Equipe 202 CORTE INTERAMERICANA DE DIRETOS HUMANOS
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Equipe 202 CORTE INTERAMERICANA DE DIRETOS HUMANOS
Equipe 202 CORTE INTERAMERICANA DE DIRETOS HUMANOS COMUNIDADE CHUPANKY E OUTRA Vs. ESTADO DE LA ATLANTIS MEMORIAL DO ESTADO DE LA ATLANTIS Equipe 202 ÍNDICE ÍNDICE ........................................................................................................................... I LISTA DE ABREVIATURAS ...................................................................................... III ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS ................................................................................... V Documentos Legais ................................................................................................. V Doutrina ................................................................................................................. V Casos Legais ..........................................................................................................VI Comissão Interamericana de Direitos Humanos .............................................VI Corte Interamericana de Direitos Humanos .................................................. VII Corte Europeia de Direitos Humanos .............................................................XI 1. DECLARAÇÃO DOS FATOS ...................................................................................1 2. ANÁLISE LEGAL ......................................................................................................6 2.1. ANÁLISE DAS QUESTÕES PRELIMINARES DE ADMSSIBILIDADE .........6 2.1.1. Da Exceção Preliminar de Intempestividade ..........................................6 2.1.2. Da Exceção Preliminar de Não Esgotamento dos Recursos Internos .......7 2.1.3. Da Solicitação de Medidas Cautelares ...................................................8 2.2. ANÁLISE DAS QUESTÕES DE MÉRITO ..................................................... 10 2.2.1. O Estado de La Atlantis não violou o direito à vida (art. 4.1) e o direito à integridade pessoal (art.. 5.1), em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no tocante às Comunidades Chupanky e La Loma ............................................................................................................ 11 2.2.2. O Estado de La Atlantis não violou a proibição da escravidão e da servidão (art. 6.2), em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no tocante à Comunidade Chupanky ............................... 21 I Equipe 202 2.2.3. O Estado de La Atlantis não violou o direito à propriedade privada (art. 21), em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no tocante às Comunidades Chupanky e La Loma .......................................... 24 2.2.4. O Estado de La Atlantis não violou o direito à proteção judicial (art. 25), em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no tocante às Comunidades Chupanky e La Loma .............................................. 26 3. SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA ........................................................................ 30 II Equipe 202 LISTA DE ABREVIATURAS Ampl. .........................Ampliada Art(s). ........................Artigo(s) Atual. .........................Atualizada CADH ........................Convenção Americana de Direitos Humanos CEDH ........................Comissão Europeia de Direitos Humanos CIDH .........................Comissão Interamericana de Direitos Humanos Comissão ...................Comissão Interamericana de Direitos Humanos CED ...........................Comissão de Energia e Desenvolvimento Corte ..........................Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte EDH .................Corte Europeia de Direitos Humanos Corte IDH ..................Corte Interamericana de Direitos Humanos Convenção .................Convenção Americana sobre Direitos Humanos CIJ .............................Corte Internacional de Justiça DH .............................Direitos Humanos Doc. ...........................Documento ou Documentos Ed. .............................Edição MARN .......................Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais No. .............................Número n. ...............................Número OC .............................Opinião Consultiva OEA ..........................Organização dos Estados Americanos ONU ..........................Organização das Nações Unidas SIDH .........................Sistema Interamericano de Direitos Humanos p. ...............................Página ou Páginas III Equipe 202 par. ............................Parágrafo ou Parágrafos Rev. ...........................Revista STJ ............................Supremo Tribunal de Justiça Trad. ..........................Traduzido TW ............................Turbo Water UN .............................United Nations Vs. .............................Versus IV Equipe 202 ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS • Documentos Legais 1. Convenção Americana sobre Direitos Humanos 2. Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – Protocolo de San Salvador 3. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará 4. Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem 5. Estatuto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 6. Estatuto da Corte Interamericana de Direitos Humanos 7. Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 8. Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos 9. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas 10. Projeto de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas 11. Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais • Doutrina 1. B. G. Ramcharan (ed.), The Right to Life in International Law, Dordrecht, Nijhoff, 1985. 2. BROWNLIE, Ian. Priciples of Public Internacional Law. Sexta Edición, Oxford University Press, 2003. V Equipe 202 3. CANÇADO TRINDADE, A. A. “Human Rights and the Environment”, Human Rights: New Dimensions and Challenges. (Ed. J. Symonides), Paris/Aldershot, UNESCO/Dartmouth, 1998. 4. Draft Articles on State Responsibility with commentaries. Report of International Law Commission fiftythird session. Yearbook of the International Law Commision. 5. FAÚNDEZ, Héctor. El Sistema Interamericano de Protección de los Derechos Humanos, 2ª Ed., Instituto Interamericano de Derechos Humanos (1999). 6. J. G. C. van Aggelen. Le rôle des organisations internationales dans la protection du droit à la vie, Bruxelles, E. Story-Scientia, 1986. 7. PASQUALUCCI, Jo M. The Inter-american Human Rights System: Establishing Precedents and Procedure in Human Rights Law. 26U. Miami Inter-American Law Review, 297 (1995). 8. UNITED NATIONS, Compilation of General Comments and General Recommendations Adopted by Human Rights Treaty Bodies, U.N. doc. HRI/GEN/1/Rev. 3, de 15.08.1997. • Casos Legais Comissão Interamericana de Direitos Humanos CIDH. Caso n. 10.208, República Dominicana, Salvador Jorge Blanco. No. 15/89. CIDH. Caso n. 12.159, Argentina, Gabriel Egisto Santillan. No. 72/03. VI Equipe 202 CIDH. Caso n. 12.116, México, Maria Estela García Ramirez e Celerino Jiménez Almaraz. No. 09/03. CIDH. Medida Cautelar 382/10 - Comunidades Indígenas da Bacia do Rio Xingu, Pará, Brasil. Outorgada em 1 de abril de 2011. CIDH. Acceso a la justicia para las mujeres víctimas de violencia en las Américas. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 68. 20 de janeiro de 2007. Corte Interamericana de Direitos Humanos Casos Contenciosos Corte IDH. Caso Saramaka Vs. Suriname. Sentença de 28 de novembro de 2007. Série C No. 172. Corte IDH. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile. Sentença de 26 de setembro de 2006. Série C No. 154. Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Exceções Preliminares. Sentença de 26 de junho de 1987. Série C No. 1. Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Fundo. Sentença de 29 de julho de 1988. Série C No. 4. Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Sentença de 26 de maio de 1987. Série C No. 1. Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez v. Honduras. Sentença de 25 de novembro de 2000. Série C No. 70. VII Equipe 202 Corte IDH. Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. Fundo. Sentença de 25 de novembro de 2000. Série C No. 70. Corte IDH. Caso Baena Ricardo y otros Vs. Panamá. Exceções Preliminares. Sentença de 18 de novembro de 1999. Série C No. 61. Corte IDH. Caso Neira Alegría y otros Vs. Perú. Exceções Preliminares. Sentença de 11 de dezembro de 1991. Série C No. 13. Corte IDH. Caso Cayara Vs. Perú. Exceções Preliminares. Sentença de 3 de fevereiro de 1993. Série C No. 14. Corte IDH. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 31 de agosto de 2001. Série C No. 66. Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Caso Villagrán Morales y otros Vs. Guatemala). Fundo. Sentença de 19 de novembro de 1999. Série C No. 63. Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 31 de janeiro de 2006. Série C No. 140. Corte IDH. Caso 19 Comerciantes Vs. Colombia. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 5 de julho de 2004. Série C No. 109. Corte IDH. Caso Myrna Mack Chang Vs. Guatemala. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 25 de novembro de 2003, Série C No. 101. VIII Equipe 202 Corte IDH. Caso Juan Humberto Sánchez Vs. Honduras. Exceção Preliminar, Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 7 de junho de 2003. Série C No. 99. Corte IDH. Caso de la Masacre de Mapiripán Vs. Colombia. Exceções Preliminares. Sentença de 7 de março de 2005. Série C No. 122. Corte IDH. Caso de la Masacre de Mapiripán Vs. Colombia. