Porantim 265
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Porantim 265
Povo Terena: produzindo alimentos e esperança Demarcações continuam paralisadas no Rio Grande do Sul Página 4 Página 10 Página 12 ISSN 0102-0625 Povo Xucuru-Kariri ocupa sede da Funai em Maceió 3 o Acampamento Terra Livre – Foto: Flávio Cannalonga Ano XXVII • N 0 284 Brasília-DF • Abril-2006 • R$ 3,00 Terceiro Acampamento Terra Livre A mobilização do Abril Indígena que uniu e fortaleceu as bases do movimento Páginas 3, 8 e 9 Opinião Porantinadas Criada a Comissão Nacional de Política Indigenista o último dia 22 de março o presidente Lula assinou o decreto de criação da CNPI - Comissão Nacional de Política Indigenista. Tal fato representa mais uma conquista importante das lutas do Movimento Indígena e seus aliados nos últimos dez anos. O próximo passo será a consolidação da criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista, pois essa tem sido uma das principais bandeiras de luta do movimento ao longo dos anos. Ainda durante a campanha através do documento “Compromisso com os Povos Indígenas do Brasil”, o governo Lula comprometeu-se em criar o Conselho Superior de Política Indigenista. Por essa razão, desde o primeiro ano de seu mandato vem sendo cobrado pelos povos indígenas para que concretize a promessa feita. Depois de muitas mobilizações, sobretudo aquelas ocorridas durante as programações do Abril Indígena em 2004 e 2005, o go- N verno sinalizou para a possibilidade de criar uma Comissão de Política Indigenista como parte de um processo que resultaria na formação do Conselho. Partindo deste entendimento, representantes de várias organizações indígenas, contando com o apoio das entidades indigenistas que compõem o Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI), iniciaram um processo de negociação com o governo federal que resultou na criação da referida comissão. O texto do decreto que institui a CNPI sofreu pequenas alterações em relação àquele discutido e analisado pelas lideranças indígenas, mas isso não prejudica o processo. Entre suas atribuições compete à CNPI “propor diretrizes, normas e prioridades da política nacional indigenista, bem como estratégias de acompanhamento, monitoramento e avaliação das ações desenvolvidas pelos órgãos da administração pública federal, relacionadas com a área indigenista.” Insensível Considerando-se o baixo perfil indigenista do atual governo, que se mantém sempre numa posição de refém dos grupos historicamente declarados inimigos dos povos indígenas, a constituição desta comissão e conseqüentemente do conselho poderão representar o estabelecimento de um espaço onde os povos indígenas possam influenciar nas discussões, deliberações e implementação de políticas que lhes dizem respeito. Contudo não se pode esquecer da tomada de decisão tardia do governo, deixando a criação da CNPI para seus últimos meses de mandato. Isso poderá resultar em apenas mais uma atitude eleitoral, sem nenhuma conseqüência maior. Cabe aos povos indígenas e suas organizações garantirem a permanente articulação e mobilização, evitando assim que isto possa ocorrer. Saulo Feitosa Vice-presidente do Cimi Parecia estar tudo acertado para entrega do documento final do 3º Acampamento Terra Livre : data, hora e agenda. De início seria o Secretário-Geral Luiz Dulci, depois a incumbência foi transferida para o secretário presidencial César Alvarez, mas, na hora “H”, estranhamente, o movimento indígena não foi recebido no Palácio do Planalto. Barrado pelos seguranças na porta de entrada sem nenhuma justificativa, ficou apenas o constrangimento diante de tamanha falta de sensibilidade com pessoas que vieram de tão longe e acamparam por três dias de baixo de chuva para reivindicar por seus direitos. Para lembrar Em quase quatro anos de Governo, o Presidente Lula só recebeu as organizações do movimento indígena no Palácio do Planalto apenas uma vez. A reunião foi agendada durante o primeiro Acampamento Terra Livre, em 2004, depois que os militantes do movimento ocuparam o congresso por aproximadamente 10 horas. MARIOSAN Anulação do 1.775? Eu estarei como um presidente, digamos, como a rainha da Inglaterra, os índios é que estarão decidindo esses assuntos(*) A Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR-1) entrou com um recurso junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para garantir a nulidade de um decreto que regulamenta a demarcação de terras indígenas no Brasil. O Decreto 1.775 de 1996 autoriza qualquer interessado a pleitear a revisão da área demarcada. Para o Ministério Público Federal, a norma é lesiva às comunidades indígenas e provoca prejuízos ao patrimônio público, já que permite o pedido de indenização mesmo após a homologação do território, quando a União determina a área cedida. ( ) ISSN 0102-0625 * Mércio Pereira Gomes, presidente da Funai para Agência Radiobrás sobre a conferência da Funai. Edição fechada em 17/04/2006 Publicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão anexo à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). APOIADORES Na língua da nação indígena Sateré-Mawé, PORANTIM significa remo, arma, memória. Priscila D. Carvalho EDITORA RP 4604/02 DF Dom Gianfranco Masserdotti PRESIDENTE CONSELHO DE REDAÇÃO Antônio C. Queiroz Benedito Prezia Egon Heck Nello Ruffaldi Paulo Guimarães Paulo Maldos Paulo Suess Paulo Maldos ASSESSOR POLÍTICO Cristiano Navarro EDITOR RP 32374/144/35/SP Editoração eletrônica: Licurgo S. Botelho (61) 3349-5274 Revisão: Leda Bosi Impressão: Gráfica Terra (61) 3225-8002 Administração: Dadir de Jesus Costa Redação e Administração: SDS - Ed. Venâncio III, sala 310 Caixa Postal 03.679 CEP 70.084-970 - Brasília-DF Tel: (61) 2106-1650 Fax: (61) 2106-1651 E-mail: [email protected] Cimi Internet: www.cimi.org.br Registro nº 4, Port. 48.920, Cartório do 2º Ofício de Registro Civil - Brasília Faça sua assinatura, enviando cheque ou vale postal em nome de CIMI-PORANTIM PREÇOS: Ass. anual: R$ 30,00 Ass. de apoio: R$ 50,00 América latina: US$ 25,00 Outros Países: US$ 40,00 UNIÃO EUROPÉIA Abril - 2006 2 Permitimos a reprodução de nossas matérias e artigos, desde que citada a fonte. As matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores. Movimento indígena Carta da Mobilização Nacional Terra Livre Abril Indígena 2006 Saudamos a todos os povos indígenas do Brasil, os aqui representados e os ausentes, todos unidos em coração e consciência na luta por uma terra livre de opressão e injustiça. Nos alegramos por esse encontro onde celebramos a luta pela vida, por uma vida com dignidade e paz. Com essa motivação que nós, as mais de 550 lideranças indígenas abaixo assinadas, representantes de 86 povos indígenas de todo o Brasil, reunidos em Brasília no Acampamento Terra Livre, entre os dias 4 e 6 de abril de 2006, consolidamos neste III Acampamento Terra Livre a Mobilização do Abril Indígena como o mais importante evento de articulação e expressão política dos povos e organizações indígenas do Brasil. A presente mobilização reforçou a aliança nacional entre dezenas de povos com a consolidação da Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil - APIB, com o objetivo comum de defender e garantir a efetividade dos direitos indígenas no Brasil. O balanço da política indigenista do Governo Lula para nós é negativo. Os poucos avanços foram conquistas arrancadas por nossos povos e organizações com muita pressão e luta inclusive com sacrifícios de vidas de parentes nossos. Frente a esta realidade, vimos apresentar à sociedade brasileira, ao Governo Federal, ao Congresso Nacional e ao Poder Judiciário, os resultados das reuniões plenárias e audiências com autoridades realizadas durante esta mobilização nacional, em respeito aos 04 grandes eixos por nós reivindicados. 1. Nova Política Indigenista - o governo Lula manteve uma política indigenista retrógrada, tutelar e oficialista, confundindo os interesses dos povos indígenas com os interesses da Funai, confundindo o órgão indigenista com a política indigenista; - à nossa reivindicação para a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, vinculado a Presidência da República, com competência deliberativa e criado por Lei, o Governo Federal respondeu com a criação, em 23 de março último, de uma Comissão Nacional de Política Indigenista, por decreto e vinculada ao Ministério da Justiça; - ainda que atendendo em parte o nosso pedido, manifestamos a nossa preocupação com relação às reais condições que serão oferecidas pelo Ministério da Justiça para sua instalação no prazo estabelecido no Decreto e seu pleno funcionamento operacional, garantindo a periodicidade estabelecida bem como a participação efe- Foto: Flávio Cannalonga Pensada, debatida e redigida por mais de 500 lideranças indígenas de 84 povos, de 19 estados, a carta faz críticas à política indigenista oficial Na tenda central do Terra Livre o debate sobre os rumos do movimento indígena tiva dos representantes dos povos indígenas e suas organizações e das entidades de apoio à causa indígena. 2. Terras Indígenas - a marca tutelar do atual governo contaminou a demarcação das terras indígenas que vem sendo gerida como benefício e não como direito, sendo objeto de manipulações técnico/administrativas e barganhas políticas; - como reflexo dessa perspectiva, a FUNAI e o Ministério da Justiça permitiram obstruções deliberadas nos procedimentos de regularização de terras indígenas e lentidão na constituição de GTs de identificação, na publicação de resumos de relatórios e principalmente na expedição de Portarias Declaratórias; - das 14 terras paradas no Ministério da Justiça e levadas ao Ministro da Justiça e Presidente da Funai para dar solução no Abril Indígena de 2005, apenas 01 terra teve Portaria Declaratória publicada; - as pressões políticas de setores antiindígenas continuam se sobrepondo aos direitos territoriais indígenas principalmente nos Estados de Santa Catarina, Mato Grosso, Bahia e Mato Grosso do Sul; - as desintrusões das terras indígenas não acontecem, permitindo o agravamento das ameaças, intimidações e atos de violência contra os povos indígenas, como na TI Raposa Serra do Sol e CaramuruParaguassu do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe; - exigimos do Governo Federal a retomada do ritmo normal no processo de regularização das Terras Indígenas; - reiteramos a nossa exigência de revogação da determinação do Presidente da Funai em não iniciar os estudos para a revisão de limites de terras indígenas cujas de- marcações excluíram indevidamente partes do território tradicional; - o presidente do Incra assumiu, no Abril Indígena de 2005, o compromisso de realizar uma análise das 74 áreas de conflito envolvendo povos indígenas e pequenos agricultores, com o objetivo de reassentar os pequenos agricultores fora dos territórios indígenas; não tivemos qualquer notícia sobre esta análise. 