nocardiose cutânea em cão - CRMV-RN

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nocardiose cutânea em cão - CRMV-RN
PUBLICAÇÃO DO
Conselho Regional de Medicina Veterinária
do Estado do Rio Grande do Norte
http://www.crmvrn.org.br
Revista Centauro v.2, n.1, p18 - 22, 2011
Versão On-line ISSN 2178-7573
NOCARDIOSE CUTÂNEA EM CÃO
Roberio Gomes Olinda1* , Paulo Fernando Cisneiros da Costa Reis3, Klívio Loreno
Raulino Tomaz3, Francisco Silvestre Brilhante Bezerra 2, Nilza Dutra Alves2, Francisco
Marlon Carneiro Feijó2
Resumo - Relata-se um caso de nocardiose em abscesso subcutâneo em uma cadela sem raça definida
(SRD), com cinco anos de idade, pesando 13 kg, atendida no Hospital Veterinário da UFERSA. O animal
apresentava histórico de acidente com objeto pérfuro-cortante, com subseqüente formação de ferida
penetrante no abdômen. Foi realizada uma abdominocentese, a partir da qual se coletou um líquido com
aspecto purulento. Esse material foi destinado à realização de cultura bacteriana e antibiograma. Exames
hematológicos foram realizados, porém não se observaram anormalidades no eritrograma, já à análise da
série leucocitária demonstrou leucocitose total com neutrofilia e linfocitose. A cultura bacteriana revelou
a presença de microrganismo do gênero Nocardia sp. O antibiograma demonstrou resistência ao
antibiótico ciprofloxacina e sensibilidade aos demais antibióticos testados. O tratamento foi instituído
com a associação de Trimetoprim-sulfametoxazol (12mg/Kg) e Ampicilina (15mg/Kg) a cada 48h
durante 15 dias.
Unitermos: Abscesso Subcutâneo, Cão Exames Complementares
CUTANEOUS NOCARDIOSIS IN DOG
Abstract – This work reports a case of nocardiosis in a subcutaneous abscess of a five-years-old
female dog, without definite race, weighing 13 kg, attended at Veterinary Hospital (UFERSA).
In the anamnesis, it was found that the animal suffer a perforate cutting accident, with a
penetrating wound formation in its abdomen. Abdominocentesis was performed, and a purulent
fluid was collected. Hematologic exams were performed. There were no abnormalities in the
erythrogram. However, leucocyte count revealed increase in the neutrophil and lymphocyte
number. Bacterial culture demonstrated the occurrence of genus Nocardia sp. The antibiogram
revealed resistance only to ciprofloxacin among the antibiotics tested. Treatment was conducted
using the association of trimetoprim-sulfametoxazol (12mg/kg) and ampicillin (15mg/kg)
administrated during 15 days every 48 hours.
Keywords: Subcutaneous Abscess, Dog, Complementary Exams
INTRODUÇÃO
Nocardiose é uma infecção, causada por espécies da família Nocardiaceae, este
gênero bacteriano se compõe das seguintes espécies: Nocardia asteróides, N. farcinica,
N. nova, N. brasiliensis, N. otitidiscaviarum e N. transvalensis (Corti e Villafane-Fioti,
2003). Os microrganismos deste gênero comportam-se habitualmente como saprófitas
ambientais, vivendo no solo, na matéria orgânica em decomposição e na água, apesar
dessa característica, esses microrganismos possuem a capacidade de manifestar
mecanismos patogênicos e promovem enfermidades (Gołyński et al., 2006).
________________________
Discente do curso de graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal Rural do Semi-Árido
(UFERSA), Mossoró, RN. *Autor para correspondência. E-mail: [email protected]
2
Docente do Departamento de Ciências Animais da UFERSA, Mossoró, RN.
3
Hospital Veterinário Jerônimo Dix-Huit Rosado Maia, Setor de Pequenos Animais, UFERSA, Mossoró,
RN.
1
Correspondências devem ser enviadas para: [email protected]
O conteúdo científico dos manuscritos são de responsabilidade dos autores.
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Os sinais clínicos que acompanham a forma cutânea da nocardiose são os
seguintes: nódulos ulcerativos, úlceras, fístulas e celulite. Nos cães ocorrem com o uso
de antiinflamatório corticosteróide, quimioterápicos, drogas citotóxicas, além de existir
uma forte correlação clínica com as doenças imunossupressoras, sendo descrito como
agente patogênico oportunista, já em ruminantes domésticos apresenta-se como uma
grave infecção da glândula mamária na fase de lactação, propiciando a contaminação
via ambiente (Ribeiro et al., 2008).
