livro de atas 2cncdp

Transcrição

livro de atas 2cncdp
1
7
Conversas de Psicologia e do
Envelhecimento Ativo
Atas do Congresso
8
Título: Conversas de Psicologia e do Envelhecimento Activo - Atas do Congresso
Autores: Vários
Prefácio: Professor Doutor Carlos Amaral Dias
Texto de Abertura: Comendador Ruy de Carvalho
Coordenadores: Ricardo Pocinho, Vitor Nuno Anjos e Pedro Belo
Editor: Associação Portuguesa Conversas de Psicologia
2016, APCDP
[email protected]
http://conversasdepsicologia.com
ISBN: 978-989-20-6359-1
9
ÍNDICE
_____________________________________________________________________________________
PREFÁCIO
Professor Doutor Carlos Amaral Dias __________________________________________________ 7
TEXTO DE ABERTURA
Comendador Ruy de Carvalho _______________________________________________________ 12
1.PRESCRIÇÃO DE EXERCICIO E PREVENÇÃO DE QUEDAS EM IDOSOS UMA REVISÃO
DA LITERATURA
Liliana Santos Ferreira, Anabela Correia Martins & Ricardo Pocinho ________________________ 18
2.ESCALA DE INTENÇÃO E IDEAÇÃO SUICIDÁRIA
Carlos Amaral Dias, Margarida Pocinho, Marisa Loureiro & Vitor Nuno Anjos ________________ 36
3.INTERAÇÃO DOS FATORES SOCIOCULTURAIS E DE DEPRESSÃO NA IDEAÇÃO E
INTENÇÃO SUICIDÁRIA DOS IDOSOS
Margarida Pocinho ________________________________________________________________ 42
4.ESTADOS DE HUMOR E JULGAMENTOS (EMOÇÕES E SATISFAÇÃO COM A VIDA)
Vítor Nuno Anjos, Margarida Pocinho, Alexandra Grasina, João Silva, Luis Loureiro, Margarida Miranda
& Magda Raquel Maia _____________________________________________________________ 48
5.VELHICES,
TERRITÓRIOS
ENCRUZILHADAS E DESVIOS
E
CONSTRUÇÃO
IDENTITÁRIA:
PERCURSOS,
Marcia Regina Medeiros Veiga, Sónia Cristina Mairos Ferreira, António Manuel Rochette Cordeiro &
Monalisa Dias de Siqueira __________________________________________________________ 55
6.O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO HUMANO SOB O OLHAR DO IDOSO.
A REALIDADE DO CONCELHO DA COVILHÃ
Fátima Quelhas Figueiredo __________________________________________________________ 62
7.“EMOÇÕES QUE AS PALAVRAS NÃO TRADUZEM”: ESTUDO DA ALEXITIMIA NUMA
AMOSTRA DE MULHERES COM CANCRO DE MAMA
Helena Sousa, Marina Guerra & Leonor Lencastre _______________________________________ 75
8.primerCOG – UMA FERRAMENTA DE TREINO COGNITIVO, FUNCIONALMENTE
VALIDADA PARA SENIORES COGNITIVAMENTE SAUDÁVEIS
José Carlos Teixeira, Vanessa Costa, Patrícia Alecrim, Sandra Freitas & Isabel Santana __________ 88
9.EFEITOS DO PRECONCEITO E BULLYING NO PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR
Morgana Christmann & Sílvia Maria de Oliveira Pavão ___________________________________ 102
10.FAMÍLIA E TRATAMENTO PARA A PESSOA COM TRANSTORNO MENTAL – UM
CASO BRASILEIRO
Lucimar Aparecida Garcia Coneglian & José Augusto Leandro _____________________________ 114
10
11.COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL E AUTOCONCEITO NA ADOLESCÊNCIA
Alice Murteira Morgado & Maria da Luz Vale Dias ______________________________________ 121
12.O MODELO DE DIAGNOSTICO PSICOSSOCIAL - A PREPÓSITO DE UM CASO
(UTENTE COM ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL, EM FASE DE RECUPERAÇÃO)
Fátima Quelhas & João Figueiredo ___________________________________________________ 183
13.INTERVENÇÃO GRUPAL EM CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL
Nuno Cravo Barata ________________________________________________________________ 147
14.MEDIDAS DE PREVENÇÃO E ALERGIAS ALIMENTARES
Cátia Lopes & Nuno Rodrigues ______________________________________________________ 154
15.EXPERIÊNCIAS DURANTE O PERÍODO DE ESTÁGIO NA ASSOCIAÇÃO DE PAIS E
AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS (APAE) EM CAMPINA GRANDE/ PARAÍBA/ BRASIL
Clara Lohana Cardoso Guimarães, Clarissa Maria Cardoso Guimarães & João Rogério Dias de Tolêdo
Farias __________________________________________________________________________ 164
16.EXPERIÊNCIAS DURANTE O PERÍODO DE ESTÁGIO NO CENTRO DE ATENÇÃO
PSICOSSOCIAL ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS – CAPS AD - EM CAMPINA GRANDE/
PARAÍBA/ BRASIL
Clara Lohana Cardoso Guimarães, Clarissa Maria Cardoso Guimarães, João Rogério Dias de Tolêdo
Farias & Isabella Lemos Arteiro _____________________________________________________ 175
17.ENVELHECIMENTO E PROJETO DE VIDA: EMOÇÃO E CONSCIÊNCIA DO VIVIDO
Maria de Fátima Fernandes Martins Catão, Kátia Karolina Rodrigues Rocha & Gicelly Pedrosa Cirne
________________________________________________________________________________ 190
18.APRESENTAÇÃO E DIVULGAÇÃO DA PRIMEIRA PLATAFORMA DIGITAL PARA
CUIDADORES INFORMAIS EM PORTUGAL
José Bruno Alves & Ana Ribas Teixeira _______________________________________________ 199
19.ENVELHECIMENTO NA DEFICIÊNCIA OU INCAPACIDADE: ESTUDO
LESIONADOS VERTEBROMEDULARES E SEUS CUIDADORES INFORMAIS
COM
Ana Ribas Teixeira & José Bruno Alves _______________________________________________ 204
20.EL CUIDADOR FAMILIAR: RELACIÓN ENTRE LA INSATISFACCIÓN CON EL
CUIDADO Y LA CARGA
Andrea Vázquez-Martínez, Esperanza Navarro-Pardo, Noélia Flores Robaina & Pedro Fernández de
Córdoba Castellá _________________________________________________________________ 225
21.AVALIAÇÃO DA ANSIEDADE AOS TESTES ATRAVÉS DE QUESTIONÁRIOS DE
AUTORRESPOSTA: QUESTIONÁRIO DE COMPORTAMENTOS FACE A SITUAÇÕES DE
TESTE
Tânia Reis & Maria do Céu Salvador __________________________________________________ 236
11
22.AVALIAÇÃO DA ANSIEDADE AOS TESTES ATRAVÉS DE QUESTIONÁRIOS DE
AUTORRESPOSTA: QUESTIONÁRIO DE PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS FACE A
SITUAÇÕES DE TESTE
Tânia Reis & Maria do Céu Salvador __________________________________________________ 243
23.MANUAIS DE TREINO COGNITIVO COMPENSATÓRIO, PORTUGUÊS: O COGSMART
Ana Paula Couceiro Figueira & Rui Paixão _____________________________________________ 250
24.PROGRAMA DE INTERVENÇÃO NEUROPSICOLÓGICA, PORTUGUÊS: O REHACOG
Ana Paula Couceiro Figueira & Rui Paixão _____________________________________________ 258
25.O QUE PENSAM OS JOVENS-ADULTOS EM IDADE REPRODUTIVA ACERCA DA
DOAÇÃO DE GÂMETAS E DA GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO?
Naír Carolino & Ana Galhardo ______________________________________________________ 269
26.SAÚDE MENTAL E O (RE) ENTENDIMENTO DE UMA REALIDADE VIVIDA
Eliana Nubia Moreira ______________________________________________________________ 277
27.ALTERAÇÕES DO SONO E PROCESSOS DE REGULAÇÃO EMOCIONAL EM ADULTOS
Ana Cristina Neves & Ana Galhardo __________________________________________________ 292
12
Prefácio
Professor Doutor Carlos Amaral Dias
7
8
Foi-me pedido um texto sobre o cruzamento entre a psicologia e a sociedade
contemporânea. Poderia ter como ponto de partida alguns dos meus trabalhos,
nomeadamente sobre o terrorismo, a genética ou a modificação do olhar que lançamos
sobre a sexualidade durante o final do Séc. XX e o princípio do Séc. XXI. Seria, no
entanto, demasiado fácil, coisa que, como sabem não gosto.
Irei pois servir-me de um dos mais importantes psicólogos do Séc. XX, Paul Ekman
para poder refletir sobre a extensão da psicologia em áreas tão importantes como a
deteção de mentir, nomeadamente por polícias ou oficiais de Embaixadas e, portanto,
um importante contributo para percebermos quem se move em espaços públicos ou
quem pode ser um potencial terrorista.
Paul Ekman, que começou por ser reconhecido nos meios académicos pelas suas
investigações sobre a mentira, rapidamente estendeu o seu estudo às emoções em geral,
tendo dedicado as suas mais recentes obras ao estudo global daquelas.
Antes de nos pronunciarmos sobre as questões mais recentes levantadas pelas suas
investigações, convém lembrar que os seus estudos sobre a mentira tiveram
repercussões que foram muito além daquelas enunciadas, por exemplo, na famosa obra
de 1989 “Why Kids Lie”. Senão vejamos. O seu método Facial Action Coding System
(Sistema Codificador de Acão facial) teve incidências em áreas diversas. Ao que parece,
mesmo os melhores mentirosos nem sempre conseguem não deixar escapar micro
expressões faciais, que duram menos de metade de um segundo, e que são
incongruentes com o que está a ser dito por estes ou com o seu estado emocional.
Ekman diz “Não quer dizer necessariamente que [o sujeito] esteja a mentir. É aquilo a
que eu chamo um ‘ponto quente’, um ponto de descontinuidade que merece ser
investigado”.
Paul Ekman ensinou, como aliás já afirmei, polícias e oficiais de embaixadas, entre
muitos outros, a detetar uma mentira através da leitura deste micro expressões faciais. O
treino consiste essencialmente em mostrar fotografias de rostos em poses aparentemente
neutras. Em cada rosto, um micro expressão aparece durante 40 milissegundos e o
aprendiz tem de as identificar imediatamente. As expressões podem ser de medo, raiva,
surpresa, etc. O método de treino fornece resultados rápidos, pois ao fim de umas
sessões obteve resultados altos e melhorias substanciais na identificação da mentira.
Para além do micro expressões, Ekman enuncia outros aspetos que podem também
indicar se uma pessoa está a mentir, como a voz, movimentos das mãos, postura,
padrões de discurso, etc. Quando estes variam da forma habitual do indivíduo de falar e
8
9
gesticular, ou não se encaixam na situação, então estamos perante outro ‘ponto quente’
que deve ser investigado. Por exemplo, quando um indivíduo está a mentir é frequente
usar uma linguagem distante, substituindo pronomes da primeira pessoa por outros na
terceira, criando assim o que Ekman apelida de verbal hedges (cercas ou barreiras
verbais), que permitem adiar um pergunta ou resposta dando tempo ao ‘mentiroso’ para
pensar numa estratégia.
O episódio de Bill Clinton e Mónica Lewinsky é um famoso exemplo de como se pode
facilmente detetar uma mentira aplicando estas técnicas. Diz Ekman: “Toda a gente que
eu treinei de todo o país telefonou-me e disse: ‘Viu o presidente? Ele está a mentir”. O
que denunciou Bill Clinton foi precisamente o uso de uma linguagem distante, pois
referiu-se a Mónica Lewinsky como ‘aquela mulher’ (‘that woman’) enquanto ao
mesmo tempo a sua voz se atenuava no fim da frase.
Como se deve calcular, a repercussão de tais estudos e declarações tiveram um enorme
impacto nos Estados Unidos e não só.
É evidente que Paul Ekman foi influenciado por Darwin, veja-se o livro A expressão de
Emoções no Homem e Animais; aí, Darwin procurou defender que as emoções não são
do domínio exclusivo dos humanos, mas que podem também ser encontradas em outras
espécies, e que muitas das ocasiões que geram emoção nos seres humanos fazem-no
também nos animais. Darwin procurou a razão pela qual uma determinada expressão se
usa ou adequa a uma determinada emoção. A resposta é parte fundamental da
demonstração da sua teoria da continuação da espécie e foi crucial para a teoria da
evolução.
Para responder ao porquê de uma relação entre a situação e a emoção solicitada, que
transcende a espécie humana e se apresenta universal, Darwin propôs três princípios.
- Serviceable habits (hábitos úteis) - ou seja, ações que originalmente tinham uma
função e que foram preservadas como sinais. Por exemplo, o retrair do lábio superior de
um cão para expor os caninos. Inicialmente era visto como uma preparação para o
ataque, hoje é “lido” como um aviso ao mostrar ‘a arma’ que poderá ser utilizada.
- Antithesis (antítese) - Darwin utiliza este princípio para descrever porque um cão se
abaixa e se chega ao chão quando adota uma postura submissa; fá-lo porque é o direto
oposto da pose que tomaria para o ataque.
9
10
Darwin mostrou como estes dois princípios explicam a postura de um homem agressivo
(serviceable habits) e a postura de um homem indefeso (antithesis).
- Direct action of the nervous system (Ação direta do sistema nervoso). Para expressões
que não podiam ser explicadas por nenhum dos princípios anteriores, Darwin invocou
este princípio.
Os múltiplos trabalhos científicos de Paul Ekman que, como vimos, se baseiam em
Darwin, não esgotam, no entanto, tudo o que a espécie humana é capaz de produzir
como respostas emocionais. Ou seja, as investigações permitem explicar até um certo
ponto. Aí o sorriso de Mona Lisa interroga-nos. De onde nasce a ambiguidade da
expressão de Gioconda? Quais as partes da face que exprimem sentimentos de alegria
ou tristeza?
O historiador de arte Ernst Gombrich acreditava ser impossível ter certeza do estado de
ânimo com que nos olha.
Mas qual segredo torna tão mutável a expressão da Gioconda? Esta pergunta gerou rios
de discussões. Em geral, as respostas basearam-se no pressuposto de que a ambiguidade
se deve à técnica do sfumato ("esvaecido" ou, literalmente, "esfumado", em italiano),
que desfoca os cantos dos olhos e da boca dando ao quadro um ar de mistério. Mas
Margaret Livingstone, neurobióloga da Faculdade de Medicina de Harvard, propõe-nos
outras formas de avaliar a misteriosa obra de Leonardo. Uma nova explicação,
publicada na revista Science e baseada nas diferenças da perceção da chamada
"frequência espacial" no interior do nosso olho. Trata-se de uma verdadeira medida de
quanto é detalhada uma imagem: se para cada centímetro quadrado da tela de um
computador há mais pixels (isto é, pontinhos que emitem luz), então a representação do
objeto é mais detalhada. Ou, noutros termos, a frequência espacial é mais elevada.
Quando utilizamos a visão central (mirando diretamente o objeto), apreciamos
sobretudo as imagens nítidas (frequências elevadas), antes das mal definidas, enquanto a
nossa visão periférica é mais apta a perceber os contornos esfumados.
Segundo Livingstone, quando não olhamos diretamente a boca de Mona Lisa,
percebemos a parte "alegre" escondida nas baixas frequências, isto é, no sfumato dos
lábios. Mas, se direcionamos o olhar para os lábios, perdemos uma parte do seu sorriso
e temos a impressão de que a expressão muda.
10
11
Muitos, porém, não consideram definitiva essa explicação, pelo menos até que sejam
mais bem esclarecidos quais os traços do rosto humano que exprimem os sentimentos.
Por exemplo, são os olhos que transmitem tristeza ou alegria? Ou é exclusivamente a
forma assumida pelos lábios que veicula essas emoções?
Para Maria Teresa Cattaneo, psicóloga da Universidade de Milão, que estudou por
muito tempo as expressões faciais, os trabalhos de Kontsevich e Tyler, que tentaram
separar a expressão labial do olhar, apresentaram aspetos sujeitos a crítica: “Outras
experimentações indicam que os observadores olham sempre o todo e jamais um só
elemento particular. O cérebro percorre o esquema da face, não uma parte”.
São estes e outros desafios que a obra de Paul Ekman nos lega e legará, apesar e
também por isso, de balbuciarmos tão só um mundo infinitamente probabilístico e em
que os enigmas, tal como Gioconda, nos continuam a desafiar.
Professor Doutor Carlos Amaral Dias
11
12
Texto de Abertura
Comendador Ruy de Carvalho
12
13
Texto do Actor Ruy de Carvalho escrita opara o 2.º Congresso Nacional Conversas de
Psicologia | 1.ª Conferencia Internacional de Envelhecimento Ativo 1
Como disse Sartre, “só há duas maneiras de acabar a vida, ou livre... ou não!”
Já não é tabu falar-se de velhice, assim como se perdeu o tino e a vergonha de se falar
de tudo, como se, de repente, a opinião tivesse tomado o poder, e o poder da opinião
passasse a ser uma declaração de guerra ao esquecimento e ao medo.
Mas infelizmente, o poder da opinião passou a ser o poder do adormecimento. Não há
nenhum mecanismo da sociedade moderna que nos defenda deste alvoroço antigo, desta
inquietação - inquietação, de que o instinto nos fala de mansinho sobre esta cerimónia
silenciosa do passar dos dias.
Passámos dos dias da mordaça para os tempos de uma democracia, onde todos
participam... menos os mais velhos! Ou porque já trabalharam muito, ou porque
merecem descansar, ou porque não servem para nada... ou ainda porque devem ser
deixados morrer em paz.
No entanto, é neles que se reflecte tudo aquilo que verdadeiramente conquistámos. É
nesta paisagem, em que falamos deles, dos mais velhos, como eu, como se fossem uma
raça em extinção, que damos as mãos numa cerimónia silenciosa, na qual
sistematicamente somos novos e cinicamente perplexos, a sugerir soluções inúteis,
perante o engenhoso e piedoso invento, de que temos todos direito a uma morte digna.
Tenho uma estranha e subtil esperança de que, um dia, não tenhamos que sofrer o que
fizemos aos nossos velhos. É curioso como a sociedade votou parte da sua vitalidade e
paixão, a pintar esta maravilhosa aventura a que chamamos vida, com cores doces e
conciliadoras, criando apetecíveis planos de reforma, sistemas infalíveis de segurança
social e mecanismos de harmonia geriátrica, como quem se sente culpado, e
remotamente põe a questão do eterno retorno. Deus não existe, dirão os cépticos, mas...
e se estivermos enganados?
Meus amigos, todos os sistemas são falaciosos e falíveis, se não existir o amor entre os
homens.
E isto não é uma utopia, é uma verdade que todos nós conhecemos, mas que raramente
pomos em prática. Estamos tão ocupados a servir de motor a esta sociedade, que quando
1
O Actor não esteve presente no evento mas a comissão organizadora decidiu, devido o elevado valor
do texto e do seu autor, solicitar ao mesmo autorização para o publicar.
13
14
nos retirarmos para a nossa ilha predilecta, que na maior parte dos casos, não passa de
um corpo demasiado maduro e exausto, já não temos forças para advertir os jovens.
A morte acaba por premiar uns, eternizando-os, e condenar os restantes outros... (a
esmagadora maioria), matando-os!
É nesse sentido que a maior parte de nós é condenada ao esquecimento sem nenhuma
razão.
Por que será que escolhemos carregar a vida com descuido e com ódio, em vez de o
fazermos com amor e com carinho?
No tema que hoje aqui nos traz, a coisa é muito mais complexa. Ensinaram-nos que nos
deitaremos, um dia, na cama que fizermos ao longo da vida…e nós aceitámos isso como
um dogma da vida.
Mas a verdade é que… no final, o amor que plantámos em vida será igual àquele que
iremos colher na morte.
Aprendemos que o investimento mais seguro é aquele que se faz na família. Isso não é
linear, porque nem sempre os nossos filhos comungam das dores da nossa velhice.
Então, o que é que está mal?
Será o trabalhar uma vida inteira à espera do descanso merecido?
Será o amar e sofrer por um causa, seja ela a família, um país, ou um ideal?
Será o sermos essa tal sociedade anónima que rege a apologia da esperança como um
fantasma inquieto e febril, mostrando sempre o mesmo horizonte visual, o mesmo céu,
onde apenas as nuvens variam, mas onde só elas vivem... inatingíveis?
Afeiçoámo-nos de tal forma ao ridículo da riqueza e da posse dos bens materiais, que
remetemos a nossa velhice para uma boa reforma, um lar de terceira idade capaz, e um
funeral de estadão, se possível com bandas militares e imagens na televisão, e
permitimo-nos a que a nossa família conte os nossos tostões à espera dos sapatos do
morto.
Entre o dia em que nos assumem como velhos, e o dia da partida, fica uma imensa
solidão. Um empurra - empurra do avô para as diferentes casas dos filhos, umas visitas
cada vez mais esporádicas aos lares, uns jogos de cartas no jardim do Príncipe Real, e
um ténue olhar de amor, cada vez mais difuso daquele velho que nada mais tem para dar
do que a sabedoria inerente ao seu estatuto de pessoa vivida e sábia, de quem não se
quer ouvir a opinião, porque é quase sempre crua, dura, mordaz, verdadeira, simples e
definitiva.
É por isso, que não se gosta dos velhos!
14
15
Para um velho nunca há dúvidas sobre quem vai tombar neste ou naquele confronto! Às
vezes com um sorriso desmonta discursos inteiros, naquele minuto em que, ao seu lado,
irrequieto e distante, está o jovem neto, que remotamente se apercebe de quanta
sabedoria trazem aqueles cabelos brancos.
E no entanto... são inseparáveis! Porquê?
Porque o velho tem a serenidade que só o amor contém, e a criança transborda de vida,
daquela vida que ele tão bem conhece e que só deseja viver para proteger quem ama.
Não há avô que não conheça a saudade, que é a memória mais serena do amor.
O amor que une o avô e o neto é um rochedo cravado na terra, imune á acção
destruidora da sociedade atormentada e do tempo. Não é preciso falarem. O silêncio dálhes força, uma força... que se chama respeito mútuo. No olhar de um, o bom senso, nos
olhos do outro, o amigo de cabelo brancos que ele gostava tanto de ter na escola. É aqui
que tudo começa, ou melhor, é aqui que tudo devia começar, porque é ali que as duas
ingenuidades se tocam. O fim de uma vida traz o conhecimento dos caminhos. A
coragem e a amizade, formam um grande laço e um exemplo para todos os outros
poderem viver a paz que nunca conheceram.
A Verdade não se demonstra: afirma-se!
Porque razão temos tanto medo de ser velhos?
Conhecer é um acto supremo.... É importante que se torne visível o respeito que
devemos ter por aqueles que percorreram os caminhos que ainda temos pela frente. O
amor pela vida que um simples velho contém, é uma fonte de esperança renovada, que
pode fazer a diferença entre este mundo dito moderno, e o mundo que poderíamos ter
tido, e não temos, porque não quisemos, ou não conseguimos ter
Se me permitem um último pensamento, queria deixar-vos como tema de meditação a
ideia de que olhar a velhice como um desterro, é tão absurdo como imaginar uma
paisagem sem cor. É por isso que a ciência não satisfaz o homem. A sua área é restrita.
Respeite-se o seu imenso desejo de pesquisa, mas ensine-se-lhe que o sonho a
ultrapassa facilmente, na sua avidez de infinito, de sentimento, de maturidade, de
preenchimento interior.
Magoa ver a velhice como o descanso do guerreiro, ou como a antecâmara da morte. Eu
não o vejo assim...Eu não deixo que isso me aconteça, porque não desisto de viver...de
15
16
trabalhar, enquanto puder...de viver com os mais jovens....gente do meu tempo....com
um pouco menos de idade.
Todos nós, mais dia, menos dia, teremos de atravessar essa ponte pênsil e pouco segura,
com um andar lento... e doloroso, com o olhar velado pela pouca vontade de sorrir e de
dizer coisas bonitas.
Porquê fazê-lo com amargura, se à dor física não podemos fugir?
Porquê fazê-lo com tristeza, apenas porque a falta de força física nos torna pesados.
Porquê fazê-lo sós, se temos tanta gente que nos pode ajudar a caminhar com dignidade
para o outro lado, para a outra margem...
O branco das nossas cabeças, é uma espécie de elegia ao nosso reencontro com a Mãenatureza. De que serve baixar os olhos, se tudo à nossa volta não se cala?
A velhice é um mistério. Mas é dela que se alimentam os poetas... e as mais belas
canções. Um simples cabelo branco contém o maior dos enigmas da criação.
Como fugir a ela, se a sua mão nos persegue, dentro e fora de nós, antes e depois de
tudo? O que fizermos pelos velhos, estaremos a fazê-lo por todos nós.
O que fomos em novos, sê-lo-emos em velhos, e mesmo agora, o que deixarmos de
fazer… e de dizer, faltará, por certo, no futuro.
Muito obrigado
Ruy de Carvalho
(com a prestimosa ajuda da minha filha Paula)
16
17
17
18
PRESCRIÇÃO DE EXERCICIO E PREVENÇÃO DE QUEDAS EM IDOSOS
UMA REVISÃO DA LITERATURA
Liliana Santos Ferreira 1,2 Anabela Correia Martins 1 & Ricardo Pocinho3
1
Instituto Politécnico de Coimbra – ESTeSC Coimbra Health School, Department of
Physiotherapy
2
3
União das Misericórdias Portuguesas, Centro de Apoio a Deficientes – João Paulo II
INTERTECH – Universidade de Valencia
Abstract
Background: Approximately 28-35% of people aged 65 and over fall each year.
Falls lead to 20-30% of mild to severe injuries and are the underlying cause of 10-15%
of all emergency department visits.
Objective: To identify and analyze the effects of physical exercise programs on the
reduction of the risk of falls in adults, living in the community, over the age of 60.
Methods: Studies published in journals indexed in international databases were
included. After consulting two Systematic Reviews Cochrane (2012) and Nice (2013),
10 articles published between 2012 and 2015 were analyzed, not included in these
Systematic Reviews.
Results: In this review the following studies were included: one on strength training,
one on the training of balance and eight on the multicomponent exercise programs. The
multicomponent exercise intervention, composed by strength, endurance and balance
training, seems to be the best strategy to decrease the rate of falls in older adults.
Conclusion: The different exercise programs are effective in preventing falls among the
elderly. The multidisciplinary support is based on the preventive practices of falls and
therefore needs an attitude of shared information between health professionals.
However, more studies are necessary to enable the reproduction and the comparison of
their results.
Keywords: Elderly; Fall; Exercise; Community.
18
19
Resumo
Introdução: Anualmente, a percentagem de idosos com mais de 65 anos de idade que
sofrem quedas, situa-se entre os 28% e os 35%. As quedas correspondem de 20%-30%
dos ferimentos leves e são a causa subjacente de 10% a 15% de todas as consultas nos
serviços de urgência.
Objetivo: Identificar e analisar os efeitos dos programas de exercício na diminuição do
risco de quedas nos idosos, inseridos na comunidade, com mais de 60 anos de idade.
Métodos: Foram utilizados artigos publicados em revistas indexadas em bases de dados
internacionais. Após consulta de duas revisões sistemáticas Cochrane (2012) e Nice
(2013), foram analisados 10 artigos publicados entre 2012 e 2015, não incluídos nestas
revisões sistemáticas.
Resultados: Nesta revisão foram incluídos os seguintes estudos: um relativo ao treino
de força, um relativo ao treino de equilíbrio e oito relativos a programas de treino
multicomponente. A intervenção do treino multicomponente composto por exercícios
de força, de resistência e de equilíbrio, parece ser a melhor estratégia para diminuir a
percentagem de quedas nos idosos.
Conclusão: Os diferentes programas de exercício foram efetivos na prevenção de
quedas nos idosos. O apoio multidisciplinar, baseado na prevenção de quedas requer
partilha de informação entre os profissionais de saúde. Contudo, são necessários mais
estudos que permitam a reprodução e a comparação dos resultados.
Palavras-chave: Idosos; Queda; Exercícios; Comunidade.
Introdução
As quedas são a segunda causa de morte em todo o mundo (OMS, 2012), sendo
responsáveis por 40%, de todas as mortes relacionadas com ferimentos (WHO, 2007).
Anualmente, a percentagem de idosos com mais de 65 anos de idade que sofrem quedas,
situa-se entre os 28% e os 35%, já nos idosos com mais de 70 anos, esta proporção
aumenta para entre os 32% e os 42% (WHO, 2007).
As quedas correspondem a 20-30% dos ferimentos leves e são a causa subjacente de
10% a 15% de todas as consultas nos serviços de urgência. Mais de 50% das
hospitalizações por ferimentos ocorrem entre pessoas com mais de 65 anos de idade
(WHO, 2007).
19
20
Adicionalmente, as quedas nos idosos podem também resultar em síndrome pós-queda,
que inclui dependência, perda de autonomia e imobilização que levarão a restrições nas
atividades e na participação social. Destes idosos, muitos acabam por ser
institucionalizados.
De notar que a ocorrência de quedas tem uma origem multifactorial (Veríssimo, 2014).
A WHO (2007) divide esses fatores em quatro dimensões:
 Fatores biológicos, como por exemplo, a idade, o género, a raça, entre outros.
 Fatores comportamentais, que estão relacionados com comportamentos e ações dos
indivíduos, como por exemplo, a polimedicação, o alcoolismo, o sedentarismo, entre
outros.
 Fatores de risco ambientais, que resultam da interação das condições físicas dos
indivíduos com o ambiente, como por exemplo, as barreiras arquitetónicas.
 Fatores socioeconómicos, que estão relacionados com os níveis de escolaridade e com a
acessibilidade no domicílio.
Prescrição de exercício e prevenção de quedas
A atividade física e o exercício são componentes importantes na prevenção e no
tratamento de várias doenças e problemas que surgem ao longo do processo de
envelhecimento (Hellénius & Sundberg, 2011). A evidência científica publicada
internacionalmente, nomeadamente guidelines gerais e específicas (Global Advocacy
for Physical Activity, 2010), e a promoção da atividade física como uma
responsabilidade da sociedade em geral e dos profissionais de saúde, em particular, são
algunas das medidas para ese efeito. É, por isso, necessário clarificar quem prescreve,
com base em que critérios, que tipo de atividade/exercício e em que contexto deve
acontecer.
A decisão sobre o tipo de programa de atividade física/exercício (individual vs em
grupo) mais ajustado a uma pessoa depende de vários factores, como preferências
pessoais, extensão dos problemas, disponibilidade dos serviços, entre outros. Embora na
perspectiva das agências, dos serviços e dos profissionais, os programas em grupo
sejam continuamente mais eficientes, a evidência sugere que os que incorporam uma
20
21
avaliação e um acompanhamento individualizado, progressivo e seguro conduzem,
ainda, a melhores resultados e benefícios percepcionados pelos indivíduos.
A prescrição, cuidadosa e suportada pela evidência, de um programa para auto
administração também é hoje apontada como uma estratégia capaz de maximizar os
recursos humanos (Australian Commission on Safety and Quality in Health Care, 2008).
Particularmente na prevenção de quedas nas pessoas mais velhas, e de acordo com
Latham, Anderson, Bennett e Stretton (2004) e Wu (2002), os programas menos
efetivos estão frequentemente relacionados com as intervenções em grupo. Este facto
pode ser devido à dificuldade em realizar um programa simultaneamente, motivador e
seguro, em que os exercícios possam ser orientados e modificados para minimizar as
dificuldades e maximizar as capacidades de todos os participantes. Paralelamente, a
auto eficácia no idoso começou a ser vista como um recurso interno capaz de minimizar
os efeitos das incapacidades funcionais que podem afetar o bem-estar e a qualidade de
vida no envelhecimento. No caso do exercício, é completamente seguro que a
autoeficácia seja um determinante consistente na adoção do exercício e na sua
manutenção a longo prazo (Brassington et al., 2002).
Alguns estudos revelam que a literacia em saúde é mais baixa entre a população mais
velha (Baker, Gazmararian, Sudano & Patterson, 2000; Gausman Benson & Forman,
2002), o que pode dificultar a consciencialização para os problemas e a participação nos
programas de atividade física e exercício (Scott, Gazmararian, Williams & Baker,
2002). Segundo os mesmos autores, a literacia em saúde é um preditor mais forte do uso
de medidas preventivas do que o nível de educação ou instrução.
Estas evidências são fundamentais para a conceção e design da intervenção baseada em
prescrição de atividade física ou exercício. Se as pessoas com baixa literacia em saúde
apresentam mais resistência aos programas de exercício, então, material educacional
adequado a essa baixa literacia, como um panfleto intuitivo e pouco dispendioso, com
recomendações simples, ou mais complexas, de atividade física ou exercício,
desenvolvidas e escritas por um especialista deverá apresentar-se como estratégia
coadjuvante do aconselhamento e ensino presencial (Smith et al. 2000; Swinburn et al.
1998; Swedish National Institute of Public Health, 2010).
Nas últimas décadas, a prescrição escrita de conselhos para que doentes e população em
geral se mantenham fisicamente ativos através de atividades ou de programas de
exercício específicos tem sido difundida como uma forma de dar recursos aos cidadãos,
capacitando-os para gerir a sua própria saúde. Green prescription, exercise by
21
22
prescription, proactive healthcare by referral, prescriptions of physical activity e
Physical Activity on Prescription, FaR® são algumas das designações apresentadas na
literatura e apontadas em várias investigações como medidas economicamente
acessíveis de aumentar a atividade e de melhorar a qualidade de vida de determinados
doentes em 12 meses, sem evidência de efeitos adversos (Elley, Kerse & Robinson,
2003; Elley, Arroll, Swinburn, Ashon & Robinson, 2004; Williams, 2009; Umpierre et
al., 2011).
Recomendações para prevenir as quedas e as suas consequências sugerem a
implementação de estratégias standard e estratégias individualizadas adequadas aos
recursos disponíveis, revistas regularmente e monitorizadas, envolvendo a pessoa e o
seu coletivo, formal e informal, cuja finalidade é a sustentabilidade das mesmas
(Australian Commission on Safety and Quality in Health Care, 2012; National Center
for Injury Prevention and Control, 2008).
Particularmente na prevenção de quedas nas pessoas mais velhas, e de acordo com
Gillespie et al. (2012), Latham, Anderson, Bennett e Stretton (2004) e Wu (2002), os
programas menos efetivos estão frequentemente relacionados com as intervenções em
grupo e realizadas em ambientes alheios ao quotidiano. Este facto pode ser devido à
dificuldade em realizar um programa, simultaneamente, motivador e seguro, em que os
exercícios possam ser orientados e modificados para minimizar as dificuldades e
maximizar as capacidades de todos os participantes.
A prescrição de exercício é prioritária, não apenas para a prevenção de quedas, mas das
suas consequências; particularmente, se promover mudanças positivas no equilíbrio e na
mobilidade após a realização de um programa adequado e individualizado, desenhado e
implementado por fisioterapeutas e, sustentado na articulação com outros profissionais e
cuidadores informais (Australian Commission on Safety and Quality in Health Care,
2012; Sherrington et al, 2008; Shubert, 2011).
O presente estudo pretende dar um contributo na avaliação dos efeitos de diferentes
programas de exercício na diminuição do risco de quedas (RQ) em idosos, inseridos na
comunidade, com idades acima dos 60 anos.
22
23
Materiais e Métodos
Foi realizada uma pesquisa, de revisão da literatura, com a finalidade de encontrar
estudos nos quais foi realizada a prescrição de exercício físico para a prevenção do RQ
em idosos.
Foram revistos artigos publicados em revistas indexadas em bases de dados
internacionais. Após consulta de duas revisões sistemáticas: Cochrane Database of
Systematic Reviews (2012) e Nice (2013), foram analisados ainda 10 artigos publicados
entre 2012 e 2015, não incluídos nestas revisões sistemáticas.
A pesquisa foi realizada em fontes eletrónicas da MEDLINE (PubMed), Cochrane e
ELSEVIER. Os termos utilizados na pesquisa foram: Idosos (Elderly), Quedas (Fall),
exercício (Exercise), comunidade (Community). Foram incluídos os artigos publicados
em Inglês, em Castelhano e em Português.
Na Figura 1, podemos visualizar os critérios de Inclusão e de Exclusão da nossa
pesquisa.
Risco de Quedas nos Idosos
Critérios de Inclusão
Critérios de Exclusão
- Estudos de avaliação dos
- Idosos institucionalizados.
efeitos
exercício,
de
programas
de
- Estudos realizados em grupos
diminuição
do
com Condições Específicas de
na
Risco de quedas.
Saúde.
- Idosos inseridos na
Comunidade
Figura 1 – Critérios de Inclusão e de Exclusão
A Figura 2 apresenta o método de pesquisa utilizado na realização deste estudo de
revisão da literatura.
23
24
Datas dos estudos incluídos: 01/ 01/ 2012 até 31/ 04/ 2015
Número de Artigos Identificados na base de dados Pubmed
(N = 176), Cochrane (N = 1) e Elsevier.es (N = 12)
N Total = 189 Artigos
Artigos Excluídos após aplicação dos
critérios de Exclusão N = 179 Artigos
Artigos Incluídos na Síntese Qualitativa
N =10 Artigos
Figura 2 – Método de Pesquisa
Posteriormente foram escolhidos os artigos relacionados com a avaliação dos efeitos do
exercício físico na diminuição do RQ. Destes artigos, foram selecionados os que faziam
parte dos critérios de inclusão.
Resultados
Neste seguimento, foram selecionados 10 estudos que avaliaram os efeitos de
programas de exercício no risco de quedas dos idosos, por corresponderem aos critérios
de inclusão desta revisão da literatura.
Na Tabela 1, podemos visualizar a caracterização dos diferentes protocolos de
intervenção através do exercício físico em adultos idosos com risco de quedas.
24
25
Tabela 1 - Caracterização dos Estudos Incluídos
N
Autores
Carlson
Idade Média
et
al. N = 15
78,1
(2013)
Protocolo de Intervenção
Período/ Follow-up
Flo-Dynamics 8 Semanas
Programa
Resultados/ Quedas
↓ Número de Quedas
Movement
↑ Isocinético da flexão/ extensão do joelho
PMC: TFx+ TF + TE
↑ Equilíbrio e Flexibilidade
(3x/ semana, 30 Minutos)
Llamosas et al.
N = 24
PMC: GE → TFx+ TF + TR + TE 8 Semanas
↓ Número de Quedas
(2014)
70,5
(2x/ semana, 1h)
Follow-up 24 meses
↑Mobilidade, Equilíbrio e SF-36
24 Semanas
↓ Risco de Quedas
GC
Matida
et
al. N = 34 M
66,2
(2012)
Programa Tai Chi Chuan = TE
GE
=
(2x/
24
semanas,
50
↑ Isocinético na extensão do joelho
minutos); GC
McLean
et
(2015)
al. N = 1090
70
PMC: GE → TFx+ TF + TE
15 Semanas
↓Percentagem de Quedas
(1x/ semana, 1h)
Follow-up 18 meses
↑O programa aplicado em mulheres possui
GC
Nogueras et al.
N= 137M
PMC: TF + TFx + TR + CT + TE
(2013)
71,7
(9 meses/ ano, 3x/ semana, +/- 1h)
Palvanen et al.
N = 1314
Programa Multifatorial
(2014)
77,6
MCEP: GE→ TFx + TF + TE +
boa relação custo-efetividade.
5 Anos
↓ Número de Quedas
1 Ano
↓ Número de Quedas
↓ Fatores de Risco
25
26
Av. Médica + Nutricionista +
Modificação em Casa; GC
Pata et al.
N = 35
Programa Pilates
(2014)
74,4
MCEP: TF+ TR + TE
↑Equilíbrio,
(2x/ semana, 1h)
Postural
Pérez-Ros et al.
N = 249
PMC: +/- 1h
(2014)
74,5
GE1:
Educação
8 Semanas
Mensal
↓ Número de Quedas
Mobilidade
e
Controlo
12 Meses
↓ Número de Quedas
24 Semanas
↓ Risco de Quedas (Timed Up and Go)
sobre
prevenção de Quedas + PMC
GE2: Educação Trimestral + PMC
CG: Educação Inicial sem reforço
posterior
Scarpim et al.
N= 20
TF
(2013)
64,5
GE = 3 série, 10-15 repetições,
↑ Fortalecimento Muscular
Iniciar com 50% progredindo para
60-75% da 1RM
(3x/ semana, 1h); GC
Yoo et al.
N = 21M
Programa Otago
(2013)
74,27
PMC = TF + TE (3x/ semana, 1h)
12 Semanas
↓Falls Efficacy Scale
↑Equilíbrio
GE1: Reality-based Otago;
GE2: Otago.
26
27
N Total = 2939
PMC Programa Multicomponente; TF Treino de Força; TE Treino de Equilíbrio; TFx Treino de Flexibilidade; TR Treino de Resistência; TC
Treino de Coordenação; GC Grupo Controlo; GI Grupo Experimental; M Mulheres; ↑Aumento; ↓Diminuição.
27
28
Discussão dos Resultados
Em Portugal, à semelhança de outros países, as taxas de envelhecimento demográfico
têm vindo a aumentar. Neste sentido, a participação regular em programas de exercício
físico é fundamental para diminuir o risco de quedas (RQ).
A prescrição do exercício deverá ser individualizada e progressiva, e com base nas
recomendações para a prescrição do exercício nos idosos (Nelson et al. 2007). A
Swedish National Institute of Public Health (2010) considera os seguintes níveis de
prescrição do exercício:
 No nível 1, são enquadrados os indivíduos com condição específica de saúde já
desenvolvida ou com risco de a desenvolver.
 O nível 2 diz respeito a programas individuais ou em grupo, mas ainda orientados por
profissionais de saúde.
 Nos níveis 3 (em grupo) e 4 (individual) são enquadrados todos os indivíduos com
capacidade para participar em programa regulares de exercício físico, que podem ser
monitorizados por agentes desportivos, sociais, ou outros. A prescrição no nível 4 é
auto-administrada.
Nesta revisão de literatura foram incluídos os seguintes estudos: um relativo ao treino
de força, um relativo ao treino de equilíbrio e oito relativos a programas de treino
multicomponente.
Treino de Equilíbrio
A maior parte dos estudos sobre a efetividade dos exercícios de equilíbrio nos idosos
tem-se focado no RQ.
Matida el al. (2012), após aplicação de um programa de Tai Chi Chuan uma modalidade
de destaque nos programas e exercícios para a terceira idade, obteve melhorias nos
níveis de força muscular avaliada através do dinamómetro isocinético, do equilíbrio e na
diminuição do RQ.
Salientamos que o treino de equilíbrio foi incluído em todos os estudos com programas
de exercício multicomponentes analisados.
28
29
Treino de Força
O treino de força tem merecido, nos últimos anos, uma especial atenção, uma vez que
permite a minimização da perda da massa muscular, da força e da função motora nos
idosos (Huber et al. 2009). Scarpim et al. (2013) mostrou que o treino de força é eficaz
no aumento dos níveis de força muscular e na diminuição do RQ avaliado através do
teste Timed Up and Go.
Na revisão sistemática de Ceccato et al. (2013), refere-se que a maior parte dos estudos
com idosos verificaram um aumento dos níveis de força muscular, independentemente
da velocidade de movimento treinada. Contudo, em relação à potência, alguns autores
afirmam que velocidades de movimento rápidas e lentas são eficientes, enquanto outros
afirmam que velocidade rápida é melhor.
De salientar que o treino de força foi incluído em todos os estudos com programas de
exercício multicomponentes analisados.
Programas Multicomponente
Os programas que envolvem várias componentes, nomeadamente exercícios de força,
resistência, flexibilidade, equilíbrio, entre outros, têm-se mostrado efetivos na melhoria
da condição física dos idosos e, consequentemente na diminuição do RQ.
Herrero et al. (2015), e Cadore et al. (2013), afirmam que as melhorias da capacidade
funcional são mais evidentes quando o programa envolve mais de uma componente,
nomeadamente os exercícios de força, de resistência e de equilíbrio. Isto, quando
comparados com a aplicação de programas de exercício em que é exercitado apenas
uma componente.
Nos estudos com programa de exercícios com multicomponentes foram encontrados
alguns programas específicos, tais como:
 O programa Flo-Dynamics Movement, que foi concebido especificamente para idosos,
consistindo na realização de uma série de movimentos lentos e contínuos destinados a
aumentar a força, a flexibilidade e o equilíbrio (Carlson et al., 2013).
 O programa Pilates, também concebido especificamente para idosos, é constituído por
exercícios de fortalecimento, de resistência e de equilíbrio (Pata et al., 2014).
 O programa Otago, utilizado em idosos é composto por exercícios de fortalecimento,
equilíbrio e caminhada, com recurso a equipamento de projeção (Yoo et al., 2013).
29
30
Palvanen et al. (2014) constataram que a utilização de um programa de exercício com
multicomponentes, em conjunto com uma abordagem multidisciplinar envolvendo o
médico, o nutricionista, o fisioterapeuta e a modificação dos fatores de risco em casa,
são eficazes na diminuição do número de quedas.
Llamosas et al. (2014), McLean et al. (2015), Nogueras et al. (2013), e Pérez-Ross et
al. (2014), também utilizaram nos seus estudos programas de exercício com
multicomponentes.
Segundo Guillespie et al. (2012), NICE (2013), Carlson et al. (2013), Pata et al. (2014),
Yoo et al. (2013), Llamosas et al. (2014), McLean et al. (2015), Nogueras et al. (2013),
Palvanen et al. (2014) e Pérez-Ross et al. (2014) os programas de exercício com
multicomponentes são eficazes na diminuição do RQ.
Segundo Guillespie et al. (2012) os programas para prevenir o risco de quedas parecem
também prevenir a ocorrência de fraturas.
Em suma, todos os programas analisados se mostraram efetivos na diminuição do RQ.
O número total de indivíduos incluídos nos estudos analisados foi de 2939.
O Plano Nacional de Saúde 2012 – 2016 (2012) contempla um objetivo relacionado
com a promoção de contextos favoráveis à saúde ao longo do ciclo da vida. Neste
sentido, a implementação de exercício físico será fundamental para diminuir o RQ nos
idosos.
Conclusões
A prevenção e a melhoria do estado de saúde dos idosos inseridos na comunidade
garantem uma política de envelhecimento ativo.
Todos os estudos analisados foram eficazes na prevenção de quedas nos idosos (Carlson
et al, 2013, Llamosas et al, 2014, Matida et al, 2012, McLean et al, 2015, Nogueras et
al, 2013, Palvanen et al, 2014, Pata et al, 2014, Pérez-Ros et al, 2014, Scarpim et al,
2013 e Yoo et al, 2013).
Os programas de exercício com multicomponentes reduzem significativamente o RQ
(Guillespie et al, 2012, NICE, Carlson et al, 2013, Llamosas et al, 2014, McLean et al,
30
31
2015, Nogueras et al, 2013, Palvanen et al, 2014, Pata et al, 2014, Pérez-Ross et al,
2014 e Yoo et al, 2013).
A avaliação multifactorial, que inclui a avaliação dos fatores de risco, é fundamental na
diminuição das quedas da população idosa (Palvanen et al, 2014). O apoio
multidisciplinar, baseado na prevenção de quedas requer partilha de informação entre os
profissionais de saúde.
Contudo, são necessários mais estudos que possibilitem a reprodução e a comparação
dos resultados.
Bibliografia
Australian Commission on Safety and Quality in Health Care (2008). Windows into
Safety and Quality in Health Care. ACSQHC, Sydney.
Baker, D.W., Gazmararian, J.A., Sudano, J. & Patterson, M. (2000). The association
between age and health literacy among elderly persons. J Gerontol B Psychol Sci Soc
Sci, 55(6):S368-74.
Brassintong, G.S., Atienza, A.A., Perkzec, R.E., DiLorenzo, T.M. & King, A.C. (2002).
Intervention-Related Cognitive Versos Social Mediators of Exercise Adherence in the
Elderly. American Journal Preventive Medicine, 23 (Suppl.2): 80-86.
Cadore E., Rodríguez-Mañas L., Sinclair A., Izquierdo M. (2013). Effects of Different
Exercise Interventions on Risk of Falls, Gait Ability, and Balance in Physically Frail
Older Adults: A Systematic Review. Rejuvenation Research. 16, Nº 2.
Carlson L., Koch A., Lawrence M. (2013). Influence of the Flo-Dynamics Movement
System intervention on measures of performance in older persons. Clinical
Interventions in Aging. 8. 905–911.
Ceccato M., Gurjão A., Prado A., Gallo L., Jambassi Filho J., Gobbi S. (2013).
Treinamento com pesos, velocidade de movimento e desempenho muscular: uma
revisão sistemática. Revista Brasileira Atividade Física e Saúde. 18 (5):536-545.
Elley, C.R., Kerse, N., Arroll, B. & Robinson, E. (2003). Effectiveness of counselling
patients on physical activity in general practice: cluster randomised controlled trial.
BMJ,12;326(7393):793.
Elley, R., Kerse, N., Arroll, B., Swinburn, B., Ashton, T. & Robinson E. (2004). Costeffectiveness of physical activity counselling in general practice. N Z Med
J.,17;117(1207):U1216.
31
32
Gausman, B.J. & Forman, W.B. (2002). Comprehension of written health care
information in an affluent geriatric retirement community: use of the Test of Functional
Health Literacy. Gerontology, 48(2): 93-7.
Gillespie, L.D., Robertson, M.S., Gillespie, W.J., Sherrington, C., Gates, S., Clemson,
L.M. & Lamb, S.E. (2012). Interventions for preventing falls in older people living in
the community. Cochrane Database of Systematic Reviews. Issue 9.
Global Advocacy Council for Physical Activity. (2010). The Toronto Charter for
Physical Activity: A Global Call to Action. International Society for Physical Activity
and Health.
Hellénius, M. & Sundberg, C.J. (2011). Physical activity as medicine: time to translate
evidence into clinical practice. Br J Sports Med, 45:158.
Herrero, A., Cadore E., Velilla N., Redin M. (2015) El ejercicio físico en el anciano
frágil. Una actualización. Revista Española de Geriatría Gerontología. 50, 74–81.
Huber F., Wells C. (2009). Exercícios Terapêuticos – Planeamento do Tratamento para
a Progressão. Luso-didacta, Lda.
Latham, N., Anderson, C., Bennett, D. & Stretton, C. (2004). Progressive resistance
strength training for physical disability in older people. The Cochrane Library, Issue 3.
Chichester, UK: John Wiley and Sons, Ltd.
Llamosas J., Vicente V., Álvarez H. (2014). Impacto de un Programa de Fisioterapia en
las personas mayores, con antecedentes de caídas. Revista de Fisioterapia. 36: (3): 103
– 109.
Matida A., Vianna L., Lima R., Pereira M. (2012). Isokinetic peak torque and body
composition in senior women practicing Tai Chi Chuan. Motricidade. 8, S2. 521–528.
McLean K., Day L., Dalton A. (2015). Economic evaluation of a group-based exercise
program for falls prevention among the older community-dwelling population. BMC
Geriatrics. 15,33.1 –11.
National Center for Injury Prevention and Control. (2008). Preventing Falls: How to
Develop Community-based Fall Prevention Programs for Older Adults. Atlanta, GA:
Centers for Disease Control and Prevention.
National Institute for Clinical Excellence (NICE). (2013). Falls: the assessment and
prevention of falls in older people. NICE clinical guideline.
Nelson M., Rejeski W., Blair S., Duncan P., Judge J., King A., Macera C. Physical
Activity and Public Health in Older Adults: Recommendation From the American
32
33
College
of
Sports
Medicine
and
the
American
Heart
Association.
http://scholarcommons.sc.edu/sph_epidemiology_biostatistics_facpub.
Nogueras A., Arenillas J., Sánchez M., Sánchez R., Iglesias F. (2013). Incidencia de
caídas en mujeres que participan periódicamente en un programa de revitalización
geriátrica. Estudio con seguimiento de 5 años. Revista de Fisioterapia. Vol. 35.
Núm. 04.
Palvanen M., Kannus P., Piirtola M., Niemi S., Parkkari J., Jarvinen M. (2014)
Effectiveness of the Chaos Falls Clinic in preventing falls and injuries of homedwelling older adults: A randomised controlled trial. Injury. 45; 265–271.
Pata R., Lord K., Lamb J. (2014). The effect of Pilates based exercise on mobility,
postural stability, and balance in order to decrease fall risk in older adults. Journal of
Bodywork & Movement Therapies. 18. 361–367.
Pérez-Ros P., Arnau F., Miñana I., Aracil A., Sanchis M., Mera L., Santabalbina F.
(2015). Resultados Preliminares de un Programa Comunitario de Prevención de Caídas:
Estudio Precari (Prevención de caídas en la Ribera). Revista Española de Geriatría y
Gerontología. 49, Issue 4. 179–183.
Physical Activity Guidelines Advisory Committee. (2008). PAGC Report Washington,
DC: U.S. Dept of Health and Human Services.
Plano Nacional de Saúde 2012 – 2016. Objetivo para o Sistema de Saúde - Promover
Contextos Favoráveis à Saúde ao Longo do Ciclo de Vida. http://pns.dgs.pt/,
http://www.who.int/mediacentre. Falls. October 2012.
Scarpim D., Teixeira-Arroyo C. (2013). Effects of strength training for lower limbs in
mobility and risk of falls in the elderly. Revista Educação Física. II, 2. 19–30.
Scott, T.L., Gazmararian, J.A., Williams, M.V. & Baker, D.W. (2002). Health literacy
and preventive health care use among medicare enrollees in a managed care
organization. Med Care, 40(5):395-404.
Sherrington C, Whitney JC, Lord SR, Herbert RD, Cumming RG, Close JC. (2008).
Effective exercise for the prevention of falls: a systematic review and meta-analysis.
Journal of American Geriatric Society, 56(12), 2234-2243.
Shubert, T. (2011). Evidence-Based Exercise Prescription for Balance and Falls
Prevention: A Current Review of the Literature. Journal of Geriatric Physical Therapy,
34 (3), 100-108.
33
34
Smith, B.J., Bauman, A.E., Bull, F.C. et al. (2000). Promoting physical activity in
general practice: a controlled trial of written advice and information materials. Br J
Sports Med 34:262–267.
Swedish National Institute of Public Health. (2010). Physical Activity in the Prevention
and Treatment of Disease. Professional Associations for Physical Activity, Sweden
(http://www.fyss.se)
Swedish National Institute of Public Health. (2010). Physical Activity in the Prevention
and Treatment of Disease. Professional Associations for Physical Activity, Sweden.
Swinburn, B.A., Walter, L.G., Arroll, B. et al. (1998). The green prescription study: a
randomised controlled trial of written exercise advice provided by general practitioners.
Am J Public Health 88:288–291.
Umpierre, D., Ribeiro, P.A., Kramer, C.K., Leitão, C.B., Zucatti, A.T. & Azevedo,
M.J., Gross JL, Ribeiro JP, Schaan BD. (2011). Physical activity advice only or
structured exercise training and association with HbA1c levels in type 2 diabetes: a
systematic review and meta-analysis. JAMA, 305(17):1790-9.
Veríssimo M. (2014). Geriatria Fundamental – Saber e praticar. Lidl Edições – Lisboa.
WHO–Global Report on Falls Prevention in Older Age (2007). WHO Library
Cataloguing-in-Publication Data, Geneva.
Williams, N.H. (2009). "The wise, for cure, on exercise depend": physical activity
interventions in primary care in Wales. Br J Sports Med., 43(2):106-8.
Wu, G. (2002). Evaluation of the effectiveness of Tai Chi for improving balance and
preventing falls in the older population—a review. Journal of the American Geriatrics
Society, 50(4): 746–54.
Yoo H., Chung E., Lee B. (2013). The Effects of Augmented Reality-based Otago
Exercise on Balance, Gait, and Falls Efficacy of Elderly Women. J. Phys. Theraphy.
Sci. 25: 797–801, 2013.
34
35
35
36
ESCALA DE INTENÇÃO E IDEAÇÃO SUICIDÁRIA
Margarida Pocinho1,2 Carlos Amaral Dias2 Marisa Loureiro3 &Vitor Nuno Anjos2,
4
1
Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra
2
Instituto Superior Miguel Torga | Coimbra
3
Laboratório de Bioestatística e Informática Médica, IBILI – Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra
4
Associação Portuguesa Conversas de Psicologia.
INTRODUÇÃO
A maioria dos diagnósticos baseiam-se na avaliação subjetiva da presença de sintomas e
síndromes clínicas. Há maior grau de concordância entre diferentes investigadores,
quando a atribuição do diagnóstico é orientada por critérios operacionais e entrevistas
psiquiátricas padronizadas, possibilitando a comunicação internacional e a comparação
de resultados obtidos em diferentes contextos.
De facto, os instrumentos diagnósticos, os exames subsidiários e as escalas de avaliação
podem transformar-se em medidas extremamente prejudiciais para a clínica e para a
pesquisa, quando submetidas à má utilização por profissionais não treinados, que
desconhecem os conceitos subjacentes ou que ultrapassam, inadvertidamente, seus
limites (Pocinho, 2007)
Para estes últimos, as avaliações padronizadas são simplistas, pois, transformam uma
dimensão clínica num número ou categoria, relegando a segundo plano o julgamento
clínico subjectivo. No entanto parece-nos uma falsa questão, já que qualquer sistema
classificatório, escala de avaliação ou entrevista diagnóstica nada mais é do que uma
teoria (um conceito) e uma tecnologia (um instrumento operacional). De facto, o clínico
que faz sua avaliação de forma não padronizada, baseando-se na sua experiência
profissional e impressão pessoal, utiliza o mesmo referencial teórico que gerou as
entrevistas estruturadas ou semi-estruturadas. A verdade é que as escalas baseadas nos
avanços psicométricos e em critérios de diagnóstico podem oferecer, com um perfil de
efeitos colaterais baixos, uma indicação terapêutica adequada. É o que se pretende com
a criação da Escala Torga de Intenção e/ou Ideação suicidária (ETIIS).
36
37
Escala Torga de Intenção e/ou Ideação suicidária (ETIIS)
A ETIIS foi criada originalmente por Pocinho e Dias em 2005, contudo não foi sujeita a
nenhuma publicação com informação completa acerca da escala para além da tese de
doutoramento de um dos autores, onde foi apresentada. A ETIIS tem sido várias vezes
solicitada para estudos, tendo por isso a autora convidado os dois outros autores deste
artigo para confirmarem os seus dados e proceder a esta primeira publicação, com vista
a uma análise confirmatória com modelos de equações estruturais à posteriori. A ETIIS
é uma escala de heteroadministração, constituída por 11 itens, com duas alternativas de
resposta cotando com um ponto as respostas que revelam intenção e/ou ideação
suicidária e com zero pontos as que não revelam (apêndice).
Para a construção da ETIIS foi, inicialmente, utilizada uma lista de 20 afirmações
gerada por entrevistas realizadas aliadas a outros itens retirados de outras fontes que
resultou num questionário com 35 itens, abrangendo as dimensões: intenção e/ou
ideação suicidária. Entrevistamos, então, 24 indivíduos. Num primeiro momento,
pedimos que apontassem espontaneamente as afirmações que definiam intenção e
ideação suicidária. Não foram sugeridos nenhuns itens pelos entrevistados.
Os itens foram ordenados de acordo com o seu score de impacto. Para reduzir o número
de itens, a fim de compor o instrumento final, foram selecionados os primeiros itens de
score mais alto. Passámos de seguida à análise psicométrica para seleção e redução dos
itens – Análise fatorial (ACP). Administrámos a ETIIS a 600 adultos e fizemos a ACP
dos 15 itens restantes forçando a 2 fatores (intenção e ideação suicida) pelo método
varimax.
Verificámos que 4 dos 15 itens não saturavam com nenhum fator acima de 0,25 e
decidimos retirá-los já que existiam outros itens refletiam o mesmo constructo.
Renumerámos os itens e procedemos a nova ACP. Este último ACP revelou um padrão
de itens distribuídos por dois fatores, apesar dos itens 3 e 5 saturarem em ambos os
fatores. Seguindo as indicações de Bryman e Cramer (1992) optámos pela decisão de os
manter onde mais saturavam, isto é no fator 1, ficando a escala e respetivas subescalas
compostas pelos seguintes itens.
37
38
Tabela 1: ETIIS e respetivas subescalas
Dimensões
Itens
Ideação e/ ou Intenção
suicidária (ETIIS)
{1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11}
Ideação Suicidária (IDS)
[1-6]
Intenção Suicidária (INS)
[7-11]
Para avaliar a consistência interna, recorremos ao coeficiente de Kuder-Richardson, face
ao pressuposto estatístico de que é o coeficiente indicado para avaliar escalas com
níveis de mensuração dicotómica, em especial quando a cotação envolve zero e um
como escala de medida (Pocinho, 2012). Os resultados podem ser observados no quadro
que se segue.
Quadro 1 - Análise da fidedignidade das subescalas do ETIIS – KR20
Dimensões
Itens
Kuder-Richardson
ETIIS
{1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11} 0,846
Ideação Suicidária (IDS)
[1-6]
0,819
Intenção Suicidária (INS)
[7-11]
0,729
Como se pode observar a ETIIS tem elevada consistência interna, embora quando
partilhada pelas duas subescalas perca alguma consistência na subescala intenção
suicidária.
Valores Normativos
Para obtenção de valores normativos passámos a escala a 658 adultos residentes acima
da Cova da Beira, onde o suicídio era residual. Aqui a população apresentou em média
apenas um dos onze sintomas característicos da intenção e/ou ideação suicidária sendo
que mais de metade da população observada não apresenta qualquer sintoma, 25%
apresentam pelo menos um sintoma de ideação enquanto apenas 5% apresentam pelo
menos um sintoma de intenção suicidária.
38
39
Começámos por estabelecer pontos de corte em função do número de sintomas referidos
pela população idosa em geral, considerando que valores superiores a 2 sintomas
discriminavam entre ausência de a presença de intensão e/ou ideação suicida. Contudo a
análise discriminante da função remeteu-nos para o ponto de corte preditivo de 3
sintomas para a ausência de intenção e/ou ideação suicida e superior a 3 sintomas para a
presença daqueles sintomas. Aceitámos o ponto de corte preditivo. Executámos os
mesmos procedimentos para as subescalas intenção suicidária (INS) e ideação suicidária
(IDS) e os resultados foram 2 sintomas para a intenção suicida e 2 sintomas para a
ideação. Assim existe motivo para preocupação se assinalarem 3 sintomas dos 11
disponíveis ou 2 em 6 itens da ideação ou em cinco itens da intensão suicidária.
Referencias:
Bryman, A., & Cramer, D. (1992). Análise de dados em ciências sociais - introdução às
técnicas utilizando o SPSS (Celta). Oeiras.
Pocinho, M. T. S. (2007). Factores socioculturais, depressão e suicídio no idoso
alentejano.
Universidade
do
Porto.
Obtido
de
http://repositorio.ismt.pt/handle/123456789/154
Pocinho, M. T. S. (2012). Metodologia de Investigação e Comunicação do
Conhecimento Científico (1.a ed.). Lidel. Obtido de www.lidel.com
39
40
ESCALA TORGA DE INTENÇÃO E IDEAÇÃO SUICIDÁRIA
Margarida Pocinho & Carlos Amaral Dias (2005)
Vou dizer-lhe algumas frases, quero que responda se elas são verdadeiras ou falsas
V
F
1
0
2 – Se pudesse estava sempre a dormir, que era para não pensar em nada. 1
0
3. Vale a pena viver
0
1
4. Estou cansado (a) da Vida
1
0
5. Às vezes tenho ideias de suicídio
1
0
6. Mais valia estar morto (a)
1
0
7. O suicídio parece-me uma solução possível para acabar com o 1
0
1 – Apetece-me desaparecer daqui para fora
sofrimento
8- Logo que surja a ocasião, vou comunicar a minha intenção de cometer 1
0
um suicídio
9- Converso frequentemente sobre suicídio
1
0
10- Tenho planos para a minha Morte
1
0
11. Tenho planos claros de suicídio, estou só á espera que surja a ocasião 1
0
40
41
41
42
INTERAÇÃO DOS FATORES SOCIOCULTURAIS E DE DEPRESSÃO NA
IDEAÇÃO E INTENÇÃO SUICIDÁRIA DOS IDOSOS
Margarida Pocinho 1
1
Doutora em Saúde Mental e Docente na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de
Coimbra e no Instituto Superior Miguel Torga
Introdução
Para as chamadas sociedades primitivas Africanas, nomeadamente na Nigéria, Uganda e
Quénia, o suicida, mesmo depois de morto, era considerado perigoso, na medida em que
consideravam que o contacto físico com o seu corpo ou mesmo apenas a proximidade,
tinha consequências nefastas entre os membros da família.
As culturas ocidentais sempre viram o suicídio como preocupação e de vários níveis de
aceitação ou sanções. Na Grécia Antiga o suicídio era considerado como uma ofensa
pública ao Estado, por isso era segredo e escondido nas suas comunidades locais e o
corpo muitas vezes mutilado (Minois, 1999; Tondo & Baldessarini, 2000).
Na Roma Imperial, o suicídio era frequente, considerado, muitas das vezes, honroso nos
líderes civis e intelectuais. Cícero (106-43 AC.) condenava o suicídio de uma forma
geral mas aceitava-o como acto de heroísmo, auto sacrifício ou defesa da honra. Muitas
das culturas dominadas pelo Império Romano recorriam ao suicídio para fugir à
humilhação e abusos com esperança de uma reencarnação favorável (Tondo &
Baldessarini, 2000)
Na Europa, na Idade Média, visões mistas sobre o suicídio eram frequentes. Este era
respeitado quando cometido como um ato heróico mas a visão dominante era como um
ato egoísta e criminoso e por isso os cadáveres de suicidas eram sujeitos a desonrosa
mutilação, negados em cemitério públicos ou abandonados nas estradas (Minois, 1999).
O Renascimento trouxe uma reavaliação do suicídio. Dante (1265-1321) apresentou um
duplo padrão: «noble souls», almas nobres (que incluíam poetas, filósofos e alguns
políticos quando cometiam suicídio) iam para o limbo, mas os políticos impopulares
eram McDonald & Murphy, condenados às profundezas do inferno, o que levou a que
muitos suicídios famosos fossem reinterpretados como expressão de convicções
filosóficas. Continuavam a existir condenação mas os intelectuais podiam discutir dois
assuntos mais livremente. Erasmus (1466-1536) considerou o suicídio como forma de
42
43
fugir às preocupações da vida, ainda assim considerava-o como um ato insano (Tondo,
Hennen, & Baldessarini, 2001).
Nos séculos XVII e XIX, em Inglaterra o suicídio era mais frequente entre o povo que
nos aristocratas. Muitos filósofos do séc. XVII e XVIII condenavam o suicídio, mas
alguns descritores reconhecem já a correlação entre o suicídio e a melancolia ou outro
distúrbio mental severo.
Ao longo do séc. XVIII as causas, descritas, da maior parte dos suicídios foram as
doenças mentais. A pressão social para a descriminalização do suicídio, seguida pela
revolução francesa de 1789 permitiu uma nova atitude face ao suicídio (JuanateyDourado, 1994), mas foi só no séc. XIX que o estudo do suicídio que passou a ser visto
como um problema. Na Inglaterra a punição foi abolida em 1870 mas na Irlanda apenas
em 1993.
Saraiva (1999) refere que depois do sexo, talvez o último tabu do final do século XX
seja a morte. Segundo este autor o questionar sobre a morte é um imperativo do homem
desperto, pelo que se compreende que este questionar tenha levado ao aparecimento e
imposição definitiva das novas correntes: as teorias sociais, as teorias comunicacionais,
as teorias psicodinâmicas as teorias cognitivas, as teorias biológicas por fim os modelos
integrais que conjugam as premissas das teorias anteriores para explicar os
comportamentos que levam ao suicídio (Saraiva, 1999).
A OMS definiu suicídio como ato deliberado realizado por um indivíduo que sabe, ou
espera, que este lhe seja fatal (Eurotrials, 2004). No âmbito da Saúde Mental, os atos
suicidários não são raros, já que conta com 10% das causas de mortes dos pacientes
psiquiátricos. A maioria é o resultado de doença psiquiátrica, particularmente distúrbios
do humor, psicotismos ou alcoolismo. Só uma pequena parte são causas de eventos de
vida stressantes.
A visão religiosa do suicídio difere consoante o tipo de religião e tem influenciado a
forma como as sociedades o entendem.
Areal (1999) refere que a solidão é um dos fatores mais importantes para o suicídio, já
que parece ser aquele que focará o indivíduo para uma decisão final e determinante do
ato suicidário. Numa situação de solidão o indivíduo já não tem ninguém com quem
compartilhar as suas angústias e tristezas ficando indefeso à mercê das suas ruminações
sobre o desejo de viver e de morrer.
