28 de
agosto de 2002. Série A No. 17, par. 65 e 87; Corte IDH. Caso de la “Panel Banca” (Paniagua Morales y otros
Vs. Guatemala). Sentença de 8 de março de 1998. Série C No. 37, par. 174.
29
Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006. Série C
No. 140, par. 123; Corte IDH. Caso Valle Jaramillo y otros Vs. Colombia. Sentença de 27 de novembro de
2008. Série C No. 192, par. 78.
16
Equipe 202
imputabilidade objetiva contra o Estado, de acordo com a Corte, surge quando este não adota
as medidas pertinentes (sejam de caráter legislativo, sejam judicial) para salvaguardar os
direitos e garantias que a Convenção estabelece conforme os artigos 1.1 e 2.
Por conseguinte, o Estado não pode ser responsabilizado por atos discriminatórios
que são, em verdade, nada mais que a exteriorização, a afirmação da identidade cultural –
identidade esta legalmente reconhecida pelo Estado – da Comunidade indígena Chupanky,
conforme entendimento esposado por esta Corte no caso Aloeboetoe y otros Vs. Suriname30.
O Estado de La Atlantis demonstra, assim, pleno respeito ao estabelecido no art.
1.1 da Convenção no que tange à não execução de práticas discriminatórias em razão de sexo,
bem como ao disposto no art. 4.1 do mesmo instrumento, uma vez que a ampla interpretação
emprestada por esta Corte ao direito à vida abarca o reconhecimento das aspirações dos
povos indígenas de assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e de seu
desenvolvimento econômico e de manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões no
âmbito dos Estados nos quais vivem.
Assim é que, nos termos da Convenção 169 da OIT, a autoidentidade indígena ou
tribal é um critério subjetivo fundamental para a definição dos povos sujeitos da Convenção,
de modo que nenhum Estado ou grupo social tem o direito de negar a identidade a um povo
indígena ou tribal que como tal ele próprio se reconheça. Ademais, La Atlantis reconheceu,
por meio de sua Constituição de 1994, o direito dos povos indígenas à livre determinação e
desenvolvimento, o que mais tarde foi confirmado com a aceitação do Projeto de Declaração
Americana dos Direitos Indígenas, cujo capítulo quarto assegura-lhes o direito de
autogoverno e a incorporação nacional dos sistemas legais e de organização indígena, e com
a ratificação da Declaração das Nações Unidas sobre Direitos Indígenas, que reconhece, em
seu artigo 3º, o direito dos povos indígenas à autodeterminação.
30
Corte IDH. Caso Aloeboetoe y otros Vs. Suriname. Sentença de 4 de dezembro de 1991. Série C No. 11.
17
Equipe 202
Sobre as alegações de que o Estado incorrera na violação aos dispositivos sub
examen por haver movido os membros da Comunidade La Loma de suas terras de origem,
certo é que tais suposições carecem de sentido e mostram-se tendenciosas. O Estado de La
Atlantis agiu em cumprimento do estrito dever legal, segundo o Capítulo IV de seu Código
Civil, havendo, a priori, legitimamente declarado a zona do projeto como sendo de utilidade
pública, depositado metade do valor cadastral dos imóveis e, em seguida, iniciado o
procedimento de negociação com os integrantes da Comunidade La Loma. Nas negociações,
o Estado ofereceu terras alternativas com qualidade agrícola superior à das terras que
habitavam, consoante o relatório da CED, terras estas que foram aceitas por um quarto dos
proprietários da comunidade.
Ora, não se pode alegar que o direito à vida, o direito à consecução do projeto de
vida dos membros da Comunidade La Loma foi subtraído, uma vez que o Estado proveu
todos os devidos substitutos e todos os meios necessários para que tal Comunidade tivesse
acesso ao desenvolvimento resultante da realização de tão importante projeto para o país.