O tratamento com antibioticoterapia é recomendado, considerando-se a gravidade,
a localização anatômica da infecção e a imunidade do hospedeiro (Corti e VillafaneFioti, 2003). Em circunstâncias de recorrência ou de uma resposta terapêutica
ineficiente, deve-se realizar a drenagem e o debridamento cirúrgico das áreas lesionadas
por esse processo patológico (Ribeiro et al., 2008). Considerando a multiplicidade de
fatores causadores da nocardiose e a dificuldade em tratá-la, tem-se por objetivo relatar
um caso de nocardiose em um cão.
RELATO DE CASO
Descreve-se um caso de nocardiose em uma cadela, SRD (sem raça definida),
com cinco anos de idade, pesando 13 Kg. O animal era vacinado para raiva,
vermifugado, sem histórico de doenças imunossupressoras e seu manejo alimentar
consistia basicamente de ração comercial e água a vontade.
Na anamnese, o proprietário relatou que há aproximadamente seis meses a cadela
sofreu um acidente com um objeto pérfuro-cortante, com subseqüente formação de uma
ferida penetrante na cavidade abdominal. Após alguns dias observou-se um
abaulamento abdominal, sensibilidade ao toque, e presença de exsudato purulento
recorrente, com isso proprietário iniciou o tratamento com antibioticoterapia.
Devido ao agravamento do quadro clínico, o animal foi levado para atendimento
clínico por um médico veterinário autônomo, que prescreveu um tratamento com
utilização de compressas e antissepsia da lesão com solução à base de iodopovidona a
10%. Após o estabelecimento desta terapêutica, o animal apresentou melhora do quadro
clínico com regressão do abscesso subcutâneo. Contudo houve recidiva ao término do
tratamento. Diante desta situação o proprietário levou o animal ao Hospital Veterinário
da Universidade Federal Rural do Semiárido, onde a cadela foi submetida ao exame
clínico. Ao exame físico observou-se comportamento calmo, taquicardia (100
batimentos por minuto), freqüência respiratória normal (32 movimentos por minuto),
febre (39,6ºC), mucosas hiperêmicas e boas condições nutricionais.
Uma amostra de sangue foi colhida em tubo a vácuo contendo anticoagulante
ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) para realização de exame hematológico. Ainda,
uma amostra do exsudato oriundo do abscesso subcutâneo foi colhida de forma
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asséptica por abdominocentese e destinada à realização de cultura bacteriana e
antibiograma.
No eritrograma não foi observada nenhuma anormalidade nos valores para espécie
canina. Mas, a análise da série leucocitária constatou-se leucocitose (22,6 x 103
céls./μL) por neutrofilia com desvio à esquerda (14,9 x 103 céls./μL) e linfocitose (5,4 x
103 céls./μL).
A amostra de exsudato proveniente do abscesso subcutâneo foi semeada em placa
contendo ágar sangue de carneiro desfibrinado a 5% e ainda em placa contendo ágar
sabouraud para a realização da cultura bacteriana e fúngica, respectivamente. Esse
material foi incubado em estufa bacteriológica a uma temperatura de 37°C por um
período de 48h em condições de aerobiose. Não se observou nenhum crescimento
fúngico. No entanto, na cultura bacteriana decorrida o tempo necessário para a
incubação, observou-se a presença de colônias inicialmente brancas, friáveis, com “odor
de terra molhada”, que se tornaram alaranjadas e secas. Após a análise das
características macroscópicas, morfotintoriais (filamentos Gram positivos) e de perfil
bioquímico, sendo a bactéria identificada pertencente ao gênero Nocardia sp.
Para realização dos testes de susceptibilidade a antimicrobianos, utilizou-se o
método de difusão em ágar. Os antimicrobianos testados incluíram: cefalotina (39mg),
cloranfenicol (30mg), gentamicina (10mg), tetraciclina (30mg), ceftiofur (30mg),
amicacina (30mg), cefepime (30mg), ampicilina (30mg), Ciprofloxacina (30mg),
sulfazatrim (30mg), amoxicilina/ácido clavulâmico (30mg), piperaciclina/tazabactam
(30mg), ceftadizina (30mg) e Cefoxitina (30mg).
