pasquinadas - University of Illinois Urbana

Transcrição

pasquinadas - University of Illinois Urbana
LIVSARIA CASTIIHO
Rua
S.
Jas4 114-Teiephone 5466
c.
NO PRELO:
ife
A.
-*'
PASQUINADAS
CARIOCAS
POR
OF THE
OF ILLINOIS
AT URBANA-CHAMPAICN
LIBRARY
UNIVERSITY
869o9
T63v
1S20
Verdades Indiscretas
ANTONIO TORRES
VLRDflDES
INDISCRETflS
2^ edigao
Milhelro)
(5.«
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RIO DK JANEIRO
lilTBABIA CA8TI1.HO
A. J.
DE CA8TILH0 — Editor
RUA
S. Josft, 114
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3
^
V
Laisaea dire, laissez-vous bl&mer, conlalsaez-voitB pendre,
ni»ia pnbliez votre penaSe. Ce n'est paa
un droit, c'eat un devoir, etroite obligation de quiconque a une pena^e, de la
produire et mettre au jour pour le bien
commun. La veiite est toate k toua. Ce
que TOua connaisaez utile, bon k aavoir
dAmaer, empriaoner,
pour un cbacun, voas ne le pouvez taire
^n coQBcience. Jeuner, qui trouva la vaccine, etlt ete un franc acel^iat d'en garder
une heure le secret et comme il n'y a
point d'homme qui ne croie sea id^eea
;
utiles, il n'y en a point qui ne soit tenu
de les eommuniquer et rSpandre par tous
moyens k lui poasiblea. Parlor eat bien
;
mieuz; imprimer eat ezceliente
choae. Une pensee d€duite en termea courts
et dairs, avec preuves, documenta, ezemples, quand on I'imprime, c'eat un pamecrire eat
phlet et la meilleure action, courageuae
souvent, qu' homme puisae £fure au monde. Car, si votre pensSe eat bonne, on en
profite ; mauvaise, on la corrige, et I'ont
profite encore. Mais I'abua... sotiae que
mot ; cenz qui I'ont invents ce aont ceuz
qui vraiment abusent de la prease, en imprimant ce qa'ila veulent, trompant, calomniant et emp<gcbant de rep^fid^e. Quand
ila
ila orient centre lea pa^hleta
ont leurs raiaona admirabiea. J'ai lea miennea et vonrlraia qu'on en^t davantage,
que cbacun pubMt tout ce qu'il pense et
Lea jSauitea auaai criaient centre
salt
Paaeal et I'euaaent appele pampbletaire,
xoais le mot n'ezistait paa encore; ila I'appellaient tis&n d'enfer, la m^me choae en
atjlecagot. Celaaignifie toujoura un homme qui dit vrai et ae fait ^couter.
ce
!
Patjl-Lottib Cottbibb
Pamphlet des Pamphlets.
.V-
PREFACIO
Questdo fechada fez o editor de ter um
prefacio para este livro e eu, obediente como
costumo ser para com quern me falla branda*
mente, aqui estou a escrever o famoso prefacio,
posto que sem atinar muito nitidamente com a
;
menos ainda coma necessidade delle.
Com effeito, este livro e feito de coisas ha muito
tempo escriptas, sendo Ineditas umas, e outras
jd publicadas em jornaes. Si me perguntarem
por que altas razoes publico este livro, responderei que isto fago somente por me ter o editor
Ojfferecido comprar uma edigdo de folhas avulsas^ que eu por ventura tivesse dentro das minhas pastas e das minhas gavetas. Caso queiram saber o que penso do volume, direi que ndo
penso delle mais mal do que o que por ventura
possam pensar os meus mais encarnigados desaffectos. Dei-Ike o titulo de Verdades Indiscretas, embora ndo ignorando ser essa uma exutilidade e
pressdo pleonastica, pois quern diz verdades
commette sempre indiscregdo
linguagem
.
.
.
A
VIII
em
que o escrevi pode nao ser das mais primorosas, mas dots attributes ha que ninguem Ihe
poderd, sem manifesta injustiga, negar : sinceridade e franqueza. Escrevendo para ser lido
por homens, claro estd que, embora evitando o
termo vulgar, desprezo euphemismos e circumloquios sempre que a verdade me parece exigir
a expressdo clara, secca e por vezes rude. Nao
tenho, cuido eu, necessidade de dizer mais a
r^speito destas paginas, que
pobre de
mim, I
jamais cogitdra de dar d estampUy si
nao me houvera appctrecido um editor providencial e bastante tem^erario para adquiril-as
e imprimil-as. Deus o ajude e o publico o favorega, afi^n de que esse honrado e corajoso homem^y sem motivos para arrependimento, compre futuramente ao pobre escriptor o resto da
papelada que elle ainda possue nas gavetas e
—
—
no csrebro
.
