A divulgação científica como pauta jornalística da

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A divulgação científica como pauta jornalística da
A MARgem - Revista Eletrônica de Ciências Humanas, Letras e Artes / ISSN 2175-2516
A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA COMO PAUTA JORNALÍSTICA DA REVISTA VEJA
Leilane Morais Oliveira (IC-CNPq/ UFV) 1
Resumo: Os meios de comunicação em massa, entre eles a imprensa escrita diária, têm atuado, na sociedade moderna, como
mediadores entre a população leiga e o mundo científico. Isso ocorre, dentre outros fatores, em virtude da necessidade que o
leitor cotidiano possui de estar a par dos rumos tomados pelas diversas áreas da ciência. Considerando então essa realidade sóciocomunicativa, o presente artigo objetiva analisar os fatores contextuais que condicionam a transmissão de conhecimentos
científicos por parte da revista brasileira Veja. Os textos que compõem o corpus de análise foram coletados, no período de janeiro a
junho de 2008, em versões digitais da referida revista e os dados apresentados por este corpus sugerem que a revista Veja valoriza
as descobertas científicas internacionais em detrimento das nacionais e apontam para uma ênfase relacionada a temas ligados à
saúde e à medicina. Além disso, constata-se que as fontes de informação que têm voz nas notícias de divulgação científica da
referida revista são, quase sempre, legitimadas e escolhidas em função do prestigio social que possuem.
Palavras-chave: Mídia, Divulgação Científica, Veja.
Introdução
Nelkin (1990) ressalta que é a partir de jornais e de revistas que, na atualidade, muitas pessoas
tem tido acesso ao que está ocorrendo na esfera científica, de modo que, estes veículos tornam-se
importantes fontes de informação sobre as implicações científicas e sociais do desenvolvimento tecnológico.
Assim, como difusora de informações, a mídia em geral recebe a função de proporcionar os conhecimentos
necessários para que a sociedade possa construir coletivamente o seu próprio parecer em relação às
conquistas científicas, passando a atuar como mediadora entre o mundo científico e o mundo cotidiano.
Diante dessa dinâmica realidade comunicativa, Cataldi (2003) observa que
[a] consolidação definitiva da ciência como área temática dos principais jornais do mundo,
nos finais dos anos setenta e início dos anos oitenta, permitiu uma aproximação efetiva
entre cientistas e cidadania na busca de conhecer e de avaliar o mundo da ciência e de suas
implicações tecnológicas. Porém, também permitiu observar suas implicações no mundo da
política, da economia, da ética e do âmbito jurídico.2 (CATALDI, 2003, p. 208)
Massarani (2002, p. 9) aponta que o grande desafio da divulgação científica é estreitar as
relações entre ciência e público, proporcionando a inserção social e cultural do conhecimento científico. No
Brasil, pode-se observar que, a partir da década de oitenta, muitas informações, procedentes do âmbito
científico, passaram a ser publicadas na mídia impressa e que vários temas científicos foram incorporados à
agenda temática de jornais e revistas de informação geral, o que pode ser justificado pelo surgimento de
seções que passaram a tratar de forma específica de ciência, a fim de aproximar a comunidade científica do
público em geral.
Assim, partindo do princípio de que a função social da divulgação científica é proporcionar a
informação necessária para que a sociedade possa ampliar sua capacidade de entendimento e decisão frente
às novas descobertas científicas, essa pesquisa pretende analisar como ocorre a atividade de divulgação da
Professor(a) Orientador(a): Cristiane Cataldi dos Santos Paes - Doutora em Linguística (Universitat Pompeu Fabra – Barcelona) e
professora adjunta do Departamento de Letras da Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected]
2 Tradução nossa: “La consolidación definitiva de la ciencia como área temática en los principales periódicos del mundo, a finales de los
setenta y principios de los ochenta, permitió una aproximación efectiva entre científicos y ciudadanía en la búsqueda de conocer y
valorar el ineludible mundo de la ciencia y de sus aplicaciones tecnológicas. Por otro lado, también permitió observar sus implicaciones
en el mundo de la política, de la economía, de la ética y del ámbito jurídico.”
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ciência, por parte da revista Veja, destacando rotinas e padrões editoriais que possam refletir a tentativa de
transmitir o conhecimento científico ligado a ideologias.
A cobertura da ciência pela revista veja
De acordo com o Informe Quiral3 (2000, p.61), “[n]as redações dos diários algumas decisões são
constantemente tomadas: quais serão os temas do dia, qual espaço será dedicado a cada um deles, quais
fontes de informação serão consultadas ou como se ilustrará a notícia.” 4, entretanto, embora seja possível
supor a existência de certa variabilidade no que diz respeito a essas decisões, certos padrões parecem fixarse na cobertura e no tratamento dos temas pela mídia, o que
[...] indica que muitas das decisões obedecem, consciente ou inconscientemente, a uma
certa metodologia, a um padrão que em nenhum lugar está explícito, mas que marca umas
diretrizes gerais. Por exemplo, a distribuição das fontes de informação consultadas segue um
padrão praticamente constante e o mesmo sucede com a distribuição dos textos conforme
pertençam a um ou outro gênero jornalístico ou se encontram em uma ou outra seção.5
(INFORME QUIRAL, 2000, p. 61)
Com base nessas considerações, propomo-nos, então, a analisar algumas categorias tais como:
autores, fontes de informação, temática, divulgação e não-divulgação da ciência nacional e internacional
utilizadas pela redação da revista Veja na divulgação de notícias que trataram de temas relacionados à
ciência.
Quanto a isso vale ressaltar que, apesar de haver uma subseção que explicitamente divulga
temas científicos, que está inserida na seção Geral e chama-se Ciência, na revista Veja, textos de temática
científica e tecnológica perpassam outras editorias, como é caso das seções Medicina, Saúde, Especial,
Ambiente e Genética; e isso nos levou a também considerá-las nessa análise.