Um outro conceito de relevante importância no suicídio é o da depressão. São muito
frequentes as insónias nos deprimidos e a privação do sono agrava ainda mais o
43
44
problema. Nos últimos 50 anos, as taxas de suicídio reportadas cresceram 60% em todo
o mundo. Há maior prevalência entre idosos e jovens, sobretudo na Europa e nos
Estados Unidos, mas os países em desenvolvimento também tendem a acompanhar os
índices do primeiro mundo (Pocinho, 2007)
Algumas listas de sinais de aviso de suicídio têm sido criadas num esforço de identificar
e aumentar o encaminhamento de pessoas de risco. No entanto, os sinais de aviso não
são necessariamente factores de risco para suicídio e podem incluir comportamentos
comuns entre pessoas aflitas, comportamentos que não sejam específicos de suicídio. Se
tais listas forem aplicadas de maneira ampla, no ambiente geral de uma classe, por
exemplo, podem ser contraproducentes. Com efeito, esforços indiscriminados de
consciencialização sobre o suicídio e listas de triagem excessivamente inclusivas podem
promover o suicídio como possível solução para o sofrimento comum ou sugerir que
pensamentos e comportamentos suicidas sejam respostas normais ao stress. Devem ser
feitos esforços para evitar normalizar, glorificar ou dramatizar o comportamento
suicida, relatar métodos de como fazê-lo ou descrever o suicídio como solução
compreensível a um evento traumático ou stressante. Abordagens inadequadas
poderiam aumentar potencialmente o risco de comportamento suicida em indivíduos
vulneráveis . (Pocinho, 2007)
O suicídio e as tentativas de suicídio são mais frequentes na idade avançada do que em
qualquer outra fase do ciclo vital. O principal fator de risco é a presença de um
transtorno depressivo que muitas vezes passa despercebido ou é insuficientemente
tratado. Vários são os fatores que podem estar associados ao suicídio: história familiar
de comportamentos suicidários; solidão e isolamento social; dependências (drogas
“ilícitas”, fármacos e alcoolismo); doença terminal ou dor crónica; problemas sociais
(desemprego, profissões de risco ou de elevado desgaste psicológico, etc.).
O objetivo principal deste estudo foi a avaliação do impacto que a interação de fatores
socioculturais e da depressão pode exercer sobre a ideação e intenção suicidária numa
população de idosos.
Metodologia
O protocolo de investigação incluiu os seguintes instrumentos psicométricos:
questionário de Avaliação Sociocultural (QASC); Escala de Depressão Geriátrica
(GDS), Escala Torga de Intenção e Ideação Suicidária (ETIIS); Escala de Solidão
44
45
(UCLA); Questionário de Suporte Social (SSQ); Escala de Avaliação de Qualidade de
Vida (ETAQV). Os dados recolhidos foram inseridos e tratados através do programa
informático SPSS. A amostra em estudo repartiu-se por dois grupos: um grupo de
controlo constituído por 660 idosos, maioritariamente do sexo feminino e com idades
compreendidas entre os 64 e os 74 anos, casados ou viúvos, e cuja escolaridade era, em
média, igual ou inferior ao atual 1.º ciclo do ensino básico; um grupo clínico que era
constituído por 372 idosos alentejanos, maioritariamente do sexo masculino proveniente
do meio rural e sem escolaridade.
Resultados
A solidão e a depressão são as situações problema com maior relevância na população
idosa em geral, com uma prevalência de 39% e 36%, respetivamente. Metade dos idosos
inquiridos (50%) considera que tem uma má qualidade de vida sendo o estado de saúde
e a satisfação com a vida os aspetos que menos lhes agradam. Encontrámos também
uma associação estatisticamente relevante entre depressão, risco sociodemográfico,
intenção e/ ou ideação suicidárias, solidão e qualidade de vida. O relacionamento/ apoio
familiar, a polimedicação, a idade, a tipologia familiar e a escolaridade constituem
variáveis preditoras da variação da depressão, contudo, as variáveis que estão mais
associadas à depressão, na população idosa em geral, são a qualidade de vida (ETAQV)
e a solidão (UCLA), já que este teste diagnóstico regista um aumento mais significativo,
do que no caso anterior, quando estas condições estão presentes. A variável intenção/
ideação suicidária mostrou-se dependente da situação económica percebida, do estado
de saúde e da satisfação com a vida (mais precisamente que, ter uma péssima situação
económica, um mau estado de saúde e ausência de satisfação com a vida associam-se
com a presença de intenção suicidária). O estudo revelou que os idosos alentejanos
diferem, claramente, dos controlos em quase todas as dimensões analisadas, sendo que é
na depressão, na solidão e na qualidade de vida, que talvez esteja a explicação para a
diferença de valores nas taxas de suicídio. Verificámos, também que a intenção e
ideação suicidária se associa a fatores socioculturais, como a religiosidade, a forma
como o idoso vê o suicídio, o relacionamento/ apoio familiar, os antecedentes familiares
de suicídio, os comportamentos suicidários de amigos/ comunidade, as tentativas de
suicídio prévias, a tipologia familiar, o estado civil, a idade, comportamentos suicidários
na comunidade e a escolaridade. A Intenção e/ ou Ideação suicidária (ETIIS) tem uma
45
46
relação linear positiva forte com a depressão (0,694) e moderada com a solidão (0,558),
sendo que estas foram as dimensões que considerámos intrínsecas ao hospedeiro no
nosso modelo explicativo do suicídio.
A intenção e ideação suicidária associam-se aos fatores socioculturais destacando-se a
representação do suicídio e a religiosidade uma vez que a intenção/ideação suicidária
está muito associada à definição do suicídio como resolução nobre para um problema
pessoal e à inexistência de fé ou convicção religiosa). Assim, podemos referir que, em
termos gerais, o suicídio entrecruza aspetos do hospedeiro, ambientais e do agente, e
que, como dimensões intrínsecas ao hospedeiro, podemos identificar a depressão e a
solidão, que têm uma relação linear positiva entre si. As dimensões ambientais são a
satisfação com o suporte social e a qualidade de vida, que também se relacionam
positivamente. Quanto às dimensões que compõem o agente suicidário (o risco
sociocultural e a intenção e ideação suicidária) estas confirmaram-se entre os controlos,
mas diferiram no grupo de idosos alentejanos.
Referências
Areal, F. (1999). (1999). Factores de risco e prevenção do suicídio. Revista de
Psiquiatria Hospital Júlio de Matos, 22(3), 26–36.
Minois, G. (1999). History of suicide: Voluntary death in western culture. Em
Comprehending suicide: Landmarks in 20th–century suicidology. (pp. 13–22).
Washington: American Psychological Association. http://doi.org/10.1037/10406-001
Pocinho, M. T. S. (2007). Factores socioculturais, depressão e suicídio no idoso
alentejano.
Universidade
do
Porto.
Obtido
de
http://repositorio.ismt.pt/handle/123456789/154
Saraiva, C. (1999). Para-suicídio. Coimbra: Quarteto editora.
Tondo, L., & Baldessarini, R. J. (2000). Reduced suicide risk during lithium
maintenance treatment. The Journal of clinical psychiatry, 61 Suppl 9, 97–104. Obtido
de http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10826667
Tondo, L., Hennen, J., & Baldessarini, R. J. (2001). Lower suicide risk with long-term
lithium treatment in major affective illness: a meta-analysis. Acta psychiatrica
Scandinavica,
104(3),
163–72.
Obtido
de
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11531653
46
47
47
48
ESTADOS DE HUMOR E JULGAMENTOS
(Emoções e satisfação com a vida)
Vitor Nuno Anjos, Margarida Pocinho; Alexandra Grasina; João Silva; Luis
Loureiro; Margarida Miranda & Magda Raquel Maia
Introdução
A satisfação com a vida é um fator subjetivo do bem-estar, que por sua vez é uma área
da psicologia que tem crescido muito ultimamente, cobrindo estudos que têm utilizado
as mais diversas nomeações, tais como: felicidade, satisfação, estado de espírito e afeto
positivo (Giacomoni, 2004).
As emoções podem ser induzidas, através do visionamento de um filme alegre ou triste,
ou recordando um evento feliz ou triste do nosso passado, ou recebendo feedback
positivo ou negativo em alguma tarefa, exatamente o tipo de experiências que produz
emoções boas ou más na vida real (J. P. Forgas & Moylan, 1987; J. Forgas, 2009).
A satisfação com a vida pode ser dirigida a uma área específica da vida do sujeito (e.g.
trabalho, família) ou de forma global. Existem três faculdades humanas mentais básicas
da psicologia: cognição (como processamento de informação), motivação e emoção.
Apesar do poder indubitável das emoções, estas foram, durante muitos anos,
negligenciadas como tema de investigação científica. Contudo, através da psicologia,
sabemos que pela alteração da perceção (processo cognitivo) podemos manipular as
nossas emoções. E, ao invés de este ser um poder perigoso, a evidência sugere que a
emoção é uma ferramenta útil e essencial que faz parte da nossa capacidade de resposta
a diferentes situações sociais (J. Forgas, 2009).
Frequentemente, confrontamo-nos, em situações do dia-a-dia, com a necessidade de
fazer julgamentos sociais num curto espaço de tempo, pela nossa perceção acerca de
eventos passados, presentes ou futuros. Emoções positivas estão associadas com
julgamentos optimistas e emoções negativas com julgamentos pessimistas (Joseph P.
Forgas & East, 2008).
Regra geral, as emoções positivas como a alegria, a satisfação e o amor, têm uma
implicação direta com a saúde. Permitem o desenvolvimento cognitivo e
comportamental e a construção de recursos psicológicos e emocionais. As emoções
negativas como o medo e a raiva induzem comportamentos de evitação ou de enfrentar
48
49
ameaça. Sendo o pensar uma fonte de stress psicológico, rever conceitos de forma mais
ampla e encarar os eventos como desafios e não como ameaças, possibilitam respostas
criativas, integradas e oferece uma variedade grande de opções comportamentais, com
criticidade, mas sem preconceitos, medos, fuga ou ambivalências. As emoções positivas
também minimizam a duração e os efeitos tóxicos da excitação emocional negativa
(Fredrickson, 2001; Freitas, 2011).
Sinteticamente, as emoções positivas ampliam o repertório pensamento-ação exercendo
uma função adaptativa em situações percebidas como ameaçadoras e favorecendo o
bem-estar em contraposição às emoções negativas que limitam momentaneamente o
repertório de pensamentos/ações restringindo as opções comportamentais (Fredrickson,
2001).
A satisfação com a vida promove originalidade, colaboração, versatilidade, sucesso,
motivação pessoal e social. Em sentido contrário, a psicologia experimental tem
enfatizado a necessidade de limitar, controlar e evitar estados negativos afetivos (J. P.
Forgas & Moylan, 1987; J. Forgas, 2009).
Nesta investigação pretendemos verificar se os estados de humor desencadeados pelo
visionamento de três vídeos diferentes (um de comédia, outro de drama e outro de
violência) influenciam os níveis de satisfação com a vida dos sujeitos.
Metodologia
Após uma seleção aleatória foram apresentados 3 sketches a 81 indivíduos de ambos
os sexos com conteúdos humorísticos diferentes: drama, violência e comédia. Após a
sua visualização pretendeu-se avaliar se a manipulação de humor das pessoas que os
viram influenciaria a avaliação da sua satisfação com a vida.
O sketch sobre drama, com a duração de 2:59 minutos, consistia na história de um pai
surdo mudo e da sua filha que o rejeitava. Durante uma tentativa de suicídio a filha auto
mutila-se, necessitando de uma transfusão sanguínea. O pai salva-lhe a vida ao ser o seu
dador. No sketch sobre violência, com a duração de 52 segundos, durante uma briga de
rua, um indivíduo agride violentamente outra pessoa na cabeça, deixando-o inanimado
na via pública. Durante o sketch de comédia com a duração de 4:39 minutos, são
visualizadas várias situações engraçadas que surpreendem as pessoas.
No fim do visionamento do filme todos os sujeitos (portanto, de todas as condições)
preencheram a Escala da Satisfação com a Vida – SWLS. Estes tiveram um tempo de
49
50
preenchimento de cerca de 90 segundos. Para avaliar a satisfação com a vida foi
utilizada a Escala de Satisfação com a Vida – SWLS (Diener et al., 1985) validada para
a população português a por Simões (1992). O sketch de drama foi visto por 32 sujeitos,
o de comédia por 24 e o de violência por 25. Em termos de perceção de classe social, 4
sujeitos classificam-se como baixa, 17 média baixa, 54 média e 4 média alta. A idade
média dos indivíduos era de 24,59 e desvio padrão de 9,174 compreendida entre 18 e os
57 anos.
Resultados:
As. Comparações estatísticas realizadas através do teste Anova (F=2,875, p=0,062)
sugeriram que os três grupos eram equivalentes quanto à satisfação com a vida.
Tabela 1 - Estatísticas resumo e resultados da Anova em função do sketch
Sketch:
n.º
𝑥̅
dp
Drama
32
17,31
3,95
Comédia
24
19,96
3,96
Violência
25
17,44
5,39
f
p
PO
2,875
0,062
0,55
Após a transformação de 3 para 2 grupos, testámos as diferenças com recurso a Anova
Os resultados mostram que a satisfação com a vida é influenciada pelo tipo de
sentimentos que pontualmente se experienciam (f=5,811; p=0,018).
Tabela 2 - Estatísticas resumo e resultados da Anova em função do sketch
Sketch:
n.º
𝑥̅
Dp
Negativos
57
17,37
4,59
Positivos
24
19,96
3,96
f
p
PO
5,811
0,018
0,66
No estudo desta relação, verificámos também, através de testes entre (análises
bivariadas e univariadas) e intra grupos (regressão múltipla) se o sexo, a idade e a classe
social influenciavam a satisfação com a vida, contudo os resultados obrigaram-nos a
não rejeitar a hipótese nula (p>0,05), permitindo-nos concluir que a influência dos
50
51
sentimentos provocados pela visualização dos filmes e a satisfação com a vida se deve a
esta relação e não à interferência das variáveis supramencionadas.
Discussão
Sabendo que as emoções podem ser induzidas, segundo (Forgas & Moylan, 1987;
Forgas, 2009) através do visionamento de um filme alegre ou triste, ou recordando um
evento feliz ou triste do nosso passado, ou recebendo feedback positivo ou negativo em
alguma tarefa (Forgas, 2009), exactamente o tipo de experiências que produz emoções
boas ou más na vida real, o presente estudo compreendeu uma tentativa de mapear os
efeitos associados à manipulação das emoções na satisfação com a vida. Os dados
apresentados sugerem que a exposição a sentimentos negativos leva a uma menor
satisfação com a vida.
Os resultados obtidos estão em consonância com alguns achados disponíveis na
literatura, sugerindo o aumento marginalmente significativo para a satisfação com a
vida em relação ao envolvimento (Forgas, 2009). No entanto, estávamos expectantes
que as influências teriam uma maior significância nos resultados enquanto os três
grupos da amostra estavam separados, o que não sucedeu. Tal só surgiu aquando se
passou a ter apenas dois grupos e ai os resultados vão de encontro ao que “Forgas e
Moylan (1987)” experienciaram e que nos serviu de base para esta pesquisa.
É de salientar que em psicologia, uma parte substancial dos estudos de satisfação com a
vida surge associada aos estudos teóricos do sentido da vida e inclusivé do bem-estar
subjetivo. Estas teorias têm subjacente o pressuposto de que o sentido da vida pode de
facto ter influência, positiva ou negativa, na saúde mental dos indivíduos e são
indissociáveis da satisfação com a vida. Sabemos, no entanto, que pela alteração da
perceção, podemos manipular as nossas emoções. E, ao invés de este ser um poder
perigoso, a evidência sugere que a emoção é uma ferramenta útil e essencial que faz
parte da nossa capacidade de resposta a diferentes situações sociais (J. Forgas, 2009).
A título de exemplo relativamente à satisfação com a vida, é habitual afirmar que a
pessoa experimenta em situações de dificuldade e vulnerabilidade três tipos de
determinantes ou “pesar” relacionados diretamente com a satisfação com a vida. Pesar
em relação ao passado (perceção de não ter realizado as suas aspirações), e mais pesar
em relação ao futuro (a pessoa percebe a sua impotência para realizar os objetivos
futuros). A terceira determinante refere-se ao significado atribuído à finitude.
51
52
As determinantes estão relacionadas com a extensão com que um indivíduo pondera ou
contempla as dificuldades no quotidiano, tornando-o assim saliente.
a) Ativando diretamente sentimentos de pesar e pensamentos relativos ao
significado da vida;
b) Afetando as determinantes, nomeadamente modificando as crenças da pessoa
em relação a si e ao próprio mundo;
c) Ativando um vasto conjunto de mecanismos de coping, incluindo os
processos de revisão de vida, planeamento de vida, identificação com a cultura e
processos de auto transcendência.
Neste caso pode observar-se que os filmes, consoante a tipologia, conseguem despertar
nos indivíduos diferentes emoções que são fundamentais na manutenção do equilíbrio e
saúde mental dos indivíduos. Emoções positivas estão associadas com julgamentos
optimistas e emoções negativas com julgamentos pessimistas (Joseph P. Forgas & East,
2008). Ainda que a experiência esteja confinada ao âmbito laboratorial, pode observarse, por exemplo, a importância que as atividades de entretenimento e lazer têm na
experimentação de emoções positivas.
Será que a amostra deveria ter sido, anteriormente ao visionamento dos, exposta de
igual forma a um estímulo neutro? Será que o facto de ter sido feito em salas diferentes,
por cada grupo, teve influência nos resultados obtidos? Será que pelo facto de serem
alunos da mesma escola condicionou o estudo? Será que deveriam os durar mais tempo
e provocar uma maior influencia nos estados de humor? Todas estas são questões que
gostaríamos de comprovar em futuras pesquisas. Futuros estudos devem centrar-se no
controlo de muitas variáveis relevantes, nomeadamente constituir-se um verdadeiro
grupo experimental, incluindo grupo de controlo e observação pré e pós teste. É de
salientar que deve-se incluir grupos mistos de intervenções de modo a controlar o efeito
das determinantes individuais sobre o tratamento.
Referências
Forgas, J. (2009). Think Negative! Can a bad mood make us think more clearly?
Australian
Science,
30(10),
14–17.
Obtido
de
http://www.control.com.au/bi2009/bi310.php
Forgas, J. P., & East, R. (2008). How Real is that Smile? Mood Effects on Accepting or
52
53
Rejecting the Veracity of Emotional Facial Expressions. Journal of Nonverbal
Behavior, 32(3), 157–170. http://doi.org/10.1007/s10919-008-0050-1
Forgas, J. P., & Moylan, S. (1987). After the Movies: Transient Mood and Social
Judgments.
Personality
and
Social
Psychology
Bulletin,
13(4),
467–477.
http://doi.org/10.1177/0146167287134004
Fredrickson, B. L. (2001). The role of positive emotions in positive psychology. The
broaden-and-build theory of positive emotions. The American psychologist, 56(3), 218–
26.
Obtido
de
http://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.fcgi?artid=3122271&tool=pmcentrez&
rendertype=abstract
Freitas, T. C. C. C. de. (2011). Meditação Mindfulness para Promoção de Coping e
Saúde Mental : Aplicação clínica e em presídio. Pontifícia Universidade Católica de
Goiás.
Giacomoni, C. H. (2004). Bem-estar subjetivo: em busca da qualidade de vida, 12(1),
43–50.
Simões, A. (1992). Ulterior validação de uma escala de satisfação com a vida (SWLS).
Revista Portuguesa de Pedagogia, (3), 503–515.
53
54
54
55
VELHICES, TERRITÓRIOS E CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA: PERCURSOS,
ENCRUZILHADAS E DESVIOS
Marcia Regina Medeiros Veiga, CEIS20/iii/UC, CAPES/Brasil; Sónia Cristina
Mairos Ferreira, FPCEUC, CEIS20/iii/UC; António Manuel Rochette Cordeiro,
DPGEO/FLUC,
CEIS20,iii,UC
&
Monalisa
Dias
de
Siqueira,
PPGGeronto/UFSM/Brasil
Resumo
Buscamos, com esta comunicação, refletir sobre a importância dos territórios como
referenciais para a construção identitária dos sujeitos na velhice. Nossa base reflexiva
foi construída a partir de observações/descrições do território conhecido como “Alta”,
no casco histórico de Coimbra, Portugal, e entrevistas e conversas informais com 12 de
seus residentes com idades entre os 69 e os 92 anos.
Palavras-chave: Velhices, Territórios, Identidades.
Abstract
We seek, with this communication, reflect on the importance of the territories as
references for the identity construction of subjects in old age. Our reflective base was
built from observations/descriptions of the territory known as "High", in the historical
center of Coimbra, Portugal, and interviews and informal conversations with 12 of its
residents aged between 69 and 92 years.
Keywords: Old Ages, Territories, Identities.
Introdução
Esta comunicação tem por objetivo refletir sobre a importância dos territórios para a
construção identitária dos sujeitos – homens e mulheres – na(s) velhice(s).
Para algumas pessoas, esta fase da vida caracteriza-se pela perda de referenciais
importantes, o que reflete diretamente na construção de suas identidades e na imagem
que projetam de si próprias. As possíveis restrições na mobilidade de certas pessoas
idosas, quer por limitações individuais, quer por problemas encontrados em muitos
55
56
territórios, acabam por transformar os territórios onde residem – a casa, a rua, o bairro –
em
principais referenciais de sua construção identitária e de seu posicionamento
enquanto ser social, indivíduos singulares, inseridos em uma coletividade.
As reflexões aqui propostas têm como fio condutor as observações e descrições
realizadas no território da “Alta” do centro histórico de Coimbra, cidade centrolitorânea de Portugal, e as entrevistas e conversas informais realizadas com 12 pessoas
(11 mulheres e 1 homem), residentes no território em questão, com idades
compreendidas entre os 69 e os 92 anos2. Também buscamos uma sustentação teóricoconceitual a partir da definição das categorias-chave para esta discussão,
nomeadamente: velhices, territórios, identidades e memórias.
Conceptualização
Com o intuito de pautar e referenciar as discussões aqui levantadas, iniciamos com uma
necessária conceptualização das categorias que elegemos como basilares para este
diálogo.
A primeira destas categorias é(são) a(s) velhice(s). Embora só recentemente a(s)
velhice(s) tenha(m) ganho estatuto de categoria social (Debert, 1999), atualmente é
consensual, tanto no meio académico quanto no senso comum, sua definição como um
construto multidimensional, ou seja, é(são) vivida(s), sentida(s), significada(s) e
ressignificada(s) a partir de dimensões biológicas, psicológicas, sociais e culturais
(Veiga et al., 2014). Além disso, é ainda uma categoria relacional, que não prescinde de
outras categorias, como sexo/género; etnia; idade/geração; classe social; nível de
escolaridade, por exemplo (Debert, 1999).
O conceito de territórios, por sua vez, é compreendido, aqui, a partir de uma abordagem
crítica, política e transformadora da geografia, que entende os territórios como cenários
e atores dos movimentos (de ideias, mercados, capitais, pessoas) e das relações
quotidianas (as territorialidades) (Saquet, 2011), dos quais são, concomitantemente,
produtos e produtores. Possuem, ao mesmo tempo, uma dimensão cultural e simbólica
(enquanto lugares) e uma dimensão política (Souza, 2001).
2
Este exercício reflexivo está ancorado em uma investigação mais ampla, em desenvolvimento, de
caráter interdisciplinar, que objetiva identificar e analisar as interdependências das relações
velhices/territórios, a partir dos eixos de mobilidade, acessibilidade e sociabilidade, em quatro tipologias
territoriais do concelho de Coimbra. A “Alta” é um destes territórios (Veiga et al., 2014; Veiga et al.
2014a).
56
57
Relativamente às identidades, estas podem ser associadas a dimensões individuais, a
partir das quais surgem os conceitos e as imagens que construímos de nós próprios
(Jacques, 1998), e a dimensões sociais, que dizem respeito à pertença a determinadas
coletividades sociais (Bauman, 2005). Ambas, entretanto, são relacionais, construídas
em processos permanentes de experiências e trocas com os outros (Brandão, 1990),
sendo constituídas a partir da dialética diferenças-igualdades (Jacques, 1998).
A construção identitária, em sua dimensão relacional, pode ser comparada a um jogo de
espelhos em que a imagem refletida pelo sujeito é absorvida e (re)interpretada pelo(s)
outro(s), que a devolve(m) ao sujeito original, que dela se reapropria, ressignificando-a.
(Viegas e Gomes, 2007: 11-12)
As memórias são elementos fundamentais no processo de construção identitária. Para
Bosi (2004), as “memórias-lembrança” – em oposição às “memórias-hábitos” – são,
para as pessoas idosas, as mais significativas. Recuperando o raciocínio de Halbwachs,
Bosi (2004: 60) argumenta que as lembranças, para os sujeitos velhos, representam as
substâncias de suas próprias vidas, no presente. Diferentemente, para os adultos jovens,
as lembranças representam um momento de “fuga, arte, lazer, contemplação”, um certo
distanciamento proposital – e até necessário, enquanto válvula de escape – das
atividades quotidianas do presente.
Contextualização
Como anteriormente mencionado, o contexto territorial destas reflexões é a “Alta”3 do
centro histórico de Coimbra, tendo como sujeitos, os idosos e idosas – pessoas com 65
ou mais anos – que lá residem.
Tendo originado a cidade de Coimbra, a “Alta” – em sua versão moçárabe, “Almedina”
– é, ainda hoje, marcada por esta origem, quer pelos traçados sinuosos de suas ruas
estreitas, quer pelas suas construções, grande parte construída bem antes do início do
século XX4, quer, ainda, pela hierarquização, hoje não mais associada à realeza e à
nobreza, mas sim à sua Universidade5.
3
A “Alta” foi escolhida como um dos territórios de investigação – assim como os três demais: zonas da
Solum, Casal do Lobo e Botão – por suas especificidades, tanto territoriais, quanto populacionais. A zona
da Solum constitui-se em uma nova centralidade, com acentuado desenvolvimento a partir das décadas
finais do século XX e iniciais deste século; as demais regiões – Botão e Casal do Lobo –, destacam-se por
suas características próximas ao rural (Veiga et al.. 2014, Veiga et al, 2014a; Veiga et al., 2015).
4
Segundo dados da Base Geográfica de Referenciação de Informação – BGRI – relativa aos Censos 2011
do Instituto Nacional de Estatística português – INE –, 45,12% dos prédios da “Alta” foram construídos
57
58
Em termos populacionais, é um território bastante envelhecido: cerca de 32% de
seus/suas moradores/as têm idade igual ou superior aos 65 anos. Destes, mais da metade
– 68,04% - são mulheres. A escolaridade da população idosa da “Alta” pode ser
considerada baixa: apenas 8,61% desta população tem formação superior. Em
contrapartida, 68,84% possui apenas o 1° ciclo (BGRI/INE, 2011). Muitos vivem sós,
necessitando de auxílio de instituições governamentais, como a Câmara Municipal,
Instituições Particulares de Solidariedade Social – IPSS, ou apoio voluntário. A grande
maioria vive na “Alta”, em média, há 50 anos (Veiga et al., 2015), sendo que grande
parte tem sua mobilidade e locomoção reduzidas, quer por limitações funcionais,
próprias de algumas pessoas em idade avançada; quer por algum tipo de patologia; ou,
ainda pelas dificuldades de mobilidade encontradas no território, como grandes
declives, muitas escadarias no entorno, calçamento precário, em desnível e
escorregadio. Tais limitações acabam por transformar o território – especialmente a
casa, mas também a rua e a vizinhança – num importante – talvez principal – referencial
da construção identitária destes/as idosos e idosas.
Constatações, Reflexões e Considerações Finais
Das 12 pessoas que participaram da pesquisa – 11 mulheres e 1 homem –, residentes no
território da “Alta”, apenas uma, casualmente o único homem participante, lá reside há
menos de 40 anos – neste caso, há apenas quatro anos. Destas mesmas 12 pessoas,
apenas três vivem acompanhadas, sendo que as demais vivem sós.
Embora o território da “Alta” apresente-se muitas vezes hostil, em termos de
acessibilidade e mobilidade, sendo frequentes os relatos de quedas, e que a grande
maioria das habitações esteja em condições precárias e sem os padrões de acessibilidade
e habitabilidade adequados, a grande maioria das pessoas participantes manifesta um
grande apego às suas casas e ao território da “Alta”. Este apego, entretanto, é
comumente justificado por relatos de um passado remoto, quando a casa era co-habitada
pelos filhos/as, maridos e até mesmo netos/as, mesmo que esta co-habitação nem
sempre fosse pacífica. Tuan (1980: 107) denomina este fenómeno – o apego ao
antes de 1919. A BGRI é uma base geográfica de grande escala, tendo o quarteirão como nível máximo
de desgregação (Geirinhas, 2011).
5
A Universidade de Coimbra é uma das mais antigas universidades do mundo – a mais antiga do país –,
tendo, este ano, completado 725 anos. Em junho de 2013, a Universidade foi reconhecida, pela
Organização das Nações Unidas para a educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO –, como Património
da Humanidade.
58
59
território – de topofilia, associando-o aos “sentimentos que temos para com um lugar,
por ser o lar, o locus de reminiscências e o meio de se ganhar a vida”.
Os relatos também convocam para uma época em que a “Alta” possuia uma rede de
comércios e serviços bastante funcional, atualmente evadidos para novas centralidades
da cidade, dando espaço à atual configuração da Universidade. As modificações do
espaço e da vizinhança, ora muito marcada por estudantes residentes em moradias
coletivas e pela grande afluência de turistas, representam um conflito identitário, um
estranhamento em relação ao que reconhecem como “seu” território, fragilizando, de
certa forma, seu sentimento de pertença.
A atual degradação e o envelhecimento da “Alta” também é um fator de
constrangimentos aos seus/suas moradores/as idosos/as, que se sentem, algumas vezes,
segregados e abandonados – principalmente pelo poder público, o que se reflete na
imagem que criam e projetam de si mesmos/as.
As identidades estão calcadas, invariavelmente, no passado, de onde são evocados os
papéis sociais outrora desempenhados no mundo do trabalho, no mundo social e na
esfera familiar, sendo os territórios elementos
fundamentais nesta evocação,
representando um referencial importante nas suas autorrepresentações.
Também é possível observar que, apesar de a sociabilidade estar muitas vezes
comprometida ou fragilizada pela distância – ou mesmo perda – dos familiares e dos
amigos mais próximos, estes permanecem como sendo os principais referenciais
relacionais identitários.
A construção identitária na(s) velhice(s), assim, pode ser compreendida como um
processo complexo. A(s) velhice(s) não é(são) uma categorização que os/as defina
enquanto pessoas. Suas identidades são frequentemente construídas a partir das
memórias de um passado distante, muito associado ao território onde vivenciaram e
compartilharam os momentos mais significativos e marcantes de suas vidas.
Referências
Bauman, Z. (2005). Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
Bosi, E. (2004). Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. 3ª ed. São Paulo:
Compahia das Letras.
Brandão, C.R. (1990). Identidade e Etnia: Construção da Pessoa e Resistência
Cultural. São Paulo: Brasiliense.
59
60
Debert, G.G. (1999). “A construção e a reconstrução da velhice: família, classe social e
etnicidade”. In: Neri, A.L. e Debert, G.G. (orgs.). Velhice e Sociedade. Campins, SP:
Papirus, 41-68.
Geirinhas, J. (2001). “Conceitos e Metodologias – BGRI – Base Geográfica de
Referenciação de Informação”. In: Revista de Estudos Regionais. Lisboa, 2º semestre de
2001.
Jacques, M.G.C. (1998). “Identidade”. In: Jacques, M.G.C., Strey, M.N., Bernardes,
N.M.G., Guareschi, P.A., Carlos, S.A. e Fonseca, T.M.G. Psicologia Social
Contemporânea – Livro-Texto. Petrópolis: Vozes, 159-167.
Saquet, M. (2011). Por uma Geografia das Territorialidades e das Temporalidades:
Uma
Concepção
Multidimensional
Voltada
para
a
Cooperação
e
para
o
Desenvolvimento Territorial. São Paulo: Outras Expressões.
Souza, M.J.L de. (2001). “O território: sobre espaço e poder. Autonomia e
desenvolvimento”. In: Castro, I.E. de; Gomes, P.C. da C.; Corrêa, R.L. (Orgs.).
Geografia: Conceitos e Temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 77-116.
Tuan, Y-F. (1980). Topofilia: Um Estudo da Percepção, Atitudes e Valores do Meio
Ambiente. São Paulo: Difel.
Veiga, M.R.M.; Cordeiro, A.M.R; Ferreira, S.C.M. (2014). “Territorialidades
Educadoras na Construção de Velhices com Qualidade”. In: Revista Saber e Educar, 19:
Educação e Trabalho Social, Lisboa, 116-127.
Veiga, M.R.M.; Cordeiro, A.M.R; Ferreira, S.C.M. (2014a). “Velhices e Territórios:
Uma Reflexão sobre Saúde e Qualidade de Vida dos Idosos a partir dos Territórios”. In:
International Journal of Developmental and Educational Psychology – INFAD –
Revista de Psicología, n° 2, v. 1, Badajoz, Espanha, 97-103.
Veiga, M.R.M.; Ferreira, S.C.M; Cordeiro, A.M.R.; Siqueira, M.D. de. (2015).
“Velhices (vulneráveis?) e(m) Territórios (de risco?): Um Estudo sobre as Relações
entre Velhices e Territórios na “Alta” do Centro Histórico de Coimbra, Portugal”.
Memória do IV Congreso Latinoamericano de Antropología, Cidade do México.
Viegas, S. de M.; Gomes, C.A. (2007). A Identidade na Velhice. Coleção Idade do
Saber, n° 7, Lisboa: Ambar.
60
61
61
62
O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO HUMANO SOB O OLHAR DO
IDOSO. A REALIDADE DO CONCELHO DA COVILHÃ.
Fátima Quelhas Figueiredo
Enfermeira, Mestre em Gerontologia Social | Centro Hospitalar Cova da Beira Hospital Pêro da Covilhã
Resumo
Esta investigação tem como questão central o processo de envelhecimento na perspetiva
do idoso do concelho da Covilhã. Realizou-se um estudo que se situa-se numa
abordagem de triangulação dos modelos quantitativos e qualitativos. Concluiu-se que o
idoso tem um conhecimento sumário e encara as suas transformações com preocupação
e alguma resignação.
Palavras - chave: Idoso; Processo de Envelhecimento Humano; Qualidade de Vida
Abstract
This research has as a central issue the aging process at perspective of the elderly of the
county of Covilhã. We conducted a study that is located in a triangulation approach to
quantitative and qualitative models. It was concluded that the elderly have a summary
knowledge and faces its transformations with concern and some resignation.
Keywords: Elderly; Aging Process Human; Quality of Life.
Introdução
O envelhecimento foi, desde sempre, motivo de reflexão do ser humano. Porém, ao
longo do tempo, o conceito de envelhecimento e as atitudes perante o idoso têm vindo a
mudar refletindo, por um lado, o nível de conhecimentos sobre fisiologia e anatomia
humana, por outro, a cultura e as relações sociais de cada época. Tornou-se um
fenómeno muito mais relevante nas sociedades desenvolvidas, devido à sua implicação
na esfera socioeconómica, para além das modificações que refletem a nível individual, e
em novos estilos de vida.
62
63
O envelhecimento tem sido analisado sob duas grandes perspetivas: a individual e a
demográfica. A nível individual, o envelhecimento assenta na longevidade dos
indivíduos, ou seja, no aumento da esperança média de vida. Subjacente a este conceito
está o envelhecimento biológico, que na comunidade médica geralmente se define
como, a alteração progressiva das capacidades de adaptação do corpo conduzindo,
consequentemente, a um aumento gradual de determinadas patologias crónicodegenerativas, que podem precipitar a incapacidade ou o fim da vida. Ainda neste
contexto, podem verificar-se alterações a nível psicológico, dado que os idosos estão
também sujeitos a problemas externos, podendo estes desencadear perturbações mentais
ou comportamentais.
O envelhecimento demográfico, por seu turno, define-se pelo aumento da proporção das
pessoas idosas na população total. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística
(INE), as projeções das Nações Unidas (NU) para a população mundial referem que a
proporção de jovens continua a diminuir, alcançando os 21% do total da população em
2050. Contrariamente, a proporção da população com 65 anos ou mais tende a crescer,
aumentando para 15,6% no mesmo ano. Este aumento resulta da transição demográfica,
definida como passagem de um modelo demográfico de fecundidade e de mortalidade
elevadas, para um modelo em que ambos os fenómenos atingem níveis baixos,
originando o estreitamento da base da pirâmide de idades, com redução dos efetivos
populacionais jovens, e do alargamento do topo, com o aumento de efetivos
populacionais idosos.
“O crescimento populacional dos idosos é decorrente das conquistas
tecnológicas e da medicina moderna, que produziram ao longos dos últimos
anos, meios que tornaram possível prevenir, diagnosticar e curar muitas
patologias fatais no passado, aumentando assim a esperança de vida, e
consequentemente, reduzir a taxa de mortalidade verificada na maioria dos
países, principalmente daqueles considerados subdesenvolvidos. Aliado a este
fator temos a redução das taxas de natalidade e a queda da mortalidade infantil,
conduzindo a um aumento da proporção de adultos” (Imaginário, 2008,p10).
O crescimento do número de idosos “sobretudo nos países desenvolvidos pôs em
evidência a problemática relacionada com a velhice, tanto do ponto de vista médico,
quanto socioeconómico”. A questão ganhou assim, nova relevância entre as
preocupações dos poderes políticos, da sociedade e dos meios científicos, aparecendo
como um dos desafios mais importante do século XXI. Atendendo a esta pertinência,
63
64
este tema tem vindo, nos últimos anos, a tornar-se um grande problema social, em
grande medida, devido à evolução sociodemográfica, a que se assiste no mundo
ocidental. Pareceu-nos importante estudar o auto conhecimento do processo de
envelhecimento e a sua influência na qualidade de vida (QDV), contribuindo para uma
avaliação das políticas sociais e da atuação junto dos idosos, no campo da gerontologia
social em ordem a um envelhecimento bem-sucedido.
O envelhecimento faz assim parte da lei universal da vida, na qual se insere o ciclo
biológico do nascimento, crescimento/desenvolvimento e morte. Podemos defini-lo
como um processo de diminuição orgânica e funcional, não resultante de acidente ou
doença e que acontece inevitavelmente com o passar do tempo. Significa isto que, o
envelhecimento não é em si uma doença, embora possa ser agravado ou acelerado por
ela. O envelhecimento não deve ser observado como algo estático ou compartimentado,
mas encarado como o resultado de um jogo de forças em que o Homem, unidade
mente/corpo, segue uma evolução com importantes implicações biológicas, psicológicas
e sociais.
A escolha deste tema não é de todo acidental, mas sim fruto de uma prática profissional,
de 24 anos de trabalho, enquanto enfermeira, na área dos cuidados diferenciados, onde
os utentes são maioritariamente idosos.
A reflexão sobre esta realidade permite-nos formular duas questões de partida para a
orientação deste estudo:
– Qual a opinião dos idosos do Concelho, acerca do seu processo de envelhecimento?
– Será que o conhecimento acerca desse processo faz parte de uma aprendizagem para
um envelhecimento bem-sucedido?
Destas questões decorre a necessidade de definir o objetivo geral que pretendemos
alcançar - conhecer a opinião do idoso do Concelho da Covilhã, acerca do seu processo
de envelhecimento, e a influência desse conhecimento na sua qualidade de vida.
Tendo como fio condutor as questões de partida, bem com o objetivo geral, traçamos os
seguintes objetivos específicos, que norteiam a investigação:
I.
Saber se a qualidade de vida do idoso está dependente do seu conhecimento
acerca do processo de envelhecimento;
II.
III.
Conhecer os principais medos do idoso acerca do processo de envelhecimento;
Identificar algumas estratégias e alguns meios para um envelhecimento bemsucedido.
64
65
A orientação metodológica deste estudo situa-se numa abordagem de triangulação dos
modelos quantitativos e qualitativos.
Utilizou-se como instrumento de colheita de dados um questionário sócio demográfico
(em duas versões, de acordo com o contexto onde o idoso reside) sobre o processo de
envelhecimento e a QDV do idoso no Concelho da Covilhã, tendo os questionários sido
preenchidos por nós.
Tendo em conta os objetivos do estudo e as questões orientadoras enveredamos por um
desenho de investigação descritivo – exploratório.
Este estudo foi realizado na região Centro de Portugal, no distrito de Castelo Branco,
Concelho da Covilhã, em dois contextos diferentes: o institucionalizado (urbano) e o
não institucionalizado (urbano ou rural). Para a concretização deste trabalho foi
selecionado o último lar da cidade a abrir portas e 10 freguesias, das 31 do Concelho.
As urbanas, Conceição e Santa Maria, e a nível rural foram selecionadas oito. Assim
sendo, a escolha recaiu sobre as freguesias: Aldeia de São Francisco de Assis, Aldeia de
Souto, Cortes do Meio, Erada, Ferro, São Jorge da Beira, Tortosendo e Verdelhos.
A população do estudo tem idades compreendidas entre 65 e 95 anos, sendo 28 do
género masculino e 63 do feminino. Neste caso concreto tratou-se de uma amostra não
probabilística, uma vez que foi utilizada uma amostra de conveniência. Foram excluídos
os idosos com idade inferior a 65 anos, e os que apresentavam evidentes estados de
demências, ou que não conseguiram responder com autonomia à totalidade das
questões. Os idosos solicitados a participar nesta investigação foram informados dos
objetivos da mesma, assim como do total sigilo dos dados recolhidos.
Gostaríamos, com este estudo, de contribuir para que o autoconhecimento do idoso do
Concelho da Covilhã acerca do seu processo de envelhecimento, conduza a uma
“promoção da saúde (…) assentando nos interesses e necessidades dos gerontes
enquanto sujeitos ativos” (Moura, 2006,p.75) e que as políticas sociais conduzam à
promoção de um envelhecimento ativo e saudável ao longo de toda a vida, com a
criação de respostas onde se verifique “uma mudança fundamental em relação à
“filosofia do sujeito” própria do pensamento tradicional” (Coutinho, 2002,p.331).
Este trabalho foi conduzido com a determinação de contribuir para que o idoso do
Concelho da Covilhã apreenda a conhecer o valor do seu envelhecimento e a relação
desse conhecimento com a QDV, para que encare esta etapa da vida como “um tempo
diferente em que a felicidade continua a ser a razão de viver” (Grün,2010,p.7).
65
66
Esta investigação não encerra aqui. Ela vai estar sempre presente no nosso dia-a-dia,
com apoio direto aos idosos que recorrem ao nosso serviço diariamente, não só com a
finalidade de prolongar e facilitar a vida do idoso através de cuidados médicos, mas
transmitindo-lhes todo o nosso saber. Desta forma pretendemos contribuir para que eles
redescubram o valor e o significado da velhice, para que a possam aceitar e estar de
acordo com tudo o que ela acarreta.
Só assim os idosos “serão uma bênção para a nossa sociedade” (Grün, 2010,p.23).
Metodologia
A presente investigação tem como questão central o processo de envelhecimento na
perspetival do próprio idoso. Pretendemos saber de que modo o idoso encara o
envelhecimento e em que medida a QDV influencia esse processo.
Temos consciência de que a problemática do envelhecimento deve ser refletida e
equacionada de forma integral e sistémica, e de que atualmente os idosos se confrontam
com um leque de transformações sociais, por vezes complexas, que criam obstáculos à
sua QDV, devendo estar para isso preparados.
A orientação metodológica deste estudo situa-se numa abordagem de triangulação dos
modelos quantitativos e qualitativos de natureza descritiva e exploratória, privilegiando
o estudo, a compreensão e explicação da situação atual do objeto de investigação.
A pesquisa quantitativa tem por objetivo a recolha de dados para testar hipóteses ou
responder a questões que lhe dizem respeito. Nestes estudos “pode trabalhar-se com a
população total ou com uma amostra retirada da população com a ajuda de técnicas de
amostragem” (Fortin, 1999,p.162).
Esta investigação consiste num relato essencialmente descritivo, da realidade
encontrada no lar da Santa Casa de Misericórdia e nas freguesias do Concelho da
Covilhã. Podendo ser enriquecido numa perspetiva comparativa e analítica, ao extrair as
variáveis que explicam os diferentes conhecimentos e atitudes da população
investigada. A partir do momento em que a investigação se reporta a pessoas e as inclui
no estudo, levanta questões de ordem moral e ética, que estão presentes desde o início
até à sua conclusão. Segundo Fortin “ (…) a investigação aplicada a seres humanos,
pode por vezes causar danos aos direitos e liberdades da pessoa. Por conseguinte, é
importante tomar todas as disposições necessárias para proteger os direitos e liberdades
das pessoas que participam nas investigações” (Fortin, 1999,p.116).
66
67
Depois de efetivado o esclarecimento da finalidade e dos objetivos do estudo,
informamos todos os participantes do destino que iria ter toda a informação obtida,
nomeadamente da sua utilização para a presente investigação. Foi garantida a não
identificação
e
a
confidencialidade
da
informação
recolhida,
demonstrando
disponibilidade para qualquer esclarecimento adicional e para comunicação dos
resultados obtidos.
Dado o grande número de pessoas com baixo grau de escolaridade, optámos por ler nós
próprios o questionário, explicando previamente a cada idoso que seria o investigador a
registar por escrito as respostas dadas.
No que respeita as etapas metodológicas, importa referir que foram, desde o seu início
esquematizadas:
a) Em contexto institucionalizado (urbano)
Nesta primeira fase, foi apresentado, junto da Direção do Lar da Santa Casa da
Misericórdia-Covilhã, o estudo e os seus objetivos. Decorrida uma semana, realizou-se
uma reunião com a diretora técnica do lar, e foi apresentado um exemplar do
instrumento de colheita de dados, aos profissionais do lar e seus utentes, para um
melhor conhecimento acerca da população e definição da técnica de amostragem. Neste
momento também se proporcionou um espaço para esclarecimento de dúvidas em
relação ao mesmo. Posteriormente, procedeu-se à seleção aleatória dos utentes a
participar no estudo, através dos ficheiros existentes.
Seguindo esta forma de procedimento, numa primeira abordagem foi efetuado um préteste a 7 idosos com idade superior a 65, no sentido de se averiguar a aplicabilidade e
compreensibilidade do instrumento. Este pré-teste evidenciou algumas dificuldades de
compreensão ao nível do questionário, que determinaram a sua reformulação. Após a o
pré teste do instrumento, passou-se à fase de aplicação. Os sujeitos foram contactados
nesta fase no Lar e no local havendo o cuidado de proporcionar uma certa privacidade e
abertura por parte dos sujeitos inquiridos.
b) Em contexto não institucionalizado (urbano e rural)
Nesta segunda fase e no sentido de se garantir que a escolha dos participantes fosse o
mais homogénea e aleatória possível no que diz respeito às variáveis em estudo,
procedeu-se à seleção das freguesias do Concelho de forma aleatória. Das 31 freguesias
do Concelho, foram seccionadas 10. Foram contactados os presidentes das respetivas
juntas de freguesias e foram-lhes apresentados os objetivos e instrumento de colheitas
de dados do estudo.
67
68
Depois do acolhimento ao pedido e de acordo com a nossa disponibilidade achámos por
conveniente proceder-se a técnicas de amostragem por conveniência e procedemos à
recolha nas diversas freguesia/aldeias do Concelho, quando os sujeitos se encontravam
calmamente sentados à soleira das suas portas, costume muito apreciado nas aldeias da
nossa região ou ainda quando deambulavam pela aldeia. Este pareceu-nos ser o contexto
privilegiado, quer do ponto de vista da recetividade à interação, quer no que se refere à
possibilidade da aplicação decorrer em privacidade.
Os contactos com os sujeitos em causa tiveram uma duração aproximada de 30 a 40
minutos, não se tendo verificado nenhum caso em que o sujeito, sendo abordado, se
tenha recusado a participar. Muito pelo contrário, superada uma certa dificuldade
inicial, todos os sujeitos apresentaram grande disponibilidade e afabilidade, uma vez
que foram sempre informados logo no primeiro contacto, sobre o objetivo do estudo,
sobre a confidencialidade das suas respostas, assim como, o facto de estarem a
participar num ato voluntário.
Os campos empíricos desta investigação são o Lar da Santa Casa da Misericórdia da
Covilhã e as 10 freguesias selecionadas do Concelho da Covilhã. Concelho que cumpre
os critérios básicos de definição, de espaço urbano e rural, apresentando-se como um
local pertinente, para este estudo. Esta investigação decorreu em dois momentos e
contextos específicos:
a. Em contexto institucionalizado (urbano) - durante o mês de Maio de 2009.
b. Em contexto não institucionalizado (urbano e rural) - de Agosto a Outubro de 2010,
nomeadamente aos fins-de-semana.
Neste estudo a amostra terá dois momentos de apresentação: um primeiro, que a seguir
se expõe, e diz respeito a variáveis consideradas “demográficas gerais” e o de
apresentação propriamente dita, aquando da apresentação dos resultados.
Nesta investigação, a população ou universo são os idosos do Concelho da Covilhã,
sobre os quais se pretendem tirar conclusões. Participaram neste estudo 91 idosos, dos
dois sexos, com idades compreendidas entre os 65 e os 95 anos, inclusive. Para a sua
seleção tivemos em atenção:
- Idade superior aos 65 anos;
- Ambos os sexos;
- Residência no Concelho da Covilhã;
- Idosos que não apresentassem evidentes estados de demências;
- Idosos que conseguissem responder com autonomia à totalidade das questões.
68
69
Para que os participantes selecionados respeitassem estes critérios seguiu-se o método
da amostragem aleatória dos idosos em contexto institucionalizado (urbano) (Lar Santa
Casa da Misericórdia – Covilhã) e o método da amostragem acidental por
conveniência, em contexto não institucionalizado (urbano e rural) (nas 10 freguesias
do Concelho.)
Na interpretação da informação recolhida foi tido em conta o enquadramento teórico de
referência, o tipo de respostas mais frequentes e a sua relação com outras variáveis
consideradas pertinentes. Para facilitar os cálculos estatísticos na análise de dados,
recorremos ao programa informático de estatística – SPSS, versão 17. Assim, tentamos
estabelecer agrupamentos de respostas, através da sua análise. Depois de verificar a
frequência das respostas obtidas e das suas tendências mais significativas, pode surgiu o
interesse em analisar a associação ou interdependência das variáveis.
O resultado do estudo traduz de forma fidedigna as respostas obtidas, que após a sua
análise e interpretação contribuíram para dar resposta as questões de partida, bem com,
para a verificação das hipótese previamente formuladas. Uma vez terminada a analise
dos dados, procedemos à apresentação e análise de resultados, “uma etapa difícil que
exige um pensamento crítico da parte do investigador” (Fortin, 1999,p.329).
Resultados obtidos
A amostra, maioritariamente feminina, é constituída por 91 indivíduos, sendo 28 género
masculino e 63 do feminino.
Pode-se constatar que se trata de uma população muito idosa, em que a maioria dos
indivíduos se encontra acima dos 80 anos de idade. As idades variam entre os 65 e os 95
anos, sendo que a média de idades é de 79,05 anos.
No que se refere ao estado civil, esta amostra é composta, maioritariamente, por idosos
viúvos (53,8%), seguindo-se os casados (36,3%).
Já no que concerne as necessidades de apoio, estas referem-se a situações em que este é
prestado por parte de cuidadores formais. No caso particular do idoso institucionalizado,
o apoio refere-se ao facto de estarem presentes razões de saúde; somente 2,9% não
necessitava de qualquer apoio, uma vez que o seu internamento em lar se deveu à
doença do conjugue (esposa).
Quando o idoso se mantém no seu meio, o apoio é de 23,2%, grande parte relacionado
com motivos de saúde.
69
70
As razões do apoio estão de acordo com o motivo do pedido do mesmo, sendo que nos
idosos institucionalizados prende-se com o facto de estarem sozinhos (45,7%) e por
motivos de saúde (42,8%). Se o idoso se encontra em contexto residencial urbano e
rural, esse motivo está diretamente relacionado com os motivos de saúde (21,4%).
Neste momento são analisados os possíveis dados que nos conduzem a avaliação do
processo de Envelhecimento.
Através da primeira pergunta, pretendemos avaliar a forma como o idoso se sentiu e
como lhe correram as coisas nas quatro últimas semanas que antecederam a recolha de
dados. Pode-se concluir que, a maioria sentiram-se úteis (91,2%), mas nervosos
(82,1%), e, por vezes, deprimidos (68,1%) mas com muita energia (76,9%), e o mais
importante de todos (57,1%) referiu sentir-se feliz nesta fase da vida.
Verificamos que 83,5% dos idosos refere não adoecer mais facilmente que as outras
pessoas da mesma idade e que 56% consideram-se tão saudáveis como qualquer outra
pessoa. Grande parte dos indivíduos em estudos têm a noção de que com idade vai
piorando ao longo dos anos (83,9%). E 75,8% refere que a saúde neta fase da vida não
é excelente.
Podemos também verificar que dos 91 idosos, 49 (53,8%) referem que é possível ser
feliz na velhice e, somente, 15 (16,5%) discordam totalmente da afirmação. Quando
pedimos aos idosos que nos referissem se eles devem permanecer ativos e participativos
na sociedade atual, 91,2 % referiram que “para é morrer”, e 51,6% relatam que na
velhice é possível encontrar companheirismo, dependendo da capacidade de
relacionamento social de cada um.
Quando questionamos os idosos sobre a problemática da morte, falam dela como algo
natural. Em relação a questão, O envelhecimento prenuncia dependência, morte e
solidão, 49,5 % concorda totalmente e 56,0% refere que não ficaram preocupados
quando se aperceberam que estavam a envelhecer. Somente 36 idosos (39,6 %) sentiram
medo ao pensarem na debilidade que o envelhecimento pode ter associado. Cerca de
41,8% dos idosos referem ser difícil enfrentar a ideia de morte e 33% referem que não
lhes e difícil aceitar esta ideia. Mas quando são questionados, É melhor morrer cedo do
que sentir a Angústia e a Solidão da Velhice na nossa sociedade, 38 idosos (41,8%)
referem que quanto mais tarde morrerem melhor.
A maioria dos idosos (62) espera continuar a sentir-se bem, independentemente da
idade.
Em relação à pergunta aberta, O que é para si envelhecer?
70
71
Quase todos referem que:
“É perder faculdades”
“É perder amigos”
“ É perder forças”
“É um processo normal”
“Feliz daquele que chega a esta idade”
“É o inverno da vida”
“É querer e não poder”
“É necessitar de apoio e carinho”
“É não conseguir fazer algo tão rápido, necessitamos de mais tempo”
Após a análise de toda a informação podemos referir que, todos os idosos têm uma ideia
bem definida do que é envelhecer e das limitações causadas pelo mesmo.
Conclusões
1. Esta investigação pôs mais uma vez em evidência que o envelhecimento humano,
para além, de ser individual e social, hoje é muito pertinente. Não é um “problema dos
velhos”, mas da nossa sociedade, para com os seus cidadãos de mais idade. “O (…)
envelhecimento é apontado como (…) um dos aspetos a ter em conta na definição de
políticas sociais de médio e longo prazo.” (Bruto da Costa, 1998,p.86).
2. Com esta investigação pudemos constatar que, os idosos do Concelho da Covilhã têm
um conhecimento sumário do seu processo de envelhecimento, e encaram as suas
transformações e limitações com preocupação e alguma resignação. Afinal a velhice não
é uma doença, é um fenómeno que (n)os afeta exteriormente, mas que tem um
significado, que é necessário reconhecer. “ Envelhecer é os preços que pagamos por
viver mais tempo” (Ermida, 1999,p.43). É nesta etapa da vida que o homem mais sente
as alterações decorrentes do processo de envelhecimento, e que este lhe vai criando
algumas incapacidades, necessitando, por vezes, de ajudas de outrem. É fundamental ter
em conta que o idoso é um ser humano que necessita de cuidados e atenção e tem como
meta final a QDV.
3. Verificamos que
as relações familiares e de proximidade contribuem,
prioritariamente, para prevenir o isolamento e a solidão.
71
72
4. A maioria dos idosos do concelho da Covilhã, ainda vivem com o cônjuge e consegue
uma QDV que é resultando do apoio prestado por familiares, vizinhos e/ou apoio social
de que beneficiam.
5. Não obstante, também se constatou que apesar da maioria dos idosos
institucionalizados do Concelho da Covilhã viverem sozinhos, antes de entrarem no lar
manifestaram ainda alguma ânsia pelo seu domicílio, havendo que realçar, um facto
muito importante, que nos despertou alguma da nossa atenção, já que a maioria dos
idosos deste grupo referiu que mantinha ainda a sua casa, com o intuito e esperança de
voltar para lá um dia.
6. Esta investigação pôs em evidência que os idosos do concelho da Covilhã apesar de
se encontrarem em situação de reforma, mantém ainda alguma atividade, mesmo que
limitada.
7. E que a coabitação de idosos com outros idosos doentes (observada em contexto
institucional), por vezes, totalmente dependentes, interfere na sua QDV. O facto de os
idosos estarem em contacto com outros mais doentes, por vezes até com distúrbios
mentais, influencia negativamente as suas atitudes e, consequentemente, a sua
autoestima, começando a visualizar o futuro deles no presente dos outros.
Esta investigação trouxe mais um desafio para os profissionais de saúde/profissionais de
gerontologia social, que trabalhamos em meio hospitalar, ao verificar que podemos por
em prática alguns conhecimentos adquiridos e até mesmo partilhá-los com os outros
profissionais de saúde.
Referências Bibliográficas
Câmara Municipal da Covilhã. (2007). Diagnóstico Social do Concelho da Covilhã
Correia, A.M. (2003). Introdução à Gerontologia. Lisboa: Universidade Aberta.
Costa, A.B. (1998). Exclusões Sociais. Lisboa: Ed. Gradiva.
Costa, M.A. (2006). Cuidar de idosos. Coimbra: Formasau.
Costa, M. A. M. (1999). O idoso - Problemas e realidades. Coimbra: Formassau.
Coutinho, M.S.P. (2002). Racionalidade Comunicativa e Desenvolvimento Humano Em
Jürgen Habermas: Bases de um pensamento educacional. Lisboa: Ed. Colibri.
Coutinho, M.S.P. (2008). Comunicação e interação social – o estatuto da subjetividade
na ação social. Revista de Intervenção Social. 32-34:57-71.
72
73
Ermida, J.G. (1999). Processo de envelhecimento. In O idoso - Problemas e realidades.
Coimbra: Formassau.
Fortin, M. F. (1999). O Processo de Investigação, da Concepção à Realização. Loures:
Lusociência.
Gineste, Y. & Pellisier, J. (2008). Humanitude: compreender a velhice, cuidar dos
Homens velhos. Lisboa: Instituto Piaget.
Grün, A. (2010). A sublime arte de envelhecer e tornar-se uma bênção para os Outros
(2ª Ed.) Prior Velho. Paulinas Editora.
Imaginário, C. M.I. (2008). O idoso dependente em contexto familiar (2ª Ed.) Coimbra:
Formasau.
Instituto Nacional de Estatística (2002a), O Envelhecimento em Portugal, Situação
Demográfica e Sócio - Económica Recente das Pessoas Idosas.
Instituto Nacional de Estatística (2002b), CENSOS 2001 – Resultados Definitivos,
Informação à Comunicação Social.
Instituto Nacional de Estatística (2002c), Mulheres e Homens em Portugal nos Anos 90,
Lisboa, INE.
Moura, C. (2006). Século XXI – Século do Envelhecimento (1.ª Ed.) Loures:
Lusociência.
73
74
74
75
“EMOÇÕES QUE AS PALAVRAS NÃO TRADUZEM”: ESTUDO DA
ALEXITIMIA NUMA AMOSTRA DE MULHERES COM CANCRO DE MAMA.
Helena Sousa, Marina Guerra & Leonor Lencastre
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto
Resumo
Numa amostra de 85 mulheres com cancro de mama, a alexitimia parece prejudicar
significativamente várias dimensões da qualidade de vida do Quality of Life
Questionnaire (QLQC-30) e do Breast Cancer Module (QLQC-BR23), instrumentos da
European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC), utilizados
para este estudo.
Palavras-chave: cancro de mama; alexitimia; qualidade de vida;
Abstract
In a sample of 85 women with breast cancer, alexithymia seems to significantly
prejudice several dimensions of quality of life from the Quality of Life Questionnaire
(QLQC-30) and the Breast Cancer Module (QLQC-BR23), instruments from the
European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC), used in this
study.
Key-words: breast cancer, alexithymia, quality of life.
Introdução
O cancro de mama é a doença maligna que mais afeta o sexo feminino, estimando-se
que, ao longo da vida, uma em cada nove mulheres venha a desenvolver esta patologia
(Fernandez-Delgado et al., 2008). Com o avanço tecnológico ao nível das ciências
médicas, assiste-se a um crescente otimismo no tratamento da doença e a um aumento
da taxa de sobrevida. Apesar disto, o cancro de mama continua a ser um acontecimento
de vida adverso e potencialmente traumático, com um tratamento prolongado e incerto,
acompanhado por elevadas exigências biopsicossociais e espirituais, com um impacto
profundo e duradouro na qualidade de vida (Montarezi, 2007).
75
76
Com vista a uma melhor identificação dos fatores que poderão interferir com o risco de
disfunção psicossocial nesta população, é fundamental conhecer as variáveis que
poderão colocar em risco e/ou proteger a qualidade de vida destas mulheres (Silva,
Bettencourt, Moreira, & Canavarro, 2011).
A importância da expressão emocional e as suas consequências ao nível físico e
psicológico têm vindo a ser cada vez mais estudadas pela psicologia da saúde, devido ao
seu papel crítico na doença (Fonte, 1993), incluindo no cancro (Graves et al., 2005). É
neste contexto que surge o estudo da alexitimia ou “sem palavras para os sentimentos”
(Fernandes & Tomé, 2002, p.97), enquanto mecanismo de coping mal adaptativo
(Iwamitsu et al., 2003) e que tem vindo a demonstrar correlações negativas com
dimensões da qualidade de vida relacionadas com a saúde (Gritti et al., 2010; Shibata et
al., 2014).
Objetivos
Este estudo pretende (1) caraterizar a alexitimia numa amostra de mulheres com cancro
de mama e (2) analisar a relação da alexitimia com as dimensões da qualidade de vida
do Quality of Life Questionnaire (QLQC-30) e do Breast Cancer Module (QLQCBR23), instrumentos da European Organisation for Research and Treatment of Cancer
(EORTC) utilizados para este estudo (cf. Instrumentos).
Enquadramento teórico
Alexitimia
A alexitimia é definida como a dificuldade em reconhecer e em expressar as emoções
mais profundas (Manna et al., 2007). Teoricamente, os alexitimicos são descritos como
demonstrando dificuldades emocionais, uma vez que (1) não conseguem descrever as
suas emoções e sentimentos, (2) apresentam dificuldades em dissociar as emoções das
sensações corporais, (3) dificuldade em perceber estados emocionais e desejos de outras
pessoas, (4) comportamento, inexpressivo, introvertido e (5) fraca capacidade para a
empatia (Fonte, 1993). Segundo Lieberman e Goldstein (2006), a alexitimia é um forte
indício de um mecanismo de coping repressivo e, por isso, mal adaptativo (Iwamitsu et
al., 2003). Por outro lado, uma boa expressão de emoções parece estar associada a um
76
77
maior bem-estar psicossocial, a uma maior autoconfiança e assertividade, a um espírito
mais lutador e a uma melhor qualidade de vida (Mantani et al., 2007).
Existem poucos estudos que relacionam a alexitimia com o cancro de mama. A nível
internacional, Manna e colaboradores (2007) compararam um grupo de mulheres com
cancro de mama com um grupo de controlo (mulheres sem doença), concluindo que as
mulheres com cancro de mama são significativamente mais alexitímicas. A nível
nacional, encontramos apenas um estudo realizado por Guerra, Pinto e Mariano (2007)
que indica uma prevalência da alexitimia em mulheres com cancro de mama duas vezes
superior à da população normativa. A presença deste traço parece ser negativa para a
mulher com cancro de mama, uma vez que as alexitimicas apresentam também uma
perceção mais negativa do seu suporte sociofamiliar, o que prejudica a sua saúde mental
e aumenta o distress associado à doença (Mantani et al., 2007).
Qualidade de vida
A presença de um cancro de mama apresenta diferentes desafios para as mulheres
(Holland & Holahan, 2003). Enquanto doença crónica, altera múltiplos domínios da
qualidade de vida com sequelas que se prolongam durante anos (Pinto & Ribeiro, 2006).
Devido ao interesse crescente pela qualidade de vida no âmbito da doença, surge o
termo a “qualidade de vida relacionada com a saúde” (Pimentel, 2006, p.25). Este
conceito representa as respostas individuais aos efeitos da doença (Costa et al, 2013),
compreendendo uma perspetiva multidimensional que engloba a dimensão física,
psicológica, social e espiritual, bem como a avaliação da eficácia dos serviços de saúde
(Pimentel, 2006; Pinto & Ribeiro, 2006).
Em oncologia, os estudos de avaliação da qualidade de vida apresentam diferentes
conclusões. Há autores que defendem a importância da avaliação desta variável no
cancro de mama, uma vez que esta patologia se destaca pela incidência no sexo
feminino e está associada a uma série de consequências biopsicossociais que têm vindo
a prejudicar a mulher, nomeadamente a nível laboral (chemobrain) sociofamiliar
(Holland & Holahan, 2003) e pessoal (na autoimagem, na vida sexual, na fertilidade)
(Safarinejad, Shafi, & Safarinejad, 2013). Outros estudos relatam que a qualidade de
vida das mulheres com cancro da mama é melhor do que seria de esperar (Lopes,
Ribeiro, & Leal, 1999). Estudos nacionais relativamente recentes demonstram que as
mulheres com cancro de mama têm uma perceção moderadamente positiva da sua
qualidade de vida global (Rebelo, Rolim, Carqueja, & Ferreira, 2007; Sousa, Guerra, &
77
78
Lencastre, 2015). Tal parece sugerir que a doença oncológica pode afetar menos a
qualidade de vida da mulher do que aquilo que geralmente se pensa e que apesar do
cancro de mama ser um acontecimento de vida potencialmente traumático, as doentes
tendem a revelar padrões de funcionamento normais, o que pode ser um importante
indicador da sua capacidade de resiliência (Knobf, 2007).
Método
Participantes
A amostra é constituída por 85 mulheres com cancro de mama utentes de um hospital
do Grande Porto. A idade média é de 47 anos (M=46.99, DP=7.39) e a média de
escolaridade é de 10 anos e meio (M=10.45, DP=5.47). Maioritariamente são casadas
(76.5%) e têm filhos (71.8%). Em termos clínicos, 44.7% da amostra encontra-se entre
o 2º e o 6º mês após o diagnóstico de cancro de mama, 63.5% realizou mastectomia
total e 89.4% encontra-se a realizar ou já realizou quimioterapia.
Instrumentos
Para a recolha de dados, foram utilizados 4 instrumentos de autopreenchimento. O
Questionário Sociodemográfico e Clinico inclui duas secções, a primeira relativa aos
dados sociodemográficos e a segunda, destinada às caraterísticas clinicas da amostra. A
Escala de Alexitimia de Toronto de 20 itens – TAS 20 é escala mais utilizada
mundialmente na avaliação da alexitimia. Trata-se de uma escala de tipo Likert de 5
pontos, composta por 20 itens. Os resultados obtém-se através do somatório e podem
variar de 20 a 80. São considerados alexitímicos os indivíduos com resultados
superiores ou iguais a 61 e não alexitímicos os sujeitos com resultados inferiores ou
iguais a 51. Os resultados compreendidos entre 52 e 60, inclusive, correspondem a uma
zona fronteira. Os estudos das qualidades psicométricas revelam boa validade e
fidelidade com um alpha de Cronbach de .79 (Prazeres et al., 2000).
O The European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life
Questionnaire – EORTC QLQC-30 (v. 3.0) é um instrumento com 30 itens utilizado
internacionalmente para avaliar a qualidade de vida relacionada com a saúde em pessoas
com cancro (Aaronsonet al., 1993). Trata-se de uma medida geral e, por isso, existem
vários módulos específicos consoante a neoplasia. É composto por uma medida da
qualidade de vida global, por 4 escalas funcionais, por 3 escalas de sintomas e por 6
78
79
itens de sintomas. Os resultados são transformados em valores de 0 a 100, obtidos
através de algoritmos próprios. Em Portugal, as suas propriedades psicométricas foram
estudadas por Ribeiro, Pinto e Santos (2008), sendo os valores de fidelidade
apropriados, variando de .57 a .88.
O Breast Cancer Module – QLQ-BR23 é uma extensão do QLQ-C30 específica para o
cancro de mama (Aaronson et al, 1993). É constituído por 23 questões que são divididas
por 4 escalas/itens funcionais e por 4 escalas/itens de sintomas. Este módulo pode ser
utilizado em doentes que se encontrem em diferentes fases da doença, abrangendo as
diferentes modalidades de tratamento (cirurgia, quimioterapia, radioterapia e
hormonoterapia).
Procedimento
O projeto foi apresentado à Comissão de Ética de um Hospital do Grande Porto, a fim
de ser autorizado pelo Diretor da Administração. Após a aprovação do estudo, os
instrumentos foram aplicados num gabinete da Clínica de Mama, desde início do mês
de Fevereiro até Maio de 2012. Participaram todas as mulheres que, após a explicação
dos objetivos do estudo, do seu caráter voluntário e confidencial, se predispuseram a
participar. Os critérios de exclusão foram a apresentação de défices cognitivos e/ou
motores que dificultassem o preenchimento dos questionários. O tratamento dos dados
foi efetuado com o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão
19.0.