.
.
Kio de Janeiro, 15 de setembro de 1920.
—
NOTA
i>ESTA 2.* EDipAO
O exito obtido por este liyro
ezemplares exgottados em qaioze dias, qaasi que s6 no
Janeiro)
nem
o
o esperava
aator, nem o adivinh^ra o
Rio de
editor. Eia porque sae agora a segunda edigao, Antor e editor
agradecem ao publico o apoio que Ihes t£m dado. Negta edi^&o
corrigiram-se erros tjpographicos que escaparam & revis&o na
primeira ; assim como tanibem e possivel qae erros n&o apparccidos na primeira surjam nesta. Una e outros mereoerfto indul(dois mil
gencia do
leitor.
A. T.
Z^-'Z^^-y-;
-.J>r'--'-
A' maneira
de Pangloss
Hontem, no cemiterio de S. Francisco
Xavier, tentou suicidaf-se um velho esculptor,
e deixou em carta os motives que o levaram a sahir volurttariamente die uma vida em
que entrou sem ser consultado, como toda
a gente
Depois de narrar hessa carta as
suas desditas, disse elle: «PArece que nesta
terra os vagabundos e os ladrdes t6m mais
garantia do que os homens hanestos.» HSto
parece, nao, senhor 6 c&tto. Ha uma solMariedade tao extraordinaria, tao perfeita enire
OS vagabundos e os ladrdes, que nao s6mente
elles t^m todas as garantias, como ainda sac
OS maiores pregadores de moral para os outros. E si tivermos a ingenuidade de quefer
resistir d matilha inirene, anriscamo-nos a ir
parar na Detengao, porque a policia e favora^
vel aos vagabundos e aos ladroes.
caso de
conflicto entre homens honestos e sujeitos de
.
.
.
:
Em
VERDADES INDISCRETAS
2
consciencia cauterisada, vencerao fatalmente
OS ultimos, si a policia for chamada a decidir
o pleito. De maneira que, em casos taes, a
solugao parece ser ou assentar praga de va:
gabundo, ou imitar o esculptor. Samuel Smiles aconselharia
o trabalho, o esforgo, a virtu-
Pedro Kropotkine talvez aconselhasse
meios violentos. Jesus Christo aconselharia
de.
O
Teixeira Mendes lembraria a
altruismo e a obrigagao de cada um ser virtuoso afim de concorrer para o triumpho do
regimen pacifico-industrial. Esses conselhos.
tern todos o defeito de ser muito solemnes.
Para nao ser esmagado pelos vagabundos e
ladroes, o melhor e ir-lhes cada qual cedenda
quanto for possivel do que contiver a sua bolsa»
rir-se
e, depois disso, fazer como Figaro
paciencia.
sr.
:
delles e de tudo, de peur cH en pleurer.
tes
tempos
infelizes.
.
Nesr-
.
o riso e o unico reducto dos
Vivera quem for capaz de rir. Nao se
trata aqui
tristes,
do
riso vulgar,
mas do
Pode um homem estar serio
e,
riso interior.
entretanto,
com
a alma desfeitaem risadas interminaveis. Esta
maneira de rir nao desopila o bago, mas con-
Ainda e a melhor maneira de
viver nestes tempos asperos nao se enthusiasmar pela grandeza da Patria, que p6de ser
instrumento nas garras de espertalhoes nao
sola o espirito.
:
:
A MANBIRA DB PANGI^OSS.
.
.
3
desesperar do future da Patria, porque esse
desespero tambem p6de servir de gazua para
espertalhoes de outro grupo. Rir para viver.
A vida nao e das coisas mais agradaveis, mas
tambem, por outro lado, talvez nao valha a
pen a morrer.
.
.