Autores
O corpus de análise do presente trabalho é composto por vinte e oito textos, publicados pela
revista Veja no período de janeiro a junho de 2008, nas seções Ciência, Medicina, Saúde, Especial, Ambiente e
Genética. Destes, conforme pode-se observar na tabela a seguir, nenhum foi assinado pela redação da
revista ou por agências de comunicação, mas sim por jornalistas da própria equipe Abril, os quais, em sua
maioria, escreveram para mais de uma seção, excetuando os nomes de Rafael Corrêa, Juliana Linhares e
Ronaldo Soares, que escreveram apenas para as seções Ciência e Especial.
Não obstante, observou-se que em muitos textos ocorreram casos de co-autorias e acredita-se
que isso possa ser explicado pelo fato de que ter um mesmo jornalista trabalhando na cobertura de diversos
temas representa vantagens econômicas para o Grupo Abril e parece mostrar que até mesmo a escolha dos
autores baseia-se em padrões pré-estabelecidos pela rotina jornalística.
Informe Quiral é uma publicação anual do Observatório de Comunicação Científica da Universitat Pompeu Fabra (Barcelona –
Espanha), que apresenta um levantamento quantitativo referente às informações sobre ciência que foram publicadas na mídia impressa
espanhola no decorrer do ano.
4 Tradução nossa: “En las redacciones de los diarios se toman decisiones constantemente: cuáles serán los temas del día, qué espacio
se va a dedicar a cada uno de ellos, a qué fuentes de información se va a consultar o cómo se va a ilustrar la noticia.”
5 Tradução nossa: “[...] indica que muchas de las decisiones obedecen, consciente o inconscientemente, a una cierta metodologia, a un
patrón que en ningún lugar está explícito, pero que marca unas directrices generales. Por ejemplo, la distribuición de las fuentes de
información consultadas sigue um patrón prácticamente constante y lo mismo sucede con la distribución de los textos según si
pertenecen a uno u otro género periodístico o si están ubicados en una u outra seción.”
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Número de textos sobre ciência publicados pelos jornalistas da revista Veja nas seções analisadas
Seção
Autor
Nº de textos publicados por seção
Rafael Corrêa
2
Ciência
Vanessa Vieira
2
Adriana Dias Lopes
5
Anna Paula Buchalla
5
Saúde
Naiara Magalhães
1
Paula Neiva
1
Vanessa Vieira
1
Adriana Dias Lopes
3
Anna Paula Buchalla
3
Juliana Linhares
1
Especial
Naiara Magalhães
2
Roberta de Abreu Lima
1
Ronaldo Soares
1
Adriana Dias Lopes
1
Genética
Paula Neiva
1
Medicina
Anna Paula Buchalla
1
Paula Neiva
1
Ambiente
Roberta de Abreu Lima
1
Tabela 1
Além disso, a recorrência de textos publicados por redatoras como Adriana Dias Lopes e Anna
Paula Buchalla (observar a tabela abaixo) faz supor que as mesmas possuam certo grau de especialização
em relação à cobertura jornalística científica e/ou sejam detentoras de experiência no tratamento e na
divulgação de temas relacionados à ciência.
Número total de textos publicados por cada autor
Redator
Adriana Dias Lopes
Anna Paula Buchala
Juliana Linhares
Naiara Magalhães
Paula Neiva
Rafael Corrêa
Roberta de Abreu Lima
Ronaldo Soares
Vanessa Vieira
Tabela 1.1
Número
8
9
1
3
3
2
2
1
3
Fontes de informação
De acordo com o Informe Quiral (2000, p. 68), “as fontes de informação são as pessoas, entidades
ou material escrito que serve para proporcionar ao redator informação sobre um novo tema, opiniões,
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argumentos, dados, etc.” 6 (Grifo do autor). Nesse sentido, considera-se aqui como fontes de informação não
somente as vozes de especialistas e/ou de cientistas citados pelos jornalistas nas notícias, mas também as
publicações científicas, as agências de informação, as universidades e as vozes de não-especialistas que,
através de suas falas, se posicionaram a respeito das descobertas científicas e/ou auxiliaram os jornalistas na
divulgação das mesmas.
Quanto a isso, cabe destacar que, dentre os vinte e oito textos que compõem o corpus de análise
dessa pesquisa, nenhum deles deixou de citar pelo menos uma fonte de informação, o que evidencia que
embora essa prática jornalística seja comum e que o ato de recorrer às vozes de pessoas e de entidades
socialmente legitimadas pode demonstrar uma tentativa, por parte daquele que escreve, de aumentar a
credibilidade e a aceitação social da informação que está sendo enfocada.
Em relação à revista Veja, observou-se que as fontes serviram não somente de reforço ao
discurso dos jornalistas, mas também de base para, através do diálogo intertextual, recontextualizarem
determinada informação de caráter científico para o público leigo.
Para o desenvolvimento da análise, tais fontes foram subdividas nas seguintes categorias:
Especialistas, Não-especialistas, Publicações, Agências e Instituições.
A princípio, sabe-se que a utilização de uma ou de outra fonte depende de fatores como os
contatos que um jornalista possui, a “[...] sua perícia e rotina para informar-se de revistas especializadas
(como Lancet, JAMA, Science, etc.)”, o tempo que possui para escrever o texto, etc. Mas, em contrapartida,
“outro grupo de fatores não depende do redator, mas de suas fontes, pois estas podem ser mais ou menos
ativas na hora de enviar comunicados de imprensa, de convocar rodas de imprensa ou ser mais ou menos
acessíveis às demandas dos jornalistas” (INFORME QUIRAL, 2000, p. 69). 7
Portanto, após o levantamento dessas questões, torna-se relevante analisar, separadamente,
cada uma dessas categorias.
Especialistas
Por meio dessa pesquisa constatou-se que os jornalistas da revista Veja, ao divulgarem temas de
caráter científico, citam, de forma recorrente, o nome de profissionais que, por serem especialistas, servem
para legitimar a informação tratada na revista, enquanto veículo de divulgação de informações, e os
jornalistas, enquanto profissionais qualificados, recorrem a fontes de prestígio científico e social.