3. Ameaças aos direitos indígenas no Congresso Nacional - é grande o volume de proposições legislativas que hoje tramitam no Congresso Nacional contra os direitos indígenas assegurados na Constituição Federal, especialmente os territoriais (destaques: PEC 38/ 99; PEC 03/04; PLS 188/04); - face a esta situação, exigimos que os direitos indígenas não devem ser tratados isoladamente, mas de forma articulada dentro do Estatuto dos Povos Indígenas; - o Deputado Aldo Rebelo, Presidente da Câmara dos Deputados, comprometeu-se em criar uma Comissão Permanente de Assuntos Indígenas naquela Casa, para discutir e encaminhar todas as demandas relacionadas com a garantia dos direitos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal. 4. Gestão territorial e sustentabilidade das Terras Indígenas - continuamos preocupados com a possível desvirtuação, no âmbito da Casa Civil, do Ante Projeto de Lei de acesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados saído do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) e elaborado com participação das organizações indígenas e da sociedade civil organizada; - reivindicamos a participação indígena no CGEN com direito a voto; - repudiamos o projeto de transposição do rio São Francisco e apoiamos um programa de revitalização do rio; - repudiamos a determinação do Governo Federal em construir empreendimentos hidrelétricos que afetam Terras Indígenas, como Belo Monte, Estreito e os do Rio Madeira; - reivindicamos que o governo federal assuma como prioridade a criação e implementação de uma Política e Programa Nacional de Gestão Territorial e Proteção da Biodiversidade em Terras Indígenas, com participação dos povos e organizações indígenas, garantindo os recursos necessários para a sua execução; - reivindicamos que o Governo conclua em 2006 o processo de finalização do Projeto Nacional de Gestão Territorial e Proteção da Biodiversidade em Terras Indígenas para encaminhar para aprovação do Fundo Global do Meio Ambiente (GEF); - solicitamos a revogação de todos os decretos que criaram unidades de conservação sobrepostas as Terras Indígenas, conforme deliberado na Primeira Conferencia Nacional de Meio Ambiente; - o Ministério do Meio Ambiente comprometeu-se também, em 2005, em reunir e articular as várias ações e projetos para os povos indígenas dentro do Ministério para integrá-las; isto também não foi cumprido. 5. Saúde Indígena - constatamos uma piora acentuada, de 2005 para cá, no atendimento à saúde dos povos indígenas; faltou a capacitação para os indígenas que integram os Conselhos Distritais; os recursos continuam incompatíveis com as demandas dos DSEIS; a falta de autonomia administrativa e financeira dos DSEIs também prosseguiu; - rechaçamos a tendência de municipalização da gestão da saúde indígena visando o uso político-eleitoral da estrutura da Funasa e seu descaso para com uma prestação de serviços de saúde compatível com a realidade dos povos indígenas; - exigimos que a FUNASA se estruture para assumir de fato suas responsabilidades na gestão da saúde indígena, garantindo sua federalização; - reivindicamos a capacitação dos integrantes indígenas dos Conselhos Locais e Distritais de Saúde Indígena para a fiscalização da aplicação dos recursos e das ações da FUNASA; - exigimos que se garanta a autonomia administrativa e financeira dos DSEIs; 3 Abril - 2006 Resistência 6. Educação Abril - 2006 4 - continuamos entendendo que a transferência da execução das ações da educação escolar indígena para os estados – e destes para os municípios – é o principal problema para a implantação de uma educação escolar indígena diferenciada e de qualidade; - continuamos a exigir do MEC a convocação de uma Conferência Nacional de Educação Indígena e que o Governo Federal estude formas de obrigar aos estados e municípios a cumprirem com as exigências impostas pela Constituição e normais legais que nos asseguram uma educação escolar específica, diferenciada e de qualidade; - continuamos a exigir a ampliação dos convênios com as Universidades Públicas Federais e estaduais nas regiões e não só com a Universidade de Brasília; - exigimos do MEC a definição de uma Política para os Povos Indígenas de Ensino Superior; - continuamos a exigir do MEC que implemente junto aos Estados a abertura dos cursos de ensino médio nas aldeias; - o MEC se comprometeu, em 2005, a implementar o que chama de “assistência estudantil” – uma bolsa de estudos para manter os estudantes indígenas nas universidades; isto não foi cumprido; - o MEC se comprometeu, em 2005, em pressionar os Estados para garantir a presença indígena nos Conselhos Locais e Nacional do FUNDEF e em aumentar o orçamento para a educação escolar indígena em 2006; isto também não foi cumprido. Ressaltamos que o Acampamento Terra Livre é a expressão da vontade de união dos povos indígenas do Brasil entre si e com seus aliados. Apesar das forças contrárias, continuamos determinados a lutar para garantir o irrestrito respeito aos nossos direitos assegurados na Constituição Federal de 1988 e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Renovamos a nossa esperança na conquista de dias melhores. Brasília, 06 de Abril de 2006. Participantes do 3o Acampamento Terra Livre Jorge Vieira Cimi Nordeste Fotos Jorge Vieira Povo Xucuru-Kariri ocupa sede da Funai em Maceió povo Xucuru-Kariri encontra-se no município de Palmeira dos Índios, interior de Alagoas, com cerca de 1.800 indígenas, organizados nas comunidades Fazenda Canto, Mata da Cafurna, Cafurna de Baixo, Serra do Amaro, Capela, Boqueirão e Coité. Desde o último dia 7 de março mais de 100 representantes das aldeias Coité, Cafurna de Baixo, Serra do Amaro e Fazenda Canto ocupam a sede da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, em Maceió. Para as lideranças que estão à frente do movimento, o objetivo é cobrar o processo de demarcação do território tradicional, há décadas paralisado a espera da conclusão da do laudo antropológico. Os Xucuru-Kariri, povo historicamente presente no cenário alagoano, sendo dos primeiros povos a ter a presença e assistência do órgão governamental, a exemplo do Serviço de Proteção ao Índio - SPI, órgão do governo federal criado em O 1910. Desde a década de 1920, os XucuruKariri têm o seu território tradicional reconhecido pela justiça. Segundo relato das lideranças mais antigas, a exemplo do pajé Miguel Celestino (falecido em 1998) o processo de luta pela recuperação de suas terras remonta a períodos longínquos, em vista da invasão que sofreram ao longo dos séculos. Mas, a partir de 1940, intensificam a luta, articulando-se com os povos Kariri-Xokó, no município de Porto Real do Colégio, em Alagoas, e Fulni-ô de Águas Belas, no estado de Pernambuco. Ao mesmo tempo buscam apoio de instituições e personalidades, a exemplo de órgãos governamentais e da Igreja Católica. Nesse período, as lideranças percorriam longas distâncias a pé desde suas aldeias até os centros administrativos, Movimento indígena radicaliza contra Cristiano Navarro e J. Rosha omente este ano, povos indígenas em 12 estados (Maranhão, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia, Tocantins, Bahia, Pará, Espírito Santo, Roraima, Alagoas, Santa Catarina e Amazonas) recorreram à ocupação de prédios públicos ou interdição para manifestar contra a precariedade na assistência à saúde indígena. Uma das últimas ocupações aconteceu em Manaus, onde 180 representantes dos povos Saterê Mawé, Baniwa, Tukano, Mura, Tenharim, Munduruku, Makuxi, Tikuna, Torá, Dessano, Parintintin, Arapasso, Apurinã e Kambeba) ocuparam a sede da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão público de assistência à saúde indígena responsável pelo repasse de recursos para o atendimento. A ocupação, que durou três dias, serviu como protesto contra a seqüência de mortes de crianças indígenas nas aldeias e o atraso do governo federal em repassar para a Coordenação S Fotos: Cimi Maranhão - exigimos a formulação e implementação, pela FUNASA, de um plano diferenciado de atenção à saúde da mulher indígena, que inclua ações preventivas efetivas e promoção da saúde da mulher indígena bem como o apoio às iniciativas das organizações das mulheres indígenas e garantia da sua participação em todas instâncias de discussão da saúde da mulher indígena; - exigimos o reconhecimento e apoio às parteiras, pajés e agentes indígenas de saúde, com a respectiva valorização da medicina tradicional; - o Ministério da Saúde comprometeu-se, em 2005, em analisar e implementar regras próprias para as organizações indígenas conveniadas com a FUNASA e com o reconhecimento profissional dos agentes indígenas de saúde; isto não foi cumprido. Indígenas de diversos povos fecham ferrovia, no Maranhão, em protesto contra a tentativa ... das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) recursos atrasados há mais de três meses, destinados ao pagamento de servidores da saúde e à compra de medicamentos. As lideranças indígenas deixaram o prédio público, no dia 15, somente depois que a Funasa pagou os 1,8 milhão de reais que devia à Coiab. Já no dia 14, um outro grupo de indígenas dos povos Tikcuna, Kaixana, Kambeba e Kokama, ocupou a sede da Funasa na cidade de Tabatinga, no extremo oeste do Amazonas, na fronteira com Peru e Colômbia. A ocupação se deu também devido ao precário atendimento de saúde às comunidades e ao atraso na liberação dos recursos. Neste caso a dívida do órgão público de assistência à saúde com a organização indígena é de 3 milhões. Documento faz levantamento nacional e denúncia A rotina intensa de protestos por todo o País revela uma realidade de total abandono e precariedade. Em nota publi- Mesmo com dificuldades, o povo Xukuru Kariri resiste ocupando a Funai à espera de uma solução para questão da terra como Bom Conselho e Recife, em Pernambuco. De lá partiam de navio até a capital do Brasil, Rio de Janeiro, em busca da assistência e da demarcação da terra. Durante o percurso encontravam-se com os parentes para se fortalecerem, com a dança do toré e na celebração do ritual. Depois de lutas e viagens, em 1952, finalmente, os Xucuru-Kariri conseguiram do SPI a compra de 272 hectares, onde está localizada a aldeia Fazenda Canto. Frente ameaça da Prefeitura de Palmeira dos Índios desmatar e transformar a mata em turístico, em 1979 os indígenas retomam a área para a utilização do ritual. No início da segunda metade da década de 1980, exprimidos pelo aumento populacional e motivados pelo objetivo religioso, o pajé Antônio Celestino lidera a retomada de duas fazendas, local da primeira capela erigida pelo missionário Frei Domingos, a denominada Igreja Velha, ampliando, assim, em área continua o território tradicional. A luta pela retomada da terra não pára. Pressionado pelas lideranças do povo e as entidades indigenistas, o então presidente José Sarney cria Grupo de Trabalho para fazer a identificação do território, o levantamento fundiário e laudo antropológico, delimitando-o em 13.020 hectares. Sofrendo pressões dos fazendeiros e políticos de Alagoas, o processo é paralisado. Diante da omissão dos órgãos governamentais, FUNAI E IBAMA, os fazendeiros começaram a desmatar para transformar em pastagens para desenvolvimento da pecuária. Em 1994, as comunidades Fazenda Canto, Mata da Cafurna, Leitão e Cafurna de Baixo, cansadas de cobrar a demarcação e denunciar o desrespeito para com o lugar sagrado de seus antepassados, organizamse e retomam três fazendas. Com ameaças e pressões, os fazendeiros expulsam os indígenas através de ação de reintegração de posse concedida pela Justiça Federal. O crescimento populacional fez explodir os conflitos internos. E, mais uma vez, ao invés das autoridades governamentais apontarem para uma solução definitiva demarcando o território tradicional, faz o levantamento fundiário de algumas áreas consideradas emergenciais, para acomodar algumas famílias indígenas. Com a saída paliativa, aumentou efetivamente a tensão interna e o desespero daquelas comunidades que não têm onde trabalhar. Resultado que, em 2002, os índios retomam mais uma fazenda, chegando a permanecer por alguns meses e, novamente, sofrem ameaças e são despejados da terra. Entre idas e vindas de delegações para Brasília, o antropólogo e presidente da FUNAI, Mércio Pereira, assumiu o compromisso em documento que, até 15 de novembro de 2005, faria o levantamento de 25 áreas emergenciais e indenizaria os respectivos ocupantes até o final do ano. Data esta prorrogada para 15 de janeiro de 2006. Segundo uma das lideranças do