de todos os jeitos de todos os lugares

Transcrição

de todos os jeitos de todos os lugares
ano IV – número 10
dezembro de 2008
DE TODOS OS JEITOS DE TODOS OS LUGARES
Os jovens brasileiros que abraçaram a nossa Olimpíada
Se a língua é um dos traços distintivos de
nossa identidade e presença no mundo – “Minha
pátria é a língua portuguesa” já disse o poeta
Fernando Pessoa –, é fundamental fazer que os
estudantes brasileiros se aproximem e se apro­
priem ainda mais dela, refletindo sobre seus usos
e possibilidades, já que falamos, escrevemos,
pensamos e sonhamos em bom português.
Por isso saudamos as educadoras e educa­
dores que participaram de nossa Olimpíada,
convidando-os a estarem conosco novamente
em 2010.
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Entrevista
João Wanderley Geraldi
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REPORTAGEM
A maratona olímpica
Na ponta da língua
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ESPECIAL
Como abraçar o lugar
em que se vive
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Página Literária
Minha vida
12
Questão De Gênero
O gênero textual crônica
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Óculos De Leitura
Esses cronistas maravilhosos
e suas palavras voadoras
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De Olho Na Prática
Crônica: Uma prosa bem afiada
23
Desafio
A crônica nossa de cada dia
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Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
Nesta última edição do ano, apresentamos
uma reportagem com cenas das oficinas regio­
nais da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, que reuniram professores e
alunos de todos os Estados brasileiros.
Também trazemos informações sobre um
dos gêneros literários mais praticados no Bra­
sil: a crônica. Se, em sua origem, o cronista era
responsável por registrar para a posteridade
feitos memoráveis de reis, generais e outros
poderosos, para os cronistas de hoje são as ex­
periências pessoais e cotidianas, aparentemen­
te banais e contidas em partículas de tempo,
que merecem ser relatadas.
Um artigo do escritor e professor Jorge Mi­
guel Marinho fala da evolução da crônica no
Brasil, mencionando os escritores que mais
contribuíram para o aprimoramento do gênero.
Já a professora Maria do Carmo Brant, coorde­
nadora do Cenpec, destaca a importância do
“lugar em que se vive”, sempre tema dos estu­
dantes que participam da Olimpíada.
Nosso entrevistado é o lingüista e professor
doutor pela Unicamp, João Wanderley Geraldi,
um dos principais especialistas brasileiros em
práticas pedagógicas para o ensino da Língua
Portuguesa.
Na Página Literária, um texto inédito do mi­
neiro Luiz Ruffato, escritor premiado no Brasil
e no exterior e um dos mais originais da nova
geração.
Desejamos uma boa leitura e um ótimo final
de ano.
“Professor não pode ter medo de errar”
O conselho é do lingüista João Wanderley Geraldi, atualmente professor colaborador voluntário da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos principais pesquisadores brasileiros sobre
o ensino de Língua Portuguesa. Geraldi é um dos organizadores da coletânea O texto na sala de
aula, obra publicada em 1984 que até hoje é referência para a proposição de políticas públicas e
práticas pedagógicas para o ensino da língua. É dele o projeto “Unidades Básicas para o Ensino de
Português”, uma proposta de sistematização para o ensino de 5ª- a 8ª- série. Ex-diretor do Instituto
de Estudos da Linguagem, da Unicamp, onde concluiu o mestrado e doutorado em Lingüística,
Geraldi tem participado como professor visitante de programas de pós-graduação em educação nas
universidades do Porto e de Aveiro, em Portugal, além de ser professor e pesquisador associado
da Universidade de Siegen, na Alemanha, onde colabora na orientação de doutorandos brasileiros.
América Marinho
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
O que levou o lingüista e professor universitário a se preocupar com as questões de ensino da língua na educação básica?
Eu comecei como professor de ensino noturno
na educação básica. Quando fui para a universidade, levei minha experiência e minha história de
vida. Isso me fez pensar no trabalho do professor, como atividade acadêmica voltada para pesquisa e também na preocupação que se deve ter
com o contexto nacional da educação. Um segundo aspecto, sem sombra de dúvida, é uma
postura política: acho que a atitude de interferência do professor é fundamental e a universidade
não pode ficar fora das questões da sociedade.
Desde a publicação do livro O texto na sala
de aula (1984), aprendemos que o ensino e a
aprendizagem da língua precisam desenvolver-se por meio de situações em que falar,
ler e escrever tenham finalidade. O que isso
significa?
Na década de 1980, quando comecei a tratar disso com base em uma perspectiva discursiva da
linguagem, os objetivos escolares da produção
de texto eram extremamente limitados, voltados
à questão da avaliação, à questão da correção.
A idéia era criar uma espécie de escola mais
produtiva – embora hoje a palavra esteja extremamente complicada, pois tem sido usada no
sentido de concorrência no mercado. Na época
era em contraposição a uma escola reprodutiva.
Por exemplo, numa escola em que é difícil o
acesso a material de literatura infantil, o professor corre atrás de textos adequados para as
crianças. O que pode ser mais adequado para o
primeiro, segundo e terceiro ano que os textos
contados, produzidos pelos próprios alunos?
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Esse material, depois de trabalhado pelo professor e ilustrado pelas crianças, pode se transformar em uma obra que fica na biblioteca e
pode ser lida por outros alunos. Sua passagem
pela escola é marcada por sua obra. Ao não jogar fora a história contada, o papel, o desenho e
a cultura – ao mantê-los na biblioteca –, você começa a criar uma coisa que valorizamos muito: a
memória.
Para alguns professores, a compreensão de
que o ensino da língua se dá por meio dos
usos sociais foi como um “abre-te, Sésamo”;
para outros, uma enorme dor de cabeça.
Como você vê essas duas reações?
A criança participa dos usos sociais da escrita
antes de entrar na escola. Impedir esse uso na
escola é separar o sujeito da sua própria vida.
Muitos professores tentam essa separação, em
função do processo de alfabetização. Na verdade esse processo seria muito mais produtivo
se levasse em conta os usos sociais da língua.
Aprendizagem não é só um processo de apreensão; é um processo de reflexão sobre aquilo
que eu aprendo. Essa reflexão altera tudo o que
eu pensava antes, porque desloca o conjunto
de conceitos de que disponho para acessar o
mundo. Eu diria que, quando a criança começa
a refletir e interpretar a escrita, esse conhecimento passa a ocupar um lugar em sua vida. A
reação dos professores depende da história de
cada um. Aqueles que naquela época já eram
contra a ortodoxia da escola se aproximam das
nossas idéias; os que eram ortodoxos pensavam que, se não ensinassem a gramática como
estavam acostumados, ficariam perdidos sem
ter objeto para ensinar.
Que gêneros devem ser privilegiados no currículo da educação básica?
Qualquer gênero pode ser ensinado
na escola, o que não quer dizer que
todos os gêneros devam ser ensinados na escola. Mas o que está acontecendo a partir dos anos 1990 é a crença
de que todos os gêneros têm de ser
ensinados na escola. Isso é um absurdo, pois, se os gêneros têm que ver
com as atividades humanas, por que
eu vou supor que uma pessoa só conhece um gênero se for ensinado na
escola? Por exemplo, se eu não tenho
nenhuma situação planejada na escola, nem a necessidade de as crianças
mandarem um ofício para o prefeito,
ensinar ofício vai tornar-se parte da
obrigação de trabalhar todos os gêneros. Agora, para quê? Vai chegar o
momento em que eles vão aprender a
fazer o ofício, que esse conhecimento
vai se tornar necessário; na hora que
eles forem para grêmio estudantil,
avançarem no processo escolar. Os
que têm essa concepção de trabalho
se esquecem inclusive de gêneros que
são acadêmicos; circulam e são importantes dentro da escola, como o
resumo, a anotação, a dissertação.
Não faz mal que um aluno, durante
todo o seu processo de escolaridade,
não tenha feito nenhum texto no gênero X ou Y. Ao longo da vida, ele vai
aprender a usar aquele de que tiver
necessidade.
Para finalizar, que recado daria
aos professores brasileiros, leitores desta publicação?
Que o professor não tenha medo de
errar. Aprende-se muito errando. Acre­
­­­­­­­­dite que o aluno com o qual você errou
vai aprender muito mais. Quando, mais
tarde, o aluno disser “aquele professor errou quando fez tal coisa”, vai
mostrar onde você acertou. Se você
errou, não se culpe – você está fazendo o máximo que pode no momento.