A
Gentileza Britannica
Appeteceis saber como os inglezes costumam communicar a um cidadao que elle vae
ser enforgado
Em
?
pleno tribunal, o lord-
chief Justice, imitado pelos outros tres juizes,
coUocou um quadrado de panno preto sobre
o gorro pardacento, e, refere um jornalista
Roger Casement,
muito amavelmente
parisiense,dirigindo-se a Sir
Ihe disse
:
«
— David-Roger Casement, lejury
a delibere sur votre cas et decide que
vous etiez coupable du crime abominable de haute trahison. La sentence
de la cour est que vous soyez pendu
par le cou jusqu'a ce que vous soyez
mort. Que le Seigneur ait pitie de votre
Em
ame
.
vernaculo, quer isto dizer
:
«
Da-
vid-Rogerio Casement, deliberaram os juizes
VERDADES INDISCRETAS
6
acerca de vosso caso e decidiram que sois reo
do abominavel crime de alta trahigao. E' i»entenga da algada que sejais enforcado pelo pesC090 at^ a morte. Tenha o Senhor piedade da
vossa alma »
Sem querer entrar no exame de meritis
que os
desta deeisao, devemos convir nisto
inglezes sao fidalgos quando tern de communicar a um cidadao que elle e um trahidor
e que como tal sera enforcado. Interessante
enaquelle (njusqud ce que vous soyez mort
forcado pelo pescogo ate a morte ». Isso revela o espirito pratico britannico. Quando se
«0 senhor vae ser enfordiz a um sujeito
ainda Ihe pode restar alguma especado »
ranga, ou de ser enforcado pelo p^, ou ainda
de viver, mesmo depois do carrasco Ihe
haver sapateado sobre o pesco90 mas os inglezes, que nao querem enganar a ninguem,
que fazem questao de lealdade ate a morte, dizem graciosamente ao reo: aMeu amigo
seu crime exige castigo exemplar o senhor
ate
vae, pois, ser enforcado pelo pesco^o
legislagao ingleza, sobre
morrer, note bem.
ser a mais liberal do universo, e tambem e por
isso mesmo uma das maissabias. Si, portanto,
julga necessario avisar ao reo de que seu enforcamento sera «ate morte», e porque, de
certo, isso e de necessidade provada pela ex-
—
—
—
—
;
—
;
.
A
.
.
A GENTILBZA BRITANNICA
periencia, ao
menos na
Inglaterra.
7
Quanto
^ mim,
essa clausula era inteiramente desne<:essaria. Por isso, 6 sabios juizes inglezes, si
algum
dia eu tiver de ser enforcado ahi na
Deus avertat!) podeis
perfeitamente supprimir na sentenga o « pelo
pescogoD eo aate amorte)). Basta dizer-me
«0 senhor vae ser enforcado». Nao precise
de mais para meu governo
livre Inglaterra ((juod
.
.
.
Litteratura
Hermista
Nunca sera demais insistir, em se tratando das poesias do sr. Hermes Pontes, na
necessidade de estudar, de emancipar o espirito de toleimas amorosas, na necessidade de
ser homem, de pensar como homem, de viver
como homem, de collocar o orgulho masculine
acima de ephemeras paixonetas, de levantar
a fronte para os sonhos grandes, de algaro coragao
pelas forjas de Vulcano!
acima das
mulheres Limite-se cada um a colhel-as elegremente de passagem, como fructos madunao sendo possivel, nesse
ros, si f6r possivel
caso, buscar outras, outras e mais outras, pois
mulheres nao faltam neste mundo.
Todo homem, e certo, tem na sua vida.
um momento em que a por9ao inferior de sei^
ser se rende aos amavios do sentimentalismOr
mas esse periodo, para homens de pensamento, passa. Passa, ou deve passar. Si nao
—
—
!
;
VKRDADES INDISCRKTAS
10
passar por si, compete a cada um dominar-se,
agarrar o coragao pelos ventriculos e subjugal o sem piedade encostal-o as paredes do
seu arcabogo como um adversario futil, um
;
troca-tintas piegas, e
que
elle
bradar-lhe, de maneira
nao tenha coragem de
replicar:
aAquieta-te, imbecil! Homem que nao tiver
for^a para tanto e indigno de pensar. Gastar
vida, papel e tinta a ruminar velhas magoas
amorosas, como no tempo do fallecido Casimiro de Abreu, pode agradar a meninas anemicas, avatares de Mimi e de Margarida Gautier;
mas nao pode absolutamente commover
a espiritos serios e a coragoes graves. Escriptor que tiver nas costas esse crime deve penitenciar-se, afastar-se
quanto antes dessa via
mala perditionis e entrar nos caminhos da
contemplagao, do pensamento, das exaltagdes
masculas deante da Vida, procurando-lhe novas interpretagoes ou assimilando as antigas
e cantando-as em versos que as meninas de;
testam mas a Immortalidade recolhera nas dobras da sua clamyde. O sr. Hermes Pontes,
em vez de procurar abeberar-se nas Castalias
antigas a nos legadas pelos espiritos immensos, que forjaram todo o pensamento contemporaneo, dobra-se para dentro de si s6, convencido de que s6 por si p6de encontrar em
I^ITTBRATURA HKRMISTA
si
motivos
d'arte.
