Porantim 265

Transcrição

Porantim 265
Povo Terena: produzindo
alimentos e esperança
Demarcações continuam
paralisadas no Rio Grande do Sul
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ISSN 0102-0625
Povo Xucuru-Kariri ocupa
sede da Funai em Maceió
3 o Acampamento Terra Livre – Foto: Flávio Cannalonga
Ano XXVII • N 0 284
Brasília-DF • Abril-2006 • R$ 3,00
Terceiro
Acampamento
Terra Livre
A mobilização do
Abril Indígena que
uniu e fortaleceu as
bases do movimento
Páginas 3, 8 e 9
Opinião
Porantinadas
Criada a Comissão Nacional
de Política Indigenista
o último dia 22 de março o
presidente Lula assinou o decreto de criação da CNPI - Comissão Nacional de Política
Indigenista. Tal fato representa mais uma
conquista importante das lutas do Movimento Indígena e seus aliados nos últimos dez anos. O próximo passo será a
consolidação da criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista, pois
essa tem sido uma das principais bandeiras de luta do movimento ao longo
dos anos.
Ainda durante a campanha através
do documento “Compromisso com os
Povos Indígenas do Brasil”, o governo
Lula comprometeu-se em criar o Conselho Superior de Política Indigenista.
Por essa razão, desde o primeiro ano
de seu mandato vem sendo cobrado
pelos povos indígenas para que concretize a promessa feita. Depois de muitas mobilizações, sobretudo aquelas
ocorridas durante as programações do
Abril Indígena em 2004 e 2005, o go-
N
verno sinalizou para a possibilidade de
criar uma Comissão de Política
Indigenista como parte de um processo que resultaria na formação do
Conselho.
Partindo deste entendimento, representantes de várias organizações indígenas, contando com o apoio das entidades indigenistas que compõem o Fórum
de Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI),
iniciaram um processo de negociação
com o governo federal que resultou na
criação da referida comissão. O texto do
decreto que institui a CNPI sofreu pequenas alterações em relação àquele discutido e analisado pelas lideranças indígenas, mas isso não prejudica o processo.
Entre suas atribuições compete à CNPI
“propor diretrizes, normas e prioridades
da política nacional indigenista, bem
como estratégias de acompanhamento,
monitoramento e avaliação das ações desenvolvidas pelos órgãos da administração pública federal, relacionadas com a
área indigenista.”
Insensível
Considerando-se o baixo perfil
indigenista do atual governo, que se
mantém sempre numa posição de refém
dos grupos historicamente declarados
inimigos dos povos indígenas, a constituição desta comissão e conseqüentemente do conselho poderão representar
o estabelecimento de um espaço onde
os povos indígenas possam influenciar
nas discussões, deliberações e
implementação de políticas que lhes dizem respeito.
Contudo não se pode esquecer da
tomada de decisão tardia do governo,
deixando a criação da CNPI para seus últimos meses de mandato. Isso poderá
resultar em apenas mais uma atitude
eleitoral, sem nenhuma conseqüência
maior. Cabe aos povos indígenas e suas
organizações garantirem a permanente
articulação e mobilização, evitando assim que isto possa ocorrer.
Saulo Feitosa
Vice-presidente do Cimi
Parecia estar tudo acertado para
entrega do documento final do 3º
Acampamento Terra Livre : data, hora
e agenda. De início seria o Secretário-Geral Luiz Dulci, depois a incumbência foi transferida para o secretário presidencial César Alvarez, mas,
na hora “H”, estranhamente, o movimento indígena não foi recebido
no Palácio do Planalto. Barrado pelos seguranças na porta de entrada
sem nenhuma justificativa, ficou apenas o constrangimento diante de tamanha falta de sensibilidade com
pessoas que vieram de tão longe e
acamparam por três dias de baixo de
chuva para reivindicar por seus direitos.
Para lembrar
Em quase quatro anos de Governo, o Presidente Lula só recebeu as
organizações do movimento indígena no Palácio do Planalto apenas uma
vez. A reunião foi agendada durante
o primeiro Acampamento Terra Livre,
em 2004, depois que os militantes
do movimento ocuparam o congresso por aproximadamente 10 horas.
MARIOSAN
Anulação do 1.775?
Eu estarei como um
presidente, digamos,
como a rainha da
Inglaterra, os índios é
que estarão decidindo
esses assuntos(*)
A Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR-1) entrou
com um recurso junto ao Superior
Tribunal de Justiça (STJ) para garantir a nulidade de um decreto que regulamenta a demarcação de terras
indígenas no Brasil. O Decreto 1.775
de 1996 autoriza qualquer interessado a pleitear a revisão da área
demarcada. Para o Ministério Público Federal, a norma é lesiva às comunidades indígenas e provoca prejuízos ao patrimônio público, já que
permite o pedido de indenização
mesmo após a homologação do território, quando a União determina a
área cedida.
( )
ISSN 0102-0625
* Mércio Pereira Gomes,
presidente da Funai para
Agência Radiobrás sobre a
conferência da Funai.
Edição fechada em 17/04/2006
Publicação do Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), órgão anexo à
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB).
APOIADORES
Na língua da nação indígena
Sateré-Mawé, PORANTIM
significa remo, arma, memória.
Priscila D. Carvalho
EDITORA
RP 4604/02 DF
Dom Gianfranco Masserdotti
PRESIDENTE
CONSELHO DE REDAÇÃO
Antônio C. Queiroz
Benedito Prezia
Egon Heck
Nello Ruffaldi
Paulo Guimarães
Paulo Maldos
Paulo Suess
Paulo Maldos
ASSESSOR POLÍTICO
Cristiano Navarro
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UNIÃO EUROPÉIA
Abril - 2006
2
Permitimos a reprodução de nossas matérias e artigos, desde que citada a fonte. As matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores.
Movimento indígena
Carta da Mobilização Nacional Terra Livre
Abril Indígena 2006
Saudamos a todos os povos indígenas
do Brasil, os aqui representados e os ausentes, todos unidos em coração e consciência
na luta por uma terra livre de opressão e
injustiça. Nos alegramos por esse encontro
onde celebramos a luta pela vida, por uma
vida com dignidade e paz.
Com essa motivação que nós, as mais
de 550 lideranças indígenas abaixo assinadas, representantes de 86 povos indígenas
de todo o Brasil, reunidos em Brasília no
Acampamento Terra Livre, entre os dias 4 e
6 de abril de 2006, consolidamos neste III
Acampamento Terra Livre a Mobilização do
Abril Indígena como o mais importante evento de articulação e expressão política dos
povos e organizações indígenas do Brasil.
A presente mobilização reforçou a aliança nacional entre dezenas de povos com a
consolidação da Articulação Nacional dos
Povos Indígenas do Brasil - APIB, com o objetivo comum de defender e garantir a
efetividade dos direitos indígenas no Brasil.
O balanço da política indigenista do
Governo Lula para nós é negativo. Os poucos avanços foram conquistas arrancadas por
nossos povos e organizações com muita
pressão e luta inclusive com sacrifícios de
vidas de parentes nossos.
Frente a esta realidade, vimos apresentar à sociedade brasileira, ao Governo Federal, ao Congresso Nacional e ao Poder Judiciário, os resultados das reuniões plenárias e audiências com autoridades realizadas
durante esta mobilização nacional, em respeito aos 04 grandes eixos por nós reivindicados.
1. Nova Política Indigenista
- o governo Lula manteve uma política
indigenista retrógrada, tutelar e oficialista,
confundindo os interesses dos povos indígenas com os interesses da Funai, confundindo o órgão indigenista com a política
indigenista;
- à nossa reivindicação para a criação do
Conselho Nacional de Política Indigenista,
vinculado a Presidência da República, com
competência deliberativa e criado por Lei, o
Governo Federal respondeu com a criação,
em 23 de março último, de uma Comissão
Nacional de Política Indigenista, por decreto
e vinculada ao Ministério da Justiça;
- ainda que atendendo em parte o nosso pedido, manifestamos a nossa preocupação com relação às reais condições que serão oferecidas pelo Ministério da Justiça para
sua instalação no prazo estabelecido no
Decreto e seu pleno funcionamento
operacional, garantindo a periodicidade
estabelecida bem como a participação efe-
Foto: Flávio Cannalonga
Pensada, debatida e redigida por mais de 500 lideranças indígenas de 84 povos, de 19 estados, a carta faz críticas à política indigenista oficial
Na tenda central do Terra Livre o debate sobre os rumos do movimento indígena
tiva dos representantes dos povos indígenas e suas organizações e das entidades de
apoio à causa indígena.
2. Terras Indígenas
- a marca tutelar do atual governo contaminou a demarcação das terras indígenas
que vem sendo gerida como benefício e não
como direito, sendo objeto de manipulações
técnico/administrativas e barganhas políticas;
- como reflexo dessa perspectiva, a
FUNAI e o Ministério da Justiça permitiram
obstruções deliberadas nos procedimentos
de regularização de terras indígenas e lentidão na constituição de GTs de identificação, na publicação de resumos de relatórios e principalmente na expedição de Portarias Declaratórias;
- das 14 terras paradas no Ministério da
Justiça e levadas ao Ministro da Justiça e
Presidente da Funai para dar solução no Abril
Indígena de 2005, apenas 01 terra teve Portaria Declaratória publicada;
- as pressões políticas de setores antiindígenas continuam se sobrepondo aos direitos territoriais indígenas principalmente
nos Estados de Santa Catarina, Mato Grosso, Bahia e Mato Grosso do Sul;
- as desintrusões das terras indígenas
não acontecem, permitindo o agravamento
das ameaças, intimidações e atos de violência contra os povos indígenas, como na
TI Raposa Serra do Sol e CaramuruParaguassu do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe;
- exigimos do Governo Federal a retomada do ritmo normal no processo de regularização das Terras Indígenas;
- reiteramos a nossa exigência de revogação da determinação do Presidente da
Funai em não iniciar os estudos para a revisão de limites de terras indígenas cujas de-
marcações excluíram indevidamente partes
do território tradicional;
- o presidente do Incra assumiu, no Abril
Indígena de 2005, o compromisso de realizar uma análise das 74 áreas de conflito
envolvendo povos indígenas e pequenos
agricultores, com o objetivo de reassentar
os pequenos agricultores fora dos territórios indígenas; não tivemos qualquer notícia
sobre esta análise.
3. Ameaças aos direitos
indígenas no Congresso
Nacional
- é grande o volume de proposições
legislativas que hoje tramitam no Congresso Nacional contra os direitos indígenas assegurados na Constituição Federal, especialmente os territoriais (destaques: PEC 38/
99; PEC 03/04; PLS 188/04);
- face a esta situação, exigimos que os
direitos indígenas não devem ser tratados
isoladamente, mas de forma articulada dentro do Estatuto dos Povos Indígenas;
- o Deputado Aldo Rebelo, Presidente da
Câmara dos Deputados, comprometeu-se em
criar uma Comissão Permanente de Assuntos
Indígenas naquela Casa, para discutir e encaminhar todas as demandas relacionadas com
a garantia dos direitos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal.
4. Gestão territorial e
sustentabilidade das Terras
Indígenas
- continuamos preocupados com a possível desvirtuação, no âmbito da Casa Civil,
do Ante Projeto de Lei de acesso a recursos
genéticos e conhecimentos tradicionais associados saído do Conselho de Gestão do
Patrimônio Genético (CGEN) e elaborado
com participação das organizações indígenas e da sociedade civil organizada;
- reivindicamos a participação indígena
no CGEN com direito a voto;
- repudiamos o projeto de transposição
do rio São Francisco e apoiamos um programa de revitalização do rio;
- repudiamos a determinação do Governo Federal em construir empreendimentos
hidrelétricos que afetam Terras Indígenas,
como Belo Monte, Estreito e os do Rio Madeira;
- reivindicamos que o governo federal
assuma como prioridade a criação e
implementação de uma Política e Programa
Nacional de Gestão Territorial e Proteção da
Biodiversidade em Terras Indígenas, com
participação dos povos e organizações indígenas, garantindo os recursos necessários para a sua execução;
- reivindicamos que o Governo conclua
em 2006 o processo de finalização do Projeto Nacional de Gestão Territorial e Proteção da Biodiversidade em Terras Indígenas
para encaminhar para aprovação do Fundo
Global do Meio Ambiente (GEF);
- solicitamos a revogação de todos os
decretos que criaram unidades de conservação sobrepostas as Terras Indígenas, conforme deliberado na Primeira Conferencia
Nacional de Meio Ambiente;
- o Ministério do Meio Ambiente comprometeu-se também, em 2005, em reunir
e articular as várias ações e projetos para os
povos indígenas dentro do Ministério para
integrá-las; isto também não foi cumprido.