Não há falar, também, em vício por ausência de consulta à Comunidade La Loma
acerca da realização do projeto. Diferentemente do que ocorre com as comunidades
indígenas, cuja autoidentificação é critério subjetivo e fundamental para o gozo dos direitos
que lhes são assegurados, as comunidades camponesas não são dotadas da prerrogativa de
serem consultadas previamente em situações como essa. Em conformidade com a legislação
interna e com o estabelecido no artigo 1.2 da Convenção 169 da OIT, somente os povos que
se autoidentifiquem como indígenas ou tribais são sujeitos dos direitos previstos neste
instrumento. E a Comunidade La Loma não se enquadra nessa hipótese, uma vez que,
conforme o artigo 9º da Constituição de La Atlantis, não compartilham critérios étnicolinguísticos e de consciência de sua comunidade indígena e não preservam as formas
hierárquicas de organização tradicional. Prova dessa ausência de reconhecimento próprio
18
Equipe 202
como comunidade, ausência de unicidade enquanto povo é o fato de 25 % dos proprietários
das terras de La Loma terem aceitado as terras alternativas oferecidas pelo Estado.
Inobstante a oferta de terras alternativas de qualidade superior às de origem, ao
fim do processo de expropriação das terras levado a cabo perante o juízo cível em rigorosa
adequação ao procedimento previsto no Código Civil, o valor total da justa indenização
fixado pelo Juiz da Vara Cível foi superior ao valor de mercado apresentado no relatório do
perito especialista designado pelo juízo31.
Do exposto depreende-se que a presente demanda não pode ser julgada
procedente no sentido de responsabilizar o Estado pelo fato de as supostas vítimas estarem
nas condições alegadas, pois La Atlantis adotou, dentro de suas atribuições, todas as medidas
necessárias e legais para prevenir e evitar o risco ao direito à vida dos membros da
Comunidade La Loma. 32
Em se tratando ainda das obrigações contidas no artigo 1.1 da Convenção, e das
obrigações dele derivadas, o artigo 5.1 da mesma estabelece, por seu turno, o direito de toda
pessoa a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. Nesse sentido, o Estado
entende o direito à integridade pessoal como um conjunto de condições físicas, psíquica e
morais que permitem ao ser humano sua existência, sem sofrer depreciação em qualquer
dessas três dimensões 33.
A esse respeito, não se pode alegar, no tocante à Comunidade de La Loma, que
seus membros foram violados em seu direito à integridade pessoal como resultado de um ato
estatal. Ao reassentá-los em acampamentos provisórios, o Estado colocou à sua disposição as
condições mínimas de existência, e, assim como estão disponíveis a todos os cidadãos de La
31
Perguntas de Esclarecimento 84 e 86.
Corte Europeia de Direitos Humanos. Caso Kiliç Vs. Turkey. Julgamento de 28 de março de 2000, Solicitação
No. 22492/93, pars. 62 e 63; Corte Europeia de Direitos Humanos. Caso Osman Vs. the United Kingdom.
Julgamento de 28 de outubro de 1998, Informações sobre julgamentos e Decisões -VIII , pars. 115 e 116.
33
Corte IDH. Caso Loayza Tamayo Vs. Perú. Sentença de 17 de setembro de 1997, Série C, No. 33, par. 57.
32
19
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Atlantis, os serviços públicos também poderiam ter sido acessados pelos membros dessa
comunidade, sendo sua responsabilidade chegar até os centros assistenciais.