11
Esta provado que isso nao e
possivel ...
Quando sae de si e para mastigar magoas iterativas, isto e, magoas que se repetem
numa monotonia de velhas traquitanas subindo morros em cremalheiras. Percorra-se o
seu ultimo livro Miragem do Deserto. E' urn
deserto sem miragens nem oasis. Si salvarmos
Buena Dicha, Nevoa
Crepusculo,
e Attracgdo
do Abysmo, quatro composigoes soffriveis, o
um desastre rimado. Nem
estructuraharmoniosa do verso, nem imagens
poeticas, nem elevagao de pensamento, nem
toques de sensibilidade, nada que se deva rigorosamente exigir no livro de um poeta que,
ao seu apparecimento, foi saudado como um
resto da brochura e
heroe.
C^o monotono
Entre
um
e o areal
barbaro mar e
Como se
mos um areal
sem termo,
uma
insert©,
terra selvagem.
na primeira pagina, teainserto)) entre um mar e uma
terra. E' patente, tratando se de uma idea
vasta, a impropriedade do verbo inserir
Nao se insere um areal entre a terra e o mar
como
v^, ja
se insere
nicado e
inseriu
um
um
mal o pobre
um commuHermes Pontes
artigo entre
annuncio.
O
areal.
sr.
VERDADES INDISCRETAS
12
Subi aos cumes e ao planalto,
para eximir-me
do meu peccado original
Onde
estd a poesia destes versos
Entao
?
um poeta sobe aos cumes para «eximir-se»
do peccado original? Isto nunca foi linguagem de artista isto e linguagem de funccionario publico. Si o sr. Hermes Pontes, no
exercicio de seu cargo de praticante dos Cor;
reios, requeresse inquerito administrativo para
eximir-se da responsabilidade de quafquer
delicto por ventura havido na sua sec9ao, faria
muito bem; e melhor faria ainda si deixasse
de escrever, para eximir-se da responsabilidade de tao maus versos.
Quern e Chopin para o sr. Hermes Pontes
?
E' o Reflector-sonoro do gemido
a debater-se contra o cdes
U' o Interpretador do Arrulho e do Rugido,
Que entende o corafao inentendido
De todos OS tres Reinos Naturaes.
Do Mar
Chopin
€ o
deus-mendigo, soberano
Das grandes almas sobrenaturaes
;
E' o escaphandrista magico do oceano
Das Tristezas, das Scismas e dos Id^aes.
O' quintessencia harmonica do Ruido
O' Bramido O' Gemido
.
.
!
!
Nao
immensa Nao
Pobre Chopin
melancolia
!
!
!
Ihe bastava a sua
Ihe bastava ter tido
I,ITT«RATURA HBSMISTA
13
a desgraga de ser amante de George Sand
Faltava-lhe ainda soffrer a injustiga de ser tachado de areflectora e «escaphandrista» pelo
sr.
Hermes Pontes! Francamente, Chopin
Mar-
tinha motives profundos para escrever a
cha funebre
,
.
.
A verdade e que esta Miragem do Deserto, quando nao e uma lamuria viscosa em
torno de raparigas voluveis, parece um pamphleto metrificado contra os grandes homens.
Visao de sabio, olhar de Medio, olhos de orago,
Vede que a natureza em madrasta se esfez
Ao por Beethoven surdo, e Desmosthcnes sfago,
E Milton c^go, em meio ao torvelhinho inglez
E
E
E
—
o Poema.
o c^go viu o que nao ve qualquer
o surdo ouviu o que ningucm de outrora ouvia.
o &rego declamou a Eloquencia Immortal
.
.
I
Exactamente
E
por causa de tudo isso
o poeta escreveu prosa rimada, Satis loquentiaSy sapientiae parum. Muito loquela para nao
dizer grande coisa. E' impossivel, porem, citar
tudo quanto e prosa neste livro de versos.