Resultados e Discussão
Em relação ao primeiro objetivo deste estudo de (1) caraterizar a alexitimia numa
amostra de mulheres com cancro de mama, os resultados revelam que a prevalência
desta variável na nossa amostra é de 47.1%, sendo que 31.8% das mulheres não são
alexitimicas e as restantes 21.1% estão situadas na “zona fronteira”. Tratam-se de
resultados semelhantes aos encontrados por Guerra, Pinto e Mariano (2007) e Manna e
colaboradores (2007) em mulheres com cancro de mama, onde se verificou uma
prevalência da alexitimia de 40 e 36%, respetivamente. As participantes apresentam
também um valor médio de 58.7 o que, tendo em conta os valores encontrados no
estudo de Prazeres, Parker e Taylor (2000) na adaptação da TAS-20 à população
portuguesa (M = 36.7) e depois de realizado o teste t de student para uma amostra,
79
80
revela níveis de alexitimia significativamente superiores à população normativa (t (84)
= 14.04, p <.01). Tal resultado poderá sugerir que uma grande percentagem das nossas
participantes tem dificuldades no coping com as tarefas emocionais exigidas ao longo
do processo de adaptação à doença oncológica.
Conclui-se, assim, que as mulheres com cancro de mama da nossa amostra são
significativamente mais alexitimicas do que as mulheres da população normativa,
resultados que estão em concordância com a literatura pré-existente e que confirmam
que a prevalência da alexitimia nesta população parece ser mais do que o dobro da
existente na população normativa (Guerra, Pinto e Mariano, 2007) que se situará entre
os 10 e os 20% (Fernandes & Tomé, 2001).
O segundo objetivo deste estudo diz respeito à (2) análise da correlação da alexitimia
com as dimensões da qualidade de vida do Quality of Life Questionnaire (QLQC-30)
e do Breast Cancer Module (QLQC-BR23), instrumentos da European Organisation for
Research and Treatment of Cancer (EORTC) utilizados neste estudo.
A tabela 1 apresenta os valores r de Pearson da variável alexitimia com as escalas
funcionais e os itens de sintomas do QLQC-30.
Tabela 1.Valores R De Pearson Da Variável Alexitimia Com As Escalas Funcionais E
Os Itens De Sintomas Do QLQC-30 (N = 85).
Alexitimia
Qualidade de Vida Global
-.529**
Escalas Funcionais
Funcionamento físico
-.431**
Funcionamento de papéis
-.544**
Funcionamento emocional
-.600**
Funcionamento cognitivo
-.254*
Funcionamento social
-.580**
Itens de Sintomas
Fadiga
583**
Náuseas e vómitos
.398**
Dor
.501**
80
81
Dispneia
.178
Insónias
.440**
Perda de apetite
.396**
Obstipação
.211
Diarreia
.227*
Dificuldades financeiras
.770**
Nota: *p<.05; **p<.01.
A análise dos valores da tabela 1 revela que a alexitimia apresenta uma correlação
negativa estatisticamente significativa com a qualidade de vida global das mulheres com
cancro de mama da nossa amostra (r =-.529, p <.01). Tal indica que as participantes
mais alexitimicas são as que apresentam perceções mais baixas sobre a sua qualidade de
vida global. Este resultado reforça o efeito negativo da alexitimia na perceção de
qualidade de vida das nossas participantes e poderá indiciar que esta variável poderá ser
um fator de risco na predição sobre a adaptação ao cancro de mama (Sousa, Guerra &
Lencastre, 2015). Por outro lado, uma boa expressão de emoções estará associada a uma
maior autoconfiança e a uma melhor qualidade de vida.
Adicionalmente, a alexitimia apresenta correlações negativas significativas com todas as
escalas funcionais do QLQC-30, indicando que as mulheres mais alexitimicas têm uma
perceção mais negativa do seu funcionamento ao nível emocional (r = -.600, p <.01),
social (r = -.580, p <.01), de papéis (r = -.544, p <.01), físico (r = -.431, p <.01) e
cognitivo (r = -254, p <.05) ao longo do processo de doença. Em termos de sintomas
clínicos, os resultados principais parecem indicar que quanto mais alexitimicas são as
participantes, maior é a perceção de: fadiga (r =.583, p <.01), dor (r = 501, p <.01),
insónias (r =.440, p <.01), náuseas e vómitos (r =.398, p <.01), perda de apetite (r
=.396, p <.01) e diarreia (r=.227, p <.05).
A tabela que se segue apresenta os valores r de Pearson da variável alexitimia com as
escalas funcionais e itens de sintomas do módulo específico de avaliação da qualidade
de vida em mulheres com cancro de mama – o QLQC-BR23.
81
82
Tabela - Valores R De Pearson E Sua Significância Da Variável Alexitimia Com As
Escalas Funcionais E Os Itens De Sintomas Do QLQC-BR23.
Alexitimia
Escalas Funcionais
Imagem corporal
-.499**
Função sexual
-.071
Prazer sexual
-.228
Perspetivas futuras
-.464**
Itens de Sintomas
Efeitos dos tratamentos
.637**
Sintomas da mama
.319**
Sintomas do braço
.219*
Preocupação com a queda do cabelo
.451**
Nota: *p<.05, **p<.01.
Em relação à correlação da alexitimia com as escalas funcionais e com os itens de
sintomas do módulo QLQC-BR23, os resultados demonstram a existência de correlações
negativas estatisticamente significativas com algumas escalas e com alguns sintomas
importantes específicos do cancro de mama e dos seus tratamentos cirúrgicos e
adjuvantes. A análise dos resultados indica que, quanto mais alexitimicas são as
mulheres, pior é a avaliação que fazem da sua autoimagem corporal (r =-.499, p <.01) e
piores são as suas perspetivas em relação ao futuro (r = -.464, p <.01).
Não foram encontrados resultados estatisticamente significativos em relação ao
funcionamento sexual. De referir que o tamanho da nossa amostra é menor quando
consideramos os itens relativos ao funcionamento e prazer sexual, uma vez que apenas
uma parte da amostra concordou em responder às questões relacionadas com a sua
sexualidade (N = 57).
Em relação aos itens de sintomas, a alexitimia apresenta correlações estatisticamente
significativas e positivas com todos os itens de sintomas do QLQC-BR23. Tal indica
que, quanto mais alexitimicas maior é a perceção sobre a existência de efeitos
secundários decorrentes dos tratamentos (r =.637, p <.01), maior é a preocupação com a
alopécia (r =.451, p <.01), maior é a perceção sobre a presença de sintomas na mama (r
=.319, p <.01) e de sintomas no braço afetado (r =.219, p <.05).
82
83
De um modo geral, ao analisar a relação das alexitimia com diferentes aspetos da
qualidade de vida, os resultados parecem indicar que a presença de alexitimia nas
mulheres com cancro de mama poderá prejudicar a adaptação à doença, uma vez que
está associada a perceções mais negativas sobre as escalas de funcionamento e a uma
maior perceção sobre a presença de sintomas físicos e efeitos colaterais associados aos
tratamentos antineoplásicos, quer cirúrgicos, quer adjuvantes. Na nossa amostra, uma
má expressão de emoções e de sentimentos parece aumentar a perceção sobre o
sofrimento físico associado ao cancro de mama. Poderemos levantar a hipótese de que
ao reprimirem as suas emoções, ao terem dificuldade em expressá-las corretamente e ao
terem dificuldade em dissociar sensações físicas de emocionais, as mulheres mais
alexitímicas têm tendência para se concentrarem nas sensações corporais e somáticas, e
para as aumentarem. Tal situação poderá, em alguns casos, provocar más interpretações
sobre os sinais da doença (Taylor, Parker, Bagby, & Acklin, 1992) que, ao invés de uma
origem fisiológica, teriam uma natureza psicossomática.
Conclusão
Este estudo parece salientar o impacto negativo da alexitimia na qualidade de vida das
mulheres com cancro de mama, podendo constituir um fator de risco para a adaptação à
doença. Enquanto um mecanismo de coping repressivo, de evitamento e mal adaptativo,
a alexitimia parece prejudicar significativamente várias dimensões da qualidade de vida
das nossas participantes.
Os resultados encontrados reforçam a importância de uma maior e melhor
expressividade de emoções e de sentimentos durante a experiência desta doença. O
“silêncio das emoções” sobre o funcionamento físico e sobre a perceção do sofrimento
físico parece prejudicar significativamente a avaliação que as mulheres com cancro de
mama da nossa amostra fazem sobre os seus sintomas físicos e sobre os efeitos
colaterais da doença e dos tratamentos.
Com base nos resultados encontrados retiram-se algumas conclusões integrativas que se
traduzem em implicações para intervenção e para o apoio aos doentes oncológicos.
Assim poderemos sugerir que a intervenção psicológica deverá desmistificar as reações
emocionais negativas, que são normativas, no decorrer de um processo de doença
oncológica, com o objetivo de diminuir os estilos de coping de evitamento e de
repressão emocional. Tal inclui a necessidade de desconstruir crenças que reforçam o
83
84
estigma social que envolve o cancro e que estão presentes, tanto na população em geral
como nos profissionais de saúde, e que dizem respeito à tendência para evitar a
expressão de emoções negativas.
No contexto clínico, e considerando o exemplo da Terapia Focada nas Emoções (EFT),
o paciente deverá ser encorajado a refletir e a verbalizar as suas emoções negativas,
ultrapassando o seu evitamento e a repressão. O psicólogo deverá guiá-lo no sentido de
aumentar a sua consciência sobre as sensações sentidas no corpo, de forma a conseguir
experienciá-las e atribuir palavras à experiência (focagem) (Greenberg & Safran, 1987).
Sugerem-se, ainda, intervenções focadas na regulação emocional, na tolerância ao
distress, na aceitação, reconhecimento e validação das próprias emoções, procurando
aumentar o acesso a emoções positivas e reduzir a vulnerabilidade a emoções negativas,
através da utilização de estratégias de coping, como é o caso do relaxamento e da escrita
terapêutica.
Referências
Aaronson, N. K., Ahmedzai, S., Bergman, B., Bullinger, M., Cull, A., Duez, N. J., . . .
Takeda, F. (1993). The European Organization for Research and Treatment of Cancer
QLQ-C30: A quality-of-life instrument for use in international clinical trials in
oncology. Journal of the National Cancer Institute, 85, 365-376.
Costa-Requena, G., Rodriguez, A., & Fernandez-Ortega, P. (2013). Longitudinal
assessment of distress and quality of life in the early stages of breast cancer treatment.
Scand J Caring Sci, 27, 77-83.
Fernandes, N. & Tomé, R. (2001). Alexitimia. Revista Portuguesa de Psicossomática,
3(2), 97-111.
Fernández-Delgado, J., López-Pedraza. M., Blasco J., Andradas-Aragones, E., SánchezMéndez, J., Sordo-Miralles, G., Reza, M. (2008). Satisfaction with and psychological
impact of immediate and deferred breast reconstruction, Ann Oncol., 19(8), 1430-1434.
Fonte, J. A. (1993). Alexitimia – estudo em doentes com perturbações digestivas. Viana
do Castelo: Lilly Farma.
Graves, K., Schmidt, J., Bollmer, J., Fejfar, M., Langers, S., Blonder, L. &
Andrykowski, M. (2005). Emotional expression and emotional recognition in breast
cancer survivors: A controlled comparison. Psychology and Health, 20(5), 579–595.
Greenberg, L. & Safran, J. (1987). Emotion in psychotherapy: affect, cognition, and the
process of change. New York: Guilford Press.
84
85
Griiti, P., Lombardi, S., Nobile, B., Trappoliere, P., Gambardella, A., Caprio, E., &
Resicato, G. (2010). Alexithymia and cancer-related fatigue: A controlled crosssectional study. Tumori, 96, 131-137.
Guerra, M.P., Pinto, A. & Mariano, S. (2007). Evaluating alexithymia in a breast
cancer Population. Poster.
Holland, K. & Holahan, C. (2003). The relation of social support and coping to positive
adaptation to breast cancer. Psychology and Health, 18(1), 15–29.
Iwamitsu, Y., Shimoda, K., Abe, H., Tani, T., Kodama, M., & Okawa, M. (2003).
Differences in emotional distress between breast tumor patients with emotional
inhibition and those with emotional expression. Psychiatry and Clinical Neurosciences,
57, 289-294.
Knobf, M. (2007). Psychosocial responses in breast cancer survivors. Semin Oncol
Nurs, 23, 71-83.
Lieberman, M. & Goldstein, B (2006). Not all negative emotions are equal: the role of
emotional expression in online support groups for women with breast cancer. PsychoOncology, 15, 160–168.
Lopes, H., Ribeiro, J., & Leal, I. (1999). Estudos sobre qualidade de vida em mulheres
submetidas a histerectomia ou anexectomia para tratamento de cancro do utero ou
ovario. Analise Psicologica, XVII, 483-497.
Manna, G., Foddai, E., Maggio, M. G., Pace, F., Colucci, G., Gebbia, N., & Russo, A.
(2007). Emotional expression and coping style in female breast cancer. Annals of
Oncology, 18, 77-80.
Mantani, T., Saeki, T., Inoue, S., Okamura, H., Daino, M., Kataoka, T., & Yamawaki,
S. (2007). Factors related to anxiety and depression in women with breast cancer and
their husbands: Role of alexithymia and family functioning. Support Care Cancer, 15,
859-868.
Montarezi, A. (2007). Health-related quality of life in breast cancer patients: A
bibliographic review of the literature from 1974 to 2007. Journal of Experimental &
Clinical Cancer Research, 27, 32.
Moos, R. & Schaefer, J. (1989). The crisis of physical illness: an overview and
conceptual approach. In R. Moos (ed.). Coping with physical illness (pp.13-25). Nova
Iorque: Plenum Medical Book Company.
Pimentel, F. (2006). Qualidade de vida e oncologia. Coimbra: Edições Almedina
85
86
Pinto, C. & Ribeiro, J. (2006). A qualidade de vida dos sobreviventes de cancro. Revista
Portuguesa de Saúde Pública, 24(1), 37-56.
Prazeres, N., Parker, P., & Taylor, J. (2000). Adaptacao portuguesa da Escala de
Alexitimia de Toronto de 20 itens (TAS-20). Rev Iberoam Diag E Psic RIDEP, 9, 9-21.
Rebelo, V., Rolim, L., Carqueja, E., & Ferreira, S. (2007). Avaliacao da qualidade de
vida em mulheres com cancro de mama: Um estudo exploratorio com 60 mulheres
portuguesas. Psicologia, Saude & Doencas, 8, 13-32.
Ribeiro, J., Pinto, C. & Santos, C. (2008). Validation study of the Portuguese version of
the QLC-C30-V.3. Psicologia, Saúde & Doenças, 9(1), 89-102.
Safarinejad, M., Shafi, N., & Safarinejad, S. (2013). Quality of life and sexual
functioning in young women with early-stage breast cancer 1 year after lumpectomy.
Psycho-Oncology, 22, 1242-1248.
Silva, S., Bettencourt, D., Moreira, H., & Canavarro, M. C. (2011). Qualidade de vida
de mulheres com cancro da mama nas diversas fases da doenca: O papel de variaveis
sociodemograficas, clinicas e das estratégias de coping enquanto fatores de
risco/protecao. Revista Portuguesa de Saude Publica, 29, 64-67.
Shibata, M., Ninomiua, T., Jensen, M., Anno, K., Yonemoto, K., Makino, S., . . . Hoso,
M. (2014). Alexithymia is associated with greater risk of chronic pain and negative
affect and with lower life satisfaction in a general population: The Hisayama study.
PLoS ONE, 9, 3.
Sousa, H., Guerra, M. & Lencastre, L. (2015). Preditores da Qualidade de Vida numa
Amostra de Mulheres com Cancro de Mama, Análise Psicológica, 33 (1), pp. 39-53.
Taylor, G., Parker, J., Bagby, M. & Acklin, M. (1992). Alexithymia and somatic
complaints in psychiatric out-patients. Journal of Psychossomatic Research, 36 (5),
417-424.
86
87
87
88
primerCOG
–
UMA
FERRAMENTA
DE
TREINO
COGNITIVO,
FUNCIONALMENTE VALIDADA PARA SENIORES COGNITIVAMENTE
SAUDÁVEIS
José Carlos Teixeira1 Vanessa Costa2 Patrícia Alecrim2 Sandra Freitas3 & Isabel
Santana3
1
MediaPrimer, Universidade de Coimbra, IT- Instituto de Telecomunicações, Portugal
2
MediaPrimer - Tecnologias e Sistemas Multimédia, Lda., Portugal
3
Centro de Neurociências e Biologia Celular (Universidade de Coimbra, Portugal)
Resumo
O envelhecimento demográfico da população e a relação da idade com o desenvolvimento de
demência e de Défice Cognitivo Ligeiro exigem soluções que contribuam para minorar as
consequências inerentes ao envelhecimento. primerCOG é uma ferramenta de treino cognitivo,
funcionalmente validada para seniores cognitivamente saudáveis.
Palavras-chave: Treino Cognitivo, Envelhecimento Ativo, Défice Cognitivo, Demências.
Abstract
The population aging and its relationship with dementia and Mild Cognitive Impairment,
require solutions that help minimize the consequences of an aging population. primerCOG is a
cognitive training tool, functionally validated for cognitively healthy seniors.
Keywords: Cognitive Training, Active Aging, Mild Cognitive Impairment, Dementia.
INTRODUÇÃO
A idade é considerada, por muitos, um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento,
não só de demência (Barranco-Quintana, Allam, Castillo, & Navajas, 2005; Chen, Lin, & Chen,
2009; Herrera-Rivero, Hernández-Aguilar, Manzo, & Aranda-Abreu, 2010; Seshadri et al.,
1997), como também de Défice Cognitivo Ligeiro (DCL) (Luck, Luppa, Briel, & Riedel-Heller,
2010).
As projeções do envelhecimento demográfico da população alertam para uma realidade que
necessita de rápidas mudanças económicas e sociais e um maior investimento na promoção do
envelhecimento ativo. Prevê-se que, em 2050, em Portugal, existam 398 adultos idosos por cada
88
89
100 jovens e que, mundialmente, 20% da população total seja constituída por adultos idosos, ou
seja, cerca de 2,5 biliões de pessoas.
As projeções relativas à demência, também se revelam bastante preocupantes. Calcula-se que o
número de pacientes com demência duplique a cada 20 anos, aproximando-se dos 42 milhões
em 2020 e dos 81 milhões em 2040, na ausência de estratégias preventivas ou tratamentos
eficazes (Ferri et al., 2005). Estima-se que, em 2012, em Portugal, houvesse 182526 indivíduos
com demência (1,71% da população total) (Alzheimer Europe, 2013).
Perante estes dados, somos confrontados com uma necessidade evidente de criação de soluções
que contribuam efetivamente para minorar as consequências inerentes ao envelhecimento da
população.
O trabalho que aqui se apresenta está relacionado com a validação funcional da plataforma de
treino cognitivo primerCOG. A análise e avaliação da experiência de utilização do primerCOG
teve por base uma amostra de 30 adultos idosos cognitivamente saudáveis.
Envelhecimento ativo - A importância da estimulação cognitiva
Pessoas que permanecem mental e fisicamente ativas podem deparar-se com um processo
natural de envelhecimento mais lento (Clark, 2002), sendo sugerido em vários estudos que as
funções básicas que são afetadas pelo envelhecimento podem ser melhoradas através de treino
(Hosseini, Kramer, Kesler, 2014).
Assim, assegurar uma atividade cognitiva frequente, antes da demência diagnosticada, pode
proteger e retardar o declínio cognitivo normal da idade, pois estimula diferentes partes do
cérebro envolvidas na memória e no processamento da informação, tornando-as mais eficientes
e resistentes. Bem como, em casos de demência, manter atividade física e mental contínua tem
um impacto positivo e incremental muito significativo no bem-estar e qualidade de vida do
paciente.
A plataforma primerCOG
primerCOG é uma plataforma de treino cognitivo, de natureza tecnológica e com uma forte base
científica que pretende não só contribuir para um envelhecimento saudável de seniores, como
também responder a necessidades de estimulação, manutenção e reabilitação de várias
patologias do foro neurodegenerativo.
Com atividades que permitem o treino cognitivo da memória, atenção, funções executivas,
linguagem e capacidade visuoespacial, primerCOG apresenta-se como uma ferramenta de
extrema utilidade para os vários especialistas que acompanham indivíduos com diferentes níveis
de deterioração cognitiva, desde o envelhecimento normal a pacientes do espectro da demência,
auxiliando a comunidade científica no diagnóstico precoce, prognóstico, manutenção e
monitorização dos pacientes ao longo dos diversos estágios da demência.
89
90
Esta plataforma permitirá que, remotamente, os especialistas definam e personalizem planos de
treino cognitivo ajustados ao tipo e estágio da doença dos seus pacientes, às suas características
e consequentes limitações. Possibilitará também a monitorização remota da performance e da
evolução clínica de cada um dos pacientes.
Figura 1 - primerCOG: Plataforma para estimulação e treino cognitivo
Desenvolvimento centrado no utilizador
Sendo o primerCOG direcionado não só a seniores saudáveis mas também a utilizadores com
um perfil clínico, no âmbito das limitações cognitivas, optou-se por recorrer a uma metodologia
de desenvolvimento centrada no utilizador explorando o conceito “user experience”.
Em todo o processo de desenvolvimento consideraram-se alterações decorrentes do processo
natural de envelhecimento e capacidades mais afetadas - mobilidade, coordenação mão-olho e
motora, sentidos como a audição e a visão ou domínios cognitivos como a memória a curtoprazo (AgeLight, 2001) - e as principais dificuldades de indivíduos com uma deficiência
cognitiva.
O estudo das principais características e condicionantes dos vários tipos de utilizadores a quem
o primerCOG se dirige foi fulcral na criação de todo o sistema, pois estas acabaram por
condicionar a definição das diretrizes de usabilidade a respeitar, interferindo de forma muito
evidente em campos como os da interação, navegação, tipo de informação, modelo funcional,
interface gráfica e criação de conteúdos.
Grande parte da literatura relacionada com utilizadores seniores e a Web acaba por apresentar
diretrizes que se refletem numa boa prática na criação de sistemas para qualquer faixa etária e
qualquer tipo de utilizador, desde a consistência da navegação, à forma clara como se deve
escrever ou tratar toda a interface gráfica (Redish & Cisnell, 2004).
Globalmente a abordagem seguida, que concilia ao máximo os requisitos que os diferentes
públicos-alvo do sistema a desenvolver apresentavam, recaiu sobre a adoção dos princípios do
90
91
design universal. primerCOG tem um entendimento claro dos utilizadores a quem se destina,
comunica de forma clara e imediata o seu âmbito e os seus objetivos sendo fácil de usar e
apelativo.
METODOLOGIA
A equipa que tem colaborado na investigação necessária e nas diversas fases de
desenvolvimento do primerCOG, é composta por um vasto grupo de profissionais das áreas das
Neurociências e especialistas em design, interfaces, experiências de utilização, informática,
análise comportamental, análise de experiência de utilização de sistemas informáticos,
usabilidade e acessibilidade.
O Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) que, dentro do leque de competências
científicas que tem, se destaca particularmente pelo estudo dos mecanismos fundamentais de
envelhecimento e doenças neurológicas, contribuiu com todo o suporte científico,
absolutamente necessário para a qualidade científica do resultado final. Tendo tido uma
participação direta em tarefas de análise, especificação e testes das atividades e da plataforma de
treino cognitivo.
Para além do CNC, colaboraram no desenvolvimento do primerCOG entidades diretamente
ligadas à população alvo que, com o seu conhecimento, prestaram um contributo relevante na
análise do problema, especificação, estruturação e ensaio da solução desenvolvida.
A realização do estudo piloto de validação funcional da plataforma contou com a participação
de instituições e associações que consideraram pertinente o envolvimento neste projeto, tendo
colaborado: no teste das atividades de treino cognitivo com os utilizadores alvo, na avaliação do
grau de aceitação, na identificação das dificuldades e melhorias ao nível da usabilidade e na
avaliação da experiência e interação.
O estudo piloto teve início na Santa Casa da Misericórdia da Lousã (SCML), tendo depois sido
desenvolvido no Centro Comunitário de Desenvolvimento e Solidariedade Social de Coimbra
(CCDSSC), e, por fim, na Cáritas Diocesana de Coimbra (CDC). Apesar de todas as instituições
pertencerem ao distrito de Coimbra os participantes inserem-se, sobretudo, em dois meios: meio
moderadamente urbano e meio urbano.
91
92
Tabela 1 - Participantes recrutados junto das instituições
NÚMERO
DE
NÚMERO
DE
PARTICIPANTES
PARTICIPANTES
QUE REALIZARAM
INCLUÍDOS NO ESTUDO
AVALIAÇÃO
PILOTO
SCML
PSICOLÓGICA
11
8
CCDSSC
15
13
CDC
13
9
INSTITUIÇÃO
Caracterização da amostra
Os participantes que constituem a amostra (N = 30) apresentam M = 9.53 ± 5 (A: 1 – 16) anos
de escolaridade; M = 73.73 ± 9.86 (A: 60 – 94) anos de idade e 93.3% dos participantes são do
género feminino.
Instrumentos utilizados para avaliação psicológica
A avaliação psicológica dos participantes foi realizada por psicóloga clínica e englobou
os aspetos cognitivos, a autoperceção mnésica e o estado emocional e consistiu na
aplicação do conjunto dos seguintes instrumentos de avaliação: os testes de rastreio de
défices cognitivos Mini-Mental State Examination (MMSE; Folstein, Folstein, &
McHugh, 1975; Freitas, Simões, Alves, Santana, 2014) e Montreal Cognitive
Assessment (MoCA; Nasreddine, Phillips, Bédirian, Charbonneau, Whitehead, Collin,
& Chertkow, 2005; Freitas, Simões, Santana, Martins, & Nasreddine, 2013); a Escala
Subjetiva de Queixas de Memória (SMC; Schmand, Jonker, Hooijer, & Lindeboom,
1996; Ginó, Mendes, Ribeiro, Mendonça, Guerreiro, & Garcia, 2008) para a
quantificação objetiva das queixas cognitivas; e a Escala de Depressão Geriátrica (GDS30; Yasavage, Brink, Rose, Lum, Huang, Adey, & Leirer, 1983; Barreto, Leuschner,
Santos, & Sobral, 2008), para avaliação de alterações afetivas e exclusão de casos de
Depressão grave. Todos estes instrumentos estão adaptados e validados para a
população portuguesa, sendo possível a interpretação dos resultados e, portanto, garantir
a correta seleção dos participantes cognitivamente saudáveis. A ordem de aplicação dos
instrumentos seguiu a enumeração aqui apresentada e assenta no princípio de evitar
qualquer influência na avaliação cognitiva.
92
93
Instrumentos utilizados para análise de dados
Como suportes de apoio à recolha de dados do estudo piloto para posterior análise
foram criados diversos instrumentos, nomeadamente: (i) para técnicos observadores:
Protocolo de observação das sessões de teste; Formulários de registo dos dados da
observação da experiência global de cada utilizador durante as sessões de teste;
Formulário de registo da experiência de cada utilizador durante a execução de cada uma
das atividades; e (ii) para testers: Questionário para recolha de dados pessoais;
Formulário de avaliação individual de cada uma das 11 atividades; e Formulário de
avaliação pessoal da componente de SO.
Procedimentos para recolha de dados
Inicialmente foi estabelecido contacto com as instituições parceiras de modo a
sensibilizar as pessoas para a importância do treino cognitivo no contexto do
envelhecimento saudável. Identificados os utentes das instituições recetivos a participar
no projeto, o primeiro passo foi a obtenção do consentimento informado escrito. Os
utentes com desempenho cognitivo considerado normal para a escolaridade e idade, e
com ausência de sintomatologia em grau severo, testaram todas as onze atividades de
treino cognitivo até ao nível máximo conseguido (NMC). Em todos os momentos de
colaboração no estudo foi proporcionado aos participantes um ambiente com ausência
de ruído e com condições de luminosidade e temperaturas adequadas.
As sessões de teste das atividades tiveram uma duração média de uma hora e o número
médio de sessões foi igual a seis (M = 6.3; A: 4 -10). A condução das sessões teve em
consideração o respeito pela autonomia dos participantes, não existindo um tempo
rígido para a realização dos exercícios, existindo um ajuste a cada indivíduo e às suas
características e limitações (por exemplo, pessoas com dificuldades visuais preferem
várias sessões num intervalo de tempo mais reduzido do que pessoas sem qualquer tipo
de dificuldade visual).
Procedimentos para análise de dados
Para a análise de dados foi utilizado o programa estatístico Statistical Package for
Social Sciences (IBM, SPSS Version 20). Foram utilizadas análises estatísticas
descritivas para a caracterização da amostra e das sessões. As correlações de Pearson
permitiram a análise da relação entre os instrumentos e o nível máximo conseguido
93
94
(NMC) nas atividades de treino cognitivo. Recorreu-se ao modelo de regressão linear
(RLM) para o estudo da influência da idade, da escolaridade, e da pontuação obtida na
GDS – 30 no NMC. A análise da evolução dos parâmetros avaliados pela psicóloga que
acompanhou as sessões foi realizada recorrendo ao teste t-Student para amostras
emparelhadas.
RESULTADOS
Análise da relação entre os resultados obtidos na avaliação psicológica e o nível máximo
conseguido (NMC) nas atividades de treino cognitivo
Nos testes de rastreio cognitivo obteve-se no MMSE: M = 28.53 ± 1.2 e no MoCA: M =
21.60 ± 4.92; na SMC: M = 3,93 ± 2,67; e GDS – 30: 5,90 ± 4,65.
Verificaram-se correlações positivas e estatisticamente significativas entre a pontuação
total no MoCA e o NMC em todas as atividades (p < .01), ou seja, melhor desempenho
no MoCA correspondia a maiores NMC nas atividades. Foi ainda possível observar
correlações positivas e estatisticamente significativas entre a pontuação total no MMSE
e o NMC em 7 das 11 atividades. Os valores das correlações positivas entre o NMC e os
testes de rastreio cognitivo foi sistematicamente maior no MoCA do que no MMSE.
A pontuação total no MoCA exerceu influência no NMC em todas as atividades, e
chega a explicar o NMC nas atividades desde 26% até 62%. Já a pontuação total no
MMSE exerceu influência em 7 atividades. A maior percentagem explicada pela
pontuação total do MMSE ocorreu sobretudo em tarefas que envolviam memória.
Não se verificaram correlações estatisticamente significativas entre o NMC e a GDS – 30.
Influência da escolaridade e da idade no NMC
Verificaram-se correlações positivas e estatisticamente significativas entre o NMC e a
escolaridade para todas as atividades. Assim, quanto maior é a escolaridade maior é o
NMC. A escolaridade influenciou de forma estatisticamente significativa o NMC em
quase todas as atividades, à exceção da atividade Torres (funções executivas).
Em relação à idade observaram-se correlações negativas entre o NMC e a idade, ou seja,
quanto maior foi a idade, menor foi o NMC em todas as atividades. As correlações
negativas e estatisticamente significativas entre o NMC e a idade foram encontradas
para quase todas as atividades, à exceção das atividades Labirintos (funções executivas
94
95
e capacidade visuoespacial) e Torres (funções executivas). A idade influenciou de forma
estatisticamente significativa o NMC em quase todas as atividades, à exceção das
atividades Labirintos e Torres.
As correlações entre NMC e escolaridade são maiores do que as correlações entre o
NMC e a idade. Os resultados obtidos na correlação e na regressão vão ao encontro
daquilo que já se conhece na literatura, sendo o desempenho cognitivo altamente
influenciado pela escolaridade e não tanto pela idade.
Identificação e reconhecimento de dificuldades, limitações ou incapacidades que condicionem a
utilização de dispositivos ou sistemas tecnológicos
No Questionário de Caracterização dos Participantes, 36,7% da amostra considera ter
dificuldades visuais; 13,3% dificuldades auditivas; 16,7% dificuldades motoras; e 3,3%
da amostra considera ter dificuldades cognitivas.
Após conclusão do estudo, e preenchimento do Questionário de Avaliação Pessoal da
Componente de Saúde Ocupacional, 96,7% afirma “raramente” ter tido dificuldade em
ler o conteúdo; 86,7% “muita facilidade” em distinguir as cores e 13,3% “alguma
facilidade”. Em relação aos aspetos de compreensão 80% dos participantes considerou
ter compreendido e interpretado “com muita facilidade” a informação que lhes foi
apresentada e 20% “com alguma facilidade”. Todos os participantes consideraram
“quase sempre” a linguagem usada clara, simples e adequada ao conteúdo. Estes
resultados sugerem a adequação da plataforma ao público-alvo.
Avaliação da eficácia, eficiência, capacidade de memorização e frequência e da severidade dos
erros que ocorreram ao longo das sessões de aplicação do primerCOG
Para a análise destes quatro parâmetros considerámos a média do conjunto dos itens que
compõem cada um dos parâmetros avaliados. A comparação do registo efetuado pela
neuropsicóloga que acompanhou as sessões é estabelecida atendendo ao número médio
de sessões (M = 6.3), efetuando-se a comparação entre a primeira e a sexta avaliação (n
= 19), e ao número mínimo de sessões realizadas por todos os participantes (4 sessões).
Os resultados da avaliação da análise comportamental evidenciaram uma melhoria
significativa entre a 1ª e a 6ª sessão em todos os parâmetros avaliados através da
observação comportamental (cf. Tabela 2). Entre a 1ª e a 4ª sessão os resultados foram
semelhantes, à exceção da frequência e severidade dos erros que até à 4ª sessão não
apresentava ainda uma melhoria significativa.
95
96
Tabela 2 - Valores do teste t-Student para os parâmetros avaliados durante
a primeira, quarta e sexta sessões
EFICÁCIA
1ª – 4ª sessão
(N = 30)
1ª – 6ª sessão
(n = 19)
FREQUÊNCIA
CAPACIDADE
EFICIÊNCIA
E
DE MEMORIZAÇÃO
SEVERIDADE
DOS ERROS
3.10 (p = .004)
3.08 (p = .004)
2.85 (p = .008)
1.99 (p = 0.56)
2.70 (p = .015)
3.28 (p = .004)
2.85 (p = .031)
2.66 (p = .016)
Avaliação comportamental resultante da observação dos vários participantes ao longo de todas
as sessões de teste que existiram durante o estudo piloto
À semelhança do que aconteceu para os participantes também a neuropsicóloga que
acompanhou todas as sessões de treino cognitivo realizou a avaliação da análise da
experiência de utilização da plataforma. Vários itens foram analisados, tendo-se optado
por agrupá-los de modo a apresentar os dados por áreas de análise com a designação da
escolha da resposta correspondente ao valor médio.
Tabela 3. Avaliação da execução das atividades e da interação com o sistema,
efetuada pelo profissional em análise comportamental
Cálculos
Classificar
Colecionar
Descobrir
Encontrar
Cartões
Botões
as
os Gémeos
Labirintos
Lista
de
Palavras
Na Mesma
Slot
Ordem
Machine
Torres
Vi ou Li
Antes
Diferenças
COMPREENSÃO
Da informação apresentada; Do funcionamento da atividade
(1 - Muita dificuldade; 2 - Alguma dificuldade; 3 - Alguma facilidade; 4 - Muita facilidade)
4
3
DIFICULDADES
4
3
4
3
DEMONSTRADAS
4
AO
3
4
NÍVEL
3
3
FUNCIONAL
Uso do rato para interagir com o sistema; Em usar o teclado para interagir com o sistema
(1 - Muita dificuldade; 2 - Alguma facilidade; 3 - Muita facilidade)
96
97
3
2
DIFICULDADES
2
3
3
DEMONSTRADAS
2
AO
3
NÍVEL
3
DA
3
INTERFACE
3
E
3
USABILIDADE
Compreensão da linguagem; Leitura de conteúdos; Distinção das cores; Compreensão e retenção dos elementos gráficos;
Compreensão das instruções auxiliares; Compreensão dos feedbacks recebidos
(1 - Muita dificuldade; 2 - Alguma facilidade; 3 - Muita facilidade)
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
CAPACIDADE DE RESOLUÇÃO DE "PROBLEMA" | SUPERAR DIFICULDADES
(1 - Desistiu de imediato e necessitou de auxílio; 2 - Desistiu com muita facilidade e necessitou de auxílio; 3 - Desistiu com
alguma facilidade e necessitou de auxílio; 4 - Muito persistente mas acabou por necessitar de auxílio; 5 - Muito persistente sem
necessidade de auxílio)
4
4
5
5
5
4
4
4
4
4
EXECUÇÃO
4
(EXPERIÊNCIA)
Capacidade de: Orientação | Interação | Interpretação | Resposta a estímulos | Desempenho global
(1 - Muito fraca; 2 - Fraca; 3 - Razoável; 4 - Positiva; 5 - Muito positiva)
4
4
4
5
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
4
ATITUDE
Grau de aceitação e interesse demonstrado
(1 - Nenhum; 2 - Pouco; 3 - Algum; 4 - Elevado; 5 - Muito elevado)
4
4
4
4
4
4
CONCLUSÕES
O treino cognitivo on-line foi considerado "necessário" por 56,7% e "muito necessário" por
33,3% dos participantes no estudo. Contudo, 93,3% nunca tinham utilizado plataformas para
este fim, por desconhecerem a sua existência (92,9%). Todos os participantes usam telemóvel,
mas apenas 48,3% usam computador. Foram encontradas correlações positivas e significativas
entre o nível máximo conseguido (NMC) em cada atividade e as pontuações totais no MoCA; e
ausência de correlações significativas entre o NMC em cada atividade e a GDS-30. A pontuação
obtida na GDS-30 não influenciou significativamente o NMC em cada uma das atividades.
Verificaram-se melhorias significativas entre a primeira e a última sessão de utilização da
componente de SO quanto à eficácia, eficiência, capacidade de memorização e frequência de
erros cometidos aquando da utilização da plataforma. Após conclusão do estudo, 66,7% dos
participantes afirmaram estar ”muito satisfeitos” e 26,7% “satisfeitos” com a plataforma testada.
A existência de utilização prévia do computador não exerceu influência no grau de satisfação da
utilização do sistema.
Como conclusão podemos afirmar que a recetividade à utilização do primerCOG foi muito
positiva.
97
98
Os participantes apresentaram comportamentos que indicam motivação nas tarefas, tais como:
 Escuta atenta e estabelecimento de contacto visual com a técnica de análise comportamental e
cognitiva aquando da explicação das tarefas;
 Leitura atenta das informações/indicações presentes nas atividades;
 Seleção e clique com o rato do computador nas tarefas sugeridas;
 Interesse em analisar o seu próprio desempenho;
 Sentido crítico das tarefas realizadas, que se tornou notório através das sugestões apresentadas
sobre melhorias que poderiam ser efetuadas;
 Avaliação positiva das atividades cujo nível máximo de desempenho foi atingido.
No futuro pretende-se realizar a validação clínica e científica da plataforma, através da
implementação de um novo estudo piloto longitudinal com 2 grupos (controlo/clínico),
o que permitirá determinar a eficácia do primerCOG, explorando e avaliando: a
capacidade de melhoria dos utilizadores do primerCOG; a capacidade preventiva dos
utilizadores do primerCOG; e se as atividades de treino cognitivo avaliam realmente os
domínios cognitivos pretendidos em cada uma delas e se estão adequadas aos perfis de
utilizadores.
Referência
AgeLight (2001). Interface design guidelines for users of all ages. Retirado de:
http://www.agelight.com/webdocs/designguide.pdf.
Alzheimer Europe. (2013). Dementia in Europe Yearbook 2013. Retirado de:
http://alzheimereurope.org/content/download/79291/491583/file/Final%20version%20of%20the%2020
13%20yearbook%20from%20the%20printers.pdf.
Barranco-Quintana, J. L., Allam, M. F., Castillo, A.S., & Navajas, R. F.. (2005).
Factores de riesgo de la enfermedad de Alzheimer. Revista de Neurología, 40(10). pp.
613-618.
Barreto, J., Leuschner, A., Santos, F., & Sobral, M. (2008). Escala de Depressão
Geriátrica. In Grupo de Estudos de Envelhecimento Cerebral e Demências (Eds.),
Escalas e Testes na Demência (pp. 69-72). Lisboa: GEECD.
Chen, J., Lin, K., & Chen, Y.. (2009). Risk factors for dementia. Journal of Formosan
Medical Association, 108(10), 754-764.
Clark, W. (2002). A means to an end: the biological basis of aging and death. New
York; Oxford: Oxford University Press.
98
99
Ferri, C. P., Prince, M., Brayne, C., Brodaty, H., Fratiglioni, L., & Ganguli, M. (2005).
Global prevalence of dementia: A Delphi consensus study. Lancet, 366(9503), 21122117.
Folstein, M., Folstein, S., & McHugh, P. (1975). Mini-Mental State: A practical method
for grading the cognitive state of patients for the clinician. Journal of Psychiatric
Research, 12, 189-198.
Freitas, S., Simões, M.R., Alves, L., Santana, I. (2014, in press). The Relevance of
Sociodemographic and Health Variables on MMSE Normative Data. Applied
Neuropsychology: Adult. 1-9. doi: 10.1080/23279095.2014.926455
Freitas, S., Simões, M. R., Santana, I., Martins, C. & Nasreddine, Z. (2013). Montreal
Cognitive Assessment (MoCA): Versão 1. Coimbra: Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.
Ginó, S., Mendes, T., Ribeiro, F., Mendonça, A., Guerreiro, M., & Garcia, C. (2008).
Escala de Queixas de Memória. In Grupo de Estudos de Envelhecimento Cerebral e
Demências (Eds.), Escalas e Testes na Demência (pp. 117-120). Lisboa: GEECD.
Herrera-Rivero, M., Hernández-Aguilar, M. E., Manzo, J., & Aranda-Abreu, G. E.
(2010). Enfermedad de Alzheimer: Inmunidad e diagnóstico. Revista de Neurología,
51(3), 153-164.
Hosseini, S. M., Kramer, J.H., & Kesler, S. R. (2014). Neural correlates of cognitive
intervention in persons at risk of developing Alzheimer's disease. Frontiers in Aging
Neuroscience, 6, 231.
Luck, T., Luppa, M., Briel, S., & Riedel-Heller, S. G.. Incidence of mild cognitive
impairment: A systematic review. Dementia and Geriatric Cognitive Disorders, 29(2),
164-175.
Nasreddine, Z., Phillips, N. A., Bédirian, V., Charbonneau, S., Whitehead, Collin, V.,
… & Chertkow, H. (2005). The Montreal Cognitive Assessment, MoCA: A Brief
Screening Tool for Mild Cognitive Impairment. American Geriatrics Society, 53(4),
695-699. doi: 10.111/j.1532-5415.2005.53221.x.
Redish, J., & Chisnell D. (2004). Designing web sites for older adults: A review of
recent
literature.
Retirado
de:
http://assets.aarp.org/www.aarp.org_/articles/research/oww/AARP-LitReview2004.pdf.
Schmand, B., Jonker, C., Hooijer, C., & Lindeboom, J. (1996). Subjective memory
complaints may announce dementia. Neurology, 46, 121-125.
99
100
Seshadri, S., Wolf, P. A., Beiser, A., Au, R., McNulty, K., White, R., & D'Agostino,
R.B..(1997). Lifetime risk of dementia and Alzheimer’s Disease: The impact of
mortality on risk estimates in the Framingham study. Neurology, 49(6), 1498-1504.
Yasavage, J. A., Brink, T. L., Rose, T. L., Lum, O., Huang, V., Adey, M., & Leirer, V.
O. (1983). Development and validation of a Geriatric Depression Screening Scale.
Jounal of Psychiatric Research, 17(1), 37-49.
100
101
101
102
EFEITOS DO PRECONCEITO E BULLYING NO PROCESSO DE INCLUSÃO
ESCOLAR
Morgana Christmann & Sílvia Maria de Oliveira Pavão
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil.
Resumo
O bullying é um problema social que tem efeitos deletérios sobre o desenvolvimento
daquele que sofre e as vítimas geralmente são sujeitos que apresentam alguma diferença
dos demais, como as pessoas com deficiência. Assim, a escola precisa ser um local de
desconstrução de preconceitos e de respeito aos direitos humanos, com igualdade de
oportunidades.
Palavras-chave: Inclusão; Bullying; Preconceito.
Abstract
Bullying is a social problem that has deleterious effects on the development those who
suffer and the victims are usually those with a difference of others, such as people with
disabilities. Thus, the school must be a place of deconstruction of prejudices and respect
for human rights and equal opportunities.
Keywords: Inclusion; Bullying; Prejudices.
Introdução
O direito à educação de pessoas com deficiência no Brasil, deflagrou nos últimos anos a
necessidade de rever paradigmas educacionais. A Constituição de 1988 (Brasil, 1988) e
a Lei nº 8069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil,
1990), afirmam que é direito de todo ser humano crescer e desenvolver-se. Ainda com o
direito garantido por lei é comum que as pessoas com deficiências se deparem com
preconceito, barreiras que impedem seu trânsito, seu convívio social e seu crescimento
físico, mental e social.
Refletir acerca dos processos que envolvem a inclusão é um desafio para profissionais
das diversas áreas do conhecimento, pois envolve uma complexidade de elementos
102
103
sócio-históricos, culturais, socioeconômicos e humanos, os quais exigem um olhar
amplo sobre os fatores que envolvem a inclusão em suas diferentes faces. Contudo, esta
reflexão requer que a história de segregação e preconceito sofrido pelas pessoas com
deficiência ao longo dos anos seja considerada, para desta maneira compreender a
situação atual da inclusão, já que diversos são os seus desafios (Jannuzzi, 2004).
Dentre os processos que envolvem a inclusão escolar, está a presença do preconceito e a
“estranheza” causada pela diferença, enquanto elementos históricos que influenciam na
atualidade as questões que envolvem incluir. Entretanto na escola, outro conceito que
tem resultado em diversas pesquisas na área da educação e psicologia especialmente, é o
bullying. O bullying como problema social, tem preocupado a comunidade escolar pelos
efeitos deletérios ao desenvolvimento psicossocial da criança, não apenas aquela sem
deficiência, mas especialmente as que apresentam algum característica que as
“diferencie” dos demais, como as diversas deficiências (Fante; Pedra, 2008).
Tendo como base o cenário da inclusão de pessoas com deficiência na escola regular,
esta pesquisa teve como objetivo dissertar sobre a presença do preconceito e bullying na
escola inclusiva, sob a perspectiva de alunos, pais e professores, com vistas a refletir
sobre os processos psicossociais que envolvem a inclusão.
Metodologia
No decorrer de uma pesquisa, além de elaborarmos respostas organizadas e pertinentes
às perguntas realizadas, construímos sempre novos conhecimentos sobre determinados
temas, tendo em vista as constantes transformações sociais (Gamboa, 2012). A
pesquisa qualitativa, do tipo exploratória, teve como lócus de estudo a rede municipal
de ensino de um município do Rio Grande do Sul-Brasil, sendo aprovada pelo Comitê
de Ética de uma universidade federal no mesmo estado.
A abordagem qualitativa elegida como tipo de pesquisa, busca desvendar os
significados dos fenômenos e dos processos vivenciados pelos sujeitos. Como afirma
Minayo (2004, p. 22), o estudo qualitativo possibilita aprofundar-se no mundo dos
significados e relações humanas que são impossíveis serem medidas ou até mesmo
percebidas por outros métodos de pesquisa.
Nesse estudo, a amostra foi constituída por alunos matriculados do 5° ao 9° ano na rede
municipal de ensino, seus pais e professores. Como critérios para participar do estudo
foram elencados os alunos que apresentassem deficiência física motora (DFM) e
103
104
ausência de deficiência cognitiva. Para localizar tais alunos, foram utilizados os dados
do Educacenso6 e contato telefônico prévio com as educadoras especiais ou
coordenadoras pedagógicas das escolas, que apresentavam registro de alunos com
deficiência física no Educacenso. Assim a amostra foi constituída por 10 professores
(P1...P10), 10 alunos (A1...A10) e sete pais (M1...M7). Foram sete pais, pois duas
alunas eram irmãs e possuíam a mesma DFM, sendo que uma prima também com
deficiência frequentava a escola e pelas quais (3 alunas) apenas uma mãe respondeu e
ainda um aluno era maior de idade.
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas, tendo como
guia três roteiros. Os pais, alunos e professores foram entrevistados individualmente e
suas respostas foram gravadas e posteriormente transcritas pela pesquisadora. Importa
referir que, todos os participantes deram seu consentimento por meio da assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Termo de Assentimento (menores de 18
anos), respeitando os princípios éticos da pesquisa com seres humanos, assegurados
pela Resolução 196/96 (Brasil, 2012).
A análise dos dados foi realizada pelo método de Análise de Conteúdo proposta por
Bardin (2011). A análise de conteúdo é entendida como uma técnica de compreensão,
interpretação e explicação das formas de comunicação, cujos objetivos centrais são: a)
ultrapassar as evidências imediatas; b) aprofundar a percepção da realidade e c)
verificar a pertinência e desvelar a estrutura das mensagens (Bardin, 2011). A partir
desta análise foi possível criar uma categoria metodológica que possibilitou dissertar
acerca do objetivo proposto.
Resultados e Discussão
A pesquisa encontrou um total de 10 alunos (5 meninos e 5 meninas) que se encaixavam
nos critérios de inclusão. Assim, a amostra foi constituída por alunos com média de
idade 14,7 anos, sendo que dois alunos pertenciam ao 5º ano, um ao 6º ano, dois ao 7º
ano, dois ao 8º ano e três ao 9º ano do ensino fundamental.
Quanto as deficiências, dois alunos eram usuários de cadeira de rodas, por sequelas de
paralisia cerebral (PC) e mielomeningocele, A1 e A2 respectivamente. Uma aluna
apresentava baixa estatura causada pelo nanismo (A5) e os demais sete alunos
6
Trata-se de uma pesquisa anual obrigatória para as escolas públicas e privadas da educação básica
brasileira.
104
105
apresentavam sequelas de PC nas diversas formas (A3, A4, A6, A7, A8, A9 e A10),
sendo que apenas um deles (A8) possuía tetraparesia, o caso de maior
comprometimento motor, que no entanto não impedia a mobilidade. Nesse sentido é
importante elucidar que, estes sete alunos possuíam marcha sem apoio com pequenas
dificuldades de locomoção.
Preconceito e bullying.
O preconceito é um tema que vem sendo discutido há anos, em especial, nas ciências
sociais. No entanto, nos últimos tempos, com o advento da “educação para todos”
(Declaração de Jomtien, 1990), os pesquisadores da área da educação têm verificado a
necessidade de pesquisar a temática, tendo em vista a presença da “diferença” na escola
em suas diversas formas.
A deficiência remete a presença da diferença. A diferenciação é pautada por um lugar
social segundo Silva (2006), presentes em todas culturas. Para a mesma autora o
preconceito nada mais é do que um mecanismo de negação social, já que “o ser
diferente” é compreendido como carência, falta ou impossibilidade, que apesar de ser
um comportamento pessoal, é desencadeado por uma ação social (Silva, 2006).
As atribuições de impossibilidade, carência e falta estão também relacionadas à
possibilidade de participação ativa na sociedade, na forma de trabalho. Historicamente,
pessoas com deficiência eram consideradas “inválidas”, “monstros”, que despertavam
medo e pavor. Logo, eram dignas de atitudes de proteção e rejeição, que caracterizam o
preconceito até os dias atuais (Silva, 2006).
A prática do bullying, por sua vez, é caracterizada por agressões verbais repetitivas em
relação a alguma fragilidade ou diferença da vítima (Fante; Pedra, 2008). No caso dos
alunos aqui pesquisados, percebe-se que, em sua maioria, a presença do preconceito, em
relação à deficiência, resulta no bullying.
Deste modo, importa referir que, no contexto desta pesquisa, o preconceito e bullying
são discutidos em conjunto. Porém, são entendidos como dois conceitos distintos, mas
que, no argumento do preconceito quanto aos sujeitos desta pesquisa, o bullying está
intimamente relacionado ao ato de discriminar. Desse modo, o bullying é entendido
como resultado de um processo de discriminação e de preconceito.
A escola enquanto um dos primeiros ambientes sociais da criança, onde ela se encontra
afastada de seus pais e se caracterizando e constituindo como sujeito pertencente aquele
105
106
espaço é um local onde as primeiras manifestações preconceituosas podem ocorrer.
Contudo, igualmente, é o local em que a presença da diferença deve ser assegurada
como forma de construir uma sociedade mais igualitária, sem preconceito e
discriminação.
Nessa pesquisa pode-se verificar, que o preconceito está presente nos relatos da maior
parte dos participantes, mesmo velado, em diversas situações. Quando os alunos foram
questionados quanto ao sentimento de exclusão por possuírem uma deficiência, as
respostas foram variadas. Cinco deles responderam não se sentirem excluídos, como
relatado por uma aluna: “Não. Só me considero mais baixinha. Eles zoam comigo como
zoam com todo mundo.” (A5). É possível perceber, nessa fala, que o fato de “zoar 7” é
prática frequente entre os adolescentes. Esta prática pode ser caracterizar como bullying,
no entanto parece que os adolescentes têm enfrentado a situação como cotidiana,
natural. Não seria este um problema que favoreceria a perpetuação da prática do
bullying ou noutros casos de preconceito?
Já o aluno A1, com certa maturidade que a idade lhe confere, afirma que uma pessoa
com deficiência sempre será observada. Nestas situações, por vezes, isso pode gerar
preconceito e, em outras situações, pode ser empregado como forma de piedade,
cuidado ou solidariedade:
O que eu percebo é que tudo o que você faz vai ser notado, seja uma risada, uma
coisa que você falar, ou algum movimento teu vai ser notado pelas outras
pessoas [...] cuidado exagerado, às vezes, porque, se alguma coisa cair no chão,
eles pensam que a gente não pode juntar, e a gente pode... (A1).
Entretanto, esse aluno tem, bem claro, que isso não pode interferir no cotidiano:
“Chama atenção de qualquer maneira! O que não pode atrapalhar, por que as pessoas
vão estar sempre te notando, sempre te olhando, tu não pode dar atenção para aquilo,
por que se você der atenção aquilo vai incomodar”.
As falas de A5 e A1 refletem a compreensão que possuir uma deficiência não é
sinônimo de incapacidade. Em geral, neste estudo, as crianças mais velhas parecem
relacionar-se melhor com sua condição física. Isso não ocorre do mesmo modo no caso
dos mais novos, principalmente em relação ao bullying.
O estudo sobre os dados da PENSE8 de Malta et al. (2014) revelou que os meninos mais
velhos sofrem menos bullying dos que os mais novos. Nessa pesquisa, entre os alunos
7
8
Zoar: Fazer bagunça, atrapalhar, incomodar o outro pelas suas características e atitudes.
Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar.
106
107
que relataram sofrer mais bullying (oito alunos), a maior parte foi de meninos e, apesar
de não poder fazer correlação com a idade, já que a faixa etária dos alunos aqui
pesquisados difere daquela aplicada na PENSE (alunos do 9° ano), os relatos revelaram
que, na atualidade, os alunos sofrem menos bullying que quando eram mais novos.
Todavia, a prática persiste.
O preconceito é uma manifestação que se dá de diversas formas. As atitudes, por
exemplo, podem revelar preconceitos velados. Uma aluna afirmou que é tratada
diferente por alguns professores: “Tratar melhor do que os outros! Alguns me tratam
normal e outros me tratam diferente” (A2). Este relato faz refletir sobre a formação do
professor para atuar com os alunos com deficiência. A falta de preparo é relatada pela
literatura brasileira, como um dos grandes problemas do processo de inclusão, já que
exige uma mudança paradigmática (Freitas; Pavão, 2012).
Sobre a relação com colegas, dois alunos explicitaram que estes não os convidam para
realizar as atividades e, às vezes, lançam ofensas verbais, referindo-se à deficiência com
o termo “aleijado”. O bullying praticado por crianças e adolescentes, em relação às
pessoas com deficiência, pode ser uma manifestação preconceituosa e discriminatória,
que vem sendo perpetuada, como consequência de uma história recente de segregação.
Os alunos foram questionados se já haviam sofrido bullying na escola, em decorrência
da deficiência, e apenas dois deixaram claro não terem passado por essa situação. Os
demais alunos referiram que, em algum momento da vida, foram chamados de
“aleijados”, “pé torto”, “mão torta”, “doente mental” e tantos outros adjetivos que
causam desconforto: “Me sinto triste quando as pessoas olham pra gente com a cara
torta, ou chamam a gente de aleijada...” (A3).
Uma situação relatada, em que o bullying incide sobre a deficiência, refere-se ao caso de
um aluno com PC que, em virtude da lesão cerebral, manteve o reflexo de moro e, por
isso, todo barulho agudo e estridente lhe causa um “susto”. Esse evento foi observado
pelos colegas de turma, que provocam a reação diversas vezes, batendo com a mão
sobre a carteira escolar. Tal situação foi relatada pela mãe e pelo próprio aluno:“...como
me assusto por qualquer coisa eles ficam provocando isso” (A8). Com medo de
represálias dos próprios colegas fora da escola, nada foi feito, no intuito de reduzir a
prática, por opção da família.
É importante destacar que um dos fatores que impedem as atitudes, tanto da escola
quanto da família, frente a essas situações, é o medo, já que a violência está muito
107
108
presente nos bairros do município pesquisado. Por outro lado, essa não é uma
justificativa que sustente o fato de o aluno continuar a passar por essa situação.
Nesse sentido, praticar bullying, durante a adolescência, é uma característica que pode
indicar um maior risco de adoção de comportamentos agressivos na idade adulta. Já
quem sofre o bullying, tem risco maior de desenvolver sintomas de estresse, depressão,
baixa estima ansiedade e baixo rendimento escolar (Malta et al., 2014).
As mães dos alunos pesquisados também foram questionadas quanto ao fato de seus
filhos sofrerem bullying na escola. Apenas uma respondeu que não, as demais mães
referiram ouvir relatos de seus filhos terem sofrido bullying, em relação às suas
características físicas, em algum momento na escola. Nessas situações, a função dos
pais é dar apoio à criança ou ao adolescente:
[...] eu sempre digo pra ela que ela não é diferente de ninguém porque está numa
cadeira de rodas, que o mundo é o mesmo e que existe preconceito, […] apesar
de ter agora a inclusão, tem preconceito sim, sempre vai ter, não é? Então, eu
digo pra ela: tu não é diferente de ninguém, não é inferior nem superior a
ninguém, tu é igual a todos (M2).
A tarefa de prevenir o bullying e de combatê-lo é, também, da família. Essa,
inicialmente, deve oferecer apoio psicológico à criança ou ao adolescente e, em seguida,
tomar atitudes em relação aos agressores. Entretanto, a família precisa ser assistida,
nesse processo, e ter suporte para criar estratégias conjuntas com a escola, sobretudo,
em se tratando de situações de grande complexidade, que envolvam alta frequência e
permanência da violência (Pereira et al., 2011).
Nas falas dos professores, do mesmo modo, é possível identificar que a escola tem
procurado combater todas as formas de preconceito:
Não, eu acho que não é preconceito, não sei se seria preconceito, mas é ele que
não procura, ele que fica na dele, quietinho. Os colegas vão até ele, mas se ele
quer ir ao banheiro, é diferente, tem que pedir por favor, pode ir lá com o A8,
sempre tem um pronto, entendeu? Mas ele não procura os colegas, fica lá [...]
(P8).
O papel do professor é fundamental nesse processo. Para que esse possa intervir e
auxiliar no desenvolvimento de estratégias para a prevenção e combate ao bullying, ele
necessita conhecer bem esse fenômeno social (Pereira et al., 2011). É possível perceber,
nas falas dos alunos, a importância da intervenção do professor: “[...] só que a
professora mandou ele parar e agora ele não faz mais isso...(A4). “Eu achava que tinha
108
109
mais quando a professora Maria não estava aqui. Aí não era nada comigo, mas era com
o João, ficavam chamando ele de cadeirante voador. Antes, quando ela não vinha cuidar
dele, agora que ela vem, parou (A9)”.
Noutros casos o bullying pode ocasionar problemas de ordem física para a vítima. A
entrevistada M8 relata que o filho sofre com constantes problemas gastrointestinais que
não apresentam uma causa aparente e que já foi motivo de investigação médica. Esses
problemas de causa psicossomática existiriam pelo fato de sofrer bullying
cotidianamente? Fante e Pedra (2008) indicam que uma das principais consequências,
para a saúde das pessoas que sofrem bullying, é o estresse.
O estado de estresse causa baixa imunidade e, assim, sintomas diversos são
desencadeados, principalmente próximos ao horário de ir à escola. Tais sintomas
incluem dor de estômago, diarreia, dor de cabeça, dores musculares, tensão, ansiedade,
distúrbios do sono, que podem resultar em doenças como as gastrites, anorexia, herpes,
alergias, entre outras (Fante; Pedra, 2008).
Segundo o mesmo autor, crianças e adolescentes que sofrem bullying na infância
desenvolvem diferentes capacidades na vida adulta. Essas, muitas vezes, estão
relacionadas aos fatores estressores da infância e podem ocasionar problemas de
interação social na vida adulta (Fante; Pedra, 2008).
Contudo, contrapondo as informações até agora apresentadas, uma professora relata
verificar a capacidade de resiliência que o aluno com deficiência pode desenvolver, para
enfrentar as dificuldades advindas da deficiência. Segundo a professora, seu aluno sofre
bullying constantemente na escola e fora dela, e pontuou que: “É outra coisa que eu
percebo que parte dele também, o querer aprender. Talvez essa limitação física faça
com que ele se motive mais e se esforce mais para aprender e não faltar aula” (P10).
A resiliência é uma capacidade que envolve situações de superação de dificuldades,
auto realização e compreensão do homem. Para isso o incentivo e apoio da família e da
escola são fundamentais para que a criança/adolescente possa se desenvolver e adquirir
autonomia e independência (Garcia, 2008).
No tocante às situações que geram bullying entre os alunos pesquisados, apresentar uma
deficiência que dificulte a aprendizagem, no contexto da escola, e que necessite de um
apoio educacional, como a sala de Atendimento Educacional Especializado (AEE),
também foi elemento gerador de bullying e preconceito:
Uma vez, lá no Figueira, quando eu fazia com uma professora que ensinava a
gente fazer as coisas [...]. Era uma sala tipo essa, aí ela ensinava a gente fazer as
109
110
coisas. Aí, cada vez que eu ia nestas aulas, tinha um guri que ficava toda hora me
chamando de perneta e coisa (A9).
Com esta descrição é possível perceber que, ao mesmo tempo em que o objetivo do
AEE é garantir melhores recursos para a aprendizagem dos alunos com deficiência,
também se tornou uma forma de diferenciar os alunos que apresentam alguma
necessidade de auxílio à sua aprendizagem, favorecendo as situações de preconceito e
bullying. Outro ponto a ser observado, referente a essa amostra, é o questionamento de
quais são os alunos que realmente necessitam de atendimento pelo AEE. Ser
considerado um aluno com deficiência não pressupõe carecer de apoio, pois a condição
de deficiência nem sempre determinam as condições de aprendizagem.
Quanto ao fato dos alunos com deficiência perceberem que estão sofrendo preconceito,
foi verificado que esta compreensão varia e, às vezes, as pessoas não reconhecem a
situação que estão vivendo por estarem acostumadas a sofrerem discriminação. Isso foi
relatado por um aluno: “Aqui na escola, como já tinha passado por um processo de
preconceito bem forte em 2006, eu já não dava bola, porque eu passei por isso a vida
inteira, eu só não percebia. Está aí uma baita diferença: você passa por isso, só que você
não percebe [...]” (A1).
O preconceito é um mal social e, logo, presente em diversos locais, das mais diversas
formas. A estranheza causada pela deficiência faz remeter o pensamento à possibilidade
de se igualar, haja vista as fragilidades do corpo humano, o que causa medo e aversão
(Silva, 2006). A mãe de uma aluna diz perceber tal estranheza ao frequentar locais
públicos:
[...] pelo lado de acharem engraçado de rirem sabe, porque, quando eu estou
junto, ela nem percebe, só com o olhar a pessoa vê que eu notei, de tirarem foto
dela disfarçados [...]. Então, eu vejo muito isso, não vejo assim do lado mal de
discriminação sabe, mas incomoda não é? Porque tu estás indo na rua, as pessoas
se cutucam, mostram, como já aconteceu de virem pedir pra tirar foto com ela.
Ai eu digo: se ela quiser, por mim, tudo bem (M6).
Quando analisadas as histórias de vida relatadas pelos alunos e por seus pais, o que se
observa é que o processo que envolve o preconceito com as pessoas com deficiência
física está relacionado, também, ao desconhecido. Na maior parte dos casos, os alunos
sofreram discriminação quando ingressaram na escola, mas, assim que os colegas
passaram a conhecê-los, a compreender suas deficiências e aceitá-las como diferenças
110
111
naturais, o preconceito foi minimizado. Já, entre os adultos, o preconceito parece ser
maior e estar velado em diversas situações.
Tendo por base essas observações, minimizar o bullying ou o preconceito, representa
uma tarefa para a escola em parceria com a família e a comunidade. Novas estratégias
devem ser criadas, pelas escolas, para reduzir o preconceito e a discriminação. Uma
delas é justamente expor os alunos à diferença, seja ela causada pela deficiência, pela
raça, pela cor, pelo gênero, pela opção sexual ou pela religião.
Conclusão
O processo de inclusão escolar ainda caminha por ruas sinuosas, na medida em que
diferentes obstáculos são impostos a cada dia. Por este fato, a escola necessita se
reinventar cotidianamente, dando respostas as dificuldades dos seus alunos e cumprindo
com sua função social.
Contudo, é reconhecido que ainda na atualidade, possuir uma deficiência é sinônimo de
estranheza, fato que entre os alunos em processo de formação, pode gerar o bullying e o
preconceito. Dessa maneira, a escola deve estar sensível para estas ocorrências e
possibilitar um ambiente livre dessas atitudes. Trata-se de um desafio para a escola, que
exige a colaboração de pais e da sociedade em geral.
Para superar estes obstáculos e garantir o aprendizado, que pode estar comprometido
pelas consequências de tais atos, parcerias com diferentes profissionais podem auxiliar
na formulação de estratégias para o enfrentamento do bullying e preconceito. Isto se faz
necessário, na medida que em processo de formação, o aluno necessita reconhecer
limites e aprender a respeitar os demais para viver em sociedade, ajudando a construí-la
sob uma perspectiva de direitos e liberdade.
Referências
Bardin, L. (2011). Análise de Conteúdo. Lisboa: 70 ed.
Brasil. (1988). Constituição Federativa do Brasil. Senado Federal, Brasília-DF, 1988.
Disponível
em:
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 03
maio 2013.
111
112
Brasil. (1990). Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do AdolescenteECA. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF. Acedido em 03 de Maio, 2013,
em, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm.
Brasil. (2008). Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, DF, MEC/SEESP. Acedido em 03 de maio,
2013, em, http://www.portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf.
Brasil, (2012). Resolução 196/96 versão 2012. Ministério da Saúde. Conselho Nacional
de Saúde.Comissão Nacional de ética em Pesquisa. Acedido em 15 outubro, 2013, em
http://conselho.saude.gov.br/web_comissoes/conep/aquivos/resolucoes/23_out_versao_f
inal_196_ENCEP2012.pdf.
Fante, C. & Pedra, J.A. (2008). Bullying escolar: perguntas e respostas. Porto Alegre:
Artmed.
Freitas, S.N. & Pavão, S.M.O. (2012). Professor da educação inclusiva: reflexões a
partir de uma abordagem curricular compreensiva. Revista Educação Especial, 25(43),
p.
277-290.
Acedido
em
06
de
Janeiro,
2015,
em,
http://www.ufsm.br/revistaeducacaoespecial.
Gamboa, S.S. (2012). Pesquisa em Educação métodos e epistemologias. 2. ed. Chapecó:
Argos.
Garcia, S.C. (2008). A resiliência no indivíduo especial: uma visão logoterapêutica.
Revista Educação Especial, 21(31), p. 25-36. Acedido em 20 de Julho, 2014, em
http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-2.2.2/index.php/educacaoespecial.
Jannuzzi, G.M. (2004). A educação do deficiente no Brasil: dos primórdios ao início do
século XXI. Campinas: Autores Associados.
Malta, D. C. et al. (2014). Bullying em escolares brasileiros: análise da Pesquisa
Nacional de Saúde do Escolar (2012). Revista Brasileira de Epidemiologia. 17(
Suple.1),
p.
92-105.
Acedido
em
10
de
Janeiro,
2015,
em
http://www.scielo.br/pdf/rbepid/v17s1/pt_1415-790X-rbepid-17-s1-00092.pdf.
Minayo, M.C.S. (2004). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 23. ed.
Petrópolis: Vozes.
Pereira, B.O. et al. ( 2011). Bullying escolar: Programas de Intervenção Preventiva. In:
Gisi, M. L.& Ens, R. T. (Orgs). Bullying nas escolas: Estratégias de prevenção e
formação de professores. Ijuí: Ed. Unijui.
112
113
113
114
ESTADOS DE HUMOR E JULGAMENTOS
(Emoções e satisfação com a vida)
Vitor Nunos Anjos; Margarida Pocinho; Alexandra Grasina; João Silva; Luis Loureiro;
Margarida Miranda & Magda Raquel Maia
Introdução
A satisfação com a vida é um fator subjetivo do bem-estar, que por sua vez é uma área
da psicologia que tem crescido muito ultimamente, cobrindo estudos que têm utilizado
as mais diversas nomeações, tais como: felicidade, satisfação, estado de espírito e afeto
positivo (Giacomoni, 2004).
As emoções podem ser induzidas, através do visionamento de um filme alegre ou triste,
ou recordando um evento feliz ou triste do nosso passado, ou recebendo feedback
positivo ou negativo em alguma tarefa, exatamente o tipo de experiências que produz
emoções boas ou más na vida real (J. P. Forgas & Moylan, 1987; J. Forgas, 2009).
A satisfação com a vida pode ser dirigida a uma área específica da vida do sujeito (e.g.
trabalho, família) ou de forma global. Existem três faculdades humanas mentais básicas
da psicologia: cognição (como processamento de informação), motivação e emoção.