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 15 de setembro de 2005. Série C No. 134. Corte IDH. Caso Yatama Vs. Nicaragua. Exceções Preliminares, Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 23 de junho de 2005. Série C No. 127. Corte IDH. Caso de la “Panel Banca” (Paniagua Morales y otros Vs. Guatemala). Fundo. Sentença de 8 de março de 1998. Série C No. 37. Corte IDH. Caso Valle Jaramillo y otros Vs. Colombia. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 27 de novembro de 2008. Série C No. 192. Corte IDH. Caso Aloeboetoe y otros Vs. Suriname. Fundo. Sentença de 4 de dezembro de 1991. Série C No. 11. Corte IDH. Caso Loayza Tamayo Vs. Perú. Fundo. Sentença de 17 de setembro de 1997. Série C No. 33. Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 29 de março de 2006. Série C No. 146. Corte IDH. Caso Goiburú e outros Vs. Paraguay. Sentença sobre Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 22 de setembro de 2006. Série C No. 153. IX Equipe 202 Corte IDH. Caso Gómez Palomino Vs. Perú. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 22 de novembro de 2005. Série C No. 136. Corte IDH. Caso Maritza Urrutia Vs. Guatemala. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 27 de novembro de 2003. Série C No. 103. Corte IDH. Caso López Álvarez Vs. Honduras. Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 1 de fevereiro de 2006. Série C No. 141. Corte IDH. Caso del Tribunal Constitucional Vs. Perú. Competência. Sentença de 24 de setembro de 1999. Série C No. 55. Corte IDH. Caso Ivcher Bronstein Vs. Perú. Competência. Sentença de 24 de setembro de 1999. Série C No. 54. Corte IDH. Caso Cantoral Benavides Vs. Perú. Fundo. Sentença de 18 de agosto de 2000. Série C No. 69. Corte IDH. Caso Durand y Ugarte Vs. Perú. Exceções Preliminares. Sentença de 28 de maio de 1999. Série C No. 50. Corte IDH. Caso Cesti Hurtado Vs. Perú. Fundo. Sentença de 29 de setembro de 1999. Série C No. 56. Opiniões Consultivas Corte IDH. Garantías Judiciales en Estados de Emergencia (arts. 27.2, 25 y 8 Convención Americana sobre Derechos Humanos). Opinião Consultiva OC-9/87 de 6 de outubro de 1987. Série A No.9. X Equipe 202 Corte IDH. Condición Jurídica y Derechos Humanos del Niño. Opinião Consultiva OC-17/02 de 28 de agosto de 2002. Série A No. 17. Corte IDH. Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados. Opinião Consultiva OC-18/03 de 17 de setembro de 2003. Série A No. 18. Corte IDH. Excepciones al Agotamiento de los Recursos Internos (arts. 46.1, 46.2.a y 46.2.b, Convención Americana sobre Derechos Humanos). Opinião Consultiva OC-11/90 de 10 de agosto de 1990. Série A No. 11. Corte IDH. El Derecho a la Información sobre la Asistencia Consular en el Marco de las Garantías del Debido Proceso Legal. Opinião Consultiva OC16/99 de 1 de Outubro de 1999. Série A No. 16. Corte IDH. Ciertas Atribuciones de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (arts. 41, 42, 44, 46, 47, 50 y 51 Convención Americana sobre Derechos Humanos). Opinião Consultiva OC-13/93 de 16 de julho de 1993. Série A No. 13. Corte Europeia de Direitos Humanos Corte EDH. Caso Gibas Vs. Polônia. Decisões e Relatórios, vol. 82-B, Strasbourg, C.E., 1995 Corte EDH. Caso Ahmet Sadik Vs. Grécia. Julgamento de 15 de novembro de 1996. Corte EDH. Caso Golder Vs. The United Kingdom. Julgamento em 1975. XI Equipe 202 Corte EDH. Caso Kiliç Vs. Turkey. Julgamento de 28 de março de 2000, Solicitação No. 22492/93. Corte EDH. Caso Osman Vs. the United Kingdom. Julgamento de 28 de outubro de 1998, Informações sobre julgamentos e Decisões VIII. XII Equipe 202 1. DECLARAÇÃO DOS FATOS O Estado de La Atlantis (doravante denominado “La Atlantis”) é um país insular de democracia representativa, tem uma população de aproximadamente 9 milhões de habitantes e sua capital é Tripol. Nação rica em recursos naturais e dotada de importante e complexo patrimônio hídrico-florestal, La Atlantis possui uma população predominantemente mestiça, concentrada na costa oeste da ilha, região que apresenta o principal desenvolvimento econômico do país. Em razão da característica miscigenada de seu povo, e por conta dos conflitos culturais ocorridos nos dois últimos séculos, La Atlantis concretizou, em 1990, o Acordo Nacional de Reconciliação, e, em 1994, reconheceu o direito dos povos indígenas à livre determinação e desenvolvimento e admitiu a sua personalidade jurídica. Hodiernamente, o Estado de La Atlantis reconhece 11 % de sua população como indígena, aos quais outorgou cédulas de identidade oficiais. Signatário dos principais instrumentos regionais e universais em matéria de direitos humanos, o Estado de La Atlantis aceitou a competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 1 de janeiro de 1995. Posteriormente, com a reforma constitucional de 2008, reconheceu os direitos humanos assegurados pela Constituição e garantiu sua interpretação à luz dos tratados internacionais na matéria, prestigiando, dessarte, a hermenêutica em prol da pessoa humana. Em 2010, La Atlantis se comprometeu internacionalmente a se tornar a primeira Nação Carbono Neutro do mundo até 2021, e, para satisfazer tal compromisso, bem como para concretizar o Plano Nacional de Desenvolvimento de 2003, o Estado tem realizado várias ações em favor do desenvolvimento do país, como a licitação para a construção da Usina Hidroelétrica do Cisne Negro. Tal usina representa um dos principais projetos de investimento estrangeiro da década, gerando inúmeros benefícios industriais e resultando no 1 Equipe 202 crescimento econômico da ilha, principalmente na região leste do país, onde se registram os maiores índices de pobreza e marginalização entre os vários grupos étnicos e camponeses, e onde se localiza o rio Motompalmo. O projeto de construção da Usina Hidroelétrica do Cisne Negro demandou um estudo de viabilidade, que foi realizado em novembro de 2003 e concluiu pela instalação da usina na zona média da região de Chupuncué, utilizando o rio Motompalmo. Segundo o primeiro relatório da Comissão de Energia e Desenvolvimento (doravante denominada “CED”), a realização do projeto afetaria o território da comunidade camponesa La Loma e o território da comunidade indígena Chupanky, adjacentes ao rio Motompalmo. Tendo sido outorgada a concessão para a construção da Usina Hidrelétrica à empresa Turbo Water (doravante denominada “TW”), o Estado, por meio da CED, iniciou os procedimentos legais cabíveis para a expropriação das terras a serem utilizadas no projeto da Usina. La Atlantis declarou a zona do projeto como de utilidade pública, depositou 50 % do valor cadastral dos lotes do terreno da comunidade de La Loma e ofereceu terras alternativas, de qualidade agrícola, aos proprietários da comunidade. Inobstante tenha o Estado de La Atlantis oferecido todas as compensações devidas pelas terras declaradas como sendo de utilidade pública, parte dos proprietários da comunidade La Loma – os quais foram reassentados em acampamentos provisórios por não consentirem com as terras alternativas – não aceitou a oferta do Estado, tendo iniciado processo perante o juízo cível solicitando fossem aplicadas normas internacionais para a realização de um procedimento de consulta prévia. O pedido não foi acolhido pelo juízo cível, haja vista serem tais normas aplicáveis a comunidades indígenas ou tribais, e não a comunidades camponesas, como é reconhecida La Loma. O Juiz da Vara Cível fixou, então, o valor total da justa indenização em favor daqueles que não aceitaram as terras alternativas inicialmente. Estes beneficiários se recusaram novamente a receber o pagamento, no entanto. 2 Equipe 202 No tocante à Comunidade Chupanky, o Estado de La Atlantis iniciou um processo de consulta prévia, segundo os seus usos e costumes, havendo criado um Comitê Inter-Setorial com capacidade de fazer acordos com a comunidade. O Comitê Inter-Setorial ofereceu às autoridades Chupanky e aos chefes de família – que, pelas tradições da Comunidade, são os legitimados para representá-la nas negociações – terras alternativas de grandes dimensões e de boa qualidade agrícola, ofereceu a possibilidade de trabalhar na construção da hidroelétrica a todos os membros da comunidade maiores de 16 anos, a realização de estudos de impactos ambientais por peritos independentes, e muitos outros benefícios que seriam concedidos quando do funcionamento da usina, permitindo-lhes, assim, a manutenção de suas tradições culturais e rituais religiosos relacionados ao rio Motompalmo. Em dezembro de 2007, destarte, o Comitê obteve a aprovação da primeira fase do projeto por maioria dos votos dos chefes de família da Comunidade Chupanky. Em janeiro de 2008, o grupo “Guerreiras do Arco Íris” manifestou-se contra o projeto de construção da usina, em razão de as mulheres da Comunidade Chupanky não terem sido consultadas, motivo pelo qual o processo estava viciado e era discriminatório. Em comunicado enviado ao Comitê Inter-Setorial, solicitaram uma reunião, todavia, o Comitê respondeu que não poderia atendê-las de pronto, mas que avaliariam o seu pedido. Em fevereiro de 2008, o Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais (doravante denominado “MARN”) designou à Organização de Recursos Energéticos Verdes a realização de estudos de impacto ambiental, dos quais participaram peritos independentes na matéria, conforme fora acordado com as autoridades e chefes de família da Comunidade Chupanky. Segundo o MARN, o relatório – cuja cópia autêntica foi enviada à Comunidade Chupanky – foi favorável ao projeto, especialmente no tocante aos benefícios resultantes da geração de energia elétrica para as comunidades. 