Ademais, a integridade pessoal não está condicionada à permanência de uma
comunidade à sua terra de origem. Não há relação entre a terra e a sobrevivência física como
causa da suposta falta de preservação do direito à vida e, consequentemente, do direito à
integridade física, psíquica e moral, como tem assinalado a Comissão Interamericana. 34
Desse modo, o Estado não pode ser responsabilizado pelas condições em que se encontram os
membros da Comunidade La Loma. 35
Destarte, em relação ao direito à vida e ao direito à integridade pessoal, previstos
nos artigos 4.1 e 5.1 da Convenção, respectivamente, em conexão com o art. 1.1 da mesma,
em sendo o entendimento emprestado a estes direitos pela Corte e pela jurisprudência
internacional revelador de um novo paradigma conceitual de “vida”, em que esta é entendida
para além de sua denotação física 36, o Estado de La Atlantis, tencionando a ampliação do
acesso a uma existência digna a todos os seus cidadãos, por meio da impulsão ao
desenvolvimento econômico do país, não pode ser considerado responsável pelas supostas
violações aos dispositivos em questão.
Ressalte-se, por fim, que nunca, como nesta etapa da história de La Atlantis, se
reconheceram e protegeram tantos e tão variados aspectos da vida da população em geral e,
sobretudo, das comunidades indígenas em particular. A elevação de seus direitos e garantias a
um patamar constitucional, na Constituição Nacional vigente – como nenhuma outra anterior
–, é a mais clara expressão do compromisso do Estado com a reivindicação dos direitos dos
34
Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Sentença de 29 de março de 2006. Série
C No. 146, par. 147.
35
Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Sentença de 29 de março de 2006. Série
C No. 146, par. 149.
36
Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Caso Villagrán Morales y otros Vs. Guatemala). Sentença de 19
de novembro de 1999. Série C No. 32, par. 139 e 144; Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs.
Paraguay. Sentença de 29 de março de 2006. Série C No. 146. Voto Fundamentado do Juiz A. A. Cançado
Trindade, par. 1 e 2.
20
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povos indígenas de La Atlantis, que também pode ser aferida na participação do Estado no
Projeto de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovado pela
Comissão em 1997, e na ratificação da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos
Povos Indígenas.
2.2.2. O Estado de La Atlantis não violou a proibição da escravidão e da servidão (art.
6.2), em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, no tocante à Comunidade Chupanky
O artigo 6.2 da CADH estabelece que ninguém deve ser constrangido a executar
trabalho forçado ou obrigatório. Como se expôs anteriormente, o Sistema Interamericano de
proteção dos Direitos Humanos tem afirmado que a responsabilidade dos Estados de atuar
com a devida diligência frente aos atos violentos se estende às ações de agentes estatais,
terceiros e particulares. Assim é que a Corte Interamericana tem enfatizado que dita
responsabilidade internacional pode ser gerada também por atos de particulares em princípio
não atribuíveis ao Estado. Os Estados partes na Convenção tem obrigações erga omnes de
respeitar e fazer respeitar as normas de proteção e de assegurar a efetividade dos direitos ali
consagrados em toda circunstância e a respeito de toda pessoa.
Tais obrigações do Estado projetam seus efeitos para além da relação entre seus
agentes e as pessoas submetidas a sua jurisdição, pois se manifestam também na obrigação
positiva do Estado de adotar as medidas necessárias para assegurar a efetiva proteção dos
direitos humanos nas relações interpessoais. A atribuição de responsabilidade ao Estado por
atos de particulares pode se dar em casos em que o Estado descumpre, por ação ou omissão
de seus agentes quando se encontram em posição de garantidores, essas obrigações erga
omnes contidas nos artigos 1.1 da Convenção. 37
37
Corte IDH. Caso de la Masacre de Mapiripán Vs. Colombia. Sentença de 15 de setembro de 2005. Série C
No. 134, par. 111; CIDH. Acceso a la justicia para las mujeres víctimas de violencia en las Américas.
OEA/Ser.L/V/II. Doc. 68. 20 de janeiro de 2007. Par. 29.
21
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O Estado de La Atlantis reconhece, desse modo, que pode ser responsabilizado
pela ação ou omissão de seus agentes e autoridades públicas 38 e de particulares 39, desde que
não adote medidas necessárias para assegurar a efetiva proteção dos direitos 40 e tolere a
situação de violação de direitos humanos 41. No caso tela, não foi o que ocorreu, entretanto.