Assim, pode-se observar na tabela abaixo (a qual apresenta a seção, o nome e a referência de
cada profissional citado), que as vozes dos especialistas são utilizadas como um importante recurso
intertextual e perpassam todas as seções analisadas.
Seção
Ciência
Especialistas citados, como fontes de informação, pelos jornalistas da revista Veja
Especialista
Darwin Prockop (diretor do Centro de Terapia Genética da Universidade de Tulane)
Eleonora Trajano (bióloga do Instituto de Biociência da Universidade de São Paulo)
Iain Douglas-Hamilton (zoólogo da Universidade de Oxford)
Julie Ryan Johnson (veterinária e vice-presidente do Laboratório Americano Vet-Stem)
Ivanka Savic (coordenadora de um estudo sobre homossexualismo)
Michael Gumert (biólogo da Universidade Tecnológica de Nanyang - Cingapura)
Tradução nossa: “Las fuentes de información son las personas, entidades o material escrito que sirve para proporcionar al redactor
información sobre un nuevo tema, opiniones, argumentos, datos, etc.” (Grifo do autor).
7 Tradução nossa: “[...] su pericia y rutina para informarse a través de revistas especializadas (tipo Lancet, JAMA, Science, etc.)” [...]
“otro grupo de factores no depende del redactor sino de sus fuentes, pues éstas pueden ser más o menos activas a la hora de enviar
comunicados de prensa, convocar ruedas de prensa o ser más o menos asequibles a las demandas de los periodistas.” (Grifo do autor)
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Ciência
Saúde
Especial
Especial
Luis Sancho (pesquisador espanhol)
Walter Wagner (pesquisador americano)
Oscar Eboli (professor de física da Universidade de São Paulo)
Raul Abramo (professor de física da Universidade de São Paulo)
Robert Crease (professor de filosofia e história da ciência na Universidade Estadual de Nova York)
Tony Martin (pesquisador do British Antartic Survey)
Vera da Silva (pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia)
Walter Wagner (físico do Laboratório do Cern)
Ana Claudia Latronico (endocrinologista da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo)
Ana Maria Lottenberg (nutricionista da Universidade de São Paulo) *
Andrew Oswald (professor da Universidade de Warwick – Inglaterra)
Alfredo Halpern (endocrinologista e pesquisador da USP)
Clinton Rubin (engenheiro-diretor do Centro de Biotecnologia da Universidade Estadual de Nova York)
Danielli Botture Lopes (nutricionista da consultoria RG Nutri)
Flávio Alóe (neurologista do Centro do Sono do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas – São Paulo)
Freddy Eliaschewitz (endocrinologista)
Geraldo Medeiros (professor da Universidade de São Paulo)
Getúlio Daré Rabello (neurologista coordenador do Ambulatório de Cefaléia do Hospital das Clínicas de São
Paulo)
Ibraim Pinto (cardiologista) *
John Chambers (cardiologista do Guy’s Hospital London)
Leão Zagury (endocrinologista)
Luiz Otavio Torres (urologista e integrante da diretoria da Sociedade Internacional de Medicina Sexual)
Luiz Paulo Queiroz (neurologista da Universidade Federal de Santa Catarina)
Marcelo Bigal (neurologista do Albert Einstein College of Medicine – Nova York)
Marcio Versiani (coordenador do Programa de Depressão e Ansiedade da Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Mario Louzã (psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo)
Mario Peres (neurologista do Hospital Albert Einstein – São Paulo)
Maurício de Souza Lima (hebiatra do Hospital das Clínicas de São Paulo)
Pérola Grinberg Plaper (fisiatra e diretora da Divisão de Medicina Física do Instituto de Ortopedia e Traumatologia
do Hospital das Clínicas – São Paulo)
Stella Tavares (neurologista do Hospital Albert Einstein – São Paulo)
Wagner Gattaz (psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo)
Ana Maria Lottenberg (nutricionista do Hospital das Clínicas – São Paulo) *
Antonio Chacra (professor endocrinologista da Universidade Federal de São Paulo - Unifesp)
Carlos Augusto Monteiro (professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - USP)
Carmita Abdo (pesquisadora do PROSex)
Contardo Calligaris (psicanalista)
Cristina Menna Barreto (nutricionista)
Daniel Magnoni (nutrólogo do Hospital do Coração – São Paulo) *
David Buss (psicólogo evolucionista da Universidade do Texas)
Décio Mion (médico chefe do departamento de hipertensão do Hospital das Clínicas – São Paulo)
Durval Ribas Filho (presidente da Associação Brasileira de Nutrologia - Abran)
Emerson Granemann (engenheiro cartógrafo e editor do portal de informações InfoGPS)
Gary Taubes (autor do livro Good Calories, Bad Calories)
Helen Fisher (antropóloga e pesquisadora da Universidade Rutgers)
Henrique Carneiro (historiador e autor do livro Comida e Sociedade)
Ibraim Masciarelli (cardiologista do Hospital do Coração São Paulo)*
José Gomes Temporão (ministro da Saúde)
José Mário Reis (angiologista)
Liz Maria de Almeida (gerente de epidemologia do Instituto Nacional de Câncer – INCA)
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Genética
Medicina
Ambiente
Luiz Henrique Gebrim (professor da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp)
Magdalena Ramos (psicanalista e coordenadora do Núcleo de Casal e Família da Faculdade de Psicologia da
Pontifica Universidade Católica de São Paulo)
Maria da Graça Bicalho (geneticista e coordenadora do Laboratório de Imunogenética da Universidade Federal do
Paraná)
Maria do Socorro Maciel (mastologista do Hospital do Câncer – São Paulo)
Marcos Rodrigues (professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - USP)
Marcos Tambascia (endocrinologista da Sociedade Brasileira de Diabetes)
Marcus Bolívar Malachias (diretor do departamento de hipertensão da Sociedade Brasileira de Cardiologia)
Omar Lupi (vice-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia)
Otávio Rizzi Coelho (cardiologista da Universidade de Campinas - Unicamp)
Patrick Dixon (futurólogo inglês)
Raul Dias dos Santos (cardiologista do Instituto do Coração – São Paulo)
Renato Mezan (psicanalista)
Ronaldo Laranjeira (professor da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp)
Ruy Laurenti (professor do Departamento de Epidemologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de
São Paulo - USP)
Sanjay Gupta (médico)
Steven Bray (pesquisador da Universidade de McMaster)
Lygia da Veiga Pereira (geneticista da Universidade de São Paulo - USP)
Marimélia Porcionatto (bioquímica da Universidade Federal de São Paulo - Unifesp)
Mayana Zatz (geneticista da Universidade de São Paulo - USP)
Patrick Chinnery (pesquisador da Universidade de Newcastle – Inglaterra)
Richard Behringer (professor e pesquisador da Universidade do Texas)
David Sinclair (médico da Universidade de Harvard)
Daniel Magnoni (cardiologista) *
Tomas Prolla (pesquisador da Universidade de Wisconsin – EUA)
Adam Walters (pesquisador do Greenpeace)
Alexander Turra (biólogo da Universidade de São Paulo - USP)
Benjamin Halpern (ecologista da Universidade da Califórnia)
Tabela 2
* Profissionais cujos nomes foram citados em mais de uma seção.