3 Equipe 202 A empresa TW deu início aos trabalhos de construção da usina em 20 de junho de 2008, tendo contratado – por meio de contratos individuais de trabalho – pessoas qualificadas e com experiência na construção de hidroelétricas, além de ter oferecido 350 empregos aos membros – homens e mulheres – da Comunidade Chupanky. O Grupo Guerreiras do Arco Íris, junto, agora, de membros da Comunidade de La Loma, continuou protestando contra a empresa TW e, em dezembro de 2008, foram a Tripol denunciar perante a CED e o MARN as irregularidades cometidas pela empresa TW. Em reunião com esses órgãos, foi-lhes assegurado que o caso seria estudado e, se apropriado, remetido às autoridades competentes. Em 9 de janeiro de 2009, o Conselho de Anciãos da Comunidade Chupanky, por meio da ONG Morpho Azul, interpôs um recurso administrativo perante a CED, solicitando a anulação do projeto de construção da usina. O recurso foi rejeitado em 12 de abril de 2009, tendo em conta que a comunidade havia sido informada e teria dado a sua aprovação ao projeto, motivo pelo qual não existiam razões para a suspensão. O caso foi, então, submetido ao Tribunal Contencioso Administrativo, que proferiu sua decisão em 10 de agosto de 2009. Com base na Constituição do Estado de La Atlantis e nos tratados internacionais de que este é parte, a sentença dispôs que as comunidades indígenas não teriam direito a vetar o projeto, uma vez que (1) a consulta foi realizada acorde com as condições estabelecidas nas normas, (2) a comunidade teria aceito os termos e, portanto, deveria permitir que o projeto avançasse até sua etapa final, (3) o processo de consulta foi realizado de acordo com os usos e costumes da comunidade, (4) as supostas práticas discriminatórias contra as mulheres eram responsabilidade da própria comunidade, resultante de sua autonomia e livre determinação como povo, e que (5), em relação às reclamações trabalhistas, a autoridade competente para processá-las era a vara trabalhista ou o mecanismo contemplado no Tratado de Livre Comércio na matéria. 4 Equipe 202 Em 26 de setembro de 2009, a Comunidade interpôs um Recurso de Amparo perante o Supremo Tribunal de Justiça, solicitando a suspensão das obras por conta dos efeitos negativos à integridade física e cultural das comunidades Chupanky e La Loma. O Supremo Tribunal rejeitou o recurso em 15 de dezembro de 2009, por considerar que as diversas autoridades competentes cumpriram os requisitos estabelecidos na legislação e nas normas internacionais. Em 26 de maio de 2010, a ONG Morpho Azul apresentou uma petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), alegando que foram violados os artigos 4.1, 5.1, 6.2, 21, 22, 23, 8, 25 e 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) e as obrigações da Convenção de Belém do Pará, em prejuízo dos integrantes das comunidades Chupanky e La Loma. Em suas observações perante a CIDH, o Estado de La Atlantis alegou, em 1 de setembro de 2010, que esses direitos não foram violados, pois o Estado agiu em conformidade com as disposições legais nacionais e internacionais, sempre aplicando a norma mais favorável à pessoa humana e o controle de convencionalidade. Em 9 de março de 2011, a Comissão emitiu seu relatório sobre admissibilidade e mérito, tendo encontrado violações apenas aos artigos 1.1, 4.1, 5.1, 6.2, 21 e 25 da CADH, em prejuízo da Comunidade Chupanky, e violações aos artigos 5.1, 21 e 25 da CADH, em prejuízo da Comunidade de La Loma. Ademais, a Comissão recomendou ao Estado de La Atlantis a adoção de medidas reparatórias e cautelares. Vencido o prazo para cumprir com as recomendações e com a solicitação de medidas cautelares, e em conformidade com o artigo 35 do Regulamento da Corte Interamericana, em 4 de outubro de 2011, a CIDH submeteu o caso à Corte IDH, pela suposta violação dos dispositivos supracitados. O relatório da Comissão foi admitido pela Corte em 11 de novembro de 2011, e a data da audiência foi fixada para o dia 25 de maio de 2012. 5 Equipe 202 2. ANÁLISE LEGAL 2.1. ANÁLISE DAS QUESTÕES PRELIMINARES DE ADMSSIBILIDADE 2.1.1. Da Exceção Preliminar de Intempestividade A presente demanda, apresentada pela Comissão a esta Corte em 4 de outubro de 2011, padece do vício insanável da preclusão, visto que fora oferecida após o transcurso do prazo de três meses estabelecido pelos artigos 50 e 51 da Convenção Americana. Dessa forma, a Comissão somente poderia ter adotado o procedimento descrito na segunda parte do artigo 51. O artigo 51.1 da Convenção estabelece o prazo dentro do qual a Comissão deve apresentar o caso à competência contenciosa da Corte. Transcorrido tal prazo, a Comissão perde o direito de submetê-lo 1. De acordo com o entendimento jurisprudencial deste Tribunal, o prazo estabelecido pelo dispositivo em questão começa a ser contado a partir da data de transmissão do relatório referido no artigo 50 ao Estado em questão 2. Esta Corte já decidiu, também, que o dito “limite temporal, ainda que não seja fatal, tem caráter preclusivo, salvo circunstâncias excepcionais, no tocante à submissão do caso a este Tribunal”. 3 Por excepcionais entendem-se as situações que, no curso do prazo, tenham a capacidade de suspender a contagem do prazo preclusivo. 4 Ocorre que a Comissão emitiu o Relatório 969/2011 no dia 9 de março de 2011, e somente após quase seis meses houve a apresentação do caso à Corte – no dia 4 de outubro de 1 Corte IDH. Caso Povo Saramaka Vs. Suriname. Sentença de 28 de novembro de 2007, Série C No. 172, par. 34 a 40; Corte IDH. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile. Sentença de 26 de setembro de 2006. Série C No. 154, par. 58. 2 Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Sentença de 26 de junho de 1987. Série C No. 1, par. 162; Corte IDH. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile. Sentença de 26 de setembro de 2006. Série C No. 154, par. 56; Corte IDH. Caso Baena Ricardo y otros Vs. Panamá. Sentença de 18 de novembro de 1999. Série C No. 61, par. 37; Certas Atribuições da CIDH (arts. 41, 42, 44, 46, 47, 50 y 51 Convenção Americana de Direitos Humanos). Opinião Consultiva OC-13/93 de 16 de julho de 1993. Série A No. 13, par. 51. 3 Corte IDH. Caso Neira Alegría y otros Vs. Perú. Sentença de 11 de dezembro de 1991. Série C No. 13, par. 32-34; Corte IDH. Caso Cayara Vs. Perú. Sentença de 3 de fevereiro de 1993. Série C No. 14, par. 38-39. 4 Corte IDH. Caso Cayara Vs. Perú. Sentença de 3 de fevereiro de 1993. Série C No. 14, par. 39. 6 Equipe 202 2011 -, em flagrante ultrapassagem do prazo máximo estabelecido no artigo 51, qual seja, três meses. Também não há registros, ressalte-se, de circunstâncias capazes de suspender o prazo preclusivo. Dessa forma, tendo em vista a afronta ao artigo 51 da Convenção Americana, o Estado requer seja recepcionada a presente exceção preliminar, a fim de que seja declarada a intempestividade desta demanda. 2.1.3. Da Exceção Preliminar de Não Esgotamento dos Recursos Internos As alegações das supostas vítimas relativas às condições de trabalho estabelecidas entre os membros da comunidade Chupanky e a Empresa TW – supostamente violadoras do preceito 6.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos – não devem ser recepcionadas por esta Corte, tendo em vista não haverem sido esgotados previamente todos os recursos internos nesta matéria, conforme preceitua as normas de direito internacional. 5 Desde o início dos processos de implementação da Usina Hidroelétrica do Cisne Negro, La Atlantis, em conformidade com os compromissos internacionalmente avençados, não se furtou à obrigação de garantir a proteção judicial adequada. 6 Nada obstante, as supostas vítimas optaram por apresentar demandas somente perante a jurisdição administrativa, questionando o procedimento de consulta à comunidade indígena, bem como protestando pela paralisação do projeto. Depreende-se da sentença proferida pelo Tribunal Contencioso Administrativo em 10 de agosto de 2009 que as supostas vítimas foram informadas de que possíveis demandas trabalhistas deveriam ser apresentadas perante a autoridade competente 7 – a saber, a vara trabalhista ou o mecanismo contemplado no Tratado de Livre Comércio na matéria. Até o presente momento, todavia, não há registros de interposição de recurso perante a 5 Convenção Americana de Direitos Humanos, artigo 46, a. Corte IDH. Opinião Consultiva OC 16/99, de 1 de Outubro de 1999. Série N º 16, par. 117; Caso n. 10.208 (República Dominicana), CIDH, Informe Anual 1988-1989, pp. 122-123; Corte Europeia de Direitos Humanos. Caso Gibas Vs. Polônia. Decisões e Relatórios, vol. 82-B, Strasbourg, C.E., 1995, p. 81. 7 Corte IDH. Opinião Consultiva OC-11/90, de 10 de agosto de 1990. Série A, N º 11, par. 38. 6 7 Equipe 202 autoridade trabalhista 8, o que inviabiliza a apresentação de tais demandas perante esta Egrégia Corte. Note-se que as três únicas possibilidades de exceção à regra do prévio esgotamento, contidas no art. 46 da Convenção, não são aplicáveis à presente situação. Isso porque há, na jurisdição interna, procedimento adequado às demandas trabalhistas, e não houve impedimento das supostas vítimas ao acesso a tais demandas. Tampouco se pode falar, ainda, em demora injustificada do procedimento, visto que o Estado sequer chegou a ser acionado. 9 Por todo o exposto, o Estado pugna perante esta Corte pelo acolhimento da presente exceção preliminar 10, tendo em vista que os procedimentos existentes no sistema jurídico nacional de La Atlantis são efetivamente adequados para atender as supostas vítimas, não sendo cabível recorrer a esta Corte. 2.1.4. Da Solicitação de Medidas Cautelares Ao submeter o seu Relatório a esta Corte, a Comissão, com fundamento no artigo 63.2 da Convenção, solicitou a adoção de medidas cautelares em favor da Comunidade Chupanky, a fim de suspender a obra da Hidroelétrica do Cisne Negro até a decisão deste caso. Contudo, suspender o projeto que já está em andamento desde 20 de junho de 2008 mostra-se inviável frente ao alto valor do investimento já direcionado às obras, bem como frente à fragilidade energética do Estado de La Atlantis, que depende da finalização da Hidroelétrica do Cisne Negro para melhorar significativamente o fornecimento de eletricidade às principais regiões do país. 8 Pergunta para Esclarecimento 68. PASQUALUCCI, Jo M. The Inter-american Human Rights System: Establishing Precedents and Procedure in Human Rights Law. 26U. Miami Inter-American Law Review, 297 (1995), p. 337. 