O resultado do antibiograma demonstrou que essa cepa apresentou-se sensível aos
antibióticos retrocitados, com exceção ao fármaco do grupo das quinolonas
(ciprofloxacina). Por isso o tratamento deste animal foi instituído baseado no resultado
dos exames microbiológicos, adotando antibioticoterapia (associação de trimetoprimsulfametoxazol (12mg/Kg) e ampicilina (15mg/Kg) via oral, a cada 48 horas) durante
15 dias. Durante esse período o animal teve uma melhora clínica progressiva, no entanto
após algumas semanas do término do tratamento, foi observada evidências de
recorrência da nocardiose neste animal.
DISCUSSÃO
Torna-se importante a compreensão da epidemiologia e patogenia do gênero
Nocardia, por ser encontrada amplamente distribuída no ambiente, especialmente no
solo, terra e ou locais com alta umidade (Greene, 2006).
Nos casos de nocardioses descritos na literatura em humanos, nos animais de
companhia, ou de produção, observa-se uma enfermidade com evolução clínica variável
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e de sinais clínicos inespecíficos, podendo o paciente apresentar desde uma lesão
cutânea até sinais generalizados dos órgãos (Malik et al., 2006).
Por este fato é necessário o cuidado de examinar lesões cutâneas abscedidas em
esfregaços corados pelo método de Gram, base diagnóstica das manifestações
subcutâneas por Nocardia, nas quais os microrganismos são organizados em filamentos
cocóides gram positivos (Gołyński et al., 2006). Por outro lado, em tumefações
fistuladas que drena secreção purulenta, somente o exame laboratorial permite a
diferenciação das doenças provocadas por bactérias com aspecto filamentosas (Rêgo et
al., 2009).
Convém enfatizar que o histórico do animal não era sugestivo de nocardiose,
justamente por não corroborar a contextualização clínica descritos nos registros da
literatura (Rêgo et al., 2009). Por esse motivo foi de extrema importância o
requerimento de exames complementares para auxiliar na determinação do diagnóstico,
justamente pela plasticidade dos microrganismos (Olinda et al., 2010). A identificação
da Nocardia possibilitou a determinação do patógeno e norteou na instituição da
terapêutica (Malik et al., 2006).
Na avaliação hematológica o hemograma revelou na série eritrocítica dentro da
normalidade, enquanto o leucograma caracterizou-se por leucocitose caracterizada por
neutrofilia com desvio a esquerda e linfocitose, o que tem sido descrito também em
outros relatos de nocardiose (Gołyński et al., 2006). Apesar de esses achados serem
inespecíficos e típicos de qualquer processo inflamatório piogênico, tem validade por
descriminar o tipo de agente etiológico (bactéria, vírus ou fungo) (Grenne, 2006).
Como preconizado pela literatura, o diagnóstico definitivo deve ser norteado pela
a realização da cultura e do antibiograma, já que esse exame indicará a sensibilidade
correta da bactéria patogênica. Assim, o protocolo terapêutico estabelecido no presente
relato foi conduzido com base em antibioticoterapia utilizando a associação de
Trimetoprim-sulfametoxazol (10mg) e Ampicilina (12mg/Kg), por esta apresentar um
excelente efeito terapêutico em casos de nocardiose (Grenne, 2006), no entanto neste
caso, a indicação desse protocolo terapêutico não apresentou eficiência em debelar a
infecção bacteriana, apesar de ser amplamente recomendada como medicação de eleição
para efetuar o tratamento deste tipo de enfermidade nos animais.
Deve-se ressaltar que a escolha do antimicrobiano como as quinolonas devem ter
cautela, pois apesar de ser amplamente utilizado na clínica médica veterinária, o seu uso
de forma indiscriminada pode induzir resistência. Por esse motivo pode ter contribuído
para a resistência bacteriana neste estudo. Esse fato pode ter decorrido pela carência de
recursos de diagnóstico laboratorial ou a não utilização destes quando disponíveis,
agravam ainda mais essa situação, pois muitas vezes os profissionais da área cometem
equívocos de conduta e prescrevem antibióticos em empiricamente sem sua devida
necessidade (Mota et al., 2005).
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O diagnóstico e tratamento precoces são essenciais para o prognóstico favorável
da nocardiose. A avaliação clínica deve incluir anamnese e exame físico completo, com
realização de exames laboratoriais para detecção de doença sistêmica predisponente
(doenças auto-imunes, reumatológicas), infecção sistêmica concomitante ou
imunossupressão.
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