Também acho essencial que os responsáveis pelas políticas públicas
olhem para o professor como gente,
da mesma forma que os professores
precisam olhar para o aluno como
gente. Isso cria outro compromisso;
cria diálogo, cumplicidade. Cria a
pos­sibilidade de ultrapassarmos os
limites que nós mesmos temos nos
imposto ao longo da história. Porque
os limites e crises de hoje na educação fomos nós mesmos que criamos
ao longo da história, não foi algo que
caiu do céu. O caminho se faz ao caminhar. Caminhar é um processo às
vezes doído, às vezes alegre. E nós
estamos caminhando.
América Marinho é professora de língua
portuguesa.
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Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
De que critérios o professor deve
se valer para indicar a leitura de
tex­­tos literários de boa qualidade?
A noção de “literatura de qualidade”
varia ao longo da história. Eu prefiro a
idéia do grande tempo. Nós vivemos
um grande tempo. Nesse tempo, há
notas que permanecem, outras ficam
anos esquecidas e ressurgem. Por
exemplo, no século XVI, os textos de
Shakespeare eram da literatura popular e hoje são considerados clássicos. Penso que a liberdade do leitor
de construir sua caminhada é o principal critério que o professor pode ter.
Todos nós somos capazes de fazer
nossa caminhada de leitura. Em minha experiência de trabalho vi alunos
que começaram lendo Éramos seis, de
Maria José Dupré e terminaram lendo
Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro. Essa liberdade permite que a
criança possa de fato começar lendo
o que nós consideramos leitura barata e terminar lendo literatura de boa
qualidade. Agora, se ela começou
com literatura barata e terminou com
literatura barata, é porque na sala de
aula não estavam circulando outros
livros. Livro de boa qualidade é o livro
que os leitores gostam de ler. O que
é um livro bom para criança? É aquele que a criança lê com prazer, que
ela tem vontade. É preciso abrir um
leque. Acho que isso explica melhor
o conceito de liberdade que eu estou
trazendo.
A maratona
de uma Olimpíada
A Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo
o Futuro começou com a participação de mais
de seis milhões de estudantes e quase 200 mil
professores. Em sua penúltima fase, em
São Paulo, reuniu 620 pessoas em três dias
de intensa atividade com brasileiros de
todos os quadrantes do país. Na etapa final,
15 estudantes foram premiados pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, numa cerimônia em
Brasília, no dia 1º- de dezembro.
Luiz Henrique Gurgel
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
As salas e os corredores do hotel estavam tomados por adolescentes, jovens e
seus professores vindos de todo o país. Pela
primeira vez homens e mulheres de negócios
eram minoria no Hotel Transamérica, em São
Paulo, que recebeu entre os dias 17 e 19 de
novembro a semifinal da 1ª- Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. Foram
três dias com oficinas de formação, trocas de
experiên­cias e roteiros culturais envolvendo
620 estudantes e professores. Desse grupo
saíram os finalistas para a última etapa da
Olimpíada, em Brasília.
No encontro, um mosaico da diversidade
brasileira com seus sotaques, tons de pele,
jeitos de andar e de sorrir. Estrangeiros hospedados no hotel tiveram a oportunidade
rara de conhecer o Brasil inteiro num mesmo
espaço, por meio de amostras de sua gente,
todos falando a mesma língua, mas de modos diferentes. Os crachás que estudantes e
professores ostentavam no peito indicavam
nomes de cidades bem brasileiras: Caiapônia (go), Regeneração (pi), Queluz (sp), Marataízes (es), Derrubadas (rs), Xanxerê (sc),
Bacabeira (ma), Poconé (mt), Japaratuba (se),
Manacapuru (am), Chalé (mg), Salinas da Mar­­­
garida (ba), entre outras.
Acolhida
No imenso salão de convenções, as boasvin­das foram dadas por Claudia Sintoni, da Fun­
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dação Itaú Social, e por Sônia Madi, do Cenpec,
coordenadora pedagógica da Olim­píada. Em
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seguida professores e alunos receberam as me­
­­­­dalhas de bronze como semifinalistas. “Vocês
correram atrás de um so­­­­­­­­nho e conseguiram
realizá-lo”, afirmou Sônia.
Mas as principais atividades iriam começar no dia seguinte. Separados, professores
e alunos seguiram para as oficinas de formação, divididos conforme o gênero de texto em
que concorriam – poesia, memórias e artigos
de opinião.
Apenas a de poesia reunia só participantes do Estado de São Paulo, já que nas outras
regiões do país as semifinais dessa categoria
de texto já haviam ocorrido: em Belo Horizonte, reuniu os participantes do Sudeste
(com exceção de São Paulo); em Curitiba os
do Sul; em Goiânia os do Centro-Oeste; em
Belém os do Norte; em Fortaleza e em Recife,
os do Nordeste.
O dia-a-dia das oficinas
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Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
Todas as oficinas para professores e alunos
trataram da elaboração, revisão e reescrita
de textos, além de atividades específicas
conforme o gênero trabalhado. Nas 17 salas
des­­­­­­tinadas às oficinas professores de regiões
diversas trocavam opiniões e experiências.
Marta Chiva Mangabeira, de São Paulo (sp),
que trabalhou com memórias, afirmou “que
os alunos perceberam que as pessoas mais
velhas não são invisíveis, elas têm uma história”. Já Luiz Vicente Costa, de Poções (ba),
disse que incentivou os alunos a observar os
detalhes da pequena cidade pelas lembranças dos entrevistados.
O ambiente nas salas das oficinas de memória era propício. Todos os estudantes trouxeram fotos de seus entrevistados, destacando
trechos das conversas. Eram antigas imagens
em cores ou em preto e branco. Ivani Moura
da Silva, de São Gonçalo do Amarante (ce),
escreveu ao lado da foto de seu entrevistado,
um pescador aposentado, de barbas brancas,
ao lado de uma jangada na praia, uma frase
poética extraída de seu texto: “Eu continuo
pequeno pescador sentindo o cheiro do mar”.
Nas oficinas com estudantes do Ensino
Médio que partici pam da Olimpíada com
artigos de opinião cada um pôde apresentar
aos colegas o tema que abordou. Sempre manifestando a preocupação de intervir em suas
realidades, com uma grande variedade de assuntos e preocupações, mostravam-se agudos
observadores de suas comunidades. Ficavam
surpresos e empolgados para falar sobre o
que escreveram ao ouvir os relatos dos colegas. Numa mesma turma, um estudante do
Rio Grande do Sul falava da preocupação
com o patrimônio histórico de sua cidade, enquanto um colega da Bahia temia pela mata
nativa ameaçada pelo plantio de eucaliptos;
outro, de Minas, estudante de uma escola
militar, questionava a exaltação da violência.
Alguns trataram o tema de forma criativa, a
partir da experiência pessoal. Foi o caso de
Felipe Silva de Oliveira, que mora em Pedra
do Salgado, uma comunidade de mil habitantes no município de Vitorino Freire (ma), que
com bom humor, falou da polêmica entre moradores do vilarejo que criavam porcos soltos
pelas ruas do lugar. Já Mariane de Oliveira,
da cidade de Tamboara (pr), levantou o pro-
blema da mecanização do corte de cana em
seu município que pode trazer o desemprego.
Mariane, que trabalha numa fábrica de calças
jeans e estuda à noite, baseou-se na história
do próprio pai, cortador de cana, para falar
dos “Cavaleiros da cana”; ela explica que a
imagem usada no texto veio de um sonho:
“Uma vez acordei com aquela imagem do
cortador, parecendo um cavaleiro. Toda aquela roupa, luva, botas faz que ele pareça estar
de armadura. O facão é a espada”, explica a
estudante.
Os alunos do Ensino Médio ainda tiveram outra empolgante atividade. A equipe
do Cenpec preparou um movimentado jogo
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
João Acaiabe
Uma das atividades mais esperadas pelos alunos que
participavam da Olimpíada com textos de memórias foi
o encontro com João Acaiabe. Consagrado contador de
histórias no programa Rá-Tim-Bum, da TV Cultura, e no
papel de Tio Barnabé, no Sítio do Picapau-Amarelo, da
TV Globo, o ator teve de enfrentar um desafio diferente:
contar sua própria história de vida para os adolescentes
que faziam perguntas e anotavam as histórias suscitadas pela memória de Acaiabe.