Apesar do poder indubitável das emoções, estas foram, durante muitos anos,
negligenciadas como tema de investigação científica. Contudo, através da psicologia,
sabemos que pela alteração da perceção (processo cognitivo) podemos manipular as
nossas emoções. E, ao invés de este ser um poder perigoso, a evidência sugere que a
emoção é uma ferramenta útil e essencial que faz parte da nossa capacidade de resposta
a diferentes situações sociais (J. Forgas, 2009).
Frequentemente, confrontamo-nos, em situações do dia-a-dia, com a necessidade de
fazer julgamentos sociais num curto espaço de tempo, pela nossa perceção acerca de
eventos passados, presentes ou futuros. Emoções positivas estão associadas com
julgamentos optimistas e emoções negativas com julgamentos pessimistas (Joseph P.
Forgas & East, 2008).
Regra geral, as emoções positivas como a alegria, a satisfação e o amor, têm uma
implicação direta com a saúde. Permitem o desenvolvimento cognitivo e
comportamental e a construção de recursos psicológicos e emocionais. As emoções
114
115
negativas como o medo e a raiva induzem comportamentos de evitação ou de enfrentar
ameaça. Sendo o pensar uma fonte de stress psicológico, rever conceitos de forma mais
ampla e encarar os eventos como desafios e não como ameaças, possibilitam respostas
criativas, integradas e oferece uma variedade grande de opções comportamentais, com
criticidade, mas sem preconceitos, medos, fuga ou ambivalências. As emoções positivas
também minimizam a duração e os efeitos tóxicos da excitação emocional negativa
(Fredrickson, 2001; Freitas, 2011).
Sinteticamente, as emoções positivas ampliam o repertório pensamento-ação exercendo
uma função adaptativa em situações percebidas como ameaçadoras e favorecendo o
bem-estar em contraposição às emoções negativas que limitam momentaneamente o
repertório de pensamentos/ações restringindo as opções comportamentais (Fredrickson,
2001).
A satisfação com a vida promove originalidade, colaboração, versatilidade, sucesso,
motivação pessoal e social. Em sentido contrário, a psicologia experimental tem
enfatizado a necessidade de limitar, controlar e evitar estados negativos afetivos (J. P.
Forgas & Moylan, 1987; J. Forgas, 2009).
Nesta investigação pretendemos verificar se os estados de humor desencadeados pelo
visionamento de três vídeos diferentes (um de comédia, outro de drama e outro de
violência) influenciam os níveis de satisfação com a vida dos sujeitos.
Metodologia
Após uma seleção aleatória foram apresentados 3 sketches a 81 indivíduos de ambos os
sexos com conteúdos humorísticos diferentes: drama, violência e comédia. Após a sua
visualização pretendeu-se avaliar se a manipulação de humor das pessoas que os viram
influenciaria a avaliação da sua satisfação com a vida.
O sketch sobre drama, com a duração de 2:59 minutos, consistia na história de um pai
surdo mudo e da sua filha que o rejeitava. Durante uma tentativa de suicídio a filha auto
mutila-se, necessitando de uma transfusão sanguínea. O pai salva-lhe a vida ao ser o seu
dador. No sketch sobre violência, com a duração de 52 segundos, durante uma briga de
rua, um indivíduo agride violentamente outra pessoa na cabeça, deixando-o inanimado
na via pública. Durante o sketch de comédia com a duração de 4:39 minutos, são
visualizadas várias situações engraçadas que surpreendem as pessoas.
115
116
No fim do visionamento do filme todos os sujeitos (portanto, de todas as condições)
preencheram a Escala da Satisfação com a Vida – SWLS. Estes tiveram um tempo de
preenchimento de cerca de 90 segundos. Para avaliar a satisfação com a vida foi
utilizada a Escala de Satisfação com a Vida – SWLS (Diener et al., 1985) validada para
a população português a por Simões (1992). O sketch de drama foi visto por 32 sujeitos,
o de comédia por 24 e o de violência por 25. Em termos de perceção de classe social, 4
sujeitos classificam-se como baixa, 17 média baixa, 54 média e 4 média alta. A idade
média dos indivíduos era de 24,59 e desvio padrão de 9,174 compreendida entre 18 e os
57 anos.
Resultados:
As. Comparações estatísticas realizadas através do teste Anova (F=2,875, p=0,062)
sugeriram que os três grupos eram equivalentes quanto à satisfação com a vida.
Tabela 1 - Estatísticas resumo e resultados da Anova em função do sketch
Sketch:
n.º
Drama
32
17,31
3,95
Comédia
24
19,96
3,96
Violência
25
17,44
5,39
x̅
dp
f
p
PO
2,875
0,062
0,55
Após a transformação de 3 para 2 grupos, testámos as diferenças com recurso a Anova
Os resultados mostram que a satisfação com a vida é influenciada pelo tipo de
sentimentos que pontualmente se experienciam (f=5,811; p=0,018).
Tabela 2 - Estatísticas resumo e resultados da Anova em função do sketch
Sketch:
n.º
Negativos
57
17,37
4,59
Positivos
24
19,96
3,96
x̅
Dp
f
p
PO
5,811
0,018
0,66
No estudo desta relação, verificámos também, através de testes entre (análises
bivariadas e univariadas) e intra grupos (regressão múltipla) se o sexo, a idade e a classe
social influenciavam a satisfação com a vida, contudo os resultados obrigaram-nos a
não rejeitar a hipótese nula (p>0,05), permitindo-nos concluir que a influência dos
116
117
sentimentos provocados pela visualização dos filmes e a satisfação com a vida se deve a
esta relação e não à interferência das variáveis supramencionadas.
Discussão
Sabendo que as emoções podem ser induzidas, segundo “(J. P. Forgas & Moylan, 1987;
J. Forgas, 2009)através do visionamento de um filme alegre ou triste, ou recordando um
evento feliz ou triste do nosso passado, ou recebendo feedback positivo ou negativo em
alguma tarefa (Forgas, 2009), exactamente o tipo de experiências que produz emoções
boas ou más na vida real, o presente estudo compreendeu uma tentativa de mapear os
efeitos associados à manipulação das emoções na satisfação com a vida. Os dados
apresentados sugerem que a exposição a sentimentos negativos leva a uma menor
satisfação com a vida.
Os resultados obtidos estão em consonância com alguns achados disponíveis na
literatura, sugerindo o aumento marginalmente significativo para a satisfação com a
vida em relação ao envolvimento (J. Forgas, 2009). No entanto, estávamos expectantes
que as influências teriam uma maior significância nos resultados enquanto os três
grupos da amostra estavam separados, o que não sucedeu. Tal só surgiu aquando se
passou a ter apenas dois grupos e ai os resultados vão de encontro ao que “Forgas e
Moylan (1987)” experienciaram e que nos serviu de base para esta pesquisa.
É de salientar que em psicologia, uma parte substancial dos estudos de satisfação com a
vida surge associada aos estudos teóricos do sentido da vida e inclusivé do bem-estar
subjetivo. Estas teorias têm subjacente o pressuposto de que o sentido da vida pode de
facto ter influência, positiva ou negativa, na saúde mental dos indivíduos e são
indissociáveis da satisfação com a vida. Sabemos, no entanto, que pela alteração da
perceção, podemos manipular as nossas emoções. E, ao invés de este ser um poder
perigoso, a evidência sugere que a emoção é uma ferramenta útil e essencial que faz
parte da nossa capacidade de resposta a diferentes situações sociais (J. Forgas, 2009).
A título de exemplo relativamente à satisfação com a vida, é habitual afirmar que a
pessoa experimenta em situações de dificuldade e vulnerabilidade três tipos de
determinantes ou “pesar” relacionados diretamente com a satisfação com a vida. Pesar
em relação ao passado (perceção de não ter realizado as suas aspirações), e mais pesar
117
118
em relação ao futuro (a pessoa percebe a sua impotência para realizar os objetivos
futuros). A terceira determinante refere-se ao significado atribuído à finitude.
As determinantes estão relacionadas com a extensão com que um indivíduo pondera ou
contempla as dificuldades no quotidiano, tornando-o assim saliente.
a) Ativando diretamente sentimentos de pesar e pensamentos relativos ao significado da
vida;
b) Afetando as determinantes, nomeadamente modificando as crenças da pessoa em
relação a si e ao próprio mundo;
c) Ativando um vasto conjunto de mecanismos de coping, incluindo os processos de
revisão de vida, planeamento de vida, identificação com a cultura e processos de auto
transcendência.
Neste caso pode observar-se que os filmes, consoante a tipologia, conseguem despertar
nos indivíduos diferentes emoções que são fundamentais na manutenção do equilíbrio e
saúde mental dos indivíduos. Emoções positivas estão associadas com julgamentos
optimistas e emoções negativas com julgamentos pessimistas (Joseph P. Forgas & East,
2008). Ainda que a experiência esteja confinada ao âmbito laboratorial, pode observarse, por exemplo, a importância que as atividades de entretenimento e lazer têm na
experimentação de emoções positivas.
Será que a amostra deveria ter sido, anteriormente ao visionamento dos, exposta de
igual forma a um estímulo neutro? Será que o facto de ter sido feito em salas diferentes,
por cada grupo, teve influência nos resultados obtidos? Será que pelo facto de serem
alunos da mesma escola condicionou o estudo? Será que deveriam os durar mais tempo
e provocar uma maior influencia nos estados de humor? Todas estas são questões que
gostaríamos de comprovar em futuras pesquisas. Futuros estudos devem centrar-se no
controlo de muitas variáveis relevantes, nomeadamente constituir-se um verdadeiro
grupo experimental, incluindo grupo de controlo e observação pré e pós teste. É de
salientar que deve-se incluir grupos mistos de intervenções de modo a controlar o efeito
das determinantes individuais sobre o tratamento.
Referências
Forgas, J. (2009). Think Negative! Can a bad mood make us think more clearly?
Australian
Science,
30(10),
14–17.
Obtido
de
118
119
http://www.control.com.au/bi2009/bi310.php
Forgas, J. P., & East, R. (2008). How Real is that Smile? Mood Effects on Accepting or
Rejecting the Veracity of Emotional Facial Expressions. Journal of Nonverbal
Behavior, 32(3), 157–170. http://doi.org/10.1007/s10919-008-0050-1
Forgas, J. P., & Moylan, S. (1987). After the Movies: Transient Mood and Social
Judgments.
Personality
and
Social
Psychology
Bulletin,
13(4),
467–477.
http://doi.org/10.1177/0146167287134004
Fredrickson, B. L. (2001). The role of positive emotions in positive psychology. The
broaden-and-build theory of positive emotions. The American psychologist, 56(3), 218–
26.
Obtido
de
http://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.fcgi?artid=3122271&tool=pmcentrez&
rendertype=abstract
Freitas, T. C. C. C. de. (2011). Meditação Mindfulness para Promoção de Coping e
Saúde Mental : Aplicação clínica e em presídio. Pontifícia Universidade Católica de
Goiás.
Giacomoni, C. H. (2004). Bem-estar subjetivo: em busca da qualidade de vida, 12(1),
43–50.
Simões, A. (1992). Ulterior validação de uma escala de satisfação com a vida (SWLS).
Revista Portuguesa de Pedagogia, (3), 503–515.
119
120
120
121
FAMÍLIA E TRATAMENTO PARA A PESSOA COM TRANSTORNO
MENTAL – UM CASO BRASILEIRO9
Lucimar Aparecida Garcia Coneglian10&José Augusto Leandro11
Resumo
O presente trabalho é parte de uma pesquisa cujo objetivo foi o de identificar interfaces
na relação família - casos ‘exitosos’ no tratamento para as pessoas com transtorno
mental que freqüentam os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). A pesquisa foi
realizada em sete serviços de CAPS pertencentes a região dos Campos Gerais, no estado
do Paraná – Brasil. Esse estudo também apontou que na relação família – CAPS os
familiares consideram a instituição como um local de alento, um espaço para
compartilhar dificuldades e dúvidas. O CAPS, um serviço aberto e que atua na lógica da
reinserção psicossocial, foi visto pela maioria destas famílias como um local de
acolhimento da angústia por elas vivida. E, por vezes, foi visto como um local de
'julgamento', onde se sentiram criticadas e culpabilizadas pela doença do seu familiar.
Esse movimento, aparentemente contraditório, retrata um momento histórico de
construção de um novo paradigma de cuidado em saúde mental.
Palavras-chave: Reforma Psiquiátrica brasileira; CAPS; Familiar cuidador; Transtorno
mental.
Abstract
This work is part of a research whose objective was to identify interfaces on the
relationship between family and mental disorders – cases ‘successful’ treatment for
9
Este artigo é o condensado do terceiro capítulo da dissertação ALÉM DA REMISSÃO DOS
SINTOMAS: REFORMA PSIQUIÁTRICA E CAPS NA REGIÃO DOS CAMPOS GERAIS –
PARANÁ, orientada pelo Professor Doutor José Augusto Leandro e defendida em 2011 no Programa de
Pós- Graduação de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná, Brasil.
10
Bolsista Capes - Processo nº 99999.003372/2015-04. Doutoramento em Ciências Sociais Aplicadas pela
Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutoranda visitante do Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra.
11
Professor associado do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais
Aplicadas da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Doutorado em História Cultural pela
Universidade Federal de Santa Catarina.
121
122
people with mental disorders who attend the Centers for Psychosocial Care (CAPS).
The survey was conducted in seven CAPS services belonging to the Campos Gerais
region in the state of Paraná – Brazil. In turn this study also pointed out that the family
relationship – CAPS, family members consider the institution as a place of breath, a
place to share difficulties and doubts. CAPS, an open service and that operates in a
psychosocial reintegration logic, was seen by most of these families, as a host site for
the distress they lived. And sometimes it was seen as a 'judgment' place where they felt
criticized and blamed for the illness of their family member. This movement, apparently
contradictory, portrays a historical moment of construction of a new paradigm of care in
mental health.
Keywords: ; Brasilian Psychiatric Reform; CAPS; Family Caregiver; Mental disorder
Vários foram os tratamentos oferecidos às pessoas em sofrimento psíquico, mas,
principalmente a partir do século XVIII (o século da grande internação, segundo
Foucault, 1978), o tratamento médico se ateve às internações em instituições de
exclusão como manicômios e hospitais psiquiátricos. Ao longo de 250 anos a instituição
asilar foi sinônimo de tratamento e a única opção para pessoas com transtorno mental.
No caso do Brasil, não apenas hospitais públicos, mas principalmente hospitais do setor
privado absorviam a grande maioria destes leitos.
A exclusão resultante do internamento hospitalar prolongado tornou, muitas vezes, a
pessoa com transtorno mental um ser ‘invisível’ para a sua própria família e para a
sociedade. E é no contraponto da invisibilidade e desqualificação desses sujeitos que a
Reforma Psiquiátrica constitui seus princípios, resgatando-os como pessoas/cidadãos
em sofrimento psíquico. Conforme lembra Cavalcante (2003), com a Reforma
Psiquiátrica, o enfoque não é mais a cura, a reparação, mas a produção de vida.
Desinstitucionalização significa tratar o sujeito em sua existência e em relação com suas
condições concretas de vida. Isto significa não administrar-lhe apenas fármacos ou
psicoterapias, mas construir possibilidades. O tratamento deixa de ser a exclusão em
espaços de violência e mortificação para tornar-se criação de possibilidades concretas
de sociabilidade a subjetividade. O doente, antes excluído do mundo dos direitos e da
cidadania, deve tornar-se um sujeito, e não um objeto do saber psiquiátrico. A
desinstitucionalização é este processo, não apenas técnico, administrativo, jurídico,
legislativo ou político; é, acima de tudo, um processo ético, de reconhecimento de uma
122
123
prática que introduz novos sujeitos de direito e novos direitos para os sujeitos.
(AMARANTE, 1995, p. 494).
A desinstitucionalização é entendida como uma progressiva ‘devolução à comunidade’
da responsabilidade com relação às pessoas em sofrimento psíquico, em um movimento
de olhar a pessoa com transtorno mental em sua humanidade e como sujeito de desejos
e necessidades. Também indica crença na inclusão e na capacidade da família no
cuidado de seu ente em sofrimento psíquico.
No Brasil foram criados os Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, dispositivos
abertos de atenção em saúde mental que são normatizados pelo Ministério da Saúde e
caracterizam-se como “um lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem
com transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e demais quadros, cuja severidade
e/ou persistência justifiquem sua permanência num dispositivo de cuidado intensivo,
comunitário, personalizado e promotor de vida.” (BRASIL, 2004, p.13).
Nestas unidades de atendimento esta pesquisa procurou entender como estão sendo
articuladas a relação família - pessoa em sofrimento psíquico - serviço.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para a coleta de dados12 foram selecionados sete serviços de CAPS situados na região
do estado do Paraná denominada de Campos Gerais13. Dos vinte e quatro municípios
integrantes da região dos Campos Gerais, sete possuíam CAPS transtorno mental em
funcionamento: Arapoti, Campo Largo, Castro, Lapa, Ponta Grossa, Rio Negro e
Telêmaco Borba.
A pesquisa empírica envolveu diferentes procedimentos de obtenção de informações,
como a coleta de dados nos prontuários dos usuários, questionários com coordenadores
dos CAPS e com profissionais atuantes nos serviços e, por fim, entrevistas com
familiares.
Vários foram os objetivos do questionário com os profissionais, entre eles identificar
possíveis histórias de êxitos no tratamento dos sujeitos que frequentavam os serviços. A
12
Todos os passos dessa pesquisa foram aprovados pelo COEP – Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Estadual de Ponta Grossa.
13
A noção da região adotada por esta pesquisa não se apegou apenas aos critérios físicos, nos aspectos
fitogeográficos e geomorfológicos. Importou os aspectos referentes a identidade histórica e cultural que
remonta ao século XVIII, em que foi rota de “tropas de muares e gado de abate provenientes do Rio
Grande do Sul com destino aos mercados de São Paulo e Minas Gerais.” (DICIONÁRIO HISTÓRICO E
GEOGRÁFICO DOS CAMPOS GERAIS, sem ano, sem página).
123
124
partir dos questionários respondidos pelos profissionais chegou-se a um número de
aproximadamente 40 sujeitos que fazem, ou fizeram tratamento nesses serviços e que
foram identificadas como casos exitosos. A partir destas histórias de ‘êxitos’ foi
realizada discussão com as equipes, ocasião em que foram acrescentados outros três
critérios para refinar a seleção para entrevista:
1.
Familiar/cuidador de pessoa com transtorno mental severo, de longa duração,
com histórico de várias internações psiquiátricas anteriores
2.
Familiar/cuidador que acompanha a pessoa com transtorno mental há pelo
menos dois anos.
3.
Familiar/cuidador de ‘usuário’ em tratamento no CAPS há mais de dois anos.
A adoção destes critérios está pautada pela identificação de sujeitos com importante
grau de dificuldade de estabilização pregressa do quadro e que estejam em tratamento
no CAPS por um período significativo de tempo, indicando adesão ao tratamento. Dessa
forma foi feita a escolha de 14 casos exitosos - dois para cada um dos CAPS
pesquisados.
Para este artigo será apresentada, de forma condensada, a análise destas catorze
entrevistas realizadas com os familiares/cuidadores de pessoas com transtorno mental e
que foram considerados casos exitosos no tratamento.
FAMÍLIA
DA
PESSOA
COM
TRANSTORNO
MENTAL
–
ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES
Para este trabalho concebe-se família como socialmente construída e que traz por tarefas
a articulação das relações entre seus membros e a localização dos sujeitos no conjunto
social. Para a demógrafa Elza Berquó (1998, p. 414): “a família é, acima de tudo, a
instituição a que é atribuída a responsabilidade por tentar superar os problemas da
passagem do tempo tanto para o indivíduo como para a população.” Da psicanálise,
acrescenta-se a importância da família em dar continência aos seus membros na medida
da elaboração de seus traumas, permitindo a aceitação do filho através da revisão das
suas expectativas e desejos.
Vale o cuidado de não reduzir uma questão tão complexa como a do transtorno mental a
uma problemática intra-familiar. Trata-se de uma questão que abarca aspectos
124
125
históricos, sociais, culturais, psíquicos e biológicos. Não se pode reduzir o sofrimento
psíquico ao indivíduo, à família ou ao biológico.
Em pesquisa que se debruçou sobre famílias pobres, Sarti (2009, p. 52-53) refere que:
"A família não é apenas o elo afetivo mais forte dos pobres, o núcleo da sua
sobrevivência material e espiritual, o instrumento através do qual viabilizam seu modo
de vida, mas é o próprio substrato de sua identidade social. Em poucas palavras, a
família é uma questão ontológica para os pobres. Sua importância não é funcional, seu
valor não é meramente instrumental, mas se refere à sua identidade de ser social e
constitui a referência simbólica que estrutura sua explicação do mundo".
Assim como em Sarti (2009), as famílias aqui pesquisadas também podem ser
consideradas pertencentes aos segmentos mais empobrecidos da sociedade brasileira.
Ao concordar com a autora, que concebe família como substrato da “identidade social”,
esta adquire um status significativo no tratamento das pessoas em sofrimento mental.
O tratamento asilar não se interessou pela família da pessoa com transtorno mental ou à
instrumentalização desta para que estivesse mais preparada para o cotidiano de
existência e de cuidado de seu ente. Para a família do período asilar apresentou-se várias
dificuldades, tais como: o pouco entendimento do que é o sofrimento psíquico, a
culpabilização pelo transtorno mental do seu ente, o abandono social, a dificuldade de
acesso a serviços eficientes, as dificuldades econômicas, entre tantas outras.
É importante fazer uma reflexão sobre cuidado e a figura do cuidador da pessoa com
transtorno mental que, geralmente, está situado no círculo familiar. Para Rosa (2008, p.
277): “Prestar cuidados às pessoas enfermas traduz uma das obrigações do código de
direitos e deveres entre os integrantes da família consangüínea. Mesmo que redunde, em
algum ganho ou prejuízo econômico, prover cuidado, figura como uma das atividades
inerentes a tarefas familiares ou domésticas que, da perspectiva do grupo familiar,
foram ‘naturalizadas' como próprias da família.”
É possível destacar dois extremos quando a temática é a de cuidado da pessoa em
vulnerabilidade: o excesso de cuidado, denotando proteção exacerbada, ou a falta de
cuidado, denotando abandono.
Ayres et al. (2003) refere a preocupação com o processo de vitimização e de tutela que a
vulnerabilidade pode suscitar. “Um dos problemas mais apontados nesse sentido é
continuar promovendo uma discriminação negativa dos grupos mais afetados, agora não
mais pelo estigma, mas pela sua vitimização e correlativa tutela, preocupação
125
126
totalmente fundada” (AYRES et al., 2003, p. 131). Assim, não apenas o abandono é
prejudicial, o excesso de cuidados pode acarretar prejuízos na construção da autonomia
pelo sujeito.
Outro aspecto é o de que existe no imaginário um entendimento da ‘obrigatoriedade’ da
presença de um cuidador, indicando superproteção/infantilização da pessoa em
sofrimento psíquico. “O processo de superproteção frequentemente é perpassado por um
de desqualificação, cuja exacerbação tende a culminar num processo de invalidação em
que o ritmo e o tempo próprio do portador de transtorno mental não é considerado, e
nem sua singularidade. O portador de transtorno mental tende, nessas circunstâncias, a
ser percebido como diferente, mas é rotulado de forma negativa.” (ROSA, 2003, p.
253).
AS FAMÍLIAS PESQUISADAS
Foi constatada uma supremacia de mulheres cuidadoras: com exceção de um único
CAPS, de Rio Negro, onde os cuidadores estavam equilibrados entre os dois sexos,
todas as demais unidades pesquisadas apresentaram quase que o dobro de cuidadores
femininos se comparados aos masculinos.
A concepção de cuidado é historicamente construída e confunde-se com a concepção de
maternagem, uma vez que o papel cultural da mulher está atrelado a sua condição
biológica, “engravidar e amamentar é imbricado com a tarefa de maternar como se
fossem atividades correlatas, extensivas” (ROSA, 2003, p. 275). À parte as mudanças
na configuração na constituição da família contemporânea, com a mulher assumindo
papéis fora do ambiente familiar, numa sociedade ainda fortemente marcada pelos
valores do patriarcalismo, na prática ela ainda continua sendo a grande cuidadora.
Classificadas nos grupos ‘família original’14 e a ‘família conjugal’15, encontrou-se mais
de 80% dos cuidadores. Poucos usuários dos CAPS dos Campos Gerais são cuidados
por pessoas sem vínculo familiar (2,4%). Kantorski et al. (2009), pesquisando os CAPS
da Região Sul do Brasil registrou que 39,3% dos usuários vivem com
cônjuge/companheiro (a) e 46,2% vivem com familiar, especialmente mãe ou pai, e
apenas 10,8% vivem sozinhos. Números estes bem próximos aos encontrados na região
dos Campos Gerais. Andreoli (2004), pesquisando o CAPS da cidade de Santos
14
15
Família Original: entendida como pai/mãe e irmão/irmã.
Família Conjugal: inclui marido/esposa e filho/filha.
126
127
encontrou 78% dos usuários morando com a família. É possível inferir que a família
está bastante presente, pelo menos no aspecto formal do cuidado.
Das mil duzentas e doze pessoas que fazem tratamento nos CAPS dos Campos Gerais,
setenta e sete delas (6,4%) não tem cuidador. Os CAPS pesquisados referem que
aqueles ‘usuários’ que não apresentam cuidador podem ser em virtude de não o
necessitarem ou ainda por estarem ‘abandonados’ por familiares. Neste sentido, dos 77
‘usuários’ dos CAPS dos Campos Gerais que não apresentam a figura do cuidador,
parte deles encontra-se em situação de abandono.
TRIANGULAÇÃO FAMÍLIA/’USUÁRIO’/CAPS
Uma vez que o hospital psiquiátrico saiu de cena como guardião da pessoa com
transtorno mental entra em cena a família. Ela passou a ter papel relevante neste
tratamento, afinal, os CAPS são serviços diurnos e abertos, e de frequência de acordo
com o projeto terapêutico definido caso a caso. Assim, a família mantém o status de
cuidador contrariando o existente no período asilar, em que o familiar estava
temporariamente excluído do cuidado.
Ainda que nos casos pesquisados fosse constatada a existência de proximidade entre
família e serviço, isso não significou que a participação da família foi espontânea e
imediata. Muitas vezes, a sua aproximação aos serviços se deu de maneira um pouco
forçada, com idas e vindas.
Os argumentos utilizados pelas famílias para não participar do tratamento dizem
respeito a um sentimento de estranhamento da doença. O caso do FAMILIARCUIDADOR 5, marido de uma usuária do CAPS, pode ilustrar esta questão. Como
motivo para não participar do tratamento de sua esposa ele dizia que:
Ah eu sempre falava pra ela que eu não vinha. Porque o doente não era eu. Que eu não
tinha problema, que ela que tinha que vir... E ela cansou de falar “Vá, o médico quer
fala com você”. E eu sempre deixava pra traz “Não eu não... Não sou eu que to doente,
quem precisa é você... O que eu vou dizer para o médico, se teus problemas não são por
causa de mim”. Até que chegou um dia que eu peguei, eu mesmo decidi vir, e daí vi que
a... participação minha foi muito importante pro tratamento dela... A participação pro
casal é muito importante pro tratamento. (FAMILIAR-CUIDADOR 5)
127
128
O modelo biomédico, cuja lógica do tratamento está restrita às consultas médicas e à
prescrição medicamentosa, ainda está presente na concepção de muitos familiares, que
resistem em participar de um tratamento cujo pressuposto vai além deste modelo.
Outro aspecto observado durante as entrevistas é que alguns familiares-cuidadores
comparam o CAPS com uma família.
... o CAPS foi a minha mãe, sabe? (FAMILIAR-CUIDADOR 2)
É uma família, né. Que quer muito bem ela e nós queremos bem eles. (FAMILIARCUIDADOR 7)
Conceber o CAPS como família e como mãe pode acarretar uma série de implicações.
De um lado vale lembrar que a loucura é gestada socioculturalmente e, sendo assim, sua
maternidade não pode se circunscrever a determinado serviço. Existe também o perigo
dos CAPS assumirem o “papel de família”, distanciando-se de seu objeto inicial que é o
tratamento. Tratamento este não no sentido tradicional do termo, abarcando apenas
consultas e medicamentos, mas concebido a partir dos constructos da Reforma
Psiquiátrica, dentre eles, a inserção social para além da estrutura da instituição.
Em outra perspectiva, é possível visualizar que quando os entrevistados se referem ao
CAPS como uma família, podem estar considerando também o próprio histórico de
orfandade que vivenciaram. Como já anteriormente relatado, na história do tratamento
para as pessoas com transtorno mental, lugar de louco era o hospício e o lugar da
família era o do isolamento social, na vergonha e na culpa. Durante a realização das
entrevistas, pode-se observar um ‘alento’ dessas famílias com a existência dos CAPS,
que relataram histórico pregresso de seus familiares com inúmeras internações,
diagnósticos diferentes em cada serviço consultado, falta de orientações sobre a
problemática de seu familiar, etc. A orfandade em que os tratamentos pregressos aos
CAPS impuseram a estas famílias parece que as leva, agora, a enxergar a instituição
como uma ‘mãe’.
Como resultado da construção histórica do conceito de loucura existe dificuldades de
caracterizar o comportamento da pessoa em sofrimento psíquico como sintomas de
‘doença’. Usualmente são vistos por prismas morais, julgando-os como “preguiçosos”,
“manipuladores”, “desobedientes”, “violentos” entre tantos outros juízos de valor. Esta
128
129
concepção, além de dificultar o tratamento, também dá posse ao sujeito do comando de
seu comportamento e revela um olhar que caracteriza a pessoa com transtorno mental
como responsável por seus atos. “A própria invisibilidade da ‘doença mental’ ativa os
fantasmas familiares. Como está habituada com a leitura lesional da doença, em geral
buscam, como a psiquiatria, uma causa orgânica para explicar o transtorno mental até
como forma de aplacar o sentimento de culpa.” (ROSA, 2003, p. 247).
Olhar o evento a partir da noção de doença/anormalidade ou ainda na perspectiva de um
sujeito em sofrimento pode resultar em diferenças na expectativa do tratamento.
Considerar o tratamento exitoso no primeiro caso remete a concepção de cura e, no
segundo, perpassa pelo entendimento de “um sujeito [...] com sua singularidade”
(YASUI, 2010, p. 148), onde a crise é parte constitutiva do processo, não sendo
indicativa de fracasso no tratamento. Perpassa também por aceitar o sujeito em sua
diferença, rompendo com a lógica do ajustamento e da normalidade.
Ele é assim mesmo. De vez em quando fica de mau humor, não quer falar com
ninguém... xinga.... Eu já aprendi.... É só deixar ele sozinho que passa. (FAMILIARCUIDADOR 11)
Ao que parece, essa cuidadora está ressignificando o sujeito em sofrimento psíquico e
dando um espaço para sua existência-sofrimento. Um espaço que supera o da
classificação e o da normatização. Neste sentido, possivelmente a crise tem seu lugar, é
esperada e em alguma medida, está sendo entendido como um momento de ‘grande mau
humor’. Esse olhar diferenciado sobre o comportamento do familiar suaviza o
relacionamento e as cobranças, gerando uma convivência menos angustiante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo conteúdo das entrevistas com as famílias foi possível perceber que estas ainda
interpretam a pessoa em sofrimento psíquico pelo prisma da moralidade. Também
existe, por parte delas, o entendimento do CAPS como um ‘normatizador’, numa
expectativa de que o serviço atue de forma pedagógica sobre o comportamento da
pessoa em sofrimento psíquico.
129
130
Seguindo a coerência da contradição presente neste estudo, para além da moralidade e
da normatização, também ficou evidente na fala destas famílias uma maior compreensão
acerca do sofrimento de seu ente, que, por vezes, estão sendo vistos por seus cuidadores
como sujeitos de desejos e de direitos. Sujeitos possíveis de existência na diferença.
De uma forma geral, o alento de poder compartilhar dificuldades e dúvidas foi um
sentimento freqüente nas famílias pesquisadas. O CAPS, um serviço aberto e que atua
numa lógica de reinserção psicossocial, foi visto, por parte destas famílias, como um
local de acolhimento da angústia vivida por elas. Mas também, por vezes, foi visto
como um local de julgamento, onde estas famílias sentiram-se criticadas e
culpabilizadas. O processo de desqualificação/exclusão experimentado pelas pessoas em
sofrimento psíquico também foram vivenciados por suas famílias.
No decorrer dessa pesquisa foi possível perceber que a aproximação família/pessoa em
sofrimento psíquico/CAPS não é simples e está permeada de referências teóricas
defendidas pelas ciências psi em diferentes períodos históricos. Aspectos como a de
culpabilização da família pela ‘crise’ de seu ente, o conceito de família desestruturada, a
crença na inabilidade da família no cotidiano do cuidado ainda permeiam o olhar
lançado pelos profissionais sobre os familiares cuidadores, e em alguma medida,
também, são constructos que podem ter sido assimilados como verdadeiros pelos
próprios familiares.
A realidade se apresenta contraditória em movimentos de avanços e recuos, onde o novo
tem existência simultânea com o velho, ou seja, os constructos que permeiam a Reforma
Psiquiátrica coexistem e se contrapõem aos constructos da psiquiatria biomédica, que
ainda assombram o cotidiano de cuidados.
REFERÊNCIAS
AMARANTE, Paulo. Novos Sujeitos, Novos Direitos: O Debate sobre a Reforma
Psiquiátrica no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 11 (3): 491-494,
jul./set. 1995.
ANDREOLI, Sérgio Baxter et al. Utilização dos Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS) na cidade de Santos, São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública. Vol. 20, n.
3, p. 836-844, 2004.
AYRES, J. R.; CALAZANS, Gabriela Junqueira ; SALETTI FILHO, Haraldo César ;
FRANÇA JÚNIOR, Ivan . O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas
130
131
perspectivas e desafios. . In: CZERESNIA, Dina; FREITAS, Carlos Machado de.
(Orgs.). Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. 1a. ed. Rio de Janeiro:
Fiocruz, p. 117-140, 2003.
BRASIL. Ministério da Saúde (2004). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de
Ações Programáticas Estratégicas. Saúde mental no SUS: os centros de atenção
psicossocial.
Brasília;
2004.
Disponível
em
<http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/SM_Sus.pdf>. Acesso em: 02 dez.
2010.
BERQUÓ, Elza. Arranjos familiares no Brasil:uma visão demográfica. In:
SEVCENKO, Nicolau (org.), História da vida privada no Brasil. São Paulo: Cia das
Letras, 1998.
CAVALCANTE, Fátima Gonçalves. Pessoas muito especiais: a construção social do
portador de deficiência e a reinvenção da família. Rio de Janeiro: Fiocruz (Coleção
Antropologia e Saúde), 432p., 2003.
DICIONÁRIO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DOS CAMPOS GERAIS. Disponível
em: <http://www.uepg.br/dicion/oquee.htm> Acesso em: out 2009
FOUCAULT, M. História da loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 1978.
KANTORSKI, L. C. et al. Contribuições do estudo de avaliação dos Centros de
Atenção Psicossocial da Região Sul do Brasil. Cad. Bras. Saúde Mental, Vol 1, n.1,
jan./abr.
2009.
Disponível
em:
<
http://www.cbsm.org.br/artigos/artigos/20_Luciane_Kantorski.pdf > Acesso em: 25
ago. 2010.
ROSA, Lucia. Transtorno mental e o cuidado na família, 2 ed. São Paulo: Cortez, 2008.
SARTI, Cynthia Anderson. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos
pobres. 5. ed. São Paulo: Cortez. 2009.
YASUI, Sílvio. A atenção psicossocial e os desafios do contemporâneo: um outro
mundo é possível. Cad. Bras. Saúde Mental, v. 1, n. 1, jan./abr. 2009. Disponível em: <
http://www.cbsm.org.br/artigos/artigos/11_Silvio_Yasui.pdf > Acesso em: 03 ago.
2010.
131
132
132
133
COMPORTAMENTO
ANTISSOCIAL
E
AUTOCONCEITO
NA
ADOLESCÊNCIA
Alice Murteira Morgado & Maria da Luz Vale Dias
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra
Resumo
Tendo em consideração as especificidades da adolescência enquanto estádio de
desenvolvimento durante o qual os indivíduos enfrentam o desafio de construir a sua
identidade ao mesmo tempos que se adaptam e aprendem com um meio envolvente cada
vez maior e mais complexo, o autoconceito destaca-se como fator relevante no estudo
dos comportamentos antissociais em adolescentes.
Apresentamos, pois, uma investigação que visou compreender a relação entre
comportamento antissocial na adolescência, autoconceito e as suas trajetórias
desenvolvimentais. Para tal, foram testadas quatro hipóteses: (1) adolescentes com
maior tendência antissocial revelam um autoconceito mais negativo; (2) à medida que as
crianças entram na adolescência os comportamentos antissociais tornam-se mais
evidentes e o autoconceito tende a piorar; (3) a idade e o autoconceito explicam parte do
comportamento antissocial em adolescentes.
De um modo geral todas as hipóteses foram confirmadas, revelando uma tríade
composta por autoconceito, comportamento antissocial e idade. Os resultados obtidos
abrem caminho para uma compreensão mais completa da relação entre o autoconceito e
os comportamentos antissociais na adolescência assim como do seu desenvolvimento.
Fica, por fim, destacada a importância – na investigação e na prática – de uma
abordagem multidimensional do autoconceito na sua relação com o fenómeno
antissocial na adolescência dentro de uma abordagem desenvolvimentista.
Palavras-chave:
autoconceito,
desenvolvimento,
comportamento,
antissocial,
adolescência
Abstract
Having in mind the specificities of adolescence as a peculiar developmental stage, when
adolescents struggle to build their identity while adapting and learning from the
133
134
increasingly bigger surrounding social environment, self-concept appears as an
important factor to take into account when studying antisocial behaviours.
This paper presents a research that aimed at understanding the relationship between
adolescent antisocial behaviour, self-concept and their developmental trajectories. For
that purpose, four hypothesis were tested: (1) adolescents with higher antisocial
tendencies have a more negative self-concept; (2) as children develop into adolescence,
antisocial behaviours become more evident and self-concept becomes less positive; (3)
age and self-concept predict antisocial behaviours in adolescents.
Overall, all our hypothesis were confirmed, revealing a triad consisting on self-concept,
antisocial behaviour and age. Our results pave the way for a more complete
understanding of the relation between self-concept and antisocial behaviours in
adolescence and of its development.
In conclusion we stress the importance – on research and practice –of a multidimensional approach of self-concept on antisocial behaviours within a developmental
framework.
Keywords: self-concept, development, antisocial, behaviour, adolescence
Introdução
O autoconceito refere-se à perceção que o sujeito possui das suas próprias
características, competências e personalidade que descrevem quem é e que
características o definem. Constitui, pois, um conjunto de perceções “formadas através
da experiência do self e das interpretações que faz do seu ambiente, sendo
especialmente influenciadas pelos reforços e avaliações de outros significativos e pelas
atribuições que o próprio faz do seu comportamento” (Shavelson, Hubner & Stanton,
1976 in Shavelson & Bolus, 1982, p.3). Tais perceções desempenham um papel
fundamental na organização e motivação do comportamento, gerando um grupo de
atitudes e emoções autoavaliadas relativamente estáveis e conscientes.
Durante a adolescência, o desenvolvimento do autoconceito é particularmente rápido e
significativo, já que “os jovens procuram encontrar respostas para questões de
identidade e para que tipos de comportamentos sociais são adequados em diferentes
contextos” (Ybrandt, 2008, p. 2). Assim, durante este estádio de desenvolvimento, as
autoavaliações tornam-se progressivamente mais abrangentes, complexas, abstratas e
134
135
organizadas na sequência da emergência de novas capacidades cognitivas e da crescente
consciência da perspetiva do outro, que dão aos sujeitos informação adicional a partir da
qual constroem o seu autoconceito (Sebastian, Burnett & Blakemore, 2008). Um aspeto
importante na definição do autoconceito é a sua natureza multifacetada. De facto,
diversos estudos têm vindo a reconhecer a existência de múltiplas dimensões que
formam o autoconceito em geral (Green, Nelson, Martin & Marsh, 2006; Leung & Lau,
1989; O’Mara, Marsh, Craven & Debus, 2006; Shavelson & Bolus, 1982; Vermeiren,
Bogaerts, Ruchkin, Deboutte & Schwab-Stone, 2004; Young & Mroczek, 2003). A este
respeito, Shavelson e Bolus (1982) defendem uma estrutura multifacetada e hierárquica
do autoconceito, no topo da qual se encontra o autoconceito global. Abaixo deste, os
autores identificaram autoconceitos mais específicos que, embora distintos, se
correlacionam, tais como o autoconceito académico, social e físico, todos eles
compostos por outros autoconceitos mais específicos como, por exemplo, relativos a
matemática, ciência, grupo de pares, estados emocionais, aptidão física e aparência
física. No mesmo sentido, a escala de autoconceito para crianças de Piers-Harris reflete
uma estrutura multidimensional, na qual o autoconceito global é resultado de seis
fatores específicos, nomeadamente, aspeto comportamental, estatuto intelectual e
escolar, aparência e atributos físicos, ansiedade, popularidade e satisfação e felicidade
(Veiga, 2006).
As mudanças que ocorrem na adolescência não se refletem apenas no modo como os
adolescentes se percecionam, mas influenciam também os seus comportamentos sociais
no sentido em que “a relação entre o autoconceito e o ajustamento psicológico nos
adolescentes é complexa e uma forte influência na determinação do comportamento”
(Levy, 1997, p. 673). Assim, os comportamentos sociais e o autoconceito não só são
fundamentais para um desenvolvimento pessoal, social e académico adaptativo
(Torregrosa, Ingles & Garcia-Fernandez, 2011), mas também se influenciam
mutuamente, ou seja, os comportamentos sociais poderão contribuir para definir as
perceções dos sujeitos sobre eles próprios, enquanto o autoconceito também parece
desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento da agressividade (Edens,
1999).
Assim, quando estudado no âmbito com comportamento social, o autoconceito
desempenha o papel de fator protetor e fator de risco: um autoconceito positivo têm sido
associado a uma boa saúde mental, bons resultados académicos, um desenvolvimento
adaptativo na adolescência do ponto de vista psicológico e social (O’Mara et al., 2006)
135
136
que protegem os jovens de se envolverem em problemas de comportamento, ao mesmo
tempo que, surgem, na literatura, associações entre autoconceito negativo e agressão e
delinquência. De facto, diversos estudos têm revelado uma relação entre um baixo
autoconceito e o envolvimento em diversas formas de comportamentos desviantes como
comportamento agressivo, desobediência e delinquência (Adams, Robertson, Gray-Ray
& Ray, 2003; Edens, 1999; Levy, 1997, 2001; Räty, Larsson, Söderfeldt & Larsson,
2005; Torregrosa et al., 2011; Ybrandt, 2008). Curiosamente, estudos nesta área têm
também revelado uma tendência de jovens agressivos a revelar autoconceitos muito
polarizados, isto é, ou demasiado positivos (Edens, 1999; Salmivalli, 2001; Ybrandt,
2008) ou demasiado negativos (Ybrandt & Armelius, 2004). Assim, se por um lado,
jovens com perceções muito negativas de si poderão usar a agressividade como
estratégia de autopreservação, por outro lado, os comportamentos desviantes poderão
também servir como reforço para a manutenção de uma imagem considerada positiva,
particularmente nos domínios físico (já que o envolvimento em muitos atos desviantes
requer boa condição física) e social (pelo reforço dos pares) (Leung & Lau, 1989;
Torregrosa et al., 2011).
Assim, apesar de ainda um pouco indefinida quanto à sua natureza, a existência de uma
associação entre autoconceito e comportamentos antissociais tem sido amplamente
evidenciada (Edens, 1999; Leung & Lau, 1989; Salmivalli, 2001; Torregrosa et al.,
2011; Ybrandt & Armelius, 2004; Ybrandt, 2008). Assim, apesar das incertezas a este
respeito, autoconceito é parte fundamental do desenvolvimento na adolescência e
desempenha um papel importante no desenvolvimento de comportamentos sociais e,
consequentemente, no desenvolvimento de condutas antissociais na adolescência.
Tendo em consideração o estado da arte referente ao autoconceito na adolescência e ao
seu papel nos comportamentos antissociais, o presente estudo procurou compreender a
relação entre comportamentos antissociais e autoconceito na adolescência assim como
as suas trajetórias de desenvolvimento, tomando a idade como indicador de
desenvolvimento. Embora esta opção envolva algumas limitações (já que as trajetórias
de desenvolvimento não ilustrem apenas pela idade cronológica, mas por um conjunto
complexo de outros indicadores), o tempo e os recursos disponíveis não permitiram a
avaliação de outros indicadores. Assim, foram testadas três hipóteses:
H1: Adolescentes com maior tendência antissocial apresentam um autoconceito mais
negativo, quer globalmente, quer nas suas dimensões específicas;
136
137
H2: À medida que os jovens se desenvolvem, os comportamentos sociais são mais
evidentes e o autoconceito deteriora-se;
H3: A idade e o autoconceito contribuem para a explicação dos comportamentos
antissociais na adolescência.
Metodologia
Instrumentos
O protocolo de avaliação incluiu um questionário sociodemográfico construído
especificamente para esta investigação composto por questões relativas ao género,
idade, ano de escolaridade e nível socioeconómico e dois instrumentos de autorrelato. A
escolha das medidas foi pautada pela robustez das suas características psicométricas, a
sua acessibilidade a jovens com nível básico de leitura, a possibilidade de recolha de
dados de forma coletiva e anónima e o seu potencial de replicação em contextos
culturais distintos.
A avaliação do comportamento social foi realizada através da versão portuguesa do
Youth Self Report (YSR, Fonseca & Monteiro, 1999), tendo sido analisado, em
particular, o fator “antissocial” (= .779 ), composto por itens relativos a crueldade,
desobediência, lutas, ameaças, etc.. O autoconceito foi medido através da versão
portuguesa da Escala de Autoconceito de Piers Harris para Crianças – 2 (Veiga, 2006).
Esta versão reduzida, possui 60 itens de resposta dicotómica (sim/não) que permitem a
obtenção de um resultado global de autoconceito (= .904 ), o qual resulta da soma dos
scores de seis fatores: “aspeto comportamental” (= .799 ), “estatuto intelectual e
escolar” (= .717 ), “aparência e atributos físicos” (= .667 ), “ansiedade” (= .743 ),
“popularidade” (= .684 ), e “satisfação e felicidade” (= .716). Como em todas as
outras dimensões, no fator “ansiedade” um resultado mais elevado indica um resultado
positivo, neste caso, menor ansiedade.
Amostra
Antes da aplicação dos instrumentos, foram solicitadas as devidas autorizações à
Direção Geral para a Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC) do Ministério
137
138
da Educação e Ciência e à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), após as
quais foram dirigidos pedidos de autorização aceites por três escolas do distrito de
Coimbra. Foram incluídos na amostra todos os adolescentes e respetivos encarregados
de educação, que deram o consentimento informado para a participação no estudo.
Assim, dos 1217 pedidos efetuados, 40.18% obtiveram resposta positiva, sendo a
amostra de natureza ocasional, composta por 489 sujeitos com as características
sociodemográficas apresentadas na tabela 1.
Tabela 1.
Descrição da amostra
Características sociodemográficas
Frequência
%
Género
Masculino
193
39.5%
Feminino
295
60.5%
TOTAL
489
100%
9
13
2.7%
10
81
16.6%
11
87
17.8%
12
66
13.5%
13
82
16.8%
14
68
13.9%
15
25
5.1%
16
40
8.2%
17
27
5.5%
TOTAL
489
100%
5
83
17.0%
6
94
19.2%
7
74
15.1%
8
75
15.3%
9
79
16.2%
10
23
4.7%
Idade
Ano de Escolaridade
138
139
11
43
8.8%
12
18
3.7%
TOTAL
489
100%
Baixo
63
12.9%
Médio
243
49.6%
Elevado
183
37.5%
TOTAL
489
100%
Nível Socioeconómico
Após a recolha de dados, a amostra foi divida em dois grupos segundo os resultados
obtidos no fator “antissocial” do YSR: um grupo composto pelos sujeitos com
resultados médios e abaixo da média da amostra e outro grupo composto pelos sujeitos
que apresentaram resultados um desvio-padrão acima da média da amostra. A tabela 2.
revela a distribuição da amostra pelos dois grupos.
Tabela 2.
Distribuição de grupos segundo a medida comportamental
Média
Antissocial
Desvio
Ponto de N acima do % acima do
Padrão
corte
p.corte
p.corte
2.746
5.136
56
11.45%
2.39
Resultados
A primeira hipótese foi testada com um teste T de student (tabela 3.), que confirmou a
existência de diferenças estatisticamente significativas na direção esperada em todos os
fatores exceto no fator “aparência e atributos físicos”.
Tabela 3.
Teste T de student (Autoconceito de acordo com tendência antissocial)
Grupo
> Antissocial
< Antissocial
> Antissocial
Autoconceito
Autoconceito Global
Aspeto Comportamental
Média
36.21
45.67
7.86
T
P
-7.319
.000
-9.931
.000
139
140
< Antissocial
> Antissocial
< Antissocial
> Antissocial
< Antissocial
> Antissocial
< Antissocial
> Antissocial
< Antissocial
> Antissocial
< Antissocial
11.16
Estatuto Intelectual e Escolar
Aparência e Atributos Físicos
7.25
9.75
4.64
5.03
3.53
Ansiedade
4.85
Popularidade
Satisfação e Felicidade
6.72
7.65
6.18
7.20
-6.151
.000
-1.353
.177
-4.318
.000
-3.005
.003
-5.240
.000
A segunda hipótese foi igualmente confirmada. Não só os valores de comportamento
antissocial aumentaram com a idade, mas também, com a exceção do “aspeto
comportamental”, todas as dimensões de autoconceito revelaram correlações negativas
significativas com a idade, como se verifica na tabela 4.
Tabela 4.Correlações de Pearson entre idade, tendência antisocial e
autoconceito
Idade
Antissocial
.151 **
Autoconceito Global
-.224 **
Aspeto Comportamental
-.082
Estatuto Intelectual e Escolar
-.187 **
Aparência e Atributos Físicos
-.138 **
Ansiedade
-.183 **
Popularidade
-.206 **
Satisfação e Felicidade
-.213 **
**p< .001
Para o teste da terceira hipótese, foi analisado o papel do autoconceito através de uma
abordagem apenas multidimensional de forma a verificar que componentes específicos
do autoconceito desempenham um papel no comportamento antissocial. A hipótese foi
140
141
confirmada já que a idade e quatro dimensões do autoconceito revelaram um papel
significativo na explicação da variável dependente.
Tabela 6.
Modelo de Regressão Linear Múltipla (Stepwise)
Variável
Dependente
Antissocial
Variável Independente
R
R2
Ajust.
F
P
Beta
Std.
P
Aspeto comportamental
-.441
.000
Estatuto Intelectual e Escolar
-.234
.000
Popularidade
.548
.292
39.688
.000 .133
.007
Idade
.122
.003
Aparência e Atributos Físicos
.104
.030
Conclusões
De um modo geral, as hipóteses foram confirmadas, abrindo caminho para uma
compreensão mais completa da relação entre o autoconceito e os comportamentos
antissociais na adolescência e do seu desenvolvimento. Na amostra em estudo, os
adolescentes com maior tendência antissocial apresentaram um autoconceito mais
negativo quando comparados com os seus pares com menor tendência antissocial exceto
no que diz respeito à aparência e atributos físicos. Houve, com a idade, um decréscimo
no autoconceito acompanhado por um aumento nos resultados relativos ao
comportamento antissocial.
No teste da terceira hipótese, revelou-se o papel preditivo negativo do aspeto
comportamental, do estatuto intelectual e escolar no comportamento antissocial e o
papel positivo da idade, da aparência e atributos físicos e da popularidade.
A ausência de diferenças estatisticamente significativas entre adolescentes com maior e
menor tendência antissocial no autoconceito físico, assim como o papel positivo deste e
da popularidade no comportamento antissocial poderá explicar-se pela evidência
encontrada por muitas investigações que se focam no autoconceito de forma
multidimensional relativa à instrumentalidade do comportamento desviante como
potenciador do autoconceito físico e à sua aprovação pelos pares (Leung & Lau, 1989;
Salmivalli, 2001; Torregrosa et al., 2011). Tal resultado remete para a importância do
141
142
estudo do autoconceito enquanto construto multidimensional no sentido de compreender
com maior precisão a sua relação com o comportamento antissocial.
Destaca-se, ainda, a relevância das trajetórias de desenvolvimento do autoconceito e do
comportamento antissocial na adolescência. Com efeito, o comportamento antissocial
revelou-se significativamente mais elevado e ou autoconceito mais baixo nos
adolescentes mais velhos. Além disso, a idade e o autoconceito revelaram um papel
significativo no comportamento antissocial, formando uma tríade de relações que
merece maior exploração na investigação e na prática.
Com base nos resultados obtidos, fica clara a importância do autoconceito em
intervenções que visem prevenir comportamentos antissociais na adolescência,
envolvendo os sujeitos em atividades que potenciem perceções mais positivas do seu
próprio comportamento e das suas competências académicas. No caso das dimensões
que, quando mais elevadas poderão constituir fatores de risco para comportamentos
antissociais (autoconceito físico e popularidade), não se sugere, evidentemente, a
deterioração das perceções próprias, mas antes, uma contextualização adequada das
mesmas e uma reflexão em torno dos efeitos sociais do comportamento. Por exemplo,
trabalhar com os pares e a comunidade em geral poderá ajudar os adolescentes com
maiores tendências antissociais a direcionar os seus comportamentos para opções mais
saudáveis e ajustadas, mediante a receção de reforços dirigidos para comportamentos
mais prosociais.
O presente estudo apresenta algumas limitações devidas a restrições de tempo e
recursos. Assim, a sua natureza transversal dificulta o estabelecimento de causalidades,
tal como está patente uma inevitável subjetividade decorrente do recurso exclusivo ao
autorrelato para a avaliação da tendência antissocial. Acresce que a amostra não é
aleatória dado que dependemos do consentimento dos adolescentes e dos seus
encarregados de educação para a participação no estudo. Não obstante, a dimensão
assinalável da amostra oferece alguma confiança nas conclusões retiradas dos resultados
obtidos.
Em suma, e apesar das reconhecidas limitações, acreditamos que o presente trabalho
contribui para sublinhar a importância do autoconceito no comportamento antissocial na
adolescência. Esta é, de facto, uma etapa do desenvolvimento durante a qual os sujeitos
se procuram adaptar a ambientes sociais crescentemente complexos e diversificados, ao
mesmo tempo que enfrentam a importante tarefa desenvolvimental de construir a sua
142
143
identidade pessoal, tornando fundamental a consideração do papel do autoconceito nas
escolhas comportamentais.
Destacamos, por isso, a importância de uma abordagem multidimensional do
autoconceito dentro de uma perspetiva desenvolvimentista, capaz de verificar o papel de
dimensões específicas do autoconceito no comportamento antissocial sem menosprezar
o estádio de desenvolvimento em que os sujeitos se encontram e as tarefas que este
coloca para um desenvolvimento adaptativo. Sugerimos, por fim, a prossecução de
estudos futuros que testem o efeito de intervenções em dimensões específicas do
autoconceito (em particular a física, intelectual e social) nas condutas sociais dos
adolescentes. De igual modo, seria interessante a realização de estudos com outros
grupos etários de forma a verificar se, aquando da entrada na idade adulta, o
comportamento antissocial tende a diminuir (como sugere a curva da idade do crime, cf.
Blonigen, 2010) e verificar, nesse caso, o que ocorre com o autoconceito.
Referências
Adams, M. S., Robertson, C. T., Gray-Ray, P., & Ray, M. C. (2003). Labeling and
delinquency.
Adolescence,
38(149),
171-186.
Retrieved
from:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12803461
Blonigen, D. M. (2010). Explaining the relationship between age and crime:
Contributions from the developmental literature on personality. Clinical Psychology
Review, 30, 89-100. doi: 10.1016/j.cpr.2009.10.001
Edens, J. F. (1999). Aggressive children’s self-systems and the quality of their
relationships with significant others. Aggression and Violent Behavior, 4(2), 151-177.
doi: 10.1016/S1359-1789(97)00050-5
Fonseca, A. C., & Monteiro, C. M. (1999). Um inventário de problemas do
comportamento para crianças e adolescentes: O Youth Self-Report de Achenbach.
Psychologica, 21, 79-96.
Green, J., Nelson, G., Martin, A. J., & Marsh, H. (2006). The causal ordering of
self-concept and academic motivation and its effect on academic achievement.
International
Education
Journal,
7(4),
534-546.
Retrieved
from:
http://ehlt.flinders.edu.au/education/iej/articles/v7n4/green/paper.pdf
143
144
Leung, K., & Lau, S. (1989). Effects of self-concept and perceived disapproval of
delinquent behavior in school children. Journal of Youth and Adolescence, 18(4), 345359. doi: 10.1007/BF02139254
Levy, K. S. C. (1997). The contribution of self-concept in the etiology of adolescent
delinquency.
Adolescence,
32(127),
671-686.
Retrieved
from:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9360740
Levy, K. S. C. (2001). The relationship between adolescent attitudes towards authority,
self-concept, and delinquency. Adolescence, 36(142), 333-346.
O’Mara, A. J., Marsh, H. W., Craven, R. G., & Debus, R. L. (2006). Do self-concept
interventions make a difference? A synergistic blend of construct validation and metaanalysis. Educational Psychologist, 41(3), 181-206. doi: 10.1207/s15326985ep4103_4
Räty, L. K. A., Larsson, G., Söderfeldt, B. A., & Larsson, B. M. W. (2005).
Psychosocial aspects of health in adolescence: The influence of gender, and general
self-concept.
Journal
of
Adolescent
Health,
36,
530.e21-530.e28.
doi:
10.1016/j.jadohealth.2004.10.006
Salmivalli, C. (2001). Feeling good about oneself, being bad to others? Remarks on
self-esteem, hostility, and aggressive behavior. Aggression and Violent Behavior, 6,
375-393. doi: 10.1016/S1359-1789(00)00012-4
Sebastian, C., Burnett, S., & Blakemore, S. J. (2008). Development of the self-concept
during
adolescence.
Trends
in
Cognitive
Science,12(11),
441-446.
doi:
10.1016/j.tics.2008.07.008
Shavelson, R. J., & Bolus, R. (1982). Self-concept: The interplay of theory and
methods. Journal of Educational Psychology, 74(1), 3-17. doi: 10.1037/00220663.74.1.3
Torregrosa, M. S., Ingles, C. J., & Garcia-Fernandez, J. M. (2011). Aggressive behavior
as a predictor of self-concept: A study with a sample of Spanish compulsory secondary
education
students.
Psychossocial
Intervention,
20(2),
201-212.
doi:
10.5093/in2011v20n2a8
Veiga, F. H. (2006). Uma nova versão da escala de autoconceito Piers-Harris Children’s
Self-Concept Scale (PHCSCS-2). Psicologia e Educação, 5(1), 39-48.
Vermeiren, R., Bogaerts, J., Ruchkin, V., Deboutte, D., & Schwab-Stone, M. (2004).
Subtypes of self-esteem and self-concept in adolescent violent and property offenders.
Journal of Child Psychology and Psychiatry, 45(2), 405-411. doi: 10.1111/j.14697610.2004.00231.x
144
145
Ybrandt, H. (2008). The relation between self-concept and social functioning in
adolescence. Journal of Adolescence, 31, 1-16. doi: 10.1016/j.adolescence.2007.03.004
Ybrandt, H., & Armelius, B. A. (2004). Self-concept and perception of early mother and
father behavior in normal and antisocial adolescents. Scandinavian Journal of
Psychology, 45, 437-447. doi: 10.1111/j.1467-9450.2004.00425.x
Young, J. F., & Mroczek, D. K. (2003). Predicting intraindividual self-concept
trajectories during adolescence. Journal of Adolescence, 26, 586-600. doi:
10.1016/S0140-1971(03)00058-7
145
146
146
147
O MODELO DE DIAGNOSTICO PSICOSSOCIAL - A PREPÓSITO DE UM
CASO.
(UTENTE COM ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL, EM FASE DE
RECUPERAÇÃO)
Fátima Quelhas 1& João Figueiredo 2
1Enfermeira
2Aluno
Centro Hospitalar Cova da Beira, Mestre em Gerontologia Social,
3º ano de Bioquímica da UBI
Resumo
A longevidade tem implicações importantes para a qualidade de vida, podendo trazer
problemas, com consequências sérias nas diferentes dimensões da vida humana, física,
psíquica e social. O avançar da idade aumenta a possibilidade de ocorrências de doenças
com sequelas, declínio funcional, aumento de dependência, perda de autonomia e até
isolamento social.
As necessidades sociais são um conceito que necessitam de uma abordagem
polissémica. É um termo interdisciplinar, que deve ser trabalhado tendo por base duas
linhas teóricas que pretendem analisar e explicar o que se entende por necessidade.
Tendo por base estas linhas teóricas a utente do caso em estudo, por motivo de doença
não se consegue auto cuidar, na satisfação das atividades da vida diária. Os familiares
de acordo com a esta, e após contacto com a Assistente Social do Hospital, solicitaram o
Serviço de Apoio Domiciliário. Este destina-se a ajudar, no domicílio, qualquer pessoa
que, por deficiência, envelhecimento, ou outro impedimento, não pode satisfazer as suas
necessidades, permitindo à utente, manter-se no seu meio ambiente e evitar o
internamento no lar do centro.
Palavras – chave: Longevidade, Necessidades, Dependência
Abstract
Longevity has important implications for the quality of life and can bring problems,
with serious consequences in the different dimensions of human life, physical, mental
and social. The advancing age increases the possibility of disease occurrences with
147
148
sequels, functional decline, increased dependence, loss of autonomy and even social
isolation.
Social needs are a concept which require a polysemic approach. It is an interdisciplinary
term, which must be worked based on two theoretical lines that aim to analyze and
explain what is meant by necessity.
Based on these theoretical lines the user in the case study, due to illness is unable to
care of himself, in meeting their activities of daily living.
The family according to this, and after contact with the
Hospital Social Worker,
solicited the Home Support Service. This is intended to help at home, any person who,
by disability, aging, or other impediment, cannot satisfy their needs, allowing the user to
remain in their environment and avoid the internment at the nursing home care.
Keywords: Longevity, needs, Dependence
Introdução
Na era do envelhecimento global, a Organização Mundial de Saúde, manifesta
reiteradamente, a sua preocupação com o aumento da esperança de vida, considerando
principalmente o espectro assustador da incapacidade e da dependência, as maiores
adversidades no âmbito da saúde associadas ao processo de envelhecimento.
A reflexão sobre esta realidade permite-nos formular a questão central para a elaboração
deste trabalho – De que modo a aplicação dos modelos específicos de intervenção
podem contribuir para uma melhor qualidade de vida nesta fase da vida?
Para o desenvolvimento deste trabalho traçamos o seguinte objetivo:
- Analisar os modelos aplicando-os a um caso, de forma personalizada a uma utente que
necessitou dos nossos serviços.
Tendo por base o objetivo do trabalho e a questão orientadora, enveredámos, por aplicar
o modelo Psicossocial e as suas técnicas de intervenção.
O apoio no seu domicilio é essencial, o idoso quer continuar nele até ao fim dos seus
dias, e é esse o aconselhado, mas nem todos têm essa sorte! Outros há que tem de
recorrer a instituições por vontade própria ou por imposição.
148
149
APRESENTAÇÃO DA UTENTE
Nome: M. J.F.
Data Nascimento: 29 de janeiro de 1930 – Idade: 85 anos
Sexo: Feminino
Raça: Caucasiana
Estado Civil: Casada
Habilitações Literárias: 3ª classe
Nacionalidade: Portuguesa
RESUMO DA SITUAÇÃO QUE NECESSITA DE INTERVENÇÃO
No dia 8 de setembro de 2015, a utente pela manhã apresentava, falta de força do lado
direito do corpo, mas também dificuldade na articulação das palavras, dificuldade em
perceber o que se lhe dizia, sensação de encortiçamento ou formigueiro do mesmo lado
do corpo, dificuldade em engolir, e em ver. Perante tal situação o marido contactou o
112 e a utente deu entrada no serviço de urgências do C. H. C.B., 1 hora após o início
dos sintomas. Após observação clínica, a utente apresentava um défice neurológico, que
com a realização de exames auxiliares de diagnóstico veio confirmar-se AVC Isqémico.
Sendo então transferida para a Unidade de AVCs do mesmo hospital, onde permaneceu
até ao dia 23 de setembro do mesmo ano (com alta clínica desde o dia 21).Devido a
rápida intervenção inicial, a evolução foi favorável, contudo durante o internamento
apresentava:
- Desvio da comissura labial, à direita;
- Hemiplegia à direita;
- Esteve algaliada com foley nº16, durante 7 dias;
- Esfíncter anal não controlado;
- Alteração dos valores de glicemia capilar.
Logo que se estabilizo a situação clínica iniciou-se a reabilitação, que consistiu em
diferentes técnicas que ajudaram a utente, a recuperar o mais possível a função anterior,
nomeadamente a reabilitação motora para as paralisias, e a terapia da fala para as
alterações da linguagem.
149
150
À data da alta apresentava: ligeira gaguez e hemiplegia à direita, pelo que devido a
esta última, necessitava nesta fase de uma cadeira de rodas e um andarilho, para
deambular.
Situação clínica descrita na carta da alta:
“Utente Dependente nas Atividades da Vida Diária”
A INTERVENÇÃO
A atuação da equipa interdisciplinar incluirá saberes, atitudes e valores do ser humano,
constituindo-se numa relação de compromisso com adversidade da utente assistida.
Com uma visão sistémica e integral da utente e marido, será possível trabalhar com suas
reais necessidades, adotando uma prática tecnicamente competente e humanizada,
considerando as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde.
Foram explicados os objetivos do Serviço de Apoio Domiciliário (SAD) à utente e
família, ainda durante o internamento hospitalar. Este serviço tem por fundamento
prestar apoio à utente idosa e marido, nas atividades que ela não consegue realizar e
necessita de apoio.
TÉCNICAS DE AÇÃO DIRETA
Traduzem-se nos apoios diretos do Hospital e Junta de Freguesia, devido à dependência
causada pelo AVC, a utente necessitou de ajudas técnicas, que a assistente social do
hospital onde esteve internada providenciou, à data da alta, nomeadamente a cadeira de
rodas e o andarilho. A Junta de Freguesia associou--se e ofereceu o banco de banho,
para promover uma maior autonomia da utente nos cuidados de higiene.
TÉCNICAS DE ACÇÃO INDIRETA
Utilizámos também técnicas de ação indireta, onde a função de mediador foi tida em
conta. Após visita ao domicílio (avaliação das reais necessidades), pela Diretora
Técnica, a habitação tinha as condições exigidas para uma boa recuperação, com o
apoio da SAD, do marido e vizinha (Cuidadora Informal). Foram efetuadas parcerias
com a Câmara Municipal da Covilhã e Junta de Freguesia da área de residência, foi
solicitado o Programa Conforto Habitacional para Pessoas Idosas; com os Bombeiros
150
151
Voluntários da Covilhã para o transporte (Fisioterapia e Terapia da fala). Para a
adaptação às necessidades da utente, o Projeto de Intervenção Solidária – Brico
Solidário Serrano (pequenas reparações), contribuindo assim para uma melhor
autonomia da utente. Para um serviço Social completo - adesão ao Serviço de
Telealarme.
Discussão
A partir do momento em que se reconhece que o utente utiliza as suas forças para se
cuidar, o poder do cuidador torna-se, num poder de acompanhamento e de suporte.
O cuidar gerontológico não pode existir sem a parceria de todas as pessoas (Diretor
Gerais, Diretoras Técnicas, prestadores de cuidados formais, familiares, cuidadores
informais) e entidades (Câmaras Municipais, Juntas de Freguesia) suscetíveis de ajudar
aqueles de quem cuidamos. Ajudá-lo a melhorar ou a manter a saúde, isto é, o seu bemestar e a sua qualidade de vida. Porque como refere, Gineste, Pellissier (2008,p.284) o “
cuidar é um artesanato rico de inúmeros conhecimentos e regra de arte, exigindo uma
verdadeira e longa aprendizagem”.
Conclusão
Cuidar é mais que um ato; é uma atitude, abrangendo mais que um momento de atenção
e de zelo, uma atividade de ocupação, preocupação, responsabilização e envolvimento.
O plano de ajuda é um instrumento de trabalho muito útil ao cuidador e ao utente, uma
vez que através dele podemos avaliar a evolução favorável ou não do utente em causa.
Todas as entidades devem trabalhar em harmonia e cooperação estreita para que o idoso
seja assistido no seio da sua família, no seu domicilio proporcionando-lhe o melhor
estado de saúde possível e motivando-o para uma vida ativa, desfrutando assim do
convívio da sua família, dos seus amigos e das pessoas que o rodeiam, deixando a
solidão, vivendo uma vida normal e readquirindo uma ocupação sempre que possível.
151
152
Referências
Gineste, Y. & Pellissier, J. (2008) Humanitude-cuidar e compreender a velhice Lisboa: Instituto
Piaget.
Imaginário, C. M.I. (2008). O idoso dependente em contexto familiar (2ª Ed.)
Coimbra:
Formasau.
Ministério da Saúde (2000). Viver após um AVC: recomendado aos prestadores de cuidados
informais. Lisboa: Ministério da Saúde - Direção Geral de Saúde.