Salvo as excepgoes ja apontadas, seria necessario citar todo o livro, principalmente a parte
sentimental, em que ha verdadeiras comichoes
de vulgaridades e chatices
o que, ate certo
ponto, e natural, poise impossivel hoje emdia
fazer versos amorosos sem cair de quatro pes
no atoleiro bituminoso das expansoes sedigas.
!
—
14
VERDADKS INDISCRBTAS
Por isso e melhor nao os escrever; ou, quando
nao seja possivel deixar de escrevel-os (diz
Horacio que certos sujeitos, si nao puderem
versejar, enlouquecem
aut insanit homoaut
versus facit), nesse caso fagam presente delles
as namoradas, mas pelos cornos de Satanaz
nao OS publiquem Raios nos partam, si um
•homem, attingindo a certa idade, nao tiver
obriga^ao de curar-se de toleimas lyricas. Nem
me venham dizer que Victor Hugo envelheceu a fazer versos de amor. Isso era muito interessante no tempo delle, que appareceu em
1830. Hoje OS poetas, quando nao sao deputados, causidicos e tabelliaes, envelhecem a
pensar coisas graves e bellas, como o grande
Verhaeren. Ja e tempo de sanear o campo litterario, alimpando-o dessa malta chorosa e
menineira de Macieis Monteiros
—
!
.
.
.
Moeda falsa
e paradoxo.
.
O homem do dia e um certo Albino Mencom grande estardalhago policial,
hontem, preso como fabricante
chegOQ
aqui
de moeda falsa. De todos os crimes, e o da
des,
que.
moeda falsa o menos antipathico, pelos menos
para nos outros que nao dispomos de capitaes
sujeitos a concorrencia da moeda nao autorisada por lei. Comprehendo perfeitamente que
OS capitalistas tenham ao moedeiro falso o
mesmo santo horror que tem os padres aos herejes, o mesmo horror profissional que t^m os
medicos aos charlataes, o mesmo odio que t^m
OS verdadeiros escriptores aos plagiarios, a
mesma raiva que t^m as senhoras casadas as
mulheres de vida alegre. Tudo se resume em
afastar concorrentes
O odio do padre pelos
herejes provem menos do zelo pela salvagao
das almas do que do desejo de afastar um concorrente na lucta pela vida. Si os medicos
perseguem os outros charlataes, e mais porque
OS charlataes desviam dinheiro da sua bolsa
.
.
.
16
VKRDADES INDISCRETAS
que por amor a vida do seu semelhante
bradam ds armas contra o.s
temerem que estes vendam
mais livros do que elles. Si, finalmente, as muIheres casadas detestam as meretrizes, e menos por espirito de pureza do que por amor
<io
Si OS escriptores
plagiarios, e por
proprio offendido e tambempor temerem cerA Societos prejuizos de caracter intimo
dade considera amor legitimo o casamento.
Tambem so considera legitimo o dinheiro que
leva a assignatura autbentica do poder publico;
de onde decorrem,para ella, o devere o direito
-de perseguir, por meio de certas autoridades,
OS individuos que tern bastante intelligencia
para imitar a moeda autorisada pelo Estado
Ora, OS falsificadores de moeda estao para a
Moral assim como as meretrizes estao para o
Amor. Ha individuos eminentes que se revoltam contra o amor em familia e nem por isso
sao perseguidos. Como entao perseguir os que
se revoltam contra a moeda autorisada? Si nao
perseguem as prostitutas, que sao revoltadas
contra o amor autorisado pelo Estado, porque
perseguir os que se revoltam contra o dinheiro
autorisado pelo governo ? Tolerar mulheres
que (na opiniao da Sociedade) falsificam o
amor, e crime um pouco maior que tolerar
.
homens que
falsificam
.
.
moeda. Portanto, met-
ier na cadeia os moedeiros falsos, porque cor-
MOEDA FALSA E PARADOXO ...