As alegações de que os membros da Comunidade Chupanky teriam sido
constrangidos a executar trabalho forçado ou obrigatório vão de encontro à realidade fática
do caso. Ademais, ainda que tal violação houvesse ocorrido – e não ocorreu, saliente-se –, o
Estado não poderia ser responsabilizado, porque (1) existe todo um conjunto de princípios
constitucionais e leis trabalhistas que vedam o trabalho análogo à escravidão ou servidão,
além do respectivo sistema processual para investigar e punir as violações que eventualmente
ocorram; (2) porque as supostas violações são decorrentes de atos de particular (a empresa
TW é uma pessoa jurídica de direito privado, inobstante seja uma empresa de economia
mista) e do próprio exercício da autonomia da vontade dos trabalhadores, que em momento
algum foram constrangidos a aceitarem os empregos ofertados, e (3) porque, havendo um
sistema processual competente para processar as reclamações trabalhistas, as supostas vítimas
não buscaram a proteção judicial adequada que estava ao seu dispor. 42
Ora, quando do início dos trabalhos da empresa TW em junho de 2008, a empresa
ofereceu empregos e contratou os membros da Comunidade Chupanky por meio de contratos
individuais de trabalho. Sustentar que tais membros foram compelidos a executar trabalhos
38
BROWNLIE, Ian. Priciples of Public Internacional Law. Sexta Edición, Oxford University Press, 2003, p.
431-433; Draft Articles on State Responsibility with commentaries.Report of International Law Commission
fiftythird session.Yearbook of the International Law Commision.
39
Corte IDH. Caso Goiburú e outros Vs. Paraguay. Sentença sobre Fundo, Reparações e Custas. Sentença de
22 de setembro de 2006. Série C No. 153, Voto Fundamentado do Juiz García Ramírez, par. 22; Corte IDH.
Caso Gómez Palomino Vs. Perú. Sentença de 22 de novembro de 2005. Série C No. 136. Voto Concorrente da
Juíza Medina Quiroga, par. A3.
40
Corte IDH. Caso de la Masacre de Mapiripán Vs. Colombia. Exceções preliminares. Sentença de 7 de março
De 2005. Série C No. 122, par. 111.
41
Corte IDH. Caso 19 Comerciantes Vs. Colombia. Sentença de 5 de julho de 2004. Série C No. 109, par. 141;
Corte IDH. Caso Maritza Urrutia Vs. Guatemala. Sentença de 27 de novembro de 2003. Série C No 103, par.
41; Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Caso Villagrán Morales y otros Vs. Guatemala). Sentença de
19 de novembro de 1999. Série C No. 63, par. 75.
42
Pergunta de Esclarecimento 68.
22
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forçados não condiz com a realidade dos fatos. Os trabalhadores foram contratados para uma
atividade cuja remuneração e jornada de trabalho foram previamente definidas, de modo que,
no livre exercício de sua autonomia da vontade, os membros da Comunidade aceitaram
celebrar tais contratos com a empresa TW.
Desse modo, o Estado de La Atlantis não incorreu na violação ao artigo 6.2 da
Convenção. Pelo contrário. Ao desenvolver o projeto de construção da usina, La Atlantis
proporcionou à região leste do país oportunidades de emprego, cumprindo, assim, os deveres
decorrentes dos artigos 1 e 6.1 do Protocolo de San Salvador, dos artigos 2.2.b, 2.2.c, 20.1 e
20.3.a da Convenção 169 da OIT, que dispõem, em geral, sobre as medidas necessárias à
promoção do desenvolvimento econômico das comunidades indígenas e sobre a contratação e
condições de emprego.