Depois da entrevista, os estudantes escreveram o
texto com as memórias narradas por Acaiabe. No dia
seguinte, uma atividade emocionante para o ator: ele leu
alguns textos dos estudantes e também ouviu, deles
mesmos, o que haviam escrito sobre suas histórias.
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de tabuleiro que serviu como ponto de partida para os textos que deveriam escrever
durante uma das oficinas. Por sorteio, os
estudantes tinham de discutir, defender ou
refutar pontos de vista sobre uma das questões polêmicas sugeridas pelo jogo: multas
de trânsito, devastação da Amazônia, redução da maioridade penal, desarmamento,
entre outros. Debates acalorados com troca
de idéias e pontos de vista marcaram as oficinas, enriquecendo as possibilidades para a
criação de seus artigos.
Mas os três dias não foram só para trabalhar
com textos. Além das oficinas, todos puderam
conhecer São Paulo, visitando o Centro Anti­
go, o Museu da Língua Portuguesa e o Mu­seu
Paulista, no Parque da Independência.
Passaporte para a final
Em Brasília: 16 horas
No encerramento da Olimpíada, em Brasília, no dia 1º- de dezembro, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva entregou pessoalmente
as 15 medalhas de ouro aos vencedores. “No
Brasil, nós muitas vezes somos jogados para
baixo. O que se viu hoje é que nenhum ser humano se movimenta se não estiver motivado”,
disse o presidente durante seu discurso. Já
o ministro da Educação, Fernando Haddad,
lembrou o bom desempenho de estudantes,
que apesar de várias dificuldades, como a impossibilidade de dedicar-se exclusivamente
aos estudos por precisar trabalhar, ficaram
entre os finalistas da Olimpíada.
O presidente do Banco Itaú e da Fundação
Itaú Social, Roberto Setúbal, destacou a parceira com o governo federal na realização da
Olimpíada: “A colaboração entre o setor público e o privado é fundamental para fazer frente
aos desafios sociais do nosso país”, afirmou.
Além das medalhas de ouro, os 15 vencedo­
res e seus professores receberam computadores e impressoras. Suas escolas ganharam
um laboratório de informática com dez computadores, uma impressora e livros para a
­biblioteca.
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Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
A festa que anunciou os finalistas da ­­­­1ª- Olim­
­­­
píada
de Língua Portuguesa Escrevendo o
Futuro aconteceu no Teatro Abril, em São
Paulo. A atriz Rosi Campos, a Morgana do
Castelo Rá-Tim-Bum, foi a mestre de cerimônias. Um telão exibiu uma mensagem especial
do ministro da Educação Fernando Haddad
para os participantes. Em nome da Fundação
Itaú Social, Antonio Matias, vice-presidente
da entidade, cumprimentou estudantes e professores, destacando que a Olimpíada é parte
do “maior de­­­­­­­­safio do país que é oferecer educação de qualidade para todos”. Em seguida, a
secretária de Educação Básica do MEC, Maria
­­
do Pilar Lacerda Almeida e Silva enfatizou a
parceria da Fundação com o governo federal
na realização da Olimpíada. Todos os 150 semifinalistas receberam medalhas de prata e
aparelhos de som.
Como abraçar o lugar em que se vive
Quando escolas e outros serviços públicos são capazes de integrar-se
à comunidade, aproximam os alunos da vida cotidiana e da história local,
reforçando a identidade e o sentimento de pertencimento.
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
Maria do Carmo Brant de Carvalho
O lugar onde vivo, tema da Olimpíada de
Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, não
foi proposto por acaso. Por trás dessa escolha existe um convite: “Experimente ver pela
primeira vez o que você vê todo dia, sem ver”,
como sugeria Otto Lara Resende.
Quando escolas, professores e alunos “flertam” com seu território e sua comunidade, vínculos se potencializam, e saberes, identidades
e projetos de vida têm espaço para encontros.
Comunidade é aqui entendida como coletivo
de pessoas que vivem num mesmo território
físico e se alimentam de relações de proximidade: vinculam-se a redes, portam valores,
cultura, identidades e projetos de futuro, comungam uma mesma vida cotidiana.
Compartilhamento fraterno – eis o sentido
mais profundo do conceito comunidade que
nem sempre se expressa, pois as vulnerabilidades e exclusões sofridas muitas vezes abafam o
potencial de partilha e construção coletiva.
Os serviços públicos como escola, unidade básica de saúde e centros de assistência
social carecem de base comunitária, sobretudo nas grandes cidades. Essa base é necessária para se recuperar na comunidade a
confiança perdida no serviço público. A confiança é o maior capital social que a comunidade oferece. Quando esse capital se perde,
perde-se também a comunidade.
Por isso solicita-se da escola e dos demais
serviços públicos habilidades de acolhimento. Mais que isso: ao abraçar a comunidade, a
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escola potencializa o chamado “efeito comunidade” na aprendizagem. Sabe-se hoje o
quanto o repertório informacional e cultural
comunitário interfere significativamente no
interesse e aprendizado dos alunos.
“Hoje temos, toda quarta-feira, um espaço
na rádio local onde os alunos selecionam
as melhores histórias (memórias) e divulgam para a comunidade.”
Profª- Vilma Salete dos Santos Pereira
(Inácio Martins – PR)
“As crianças pesquisaram sobre o município na biblioteca, nos livros, documentos e na internet. Também receberam a
visita de um escritor ‘especial’, um aluno
da APAE que escreveu dois livros sobre
histórias do nosso município e que organizou um pequeno museu com objetos
antigos dos colonizadores e de pedras
lascadas utilizadas pelas tribos de índios
que habitavam a região e que foram encontradas por colonos nos seus trabalhos
na lavoura.”
Profª- Maira Joceli Pereira Miranda
(Campo Alegre – SC)
Contextualizar a aprendizagem é uma das
formas de mover a relação escola–comunidade, enlaçando-a com cultura e participação
pública.
“Há algumas semanas foi inaugurado
um mega shopping center na região
centro-sul da cidade [Curitiba]. É um
bairro que não fica muito distante da
periferia e atraiu, provavelmente por
isso, inúmeros jovens residentes em
vilas vizinhas ao referido shopping. O
fato é que seguranças do estabelecimento impediram a entrada de dezenas
de adolescentes sob a alegação de se
tratar de gangues, formadas para ‘apavorar’ os clientes e lojistas com atos de
vandalismo.
Na sala de aula comentei o ocorrido e a
reação dos alunos foi bombástica. Quase todos queriam emitir sua opinião simultaneamente. ‘O que são lugares públicos?’, ‘Desordeiros têm um perfil que
os identifique?’, e por aí foi o debate,
quente e acirrado. Foi necessário formalizar um debate sobre a polêmica
criada: ‘Grupos com cinco ou mais adolescentes, com as características já citadas não podem entrar no shopping’.
Você é contra ou a favor?”
Profª- Ades Nascimento
(Curitiba – PR)
“A comunidade/cidade tem sempre suas
questões polêmicas: ‘A chegada de estrangeiros, comprando terras em nossa
cidade, trará desenvolvimento e geração
de emprego ou será outra forma de colonização?’”.
Profª- Francisca Elane Costa
(Camocin – CE)
“Assim que ouvi as primeiras propagandas da Olimpíada, tive o desejo de participar. Motivar meus alunos a participar
era então o meu desafio. Sem dizer nada
sobre a Olimpíada, organizei uma excursão até Itabira – cidade vizinha à nossa e
berço de um dos maiores poetas do
mundo: Carlos Drummond de Andrade.
Itabira abriga hoje o Projeto Drummonzinho, que consiste basicamente em
vencer barreiras sociais através da arte,
da poesia. Nós conhecemos vários dos
‘caminhos drummondianos’ acompanhados por um dos Drummonzinhos do pro­
­jeto, que, além de contar a história de
sua cidade, declamou divinamente diversas poesias de Drummond. Os momentos de declamação, a reação dos
meus 34 alunos diante daquele adolescente, no meio da rua, com barulho de
carro, gente conversando... me fizeram
ter mais certeza ainda que a nossa participação nessa Olimpíada aconteceria de
maneira significativa.”
Profª- Claydes Regina Ricardo
(Santa Bárbara – MG)
Por isso é importante compreender a idéia
de coalizão com a comunidade e com o território como algo mais fundo. O conhecimento
que a escola e seu currículo propõem precisa
envolver a prosa e a poesia que habitam os diferentes espaços e sujeitos capazes de ensinar. Caso contrário, a aprendizagem de crianças e adolescentes corre o risco da clausura.