5. Saúde Indígena
- constatamos uma piora acentuada, de
2005 para cá, no atendimento à saúde dos
povos indígenas; faltou a capacitação para
os indígenas que integram os Conselhos
Distritais; os recursos continuam incompatíveis com as demandas dos DSEIS; a falta
de autonomia administrativa e financeira
dos DSEIs também prosseguiu;
- rechaçamos a tendência de municipalização da gestão da saúde indígena visando o uso político-eleitoral da estrutura
da Funasa e seu descaso para com uma prestação de serviços de saúde compatível com
a realidade dos povos indígenas;
- exigimos que a FUNASA se estruture
para assumir de fato suas responsabilidades
na gestão da saúde indígena, garantindo sua
federalização;
- reivindicamos a capacitação dos integrantes indígenas dos Conselhos Locais e
Distritais de Saúde Indígena para a fiscalização da aplicação dos recursos e das ações
da FUNASA;
- exigimos que se garanta a autonomia
administrativa e financeira dos DSEIs;
3 Abril - 2006
Resistência
6. Educação
Abril - 2006
4
- continuamos entendendo que a transferência da execução das ações da educação
escolar indígena para os estados – e destes
para os municípios – é o principal problema
para a implantação de uma educação escolar
indígena diferenciada e de qualidade;
- continuamos a exigir do MEC a convocação de uma Conferência Nacional de Educação Indígena e que o Governo Federal estude
formas de obrigar aos estados e municípios a
cumprirem com as exigências impostas pela
Constituição e normais legais que nos asseguram uma educação escolar específica, diferenciada e de qualidade;
- continuamos a exigir a ampliação dos
convênios com as Universidades Públicas Federais e estaduais nas regiões e não só com a
Universidade de Brasília;
- exigimos do MEC a definição de uma
Política para os Povos Indígenas de Ensino
Superior;
- continuamos a exigir do MEC que
implemente junto aos Estados a abertura dos
cursos de ensino médio nas aldeias;
- o MEC se comprometeu, em 2005, a
implementar o que chama de “assistência estudantil” – uma bolsa de estudos para manter
os estudantes indígenas nas universidades;
isto não foi cumprido;
- o MEC se comprometeu, em 2005, em
pressionar os Estados para garantir a presença indígena nos Conselhos Locais e Nacional
do FUNDEF e em aumentar o orçamento para
a educação escolar indígena em 2006; isto
também não foi cumprido.
Ressaltamos que o Acampamento Terra
Livre é a expressão da vontade de união dos
povos indígenas do Brasil entre si e com seus
aliados. Apesar das forças contrárias, continuamos determinados a lutar para garantir o
irrestrito respeito aos nossos direitos assegurados na Constituição Federal de 1988 e na
Convenção 169 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT). Renovamos a nossa esperança na conquista de dias melhores.
Brasília, 06 de Abril de 2006.
Participantes do 3o Acampamento
Terra Livre
Jorge Vieira
Cimi Nordeste
Fotos Jorge Vieira
Povo Xucuru-Kariri ocupa
sede da Funai em Maceió
povo Xucuru-Kariri encontra-se
no município de Palmeira dos
Índios, interior de Alagoas, com
cerca de 1.800 indígenas, organizados nas comunidades Fazenda Canto, Mata da Cafurna, Cafurna de Baixo,
Serra do Amaro, Capela, Boqueirão e
Coité. Desde o último dia 7 de março mais
de 100 representantes das aldeias Coité,
Cafurna de Baixo, Serra do Amaro e Fazenda Canto ocupam a sede da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, em
Maceió. Para as lideranças que estão à
frente do movimento, o objetivo é cobrar
o processo de demarcação do território
tradicional, há décadas paralisado a espera da conclusão da do laudo antropológico.
Os Xucuru-Kariri, povo historicamente presente no cenário alagoano, sendo
dos primeiros povos a ter a presença e
assistência do órgão governamental, a
exemplo do Serviço de Proteção ao Índio
- SPI, órgão do governo federal criado em
O
1910. Desde a década de 1920, os XucuruKariri têm o seu território tradicional reconhecido pela justiça. Segundo relato
das lideranças mais antigas, a exemplo do
pajé Miguel Celestino (falecido em 1998)
o processo de luta pela recuperação de
suas terras remonta a períodos longínquos, em vista da invasão que sofreram
ao longo dos séculos. Mas, a partir de
1940, intensificam a luta, articulando-se
com os povos Kariri-Xokó, no município
de Porto Real do Colégio, em Alagoas, e
Fulni-ô de Águas Belas, no estado de
Pernambuco. Ao mesmo tempo buscam
apoio de instituições e personalidades,
a exemplo de órgãos governamentais e
da Igreja Católica.
Nesse período, as lideranças percorriam longas distâncias a pé desde suas
aldeias até os centros administrativos,
Movimento indígena radicaliza contra
Cristiano Navarro e J. Rosha
omente este ano, povos indígenas em 12 estados (Maranhão, Mato Grosso do Sul,
Mato Grosso, Rondônia,
Tocantins, Bahia, Pará, Espírito Santo,
Roraima, Alagoas, Santa Catarina e
Amazonas) recorreram à ocupação de
prédios públicos ou interdição para
manifestar contra a precariedade na
assistência à saúde indígena.
Uma das últimas ocupações aconteceu em Manaus, onde 180 representantes dos povos Saterê Mawé, Baniwa,
Tukano, Mura, Tenharim, Munduruku,
Makuxi, Tikuna, Torá, Dessano,
Parintintin, Arapasso, Apurinã e
Kambeba) ocuparam a sede da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão
público de assistência à saúde indígena responsável pelo repasse de recursos para o atendimento.
A ocupação, que durou três dias,
serviu como protesto contra a seqüência de mortes de crianças indígenas
nas aldeias e o atraso do governo federal em repassar para a Coordenação
S
Fotos: Cimi Maranhão
- exigimos a formulação e implementação,
pela FUNASA, de um plano diferenciado de
atenção à saúde da mulher indígena, que inclua ações preventivas efetivas e promoção da
saúde da mulher indígena bem como o apoio
às iniciativas das organizações das mulheres
indígenas e garantia da sua participação em
todas instâncias de discussão da saúde da
mulher indígena;
- exigimos o reconhecimento e apoio às
parteiras, pajés e agentes indígenas de saúde, com a respectiva valorização da medicina
tradicional;
- o Ministério da Saúde comprometeu-se,
em 2005, em analisar e implementar regras
próprias para as organizações indígenas
conveniadas com a FUNASA e com o reconhecimento profissional dos agentes indígenas de
saúde; isto não foi cumprido.
Indígenas de diversos povos fecham ferrovia, no Maranhão, em protesto contra a tentativa ...
das Organizações Indígenas da Amazônia
Brasileira (COIAB) recursos atrasados há
mais de três meses, destinados ao pagamento de servidores da saúde e à compra de medicamentos. As lideranças indígenas deixaram o prédio público, no dia
15, somente depois que a Funasa pagou
os 1,8 milhão de reais que devia à Coiab.
Já no dia 14, um outro grupo de indígenas dos povos Tikcuna, Kaixana,
Kambeba e Kokama, ocupou a sede da
Funasa na cidade de Tabatinga, no extremo oeste do Amazonas, na fronteira com
Peru e Colômbia. A ocupação se deu também devido ao precário atendimento de
saúde às comunidades e ao atraso na liberação dos recursos. Neste caso a dívida do
órgão público de assistência à saúde com
a organização indígena é de 3 milhões.
Documento faz
levantamento nacional e
denúncia
A rotina intensa de protestos por
todo o País revela uma realidade de total
abandono e precariedade. Em nota publi-
Mesmo com dificuldades, o povo Xukuru
Kariri resiste ocupando a Funai à espera
de uma solução para questão da terra
como Bom Conselho e Recife, em
Pernambuco. De lá partiam de navio até a
capital do Brasil, Rio de Janeiro, em busca
da assistência e da demarcação da terra.
Durante o percurso encontravam-se com
os parentes para se fortalecerem, com a
dança do toré e na celebração do ritual.
Depois de lutas e viagens, em 1952,
finalmente, os Xucuru-Kariri conseguiram
do SPI a compra de 272 hectares, onde está
localizada a aldeia Fazenda Canto. Frente
ameaça da Prefeitura de Palmeira dos Índios desmatar e transformar a mata em turístico, em 1979 os indígenas retomam a
área para a utilização do ritual. No início
da segunda metade da década de 1980,
exprimidos pelo aumento populacional e
motivados pelo objetivo religioso, o pajé Antônio Celestino lidera a retomada de duas
fazendas, local da primeira capela erigida
pelo missionário Frei Domingos, a denominada Igreja Velha, ampliando, assim, em área
continua o território tradicional.
A luta pela retomada da terra não pára.
Pressionado pelas lideranças do povo e as
entidades indigenistas, o então presidente José Sarney cria Grupo de Trabalho para
fazer a identificação do território, o levantamento fundiário e laudo antropológico,
delimitando-o em 13.020 hectares. Sofrendo pressões dos fazendeiros e políticos de
Alagoas, o processo é paralisado. Diante
da omissão dos órgãos governamentais,
FUNAI E IBAMA, os fazendeiros começaram
a desmatar para transformar em pastagens
para desenvolvimento da pecuária.
Em 1994, as comunidades Fazenda Canto, Mata da Cafurna, Leitão e Cafurna de
Baixo, cansadas de cobrar a demarcação e
denunciar o desrespeito para com o lugar
sagrado de seus antepassados, organizamse e retomam três fazendas. Com ameaças
e pressões, os fazendeiros expulsam os indígenas através de ação de reintegração de
posse concedida pela Justiça Federal.
O crescimento populacional fez explodir os conflitos internos. E, mais uma vez,
ao invés das autoridades governamentais
apontarem para uma solução definitiva
demarcando o território tradicional, faz o
levantamento fundiário de algumas áreas
consideradas emergenciais, para acomodar
algumas famílias indígenas. Com a saída
paliativa, aumentou efetivamente a tensão
interna e o desespero daquelas comunidades que não têm onde trabalhar. Resultado que, em 2002, os índios retomam mais
uma fazenda, chegando a permanecer por
alguns meses e, novamente, sofrem ameaças e são despejados da terra.
Entre idas e vindas de delegações para
Brasília, o antropólogo e presidente da
FUNAI, Mércio Pereira, assumiu o compromisso em documento que, até 15 de novembro de 2005, faria o levantamento de
25 áreas emergenciais e indenizaria os respectivos ocupantes até o final do ano. Data
esta prorrogada para 15 de janeiro de 2006.
Segundo uma das lideranças do movimento, Celso Celestino, “já estavam cansados
de tantas promessas e compromissos não
cumpridos, por isso resolvem acampar na
sede do órgão indigenista”. E completa: “só
vamos sair daqui com o resultado concreto da terra”.