Ainda nessa esteira, La Atlantis dispõe dos meios legais para a proteção do
trabalho, e o fato de as supostas vítimas não haverem apresentado denúncia formal ou
reclamação trabalhista perante as autoridades judiciárias competentes na matéria é a
evidência de que o Estado não pode ser culpabilizado pelas supostas violações, posto que não
possuía conhecimento dos fatos alegados. Sendo assim, o requisito sine qua non para que o
Estado investigue um caso concreto é o ter conhecimento prévio do que na doutrina jurídica a
Corte tem chamado de “conhecimento de um risco real e imediato” 43 de uma suposta
violação aos direitos humanos, de tal modo que se o Estado não conhece dos fatos
previamente, não pode proceder à reparação da violação e, por conseguinte, não pode surgir
responsabilidade internacional.
Como provado supra, o Estado não faltou com a devida diligência, havendo
estabelecido os meios prévios de proteção ao trabalhador, bem como havendo disponibilizado
43
Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006. Série C
No. 140, par. 123; Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Sentença de 29 de julho de 1988. Série
C No. 4, par. 177 e 188; 43 Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Caso Villagrán Morales y otros Vs.
Guatemala). Sentença de 19 de novembro de 1999. Série C No. 63, par. 226.
23
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todo o aparato estatal para investigar e reparar quaisquer violações, aparato este que não fora
acionado, até o presente momento, pelas supostas vítimas. 44
2.2.3. O Estado de La Atlantis não violou o direito à propriedade privada (art. 21), em
relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no
tocante às Comunidades Chupanky e La Loma
Dispõe o artigo 21 da Convenção que toda pessoa tem direito ao uso e gozo de
seus bens, não podendo deles ser privada, salvo mediante o pagamento de indenização justa,
por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos
pela lei. O dispositivo estabelece, ainda, que a lei pode subordinar o uso e gozo desses bens
ao interesse social.
No presente caso, o direito à propriedade privada não foi violado pelo Estado
porque (1) foram concedidas oportunidades às Comunidades para se manifestarem sobre o
sobre o reassentamento de seu povo, por meio das negociações feitas acerca das terras
alternativas, havendo a celebração de acordos no sentido de aprovar o prosseguimento das
obras da usina sobre o território que esse povo originalmente ocupa – revelando, assim, o
exercício do direito de dispor de sua propriedade, de acordo com o artigo 21.1 da Convenção;
(2) em atendimento ao disposto no artigo 21.2, o Estado apresentou justa indenização pelas
terras declaradas de utilidade pública, oferecendo, como compensação, terras de excelente
qualidade agrícola; (3) as Comunidades não foram privadas de seu território ancestral, haja
vista o fato de as terras alternativas oferecidas ainda se encontrarem na dimensão original do
território Rapstan e o fato de o Estado possibilitar a ligação direta das comunidades com o
rio, por meio de uma estrada.
Ambas as Comunidades estão assentadas sobre um território ancestral que cobre
aproximadamente 10.000 hectares, isto é, 100.000 Km2, em redor do Rio Motompalmo. A
44
Pergunta de Esclarecimento 68.
24
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zona de realização do projeto, por sua vez, cobrirá uma área de aproximadamente 10 Km2 , é
dizer, 0,01% do território Rapstan. Ora, esta Corte não pode negar que a área utilizada para a
construção da usina é proporcionalmente insignificante em relação à imensidão do território
Rapstan.
Não há, pois, violação ao direito à propriedade neste caso. Se alguma violação há,
esta se dá em relação ao direito de todos os cidadãos do Estado de La Atlantis de gozarem do
desenvolvimento econômico que será possibilitado pela construção da Usina Hidroelétrica do
Cisne Negro. Violação há em impedir que 9 milhões de habitantes tenham acesso à plena
efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas constantes dos instrumentos
internacionais ratificados por La Atlantis, como a Carta da Organização dos Estados
Americanos, como o Protocolo de San Salvador, e como outros mais que objetivam a
promoção do desenvolvimento econômico como forma de assegurar o pleno gozo dos direitos
civis, políticos, sociais e culturais. Afigura-se, sim, de todo desarrazoado que o Estado seja
acusado de violação a um direito que, em todo tempo, foi preservado e que, conforme a
própria dicção legal, está submetido ao interesse social.