Maria do Carmo Brant de Carvalho, doutora em Serviço
Social pela PUC – SP, é coordenadora-geral do Cenpec.
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Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
Construir argumentos e contra-argumentos para elaborar um artigo de opinião confere à escrita uma possibilidade em geral pouco
explorada nas escolas: alunos-autores inscrevendo-se como cidadãos que podem tornar
público aquilo que pensam e sentem a respeito do lugar onde vivem.
O sentido de pertença e a iniciação ao
mundo público são exercícios fundamentais
para a construção do ser social e percepção
da coletividade. Se, por um lado, valores, com­
portamentos, saberes e ações de um povo
em seu território são chaves para a indução
desses processos, por outro, é preciso garantir circulação e abertura a outros mundos
possíveis.
Minha vida
Composição de Luiz Ruffato, corrigida pela professora D. Aurora
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
Agora tem um ano que mudamos para a nossa casa no Paraíso. Ela ainda
não está pronta. Falta emboçar as paredes de fora e pintar as de dentro, mas,
orgulhoso, meu pai fala que pelo menos já não precisamos mais ter medo de ficar
sem dinheiro no fim do mês para pagar o aluguel.
Uma correria danada durante a construção. Todos ajudaram. No dia de bater a
laje, os colegas do meu irmão da Manufatora organizaram um mutirão. Parecia um
caminho-de-formiga: lá embaixo, os que misturavam areia, cimento, pedra-britada
e água; lá em cima, os que espalhavam a massa sobre o madeirame; e entre uns e
outros, os baldes transbordando passavam de mão em mão. Eu mesmo, nesse dia,
fiquei numa lufa-lufa sem fim: montado na bicicleta Phillips, freio contra-pedal,
pneu-balão, que meu pai tinha comprado de segunda-mão para mim, emendei várias
viagens entre a Vila Teresa e o Paraíso, carregando sacos de pão-com-molho-detomate e garrafões de quissuco que minha mãe e minha irmã faziam.
Aquilo lembrava mesmo um caminho-de-formigas, que, depois que o sol morre,
eu e meu pai combatemos nos altos dos pastos. São cabeçudas, que arrancam
sangue da gente, as enfezadas. Nosso bairro ainda não tem luz. A água tiramos
de um poço de vinte metros de fundura, com uma bomba Marumby. Todos nós nos
revezamos para garantir o banho e para minha mãe cozinhar e lavar roupa para
fora. Hoje são dez trouxas, mas já foram umas quinze por semana.
Eu sinto falta da Vila Teresa. Quando no ano passado o caminhão encostou
para levar a mudança, corri para o quintalzinho, onde vivia em camaradagem com
lesmas, grilos, paquinhas, minhocas, e até um sapo-boi, na estação das águas, e
abri o bué. Não tenho vergonha, solucei mesmo. Ali passei os melhores anos da
minha vida, brincando de bola no campinho, de pique na chácara, indo à escola... Eu
possuía um gato, branquinho-branquinho, de rabo assustado, chamado Ronrom.
Ele veio preso dentro de um saco-de-estopa, porque falaram que não podia ver
o caminho, senão voltava para a casa antiga. Durante o trajeto, preocupado se
ele estava sentindo falta de ar, deixei que pusesse a cabeça para fora. Bastou a
gente chegar no Paraíso e ele sumiu. Passei vários dias andando de um lado para
o outro, especulando sobre ele, mas nunca mais ouvimos o miado do Ronrom.
Ainda hoje penso que se não tivesse deixado ele olhar a paisagem...
Mas minha mãe disse que os gatos são assim mesmo, desagradecidos, e
prometeu me dar um cachorro de presente de aniversário. Ele vai se chamar
Joli, um nome bonito que ouvi na Praça Santa Rita, onde meu pai vende pipoca.
Ele tem um carrinho verde e, de vez em quando, me deixa tomando conta para
eu poder aprender a “não ter medo de trabalho”. Apareceu lá certa feita um
adestrador com um pastor-alemão e o bitelo só faltava falar, porque entender,
ele entendia tudo. O senhor mandava ele deitar, rolar, sentar, ficar paradinho feito
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estátua, buscar um pedaço-de-pau-lá-longe, e todos batiam palmas, encantados.
Só quando pediu para tirar o chapéu do meu pai é que não gostei, porque ele
levou um susto e quase caiu de costas e o povo morreu de rir (eu também, mas
disfarcei). Este pastor alemão é que se chamava Joli.
Está sendo difícil adaptar aqui, porque antes a gente vivia num cortiço, mas
com água encanada e luz elétrica e a rua, calçada de paralelepípedo, era perto do
centro. Atravessávamos a ponte nova e já estávamos na Praça Rui Barbosa, onde
meu irmão e minha irmã rodavam no sábado à noite. Lá estão os dois cinemas da
cidade, a padaria mais bonita, as maiores lanchonetes, os bancos e, para tristeza
do meu pai, coitado, o melhor ponto para vender pipoca, ocupado pelo xará
dele, seu Sebastião Lopes. A Praça Santa Rita não oferece nada, só a missa da
Igreja Matriz e a fonte-luminosa. Mas o lugar, escuro, por causa das árvores que
escondem a iluminação dos postes, só acolhe quem não presta, como diz a minha
mãe. Imagina então a freguesia do meu pai... Mas na Vila Teresa também havia
inconvenientes. O correio de casas, muito perto do rio Pomba, ficava coberto
pelas águas quando vinha a enchente.
A minha irmã detesta o Paraíso, porque é longe e feio. Na hora de trabalhar,
ela tem que ir a pé até o Beira-Rio para pegar um ônibus. Ela acorda antes do sol
e desce a morraria xingando e lamentando o dia em que nasceu. Ela reclama da
poeirama, na estiagem, e do barro, na época das chuvas. E vive ameaçando que
um dia se casa com alguém só para ir embora. Aí minha mãe fica brava, porque
ela fala que quis sair da Vila Teresa para dar uma vida mais digna para os filhos,
mas principalmente para minha irmã, onde já se viu criar uma menina no meio
de marginais e mulheres-da-vida? Meu irmão entra na discussão e acusa minha
irmã de ser é metida, que ela tem um rei na barriga, e que ao invés de louvar a
família que tem, cospe no prato que come. E meu pai, que não gosta de confusão,
começa a assobiar, a cantar, sai de fininho, e só volta quando colocaram uma
pedra sobre o assunto.
Agora, que estou terminando o primário, meu pai avisou que vai me inscrever
no Senai, para eu poder aprender uma profissão. Ele quer que eu seja torneiromecânico que nem meu irmão, e sonha um dia a gente ir para São Paulo para
trabalhar nas fábricas de carro, que é onde está o futuro, ele acha. A minha mãe
chora só de pensar nisso, porque por ela nós nunca vamos nos separar. Mas meu
irmão já recebeu até proposta de emprego em Diadema, que, dizem, é longe. E
minha irmã está namorando firme e deve casar mesmo, não demora muito. Eu
fico triste, porque só vai restar eu e devo seguir também para fora. Mas eu não
queria ser torneiro-mecânico, queria mesmo era ser bancário do Banco do Brasil,
que nem o marido da Dona Aurora.
Luiz Ruffato é escritor, nasceu em Cataguases (MG). Tem publicados
Eles eram muitos cavalos e o projeto Inferno Provisório, composto por
cinco volumes, dos quais quatro já lançados: Mamma, son tanto felice,
O mundo inimigo, Vista parcial da noite e O livro das impossibilidades.
11
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
“Minha vida” é uma composição escolar escrita por um aluno do quarto
ano primário do Grupo Escolar Flávia Dutra, de Cataguases, corrigida
pela professora Dona Aurora Silveira, e conta um pouco o momento
de mudanças em sua vida. Mudança de casa, de bairro, de amigos, e,
principalmente, de perspectivas. A continuação da história do menino
Luiz Ruffato está, de certa maneira, contada no livro De mim já nem se
lembra, publicado em 2007 pela Editora Moderna.