Diante do impasse em que se encontra, uma delegação foi no dia 10 de abril
até Brasília para cobrar diretamente do
presidente da Funai e do Ministério da Justiça a demarcação da terra. No entanto, sem
uma posição concreta do Governo o
impasse permaneceu até o nosso fechamento.
a precariedade no atendimento a saúde
... de manipulação da Fundação Nacional de Saúde na conferência regional de Saúde
cada pelo Conselho Indigenista Missionário
(Cimi), um levantamento da situação de calamidade em diferentes estados descreve as
condições do atendimento à saúde indígena. “No estado do Tocantins, nos últimos
cinco meses, morreram 15 crianças do povo
Apinajé, em função de diarréia, vômito, gripe e febre. No Mato Grosso do Sul, morreram dezenas de crianças Guarani-Kaiowá
devido à desnutrição. No Pará, sete crianças
do povo, Munduruku morreram vítimas de
infecções intestinais. No Amazonas, as organizações indígenas vêm denunciando de
forma sistemática o descaso nos serviços de
saúde e o alastramento de doenças infectocontagiosas. Em Roraima, entre os
Yanomami, os índices de malária voltam com
intensidade, em função do abandono nas
ações preventivas em saúde, especificamente nos serviços para o combate ao mosquito transmissor da doença. No Acre, 10 crianças Kaxinawá, do Alto Purus, morreram
em conseqüência da diarréia. Nos estados
do Sudeste e do Sul, foram registrados dezenas de casos de desnutrição em crianças
Guarani e Kaingang, com casos de mortes
em aldeias que, na sua maioria, encontramse localizadas em pequenas áreas de terras
devastadas pelo processo colonizador. No
Mato Grosso, o governo assistiu passivamente a morte de crianças Xavante, da terra indígena Marawatsede. Esta área, já demarcada e homologada, continua fora do domínio do povo Xavante, invadida por fazendeiros da região. No estado do Maranhão,
14 crianças da aldeia Bananal morreram em
2005, e, em janeiro de 2006, foram
registradas mais seis mortes, cujas causas
foram diarréia e desnutrição. Em Rondônia,
a ausência de uma intervenção consistente por parte da Funasa tem causado o alastramento de doenças infecto-contagiosas,
a exemplo das hepatite tipos B e C”.
Pedindo providências urgentes, a entidade indigenista aponta como as princiapis
causas do colapso a terceirização das políticas de assistência, iniciada no governo
FHC e aprofundada no governo Lula, o esvaziamento da política de saúde e o fim da
autonomia administrativa conquistada pelos distritos como os principais fatores que
motivaram o colapso no atendimento.
Ainda recai sobre a Funasa a denúncia
de ter restringido a participação organizada dos povos indígenas, “todo o processo
preparatório de IV Conferência Nacional da
Saúde Indígena nas regiões foi monopolizado pela Funasa, não possibilitando que
a Comissão Intersetorial de Saúde Indígena e que as organizações indígenas e
indigenistas participassem deste processo,
o que gerou dúvidas sobre a Conferência,
prevista para ocorrer este mês”. Para o Cimi
“a IV Conferência Nacional de Saúde Indígena só terá legitimidade quando houver
a participação efetiva dos povos e organizações indígenas e indigenistas”.
5 Abril - 2006
Iara Tatiana Bonin
Membro do Cimi e Doutoranda em
Educação da UFRGS
o ser eleito e proferir o discurso
de posse, o presidente Lula afirmou que os resultados das eleições
de 2002 marcavam o desejo da sociedade brasileira por mudanças. Um novo
rumo para a política, alterações no modelo econômico adotado em governos anteriores, crescimento, geração de emprego
e renda, segurança, atenção adequada à
saúde, educação de qualidade, demarcação
das terras indígenas, reforma agrária –
antigas bandeiras, mobilizadas em tempos
de esperança.
Mas já em julho de 2002, para viabilizar
sua eleição, o então candidato Lula divulgou uma carta de compromisso com o Fundo Monetário Internacional (FMI), esboçando desde lá os caminhos de seu governo.
Os acordos firmados com o FMI foram sendo concretizados ao longo do mandato e implicaram na redução dos investimentos em
políticas públicas, contingenciamentos para
garantir metas de superávit e reformas calcadas em teses neoliberais. Em 2003 o governo investiu 10% a menos em áreas sociais, “economizando” os já escassos recursos previstos para as políticas voltadas para
a população.
A
Reflexos na Educação
Abril - 2006
6
Nas políticas educacionais, o governo
Lula segue indicativos e determinações de
organismos como o Banco Mundial que, nas
últimas décadas, vem imprimindo um formato cada vez mais privatista à educação.
Este direito social, garantido pela Constituição, converte-se gradativamente em produto de consumo, balizado pelos valores de
mercado, sendo as escolas públicas convertidas em espaços para a concretização de
políticas assistencialistas (Bolsa Escola, Bolsa Família). Soluções como estas, de oferecer compensações a uma parcela
empobrecida da população sem comprometer-se com as causas estruturais que geram
a miséria e a pobreza, é que fazem do Brasil
um dos países mais desiguais do planeta.
Não bastasse o fato de serem cada vez
mais escassos os recursos em educação, o
governo cria novas formas de assegurar sua
destinação aos setores privados. A descrença no sistema público de ensino, resultado
da falta de políticas e de investimentos neste setor, serve como justificativa para o
apoio à rede particular, e fundamenta o apelo
para a sociedade compartilhar as responsabilidades pela educação, esvaziando cada
vez mais a noção de direito e tornando relativo o dever do Estado em assegurar a todos o acesso a um ensino público, gratuito
e de qualidade.
A análise da execução orçamentária do
primeiro ano do mandato Lula, apresentada
pelo Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos1 – mostra que 62% dos recursos liquidados foram destinados ao pagamento
de juros, encargos e amortização da dívida.
De lá para cá, esta tendência foi sendo
mantida.
No que diz respeito à educação, a análise do Inesc chama a atenção para a baixa execução do orçamento previsto para o Ministério da Educação, que teve R$ 5,7 bilhões autorizados e executou 68,6%, uma vergonhosa “economia” de mais de 30%. Um país que
conta com cerca de 169 mil escolas públicas,
11% das quais não têm rede de esgoto; 23%
não têm energia elétrica; 77% não têm biblioteca e 95% não contam com laboratórios, conforme dados divulgados pela Adusp em maio
de 20052 , não pode se dar ao luxo de economizar recursos destinados à manutenção e
desenvolvimento do ensino.
Em relação à educação escolar indígena, embora estes povos venham exigindo a
implementação de uma política indigenista
integrada e coerente com as determinações
constitucionais, muito pouco se fez nos anos
do governo Lula. Persistem os problemas
que afetam diretamente a vida destas comunidades, os conflitos e invasões em suas
terras, a morosidade ou paralisação de processos de demarcação, o aumento da violência decorrente da omissão do poder público, a falta de uma atenção eficaz e diferenciada em saúde, os assustadores índices
de mortalidade infantil, o desrespeito aos
seus modos de vida.
Ao invés de assegurar o protagonismo
na definição dos modelos adequados de
educação escolar e de proporcionar espaços amplos para discussão e construção de
projetos pedagógicos indígenas, o governo
tem optado por oferecer pacotes, destinar
programas de caráter assistencial, que nem
sempre chegam ao seu destino.
O censo escolar do INEP/MEC de 2005
indica que a oferta de educação escolar indígena cresceu especialmente nas séries iniciais do ensino fundamental. Há que se perguntar, no entanto, se as taxas de matrícula
Fotos: Geertje Van de Pás
A política da
indiferença no
governo Lula
Educação escolar indígena, um dos pontos mais debatidos nos encontros do
movimento indígena e uma das reivindicações mais constantes
Foto: Flávio Cannalonga
Educação
crescentes indicam, igualmente, um incremento em termos de recursos destinados à
educação escolar indígena.
No boletim sobre a execução orçamentária de 2005, divulgado pelo Inesc em outubro3 não há registros de aplicação, até
aquela data, dos recursos destinados ao ensino fundamental indígena, à produção e
distribuição de material didático e nem à
capacitação dos professores indígenas. Já o
demonstrativo de execução orçamentária
disponível no Siga Brasil, do Senado Federal, consta que ao final de 2005 foram aplicados 85,7% do total previsto no Ministério
da Educação para a questão indígena, 87%
dos recursos alocados no Ministério da Justiça e apenas 6,6% no Ministério do Meio
Ambiente, números que tornam evidentes
as distâncias entre teoria e prática política.
As manifestações indígenas sobre a situação das escolas têm evidenciado também o
fosso que separa os discursos oficiais de
valorização da educação e a realidade na
maioria das áreas indígenas. Como afirmam
os indígenas de diversos estados do Nordeste, reunidos num Encontro Macro-Regional
de Professoras e Professores Indígenas, em
novembro de 2004, as comunidades enfrentam problemas de toda ordem, seja no atendimento, na formação ou na contratação dos
professores.
Casos concretos
Nos estados do sul do país, os povos
Kaingang e Guarani têm reafirmado a necessidade de repensar a organização das escolas e os processos de formação dos professores. Para eles, a escolarização indígena não
pode estar orientada para práticas e modelos que desrespeitem suas culturas, sob o
risco de servirem apenas para concretizar
propósitos integracionistas. É por essa razão que muitas comunidades Guarani têm
manifestado resistência à implantação de
escolas, recusando a “oferta” dos estados
ou municípios.
A Carta da 34ª Assembléia dos Povos
Indígenas do Estado de Roraima, realizada
em fevereiro de 2005 reunindo 1.030 participantes, denuncia a possibilidade de retrocesso na educação escolar, com a restrição
da participação indígena nos espaços de
definição, controle e fiscalização das políticas educacionais. O documento aponta a
situação de abandono, a falta de recursos
até para aquisição de material escolar, como
lápis e cadernos. Os povos de Roraima, assim como muitos outros que têm se articulado em encontros de Educação, propõem
que se promova um amplo debate em torno
da educação escolar indígena, com
destinação de verbas específicas para este
fim; garantia de acesso e de permanência
nos diferentes níveis de ensino, inclusive o
superior; oficinas para elaboração, edição e
publicação de material didático específico
e diferenciado, das quais participem os próprios índios; representação nas instâncias de
definição e de controle das políticas
indigenistas do Estado brasileiro;
contratação de professores indígenas através de concursos específicos; possibilidade
de intercâmbio entre as escolas indígenas e
a conseqüente liberação de recursos financeiros para tal.
O compromisso e
o orçamento
Os povos indígenas propõem, em síntese, que o Estado brasileiro respeite seu
protagonismo na elaboração de políticas
para as escolas e de propostas pedagógicas
adequadas. Mas o governo atual sequer tem
demonstrado disposição em aplicar os recursos para a educação, aprovados no Orçamento. Comparando-se os Orçamentos de
2004 e 2005 com a previsão para 2006, chama atenção a diminuição de recursos em
6,18% para Educação; 17,56% para Cultura e
15,52% para Direitos de Cidadania, uma clara redução de investimentos para políticas
sociais e, em contrapartida, uma destinação
52,2% superior para o pagamento de encargos e juros da dívida, comparando-se aos
números de 2005.
Em questões chave para a garantia dos
direitos indígenas o Orçamento previsto
para o último ano do governo Lula é ainda
mais enxuto. Um exemplo é a demarcação
das terras indígenas, que contará com um
orçamento 24,5% menor que o aprovado
para 2005, sendo que as metas estabelecidas
são insignificantes em relação à demanda
existente, prevendo apenas 13 áreas indígenas. Sem mencionar que não há referências ao número de terras reivindicadas por
comunidades indígenas para serem
identificadas. E se considerarmos que o aces1
2
3
so aos programas sociais destinados aos
povos indígenas, entre eles a educação, tem
sido condicionado ao reconhecimento daquela população como indígena pelo Estado brasileiro, este “silêncio orçamentário”
é ainda mais grave e aponta para a contenção de gastos em áreas sociais para cumprir
metas fiscais.
Ao que parece, os problemas mais importantes a enfrentar não dizem respeito
apenas à falta de recursos, mas às escolhas
que têm sido feitas pelo governo. Entre dezembro de 2005 e março de 2006 o governo gastou R$ 107 milhões em publicidade,
um montante de recursos superior ao investido pelos ministérios da Educação e da Justiça com política indigenista em todo o ano.