La Atlantis não quer, com essa explanação, menoscabar os direitos indígenas.
Não se pretende negar a ligação cultural que o povo Chupanky ou a Comunidade La Loma
tem com a sua terra. Não. O que se tenciona é demonstrar que estas Comunidades não foram
privadas ou violadas em seu direito à propriedade privada, direito este reconhecido pela
Constituição do Estado. Pretende-se evidenciar, ainda, que todas as medidas compensatórias
foram operadas pelo Estado, que as Comunidades não sofreram prejuízos econômicos e que
elas poderão, decerto, manter suas tradições ligadas ao seu território e ao Rio Motompalmo,
uma vez que La Atlantis garantirá o acesso direto ao rio por meio da construção de uma
estrada.
25
Equipe 202
Não há dúvidas, pois, de que o direito das Comunidades Chupanky e La Loma à
propriedade privada foi exercido dentro dos limites legais, tendo sido o processo de
negociação de todo compatível com a autonomia da vontade desses povos. Assim, o uso e o
gozo de sua propriedade foram subordinados ao interesse social do Estado em promover o
desenvolvimento econômico do país, em perfeita conformidade com o disposto no artigo 21
da Convenção e com o estabelecido em outros instrumentos internacionais que cuidam dos
direitos sociais, econômicos e de propriedade dos povos indígenas. 45
Ademais, respaldo à argumentação revelada é o reconhecimento desta Corte, no
Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua, que o uso e gozo dos
bens privados podem ser submetidos, por determinação legal, ao interesse social, de forma
que se pode privar uma pessoa de seus bens por razões de utilidade pública, e que dita
privação deve ser feita mediante o pagamento de uma justa indenização 46. Foi o que ocorreu
no caso sub judice.
2.2.4. O Estado de La Atlantis não violou o direito à proteção judicial (art. 25), em
relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no
tocante às Comunidades Chupanky e La Loma
O Estado de La Atlantis entende que dentro da constante jurisprudência desta
insigne Corte se tem estabelecido uma estreita vinculação entre os artigos 25 e 8 da
Convenção, a qual se fundamenta em sua aplicação a toda situação em que se deva
determinar o conteúdo e o alcance dos direitos de uma pessoa submetida à jurisdição de um
Estado 47. Nesse sentido, o disposto nos artigos 25 e 8 da Convenção se encontram
ineludivelmente vinculados, não só no plano conceitual, mas também – e sobretudo – no
45
Projeto de Declaração Americana sobre Direitos Humanos, art. XVIII.6; Declaração das Nações Unidas sobre
Direitos Indígenas, art. 10.
46
Corte IDH. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Sentença de 31 de agosto de
2001. Série C No. 66, par. 143.
47
Corte IDH. Caso López Álvarez Vs. Honduras. Sentença de 1 de fevereiro de 2006. Série C No. 141. Voto
Fundamentado do Juiz A.A. Cançado Trindade.
26
Equipe 202
hermenêutico, e, por isso, a análise a seguir terá em conta o direito garantido no artigo 8 da
Convenção, nada obstante não tenha a Comissão encontrado violação ao mesmo em relatório.
A Corte Interamericana tem assinalado que o artigo 25 da Convenção estabelece,
em termos amplos, a obrigação a cargo dos Estados de oferecer, a todas as pessoas
submetidas à sua jurisdição, um recurso judicial efetivo contra atos violadores de seus
direitos fundamentais. Dispõe, ademais, que a garantia ali consagrada se aplica não só em
relação aos direitos contidos na Convenção, senão, também, a respeito daqueles que estão
reconhecidos na Constituição ou pela lei 48. Da mesma forma, a Corte tem reiterado que o
direito de toda pessoa a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo ante
os juízes ou tribunais competentes que a ampare contra atos que violem seus direitos
fundamentais “constitui um dos pilares básicos, não só da Convenção Americana, senão do
próprio Estado de Direito em uma sociedade democrática no sentido da Convenção” 49.