O gênero textual crônica
Heloisa Amaral
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
A palavra “crônica”, em sua origem, está
associada à palavra grega “khrónos”, que
signi­fi ca “tempo”. De khrónos veio chronikós,
que quer dizer “relacionado ao tempo”. No
latim existia a palavra “chronica” para designar o gênero que fazia o registro dos acontecimentos históricos, verídicos, numa seqüência cronológica, sem um aprofundamento ou
interpretação dos fatos. Como se comprova
pela origem de seu nome, a crônica é um gênero textual que existe desde a Idade Antiga
e vem se transformando ao longo do tempo.
Justificando o nome do gênero que escreviam,
os primeiros cronistas relatavam, principalmente, aqueles acontecimentos históricos
relacionados a pessoas mais importantes,
como reis, imperadores, generais etc.
A crônica contemporânea é um gênero
que se consolidou por volta do século XIX,
com a implantação da imprensa em praticamente todas as partes do planeta. A partir
dessa época, os cronistas, além de fazerem
o relato em ordem cronológica dos grandes
acontecimentos históricos, também passaram a registrar a vida social, a política, os
costumes e o cotidiano do seu tempo, publicando seus escritos em revistas, jornais e
folhetins, ou seja, de um modo geral, impor-
12
tantes escritores começam a usar as crônicas para registrar, de modo ora mais literário, ora mais jornalístico, os acontecimentos
sociais de sua época, publicando-as em veículos de grande circulação.
Os autores que escrevem crônicas como
gênero literário recriam os fatos que relatam
e escrevem de um ponto de vista pessoal, buscando atingir a sensibilidade de seus leitores.
As que têm esse tom chegam a se confundir
com contos. Embora apresente característica de literatura, o gênero também apresenta
características jornalísticas: por relatar o
cotidiano de modo conciso e ser publicadas
em jornais, as crônicas têm existência breve,
isto é, interessam aos leitores que podem
partilhar esses fatos com os autores por terem vivido experiências semelhantes.
As características atuais do gênero, porém, não estão ligadas somente ao desenvolvimento da imprensa. Também estão intimamente relacionadas às transformações sociais e à valorização da história social, isto é,
da história que considera importantes os movimentos de todas as classes sociais e não só
os das grandes figuras políticas ou militares.
No registro da história social, assim como na
escrita das crônicas, um dos objetivos é
mostrar a grandiosidade e a singularidade
dos acontecimentos miúdos do cotidiano.
Ao escrever as crônicas contemporâneas,
os cronistas organizam sua narrativa em primeira ou terceira pessoa, quase sempre como
quem conta um caso, em tom intimista. Ao
narrar, inserem em seu texto trechos de diálogos, recheados com expressões cotidianas.
Escrevendo como quem conversa com
seus leitores, como se estivessem muito
próximos, os autores os envolvem com reflexões sobre a vida social, política, econômica,
por vezes de forma humorística, outras de
modo mais sério, outras com um jeito poético e mágico que indica o pertencimento do
gênero à literatura.
Assim, uma forte característica do gênero
é ter uma linguagem que mescla aspectos da
escrita com outros da oralidade. Mesmo
quando apresenta aspectos de gênero literário, a crônica, por conta do uso de linguagem
coloquial e da proximidade com os fatos cotidianos, é vista como literatura “menor”. Ao
re­gistrar a obra de grandes autores, como
Machado, por exemplo, os críticos vêem seus
romances como verdadeiras obras de arte e
as crônicas como produções de segundo plano.
Essa classificação como gênero literário menor não diminui sua importância. Por serem
breves, leves, de fácil acesso, envolventes,
elas possibilitam momentos de fruição a muitos leitores que nem sempre têm acesso aos
romances.
No Brasil, a partir da segunda metade do
século XIX, muitos autores famosos passaram a escrever crônicas para folhetins. Coelho Neto, José de Alencar, Machado de Assis
estavam entre aqueles que sobreviviam do
jornalismo enquanto criavam seus romances.
Os cronistas, atualmente, são numerosos
e costumam ter, cada um deles, seus leitores
fiéis. Hoje, os cronistas nem sempre são romancistas que escrevem crônicas para garantir sua sobrevivência. Há aqueles que vêm
do meio jornalístico ou de outras mídias,
como rádio e TV. Por isso, a publicação do gênero também ocorre em meios diversificados:
há cronistas que lêem suas crônicas em programas de TV ou rádio e outros que as publicam em sites na internet.
Pelo fato de os autores serem originários
de diferentes campos de atividade e de publicarem seus textos em várias mídias, as
crônicas atuais apresentam marcas dessas
atividades. Por isso, há, atualmente, diferentes estilos de crônicas, associados ao perfil
de quem as escreve. Todos os estilos, porém,
acabam por encaixar-se em três grandes grupos de crônica: as poéticas, as humorísticas
e as que se aproximam dos ensaios. Estas últimas têm tom mais sério e analisam fatos
políticos, sociais ou econômicos de grande
importância cultural.
Heloísa Amaral é mestre em educação, autora do Caderno
do Professor – Pontos de vista.
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
13
Esses cronistas maravilhosos
e suas palavras voadoras
Jorge Miguel Marinho
A história que agora passo
a contar do início
explica em grande parte
por que ainda acredito no
ser humano
– ô, raça!
Tutty Vasques
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
A crônica aqui entre nós se casou tão bem
com o espírito brasileiro, com a vontade de
se confessar nas coisas miúdas e extrair delas uma história maior, com o calor afetivo
de um povo que, espontâneo nos atos, se
quer espontaneamente expressivo na linguagem também, com as necessidades de um
país novo que busca a sua identidade com os
olhos no mundo e um olhar mais decisivo no
local, com aquela versatilidade camaleônica
que precisa de muitas vozes e muitas formas
de expressão para se auto-afirmar, com a
pressa de leitura de um mundo que tem urgência de se ver e se reconhecer nas suas
palavras e no seu lugar – que este gênero
14
jornalístico, hoje significativamente literário, que ainda resiste a uma classificação
formal, é tão presente no processo de formação da Literatura Brasileira e igualmente tão
singular na afirmação das nossas Letras que
se pode dizer, com segurança, que a crônica
é um modo muito nosso de ser.
E de onde vem a crônica?
Machado de Assis, como a maioria dos
nossos escritores, também foi cronista e, junto com José de Alencar e Joaquim Manuel de
Macedo, fez parte do primeiro time de “cães
farejadores do cotidiano” – numa expressão
feliz de Antonio Candido para registrar a
avidez pela “reportagem da vida” que progressivamente vai se tornar na nossa tradição
literária um encontro único entre literatura e
jornalismo, gênero que os escritores brasileiros dominam como poucos e, por que não
dizer?, como ninguém.
Pois é o nosso Machado mesmo que, brincando seriamente e se autodenominando “escriba das coisas miúdas”, desvenda “O nascimento da crônica”, não por acaso numa crônica
com este mesmo título, afirmando e fabulando
com aquele humor inteligente que a natureza
ou a origem da crônica nasce de uma trivialidade como exclamar “Que calor!”, para depois
conjecturar “acerca do sol, da lua, da febre
amarela, dos fenômenos atmosféricos” e
outros calores da alma humana. E mais: que
esse tom tão trivial e aparentemente bisbilhoteiro da crônica é mais velho do que Esdras,
Abraão, Isaque e Jacó, sugerindo para nós
leitores que é mais velho até do que Noé,
que – por essas veredas da fábula, não é nenhum pecado imaginar – muito provavelmente
se utilizou do ritmo exclamativo e prosaico da
crônica para anunciar ou quem sabe irradiar a
iminência do maior dilúvio de todos os
tempos, ameaça ou notícia esta em que, com
a graça de Deus, teve gente que acreditou.
É isto: por seu caráter de prosa, colóquio,
confissão, comunicação imediata, “graça”,
sentido telegráfico, urgência, trivialidade e
até mesmo brincadeira, ainda que o tema solicite o tom da seriedade, não dá para precisar
em que época nasceu a crônica, mas é muito
provável (e ainda quem nos alerta é Machado)
que a crônica aconteceu pela primeira vez
quando as duas primeiras vizinhas, depois
das tarefas do jantar, se sentaram na porta de
casa para papear sobre o dia e agarrar a transitoriedade da vida com palavras triviais e
“voadoras” porque aparentemente dispersas,
palavras com ar de coisa nenhuma, mas no
fundo necessárias e urgentes como o impulso
natural de comunicação entre dois amigos –
escritor e leitor – que, se confessando no résda-calçada e nas miudezas da vida, revelam a
complexidade da condição humana e a experiência única de viver.