10 Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Sentença de 26 de maio de 1987. Série C No.1, par. 58; Corte Europeia de Direitos Humanos. Caso Ahmet Sadik Vs. Grécia, Julgamento de 15 de novembro de 1996, pp. 17-19. 9 8 Equipe 202 Ademais, conforme o artigo 63.2 da Convenção Americana, à Corte está facultada a possibilidade de adotar medidas cautelares que considere necessárias, em casos de extrema gravidade e urgência, com vistas a evitar danos irreparáveis às supostas vítimas. Para tanto, faz-se indeclinável, todavia, a presença das seguintes condições 11, as quais não se verificam no presente caso: a) Extrema gravidade da ameaça: Para a configuração desta condição, é necessário haver evidências que demonstrem a exposição dos possíveis beneficiários à situação de grande perigo, do qual o Estado não pode ou não quer protegê-los. No caso em questão, não há que se falar em situação de grande perigo à qual a Comunidade Chupanky esteja submetida pelo Estado. Pelo contrário. O lapso temporal de seis meses entre a consulta à comunidade – em procedimento adequado às suas tradições e costumes –, com a consequente aprovação do projeto, e a efetiva inicialização dos trabalhos da empresa TW comprovam a preocupação de La Atlantis em assegurar as condições propícias à realização da obra, a fim de minimizar a repercussão na comunidade. Ademais, o Estado permanece firme quanto aos seus compromissos internacionais em garantir a todos os seus cidadãos, sem distinção segregatícia, o livre acesso à tutela jurisdicional 12. b) Necessidade de evitar danos irreparáveis às pessoas: Não há, também aqui, adequação da condição necessária à adoção de medida cautelar. Isso porque não há comprovação de dano irreparável à Comunidade Chupanky, uma vez que as terras alternativas colocadas à disposição da Comunidade foram apresentadas aos seus 11 FAÚNDEZ, Héctor. El Sistema Interamericano de Protección de los Derechos Humanos, Segunda Ed., Instituto Interamericano de Derechos Humanos (1999), p. 387. 12 Corte Europeia de Direitos Humanos. Caso Golder Vs. The United Kingdom, 1975, pp. 29-36; Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez v. Honduras. Sentença de 25 de novembro de 2000. Série C No. 70; Caso Gabriel Egisto Santillan (Argentina), CIDH, Relatório No. 72/03; Caso Maria Estela García Ramirez e Celerino Jiménez Almaraz (México), CIDH, Relatório No. 09/03. 9 Equipe 202 representantes13. Tais terras possuem dimensões maiores e melhor qualidade agrícola do que as atuais, bem como possuem acesso direto ao Rio Motompalmo – segundo proposto no relatório ambiental de 14 de maio de 2008. Ademais, foi assegurada à Comunidade a participação nos benefícios da construção, conforme preceituam as normais internacionais na matéria 14. De toda sorte, restou acordado entre o Estado e a Comunidade que a sua transferência somente se daria quando da Fase 3 do projeto. Até lá, o Estado garantiu à Comunidade Chupanky a inalterabilidade do território. c) Urgência da medida requerida: Tendo em vista que a urgência da medida acautelatória advém da ameaça iminente de um dano irreparável, ao ser demonstrada a inexistência de danos irreparáveis na situação que se apresenta, não há que se falar em urgência devida que justifique esse tipo de medida. Por todo o exposto, o Estado de La Atlantis requer a esta Egrégia Corte que não dê provimento à solicitação de outorga de medidas cautelares formulada pela Comissão, haja vista não se adequar o presente caso ao propósito real de tais providências 15. 2.2. ANÁLISE DAS QUESTÕES DE MÉRITO Em havendo esta Insigne Corte examinado as exceções preliminares apresentadas e deliberado pela admissibilidade do caso sub judice, o Estado de La Atlantis provará que esta petição é inadmissível e lançará por terra quaisquer refutações ao fiel cumprimento conferido por La Atlantis ao direitos abrigados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e nos instrumentos internacionais na matéria. Para tanto, exporá seus argumentos relacionados às supostas violações aos artigos 1.1, 4.1, 5.1, 6.2, 21 e 25 da CADH, em 13 Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, art. 28.2. Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, de 7 de junho de 1989, art. 15.2; Projeto de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 26 de fevereiro de 1997, art. 18, § 5. 15 Corte IDH. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Sentença de 31 de agosto de 2001. Série C No. 66, par. 9. 14 10 Equipe 202 prejuízo da Comunidade Chupanky, e aos artigos 5.1, 21 e 25, também da CADH, em detrimento da Comunidade de La Loma, violações estas alegadas no Relatório 969/2011, emitido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em conformidade com a intelecção da Corte IDH de que “los tratados de derechos humanos son instrumentos vivos, cuya interpretación tiene que acompañar la evolución de los tiempos y las condiciones de vida actuales”16, o Estado de La Atlantis valerse-á, em sua argumentação, da sólida jurisprudência desta Colenda Corte, bem como dos notáveis precedentes da Corte Europeia de Direitos Humanos e da Corte Internacional de Justiça, comumente evocados quando da prolação de um decisum por este Tribunal. 2.2.1. O Estado de La Atlantis não violou o direito à vida (art. 4.1) e o direito à integridade pessoal (art.. 5.1), em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no tocante às Comunidades Chupanky e La Loma O artigo 4.1 da Convenção, em conexão com o disposto no artigo 1.1, estabelece que toda pessoa goza do direito de ter sua vida respeitada, não podendo dela ser privada arbitrariamente, e que é dever do Estado protegê-la por lei 17. Assim, em virtude deste papel essencial que lhes atribui a Convenção, os Estados tem a obrigação de garantir a criação das condições que se requerem para evitar que ocorram violações a esse direito inalienável18, porquanto o direito à vida é um direito humano fundamental, cujo gozo pleno é um prérequisito para o desfrute de todos os demais direitos humanos 19. 16 CORTE IDH. OC-16/99 de 01 de outubro de 1999, par. 114. Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Caso Villagrán Morales y otros Vs. Guatemala). Sentença de 19 de novembro de 1999. Série C No. 63, par. 144. 18 Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006. Série C No. 140, par.120. 19 Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006. Série C No. 140, par.120; Corte IDH.Caso 19 Comerciantes Vs. Colombia. Sentença de 5 de julho de 2004. Série C No. 109, par.153; Corte IDH. Caso Myrna Mack Chang Vs. Guatemala. Sentença de 25 de novembro de 2003, Série C No. 101, par. 152; Corte IDH. Caso Juan Humberto Sánchez Vs. Honduras. Sentença de 7 de junho de 2003. 17 11 Equipe 202 O Estado de La Atlantis reconhece que o direito à vida é um direito humano fundamental, tanto assim que o garantiu em sua própria Constituição, sendo concebido como um direito inerente à pessoa humana em sua dimensão individual, social e transcendental, impassível, portanto, de mera concepção do Estado ou de qualquer outro organismo. O direito à vida não implica, no entanto, apenas a obrigação negativa de não privar a ninguém de sua própria vida arbitrariamente, senão, também, a obrigação positiva de tomar as medidas necessárias para assegurar que não seja violado aquele direito básico. E, hodiernamente, tal hermenêutica do direito à vida encontra respaldo tanto na jurisprudência internacional como na doutrina 20. Nessa esteira, o direito à vida não pode ser interpretado restritivamente, referindo-se apenas à privação arbitrária da vida física. A privação arbitrária da vida se estende igualmente à privação do direito de viver com dignidade, e esta visão conceitualiza o direito à vida como pertencente, ao mesmo tempo, ao domínio dos direitos civis e políticos e ao domínio dos direitos econômicos, sociais e culturais, refletindo, dessarte, a inter-relação e indivisibilidade de todos os direitos humanos 21. A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem estabelecido que a responsabilidade internacional dos Estados, no marco da Convenção Americana, surge no momento da violação das obrigações gerais reconhecidas nos artigos 1.1 e 2 do referido tratado 22. Destas obrigações gerais derivam deveres especiais, determináveis em função das Série C No. 99, par. 110; Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Caso Villagrán Morales y otros Vs. Guatemala). Sentença de 19 de novembro de 1999. Série C No. 63, par. 144. 20 Cf., a respeito, v.g., B. G. Ramcharan (ed.), The Right to Life in International Law, Dordrecht, Nijhoff, 1985, pp. 1-314; J. G. C. van Aggelen, Le rôle des organisations internationales dans la protection du droit à la vie, Bruxelles, E. Story-Scientia, 1986, pp. 1-104; A. A. Cançado Trindade, “Human Rights and the Environment”, Human Rights: New Dimensions and Challenges (ed. J. Symonides), Paris/Aldershot, UNESCO/Dartmouth, 1998, pp. 117-153; e cf. os comentários gerais ns. 6/1982 e 14/1984 do Comitê de Direitos Humanos, Pacto de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, reproduzidos in: United Nations, Compilation of General Comments and General Recommendations Adopted by Human Rights Treaty Bodies, U.N. doc. HRI/GEN/1/Rev. 3, de 15.08.1997, pp. 6-7 e 18-19. 21 Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Caso Villagrán Morales y otros Vs. Guatemala). Voto concorrente conjunto dos Juízes A. A. Cançado Trindade e A. Abreu Burelli, par. 4. 