Ademais, a Corte tem assinalado que a inexistência de um recurso efetivo contra
as violações aos direitos reconhecidos pela Convenção constitui uma transgressão da mesma
pelo Estado-Parte em qual semelhante situação tenha lugar. Nesse sentido, deve subentenderse que, para que tal recurso exista, não basta que esteja previsto na Constituição ou na lei, ou
que seja formalmente admissível, mas, sim, que seja realmente idôneo para estabelecer se se
há incorrido em uma violação aos direitos humanos e que proveja o necessário para remediála 50.
Este Colendo Tribunal tem afirmado, da mesma forma, que, para que o Estado
cumpra com o disposto no citado artigo, não basta que os recursos existam formalmente,
48
Corte IDH. Caso del Tribunal Constitucional Vs. Perú. Sentença de 24 de novembro de 1999, par. 89; Corte
IDH. Garantías Judiciales en Estados de Emergencia (arts. 27.2, 25 y 8 Convención Americana sobre Derechos
Humanos). Opinión Consultiva OC-9/87 de 6 de outubro de 1987. Série A No.9, par. 23.
49
Corte IDH. Caso Ivcher Bronstein Vs. Perú. Sentença de 24 de setembro de 1999, par.135; Corte IDH. Caso
del Tribunal Constitucional Vs. Perú. Sentença de 24 de novembro de 1999, par. 90; Corte IDH. Caso Bámaca
Velásquez Vs. Guatemala. Sentença de 25 de novembro de 2000. Série C No. 70, par. 191.
50
Corte IDH. Caso Ivcher Bronstein Vs. Perú. Sentença de 24 de setembro de 1999, par.136; Corte IDH. Caso
Cantoral Benavides Vs. Perú. Sentença de 18 de agosto de 2000. Série C No. 69, par. 164; Corte IDH. Caso
Durand y Ugarte Vs. Perú. Sentença de 28 de maio de 1999. Série C No. 50, par. 102.
27
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senão que os mesmos devem ter efetividade 51.No presente caso, os direitos previstos nos
artigos 25 e 8 devem ser considerados sob três espectros: o espectro do processo perante o
juízo cível, que foi devidamente levado a cabo segundo o previsto no Código Civil do Estado;
o espectro do procedimento perante a autoridade administrativa, que também se deu acorde
com a lei; e o espectro do processo perante a vara trabalhista, que não foi iniciado por
negligência das supostas vítimas.
No que tange ao processo cível de expropriação das terras, os membros da
Comunidade La Loma tiveram garantido o seu direito de não serem privados de sua
propriedade sem o pagamento de indenização por parte do Estado, que se deu ao cabo do
processo com a prolação da sentença pelo Juiz da Vara Cível, em que foi fixado o valor da
justa indenização. A eventual demora no transcurso do processo não pode ser atribuída ao
Estado de La Atlantis, mas tão-somente à própria Comunidade, tenho em conta a rejeição da
oferta feita pelo governo de receber terras alternativas, assim como das posteriores
negociações a fim de chegar a uma solução amigável perante a Comissão Interamericana,
havendo sobremaneira dilatado o procedimento interno52. Assim, não há falar em violação à
proteção judicial nesse tocante, uma vez que existe o recurso judicial e ele efetivamente
garantiu a proteção do direito à propriedade.
Acerca do procedimento promovido pelos representantes das supostas vítimas
perante a autoridade administrativa, certo é que todas as etapas e recursos previstos foram
assegurados. O recurso administrativo interposto perante a CED pela ONG Morpho Azul foi
analisado, embora tenha sido apresentado em momento posterior à finalização do contrato de
concessão, e, pelo fato de a Comunidade Chupanky haver dado a sua aprovação ao projeto, o
recurso foi negado.