Nery, I. (2008) Sobreviver a um AVC. Revista Visão, 88-96.
Vaz, E. (2008). A Velhice na Primeira Pessoa. Penafiel: Editorial Novembro.
152
153
153
154
INTERVENÇÃO GRUPAL EM CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL
Nuno Cravo Barata
CIDES – Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Resumo
O presente estudo procura avaliar a importância da reunião semanal do «Grupo de
Crianças» com Paralisia Cerebral - intervenção grupal - e o seu impacto em termos de
depressão. A reunião semanal do «Grupo de Crianças» tem como finalidade fornecer
estratégias de coping no sentido de promover a autonomia e a interação social. O estudo
realizou-se com 24 participantes com Paralisia Cerebral, avaliados em dois momentos
temporais distintos – t1 e t2 - espaçados por dois meses e meio quanto aos sintomas
depressivos. Metade dos participantes foram submetidos a intervenção grupal durante
10 sessões semanais com a duração aproximada de 1 hora e 30 minutos (Grupo
Experimental - GE) e a outra não foi submetida a qualquer intervenção (Grupo Controlo
- GC).
A análise dos dados permitiu verificar a existência de uma redução significativa dos
sintomas depressivos apenas no grupo de participantes que foram alvo de intervenção
grupal (GE). Ao invés, nos participantes que não foram sujeitos a intervenção grupal
(GC) não houve qualquer modificação significativa dos sintomas depressivos.
Palavras-chave: Grupo de Crianças; Paralisia Cerebral; Intervenção Grupal; Depressão.
Abstract
The aim of this study is to assess the importance of the weekly meeting for the “Group of
Children” who has cerebral palsy and the impact of this meeting in terms of depression. The aim
of this meeting is to find out strategies of coping in order to promote the autonomy and the
social integration. 24 people with this syndrome were studied and observed in two different
periods – t1 and t2 - half of the participants were under a group treatment during 10 weekly
sessions, lasting 1 hour and 30 minutes each (Trial Group – TG) and the other half of the
participants were not under any treatment (Control Group – CG).
After analysing the data, we could conclude that the trial group who was under a specific
treatment suffered less from a depressive syndrome. On the other hand, any change could be
observed in the other group.
Key words: Group of Childrens; Cerebral Palsy; Group Treatment; Depression.
154
155
INTRODUÇÃO
A primeira descrição de Paralisia Cerebral (PC) surge em 1843, efetuada pelo médico Dr. Little,
considerando-se hoje não ser o termo «Paralisia Cerebral» o mais adequado, pois parece traduzir
uma total ausência da função motora e psicológica o que não corresponde à verdade, além de ser
um termo rejeitado pelos próprios e pelas famílias (Ferreira, Ponte & Azevedo, 2000).
É uma deficiência crónica, surgida precocemente, não sendo o resultado de uma doença
progressiva reconhecida (Ellenberg & Nelson, 1981, cit in Schleichkorn, 1983). A lesão é
estática e não progressiva. Não é uma entidade clínica bem definida, mas uma síndrome
complexa, com formas diferentes de apresentação clínica e, em muitos casos, de etiologia
múltipla. A PC pode também ser referida como uma alteração do desenvolvimento, uma
disfunção neuromotora ou uma alteração motora desenvolvimental.
Considerada, por vezes, de difícil conceptualização considerou-se neste estudo uma criança
depressiva aquela que apresentava as expressões ou sintomas : «Ninguém gosta de mim» é um
tipo de queixa comum entre crianças em idade escolar, que tendem a ter consciência das
questões de popularidade; mas um sentimento prolongado de falta de amizade pode ser um sinal
de depressão infantil – uma perturbação afectiva, ou perturbação do humor, que vai para além
de uma tristeza normal, temporária. Outros sintomas podem incluir dificuldades em se divertir
ou concentrar-se, fadiga, extrema actividade ou apatia, choro, problemas de sono, sentimentos
de que nada vale a pena, alterações do peso, queixas físicas e ideias frequentes sobre a morte ou
o suicídio. Cinco destes sintomas, durante pelo menos duas semanas, podem indicar depressão.
Se os sintomas persistirem, deve ser dado apoio psicológico à criança. O tratamento é
importante, não apenas para o alívio imediato dos sintomas, mas também porque a depressão
infantil pode resultar em tentativa de suicídio e, muitas vezes, é sinal do início de um problema
que pode persistir na idade adulta.
METODOLOGIA
Justificação do Estudo
O presente estudo pretende mostrar o efeito que o encontro semanal do «Grupo de Crianças»
pode ter junto dos sujeitos portadores de Paralisia Cerebral, ao nível dos sintomas depressivos,
verificando se a mesma terá implicações diretas na diminuição ou não dos sintomas depressivos.
Questão científica: Até que ponto a reunião semanal do «Grupo de Crianças» - intervenção
grupal – poderá reduzir os sintomas depressivos?
155
156
Hipótese: A intervenção grupal promove a redução de sintomas depressivos junto de um grupo
de crianças com Paralisia Cerebral.
Adotou-se um desenho quase experimental, pois atuou-se sobre a variável independente
(intervenção grupal) para identificar se esse tipo de intervenção produz alterações na variável
dependente (depressão). Definiram-se dois grupos (experimental – com intervenção grupal – e
de controlo – sem intervenção grupal), em que os sujeitos de investigação são distribuídos de
modo aleatório por cada grupo, intervindo-se sobre um (grupo experimental) e não sobre o outro
(grupo de controlo) e depois compararam-se as alterações que se verificaram após a intervenção.
Caraterização da Amostra
A amostra é não probabilística, sendo do tipo de amostragem por seleção racional e é
constituída por 24 participantes portadores de Paralisia Cerebral.
Foram criados dois grupos distintos: (1) grupo experimental (GE) – com intervenção grupal –
constituído por 12 elementos (7 do sexo masculino e 5 do sexo feminino); (2) grupo de controlo
(GC) – não foi alvo de intervenção grupal – constituído por 12 elementos (7 do sexo masculino
e 5 do sexo feminino).
Quadro 1. Distribuição por Frequências dos Participantes quanto à Variável Sexo
Particip.
GE
GC
Tot.
Freq.
%
Freq.
%
Freq.
%
Masculino
7
29,2
7
29,2
14
58,3
Feminino
5
20,8
5
20,8
10
41,7
Total
12
50
12
50
24
100
Sexo
Particip. = Participantes; Freq. = Frequências; % = Percentagens; GE = Grupo Experimental;
GC= Grupo Controlo; Tot. = Total
156
157
Quadro 2. Distribuição por Frequências dos Participantes quanto à Variável Idade
Particip.
GE
GC
Tot.
Freq.
%
Freq.
%
Freq.
%
[6-8]
7
58,4
6
50,0
13
54,2
[9-11]
4
33,3
5
41,7
9
37,5
› 11
1
8,3
1
8,3
2
8,3
Total
12
100
12
100
24
100
Idade
Particip. = Participantes; Freq. = Frequências; % = Percentagens; GE = Grupo Experimental;
GC= Grupo Controlo; Tot. = Total
Quadro 3. Média e Desvio Padrão da Idade dos Participantes nos Dois Grupos Considerados
Participantes
N
Média
Desvio
Mínimo
Máximo
Padrão
GE
12
8,50
1,98
6
12
GC
12
8,83
1,53
7
12
Tot.
24
8,67
1,76
6,5
12
N = amostra; GE = Grupo Experimental; GC = Grupo Controlo; Tot. = Total
Procedimento
Como o objetivo do estudo é avaliar a importância da intervenção grupal num grupo de
participantes com Paralisia Cerebral, nomeadamente o efeito desta intervenção sobre os
sintomas depressivos, optou-se por comparar os participantes dos dois grupos [Grupo
experimental (G.E.): com intervenção grupal; Grupo controlo: sem intervenção grupal (G.C.)]
relativamente à pontuação obtida no Inventário Depressivo para Crianças, isto em dois
momentos temporais (t1 – antes da intervenção grupal; t2 – depois da intervenção grupal),
espaçados entre si por um período de dois meses e meio (10 sessões) (Quadro 4).
Quadro 4. Esquema da Intervenção Psicológica
Tempo
t1
↔
t2
(10 sessões)
Grupo
GE
CDI
Com Intervenção Grupal
CDI
GC
CDI
Sem Intervenção Grupal
CDI
GE = Grupo Experimental; GC = Grupo Controlo; t1 = Primeiro momento de avaliação; t2 =
Segundo momento de avaliação
157
158
A seleção dos participantes (tanto dos sujeitos que integraram o grupo experimental como dos
sujeitos que integraram o grupo de controlo) foi feita procedendo primeiro à observação e
consulta individual com posterior análise da sintomatologia, sendo selecionados os que
apresentassem menores dificuldades comunicacionais e sem atraso mental ou atraso mental
leve.
Antes de se proceder à aplicação do instrumento, foi dito aos participantes (com a presença dos
seus pais) que todos os dados recolhidos seriam confidenciais. Deu-se a conhecer o objetivo do
estudo e obteve-se o consentimento livre, escrito e esclarecido dos pais.
O inventário foi lido por todos os sujeitos e foi-lhes pedido que interpretassem cada afirmação
salvaguardando, desta forma, uma possível má interpretação dos sujeitos. Para não haver
diferenças no preenchimento do inventário, este foi preenchido pelo investigador, pois muitos
dos participantes apresentavam dificuldades ao nível da motricidade fina.
Concluída esta fase de administração e preenchimento dos inventários, procedeu-se ao seu
tratamento estatístico.
Instrumento
A avaliação da existência de sintomas depressivos fez-se a partir do Inventário de Depressão
para Crianças (CDI) – na adaptação de Helena (1994) do original Children’s Depression
Inventory (Kovacs & Beck, 1977; Kovacs, 1985). Cada um dos 27 itens deste inventário é
composto por quatro frases descrevendo quatro possibilidades, ordenadas por gravidade de
expressão sintomática, cotadas de 0 a 3. A criança deve escolher em cada item, a alternativa que
melhor descreva o seu comportamento nas últimas duas semanas. Metade dos itens inicia as
escolhas com a frase correspondente à gravidade máxima e a outra metade inicia com as
correspondentes à gravidade mínima. O resultado final obtém-se através do somatório da
pontuação nos 27 itens, podendo variar entre 0 e 54 pontos. Considerou-se como ponto de corte
o valor 17.
158
159
RESULTADOS
Quadro 5. Análise Comparada dos Sintomas Depressivos entre os Dois Grupos (Grupo
Experimental e Grupo de Controlo) nos Dois Momentos Temporais (t1 e t2)
Depressão
Média
Grupos
t1
GE
19.00
Desvio Padrão
t2
10.75
t1
T
t2
3.16
gl
t1
t2
p
t1
t2
t1
t2
23
23
.000**
2.05
.
11.645
23.25
GC
24.25
5.71
-3.633
.004
6.21
*p ≤ .05; **p ≤ .01
Pela análise do Quadro 5, observamos que os participantes do grupo experimental apresentam
em t1 um valor médio no CDI de 19 (DP = 3.16), enquanto que nos participantes do grupo
controlo, o valor médio no CDI é de 23.25 (DP = 5.71).
Após a intervenção, num segundo momento de avaliação (t2), constatamos que os participantes
que integraram o grupo alvo de intervenção grupal registam uma redução nos valores médios de
depressão, apresentando um valor de 10.75 (DP = 2.05). Os participantes que não foram alvo de
qualquer tipo de intervenção apresentaram um agravamento nos valores médios do CDI,
registando em t2 um valor médio de 24.25 (DP = 6.21).
Constatamos, igualmente, que os participantes de ambos os grupos (GE e GC) se distinguem à
partida (t1) quanto aos sintomas depressivos [t(23) = 11.645; p = .000]. O mesmo se passa
depois de se implementar a intervenção. De facto, verificamos que os participantes que foram
alvo da intervenção grupal (GE) apresentam, em t2, valores médios de depressão
significativamente inferiores aos apresentados pelos participantes que não foram submetidos a
intervenção (GC) [t(23) = -3.623; p = .004]
Quadro 6. Análise Comparada dos Sintomas Depressivos entre os Dois Momentos Temporais
(t1 e t2) nos Dois Grupos (Grupo Experimental e Grupo de Controlo)
Depressão
Média
DP
t
Gl
P
Mom.
de Aval.
GE
t1
19.00
GC
23.25
GE
3.16
GC
5.71
GE
GC
GE
GC
GE
GC
-7.141
22
22
.034
.000**
.
-2.257
159
160
t2
10.75
24.25
2.05
6.18
*p ≤ .05; **p ≤ .01
Quando procedemos à análise comparada daquilo que se passa em cada um dos grupos (GE e
GC) ao longo do tempo (de t1 para t2) (Quadro 6), observamos que existe uma redução
significativa dos sintomas depressivos junto daqueles que foram submetidos à intervenção
grupal [t(22) = -2.257; p = .034], o que não se verifica de forma tão acentuada nem no mesmo
sentido, junto dos participantes que não foram alvo de intervenção (t(22) = -7.141; p = .000]. De
facto, assiste-se no GC a um aumento, ainda significativo, da sintomatologia depressiva.
Discussão dos Resultados
Perante estes resultados, e com base nos objetivos específicos propostos neste estudo empírico,
confirma-se que existem diferenças significativas entre os participantes sujeitos a terapia de
grupo e participantes não sujeitos a este tipo de terapia, o que vai de encontro com outros
estudos efetuados (Barata, 2014; 2013; Shipley & Fazio, 1973; Shaw, 1977; Dobson, 1989).
Numa avaliação intragrupal verifica-se que no grupo alvo de intervenção grupal (GE) há
diferenças significativas, entre os momentos temporais (t1 e t2), assistindo-se a uma redução
significativa da sintomatologia depressiva apresentada pelos participantes (19 e 10.75,
respetivamente). Estes resultados vão de encontro a um estudo efetuado por Rush e Watkins
(1978, citados por Beck, Rush, Shaw & Emery, 1997), que também verificaram valores póstratamento significativamente mais baixos em medições da síndrome depressiva do que haviam
evidenciado no pré-tratamento (Barata, 2014: 2013).
No grupo de controlo (GC) e numa perspetiva intragrupal, verifica-se que há diferenças
estatisticamente significativas nos dois momentos avaliativos (t1 e t2), verificando-se um
aumento, significativo, da sintomatologia depressiva apresentada pelos participantes (23.25 e
24.25, respetivamente).
Perante estes valores, pode-se demonstrar que o tratamento cognitivo-comportamental, de que
foi alvo o grupo experimental, apresenta resultados mais satisfatórios (diminuição)
relativamente à sintomatologia depressiva, o que corrobora os estudos efetuados por Barata
(2014; 2013), Shipley e Fazio (1973) e Dobson (1989).
De acordo com os resultados já citados, confirma-se a pertinência de uma intervenção grupal em
sujeitos com deficiência, sendo que, neste estudo, registou-se uma melhoria na sintomatologia
depressiva, o que vem no sentido do encontrado por Barata (2014; 2013), Gallimore e Zetlin
(1980) e Goldstein (1972, cit in Marinho, 2000).
160
161
Verifica-se que a correção das cognições é o traço distintivo da terapia cognitivocomportamental e a chave para resultados terapêuticos duradoiros. Além disso, no seu formato
grupal, a terapia cognitivo-comportamental pode ser ampliada para tratar problemas
interpessoais e para incentivar a exploração e a perceção de si mesmo, bem como, à
identificação e consequente modificação dos processos e padrões cognitivos disfuncionais. Este
tipo de terapia permitiu focar não só nos aspetos cognitivos, mas também nas relações
recíprocas entre o afeto, o comportamento e a cognição, produzindo uma mudança nestas três
áreas.
Nas primeiras etapas do tratamento da depressão, procurou-se usar algumas técnicas que se
centram, em grande parte, na mudança comportamental e enfatizam menos a mudança
cognitiva. A programação de atividades que proporcionam satisfação ao paciente, permitiu que
os participantes se tornassem mais ativos e se envolvessem mais no seu ambiente. Ao mesmo
tempo, deve-se observar que a mudança comportamental não começa sozinha. Inclusive na
programação de acontecimentos, o terapeuta conhece as atitudes que o indivíduo mantém, de
modo que pode escolher atividades que se unam a estas atitudes, a fim de criar maior efeito
antidepressivo.
A introdução do elemento psicodramático no grupo revelou-se de extrema valia, pois permitiu
trabalhar em situações nas quais a comunicação verbal se tornou difícil ou na presença de
«impasses» na evolução do grupo.
O uso de técnicas psicodramáticas no grupo permitiu uma melhor compreensão aos
participantes de distorções cognitivas e de ações pouco compreensíveis dos participantes em
várias situações, por eles, experienciadas.
O número de participantes no grupo poderá ter sido uma das condições para o bom
desenvolvimento deste (Ruiz, 2003, cit in Rodríguez et al, 2003).
Pensamos que a reestruturação cognitiva ajudou os participantes a identificarem os seus
próprios pensamentos automáticos negativos. Com a reestruturação cognitiva conseguiu-se que
os participantes identificassem e modificassem estes pensamentos conduzindo a alterações
posteriores no seu estado de ânimo, na sua fisiologia e no seu comportamento, o que vai de
encontro aos estudos de Beck e Emery (1985).
Referências
Barata, N. C. (2014). Paralisia Cerebral: Eficácia de um Programa de Intervenção Grupal.
Covilhã: Éditos Prometaicos.
Barata, N. C. (2013). Intervention group in individuals with cerebral palsy. Iberian Journal of
Clinical & Forensic Neuroscience, 1 (3), 445-462.
Beck, A. T. & Emery, G. (1985). Anxiety disorders, depression and phobias: A cognitive
perspective. New York: Basic Books.
161
162
Beck, A. T., Rush, A. J., Shaw, B. F. & Emery, G. (1997). Terapia cognitiva da depressão.
Porto Alegre: Artes Médicas.
Dobson, K. S. (1989). A Meta-Analysis of the efficacy of cognitive therapy for depression.
Journal of Consulting and Clinical Psychology, 57, 414-419.
Ferreira, M., Ponte, M. & Azevedo, L. (2000). Inovação curricular na implementação demeios
alternativos de comunicação em crianças com deficiência neuromotora
grave (2º ed.). Lisboa: Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas
com Deficiência.
Gallimore, R. & Zetlin, A. (1980). A cognitive skills training program for moderately retarded
learners. In Education and Training of the Mentally Retarded, vol. II.
Kovacs, M. A. (1983). Developmental perspective on methods and measures in the assessment
of depressive disorders: the clinical interview. In M. Rutter, C. Izard, P. Read (eds.): Depression
in young people: developmental and clinical perspectives. New York: Guilford Press.
Marinho, S. M. (2000). Psicopatologia e Deficiência Mental – Fragmentos no cristal.
Braga: Edições APPACDM.
Shaw, B. F. (1977). Comparison of cognitive therapy and behavior therapy in the treatment of
depression. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 45,
543-551.
Shipley, C. R. & Fazio, A. F. (1973). Pilot study of a treatment for psychological depression.
Journal of Abnormal Psychology, 82, 372-376.
162
163
163
164
MEDIDAS DE PREVENÇÃO E ALERGIAS ALIMENTARES
Lopes, C. & Rodrigues, N.
Resumo
Encarada como uma doença crónica a alergia alimentar acarreta, como outras patologias
assim classificadas, desafios pessoais, sociais, psicológicos e familiares. O aumento da
prevalência das alergias alimentares justifica a necessidade da existência de estratégias
preventivas para a combater (Ferreira, Coelho & Trindade, 2006). Para além disso,
encontrar formas de prevenir o desenvolvimento desta doença irá reduzir
significativamente a morbilidade e os custos associados à mesma (Silva et al., 2014).
O objetivo deste poster é demonstrar a importância dos vários níveis de prevenção no
âmbito das alergias alimentares, considerando uma Unidade Multidisciplinar de
Alergias Alimentares. A prevenção pode ir desde a atuação prévia à doença (prevenção
primária), à doença latente (prevenção secundária) e por fim na própria doença
sintomática (prevenção terciária).
Palavras-chave: Alergia alimentar, Doença Crónica, Prevenção, Multidisciplinar.
Abstract
Seen as a chronic disease the food allergy, like other diseases as well classified, causes
personal, social, psychological and familiar challenges. The increasing prevalence of
food allergies justifies the need for preventive strategies to fight it (Ferreira, Coelho &
Trindade, 2006). On the other side, finding ways to prevent the development of this
disease will significantly reduce morbidity and the costs associated with it (Silva et al.,
2014).
The purpose of this poster is to demonstrate the importance of the various levels of
prevention in the context of food allergies, considering a Multidisciplinary Unit of Food
Allergies. The prevention may vary from the previous action to the disease (primary
prevention), latent disease (secondary prevention) and finally the symptomatic disease
(tertiary prevention).
Key words: Food Allergy, Chronic Disease, Prevention, Multidisciplinary.
164
165
Introdução
A alergia alimentar “consiste na manifestação clínica de reações imunologicamente
mediadas a substâncias estranhas, habitualmente proteínas” (Ferreira, Coelho, &
Trindade, 2007, p. 216). Esta é frequente nos primeiros anos de vida e tem implicações
claras a nível psicossocial, pelo que a análise do que fazer para prevenir estas alergias é
de extrema importância nos dias de hoje.
Por vezes, a dificuldade em definir as estratégias preventivas começa logo na definiçãp
da aplicação, ou não, de estratégias em toda a população em geral, ou se nos vamos
cingir a crianças consideradas de alto risco (Carrapatoso & Sarinho, 2007). É neste
sentido que podemos definir estratégias diferentes, para níveis de prevenção diferentes.
Sabe-se que normalmente nos primeiros anos de vida os principais alimentos que
provocam alergias alimentares são o leite, ovo, trigo e a soja, sendo que há alergias
alimentares que persistem na idade adulta, tais como a alergia aos frutos secos, peixe ou
marisco (Carrapatoso & Sarinho, 2007).
A prevenção começou a ser utilizada na medicina desde o século XVIII com a
vacinação jenneriana (Almeida, 2005), no entanto, a prevenção não deve ser olhada
apenas numa vertente médica, nem jurídica, mas também numa vertente psicossocial
(Luz & Peres, 1997). Em termos gerais, prevenção significa ação ou efeito de prevenir e
relaciona-se
inevitavelmente
com
dois
conceitos:
avisar/informar
e
atuar.
Avisar/informar ao identificar um indivíduo prevenido como uma pessoa alerta que
conhece antecipadamente o curso dos acontecimentos; atuar ao levar a cabo uma série
de ações que impeçam o dano, alterando assim comportamento pré-existentes
(Santacreu, Márquez, & Rubio, 1997).
No desenvolvimento de estratégias de prevenção nas alergias alimentares, deverão ser
considerados, segundo Teixeira (2010) alguns aspetos de forma a maximizar a eficácia
das mesmas: a definição de indivíduo de risco, a efetividade da intervenção, quais são as
intervenções aceitáveis para cada caso, qual a redução efetiva dos efeitos adversos e a
avaliação do curso-efetividade.
Ferreira e Seidman (2007) defendem que, no caso das alergias alimentares, o controlo
dos alergénios pode ser implementado em qualquer um dos estádios de prevenção
(primário, secundário e terciário).
165
166
Prevenção Primária
Entende-se como prevenção primária toda a atividade que tende a informar (avisar)
sobre o estado da situação, com o objetivo de informar o mais antecipadamente possível
de forma a minimizar o risco de dano. Citamos como exemplo para este tipo de
prevenção os estudos epidemiológicos, consultas regulares de estomatologia, entre
outras (Santacreu, Márquez, & Rubio, 1997).
A prevenção primária pretende assim prevenir a doença ou o dano em indivíduos
saudáveis, sem pormenorizar/personalizar o procedimento de intervenção, através de
investigações direcionadas para a deteção de doença ou identificação de fatores de risco.
Ou seja, a prevenção primária tem como objetivo “evitar ou remover a exposição de um
indivíduo ou de uma população a um fator de risco ou causal antes que se desenvolva
um mecanismo patológico” (Almeida, 2005, p. 92). Assim, este tipo de prevenção tem
uma “função educadora e de cidadania para a construção coletiva de um conceito e uma
cultura de saúde mental” (Luz & Peres, 1997, p. 179-180), querendo reduzir a
incidência da doença ou ainda, reduzir o risco médio da população (Almeida, 2005).
Os estudos sobre a prevenção primária são muitas vezes complexos, no entanto, há
vários estudos que já demonstraram a importância da prevenção primária na alergia
alimentar (Carrapatoso & Sarinho, 2007).
Uma vez que a prevenção primária tem como objetivo evitar a sensibilização aos
alimentos alergénios, evidenciamos aqui algumas estratégias dirigidas às crianças com o
“objetivo de prevenir o desenvolvimento da doença alérgica” (Carrapatoso & Sarinho,
2007, p. 293), e como tal, consideramos que devem ser adotadas:
-
Aleitamento materno exclusivo nos primeiros meses de vida (Carrapatoso & Sarinho,
2007; Pinheiro, Gomes, Paiva & Gaspar, 2009);
-
Quando não é possível o aleitamento materno exclusivo incluir fórmulas
hipoalergénicas que reduzem a ocorrência de alergias às proteínas do leite de vaca e de
eczema atópico, principalmente as fórmulas extensamente hidrolisadas de caseína
(Carrapatoso & Sarinho, 2007; Pinheiro, Gomes, Paiva & Gaspar, 2009);
-
Introdução de alimentos sólidos deve ser feita de forma gradual e em pequenas
quantidades (Carrapatoso & Sarinho, 2007; Pinheiro, Gomes, Paiva & Gaspar, 2009);
166
167
-
Utilização de suplementos dietéticos com bactérias probióticas no tratamento do eczema
atópico em lactentes (Carrapatoso & Sarinho, 2007; Pinheiro, Gomes, Paiva & Gaspar,
2009);
-
Imunização, visando aumentar a resistência a um determinado micro-organismo
(Almeida, 2005);
-
Trabalhar questões de promoção da saúde, incutindo assim comportamentos de saúde
(Luz & Peres, 1997);
-
Bloqueio da sensibilização imunológica ao alimento (Ferreira & Seidman, 2007).
No caso da idade para introdução dos alimentos a prevenção é ainda muito controversa,
sendo que a maioria dos estudos indica como idade adequada para a introdução do ovo
entre os 9 e os 12 meses e para a introdução do peixe e frutos secos a partir dos 12
meses (Pinheiro, Gomes, Paiva & Gaspar, 2009). No entanto, a Academia Americana de
Alergia, Asma e Imunologia indica como idades para introduzir todos os lacticínios os
12 meses, para introduzir o ovo recomenda a partir dos 2 anos de idade e, no caso dos
frutos secos e peixe, apenas recomenda a inserção destes alimentos após os 3 anos de
idade (Pinheiro, Gomes, Paiva & Gaspar, 2009).
Se pensarmos no caso concreto das alergias alimentares, consideramos que seria
interessante a implementação de ações de sensibilização em todas as escolas, incluindo
crianças e famílias, sobre esta temática.
Um das grandes limitações da prevenção primária é a falta de apoios e recursos para
implementação deste tipo de estratégias, uma vez que normalmente os resultados da
prevenção primária só se visualizam a médio/longo prazo (Luz & Peres, 1997).
Prevenção Secundária
A prevenção secundaria é utilizada nos casos em que já existe sensibilização e
pretendemos “evitar ou atrasar a ocorrência de sintomas”, ou seja, neste caso dirigimos
as estratégias de prevenção àquelas crianças que têm sintomas ligeiros de atopia, mas
que ainda não são consideradas como doentes crónicos (Carrapatoso & Sarinho, 2007,
p. 293). Assim, a prevenção secundária é a atividade que visa remediar ou amenizar o
dano causado e do qual possuímos informação. São exemplos deste tipo de prevenção a
lavagem dos dentes após as refeições, a prática de exercício físico regular ou descanso
adequado, para citar apenas alguns (Santacreu, Márquez, & Rubio, 1997). Este tipo de
167
168
prevenção centra-se nas atuações que visam a prevenção da doença, em grupos
identificados como grupos de risco.
Quando falamos deste tipo de prevenção no âmbito das alergias alimentares, uma das
principais estratégias prende-se com as dietas de evicção naquelas crianças já
identificadas como de risco. A recomendação da evicção durante os primeiros meses de
vida do alimento alergénio, assim como a introdução tardia de alimentos identificados
com tendo um maior potencial alergénio, aparenta ser consensual (Ferreira, Coelho, &
Trindade, 2006). Para que tal aconteça é necessário um envolvimento por parte da
família (que tem de alterar os seus hábitos alimentares e a forma de confecionar os
alimentos em casa) e também um envolvimento da escola, onde muitas vezes a criança
passa muito tempo e consome refeições (Pinheiro, Gomes, Paiva & Gaspar, 2009),
sendo então necessário a elaboração de planos alimentares específicos.
Outra das estratégias neste tipo de prevenção prende-se com a noção de saber utilizar os
dispositivos de adrenalina que podem ser necessários em situações de crise para uma
atuação rápida, pelo que é fundamental darmos uma correta informação tanto aos
cuidadores, como aos técnicos da escola que estão com a criança (Pinheiro, Gomes,
Paiva & Gaspar, 2009).
A este nível de prevenção enquadram-se os rastreios ao nível mais comunitário e os
achados de caso ao nível dos cuidados médicos do indivíduo (Almeida, 2005). O
rastreio aplica-se no caso de doenças crónicas, como é o caso das alergias alimentares,
que podem progredir para estados mais graves caso não sejam intervencionadas. O
objetivo de um rastreio é sempre o de “reduzir a mortalidade ou a morbilidade por uma
determinada doença no grupo rastreado” (Morrison, 1998, cit in Almeida, 2005, p. 93).
No que concerne ao achado de caso, aqui já é “uma deteção oportunista da doença ou
seus fatores de risco em indivíduos que consultam o seu médico por outros problemas”
(Fowler & Gray, cit in Almeida, 2005, p. 93).
Prevenção Terciária
A prevenção terciária é aquele tipo de prevenção que tem como objetivo “reduzir a
frequência e/ou gravidade dos sintomas e a progressão da doença alérgica crónica”
(Carrapatoso & Sarinho, 2007, p. 293). Com este tipo de prevenção conseguimos
“reduzir os custos sociais e económicos dos estados de doença na população, através de
168
169
reabilitação e reintegração precoces e da potenciação da capacidade funcional
remanescente dos indivíduos” (Almeida, 2005, p. 93).
A prevenção terciária centrar-se-á no tipo de atuação levada a cabo quando a patologia
está já diagnosticada e a demonstrar os primeiros sintomas, sendo que este tipo de
prevenção procurará prevenir estados mais avançados dessas mesma patologia, ou seja,
há uma “gestão” do estado da doença (Santacreu, Márquez, & Rubio, 1997; Almeida,
2005). É exemplo deste tipo de prevenção a criação de formas de controlo alimentar.
A prevenção terciária visa limitar os sintomas assim como problemas adicionais em
indivíduos que já sofrem de alergias alimentares, evitando a recorrência de sintomas
(Ferreira & Seidman, 2007). Assim, segundo Teixeira (2010), esta prevenção deverá
abranger o esclarecimento de dúvidas à criança, à família e à escola sobre a doença e os
riscos, para um auxílio efetivo na adesão ao tratamento, através da orientação aos
intervenientes quanto ao plano de tratamento a seguir em caso de emergência e a
exclusão do alimento desencadeante de alergia na alimentação da criança. No caso dos
pacientes com história de anafilaxia, a orientação quanto ao uso da adrenalina deverá ser
privilegiado, sendo que esta constitui a primeira escolha no tratamento da anafilaxia.
Adicionalmente, não existe contraindicação do uso de adrenalina no tratamento de
reações alérgicas graves ou anafilaxia.
O conhecimento dos termos sinónimos ao alimento excluído e a orientação sobre a
leitura de rótulos de produtos industrializados são também importantes aliados na
realização de refeições fora de casa, devendo os pacientes e familiares ser orientados
quanto à importância de questionar os responsáveis pela preparação dos alimentos os
ingredientes utilizados, e forma de preparação/confeção (Teixeira, 2010).
O crescimento e desenvolvimento adequado da criança considerando o conteúdo
nutricional fornecido pelo alimento excluído, não poderá ser descurado de forma a
minimizar risco nutricional por falta de substituições do mesmo valor nutricional
(Teixeira, 2010).
Quando falamos de prevenção a nível psicológico, é aqui que pode fazer sentido utilizar
estratégias como a dessensibilização cognitiva, de forma a diminuir estados
ansiogénicos que se possam detetar. Indivíduos com problemas médicos diagnosticados
procuram constantemente o equilíbrio entre manter o controlo sobre as suas ações do
dia-a-dia e o ter que abdicar involuntariamente desse mesmo controlo (Pereira &
Penido, 2010) em situações em que se veem confrontados com a possibilidade de
contacto com o alimento que provoca a reação alérgica. A maneira como os indivíduos
169
170
reagem aos sintomas é bastante influenciada pelas suas perceções de saúde e doença,
afetando a sua própria saúde de várias maneiras: quer seja através da influência nos
comportamentos preventivos, quer na maneira como reagem ao aparecimento dos
sintomas (Straub, 2005, cit in Pereira & Penido, 2010). A interpretação da forma como
o paciente percebe sua doença, sintomas, tratamento e prognóstico irá influenciar seus
sentimentos e, consequentemente, a sua reação e essas mesmas interpretações poderão
facilitar ou dificultar a adesão ao tratamento (Pereira & Penido, 2010), daí a importância
desta estratégia aplicada às alergias alimentares, no sentido de aumentar o controlo,
aumentar a autoeficácia na gestão dos sintomas e diminuir assim a ansiedade perante
potenciais situações de risco.
Adicionalmente, poderiam ainda ser criados grupos de apoio para troca de experiências,
dúvidas e anseios. Estes grupos tendem a melhorar os recursos sociais e o nível de
conhecimento sobre as questões discutidas em conjunto. Concomitantemente, os
indivíduos que integram grupos de apoio geralmente demonstram maior capacidade de
enfrentamento das situações de vida, uma melhoria na autoconfiança, assim como uma
diminuição do medo e da ambiguidade ou alívio emocional (Morretti & Zucchi, 2010).
A integração neste tipo de grupo contribui para a promoção da qualidade de vida
capacitando os seus membros de melhores estratégias de coping e de resolução de
problemas (Morretti & Zucchi, 2010).
Outros tipos de Prevenção
Considera-se que existem as prevenções chamadas clássicas (prevenção primária,
secundária e terciária), a prevenção primordial e, mais recentemente, surgiu a definição
da prevenção quaternária.
A prevenção primordial é normalmente associada a doenças crónico-degenerativas e
tem como objetivo o “evitar a emergência e o estabelecimento de estilos de vida que se
sabem contribuir para um risco acrescido de doença” (Almeida, 2005, p. 92). Este tipo
de prevenção é muito falado em programas de abstinência tabágica, nutrição adequada e
prática de exercício físico (Alwan, 1997, cit in Almeida, 2005), daí não terem destacado
este tipo de prevenção para as alergias alimentares.
A prevenção quaternária surgiu em 1995, com Jamoulle e Roland, e foi aceite pelo
Comité Internacional de Classificação da WONCA em 1999. Este tipo de prevenção
170
171
realiza-se quando o sujeito padece ou já padeceu de certa doença, de forma a atuar de
forma paliativa nos efeitos nocivos da mesma, muitas vezes é chamada de “prevenção
do sofrimento” (Almeida, 2005). Este tipo de prevenção aplica-se em patologias cuja
possibilidade de recaída é bastante provável, como é o caso do cancro, e pretende
melhorar a qualidade de vida destes doentes e da sua família (Almeida, 2005).
Esta prevenção surge com um propósito claro de diminuir o excesso de
intervencionismo médico associado a atos médicos desnecessários ou injustificados, e
pretende ainda conceder informação relevante para que o paciente tomar decisões
autónomas e conscientes, sem falsas expectativas e conhecendo claramente as vantagens
e desvantagens de cada método diagnóstico e terapêutico proposto (Almeida, 2005).
Não se pretende nunca substituir a abordagem definida clinicamente, mas pretende ser
uma abordagem complementar a esta, através de dois princípios fundamentais que são a
proporcionalidade e a precaução (Almeida, 2005). As estratégias utilizadas neste tipo de
prevenção centram-se na prevenção e tratamento da dor, mas também de outros
sintomas (exemplos: estados confusionais e desnutrição) ou mesmo do sofrimento
psicossocial e espiritual (OSM, 2002, cit in Almeida, 2005).
Optámos por também não incidir muito neste tipo de prevenção dado que ela é
frequentemente utilizada em doenças terminais como o cancro e, mais profundamente,
no grupo etário dos idosos (Almeida, 2005).
Importância da Equipa Multidisciplinar nas Alergias Alimentares
A prevenção deixou de ser apenas uma questão médica, para ter também a vertente
sociocultural e psicológica, pelo que uma abordagem multidisciplinar tem todo o
sentido e só assim conseguimos abranger a promoção da saúde e não apenas a cura (Luz
& Peres, 1997).
Aqui todos podem ter um papel importante:
-
O Médico (Imunoalergologista e Endocrinologista) irá proceder a uma análise
minuciosa da história clínica, associada a dados do exame físico, podendo estes ser
complementados por testes alérgicos (o Teste Cutâneo de Hipersensibilidade Imediata
ou Prick Test e os de provocação oral, por exemplo) (Solé, Amancio, Jacob, Cocco,
Sarni & Suano, 2012).
171
172
-
O Psicólogo como “educador preocupado com a prevenção, por ser um profissional que
possui um saber teórico e um domínio de técnicas que dizem respeito às relações
humanas, de trabalho, escolares e sociais em geral” (Luz & Peres, 1997, p. 188).
-
O Nutricionista cujo acompanhamento e controlo evolutivo da reação da
hipersensibilidade alimentar irá permitir determinar qual o momento ideal para
reintrodução do alimento excluído, caso essa seja uma possibilidade perante o caso
clínico, assim como a aplicação de medidas de prevenção, em qualquer um dos seus
estádios (Teixeira, 2010).
Consideramos ainda que para além destes médicos que constituem a Unidade
Multidisciplinar é importante um apoio permanente ao nível dos Clínicos de Medicina
Geral e Familiar, uma vez que são estes que estão em contato direto com muitos dos
pacientes.
Conclusão
A prevalência das alergias alimentares tem aumentado expressivamente nos últimos
anos, sendo difícil determinar com rigor a sua taxa de incidência (Pinto, 2013). Na
alergia alimentar, a prevenção das situações agudas que possam causar reação
anafilática, passa pela eliminação do contacto/ingestão do alergénio e o tratamento pela
administração atempada da terapêutica adequada a cada caso. No entanto, há várias
formas de prevenção que podem ser implementadas antes da situação aguda de forma a
diminuir o risco existente, e aumentar assim a qualidade de vida dos indivíduos
diagnosticados (Pinto, 2013).
A evicção dos alergénios alimentares pode parecer simples mas traduz-se numa
vigilância constante e atenta uma vez que a sua presença nem sempre é evidente.
Considerando que o desenvolvimento das alergias alimentares varia ao longo do tempo,
havendo por vezes o surgimento de novas alergias alimentares, é fundamental haver
uma monitorização da sensibilização ou tolerâncias desenvolvidas (Pinto, 2013).
Pacientes, cuidadores e população em geral devem dispor de informação culturalmente
apropriada e adaptada, sobre como evitar o alergénio e como atuar em caso de
emergência (Burks et al, 2011).
172
173
Referências
Almeida, L.M. (2005). Da prevenção primordial à prevenção quaternária. Prevenção em
saúde, 23(1), 91-95.
Burks, A.W. et al. (2011). NIAID – Sponsored 2010 guidelines for managing food
allergy: Applications in the pediatric population. Pediatrics, 128(5), 955-965.
Carrapatoso, I. & Sarinho, E. (2007). Será possível prevenir a alergia alimentar? Revista
Portuguesa de Imunoalergologia, 15(4), 291-299.
Ferreira, M., Coelho, R. & Trindade, J. C. (2006). Prevenção primária da doença
alérgica. Acta Med. Port, 20, 215-219.
Ferreira, C. T. & Seidman, E. (2007). Food allergy: a practical update from the
gastroenterological viewpoint. Jornal de Pediatria, 83(1), 7-20.
Luz, A. A. & Peres, E. L. (1997). Reflexões sobre a extensão universitária e a
participação da psicologia num programa de prevenção ao abuso de álcool e outras
drogas. Interação, 1, 179-192.
Moretti, F. A. & Zucchi, P. (2010). Caracterização dos grupos de apoio e associações de
pacientes portadores de doença reumatológica no Brasil. Revista Brasileira de
Reumatologia, 50(5), pp. 516-528.
Pereira, F. M. & Penido, M. A. (2010). Aplicabilidade teórico-prática da terapia
cognitivo-comportamental na psicologia hospitalar. Revista Brasileira de Terapias
Cognitivas, 6(2), pp. 189-219.
Pinheiro, A. E., Gomes, S., Paiva, M. & Gaspar, A. (2009). A prevenção primária da
alergia alimentar é possível? – Caso clínico. Revista Portuguesa de Imunoalergologia,
17(5), 457-464.
Pinto, A. S. L. (2013). O impacto das alergias alimentares no dia-a-dia. Porto:
Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa.
Santacreu, J., Márquez, M.O. & Rubio, V. (1997). La preventión en el marco de la
psicología de la salud. Psicología y Salud, 10, 81-92.
Silva, et al. (2014). Primary prevention of food allergy in children and adults:
Systematic review. Allergy, 69, 581-589.
Teixeira, A. R. (2010). Alergias alimentares na infância. Porto: Faculdade de Ciências
da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto.
173
174
174
175
EXPERIÊNCIAS DURANTE O PERÍODO DE ESTÁGIO NA ASSOCIAÇÃO DE
PAIS E AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS (APAE) EM CAMPINA GRANDE/
PARAÍBA/ BRASIL
Clara Lohana Cardoso Guimarães1 Clarissa Maria Cardoso Guimarães2 & João
Rogério Dias de Tolêdo Farias3
1 - Aluna de Psicologia da Universidade Federal de Campina Grande e Aluna de
Mobilidade na Universidade de Coimbra
2 - Aluna de Enfermagem da Universidade Federal de João Pessoa
3 - Advogado brasileiro e Aluno de Mobilidade no Curso de Língua Francesa I da
Universidade de Coimbra
Resumo
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais da cidade de Campina Grande, Paraíba,
Brasil. É uma instituição que se configura como uma rede construída por pais, amigos e
pessoas com deficiência, além de voluntários, profissionais e instituições parceiras,
públicas e privadas. Tem por missão promover e articular ações de defesa dos direitos,
prevenção, orientação e apoio às famílias no sentido da melhoria na qualidade de vida
da pessoa com deficiência, promovendo assim a construção de uma sociedade mais
justa e solidária. Diante desta experiência tem-se o objetivo de apresentar as
observações, as dificuldades, as sensações, as marcas e as lições que ficaram pelo
contato direto com crianças, adolescentes e adultos que, fisicamente/cognitivamente
apresentam algum tipo de limitação. Dessa forma, tem um caráter social e o objetivo de
promover atenção integral à pessoa com deficiência, promovendo também a defesa dos
seus direitos de cidadania numa perspectiva de inclusão social de seus usuários. Trata-se
de uma reestruturação da cultura, da prática e das políticas vivenciadas nas escolas de
modo que estas respondam à diversidade de alunos. Assim, atentando à diversidade, a
educação nesta associação busca perceber e atender às necessidades educativas
especiais de todos os sujeitos-alunos, de forma a promover a aprendizagem e o
desenvolvimento pessoal de todos.
Palavras-chave: APAE; Educação; Psicologia.
175
176
Abstract
Association of Parents and Friends of Exceptional Children in the city of Campina
Grande, Paraiba, Brazil. It is an institution that is configured as a network built by
parents, friends and people with disabilities, as well as volunteers, professionals and
partners, public and private institutions. Its mission is to promote and articulate rights
advocacy, prevention, guidance and support to families in order to improve the quality
of life of disabled people, thus promoting the construction of a more just and united
society. Given this experience has the objective of presenting the observations, the
difficulties, the feelings, the marks and the lessons were by direct contact with children,
adolescents and adults, physically / cognitively present some kind of limitation. Thus, it
has a social character and the aim of promoting comprehensive care to people with
disabilities, and to promote the defense of their citizenship rights in the interests of
social inclusion of its members. It is a restructuring of the culture, practice and policies
experienced in schools so that they respond to the diversity of students. Thus, paying
attention to diversity, education in this association seeks to understand and cater to the
special educational needs of all subjects students in order to promote learning and
personal development of all.
Keywords: APAE; Education; Psychology.
INTRODUÇÃO
Baseando-se na desafiadora experiência de estagiar na Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais (APAE) durante um mês, o presente relatório tem por finalidade apresentar
as observações, as dificuldades, as sensações, as marcas e as lições que ficaram pelo contato
direto com crianças, adolescentes e adultos que, fisicamente/cognitivamente apresentam
algum tipo de limitação, que tem muito o que ensinar.
A APAE configura-se como uma rede construída por pais, amigos e pessoas com
deficiência, além de voluntários, profissionais e instituições parceiras, públicas e
privadas. Tem por missão promover e articular ações de defesa dos direitos, prevenção,
orientação e apoio as famílias de forma que esse apoio seja direcionado a melhoria na
qualidade de vida da pessoa com deficiência, promovendo assim a construção de uma
sociedade mais justa e solidária. Dessa forma, tem um caráter social e o objetivo de
176
177
promover atenção integral à pessoa com deficiência, promovendo também a defesa dos
seus direitos de cidadania numa perspectiva de inclusão social de seus usuários.
Trata-se de uma reestruturação da cultura, da prática e das políticas vivenciadas nas
escolas de modo que estas respondam à diversidade de alunos. Assim, atentando à
diversidade, a educação na APAE busca perceber e atender as necessidades educativas
especiais de todos os sujeitos-alunos, de forma a promover a aprendizagem e o
desenvolvimento pessoal de todos.
Durante das supervisões, percebeu-se a confluência da questão de ensino e
aprendizagem na qual a Psicologia estaria intimamente relacionada à aprendizagem e ao
desenvolvimento humano de forma que a relação entre Psicologia e Pedagogia tornouse fundamental para o avançar dos nossos trabalhos. A este respeito, Serpa e Santos
(2001) afirmam que a Psicologia deve atuar como construtora de estratégias preventivas
frente aos problemas, na qual o psicólogo deve trabalhar aliado ao educador, integrando
aprendizado e ensino aos conhecimentos pedagógicos e de desenvolvimento,
valorizando as diferenças culturais. E para que isso aconteça, é necessário que o
psicólogo em sua atuação leve em consideração o aspecto biopsicossocial trazido pelos
sujeitos envolvidos, sua relação com as respectivas famílias, com os amigos mais
próximos e consigo mesmo. Sendo assim, pensar para atuar nesta perspectiva é a
premissa básica para a formulação de novas estratégias de intervenção.
INSTITUIÇÃO DE ESTÁGIO – APAE
A Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE, localiza-se na cidade de
Campina Grande – PB, e atualmente é a maior rede de atendimento integral às pessoas
com deficiências. A instituição faz atendimento a usuários com síndrome de Down e
deficiências mentais, o acolhimento é feito para todas as idades, em um total de 385
alunos matriculados.
A instituição filantrópica conta com funcionários que atuam desde a equoterapia,
fisioterapia, artesanato, escolaridade, educação física, limpeza, cozinha, atendimento
psicológico e médico, com uma ampla rede de funcionários. Por se configurar como um
serviço clínico e escolar, dispõe de ampla variedade de serviços que são ofertados em
prol da pessoa com deficiência, prezando acima de tudo por uma melhoria na qualidade
de vida daqueles que lá frequentam.
177
178
Os serviços ofertados dentro da clínica são o de Psicologia, Fisioterapia,
Fonoaudiologia e médico neurologista. O serviço de Psicologia está em todos os setores
da instituição desde a parte escolar até o setor de equoterapia. Na parte clínica, dentro
da psicologia são trabalhados os mais diversos temas que surgem de acordo com as
demandas do usuário e de seus familiares. Quando criança, uma faixa etária que vai dos
4 aos 12 anos, os pacientes são atendidos na brinquedoteca pela psicóloga que, através
do brincar, estimula suas percepções e promove um melhor desenvolvimento cognitivo.
Pacientes com mais de 12 anos o atendimento é individual, buscando sempre uma
reafirmação da autonomia da pessoa com deficiência em atividades cotidianas. A
psicologia, junto a outros profissionais como o fonoaudiólogo e o fisioterapeuta,
trabalha ainda a estimulação precoce em crianças de 0 a 1 ano de vida por meio de um
trabalho transdisciplinar.
Em relação à família, a Psicologia faz um trabalho de orientação, principalmente em
relação à postura dos pais frente a seus filhos. A superproteção muitas vezes dificulta o
trabalho da APAE. Assim sendo, essa orientação surge a fim de proporcionar um maior
investimento da família na pessoa com deficiência, permitindo a ela uma maior
autonomia e independência no seio família; também é oferecido aos alunos oficinas de
horta, culinária e artesanato, além de aulas de informática, e acesso à biblioteca e à
brinquedoteca onde são desenvolvidas atividades lúdicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegar a um campo de estágio desconhecido é sempre motivo de curiosidade e
angústia. A APAE, principalmente, me deixou um pouco temerosa pelo que eu ouvia
falar das pessoas com Síndrome de Down e com retardos mentais. Fui com um pouco
de medo, mas consegui superá-lo e ia, cada quarta e quinta, aberta à experiência e fiquei
simplesmente apaixonada.
O vínculo que se cria é impressionante, o carinho recebido é impagável, e a confiança
estabelecida é revigorada a cada dia. Tudo passa a ser pensado da forma mais carinhosa
possível, e o retorno sempre é gratificante. Os funcionários foram bastante receptivos e
nos ajudaram muito, facilitando nossa chegada, apresentação e atuação.
Sendo assim, o que fica é carinho e saudade do mês que passou tão rápido! Foi muito
gratificante esse período de estágio em que aprendi mais do que ensinei, em que pude
178
179
desmistificar muitas coisas, e realmente conhecer o quanto são inteligentes, carinhosos e
espertos essas pessoas que tem muito a contribuir, cada uma em suas limitações.
Nosso grupo teve experiências maravilhosas nesse estágio, desenvolvendo atividades
coerentes e continuadas, construindo uma relação de amizade com toda a instituição,
recebendo o carinho e a confiança de todos. Pensamos em casa detalhe com muito
carinho!
O interessante é chegar e perceber que muitos, apesar dos seus diagnósticos, são
totalmente diferentes do esperado, e isso nos deixava surpresas, contribuindo para que
pensássemos
aquelas
pessoas
além
das
suas
possíveis
limitações.
Dessa forma, o estágio na APAE foi de suma importância para nosso crescimento
profissional e, principalmente, pessoal, pois tenho certeza que aprendemos muito com
eles, e fizemos o máximo para ofertar ideias bacanas e deixar alguma contribuição para
eles que nos acolheram tão bem!
A APAE é realmente “Apaexonante”! Saio cheia de saudade e com uma vontade imensa
de voltar e contribuir de alguma forma para a educação e o desenvolvimento dos que
fazem parte dessa instituição tão útil e necessária.
REFERÊNCIAS
CID-10. (1993). Classificação dos Transtornos Mentais e de Comportamento da CID10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. Organização Mundial da Saúde,
trad. Dorgival Caetano, Porto Alegre: Artes Médicas.
Gadia, C. A., Tuchman, R., & Rotta, N. T. (2004). Autismo e doenças invasivas de
desenvolvimento. Jornal de Pediatria, v. 80, n. 2, São Paulo.
Nascimento, M.L.C. (2010). Síndrome de Down. Jornal de Pediatria, v. 80, n. 2, São
Paulo.
Oliveira, V.M. (1985). O que é Educação Física. In: Portal do Psicólogo. São Paulo,
Brasiliense.
Salomão, H.A.S., Martini, M., & Jordão, A.P.M. (2007). A importância do lúdico na
educação infantil: enfocando a brincadeira e as situações de ensino não direcionado.
In: Portal dos Psicólogos. São Paulo, 2007.
179
180
180
181
EXPERIÊNCIAS DURANTE O PERÍODO DE ESTÁGIO NO CENTRO DE
ATENÇÃO PSICOSSOCIAL ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS – CAPS AD - EM
CAMPINA GRANDE/ PARAÍBA/ BRASIL
Clara Lohana Cardoso Guimarães1 Clarissa Maria Cardoso Guimarães2 João
Rogério Dias de Tolêdo Farias3 & Isabella Lemos Arteiro4
1- Aluna de Psicologia da Universidade Federal de Campina Grande e Aluna de
Mobilidade na Universidade de Coimbra
2- Aluna de Enfermagem da Universidade Federal de João Pessoa
3- Advogado brasileiro e Aluno de Mobilidade no Curso de Língua Francesa I da
Universidade de Coimbra
4- Professora Mestre da Universidade Federal de Campina Grande
Resumo
Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas da cidade de Campina Grande,
Paraíba, Brasil. É um serviço municipal, aberto, comunitário, que oferece atendimento
diário às pessoas com dependência química, realiza o acompanhamento clínico e a
reinserção social destas pessoas através do acesso ao trabalho, lazer, exercício dos
direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. Com esta experiência
tem-se o objetivo de apresentar as atividades realizadas na instituição, como: tenda do
conto com as mães, oficinas de mosaico, tapeçaria, fuxico e horta com os usuários,
fundamentadas no pressuposto de que o cuidado a usuários de drogas exige condições
que respeitem o indivíduo enquanto pessoa, possibilitando sua (re)inclusão social,
profissional e familiar, ampliando as ações em saúde mental na sua intensidade e
diversidade. Assembleias gerais e passeios, lanches coletivos, festas de aniversário,
jogos, atividades no Parque da Criança e vivências com as famílias dão lugar a oficinas
(atividades que convocam o sujeito a ser um sujeito de ação) que produzem efeitos que
vão da clínica à construção singular de trajetórias e saídas para uma vida mais completa.
O adicto deve ser considerado um sujeito biopsicossocial, e não um objeto heterônimo.
Palavras-chave: CAPS AD; Estágio; Psicologia.
181
182
Abstract
Psychosocial Care Center Alcohol and other drugs in the city of Campina Grande,
Paraiba, Brazil. It is a municipal service, open community offering daily service to
people with chemical dependency, conducts clinical follow-up and social reintegration
of these people through access to work, leisure, exercise of civil rights and
strengthening family and community ties. In direct contact with the difficulties,
strategies and limitations of the institution, closely watching the role played by the only
psychologist from the center combined with a team committed to serve and take care of
various allowed users and their families, it was evidenced the importance of all
professionals to service users that are excluded from social life. General meetings and
tours, collective snacks, birthday parties, games, activities in the Children's Park and
experiences with families give rise to workshops (activities that summon the guy to be a
subject of action) that produce effects ranging from clinic to construction singular paths
and outputs for a fuller life. The addict should be considered a biopsychosocial subject,
not an object heteronym.
Keywords: CAPS AD; Internship; Psychology.
Introdução
O presente diário de campo tem como objetivo apresentar as experiências durante o
período de um mês de estágio no Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e outras
drogas da cidade de Campina Grande (CAPS AD). É uma apresentação das observações
e intervenções feitas ao longo desse tempo, contando dia por dia o que aconteceu e o
que foi feito, concluindo com as impressões pessoais de tal campo de estágio.
Foi uma experiência de grande importância, pois convivemos com as dificuldades,
estratégias e limitações da instituição, acompanhando de perto o papel assumido pela
única psicóloga do CAPS (já que recentemente houve um considerado desfalque na
equipe por questões de nova gestão municipal) aliada a uma equipe empenhada em
escutar e cuidar dos diversos usuários que chegam, cada qual com sua demanda, sem
esquecer do apoio à família. Além disso, foi importante por ter mostrado quanta
diferença faz a presença dos profissionais (psicólogo, psicopedagogo, enfermeiro,
médico, cozinheiro, pedagogo, porteiro) para os que são considerados “fora da norma”,
que se encontram excluídos da vida social como um todo sem poder desfrutar, muitas
182
183
vezes, dos direitos de cidadão, perdendo a confiança dos familiares e de todos que os
estigmatizam de alguma forma.
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) é um dos dispositivos de atenção à saúde
mental que têm valor estratégico para a Reforma Psiquiátrica Brasileira, espalhados pelo
país vêm modificando fortemente a estrutura da assistência à saúde mental, diferenciamse pelo porte, capacidade de atendimento, clientela atendida e se organizam no país de
acordo com o perfil populacional dos municípios brasileiros. Assim, estes serviços
diferenciam-se como CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSi e CAPSad. A partir dessa
inovação o CAPS AD é construído fundamentando-se na idéia de que o tratamento das
pessoas com transtornos decorrentes o uso de substâncias psicoativas e também de seus
familiares exige condições terapêuticas que inexistem nos demais serviços ofertados
para essa realidade dos adictos.
São serviços de saúde municipais, abertos, comunitários, que oferecem atendimento
diário às pessoas com dependência química, realizando o acompanhamento clínico e a
reinserção social destas pessoas através do acesso ao trabalho, lazer, exercício dos
direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários.
Os CAPSad, especializados no atendimento de pessoas que fazem uso prejudicial de
álcool e outras drogas, são equipamentos previstos para cidades com mais de 200.000
habitantes, ou cidades que, por sua localização geográfica (municípios de fronteira, ou
parte de rota de tráfico de drogas) ou cenários epidemiológicos importantes, necessitem
deste serviço para dar resposta efetiva às demandas de saúde mental. Funcionam
durante os cinco dias úteis da semana, e têm capacidade para realizar o
acompanhamento de cerca de 240 pessoas por mês. A equipe mínima prevista paraos
CAPSad é composta por 13 profissionais de nível médio e superior. (DOCUMENTO
APRESENTADO À CONFERÊNCIA REGIONAL DE REFORMA DOS SERVIÇOS DE
SAÚDE MENTAL : 15 ANOS DEPOIS DE CARACAS, 2005, p.30)
O serviço
O Centro de Atenção Psicossocial CAPS AD localizado na Rua Arnaldo de
Albuquerque 80, no bairro Alto Branco da cidade de Campina Grande – Paraíba é uma
instituição voltada à assistência em saúde a pessoas com transtornos decorrentes o uso
de substâncias psicoativas. O ambiente que constitui a estrutura física se detalha em
183
184
uma casa grande adaptada ao serviço, têm um andar, com janelas, varandas e portas.
Tem uma recepção com armários com fichas, uma sala que acontece o atendimento
médico, uma sala onde funciona um escritório, uma sala onde acontecem oficinas com
artesanato, uma sala para atendimento individual, a cozinha, refeitório, lavanderia e
banheiros. Tem ainda uma sala onde acontece reunião com familiares de usuários e uma
sala vazia que funciona como sala de vídeo.
A estrutura dinâmica, ou seja, de funcionamento do CAPS AD condiz com o que o
Ministério da Saúde articula para essa nova rede substitutiva, tem capacidade para 50
usuários por dia, funciona todos os dias menos fim de semana e feriados, oferece
consultas com psiquiatra, psicólogos, tem oficina com usuários e familiares, atendem a
pacientes do bairro e das áreas vizinhas. A equipe que trabalha no serviço é composta
por psiquiatra, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, técnicos em enfermagem,
pedagogos, profissionais de serviço geral e cozinha.
Ao longo de sua história pode se reconhecer um percurso que vai concretizando em ato
aquilo que pensa e deseja. O CAPS é estruturado por meio das oficinas, circundadas
pelas demais atividades, pertinentes a uma prática inventiva e articulada a tempo e ao
desejo das pessoas. Das assembléias gerais aos passeios, aos lanches coletivos, às festas
de aniversário, aos jogos, data comemorativa, as atividades no Parque da Criança até o
diálogo com as organizações de usuários, forma-se o espectro do que pode acontecer.
As oficinas, espaços livres e abertos à experimentação, produzem efeitos que vão da
clínica à construção singular de trajetórias e saídas para uma vida mais completa.
O adicto, antes excluído do mundo dos direitos e da cidadania, deve tornar-se um
sujeito, e não um objeto jogado na sociedade. É necessário escutar, fazer atendimento
individual, elaborar e realizar atividades com objetivos de abrigar a subjetividade.
Diário de campo - CAPS AD
DIA 1: Participamos do encontro com as mães com a psicóloga Luana na quinta feira
das 08:30 às 10:30h. Logo depois, nos reunimos com a equipe para debater alguns casos
e acompanharmos as evoluções dos prontuários e da ata da reunião. Durante a reunião e
no debate com a equipe, percebemos o quão as mães assumem as responsabilidades de
seus filhos sem dar oportunidade a autonomia dos mesmos, além de apresentarem uma
forte demanda de serem ouvidas nas suas mais dolorosas experiências.
184
185
Fomos muito bem recebidas, tanto pela equipe quanto pelas mães dos usuários, e já
saímos pensando em uma possível atividade a ser realizada na próxima quinta.
DIA 2: Conhecemos a oficina de mosaico e achamos interessante não realizar atividades
complementares, já que os participantes de tal oficina são concentrados nos detalhes
para a confecção dos quadros, além de terem que cumprir uma meta de produção de
quadros que foram encomendados e requererem prazo de entrega. Durante a chegada na
oficina, compartilhamos de experiências diversas (trabalho, família, amigos, tratamento,
amor, etc.) com os usuários e começamos a intervir em questões importantes e
influentes em suas condições de usuários do CAPS AD, fazendo perguntas e dando
algumas contribuições para as mesmas.
DIA 3: Participação na comemoração do dia dos pais. Poucos pais fizeram-se presentes,
e a maioria dos participantes eram os próprios usuários. Alguns palestrantes deram seu
testemunho de vida, alguns usuários fizeram questão de falar alguma coisa relacionada
ao papel do pai, houve bingo e sorteios de cestas básicas.
DIA 4: Mais uma quinta-feira, e participamos do grupo operativo com a família (três
mães estavam presentes), discutindo alguns casos ocorridos na semana com seus filhos
(usuários e ex-usuários da instituição) e dando nossas contribuições de acordo com as
queixas que elas traziam. Depois, discutimos com a equipe a situação de algumas mães
e seus filhos.
DIA 5: Mais uma vez, participamos da oficina de mosaico por meio de uma conversa
fluida e interessante, na qual os dois usuários (únicos participantes de tal oficina) trazem
suas experiências de vida, explicam o funcionamento da construção de uma tela e
reafirmam a importância do CAPS, chegando um a dizer que “entrar no CAPS é dar
abertura ao desenvolvimento das habilidades artísticas. ” Além disso, trouxeram
também as dificuldades e tentações vivenciadas fora da instituição, fazendo-os recair;
dizem que há a recaída mas a esperança retorna ao lembrarem da presença do CAPS.
DIA 6: Foi a primeira quarta em que conhecemos a oficina da horta, da tapeçaria e do
fuxico. Os usuários sentem-se importantes e sujeitos de atuação, sendo muito
importante para o processo de recuperação. Na horta, eles construíram um espaço de
185
186
plantações diversas, cuja colheita é direcionada ao consumo da própria instituição, tal
como: cebola, repolho, alface, erva-doce, alecrim, coentro, etc. Fomos acompanhadas
pelos frequentadores da oficina que nos deixaram a par de como plantar, colher e usar as
diferentes plantas presentes na horta; eles tem muito cuidado com a terra e com a
manutenção da mesma, aguando e limpando sempre para manter tudo limpo. Depois de
passarmos um tempo nesta, fomos conhecer a oficina da tapeçaria e do fuxico, nas quais
muitos usuários participam e fabricam tapetes, objetos para decoração e utilidade na
cozinha; trabalham ao mesmo tempo em que conversam e compartilham suas vivências.
Participei da oficina do fuxico e produzi algumas peças junto com eles. Foi uma
experiência maravilhosa!
DIA 7: Foi o último dia com o grupo de família. Realizamos a metodologia participativa
da “Tenda do Conto” onde as quatro mães que estavam presentes falaram sobre
determinado objeto de representação significativa em suas vidas (a Bíblia foi unânime)
no processo de enfrentamento dos problemas com seus filhos. Postamos alguns objetos
na mesa (colcha de retalho, candeeiro, jarro de flor, chapéu e bolsa de palha, canecas)
que fizeram algumas relembrar de seus tempos de infância no sertão, cuja lembrança as
fez refletir sobre como aqueles tempos eram difíceis, porém saudáveis e de mais
companheirismo nas famílias. Além disso, falaram também do amor incondicional pelos
netos, sendo estes os responsáveis pela amenização das dores e preocupações diárias.
Um momento marcante para mim neste dia foi quando uma das mães olhou para a
colcha de retalhos e lembrou que sua avó fazia muitas colchas para enfeitar a casa que
não tinha energia elétrica, e eu olhei para a colcha. Aqui, percebi e refleti sobre como
nossas relações e nosso dia a dia é tecido por diversos momentos, cada qual com sua
peculiaridade (um dia ruim com um dia bom; um triste com um alegre; um de falta de
esperança e outro com a fé renovada). Conversamos muito e nos despedimos,
infelizmente. Por fim, fizemos as evoluções dos prontuários das mães presentes e foi
outra experiência importante para nosso crescimento profissional.
Considerações Finais
Tendo em vista os aspectos observados no decorrer da visita e mediante pesquisas
teóricas é imprescindível ressaltar a importância da Reforma Psiquiátrica dentro do
186
187
contexto dos Centros de Atenção Psicossocial - CAPS. Ela desencadeou uma nova
ordenação dos espaços terapêuticos com a perda da hegemonia da internação,
modificando as práticas de reabilitação que funcionam a partir de ações que visam fazer
melhorar e proteger os portadores de sofrimento psíquico, pois todo paciente necessita
de um projeto terapêutico individualizado baseado em sua história de vida e
necessidades pessoais, valorizando suas particularidades e limitações, resgatando,
assim, a subjetividade da pessoa. Assim, é CAPS, os Centros de Atenção Psicossocial,
os serviços de saúde mental de base territorial, um dos principais representantes deste
percurso de mudanças.
E, principalmente, o CAPS AD fundamentado no pressuposto de que o cuidado a
usuários de drogas exige condições que respeitem o indivíduo enquanto pessoa,
possibilitando sua (re)inclusão social, profissional e familiar, ampliando as ações em
saúde mental na sua intensidade e diversidade.
O presente relatório demonstrou a eficácia do contato pessoal nas relações de
conhecimento com a dimensão dessa nova estratégia de trabalho, foi grande relevância
para refletir sobre a formação acadêmica no curso de Psicologia, na forma de construir
conhecimentos e orientar para a prática profissional. Enfim, essa visita, a nosso ver, foi
bastante interessante não só do ponto de vista acadêmico, mas principalmente foi uma
lição do ponto de vista pessoal. Além de conhecer e entender o serviço pudemos
perceber o que estava além da dependência: a subjetividade do sujeito.
Referências
Azevedo, D. M., & Miranda, F. A. N. (2010). Práticas profissionais e tratamento
ofertado nos CAPS AD do município de Natal-RN: com a palavra a família. Revista
Enfermagem; 14 (1): 56-63.
Brasil. (2002). Ministério da Saúde. Relatório Final da III Conferência Nacional de
Saúde Mental. Brasília: Conselho Nacional de Saúde.Brasil. (2005). Ministério da
Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Coordenação Geral de Saúde Mental.
Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à
Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de
Caracas. OPAS. Brasília.
187
188
Vargas, D., Bittencourt, M. N., Rocha, F. M., & Oliveira, M. A. F. (2013).
Representação social de psicólogos de Centros de Atenção Psicossocial em álcool e
drogas (CAPS AD) sobre o dependente químico. Departamento de Psicobiologia da
Universidade Federal de São Paulo, 11(02):188-192.
188
189
189
190
ENVELHECIMENTO E PROJETO DE VIDA: EMOÇÃO E CONSCIÊNCIA DO
VIVIDO
Maria de Fátima Fernandes Martins Catão, Kátia Karolina Rodrigues Rocha &
Gicelly Pedrosa Cirne
UFPB – Universidade Federal da Paraíba/Brasil
Resumo
Tem-se por objetivo refletir sobre envelhecimento e projeto de vida com foco no estudo
da emoção e consciência. Foram realizadas 31 escutas psicossociais com participantes
dos Serviços de Fortalecimento de Vínculos para idosos no Nordeste do Brasil. O
estudo propicia uma reflexão crítica dos idosos sobre ter ou não ter um projeto de vida.
Palavras-chave: envelhecimento, projeto de vida, visão de si, trabalho, exclusão social
Abstract
The aim of this research is to reflect on ageing and life’s project, focused in the study of
emotion and consciousness. It were accomplished 31 psychosocial hearings with
participants of the Strengthening of Linkage Service for Elderly in Brazil. The research
provides a critical reflection of the elderly on having or not a project of life.
Key words: elderly, project of life, vision of themselves, work, social exclusion.
Introdução
O aumento da longevidade nas últimas décadas e a questão do padecimento psicossocial
vivenciados pela pessoa idosa têm provocado a urgência de estudos sobre o fenômeno
do envelhecimento populacional e impulsionado a ciência a se debruçar sobre ele. Neste
direcionamento, esta pesquisa tem por objetivo refletir sobre envelhecimento e projeto
de vida, com foco do estudo da emoção e consciência do vivido, sob a ótica dos idosos
em atendimento em Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Idosos SCFVI referenciados pelo Centro de Referência e Assistência Social - CRAS no
Nordeste do Brasil. O estudo é de caráter descritivo analítico, com procedimento de
pesquisa/intervenção. Utiliza-se a metodologia SEOP- Serviço de Escuta e de
Orientação Psicossocial: projeto de vida e trabalho, desenvolvida pelo NEIDH- Núcleo
190
191
de Estudos Psicossociais da Exclusão/Inclusão e Direitos Humanos da Universidade
Federal da Paraíba. Esta pesquisa conta com o apoio do CNPq-Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico, projeto PIBIC.