Carlos Drummond de Andrade, que, como
Rubem Braga e Clarice Lispector, imprimiu
poesia e estados de alma à crônica, diria melhor, sugerindo, por sua vez, num poema, o
sentido atávico e até mesmo inexorável da
linguagem como busca do outro e, por ser raiz
e matéria tão antiga e presente na natureza
humana, ilustra muito bem a origem remotíssima da crônica, para usar uma imagem nossa,
“um vôo breve com o tempo da eternidade”,
puríssimo diálogo:
Escolhe teu diálogo
e
tua melhor palavra
ou
teu melhor silêncio
Mesmo no silêncio e com o silêncio
Dialogamos.
Só para iluminar mais a simplicidade e a
sutileza, por vezes, até refinada da crônica, é
quase uma sorte poder recorrer também às
palavras de Manoel de Barros, hoje carinhosamente acolhido por leitores de todas as idades como “o grande poeta das coisas pequenas”, entendendo que ele levou a “herança e a
ciência da crônica” para os seus poemas em
prosa e avisa, com voz de cronista, que “para
apalpar as intimidades do mundo”, labor precioso da crônica, “é preciso saber que o esplendor da manhã não se abre com faca” e
que, no jogo literário, a gente tem de saber
muito bem “como pegar na voz de um peixe”.
Enfim, como pegar com as palavras as pequenas coisas, agarrar o grande com a sabedoria do miúdo, revelar a dimensão humana
nas suas porções mínimas, escutar a vida cotidianamente, atenções estas presentes em
todos os tempos e em todas as formas literárias, mas em nenhum deles com o sentido de
permanência, a singularidade e o “à vontade”
do ofício de ser cronista.
E aqui no Brasil dá para
situar o começo da crônica?
A crônica como gênero literário só vai
aparecer em 1854 com José de Alencar escrevendo para o jornal Correio Mercantil o folhetim “Ao correr da pena”, título sugestivo
para ilustrar a leveza e o tom corriqueiro da
matéria que comentava desde a presença da
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
15
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
máquina de costura que roubava a graça do
dedilhar das agulhas, passando pela euforia
tola das danças e dos costumes que invadem
o Rio de Janeiro, até o furor especulativo da
época e a indiferença da nação diante da
Guerra da Criméia.
Mas o espírito de cronista já está presente
na “certidão de nascimento” da Literatura
Brasileira: a carta de Pero Vaz de Caminha,
que, com o entusiasmo de cronista, a precisão
no registro objetivo e circunstancial do fato e
um certo tom segredado da conversa de comadres escrita com “engenho e arte”, relata a
el-rei D. Manuel, com olhos de descobridor interessado, os benefícios e os malefícios da
Terra de Vera Cruz.
Isso ainda não é arte literária, mas o ofício
de cronista é a primeira voz, ainda que embrio­
nária, das nossas Letras e vai ocupar um
lugar de destaque a partir de meados do século XIX na Literatura Brasileira, persistindo
como uma espécie de “idioma nacional” e
compondo uma galeria de cronistas maravilhosos que, com suas palavras voadoras, solidárias ao registro factual e aos vôos imaginários, mais parecem uma comunidade de
alquimistas que vão das memórias aos flagrantes do dia-a-dia, da piada às inquietações
metafísicas, do diário às digressões filosóficas, do ultimato às cartas literárias, dos
apelos de alma à ironia mordaz, da denúncia
social à contemplação introspectiva, das
confissões poéticas ao comentário chulo, do
humor à compaixão, da “bolsa à vida”, apenas para registrar seus extremos.
Em todos o tom da oralidade e o sentido
da solidariedade fazem do leitor um interlocutor que se reconhece na matéria, sempre
expressa com fôlego de experiência vivida,
até mesmo como co-autor dessas páginas
16
escritas como uma espécie de subjetividade
coletiva.
É fato mais que conhecido no universo das
palavras que o clima de conversa ao pé do ouvido da crônica, tocante e ao mesmo tempo
volátil, e que Manuel Bandeira, cronista na
prosa e cronista na poesia, chamou puxa-puxa, provoca no leitor um desejo enorme de escrever crônica também.
Por tanta expressividade e tantas formas
de expressão, vale fazer um percurso de leitura pelos labirintos da crônica desde João
do Rio e Lima Barreto, que chegaram a criar
personagens, sátiras, e mesclar ficção e realidade nos seus folhetins dos primórdios do
século XX, até os mais atuais, que escrevem
diariamente para as mais conhecidas revistas
e jornais brasileiros, como André Sant’Anna,
que chega a suprimir a pontuação para “perder o fôlego” de tanto ódio e adoração por
São Paulo, Antonio Prata, que vai ao ápice
da auto-ironia amorosa de sua própria classe
social, ou Tutty Vasques, que, com o eterno
espírito solidário da crônica, confessa que
é cronista “porque ainda acredita no ser
humano”.
É isto: nesse trajeto tão humanamente nosso que recupera e reassume algo da versatilidade do herói Macunaíma enquanto “história
de busca” e constante desejo de se reinventar,
a nossa crônica avança e retorna no tempo
criando novos modos de cultivar, na própria
respiração das palavras, o ofício de contar e
elegendo sempre o tema da “solidariedade”
entre cronistas e leitores como norte da experiência imperdível de ler. E é por essas veredas
de sensível e puríssima comunicação que ela
veio se aclimatando desde os “tempos que já
lá vão” com a pena missionária do padre Manuel da Nóbrega ou do padre José de Anchieta
no Quinhentismo e se firma progressivamente
nas décadas de 1930 e 1950 de forma única e
originalíssima no Brasil, acolhendo o que as
vanguardas ofereciam de melhor nos idos de
22, entrando no ritmo da bossa nova com a
aparente simplicidade de quem conta e faz “reportagem da vida” com uma nota só, festejando ou não a criação de Brasília, comemorando
a primeira vitória da copa do mundo, “caminhando contra o vento sem lenço nem documento” nas passeatas e comícios dos anos
sessenta, transitando sempre na contramão
dos artifícios e de toda e qualquer ditadura de
expressão, por estar a serviço da vida, a parte
melhor de toda essa sua história.
Pensando mais uma vez junto com Antonio
Candido, ela, a nossa crônica, “pode servir de
caminho não apenas para a vida que ela serve
de perto, mas para a literatura”, como querem, do fundo do coração e na memória do
tempo, todos os cronistas ou folhetinistas
de fato, como eles eram chamados, nesse
nosso país tão cronicamente tropical.
E, para provisoriamente
pôr um ponto final nessas
linhas que já estão com
vontade de virar crônica,
como vai ela hoje em dia?
“Muito bem, obrigada”, ela grita leve e solta nas entrelinhas dessa conversa ligeira,
sempre abusando lindamente da liberdade de
expressão que é seu território livre para o
trânsito das idéias. Isso porque, quando se lê
uma crônica que é crônica mesmo, coisa que
só lendo para descobrir, a gente se perde no
tempo imemorial de todos os tempos sem o
menor interesse de se achar, a gente fica
como Carlos Heitor Cony naquela crônica que
conta a sua história de amor com a sua cadelinha “Mila”: com a breve eternidade da crônica
que, igual à cachorrinha, nunca quer ser maior
do que a nossa alegria ou tristeza, a gente
“perde o medo do mundo e do vento” e fica
com saudade das crônicas que ainda não leu.
Jorge Miguel Marinho é professor de literatura,
escritor, ator e roteirista. Entre as obras publicadas
estão Te dou a lua amanhã, prêmio Jabuti; Na curva das
emoções, prêmio APCA; O cavaleiro da tristíssima figura, prêmio HQMIX; Lis no peito, prêmio Jabuti.
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
17
uma prosa bem afiada
“(...) ao cronista compete ser registrador do tempo,
o seu particular e aquele em que mais alargadamente vive.”
José Saramago (1986 apud Neves, 1995)
Num tom bem-humorado, sensível, despretensioso, o cronista emociona, envolve, ajuda o
leitor a refletir criticamente sobre questões sociais, atos e sentimentos humanos. O cronista
usa uma linguagem simples, espontânea, quase uma conversa. Narra com naturalidade fatos
corriqueiros, miudezas do comportamento das pessoas, trazendo à tona a vida da cidade.
Para aproveitar esse clima de proximidade, de identificação entre autor e leitor, propiciado
pela crônica, preparamos, para você, professor, algumas sugestões de atividades de leitura e
escrita que podem ser desenvolvidas em sala de aula.