movimento, Celso Celestino, “já estavam cansados de tantas promessas e compromissos não cumpridos, por isso resolvem acampar na sede do órgão indigenista”. E completa: “só vamos sair daqui com o resultado concreto da terra”. Diante do impasse em que se encontra, uma delegação foi no dia 10 de abril até Brasília para cobrar diretamente do presidente da Funai e do Ministério da Justiça a demarcação da terra. No entanto, sem uma posição concreta do Governo o impasse permaneceu até o nosso fechamento. a precariedade no atendimento a saúde ... de manipulação da Fundação Nacional de Saúde na conferência regional de Saúde cada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), um levantamento da situação de calamidade em diferentes estados descreve as condições do atendimento à saúde indígena. “No estado do Tocantins, nos últimos cinco meses, morreram 15 crianças do povo Apinajé, em função de diarréia, vômito, gripe e febre. No Mato Grosso do Sul, morreram dezenas de crianças Guarani-Kaiowá devido à desnutrição. No Pará, sete crianças do povo, Munduruku morreram vítimas de infecções intestinais. No Amazonas, as organizações indígenas vêm denunciando de forma sistemática o descaso nos serviços de saúde e o alastramento de doenças infectocontagiosas. Em Roraima, entre os Yanomami, os índices de malária voltam com intensidade, em função do abandono nas ações preventivas em saúde, especificamente nos serviços para o combate ao mosquito transmissor da doença. No Acre, 10 crianças Kaxinawá, do Alto Purus, morreram em conseqüência da diarréia. Nos estados do Sudeste e do Sul, foram registrados dezenas de casos de desnutrição em crianças Guarani e Kaingang, com casos de mortes em aldeias que, na sua maioria, encontramse localizadas em pequenas áreas de terras devastadas pelo processo colonizador. No Mato Grosso, o governo assistiu passivamente a morte de crianças Xavante, da terra indígena Marawatsede. Esta área, já demarcada e homologada, continua fora do domínio do povo Xavante, invadida por fazendeiros da região. No estado do Maranhão, 14 crianças da aldeia Bananal morreram em 2005, e, em janeiro de 2006, foram registradas mais seis mortes, cujas causas foram diarréia e desnutrição. Em Rondônia, a ausência de uma intervenção consistente por parte da Funasa tem causado o alastramento de doenças infecto-contagiosas, a exemplo das hepatite tipos B e C”. Pedindo providências urgentes, a entidade indigenista aponta como as princiapis causas do colapso a terceirização das políticas de assistência, iniciada no governo FHC e aprofundada no governo Lula, o esvaziamento da política de saúde e o fim da autonomia administrativa conquistada pelos distritos como os principais fatores que motivaram o colapso no atendimento. Ainda recai sobre a Funasa a denúncia de ter restringido a participação organizada dos povos indígenas, “todo o processo preparatório de IV Conferência Nacional da Saúde Indígena nas regiões foi monopolizado pela Funasa, não possibilitando que a Comissão Intersetorial de Saúde Indígena e que as organizações indígenas e indigenistas participassem deste processo, o que gerou dúvidas sobre a Conferência, prevista para ocorrer este mês”. Para o Cimi “a IV Conferência Nacional de Saúde Indígena só terá legitimidade quando houver a participação efetiva dos povos e organizações indígenas e indigenistas”. 5 Abril - 2006 Iara Tatiana Bonin Membro do Cimi e Doutoranda em Educação da UFRGS o ser eleito e proferir o discurso de posse, o presidente Lula afirmou que os resultados das eleições de 2002 marcavam o desejo da sociedade brasileira por mudanças. Um novo rumo para a política, alterações no modelo econômico adotado em governos anteriores, crescimento, geração de emprego e renda, segurança, atenção adequada à saúde, educação de qualidade, demarcação das terras indígenas, reforma agrária – antigas bandeiras, mobilizadas em tempos de esperança. Mas já em julho de 2002, para viabilizar sua eleição, o então candidato Lula divulgou uma carta de compromisso com o Fundo Monetário Internacional (FMI), esboçando desde lá os caminhos de seu governo. Os acordos firmados com o FMI foram sendo concretizados ao longo do mandato e implicaram na redução dos investimentos em políticas públicas, contingenciamentos para garantir metas de superávit e reformas calcadas em teses neoliberais. Em 2003 o governo investiu 10% a menos em áreas sociais, “economizando” os já escassos recursos previstos para as políticas voltadas para a população. A Reflexos na Educação Abril - 2006 6 Nas políticas educacionais, o governo Lula segue indicativos e determinações de organismos como o Banco Mundial que, nas últimas décadas, vem imprimindo um formato cada vez mais privatista à educação. Este direito social, garantido pela Constituição, converte-se gradativamente em produto de consumo, balizado pelos valores de mercado, sendo as escolas públicas convertidas em espaços para a concretização de políticas assistencialistas (Bolsa Escola, Bolsa Família). Soluções como estas, de oferecer compensações a uma parcela empobrecida da população sem comprometer-se com as causas estruturais que geram a miséria e a pobreza, é que fazem do Brasil um dos países mais desiguais do planeta. Não bastasse o fato de serem cada vez mais escassos os recursos em educação, o governo cria novas formas de assegurar sua destinação aos setores privados. A descrença no sistema público de ensino, resultado da falta de políticas e de investimentos neste setor, serve como justificativa para o apoio à rede particular, e fundamenta o apelo para a sociedade compartilhar as responsabilidades pela educação, esvaziando cada vez mais a noção de direito e tornando relativo o dever do Estado em assegurar a todos o acesso a um ensino público, gratuito e de qualidade. A análise da execução orçamentária do primeiro ano do mandato Lula, apresentada pelo Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos1 – mostra que 62% dos recursos liquidados foram destinados ao pagamento de juros, encargos e amortização da dívida. De lá para cá, esta tendência foi sendo mantida. No que diz respeito à educação, a análise do Inesc chama a atenção para a baixa execução do orçamento previsto para o Ministério da Educação, que teve R$ 5,7 bilhões autorizados e executou 68,6%, uma vergonhosa “economia” de mais de 30%. Um país que conta com cerca de 169 mil escolas públicas, 11% das quais não têm rede de esgoto; 23% não têm energia elétrica; 77% não têm biblioteca e 95% não contam com laboratórios, conforme dados divulgados pela Adusp em maio de 20052 , não pode se dar ao luxo de economizar recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino. Em relação à educação escolar indígena, embora estes povos venham exigindo a implementação de uma política indigenista integrada e coerente com as determinações constitucionais, muito pouco se fez nos anos do governo Lula. Persistem os problemas que afetam diretamente a vida destas comunidades, os conflitos e invasões em suas terras, a morosidade ou paralisação de processos de demarcação, o aumento da violência decorrente da omissão do poder público, a falta de uma atenção eficaz e diferenciada em saúde, os assustadores índices de mortalidade infantil, o desrespeito aos seus modos de vida. Ao invés de assegurar o protagonismo na definição dos modelos adequados de educação escolar e de proporcionar espaços amplos para discussão e construção de projetos pedagógicos indígenas, o governo tem optado por oferecer pacotes, destinar programas de caráter assistencial, que nem sempre chegam ao seu destino. O censo escolar do INEP/MEC de 2005 indica que a oferta de educação escolar indígena cresceu especialmente nas séries iniciais do ensino fundamental. Há que se perguntar, no entanto, se as taxas de matrícula Fotos: Geertje Van de Pás A política da indiferença no governo Lula Educação escolar indígena, um dos pontos mais debatidos nos encontros do movimento indígena e uma das reivindicações mais constantes Foto: Flávio Cannalonga Educação crescentes indicam, igualmente, um incremento em termos de recursos destinados à educação escolar indígena. No boletim sobre a execução orçamentária de 2005, divulgado pelo Inesc em outubro3 não há registros de aplicação, até aquela data, dos recursos destinados ao ensino fundamental indígena, à produção e distribuição de material didático e nem à capacitação dos professores indígenas. Já o demonstrativo de execução orçamentária disponível no Siga Brasil, do Senado Federal, consta que ao final de 2005 foram aplicados 85,7% do total previsto no Ministério da Educação para a questão indígena, 87% dos recursos alocados no Ministério da Justiça e apenas 6,6% no Ministério do Meio Ambiente, números que tornam evidentes as distâncias entre teoria e prática política. As manifestações indígenas sobre a situação das escolas têm evidenciado também o fosso que separa os discursos oficiais de valorização da educação e a realidade na maioria das áreas indígenas. Como afirmam os indígenas de diversos estados do Nordeste, reunidos num Encontro Macro-Regional de Professoras e Professores Indígenas, em novembro de 2004, as comunidades enfrentam problemas de toda ordem, seja no atendimento, na formação ou na contratação dos professores. Casos concretos Nos estados do sul do país, os povos Kaingang e Guarani têm reafirmado a necessidade de repensar a organização das escolas e os processos de formação dos professores. Para eles, a escolarização indígena não pode estar orientada para práticas e modelos que desrespeitem suas culturas, sob o risco de servirem apenas para concretizar propósitos integracionistas. É por essa razão que muitas comunidades Guarani têm manifestado resistência à implantação de escolas, recusando a “oferta” dos estados ou municípios. A Carta da 34ª Assembléia dos Povos Indígenas do Estado de Roraima, realizada em fevereiro de 2005 reunindo 1.030 participantes, denuncia a possibilidade de retrocesso na educação escolar, com a restrição da participação indígena nos espaços de definição, controle e fiscalização das políticas educacionais. O documento aponta a situação de abandono, a falta de recursos até para aquisição de material escolar, como lápis e cadernos. Os povos de Roraima, assim como muitos outros que têm se articulado em encontros de Educação, propõem que se promova um amplo debate em torno da educação escolar indígena, com destinação de verbas específicas para este fim; garantia de acesso e de permanência nos diferentes níveis de ensino, inclusive o superior; oficinas para elaboração, edição e publicação de material didático específico e diferenciado, das quais participem os próprios índios; representação nas instâncias de definição e de controle das políticas indigenistas do Estado brasileiro; contratação de professores indígenas através de concursos específicos; possibilidade de intercâmbio entre as escolas indígenas e a conseqüente liberação de recursos financeiros para tal. O compromisso e o orçamento Os povos indígenas propõem, em síntese, que o Estado brasileiro respeite seu protagonismo na elaboração de políticas para as escolas e de propostas pedagógicas adequadas. Mas o governo atual sequer tem demonstrado disposição em aplicar os recursos para a educação, aprovados no Orçamento. Comparando-se os Orçamentos de 2004 e 2005 com a previsão para 2006, chama atenção a diminuição de recursos em 6,18% para Educação; 17,56% para Cultura e 15,52% para Direitos de Cidadania, uma clara redução de investimentos para políticas sociais e, em contrapartida, uma destinação 52,2% superior para o pagamento de encargos e juros da dívida, comparando-se aos números de 2005. Em questões chave para a garantia dos direitos indígenas o