Envelhecimento e projeto de vida
Analisar o ser humano como um ser em constante transformação, um ser inacabado e
em contínuo processo de desenvolvimento da criança ao idoso (Vigotski,1999, 2000,
2004; Catão, 2001, 2007,2011) possibilita novas formas de rever e refazer as próprias
escolhas. Neste sentido, destaca-se o quão relevante deve ser a utilização desta ideia no
trabalho com sujeitos idosos, que por vezes acham que não há mais o que se fazer da
vida a não ser esperar a morte chegar. Provocar esta reflexão pode possibilitar um
melhoramento na construção do vivido, o que terá consequências diretas na qualidade
de vida do sujeito.
O projeto de vida é um conceito que está intimamente relacionado com a construção do
ser humano, pois este como um ser histórico e social, internaliza as ferramentas
produzidas pela humanidade por meio dos sistemas simbólicos, e está em constante
movimento em todas as suas fases e mudanças. Esse processo de desenvolvimento do
ser humano ocorre em função de como o seu projeto de vida é construído, como chega a
existir, qual sua finalidade e como é finalizado, ao mesmo tempo em que está associado
aos modos culturalmente construídos de ordenar o real (Catão, 2007).
Falar sobre envelhecimento pode não ser tarefa tão simples quanto possa parecer. O ser
humano vivencia ao longo da vida, contínuos movimentos de desenvolvimento e
transformações, de si e do mundo. Este acúmulo de experiências dá-se através do
trabalho e de convivência social e são configuradoras no processo de envelhecimento,
no que se refere a possibilidades de ressignificação da vida (Félix & Catão, 2013).
Considerando a construção do projeto de vida e trabalho um fenômeno psicossóciohistórico, pode-se supor, tomando por base trabalhos empíricos realizados (Catão 2001,
2007; Felix&Catão, 2013; Catão & Grisi, 2014), que este se configura como uma
organização multidimensional, que emerge em dimensões articuladas entre si: dimensão
sóciocognitiva, dimensão sócioafetiva e dimensão espaço-temporal, num movimento
entre passado, presente e futuro, em que o horizonte é o futuro na sua relação com o
passado na intenção de transformação do presente.
191
192
A construção do Projeto de Vida e trabalho não se limita apenas às condições objetivas
de vida, mas é caracterizada na dialética entre a subjetividade e a objetividade, pois é
através
da
reflexão
crítica
de
suas
vivências
que
os
indivíduos
veem
possibilidade/impossibilidades de superação de uma determinada realidade no futuro. A
construção do projeto de vida é uma configuração humana do ser cidadão, sujeito de sua
história individual/social, uma criação analítica, crítica e articulada (Catão, 2007). São
diversas as significações do trabalho como configuração do projeto de vida: enquanto
atividade prazerosa de configuração de si e do cotidiano vivido, o indivíduo se realiza
como sujeito e ser social; humaniza-se, motiva-se, empenha-se. O trabalho faz o ser
humano idealizar e desejar que o resultado de sua atividade manifeste-se como
conhecimento concreto e em cooperação social, pois o ser humano se vê interagindo
com o meio e com o outro (Clot, 2006).
Emoção e Consciência
O ser humano sente, pensa, emociona-se a partir de conceitos, de significados - o que
caracteriza a base semântica da emoção e consciência, entretanto, o significado, não é só
uma questão semântica ou cultural, mas uma condição humana que implica os modos de
pensar e agir do ser humano. Une-se a ele as funções emoção e consciência de forma a
se proceder a análise da vida real do sujeito, resgatando-lhe a humanidade nas condições
de existência e construindo-se esse sujeito de significados, na relação com da realidade,
análise do vivido e perspetivas de projetos futuros.(Vygotsky, 2001, 2004)
Explica Vygotsky (2001), que tudo o que se sabe sobre o desenvolvimento psíquico
indica que aquilo que é verdadeiramente real está nas mudanças que ocorrem na
estrutura interfuncional da consciência. Já refletia o autor, nas décadas de 1920 e 1930,
sobre o problema que existia na interpretação da relação entre a consciência e a vida
real, quando escrevia: depois da consciência surge a vida, e indagava - como abrir
passagem para essa vida ou atividade prática! (Vygotsky, 2001). Fica evidente que, para
se analisar a estrutura da consciência não se deve começar pelo estudo de suas funções
isoladas, mas pelo estudo dos sistemas psicológicos. No livro Pensamento e Linguagem,
Vygotsky reflete que o pensamento não nasce de outro pensamento, mas da esfera
motivadora de nossa consciência - Por trás do pensamento, encontra-se a tendência
afetiva e volitiva. (2001).
192
193
É neste movimento e na capacidade de ser afetado, que o ser humano se produz se faz e
se potencializa, na relação com outros seres humanos e com o mundo (Espinosa, 2005).
Nessa conceção, os afetos deixam de ser estáticos com sentido único e tornam-se
processos que se configuram continuamente, segundo os nexos sustentadores do sistema
psíquico e deste com a situação social e histórica, que são, por sua vez, mediadas pelos
nexos do sistema psicológico, são, pois, reveladores do implícito, do latente, do oculto,
do subtexto. (Sawaia, 2000, 2006, 2010).
É importante sinalizar o papel ativo do Ser Humano e da cultura: o Ser Humano
constitui cultura, ao mesmo tempo em que é por ela constituído, formando um todo
complexo com sustentação nos processos biológico. O biológico e o cultural
constituem-se mutuamente no desenvolvimento humano. Vale enfatizar que Vygotsky
afirmou a unidade dialética entre o desenvolvimento biológico e cultural, apresentam
particularidades na composição do seu entrelaçamento. (Vygotsky, 2004)
A consciência está unida à realidade material e influi sobre os órgãos dos sentidos que
transmitem as mensagens aceitas pelos canais nervosos ao córtex dos grandes
hemisférios cerebrais (Leontiev,1978; Luria,1990). O cérebro, por si só não pensa. A
atividade e a linguagem estão intimamente ligadas ao desenvolvimento desta
propriedade do cérebro humano, a consciência de refletir a realidade objetiva.
Hoje o ultimo limite a ser transposto pela ciência da vida é desvendar a mente e um dos
propósitos neste direcionamento, é estudar a conciliação entre emoção e consciência e o
papel central da emoção nas tomadas de decisão do ser humano e na racionalidade,
(Damásio, 2000, 2004, 2012, 2013). Observa o autor em epígrafe, que as emoções fundam
a maior das novidades, que estão na base da luta pelo avanço da ciência e que o seu estudo,
pelos tabus científicos, têm-se tornado virtualmente impossível até a atualidade. Verifica o
autor, a necessidade de se proceder um conjunto de ruturas epistemológicas, num
direcionamento do desenho dos limites da explicação biológica nos limites das ciências
sociais.
Neste direcionamento, estudar a emoção e consciência do vivido em contextos de exclusão,
se faz necessário indagar sobre sua genética biológica e social e o seu referencial axiológico
– o ser humano, a sua dignidade e os seus direitos básicos e inalienáveis com parte
integrante da biodiversidade e da sociedade plural. (Nunes, 2012, 2013). Estudar a emoção
e consciência do vivido urge estudar, o sujeito da emoção e da consciência e as condições
de constituição deste ser na sua humanidade.
193
194
Método
Trata-se de uma pesquisa-intervenção que utiliza a metodologia SEOP (Serviço de
Escuta e Orientação Psicossocial). O referido estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa do Hospital Universitário Lauro Wanderley, parecer número 724 513/
2014. Participaram do estudo 31 idosos do sexo feminino, com idades entre 56 e 89
anos, em atendimento no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para
Pessoa Idosa.
Procedimentos de coleta de material
Foram realizadas escutas psicossociais com aplicação de entrevistas semiestruturadas e
questionários semiabertos para caracterização sociodemográfica, durante os plantões
semanais de escuta e de orientação psicossocial.
Procedimentos de análise do material- análise de conteúdo manual
Optou-se pela análise de conteúdo temática (Bardin, 1978; Catão, 2001) orientada pela
abordagem da Psicologia Sócio-Histórica, que enfoca a subjetividade como
intersubjetividade, entendida como sistema complexo de configuração permanente das
relações do todo e das partes, a fim de que a partir das narrativas dos sujeitos pudessem
ser construídas novas maneiras de pensar sobre o que foi dito, e consequentemente,
novas maneiras de ser e estar no mundo. O material foi organizado em corpus e
analisado de modo a separar-se em eixos temáticos, que vislumbraram os temas da
presente pesquisa. Foram consideradas as comunicações explícitas e implícitas dos
sujeitos nas entrevistas, a fim de fazer uma ampla interpretação dos conteúdos.
Resultados e Discussão
Os significados do envelhecimento e projeto de vida foram capturados, nas narrativas de
idosos em Serviços de Convivência, em cinco eixos temáticos: envelhecimento e visão
negativa de si; envelhecimento e visão positiva/negativa de si; dificuldade em elaborar
projeto de vida; trabalho e constituição do sujeito; concepção de envelhecimento e
aposentadoria , como podem ser observados na tabela 1.
194
195
Tabela 1 – Distribuição dos eixos temáticos sobre o Envelhecimento e Projeto de
Vida por idosos em Serviços de Convivência
Eixos temáticos
(f)
%

Envelhecimento e visão negativa de si
91
26,3

Envelhecimento e visão positiva/negativa de si
63
18,2

Dificuldade em elaborar projeto de vida
87
25,1

Trabalho e constituição do sujeito
52
15,1

Concepção de envelhecimento e aposentadoria
53
15,3
Total
346
100
Envelhecimento e a configuração de si e do Projeto de Vida
É possível observar que as construções são feitas em torno do próprio processo de
envelhecimento e suas relações com a visão de si, projeto de vida e trabalho. Pode-se
inferir que os significados elaborados, configuram-se, por vezes, como uma barreira no
que se refere a expansão do sujeito, colocando-se como uma concepção incapacitante
do que a idade provoca no indivíduo, objetivando-se em situações de exclusão e/ou
dependência: “... tem muita barreira né? para o idoso, porque a gente já não faz mais
quase nada sozinho, aí tá sempre dependendo dos outros” (76 anos); “quando a gente
vai ficando velho, são três coisas que a gente vai notando: a visão vai ficando com
dificuldade, depois vem a audição e depois as pernas” (74 anos).
Aposentar-se, segundo o Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, significa estar fora
do sistema produtivo. Na concepção de cada um, pode significar algo bem mais amplo,
como estar fora da vida, já que a sociedade atual preza tanto pela produtividade (Bruns e
Abreu, 1997). Neste sentido, torna-se cada vez mais difícil ser idoso e ser lembrado, o
que gera este sentimento de angústia, solidão paralelo a menor valoração do presente em
comparação ao passado, sendo este último sempre visto como mais vantajoso.
Neste eixo, verifica-se a dificuldade dos participantes, capturada nas narrativas, em ter
um projeto de vida como configuração de si , assim como a dificuldade de ter tal
propósito: “não vou mais planejar nada, eu só planejei até os 50, depois disso, a Deus
pertence! eu vou tá correndo atrás de que mais?” (56 anos); “não, não, não, mais não.
195
196
ficar, ficar só esperando Deus chamar” (65 anos); “eu só penso em ter saúde pra poder
viver mais” (76 anos); “Meu Deus, porque eu tinha que vir ao mundo e num fazer nada
do que eu gostaria de fazer e de ser?” (69 anos); “ah, e eu tô tão velhinha pra pensar
num projeto, acho que já cumpri minha missão, tenho projeto mais não” (78 anos).
Observa-se uma dificuldade em perceber-se como um ser ativo na construção do vivido.
Captura-se uma desarticulação do projeto de vida e a construção do ser humano, como
se o projeto tivesse que obrigatoriamente parar de acompanhar o sujeito em determinada
fase da vida,
ficar no passado, como uma lembrança de algo que foi ou não
conquistado. Sobre isto, já disse Catão (2001) que a construção do projeto de vida
direciona-se em função do sistema do viver criativo ou do viver submisso, o que está
diretamente relacionado à configuração da exclusão/inclusão social. A forma como se
relaciona com o ambiente externo e a forma que este ambiente se coloca para ele, em
nível de condições oferecidas. No caso dos idosos participantes do estudo, verifica-se
que estes sujeitos adotam uma referência de submissão em função do envelhecimento.
Na narrativa “atualmente mesmo eu não tenho projeto de vida, uma vez já tive pra botar
um negócio, pra trabalhar de novo... minha irmã queria arrumar um trabalho pra mim
numa creche, mas minha filha não quer que eu trabalhe mais, porque ela disse que eu já
sofri demais” (69 anos).
A entrevistada aparentemente demonstra não ter mais
motivação para trabalhar, no entanto não fica claro até onde essa falta de motivação seja
alimentada pela expressão da filha de que sua mãe não trabalhe mais, ou parte dela
mesma.
As questões relacionadas às mudanças físicas e orgânicas também são trazidas pelas
participantes. Nota-se, em suas falas, um sentimento de limitação e de perdas contínuas.
Essas formas de pensar e sentir o envelhecimento limita os sujeitos no seu dia-a-dia, nas
suas relações familiares, no trabalho e principalmente no que se refere à saúde, já que se
sentem limitados e indispostos, levando-os a uma potência de padecimento.
Por outro lado alguns sujeitos, diante desse sentimento buscam formas de reorganização
de si e da vida, através da reflexão e indagação sobre o vivido, desenvolvem maneiras
de se reverem diante desses sentimentos: “Gostaria de ser mais magra, mas como na
idade a gente fica um pouco assim, porque a gente quando era mais jovem o nosso
físico era um e agora depois da idade tudo muda”. (72 anos). “Eu vou melhorar porque
eu faço atividade física e a tendência de quem faz atividade é melhorar” (72 anos); “
tenho melhorado bastante, com os medicamentos que tomo e com o acompanhamento
psicológico, se não fosse isso, eu não sei se estaria aqui”. (68 anos).
196
197
Desta forma ao se fazer emergir no ser humano a capacidade de refletir sobre o
cotidiano, de forma a expressar os afetos e significados que constrói acerca de si e da
vida, pode capturar-se o sujeito e seu sistema psicológico pela sua ação no mundo,
pelas potências de padecimento / ação vivenciadas na relação consigo, com o mundo e
com os problemas sociais para a sua transformação. É neste movimento e na capacidade
de ser afetado, que o ser humano se produz, se faz e se potencializa, na relação com
outros seres humanos e com o mundo. Nessa concepção, os afetos deixam de ser
estáticos com sentido único e tornam-se processos que se configuram continuamente,
segundo os nexos sustentadores do sistema psíquico e deste com a situação social e
histórica, que são por sua vez mediadas pelos nexos do sistema psicológico, são pois,
reveladores do implícito, do latente, do oculto, do subtexto (Sawaia, 2000).
Verifica-se que os idosos, não se percebem como sujeitos ativos, na construção do
protagonismo
de
sua
história
de
vida.
Observa-se
ainda,
impossibilidades de reflexões norteadoras de projetos de vida
possibilidades/
que respaldem a
concepção de envelhecimento ativo em cada sujeito. O sentir e o pensar neste
direcionamento, configuram-se como
provocadores do exercício do sentido ativo do
corpo e da mente.
Foi possivel pelas narrativas e reflexões dos idosos, conhecer suas histórias, capturar os
significados do vivido, analisar sua genese, bem como identificar seus padecimentos e
felicidade. O referido estudo, propiciou também, conhecer o trabalho dos Serviços de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos, fundamentado como política pública para o
desenvolvimento físico, mental e social do idoso, com o objetivo de criar condições
para um maior empoderamento dos sujeitos em processo de envelheciment, na
construção de suas vidas.
Referências
Bardin, L. (1978). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.
Bruns, M. A. T., & Abreu, A. S. (1997). O Envelhecimento: Encantos e Desencantos da
Aposentadoria. Revista da ABOP; 5-33.
Catão, M. F. (2001). Projeto de vida em construção na exclusão inserção social. João
Pessoa: UFPB, Ed, Universitária.
Catão, M. F., & Grisi, A. F. M. (2014). Life project and work as matter of
exclusion/inclusion of the elderly person. Estudos em Psicologia (Campinas).
197
198
Catão, M.F., & Sawaia, B. (2007). Problemas Sociais e Análise Psicológica: questões de
método. In Análise psicológica de problemas sociais concretos: proposições analíticas.
Relatório de pesquisa de Pós-Doutorado, São Paulo: Programa de Estudos PósGraduados em psicologia Social-PUC-SP.
Catão, M.F. (2007). O que pedem as pessoas da vida e o que desejam nela realizar? In
Kruttzen E, Vieira S (Orgs.), Psicologia social, clínica e saúde mental (pp. 75-94). João
Pessoa: Ed. Universitária.
Clot Y. (2006). A função psicológica do trabalho. Petrópolis: Vozes; 2006
Damásio, A. R (2000). O mistério da consciência: do corpo as emoções ao conhecimento de si.
São Paulo: Companhia das Letras,
Damásio, A. R (2004). Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos, São
Paulo: Companhia das Letras,
Damásio, A. R (2012). O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano.. São Paulo:
Companhia das Letras,
Damásio, A (2013). O sentimento de si: corpo- emoção e consciência. Lisboa:
Felix, Y. T. M., & Catão, M.F. (2013). Envelhecimento e Aposentadoria por Policiais
Rodoviários. Psicologia e Sociedade; 420-429.
João-Pessoa [internet] Programa de Atenção à Pessoa Idosa – PAPI. [Acesso em 2014
set 03]. Disponível em: http://www.joaopessoa.pb.gov.br/secretarias/sedes/papi/
Leontiev, A.N .(1978).O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizontes.
Luria. A.(1990).Desenvolvimento cognitivo: seu fundamentos culturais e sociais. São Paulo:
Ìcone.
Nunes, R (2010). Bioética. Coletânea Bioética hoje n. 18. Coimbra: Gráfica de Coimbra 2.
Nunes, R(2012). (coordenador) Cultura e Sociedade. Cordão de Leitura, Porto
Nunes, R (2013). GeneÉtica. Almedina, Porto
Sawaia, B. B. (2000). A emoção como lócus de produção do conhecimento - Uma
reflexão inspirada em Vygotsky e no seu diálogo com Espinosa. III Conferência de
Pesquisa Sócio-cultural. Campinas: Unicamp.
Sawaia, B. B. (2006). O sofrimento ético-politico como categoria de análise da
exclusão/inclusão. In Sawaia B (org.) As artimanhas da exclusão análise psicossocial e
ética da desigualdade social. Petropólis: Vozes.
Vygotsky, L. S. (1999). A Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes.
Vygotsky, L.S. (2000). A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo:
Martins Fontes.
198
199
Vygotsky, L. S. (2004). Teoria e Método em Psicologia (3ª ed.). (C. Berliner, Trad.) São
Paulo: Martins Fontes.
199
200
APRESENTAÇÃO
E
DIVULGAÇÃO
DA
PRIMEIRA
PLATAFORMA
DIGITAL PARA CUIDADORES INFORMAIS EM PORTUGAL
José Bruno Alves &Ana Ribas Teixeira,
Doutorandos em Medicina Preventiva e de Saúde Pública, Universidade de Santiago de
Compostela. Espanha
Resumo
A presente comunicação tem como intuito apresentar a primeira plataforma digital para os
cuidadores informais em Portugal e a primeira plataforma plurilinguística da Europa,
desenvolvida no âmbito de um projecto europeu com 27 países. Pretende-se que através do
acesso à informação, a partilha de experiências e boas práticas se promova o sentido de controlo
e de auto eficácia dos cuidadores informais a diversos domínios e minimizar os efeitos
secundários da sobrecarga associada ao cuidar. A promoção da qualidade de vida dos
cuidadores informais resultam em benefícios para o Estado e sistemas sociais e de saúde, mas
sobretudo evitam a institucionalização dos sujeitos beneficiários dos cuidados. Esta plataforma
plurilinguística reúne exemplos de boas práticas em toda a Europa e fomenta no futuro uma
maior proximidade com os profissionais de saúde e os cuidadores, bem como a partilha de
experiências e apoio entre pares. Novas metodologias de intervenção biopsicossocial e de
âmbito da inovação social são prementes para a promoção de um envelhecimento ativo.
Palavras-chave: Plataforma plurilinguística, cuidadores, inovação social, Europa
Abstract
This Communication has the intention to present the first digital platform for informal carers in
Portugal and the first plurilinguistic platform in Europe, developed under a European project
with 27 countries. It is intended that through access to information, sharing of experiences and
good practices promote a sense of control and self efficacy of informal caregivers to several
areas and minimize the side effects of the burden associated with caregiving. Promoting quality
of life of informal caregivers result in benefits to the state and social and health systems, but
above all avoid institutionalization of individuals beneficiaries of care. This plurilinguistic
platform brings together examples of good practice across Europe and fosters the future a closer
relationship with health professionals and caregivers, as well as the sharing of experiences and
peer support. New methods of biopsychosocial intervention and scope of social innovation are
pressing for the promotion of an active aging.
200
201
Texto da comunicação
As mudanças demográficas da Europa nos últimos anos, conduzem a uma incidência crescente
de doenças relacionadas com a idade, uma crescente procura por cuidados, constituindo um
verdadeiro desafio para a sustentabilidade dos sistemas sociais e de saúde. Cerca de 80% dos
cuidados na Europa são prestados por familiares e amigos, existindo mais de 100 milhões de
prestadores de cuidados na Europa. Estima-se em 142 biliões anuais o valor do seu trabalho no
Reino Unido.
O contributo desses cuidadores informais constitui claramente um grande recurso para a
sociedade, mesmo que o seu papel nem sempre seja reconhecido. Cumprindo uma vasta gama
de serviços de apoio, tais como cuidados pessoais, tarefas domésticas, transporte, cuidados e
gestão financeira, bem como o apoio emocional; os cuidadores, muitas vezes oferecem a opção
mais abrangente e desejável para as pessoas que necessitam de cuidados.
A plataforma digital InformCare, promovida em articulação com a Cuidadores Portugal e a rede
europeia de cuidadores, fornece aos cuidadores informais de 27 Estados-membros da EU, as
principais informações sobre os seus direitos, bem como conselhos sobre a melhor forma de
prestar e lidar com suas atividades de cuidado. Cuidadores profissionais e empregadores podem
também aceder a informações sobre a melhor forma de prestar cuidados e atender às suas
necessidades. A plataforma igualmente oferece uma variedade de ferramentas de comunicação
interactivas a desenvolver no futuro (tais como uma rede social, um fórum e um chat) para
permitir que os prestadores de cuidados possam interagir, compartilhar conselhos, procurar
ideias e sugestões, pedir ajuda, apoiar os outros ou apenas ter alguém com quem conversar e que
realmente entende o que é ser um cuidador significa!
Mais informações sobre o projeto Innovage:
O projeto Innovage visa desenvolver e pesquisar inovações sociais com potencial impacto na
qualidade de vida das pessoas idosas.
O projeto tem quatro objetivos específicos:
1.
Desenvolver, implementar e avaliar inovações sociais focados na: inovação social,
bemestar e qualidade de vida, e vida saudável.
2.
Criar uma nova marca da inovação social através de uma plataforma digital baseada na
web, em que se consideraram as principais inovações de diversos países e avaliadas de acordo
com o seu potencial real para contribuir para prolongar a expectativa de vida saudável.
3.
Avaliar possíveis barreiras à implementação de inovações sociais neste domínio, com
base na pesquisa e experiência no âmbito da inovação social e na exploração de tecnologias
recentes para abordar necessidades de uma forma otimizada dos potenciais usuários.
201
202
4.
Enfatizar o intercâmbio de conhecimento, para a implementação de soluções
tecnológicas especialmente a nível dos novos Estados-Membros, especialmente os da Europa
Central e Oriental.
Pretende-se com esta apresentação dar a conhecer as potencialidades desta plataforma e os
diferentes domínios de informação acessível aos utilizadores, fazendo uma visita virtual às
páginas da plataforma em www.cuidadoresportugal.pt e, dar a possibilidade dos presentes
conhecer melhor este site, com a presente comunicação.
202
203
203
204
ENVELHECIMENTO NA DEFICIÊNCIA OU INCAPACIDADE: ESTUDO
COM LESIONADOS VERTEBROMEDULARES E SEUS CUIDADORES
INFORMAIS
Ana Ribas Teixeira & José Bruno Alves,
Doutorandos em Medicina Preventiva e de Saúde Pública, Universidade de Santiago de
Compostela. Espanha
Resumo
O presente estudo pretende contribuir para uma melhor compreensão do processo de
envelhecimento dos sujeitos com lesão vertebro-medular traumática e dos seus cuidadores
informais (CI) em Portugal.
Este estudo decorreu em colaboração com instituições, centros de reabilitação e associações de
solidariedade social. Participaram 168 sujeitos com LVM e 160 CI. Reconhecendo o coping
como um dos mediadores do processo de ajustamento e, a sobrecarga, a sintomatologia ansiosa
e depressiva e a qualidade de vida (QV) enquanto indicadores de eficácia desse processo, optouse pelo estudo destas variáveis.
Os instrumentos utilizados foram o brief COPE (Coping Orientations to Problems Experienced
Scale), o QASCI (Questionário de Avaliação de Sobrecarga do Cuidador Informal), o HADS
(Hospital Anxiety and depression Scale), e o WHOQOL (World Health Organization Quality of
Life).
Os resultados deste estudo identificam os sujeitos com LVM e os seus CI com 60 ou mais anos
de idade como os que recorrem mais à estratégia negação. Os dados, de igual modo, sugerem
que sobrecarga do CI aumenta com a sua idade.
A nível da morbilidade psicológica verifica-se a dependência da ansiedade em relação à idade
dos sujeitos com LVM. Apresentando os CI, com 60 ou mais anos de idade, um índice de
distress emocional para a sintomatologia ansiosa de 11,57 e de 10,12 para a sintomatologia
depressiva. Verificando-se também que a QV diminui com a idade quer nos sujeitos com LVM
como dos seus CI.
No contexto psicoterapêutico e no âmbito da reabilitação salienta-se a importância do papel dos
profissionais de saúde investirem em programas de psicoeducação, e suporte promotores de um
envelhecimento ativo, que favoreçam a adaptação psicológica à LVM, a conciliação e
continuidade dos cuidados informais prestados a este sujeitos.
Palavras-chave:
Lesão
medular
traumática,
cuidadores,
ajustamento
psicológico
e
envelhecimento
204
205
Abstract
This study aims to contribute to a better understanding of the aging process of patients
with traumatic spinal cord injury and their informal caregivers (IC) in Portugal.
This study took place in collaboration with institutions, rehabilitation centres and
charitable associations, having participated 168 patients with SCI and 160 and IC.
Recognizing the coping as one of the mediators of the adjustment process, and the
overload, anxiety and depression symptoms and quality of life (QOL) as indicators of
effectiveness of this process, we opted for the study of these variables.
The instruments used were the brief COPE (Coping Orientations to Problems
Experienced
Scale), the QASCI (Informal Caregiver Overload Assessment Questionnaire), the
HADS (Hospital Anxiety and Depression Scale) and the WHOQOL (World Health
Organization Quality of Life).
The results of this study identify patients with SCI and its IC´s having over 60 years of
age as those who rely more on denial strategy. The data likewise suggest that IC´s
overload increases with the age.
At the level of psychological morbidity there is the dependence of anxiety about the age
of the patients with SCI. The IC with 60 or more years old, present an emotional
distress index for anxiety symptoms of 11.57 and 10.12 for depressive symptoms. The
QOL also declines with age, both in patients with SCI as their IC.
In the psychotherapeutic context and in the context of rehabilitation, we highlight the
important role of health professionals when investing in psychoeducation programs, and
support promoters of active aging, facilitating the psychological adaptation to SCI,
conciliation and continuity of informal care provided to these people.
Keywords: spinal cord injury, caregivers, psychological adjustment and aging
205
206
Texto da comunicação
Introdução
A LVM é uma das condições mais graves e devastadoras, que podem afetar a vida de
um indivíduo (Agrawal & Britz, 2015; Helda & Lane, 2014; van Leeuwen, Kraaijeveld,
Lindeman, & Post, 2012), com inúmeras repercussões físicas, psicológicas e sociais
(Schilero et al., 2014).
A nível mundial, estima-se que a lesão vertebro-medular traumática (LVM) afete, todos
os anos, entre 250 000 a 500 000 pessoas (WHO,2013).
As necessidades de tratamento ao longo da vida, os custos associados ao cuidado, a
perda ou diminuição do rendimento e a dificuldade de ingresso e retorno à vida
profissional ativa conduzem a problemas psicológicos e sociais que afetam as
economias dos países, apresentando desafios, quer para os sujeitos com LVM, quer para
as suas famílias (Yilmaz, Turan, & Keles, 2014).
Se, por um lado, a LVM é incurável (Scholtes, Brook, & Martin, 2012) e o seu
tratamento é limitado à minimização das complicações secundárias e à maximização da
função residual pela reabilitação (Ramer, Ramer, & Bradbuy, 2014), os avanços da
investigação científica incutem esperança na cura futura da LVM.
Não obstante, à melhoria do prognóstico dos sujeitos com LVM, resultante dos avanços
médicos e tecnológicos, a LVM continua a lançar desafios a nível dos cuidados de
saúde e sociais (Iremashvili, Brackett, &
Lynne, 2012), sendo de salientar o seu
contributo na redução dos significativos níveis de morbilidade e mortalidade (Yilmaz et
al., 2014).
Por outro lado, e apesar da LVM apresentar uma reduzida incidência, os custos
associados ao cuidado do sujeito com LVM permanecem muito elevados (WHO, 2013).
Nos EUA, representam em termos de encargos financeiros, para o estado, cerca de 4
biliões de dólares todos os anos (Iremashvili et al., 2012). De acordo com os dados do
National Spinal Cord Injury Statistical Center (2015), a média das despesas no primeiro
ano após a lesão de um paciente com tetraplegia (c1-c4) chega a atingir 1,064,716
dólares no primeiro ano e 184,891 dólares nos anos subsequentes. Para um paciente
com paraplegia são gastos, no primeiro ano, 518,904 dólares e cerca de 68,739 dólares
nos anos seguintes, sendo que o custo estimado até ao fim de vida de um sujeito com
206
207
LVM possa variar em função da sua idade aquando do momento da lesão em cerca de
1,516,052 e 4,724,181 dólares e de acordo com a severidade da lesão (NSCISC, 2015).
Os custos pessoais são incalculáveis (Suarez, Levi, & Bullington, 2013).
Acresce referir que os custos com LVM são mais elevados relativamente a sujeitos com
quadros de demência, de paralisia cerebral e com esclerose (WHO, 2013).
Por outro lado, as limitações de atividade e a restrição da participação nas atividades
instrumentais e de vida diárias, as dificuldades de emprego, a manutenção dos cuidados
de saúde e de reabilitação dos sujeitos com LVM mobilizam a participação dos CI.
A disponibilidade de apoio emocional e de apoio para a resolução de problemas são
importantes factores na satisfação dos sujeitos com LVM (Whiteneck et al., 2004) e
estão associados ao tipo e magnitude de apoio dado pelos seus CI, família e amigos
(Pearcey, Yoshida, & Renwick, 2007).
Os CI têm também um papel activo na promoção da saúde, gestão, prevenção de
complicações secundárias, que tanto podem comprometer a qualidade de vida do sujeito
com LVM como do seu CI (Sezer et al., 2015). Algumas decisões terapêuticas são feitas
com os CI, como por exemplo, a disponibilidade em realizar cateterismo vesical
intermitente, ao sujeito com LVM tetraplégico; pela sua capacidade em prevenir e gerir
as complicações secundárias, evitando a institucionalização destes sujeitos.
Cuidar de uma pessoa com algum nível de dependência exige lidar com uma
diversidade de esforços, tensões e tarefas que com frequência superam as reais
possibilidades do cuidador, com reflexos não só individuais, como também aos mais
diversos níveis da sua vida. Se, numa fase inicial, o esforço que irá ser exigido não é
plenamente percebido, a continuidade do desempenho do seu papel poderá conduzi-lo à
exaustão (Fernandes, Pereira, Ferreira, Machado & Martins, 2002) e esse papel recai,
maioritariamente, sobre uma única pessoa (Mateo et al., 2000). Toda a situação de
doença é sempre uma situação de crise, um evento stressor com efeitos no doente e na
família (Martins, Pais-Ribeiro & Garrett, 2003).
Os cuidadores tendem, frequentemente, a subestimar a duração e a magnitude do seu
trabalho (Davis, Gilliss, Deshefy-Longhi, Chestnutt, & Molloy, 2011), podendo resultar
dessa entrega custos pessoais (Navaie-Waliser et al., 2002) a nível físico, psicológico,
social e económico. Estes factores podem impossibilitar o cuidador de cumprir com o
seu papel e podem afectar a continuidade da prestação do cuidado, bem como a
qualidade de vida da pessoa que recebe os seus cuidados.
207
208
O acréscimo de responsabilidades e exigências inerentes ao cuidar e a ausência de
recursos; a deslocação das suas necessidades e desejos para segundo plano (Kalra,
Kamath, Trivedi, & Janca, 2008) contribuem para uma situação de sobrecarga do
cuidador.
O coping tem sido descrito como um factor que facilita o ajustamento individual e a
adaptação, tornando-se num foco de interesse crescente, nos estudos acerca da
adaptação dos seres humanos a situações geradoras de stress (Holahan & Moos, 1987).
Lazarus e Folkman (1984) definem coping como os esforços cognitivos e
comportamentais, em constante mudança, orientados para responder a exigências
específicas, externas e/ou internas, que são avaliadas como excedendo os recursos
pessoais. De acordo com estes autores, numa situação avaliada pelo indivíduo – agente
ativo – como sendo geradora de stress, faz com que este adopte estratégias para
diminuir o efeito do stressor.
Considera-se o coping, uma variável intermédia entre um acontecimento e os resultados,
ou consequências desses acontecimentos, pelo que importa ser estudada, pois
desempenha um papel fundamental para o ajustamento e adaptação (Pais-Ribeiro &
Rodrigues, 2004).
Objectivos e enquadramento do estudo no estado da arte
A relação entre a espinal medula e o seu controlo sobre outros sistemas de órgãos
tornam a gestão da LVM complexa (Lo, Esquenazi, Han, & Lee, 2013). A lesão LVM é
das condições mais graves e devastadoras, que podem afectar a vida de uma pessoa
(Agrawal & Britz, 2015; Helda & Lane, 2014; van Leeuwen et al., 2012), com inúmeras
repercussões físicas, psicológicas e sociais (Schilero et al., 2014) e com particularidades
próprias que as tornam única e distintas das outras condições.
A sua reduzida incidência, a ausência de sistemas de informação plenamente funcionais
ou operacionais, a falta de estudos e dados estatísticos actualizados de saúde sobre os
sujeitos com LVM em Portugal torna difícil o conhecimento desta realidade e, o acesso
mais dificultado aos seus CI; podendo mesmo, estes factores contribuir para um maior
investimento do estudo do impacto do cuidar noutras condições.
Numa perspectiva biopsicossocial a incapacidade é resultado da interacção da condição
de saúde e do meio ambiente, no qual, particularmente, os cuidadores demonstram ter
208
209
um papel crucial no nível de funcionalidade destes sujeitos e no processo complexo da
reabilitação. Neste contexto torna-se de especial importância estudar as implicações
inerentes não só decorrentes da deficiência mas também do próprio envelhecimento dos
sujeitos com LVM e seus CI (Leonardi et al., 2012; Leonardi et al., 2006).
Constituem objectivos deste trabalho avaliar que estratégias de coping são mais
utilizadas; a incidência do distress emocional, a sobrecarga e qualidade de vida geral em
ambas as amostras: sujeitos com LVM e CI.
Metodologia
O presente estudo foi realizado a nível nacional entre 2012 e 2013. No sentido de se
obter uma amostra o mais heterogénea e representativa possível da população em
estudo, contactaram-se os principais centros de reabilitação em Portugal à data da
colheita da amostra, em particular, o Centro de Medicina de Reabilitação do Sul; o
Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro - Rovisco Pais e o Centro de
Medicina da Reabilitação de
Alcoitão (Fontes & Martins, 2015). Contactou-se também o Centro Hospitalar do Porto
– Hospital Geral de Santo António, E.P.E e ao Hospital da Prelada, pois o âmbito destas
entidades integra igualmente a especialidade de fisiatria.
Seguindo todas as disposições éticas da declaração de Helsínquia, todos os sujeitos que
acederam participar foram informados quanto aos objectivos, à finalidade do estudo, às
entidades e instituições envolvidas, à participação voluntária, à possibilidade de
desistência a qualquer momento sem qualquer consequência.
Participaram neste estudo indivíduos, voluntários, que cumpriam os seguintes critérios
de inclusão:
Ser um sujeito com LVM traumática com um ano ou mais tempo de lesão (período em
que se considera existir uma certa estabilidade adaptativa e reintegrativa) (Cardoso,
2006);
Definiram-se como critérios de exclusão:
Não possuir um nível de literacia que lhe permita compreender correctamente os
instrumentos de colheita utilizados;
209
210
Idade inferior a 18 anos;
Os sujeitos com LVM apresentam limitações físicas ou mentais decorrentes de outras
condições de saúde graves.
Relativamente aos CI dos sujeitos com LVM definiram-se como critérios de
inclusão:
Ser CI de um sujeito com LVM traumática com um ano ou mais tempo de lesão
Ser o principal responsável pela prestação de cuidados a um sujeito com LVM
traumática, familiar ou amigo;
Os instrumentos utilizados foram os seguintes:
Brief COPE(Carver, 1997; Pais-Ribeiro & Rodrigues, 2004)
O Brief COPE (cf. Anexo VII) foi desenvolvido visto as medidas existentes, em
particular o COPE, colocarem uma grande sobrecarga nos participantes, nomeadamente,
no que se refere ao tempo necessário para responder. Esta versão contém 28 itens em 14
escalas, com dois itens por escala e serve o propósito do presente estudo de avaliar as
estratégias de coping utilizadas pelos CI. As opções de resposta seguem uma escala
ordinal com quatro alternativas de resposta (de 0 a 3), entre “nunca faço isto” até “faço
sempre isto”. A cotação é feita pela soma de 2 itens cada subescala, havendo assim uma
diferenciação das estratégias de coping de acordo com a sua utilização. O valor de cada
estratégia varia de 0 a 6, onde um valor mais elevado indica uma maior utilização
(Carver, 1997; Pais-Ribeiro & Rodrigues, 2004; PaisRibeiro, 2007b).
- QASCI – Questionário de Avaliação da Sobrecarga do CI (Martins et al., 2003).
O objectivo do QASCI consiste em avaliar a sobrecarga física, emocional e social dos
CI, ou seja, a perturbação resultante de lidar com a dependência física e a incapacidade
mental do indivíduo foco da atenção dos cuidados. Este instrumento inclui 32 itens
avaliados por uma escala ordinal de frequência que varia de 1 a 5 e integra 7 dimensões
que Martins et al. (2003) definem: - Implicações na vida pessoal do cuidador (11 itens),
- Satisfação com o papel e com o familiar (5 itens); - Reações às exigências (5 itens); Sobrecarga emocional relativa ao familiar (4 itens); - Suporte Familiar (2 itens); Sobrecarga Financeira (2 itens); - Percepção dos mecanismos de eficácia e de controlo
(3 itens).
210
211
- HADS – Hospital Anxiety and Depression Scale(Pais-Ribeiro, 2007b; Zigmond &
Snaith, 1983).
O HADS foi desenvolvida por Zigmond e Snaith (1983), com o objetivo de avaliar de
uma forma válida, fiel e prática sintomas de ansiedade e depressão. É uma escala de
auto administração que demora cerca de 10m a ser preenchida; constituída por 14 itens
que se dividem em duas sub-escalas: ansiedade (7 itens) e depressão (7 itens). A forma
de resposta dos 14 itens da escala varia entre zero (0-baixo) a três (3-elevado), numa
escala de Likert de 4 pontos. As duas escalas são classificadas separadamente. A
cotação do HADS é feita do seguinte modo: valores entre 0 e 7 – “normal”; 8 e 10 –
“leve”; 11 e 14 – “moderada”; 15 e 21 – “grave”. (Zigmond & Snaith, 1983, PaisRibeiro et al., 2007).
WHOQOL -100 - Instrumento de Avaliação da Qualidade de Vida da Organização
Mundial de Saúde (Canavarro et al., 2010).
O WHOQOL -100 Esta medida subjectiva e multidimensional destinada à avaliação da
QdV está actualmente disponível em 40 idiomas. Foi validada para Português de
Portugal seguindo todas a etapas estabelecidas pela OMS, no protocolo internacional de
validação do instrumento (Canavarro et al., 2006; Canavarro et al., 2009). A versão em
Português do WHOQOL-100 apresenta uma consistência interna que varia entre 0,840,94 e confiabilidade teste-reteste em todos os domínios (0,67-0,86). A validade
discriminante foi significativa para todos os domínios, excepto na espiritualidade. O
WHOQOL apresentou boas características psicométricas, sugerindo que a versão em
Português do WHOQOL é válida e confiável para a avaliação da QdV em Portugal
(Canavarro et al., 2006; Canavarro et al., 2009). É caracterizado por uma forte solidez
psicométrica em diferentes culturas, sendo actualmente dos instrumentos mais
utilizados para avaliar QdV em estudos de investigação (Canavarro, Pereira, Moreira, &
Paredes, 2010).
-WHOQOL-Bref – Instrumento de Avaliação da Qualidade de Vida da
Organização Mundial de Saúde – versão reduzida (Canavarro et al., 2010).
O WHOQOL-Bref constitui a versão abreviada do instrumento de avaliação da QV da
Organização Mundial de Saúde (WHOQOL Group, 1998), tendo a necessidade de se
dispor de um instrumento de avaliação de QV, que fosse mais fácil de se aplicar e cujo
211
212
preenchimento ocupasse portanto menos tempo, os motivos que impulsionaram a
construção deste instrumento.
Os estudos psicométricos deste instrumento de avaliação da QV da OMS (WHOQOLBref) para Português de Portugal conduzidos por Vaz-Serra et al. (2006), revelam que
este instrumento apresenta boas características psicométricas de fiabilidade temporal,
validade de constructo e validade discriminante, pelo que o tornam num bom
instrumento para avaliar a QV da presente amostra. Dadas as características
transculturais deste instrumento, é possível ainda de ser utilizado em estudos
comparativos de populações entre diferentes países.
Este instrumento é constituído por 26 perguntas, sendo duas mais gerais, referentes à
percepção geral de QV e à percepção geral de saúde, e as restantes 24 representam cada
uma das 24 facetas específicas que constituem o instrumento original. Desta forma,
enquanto na versão longa WHOQOL-100 da OMS cada uma das facetas é avaliada por
4 perguntas, no WHOQOL-Bref cada uma das 24 facetas é avaliada por apenas uma
pergunta, pelo que, neste sentido conserva as 24 facetas do WHOQOL-100, mantendo a
essência multidimensional e subjectiva inerente ao conceito de QV. Estas facetas
organizam-se no WOQOL-Bref em 4 domínios: físico, psicológico, relações sociais e
meio ambiente.
Neste instrumento os valores de cada domínio são calculados e podem variar entre 0 e o
máximo de 100. Os valores são ponderados numa escala positiva, ou seja, quanto mais
alto o valor, melhor a QV nesse domínio (Canavarro et al., 2010).
Resultados e Discussão
Cento e sessenta e oito sujeitos vítimas de LVM traumática constituem esta amostra não
probabilística de conveniência, onde 75,60% dos participantes são do sexo masculino e
24,40% do sexo feminino. O predomínio de homens é uma constante em todos os
estudos empíricos, nacionais e internacionais, o que vai de encontro aos dados
epidemiológicos da população (Cardoso, 2006; Bickenbach, et al., 2013; NSICSC,
2015; Rodríguez, 2014; Singh, et al., 2014).
A média de idade aquando do momento da lesão (30,10 anos) demonstra que estamos
perante uma população que é vítima de LVM traumática, numa idade muito jovem, em
212
213
consonância com o que acontece em outros estudos nacionais e internacionais (Cardoso
2006; Ruiz & Aguado-Díaz, 2003, Singh et al., 2014).
Actualmente, na maioria das regiões e países do mundo, os 30 anos de idade aparecem
associados ao pico de incidência de sujeitos vítimas de um traumatismo desta natureza.
No entanto, é importante considerar novas tendências, devido ao crescente
envelhecimento da população, o traumatismo secundário às quedas podem tornar-se um
crescente problema de saúde pública, e a incidência entre os idosos pode aumentar com
o aumento da esperança de vida (Singh et al., 2014).
Os CI apresentam uma idade média de 50 anos, são na sua maioria do sexo feminino e
apenas 16,88% são do sexo masculino, indo de encontro à ideia do papel da mulher na
nossa sociedade se associa ao de cuidadora e à realidade retratada noutros estudos (Ma,
Lu, Xiong, Yao & Yang, 2014). Estes sujeitos são na sua maioria casados e com baixas
habilitações académicas, com mais de 70% dos CI a não concluir o nível de estudos do
ensino secundário e só 13% com o ensino superior.
O abandono temporário ou definitivo do emprego pode ter implicações para o CI.
Gómez, Ferrer, Rigla e López (2006) salientam que as dificuldades financeiras têm
impacto não só na economia familiar, como na diminuição da auto-estima e realização
pessoal.
A natureza da relação do CI ao sujeito com LVM é na sua maioria de natureza conjugal,
seguindo-se os filhos, os progenitores, irmãos, amigos e outros familiares; o papel de
cuidador principal recaí sobretudo sobre um elemento da família mais próximo e
podendo de facto ser assumido com menor frequência por CI sem laços de sangue,
designadamente por amigos (Braithwaite, 2000), indo de encontro com a meta análise
de López e Martinez (2007) que sugerem existir expectativas culturais e sociais sobre
quem assume o papel de cuidador.
No que se refere ao número de horas que dedicam no cuidar, pouco mais de um terço
presta menos de quinze horas e com a maioria dos CI a prestar mais de trinta horas
semanais, o que revela a singularidade da LVM, que pode resultar em níveis distintos de
dependência ou incapacidade (WHO, 2013).
213
214
Estratégias de Coping
No sentido de perceber quais as respostas cognitivas e comportamentais que fazem
parte do processo de adaptação à LVM traumática. Procuramos conhecer quais as
estratégias de coping mais utilizadas pelos sujeitos com LVM traumática e seus CI. A
análise realizada às
diferentes escalas do brief COPE permite aferir que as estratégias mais utilizadas pelos
sujeitos vítimas LVM traumática são o coping activo (M=4,59; DP= 1,29), a aceitação
(M=4,57; DP= 1,28) e o planear (M=4,48; DP=1,32) por outro lado, as menos utilizadas
são o uso de substância (M=0,32; DP=0,98) e desinvestimento comportamental
(M=1,11; DP=1,44). Por outro lado, CI recorrem com mais frequência à estratégia
aceitação (M=4,46;
DP=1,18) e com menos frequência ao uso de substâncias (M=0,83; DP=1,20)
Para o sujeito com LVM, com o aumento da idade, aumenta também o recurso à
estratégia negação e diminui o recurso as estratégias reinterpretação positiva, aceitação,
autodistracção e o humor. Os CI dos sujeitos com LVM, com 60 ou mais anos de idade,
são os que mais utilizam a estratégia da negação.
A pessoa com uma média de 70 anos tem aproximadamente 50% de sua capacidade
remanescente em cada sistema de órgãos, o que não significa necessariamente um
impacto negativo sobre a saúde ou o funcionamento. Quando a capacidade de reserva
diminui abaixo de 40% do funcionamento original, há uma maior probabilidade de ser
vítima de uma acidente, e/ou estar mais susceptíveis à infecção ou doença (Adkins,
2004). Com a ocorrência de um LVM, as alterações fisiológicas e funcionais aceleraram
potencialmente a diminuição dessa capacidade para um período de tempo, após o qual o
efeito de envelhecimento é pensado para prosseguir a uma velocidade normal (Adkins,
2004). No entanto, o envelhecimento prematuro parece ocorrer em alguns sistemas após
LMV (Kemp & Thompson 2001, Adkins, 2004).
Estudos longitudinais adicionais são necessários para confirmar estes factos,
acreditamos no entanto que as incapacidades que podem advir com o processo de
envelhecimento podem acrescentar dificuldades e originar mais situações de stress,
levando os sujeitos a ter mais dificuldades em gerir a sua condição e a recorrer a
estratégias menos activas e consequentemente menos eficazes no processo de
adaptação.
214
215
As incapacidades que podem advir de um processo normal de envelhecimento, podem,
simultaneamente, acrescentar mais dificuldades aos lesionados medulares e aos seus CI,
nomeadamente, diminuição dos recursos físicos, e originar mais situações potenciadoras
de stress. Tal requer ainda maior esforço de adaptação, levando os sujeitos a sentir mais
dificuldades em gerir a sua condição e, consequentemente, a recorrer a estratégias mais
passivas e disfuncionais como a negação.
Sobrecarga do CI
Os CI dos sujeitos com LVM apresentam níveis moderados de sobrecarga (M=30,32)
com maior expressividade a nível da sobrecarga financeira (M=48,05; DP=35,09),
implicações na vida pessoal (M=39,25; DP=25,35) e sobrecarga emocional
(M=28,87; DP=25,18).
A comparação dos níveis de sobrecarga com outros estudos no contexto da LVM tornase uma tarefa particularmente difícil, devido a questões metodológicas; sobretudo
relacionadas com a diversidade de instrumentos utilizados para avaliar a sobrecarga, o
tamanho da amostra e os fatores culturais, étnicos e sociais distintos.
Estes resultados apoiam a conceção do cuidar enquanto fenómeno contributivo de
sobrecarga e, com expressividade multifatorial em particular, nos domínios financeiros
(associado às dificuldades económicas e à incerteza relativamente ao futuro), na vida
pessoal (associado às repercussões negativas, como a diminuição do tempo disponível,
restrições na vida social e alterações na saúde) e a nível emocional (capaz de
desencadear conflitos internos e sentimentos de fuga, cansaço e esgotamento) (Martins
et al., 2003).
Os dados também sugerem que as limitações físicas inerentes à idade e o processo de
envelhecimento associado contribuem para a redução dos mecanismos de eficácia e de
controlo da situação, e aumentem a percepção das implicações do cuidar na vida pessoal
dos CI com mais idade, traduzindo-se numa maior sobrecarga.
Sintomatologia Ansiosa e Depressiva
A prevalência de sujeitos com sintomatologia clínica significativa será de 73.81% para a
ansiedade e 71,44% para a depressão, considerando os sujeitos com LVM que
215
216
apresentam uma pontuação do HADS igual ou superior a 8, valor considerado como
ponto de corte para a categoria de “sintomatologia leve”. Para os CI essa percentagem
atinge para a ansiedade os 81,88% e para a depressão 69,38%.
As pessoas com LVM têm um risco aumentado para morbilidade psicológica Craig,
Tran e Middleton (2009). As sequelas físicas, emocionais e sociais que afectam os
sujeitos portadores de incapacidades físicas, podem naturalmente associar-se a sintomas
depressivos e elevados níveis de ansiedade (Accacio & Ramos, 2004). Estudos revelam
que aproximadamente, um terço dos indivíduos desenvolvem níveis significativamente
elevados de ansiedade e depressão (Woolrich et al., 2006). A OMS (2015) estima que
20-30% das pessoas com lesão medular mostrar sinais clinicamente significativos de
depressão, o que terá por sua vez, um impacto negativo na melhoria do seu
funcionamento e saúde em geral. As pessoas com LVM têm também riscos mais
elevados de transtorno de ansiedade, níveis elevados de sintomatologia ansiosa (Craig et
al. 2009).
Os resultados da presente investigação revelam que o aumento da idade está associado a
um aumento dos níveis de ansiedade (HADS-A). A associação já descrita entre o
aumento da idade, o aumento do recurso à estratégia negação e diminuição do recurso a
estratégias tais como: como a reinterpretação positiva, a aceitação ou o humor, sugeriam
já padrões mais pobres de ajustamento, afirmados, também agora, pela presença
significativa de mais sintomatologia ansiosa.
Os CI com 60 ou mais anos de idade um índice de distress emocional para a
sintomatologia ansiosa de 11,57 e de 10,12 para a sintomatologia depressiva. A
exposição prolongada de eventos desencadeadores de stress no cuidar pode afetar a
saúde mental do cuidador (Awad &
Voruganti, 2008). A este propósito Davis et al. (2011) refere a nível físico e
psicológico, os CI experienciam mais stress, depressão, ansiedade e, problemas de
saúde físicos quando comparados com os não cuidadores da mesma idade. Para ArangoLasprillaa et al. (2010) existe uma relação direta das necessidades físicas, como por
exemplo o sono e, emocionais com a depressão.
216
217
Percepção de QV
A percepção da QV global para os sujeitos com LVM traumática é de 57,22 sendo de
72,02 para os indivíduos “saudáveis”, pertencentes à população geral do estudo de
validação do WHOQOL-100 realizado por Canavarro et al. (2006). A percepção da QV
dos CI dos sujeitos com LVM é de 56,25.
Na presente amostra, ao considerar os diferentes grupos etários, verificam-se diferenças,
estatisticamente, significativas nos domínios: físico, psicológico, independência,
relações sociais,
ambiente e da QV geral, em função da idade. Sendo que à medida que esta aumenta,
diminui a QV em todos os domínios referenciados. As pessoas com incapacidades
físicas, à medida que vão envelhecendo, são confrontadas com outras situações
pertinentes, por um lado, intrínsecas ao próprio envelhecimento, como por exemplo a
perda de saúde e outras capacidades físicas, por outro, a perda dos seus entes queridos e,
consequentemente, a diminuição do apoio social, o que levará, na nossa opinião e de
autores como Aguado-Díaz, Fontanil, Árias e Verdugo (2003), a que exista a tendência
para uma menor percepção da QV, com o aumento da idade, acreditamos que
consequente há uma perda de recursos físicos, psicológicos e sociais.
Para os CI, em relação à idade verificam-se diferenças, estatisticamente, significativas
nos domínios: físico, relações sociais, ambiente e QV geral. Assim, à medida que
aumenta a idade diminui a QV dos CI. Os resultados deste estudo vão de encontro com
outros estudos, associando o cuidar a uma menor percepção de QV (Giovannetti,
Covelli, Sattin, & Leonardi, 2015; Blanes, Carmagnani, & Ferreira, 2007).
Conclusões
A implementação de intervenções psicossociais em sujeitos com LVM e seus CI
revelam-se necessárias e particularmente pertinentes para sujeitos mais vulneráveis que
incorrem num maior risco de inadaptação. Podemos referenciar como grupo de risco
aqueles que recorrem com mais frequência a estratégias de coping disfuncionais e que
apresentam mais idade. Com o aumento da idade aumentam também os índices distress
emocional e diminui significativa na QV.
217
218
Os resultados deste estudo sugerem ainda que os CI de sujeitos com LVM apresentam
níveis moderados de sobrecarga, particularmente expressiva nos CI com mais idade.
Salientamos a importância de se investir em programas psicoterapêuticos que
promovam nos sujeitos com 60 ou mais idade a adoção de estratégias de coping
tendencionalmente mais adaptativas, e assim, promover a QV e um envelhecimento
saudável. A intervenção psicoeducacional e as redes de apoio podem de facto, ter um
papel relevante e positivo na promoção da adaptação à LVM e prevenção dos efeitos
adversos associados ao cuidar nos CI (Alves, Teixeira, Azevedo, Duarte, & Paúl, 2015;
Molazem, Falahati, Jahanbin, Jafari, & Ghadakpour, 2014).
Referências
Accacio, L. M. P., & Ramos, R. T. (2004). Depressão e qualidade de vida em pacientes
em reabilitação física. In Pais-Ribeiro, J.L. & Leal, I. (Eds.). Actas do 5º Congresso
Nacional de Psicologia da Saúde (pp. 405-409). Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian.
Adkins, R. H. (2004). Research and interpretation perspectives on aging related physical
morbidity with spinal cord injury and brief review of systems. NeuroRehabilitation,
19(1), 3-13.
Agrawal, A., & Britz, G. (2015). Comprehensive Guide to Neurosurgical Conditions.
Spriger.
Aguado-Díaz., A., Fontanil, Y., Arias, B., & Verdugo, M. A. (2003). Calidad de vida y
necesidades percibidas en el proceso de envejecimiento de las personas con
discapacidad (3ªed.). Madrid: IMSERSO
Alves, S., Teixeira, L., Azevedo, M. J., Duarte, M., & Paúl, C. (2015). Effectiveness of
a psychoeducational programme for informal caregivers of older adults. Scandinavian
Journal of Caring Sciences
Arango-Lasprilla, J. C., Plaza, S. L. O., Drew, A., Romero, J. L. P., Pizarro, J. A. A.,
Francis, K., & Kreutzer, J. (2010). Family needs and psychosocial functioning of
caregivers of individuals with spinal cord injury from Colombia, South America.
NeuroRehabilitation, 27 (1), 83-93.
Awad, A. G., & Voruganti, L. N. (2008). The burden of schizophrenia on caregivers: A
review. Pharmacoeconomics, 26,149 – 16.
218
219
Bickenbach, J., Officer, J., Shakespeare, A., & von Groote, T. (2013). International
perspectives on spinal cord injury. Acedido em 10 de Fevereiro, 2015, em
http://www.who.int/disabilities/policies/spinal_cord_injury/report/en/
Blanes, L., Carmagnani, M. I. S., & Ferreira, L. M. (2007). Health-related quality of life
of primary caregivers of persons with paraplegia. Spinal Cord, 45 (6), 399-403
Braithwaite, V. (2000). Contextual or general stress outcomes making choices through
Caregiving appraisals. The Gerontologist, 40 (6), 706-717.
Canavarro, M. C., Pereira, M., Moreira, H., & Paredes, T. (2010). Qualidade de vida e
saúde: aplicações do WHOQOL. Alicerces, 3(3), 243-268.
Canavarro, M. C., Serra, A. V., Simões, M. R., Rijo, D., Pereira, M., Gameiro, S., …
Paredes, T. (2009). Development and psychometric properties of the world health
organization quality of life assessment instrument (WHOQOL-100) in Portugal.
International journal of behavioral medicine, 16(2), 116-124. doi:10.1007/s12529-0089024-2
Canavarro, M. C., Vaz Serra, A., Pereira, M., Simões, M. R., Quartilho, M. J., Rijo, D.,
Paredes, T. (2010). WHOQOL disponível para Portugal: Desenvolvimento dos
instrumentos de avaliação da qualidade de vida da Organização Mundial de Saúde
(WHOQOL-100 e WHOQOL-BREF). In M. C. Canavarro, & A. Vaz Serra (Eds.),
Qualidade de vida e saúde: Uma abordagem na perspectiva da Organização Mundial de
Saúde (pp. 171-190). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Canavarro, M. C., Vaz Serra, A., Pereira, M., Simões, M. R., Quintais, L., Quartilho, M.
J., & Paredes, T. (2006). Desenvolvimento do instrumento de avaliação da qualidade de
vida da Organização Mundial de Saúde (WHOQOL-100) para português de Portugal.
Psiquiatria Clínica, 27(1), 15-23.
Cardoso, J. (2006). Sexualidade e deficiência: Adaptação psicológica e sexualidade na
lesão medular (1ª ed.). Coimbra: Quarteto.
Carver, C. (1997). You want to measure coping but your protocol’s too long: consider
the brief COPE. International Journal of Behavioral Medicine, 4, 92-100. doi:
10.1207/s15327558ijbm0401_6
Carver, C., Scheier, M., & Weintraub, J. (1989). Assessing coping strategies: A
theoretically based approach. Journal of Personality and Social Psychology, 56(2), 267283. doi.org/10.1037/0022-3514.56.2.267
Craig, A., Tran, Y., & Middleton, J. (2009). Psychological morbidity and spinal cord
injury:
219
220
A systematic review. Spinal Cord, 47, 108–114. doi:10.1038/sc.2008.115
Davis, L. L., Gilliss, C. L., Deshefy-Longhi, T., Chestnutt, D. H., & Molloy, M. (2011).
The nature and scope of stressful spousal caregiving relationships. Journal of family
nursing, 17(2), 224-240.
Davis, L. L., Gilliss, C. L., Deshefy-Longhi, T., Chestnutt, D. H., & Molloy, M. (2011).
The nature and scope of stressful spousal caregiving relationships. Journal of family
nursing, 17(2), 224-240.
Fernandes, M., Pereira, M., Ferreira, M., Machado, R., & Martins, T. (2002).
Sobrecarga Física, Emocional e Social nos Cuidadores Informais de Doentes com AVC.
Sinais Vitais, 43, 31-35.
Fontes, F., & Martins, B. S. (2015). Deficiência e inclusão social: os percursos da lesão
medular em Portugal. Sociologia, Problemas e Práticas, 77, 153-172.
Giovannetti, A. M., Covelli, V., Sattin, D., & Leonardi, M. (2015). Caregivers of
patients with disorder of consciousness: burden, quality of life and social support. Acta
Neurologica Scandinavica.
Gómez, S., Ferrer, J., Rigla, F., & López, V. (2006). Análisis y propuestas de
intervención psicosocial. Madrid: GrafiEditora. González
Helda, K, S. & Lane, T, E. (2014). Spinal cord injury, immunodepression, and antigenic
challenge. Semin Immunol.
Holahan, C., & Moos, R. (1987) Personal and contextual determinants of coping
strategies.
Journal of Personality and Social Psychology, 52 (5), 946-955.
Iremashvili V., Brackett NL & Lynne CM. (2012). Impact of Spinal Cord Injury. Male
Infertility. Springer; (32): 337-348
Kalra, H., Kamath, P., Trivedi, J. K., & Janca, A. (2008). Caregiver burden in anxiety
disorders. Current opinion in psychiatry, 21 (1), 70-73.
Kemp, B., & Thompson, L. (2001). Aging and spinal cord injury: medical, functional,
and psychosocial changes. SCI nursing: a publication of the American Association of
Spinal Cord Injury Nurses, 19(2), 51-60.
Lazarus, R., & Folkman, S. (1984). Stress appraisal and coping. New York: Springer.
Leonardi, M., Bickenbach, J., Ustun, T. B., Kostanjsek, N., Chatterji, S., & MHADIE
Consortium. (2006). The definition of disability: what is in a name? The Lancet,
368(9543), 1219-1221.
220
221
Leonardi, M., Sattin, D., Giovannetti, A. M., Pagani, M., Strazzer, S., Villa, F., ... &
Raggi, A. (2012). Functioning and disability of children and adolescents in a vegetative
state and a minimally conscious state: identification of ICF-CY-relevant categories.
International Journal of Rehabilitation Research, 35(4), 352-359.
Lo, V., Esquenazi, Y., Han, M, K. & Lee, K. (2013). Critical care management of
patients with acute spinal cord injury. Journal of Neurosurgical Sciences; 57(4):281-92.
López, M. & Martínez, L. (2007). El apoyo a los cuidadores de familiares mayores
dependientes en el hogar: desarollo del programa ‘Cómo mantener su bienestar’.
Colección Estudios: Série Dependencia. Madrid. Instituto de Mayores Y Servicios
Sociales Losada.
Ma, H. P., Lu, H. J., Xiong, X. Y., Yao, J. Y., & Yang, Z. (2014). The investigation of
care burden and coping style in caregivers of spinal cord injury patients. International
Journal of Nursing Sciences, 1(2), 185-190
Martins, T., Pais-Ribeiro, J. L., & Garrett, C. (2003). Estudo de validação do
questionário de avaliação da sobrecarga para cuidadores informais.
Martins, T., Pais-Ribeiro, J., & Garrett, C. (2003). Estudo de validação do questionário
de avaliação da sobrecarga para cuidadores informais. Psicologia, saúde & doenças, 4
(1), 131-148.
Mateo, I., Milllán, A., Garcia, M., Gutiérrez, P., Gonzalo, E. & López, L. (2000).
Cuidadores familiares de personas con enfermedad neurodegenerativa: perfil,
aportaciones e impacto familiar. Atención Primaria, 26, 25-34.
Molazem, Z., Falahati, T., Jahanbin, I., Jafari, P., & Ghadakpour, S. (2014). The effect
of psycho-educational interventions on the quality of life of the family caregivers of the
patients with spinal cord injury: a randomized controlled trial. International journal of
community based nursing and midwifery, 2(1), 31.
National Spinal Cord Injury Statistical Center (2015). Facts and figures at a glance [em
linha].
National Spinal Cord Injury Statistical Center (NSCISC) Web site. Acedido em 10 de
Maio, 2015, em https://www.nscisc.uab.edu
Navaie-Waliser, M., Feldman, P., Gould, D., Levine, C., Kuerbis, A. & Donelan, K.
(2002). When the Caregiver Needs Care: The Plight of Vulnerable Caregivers.
American Journal of Public Health, 92, 409-413.
Pais-Ribeiro, J., & Rodrigues, A. (2004). Questões acerca do coping: A propósito do
estudo de adaptação do brief cope. Psicologia saúde e doença, 5(1), 3-15.
221
222
Pais-Ribeiro, J., Silva, I., Ferreira, T., Martins, A., Meneses, R., & Baltar, M. (2007).
Validation study of a Portuguese version of the Hospital Anxiety and Depression Scale.
Psychology, Health & Medicine, 12(2), 225-237. doi:10.1080/13548500500524088
Pearcey, T. E., Yoshida, K. K., & Renwick, R. M. (2007). Personal relationships after a
spinal cord injury. International Journal of Rehabilitation Research, 30(3), 209-219.
Ramer, L. M., Ramer, M. S., & Bradbury, E. J. (2014). Restoring function after spinal
cord injury: towards clinical translation of experimental strategies. The Lancet
Neurology,
13(12), 1241-1256
Scholtes, F., Brook, G., & Martin, D. (2012). Spinal cord injury and its treatment:
current management and experimental perspectives. In Advances and technical
standards in neurosurgery, 29-56. Springer Vienna.
Singh, A., Tetreault, L., Kalsi-Ryan, S., Nouri, A., & Fehlings, M. G. (2014). Global
prevalence and incidence of traumatic spinal cord injury. Clinical epidemiology, 6, 309331. doi: 10.2147/CLEP.S68889
Suarez, N.C., Levi, R., & Bullington, J., (2013). Regaining health and wellbeing after
traumatic spinal cord injury. Journal of Rehabilitation Medicine; 45(10):1023-1027.
Suarez, N.C., Levi, R., & Bullington, J., (2013). Regaining health and wellbeing after
traumatic spinal cord injury. Journal of Rehabilitation Medicine; 45(10):1023-1027. van
der Lee, J., Bakker, T. J., Duivenvoorden, H. J., & Dröes, R. M. (2014). Multivariate
models of subjective caregiver burden in dementia: A systematic review. Ageing
research reviews, 15, 76-93.
Whiteneck, G., Meade, M. A., Dijkers, M., Tate, D. G., Bushnik, T., & Forchheimer, M.
B. (2004). Environmental factors and their role in participation and life satisfaction after
spinal cord injury. Archives of physical medicine and rehabilitation, 85 (11), 17931803.
Woolrich, R. A., Kennedy, P., & Tasiemski, T. (2006). A preliminary psychometric
evaluation of the Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS) in 963 people living
with a spinal cord injury. Psychology, health & medicine, 11(1), 80-90.
doi:10.1080/13548500500294211
World Health Organization (2013). Spinal cord injury [em linha]. World Health
Organization
(WHO) Web site. Acedido em 7 de Janeiro, 2014, em
http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs384/en/
222
223
Yilmaz T., Turan Y., & Keles A. (2014). Pathophysiology of the spinal cord injury.
Journal of Clinical and Experimental Investigations. 5 (1): 131-136.
Zigmond, A. S., & Snaith, R. P. (1983). The hospital anxiety and depression scale. Acta
psychiatrica scandinavica, 67(6), 361-370. doi:org/10.1111/j.16000447.1983.tb09716.x
223
224
224
225
EL CUIDADOR FAMILIAR: RELACIÓN ENTRE LA INSATISFACCIÓN CON EL
CUIDADO Y LA CARGA
Andrea Vázquez-Martínez1,2,Esperanza Navarro-Pardo1,2,Noelia Flores Robaina3 &
Pedro Fernández de Córdoba Castellá1,4
1- InterTech. Interdisciplinary Modeling Group. Universidade Valencia / Universidad
Politécnica de Valencia
2- Departamento de Psicología Evolutiva y de la Educación. Facultad de Psicología.
Universidad de Valencia
3- Departamento de Personalidad, Evaluación y Tratamiento Psicológicos. Facultad de
Psicología. Universidad de Salamanca
4- Departamento de Matemática Aplicada. E.T.S.I. Industriales. Universidad Politécnica
de Valencia
Resumen
El trabajo que se presenta es de corte cuantitativo y tiene como objetivo evaluar el nivel
de carga experimentado por el cuidador familiar de personas dependientes, identificar el
nivel de satisfacción del cuidador con las tareas del cuidado y analizar la satisfacción
que el cuidador siente con el cuidado en relación con la carga que experimenta. Se han
evaluado a 309 cuidadores familiares de la Comunidad de Castilla y León y de la
Comunidad Valenciana. Los resultados obtenidos evidencian la presencia de unos
niveles de carga elevados en el cuidador familiar y se confirma la existencia de una
mayor insatisfacción en aquellas personas que se sienten más sobrecargadas con la labor
de cuidar.