51
Corte IDH. Caso del Tribunal Constitucional Vs. Perú. Sentença de 24 de novembro de 1999, par. 90; Corte
IDH. Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. Sentença de 25 de novembro de 2000. Série C No. 70, par. 191;
Corte IDH. Caso Cesti Hurtado Vs. Perú. Sentença de 29 de setembro de 1999. Série C No. 56, par. 125.
52
Pergunta de Esclarecimento 86.
28
Equipe 202
Em conformidade com as instâncias existentes em La Atlantis para processos
desse tipo, a apelação do recurso foi interposta perante o Tribunal Contencioso
Administrativo, que, em decisão suficientemente fundamentada, inclusive citando
precedentes da Corte IDH, não deu provimento à apelação. Por fim, a apelação à última
instância também foi garantida, por meio do Recurso de Amparo interposto perante o
Supremo Tribunal de Justiça, que o rejeitou em razão do devido cumprimento dos requisitos
estabelecidos na legislação de La Atlantis e nas normas internacionais.
Vê-se, portanto, que os recursos protetores dos direitos consagrados na CADH, na
Constituição de La Atlantis e nos instrumentos internacionais existem e foram utilizados
pelos peticionários. O Estado assegurou, então, que as autoridades competentes previstas por
seu sistema legal decidissem sobre os direitos dos membros da Comunidade representada nos
recursos interpostos, não havendo vício algum nos procedimentos judiciais e muito menos a
supressão de alguma etapa ou recurso processual. Todo o trâmite procedimental se deu em
conformidade com o estabelecido no Código Civil e na Constituição de La Atlantis e num
período de tempo razoável para a duração do mesmo.
Deve-se notar, no entanto, que a previsão da existência de recursos e a efetivação
dos mesmos não significam a concessão de uma decisão judicial ou administrativa outorgante
do pedido feito. Assegurar que uma pessoa tenha direito a um recurso simples e rápido não
implica em garantir que todo e qualquer pleito apresentado à autoridade estatal será deferido.
Por isso, inobstante as supostas vítimas não tenham logrado êxito em seus recursos às
autoridades administrativas e judiciais – por haverem entendido tais autoridades que em
momento algum houve desrespeito aos direitos evocados –, certo é que o acesso à justiça, o
acesso à proteção de seus direitos foi-lhes assegurado, o que afasta qualquer sustentação de
violação dos mesmos por ato do Estado.
29
Equipe 202
Em relação ao processo perante a vara trabalhista, as reclamações feitas pela
Morpho Azul perante o Tribunal Contencioso Administrativo deveriam ter sido apresentadas
diante daquele, pois a autoridade administrativa não é competente para conhecer das referidas
reclamações. Desse modo, não se pode alegar que a proteção aos direitos decorrentes das
relações de trabalho não foi assegurada, pois o Estado dispõe do devido acesso à justiça
trabalhista – que não foi acionada pelas supostas vítimas –, não podendo, pois, ser
responsabilizado por não conferir a devida proteção judicial às supostas vítimas.
3. SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA
Pelas
considerações
expostas
precedentemente,
o
Estado
solicita,
respeitosamente, à Honorável Corte Interamericana de Direitos Humanos que (1) declare que
La Atlantis não é responsável internacionalmente pelas supostas violações aos artigos 4.1
(direito à vida), 5.1 (direito à integridade pessoal), 6.2 (proibição da escravidão e da
servidão), 21 (direito à propriedade privada) e 25 (proteção judicial) da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, com relação às obrigações de respeito e garantia
contempladas no artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em prejuízo
das Comunidades Chupanky e La Loma; que (2) julgue improcedentes todos os pedidos
referentes a reparações, custas e gastos feitos pela Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, e que (3) abstenha-se de outorgar as medidas cautelares requeridas pela Comissão
Interamericana.
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