Só em dezembro de 2005 os gastos com
propaganda do governo giraram em torno
de R$ 55 milhões, um valor que quase alcança o orçamento total executado no programa de Proteção às Terras Indígenas. Não
se trata apenas de falta de recursos, mas de
falta de vontade política e de coerência do
governo ao abandonar os compromissos
históricos de um projeto político de transformação, a partir do qual ganhou a confiança da maioria da população.
A grande expectativa política dos “tempos de esperança”, logo após a eleição de
Lula, era construir bases, dar os primeiros
passos na consolidação de políticas capazes
de assegurar a todos os brasileiros o acesso
aos direitos sociais básicos, à vida, à cultura, à saúde, à educação, à segurança, materializados na Constituição Federal desde
1988, mas ignorados nas práticas governamentais em toda a década de 90. E o que se
vê atualmente não é diferente. Considerando a primazia que vem sendo dada ao pagamento da dívida externa em detrimento das
dívidas sociais, o legado do governo Lula
será a manutenção de estruturas e de políticas que fazem do Brasil um dos campeões
em desigualdade social e de concentração
de renda, um país que condena à pobreza e
à miséria grande parte de sua população, e
representa um verdadeiro paraíso de privilégios para poucos.
O governo comprometeu-se desde sua
candidatura, a ampliar o acesso e melhorar
a qualidade de ensino. No entanto, um projeto político ancorado no agronegócio, no
setor financeiro e na exportação não requer
um sistema de ensino de qualidade.
Ao povo que anseia por mudanças, o
governo responde com continuidades. Aos
defensores do ensino público e gratuito, faz
apelos à solidariedade e modelos de
privatização. E aos povos indígenas, a velha
e perversa pedagogia da indiferença, da
inoperância e do descaso, para manter as
coisas como sempre estiveram, e para não
ter que lidar com a incômoda existência de
outras formas de pensar e com a
materialidade de outras propostas políticas,
pedagógicas e sociais.
INESC. Orçamento. Ano III, n. 3, Fevereiro de 2004
Texto disponível em http://www.adusp.org.br/revista/34/r34a06.pdf
Texto disponível em www.inesc.org.br
As lágrimas da Aracruz
e a coragem das mulheres
camponesas
“Jamais esperava este tipo de violência”,
afirmou de um hotel de luxo em São Paulo, o presidente
da empresa Aracruz Celulose, Carlos Aguiar, ao jornal Zero Hora.
Cristiano Navarro
Edtor do Porantim
o dia 20 de janeiro deste ano, a
empresa Aracruz Celulose S/A
mobilizou helicópteros, bombas,
armas e 120 agentes da Polícia
Federal do Comando de Operações Táticas (COT), vindos de Brasília, para expulsar destruir duas aldeias e 50 pessoas dos
povos Tupiniquim e Guarani de sua terra
tradicional, no município de Aracruz (ES).
Sem sequer receber uma ordem despejo, os Tupiniquim e Guarani foram surpreendidos com o violento ataque. A ação, que
resultou na prisão arbitrária de duas lideranças e deixou outras 12 pessoas feridas,
teve todo o apoio logístico da Aracruz Celulose S/A. Os 120 agentes da Polícia Federal receberam hospedagem e utilizaram o
heliporto e os telefones da multinacional.
Na ação ilegal da Polícia Federal – condenada inclusive pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados –
estavam em ação tratores da multinacional
que destruíram totalmente duas aldeias
Tupiniquim e Guarani. Todas as casas foram derrubadas e muitos índios não puderam retirar seus pertences de dentro.
N
No noticiário das grandes empresas de
mídia, não se viu nenhuma mãe Tupiniquim
ou Guarani com seus filhos chorando, nenhum ministro do governo condenando a
ação ou mesmo o dono da empresa lamentando a violência.
Mas se por aqui as grandes empresas
de mídia não repercutiram o crime cometido pelo aparelho repressor do Estado e a
empresa Aracruz Celulose S/A, a família real
da Suécia resolveu vender suas ações da
multinacional devido às denúncias e fortes
pressões contra a violação de direitos humanos cometidos contra os povos indígenas e o desrespeito ao meio ambiente no
Brasil.
Mesmo com as denúncias de desrespeito aos direitos indígenas e ao meio ambiente, a gigante multinacional conta com
vultusos recursos do BNDES. Recentemente foi noticiado que a empresa será beneficiada com mais de R$ 297 milhões de recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). O empréstimo, segundo os movimentos sociais do Espírito Santo, deverá resultar na perda de pelo menos 88 mil
postos de trabalho. Essa informação também não foi repassada à opinião pública
nacional pela grande mídia.
O povo vai à frente
“Deu aquele medinho na mulherada, ao
sair do ônibus. Depois que viram as primeiras indo destruir ... foi muito lindo”, militante camponesa gravada por uma câmera
escondida do Jornal Nacional
Avançando sobre valores que representam dois pilares do capitalismo, a
tecnologia e a propriedade privada, claro
que a belíssima ação das mulheres camponesas contra a gigante multinacional
seria rechaçada principalmente pelos que
se guiam pelo calendário eleitoral. Mas é
assim que avançam as lutas populares no
Brasil. O povo organizado vai à frente tomando porrada de todos os lados e res-
pondendo as urgências do dia-a-dia,
enquanto busca aqui, ali e acolá os seus
aliados – hoje tão difíceis de serem
encontrados.
Agora, quem acredita que os movimentos sociais podem utilizar as grandes empresas de mídia para se comunicar com a
sociedade, ou é muito ingênuo, ou tem
pretensões políticas conservadoras não
declaradas. Imagine se os movimentos sociais pautassem suas agendas e ações, a
partir das possíveis repercussões nas grandes empresas de mídia? Demarcação de
terra indígena e reforma agrária, sem retomada e ocupação de terras, não existiriam.
Dados sobre a terra Tupinikim/Guarani
• A terra Tupinikim e Guarani, no Espírito Santo, identificada pelos grupos de trabalhos
da FUNAI no período de 1994-1998 é de 18.070 hectares. Deste total, 4.491 hectares já
tinham sido demarcados em 1981. Portanto, os grupos de trabalhos recomendaram
uma ampliação de 13.579 hectares.
• Em 1998, a terra Tupinikim e Guarani foi ampliada para apenas 7.061 hectares pelo exMinistro Íris Rezende. Ou seja, 11.009 hectares ficou para trás.
• Em maio de 2005, os Tupinikim e Guarani auto-demarcaram estes 11.009 hectares, e
reconstruíram 02 das antigas aldeias nessa área retomada: Olho d´Água e Córrego de
Ouro. Portanto, a área retomada é 11.009 hectares.
7 Abril - 2006
3º Acampamento Terra Livre
Os povos indígenas têm na mobilização
sua mais importante arma na buscam por
espaço de representação da condução e
execução da política indigenista
Priscila D. Carvalho
e Cristiano Navarro
P
or volta das três horas da madrugada do dia quatro de abril, 550
pessoas desembarcaram na
Esplanada dos Ministérios, em
Brasília, para a levantarem barracos feitos de bambu, lona preta e palha.
Vindos de vinte estados diferentes, os trabalhadores que erguiam os casebres improvisados na escuridão eram lideranças indígenas presentes ali para mais um Acampamento Terra Livre.
Considerado pelas organizações indígenas e indigenistas como a principal mobilização dentro de seu calendário de lutas, o
Acampamento Terra Livre tem como objetivo pressionar o Governo Federal para que
garanta os direitos constitucionais dos povos indígenas, em especial o direito e a proteção de suas terras. “O acampamento mostra nossa força, mostra que a gente está vivo,
apesar de todo massacre”, afirma o líder do
povo Guarani-Kaiowá, Anastácio Peralta.
Devido a grande intensidade nas manifestações por todo o País, o mês foi batizado
de Abril Indígena. Além do Acampamento
Terra Livre, o calendário do mês de abril compõe-se de uma série de atividades e manifestações por todo Brasil: 1 e 2 de abril: Encontro Nacional de Mulheres Indígenas, em
Brasília; 15 de abril: comemoração de um ano
da homologação da terra Raposa Serra do Sol,
em Roraima; Semana dos Povos Indígenas,
mobilização nos estados planejadas durante
o Acampamento Terra Livre; 20 a 23 de abril:
participação no Fórum Social Brasileiro, em
Recife; 21 a 26 de abril: Assembléia da Coiab,
em Roraima.
Pressão por participação
popular
Abril - 2006
8
Assim o 3º Acampamento Terra Livre fez
fortes críticas à política indigenista brasileira e apontou caminhos para uma nova relação entre os povos indígenas e Estado. A
necessidade da participação dos indígenas na
formulação de políticas públicas voltadas a
eles foi a tônica central dos debates e das
reivindicações.
A implantação da Comissão Nacional de
Política Indigenista, criada em março, pode-
rá ser um caminho para a participação efetiva dos povos, mas ainda gera preocupações
entre as lideranças. “Ainda que atendendo em
parte o nosso pedido, manifestamos a nossa
preocupação com relação às reais condições
que serão oferecidas pelo Ministério da Justiça para sua instalação no prazo estabelecido no Decreto e seu pleno funcionamento
operacional”, afirmaram na carta final do
encontro.
As preocupações sobre a condução das
definições ligadas à política indigenista existem também em relação à Conferência Nacional dos Povos Indígenas, organizada pela
Fundação Nacional do Índio. Prevista para
durar 8 dias (12 a 19 de abril), o encontro
ainda gera polêmica entre o movimento indígena, que divulgou, durante o acampamento Terra Livre, uma moção no qual questiona a forma de convocação das pré-conferências regionais, que antecederam a Conferência Nacional. Afirmam, no texto, que
nestas conferências, “a Funai pautou as discussões somente em cima dos seus interesses”. A moção ressalta a preocupação de que
a Conferência seja utilizada pela Funai para
“reforçar a tutela e o órgão tutor ou ainda
aproveitar este espaço para legitimar o encaminhamento de questões cruciais para os
povos indígenas por meio de projetos de
lei avulsos e que não tramitem no Congresso no âmbito do Estatuto dos Povos Indígenas”.
O presidente da Funai, Mércio Pereira
Gomes, anunciou em entrevista à Rádio Nacional da Amazônia que pretende apresentar aos indígenas, durante a conferência, a
proposta de um Projeto de Lei que regula a
mineração em terras indígenas. Em seus debates com representantes do Congresso Nacional, realizados durante o acampamento,
os indígenas reforçaram a intenção de que
todos os temas ligados a eles sejam tratados
em conjunto, através da discussão do Estatuto dos Povos indígenas, parada na Câmara
há 12 anos.
“Conquistas arrancadas”
As críticas à Conferência não chegam
isoladas, mas em conjunto aos questionamentos feitos à política indigenista do
Governo Lula, avaliada pelos manifestantes
como negativa. Na carta final, divulgada no
Fotos: Flávio Cannalonga
O momento para mostrar a força
O aprendizado na
aldeia multicultural
O Acampamento Terra Livre não é somente um momento de reivindicação e protesto para o movimento indígena, mas um encontro importante para formação e intercâmbio. Nos testemunhos apresentados, nas rodas de conversa e nas apresentações artísticas, todo momento é um espaço para aprender.
Pela primeira vez aldeia na multicultural montada na esplanada dos
ministérios Paulo Javaé, da ilha do Bananal, Tocantins, entende que “ao
trocar as experiências de luta com os parentes de outros estados, dá para
ver que as questões são as mesmas”.