Palabras clave: personas dependientes, cuidador familiar, carga, insatisfacción
Introducción
El fenómeno de la dependencia es uno de los temas de mayor importancia para ser
abordado en el siglo XXI (Czaja, Eisdorfer y Schulz, 2000). El conocido
“envejecimiento del envejecimiento” de la población hace que cada vez sea mayor el
número de personas que alcanzan edades más avanzadas y, con ello, se incrementen las
posibilidades de encontrarse en una situación de vulnerabilidad hacia la dependencia, y,
225
226
por ende, de precisar cuidados de larga duración. En este contexto, la importancia del
cuidador familiar es de suma relevancia, considerándose a la familia como un recurso
para la mejora de la salud de la persona enferma que precisa de unos cuidados (Vaquiro
y Stiepovich, 2010).
Actualmente, el cuidador familiar sigue siendo el tipo de apoyo más utilizado a la hora
de proveer cuidados a las personas que lo necesitan (Álvarez-Rilo y CuadradoCastro,
2011; Martínez et al., 2012). Fernández de Larrinoa et al. (2011) se refieren al cuidador
principal como aquella persona que asume las tareas del cuidado, no es remunerada
económicamente por ello y es percibida por el resto de los miembros de la familia como
única responsable de la persona dependiente, es decir, de su familiar.
Sin embargo, el tiempo y la energía que supone atender al familiar dependiente y la
implicación emocional que supone en la labor diaria del cuidador, pueden conllevar que
emerja la carga, esto es, el grado en que se percibe que el cuidado ha influido sobre
diferentes aspectos de la salud, la vida social y personal y la situación económica (Zarit,
Reever y Bach-Peterson, 1980).
En este sentido, existe un consenso generalizado entre los investigadores respecto a que
la situación de cuidar a una persona dependiente constituye una situación de sobrecarga
y de riesgo para la salud (Álvarez-Rilo y Cuadrado-Castro, 2011; Sequeira, 2013)
puesto que puede tener repercusiones en variables psicológicas y ocasionar alteraciones
emocionales y conductuales en el cuidador.
En este contexto, los objetivos del presente trabajo son (1) evaluar el nivel de carga
experimentado por el cuidador familiar; (2) identificar el nivel de satisfacción del
cuidador con las tareas del cuidado; y (3) analizar la satisfacción que el cuidador siente
con el cuidado en relación con la carga que experimenta.
Método
Participantes
Los participantes corresponden a una muestra de conveniencia formada por 309
cuidadores familiares de personas en situación de dependencia que, en el momento de la
evaluación, se encontraban como cuidador principal de una o más personas en situación
de dependencia. Dichos cuidadores pertenecen a la Comunidad de Castilla y León y a la
226
227
Comunidad Valenciana. Respecto al género de los participantes, 254 son mujeres (82,
2%) frente a 55 hombres (17,8%). La edad promedio de los cuidadores es de 55,76 años
(DT=11,85). La mayoría indican estar casados o conviviendo en pareja (63,4%;
N=196), apreciándose en menor proporción los cuidadores que están viudos (8,4%;
N=26) o divorciados/as (8,4%; N=26). Así mismo, 61 cuidadores indican estar
solteros/as. Respecto al nivel de estudios de los cuidadores, la mayoría se caracterizan
por tener estudios primarios/sin graduado escolar (31,4%; N=97) o secundarios, como
estudios de bachillerato/BUP/FP (27,8%; N=86), y estudios universitarios (16,5%;
N=51). Por tanto, resultan minoritarios aquellos cuidadores que carecen de unos
estudios básicos o iniciales (3,9%; N=12).
En relación al tiempo que llevan los participantes desempeñando la función de cuidador
principal encontramos diferentes grupos, destacando el grupo de cuidadores que llevan
realizando los cuidados entre 3-5 años (28,5%) y más de 11 años (23,3%), siendo
minoritarios quienes realizan dicha función durante menos de un año (5,5%). Además,
los cuidadores manifiestan dedicar una media de 6,5 días a la semana (DT=1,30) a la
atención de su familiar dependiente, con un tiempo de dedicación diaria de 16,05 horas
al día (DT=8,72).
Respecto a las características de la persona en situación de dependencia, se observa una
mayor presencia de mujeres (62,1%; N=192) frente a hombres (37,9%; N=117), con una
edad media de 71,11 años (DT=22,45). Finalmente, en relación al grado de parentesco
que el cuidador tiene con la persona dependiente, mayoritariamente son los hijos/as
(63,4%; N=196) y los esposos/as o compañero/as (20,7%; N=64) quienes asumen el rol
de cuidador principal. En mucha menor proporción, se sitúan como cuidador principal el
yerno/nuera, sobrino/a o el hermano de la persona dependiente.
Procedimiento
La petición de colaboración se llevó a cabo mediante contacto telefónico y entrevistas
presenciales con los responsables de diversas asociaciones de ayuda mutua, centros de
día y otros servicios de atención a familiares de personas en situación de dependencia
ubicadas en la Comunidad de Castilla y León y en la Comunidad Valenciana. En ese
contacto, se les explicaba a los responsables de los centros los objetivos del estudio y la
finalidad de la evaluación. Se les enseñaba también el protocolo de evaluación que
aplicaríamos a los cuidadores familiares. Una vez hecho esto, se acordaba el mejor
227
228
procedimiento para la distribución de los cuestionarios y/o realización de entrevistas
individuales a los participantes. En todos los casos se mantuvieron como criterios de
inclusión que el cuidador/a fuese mayor de 18 años, que fuese familiar y que en el
momento de la evaluación se encontrase atendiendo a una persona en situación de
dependencia, y que llevase desempeñando dicha función durante al menos 6 meses. En
la mayoría de los casos se optó por aplicar los instrumentos de evaluación en formato de
entrevista, garantizando en todo momento el anonimato y la confidencialidad de los
participantes.
Instrumentos
En primer lugar, se administró el cuestionario diseñado por Jenaro et al. (2008) para
evaluar aquellos aspectos sociodemográficos y contextuales relacionados con el cuidado
de personas en situación de dependencia.
En la evaluación de la carga subjetiva de los cuidadores familiares se empleó la versión
española (Martín et al., 1996) de la Escala de Carga del Cuidador (CBI) (Zarit Burden
Inventory; Zarit, Reever y Bach-Peterson, 1980). La escala consta de 22 ítems
planteados en forma de frases que reflejan cómo se sienten algunas personas cuando
cuidan a otra y las repercusiones negativas que implica el cuidado sobre la vida de quien
ejerce esta tarea. Se aplica a la persona que ejerce el rol de cuidador principal, midiendo
el grado en que éste percibe que sus actividades de cuidado o responsabilidades en la
atención de la persona dependiente perturban su propia salud física, emocional y social,
así como su situación económica y bienestar emocional.
Los ítems se puntúan en un gradiente de frecuencia que va desde 1 (nunca) hasta 5 (casi
siempre). La puntuación total se obtiene sumando las puntuaciones de cada uno de los
ítems y oscila entre 22 y 110 puntos. En la medida que la persona obtenga puntuaciones
más elevadas, indica mayores niveles de sobrecarga experimentada por el cuidador.
Puntuaciones comprendidas entre 22 y 46 son indicativas de ausencia de sobrecarga y
puntuaciones comprendidas entre 47 y 55 son indicativas de sobrecarga leve.
Finalmente, los cuidadores que obtienen puntuaciones entre 56 y 110 puntos presentan
una sobrecarga intensa. Se trata de cuidadores que se ven superados por lo que les
sucede, se sienten agobiados por las tareas que han de desempeñar puesto que éstas y el
contexto propio del cuidado les sobrepasa. La fiabilidad del instrumento fue contrastada
mediante el alfa de Cronbach y los resultados (alfa=0,90) apoyaron su fiabilidad.
228
229
Finalmente, para evaluar la satisfacción que el cuidador experimenta con la tarea de
ayudar a la persona receptora de cuidados, se ha empleado la Escala de Satisfacción con
el cuidado (Lawton et al., 1989), en la versión traducida y adaptada al castellano de
López y Crespo (2007). Se trata de una escala que recoge los aspectos satisfactorios de
la labor del cuidador. Se compone de 5 ítems (sentimiento de cercanía, sentimiento de
placer, disfrutar al estar con la persona cuidada, sentirse apreciado e incremento de la
autoestima) a los que se responde en una escala de tipo Likert de 5 puntos que se
plasman en un gradiente de frecuencia o acuerdo sobre los aspectos anteriormente
expuestos relacionados con la satisfacción con el cuidado. Las categorías de respuesta
oscilan entre: “nunca” (5), “rara vez” (4), “alguna vez” (3), “con bastante frecuencia”
(2) y “casi siempre” (1). La puntuación total se obtiene sumando las puntuaciones en
cada uno de los ítems y oscila entre 5 y 25. Las puntuaciones más altas indican una
menor satisfacción con el cuidado. En el presente estudio, el índice de fiabilidad
obtenido ha sido de 0,86, lo que indica unas adecuadas propiedades psicométricas
Resultados
En la tabla 1 se describen los resultados relativos al nivel de carga experimentado por el
cuidador principal como consecuencia de la tarea de cuidar. Como puede apreciarse, los
cuidadores muestran un grado de carga subjetiva elevado. El 82,2% de los cuidadores
evaluados muestra la presencia de carga, cuyo dato es superior en el nivel de sobrecarga
intensa (61,8%) frente a un grupo minoritario de cuidadores en el cual no se aprecia la
presencia de carga (17,2%). De esta manera, de los 309 cuidadores evaluados,
observamos que la carga está ausente en 53 cuidadores.
Tabla 1. Niveles de carga percibidos por los cuidadores familiares
Carga percibida
Ausencia de carga
Sobrecarga Leve
Sobrecarga
Intensa
N
53
65
191
P
17,20
21,00
61,80
Mínimo
22
46
56
Máximo
45
55
98
Media
37,71
50,64
70,74
D.T.
5,80
2,60
10,40
229
230
A continuación, presentamos los resultados tras analizar la satisfacción que experimenta
el cuidador con el hecho de cuidar de su familiar en situación de dependencia (tabla 2).
Así y teniendo en cuenta a los participantes considerados globalmente, se observa que
obtienen puntuaciones que denotan una satisfacción media con las tareas de cuidado
(Media=11,03; DT=4,48). Recordemos que la puntuación máxima es 25 puntos y que a
mayor puntuación obtenida, menor satisfacción tendrá el cuidador.
Tabla 2. Nivel de satisfacción del cuidador familiar
Satisfacción
N
309
Mínimo
1
Máximo
25
Media
11,03
D.T.
4,48
Expuesto este resultado, nos centraremos en las puntuaciones que denotan una menor
satisfacción con el cuidado, refiriéndonos a ésta como la insatisfacción del cuidador con
el cuidado. En primer lugar, se analiza la posible relación entre la carga total percibida
en función de la insatisfacción experimentada por el cuidador. Posteriormente, se
identificarán las posibles diferencias entre los niveles de carga respecto a esta misma
variable. Como se aprecia en la figura 1, se ha encontrado una asociación positiva y
significativa entre la variable insatisfacción con el cuidado y la carga total percibida por
el cuidador (r=0,48; p<0,001). Este resultado nos indica, por tanto que, a mayor carga
percibida, los niveles de insatisfacción el cuidador tienden a aumentar.
Figura 1. Diagrama de dispersión entre la insatisfacción y la carga total percibida
230
231
Por su parte, una vez identificada la asociación de la insatisfacción en función de la
carga experimentada, en la tabla 3 se ofrecen las puntuaciones promedio y el análisis de
las diferencias (ANOVA) de la variable insatisfacción en función de los niveles de
carga percibidos por el cuidador (ausencia de carga, sobrecarga leve y sobrecarga
intensa). Los resultados obtenidos evidencian diferencias estadísticamente significativas
en la variable insatisfacción respecto a los diferentes grados de carga (F(2,306) = 29,43;
MCE=499,58; p<0,001), lo que nos indica que la mayor insatisfacción con el cuidado se
encuentra en aquellos cuidadores que experimentan una sobrecarga intensa (obtienen
mayores puntuaciones) respecto al grupo de cuidadores con una sobrecarga leve.
Tabla 3. Estadísticos descriptivos y significación de las diferencias (ANOVA) entre la
insatisfacción con el cuidado y el nivel de carga percibido por el cuidador
Insatisfacción
Niveles de Carga
Ausencia Carga Sobrecarga
Leve
Sobrecarga Intensa
N
53
65
191
M
8,64
8,83
12,45
D.T.
3,83
3,38
4,41
F
Sig.
29,430
0,000
Por tanto, a medida que aumenta la percepción de carga en el cuidador, se incrementa la
insatisfacción hacia el cuidado. Y, además, se confirma la existencia de una mayor
insatisfacción en aquellas personas que se sienten más sobrecargadas con la labor de
cuidar.
Discusión
Cuidar a una persona dependiente puede suponer una situación estresante para el
cuidador. Así, los resultados obtenidos apoyan los hallazgos recogidos en la literatura
especializada (Grandón, Jenaro y Lemos, 2008; López, Orueta, Gómez-Caro, Sánchez,
Carmona y Alonso, 2009; Reinhard y Horwitz, 1995; Vázquez-Martínez et al., 2013),
en los que se evidencia que el cuidador principal tiene niveles moderadamente altos de
carga derivados de su rol. Los datos obtenidos se traducen en que los cuidadores
perciben que sus actividades y responsabilidades del cuidado perturban de forma
considerable su salud física, emocional y social y que, además, tienen repercusiones en
su situación económica y bienestar emocional. Por otro lado, los cuidadores suelen estar
satisfechos con la situación de cuidado hacia su familiar. Estos datos están en
231
232
concordancia con los encontrados en otras investigaciones, que afirman que en los
cuidadores pueden coexistir elementos positivos y negativos asociados al cuidado y que
éstos son independientes (Kramer, 1997; Skaff y Pearlin, 1992). De manera que, a pesar
de la difícil tarea de prestar cuidados y de todas las consecuencias negativas que puede
existir en la salud del cuidador, también es posible experimentar momentos placenteros
por la acción de cuidar, incluso aportando un mayor sentido a sus vidas.
De forma similar a lo encontrado en otros estudios (Del Pino-Casado et al., 2012),
nuestros resultados también ponen de manifiesto que, a medida que se incrementa la
percepción de carga en el cuidador, la insatisfacción con el cuidado tiende a aumentar.
Además, se encuentran diferencias estadísticamente significativas en función de los
niveles de carga. Esto es, los cuidadores con una sobrecarga intensa obtienen mayores
puntuaciones en la insatisfacción con el cuidado en comparación con los cuidadores con
una sobrecarga leve. Por ello, podemos afirmar la existencia de una mayor
insatisfacción en aquellos cuidadores que se sienten más sobrecargados por la labor de
cuidar. En esta misma línea de resultados se encuentran los hallados en el meta-análisis
de Pinquart y Sörensen (2003), encontrando asociación entre unos menores niveles de
carga y la satisfacción del cuidador. Por lo tanto, esta variable podría resultar relevante a
la hora de amortiguar los efectos nocivos del cuidado y, además, de no poner en un
compromiso la calidad de los cuidados.
Referencias
Álvarez-Rilo, L. y Cuadrado-Castro, P. (2011). Síndrome del cuidador del paciente con
demencia. Atención Sociosanitaria y Bienestar, (2), 12-18.
Czaja, S.J., Eisdorfer, C. y Schulz, R. (2000). Future directions in caregiving:
Implications for intervention research. En R. Schulz (Ed.), Handbook of dementia
caregiving intervention research (pp. 283-319). New York: Springer.
Del Pino-Casado, R., Frías-Osuna, A., Palomino, P.A. y Martínez-Riera, J.R. (2012).
Gender differences regarding informal caregiver of older people. Journal of Nursing
Scholarship, 44 (4), 349-357.
Fernández-Larrinoa, P., Martínez, S., Ortiz, N., Carrasco, M., Solabarrieta, J. y Gómez,
I. (2011). Autopercepción del estado de salud en familiares cuidadores y su relación con
el nivel de sobrecarga. Psicothema, 23 (3), 388-393.
232
233
Grandón, P., Jenaro, C. y Lemos, S. (2008). Primary caregivers of schizophrenia
outpatiens: Burden and predictor variables. Psychiatry Research, 158, 335-343.
Kramer, B. (1997). Differential predictors of strain and gain among husbands caring for
wives with dementia. The Gerontologist, 37, 239-249.
Lawton, M.P., Kleban, M.H., Moos, M., Rovine, M. y Glicksman, M. (1989).
Measuring caregiving appraisal. Journal of Gerontologist Psychological Sciences, 44,
61-71.
López, J. y Crespo, M. (2007). Intervenciones con cuidadores de familiares mayores
dependientes: Una revisión. Psicothema, 19 (1), 72-80.
López, M.J., Orueta, R., Gómez-Caro, S., Sánchez, A., Carmona, M. y Alonso, F.
(2009). El rol de cuidador de personas dependientes y sus repercusiones sobre su
calidad de vida y su salud. Revista Clínica de Medicina Familiar, 2 (7), 332-334.
Martín, M., Salvadó, I., Nadal, S., Miji, L.C., Rico, J.M., Lanz, P. y Taussing, M.I.
(1996). Adaptación para nuestro medio de la Escala de Sobrecarga del Cuidador
(Caregiver Burden Interview) de Zarit. Revista de Gerontología, 6, 338-346.
Martínez, C.R., Ramos, B., Robles, M.T., Martínez, L.D. y Figueroa, C. (2012). Carga y
dependencia en cuidadores primarios informales de pacientes con parálisis cerebral
infantil severa. Psicología y Salud, 22 (2), 275-282.
Pinquart, M. y Sörensen, S. (2003). Differences between caregivers and non caregivers
in psychological health and physical health: A meta-analysis. Psychology and Aging,
18, 250-267.
Reinhard, S. C. y Horwitz, A. V. (1995). Caregiver burden: Differentiating the content
and consequences of family caregiving. Journal of Marriage and the Family, 57 (3),
741-750.
Sequeira, C. (2013). Difficulties, coping strategies, satisfaction and burden in informal.
Portuguese caregivers. Journal of Clinical Nursing, 22, 491-500.
Skaff, M. M. y Pearlin, L. I. (1992). Caregiving: Role engulfment and the loss of self.
The Gerontologist, 32, 656-664.
Vaquiro, S. y Stiepovich, J. (2010). Cuidado informal, un reto asumido por la mujer.
Ciencia y enfermería, 2, 9-16.
Vázquez-Martínez, A., Navarro-Pardo, E., Santos, E., Pocinho, R. y Flores, N. (2013).
Percepción de la sobrecarga y alteración de la calidad de vida de los cuidadores
informales de personas dependientes. Revista Iberoamericana de Gerontología RIAG, 2,
5-11.
233
234
Zarit, S.H., Reever, K.E. y Bach-Peterson, J. (1980). Relatives of the impaired aged.
Correlates of feeling of burden. The Gerontologist, 20 (6), 649-655.
234
235
235
236
AVALIAÇÃO
DA
QUESTIONÁRIOS
ANSIEDADE
DE
AOS
TESTES
AUTORRESPOSTA:
ATRAVÉS
DE
QUESTIONÁRIO
DE
COMPORTAMENTOS FACE A SITUAÇÕES DE TESTE
Tânia Reis, Maria do Céu Salvador
Universidade de Coimbra, Portugal
Resumo:
Tendo presente a utilidade de uma avaliação precisa e rigorosa da Ansiedade aos Testes,
elaborámos um questionário para avaliar comportamentos que poderão ocorrer antes,
durante e após a situação de teste – Questionário de Comportamentos face a Situações
de Teste (QCST). Este estudo envolveu uma amostra de 338 adolescentes, entre os 14 e
os 18 anos, entre os 9º e 12º anos de escolaridade.
Relativamente à estrutura fatorial do QCST optámos por manter apenas as subescalas
Antes e Durante, uma vez que a subescala Depois não apresentou valores aceitáveis de
consistência interna. As duas subescalas do QCST apresentaram uma estrutura
unidimensional, com valores razoáveis para a consistência interna e bons para a
estabilidade temporal. Recomendam-se mais estudos para avaliar as validades
convergente e discriminante.
Palavras-chave: ansiedade aos testes; avaliação; questionários; adolescência.
Ansiedade aos Testes: Definição, Impacto e Avaliação
Segundo Sarason & Sarason (1990), o conceito de ansiedade aos testes (AT) remete
para a expressão de um traço de personalidade numa situação específica, na qual estão
envolvidas a preocupação (i.e., componente cognitiva da ansiedade) e a ativação
emocional (i.e., reações e sensações corporais que coocorrem com a preocupação).
A AT pode, então, prejudicar o desempenho nos testes, interferindo em vários
momentos da sua realização – antes, durante e depois (Carver & Scheier, 1994;
Cassady, 2004; Covington & Omelich, 1988; Folkman & Lazarus, 1985).
Embora existam diversos instrumentos para medir o grau de AT, a nosso ver, não
permitem medir os aspetos comportamentais desse tipo de ansiedade ao longo das
várias fases do ciclo de realização de um teste escolar. Por esse motivo e considerando a
importância de existirem instrumentos para avaliar os comportamentos de AT dos
236
237
alunos facilitando, assim, os processos de avaliação e intervenção, propusemo-nos a
construir um questionário destinado a avaliar os comportamentos de AT antes, durante e
depois da situação de teste – o Questionário de
Comportamentos face a Situações de Teste (QCST). Constituíram também objetivos
desta investigação, a avaliação da qualidade psicométrica do questionário em estudo e a
elaboração de dados normativos para a população de adolescentes portugueses.
O desenvolvimento deste questionário ocorreu paralelamente ao desenvolvimento de
um outro questionário - Questionário de Pensamentos Automáticos face a situações de
teste (QPAST) - recorrendo à mesma amostra e aos mesmos procedimentos.
Metodologia
Amostra
A amostra consistiu em 338 adolescentes (124 rapazes e 214 raparigas), entre os 14 e os
18 anos, entre o 9º e o 12º ano, maioritariamente dos níveis socioeconómico baixo e
médio. Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre os géneros em
nenhuma das variáveis demográficas.
Instrumentos
O protocolo de investigação incluiu os seguintes instrumentos: Questionário de
Pensamentos Automáticos face a Situações de Teste - QPAST, Questionário de
Comportamentos face a Situações de Teste - QCST, Reações aos Testes – RT (Sarason,
1984), Escala de Incapacitação de Sheehan – SDS (Sheehan, 1983) e Escala
Multidimensional de Ansiedade para Crianças – MASC (March, Parker, Sullivan,
Stallings, & Conners, 1997).
Procedimentos
Os itens foram selecionados com base na literatura e na experiência clínica dos autores.
A fim de testar a compreensão dos itens, após o que se procedeu à sua administração a
31 adolescentes para avaliação da validade facial.
237
238
O protocolo foi administrado em sala de aula, após obtidos os consentimentos das
respetivas entidades que regulam este procedimento (Comissão de Ética da Faculdade
de Psicologia e de Ciências da Educação, da Universidade de Coimbra, da Comissão
Nacional de Proteção de Dados e da Direção Geral da Inovação e Desenvolvimento
Curricular), das Direções das escolas, dos pais dos adolescentes e dos próprios
adolescentes. O QPAST foi novamente administrado a 192 dos participantes (113
raparigas e 79 rapazes), 4 a 5 semanas depois do primeiro preenchimento para avaliar a
estabilidade temporal.
Estratégia Analítica
Depois de confirmados os pressuposto da normalidade procedeu-se a uma seleção
inicial dos itens das várias subescalas (i.e., antes, durante e depois), excluindo itens que
apresentassem valores de correlação item-item superiores a .65 e de correlação itemtotal da subescala inferiores a .40. Para além disso, procedeu-se a uma análise da
consistência interna para cada subescala e à exclusão de alguns itens, com o intuito de a
aumentar e de ser no mínimo de consistência para cada subescala ser .70.
Resultados
Desenvolvimento do QCST
Utilizados os critérios referidos para a seleção de itens, o QCST ficou constituído por 10
itens na subescala Antes e 9 itens na subescala Durante. Foram excluídos todos os itens
da subescala Depois por esta ter apresentado um valor de consistência interna
inadmissível (α = . 15).
Estrutura Fatorial
Foram efetuadas Análises Fatoriais Exploratórias, por meio de Análises de
Componentes Principais com rotações oblimin. Depois de consideradas várias opções
fatoriais, o QCST ficou constituído por duas subescalas unidimensionais: a subescala
Antes (com 10 itens) e a subescala Durante (com 9 itens).
Estudo dos Itens
Os resultados demostraram correlações item-subescala significativas, de moderadas a
elevadas na subescala Antes (.43 < r < .70) e moderadas na subescala Durante do QCST
(.41 < r <
238
239
.65).
No que concerne à consistência interna, foi possível constatar que não aumentaria com a
remoção de qualquer item.
Por último, a análise das correlações teste-reteste revelou que todos os itens se
correlacionam significativamente entre si, tendo os da subescala Antes apresentado
correlações moderadas (.42 < r < .68) e os da subescala Durante demostrado correlações
que variaram de moderadas a elevadas (.47 < r < .74).
Fidelidade: Consistência Interna e Estabilidade Temporal
O valor de consistência interna obtido foi razoável na subescala Antes (α = .75) e
situou-se no limite da razoabilidade na subescala Durante (α = .70).
Os coeficientes de correlação de Pearson relativos ao teste-reteste do QCST revelaram
valores significativos de magnitude elevada, para cada uma das suas subescalas (r = .72
na subescala Antes e r = .77 na subescala Durante). Validade: Validades Convergente e
Divergente
A avaliação da validade convergente das subescalas do QCST foi efetuada por meio da
análise da sua correlação com o total do RT (medida de ansiedade aos testes), o fator
Estudos da SDS para adolescentes (medida do grau de interferência da AT nos estudos)
e os fatores Sintomas
Físicos e Ansiedade Social da MASC (medida de ansiedade). A correlação entre a
subescala Durante do QCST e o total do RT revelou-se significativa e moderada (r =
.54). Todas as outras correlações foram significativas e baixas (.23< r < .35).
A análise da validade discriminante do QCST realizou-se por meio das correlações entre
as suas subescalas/fatores com os fatores Ansiedade de Separação e Evitamento do
Perigo da MASC.
Todas as correlações obtidas foram significativas, à exceção da obtida entre o fator
evitamento do perigo da MASC e a subescala Durante (r = .11). Todas as correlações se
revelaram significativas, embora baixas (.22 < r < .23), exceto a obtida entre a subescala
Antes e o fator Evitamento do Perigo da MASC, que foi moderada (r = .41).
Dados Normativos
Os resultados obtidos através da ANOVA revelaram um efeito estatisticamente
significativo do género (com as raparigas a apresentarem valores mais elevados) no total
da subescala Antes.
Discussão
239
240
O QCST assume-se como uma medida adequada para avaliar comportamentos
associados à AT, em momentos temporais distintos, contribuindo para um
enriquecimento na área da avaliação deste constructo. Por ser mais específico, este tipo
de avaliação poderá auxiliar o clínico no planeamento de intervenções mais adequadas a
cada caso.
No entanto, a interpretação dos resultados deve ser feita com algumas reservas
atendendo: a) à ausência de uma análise fatorial confirmatória; b) a alguma eventual
imprecisão pelo fato de alguns adolescentes não se encontrarem em época de teste
aquando do preenchimento do questionário; c) à não representatividade da população,
pelo fato de a amostra se limitar à região centro, e não ser equitativa em termos de anos
de escolaridade e nível socioeconómico.
Não obstante a consideração das referidas limitações em investigações posteriores,
recomendamos que sejam feitos mais estudos para avaliar as validades convergente e
discriminante.
Referências
Carver, C. S., & Scheier, M. F. (1994). Situational coping and coping dispositions in a
stressful transaction. Journal of Personality and Social Psychology, 66 (1), 184–195.
Cassady, J. C. (2004). The influence of cognitive test anxiety across the learning–testing
cycle. Learning and Instruction, 14(6), 569-592.
Covington, M. V., & Omelich, C. L. (1988). Achievement dynamics: The interaction of
motives, cognitions, and emotions over time. Anxiety Research, 1(3), 165–183.
Folkman, S., & Lazarus, R. S. (1985). If it changes it must be a process: Study of
emotion and coping during three stages of a college examination. Journal of Personality
and Social Psychology, 48(1), 150–170.
March, J. S. Parker, J. D., Sullivan, K., Stallings, P., & Conners, C. K. (1997). The
Multidimensional Anxiety Scale for Children (MASC): Fator structure, reliability, and
validity. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 36,
554- 565.
Sarason, I. G. (1984). Stress, anxiety, and cognitive interference: Reactions to tests.
Journal of Personality and Social Psychology, 46(4), 929-938.
Saranson, I. G., & Saranson, B. R. (1990). Test Anxiety. In H. Leitenberg (Ed.),
Handbook of Social and Evaluative Anxiety. New York: Plenum Press.
240
241
Sheehan, D. V. (1983). The anxiety disease. New York: Scribner.
241
242
242
243
AVALIAÇÃO
DA
QUESTIONÁRIOS
ANSIEDADE
DE
AOS
TESTES
AUTORRESPOSTA:
ATRAVÉS
DE
QUESTIONÁRIO
DE
PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS FACE A SITUAÇÕES DE TESTE
Tânia Reis, Maria do Céu Salvador
Universidade de Coimbra, Portugal
Resumo
Dada a utilidade de uma avaliação rigorosa da Ansiedade aos Testes (AT), elaborámos
um questionário para avaliar cognições antes, durante e após a situação de teste –
Questionário de Pensamentos Automáticos face a Situações de Teste (QPAST). Este
estudo envolveu uma amostra de 338 adolescentes, entre os 14 e os 18 anos, entre os 9º
e 12º anos de escolaridade.
A estrutura fatorial do QPAST revelou a existência de 2 fatores em cada uma das
subescalas: Antecipação do Fracasso e Medo da Avaliação Negativa, na subescala
Antes; Avaliação Negativa do Desempenho e Medo da Avaliação Negativa, na
subescala Durante; Autópsia e Medo da Avaliação Negativa, na subescala Depois. Os
valores de consistência interna variaram de razoáveis a bons. O questionário evidenciou
ainda boa estabilidade temporal e boa validade convergente e discriminante.
Palavras-chave: ansiedade aos testes; avaliação; questionários; adolescência.
Ansiedade aos Testes: Definição, Impacto e Avaliação
Apesar da pertinência do tema da AT, constata-se alguma ambiguidade em torno do
termo AT (Zeidner, 1998). De entre as numerosas definições presentes na literatura,
destacamos a de Sarason & Sarason (1990), segundo a qual esse tipo de ansiedade é
concetualizado como a expressão de um traço de personalidade numa situação
específica, em que estão envolvidos dois componentes: a preocupação (i.e., componente
cognitiva da ansiedade) e a ativação emocional (i.e., reações e sensações corporais que
acompanham a preocupação). Segundo vários autores, a preocupação encontra-se
bastante generalizada em estudantes com AT, sendo que os estudantes mais ansiosos
tendem a percecionar as situações de teste como ameaçadoras e, consequentemente, a
desviar a atenção de informação relevante, para informação irrelevante para a tarefa, o
243
244
que poderá prejudicar consideravelmente o seu desempenho (Beck, Emery &
Greenberg, 1985, pp. 161; Eysenk, 1992; Sarason, 1984).
Assim, a AT poderá interferir em vários momentos, desde a preparação para o teste e a
sua realização até à fase de reflexão que tem lugar após o teste, devendo ser entendido
como um constructo complexo e dinâmico, que se desenvolve ao longo do tempo, em
fases temporais distintas. De facto, a investigação atual têm salientado a necessidade de
considerar pelo menos três fases: antes, durante e depois do teste (Carver & Scheier,
1994; Cassady, 2004; Covington & Omelich, 1988; Folkman & Lazarus, 1985).
Apesar da existência de vários instrumentos para avaliar a AT, de acordo com a
pesquisa efetuada, estes parecem não permitir avaliar: a) o conteúdo específico das
cognições relacionadas com a situação de teste, tal como estas se apresentam na mente
do sujeito; b) a forma como estes aspetos cognitivos estão presentes e se organizam ao
longo das várias etapas do ciclo de realização de um teste escolar (antes, durante e
depois do teste).
Perante isto, e dada a importância de existirem instrumentos para aceder ao conteúdo
cognitivo dos alunos face aos testes facilitando, dessa forma, os processos de avaliação
e intervenção, propusemo-nos a construir um questionário destinado a avaliar as
cognições de AT antes, durante e depois da situação de teste – o Questionário de
Pensamentos Automáticos face a Situações de Teste (QPAST). A avaliação da
qualidade psicométrica deste questionário e a elaboração de dados normativos para a
população de adolescentes portugueses assumiram-se igualmente como objetivos desta
investigação.
Metodologia
Amostra
A amostra ficou constituída por 338 adolescentes (124 rapazes e 214 raparigas), entre os
14 e os 18 anos, entre o 9º e o 12º ano, maioritariamente dos níveis socioeconómico
baixo e médio. Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre os
géneros em nenhuma das variáveis demográficas.
Instrumentos
O protocolo de investigação incluiu os seguintes instrumentos: Questionário de
Pensamentos Automáticos face a Situações de Teste - QPAST, Questionário de
244
245
Comportamentos face a Situações de Teste - QCST, Reações aos Testes – RT (Sarason,
1984), Escala de Incapacitação de Sheehan – SDS (Sheehan, 1983) e Escala
Multidimensional de Ansiedade para Crianças – MASC (March, Parker, Sullivan,
Stallings, & Conners, 1997).
Procedimentos
Os itens foram selecionados com base na literatura e na experiência clínica dos autores.
A fim de testar a compreensão dos itens, procedeu-se à sua administração a 31
adolescentes.
Após obtidas as aprovações da Comissão de Ética da Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, da Comissão Nacional de Proteção
de Dados (CNPD) e da Direção Geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular
(DGIDC), e das Direções de várias escolas contactadas, foram também obtidas as
autorizações dos encarregados de educação e os consentimentos informados dos alunos
participantes. O protocolo foi administrado em sala de aula.
Quatro a cinco semanas depois do primeiro preenchimento, com o intuito de avaliar a
estabilidade temporal, foi efetuada uma segunda passagem do QPAST a 192 dos
participantes (113 raparigas e 79 rapazes).
Estratégia Analítica
Confirmados os pressupostos de normalidade, procedeu-se a uma seleção inicial dos
itens das várias subescalas (i.e., antes, durante e depois), excluindo itens que
apresentassem valores de correlação item-item superiores a .65 e de correlação itemtotal da subescala inferiores a .40. Para além disso, procedeu-se a uma análise da
consistência interna para cada subescala e à exclusão de alguns itens, com o intuito de a
aumentar e de ser no mínimo de consistência para cada subescala ser .70.
Resultados
Desenvolvimento do QPAST
Após recorrer aos critérios anteriormente referidos na estratégia analítica para a seleção
de itens, o QPAST ficou com 12 itens na subescala Antes, 13 itens na subescala Durante
e 12 itens na subescala Depois do Teste.
Estrutura Fatorial
245
246
Foram efetuadas Análises Fatoriais Exploratórias, por meio de Análises de
Componentes Principais com rotações oblimin. As saturações fatoriais das soluções que
adotámos foram superiores a .30. Depois de consideradas várias opções fatoriais nas
várias subescalas, cada uma ficou constituída por dois fatores: Antecipação do Fracasso
(F1; 9 itens) e Medo da Avaliação Negativa (F2; 3 itens), na subescala Antes; Avaliação
Negativa do Desempenho (F1; 9 itens) e Medo da Avaliação Negativa (F2; 4 itens), na
subescala Durante; Autópsia (F1; 8 itens) e Medo da Avaliação Negativa (F2; 4 itens),
na subescala Depois do QPST.
Estudo dos Itens
As correlações item-fator e item-subescala variaram entre moderadas a elevadas (.83 < r
< .88).
Não se revelou pertinente remover qualquer item, uma vez que tal não aumentaria a
consistência interna de nenhuma subescala do questionário.
A análise das correlações teste-reteste revelou correlações significativas, entre
moderadas e elevadas, entre todos os pares de itens (.50 < α < .77).
Fidelidade: Consistência Interna e Estabilidade Temporal
Relativamente à consistência interna, esta apresentou-se boa para os fatores (.82 < α <
.89) e para a subescala Depois (α = .90) e muito boa para as subescalas Antes e Durante
(α = .91).
Os coeficientes de correlação de Pearson calculados para analisar a estabilidade
temporal revelaram correlações significativas e elevadas em todas as subescalas (.82 < r
< .84) e fatores (.74 < r < .80), à exceção do fator 2 da subescala Depois, que revelou
estabilidade temporal moderada (r = .64).
Validade: Validades Convergente e Discriminante
A validade convergente das subescalas/fatores do QPAST foi analisada por meio da sua
correlação com o total RT (medida de ansiedade aos testes), com o fator Estudos da
SDS para adolescentes (medida do grau de interferência da AT nos estudos) e com os
fatores Sintomas Físicos e Ansiedade Social da MASC (medida de ansiedade). Foram
obtidas correlações significativas, que variaram de moderadas a elevadas com o total do
RT (.57 < r < .77) e foram moderadas com os fatores Sintomas Físicos e Ansiedade
Social da MASC (.40 < r < .55). Por outro lado, verificaram-se correlações baixas a
moderadas com o fator Estudos da SDS para adolescentes (.39 < r < .56).
A validade discriminante do QPAST foi analisada por meio das correlações das suas
subescalas e fatores com os fatores Ansiedade de Separação e Evitamento do Perigo da
246
247
MASC (medida de ansiedade). A análise da magnitude dessas correlações revelou
associações baixas quer entre as subescalas e fatores do QPAST e o fator Ansiedade de
Separação da MASC, quer entre aquelas subescalas e fatores e o fator Evitamento do
Perigo da MASC.
Dados Normativos
Os resultados obtidos através da ANOVA revelaram um efeito estatisticamente
significativo do género em todos os fatores e em todas as subescalas do questionário em
estudo, com as raparigas a obterem sempre resultados mais elevados do que os rapazes.
Discussão
O QPAST revelou-se uma medida fidedigna e válida para avaliar o conteúdo específico
das cognições relacionadas com a AT, tal como poderão surgir na mente do aluno, nos
vários momentos temporais em que esse tipo de ansiedade se poderá manifestar. Dessa
forma, a construção do QPAST parece contribuir para um enriquecimento na área da
avaliação da AT, uma vez que possibilitará uma avaliação mais específica, que poderá
auxiliar o clínico a delinear planos de intervenção mais adequados a cada caso.
Todavia, a interpretação dos resultados obtidos deve ter em consideração as seguintes
limitações: a) inexistência de uma análise fatorial confirmatória; b) alguma possível
imprecisão por alguns adolescentes não se encontrarem em época de teste aquando do
preenchimento do questionário; c) a não representatividade da população, pelo fato de a
amostra se limitar à região centro, e não ser equitativa em termos de anos de
escolaridade e nível socioeconómico.
Para além da consideração destas limitações em investigações posteriores, seria
interessante analisar a validade convergente do QPAST com o PEPQ-E, dada a sua
maior especificidade na avaliação do processamentos pós-situacional em situações de
exame (Salvador, 2015), e incluir no QPAST itens para avaliar a forma como os alunos
se autoavaliam em função do seu desempenho nos testes, por forma a avaliar a vergonha
interna daí resultante.
Referências
Beck, A. T., Emery, G., & Greenberg, R. L., (1985). Anxiety Disorders and Phobias, A
Cognitive Perspective. USA: Basic Books.
247
248
Carver, C. S., & Scheier, M. F. (1994). Situational coping and coping dispositions in a
stressful transaction. Journal of Personality and Social Psychology, 66 (1), 184–195.
Cassady, J. C. (2004). The influence of cognitive test anxiety across the learning–testing
cycle. Learning and Instruction, 14(6), 569-592.
Covington, M. V., & Omelich, C. L. (1988). Achievement dynamics: The interaction of
motives, cognitions, and emotions over time. Anxiety Research, 1(3), 165–183.
Eysenck, M. W. (1992). Anxiety: The cognitive perspective. Hove, UK: Erlbaum.
Folkman, S., & Lazarus, R. S. (1985). If it changes it must be a process: Study of
emotion and coping during three stages of a college examination. Journal of Personality
and Social Psychology, 48(1), 150–170.
March, J. S. Parker, J. D., Sullivan, K., Stallings, P., & Conners, C. K. (1997). The
Multidimensional Anxiety Scale for Children (MASC): Fator structure, reliability, and
validity. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 36,
554- 565.
Sarason, I. G. (1984). Stress, anxiety, and cognitive interference: Reactions to tests.
Journal of Personality and Social Psychology, 46(4), 929-938.
Saranson, I. G., & Saranson, B. R. (1990). Test Anxiety. In H. Leitenberg (Ed.),
Handbook of Social and Evaluative Anxiety. New York: Plenum Press.
Sheehan, D. V. (1983). The anxiety disease. New York: Scribner.
Zeidner, M (1998). Test Anxiety: The State of the Art. New York, Boston, Dordrecht,
London, Moscow: Kluwer Academic Publishers.
248
249
249
250
MANUAIS DE TREINO COGNITIVO COMPENSATÓRIO, PORTUGUÊS: O
COGSMART (TCC, FIGUEIRA & PAIXÃO, 2015)
Ana Paula Couceiro Figueira & Rui Paixão
Faculdade de PSicologia e Ciencias da Educação da Universidade de Coimbra
Resumo
Apresentamos o programa CogSMART, vocacionado, originalmente, para estimulação
cognitiva compensatória, para clientes com doenças psiquiátricas, mas hoje com outras
aplicações, os seus Manuais e Recursos, para os sujeitos e terapeuta, uma adaptação de
Ana Paula Couceiro Figueira e Rui Paixão, da versão americana de Dr. Twamley, da
Universidade Estatal do Arizona, USA.
As áreas cognitivas a trabalhar são: a memória prospetiva, a atenção e as funções
executivas (planificação, resolução de problemas, organização e flexibilidade
cognitiva). Todo o treino é orientado para a adequação à vida diária, ao quotidiano da
vida real. O programa é composto por dois manuais, para o cliente e para o
administrador. Trata-se de um programa de intervenção individual ou grupal.
Palavras-chave: intervenção; neuropsicológica; compensatória; manuais; recursos;
Abstract
We present the CogSMART program, originally for cognitive compensatory stimulation
for clients with psychiatric illnesses, but today with other applications, the their manuals
and resources for the subject and therapist, an adaptation by Ana Paula Couceiro
Figueira and Rui Paixão, from the American version of the Dr. Twamley, Arizona State
University, USA. The cognitive areas to work are: prospective memory, attention and
executive functions (planning, problem solving, organization and cognitive flexibility).
All training is oriented to adapt to daily life, the everyday real life. The program
consists of two manuals for the client and for the administrator. And the intervention
can be individual.
Keywords: intervention; neuropsychological; compensatory; manuals; resource;
250
251
lntrodução
A Neuropsicologia é uma área da psicologia que procura a compreensão do
funcionamento cerebral e das suas respetivas alterações. Estuda a relação entre a
atividade nervosa superior e o comportamento, a cognição, as emoções, a motivação e a
vida em relação.
Neste sentido, uma intervenção neuropsicológica consiste em avaliar e estimular as
funções cognitivas como a memória, a atenção, a linguagem oral e escrita, o cálculo, as
capacidades visuo-espaciais, o planeamento e a ação, a destreza manual, o raciocínio,
não descurando os domínios emocionais e sociais, desde o reconhecimento e expressão
das emoções às competências sociais (Figueira & Paixão, sd).
Quer numa perspetiva remediativa, quer numa perspetiva preventiva, a intervenção
neuropsicológica possibilita a potenciação das funções cognitivas, emocionais, sociais e
comportamentais, de forma a promover o bem-estar do(s) indivíduo(s).
Numa lógica remediativa, a Reabilitação/Estimulação Cognitiva ou intervenção
neuropsicológica permite programar e realizar um plano adequado ao indivíduo e às
suas necessidades específicas, perspetivando a recuperação dos défices ou a
estabilização de um processo de deterioração, pretendendo tornar os sujeitos mais
autónomos (Figueira & Paixão, sd).
O plano de intervenção deve consistir num conjunto de procedimentos, técnicas e
tarefas de fácil aprendizagem e utilização, de forma estruturada, sistemática, integrada e
sistémica. Ainda, a intervenção deve ser especificamente orientada para as necessidades
de cada indivíduo, adequando-se a todo o tipo de populações.
A intervenção neuropsicológica (quer a avaliação quer a reabilitação/estimulação) tem
revelado evidências, fundamentalmente, em Demências (Alzheimer, Parkinson,
Demência Vascular, etc.), em situações de Défice Cognitivo Ligeiro, em Acidentes
Vasculares Cerebrais, em Traumatismos Cranianos, em Perturbações do Sono, em
Dislexia, em situações de Hiperatividade com Défice de Atenção, em pacientes
neurocirúrgicos, em Epilepsia, em Sequelas Cognitivas e Psicológicas de Doença
Cerebral ou Neurológica (Ojeda et al., 2012).
Ainda, a intervenção neuropsicológica é indicada no acompanhamento do
envelhecimento cerebral normal, como forma de manutenção das capacidades, de
prevenção e despiste de problemas e dificuldades futuras, ou ainda de promoção dessas
mesmas capacidades.
251
252
Numa perspetiva preventiva, a intervenção neuropsicológica é facilitadora e
potenciadora dos processos referidos, em várias idades e em diferentes situações.
Em Portugal, são já utilizados, em vários contextos, alguns programas estruturados,
todavia, os recursos de intervenção nesta área podem ser considerados ainda escassos e
ainda a carecer de estudos de validade.
Neste sentido, apresentamos o Cogsmart (Figueira & Paixão, sd). O Cogsmart é um
programa de reabilitação cognitiva, um recurso para auxiliar as pessoas a melhorar a sua
memória prospetiva (lembrando-se de fazer as coisas), a atenção, a função executiva
(resolução de problemas, planeamento, organização e flexibilidade cognitiva). O seu
modelo teórico é de intervenção compensatória.
Considera-se que melhorar os processos enunciados irá ajudar as pessoas nas suas
atividades quotidianas, realizando e alcançando os seus objetivos relativos à escola,
trabalho, funcionamento social e vida independente. Tenta-se motivar os clientes para
que mantenham esses objetivos em mente e que aprendam a aplicar as suas novas
competências.
O CogSMART preconiza uma compensação cognitiva, pela prática. Ensina-se as
pessoas a melhorar as suas habilidades cognitivas por meio de estratégias, como o
praticar e aplicar as aprendizagens a atividades da vida diária.
O objetivo é auxiliar a tornar estas estratégias hábitos, para que eles possam ser
utilizados automaticamente quando necessários no mundo real, na vida do quotidiano.
A Estrutura do programa, o formato das sessões podem ser de dois tipos: As sessões de
grupo, normalmente, têm a duração de 2 horas (incluindo uma pausa de 5-10 minutos),
e as individuais de 1 hora.
A sua estrutura tem em conta 11 parâmetros, a saber:
1. Rever as tarefas para casa, da sessão anterior, em que se:
Solicita aos participantes a descrição dos exercícios realizados em casa; debater a
generalização dos exercícios;
Elogia todos os esforços por pequenos que sejam (incluindo assistir à sessão);
2. Apresentar uma competência e fornecer uma explicitação/explicação sobre a mesma:
Apresentar argumentos para os participantes aprenderem esta competência;
Reforçar todos os contributos dados pelos participantes;
Proporcionar algumas explicações adicionais, consideradas pertinentes, e não referidas
pelos participantes;
3. Debater e refletir sobre a competência:
252
253
• Verificar se os participantes entendem a competência;
4. Modelar a competência:
Explicar a demonstração da competência;
Realizar demonstrações breves e centradas nos aspetos relevantes da competência;
5. Rever a demonstração com os participantes:
• Discutir e refletir sobre como se treinou a competência;
6. Envolver e motivar os participantes na prática da competência:
Em grupo, iniciar com o participante que seja mais hábil ou mais colaborador;
Solicitar ao participante que manifeste a competência, realizando um role-playing com o
orientador/profissional;
Em grupo, solicitar aos restantes participantes que observem o colega que realiza a
competência;
Incentivar o grupo a praticar a competência.
7. Proporcionar feedback positivo:
Preferencialmente, primeiro, obter feedback positivo dos outros participantes;
Incentivar um feedback específico;
Evitar ou impedir feedback negativo ou crítica destrutiva;
Elogiar todos os esforços.
8. Proporcionar feedback corretivo:
Promover a reflexão (ideias e sugestões) sobre como pode o participante melhorar a
competência apresentada e treinada;
Limitar o feedback a uma ou duas sugestões;
Deve comunicar-se as sugestões de forma positiva e otimista.
9. Envolver/motivar os participantes na prática de competências adicionais:
Se for necessário, solicitar ao participante que modifique o seu comportamento durante
a prática/treino/role-playing;
Verificar se os participantes entendem as sugestões;
Centrar-se nos comportamentos que são relevantes e modificáveis.
10. Proporcionar feedback adicional:
Centrar-se primeiro no comportamento que estiver a ser modificado;
Considerar
a
utilização
de
outras
estratégias
de
formação/modificação
do
comportamento para melhorar as competências do(s) participante(s), como o coaching,
“dar pistas”, e modelar complementarmente;
Ser generoso mas conciso quando se proporciona feedback.
253
254
11. Fornecer ou proporcionar exercícios para casa:
Proporcionar uma tarefa para praticar a competência – utilizar as fichas das tarefas para
casa;
Solicitar aos participantes que identifiquem situações em que podem atualizar a
competência;
Quando possível, adaptar a tarefa ao nível das competências do participante.
Quanto ao número de Sessões, são aventadas 13 sessões, em que se trabalha os
objetivos e os conteúdos:
Na Sessão 1 – Introdução e apresentação da agenda (recurso de registo, de grande
maisvalia),
Na Sessão 2 – Memória prospetiva (Agendas, Listas, Tarefas de Associação),
Na Sessão 3 – Memória prospetiva a curto-prazo, atenção conversacional,
N Sessão 4 – Atenção conversacional, atenção durante a tarefa,
Na Sessão 5 – Atenção durante a tarefa,
Na Sessão 6 – Aprendizagem verbal e memória,
Na Sessão 7 – Aprendizagem verbal e memória,
Na Sessão 8 – Aprendizagem verbal e memória,
Na Sessão 9 – Flexibilidade cognitiva e resolução de problemas,
Na Sessão 10 – Flexibilidade cognitiva e resolução de problemas,
Na Sessão 11 – Flexibilidade cognitiva, resolução de problemas e planificação,
Na Sessão 12 – Integração de competências, revisão e passos seguintes e, finalmente,
Sessão de Revisão e síntese dos conceitos-chave apresentados no curso de treino
cognitivo.
Quanto aos Materiais e Recursos, o programa completo é composto por dois manuais,
um para o terapeuta e outro para o paciente/sujeito(s). Os conteúdos das pastas/manuais
são muito semelhantes e estão organizados e muito completos para que nada falte no
processo de intervenção.
Os manuais foram desenhados com o objetivo de proporcionar as competências,
estratégias e ferramentas necessárias para melhorar a atenção do cliente, a sua
concentração, a aprendizagem, a memória, a organização e a resolução de problemas.
Ainda sem aplicações em território nacional, a intervenção CogSMART tem sido
utilizada quer de forma individual quer em grupo ou classes.
254
255
Os recursos estão disponíveis online, de forma gratuita. Neste momento, ainda e apenas,
disponível no site dos colegas americanos. Brevemente estarão disponíveis em
www.fpce.uc.pt.recursos.
Quanto às Atividades propostas, as recomendações para os orientadores passam por:
Preparar o espaço, antes da chegada dos participantes; reduzir os distratores e preparar
os materiais, para evitar atrasos.
Simplificar as tarefas, ao nível adequado das capacidades dos participantes (claramente,
ao nível de dificuldade adequado).
Solicitar aos participantes que leiam em voz alta as tarefas (o manual de materiais). Por
exemplo, as definições, as etapas ou passos da competência. Incentivar os participantes
a colaborar na explicitação da sessão.
Utilizar questões ou perguntas dirigidas, para assegurar que os participantes consigam
responder adequadamente, e de forma rápida, ao invés de se fomentar um raciocínio
errado.
Certificar-se de que os participantes iniciam cada tarefa a um ritmo razoável.
Assegurar-se de que os participantes utilizam as estratégias mais adequadas para
compensar as limitações ou fragilidades.
Reduzir a quantidade de informação apresentada aos participantes, ou encurtar as
tarefas, caso seja necessário.
Proporcionar pausas adequadas para assegurar a concentração dos participantes e
mantê-los, assim, envolvidos e motivados nas tarefas.
Os participantes podem realizar as tarefas mesmo de pé, caso se sintam ou manifestem
alguma fadiga.
Proporcionar ajudas, mesmo durante a execução das tarefas, caso se considere
necessário. Não se deve permitir que os participantes se sintam constrangidos ou em
dificuldades.
Elogiar e reforçar todos os esforços dos participantes, sendo convincente (podem ser
reforços verbais ou gestuais dos próprios orientadores, ou um auxiliar externo, tipo
smile, ou outro formato, para reforçar a atenção ou a estratégia utilizada). Incentivar o
esforço.
Na formação dos grupos, ou trabalhos/tarefas de pares, tentar emparelhar participantes
com graus diferentes de capacidades.
Tentar emparelhar os participantes com algum grau de familiaridade ou empatia entre
eles.
255
256
O ritmo da sessão pode variar, em função de vários fatores; utilizar um tempo extra no
final da sessão para praticar as competências apresentadas e treinadas.
Breves notas de fechamento
Nos EUA e em países outros, esta abordagem ao treino cognitiva (TCC) tem sido bem
sucedida para as pessoas com sintomas psiquiátricos, lesões cerebrais, e outras
condições relacionadas com o cérebro, resultando em desafios cognitivos. Não é o caso
de Portugal, porque é um novo recurso, não havendo ainda aplicações ou evidências
empíricas, mas acreditamos que, pelos seus fundamentos e estrutura, pode funcionar
como um recurso de intervenção adequado.
Referências
Twamley, E.(sd). The cogsmart, http://www.cogsmart.com ;
Figueira, A. P. C. & Paixão, R. (sd). Portuguese Compensatory Cognitive Training
Manual Client Version, http://www.cogsmart.com/resources
Figueira, A. P. C. & Paixão, R. (sd). Portuguese Compensatory Cognitive Training
Manual Therapist Version, http://www.cogsmart.com/resources
Figueira, A. P. C. F. & Paixão, R. (in press). Rehacog: programa de intervenção
neuropsicológica. Manual do Cliente. Faculdade de Psicologia e de Ciências da
Educação da Universidade de Coimbra (Ed.), Coimbra.
Figueira, A. P. C. F. & Paixão, R. (in press). Rehacog: programa de intervenção
neuropsicológica. Manual do Profissional. Faculdade de Psicologia e de Ciências da
Educação da Universidade de Coimbra (Ed.), Coimbra.
Ojeda N., Peña J., Bengoetxea E, García A., Sánchez P., Segarra R. C, Ezcurra J.,
Gutiérrez Fraile M., Eguíluz J.I. C. (2012). REHACOP: Programa de
Rehabilitación Cognitiva en Psicosis. Revista de Neurología, 54(6), 337-342.
Ojeda N., Peña J., Bengoetxea E., García A, Sánchez P, Segarra R, Ezcurra J. Gutiérrez
Fraile M, Eguíluz JI. (2012). Evidencias de eficacia de la Rehabilitación Cognitiva en
Psicosis y esquizofrenia con el programa Rehacop. Revista de Neurología, 54(10), 577586.
256
257
257
258
PROGRAMA DE INTERVENÇÃO NEUROPSICOLÓGICA, PORTUGUÊS: O
REHACOG
Ana Paula Couceiro Figueira & Rui Paixão
Faculdade de Psicologia e Ciencias da Educação da Universidade de Coimbra
Resumo
Apresentamos um programa de intervenção neuropsicológica português, adaptado do
programa espanhol, REHACOP.
Inicialmente pensado para ser trabalhado com populações específicas (psicoses,
esquizofrenias), atualmente, em curso, intervenções com outro tipo de amostras
(crianças, adolescentes, idosos), com e sem dificuldades, numa lógica remediativa e/ou
preventiva, em diversos contextos, incluindo o educativo.
É um programa integral e estruturado, constituído por 8 módulos: atenção (sustentada,
seletiva, dividida, intermitente) e concentração, linguagem (sintaxe, gramática,
vocabulário, compreensão verbal, fluência verbal, linguagem figurativa), memória
(aprendizagem e memória), funções executivas (planificação, raciocínio), atividades da
vida diária (básicas, instrumentais, complexas), competências sociais (competências
básicas,
assertividade,
comunicação,
estabelecimento
de
relações,
viver
em
comunidade, gestão de conflitos, viver com saúde), cognição social (reconhecimento de
emoções, raciocínio social, teoria da mente, dilemas morais) e psicoeducação.
É composto por 2 manuais, num total de 300 exercícios.
Palavras-chave: Intervenção; neuropsicológica; ativo; programa;
Abstract
We present a Portuguese neuropsychological intervention program, adapted from the
program REHACOP spanish.
Initially thought to be working with specific populations (psychosis, schizophrenic),
currently in progress, interventions with other samples (children, adolescents, senior
people), with and without difficulties, in a remediative and/or preventive logic, in
several contexts, including education.
It is a comprehensive and structured program with 8 intervention modules: attention
(sustained, selective, divided, flashing) and concentration, language (syntax, grammar,
258
259
vocabulary, verbal fluency, figurative language), memory (learning and memory),
executive functions (planning, reasoning), activities of daily living (basic, instrumental,
complex),
social
skills
(basic
skills,
assertiveness,
communication,
conflict
management), social cognition (emotion recognition, social reasoning, theory of mind,
moral dilemmas) and psicoeducation. It consists of two guides, a total of 300 exercises.
Keywords: intervention; neuropsychological, active, program;
Introdução
Ter saúde, para além de ser uma questão individual, é, reconhecidamente, uma questão,
igualmente, familiar, comunitária, sistémica, pública. No mesmo sentido, não só a saúde
física, mas, também, a saúde mental.
Atualmente, é inquestionável, independentemente da ideologia, a necessidade, para que
exista uma efetiva e visível saúde pública, de intervenções a vários níveis, ou seja, do
preventivo ao remediativo, do individual, ao sistémico e ambiental, e, tanto quanto
possível, de forma concomitante, não mutuamente exclusiva. Processos que implicam
meios e recursos estruturados, eficazes, multidisciplinares.
Em termos de saúde mental, mundialmente e em contexto nacional, sabemos que a
prevalência de situações crónica e agudas é elevada. São muitas as estatísticas que
avançam com números gordos e as respostas não têm dado mostras do seu
emagrecimento. Contudo, sabemos que esforços têm sido avançados e aventados.
Contudo, e por razões de ordem vária, desde a falta de recursos estruturados, adesão à
intervenção, etc, ainda existe muito por fazer, sendo, à partida, parece-nos, uma aposta
ganha, quer em temos de intervenção propriamente dita, quer ao nível de investigação,
investir na área da saúde mental, do bem-estar humano.
Genericamente, podemos dizer que os processos neuropsicológicos afiguram-se como
imprescindíveis para a vida em sociedade, para um maior grau de autonomia e
funcionalidade, tendo o seu frágil domínio fortes implicações a nível académico,
pessoal, profissional e social. Indubitalmente, a intervenção neste domínio, em qualquer
idade, em qualquer situação ou contexto, assume particular relevância.
A Neuropsicologia é uma área da psicologia que procura a compreensão do
funcionamento cerebral e das suas respetivas alterações. Estuda a relação entre a
atividade nervosa superior e o comportamento, a cognição, as emoções, a motivação e a
vida em relação.
259
260
Neste sentido, uma intervenção neuropsicológica consiste em avaliar e estimular as
funções cognitivas como a memória, a atenção, a linguagem oral e escrita, o cálculo, as
capacidades visuoespaciais, o planeamento e a ação, a destreza manual, o raciocínio,
não descurando os domínios emocionais e sociais, desde o reconhecimento e expressão
das emoções às competências sociais (Figueira & Paixão, sd).
Quer numa perspetiva remediativa, quer numa perspetiva preventiva, a intervenção
neuropsicológica possibilita a potenciação das funções cognitivas, emocionais, sociais e
comportamentais, de forma a promover o bem-estar do(s) indivíduo(s).
Numa lógica remediativa, a Reabilitação/Estimulação Cognitiva ou intervenção
neuropsicológica permite programar e realizar um plano adequado ao indivíduo e às
suas necessidades específicas, perspetivando a recuperação dos défices ou a
estabilização de um processo de deterioração, pretendendo tornar os sujeitos mais
autónomos (Figueira & Paixão, sd).
O plano de intervenção deve consistir num conjunto de procedimentos, técnicas e
tarefas de fácil aprendizagem e utilização, de forma estruturada, sistemática, integrada e
sistémica. Ainda, a intervenção deve ser especificamente orientada para as necessidades
de cada indivíduo, adequandose a todo o tipo de populações. A intervenção
neuropsicológica (quer a avaliação quer a reabilitação/estimulação) tem revelado
evidências, fundamentalmente, em Demências (Alzheimer, Parkinson, Demência
Vascular, etc.), em situações de Défice Cognitivo Ligeiro, em Acidentes Vasculares
Cerebrais, em Traumatismos Cranianos, em Perturbações do Sono, em Dislexia, em
situações de Hiperatividade com Défice de Atenção, em pacientes neurocirúrgicos, em
Epilepsia, em Sequelas Cognitivas e Psicológicas de Doença Cerebral ou Neurológica
(Ojeda et al., 2012). Ainda, a intervenção neuropsicológica é indicada no
acompanhamento do envelhecimento cerebral normal, como forma de manutenção das
capacidades, de prevenção e despiste de problemas e
dificuldades futuras, ou ainda de promoção dessas mesmas capacidades.
Numa perspetiva preventiva, a intervenção neuropsicológica é facilitadora e
potenciadora dos processos referidos, em várias idades e em diferentes situações.
Em Portugal, são já utilizados, em vários contextos, alguns programas estruturados,
todavia, os recursos de intervenção nesta área podem ser considerados ainda escassos e
ainda a carecer de estudos de validade.
Por ser um programa com base teórica sólida, com evidências comprovadas, bastante
divulgado e premiado, procedemos à adaptação do REHACOP (Ojeda et al., 2012).
260
261
Contudo, dado que a pretensão (dos autores portugueses e dos autores originais) é
alargar o espectro de intervenção, a versão em português terá o acrónimo REHACOG,
significando reabilitação cognitiva.
O REHACOP (2012), originalmente, assume-se como um programa de reabilitação
neuropsicológica de psicoses e esquizofrenia. Resulta de um longo trabalho, de vários
anos, de vários especialistas em neuropsicologia, com mais de 18 anos de experiência
na área, e várias vezes premiado. Todavia, neste momento, os autores da versão
original, espanhola, têm projetos de utilização com outras populações, desde idosos,
adolescentes, jovens e mesmo crianças, com e sem dificuldades, em lógicas preventivas
e/ou remediativas, com as adequações consideradas necessárias.
O REHACOP tem uma orientação funcional, procurando a melhoria da qualidade de
vida e a autonomia funcional dos clientes. Neste sentido, todos os módulos incluem
exercícios funcionais (Figueira & Paixão, sd).
As atividades ou tarefas estão estruturadas por subdomínios e por níveis de dificuldade.
De referir que as tarefas propostas, dos diferentes módulos, estão organizados por 3
níveis de grau de dificuldade médio, médio-alto e alto. Inclui recomendações e
orientações sobre como avaliar as alterações ocorridas ou ganhos adquiridos.
Os materiais são acessíveis e coloridos e incluem as instruções para os clientes e as
soluções para o administrador. Pode ser utilizado com sessões individuais ou em grupo.
O programa completo é composto por 2 manuais, um para o cliente e outro para o
administrador (Figueira & Paixão, sd).
Apresentação do programa
Trata-se de um programa integral e estruturado, constituído por 8 módulos de
intervenção: atenção (total de 61 exercícios sobre atenção sustentada, seletiva, dividida
e alternada), linguagem (remete para questões de sintaxe, gramática, vocabulário,
compreensão verbal, fluidez verbal e linguagem abstrata, a partir de 40 tarefas),
aprendizagem e memória (para além dos 24 exercícios ou atividades específicos, este
módulo inclui intervenção em técnicas compensatórias e psicoeducação sobre como
melhorar os hábitos de vida relacionados com o rendimento mnésico), funções
executivas (atividades orientadas para a melhoria das capacidades de iniciação,
manutenção e finalização, resolução de problemas novos e flexibilidade cognitiva),
atividades da vida diária (o REHACOP tem uma orientação funcional, procurando a
261
262
melhoria da qualidade de vida e a autonomia funcional do cliente. Neste sentido, todos
os módulos incluem exercícios funcionais. Neste módulo, reveemse alguns deles, ao
longo de 41 atividades básicas, instrumentais e avançadas), competências sociais
(composto por 55 exercícios estruturados, com uma metodologia de 10 passos de treino,
que perpassa todas as atividades de interação essenciais para a melhoria da comunicação
entre clientes e os elementos dos seus contextos de relação), cognição social (contempla
os subdomínios reconhecimento de emoções, raciocínio social, dilemas morais e teoria
da mente, num total de 54 atividades estruturadas. para famílias, recursos sociais,
relaxamento) e psicoeducação (este módulo inclui um CD com os materiais necessários
na formação em psicoeducação com clientes e/ou familiares em temas como questões
gerais e sintomas, a medicação e outras terapias, consumo de tóxicos, informação
específica para famílias, recursos sociais, relaxamento. Este módulo será adaptado às
situações de intervenção).
O programa é composto por um total de 300 exercícios de intervenção, acessíveis de
administração, com instruções e soluções e orientações para avaliação das mudanças,
fichas de seguimento e sugestões de seguimento, de tarefas para realizar em contexto
familiar. As atividades ou tarefas estão estruturadas por subdomínios e por níveis de
dificuldade. Os materiais são acessíveis e
coloridos e incluem as instruções para os clientes e as soluções para o interventor. Pode
ser utilizado em sessões individuais ou em grupo. O programa completo é composto por
2 manuais, um para o administrador/profissional e outro para o cliente (Ojeda et al,
2012).
Quanto aos módulos, o módulo Atenção e concentração: Considera-se que a atenção e a
concentração medeiam outros processos cognitivos e que, quando frágeis, podem ter
múltiplas consequências negativas na vida dos indivíduos. Inclusivamente, mesmo os
défices de atenção ligeiros, quando persistentes, podem contribuir para uma disfunção a
longo prazo, sugerindo um mau prognóstico.
Assim, quer numa perspetiva preventiva quer numa perspetiva remediativa, são
propostas tarefas que remetem para quatro componentes da atenção: atenção sustentada
(vigília e memória do trabalho), atenção seletiva (livre de distrações), atenção dividida
(capacidade para responder a duas tarefas simultaneamente) e atenção alternada
(capacidade para a flexibilidade mental).
O módulo Aprendizagem e memória: A memória é considerada um dos aspetos mais
importantes da e para a vida diária, já que reflete as nossas experiências passadas e
262
263
permite adaptarmo-nos a situações presentes. Podem-se diferenciar várias fases na
memória: a retenção ou registo, a receção da informação, a fase de armazenamento ou
conservação da informação e a fase de recuperação da informação.
Sugerem-se tarefas que remetem para três tipos de memória, em função do tempo: a
memória sensorial, que supõe o reconhecimento momentâneo e dura milissegundos; a
memória a curto prazo, relacionada com a memória de trabalho; e a memória a longo
prazo, que retém informação durante mais tempo.
Foram selecionadas tarefas que permitem o treino de competências de memória, dos
vários tipos, incluindo as técnicas de recuperação, tendo em conta exemplos da vida
diária, que se prendem com as adaptações ambientais.
No módulo Linguagem, assume-se que para o indivíduo, enquanto ser social, a
linguagem é um processo fundamental de comunicação, de interação. Mas o domínio da
linguagem é complexo. Não é suficiente reconhecer as letras e as palavras, mas também
compreender o que se ouve ou o que se lê, argumentar, verbalizar, produzir, conhecer o
mundo, etc. Dada a sua pertinência, são propostas tarefas que implicam treino de
sintaxe, gramática, vocabulário, compreensão verbal, fluência verbal e compreensão e
utilização de linguagem figurativa.
No módulo Funções executivas, considera-se, genericamente, que as funções executivas
referem-se às capacidades implícitas no estabelecimento de metas, planificação e
execução ou realização do comportamento, de forma eficaz. Dito de outro modo, são as
capacidades necessárias para estabelecer metas, planificar etapas e formular as
estratégias para atingir os objetivos, as habilidades implicadas na execução e as atitudes
para conseguir realizar as atividades. Fragilidade ou ausência destas funções
comprometem a capacidade do indivíduo manter uma vida independente e produtiva,
pelo que devem ser objeto de um programa de intervenção. A intervenção sobre as
funções executivas implica a melhoria da capacidade organizativa de sequências do
comportamento até à realização dos objetivos desejados. Deve incidir sobre três áreas:
Seleção e execução de planos cognitivos. Refere-se ao comportamento necessário para
selecionar e completar uma atividade dirigida a um objetivo. Implica o conhecimento
dos passos, início da atividade, a organização dos objetivos, revisão do plano e
velocidade de execução, estabelecendo-se diferentes níveis de dificuldade;
Controlo do tempo. Implica calcular, aproximadamente, o tempo necessário para levar a
cabo o plano, criar horários, executar o plano e rever continuamente o tempo
despendido.