De que falam as crônicas?
Escolha uma crônica instigante e prepare o material para a roda de leitura. Providencie
cópias do texto para que os alunos possam acompanhar a leitura. Convide-os a ouvir as
com atenção a leitura da crônica. Pergunte se eles costumam ler as crônicas que são publicadas
em jornais, revistas, livros, ou já ouviram em áudio, CD. Pergunte também se eles sabem quais
são os temas preferidos pelos cronistas.
Conheça o que os alunos já sabem em relação ao gênero crônica.
Crônicas de ontem e de hoje
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
Pesquise crônicas bem interessantes.
Procure mesclar textos de escritores
que foram cronistas importantes do início do
século XX (João do Rio, Machado de Assis,
José de Alencar, Graciliano Ramos, Rachel
de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade...)
e outros dos dias atuais ( Mário Prata, João
Ubaldo, Luís Fernando Veríssimo, Affonso Romano Sant’anna, Ivan Ângelo, Walcyr
Carrasco, Fernando Sabino...). Apresente os
TÍTULO
AUTOR
Ser brotinho Paulo Mendes Campos
...
18
...
textos para os alunos. Para facilitar a leitura e escolha dos trechos, organize-os num
mural ou varal, ou disponha-os no chão da
sala de aula. Peça aos alunos que leiam os
vários trechos e selecione um de sua preferência. Faça um quadro na lousa e preencha
os dados junto com os alunos. Organize uma
roda de conversa para que eles comentem e
comparem os assuntos das crônicas, a época
em que foram escritas e a linguagem usada
pelos autores.
ÉPOCA
ASSUNTO
1960
Hábitos e comportamentos dos
jovens no início da década de 1960
...
...
[...] Ser brotinho é desdizer de enfeites
e pinturas, e fazer uma cara lambida, arrumar os cabelos no vento, apagar o corpo
dentro de um vestido em graça de doer,
mas ir por aí espalhando fagulhas pelos
(...) O que é uma flor?
olhos. Ser brotinho é lançar fagulhas pelos
Será esta criação vegetal que na prima-
olhos. [...] Ser brotinho é possuir vitrola
vera se abre do botão de uma planta?
própria, perambular pelas ruas do bairro
Não: a flor é o tipo da perfeição, é a mais
com um ar sonso – moderninho –, vagaren-
sublime expressão da beleza, é um sorriso
to, abraçada a uma porção de elepês esfu-
cristalizado, é um raio de luz perfumado.
ziantes. É dizer a palavra feia precisamente
Por isso há muitas espécies de flor.
no instante em que essa palavra se faz im-
Há as flores do vale — mimosas criaturas
prescindível e tão inteligente e superior....
“Ser brotinho”, Paulo Mendes Campos.
O cego de Ipanema.
Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960, p. 15.
que vivem o espaço de um dia, que se alimentam de orvalho, de luz e de sombras.
Há as flores do céu — as estrelas, — que
brilham à noite no seu manto azul, como os
olhos de uma linda pensativa.
A caminho de casa, entro num botequim da
Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na
realidade, estou adiando o momento de escrever.
A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta
busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de
cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida
diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante
de esquina, quer nas palavras de uma criança ou
num incidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial...
“A última crônica”, Fernando Sabino. Elenco de cronistas
modernos por Carlos Drummond de Andrade e outros.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. p. 259.
“Falemos das flores”, 1855, José de Alencar.
Ao correr da pena. 2ª- ed. São Paulo:
Melhoramentos, s. d. pp. 309-312.
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19
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
Aproxime os alunos do gênero textual crônica.
Da notícia à crônica
“Cobrador usa intimidação como
estratégia. Empresas de cobrança usam técnicas abusivas, como
tornar pública a dívida.”
Cotidiano, 10 setembro de 2001
Mostre para o grupo trecho da notícia
publicada no caderno Cotidiano, do jornal
Folha de S. Paulo, em 10 de setembro de 2001.
Retome com os alunos o principal objetivo da
notícia: relatar o fato ocorrido de maneira o
mais impessoal possível, evitando ambigüidade. Esclareça que o escritor Moacyr Scliar
publica semanalmente uma crônica, com base
numa notícia veiculada no jornal. Faça uma
leitura dramatizada, usando a entonação (voz,
pausa, gestos, mímica...) para expressar o
diálogo estabelecido entre o marido e a mulher. Em uma roda de conversa, explore com
os alunos a sensibilidade do escritor Moacyr
Scliar em construir, com base na notícia, uma
crônica bem humorada. O autor usa um tom
irônico, expressões típicas do discurso familiar para revelar as desavenças na vida do casal. Aproveite e analise junto com os alunos
os recursos utilizados pelo cronista:
Cobrança
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
Ela abriu a janela e ali estava ele,
diante da casa, caminhando de um
lado para outro. Carregava um cart
cujos dizeres atraíam a atenção dos
az,
passantes: “Aqui mora uma devedora
inadimplent e”.
— Você não pode fazer isso comigo
– prot estou ela.
— Claro que posso – replicou ele.
— Você comprou, não pagou. Voc
ê é uma devedora inadimplent e. E
cobrador. Por diversas vezes tent ei
eu sou
lhe cobrar, você não pagou.
— Não paguei porque não tenho dinh
eiro. Esta crise...
— Já sei – ironizou ele. — Voc
ê vai me dize r que por causa daq
uele ataque lá em Nov a York seu
negócios fi­caram prejudicados. Prob
s
lema seu, ouviu? Problema seu
.
Meu
problema é lhe cobrar. E é o que
estou fazendo.
— Mas você podia fazer isso de uma
forma mais discreta...
— Negativo. Já usei todas as form
as discretas que podia. Falei com voc
ê, expliquei, avisei. Nada. Você fazi
de cont a que nada tinha a ver com
a
o assunto. Minha paciência foi se
esg
otan
do, até que não me restou outro
recurso: vou ficar aqui, carregando
este cart az, até você saldar sua dívid
a.
Neste momento começou a chuvisca
r.
— Você vai se molhar – advertiu ela.
— Vai acabar ficando doente.
Ele riu, amargo:
— E daí? Se você está preocupada
com minha saúde, pague o que deve
.
— Posso lhe dar um guarda-chuva...
— Não quero. Tenho de carregar o
cart az, não um guarda-chuva.
Ela agora estava irrit ada:
— Acabe com isso, Aristides, e
venha para dentro. Afinal, você é
meu marido, você mora aqui.
— Sou seu marido – retrucou ele
– e você é minha mulher, mas eu
sou cobr ador profi ssional e você
devedora. Eu a avisei: não compre
é
essa geladeira, eu não ganho o sufi
cien
te
para pagar as prestações. Mas não,
você não me ouviu. E agora o pess
oal lá da empresa de cobrança que
r o dinheiro. O que quer você que
Que perca meu emprego? De jeito
eu faça?
nenhum. Vou ficar aqui até você
cumprir sua obrigação.
Chovia mais fort e, agora. Borrada,
a inscrição tornara-se ilegível. A
ele, isso pouco importava: cont inua
andando de um lado para o outro,
va
diante da casa, carregando o seu
cart az.
(Moacyr Scliar. O imaginário cotid
iano. São Paulo: Global, 2001.)
• Usa 1ª- pessoa do verbo, singular
e plural.
• Usa discurso direto no diálogo,
verbos de dizer.
• Traz aspectos de oralidade para
a escrita: expressões de conversa
familiar/íntima, repetições, pron
• Part ilha fatos cotidianos com
ome você.
seu leitor, dando singularidade
a eles.
• Usa marcas de tempo e luga r
que revelam fatos cotidianos.
20
Moacyr Scliar nasceu em Port
o Alegre em 23/3/1937. É mem
bro da Acadenia Brasileir a de
de 55 livros, em vários gêneros:
Letr as, autor
conto, romance, crônica, ensa
ios. Recebeu vários prêmios e
adaptados para cinema, televisã
tem trabalhos
o, teatro e rádio.
Amplie o repertório dos alunos por meio da leitura de crônicas.
Agora, os alunos são
os cronistas
Traga para a sala de aula notícias publicadas em diversos jornais. Organize
com os alunos um mural com essas notícias
e convide-os a lê-las. Peça-lhes que as analisem e escolham entre elas uma que, na opinião deles, pode originar uma boa crônica.