17
Tompem o
dinheiro, e nao metter egualmente
na cadeia as mulheres que corrompem os co-
ragoes,
O crime capital dos
enganar o proximo, dan-
e incongruencia.
moedeiros
falsos e
do-lhe dinheiro falso, para, dest'arte, viver a
custa da collectividade, sem auxilial-a com o
seu trabalho. As meretrizes tanibem vivem de
illudir o proximo, dando-lhe falso amor, nao
trabalhando, vivendo parasitariamente, e,
mais, disseminando calamidades e fugindo a
finalidade da mulher, que e a maternidade
Como, pois, explicar que se deixem em paz
as cortezas e se persigam os moedeiros falsos.^
E' que a Sociedade nao e sentimental, mas
puramente interesseira em vez de cultivar o
amor prefere cultivar a avareza. Os artigos
do Codigo que perseguem os moedeiros falsos foram inspirados por Harpagon. Uma das
faces mais curiosas da psychologia humana e
-esse respeito pelo dinheiro, a que nao escapou o proprio Jesus Christo. No dia em que os
j udeus Ihe apresentaram uma moedacom a effigie de Cesar e Iheperguntaram, com segunda
intengao, si era permittido pagar tributo ao Romano, elle, o pobre, o abnegado, o desprendido, o desprezador pratico do dinheiro e reformador da natureza humana, respondeu que era
dever dar a Cesar o que era de Cesar e a Deus
o que era de Deus Reddite ergo qucs sunt
;
VERDADES INDISCRETAS
18
Casaris Ccesari et qucB sunt Dei Deo
Elle teve piedade da adultera perdoou a Magdalena condemnou o divorcio teria perdoado ao proprio Judas si o trahidor Ihe ti vesse
pedido perdao enfrentou o poder dos tetrarchas, a majestade dopovo romano, o orgulho
do Synhedrio e a crueldade dos supplicios
proclamou-se Deus deante de Jehovah e de
Mas deante da moeda
Jupiter Capitolino
sonante, deante do dinheiro, do aureo dinheiro
que elle desprezava, do omnipotente, do invencivel dinheiro que Cesar extorquia a seus
.
.
.
;
;
;
;
!
patricios, Christo
nao tergiversou
:
mandou
Dizer que elle o fez
dar o dinheiro a Cesar.
por medo e estulticia, porque a sua attitude
ulterior provou que elle nao temia nem astorturas nem a morte. Como explicar entao que
Jesus Christo tenharespeitadotantoapropriedade, embora decorrente de actos de tyrannia
que deviam repugnar a sua natureza misericordiosa? Si elle era apenas homem, o facto
se explica facilmente pela sua nacionalidade
de judeu si, porem, elle era realmente Deus,
nesse caso entramos francamente no dominio
E aqui, insensivelmente, chedo mysterio.
gamos a umacuriosa conclusao a Sociedade,
com todaasua hypocrisia, fechando os olhos
d prostitui9ao e perseguindo os moedeiros falsos, nao faz mais que imitar a Jesus Christo
.
.
;
.
.
:
Zodiaco
A critica ja
que se podia dizer do
Zodiaco, livro de versos do sr. Da Costa e
Silva. Toda a imprensa ja o elogiou e justamente. O sr. da Costa e Silva sabe trabalhar
o seu verso. Conhece a sua lingua avisrara
in terra aliena. Tern o sentimento da medida
e exprime-se com clareza. Evita trope90S e
pedrougos que costumam desfeiar livros de
poetas alias apreciaveis. O seu livro esta cheio
de aliteragoes e sonancias que sao novidades
para o nosso idioma. Aprendeu-as o poeta,
sem duvida alguma, em Emilio Verhaeren
disse o
£^m altos brados desvairados,
Passam os ventos nos descampados,
As avalanches em turbilhao,
Imprecando, bramando, solujando,
Num coro formidando,
Pela amplidao.
Toda
esta Ventania,
que e trabalho de
VERDADES INDISCRETAS
20
cheia de repercussoes verhaerenianas. Por vezes, o amor a musica e a tortura da onomatopea sans en avoir lairidjL^xxx
o poeta deslisar num vicio a que os gramma-
'fino lavor, esta
chamam collisao, e vem a ser a repetigao
frequente da mesma consoante /«r^ obter cerios effeitos onomatopaicos.
ticos
Exemplo, tirado do Redemoinho :
De
repente
O redemoinho
E desenvolto,
No
Do
No
rapido, revolto
volteia, envolto
vortice envolvente
p6 que sobe sacudido, solto
aereo ambiente.
Como se ve, e uma simples e pura logomachia. O sr. Da Costa e Silva e antes de
tudo um descriptivo ! Quanto seria preferivel
que elle fosse mais subjectivo ! E elle o podeEscalada,
ria ser muito mais, si o quizesse.