Em relação à tabela apresentada, vale ressaltar que os nomes marcados por asterisco, como é o
caso da nutricionista Ana Maria Lottenberg e dos médicos Daniel Magnoni e Ibraim Marciarelli, foram
citados em mais de uma seção e, quanto a isso, observa-se que a revista Veja é, em algumas ocasiões,
imprecisa quanto à função e/ou cargo ocupado por esses profissionais. Percebe-se, por exemplo, que o
médico Daniel Magnoni é primeiramente apresentado, pela jornalista Anna Paula Buchalla, no texto do dia
30 de abril de 2008, como nutrólogo do Hospital do Coração de São Paulo, entretanto, posteriormente, a
mesma jornalista, no texto do dia 11 de junho de 2008, o apresenta como cardiologista.
Além disso, o médico Ibraim Masciarelli Francisco Pinto é apresentado, pela jornalista Naiara
Magalhães, no texto do dia 16 de janeiro de 2008 da seção Saúde, apenas como cardiologista, mas, na seção
Especial, em reportagem datada do dia 5 de março de 2008, em co-autoria com as jornalistas Adriana Dias
Lopes e Anna Paula Buchalla, Naiara Magalhães apresenta-o como cardiologista do Hospital do Coração de
São Paulo, o que, por se tratar de um hospital de renome, dá maior confiabilidade à fala do profissional.
Não obstante, nessa mesma reportagem, as jornalistas citadas dizem que Ana Maria Lottenberg
é nutricionista do Hospital das Clínicas, contudo, quase dois meses depois, Anna Paula Buchalla, na
reportagem veiculada pela seção Saúde no dia 23 de abril de 2008, apresenta a nutricionista como
funcionária da Universidade de São Paulo, o que, embora possa ser explicado pelo fato de o Hospital das
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Clínicas pertencer à Faculdade de Medicina da USP, representa uma tentativa da jornalista de se valer, na
primeira ocasião, do nome do Hospital das Clínicas e depois da Universidade de São Paulo.
No primeiro caso, em um texto que noticiava uma pesquisa feita pelo Ministério da Saúde em
relação à saúde dos brasileiros, Ana Maria Lottenberg aparece posicionando-se em relação aos malefícios do
consumo abusivo de refrigerantes, por parte dos brasileiros. Acredita-se que, talvez, essa seja a causa de a
mesma ser apresentada pelas jornalistas (Adriana Dias Lopes, Anna Paula Buchalla e Naiara Magalhães)
como profissional do Hospital das Clínicas, pois, além da fala de Ana Maria Lottenberg estar relacionada ao
alto valor calórico dos refrigerantes, de forma inconsciente, essa informação poderia gerar no leitor a ideia
de que o hábito de tomar refrigerantes é capaz de causar vários danos à sua saúde que poderia, até mesmo,
guiá-lo à necessidade de procurar ajuda profissional, seja médica ou nutricional, como fruto de um peso
excessivo, de problemas cardíacos, sanguíneos, etc. (o que, por sua vez, valida o resultado da pesquisa que
diz que 26,7% dos brasileiros tomam regularmente refrigerantes não-dietéticos e reafirma o perigo que
esse hábito representa).
Já a segunda notícia trata de um estudo, feito por pesquisadores do The Cochrane Collaboration8,
a respeito da utilização de suplementos nutricionais na dieta humana. Nesse texto, a partir de uma
informação do senso comum, Ana Maria Lottenberg diz que “[u]ma dieta equilibrada fornece todos os
nutrientes necessários à boa saúde”9 e aparece como nutricionista da Universidade de São Paulo, cargo que,
nesse caso, lhe dá maior credibilidade, por ser ela uma pesquisadora da USP, e a legitima, enquanto fonte
de informação, a fornecer comentários para um texto que objetiva divulgar uma pesquisa científica.
Além disso, faz-se necessário acrescentar que os nomes de certos profissionais se repetem nos
textos das mesmas jornalistas: Anna Paula Buchalla cita, sozinha e em co-autoria, o médico Daniel Magnoni
e a nutricionista Ana Maria Lottenberg, já a jornalista Naiara Magalhães, também sozinha e em co-autoria,
dá voz ao médico Ibraim Masciarelli Francisco Pinto. Isso parece confirmar os dizeres do Informe Quiral
(2000), que sugere que, por mínima que seja (em virtude do grande número de profissionais citados e a
pequena repetição do nome dos mesmos), existe uma rotina que norteia a pauta da jornalística da Veja no
momento de selecionar e de utilizar as vozes de profissionais especializados em seus textos.