22 Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006. Série C No. 140, par. 111; Corte IDH. Caso de la Masacre de Mapiripán Vs. Colombia. Sentença de 7 de março de 2005. Série C No. 122, par. 111; Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados, Opinião Consultiva OC-18/03 de 17 de setembro de 2003. Série A No. 18, par. 140. 12 Equipe 202 particulares necessidades de proteção do sujeito de direito, seja por sua condição pessoal, seja pela situação em que se encontra, como extrema pobreza ou marginalização. É claro, para a Corte, que um Estado não pode ser responsável por qualquer situação de risco ao direito à vida. Tendo em conta as dificuldades que implicam a planificação e adoção de políticas públicas e as escolhas de caráter operacional que devem ser feitas em função de prioridades e recursos, as obrigações positivas do Estado devem ser interpretadas de forma que não se imponha às autoridades uma carga impossível ou desproporcional, como assentou a Corte Europeia de Direitos Humanos no julgamento do caso Kiliç Vs. Turkey23. Para que surja esta obrigação positiva, deve estabelecer-se que, no momento dos fatos, as autoridades sabiam ou deveriam saber da existência de uma situação de risco real e imediato para a vida de um indivíduo ou grupo de indivíduos, e não tomaram as medidas necessárias dentro do âmbito de suas atribuições que, julgadas razoavelmente, podiam ser esperadas para prevenir e evitar esse risco24. No presente caso, a respeito das condições em que vivem os membros das Comunidades Chupanky e La Loma, não existe controvérsia entre o Estado de La Atlantis e a Comissão sobre o fato de elas serem ou não inadequadas para uma existência digna, nem a respeito da realidade e iminência do perigo que tais condições representam para sua vida. A controvérsia radica em determinar se o Estado é responsável por estas supostas vítimas estarem nessas condições e se tem adotado, dentro do âmbito de suas atribuições, as medidas necessárias esperadas para prevenir ou evitar o risco ao direito à vida das presumidas vítimas. Pois bem. A esse tocante, não há dúvidas de que o Estado de La Atlantis agiu e tem agido em plena conformidade com os seus deveres legais e acorde com os princípios 23 Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006. Série C No. 140, par. 124; Corte Europeia de Direitos Humanos. Caso Kiliç Vs. Turkey (2000) III, 63. 24 Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006. Série C No. 140, par. 123 e 124. 13 Equipe 202 internacionais que orientam uma escorreita atuação estatal no sentido de assegurar existência digna a todos os seus cidadãos, indígenas ou não. Foi com o fim de promover o desenvolvimento econômico do país – garantindo, assim, o direito ao desenvolvimento progressivo, previsto no artigo 26 da Convenção – que o Estado realizou o projeto de construção da usina, que, como principal fonte de energia, porá fim à escassez crônica de energia e à dependência de seu fornecimento externo, beneficiando o lado leste da ilha – onde se encontram as comunidades peticionárias – e, consequentemente, reduzindo os índices de pobreza e marginalização entre os vários grupos étnicos e camponeses, promovendo a plena realização dos direitos sociais, econômicos e culturais desses povos, e respeitando sua identidade social e cultural, seus costumes e tradições e suas instituições. O Estado manifestou estrito respeito ao artigo 4.1 da Convenção, uma vez que adotou todas as medidas legais previstas no sistema jurídico nacional e nos instrumentos internacionais para levar adiante o projeto de construção da Usina Hidroelétrica do Cisne Negro. A licitação foi realizada por órgão competente (Comissão de Energia e Desenvolvimento) e em conformidade com a legislação interna do país, em nada estando viciada. Ainda, em atendimento à obrigação contida no artigo 1º da CADH, a fim de assegurar o respeito aos direitos e liberdades individuais sem incorrer em atos discriminatórios em relação à Comunidade Chupanky, o Estado procedeu à devida consulta à Comunidade, segundo os usos, costumes e tradições desse povo indígena. Os processos de consulta foram realizados entre um Comitê representante do poder estatal e da empresa concessionária e as autoridades da Comunidade (que é patriarcal e, portanto, representada somente pelos chefes de família). 14 Equipe 202 Em favor dos argumentos apresentados, cita-se precedente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que, na Medida Cautelar N. 382/2010, outorgada em favor das comunidades indígenas da bacia do Rio Xingu, no Pára, Brasil, em similar procedimento de licenciamento do projeto da Usina Hidroelétrica de Belo Monte, solicitou ao Governo Brasileiro a “realização de processos de consulta, em cumprimento das obrigações internacionais do Brasil, no sentido de que a consulta seja prévia, livre, informativa, de boa fé, culturalmente adequada, e com o objetivo de chegar a um acordo, em relação a cada uma das comunidades indígenas afetadas”25. No mesmo sentido, o caso Yatama Vs. Nicaragua26, citado pelo Tribunal Contencioso Administrativo de La Atlantis. Percebe-se, destarte, dentre as muitas iniciativas voltadas para a proteção e promoção dos direitos das comunidades indígenas, a importância que o Estado de La Atlantis confere ao princípio de consulta às comunidades indígenas sobre medidas que lhes digam respeito. É inegável, portanto, que o procedimento de consulta respeitou os costumes e tradições da Comunidade Chupanky, tendo sido utilizados intérpretes da língua Rapstani, que se encarregaram da tradução da língua espanhola para a respectiva língua materna, e tendo sido prestadas informações a respeito do projeto, incluindo seus riscos e impactos. A consulta mostrou-se, por conseguinte, “prévia, livre, informativa, de boa-fé e culturalmente adequada”, tendo cumprido com as condições estabelecidas na Constituição do Estado e nos tratados internacionais 27. Não bastasse a obediência do Estado ao disposto na Convenção, La Atlantis também revelou-se cumpridor de suas obrigações assumidas em função da ratificação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. As consultas foram realizadas em conformidade com o art. 6º da Convenção 169, que estabelece o direito dos povos indígenas 25 Comissão IDH. MC 382/10 - Comunidades Indígenas da Bacia do Rio Xingu, Pará, Brasil. Outorgada em 1 de abril de 2011. 26 Corte IDH. Caso Yatama Vs. Nicaragua. Sentença de 23 de junho de 2005. Série C No. 127. 27 Corte IDH. Caso Saramaka Vs. Suriname. Sentença de 28 de novembro de 2007. Série C No. 172. 15 Equipe 202 de serem consultados sobre temas que se refiram a seus direitos e interesses e quando houver o planejamento ou a implantação de programas e projetos que afetem suas vidas – o que se dá no caso sub examen. Em relação às alegações de supostas práticas discriminatórias contra as mulheres da Comunidade Chupanky, o Estado de La Atlantis é deveras isento de responsabilidade, uma vez que a exclusão das mulheres nos processos de consulta à Comunidade é decorrência direta das tradições do povo Rapstan. Assim, não há falar em violação, por parte do Estado, ao artigo 1.1 da Convenção por discriminação por motivo de sexo, bem como não se pode sustentar o desrespeito às obrigações decorrentes da Convenção de Belém do Pará, no que tange aos deveres dos Estados (arts. 7, 8 e 9) para com os direitos das mulheres. Ainda que a Corte IDH tenha estabelecido o dever dos Estados de “garantir a todas as pessoas sob suas respectivas jurisdições o livre e pleno exercício dos direitos convencionalmente protegidos (aí incluídos os listados no rol do art. 1.1 da Convenção), obrigação esta exigível não só em relação ao poder estatal, senão, também, em relação à atuação de terceiros particulares”28, ela esclarece, outrossim, que “um Estado não pode ser responsável por qualquer violação de direitos humanos cometida entre particulares dentro de sua jurisdição. Com efeito, o caráter erga omnes das obrigações convencionais de garantia a cargo dos Estados não implica uma responsabilidade ilimitada dos mesmos frente a qualquer ato de particulares [...]”29. É dizer, ainda que um ato, omissão ou fato de um particular tenha como consequência jurídica a violação de determinados direitos humanos de outro particular, aquele não é automaticamente atribuível ao Estado, pois deve atender-se às circunstâncias particulares do caso e à concreção de ditas obrigações de garantia. Neste sentido, a 28 Corte IDH. Condición Jurídica y Derechos Humanos del Niño. Opinião Consultiva OC-17/02, de 28 de agosto de 2002. Série A No. 17, par. 65 e 87; Corte IDH. Caso de la “Panel Banca” (Paniagua Morales y otros Vs. Guatemala). Sentença de 8 de março de 1998. Série C No. 37, par. 174. 29 Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006. Série C No. 140, par. 123; Corte IDH. Caso Valle Jaramillo y otros Vs. Colombia. Sentença de 27 de novembro de 2008. Série C No. 192, par. 78. 