Osmildo Kontanawa, da região de Juruá, Acre, também pela primeira
vez no Acampamento acredita que o respaldo dos outros povos na sua luta
por reconhecimento étnico e demarcação da terra de seu povo é muito
importante. “Aqui a gente vê como é importante a união dos povos para a
gente ter os nossos direitos”, afirma Osmildo.
e a união
Moção do Acampamento Terra Livre 2006
sobre a Conferência Nacional dos Povos
Indígenas convocada pela Funai
Nós, as mais de 550 lideranças indígenas, abaixo-assinados, representantes de 86 povos indígenas de todas as regiões do Brasil, reunidos em
Brasília em mais um Acampamento Terra Livre da Mobilização Abril Indígena, vimos, juntamente com o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas, marcar a nossa posição em relação à Conferência convocada pela Funai (Fundação Nacional do Índio).
A atual política indigenista deste Governo é retrógrada, tutelar e
oficialista, confundindo os interesses dos povos indígenas com os interesses
da Funai, pretendendo confundir o órgão indigenista com a política
indigenista. Uma demonstração desta política ocorreu na organização e
convocatória das pré-conferências regionais, onde a Funai pautou as discussões somente em cima dos seus interesses.
Por isso é que nós não reconhecemos nesta Conferência legitimidade
para propor uma política indigenista que venha tão somente reforçar a tutela e o órgão tutor ou ainda aproveitar este espaço para legitimar o encaminhamento de questões cruciais para os povos indígenas por meio de projetos de lei avulsos e que não tramitem no Congresso no âmbito do Estatuto
dos Povos Indígenas que ali se encontra.
último dia da mobilização, eles consideram que as poucas conquistas foram “arrancadas” através de muita “pressão e luta
inclusive com sacrifícios de vidas de parentes nossos”. “O governo Lula manteve
uma política indigenista retrógrada, tutelar e oficialista, confundindo os interesses dos povos indígenas com os interesses da Funai, confundindo o órgão
indigenista com a política indigenista”,
avalia o documento.
A falta de compromisso apontado pelos acampados na carta lembra que “das
14 terras paradas no Ministério da Justiça
e levadas ao ministro da Justiça e presidente da Funai para dar solução no Abril Indígena de 2005, apenas uma terra teve portaria declaratória publicada”. O movimento indígena exige do Governo Federal a
retomada do ritmo normal no processo de
regularização das terras indígenas.
Barrados no Planalto
Para as lideranças presentes, o descaso com os povos indígenas que caracterizou o governo Lula nestes três anos de
mandato foi reafirmado pelo Planalto, que
se recusou a receber uma comissão que
tentava entregar a carta final da
mobilização aos três poderes, no último dia
da mobilização. De acordo com as lideranças do movimento, havia uma Audiência
agendada com assessores do Planalto desde o dia anterior e, sem qualquer justificativa, o horário foi transferido e, posteriormente, a comissão de lideranças foi barrada
na porta do Palácio do Planalto por dois
assessores do chefe de gabinete de Lula,
Gilberto Carvalho, que afirmavam que o
governo poderia receber três representantes, mas não receberia uma comissão por
“falta de tempo e espaço”.
“O esforço de mobilização de mais de
550 indígenas, a disposição para debater
embaixo do sol de Brasília, de tomar chuva, a gente só faz isso porque quer participar de verdade dessa política indigenista, porque temos muito a dizer e a propor. A gente foi recebido hoje pelo presidente do Senado e pela presidente do
Supremo Tribunal Federal. Só o poder
executivo não nos recebeu. Isso é descaso. É o mesmo descaso com que o governo Lula trata os povos indígenas há três
anos. Tudo o que conseguimos nesse governo foi arrancado, foi a custa de muita
luta e muita pressão, e vamos continuar
lutando”, afirma Marcos Luidson, cacique
Xukuru.
Apesar disso, as falas finais dos indígenas avaliaram a mobilização como positiva
para o movimento. “Este não é um momento de nos sentirmos derrotados, mas de
Mais uma vez
a aldeia
montada no
centro político
do País reuniu
os povos para
pensar o
futuro e os
desafios do
movimento
indígena
nacional
saber que somos guerreiros e que continuamos lutando, como sempre estivemos”,
afirmou a liderança Mura participante do
acampamento.
Em seu dia de encerramento, a mobilização Terra Livre foi recebida pela presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, que se comprometeu a dar
precedência aos processos ligados a terras
indígenas. “Há questões complexas, de
tramitação longa, mas nós podemos dar
precedência aos processos”, afirmou a ministra. Ainda na quinta-feira, o Supremo
manteve a homologação da terra indígena
Raposa Serra do Sol, em Roraima, ao negar recurso proposto pelo senador Augusto
Botelho (PDT-RR) pedindo a suspensão da
homologação da terra indígena.
(Com Colaboração do Centro de Mídia
Independente de Goiânia)
9 Abril - 2006
Retomada das terras
POVO TERENA
Egon Heck
Cimi MS
cacique Agostinho combina os últimos detalhes, com seus guerreiros e trabalhadores. Sexta feira é
dia de mutirão, de trabalho coletivo nas terras retomadas há três anos. Mais
de uma centena de pessoas vão realizar
diversos trabalhos, como concerto de
cercas e limpeza de roça.
No acampamento Mãe Terra o dia
amanhece sem sobressaltos. Dos quase
duzentos barracos cobertos de lona preta e palha, vão saindo guerreiros e guerreiras para mais um dia de labuta, de luta
e fazer avançar a esperança na perspectiva da conquista definitiva da “terra mãe”.
As crianças vão se preparando para ir à
escola. Por enquanto não tem escola no
acampamento. Um ônibus leva e traz diariamente as crianças. Em breve esperam
que não apenas exista uma mas várias
escolas nas novas aldeias que se formarão na terra reconquistada.
O
Fotos: Egon D. Heck
Produzindo alimentos e esperança
espaço para fazer suas roças, algumas famílias abandonam a terra indo para as cidades da região e outras vão à procura de
outra terra, como é o caso de umas quarenta famílias que foram para o Mato Grosso, estando agora na divisa com o Pará. É o
grupo do qual faz parte Gildo Terena que
teve o gesto corajoso de enfrentar a tropa
policial em Coroa Vermelha no ano 2000.
Por ocasião dos festejos dos 500 anos,
um grupo de Terena de Buriti resolve retomar parte de seu território tradicional, já
identificado, de 17.200 há.
Em 22 de fevereiro de 2003 retomam
mais de uma dúzia de fazendas dentro da
terra identificada. Nos meses seguintes
outras retomadas são feitas pelas aldeias
Córrego do Meio e Água Azul.
Os fazendeiros entram com ações na
justiça. Uma Ação Declaratória de Tutela
Antecipada pede a anulação da eficácia dos
procedimentos administrativos de
reestudo dos limites da Aldeia Buriti e a
inconstitucionalidade do decreto 1775/96.
O juiz Odilon de Oliveira concede a antecipação de tutela declarando a ineficácia dos
estudos preliminares realizados pela Funai.
Essa ação judicial paralisou, desde então, a regularização-demarcação desta terra indígena. Esta paralisação preocupa
muito a população Terena desta terra indígena. Após sua decisão, foi interposto re-
Cronologia das lutas da
retomada Terra Indígena Buriti
No início do século passado esta terra
foi demarcada com 2.090 ha.
Com uma população superior a duas
mil pessoas, com impossibilidade de ter
Uma história de luta e resistência em defesa e recuperação
Jorge Vieira1
população atual do povo Terena
da terra Cachoeirinha, é de 5 mil
indígenas, sendo que em torno de
3 mil vivem fora da área. Com o
crescimento populacional e o espaço físico reduzido, cada vez mais encurralado por
fazendas e centros urbanos, os Terena foram buscar nas grandes cidades fazendas
e destilarias de álcool para trabalhar.
Dentro de Cachoeirinha, encontram-se
as aldeias Capão Babaçu, Logoinha,
Morrinho e Cachoeirinha. Cada comunidade mantém suas formas de organização
social própria, elege seus representantes,
tem suas associações comunitárias, igrejas
e campo de futebol.
Segundo os Terena, a ocupação de
“Cachoeirinha”, ou “Bôcôôti” como chama
o povo indígena, remonta às primeiras décadas do século 19, mais precisamente em
1844, localizada a duas léguas e um terço
a noroeste do município de Miranda. Além
Abril - 2006 10 dos Terena, outros membros fazem ques-
A
tão de assumir a identidade como Laiana e
Kiniquinau.
Ainda no início da colonização espanhola, o povo Terena aparece nos relatos
históricos ocupando o Chaco Paraguaio e
Boliviano. Motivados por conflitos com os
espanhóis e disputas interétnicas, caminhavam em direção do sol nascente à procura
de terras férteis para desenvolverem a agricultura. Migraram, no século XVII, para a
região denominada Xaraés pelos Guaicuru,
região pertencente atualmente ao estado
do Mato Grosso do Sul. A migração terminou por volta de 1845.
No contato com os Guaicuru, os Terena
constituíram alianças e assimilaram a
estratificação social, aprenderam diferentes práticas e manejos, a exemplo da criação de animais e produção de cerâmica,
sem deixar a atividade agrícola.
Três acontecimentos marcaram significativamente a vida e organização social
dos Terena: a saída do Êxiva ou Chaco; a
participação na Guerra do Paraguai, entre
1865-1870; e, por último, na volta encon-
traram suas terras invadidas e foram forçados ao esparramamento por fazendas e
periferias de algumas cidades brasileiras.
Esses fatos vão imprimir transformações
em sua estrutura econômica, cultural, política e religiosa.
Em 1905 constata-se a forte presença
Terena trabalhando na construção das linhas telegráficas, na estrada de ferro Noroeste do Brasil e, até os dias atuais, em
atividades de peões de fazenda, assalariados de usina de cana-de-açúcar e
biscateiros.
Hoje, a sociedade Terena contemporânea engloba, a um só tempo, três situações distintas: a Reserva, a cidade e a fazenda. Além das “reservas” demarcadas
entre as décadas de 1910 e 1920, foram
requeridas ao estado do Mato Grosso pelo
extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI)
as reservas Pilad de Rebuá, onde estão
localizadas as aldeias Passarinho e
Moreira, no município de Miranda; a área
Limão Verde, município de Aquidauana;
Aldeinha, na periferia do município de
Anastácio; Buriti, entre os municípios de
Sidrolândia e Dois Irmãos de Buriti;
Tereré, dentro da cidade de Sidrolândia;
Brejão, no município de Nioaque; em Campo Grande, Rochedo, Porto Murtinho e
Dourados. Encontra-se, ainda, em
Rondópolis, em Mato Grosso e na reserva
“Araribá”, município de Avaí, no Estado
de São Paulo.
Os Terena são uma das maiores populações indígenas do Brasil, estimada em
cerca de 30 mil pessoas. Como em tempos
passados, a agricultura é para a maioria dos
Terena uma de suas principais atividades,
junto à produção da cerâmica, instrumentos musicais e objetos de cipó e palha de
palmeira.
O contato com espanhóis e portugueses foi sempre tencionado pela disputa
pelo território e pelo conflito cultural e religioso, ampliando-se com as incursões
bandeirantes na caça de índios pela região
do Mato Grosso e a colonização gaúcha,
acarretando a expulsão dos indígenas e a
redução dos seus territórios.
Fotos: Egon D. Heck
curso de apelação pela União bem como
pela Procuradoria da República de Campo
Grande, sendo que até a presente data o
recurso aguarda seu julgamento pela 5º
Turma do Tribunal Regional Federal da 3º
Região em São Paulo.
Para que tanta terra para os
índios ? Essa é a voz do
agronegócio predador.
Vamos nos dirigindo para uma das terras tradicionais retomadas. No caminho a
conversa é sobre terra. E aí imediatamente vem a pergunta que os latifundiários e
produtores rurais da região martelam incessantemente: porque tanta terra para os
índios? E as lideranças Terena mesmo vão
respondendo. “Olha só o pedacinho de terra que a gente tem aqui. Mal dá para plantar uns pés de mandioca, milho ou outros
alimentos. Agora olha aí a imensidão de
terra, transformada em capim para o gado.