Não-especialistas
Na categoria dos não-especialistas estão incluídos os nomes de pessoas cujas vozes foram
trazidas para as reportagens sem a intenção de emitir pareceres e/ou explicações científicas e especializadas
a respeito dos assuntos noticiados, mas sim para representar o público não-especializado, ou seja, para
representar a voz de pessoas comuns que falam sobre suas próprias experiências e/ou sobre as experiências
que seus familiares, amigos, etc. obtiveram a partir do contato com determinadas tecnologias,
determinados tipos de tratamento, de doenças, etc.
Na tabela abaixo, encontram-se listados os nomes e as profissões de cada um dos nãoespecialistas citados nos textos publicados pela revista Veja no período de janeiro a junho de 2008.
Não-especialistas citados, como fontes de informação, pelos jornalistas da revista Veja
Seção
Não-especialistas
Carlos Tolovi (administrador de empresas)
Saúde
Érica Georgine Vaccaro (administrador de empresas)
8 The Cochrane Collaboration é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, que objetiva contribuir para o aprimoramento
das tomadas de decisão relacionadas à saúde, com base nas melhores informações disponíveis. Disponível em:
<http://www.centrocochranedobrasil.org.br/institucional.html>. Acesso em: 27 jul. 2010.
9 Trecho retirado do corpus.
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Especial
Anthony Bourdain (chef de cozinha)
Alexandre Perin (analista de sistemas)
Carol Caliman (estilista)
Edgar Costa (executivo)
Eliene da Silva Nascimento (bancária)
Fernando Soares (diretor de engenharia de vendas da Nokia para a América Latina)
Flávia Alessandra (atriz)
Gordon Ramsay (chef de cozinha e apresentador dos programas Hell’s Kitchen e Kitchen Nightmares)
Gustavo Goose (ilustrador)
Isaac Daniel (executivo)
Jamie Oliver (chef de cozinha e apresentador de programas de culinária)
Juliana Okay (médica dermatologista)
Marcelo Roveri Clementino (analista de sistemas)
Melanie Dunea (fotógrafa)
Michael Pollan (autor do livro In Defense of Food)
Paulo Rabello (analista de sistemas)
Ronaldo Tesseha (executivo)
Vânia Menezes (webdesigner)
Tabela 3
Como se pode observar, apesar de todas as pessoas citadas nessa tabela possuírem profissões
cujo grau de especialização, em maior ou menor grau, também lhes confere certo domínio para, em
determinadas ocasiões, discorrer, como especialista, a respeito de determinado assunto de caráter científico,
a Veja, e somente nas seções Saúde e Especial, as coloca como emissoras de comentários não-científicos.
Entretanto, resta saber o que motiva a aparição de certos profissionais como não-especialistas e
o porquê de a Veja não trazer, para o âmbito daqueles que aparecem como público comum, pessoas
provenientes de categorias profissionais de menor prestígio social.
Talvez, poderíamos supor que, por se tratar de uma revista que tem como público-leitor a classe
social B (classe média alta, conforme mostrado no tópico 3.1), a Veja restrinja-se do ato de veicular opiniões
derivadas das classes sociais mais baixas.
Além disso, pode-se observar que nenhum dos nomes citados foi repetido e isso parece
evidenciar que, para a categoria dos não-especialistas, a escolha dos nomes não é regida por padrões préestabelecidos relacionados à legitimidade social de certos profissionais, já que as pessoas citadas estão
relacionadas diretamente aos fatos noticiados.
Publicações
Dentre as fontes de informação que servem de base para a divulgação de acontecimentos
relacionados aos avanços científicos e tecnológicos estão as próprias publicações acadêmicas e, também,
outros meios escritos de comunicação que primeiramente divulgaram as informações que somente a
posteriori serão apresentadas pelos jornalistas ao público não-especializado.
Em relação à revista Veja, observa-se na tabela a seguir que certas publicações atuaram como
fontes de informação das notícias.
Publicações citadas, como fontes de informação, pelos jornalistas da revista Veja
Seção
Publicações científicas
Ciência
Revista Veterinary Therapeutics
Saúde
Revista Nature*
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Especial
Medicina
Livro “Uma Mente Brilhante” (Sylvia Nasar)
Journal of Occupational and Environmental Medicine
American Journal of Preventive Medicine
The New England Journal of Medicine
Revista da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos
Journal of the American College of Cardiology
Revista Circulation (da Associação Americana do Coração)
Revista científica Behavioral Neuroscience
Revista Time
Relatório Kinsey
Revista PLoS One
Tabela 4
* Publicações citadas mais de uma vez.
Como se pode observar, foram treze as publicações, todas internacionais, que embasaram as
notícias publicadas pela revista Veja durante o período considerado para essa pesquisa (janeiro a julho de
2008).
Além disso, pode-se verificar que, embora em apenas quatro seções da revista tenham sido
identificados textos que fizeram menção a essas publicações, todas as que foram utilizadas pelos jornalistas
são de origem estrangeira e isso nos mostra que a revista Veja utiliza essas publicações internacionais como
forma de dar credibilidade às notícias que divulga, e também como estratégia para cristalizar a noção social
de que tanto as grandes descobertas científicas quanto as tecnologias de ponta são produzidas e restritas ao
domínio americano e/ou europeu, pois, como se pode observar, todas as publicações citadas (as sete
revistas, o jornal, o livro e o relatório) pela Veja são de origem norte-americana.
Instituições
Igualmente ao fato de algumas publicações científicas servirem de referência nos textos de
divulgação científica publicados pela Veja, observa-se que algumas instituições também atuaram como
fontes diretas de informação para a mesma. Dentre elas observa-se, na tabela a seguir, as universidades
citadas.