Vertigem dizem
Nature za Sofffredora e
bem alto da sua f6r9a emotiva. Nessas composigoes e que ha verdadeira poesia^ isto e, emogao traduzida por imagens que nos deixam entrever uma personalidade que vibra
deante do espectaculo do mundo. Rythm&s
da Vida, Imagens da Naturesa, Poemas da
Flora, Poemas da Fauna, Minha Terra e
alguns poemas de outras divisoes do livro sao
como OS poemas symphonicos do maestro
A
A
21
ZODIACO
Nepomuceno admiraveis
:
technicas vencidas,
Em
mas
pelas difficuldades
frios e
inemotivos
resume mais bemfeitos do que propria^
mente bellos. Os aspectos da Natureza que nos
apresenta nelles o sr. Da Costa e Silva chegam
ate nos inanimados como si nos fossem dados
:
por pelliculas cinematographicas. Levada
pelo seu horror a pieguice, suppondo que a
alma de um poeta nao nos interesse, elle im«
pessoalisa-se demasiadamente. E' um erro.
poeta vale justamente pelo bocada
d'alma, da sua alma, que elle for capaz de traduzir em imagens. O essencial e que essa
Um
alma seja elevada.
Tem-se estranhado que no livro ao sr.
Da Costa e Silva nao haja uma palavra para
a Mulher. Isso revela, a meu ver, uma face da
superioridade intellectual do poeta. Provavelmente (e nisto estamos de accordo) elle esta
convencido que a mulher e um thema gasto
Ja inspirou o que podia. Ja deu o que tinha de
dar.
mundo, isto e, o ceo, as aguas, as
montanhas, as florestas e todos os animaes
(menos a mulher) e que ainda podem offere.
.
O
cer ao poeta motivos d'alta contemplagao
Sob
estes ceos azues e escampos, sob este sol
no meio desta vertigem de c6res, 6
impossivel espiritualisar uma mulher. Temos
de cahir fatalmente na sensualidade pura. Ora
canicular,
VBRDADES INDISCRBTAS
22
a sensualidade nao p6de ser motive de poesia
verdadeira. Zarathustra, na primeira parte do
seu livro diz
(cAmo a floresta. E' difficil viver nas cidades, onde sao muito numerosos os que
estao no cio.
«Nao
um
e melhor cahir entre as garras de
do que nos sonhos de uma mu-
facinora
Iher ardente
«E
?
homens: oseu
olhar o testemunha
nao conhecem nada melhor no mundo do que deitar-se com uma
olhae, pois, para esses
—
mulher.
tem lama no fundo d'alma e ai
delles si a sua lama tiver espirito!
«Si ao menos fosseis uma besta perfeita,
mas para ser uma besta e preciso ter a inno«Elles
cencia
« Aconselhar-vos-hei eu extinguir os vossos sentidos? Aconselho-vos a innocencia dos
sentidos.
Assim
falava Zarathustra.
Mas comoche-
gar a ter a innocencia dos sentidos sob a ac9ao
de um clima que a todos os momentos nao
convida a outras attitudes sinao as da sensualidade? Naturalmente frio, impassivel por indole (e a objectividade exaggerada dos seus
versos oprova exuberantemente), o sr. Da
Costa e Silva nao podia ser um exaltado
ZODIACO
23
deante da mulher. Como Zarathustra, elle sabe
por instincto que a exaltagao deante da mulher e signal de pouco saber. <(E como sabemos poucas cousas, diz Zarathustra na segunda parte, amamos do fundo do cora9ao ospobres de espirito, principalmente quando sao
mulheres mogas.» Assim falava Zarathustra e
assim e que pensa provavelmente o sr
Da
Costa e Silva. Porque censural-o por tal? Deixemos que o censurem as mulheres
.
.
.
.
A
castidade do nu
Assistindo hontem a exhibigao de uma
Castidade, notava quanto ainda estavamos longe daquella ingenuidade grega que
em Sparta permittia a rapazes e raparigas, inteiramente nus, participar de jogos gymnasticos. Nao nos esque9amos de que gymnos
quer dizer nu. A fita a que alludo e tudo
quanto ha mais simples e puro. Tanta pureza
chega a ser ate monotona, dessa monotonia
de templos protestantes, brancos e desnudos,
a mais alarmante das formas de monotonia at6
hoje inventadas. Entretanto, antes de exhibirse a fita, foi necessario submettel-a a alta e
esclarecida apreciagao da policia, que e, entre
fita,
chamada a proferir
o seu veredictum em materia de esthetica. Felizmente a policia, segundo parece, nao achou
indecentes zs poses plastiques de Miss Andrey
nos, a ultima autoridade
Munson
VBRDADES INDISCRKTAS
Hb
Para se ter idea da forga dos preconceide que estamos todos imbuidos,
basta dizer o seguinte: Miss Musson, que se
apresenta candidamente nua, nuncada a frente para o espectador; esta sempre de costas;
ou quando muito, de perfil
Ora, senhores, eu nao sei si a parte trazeira de umamulhersera mais casta do que a
dianteira
Restos ainda de preconceitos, os
mesmos preconceitos que nos fazem nao corarmos deante de um pirralho nu, mas nos
obrigam a disfar9ar e olliar para outro lado,
si e uma menina de dois annos.