Só o Argelino Ferreira tem mais de 20 mil
hectares de terra por aqui. E quem ganha
com isso?” Perguntam com ar de revolta
e indignação.
Quem conhece um pouco da história,
vida e cultura Terena certamente não terá
dúvidas em perceber que trata-se de um
absurdo desse sistema fundiário do Mato
grosso do sul, baseado no agronegócio
concentrador e excludente. Os Terena na
verdade são grandes produtores de alimentos não apenas para seu povo, mas também para a população da região. Eles estão presentes nas feiras de venda de produtos agrícolas em todas as cidades da região, inclusive na capital, Campo Grande.
Ali não apenas eles mantém barracas permanentes para vender seus produtos, mas
também podem ser vistos andando de casa
em casa oferecendo legumes, verduras e
frutas.
E no correr da conversa sobre terra e
produção mais um pedido de uma liderança: “Olha, você está vendo nossas roças,
nossa produção aqui na terra retomada.
Só que ninguém vê e ninguém divulga.
de seu território
Há décadas os Terena de Cachoeirinha
lutam pela retomada do território tradicional, reivindicação que aglutina as lideranças. A expectativa da população que mora
nas aldeias é de que, com a conquista da
terra, os quase 3 mil indígenas que moram
e trabalham nas cidades possam voltar para
a aldeia. Cachoeirinha continua como um
espaço importante, não somente para
quem nela vive, mas como referencial para
quem a visita, para rever os parentes, participar das festas, danças, celebrações e,
principalmente, espaço de fortalecimento
da sociabilidade étnica.
O espaço geográfico onde estão localizadas as aldeias foi cada vez mais reduzido. Com isso, a convivência e sobrevivência tornaram-se mais difíceis, principalmente para a juventude. Entre as décadas de
40 e 60 quando o antropólogo Roberto
Cardoso de Oliveira realizou pesquisa entre os jovens Terena, identificou que a
maioria deles tinha como perspectiva de
realização pessoal morar, estudar e conseguir um emprego na cidade. No entanto,
como afirma o professor Terena Sebastião Rodrigues: “de volta para casa, nossos jovens, quando saem em busca de
um trabalho, criam a ilusão de felicidade; mas, quando voltam, o dinheiro só
dá para passar uma semana mantendo a
alimentação da família, além de aprender os costumes ruins dos purutuyë e trazer para dentro das nossas aldeias. O
confinamento na Reserva diminui a cada
dia a perspectiva da juventude, provocando o aumento do consumo de drogas, álcool, prostituição e violência
interna”.
Entretanto, apesar de muita luta e
da Constituição Federal garantir a demarcação do território tradicional e o
Artigo 67 das Disposições Transitórias
determinar um prazo de cinco anos, a
terra continua invadida por grandes
fazendas.
1
Mestre em Desenvolvimento Local pela
Universidade Católica Dom Bosco, com
pesquisa realizada com a população
Terena de Cachoeirinha.
Queremos que todo
mundo saiba o que
estamos produzindo”. E
para exemplificar o pedido vão colocando os
números da produção
da última safra:
“Só aqui nesta retomada da aldeia Buriti
nós colhemos1.200
arrobas de algodão,
1750 sacos de milho e
umas 600 toneladas de
mandioca”. E assim as terras retomadas,
que ao todo são um pouco mais de mil hectares, das diversas aldeias, como Córrego
do Meio, Água Azul, tem grande produção
de alimentos.
Não resta dúvida que os Terena tem contribuído muito mais para alimentar a população da região do que o agronegócio. Até
por esse ângulo é uma questão de justiça
que eles tenham ao menos parte de suas
terras tradicionais de volta para contribuir
com a produção de alimentos na região.
Uma das grandes vitórias das retomadas de terra, foi ir acabando com o trabalho semi escravo nas fazendas da região.
“Essa nossa luta acabou com o trabalho nas
fazendas e usinas. Hoje ninguém mais vai
nesse tipo de trabalho fora da nossa terra”, fala com orgulho o cacique Agostinho.
E complementa “ a gente só estava enriquecendo o fazendeiro, e agora estamos
fazendo alguma coisa para nós mesmos,
tirando nosso sustento e melhoria de vida
da terra.
Juntar forças – Grande
Assembléia Terena
O mutirão na terra retomada é um
acontecimento importante na comunidade.
Ali não apenas vão os adultos, mas as crianças vem para um novo espaço de alegria,
lazer e liberdade. As mulheres garantem a
comida. Um enorme panelão de puchero
(carne com osso e mandioca) enche os
olhos e dá água na boca. Após o almoço,
um pequeno momento para se esticar e
depois é pegar a foice, enxada e outras ferramentas e cada qual vai para alguma atividade coletiva. É um momento muito importante para reavivar a memória e fazer
crescer a esperança.
No decorrer do dia também fomos conversando sobre os diversos aspectos da
vida organizativa, trabalho, produção, história e resistência do povo Terena, que hoje
tem mais de 25 mil pessoas, em uma dezena de municípios da região.
Uma das questões que mais foi sendo
afirmada é a necessidade de juntar e unir
mais as forças do povo Terena. Como exemplo foi citado o povo Guarani Kaiowá, seus
vizinhos, que tem uma Comissão de articulação das lutas do povo e realizam grandes Assembléias, as Aty Guasu. “A gente
também tem que fazer esse tipo de Assembléia grande do Povo Terena. Precisamos
nos unir e organizar melhor”, comentou
uma das lideranças.
De fato, desde o ano passado, os
Terena da Terra Indígena Buriti estão procurando concretizar essa Assembléia. E
nesse ano, com a retomada em
Cachoeirinha, acampamento Mãe Terra,
essa idéia, esse sonho, começa a se tornar
realidade. Já está marcada e sendo organizada uma grande Assembléia Terena, neste acampamento “Vamos reunir mais de
dois mil índios Terena aqui e representantes de outros povos do Mato Grosso do Sul
e do Brasil, que vão vir contribuir com suas
experiências de luta”, afirma resoluto e
orgulhoso o cacique Ramão.
“Olha, você
está vendo
nossas roças,
nossa
produção
aqui na terra
retomada.
Só que
ninguém vê
e ninguém
divulga.
Queremos que
todo mundo
saiba o que
estamos
produzindo”
Ameaças, luta e esperança
Os processos de retomada de terra do
povo Terena são bastante recentes. “Ninguém acreditava que nos iamos lutar e nos
agüentar na luta pela reconquista de nossa
terra tradicional. A Funai dizia que nós não
iamos agüentar a luta pela terra. Mas
estamos aqui, daqui nunca mais vamos sair”,
afirma com voz calma mas decidida o cacique Zacarias, no acampamento Mãe Terra.
Porém as ameaças dos fazendeiros e
políticos da região continuam. Existe um
silêncio preocupando, nas retomas do
Buriti. Existe uma expectativa de muita luta
ainda para conseguirem os 33 mil hectares
da Terra Indígena Cachoeirinha, que hoje
tem menos de três mil hectares.
Porém uma coisa é certa: o povo Terena
hoje está decidido e resoluto na luta de
reconquista de parte de seus territórios
tradicionais. É um novo tempo de luta e
esperança.
11 Abril - 2006
País
Afora
Equipe Iraí
Cimi Sul
ano de 2006 iniciou, e os problemas vividos pelos indígenas nos
últimos anos, continuam, principalmente na questão das demarcações
de seus territórios tradicionais. No norte do
Rio Grande do Sul, onde há uma grande concentração de Kaingang, em conseqüência
disso, há muitas reivindicações para possíveis demarcações, tanto identificação como
revisão de limites.
Tendo presente esta demanda, a Funai
em 2002 realizou relatórios prévios, na maioria das áreas, onde havia a necessidade de
revisão, e também possíveis identificações.
Como resultado, a antropóloga responsável
recomendou a criação de Grupos de Trabalhos (GTs), levando em consideração as áreas pequenas, onde a população indígena aumentou. Um exemplo claro é a terra indígena Iraí, com 279 hectares, para mais de 100
famílias. Devido a casos como este que os
Kaingang estão cobrando da Funai maior
comprometimento e responsabilidade.
Depois desse levantamento prévio, realizado pela antropóloga Maria Helena, a Funai
criou apenas três GTs para a terras indígenas:
Mato Preto, Votouro/Kandóia e Borboleta,
no início de 2004. O que se percebe é uma
incapacidade muito grande da Funai porque
nenhum destes relatórios foram publicados,
descumprindo os prazos do decreto 1775/
96, que determina um prazo máximo de 60
dias para entregar o relatório para ser analisado pela Funai. Os índios são constantemente enganados, ludibriados pela Funai.
Temos outro exemplo claro, o da terra
indígena Passo Grande da Forquilha que
constava no levantamento prévio realizado
por Maria Helena, sendo indicada para possível demarcação. Mesmo assim a Funai enviou um antropólogo em 2004, que demorou quase um ano para elaborar outro levantamento prévio e escreveu um relatório incompleto, cheio de falhas, que não comprovava absolutamente nada. Em julho de 2005,
através de pressão feita pelos Kaingang, que
estão acampadas ao lado de uma rodovia, a
Funai comunicou-lhes que o relatório não
Abril - 2006 12 tinha argumento suficiente para criar um GT.
Na beira da
estrada,
povo
Kaingang
aguarda o
respeito ao
seu direito à
terra. As
crianças são
as que mais
correm risco
de morte
O
Fotos: Cimi Sul/Equipe Irai
Demarcações continuam
paralisadas no Rio Grande do Sul
Em outubro de 2005, a Funai através de outro edital fez um outro levantamento prévio
(terceiro), agora com a antropóloga Juracilda
da Veiga. Para se ter uma idéia, os últimos
Kaingang a deixar a terra o fizeram em 1974,
numa negociação forçada por colonos interessados em tirar os índios desse lugar. Não
havia necessidade, portanto, de realizar um
levantamento prévio, para indicar a criação
de um GT. Como não seria tradicional uma
terra de onde os índios foram obrigados a
sair? A seguir, um depoimento de uma liderança do acampamento Passo Grande da
Forquilha:
“Queremos fazer em nome das famílias
Kaingang deste acampamento um relato referente a nossa preocupação com a demora
que a Funai de Brasília, setor Coordenação
Geral de Identificação e Delimitação (CGID),
e Departamento de Assuntos Fundiários
(DAF) tem para realizar os trabalhos de demarcação de nossa terra. Apesar de estar no
decreto 1775, os passos e prazos, tanto para
iniciar os trabalhos e a sua publicação no
Diário Oficial, e até a demarcação final,
estamos vendo que nossos direitos estão
sendo violados. Estamos cansados de esperar uma resposta do relatório prévio, o último realizado no ano passado, aqui em nossa terra, Passo Grande da Forquilha. Eles
marcam um prazo, e quando chega o dia, eles marcam um novo
prazo. O CGID joga para a DAF, e
daí não sabemos onde fica na verdade a papelada. E quando um
joga para outro nós ficamos aqui
sofrendo sem recurso, e o pior
sem plantar para a sobrevivência
de nossas famílias. Queremos levar ao conhecimento do público e
fazer um apelo para que algum
órgão venha a ter piedade de nós
índios de todo o Brasil, e mandem
documentos para a Funai, para
que acelere os processos de demarcação.
“Mais um dia do índio nós vamos ter que passar tristes junto
de nossos filhos na beira da rodovia, enquanto que a Funai e demais
aldeias já colocadas vão festejar.
O presidente da Funai vai aparecer em televisão dizendo que o índio do Brasil está bem, só que na verdade não é o que
eles estão pensando”, afirma Adamor Franco, Líder Kaingang.
O triste da realidade é que não é só isso,
a morosidade da Funai está condizente com
a política do próprio governo Lula. Tudo é
pautado pela política antiindígena que serpenteia pelos corredores do Executivo, da
Justiça e do Legislativo. Não é verdadeira a
afirmação de que os processos não caminham por falta de dinheiro. Isso é paliativo.