Orçamento previsto para o último ano do governo Lula é ainda mais enxuto. Um exemplo é a demarcação das terras indígenas, que contará com um orçamento 24,5% menor que o aprovado para 2005, sendo que as metas estabelecidas são insignificantes em relação à demanda existente, prevendo apenas 13 áreas indígenas. Sem mencionar que não há referências ao número de terras reivindicadas por comunidades indígenas para serem identificadas. E se considerarmos que o aces1 2 3 so aos programas sociais destinados aos povos indígenas, entre eles a educação, tem sido condicionado ao reconhecimento daquela população como indígena pelo Estado brasileiro, este “silêncio orçamentário” é ainda mais grave e aponta para a contenção de gastos em áreas sociais para cumprir metas fiscais. Ao que parece, os problemas mais importantes a enfrentar não dizem respeito apenas à falta de recursos, mas às escolhas que têm sido feitas pelo governo. Entre dezembro de 2005 e março de 2006 o governo gastou R$ 107 milhões em publicidade, um montante de recursos superior ao investido pelos ministérios da Educação e da Justiça com política indigenista em todo o ano. Só em dezembro de 2005 os gastos com propaganda do governo giraram em torno de R$ 55 milhões, um valor que quase alcança o orçamento total executado no programa de Proteção às Terras Indígenas. Não se trata apenas de falta de recursos, mas de falta de vontade política e de coerência do governo ao abandonar os compromissos históricos de um projeto político de transformação, a partir do qual ganhou a confiança da maioria da população. A grande expectativa política dos “tempos de esperança”, logo após a eleição de Lula, era construir bases, dar os primeiros passos na consolidação de políticas capazes de assegurar a todos os brasileiros o acesso aos direitos sociais básicos, à vida, à cultura, à saúde, à educação, à segurança, materializados na Constituição Federal desde 1988, mas ignorados nas práticas governamentais em toda a década de 90. E o que se vê atualmente não é diferente. Considerando a primazia que vem sendo dada ao pagamento da dívida externa em detrimento das dívidas sociais, o legado do governo Lula será a manutenção de estruturas e de políticas que fazem do Brasil um dos campeões em desigualdade social e de concentração de renda, um país que condena à pobreza e à miséria grande parte de sua população, e representa um verdadeiro paraíso de privilégios para poucos. O governo comprometeu-se desde sua candidatura, a ampliar o acesso e melhorar a qualidade de ensino. No entanto, um projeto político ancorado no agronegócio, no setor financeiro e na exportação não requer um sistema de ensino de qualidade. Ao povo que anseia por mudanças, o governo responde com continuidades. Aos defensores do ensino público e gratuito, faz apelos à solidariedade e modelos de privatização. E aos povos indígenas, a velha e perversa pedagogia da indiferença, da inoperância e do descaso, para manter as coisas como sempre estiveram, e para não ter que lidar com a incômoda existência de outras formas de pensar e com a materialidade de outras propostas políticas, pedagógicas e sociais. INESC. Orçamento. Ano III, n. 3, Fevereiro de 2004 Texto disponível em http://www.adusp.org.br/revista/34/r34a06.pdf Texto disponível em www.inesc.org.br As lágrimas da Aracruz e a coragem das mulheres camponesas “Jamais esperava este tipo de violência”, afirmou de um hotel de luxo em São Paulo, o presidente da empresa Aracruz Celulose, Carlos Aguiar, ao jornal Zero Hora. Cristiano Navarro Edtor do Porantim o dia 20 de janeiro deste ano, a empresa Aracruz Celulose S/A mobilizou helicópteros, bombas, armas e 120 agentes da Polícia Federal do Comando de Operações Táticas (COT), vindos de Brasília, para expulsar destruir duas aldeias e 50 pessoas dos povos Tupiniquim e Guarani de sua terra tradicional, no município de Aracruz (ES). Sem sequer receber uma ordem despejo, os Tupiniquim e Guarani foram surpreendidos com o violento ataque. A ação, que resultou na prisão arbitrária de duas lideranças e deixou outras 12 pessoas feridas, teve todo o apoio logístico da Aracruz Celulose S/A. Os 120 agentes da Polícia Federal receberam hospedagem e utilizaram o heliporto e os telefones da multinacional. Na ação ilegal da Polícia Federal – condenada inclusive pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados – estavam em ação tratores da multinacional que destruíram totalmente duas aldeias Tupiniquim e Guarani. Todas as casas foram derrubadas e muitos índios não puderam retirar seus pertences de dentro. N No noticiário das grandes empresas de mídia, não se viu nenhuma mãe Tupiniquim ou Guarani com seus filhos chorando, nenhum ministro do governo condenando a ação ou mesmo o dono da empresa lamentando a violência. Mas se por aqui as grandes empresas de mídia não repercutiram o crime cometido pelo aparelho repressor do Estado e a empresa Aracruz Celulose S/A, a família real da Suécia resolveu vender suas ações da multinacional devido às denúncias e fortes pressões contra a violação de direitos humanos cometidos contra os povos indígenas e o desrespeito ao meio ambiente no Brasil. Mesmo com as denúncias de desrespeito aos direitos indígenas e ao meio ambiente, a gigante multinacional conta com vultusos recursos do BNDES. Recentemente foi noticiado que a empresa será beneficiada com mais de R$ 297 milhões de recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). O empréstimo, segundo os movimentos sociais do Espírito Santo, deverá resultar na perda de pelo menos 88 mil postos de trabalho. Essa informação também não foi repassada à opinião pública nacional pela grande mídia. O povo vai à frente “Deu aquele medinho na mulherada, ao sair do ônibus. Depois que viram as primeiras indo destruir ... foi muito lindo”, militante camponesa gravada por uma câmera escondida do Jornal Nacional Avançando sobre valores que representam dois pilares do capitalismo, a tecnologia e a propriedade privada, claro que a belíssima ação das mulheres camponesas contra a gigante multinacional seria rechaçada principalmente pelos que se guiam pelo calendário eleitoral. Mas é assim que avançam as lutas populares no Brasil. O povo organizado vai à frente tomando porrada de todos os lados e res- pondendo as urgências do dia-a-dia, enquanto busca aqui, ali e acolá os seus aliados – hoje tão difíceis de serem encontrados. Agora, quem acredita que os movimentos sociais podem utilizar as grandes empresas de mídia para se comunicar com a sociedade, ou é muito ingênuo, ou tem pretensões políticas conservadoras não declaradas. Imagine se os movimentos sociais pautassem suas agendas e ações, a partir das possíveis repercussões nas grandes empresas de mídia? Demarcação de terra indígena e reforma agrária, sem retomada e ocupação de terras, não existiriam. Dados sobre a terra Tupinikim/Guarani • A terra Tupinikim e Guarani, no Espírito Santo, identificada pelos grupos de trabalhos da FUNAI no período de 1994-1998 é de 18.070 hectares. Deste total, 4.491 hectares já tinham sido demarcados em 1981. Portanto, os grupos de trabalhos recomendaram uma ampliação de 13.579 hectares. • Em 1998, a terra Tupinikim e Guarani foi ampliada para apenas 7.061 hectares pelo exMinistro Íris Rezende. Ou seja, 11.009 hectares ficou para trás. • Em maio de 2005, os Tupinikim e Guarani auto-demarcaram estes 11.009 hectares, e reconstruíram 02 das antigas aldeias nessa área retomada: Olho d´Água e Córrego de Ouro. Portanto, a área retomada é 11.009 hectares. 7 Abril - 2006 3º Acampamento Terra Livre Os povos indígenas têm na mobilização sua mais importante arma na buscam por espaço de representação da condução e execução da política indigenista Priscila D. Carvalho e Cristiano Navarro P or volta das três horas da madrugada do dia quatro de abril, 550 pessoas desembarcaram na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para a levantarem barracos feitos de bambu, lona preta e palha. Vindos de vinte estados diferentes, os trabalhadores que erguiam os casebres improvisados na escuridão eram lideranças indígenas presentes ali para mais um Acampamento Terra Livre. Considerado pelas organizações indígenas e indigenistas como a principal mobilização dentro de seu calendário de lutas, o Acampamento Terra Livre tem como objetivo pressionar o Governo Federal para que garanta os direitos constitucionais dos povos indígenas, em especial o direito e a proteção de suas terras. “O acampamento mostra nossa força, mostra que a gente está vivo, apesar de todo massacre”, afirma o líder do povo Guarani-Kaiowá, Anastácio Peralta. Devido a grande intensidade nas manifestações por todo o País, o mês foi batizado de Abril Indígena. Além do Acampamento Terra Livre, o calendário do mês de abril compõe-se de uma série de atividades e manifestações por todo Brasil: 1 e 2 de abril: Encontro Nacional de Mulheres Indígenas, em Brasília; 15 de abril: comemoração de um ano da homologação da terra Raposa Serra do Sol, em Roraima; Semana dos Povos Indígenas, mobilização nos estados planejadas durante o Acampamento Terra Livre; 20 a 23 de abril: participação no Fórum Social Brasileiro, em Recife; 21 a 26 de abril: Assembléia da Coiab, em Roraima. Pressão por participação popular Abril - 2006 8 Assim o 3º Acampamento Terra Livre fez fortes críticas à política indigenista brasileira e apontou caminhos para uma nova relação entre os povos indígenas e Estado. A necessidade da participação dos indígenas na formulação de políticas públicas voltadas a eles foi a tônica central dos debates e das reivindicações. A implantação da Comissão Nacional de Política Indigenista, criada em março, pode- rá ser um caminho para a participação efetiva dos povos, mas ainda gera preocupações entre as lideranças. “Ainda que atendendo em parte o nosso pedido, manifestamos a nossa preocupação com relação às reais condições que serão oferecidas pelo Ministério da Justiça para sua instalação no prazo estabelecido no Decreto e seu pleno funcionamento operacional”, afirmaram na carta final do encontro. As preocupações sobre a condução das definições ligadas à política indigenista existem também em relação à Conferência Nacional dos Povos Indígenas, organizada pela Fundação Nacional do Índio. Prevista para durar 8 dias (12 a 19 de abril), o encontro ainda gera polêmica entre o movimento indígena, que divulgou, durante o acampamento Terra Livre, uma moção no qual questiona a forma de convocação das pré-conferências regionais, que antecederam a Conferência Nacional. Afirmam, no texto, que nestas conferências, “a Funai pautou as discussões somente em cima dos seus interesses”. A moção ressalta a preocupação de que a Conferência seja utilizada pela Funai para “reforçar a tutela e o órgão tutor ou ainda aproveitar este espaço para legitimar o encaminhamento de questões cruciais para os povos indígenas por meio de projetos de lei avulsos e que não tramitem no Congresso no âmbito do Estatuto dos Povos Indígenas”. O presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, anunciou em entrevista à Rádio Nacional da Amazônia que pretende apresentar aos indígenas, durante a conferência, a proposta de um Projeto de Lei que regula a mineração em terras indígenas. Em seus debates com representantes do Congresso Nacional, realizados durante o acampamento, os indígenas reforçaram a intenção de que todos os temas ligados a eles sejam tratados em conjunto, através da discussão do Estatuto dos Povos indígenas, parada na Câmara há 12 anos. “Conquistas arrancadas” As críticas à Conferência não chegam isoladas, mas em conjunto aos questionamentos feitos à política indigenista do Governo Lula, avaliada pelos manifestantes como negativa. Na carta final, divulgada