Universidades citadas, como fontes de informação, pelos jornalistas da revista Veja
Seção
Universidades
Universidade do Estado da Pensilvânia
Universidade de Oxford
Ciência
Universidade de Sussex
Universidade do Sul da Califórnia
Saúde
Universidade Federal de São Paulo – Unifesp
Especial
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – USP
Tabela 5
Também em relação às universidades, constata-se, através da tabela acima, que somente três
das seis seções analisadas citaram as universidades como fontes de informação. Porém, vê-se que,
contrariamente ao que ocorreu em relação às publicações, aqui há a divulgação de pesquisas produzidas por
duas universidades nacionais: USP (Universidade de São Paulo) e Unifesp (Universidade Federal de São
Paulo).
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Contudo, faz-se necessário ressaltar que a aparição da USP e da Unifesp representa apenas ⅓
das universidades citadas nas notícias de todo o período analisado e que os outros ⅔ é representado por
duas universidades americanas: Universidade do Estado da Pensilvânia e Universidade do Sul da Califórnia; e
por duas universidades inglesas: Universidade de Oxford e Universidade de Sussex. Esse fato demonstra,
mais uma vez, a tendência da redação da revista Veja de subestimar a ciência que é produzida pelos países
em desenvolvimento (como o Brasil), enquanto prioriza, na maior parte das vezes, o conhecimento que é
produzido pelos países que dominam a economia mundial.
Além das universidades, vê-se que outras instituições (como laboratórios e institutos de
pesquisa) também aparecem como centros de excelência que fornecem informações e fatos científicos
publicáveis para a revista Veja. Na tabela a seguir, apresenta-se uma catalogação dessas instituições em
relação à seção em que apareceram.
Seção
Ciência
Saúde
Especial
Ambiente
Instituições citadas, como fontes de informação, pelos jornalistas da revista Veja
Instituições
Vet Stem (Laboratório americano)
Stocklom Brain Institute (Intituto Karolinska – Suécia)
The Cochrane Collaboration
Sociedade Internacional de Medicina Sexual (ISSM)
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos
Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel)
Instituto Nacional de Câncer
Secretaria de Vigilância em Saúde
Organização Mundial de Saúde
PROSex (Programa de Reabilitação e Orientação Sexual)
Greenpeace
Tabela 5.1
Em relação às instituições, observa-se que, de forma incomum, embora a Veja cite quatro
organizações mundiais (Sociedade Internacional de Medicina Sexual – ISSM, Organização Mundial de
Saúde, Greenpeace10 e The Cochrane Collaboration), um instituto sueco de pesquisas (Stocklom Brain
Institute11) e um instituto (Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos) e um laboratório americano (Vet
Stem); três instituições brasileiras de pesquisa (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Sistema de
Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico e Instituto Nacional
de Câncer), um órgão governamental (Secretaria de Vigilância em Saúde) e um programa de orientação
sexual (PROSex) também possuem representatividade e aparecem como importantes fontes das
informações que são divulgadas pela revista Veja.
Entretanto, como se pode observar, todas as instituições nacionais citadas apareceram em textos
publicados na seção Especial, a qual, apesar de divulgar fatos científicos, não se restringe à ciência, mas
também noticia questões e acontecimentos não-científicos. Tudo isso parece nos mostrar que embora o
nome das instituições nacionais seja citado, isso se dá somente em uma seção que não é especificamente
destinada à divulgação da ciência, o que, mais uma vez, mostra como a redação da Veja trata o que é
produzido pelos centros de pesquisa no Brasil.
10 O Greenpeace é uma organização independente que luta em defesa da conservação e da preservação do meio ambiente global. O
Greenpeace foi fundado em 1971 e atualmente está presente em quarenta países localizados ao longo da Europa, das Américas, da
Ásia, da África e do Pacífico. Informações disponíveis em: <http://www.greenpeace.org/international/en/about/>. Acesso em: 28 jul.
2010.
11 Stocklom Brain Institute é um núcleo composto por onze grupos de pesquisa que desenvolvem estudos nas áreas de cognição e de
neurociência nas seguintes universidades suecas: Karolinska Institutet, Royal Institute of Technology e Stockholm University.
Informações disponíveis em: <http://www.stockholmbrain.se/>. Acesso em: 28 jul. 2010.
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Informação nacional e Informação internacional
A análise dos textos que compõem o corpus dessa pesquisa permitiu-nos avaliar, dentre outras
coisas, qual foi o espaço que a revista Veja dedicou à divulgação de fatos científicos nacionais e
internacionais.
Inicialmente, em virtude de ser a Veja uma das revistas de maior circulação no território
brasileiro, supôs-se que seria significativo, desde a perspectiva da divulgação científica, o nível das
informações que envolvessem a publicação de pesquisas nacionais e/ou de descobertas de estudiosos
brasileiros. Todavia, de forma contrária, constatou-se que dos vinte e oito textos que formam o corpus,
somente um referia-se à propagação de pesquisas nacionais e quatro mesclavam a divulgação de pesquisas
nacionais a pesquisas internacionais, conforme pode-se observar na tabela a seguir.
Seção
Ciência
Saúde
Especial
Genética
Medicina
Ambiente
Total
Matérias
relacionadas
a pesquisas
nacionais
0
0
1
0
0
0
1
Matérias
relacionadas
a pesquisas
internacionais
4
11
5
2
1
0
23
Tabela 6
Matérias que
mesclam pesquisas
nacionais e
internacionais
0
2
1
0
0
1
4
Total de matérias
publicadas no
período analisado
4
13
7
2
1
1
28
Como se observa, a maior parte dos textos analisados refere-se à divulgação de pesquisas
internacionais. A diferença numérica (marcada de um lado por vinte e três notícias relacionadas a pesquisas
internacionais e de outro por somente um texto que divulga uma pesquisa nacional) mostra que a revista
Veja contribui para o fortalecimento ideológico de que somente países desenvolvidos realizam pesquisas
científicas e, também, para a percepção de que o Brasil, como país emergente, não possui o seu lugar na
esteira capitalista de desenvolvimento global da ciência e da tecnologia.