263
264
Autorregulação do comportamento. As suas componentes são o conhecimento de si e do
próprio comportamento e o dos outros e a capacidade de controlo dos comportamentos.
O controlo e a regulação aumentam a capacidade reflexiva, a probabilidade de omissão
de comportamentos inapropriados e a emissão de comportamentos adequados.
Quanto ao módulo Cognição social, a cognição social é o conjunto dos processos
cognitivos implicados na forma de pensar das pessoas sobre si mesmas, sobre os outros,
sobre as situações e as interações sociais. Inclui os processos e funções que permitem
que o indivíduo compreenda, atue e beneficie do mundo interpessoal. Nos processos
que constituem a cognição social incluímos o processamento emocional ou
reconhecimento de emoções, o raciocínio social (perceção e
conhecimento social), a teoria da mente e os dilemas morais (estilo de atribuição). O
processamento emocional relaciona-se com a capacidade de perceber e utilizar as
emoções dos outros. A teoria da mente é a capacidade de fazer inferências sobre os
estados mentais dos outros (as suas intenções, disposições, crenças, etc.). A perceção
social refere-se à capacidade de valorizar as regras, os papéis sociais e o contexto social.
O conhecimento social engloba toda a informação necessária sobre os fatores que
influenciam as situações sociais. Oferece aos indivíduos referências para saber como
atuar em cada momento. Por último, o estilo de atribuição (dilemas morais) permite
refletir sobre as consequências de determinados comportamentos, sobre regras de
funcionamento social.
As competências sociais são o conjunto de comportamentos e atitudes que o ser humano
utiliza ou deve realizar na relação com os outros. Estes comportamentos baseiam-se
fundamentalmente no domínio das capacidades de comunicação e requerem
autocontrolo emocional por parte de cada indivíduo. Competências aprendidas desde a
infância e de maneira natural auxiliam a gestão das situações sociais, por forma a obter
objetivos e a preservar a autoestima. Dos vários aspetos das competências sociais, neste
módulo, destacamos a empatia, a assertividade, a escuta ativa, a comunicação verbal,
etc.
No módulo Atividades de vida diária, as atividades de vida diária podem ser
perspetivadas enquanto atividades básicas e atividades mais elaboradas ou complexas.
As atividades básicas de vida diária são o conjunto de atividades primárias, visando o
autocuidado e a mobilidade, que confere autonomia e independência ao indivíduo e que
lhe permite viver sem precisar de ajuda continuada de outros. As atividades englobadas
264
265
nesta categoria são comer, controlar os esfíncteres, usar a casa de banho, vestir-se,
tomar banho, mudar-se (cama, sofá), passear, subir e descer escadas, etc.
As atividades de apoio ou complementares à vida diária são o conjunto de atividades
que permitem a adaptação do indivíduo ao seu meio ambiente, mantendo-se
independente na comunidade. São inseridas nesta categoria a capacidade em fazer
compras, usar o telefone, preparar a comida, cuidar da casa, lavar a roupa, usar
transportes, regular a medicação, utilizar o dinheiro, etc.
Mais complexas, as atividades avançadas da vida diária são o conjunto de
comportamentos elaborados de gestão e regulação do meio físico e do ambiente social,
que permitem ao indivíduo desenvolver um papel social, manter uma boa saúde mental
e disfrutar de uma excelente qualidade de vida. Tais atividades podem ser viajar,
participar em ações sociais, trabalhar, jardinagem e bricolagem, desporto, etc.
Finalmente, o módulo Psicoeducação consiste num módulo mais de cariz informativo,
em que se apresenta e discute, com o(s) indivíduo(s), a família ou rede de suporte, os
aspetos relacionados com a situação em causa e o seu tratamento, no caso de
intervenção remediativa, ou sobre as competências a treinar, numa perspetiva
preventiva.
Assim, no decurso das várias sessões, informa-se o indivíduo e a família sobre a
problemática em causa e a sua sintomatologia, os recursos sociais, os métodos de
relação, etc.
O conhecimento dos comportamentos, dos seus antecedentes e consequentes e formas
de controlo e regulação são uma boa estratégia de gestão da vida diária.
É um módulo em constante construção, de largo espectro, que deverá ser adequado à
problemática a trabalhar.
Para cada módulo, as diferentes tarefas propostas, em diferentes sessões, são
apresentadas com um grau de dificuldade crescente, de baixa a alta dificuldade.
Igualmente, cada competência é treinada a partir de vários exercícios, repartidos por
várias sessões.
Breves notas finais
É no sentido de colmatar alguma lacunas que nos propomos validar um programa que,
embora pensado, e testado, originalmente, para uma situação muito específica, as
265
266
psicoses, nos parece passível ser utilizado em muitas outras situações, quer clínicas,
quer educacionais, quer numa perspetiva remediativa, quer preventiva, e mesmo com
sujeitos em percursos diferentes do seu desenvolvimento. À priori, a mais valia do
programa alvo do nosso ensaio situa-se não só na sua fundamentação, mas, igualmente,
na sua complexidade e variedade de processos a trabalhar, no seu grau de estruturação e
organização e evidências de eficácia.
É, pois, sob esta égide que nos propomos trabalhar com um programa de intervenção
altamente estruturado e cientificamente fundamentado que visa, num primeiro
momento, a capacitação, ou empowerment, nas palavras dos autores, a reabilitação, dos
indivíduos e suas famílias. Embora, à data, mais avaliado em temos clínicos,
remediativos, com populações crónicas específicas (psicoses), consideramos que, com
alguns ajustes, dado tratar-se de material maioritariamente visual, pode ser ensaiado em
outras populações, mesmo a consideradas normais, até de idades diversas e até em outra
perspetiva, incluindo a preventiva.
Embora um programa bastante recente, a sua eficácia tem sido testada em várias
populações, comprovada com várias publicações científicas nacionais (Espanha) e
internacionais, em revistas de alto impacto científico. Resulta de um longo trabalho, de
vários anos, de vários especialistas em neuropsicologia, com mais de 18 anos de
experiência na área (Ojeda et al., 2012).
Embora se trate de um programa de promoção cognitiva, neuropsicológico, pensado e
testado, na origem, para intervenção com uma população específica, com fragilidades
mentais, em situação de evolução prolongada, com limitações cognitivas, parece-nos
um recurso passível de ser utilizado em muitas outras situações, quer em termos
remediativos e /ou de manutenção, quer em termos preventivos, de promoção, com
adultos e mesmo, com alguns ajustes, com crianças e adolescentes.
Referências
Bengoetxea,E., Ojeda N., Segarra R., Sánchez P.M., García J., Peña J., García A.,
Eguíluz J.I & Elizagárate, E. Evidencias de eficacia de la rehabilitación cognitiva en
psicosis y esquizofrenia con el programa REHACOP. En Quevedo-Blasco R y Quevedo
Blasco VJ, Situación actual de la psicología clínica. Pg 192-194. Ed Asociación
Española de Psicología Conductual. ISBN: 978-84-694-3972-2.
266
267
Figueira, A. P. C. F. & Paixão, R. (in press). Rehacog: programa de intervenção
neuropsicológica. Manual do Cliente. Faculdade de Psicologia e de Ciências da
Educação da Universidade de Coimbra (Ed.), Coimbra.
Figueira, A. P. C. F. & Paixão, R. (in press). Rehacog: programa de intervenção
neuropsicológica. Manual do Profissional. Faculdade de Psicologia e de Ciências da
Educação da Universidade de Coimbra (Ed.), Coimbra
Ojeda N., Peña J., Bengoetxea E, García A., Sánchez P., Segarra R. C, Ezcurra J.,
Gutiérrez Fraile M., Eguíluz J.I. C. (2012). REHACOP: Programa de Rehabilitación
Cognitiva en Psicosis. Revista de Neurología, 54(6), 337-342.
Ojeda N., Peña J., Bengoetxea E., García A, Sánchez P, Segarra R, Ezcurra J. Gutiérrez
Fraile M, Eguíluz JI. (2012). Evidencias de eficacia de la Rehabilitación Cognitiva en
Psicosis y esquizofrenia con el programa Rehacop. Revista de Neurología, 54(10), 577586.
Ojeda N., Peña J., Sánchez P., & Bengoetxea E (2010). La Rehabilitación
Neuropsicológica en
Psicosis II: El programa Rehacop. In J. Ezcurra, Gutiérrez M y González-Pinto A,
Esquizofrenia: Sociogenésis, psicogenésis y condicionamiento biológico. (Capt 32, pg
471495). Ed Aula Médica.
Ojeda N., Peña J., Segarra R., Sanchez P., Bengoetxea E., Eguiluz JI., Gutierrez M.
(2012). Efficiency of cognitive rehabilitation in chronic treatment resistant Hispanic
patients with schizophrenia with the Rehacop. Neurorehabilitation, 30, 65-74.
Sánchez, P., Peña, J., Bengoetxea, E., Ojeda, N., Elizagárate, E., Ezcurra, J., Gutiérrez,
M. (2013) Improvement in negative symptoms and functional outcome after new
generation cognitive remediation program (REHACOP): A randomized controlled trial.
Schizophrenia Bulletin. May 18. [Epub ahead of print].
Simões, M. (2002). Utilizações da WISC-III na avaliação neuropsicológica de crianças
e adolescentes. Paidéia, 12(23), 113-132.
267
268
268
269
O QUE PENSAM OS JOVENS-ADULTOS EM IDADE REPRODUTIVA
ACERCA
DA
DOAÇÃO
DE
GÂMETAS
E
DA
GESTAÇÃO
DE
SUBSTITUIÇÃO?
Naír Carolino1
Ana Galhardo1, 2
1Instituto Superior Miguel Torga 2 CINEICC - Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade de Coimbra
Resumo
A probabilidade de atingir uma gravidez espontânea, assim como as taxas de sucesso da
Fertilização In Vitro (FIV), tendem a ser sobrestimadas pelos jovens-adultos. A
aceitação social e legal das técnicas de reprodução medicamente assistidas diferem entre
países. Em Portugal, a doação de gâmetas é permitida porém a gestação de substituição
não é legal. Metodologia: Um questionário online foi realizado por 551 sujeitos sem
filhos, com idades entre os 18 e os 40 anos. Resultados: Dos sujeitos, 61,2% referiu
considerar doar gâmetas e 60% concordou que se necessitasse de recorrer a gâmetas de
dador se sentiria feliz. Um total de 42,1% da amostra considerou recorrer à gestação de
substituição. Discussão: Em relação à receção de gâmetas, a maioria dos participantes
considerou sentir-se feliz por realizar o desejo de parentalidade e de cuidar de uma
criança desde o seu nascimento. Apesar da globalidade dos sujeitos não colocar a
hipótese de recorrer à gestação de substituição, a maioria da amostra é a favor da sua
legalização. Conclusão: Os sujeitos revelam uma atitude positiva e de abertura para com
a doação/receção de gâmetas e a gestação de substituição.
Palavras-chave: fertilidade; doação de gâmetas; gestação de substituição.
Introdução
A parentalidade é um dos desejos mais universais da população adulta. Contudo, o
adiamento da maternidade é uma realidade cada vez mais presente e o avançar da idade
associa-se a diversos problemas de fertilidade (Bretherick, Fairbrother, Avila, Harbord
& Robinson, 2010; Lampic, Svanberg, Karlstrom & Tydén, 2006; Daniluk, Koert &
Cheung, 2012). Diversos estudos confirmam que homens e mulheres desvalorizam o
risco de virem a ter problemas de fertilidade e revelam poucos conhecimentos sobre esta
269
270
e os fatores que lhe são inerentes (Daniluk et al., 2012; Maheshwari, Porter, Shetty &
Bhattacharay, 2008; Bretherick et al., 2010; Daniluk & Koert, 2013; Hampton, Mazza
& Newton, 2012; Lampic, et al., 2006).
Na tentativa de solucionar possíveis problemas relacionados com uma conceção de
forma natural e espontânea, muitos casais ponderam o recurso a técnicas de procriação
medicamente assistida (PMA) sendo que estas têm possibilitado, principalmente às
mulheres, ter uma maior perceção de controlo da fertilidade, contribuindo para a crença
de que, com segurança, podem adiar o nascimento do primeiro filho, até se sentirem
realmente preparadas para a maternidade (Daniluk et al., 2012). Contudo, na realidade,
apenas 50% dos casos onde se verifica declínio da fertilidade em mulheres entre os 30 e
os 35 anos e 33% dos casos em mulheres entre os 35 e os 40 anos, podem ser superados
através da PMA, permitindo uma gravidez viável (Maheshwari et al., 2008). De
salientar que esta taxa tem uma eficácia ainda mais reduzida em mulheres com idade
superior a 45 anos (10%) e os tratamentos, para além dos que envolvem a receção de
ovócitos, tornam-se pouco eficazes. No entanto, e como vários estudos corroboraram,
jovens universitários revelam ter expectativas irrealistas quando à efetividade de
sucesso das técnicas de PMA, nomeadamente da fertilização in vitro (FIV), e
considerariam, em caso de problemas de fertilidade, recorrer a esta técnica (Lampic et
al., 2006; Peterson, Pirritano, Tucker & Lampic, 2012).
A aceitação social e legal das técnicas de PMA difere entre países. Em Portugal, e
segundo o Decreto-Lei nº 32/2006, artigo 10º, a doação/receção de gâmetas é autorizada
podendo recorrer a esta doação casais que não conseguem obter uma gravidez através
de técnicas que utilizem os seus gâmetas e desde que as condições permitam manter a
qualidade dos gâmetas dos dadores.
Outro recurso utilizado em vários países como, por exemplo, em alguns estados dos
Estados Unidos da América ou em Inglaterra, por casais que pretendam ser pais é a
Maternidade de Substituição, também chamada por Gestação de Substituição.
Maternidade de Substituição é definida como uma prática pela qual uma mulher
(chamada mãe de substituição) fica grávida e dá à luz um bebé, com o fim de o ceder a
alguém que não pode levar a cabo uma gravidez. De notar que, na atualidade, esta
prática não é permitida pela legislação portuguesa, sendo nulos os negócios jurídicos,
gratuitos ou onerosos dado que para a Constituição Portuguesa, a filiação de mãe resulta
do facto do nascimento, ou seja, é mãe quem tem o parto (artigo 1796º, Código Civil).
270
271
Em Portugal, estudos que abordem as atitudes e o posicionamento dos jovens-adultos
face à doação de gâmetas e à gestação de substituição são escassos. Este estudo
pretendeu explorar o que pensam jovens-adultos em idade reprodutiva e sem filhos
acerca da doação de gâmetas e da gestação de substituição.
Materiais e Métodos
Participantes
Os participantes desta investigação são adultos (com idades compreendidas entre os 18
e os 40 anos, inclusive), de ambos os sexos, em idade reprodutiva sem filhos. A amostra
é constituída por 551 sujeitos, sendo 119 (21,6%) do sexo masculino e 432 (78,4%) do
sexo feminino sendo a média de idades dos participantes de 27,56 anos (DP = 5,05).
Quanto ao estado civil, 75% (n = 413) da amostra é solteiro(a). A maioria dos sujeitos
da amostra encontra-se empregado (n = 329; 59,7%). De salientar ainda que 75% (n =
395) dos sujeitos encontram-se numa relação íntima.
Procedimentos
Com vista à obtenção dos dados pretendidos para o estudo recorreu-se à elaboração de
um protocolo a ser administrado via online, no início do ano de 2015, entre os meses de
fevereiro e abril. A amostra foi recolhida, primeiramente, através de um procedimento
de amostragem por conveniência, sendo que os investigadores selecionaram membros
da população mais acessíveis e, posteriormente, através do método de amostragem Bola
de Neve.
Instrumentos
Os dados sociodemográficos foram obtidos através de um breve questionário realizado
para a presente investigação. Este englobou perguntas relativas ao sexo, à idade, às
habilitações literárias, à situação profissional, entre outras.
Para avaliar as atitudes face à doação de gâmetas e à gestação de substituição,
elaborouse um questionário que englobou questões sobre a aceitação destas técnicas e o
posicionamento dos participantes sobre as mesmas. Consoante a natureza das questões
colocadas, o formato de resposta poderia ser dicotómico (Sim/Não), escala (1 =
discordo totalmente; 5 = Concordo Totalmente) e de escolha múltipla.
271
272
Análise Estatística
As análises estatísticas realizaram-se com recurso ao programa informático Statistical
Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.
Para a análise das atitudes perante a doação de gâmetas e das atitudes perante a
maternidade de substituição procedeu-se à obtenção das frequências e percentagens de
cada categoria. A existência de eventuais diferenças entre os sexos foi analisada por
recurso ao teste do Qui-quadrado.
Em todas as análises realizadas utilizou-se um intervalo de confiança de 95%.
Resultados
Seguidamente, proceder-se-á à apresentação dos principais resultados.
Atitudes perante a Doação de Gâmetas
A maioria dos participantes (70,9%) (n = 370) do estudo não é dador quer de órgãos
quer de tecidos. Os participantes da nossa amostra não revelaram diferenças entre os
sexos no que respeita a esta variável de ser ou não dador (p > 0,05).
Quanto às atitudes perante a doação de gâmetas, 52% (n = 271) dos sujeitos apoiariam
totalmente se um/a amigo/a quisesse doar gâmetas a outro casal, 53% (n = 276) apoiaria
totalmente se um/a amigo/a quisesse ser recetor de gâmetas e 48% (n = 250) concorda
totalmente que a doação de gâmetas é uma boa forma de ajudar casais que não podem
ter filhos.
Relativamente à possibilidade de doar gâmetas, 63,3% (n = 202) da amostra sentir-seia
motivada por ajudar um casal que não pode ter filhos e 27,3% (n = 87) sentir-se-ia como
se a contribuir para o seu semelhante. Dos participantes, 41,7% (n = 133) não revela
receio em vir a ser contactado mais tarde e 49,5% (n = 158) não se sentiriam
incomodados por ter uma pessoa com a sua informação genética.
No que respeita à possibilidade de ter que recorrer a gâmetas de dadores, 31,9% (n =
166) dos sujeitos concorda totalmente que se sentiriam felizes por concretizarem o
sonho de virem a ser mãe/pai e 28,3% (n = 147) referem que não se sentiriam nada
receosos por virem a sentir que o filho não é realmente seu.
Quanto aos fatores que aumentariam a probabilidade de doar gâmetas, 28,8% (n = 150)
dos sujeitos concorda parcialmente que ter aconselhamento aumentaria esta
272
273
probabilidade assim como 25,8% (n = 134) concorda parcialmente que poder falar com
outras pessoas dadoras também aumentaria a probabilidade de doar gâmetas.
Atitudes face à Maternidade de Substituição
No que se refere à legalização da maternidade de substituição, 78% (n = 405) dos
sujeitos da amostra estão a favor. Tanto no sexo masculino como no feminino, a maioria
dos sujeitos são a favor da legalização da maternidade de substituição. Não foi
encontrada uma associação entre a atitude perante a legalização da Maternidade de
Substituição e o sexo (p > 0,05).
Relativamente a recorrer à maternidade de substituição, 57,9% (n = 300) dos sujeitos
não colocariam a hipótese de recorrer à mesma. Novamente, não foram encontradas
diferenças entre homens e mulheres relativamente à possibilidade de recorrer à gestação
de substituição (p > 0,05).
Dos participantes, 59,6% (n = 224) indica que se um/a amigo/a recorresse à gestação de
substituição apoiaria a sua decisão e 51,2% (n = 189) apoiaria uma amiga se esta fosse
gestante de substituição.
Dos participantes que colocariam a hipótese de recorrer à gestação de substituição,
49,1% (n = 107) concorda totalmente que se sentiria feliz por concretizar o sonho de ser
mãe/pai, 52,3% (n = 114) concorda totalmente que se sentiria contente por cuidar de
uma criança desde o seu nascimento e 38,1% (n = 83) discorda totalmente que se
sentiria receoso por poder vir a sentir que o filho não é realmente seu.
Discussão/ Conclusão
A presente investigação teve por objetivo explorar as atitudes dos participantes
relativamente à doação de gâmetas e as atitudes perante a maternidade de substituição.
Dada a escassez de estudos neste âmbito em Portugal, não é possível comprar os
resultados obtidos com estudos anteriores. Porém, e relativamente às atitudes face à
doação de gâmetas, foi possível verificar que a maioria dos participantes revelam uma
atitude positiva perante a doação/receção de gâmetas. Ajudar um casal que não pode ter
filhos e sentir-se a contribuir para o seu semelhante são as principais motivações dos
participantes. Posto isto, e visto que apenas uma percentagem muito baixa dos
participantes deste estudo são dadores de gâmetas, disponibilizar informações e realizar
273
274
ações de promoção da doação de gâmetas seria uma mais-valia para ajudar casais que,
por problemas de fertilidade, não conseguem conceber.
No que respeita à receção de gâmetas, a maioria dos participantes consideraram que se
sentiriam felizes por concretizarem o sonho da parentalidade e de cuidarem de uma
criança desde o seu nascimento. Com estes resultados, podemos supor que a doação e a
receção de gâmetas é uma alternativa aceite pela população do estudo.
Relativamente às atitudes acerca da gestação de substituição, apesar da maioria dos
participantes não colocar a hipótese de recorrer à maternidade de substituição, a minoria
que no caso de impossibilidade de conceber um filho biológico recorreria a esta
alternativa considerou que se sentiria feliz por concretizar o seu sonho de se tornar
mãe/pai e que não se sentiria receoso de vir a sentir que o filho não era realmente seu.
A presente investigação apresenta algumas limitações metodológicas que devem ser
ponderadas para estudos posteriores como, por exemplo, a elevada escolarização da
amostra e o elevado número de participantes do sexo feminino não viabilizando uma
generalização dos resultados obtidos para a população geral. Apesar destas limitações, o
nosso estudo apresenta contributos importantes para a área. Reconhecendo que em
Portugal ainda são escassos os estudos sobre doação de gâmetas e gestação de
substituição, este estudo revela-se inovador por abordar as atitudes de jovens-adultos
sem filhos e em idade reprodutiva perante estes temas.
Dadas as limitações consideradas nesta investigação, seria interessante que, em
próximas investigações, a distribuição dos participantes por sexo fosse mais igualitária
assim como a participação de sujeitos com níveis de escolarização mais baixa, de forma
a tornar-se possível generalizar os resultados para a população geral.
Em conclusão, e no tocante ao posicionamento no que respeita à doação/receção de
gâmetas e à gestação de substituição, os participantes neste estudo parecem demonstrar
abertura e uma atitude positiva.
Referências Bibliográficas
Bretherick, K. L., Fairbrother, N., Avila, L., Harbord, S. H.A., & Robinson, W. (2010).
Fertility and aging: do reproductive-aged Canadian women know what they nedd to
know? Fertility and Sterility, 93 (7), pp. 2162 – 2168. doi:
10.1016/j.fertnstert.2009.01.064
274
275
Daniluk, J. C., & Koert, E. (2013). The other side of the fertility coin: a comparison of
childless men’s and women’s knowledge of fertility and assisted reproductive
techonology. Fertility and Sterility, 99 (3), pp: 839 – 846. doi:
10.1016/j.fertnstert.2012.10.033
Daniluk, J. C., Koert, E., & Cheung, A. (2012). Childless women’s knowledge of
fertility and assisted human reproduction: identifying the gaps. Fertility and Sterility. 97
(2), pp.
420 – 426. doi: 10.10.16/j.fertnstert.2011.11.046
Decreto-lei nº 32/2006 de 26 de Julho. Diário da Republica nº 143 - I Série. Assembleia
da
República.
Acedido
em
13,
dezembro,
2014,
em
http://www.saudereprodutiva.dgs.pt/legislacao/infertilidade.aspx.
Decreto-lei nº 796/77 de 25 de Novembro. Código Civil. Acedido em 13, dezembro,
2014, em http://bdjur.almedina.net/citem.php?field=item_id&value=972570.
Hampton, K. D., Mazza, D., & Newton, J. M. (2012). Fertility-awareness knowledge,
attitudes, and practices of women seeking fertility assistance. Journal of Advance
Nursing, Jan, pp. 1076 – 1084.
Lampic, C., Svanber, A. S., Karlstrom, P., & Tydén, T. (2006). Fertility awareness,
intentions concerning childbearing and attitudes towards parenthood among female and
male
academics.
Human
Reprduction,
21
(2),
pp.
558
–
564.
doi:
10.1093/humrep/dei367
Maheshwari, A., Porter, M., Shetty, A., & Bhattacharya, S. (2008). Women’s awareness
and perceptions of delay in chealdbearing. Fertility and Sterility, 90 (4), pp. 1036 –
1042. doi: 10.1016/j.fertnstert.2007.07.1338
Peterson, B. D., Pirritano, M., Block, J. M., & Schmidt, L. (2011). Marital benefit and
coping strategies in men and women undergoing unsuccessful fertility treatments over a
5year period. [Multicenter Study Research Support, Non-U.S. Gov't]. Fertil Steril,
95(5), 1759-1763 e 1751. doi: 10.1016/j.fertnstert.2011.01.125
275
276
SAÚDE MENTAL E O (RE) ENTENDIMENTO DE UMA REALIDADE
VIVIDA.
Eliana Nubia Moreira
Centro Universitário Unirg – Gurupi/ TO - Brasil
Resumo
Este estudo visou apreender a vivência emocional de clientes egressos de primeira
internação psiquiátrica, atendidos no serviço de Plantão Psicológico de um Ambulatório
de Saúde Mental, decorrente da experiência de terem estado sob custódia médica com
perda de sua autonomia pessoal. A intervenção psicológica oferecida a estes clientes
pela plantonistapesquisadora caracterizou-se como emergencial, orientada pelos
pressupostos da Abordagem Centrada na Pessoa.
Palavras Chave: plantão psicológico, prática clínica institucional, intervenção
psicológica.
Abstract
This study aimed at understanding the emotional experience of patients who have
egressed from their first psychiatric intemment and were attended in a psychological
walk-in service of a Public Mental Health Clinic. The focus was their emotional
experience derived from the fact of having been under medical custody and the
consequent lack of personal autonomy.The psychological intervention offered bay the
researcher-clinician pointed out as na emergency oriented by theoretical pressupposed
from the Person Centered Approach.
Keywords: psychological emergence attendance, institutional clinical practice,
psychological intervention.
Introdução
Este artigo surgiu da oportunidade em poder dialogar com pesquisadores de outros
contextos institucionais, sobre a experiência adquirida
através de uma pesquisa
desenvolvida no Ambulatório de Saúde Mental, na cidade de Franca SP – Brasil, à
partir de um estudo motivado pelos questionamentos levantados pela pesquisadora em
277
sua própria atuação enquanto Coordenadora do Departamento de Psicologia do Hospital
Psiquiátrico local, originando na produção da dissertação no Mestrado em Psicologia
Clinica, e por ora servindo de contributo científico ao 2º Congresso Nacional de
Conversas de Psicologia, pela pertinência da temática “Psicologia e Saúde Mental”, e
pela qualidade e relevância dos resultados obtidos na referida pesquisa, formalmente
ainda não divulgados.Apesar dos movimentos efetivos de mudanças no campo da saúde
mental, o debate aqui apresentado ainda se torna relevante, pois é um desafio para o
profissional de psicologia se aprimorar, contribuindo com melhoria de qualidade de
vida para todos, através da criatividade, competência e com capacidade de criar
respostas, elaborando novas possibilidades de intervenção, que contribuam para que a
Saúde Pública se transforme em produção de vida. É um tema atual ainda pertinente,
por ser perceptível o fato que entre o passado perdido e o tempo vivido no hospital
psiquiátrico, existe para os pacientes o momento traumático da internação, e assim
tentar compreender a patologia psíquica como um espaço onde existe um conflito de
mundos separados entre vencedores e vencidos, o mundo dos adequados, adaptados,
produtivos e o mundo de uma criatura meio dispersa, que não consegue inserir sua
produção num contexto dominante, gerando estigmas que produzem, provavelmente os
comportamentos agressivos (auto-agressivos e hetero-agressivos),
num espaço de
tempo que revela a persistencia da alienação de uma sociedade estigmatizante, continua
sendo instigante. O ambiente em que as pessoas internadas vivem, ou o tratamento
sómente de fármacos pouco favorece seus desenvolvimentos individuais, já que as
mantem alienadas da vida: ora excitadas, ora paralisadas (algumas com o corpo
amarrado) e sempre controladas pelos funcionários da instituição, através de drogas
medicamentosas. E assim, angustiada com a alienação dessas pessoas, através da
atuação prática e como pesquisadora, que esta comunicação intenciona reativar a
reflexão sobre as diferentes expressões de pensamentos e dos diversos modos de ser.
Assim, a enfase está no percurso da pesquisa que se interessou em conhecer quais os
elementos estavam presentes na vivência emocional dos pacientes egressos de
internação psiquiátrica, e que obrigatoriamente passavam pelo Ambulatório de Saúde
Mental. Quais conflitos internos os impediam de se desenvolverem com autonomia?
Do ponto de vista institucional, o objetivo da implantação de um serviço de Plantão
Psicológico, num Ambulatório de Sáude Mental, consistiu em prestar um tipo de
atenção psicológica de carater emergencial , com a intenção de contribuir com um
espaço onde as pessoas que passaram por uma única internação psiquiátrica, pudessem
278
rever e refletir suas questões pessoais, através de um tipo de interlocução que facilitasse
a escuta de si, identificando e reconhecendo seus próprios sentimentos e possibilidades
de autodireção no momento em que enfrentavam as dificuldades na retomada de
autonomia pessoal.
O objetivo da pesquisa, especificamente, foi o de descrever os elementos que estavam
presentes na vivência emocional de indivíduos que passaram por um rompimento em
relação a sua autoomia pessoal, em decorrencia de terem estado sob custódia
psiquiátrica, pela primeira vez, em uma institição hospitalar, de forma a interpretar o
signficado desta experiência para o cliente. Também interessou compreender, a partir da
estrutura do vivido que emergiu desta pesquisa, a demanda psicológica em relação ao
Ambulatório de Saúde Mental e ao Sistema de Saúde como tal.
Conhecer a demanda emocional deste individuo que esteve sob custódia, foi procurar a
compreensão do significado da vivência que o levou a um rompimento com sua
autonomia pessoal, e conhecer aspectos subjetivos do funcionamento humano, quando
este está comprometido em sua relação com a realidade.
Estado da Arte
Perspectivas de uma Saúde Mental Humanizada
A existência do ser humano se constitui de variáveis biológicas, sociais, culturais e até
espirituais entrelaçadas entre si, e a compreensão do fenômeno da doença mental requer
que os serviços de saúde mental mudem as atitudes em relação ao predominio da visão
psiquiátrica e das concepçõs de saúde e doença em termos de médias excludentes. Está
estabelecido um padrão que normatiza, de acordo com um manual que contém
características de personalidades ou sintomas aparentes, que padronizam um jeito de
ser, excluindo as pessoas que estão de fora dos padrões, determinando a normalidade
e/ou a anormalidade. As equipes responsáveis por intervenções em Saúde Mental tem
mantido um olhar atencioso às questões referentes às divergencias existentes entre o
discurso interdisciplinar e sua prática, pois tem se percebido que não existe parceria na
realização dos atendimentos, bem como ainda se mantém a hieraquia entre os saberes,
destacando-se a Psiquiatria.
Sundfeld(2000) em seu estudo, escolheu como objeto de pesquisa uma equipe
multiprofissional em saúde mental, sendo o seu objetivo discutir os modos como o
homem tem lidado com a loucura ao longo das épocas, para compreender através do
279
pensar coletivo, como atualmente esta relação tem se configurado. No Brasil , o
interesse residiu em conhecer a articulação do
movimento existente entre saberes
diversos e a redimensão paradigmática, na tentativa de se construir uma nova base de
compreensão da relação entre saúde e doença. A proposta era de transitar entre os
dominios de conhecimentos distintos, em que os profissionais de abordagens diferentes
se abrem a um tipo de relacionamento com o saber, que pressupõe acolher as diferenças.
Desta forma, os profissionais de saúde mental passam a repensar o modelo de atuação
dentro da própria instituição.
Nas reflexões que esta autora faz em relação às diferentes expressões de pensamentos e
dos diversos modos de ser, concluiu que o pensamento complexo ganha vida através da
relação entre eu e o outro, se abrindo a conhecimentos que possam “promover a
transposição de posturas valorativas que empobrecem nossas relações e contribuem para
a marginalização das diferença” (p93). Neste processo de construção, propõe “recriar
uma ética em que a compreensão, a tolerância e a solidariedade encontrem um lugar no
cotidiano das pessoas” promovendo uma “participação democrática e igualitária” (…)
“com-vivência extra muros entre ditos loucos e sociedade”(p94).
Campos(1994), que analisou o discurso das obras de georges Cnaguilhem, nas décadas
de 40 e 60, pouca atenção foi dada à descoberta de que a doença era percebida a partir
de normas socialmente construidas em supostos valores anormais, válidos e escritos por
algum cientista.
Baseando-se neste academicismo crítico, este autor propõe:”uma reconstrução do
conceito de CURA: curar alguém seria sempre lutar para a ampliação do
COEFICIENTE DE AUTONOMIA desta própria pessoa” (p50).
De acordo com o Plano de Ação de Saúde Mental 2001/2002, é necessário garantir a
melhoria na qualidade de vida das pessoas, famílias e grupos, de acordo com os
recursos existentes, através do desenvolvimento e fortalecimento de uma comunicação
interpessoal e social positiva, reconhecida e expressa em sentimentos e emoções,
definida pela resolução de conflitos estabelecidos e mantidos nos vinculos afetivos.
Enfatizando esses aspectos psíquicos que incluem o desenvolvimento sócio-culturalesportivo ,em ações promotoras e preventivas de um estilo de vida favorecedor de uma
boa saúde mental.
280
O adoecer na visão da teoria humanista proposta por Carl Rogers
Permitir a si mesmo compreender profundamente outra pessoa, implica numa abertura à
mudança e isto é duplamente enriquecedor, pois mesmo com o cliente mais
comprometido, a tentativa de compreensão da estranheza de seu mundo psicótico, seus
pensamentos estranhos e seus desânimos, como também seus movimentos afetivos, é
algo importante, pois legitima a experiência de aceitação incondicional, tornando a
relação interpessoal autêntica.
Mas exercitar esta capacidade requer um contexto de relações humanas positivas que
permitam à pessoa defender-se de situações ameaçadoras ao seu self, pois percebendose impossibilitada de expressar a angústia, conflitos estruturais se instalam e o estado
mental da pessoa passa a ser pouco receptivo às condições naturais de empenhar-se em
uma comunicação interpessoal saudável. Assim, o grau de compreensão da pessoa para
lidar com o processo de adaptação e integração da existência humana, passa a ser
insuficiente.
Diante desta insuficiência quanto a capacidade de solução de problemas existenciais, o
processo de crescimento para a maturidade psicologica da pessoa, passa a ser
insatisfatório no conjunto, e assim, sejam quais forem as contingências do meio, o
desenvolvimento integral do individuo fica abalado. Estando a pessoa incongruente,
devido à existencia de fatores pertubadores, a expressão do seu comportamento se
efetuará de maneira irracional, subjetivamente insatisfatória e objetivamente ineficáz,
pois a percepção que o individuo tem de seu self é negativa.
E assim, o individuo adoece, pois a sua saúde e seu bem estar físico tem uma relação
íntima com sua experiência psiquica, ou seja:” pesquisa, tanto médica quanto
psicológica, revela cada vez mais a interpenetração e a inseparabilidade dos aspectos
físicos e psíquicos do organismo” (Rogers, 1959; p.42).
Plantão Psicológico: uma perspectiva de intervenção psicológica
O Plantão Psicológico como modalidade de atendimento clínico tem como objetivo
estabelecer uma relação que favoreça e promova o crescimento e a maturidade pessoal,
através da utilização dos recursos internos latentes, por confiar no desenvolvimento das
potencialidades inerentes à pessoa. Segundo Cury (1999), esta modalidade de
atendimento clínico-psicológico efetivou-se em decorrencia da “significativa e crônica
281
demanda que congestiona e dá origem às filas de espera da instituição”, sendo um
serviço que privilegia a demanda emocional imediata do cliente, constatando em seus
estudos que é uma modalidade de assistencia em saúde mental que possibilita a
ampliação da intervenção clínica no contexto da saúde pública.
O Plantão Psicológico é uma forma de atenção psicológica, na qual o tipo de ajuda
oferecida decorre da demanda, no momento em que emerge sua necessidade. A escuta
se faz na hora imediata do seu pedido de ajuda, ou o mais imediato possível, e de
maneira ampliada. Assim um processo de transformação se inicia e, quem sabe,
trazendo uma possibilidade de identificação dos determinantes de um processo saúdedoença, bem como promovendo uma compreensão de como se dá a institucionalização
dos doentes mentais pela inexistencia de uma escuta qualificada nos primeiros
momentos das queixas e confusão dos sentimentos.
Metodologia
Sujeitos
Foram participantes desta pesquisa usuários adultos, egressos de internação psiquiatrica
encaminhados do Hospital Psiquiátrico para o Ambulatório Saúde mental, para consulta
de atendimento psiquiátrico e/ou psicológico, sem considerar-se outras variáveis como
sexo ou diagnóstico psiquiátrico.
Tipo de Pesquisa
Pesquisa fenomenológica, que é qualitativa e de natureza, pois o interesse está em saber
“ o que é determinada coisa” numa tentativa de construir uma compreensão do que
acontece com o fenômeno indagado (Amatuzzi,2001), onde procura basear-se numa
análise sistemática de registro de experiências, relatados e coletados numa relação
pessoal, no qual o pesquisador facilita ao colaborador o acesso a sua experiência vivida.
Este estudo representa mais uma maneira de ter uma visão fenomenológica do
psiquismo, e assim fazer a escolha do caminho possível para realizar a compreensão da
vivência, numa pesquisa que interroga a realidade subjetiva via relação interpessoal.
282
Método
O método fenomenológico proposto por Forghieri(1997) compreendeu três momentos:
a) Envolvimento existencial: a plantonista-pesquisadora teve acesso às vivências
emocionais de cada cliente durante o atendimento no Plantão Psicológico, via atitudes
de empatia e aceitação positiva incondicional; b) Distanciamento Reflexivo:
desenvolvido a partir de uma compreensão psicológica dos registros das sessões do
plantão, juntamente com as impressões da plantonista, escritas imediatamente após
encerramento de cada sessão; c) Sintese Específica de cada cliente quanto aos elementos
presentes na sua vivência em relação ao tema, elaborada com base nos registros
realizados e levando a uma interpretação fenomenológica do vivido individual.Ao final
elaborou-se uma Síntese Geral contendo os elementos reveladores da essência do
fenômeno estudado em relação a todos participantes . Também foi elaborado um Diário
de Campo da pesquisadora, contendo suas observações e impressões relativas ao
cotidiano do Ambulatório de Saúde Mental, permitindo lhe uma visão mais globalizada
da instituição que abrigou a intervenção psicológica, e conferindo a pesquisa um caráter
etnográfico.
Análise dos Dados
Havia duas fontes de dados da mesma natureza: a) anotações no Diário de Campo das
impressões da pesquisadora sobre
a vivência cotidiana na instituição,incluindo as
percepções quanto às formas de acolhimento dos pacientes pela instituição e dos
mesmos nos seus momentos iniciais de reconhecimento do contexto em que são
atendidos, b) as impressões imediatas da plantonista-pesquisadora sobre o atendimento
no Plantão Psicológico através de registros efetivos após o término das sessões, e estas
ajudaram na compreensão e interpretação do material clínico gravado bem como a
descrição e análise dos significados da própria vivência durante o envolvimento
terapêutico, sendo que o conjunto destes registros possibilitou uma análise das possíveis
influências no contexto institucional sobre o vivido dos sujeitos da pesquisa.Esta
pesquisa teve uma dimensão clínica, ao propor uma ação de intervenção psicológica
facilitadora da mobilização dos recursos psicológicos internos do sujeito, favorecendolhe uma progressiva aproximação com sua experiência.
283
Síntese Compreensiva Geral dos Atendimentos
Todos os clientes atendidos revelaram sentimentos de solidão e de tristeza, como se a
vida tivesse se tornado um fardo duro; também evidenciaram fragilidade frente à
realidade e ás circunstâncias a serem enfrentadas no cotidiano. Havia em todos uma
queixa quanto a ausência de relacionamentos gratificantes, como se estivessem jogados
à própria sorte. Também experimentam medos e temem pelas reações alheias. Estes
clientes demonstraram vontade de sair da ociosidade e retomarem a vida produtiva em
seus trabalhos. Os clientes que alcançaram a dimensão da própria dor idealizaram um
desejo de mudança de vida, reconhecendo insatisfação diante do desconhecimento de sí
mesmo e das próprias potencialidades. Apreendeu-se nos relatos que estes clientes não
estão informados sobre o próprio diagnóstico, sendo incompreensível para eles os
sintomas apresentados. Com as dúvidas geradas sobre as possibilidades de mudança, o
sentimento de impotência se instala e a incompreensão de quem são e de como estão os
impedem uma auto-referência realista. Evidenciou-se que a maioria deles busca a fé em
Deus, quando se percebem incapacitados, ou ameaçados com a possibilidade de se
desintegrarem. Todos deram um significado próprio ao tipo de ajuda recebida no
Plantão Psicológico; foram capazes de responder positivamente à relação estabelecida
em um único encontro terapêutico com a plantonista, não demosntrando resistência e
nem se sentindo ameaçados. Também expressaram sentimentos positivos em relação às
atitudes da plantonista. Ficou eviente que
estes clientes se beneficiarm de um
atendimento psicológico, além do tratamento medicamentoso, pois puderam comunicar
um pedido de ajuda à plantonista.
Síntese do Diário de Campo
A equipe de profissionais do Ambulatório de Sáude Mental, composta por
psicólogos,psiquiátras, fonoaudiólogos e assistência social é uma equipe com formação
tradicional voltada ao psicodiagnóstico ,e a psicoterapia de médio e longo prazo,
mantendo-se a visão ortodoxa de um processo de anamnese e avaliação do paciente em
até três encontros, sendo este o procedimento técnico inicial de acolhimento do usuário,
no qual o profissional mantém uma postura de coleta de dados, e não de intervenção
clínica imediata. A clientela do ambulatório nem sempre se adequa aos processos
psicoterápicos tradicionais, pois as queixas principais dos pacientes incluem, em sua
284
maioria, a necessidade de encontrar ajuda profissional que esteja disponível a dar-lhes
apoio e diminuir o desconforto no momento imediato em que a dor psíquica se
apresenta. Ao serem inicialmente atendidos nas Unidades Básicas de Saúde por um
médico especialista, e avaliados de necessidade de assistência psiquiátrica, eram
encaminhados ao Ambulatório de Saúde Mental, sem serem informados de que o
encaminhamento não implicaria em serem atendidos imediatamente, o que provocava o
descontentamento e alteração de humor, ao serem informados de que teriam que
aguardar na fila de espera para consultas psiquiátricas ou psicológicas; sendo que a
atenção e assistência ao seu sofrimento psíquico teria que ser adiada. Em contrapartida,
se o usuário esteve impedido de comparecer no dia e horário marcado, devido a algum
mal estar físico ou psíquico, ou devido dependencia estabelecida que o impedia de ir
sózinho pois as consultas psiquiátricas exigia-se a presença de um membro da familia
para relatar o estado clínico geral do paciente, e a pesquisadora questionou com os
profissionais se realmente o cliente estaria incapacitado para falar de suas próprias
vivências, ou se o sistema o fazia sentir-se incapacitado delegando o poder à familia,
rompendo assim as suas possibilidades de autonomia. Remarcar a consulta perdida, só
era permitida para mês seguinte, e como estes retornos eram para reavaliação
medicamentosa, a recepção propunha que deixassem a receita médica anterior para
serem entregues aos médicos responsáveis, os quais após dois dias devolveriam à
familia autorizando a compra dos medicamentos. A pesquisadora se inquietava com esta
atitudes de medicar sem nenhum contato com o usuário, embora parecesse tranquilizar
os familiares que, automatizados com este funcionamento, sentiam –se agradecidos por
terem sido favorecidos com a medicação prescrita. O bem estar do paciente estava
totalmente condicionado a esta relação medicamentosa e não ao vínculo que poderia
propiciar uma consciência crítica no seu dinamismo interno. A recepção fica
constantemente sufocada, por ser na porta de entrada do sistema que explodem as
insatisfações, dando a plantonista a autonomia de atender ou não qualquer pessoa,
inclusive recepcionistas, mesmo não sendo participantes da pesquisa, quando estas
pareciam não mais suportar o conflito emocional que as estava deixando angustiadas. O
retorno dado por estes profissionais de que o plantão os havia ajudado a compreender
aspectos de sua vivência geradora de angustia, assim como que sentiam-se agradecidas
pela disponibilidade, acolhimento, compreensão e afeto da plantonista, foi um dado
analisado na discussão das possíveis manifestações do potencial latente, quando a
pessoa encontra um ambiente facilitador que otimiza seus recursos positivos de auto
285
crescimento.Em relação ao usuário, ao ser informado sobre a presença da psicóloga de
plantao, aceitava o atendimento prontamente, e no momento em que a porta de entrada
tinha se fechado para o atendimento de sua demanda imediata, o plantão psicológico
passava a ser a possibilidade de manifestação da esperança de resolução ou
compreensão da vivência geradora de angústia. Assim se estabelecia um contato
psicológico favorável entre usuário e terapeuta, pois aquele sentia que o seu pedido de
escuta havia sido acolhido. A terapeuta também se fortalecia, pois pressentia que existia
aceitação da relação, e isto a motivava a fazer uma escuta qualificada e exercitar
atitudes de aceitação positiva incondicional para com o cliente.
Discussão dos Resultados
Esta pesquisa constatou que a implantação de um novo projeto de intervenção é possivel
desde que a comunicação entre os diversos setores se estabeleça viabilizando a
qualificação da assistencia, através de um processo de reflexão sobre o funcionamento
do sistema de saúde. A necessidade de um modelo de atendimento que reorganize a
demanda deste tipo de contexto público torna-se significativa, podendo concretizar-se
pela criação de um espaço no qual seja privilegiada uma escuta qualificada, em
detrimento das rotinas já cristalizadas.
A proposta de Sundfeld (2000) de discutir com a equipe multiprofissional os modos
como se tem lidado com a loucura é pertinente à realidade constada no Ambulatório,
pois neste estudo, se propõe uma reconfiguração do modelo atual existente
redimensionando a prática clínica para uma atuação em que a equipe priorize a
discussão do significado da dor psíquica somatizada ao corpo físico, reorganizando as
possibilidades de conciliar ao tratamento as alternativas de lazer, educação, trabalho e
cultura, como meios de promoção de saúde e devolução de autonomia. A prática de
alguns profissionais de medicina, observada no contexto ambulatorial estudado ainda
prioriza um cotidiano no qual tenta-se normalizar ou curar o paciente, em atividades que
atendem um maior numero possível de usuários, num mínimo espaço de tempo,
exercendo-se o papel burocrático de assinar receitas. São estes mesmo profissionais que
encontram maior dificuldade em participar de atividades propostas para discutir o
trabalho realizado, com implicações sérias para a relação que poderia ser estabelecida
entre profissional e usuário, num diálogo propício a fala e a escuta, que possivelmente
desencadearia no paciente um movimento de compreensão de sua história e de seus
286
sintomas, desapropriando a doença do saber médico, e permitindo-lhe confrontar com
suas próprias experiências subjetivas.
Pesquisas realizadas por Pessoti(1996) confirmou que o tratamento no século XIX era
apenas medicamentoso, excluindo a participação do cliente. Analisando os dados desta
pesquisa contasta-se que no século XXI todos os sujeitos da pesquisa ainda estão em
tratamento em uma só ação terapeutica na qual prioriza-se só o fármaco em detrimento
de alternativas que possibilitariam uma relação dos pacientes com seus estados afetivos.
A pesquisadora questiona se isto ainda ocorre porque o conhecimento da psiquiatria se
mantêm institucionalizado, ou, se a psicologia ainda não se apropriou do conhecimento
que tem sobre os fenômenos psíquicos, sendo as contribuições favoráveis à expansão
da intervenções clínicas, no âmbito institucional, com atitudes humanizadas. Não seriam
estes os profissionais mais capacitados para iniciar ações terapêuticas propostas por
Campos(1994), onde se valoriza o vinculo entre usuário, familiares,equipe técnica; o
acolhimento do ususário pela equipe técnica numa dimensão afetiva; a efetivação do
contrato especificando direitos e deveres das pessoas envolvidas no tratamento e a
devolução da autonomia ao usuário para que o mesmo exercite o auto-cuidado? Este é
um desafio no qual se propõe uma clínica ampliada focalizando ao atendimento os
recursos existentes no cliente.
O Plantão Psicológico no Ambulatório de Saúde Mental cumpriu a proposta de prestar
um tipo de atenção psicológica de caráter emergencial a pacientes egresso de internação
psiquiátrica. Possibilitou uma flexibilização, ainda que temporária dos serviços de
atendimento comunitario, sendo possível sistematizar esta aprendizagem tão
significativa da inserção de uma prática de orientação humanista, especificamente da
Abordagem Centrada na Pessoa, num contexto de instituição pública. Sendo assim, esta
pesquisa corroborou os resultados obtidos por Mahfoud(1999): o fato de poderem
recorrer a uma plantonista para realizar os atendimentos emergenciais fez com que se
sentissem aliviados da demanda, confirmando que
o Plantão Psicológico é uma
modalidade de assistência à saúde mental que acolhe a pessoa no exato momento em
que ela busca solução para suas dificuldades emocionais.
Na tentativa da plantonista em compreender a estranheza sentida pelos usuários da
própria vida e do diagnóstico psiquiátrico, pode-se constatar que ao ser legitimida a
experiência subjetiva, via aceitação incondicional, sem um julgamento de valor,ou de
conceitos já préconcebidos, possibilitou-se a cada cliente atendido compreender a
própria conduta diante de seu sofrimento e perturbação psíquica, podendo expressar
287
com liberdade interior as angústias e os conflitos estruturais instalados.Estes resultados
vão ao encontro do estudo de Messias (2001) ao afirmar a disponibilidade da plantonista
aliada a uma relação de respeito e confiança favorece a manisfestação da tendencia
atualizante.
Os resultados demonstraram que existem limitações quanto a capacidade do sistema de
saúde para solucionar os problemas existenciais vividos, e que os recursos do meio em
que os pacientes vivem estão sendo insatisfatórios, pois os pacientes mantêm durante o
tratamento uma percepção negativa do seu self. Assim, permanecendo a incongruência
entre o que o individuo vivenciou no momento do adoecimento e como ele se percebe
ao longo do tratamento, reforça-se a negação do que realmente experimenta, negando-se
o direito ao seu próprio sentir e a sua potencialidade enquanto pessoa e isto faz com que
a tendencia atualizante que determina suas condutas e auto-estima permaneça
fragilizada.Os resultados também evidenciaram que com a desadaptação psicológica os
aspectos físicos do organismo consequentemente adoeceram, confirmando-se a
inseparabilidade destes aspectos do organismo como um todo, confome pesquisa
realizada por Rogers (1977). Exemplos destes aspectos estão nos relatos dos clientes
que apresentam distúrbios de sono, inapetência, confusão mental e também depressão.
Os resultados da pesquisa também evidenciaram a falta de projetos preventivos que
atendam a população em geral em situações de crise psicológica, anteriores a instalação
da doença propriamente dita e de sua cronificação. Ainda prevalece o padrão de uma
visão psiquiátrica que normatiza as concepções de saúde e doença, onde as ações
objetivas
mantêm
o
discurso
organicista,
levando
a
registros
meramente
comportamentais para efeito de diagnóstico, e do histórico da vida do usuário, de forma
a privilegiar a categorização dos Manuais Internacionais de Classificações, tais como o
CID V.
Os psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais que na sua prática
institucional poderiam estar contribuindo com a compreensão subjetiva dos casos
discutidos e descrevendo as variáveis psicológicas, sociais e relacionais que contribuem
com a manutenção dos sintomas, não fazem anotações no prontuário dos pacientes,
impossibilitando a compreensão de qual conduta terapêutica está sendo adotada para
evolução do quadro sintomatológico. Não se encontra o projeto que está sendo realizado
para ressocialização do paciente, sendo desconhecidas ao leitor as atividades que estão
propiciando maior autonomia ao individuo, ou seja, a saúde pública local ainda não se
transformou em um local de produção de vida autônoma. Também são excluidas das
288
anotações os sentimentos dos usuários em relação à própria vivência, bem como a
compreensão da familia sobre o diagnóstico e sobre suas reais possibilidades de ajuda,
constatando a inexistência de atividades terapêuticas comunitárias que enfoque a
integração social, com um programa terapêutico voltado a sua demanda pessoal,
confirmando que nas internações não se integrou ações de caráter psicossocial ao uso de
psicofármacos.
Conclusão
Concluiu-se que todos os clientes atendidos revelaram sentimentos de solidão,
inutilidade, tristeza, carência de relacionamentos afetivos gratificantes, evidenciando
fragilidade frente às circunstãncias da vida e insatisfação diante do desconhecimento de
si e de suas potencialidades. Os elementos presentes na demanda emocional são
relativos a problemas existenciais, portanto merecedores de uma atenção psicológica
que possibilite uma compreensão de como experimentam e vivenciam os próprios
sentimentos. Ao serem tratados por um tipo de terapêutica apenas medicamentosa,
excluiu-se a possibilidade de manterem contato com os próprios recursos internos, e
assim se reintegrarem a uma condição de vida satisfatória. Ao delegar-se o poder da
cura ao médico, ao remédio ou a familia anula-se a capacidade de compreensão que
poderiam ter em relação à própria vida, impedindo o resgate da autonomia e saúde. O
atendimento no Plantão Psicológico evidenciou que o cliente ao aceitar-se dentro das
próprias limitações cria condições para que uma mudança ocorra, concluindo-se que o
acesso à experiência interior pode ser facilitado por um profissional da área de saúde
mental, mas de uma maneira que não impeça a própria pessoa de manter sua autonomia
de decisão, e assim poder refletir sobre a responsabilidade e consequencia de suas
escolhas.O estudo demonstrou que ao encontrarem um ambiente acolhedor, permeado
de atitudes afetivas, conseguiam resgatar a esperança e expressarem um desejo de
mudança, projetando perspectivas positivas para o futuro, mesmo que tênues. Também
evidenciou-se que ao se delegar o poder de ser feliz, cuidado e amado a outra pessoa, o
potencial inerente ao crescimento humano se despotencializou e os clientes tornaram-se
fragilizados, descrentes das próprias capacidades. No conflito entre o que gostariam de
ser e o que lhes era permitido estar sendo, se desestruturaram emocionalmente e se
entregaram à tristeza. Distanciaram-se do sentir real, e vivenciaram a incongruência de
não se reconhecerem no mundo objetivo, instituido socialmente.
289
Referências
Amarante, P. (1997).Loucura, Cultura e Subjetividade: conceitos e estratégias,
percursos e atores da
reforma psiquiátrica brasileira. In: Fleury, S. (Org.) .Saúde e
Democrarcia: a luta dos Cebes. São PAULO: lemos Editorial.
Amatuzzi, M.M. (2001).Pesquisa Fenomenológica em Psicologia. In. Bruns, M.A.T.,
Hollanda, A.F. (Org.) Psicologia e Pesquisa Fenomenológica: Reflexões e Perspectivas.
São PAULO: Ômega Editora.
Bartz, S. S. (1997).Plantão Psicológico: atendimento criativo à demanda de emergência.
Interações. São Paulo, V.2,N.3,P.21-34,jan/jul..
Campos, W. S.( 1994).Considerações sobre Arte e Ciência da Mudança:revolução das
coisas e reforma das pessoas. O caso da Saúde. In. Cecílio, L.C.O. (Org.). Inventando a
Mudança na Saúde. São Paulo: Editora Hucitec.
Cury, V. E.(1999). Plantão Psicológico em Clínica Escola. In: Plantão Psicológico:
novos Horizontes. São Paulo.
Forghieri, Y.C.(1997). Psicologia Fenomenológica: fundamentos, métodos e pesquisas.
São Paulo, Pioneira.
Mahfoud, M.(Org.).1999. PlantãoPsicológico: novos horizontes. São Paulo: Editora
Companhia Ilimitada.
Messias, T.S.C. (2002). Plantão Psicológico como Possibilidade de Facilitação à
Tendência Atualizante: um estudo clínico. Dissertação de Mestrado. Pontificia
Universidade Católica de Campinas. Campinas-SP.
Moreira, E. N. (2002). Plantão Psicológico num Ambulatório de Saúde Mental: um
estudo fenomenológico. Dissertação de Mestrado. Pontificia Universidade Católica de
Campinas. Campinas-SP. (trabalho não publicado).
Rogers, C.R. (1991).Tornar-se Pessoa. Trad. Manuel José do Carmo Ferreira, Rev. de
Racchel Kliapt, 4ed. Bras., São Paulo, Martins FONTES. Ed.Original, 1961.
_________ e Kinget, G.M.(1977). Psicoterapia e Relações Humanas.Belo Horizonte:
Interlivros, 2Ed.Bras. Ed.original, 1959.
São Paulo (Estado). Secretaria de Estado da Saúde. Assessoria de Saúde Mental
2001/2002: plano de ação para o estado de São Paulo.
Sundfeld, A.C.O. (2000).Desafio de Conviver na Diferença: o saber nas equipes
interdisciplinares de saúde mental. Dissertação de Mestrado. Pontificia Universidade de
Campinas-SP.
290
291
ALTERAÇÕES DO SONO E PROCESSOS DE REGULAÇÃO EMOCIONAL
EM ADULTOS
Ana Cristina Neves1 & Ana Galhardo12
1Instituto
Superior Miguel Torga; 2CINEICC-Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade de Coimbra
Introdução
O sono é um processo fisiológico vital com um papel restaurador importante. Um sono
normal dá ao indivíduo uma sensação de bem-estar e descanso físico/mental, com
recuperação de energias, possibilitando-lhe executar em boas condições as atividades do
dia seguinte. Por outro lado, a reduzida qualidade do sono pode afetar
significativamente a qualidade de vida das pessoas, por exemplo, aumentando a fadiga e
estados de humor negativos, lapsos de atenção e dificuldades de concentração,
irritabilidade, diminuição do desempenho psicomotor, diminuição da memória e tempos
de reação prolongados (Rente & Pimentel, 2004). A autocompaixão é uma estratégia de
regulação emocional importante que, acordo com Neff (2003), implica ser
compreensivo e caloroso para consigo mesmo em caso de dor ou fracasso, em vez
autocrítico ou punitivo. A autora refere que a autocompaixão se associa
significativamente a resultados positivos para a saúde mental, designadamente menos
tendência para desenvolver depressão e ansiedade e, por oposição, maior satisfação com
a vida.
Ao contrário da autocompaixão, o autocriticismo remete para a forma como as pessoas
se relacionam consigo mesmas perante situações de falha e desapontamento pessoal,
adotando uma postura crítica, intolerante, punitiva e de autoavaliação negativa para com
a sua própria condição. Trata-se, portanto, de um modo de relação eu-eu (Castilho &
Pinto Gouveia, 2011; Gilbert, 2000, 2007; Gilbert, Clarke, Hempel, Miles & Irons,
2004) em que uma parte do eu descobre falhas e defeitos e a outra parte se submete, o
que sugere que existe uma interação entre os diferentes aspetos do eu. Esta ocorrência
interna de ataque-submissão fortifica o sentimento de inferioridade e submissão
(Castilho & Pinto Gouveia, 2011).
Assim sendo, é importante em contexto clínico haver uma intervenção direta sobre
indivíduos autocríticos. Esta intervenção deverá incidir no desenvolvimento da
capacidade dos indivíduos se autotranquilizarem, em situações que à partida ativam o
autocriticismo (Amaral, Castilho & Pinto Gouveia, 2010).
O presente estudo tem como principal objetivo analisar a relação entre a qualidade do
sono em adultos e processos de autorregulação emocional como a autocompaixão, o
autojulgamento, o autocriticismo e a autotranquilização.
292
Material e Métodos
Participantes
A amostra desta investigação, recolhida na empresa Aquinos, em Tábua, é constituída
por 210 participantes, 163 mulheres e 47 homens, com idades compreendidas entre os
19 anos e os 59 anos (M = 35,82; DP = 9,81).
Instrumentos
Questionário Sociodemográfico: Para o estudo foi elaborado um breve questionário
sociodemográfico, contendo as seguintes questões: sexo, idade, estado civil,
escolaridade, profissão e tempo de trabalho.
Questionário de Pittsburgh sobre a Qualidade do Sono (PSQI): Para analisar a qualidade
do sono utilizou-se o PSQI – versão portuguesa para Portugal (Buysse et al., 1989). Este
é um questionário de autorresposta que visa avaliar as características dos padrões de
sono e quantificar a qualidade do sono do indivíduo durante o ultimo mês, abrangendo a
qualidade subjetiva do sono e a ocorrência de perturbações do mesmo. Trata-se de um
instrumento que engloba os seguintes sete componentes: 1) qualidade subjetiva do sono;
2) latência do sono; 3) duração do sono; 4) eficiência habitual do sono; 5) perturbações
do sono; 6) uso de medicamentos; e 7) disfunção diurna. A forma como os itens se
distribuem pelos diferentes componentes não possibilita uma análise de consistência
interna.
Escala da Autocompaixão (SCS): A SCS foi desenvolvida por Neff (2003a) com o
objetivo de medir a atitude compassiva em relação ao próprio, segundo a filosofia
budista adaptada à psicologia ocidental (Castilho, 2011). No presente estudo foram
utilizados os índices compósitos de autocompaixão (que corresponde ao somatório das
subescalas de calor/compreensão, mindfulness e humanidade comum) e de
autojulgamento (que traduz o somatório das subescalas de autocriticismo, isolamento e
sobreidentificação).
Escala das Formas do Autocriticismo e Autotranquilização (FSCRS): A FSCRS foi
desenvolvida com o objetivo de avaliar como as pessoas se relacionam consigo próprias
– autocriticam ou autotranquilizam - face a situações de fracasso, falhas e ineficácia
pessoal (Gilbert et al., 2004; Castilho & Pinto Gouveia, 2011a). No presente estudo os
valores de alfa de Cronbach encontrados para as diferentes subescalas foram os
seguintes: 0,87 na subescala eu inadequado, 0,74 na subescala eu detestado e 0,87 na
subescala eu tranquilizador.
293
Resultados
Os principais resultados, ao nível da análise descritiva, revelaram que a perturbação do
sono é o componente mais sentido pelos participantes. No entanto, é frequente
manifestarem mais autocompaixão, demonstrando igualmente uma atitude positiva
através da forma eu tranquilizador.
Verifica-se igualmente que são as mulheres que têm uma pior qualidade subjetiva do
sono, maior latência do sono e maior perturbação do sono. Relativamente ao uso de
medicamentos, são os participantes mais velhos (46-51 anos) que mais recorrerem aos
fármacos para dormir. Já os participantes mais novos (19-32 anos) apresentam uma
atitude mais positiva, através da forma eu tranquilizador. Os participantes casados/união
de facto têm melhor perceção sobre a qualidade subjetiva do sono, latência do sono,
duração do sono e perturbação do sono, manifestando mais a forma eu inadequado.
A análise correlacional efetuada procura responder ao principal objetivo definido para
este estudo, verificando-se que os participantes mais autocríticos apresentam mais
problemas ao nível da qualidade do sono, nomeadamente nos componentes perturbação
do sono, uso de medicação e disfunção diurna. Já no componente duração do sono são
mais compassivos, demonstrando mais satisfação e compreensão relativamente ao
número de horas de sono. Ainda se encontra uma ambivalência nos resultados, ou seja,
nos componentes qualidade subjetiva do sono, latência do sono e PSQI global, os
sujeitos ora apresentam uma atitude autocrítica ou de autocompaixão (Tabela 1).
Tabela 1- Correlações entre as dimensões dos instrumentos PSQI, SCS e FSCRS
Qual subj do
sono
Latência do
sono
Duração do
sono
Efic hab do
sono
SCS_AutoComp
0,06
SCS_AutoJulg
0,25**
0,34
0,25**
0,88
0,07
0,07
-0,72
Perturb do sono 0,41
Uso de
medicam
Disfunção
diurna
PSQI – Global
0,32**
0,12
0,23**
0,66
0,19**
1,22
0,35**
Eu
inadequado
0,21**
Eu
detestado
0,20**
Eu
tranquilizador
-0,12
0,23**
0,11
-0,06
-0,02
0,05
-0,04
-0,06
-0,14
0,06
0,25**
0,24**
-0,09
0,20**
0,26**
-0,20**
0,17*
0,18*
-0,08
0,30*
0,17
-0,19
r = coeficiente de correlação de r de Pearson; p (valor de significância) (*p < 0,05; **p
< 0,01)
294
Discussão e Conclusão
As principais conclusões deste estudo indicam que são as mulheres, os indivíduos mais
velhos e os casados/união de facto que apresentam uma qualidade do sono mais pobre.
No mesmo sentido, verifica-se que os indivíduos mais autocríticos também manifestam
mais problemas de sono, tendo um sentimento de inadequação e de defeito do eu, de
merecimento de críticas e repugnância pelo eu.
Algumas limitações podem ser apontadas a este estudo. Um das quais prende-se com a
carência de trabalhos empíricos acerca da relação entre os construtos do nosso estudo, ,
o que dificulta a comparação dos resultados. Outra limitação está relacionada com o
formato de autorresposta dos instrumentos usados na presente investigação, podendo ser
realizada uma avaliação mais detalhada destes aspetos através de outro tipo de
instrumentos, como por exemplo a entrevista clínica. De mencionar também que o
desenho deste estudo e o tipo de análises realizadas não possibilitam o estabelecimento
de relações causais pelo que futuramente estudos de caráter longitudinal poderão
clarificar a ligação entre os processos de regulação emocional e os diversos elementos
relacionados com o sono. Além disso, na nossa amostra estão incluídos participantes
que são trabalhadores por turnos, o que pode afetar os resultados ao nível do sono (e.g.
Costa, 2009), ainda que se trate de turnos fixos e não rotativos.
Para futuros estudos seria pertinente a replicação noutras populações, quer na população
geral com diferentes idades, quer na população clínica, com diferentes tipos de doentes
com perturbações do sono. A replicação destes resultados em amostras clínicas
representativas poderá contribuir para um melhor conhecimento sobre o autocriticismo e
a forma como este poderá influenciar a qualidade do sono. Além disso, o uso de uma
entrevista estruturada para a avaliação do autocriticismo e da autocompaixão também
permitirá uma avaliação mais detalhada do modo como estes processos de regulação
emocional se associam com o sono dos indivíduos.
Apesar das limitações, este estudo procurou explorar as associações entre os construtos
de qualidade do sono, autocompaixão, autojulgamento e autocriticismo, oferecendo
dados relevantes sobre o possível impacto dos processos de regulação emocional em
adultos na qualidade do sono. Compreendeu-se igualmente a necessidade de existir em
contexto clínico, público ou privado, uma intervenção direta focada no tratamento de
indivíduos autocríticos, baseando-se no desenvolvimento da capacidade dos indivíduos
se autotranquilizarem, em situações que à partida possam ser ativadoras de
autocriticismo, focando-se em sentimentos de calor e compreensão pelo eu.
Referências
Amaral, V., Castilho, P. & Pinto Gouveia, J. (2010). A contribuição do auto-criticismo e
da ruminação para o afecto negativo. Psychologica, 52, 271-292.
295
American Psychiatric Association. (2013). Manual de Diagnóstico e Estatística das
Perturbações Mentais (5th ed., Texto Revisto). Lisboa: Climepsi Editores.
Castilho, P. (2011). Modelos de relação interna: Autocriticismo e Autocompaixão. Uma
abordagem evolucionária compreensiva da sua natureza função e relação com a
psicopatologia. Dissertação de Doutoramento em Psicologia, na área de especialização
em Psicologia Clínica apresentada à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
da Universidade de Coimbra.
Castilho, P. & Pinto Gouveia, J. (2011). Auto-Criticismo: Estudo de validação da versão
portuguesa da Escala das Formas do Auto-Criticismo e Auto-Tranquilização (FSCRS) e
da Escala das Funções do Auto-Criticismo e Auto-Ataque (FSCS). Psychologica,
Avaliação Psicológica em Contexto Clínico, 54, 63-86.
Costa, I. M. A. R. (2009). Trabalho por Turnos, Saúde e Capacidade para o Trabalho
dos Enfermeiros. Dissertação de Mestrado não publicada, Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra.
Gilbert, P. & Irons, C. (2004). A pilot exploration of the use of compassionate in a
group of self-critical people. Memory, 12(4), 507-516.
Gilbert, P., Clarke, M., Hempel, S., Miles, J. N. V. & Irons, C. (2004). Criticizing and
reassuring oneself: An exploration of forms, styles and reasons in female students.
British Journal of Clinical Psychology, 43, 31-50.
Neff, K. D. (2003). The Development and Validation of a Scale to Measure SelfCompassion. Self and Identity, 2, 223-250.
Rente, P. & Pimentel, T. (2004). A Patologia do Sono. Lisboa: Lidel – Edições
Técnicas, Lda.
Quinhones, M. S. & Gomes, M. M. (2011). Sono no envelhecimento normal e
patológico: aspectos clínicos e fisiopatológicos. Revista Brasileira de Neurologia, 47(1),
3142.
Thorburn, P. T. & Riha, R. L. (2010). Skin disorders and sleep in adults: Where is the
evidence? Sleep Medicine Reviews, 14, 351-358.
296
297
298

Documentos relacionados