no Fotos: Flávio Cannalonga O momento para mostrar a força O aprendizado na aldeia multicultural O Acampamento Terra Livre não é somente um momento de reivindicação e protesto para o movimento indígena, mas um encontro importante para formação e intercâmbio. Nos testemunhos apresentados, nas rodas de conversa e nas apresentações artísticas, todo momento é um espaço para aprender. Pela primeira vez aldeia na multicultural montada na esplanada dos ministérios Paulo Javaé, da ilha do Bananal, Tocantins, entende que “ao trocar as experiências de luta com os parentes de outros estados, dá para ver que as questões são as mesmas”. Osmildo Kontanawa, da região de Juruá, Acre, também pela primeira vez no Acampamento acredita que o respaldo dos outros povos na sua luta por reconhecimento étnico e demarcação da terra de seu povo é muito importante. “Aqui a gente vê como é importante a união dos povos para a gente ter os nossos direitos”, afirma Osmildo. e a união Moção do Acampamento Terra Livre 2006 sobre a Conferência Nacional dos Povos Indígenas convocada pela Funai Nós, as mais de 550 lideranças indígenas, abaixo-assinados, representantes de 86 povos indígenas de todas as regiões do Brasil, reunidos em Brasília em mais um Acampamento Terra Livre da Mobilização Abril Indígena, vimos, juntamente com o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas, marcar a nossa posição em relação à Conferência convocada pela Funai (Fundação Nacional do Índio). A atual política indigenista deste Governo é retrógrada, tutelar e oficialista, confundindo os interesses dos povos indígenas com os interesses da Funai, pretendendo confundir o órgão indigenista com a política indigenista. Uma demonstração desta política ocorreu na organização e convocatória das pré-conferências regionais, onde a Funai pautou as discussões somente em cima dos seus interesses. Por isso é que nós não reconhecemos nesta Conferência legitimidade para propor uma política indigenista que venha tão somente reforçar a tutela e o órgão tutor ou ainda aproveitar este espaço para legitimar o encaminhamento de questões cruciais para os povos indígenas por meio de projetos de lei avulsos e que não tramitem no Congresso no âmbito do Estatuto dos Povos Indígenas que ali se encontra. último dia da mobilização, eles consideram que as poucas conquistas foram “arrancadas” através de muita “pressão e luta inclusive com sacrifícios de vidas de parentes nossos”. “O governo Lula manteve uma política indigenista retrógrada, tutelar e oficialista, confundindo os interesses dos povos indígenas com os interesses da Funai, confundindo o órgão indigenista com a política indigenista”, avalia o documento. A falta de compromisso apontado pelos acampados na carta lembra que “das 14 terras paradas no Ministério da Justiça e levadas ao ministro da Justiça e presidente da Funai para dar solução no Abril Indígena de 2005, apenas uma terra teve portaria declaratória publicada”. O movimento indígena exige do Governo Federal a retomada do ritmo normal no processo de regularização das terras indígenas. Barrados no Planalto Para as lideranças presentes, o descaso com os povos indígenas que caracterizou o governo Lula nestes três anos de mandato foi reafirmado pelo Planalto, que se recusou a receber uma comissão que tentava entregar a carta final da mobilização aos três poderes, no último dia da mobilização. De acordo com as lideranças do movimento, havia uma Audiência agendada com assessores do Planalto desde o dia anterior e, sem qualquer justificativa, o horário foi transferido e, posteriormente, a comissão de lideranças foi barrada na porta do Palácio do Planalto por dois assessores do chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, que afirmavam que o governo poderia receber três representantes, mas não receberia uma comissão por “falta de tempo e espaço”. “O esforço de mobilização de mais de 550 indígenas, a disposição para debater embaixo do sol de Brasília, de tomar chuva, a gente só faz isso porque quer participar de verdade dessa política indigenista, porque temos muito a dizer e a propor. A gente foi recebido hoje pelo presidente do Senado e pela presidente do Supremo Tribunal Federal. Só o poder executivo não nos recebeu. Isso é descaso. É o mesmo descaso com que o governo Lula trata os povos indígenas há três anos. Tudo o que conseguimos nesse governo foi arrancado, foi a custa de muita luta e muita pressão, e vamos continuar lutando”, afirma Marcos Luidson, cacique Xukuru. Apesar disso, as falas finais dos indígenas avaliaram a mobilização como positiva para o movimento. “Este não é um momento de nos sentirmos derrotados, mas de Mais uma vez a aldeia montada no centro político do País reuniu os povos para pensar o futuro e os desafios do movimento indígena nacional saber que somos guerreiros e que continuamos lutando, como sempre estivemos”, afirmou a liderança Mura participante do acampamento. Em seu dia de encerramento, a mobilização Terra Livre foi recebida pela presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, que se comprometeu a dar precedência aos processos ligados a terras indígenas. “Há questões complexas, de tramitação longa, mas nós podemos dar precedência aos processos”, afirmou a ministra. Ainda na quinta-feira, o Supremo manteve a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, ao negar recurso proposto pelo senador Augusto Botelho (PDT-RR) pedindo a suspensão da homologação da terra indígena. (Com Colaboração do Centro de Mídia Independente de Goiânia) 9 Abril - 2006 Retomada das terras POVO TERENA Egon Heck Cimi MS cacique Agostinho combina os últimos detalhes, com seus guerreiros e trabalhadores. Sexta feira é dia de mutirão, de trabalho coletivo nas terras retomadas há três anos. Mais de uma centena de pessoas vão realizar diversos trabalhos, como concerto de cercas e limpeza de roça. No acampamento Mãe Terra o dia amanhece sem sobressaltos. Dos quase duzentos barracos cobertos de lona preta e palha, vão saindo guerreiros e guerreiras para mais um dia de labuta, de luta e fazer avançar a esperança na perspectiva da conquista definitiva da “terra mãe”. As crianças vão se preparando para ir à escola. Por enquanto não tem escola no acampamento. Um ônibus leva e traz diariamente as crianças. Em breve esperam que não apenas exista uma mas várias escolas nas novas aldeias que se formarão na terra reconquistada. O Fotos: Egon D. Heck Produzindo alimentos e esperança espaço para fazer suas roças, algumas famílias abandonam a terra indo para as cidades da região e outras vão à procura de outra terra, como é o caso de umas quarenta famílias que foram para o Mato Grosso, estando agora na divisa com o Pará. É o grupo do qual faz parte Gildo Terena que teve o gesto corajoso de enfrentar a tropa policial em Coroa Vermelha no ano 2000. Por ocasião dos festejos dos 500 anos, um grupo de Terena de Buriti resolve retomar parte de seu território tradicional, já identificado, de 17.200 há. Em 22 de fevereiro de 2003 retomam mais de uma dúzia de fazendas dentro da terra identificada. Nos meses seguintes outras retomadas são feitas pelas aldeias Córrego do Meio e Água Azul. Os fazendeiros entram com ações na justiça. Uma Ação Declaratória de Tutela Antecipada pede a anulação da eficácia dos procedimentos administrativos de reestudo dos limites da Aldeia Buriti e a inconstitucionalidade do decreto 1775/96. O juiz Odilon de Oliveira concede a antecipação de tutela declarando a ineficácia dos estudos preliminares realizados pela Funai. Essa ação judicial paralisou, desde então, a regularização-demarcação desta terra indígena. Esta paralisação preocupa muito a população Terena desta terra indígena. Após sua decisão, foi interposto re- Cronologia das lutas da retomada Terra Indígena Buriti No início do século passado esta terra foi demarcada com 2.090 ha. Com uma população superior a duas mil pessoas, com impossibilidade de ter Uma história de luta e resistência em defesa e recuperação Jorge Vieira1 população atual do povo Terena da terra Cachoeirinha, é de 5 mil indígenas, sendo que em torno de 3 mil vivem fora da área. Com o crescimento populacional e o espaço físico reduzido, cada vez mais encurralado por fazendas e centros urbanos, os Terena foram buscar nas grandes cidades fazendas e destilarias de álcool para trabalhar. Dentro de Cachoeirinha, encontram-se as aldeias Capão Babaçu, Logoinha, Morrinho e Cachoeirinha. Cada comunidade mantém suas formas de organização social própria, elege seus representantes, tem suas associações comunitárias, igrejas e campo de futebol. Segundo os Terena, a ocupação de “Cachoeirinha”, ou “Bôcôôti” como chama o povo indígena, remonta às primeiras décadas do século 19, mais precisamente em 1844, localizada a duas léguas e um terço a noroeste do município de Miranda. Além Abril - 2006 10 dos Terena, outros membros fazem ques- A tão de assumir a identidade como Laiana e Kiniquinau. Ainda no início da colonização espanhola, o povo Terena aparece nos relatos históricos ocupando o Chaco Paraguaio e Boliviano. Motivados por conflitos com os espanhóis e disputas interétnicas, caminhavam em direção do sol nascente à procura de terras férteis para desenvolverem a agricultura. Migraram, no século XVII, para a região denominada Xaraés pelos Guaicuru, região pertencente atualmente ao estado do Mato Grosso do Sul. A migração terminou por volta de 1845. No contato com os Guaicuru, os Terena constituíram alianças e assimilaram a estratificação social, aprenderam diferentes práticas e manejos, a exemplo da criação de animais e produção de cerâmica, sem deixar a atividade agrícola. Três acontecimentos marcaram significativamente a vida e organização social dos Terena: a saída do Êxiva ou Chaco; a participação na Guerra do Paraguai, entre 1865-1870; e, por último, na volta encon- traram suas terras invadidas e foram forçados ao esparramamento por fazendas e periferias de algumas cidades brasileiras. Esses fatos vão imprimir transformações em sua estrutura econômica, cultural, política e religiosa. Em 1905 constata-se a forte presença Terena trabalhando na construção das linhas telegráficas, na estrada de ferro Noroeste do Brasil e, até os dias atuais, em atividades de peões de fazenda, assalariados de usina de cana-de-açúcar e biscateiros. Hoje, a sociedade Terena contemporânea engloba, a um só tempo, três situações distintas: a Reserva, a cidade e a fazenda. Além das “reservas” demarcadas entre as décadas de 1910 e 1920, foram requeridas ao estado do Mato Grosso pelo extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI) as reservas Pilad de Rebuá, onde estão localizadas as aldeias Passarinho e Moreira, no município de Miranda; a área Limão Verde, município de Aquidauana; Aldeinha, na periferia do município de Anastácio; Buriti, entre os municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos de Buriti; Tereré, dentro da cidade de Sidrolândia; Brejão, no município de Nioaque; em Campo Grande, Rochedo, Porto Murtinho e Dourados. Encontra-se, ainda, em Rondópolis, em Mato Grosso e na reserva “Araribá”, município de Avaí, no Estado de São Paulo. Os Terena são uma das maiores populações indígenas do Brasil, estimada em cerca de 30 mil pessoas. Como em tempos passados, a agricultura é para a maioria dos Terena uma de suas principais atividades, junto à produção da cerâmica, instrumentos musicais e objetos de cipó e palha de palmeira. O contato com espanhóis e portugueses foi sempre tencionado pela disputa pelo território e pelo conflito cultural e religioso, ampliando-se com as incursões bandeirantes na caça de índios pela região do Mato Grosso e a colonização gaúcha, acarretando a expulsão dos indígenas e a redução dos