O que existe nos órgãos do governo federal
que tratam da questão indígena são pessoas
mal intencionadas, com poucas exceções,
que estão nos cargos para beneficiar os nãoindígenas, por isso procuram atrapalhar o
mais que podem os processos demarcatórios.
O que se pode esperar da Funai, órgão
do governo, responsável pelas demarcações
de terras indígenas, se o seu próprio presidente, Sr. Mércio Pereira Gomes, afirmou que
“os índios já têm terra demais”? Por que uma
pessoa que trabalha dentro do CGDI, entregou um relatório antropológico em fase de
conclusão para os colonos do município?
Para que estes possam organizar-se contra
os Guarani da terra indígena. Mato Preto? O
que mais se pode esperar desse órgão ou do
próprio governo Lula?
Equipe Tapirapé
Cimi MT
o dia 18 de março faleceu Marcos
Xako’iapari, um grande líder do
povo Tapirapé. Pessoas de todas
as aldeias vieram em grande número para entoar o choro ritual e dançar
conforme o rito funerário do povo
Tapirapé. Certa vez, ele havia dito que
quando chegasse a sua hora queria morrer
ouvindo o canto fúnebre. E assim aconteceu. Mais uma vez, Marcos reuniu o seu
povo com a força espiritual do canto e da
dança de seus ritos.
De Majtyri, Santa Terezinha, veio o sr.
Awarao, especialista nos cantos para os
mortos. Impressionou a força do canto e
da dança, a presença de muitos jovens,
homens e mulheres, de todas as aldeias.
Por quatro dias e quatro noites, ouviramse os lamentos de tristeza do povo que se
despedia desse grande chefe. Tinha chegado a hora da partida. Ele a tinha preparado e seu povo veio para cantar e dançar
e ajudar o seu espírito a encontrar o caminho da nova morada.
Afetado por um derrame desde janeiro
de 2005, ele não podia mais andar e ficou
com a saúde abalada. Ultimamente já não
conseguia mais se alimentar e veio a falecer
na aldeia Tapi’itãwa, Área Indígena Urubu
Branco, na terra de seus antepassados, que
os Tapirapé conseguiram retomar em 1993.
Marcos Xako’iapari contava aproximadamente 85 anos de idade. Ele havia recebido as Irmãzinhas de Jesus em 1952 na
aldeia da Barra do Rio Tapirapé e se tornou um grande amigo da Irmãzinha
Genoveva. Naquele tempo, ele tinha dois
filhos pequenos com a segunda esposa,
pois a primeira havia sido morta pelos
Kayapó. Marcos tinha visto seu povo fugir,
se espalhar, começar a desaparecer após o
ataque Kayapó de 1947 e em decorrência
de numerosas doenças antes desconhecidas. Ele foi do grupo que se estabeleceu
N
Fotos: Cimi Mato Grosso/Equipe Tapirapé
Povo Tapirapé está de luto
na Barra do Rio Tapirapé, perto do posto
do então SPI (Serviço de Proteção ao Índio), na década de 50. Viu também seu
povo renascer e lentamente aumentar em
número até que um dia Marcos pode
exclamar, ao ver várias crianças brincando
nos terreiros: “Agora Tapirapé não vai
morrer mais!”
Ele se preocupou em dar a seus filhos
e aos Tapirapé os conhecimentos da língua
e dos costumes, as regras do modo de ser
Tapirapé. A nova situação exigia relações
com os não-índios, cada vez mais numerosos e cada vez mais ocupando espaços que
antes eram só dos índios. Ele soube agir
com sabedoria e serenidade frente a essa
realidade, mantendo-se fiel às suas tradições e, ao mesmo tempo, contribuindo
para a garantia dos direitos de seu povo,
sobretudo na questão da terra. Muitos nãoíndios da região são testemunhos de sua
cordialidade e de seu sorriso acolhedor.
Irmãzinha Genoveva
fala assim a respeito
de Marcos
Xako’iapari:
“Ele sustentou o povo dele
no momento em que os
Tapirapé se sentiam mais
fracos por causa de nossas
doenças e da relação com a
nossa sociedade que não os
aceitava diferentes. Ele foi
a força desse povo e por
isso reconhecido por eles
como seu grande cacique”.
País
Afora
Marcos viu a escola nascer em 1973,
recebendo Luiz e Eunice que vieram para
ser os professores. Escolheu um nome de
sua família para o filho do casal, como se
fosse para um neto seu, demonstrando
assim a sua acolhida.
Conhecedor das regras cerimoniais,
deu força e resistência ao povo através
dos rituais: construção da Takãra (casa cerimonial), diversas festas e danças, transmissão dos mitos e da história do povo,
as iniciações da juventude marcando o
ritmo de crescimento de sua gente. Ele
era grande cantador e contador de histórias. Formou outros homens para levarem
adiante os rituais e em 2002 foi com grande alegria que presenciou dois homens
jovens assumirem uma das cerimônias
mais importantes dos Tapirapé. Alegria
grande! A vida continua com sua força
cultural própria.
Na hora de sua partida, o sentimento
de perda nos leva a pensar que Marcos se
vai e com ele desaparece muito do conhecimento e da cultura Tapirapé. Porém, é
mais justo dizer que Marcos partiu, mas
fica todo um povo com suas tradições, sua
língua, sua cultura e muito consciente de
sua dignidade e de sua identidade. Certamente, ele, com seu exemplo de vida,
ajudou a forjar esse povo.
Na
caminhada
Marcos
encontrou
bons aliados,
como Antônio
Canuto da
CPT e as
imãs de
Foucalt, que
andaram ao
lado de seu
povo
Ao lado da
Irmãzinha
Genoveva (à
esquerda) o
cacique viu
seu povo se
reerguer
Assassino de Atikum é condenado a 13 anos de prisão
osé Lourival Frazão, mais conhecido como Louro Frazão, foi condenado, em Caruaru (PE), a 12
anos e seis meses de prisão, a
serem cumpridos inicialmente em regime
fechado, pelo homicídio qualificado da liderança Atikum, Josenilson José dos Santos, atingido por um disparo de arma de
fogo, na cabeça, quando já se encontrava
indefeso e caído ao chão.
Frazão foi absolvido de outros dois
crimes, o de porte ilegal de arma e pelo
assassinato do indígena Xukuru, José
J
Ademilson Barbosa da Silva, uma vez que
o Tribunal do Júri reconheceu que o acusado agiu em legítima defesa. Atuou no
júri o procurador federal Rafael Nogueira e na assistência de acusação o advogado Paulo César Maia Porto, juntamente com o corpo de assessores jurídicos
do Cimi.
Estiveram presentes ao julgamento 150
pessoas dos povos Atikum e Xukuru, representantes do Movimento Nacional de
Direitos Humanos e de organizações indígenas.
O crime ocorreu em 7 de fevereiro de
2003 quando o cacique Xukuru, Marcos
Luidson de Araújo, juntamente com seu
sobrinho, menor de idade, e mais dois companheiros que faziam a sua segurança, sofreu um atentado contra a sua vida quando dirigia um caminhão da comunidade
indígena da aldeia Santana em direção à
aldeia Vila de Cimbres, terra indígena
Xukuru e que resultou nos assassinatos dos
dois indígenas que acompanhavam o cacique. Meses antes do crime, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos havia
solicitado que o Estado brasileiro fizesse a
proteção física de Marcos, que sofria ameaças de morte por parte de grupos políticos e econômicos que têm interesse nas
terras do povo Xukuru.
A motivação do crime ocorreu pela forte oposição que o cacique e as lideranças
Xukuru fizeram à tentativa de divisão do
território tradicional do povo Xukuru, articulada por políticos e fazendeiros da região
que desejavam permanecer ocupando ilegalmente a terra indígena e que contou com o
aliciamento de alguns indígenas.
13 Abril - 2006
Fotos: Equipe São Paulo/Cimi Sul
Ará Verá: um espaço iluminado
na educação indígena
País
Afora
Benedito Prezia
Cimi Sul
Aldeia
destruída
depois do
corte
irresponsável
dos eucaliptos
feito pela
prefeitura da
Capital
o final de janeiro encerrou-se a última etapa do 2o Curso de Formação
de Professores Indígenas Guarani e
Kaiowá do Mato Grosso do Sul, em
Dourados. Iniciado há três anos, o curso contou com a participação de 53 jovens Guarani
e Kaiowá, procedentes de 12 áreas indígenas
do sul do Estado.
Ao longo desse tempo, a troca de saberes ocorreu para esses jovens que descobriram que o que era considerado “coisa de branco”, poderia ser importante instrumento de
conscientização e luta pelos direitos. Isso
pôde ser visto no depoimento de vários deles, como foi o de Onérimo Godói, da aldeia
Guaimbé, de Laguna Carapã: “Antes do curso
pensava para os meus alunos que o objetivo
era vê-los formados para o mercado de trabalho. Hoje mudei radicalmente, porque o curso me ensinou a valorizar a cultura [guarani]
que eu amo. Voltei a ter argumentos para defender meu jeito de ser Guarani. Posso dizer
com voz alta que as políticas usadas pelos
brancos para acabar com o Guarani foram em
vão. Hoje até me emociono para falar do meu
povo. Afinal são 500 anos de resistência!”
Essa resistência se deu, sobretudo, através da luta pelos territórios perdidos e com a
manutenção das tradições religiosas. Isto esteve também presente no curso. Diariamente as atividades eram iniciadas e encerradas
com uma reza do cacique (nome dado aos
rezadores Guarani no Mato Grosso do Sul) que
permanecia, com sua família, as três semanas
que durava cada unidade.
Esse curso um tanto longo, com duração
de três anos, foi realizado por iniciativa do
Movimento dos Professores Guarani e Kaiowá
de Mato Grosso do Sul e assumido pela Secretaria de Estado de Educação/MS, através do
Projeto Ará Verá (espaço-tempo iluminado), em
parceria com as Prefeituras Municipais.
N
Odifícil cotidiano do povo
Guarani no Pico do Jaraguá
Beatriz Catarina Maestri
e Vanessa de Souza Ferreira
CIMI - Equipe Grande São Paulo
O
s Guarani do Pico do Jaraguá continuam numa situação difícil devido à falta de moradia. Há tempo
vinham solicitando o corte de
eucaliptos na pequena aldeia Tekoa Pyaú, de
2,5 ha, onde moram 54 famílias. Só com muita insistência e depois de várias árvores
terem caído sobre as casas dos Guarani, a
prefeitura de São Paulo liberou o corte,
indicando um madeireiro para que fosse
contratado para este serviço. Também aí
os indígenas foram lesados. Receberam
R$ 3,00 pelo metro cúbico enquanto que
o madeireiro vendeu a mesma madeira por
R$ 36,00.
O serviço mal feito resultou outro sério
problema, a destruição de quase todas as
casas guarani da aldeia. Assim a maioria
das famílias teve que se alojar no Centro de
Educação Cultural Indígena (CECI), centro
construído em todas as aldeias Guarani da
capital pela administração anterior.
Após inúmeras pressões por parte dos
Guarani e seus aliados e a divulgação do caso
na imprensa, a prefeitura prometeu liberar o
material para construção das casas - madeirite
e telha. Algumas casas começam a ser
construídas em meio ao cenário de destruição em que se encontra a aldeia com árvores
cortadas, galhos e tocos que se espalham por
todo espaço.
A partir de julho de 2005, um grupo de
seis famílias que viviam no Pico do Jaraguá e
em Parelheiros (São Paulo-SP), descontentes
com a falta de terra e a pouca assistência dos
órgãos responsáveis, resolveu ocupar um espaço de terra no Bairro Sol Nascente, local
próximo do Pico do Jaraguá. Em fevereiro
deste ano veio a ordem de despejo, depois
da reclamação judicial de seu proprietário.