A única matéria a divulgar uma pesquisa nacional, a qual é intitulada “Um raio X da saúde dos
brasileiros”, foi publicada na seção Especial, no dia 5 de março de 2008 e trata de um rastreamento
estatístico, feito pelo Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por
Inquérito Telefônico (Vigitel), do perfil da saúde dos brasileiros e das causas das doenças crônicas que os
afligem.
Como já era de se esperar, marcado por questões enaltecedoras, o texto destaca a pesquisa do
Vigitel e a coloca como “[...] um dos mais completos levantamentos sobre os hábitos de saúde da população
já feitos no país.”, ressaltando, através de números, a grandiosidade da mesma: “Conduzida pelo Ministério
da Saúde, a pesquisa ouviu, entre julho e dezembro do ano passado, 54 000 homens e mulheres moradores
de 26 capitais brasileiras, além do Distrito Federal” 12.
Contudo, observou-se que, dentre os outros quatro textos que divulgaram pesquisas nacionais
em conjunto com pesquisas internacionais, somente um deles supervalorizou e ressaltou os resultados
12
Trecho retirado do corpus.
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alcançados pelas pesquisas nacionais, como pode ser verificado nos trechos a seguir, retirados do texto
“Brasil, país da dor de cabeça” publicado na seção Saúde em 28 de maio de 2008:
[...] maior levantamento sobre dor de cabeça já feito no país. Coordenada pelos
neurologistas Luiz Paulo Queiroz, da Universidade Federal de Santa Catarina, e Mario Peres,
do hospital Albert Einstein, de São Paulo, a pesquisa ouviu quase 4000 pessoas, entre 18 e 79
anos. (BUCHALLA, A. P.. Brasil, país da dor de cabeça. Os brasileiros estão entre os que
mais sofrem desse mal. Na raiz do problema, má alimentação, stress e uso errado de
analgésicos. Veja – seção Saúde. 28 de maio de 2008) (Grifos meus)
Um dos méritos do trabalho dos neurologistas Queiroz e Peres foi verificar em minúcias a
estreita relação entre estilo de vida e dor de cabeça. Um dos dados mais impressionantes
revelados pela pesquisa diz respeito ao impacto do sedentarismo. (BUCHALLA, A. P.. Brasil,
país da dor de cabeça. Os brasileiros estão entre os que mais sofrem desse mal. Na raiz do
problema, má alimentação, stress e uso errado de analgésicos. Veja – seção Saúde. 28 de
maio de 2008) (Grifos meus)
Como se vê, as palavras grifadas no texto (“maior” e “impressionantes”) apresentam uma carga
semântica relacionada à noção de grandeza e destacam o estudo brasileiro como superior. Além disso, os
resultados da pesquisa, apresentados pela jornalista Ana Paula Buchalla como “méritos”, mostram,
claramente, a exaltação e o ufanismo evidenciados por essa autora que reconhece a pesquisa dos
neurologistas brasileiros.
Não obstante, constatou-se que os outros jornalistas nem sempre tratavam os resultados
obtidos pelas pesquisas nacionais com a mesma valorização que descrevemos acima; antes, porém,
limitavam-se a, simplesmente, apresentá-los, sem tecerem maiores comentários, como pode ser observado
nas passagens abaixo:
Um estudo feito neste ano por pesquisadores da Universidade de São Paulo mostrou que em
Santos, no litoral paulista, cada meio cúbico de areia da praia contém até 20 000 pellets.
(NEIVA, P.; LIMA, R. A.. Oceano de Plástico. A substância já responde por 70% da poluição
marinha e se alastra dos litorais para o alto-mar. Veja – seção Ambiente. 5 de março de
2008)
Uma pesquisa realizada em 2003 pelo ProSex sugere que a maioria dos brasileiros está
insatisfeita, também, com a intensidade da vida sexual. Tanto homens quanto mulheres
dizem que, “se pudessem”, gostariam de fazer duas vezes mais sexo do que fazem.
(LINHARES, J.; MAGALHÃES, N.. A vida sem muito sexo. Não se preocupe se a sua
freqüência está abaixo da média das pesquisas. Segundo especialistas, boa parte dos que
afirmam fazer várias vezes por semana exagera. Veja – seção Especial. 19 de março de 2008)
Um estudo coordenado por Mario Peres, publicado na revista médica européia Journal of
Headache and Pain, revelou que muitos dos pacientes que abusam dos analgésicos padecem
de uma síndrome chamada cefalalgafobia – o medo de sentir dor de cabeça. Ao resultar no
exagero do consumo de medicamentos, essa fobia transforma o que era apenas receio em
realidade dolorosa. (BUCHALLA, A. P.. Brasil, país da dor de cabeça. Os brasileiros estão
entre os que mais sofrem desse mal. Na raiz do problema, má alimentação, stress e uso
errado de analgésicos. Veja – seção Saúde. 28 de maio de 2008)
Uma pesquisa comparativa conduzida pelo neurologista brasileiro Marcelo Bigal, do Albert
Einstein College of Medicine, de Nova York, mostrou que, no grupo das pessoas com peso
normal, 4% tiveram de dez a quinze episódios de dor por mês. No das obesas, a proporção
subiu para 14%%. (BUCHALLA, A. P.. Brasil, país da dor de cabeça. Os brasileiros estão
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entre os que mais sofrem desse mal. Na raiz do problema, má alimentação, stress e uso
errado de analgésicos. Veja – seção Saúde. 28 de maio de 2008)
Todas as questões apresentadas parecem, portanto, evidenciar que a revista Veja dá mais ênfase
à publicação de textos que divulgam pesquisas internacionais. Observa-se isso não somente pelo número,
consideravelmente maior, de notícias que mencionaram as pesquisas de outros países (conforme
apresentado pela tabela 6), mas, também, pela veiculação de resultados nacionais sem o estabelecimento
de comentários enaltecedores, como visto nos trechos acima.