seus territórios. Fotos: Egon D. Heck curso de apelação pela União bem como pela Procuradoria da República de Campo Grande, sendo que até a presente data o recurso aguarda seu julgamento pela 5º Turma do Tribunal Regional Federal da 3º Região em São Paulo. Para que tanta terra para os índios ? Essa é a voz do agronegócio predador. Vamos nos dirigindo para uma das terras tradicionais retomadas. No caminho a conversa é sobre terra. E aí imediatamente vem a pergunta que os latifundiários e produtores rurais da região martelam incessantemente: porque tanta terra para os índios? E as lideranças Terena mesmo vão respondendo. “Olha só o pedacinho de terra que a gente tem aqui. Mal dá para plantar uns pés de mandioca, milho ou outros alimentos. Agora olha aí a imensidão de terra, transformada em capim para o gado. Só o Argelino Ferreira tem mais de 20 mil hectares de terra por aqui. E quem ganha com isso?” Perguntam com ar de revolta e indignação. Quem conhece um pouco da história, vida e cultura Terena certamente não terá dúvidas em perceber que trata-se de um absurdo desse sistema fundiário do Mato grosso do sul, baseado no agronegócio concentrador e excludente. Os Terena na verdade são grandes produtores de alimentos não apenas para seu povo, mas também para a população da região. Eles estão presentes nas feiras de venda de produtos agrícolas em todas as cidades da região, inclusive na capital, Campo Grande. Ali não apenas eles mantém barracas permanentes para vender seus produtos, mas também podem ser vistos andando de casa em casa oferecendo legumes, verduras e frutas. E no correr da conversa sobre terra e produção mais um pedido de uma liderança: “Olha, você está vendo nossas roças, nossa produção aqui na terra retomada. Só que ninguém vê e ninguém divulga. de seu território Há décadas os Terena de Cachoeirinha lutam pela retomada do território tradicional, reivindicação que aglutina as lideranças. A expectativa da população que mora nas aldeias é de que, com a conquista da terra, os quase 3 mil indígenas que moram e trabalham nas cidades possam voltar para a aldeia. Cachoeirinha continua como um espaço importante, não somente para quem nela vive, mas como referencial para quem a visita, para rever os parentes, participar das festas, danças, celebrações e, principalmente, espaço de fortalecimento da sociabilidade étnica. O espaço geográfico onde estão localizadas as aldeias foi cada vez mais reduzido. Com isso, a convivência e sobrevivência tornaram-se mais difíceis, principalmente para a juventude. Entre as décadas de 40 e 60 quando o antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira realizou pesquisa entre os jovens Terena, identificou que a maioria deles tinha como perspectiva de realização pessoal morar, estudar e conseguir um emprego na cidade. No entanto, como afirma o professor Terena Sebastião Rodrigues: “de volta para casa, nossos jovens, quando saem em busca de um trabalho, criam a ilusão de felicidade; mas, quando voltam, o dinheiro só dá para passar uma semana mantendo a alimentação da família, além de aprender os costumes ruins dos purutuyë e trazer para dentro das nossas aldeias. O confinamento na Reserva diminui a cada dia a perspectiva da juventude, provocando o aumento do consumo de drogas, álcool, prostituição e violência interna”. Entretanto, apesar de muita luta e da Constituição Federal garantir a demarcação do território tradicional e o Artigo 67 das Disposições Transitórias determinar um prazo de cinco anos, a terra continua invadida por grandes fazendas. 1 Mestre em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco, com pesquisa realizada com a população Terena de Cachoeirinha. Queremos que todo mundo saiba o que estamos produzindo”. E para exemplificar o pedido vão colocando os números da produção da última safra: “Só aqui nesta retomada da aldeia Buriti nós colhemos1.200 arrobas de algodão, 1750 sacos de milho e umas 600 toneladas de mandioca”. E assim as terras retomadas, que ao todo são um pouco mais de mil hectares, das diversas aldeias, como Córrego do Meio, Água Azul, tem grande produção de alimentos. Não resta dúvida que os Terena tem contribuído muito mais para alimentar a população da região do que o agronegócio. Até por esse ângulo é uma questão de justiça que eles tenham ao menos parte de suas terras tradicionais de volta para contribuir com a produção de alimentos na região. Uma das grandes vitórias das retomadas de terra, foi ir acabando com o trabalho semi escravo nas fazendas da região. “Essa nossa luta acabou com o trabalho nas fazendas e usinas. Hoje ninguém mais vai nesse tipo de trabalho fora da nossa terra”, fala com orgulho o cacique Agostinho. E complementa “ a gente só estava enriquecendo o fazendeiro, e agora estamos fazendo alguma coisa para nós mesmos, tirando nosso sustento e melhoria de vida da terra. Juntar forças – Grande Assembléia Terena O mutirão na terra retomada é um acontecimento importante na comunidade. Ali não apenas vão os adultos, mas as crianças vem para um novo espaço de alegria, lazer e liberdade. As mulheres garantem a comida. Um enorme panelão de puchero (carne com osso e mandioca) enche os olhos e dá água na boca. Após o almoço, um pequeno momento para se esticar e depois é pegar a foice, enxada e outras ferramentas e cada qual vai para alguma atividade coletiva. É um momento muito importante para reavivar a memória e fazer crescer a esperança. No decorrer do dia também fomos conversando sobre os diversos aspectos da vida organizativa, trabalho, produção, história e resistência do povo Terena, que hoje tem mais de 25 mil pessoas, em uma dezena de municípios da região. Uma das questões que mais foi sendo afirmada é a necessidade de juntar e unir mais as forças do povo Terena. Como exemplo foi citado o povo Guarani Kaiowá, seus vizinhos, que tem uma Comissão de articulação das lutas do povo e realizam grandes Assembléias, as Aty Guasu. “A gente também tem que fazer esse tipo de Assembléia grande do Povo Terena. Precisamos nos unir e organizar melhor”, comentou uma das lideranças. De fato, desde o ano passado, os Terena da Terra Indígena Buriti estão procurando concretizar essa Assembléia. E nesse ano, com a retomada em Cachoeirinha, acampamento Mãe Terra, essa idéia, esse sonho, começa a se tornar realidade. Já está marcada e sendo organizada uma grande Assembléia Terena, neste acampamento “Vamos reunir mais de dois mil índios Terena aqui e representantes de outros povos do Mato Grosso do Sul e do Brasil, que vão vir contribuir com suas experiências de luta”, afirma resoluto e orgulhoso o cacique Ramão. “Olha, você está vendo nossas roças, nossa produção aqui na terra retomada. Só que ninguém vê e ninguém divulga. Queremos que todo mundo saiba o que estamos produzindo” Ameaças, luta e esperança Os processos de retomada de terra do povo Terena são bastante recentes. “Ninguém acreditava que nos iamos lutar e nos agüentar na luta pela reconquista de nossa terra tradicional. A Funai dizia que nós não iamos agüentar a luta pela terra. Mas estamos aqui, daqui nunca mais vamos sair”, afirma com voz calma mas decidida o cacique Zacarias, no acampamento Mãe Terra. Porém as ameaças dos fazendeiros e políticos da região continuam. Existe um silêncio preocupando, nas retomas do Buriti. Existe uma expectativa de muita luta ainda para conseguirem os 33 mil hectares da Terra Indígena Cachoeirinha, que hoje tem menos de três mil hectares. Porém uma coisa é certa: o povo Terena hoje está decidido e resoluto na luta de reconquista de parte de seus territórios tradicionais. É um novo tempo de luta e esperança. 11 Abril - 2006 País Afora Equipe Iraí Cimi Sul ano de 2006 iniciou, e os problemas vividos pelos indígenas nos últimos anos, continuam, principalmente na questão das demarcações de seus territórios tradicionais. No norte do Rio Grande do Sul, onde há uma grande concentração de Kaingang, em conseqüência disso, há muitas reivindicações para possíveis demarcações, tanto identificação como revisão de limites. Tendo presente esta demanda, a Funai em 2002 realizou relatórios prévios, na maioria das áreas, onde havia a necessidade de revisão, e também possíveis identificações. Como resultado, a antropóloga responsável recomendou a criação de Grupos de Trabalhos (GTs), levando em consideração as áreas pequenas, onde a população indígena aumentou. Um exemplo claro é a terra indígena Iraí, com 279 hectares, para mais de 100 famílias. Devido a casos como este que os Kaingang estão cobrando da Funai maior comprometimento e responsabilidade. Depois desse levantamento prévio, realizado pela antropóloga Maria Helena, a Funai criou apenas três GTs para a terras indígenas: Mato Preto, Votouro/Kandóia e Borboleta, no início de 2004. O que se percebe é uma incapacidade muito grande da Funai porque nenhum destes relatórios foram publicados, descumprindo os prazos do decreto 1775/ 96, que determina um prazo máximo de 60 dias para entregar o relatório para ser analisado pela Funai. Os índios são constantemente enganados, ludibriados pela Funai. Temos outro exemplo claro, o da terra indígena Passo Grande da Forquilha que constava no levantamento prévio realizado por Maria Helena, sendo indicada para possível demarcação. Mesmo assim a Funai enviou um antropólogo em 2004, que demorou quase um ano para elaborar outro levantamento prévio e escreveu um relatório incompleto, cheio de falhas, que não comprovava absolutamente nada. Em julho de 2005, através de pressão feita pelos Kaingang, que estão acampadas ao lado de uma rodovia, a Funai comunicou-lhes que o relatório não Abril - 2006 12 tinha argumento suficiente para criar um GT. Na beira da estrada, povo Kaingang aguarda o respeito ao seu direito à terra. As crianças são as que mais correm risco de morte O Fotos: Cimi Sul/Equipe Irai Demarcações continuam paralisadas no Rio Grande do Sul Em outubro de 2005, a Funai através de outro edital fez um outro levantamento prévio (terceiro), agora com a antropóloga Juracilda da Veiga. Para se ter uma idéia, os últimos Kaingang a deixar a terra o fizeram em 1974, numa negociação forçada por colonos interessados em tirar os índios desse lugar. Não havia necessidade, portanto, de realizar um levantamento prévio, para indicar a criação de um GT. Como não seria tradicional uma terra de onde os índios foram obrigados a sair? A seguir, um depoimento de uma liderança do acampamento Passo Grande da Forquilha: “Queremos fazer em nome das famílias Kaingang deste acampamento um relato referente a nossa preocupação com a demora que a Funai de Brasília, setor Coordenação Geral de Identificação e Delimitação (CGID), e Departamento de Assuntos Fundiários (DAF) tem para realizar os trabalhos de demarcação de nossa terra. Apesar de estar no decreto 1775, os passos e prazos, tanto para iniciar os trabalhos e a sua publicação no Diário Oficial, e até a demarcação final, estamos vendo que nossos direitos estão sendo violados. Estamos cansados de esperar uma resposta do relatório prévio, o último realizado no ano passado, aqui em nossa terra, Passo Grande da Forquilha. Eles marcam um prazo, e quando chega o dia, eles marcam um novo prazo. O CGID joga para a DAF, e daí não sabemos onde fica na verdade a papelada. E quando um joga para outro nós ficamos aqui sofrendo sem recurso, e o pior sem plantar para a sobrevivência de nossas famílias. Queremos levar ao conhecimento do público e fazer um apelo para que algum órgão venha a ter piedade de nós índios de todo o Brasil, e mandem documentos para a Funai, para que acelere os processos de demarcação. “Mais um dia do índio nós vamos ter que passar tristes junto de nossos filhos na beira da rodovia, enquanto que a Funai e demais aldeias