Segundo informações da assessoria jurídica
do Cimi e da Procuradora Débora Stuk, seria
muito difícil reverter a situação, pois era certo que a terra ocupada pertencia a Tito Costa
e não haveria como os indígenas permanecerem no local. Ainda segundo a procuradora,
estas famílias Guarani teriam sido usadas por
um líder de movimento de moradia e ex-funcionário da prefeitura para esta ocupação. O
fato é que estas famílias necessitam de área
para morar e querem espaço suficiente para
o plantio dos alimentos.
No dia dois de março, o Procurador da
Funai de Bauru, esteve no local e convenceu
os indígenas a deixarem as terras ocupadas
com a promessa de que estariam buscando
outro espaço em São Paulo, onde houvesse
melhores condições também para o plantio
de alimentos, uma das reivindicações do grupo. As famílias aguardam na Aldeia Tekoa
Pyaú, pela providência da Funai.
Na especialização, a soma da valorização
da cultura com o aprendizado da ciência
Apesar do orçamento limitado e das instalações precárias, obteve-se um bom resultado, como se vê pela baixa evasão dos alunos. Um dos frutos foi a publicação do livro
de contos Ñe’ë Poty Kuemi e outros três livretos
de receitas. Outros dois aguardam verba para
a publicação.
Como diz o juramento a ser proclamado
no dia da formatura, em julho próximo, cada
um se compromete a ajudar “as lideranças e
a comunidade a se organizar pela luta de seus
direitos, ser uma pessoa pensante e incansável no dia-a-dia da aldeia, (...) [e] a lutar pela
retomada de nossos territórios tradicionais,
como forma de garantir a vida de nosso povo,
uma vida digna, e construir uma terra sem
males”.
Um grande programa e um grande
desafio.
Políticos antiindígenas fazem declarações racistas
Cristiano Navarro
Editor do Porantim
ois casos de racismo, em duas
regiões do País, comprovam que
o problema está na raiz das
oligarquias brasileiras.
Em Santa Catarina o prefeito de
Chapecó, João Rodrigues, acusado de prática de racismo foi condenado a prestar
serviços à comunidade por dois anos e
quatro meses, pagar multa de 10 salários
mínimos e prestação pecuniária no valor
de um salário mínimo mensal pelo prazo
da pena, a ser revertida em prol das vítimas, seus dependentes ou entidade
Abril - 2006 14 assistencial.
D
No dia 16 de março, a 4ª Seção do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região
confirmou a condenação do prefeito de
Chapecó. A ação penal foi movida devido
às declarações do prefeito contra os povos Kaingang e Guarani no programa de
televisão que apresentava “SBT Verdade”,
em 1999. Entre suas declarações racistas,
João Rodrigues afirmou que “A indirada
dificulta o processo (...), trabalha muito
pouco, não são chegados ao serviço”, “os
índios assumem, vira um capão desgraçado no ato, não cultivam” e “índio tem terra, mas não planta, é mais fácil roubar, tomar de alguém que plantou e se dizer
dono, depois que colhe abandona toda a
fazenda e vão invadir outra”.
A agressão aos dois povos foi motivada
por sua luta pela terra. Na época, os Guarani
e Kaingang estavam em conflito com colonos e latifundiários pela posse de seu território tradicional, na região oeste (nos municípios Seara, Nonoai e Iraí) de Santa
Catarina e norte do Rio Grande do Sul.
Em mesmo tom racista, o presidente
da Assembléia Legislativa do estado do
Amazonas, deputado Belarmino Lins, afirmou ao jornal A Crítica, do dia 16 de março, que “Todos os Lins e Albuquerque são
oriundos de portugueses e alemães. Não
são oriundos de tribo indígena”.
Lins utilizou-se do argumento racista
para expressar a condição de superioridade de sua família com relação aos índios,
sustentando como legal a prática de
nepotismo em seu gabinete.
Em nota pública a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) manifestou seu repúdio com relação às declarações do deputado. “Ao falar
assim, o deputado presidente da Assembléia
Legislativa mais uma vez despeja para a sociedade toda sua ignorância e preconceito,
desrespeitando o povo amazonense” declara a Coiab que lembra que esta não é a primeira vez que Lins faz afirmações racistas.
“O mais absurdo e inacreditável é que os
arroubos de ignorância e pretensa superioridade do deputado Belarmino Lins acontecem sempre na esfera pública”, condena a
organização indígena.
Influência das
Línguas Indígenas
no Português
Cultura
Benedito Prezia
Toponimista
Línguas isoladas
R
etomando esse tema, começado em artigo anterior com o
estudo da língua mynky (agosto 2005), as línguas isoladas,
como diz Aryon Rodrigues, são “línguas que não revelam parentesco genético com nenhuma outra” (1986:93). Ao contrário dos demais idiomas, não são agrupadas em troncos ou famílias, sendo únicas no continente.
Este fato se deve à existência de grupos que há milhares de
anos se isolaram dos demais, criando uma singularidade lingüística. Esse isolamento fez com que a maior parte deles sejam constituídos de pequenas comunidades, com exceção dos Tükuna,
no Amazonas, cuja população ultrapassa 20 mil falantes.
Nessa categoria encontramos as línguas aikaná/aikanã, ajuru,
akuntsu, kwazá/koaiá/arara de Rondônia, irantxe com seu dialeto
mynky, kampé, kanoê/kanoé, jabuti, massaká, trumai e tükuna.
Coincidentemente, com exceção dos Tükuna, que vivem
no alto Solimões, no Amazonas, todos os demais povos de língua isolada habitam no Mato Grosso e, sobretudo, em Rondônia.
Isso mostra que essa região foi um importante corredor migratório em tempos antigos, quando a floresta tropical ainda não
cobria a Amazônia. Isso pode ser constatado por dados arqueológicos deixados por povos coletores e também pela existência dos Nambikuara, um povo coletor de presença muito antiga na região. Com a mudança vegetal da região, esse povos se
mantiveram confinados pela floresta, ao contrário de outros
que se dispersaram, facilitando o surgimento de variantes dialetais e de novas línguas.
Na década de 80 Aryon Rodrigues considerava a língua maku
como isolada, mas estudos mais recentes apresentam-na formando uma família lingüística à parte.
Infelizmente, com exceção das línguas mynky, trumai e
tükuna, as demais línguas isoladas têm sido pouco estudadas,
e o desaparecimento desses povos, na sua maioria em fase de
extinção, representará uma grande perda cultural não só para
o Brasil, como também para a humanidade.
Para a língua trumai há o estudo da francesa Aurore MonodBecquelin, La pratique linguistique des indiens Trumai (Paris: Selaf,
1975), além de um conto nessa língua, Les amants punis:
conte trumai, publicado na revista Ameríndia (Paris, v. 2, 1977,
p. 163-173).
BIBLIOGRAFIA
RODRIGUES, Aryon D. Línguas brasileiras. São Paulo: Loyola,
1986.
Povo Guarani lança primeiro
CD indígena capixaba
s aldeias Guarani de Três
Palmeiras, Boa Esperança
e Piraqueaçu vão lançar
em 19 de abril, Dia do Índio, o
primeiro CD indígena capixaba Mborai retxa kã Marae’y - Cantos
da sabedoria sagrada infinita.
O trabalho, gravado na própria
aldeia pelo Coral Guarani, tem produção de Carlos Papel, coordenação do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) da Serra e
patrocínio da Coordenadoria
Ecumênica de Serviços (Cese). O
coral é composto por 21 indigenas.
A primeira tiragem terá 1.200
exemplares. O CD tem 15 músicas
que fazem parte do universo religioso Guarani e foi pensado como
forma de registrar a cultura deste
povo, tradicionalmente oral, que
está ameaçada devido às influências dos centros urbanos, muito
próximos das aldeias.
O responsável pelo projeto, o
cacique da aldeia de Três Palmeiras, Marcelo Oliveira – Werá
Djekupé na língua Guarani – explica que, além disso, o CD também é um fator de integração.
Segundo ele, os momentos
que antecederam a gravação foram importantes para reforçar os
laços coletivos, uma vez que as
crianças e jovens se reuniram periodicamente para ensaios e as comunidades continuam se reunindo para avaliar cada passo da execução do projeto.
“Esta é uma oportunidade
para a gente apresentar aos não-
A
indígenas uma face da cultura do
povo Guarani. No encarte, colocamos as músicas traduzidas para o
português para os brancos entenderam o significado de nossos
cantos”, acrescentou Werá
Djekupé.
Outro fator positivo no projeto é o investimento dos recursos obtidos a partir da comercialização. A partir de uma decisão
das comunidades, uma parte do
valor de cada disco vendido será
aplicado em um fundo. Este dinheiro será usado para compra
de instrumentos, roupa para o
coral ou execução de uma segunda tiragem do CD. O valor restante será usado em projetos coletivos que atendam a toda comunidade.
O lançamento do CD está marcado para as 8h30 do dia 19, com
um momento religioso seguido de
um lanche com comidas típicas
Guarani. Durante todo o dia haverá jogos e apresentação de danças indígenas.
Além da coordenação do
CDDH e patrocínio da Cese, o projeto teve apoio da Federação de
Órgãos para Assistência Social e
Educacional (Fase-ES), Sindicato
dos Bancários do Estado do Espírito Santo (Sindibancário) e Sindicato dos Previdenciários.
SERVIÇO:
- Venda do CD: nas aldeias.
- Outras informações ou
contato para aquisição do
CD: Marcelo Oliveira – Werá
Djekupé (27) 9276-3686.
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15 Abril - 2006
RESISTÊNCIA INDÍGENA DO PIAUÍ
mbora o Piauí não apresente comunidades indígenas, mas ele teve sua história de resistência. A
implantação de fazendas, feita pelo português
Domingos Afonso Sertão, espalhou o gado pelos
campos e caatingas piauienses. Quando morreu,
em 1711, deixou 30 fazendas, com mais de 30 mil cabeças
de gado, espalhadas ao longo dos rios Gorguéia, Piauí,
Canindé e Itaim Açu. A entrada do gado significou a expulsão dos povos indígenas de suas terras, transformando
muitos deles em vaqueiros e peões, num regime de semi
escravidão.
Encravada entre as capitanias do Maranhão, Ceará e
Bahia, o Piauí era uma terra de ninguém, onde imperava a
intolerância e a violência.
Destacava-se na região, pelo seu terrível gênio, o capitão-mor Antônio da Cunha de Souto Maior. Segundo relatos da época, ele, juntamente com seu irmão Pedro e o
juiz do Maranhão, Luís Pinheiro, tinham especial prazer
em obrigar seus escravos indígenas a correr, enquanto que
eles, a cavalo, quebravam-lhes a cabeça a cacetadas,. Depois “os abatiam a golpes de foice, como se fossem gado”.
A reação não se fez tardar. Em 1712 estourou uma rebelião, liderada por Manoel Ladino, mais conhecido
como Mandu Ladino, pois havia sido educado
pelos jesuítas. Souto Maior, principal
E
APOIADORES
UNIÃO EUROPÉIA
Abril - 2006
16
alvo da ira popular, foi assassinado, assim como vários oficiais da região e um destacamento de 20 soldados. Com
as 300 armas, passaram a atacar e a incendiar fazendas,
levando medo e insegurança não só na região central e sul
do Piauí, como também em parte do Maranhão e Ceará.
Apesar da violência das ações, que se prolongaram por
sete anos, os indígenas nunca destruíram nenhuma igreja,
e as fazendas, ao serem atacadas, tinham os oratórios preservados.
Para sustar a rebelião foi enviado um batalhão de
Pernambuco, que teve um reforço dos Tobajara da serra
de Ibiapaba, tradicionais inimigos desses povos jê,
chamados genericamente de tapuia.
A revolta só foi contida com a morte de seu líder,
que morreu afogado no rio Poti, ao tentar se evadir
de um cerco, juntamente com outros quatro
líderes indígenas.
Em 1720 a região foi considerada
pacificada, mas com o quase total
extermínio dos povos jê da região,
e com um prejuízo para Portugal
de mais de 500 mil cruzados.
Benedito Prezia

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