16 Equipe 202 imputabilidade objetiva contra o Estado, de acordo com a Corte, surge quando este não adota as medidas pertinentes (sejam de caráter legislativo, sejam judicial) para salvaguardar os direitos e garantias que a Convenção estabelece conforme os artigos 1.1 e 2. Por conseguinte, o Estado não pode ser responsabilizado por atos discriminatórios que são, em verdade, nada mais que a exteriorização, a afirmação da identidade cultural – identidade esta legalmente reconhecida pelo Estado – da Comunidade indígena Chupanky, conforme entendimento esposado por esta Corte no caso Aloeboetoe y otros Vs. Suriname30. O Estado de La Atlantis demonstra, assim, pleno respeito ao estabelecido no art. 1.1 da Convenção no que tange à não execução de práticas discriminatórias em razão de sexo, bem como ao disposto no art. 4.1 do mesmo instrumento, uma vez que a ampla interpretação emprestada por esta Corte ao direito à vida abarca o reconhecimento das aspirações dos povos indígenas de assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e de seu desenvolvimento econômico e de manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões no âmbito dos Estados nos quais vivem. Assim é que, nos termos da Convenção 169 da OIT, a autoidentidade indígena ou tribal é um critério subjetivo fundamental para a definição dos povos sujeitos da Convenção, de modo que nenhum Estado ou grupo social tem o direito de negar a identidade a um povo indígena ou tribal que como tal ele próprio se reconheça. Ademais, La Atlantis reconheceu, por meio de sua Constituição de 1994, o direito dos povos indígenas à livre determinação e desenvolvimento, o que mais tarde foi confirmado com a aceitação do Projeto de Declaração Americana dos Direitos Indígenas, cujo capítulo quarto assegura-lhes o direito de autogoverno e a incorporação nacional dos sistemas legais e de organização indígena, e com a ratificação da Declaração das Nações Unidas sobre Direitos Indígenas, que reconhece, em seu artigo 3º, o direito dos povos indígenas à autodeterminação. 30 Corte IDH. Caso Aloeboetoe y otros Vs. Suriname. Sentença de 4 de dezembro de 1991. Série C No. 11. 17 Equipe 202 Sobre as alegações de que o Estado incorrera na violação aos dispositivos sub examen por haver movido os membros da Comunidade La Loma de suas terras de origem, certo é que tais suposições carecem de sentido e mostram-se tendenciosas. O Estado de La Atlantis agiu em cumprimento do estrito dever legal, segundo o Capítulo IV de seu Código Civil, havendo, a priori, legitimamente declarado a zona do projeto como sendo de utilidade pública, depositado metade do valor cadastral dos imóveis e, em seguida, iniciado o procedimento de negociação com os integrantes da Comunidade La Loma. Nas negociações, o Estado ofereceu terras alternativas com qualidade agrícola superior à das terras que habitavam, consoante o relatório da CED, terras estas que foram aceitas por um quarto dos proprietários da comunidade. Ora, não se pode alegar que o direito à vida, o direito à consecução do projeto de vida dos membros da Comunidade La Loma foi subtraído, uma vez que o Estado proveu todos os devidos substitutos e todos os meios necessários para que tal Comunidade tivesse acesso ao desenvolvimento resultante da realização de tão importante projeto para o país. Não há falar, também, em vício por ausência de consulta à Comunidade La Loma acerca da realização do projeto. Diferentemente do que ocorre com as comunidades indígenas, cuja autoidentificação é critério subjetivo e fundamental para o gozo dos direitos que lhes são assegurados, as comunidades camponesas não são dotadas da prerrogativa de serem consultadas previamente em situações como essa. Em conformidade com a legislação interna e com o estabelecido no artigo 1.2 da Convenção 169 da OIT, somente os povos que se autoidentifiquem como indígenas ou tribais são sujeitos dos direitos previstos neste instrumento. E a Comunidade La Loma não se enquadra nessa hipótese, uma vez que, conforme o artigo 9º da Constituição de La Atlantis, não compartilham critérios étnicolinguísticos e de consciência de sua comunidade indígena e não preservam as formas hierárquicas de organização tradicional. Prova dessa ausência de reconhecimento próprio 18 Equipe 202 como comunidade, ausência de unicidade enquanto povo é o fato de 25 % dos proprietários das terras de La Loma terem aceitado as terras alternativas oferecidas pelo Estado. Inobstante a oferta de terras alternativas de qualidade superior às de origem, ao fim do processo de expropriação das terras levado a cabo perante o juízo cível em rigorosa adequação ao procedimento previsto no Código Civil, o valor total da justa indenização fixado pelo Juiz da Vara Cível foi superior ao valor de mercado apresentado no relatório do perito especialista designado pelo juízo31. Do exposto depreende-se que a presente demanda não pode ser julgada procedente no sentido de responsabilizar o Estado pelo fato de as supostas vítimas estarem nas condições alegadas, pois La Atlantis adotou, dentro de suas atribuições, todas as medidas necessárias e legais para prevenir e evitar o risco ao direito à vida dos membros da Comunidade La Loma. 32 Em se tratando ainda das obrigações contidas no artigo 1.1 da Convenção, e das obrigações dele derivadas, o artigo 5.1 da mesma estabelece, por seu turno, o direito de toda pessoa a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. Nesse sentido, o Estado entende o direito à integridade pessoal como um conjunto de condições físicas, psíquica e morais que permitem ao ser humano sua existência, sem sofrer depreciação em qualquer dessas três dimensões 33. A esse respeito, não se pode alegar, no tocante à Comunidade de La Loma, que seus membros foram violados em seu direito à integridade pessoal como resultado de um ato estatal. Ao reassentá-los em acampamentos provisórios, o Estado colocou à sua disposição as condições mínimas de existência, e, assim como estão disponíveis a todos os cidadãos de La 31 Perguntas de Esclarecimento 84 e 86. Corte Europeia de Direitos Humanos. Caso Kiliç Vs. Turkey. Julgamento de 28 de março de 2000, Solicitação No. 22492/93, pars. 62 e 63; Corte Europeia de Direitos Humanos. Caso Osman Vs. the United Kingdom. Julgamento de 28 de outubro de 1998, Informações sobre julgamentos e Decisões -VIII , pars. 115 e 116. 33 Corte IDH. Caso Loayza Tamayo Vs. Perú. Sentença de 17 de setembro de 1997, Série C, No. 33, par. 57. 32 19 Equipe 202 Atlantis, os serviços públicos também poderiam ter sido acessados pelos membros dessa comunidade, sendo sua responsabilidade chegar até os centros assistenciais. Ademais, a integridade pessoal não está condicionada à permanência de uma comunidade à sua terra de origem. Não há relação entre a terra e a sobrevivência física como causa da suposta falta de preservação do direito à vida e, consequentemente, do direito à integridade física, psíquica e moral, como tem assinalado a Comissão Interamericana. 34 Desse modo, o Estado não pode ser responsabilizado pelas condições em que se encontram os membros da Comunidade La Loma. 35 Destarte, em relação ao direito à vida e ao direito à integridade pessoal, previstos nos artigos 4.1 e 5.1 da Convenção, respectivamente, em conexão com o art. 1.1 da mesma, em sendo o entendimento emprestado a estes direitos pela Corte e pela jurisprudência internacional revelador de um novo paradigma conceitual de “vida”, em que esta é entendida para além de sua denotação física 36, o Estado de La Atlantis, tencionando a ampliação do acesso a uma existência digna a todos os seus cidadãos, por meio da impulsão ao desenvolvimento econômico do país, não pode ser considerado responsável pelas supostas violações aos dispositivos em questão. Ressalte-se, por fim, que nunca, como nesta etapa da história de La Atlantis, se reconheceram e protegeram tantos e tão variados aspectos da vida da população em geral e, sobretudo, das comunidades indígenas em particular. A elevação de seus direitos e garantias a um patamar constitucional, na Constituição Nacional vigente – como nenhuma outra anterior –, é a mais clara expressão do compromisso do Estado com a reivindicação dos direitos dos 34 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Sentença de 29 de março de 2006. Série C No. 146, par. 147. 35 Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Sentença de 29 de março de 2006. Série C No. 146, par. 149. 36 Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Caso Villagrán Morales y otros Vs. Guatemala). Sentença de 19 de novembro de 1999. Série C No. 32, par. 139 e 144; Corte IDH. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguay. Sentença de 29 de março de 2006. Série C No. 146. Voto Fundamentado do Juiz A. A. Cançado Trindade, par. 1 e 2. 20 Equipe 202 povos indígenas de La Atlantis, que também pode ser aferida na participação do Estado no Projeto de Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovado pela Comissão em 1997, e na ratificação da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. 2.2.2. O Estado de La Atlantis não violou a proibição da escravidão e da servidão (art. 6.2), em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no tocante à Comunidade Chupanky O artigo 6.2 da CADH estabelece que ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Como se expôs anteriormente, o Sistema Interamericano de proteção dos Direitos Humanos tem afirmado que a responsabilidade dos Estados de atuar com a devida diligência frente aos atos violentos se estende às ações de agentes estatais, terceiros e particulares. Assim é que a Corte Interamericana tem enfatizado que dita responsabilidade internacional pode ser gerada também por atos de particulares em princípio não atribuíveis ao Estado. Os Estados partes na Convenção tem obrigações erga omnes de respeitar e fazer respeitar as normas de proteção e de assegurar a efetividade dos direitos ali consagrados em toda circunstância e a respeito de toda pessoa. Tais obrigações do Estado projetam seus efeitos para além da relação entre seus agentes e as pessoas submetidas a sua jurisdição, pois se manifestam também na obrigação positiva do Estado de adotar as medidas necessárias para assegurar a efetiva proteção dos direitos humanos nas relações interpessoais. A atribuição de responsabilidade ao Estado por atos de particulares pode se dar em casos em que o Estado descumpre, por ação ou omissão de seus agentes quando se encontram em posição de garantidores, essas obrigações erga omnes contidas nos artigos 1.1 da Convenção. 37 37 Corte IDH. Caso de la Masacre de Mapiripán Vs. Colombia. Sentença de 15 de setembro de 2005. Série C No. 134, par. 111; CIDH. Acceso a la justicia para las mujeres víctimas de violencia en las Américas. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 68. 20 de janeiro de 2007. Par. 29. 21 Equipe 202 O Estado de La Atlantis reconhece, desse modo, que pode ser responsabilizado pela ação ou omissão de seus agentes e autoridades públicas 38 e de particulares 39, desde que não adote medidas necessárias para assegurar a efetiva proteção dos direitos 40 e tolere a situação de violação de direitos humanos 41. No caso tela, não foi o que ocorreu, entretanto. As alegações de que os membros da Comunidade Chupanky teriam sido constrangidos a executar trabalho forçado ou obrigatório vão de encontro à realidade fática do caso. Ademais, ainda que tal violação houvesse ocorrido – e não ocorreu, saliente-se –, o Estado não poderia ser responsabilizado, porque (1) existe todo um conjunto de princípios constitucionais e leis trabalhistas que vedam o trabalho análogo à escravidão ou servidão, além do respectivo sistema processual para investigar e punir as violações que eventualmente ocorram; (2) porque as supostas violações são decorrentes de atos de particular (a empresa TW é uma pessoa jurídica de direito privado, inobstante seja uma empresa de economia mista) e do próprio exercício da autonomia da vontade dos trabalhadores, que em momento algum foram constrangidos a aceitarem os empregos ofertados, e (3) porque, havendo um sistema processual competente para processar as reclamações trabalhistas, as supostas vítimas não buscaram a proteção judicial adequada que estava ao seu dispor. 42 Ora, quando do início dos trabalhos da empresa TW em junho de 2008, a empresa ofereceu empregos e contratou os membros da Comunidade Chupanky por meio de contratos individuais de trabalho. Sustentar que tais membros foram compelidos a executar trabalhos 38 BROWNLIE, Ian. Priciples of Public Internacional Law. Sexta Edición, Oxford University Press, 2003, p. 431-433; Draft Articles on State Responsibility with commentaries.Report of International Law Commission fiftythird session.Yearbook of the International Law Commision. 39 Corte IDH. Caso Goiburú e outros Vs. Paraguay. Sentença sobre Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 22 de setembro de 2006. Série C No. 153, Voto Fundamentado do Juiz García Ramírez, par. 22; Corte IDH. Caso Gómez Palomino Vs. Perú. Sentença de 22 de novembro de 2005. Série C No. 136. Voto Concorrente da Juíza Medina Quiroga, par. A3. 40 Corte IDH. Caso de la Masacre de Mapiripán Vs. Colombia. Exceções preliminares. Sentença de 7 de março De 2005. Série C No. 122, par. 111. 41 Corte IDH. Caso 19 Comerciantes Vs. Colombia. Sentença de 5 de julho de 2004. Série C No. 109, par. 141; Corte IDH. Caso Maritza Urrutia Vs. Guatemala. Sentença de 27 de novembro de 2003. Série C No 103, par. 41; Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Caso Villagrán Morales y otros Vs. Guatemala). Sentença de 19 de novembro de 1999. Série C No. 63, par. 75. 42 Pergunta de Esclarecimento 68. 22 Equipe 202 forçados não condiz com a realidade dos fatos. Os trabalhadores foram contratados para uma atividade cuja remuneração e jornada de trabalho foram previamente definidas, de modo que, no livre exercício de sua autonomia da vontade, os membros da Comunidade aceitaram celebrar tais contratos com a empresa TW. Desse modo, o Estado de La Atlantis não incorreu na violação ao artigo 6.2 da Convenção. Pelo contrário. Ao desenvolver o projeto de construção da usina, La Atlantis proporcionou à região leste do país oportunidades de emprego, cumprindo, assim, os deveres decorrentes dos artigos 1 e 6.1 do Protocolo de San Salvador, dos artigos 2.2.b, 2.2.c, 20.1 e 20.3.a da Convenção 169 da OIT, que dispõem, em geral, sobre as medidas necessárias à promoção do desenvolvimento econômico das comunidades indígenas e sobre a contratação e condições de emprego. Ainda nessa esteira, La Atlantis dispõe dos meios legais para a proteção do trabalho, e o fato de as supostas vítimas não haverem apresentado denúncia formal ou reclamação trabalhista perante as autoridades judiciárias competentes na matéria é a evidência de que o Estado não pode ser culpabilizado pelas supostas violações, posto que não possuía conhecimento dos fatos alegados. Sendo assim, o requisito sine qua non para que o Estado investigue um caso concreto é o ter conhecimento prévio do que na doutrina jurídica a Corte tem chamado de “conhecimento de um risco real e imediato” 43 de uma suposta violação aos direitos humanos, de tal modo que se o Estado não conhece dos fatos previamente, não pode proceder à reparação da violação e, por conseguinte, não pode surgir responsabilidade internacional. Como provado supra, o Estado não faltou com a devida diligência, havendo estabelecido os meios prévios de proteção ao trabalhador, bem como havendo disponibilizado 43 Corte IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006. Série C No. 140, par. 123; Corte IDH. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Sentença de 29 de julho de 1988. Série C No. 4, par. 177 e 188; 43 Corte IDH. Caso de los “Niños de la Calle” (Caso Villagrán Morales y otros Vs. Guatemala). Sentença de 19 de novembro de 1999. Série C No. 63, par. 226. 23 Equipe 202 todo o aparato estatal para investigar e reparar quaisquer violações, aparato este que não fora acionado, até o presente momento, pelas supostas vítimas. 44 2.2.3. O Estado de La Atlantis não violou o direito à propriedade privada (art. 21), em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no tocante às Comunidades Chupanky e La Loma Dispõe o artigo 21 da Convenção que toda pessoa tem direito ao uso e gozo de seus bens, não podendo deles ser privada, salvo mediante o pagamento de indenização justa, por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei. O dispositivo estabelece, ainda, que a lei pode subordinar o uso e gozo desses bens ao interesse social. No presente caso, o direito à propriedade privada não foi violado pelo Estado porque (1) foram concedidas oportunidades às Comunidades para se manifestarem sobre o sobre o reassentamento de seu povo, por meio das negociações feitas acerca das terras alternativas, havendo a celebração de acordos no sentido de aprovar o prosseguimento das obras da usina sobre o território que esse povo originalmente ocupa – revelando, assim, o exercício do direito de dispor de sua propriedade, de acordo com o artigo 21.1 da Convenção; (2) em atendimento ao disposto no artigo 21.2, o Estado apresentou justa indenização pelas terras declaradas de utilidade pública, oferecendo, como compensação, terras de excelente qualidade agrícola; (3) as Comunidades não foram privadas de seu território ancestral, haja vista o fato de as terras alternativas oferecidas ainda se encontrarem na dimensão original do território Rapstan e o fato de o Estado possibilitar a ligação direta das comunidades com o rio, por meio de uma estrada. Ambas as Comunidades estão assentadas sobre um território ancestral que cobre aproximadamente 10.000 hectares, isto é, 100.000 Km2, em redor do Rio Motompalmo. A 44 Pergunta de Esclarecimento 68. 24 Equipe 202 zona de realização do projeto, por sua vez, cobrirá uma área de aproximadamente 10 Km2 , é dizer, 0,01% do território Rapstan. Ora, esta Corte não pode negar que a área utilizada para a construção da usina é proporcionalmente insignificante em relação à imensidão do território Rapstan. Não há, pois, violação ao direito à propriedade neste caso. Se alguma violação há, esta se dá em relação ao direito de todos os cidadãos do Estado de La Atlantis de gozarem do desenvolvimento econômico que será possibilitado pela construção da Usina Hidroelétrica do Cisne Negro. Violação há em impedir que 9 milhões de habitantes tenham acesso à plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas constantes dos instrumentos internacionais ratificados por La Atlantis, como a Carta da Organização dos Estados Americanos, como o Protocolo de San Salvador, e como outros mais que objetivam a promoção do desenvolvimento econômico como forma de assegurar o pleno gozo dos direitos civis, políticos, sociais e culturais. Afigura-se, sim, de todo desarrazoado que o Estado seja acusado de violação a um direito que, em todo tempo, foi preservado e que, conforme a própria dicção legal, está submetido ao interesse social. La Atlantis não quer, com essa explanação, menoscabar os direitos indígenas. Não se pretende negar a ligação cultural que o povo Chupanky ou a Comunidade La Loma tem com a sua terra. Não. O que se tenciona é demonstrar que estas Comunidades não foram privadas ou violadas em seu direito à propriedade privada, direito este reconhecido pela Constituição do Estado. Pretende-se evidenciar, ainda, que todas as medidas compensatórias foram operadas pelo Estado, que as Comunidades não sofreram prejuízos econômicos e que elas poderão, decerto, manter suas tradições ligadas ao seu território e ao Rio Motompalmo, uma vez que La Atlantis garantirá o acesso direto ao rio por meio da construção de uma estrada. 25 Equipe 202 Não há dúvidas, pois, de que o direito das Comunidades Chupanky e La Loma à propriedade privada foi exercido dentro dos limites legais, tendo sido o processo de negociação de todo compatível com a autonomia da vontade desses povos. Assim, o uso e o gozo de sua propriedade foram subordinados ao interesse social do Estado em promover o desenvolvimento econômico do país, em perfeita conformidade com o disposto no artigo 21 da Convenção e com o estabelecido em outros instrumentos internacionais que cuidam dos direitos sociais, econômicos e de propriedade dos povos indígenas. 