já colocadas vão festejar. O presidente da Funai vai aparecer em televisão dizendo que o índio do Brasil está bem, só que na verdade não é o que eles estão pensando”, afirma Adamor Franco, Líder Kaingang. O triste da realidade é que não é só isso, a morosidade da Funai está condizente com a política do próprio governo Lula. Tudo é pautado pela política antiindígena que serpenteia pelos corredores do Executivo, da Justiça e do Legislativo. Não é verdadeira a afirmação de que os processos não caminham por falta de dinheiro. Isso é paliativo. O que existe nos órgãos do governo federal que tratam da questão indígena são pessoas mal intencionadas, com poucas exceções, que estão nos cargos para beneficiar os nãoindígenas, por isso procuram atrapalhar o mais que podem os processos demarcatórios. O que se pode esperar da Funai, órgão do governo, responsável pelas demarcações de terras indígenas, se o seu próprio presidente, Sr. Mércio Pereira Gomes, afirmou que “os índios já têm terra demais”? Por que uma pessoa que trabalha dentro do CGDI, entregou um relatório antropológico em fase de conclusão para os colonos do município? Para que estes possam organizar-se contra os Guarani da terra indígena. Mato Preto? O que mais se pode esperar desse órgão ou do próprio governo Lula? Equipe Tapirapé Cimi MT o dia 18 de março faleceu Marcos Xako’iapari, um grande líder do povo Tapirapé. Pessoas de todas as aldeias vieram em grande número para entoar o choro ritual e dançar conforme o rito funerário do povo Tapirapé. Certa vez, ele havia dito que quando chegasse a sua hora queria morrer ouvindo o canto fúnebre. E assim aconteceu. Mais uma vez, Marcos reuniu o seu povo com a força espiritual do canto e da dança de seus ritos. De Majtyri, Santa Terezinha, veio o sr. Awarao, especialista nos cantos para os mortos. Impressionou a força do canto e da dança, a presença de muitos jovens, homens e mulheres, de todas as aldeias. Por quatro dias e quatro noites, ouviramse os lamentos de tristeza do povo que se despedia desse grande chefe. Tinha chegado a hora da partida. Ele a tinha preparado e seu povo veio para cantar e dançar e ajudar o seu espírito a encontrar o caminho da nova morada. Afetado por um derrame desde janeiro de 2005, ele não podia mais andar e ficou com a saúde abalada. Ultimamente já não conseguia mais se alimentar e veio a falecer na aldeia Tapi’itãwa, Área Indígena Urubu Branco, na terra de seus antepassados, que os Tapirapé conseguiram retomar em 1993. Marcos Xako’iapari contava aproximadamente 85 anos de idade. Ele havia recebido as Irmãzinhas de Jesus em 1952 na aldeia da Barra do Rio Tapirapé e se tornou um grande amigo da Irmãzinha Genoveva. Naquele tempo, ele tinha dois filhos pequenos com a segunda esposa, pois a primeira havia sido morta pelos Kayapó. Marcos tinha visto seu povo fugir, se espalhar, começar a desaparecer após o ataque Kayapó de 1947 e em decorrência de numerosas doenças antes desconhecidas. Ele foi do grupo que se estabeleceu N Fotos: Cimi Mato Grosso/Equipe Tapirapé Povo Tapirapé está de luto na Barra do Rio Tapirapé, perto do posto do então SPI (Serviço de Proteção ao Índio), na década de 50. Viu também seu povo renascer e lentamente aumentar em número até que um dia Marcos pode exclamar, ao ver várias crianças brincando nos terreiros: “Agora Tapirapé não vai morrer mais!” Ele se preocupou em dar a seus filhos e aos Tapirapé os conhecimentos da língua e dos costumes, as regras do modo de ser Tapirapé. A nova situação exigia relações com os não-índios, cada vez mais numerosos e cada vez mais ocupando espaços que antes eram só dos índios. Ele soube agir com sabedoria e serenidade frente a essa realidade, mantendo-se fiel às suas tradições e, ao mesmo tempo, contribuindo para a garantia dos direitos de seu povo, sobretudo na questão da terra. Muitos nãoíndios da região são testemunhos de sua cordialidade e de seu sorriso acolhedor. Irmãzinha Genoveva fala assim a respeito de Marcos Xako’iapari: “Ele sustentou o povo dele no momento em que os Tapirapé se sentiam mais fracos por causa de nossas doenças e da relação com a nossa sociedade que não os aceitava diferentes. Ele foi a força desse povo e por isso reconhecido por eles como seu grande cacique”. País Afora Marcos viu a escola nascer em 1973, recebendo Luiz e Eunice que vieram para ser os professores. Escolheu um nome de sua família para o filho do casal, como se fosse para um neto seu, demonstrando assim a sua acolhida. Conhecedor das regras cerimoniais, deu força e resistência ao povo através dos rituais: construção da Takãra (casa cerimonial), diversas festas e danças, transmissão dos mitos e da história do povo, as iniciações da juventude marcando o ritmo de crescimento de sua gente. Ele era grande cantador e contador de histórias. Formou outros homens para levarem adiante os rituais e em 2002 foi com grande alegria que presenciou dois homens jovens assumirem uma das cerimônias mais importantes dos Tapirapé. Alegria grande! A vida continua com sua força cultural própria. Na hora de sua partida, o sentimento de perda nos leva a pensar que Marcos se vai e com ele desaparece muito do conhecimento e da cultura Tapirapé. Porém, é mais justo dizer que Marcos partiu, mas fica todo um povo com suas tradições, sua língua, sua cultura e muito consciente de sua dignidade e de sua identidade. Certamente, ele, com seu exemplo de vida, ajudou a forjar esse povo. Na caminhada Marcos encontrou bons aliados, como Antônio Canuto da CPT e as imãs de Foucalt, que andaram ao lado de seu povo Ao lado da Irmãzinha Genoveva (à esquerda) o cacique viu seu povo se reerguer Assassino de Atikum é condenado a 13 anos de prisão osé Lourival Frazão, mais conhecido como Louro Frazão, foi condenado, em Caruaru (PE), a 12 anos e seis meses de prisão, a serem cumpridos inicialmente em regime fechado, pelo homicídio qualificado da liderança Atikum, Josenilson José dos Santos, atingido por um disparo de arma de fogo, na cabeça, quando já se encontrava indefeso e caído ao chão. Frazão foi absolvido de outros dois crimes, o de porte ilegal de arma e pelo assassinato do indígena Xukuru, José J Ademilson Barbosa da Silva, uma vez que o Tribunal do Júri reconheceu que o acusado agiu em legítima defesa. Atuou no júri o procurador federal Rafael Nogueira e na assistência de acusação o advogado Paulo César Maia Porto, juntamente com o corpo de assessores jurídicos do Cimi. Estiveram presentes ao julgamento 150 pessoas dos povos Atikum e Xukuru, representantes do Movimento Nacional de Direitos Humanos e de organizações indígenas. O crime ocorreu em 7 de fevereiro de 2003 quando o cacique Xukuru, Marcos Luidson de Araújo, juntamente com seu sobrinho, menor de idade, e mais dois companheiros que faziam a sua segurança, sofreu um atentado contra a sua vida quando dirigia um caminhão da comunidade indígena da aldeia Santana em direção à aldeia Vila de Cimbres, terra indígena Xukuru e que resultou nos assassinatos dos dois indígenas que acompanhavam o cacique. Meses antes do crime, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos havia solicitado que o Estado brasileiro fizesse a proteção física de Marcos, que sofria ameaças de morte por parte de grupos políticos e econômicos que têm interesse nas terras do povo Xukuru. A motivação do crime ocorreu pela forte oposição que o cacique e as lideranças Xukuru fizeram à tentativa de divisão do território tradicional do povo Xukuru, articulada por políticos e fazendeiros da região que desejavam permanecer ocupando ilegalmente a terra indígena e que contou com o aliciamento de alguns indígenas. 13 Abril - 2006 Fotos: Equipe São Paulo/Cimi Sul Ará Verá: um espaço iluminado na educação indígena País Afora Benedito Prezia Cimi Sul Aldeia destruída depois do corte irresponsável dos eucaliptos feito pela prefeitura da Capital o final de janeiro encerrou-se a última etapa do 2o Curso de Formação de Professores Indígenas Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul, em Dourados. Iniciado há três anos, o curso contou com a participação de 53 jovens Guarani e Kaiowá, procedentes de 12 áreas indígenas do sul do Estado. Ao longo desse tempo, a troca de saberes ocorreu para esses jovens que descobriram que o que era considerado “coisa de branco”, poderia ser importante instrumento de conscientização e luta pelos direitos. Isso pôde ser visto no depoimento de vários deles, como foi o de Onérimo Godói, da aldeia Guaimbé, de Laguna Carapã: “Antes do curso pensava para os meus alunos que o objetivo era vê-los formados para o mercado de trabalho. Hoje mudei radicalmente, porque o curso me ensinou a valorizar a cultura [guarani] que eu amo. Voltei a ter argumentos para defender meu jeito de ser Guarani. Posso dizer com voz alta que as políticas usadas pelos brancos para acabar com o Guarani foram em vão. Hoje até me emociono para falar do meu povo. Afinal são 500 anos de resistência!” Essa resistência se deu, sobretudo, através da luta pelos territórios perdidos e com a manutenção das tradições religiosas. Isto esteve também presente no curso. Diariamente as atividades eram iniciadas e encerradas com uma reza do cacique (nome dado aos rezadores Guarani no Mato Grosso do Sul) que permanecia, com sua família, as três semanas que durava cada unidade. Esse curso um tanto longo, com duração de três anos, foi realizado por iniciativa do Movimento dos Professores Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul e assumido pela Secretaria de Estado de Educação/MS, através do Projeto Ará Verá (espaço-tempo iluminado), em parceria com as Prefeituras Municipais. N Odifícil cotidiano do povo Guarani no Pico do Jaraguá Beatriz Catarina Maestri e Vanessa de Souza Ferreira CIMI - Equipe Grande São Paulo O s Guarani do Pico do Jaraguá continuam numa situação difícil devido à falta de moradia. Há tempo vinham solicitando o corte de eucaliptos na pequena aldeia Tekoa Pyaú, de 2,5 ha, onde moram 54 famílias. Só com muita insistência e depois de várias árvores terem caído sobre as casas dos Guarani, a prefeitura de São Paulo liberou o corte, indicando um madeireiro para que fosse contratado para este serviço. Também aí os indígenas foram lesados. Receberam R$ 3,00 pelo metro cúbico enquanto que o madeireiro vendeu a mesma madeira por R$ 36,00. O serviço mal feito resultou outro sério problema, a destruição de quase todas as casas guarani da aldeia. Assim a maioria das famílias teve que se alojar no Centro de Educação Cultural Indígena (CECI), centro construído em todas as aldeias Guarani da capital pela administração anterior. Após inúmeras pressões por parte dos Guarani e seus aliados e a divulgação do caso na imprensa, a prefeitura prometeu liberar o material para construção das casas - madeirite e telha. Algumas casas começam a ser construídas em meio ao cenário de destruição em que se encontra a aldeia com árvores cortadas, galhos e tocos que se espalham por todo espaço. A partir de julho de 2005, um grupo de seis famílias que viviam no Pico do Jaraguá e em Parelheiros (São Paulo-SP), descontentes com a falta de terra e a pouca assistência dos órgãos responsáveis, resolveu ocupar um espaço de terra no Bairro Sol Nascente, local próximo do Pico do Jaraguá. Em fevereiro deste ano veio a ordem de despejo, depois da reclamação judicial de seu proprietário. Segundo informações da assessoria jurídica do Cimi e da Procuradora Débora Stuk, seria muito difícil reverter a situação, pois era certo que a terra ocupada pertencia a Tito Costa e não haveria como os indígenas permanecerem no local. Ainda segundo a procuradora, estas famílias Guarani teriam sido usadas por um líder de movimento de moradia e ex-funcionário da prefeitura para esta ocupação. O