Diga aos alunos que vamos escrever a crônica coletivamente, pois isso possibilita a troca
de experiência e a negociação entre alunos e
professor.
Lembre à turma que o ponto de partida
para a escrita da crônica é o próprio acontecimento relatado na notícia e o cronista vai
colocar a sua visão pessoal do fato, acrescen-
Sobre o riso
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tando uma dose de ficção, lirismo ou mesmo
de humor. Por exemplo, se a notícia escolhida for sobre o riso, pergunte ao grupo se eles
riem com freqüência, em que situações costumam “cair na gargalhada”, se em seu grupo
de amigos há alguém que está sempre rindo,
ou faz todo mundo rir? Direcione a conversa
para seleção de situações que possam contribuir para dar o tom literário para a elaboração
do texto.
Retome as idéias sugeridas pelos alunos
e vá anotando-as e escrevendo na lousa os
parágrafos iniciais. Durante a produção coletiva faça perguntas e dê orientações que ajudem o grupo na elaboração da crônica. Essa
versão inicial do texto deverá ser aprimorada
no decorrer do processo.
Em dez anos, dobrou
o uso de bicicletas
De acordo com a pesquisa,
o uso da bicicleta cresceu
principalmente para
viagens curtas e na periferia.
A pesquisa também
mostrou que pela primeira
vez desde 1977 o número
de pessoas que utilizam
transporte motorizado coletivo
ultrapassou o daqueles que
usam veículos individuais.
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Produza coletivamente a versão inicial da crônica.
É crônica?
21
Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
Providencie cópias da crônica “ História de cheiros” para os alunos para que eles acom­
panhem a leitura (ou podem ler em duplas). Se isso não for possível, copie o texto na
lousa ou numa grande folha de papel. Planeje bem a leitura da crônica. Após a leitura, proponha
uma roda de conversa. Deixe os alunos manifestarem sua compreensão e opinião sobre o texto.
Para melhor explorar as características da crônica, prepare tarjas com observações sobre os
recursos utilizados pelo autor. Proponha aos alunos que releiam com atenção a crônica e ordene
as tarjas no texto.
Identifique as marcas, os recursos utilizados pelo autor na escrita da crônica.
História de cheiros
Luiz Henrique Gurgel
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Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
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22
Fazia tempo que não passava por São Paulo de madrugada. Vinha do interior e atravessava a cidade para chegar
em casa. Quem mora no ABC Paulista tem sempre a triste
sina de ter de cruzar o gigante. Pior se chega na hora do
rush. Tinha chovido, a cidade estava vazia e molhada, o ar
úmido e quente. Eu tinha saído de um sítio no Vale do Paraíba. Lá também havia chovido, vim embora com o cheiro
gostoso de mato molhado, misturado ao agradável odor
de estrume de vaca remexido. Vi cair a chuva-criadeira,
que molha a terra, que enche o rio, que limpa o céu. “Que
traz o azul!”, como cantava Tom Jobim.
Menino nascido e criado em cidade, desde a infância
fazendas e sítios foram espaços míticos, lugares de contato com a natureza, mesmo quando peguei carrapatos.
Bicho insuportável, castigo de condenado no Juízo Final.
Naqueles sítios era possível o contato prazeroso consigo
mesmo, onde o tempo escorre lento, tortuoso, sem pressa
de ver o pôr-do-sol.Talvez por isso, até hoje, o perfume do
estrume bovino me pareça tão bom.
Mas agora, em São Paulo, eu subia a rua da Consolação, vazia, com a bonita luz amarelada saindo de postes
altos, tudo molhado e deserto de gente, de vez em quando
um carro na outra pista e o chiado da água espalhada pelos pneus no asfalto. Com o calor e o ar úmido da chuva
que acabara de cair, a cidade exalava um cheiro estranho,
que aos poucos fez esvanecer a imagem bonita da urbe
vazia e molhada, refletindo o amarelo das luzes. O odor
era azedo feito chorume de lixão, parecia esterco. Àquela
hora a poluição baixara – ainda mais porque havia chovido –, não tinha a bruma cinzenta que iguala todos os
odores. Será que haviam adubado os canteiros da avenida? Ou será que chegamos ao ponto em que esse era o
perfume de São Paulo, o cheiro real da cidade?
Em dias recentes, de forte calor, o odor do rio Pinheiros ultrapassou as margens e chegou aos bairros vizinhos. Era o rio devolvendo parte – o cheiro – daquilo que
recebe pelos encanamentos.
Qual devia ser o cheiro do Pinheiros e de São Paulo
quando caía chuva boa e prazenteira, há mais de quatro
séculos? Imagino o mesmo cheiro do mato molhado, do
estrume de vaca remexido dos sítios da minha infância.
Na minha utopia torço para que um dia os rios e a
cidade de São Paulo fiquem cheirosos novamente. Que
chova água-de-cheiro. Água-de-cheiro da natureza. Aí
vai ser bom atravessar a Paulicéia, de madrugada,
respirando fundo.
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(...) A crônica é frágil e íntima, uma relação pessoal.
Como se fosse escrita para um leitor, como se só ele, o narrador, pudesse se expor tanto.
Conversam sobre o momento, cúmplices: nós vimos isto, não é, leitor?
(“Sobre a crônica”, Ivan Ângelo. Veja São Paulo, 25/4/2007.)
A crônica nossa
de cada dia
Você gosta de ler crônicas? De que estilo? As poéticas, recheadas
de descrições líricas? Ou as bem humoradas e irônicas?
Ou prefere as marcadas pelas ásperas críticas à realidade social,
política e cultural? Leia trechos das crônicas abaixo e descubra quem
são seus autores. As respostas estão na página 25.
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João do Rio – RJ (1881-1921). Pseudônimo
usado pelo escritor e jornalista carioca
João Paulo Alberto Coelho ao escrever
suas crônicas para, entre outros, o jornal
Gazeta de Notícias. Parte de sua obra foi
reunida no clássico A alma encantadora das
ruas (Companhia das Letras, 1997).
24
Eduardo Gonçalves de Andrade – MG
(1947-). Conhecido como Tostão, é considerado um dos grandes jogadores do futebol brasileiro e mundial. Afastou-se do
esporte e estudou medicina na UFMG,
tornou-se professor universitário e trabalhou em hospitais. Em 1990, foi convidado
para comentar jogos de futebol na televisão. Os argumentos equilibrados e inteligentes logo fizeram de Tostão um dos
principais nomes da crônica esportiva
brasileira. Em pouco tempo passou a colaborar na imprensa escrita.
Paulo Mendes Campos – MG (1922-1991).
Cronista, poeta e tradutor, trabalhou no
Instituto Nacional do Livro e foi diretor da
seção de obras raras da Biblioteca Nacional. Escreveu suas primeiras crônicas no
Diário Carioca e manteve por muitos anos,
na revista Manchete, uma coluna semanal.
Destacou-se pela simplicidade com que
tratou em sua obra temas como o mar, a
vida carioca, conversas de bar e futebol.
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Mário Alberto Campos de Morais Prata – MG (1946 -).
Trabalhou em jornais , escreveu editoriais, reportagens
e artigos. Entre seus livros podem-se citar: O morto
que morreu de rir; Preto no branco e 100 Crônicas. Além
de livros, escreveu novelas, roteiros e peças para teatro e através desse vasto trabalho recebeu prêmios
internacionais e nacionais.
Joaquim Maria Machado de Assis –
RJ (1839-1908) Cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista, crítico e ensaísta. É considerado o
ficcionista mais expressivo da prosa realista da literatura brasileira. Escreveu
várias crônicas sobre a escravidão e os
dramas sociais de seu tempo, escondendo-se atrás de vários pseudônimos.
Resposta:
A) Rachel de Queiroz; B) Eduardo Gonçalves de Andrade (Tostão)
C) Machado de Assis; D) Paulo Mendes Campos
E) João do Rio; F) Mário Alberto Campos de Morais Prata
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Na Ponta do Lápis – ano IV– nº 10
Rachel de Queiroz – CE (1910-2003).
Foi a primeira mulher a ingressar na
Academia Brasileira de Letras. Publicou 23 livros individuais e quatro em
parceria. Sua vasta e preciosa obra está
traduzida e publicada em francês, inglês, alemão e japonês. Além disso,
traduziu 45 obras para o português,
sendo 38 romances. Colaborou semanalmente com crônicas no jornal O Estado de S. Paulo.
p. 157-1
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