45 Ademais, respaldo à argumentação revelada é o reconhecimento desta Corte, no Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua, que o uso e gozo dos bens privados podem ser submetidos, por determinação legal, ao interesse social, de forma que se pode privar uma pessoa de seus bens por razões de utilidade pública, e que dita privação deve ser feita mediante o pagamento de uma justa indenização 46. Foi o que ocorreu no caso sub judice. 2.2.4. O Estado de La Atlantis não violou o direito à proteção judicial (art. 25), em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no tocante às Comunidades Chupanky e La Loma O Estado de La Atlantis entende que dentro da constante jurisprudência desta insigne Corte se tem estabelecido uma estreita vinculação entre os artigos 25 e 8 da Convenção, a qual se fundamenta em sua aplicação a toda situação em que se deva determinar o conteúdo e o alcance dos direitos de uma pessoa submetida à jurisdição de um Estado 47. Nesse sentido, o disposto nos artigos 25 e 8 da Convenção se encontram ineludivelmente vinculados, não só no plano conceitual, mas também – e sobretudo – no 45 Projeto de Declaração Americana sobre Direitos Humanos, art. XVIII.6; Declaração das Nações Unidas sobre Direitos Indígenas, art. 10. 46 Corte IDH. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Sentença de 31 de agosto de 2001. Série C No. 66, par. 143. 47 Corte IDH. Caso López Álvarez Vs. Honduras. Sentença de 1 de fevereiro de 2006. Série C No. 141. Voto Fundamentado do Juiz A.A. Cançado Trindade. 26 Equipe 202 hermenêutico, e, por isso, a análise a seguir terá em conta o direito garantido no artigo 8 da Convenção, nada obstante não tenha a Comissão encontrado violação ao mesmo em relatório. A Corte Interamericana tem assinalado que o artigo 25 da Convenção estabelece, em termos amplos, a obrigação a cargo dos Estados de oferecer, a todas as pessoas submetidas à sua jurisdição, um recurso judicial efetivo contra atos violadores de seus direitos fundamentais. Dispõe, ademais, que a garantia ali consagrada se aplica não só em relação aos direitos contidos na Convenção, senão, também, a respeito daqueles que estão reconhecidos na Constituição ou pela lei 48. Da mesma forma, a Corte tem reiterado que o direito de toda pessoa a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo ante os juízes ou tribunais competentes que a ampare contra atos que violem seus direitos fundamentais “constitui um dos pilares básicos, não só da Convenção Americana, senão do próprio Estado de Direito em uma sociedade democrática no sentido da Convenção” 49. Ademais, a Corte tem assinalado que a inexistência de um recurso efetivo contra as violações aos direitos reconhecidos pela Convenção constitui uma transgressão da mesma pelo Estado-Parte em qual semelhante situação tenha lugar. Nesse sentido, deve subentenderse que, para que tal recurso exista, não basta que esteja previsto na Constituição ou na lei, ou que seja formalmente admissível, mas, sim, que seja realmente idôneo para estabelecer se se há incorrido em uma violação aos direitos humanos e que proveja o necessário para remediála 50. Este Colendo Tribunal tem afirmado, da mesma forma, que, para que o Estado cumpra com o disposto no citado artigo, não basta que os recursos existam formalmente, 48 Corte IDH. Caso del Tribunal Constitucional Vs. Perú. Sentença de 24 de novembro de 1999, par. 89; Corte IDH. Garantías Judiciales en Estados de Emergencia (arts. 27.2, 25 y 8 Convención Americana sobre Derechos Humanos). Opinión Consultiva OC-9/87 de 6 de outubro de 1987. Série A No.9, par. 23. 49 Corte IDH. Caso Ivcher Bronstein Vs. Perú. Sentença de 24 de setembro de 1999, par.135; Corte IDH. Caso del Tribunal Constitucional Vs. Perú. Sentença de 24 de novembro de 1999, par. 90; Corte IDH. Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. Sentença de 25 de novembro de 2000. Série C No. 70, par. 191. 50 Corte IDH. Caso Ivcher Bronstein Vs. Perú. Sentença de 24 de setembro de 1999, par.136; Corte IDH. Caso Cantoral Benavides Vs. Perú. Sentença de 18 de agosto de 2000. Série C No. 69, par. 164; Corte IDH. Caso Durand y Ugarte Vs. Perú. Sentença de 28 de maio de 1999. Série C No. 50, par. 102. 27 Equipe 202 senão que os mesmos devem ter efetividade 51.No presente caso, os direitos previstos nos artigos 25 e 8 devem ser considerados sob três espectros: o espectro do processo perante o juízo cível, que foi devidamente levado a cabo segundo o previsto no Código Civil do Estado; o espectro do procedimento perante a autoridade administrativa, que também se deu acorde com a lei; e o espectro do processo perante a vara trabalhista, que não foi iniciado por negligência das supostas vítimas. No que tange ao processo cível de expropriação das terras, os membros da Comunidade La Loma tiveram garantido o seu direito de não serem privados de sua propriedade sem o pagamento de indenização por parte do Estado, que se deu ao cabo do processo com a prolação da sentença pelo Juiz da Vara Cível, em que foi fixado o valor da justa indenização. A eventual demora no transcurso do processo não pode ser atribuída ao Estado de La Atlantis, mas tão-somente à própria Comunidade, tenho em conta a rejeição da oferta feita pelo governo de receber terras alternativas, assim como das posteriores negociações a fim de chegar a uma solução amigável perante a Comissão Interamericana, havendo sobremaneira dilatado o procedimento interno52. Assim, não há falar em violação à proteção judicial nesse tocante, uma vez que existe o recurso judicial e ele efetivamente garantiu a proteção do direito à propriedade. Acerca do procedimento promovido pelos representantes das supostas vítimas perante a autoridade administrativa, certo é que todas as etapas e recursos previstos foram assegurados. O recurso administrativo interposto perante a CED pela ONG Morpho Azul foi analisado, embora tenha sido apresentado em momento posterior à finalização do contrato de concessão, e, pelo fato de a Comunidade Chupanky haver dado a sua aprovação ao projeto, o recurso foi negado. 51 Corte IDH. Caso del Tribunal Constitucional Vs. Perú. Sentença de 24 de novembro de 1999, par. 90; Corte IDH. Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. Sentença de 25 de novembro de 2000. Série C No. 70, par. 191; Corte IDH. Caso Cesti Hurtado Vs. Perú. Sentença de 29 de setembro de 1999. Série C No. 56, par. 125. 52 Pergunta de Esclarecimento 86. 28 Equipe 202 Em conformidade com as instâncias existentes em La Atlantis para processos desse tipo, a apelação do recurso foi interposta perante o Tribunal Contencioso Administrativo, que, em decisão suficientemente fundamentada, inclusive citando precedentes da Corte IDH, não deu provimento à apelação. Por fim, a apelação à última instância também foi garantida, por meio do Recurso de Amparo interposto perante o Supremo Tribunal de Justiça, que o rejeitou em razão do devido cumprimento dos requisitos estabelecidos na legislação de La Atlantis e nas normas internacionais. Vê-se, portanto, que os recursos protetores dos direitos consagrados na CADH, na Constituição de La Atlantis e nos instrumentos internacionais existem e foram utilizados pelos peticionários. O Estado assegurou, então, que as autoridades competentes previstas por seu sistema legal decidissem sobre os direitos dos membros da Comunidade representada nos recursos interpostos, não havendo vício algum nos procedimentos judiciais e muito menos a supressão de alguma etapa ou recurso processual. Todo o trâmite procedimental se deu em conformidade com o estabelecido no Código Civil e na Constituição de La Atlantis e num período de tempo razoável para a duração do mesmo. Deve-se notar, no entanto, que a previsão da existência de recursos e a efetivação dos mesmos não significam a concessão de uma decisão judicial ou administrativa outorgante do pedido feito. Assegurar que uma pessoa tenha direito a um recurso simples e rápido não implica em garantir que todo e qualquer pleito apresentado à autoridade estatal será deferido. Por isso, inobstante as supostas vítimas não tenham logrado êxito em seus recursos às autoridades administrativas e judiciais – por haverem entendido tais autoridades que em momento algum houve desrespeito aos direitos evocados –, certo é que o acesso à justiça, o acesso à proteção de seus direitos foi-lhes assegurado, o que afasta qualquer sustentação de violação dos mesmos por ato do Estado. 29 Equipe 202 Em relação ao processo perante a vara trabalhista, as reclamações feitas pela Morpho Azul perante o Tribunal Contencioso Administrativo deveriam ter sido apresentadas diante daquele, pois a autoridade administrativa não é competente para conhecer das referidas reclamações. Desse modo, não se pode alegar que a proteção aos direitos decorrentes das relações de trabalho não foi assegurada, pois o Estado dispõe do devido acesso à justiça trabalhista – que não foi acionada pelas supostas vítimas –, não podendo, pois, ser responsabilizado por não conferir a devida proteção judicial às supostas vítimas. 3. SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA Pelas considerações expostas precedentemente, o Estado solicita, respeitosamente, à Honorável Corte Interamericana de Direitos Humanos que (1) declare que La Atlantis não é responsável internacionalmente pelas supostas violações aos artigos 4.1 (direito à vida), 5.1 (direito à integridade pessoal), 6.2 (proibição da escravidão e da servidão), 21 (direito à propriedade privada) e 25 (proteção judicial) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, com relação às obrigações de respeito e garantia contempladas no artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em prejuízo das Comunidades Chupanky e La Loma; que (2) julgue improcedentes todos os pedidos referentes a reparações, custas e gastos feitos pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e que (3) abstenha-se de outorgar as medidas cautelares requeridas pela Comissão Interamericana. 30
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