Isso talvez possa ser explicado por questões de ordem social, tais como a baixa secularização e
mesmo a baixa propagação, por parte dos pesquisadores nacionais, dos resultados das pesquisas brasileiras,
fato que, se comprovado, serve para dificultar o acesso dos jornalistas às informações científicas e,
consequentemente, gera a não-divulgação e o não-acesso do público em geral às mesmas. Além disso, o
não-interesse, por parte da própria redação da revista, em relação à ciência nacional, pode justificar e
afirmar o baixo aparecimento dessas informações na pauta jornalística da Veja.
Temática
Segundo o Informe Quiral (2000), alguns padrões norteiam os jornalistas e, por conseguinte, a
redação dos jornais no que se refere aos temas que serão veiculados através das notícias.
Observando as notícias que compõe o corpus dessa pesquisa, pôde-se constatar que temas
relacionados à medicina e à saúde foram bastante representativos, perfazendo um total de vinte e cinco dos
vinte e oito textos da amostra. Além disso, somente dois desses vinte e oito textos fazem referência a
questões tecnológicas e um diz respeito à temática ambiental.
Seções
Ciência
Saúde
Especial
Genética
Medicina
Ambiente
Total
Ciências Biológicas e da Saúde
3
13
6
2
1
Informática
1
25
2
Ciências Ambientais
1
1
1
Tabela 7
Isso evidencia, portanto, que a Veja parece negligenciar, ao não divulgar pesquisas e inovações
alcançadas por áreas como as das ciências humanas, exatas e agrárias para, em contrapartida, popularizar
questões referentes ao alcance e à manutenção de uma boa saúde, à conservação do meio-ambiente e às
inovações tecnológicas relacionadas à informática.
No entanto, tendo em mente que a sociedade atual tem priorizado, em demasia, a estética e a
boa forma física, pode-se justificar o número significativo de publicações relacionadas à medicina e à saúde,
por parte da revista Veja, em virtude de a prioridade no tratamento desses temas figurar como uma espécie
de resposta à própria demanda imposta pelas necessidades da população, pois, de acordo com Cataldi
(2007b, p.194), “[a] imprensa escrita diária escolhe o fato ou acontecimento científico noticiável em função
do interesse que este tenha para o público em geral, seja por sua espetacularidade, atualidade, relevância
científica, incidência na saúde individual ou coletiva etc.”.
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Considerações finais
Considerando que o propósito deste artigo foi o de analisar como ocorre a atividade de
divulgação da ciência na revista Veja, destacando rotinas e padrões editoriais que possam refletir ideologias,
conclui-se, de modo geral, que as notícias da revista Veja refletem uma visão de que a ciência só é produzida
em território estrangeiro: o que é confirmado pelo número discrepante de publicações voltadas para a
divulgação de pesquisas internacionais e, também, por todas as outras fontes de informação utilizadas pelos
jornalistas que foram, em sua maioria, estrangeiras.
Além disso, observou-se que os cientistas foram as fontes de informação mais numerosas na
revista, o que torna claro o fato de esses atores sociais serem utilizados como estratégia discursiva para a
legitimação dos fatos científicos divulgados pela revista.
Quanto às temáticas das informações divulgadas, ressalta-se por fim que, conforme discutido, as
mesmas estão sempre ligadas às ciências biológicas e da saúde; fato que é bastante significativo por mostrar
que os critérios que norteiam a seleção de quais informações científicas serão (ou não serão) veiculadas pela
revista em questão parecem basear-se, prioritariamente, na relevância que os acontecimentos possam vir a
ter para a sociedade e, principalmente, para o público-alvo da revista.
REFERÊNCIAS:
BARREIROS, Tomás Eon; AMOROSO, Danilo. Jornalismo estrábico: Veja e Carta Capital na cobertura do “Escândalo do Mensalão”.
Perspectivas de la comunicación, n. 1, p. 120-131, 2008.
CALSAMIGLIA, Helena et al. Análisis discursivo de la divulgación científica. Lengua, Discurso, Texto (I Simposio Internacional de
Análisis del Discurso), Madrid, v. 2, p. 2639-2646, 2001.
CALSAMIGLIA, Helena. Apuntes sobre la divulgación científica: un cambio de registro. Textos de didáctica de la lengua y la
literatura, n. 8, p. 42-52, 1996.
CALSAMIGLIA, Helena. Divulgar: itinerarios discursivos del saber. Quark, Barcelona: Observatorio de la Comunicación Científica,
Universitat Pompeu Fabra, n. 7, p. 9-18, 1997.
CATALDI, Cristiane. A divulgação da ciência na mídia impressa: um enfoque discursivo. In: GOMES, Maria Carmem Aires; MELO,
Mônica Santos de Souza; CATALDI, Cristiane. Gênero discursivo, mídia e identidade. Viçosa, MG: Ed. UFV, 2007.
CATALDI, Cristiane. Los transgênicos en la prensa española: una propuesta de análisis discursivo. 2003. 409 p. Tese
(Doutorado) - Universitat Pompeu Fabra, Barcelona, 2003.
INFORME QUIRAL. Publicaciones del Observatorio de la Comunicación Científica y Médica. Barcelona: Universitat Pompeu Fabra,
2000. p. 61-80.
NELKIN, D.. La ciencia en el escaparate. Madrid: Fundesco, 1990.
VAN DIJK, Teun Adrianus. El discurso como interacción en la sociedad. In: VAN DIJK, T. A. (Comp.). El discurso como interacción
social. Barcelona: Gedisa, 2000. p.19-66.
VAN DIJK, Teun Adrianus. Estruturas da notícia na imprensa. In: VAN DIJK, Teun A.. Cognição, discurso e interação.
Organização e apresentação de Ingedore Villaça Koch. 6. ed. São Paulo, SP: Contexto, 2004.
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