fato é que estas famílias necessitam de área para morar e querem espaço suficiente para o plantio dos alimentos. No dia dois de março, o Procurador da Funai de Bauru, esteve no local e convenceu os indígenas a deixarem as terras ocupadas com a promessa de que estariam buscando outro espaço em São Paulo, onde houvesse melhores condições também para o plantio de alimentos, uma das reivindicações do grupo. As famílias aguardam na Aldeia Tekoa Pyaú, pela providência da Funai. Na especialização, a soma da valorização da cultura com o aprendizado da ciência Apesar do orçamento limitado e das instalações precárias, obteve-se um bom resultado, como se vê pela baixa evasão dos alunos. Um dos frutos foi a publicação do livro de contos Ñe’ë Poty Kuemi e outros três livretos de receitas. Outros dois aguardam verba para a publicação. Como diz o juramento a ser proclamado no dia da formatura, em julho próximo, cada um se compromete a ajudar “as lideranças e a comunidade a se organizar pela luta de seus direitos, ser uma pessoa pensante e incansável no dia-a-dia da aldeia, (...) [e] a lutar pela retomada de nossos territórios tradicionais, como forma de garantir a vida de nosso povo, uma vida digna, e construir uma terra sem males”. Um grande programa e um grande desafio. Políticos antiindígenas fazem declarações racistas Cristiano Navarro Editor do Porantim ois casos de racismo, em duas regiões do País, comprovam que o problema está na raiz das oligarquias brasileiras. Em Santa Catarina o prefeito de Chapecó, João Rodrigues, acusado de prática de racismo foi condenado a prestar serviços à comunidade por dois anos e quatro meses, pagar multa de 10 salários mínimos e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo mensal pelo prazo da pena, a ser revertida em prol das vítimas, seus dependentes ou entidade Abril - 2006 14 assistencial. D No dia 16 de março, a 4ª Seção do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região confirmou a condenação do prefeito de Chapecó. A ação penal foi movida devido às declarações do prefeito contra os povos Kaingang e Guarani no programa de televisão que apresentava “SBT Verdade”, em 1999. Entre suas declarações racistas, João Rodrigues afirmou que “A indirada dificulta o processo (...), trabalha muito pouco, não são chegados ao serviço”, “os índios assumem, vira um capão desgraçado no ato, não cultivam” e “índio tem terra, mas não planta, é mais fácil roubar, tomar de alguém que plantou e se dizer dono, depois que colhe abandona toda a fazenda e vão invadir outra”. A agressão aos dois povos foi motivada por sua luta pela terra. Na época, os Guarani e Kaingang estavam em conflito com colonos e latifundiários pela posse de seu território tradicional, na região oeste (nos municípios Seara, Nonoai e Iraí) de Santa Catarina e norte do Rio Grande do Sul. Em mesmo tom racista, o presidente da Assembléia Legislativa do estado do Amazonas, deputado Belarmino Lins, afirmou ao jornal A Crítica, do dia 16 de março, que “Todos os Lins e Albuquerque são oriundos de portugueses e alemães. Não são oriundos de tribo indígena”. Lins utilizou-se do argumento racista para expressar a condição de superioridade de sua família com relação aos índios, sustentando como legal a prática de nepotismo em seu gabinete. Em nota pública a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) manifestou seu repúdio com relação às declarações do deputado. “Ao falar assim, o deputado presidente da Assembléia Legislativa mais uma vez despeja para a sociedade toda sua ignorância e preconceito, desrespeitando o povo amazonense” declara a Coiab que lembra que esta não é a primeira vez que Lins faz afirmações racistas. “O mais absurdo e inacreditável é que os arroubos de ignorância e pretensa superioridade do deputado Belarmino Lins acontecem sempre na esfera pública”, condena a organização indígena. Influência das Línguas Indígenas no Português Cultura Benedito Prezia Toponimista Línguas isoladas R etomando esse tema, começado em artigo anterior com o estudo da língua mynky (agosto 2005), as línguas isoladas, como diz Aryon Rodrigues, são “línguas que não revelam parentesco genético com nenhuma outra” (1986:93). Ao contrário dos demais idiomas, não são agrupadas em troncos ou famílias, sendo únicas no continente. Este fato se deve à existência de grupos que há milhares de anos se isolaram dos demais, criando uma singularidade lingüística. Esse isolamento fez com que a maior parte deles sejam constituídos de pequenas comunidades, com exceção dos Tükuna, no Amazonas, cuja população ultrapassa 20 mil falantes. Nessa categoria encontramos as línguas aikaná/aikanã, ajuru, akuntsu, kwazá/koaiá/arara de Rondônia, irantxe com seu dialeto mynky, kampé, kanoê/kanoé, jabuti, massaká, trumai e tükuna. Coincidentemente, com exceção dos Tükuna, que vivem no alto Solimões, no Amazonas, todos os demais povos de língua isolada habitam no Mato Grosso e, sobretudo, em Rondônia. Isso mostra que essa região foi um importante corredor migratório em tempos antigos, quando a floresta tropical ainda não cobria a Amazônia. Isso pode ser constatado por dados arqueológicos deixados por povos coletores e também pela existência dos Nambikuara, um povo coletor de presença muito antiga na região. Com a mudança vegetal da região, esse povos se mantiveram confinados pela floresta, ao contrário de outros que se dispersaram, facilitando o surgimento de variantes dialetais e de novas línguas. Na década de 80 Aryon Rodrigues considerava a língua maku como isolada, mas estudos mais recentes apresentam-na formando uma família lingüística à parte. Infelizmente, com exceção das línguas mynky, trumai e tükuna, as demais línguas isoladas têm sido pouco estudadas, e o desaparecimento desses povos, na sua maioria em fase de extinção, representará uma grande perda cultural não só para o Brasil, como também para a humanidade. Para a língua trumai há o estudo da francesa Aurore MonodBecquelin, La pratique linguistique des indiens Trumai (Paris: Selaf, 1975), além de um conto nessa língua, Les amants punis: conte trumai, publicado na revista Ameríndia (Paris, v. 2, 1977, p. 163-173). BIBLIOGRAFIA RODRIGUES, Aryon D. Línguas brasileiras. São Paulo: Loyola, 1986. Povo Guarani lança primeiro CD indígena capixaba s aldeias Guarani de Três Palmeiras, Boa Esperança e Piraqueaçu vão lançar em 19 de abril, Dia do Índio, o primeiro CD indígena capixaba Mborai retxa kã Marae’y - Cantos da sabedoria sagrada infinita. O trabalho, gravado na própria aldeia pelo Coral Guarani, tem produção de Carlos Papel, coordenação do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) da Serra e patrocínio da Coordenadoria Ecumênica de Serviços (Cese). O coral é composto por 21 indigenas. A primeira tiragem terá 1.200 exemplares. O CD tem 15 músicas que fazem parte do universo religioso Guarani e foi pensado como forma de registrar a cultura deste povo, tradicionalmente oral, que está ameaçada devido às influências dos centros urbanos, muito próximos das aldeias. O responsável pelo projeto, o cacique da aldeia de Três Palmeiras, Marcelo Oliveira – Werá Djekupé na língua Guarani – explica que, além disso, o CD também é um fator de integração. Segundo ele, os momentos que antecederam a gravação foram importantes para reforçar os laços coletivos, uma vez que as crianças e jovens se reuniram periodicamente para ensaios e as comunidades continuam se reunindo para avaliar cada passo da execução do projeto. “Esta é uma oportunidade para a gente apresentar aos não- A indígenas uma face da cultura do povo Guarani. No encarte, colocamos as músicas traduzidas para o português para os brancos entenderam o significado de nossos cantos”, acrescentou Werá Djekupé. Outro fator positivo no projeto é o investimento dos recursos obtidos a partir da comercialização. A partir de uma decisão das comunidades, uma parte do valor de cada disco vendido será aplicado em um fundo. Este dinheiro será usado para compra de instrumentos, roupa para o coral ou execução de uma segunda tiragem do CD. O valor restante será usado em projetos coletivos que atendam a toda comunidade. O lançamento do CD está marcado para as 8h30 do dia 19, com um momento religioso seguido de um lanche com comidas típicas Guarani. Durante todo o dia haverá jogos e apresentação de danças indígenas. Além da coordenação do CDDH e patrocínio da Cese, o projeto teve apoio da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase-ES), Sindicato dos Bancários do Estado do Espírito Santo (Sindibancário) e Sindicato dos Previdenciários. SERVIÇO: - Venda do CD: nas aldeias. - Outras informações ou contato para aquisição do CD: Marcelo Oliveira – Werá Djekupé (27) 9276-3686. Assine o Para fazer a sua assinatura, envie vale postal ou cheque nominal em favor de Cimi/Porantim: (somente por meio de carta registrada) Caixa Postal 03679 - CEP: 70.084-970 - Brasília-DF Inclua seus dados: Nome, endereço completo, telefone, fax e e-mail. Se preferir faça depósito bancário: Banco Real Ag: 0437 C/C: 7011128-1 - Cimi-Porantim. Envie cópia do depósito bancário para o fax (61) 2106-1651, especificando a finalidade do mesmo. P R E Ç O S Ass. anual: R$ 30,00 *Ass. de apoio: R$ 50,00 América Latina: US$ 25,00 Outros países: US$ 40,00 * Com a assinatura de apoio você contribui para o envio do jornal a diversas comunidades indígenas do País. Faça sua assinatura pela internet: [email protected] 15 Abril - 2006 RESISTÊNCIA INDÍGENA DO PIAUÍ mbora o Piauí não apresente comunidades indígenas, mas ele teve sua história de resistência. A implantação de fazendas, feita pelo português Domingos Afonso Sertão, espalhou o gado pelos campos e caatingas piauienses. Quando morreu, em 1711, deixou 30 fazendas, com mais de 30 mil cabeças de gado, espalhadas ao longo dos rios Gorguéia, Piauí, Canindé e Itaim Açu. A entrada do gado significou a expulsão dos povos indígenas de suas terras, transformando muitos deles em vaqueiros e peões, num regime de semi escravidão. Encravada entre as capitanias do Maranhão, Ceará e Bahia, o Piauí era uma terra de ninguém, onde imperava a intolerância e a violência. Destacava-se na região, pelo seu terrível gênio, o capitão-mor Antônio da Cunha de Souto Maior. Segundo relatos da época, ele, juntamente com seu irmão Pedro e o juiz do Maranhão, Luís Pinheiro, tinham especial prazer em obrigar seus escravos indígenas a correr, enquanto que eles, a cavalo, quebravam-lhes a cabeça a cacetadas,. Depois “os abatiam a golpes de foice, como se fossem gado”. A reação não se fez tardar. Em 1712 estourou uma rebelião, liderada por Manoel Ladino, mais conhecido como Mandu Ladino, pois havia sido educado pelos jesuítas. Souto Maior, principal E APOIADORES UNIÃO EUROPÉIA Abril - 2006 16 alvo da ira popular, foi assassinado, assim como vários oficiais da região e um destacamento de 20 soldados. Com as 300 armas, passaram a atacar e a incendiar fazendas, levando medo e insegurança não só na região central e sul do Piauí, como também em parte do Maranhão e Ceará. Apesar da violência das ações, que se prolongaram por sete anos, os indígenas nunca destruíram nenhuma igreja, e as fazendas, ao serem atacadas, tinham os oratórios preservados. Para sustar a rebelião foi enviado um batalhão de Pernambuco, que teve um reforço dos Tobajara da serra de Ibiapaba, tradicionais inimigos desses povos jê, chamados genericamente de tapuia. A revolta só foi contida com a morte de seu líder, que morreu afogado no rio Poti, ao tentar se evadir de um cerco, juntamente com outros quatro líderes indígenas. Em 1720 a região foi considerada pacificada, mas com o quase total extermínio dos povos jê da região, e com um prejuízo para Portugal de mais de 500 mil cruzados. Benedito Prezia