O limitado poder de escolha dos EUA

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O limitado poder de escolha dos EUA
O limitado poder de escolha dos EUA
06/08/2012
Por Mohamed A. El-Erian
A crença geral sobre as eleições presidenciais de novembro nos Estados Unidos está
apenas em parte correta. Sim, as questões econômicas terão grande papel na
determinação do resultado. O passo seguinte no argumento - de que o vencedor de
uma disputa cada vez mais detestável poderá dar-se o luxo de buscar políticas
significativamente diferentes do oponente - é, no entanto, muito mais duvidoso.
Quando o próximo mandato presidencial começar, em janeiro de 2013, ao contrário
dos atuais discursos nas campanhas de Obama e Romney, o mandatário se verá
com espaço limitado para manobrar a política econômica. De fato, as possíveis
diferenças para os EUA estão em outros fatores e ainda precisam ser
compreendidas pelos eleitores. Elas concentram-se nas políticas sociais que
acompanharão um conjunto de medidas econômicas em grande medida similares;
e, aqui, as diferenças entre os candidatos são cruciais.
Seja quem for o vencedor, se deparará com uma economia crescendo a um vagaroso
ritmo de apenas 2%, ou menos, por ano, com o incômodo risco de completa
estagnação. O desemprego ainda estará alto demais e quase metade disso será de
difícil reversão, a chamada falta de emprego de longo prazo.
O aspecto financeiro da economia também será fonte de preocupação. O déficit
fiscal continuará a flertar com a faixa dos 10% do Produto Interno Bruto (PIB),
intensificando os receios quanto à dinâmica de médio prazo dos títulos de dívidas
do país. O setor bancário ainda estará "livrando-se [de investimentos] de risco",
limitando o fluxo de crédito para pequenas e médias empresas e afetando as
contratações e investimentos em fábricas e equipamentos. E as famílias terão
percorrido apenas em parte sua dolorosa fase de desalavancagem.
O front das políticas econômicas será igualmente inquietante. Depois ter brigado e
hesitado por tempo demais, o Congresso dos EUA encontrará cada vez mais
dificuldade para adiar medidas que enfrentem esses desafios. Enquanto isso, o
incomum ativismo do Federal Reserve (Fed, autoridade monetária dos EUA),
incluindo uma crescente lista de medidas experimentais, vai render poucos
benefícios e acarretar riscos e custos cada vez maiores.
A economia dos EUA também estará operando em meio a um cenário internacional
mais difícil. Nos próximos meses, a crise da dívida europeia, com muita
probabilidade, se agravará. Com as economias emergentes (incluindo a China) em
desaceleração e com a falta de ações adequadas de coordenação política multilateral
estendendo-se por mais tempo, as pressões protecionistas vão crescer à medida que
as principais potências do comércio exterior passarem a concorrer por um bolo que
deixou de crescer.
Portanto, independentemente de o presidente Barack Obama ou Mitt Romney
ganharem em novembro, o próximo presidente se verá limitado pelas necessidades
"gêmeas" de estabilização econômica premente e de reformas de longo prazo. E,
com os ventos contrários vindos da Europa e da desaceleração mundial
sincronizada, os candidatos não terão escolha a não ser adotar, pelo menos de
início, políticas econômicas similares para restaurar uma criação de empregos
dinâmica e a estabilidade financeira.
Para encontrar o equilíbrio certo entre estímulos econômicos imediatos e
sustentabilidade fiscal de médio prazo, a medida mais urgente será conter
apropriadamente o chamado "abismo fiscal" - quando acabem as reduções
temporárias de impostos e passem a valer automaticamente profundos cortes
generalizados de gastos públicos - que se aproxima.
São necessárias reformas orçamentárias sérias
no médio prazo para lidar com o legado dos
sucessivos erros do Congresso. E, caso seja
abastecido com números realistas, o próximo
presidente logo perceberá que a combinação
adequada de reformas nos impostos e nos gastos
recai em uma faixa muito mais estreita de
possibilidades do que os discursos políticos
rivais da atualidade sugerem.
As reformas fiscais funcionam melhor em
economias dinâmicas. Com essa ideia, Obama e
Romney precisarão levantar os impedimentos ao crescimento e à criação de
empregos.
Isso, no entanto, não significa que não há espaços para diferenças. Há; e elas
refletem o fato de que as tendências econômicas gerais serão acompanhadas de
dinâmicas com diferentes velocidades nas mais variadas esferas.
Depois de uma "era" de alavancagem excessiva, emissão de dívidas e facilidade de
crédito que culminou com a crise financeira mundial de 2008, os EUA ainda se
deparam com o complicado desafio de lidar com perdas acumulativas que inibem
continuamente os investimentos, empregos e competitividade. Até agora, a
excessiva polarização política no Congresso traduziu-se em uma abordagem que
empurrou ainda mais os encargos do ajuste sobre aqueles que têm menos
capacidade para suportá-lo.
Em um mundo ideal, o próximo presidente dos EUA rapidamente embarcaria em
uma estratégia de dois passos para recuperar o dinamismo do emprego e a solidez
financeira. Primeiro, elaboraria um conjunto abrangente de iniciativas de política
econômica que sejam tanto desejáveis como viáveis - e, de novo, o espaço para
diferenças substanciais aqui é limitado. Segundo, acompanharia isso com um
conjunto explícito de políticas sociais que resolva a necessidade de compartilhar de
forma equitativa os encargos.
Esta não é realmente uma eleição sobre temas polêmicos como transferência de
produção ao exterior ou discussões acaloradas como aumento de impostos versus
reformas nos benefícios sociais; controle da produção pelo governo versus atividade
irrestrita do setor privado; ou criadores de empregos versus "aproveitadores" da
ajuda do Estado. Trata-se muito mais dos conceitos que acompanham esses temas,
como justiça social, benefícios sociais, igualdade e, sim, padrões de comportamento
para uma sociedade rica e civilizada.
Esta é uma eleição sobre responsabilidade social - a obrigação da sociedade de
ajudar aqueles que estão em dificuldade, por culpa de outros, a encontrar empregos
e a ter o suficiente para suas despesas. É sobre a reforma de um sistema de ensino
que não atende apropriadamente a juventude americana. Entre as várias questões
de justiça e igualdade, esta é uma eleição sobre os ricos devolvendo algo ao sistema
que lhes trouxe uma riqueza inimaginável.
É aqui que as diferenças entre Obama e Romney são importantes. Quanto antes os
debates da campanha se voltarem a isso, maior a probabilidade de que os
americanos venham a fazer uma escolha estando mais bem informados e, portanto,
se envolvam no esforço coletivo necessário para acabar com as mazelas que afetam
o país.
Mohamed A El-Erian executivo-chefe e codiretor-executivo de
informações da PIMCO, é autor de "When Markets Collide" (quando
mercados colidem, em inglês). Copyright: Project Syndicate, 2012.
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