Uma vez que o corpo seja bello e esteja
€m attitudes castas, qualquer das suas faces 6
digna de ser vista por quern quer que seja
Naturalia non sunt turpia
A educagao catholica, baseada em preconceitos quasi bi-millenares, incute no nosso
^spirito que a idea de nudes e identica a de
immoralidade. Ora, antiquissimos canones,
do tempo de Santo Agostinho, diziam que o
«corpo humano e a maisbella das creagdesde
Deus.» Mas a reacgao do christianismo contra o mundo romano inspirou a seus proselytos o horror pelo nu, como por tudo que constituia a serenidade olympica da Belleza anti^a. Os christaos ricos, depois de dar os seus
haveres aos pobres, com estes se nivelavam:
tos christaos
!
.
.
.
.
.
.
A CASTIDADB DO Vt
27
e todos, ligadospelo mesmo ideal de salvar a
sua alma derrubando os idolos, vinculavam-se
no mesmo horror inconsciente pela nudez e
pelos banhos.
Quebravam-se
phitheatros;
idolos; destruiam-se
am-
derribavam-se altares; incinera-
vam-se pergaminhos; democratisava-se o mundo. E como as thermas eram os logares em
que homens e mulheres se reuniam para tomar banho e ser friccionados com perfumes
da Arabia e toda sorte de unguentos preciosos do Oriente, os christaos derrubavam as
thermas. certos de que exterminavam focos de
perdigao, mal sabendo, na sua cegueira de
illuminados, que o exterminio de cada um
desses f6cos de perdi9ao do espirito traria a
abertura de um foco de pestillencia para des-
^md prodest hodo corpo. Mas
munduin nniversum lucretur, anima
vero sua detrimentum patiaturf A philosophia da iMiTAgAo de Christo e o reflexo
daquelles tempos barbaros ...
A Renascenga reagiu contra esses preconceitos. Em Franca chegaram a abrir-se banheiros publicos onde homens e mulheres se
banhavam mis. Mas veio a contra-reac9ao do
Grande Seculo, e tudo recaiu no que era anteriormente. Tanto assim, que, nas vesperas da
Revolu9ao Franceza, raras eram, em Paris, as
truigao
mini
si
.
.
.
VERDADES INDISCRETAS
28
damas da
aristocracia que tivessem banheira
no seu gabinete de toalete
1
Hoje
ja existe por toda parte
uma
pro-
semelhantes preconceitos. A Allemanha, a barbara Allemanha, que
esta sempre na vanguarda de todas as campanhas civilisadoras, da o bello exemplo de luctar contra isso com esse enthusiasmo e com
essa disciplina de que ella tem o segredo. O
lago de Wannsee, nos suburbios de Berlim,
e um freibad, banho popular onde se encontram diariamente rapazes e mo9as, de calgoes
justinhos, folgando na agua, como tritoes a
ficua reac9ao contra
porfiar
com
as
nymphas
Mais ainda, o
.
.
.
Kuster, velho medico
e conselheiro intimo de medicina, fundou em
Berlim, em 1909 a sociedade dos amigos da
dr.
o Freya-Bund, que defende o direito de
andar nu. Essa sociedade possue uma revista
lu2,
Der Licht-Freund, e um terreno rigorosamente fechado, nos suburbios de
Berlim, onde os associados de ambos os sexos passam diariamente algumas horas completamente nus, jogando tennis, criquet^ etc.
interessante,
Nao e qualquer pess6a admittida como socio;
para tanto, o candidato sujeita-se a minuciosa syndicancia sobre a sua vida, os sens habitos, o seu caracter, os sens antecedentes moraes, etc.E' precisoserhomem, ou mulherde
A CASTIDADE DO NU
29
incorruptivel moralidade para poder andar nii
e ser socio do Freya-Bund. As vantagens hygienicas e espirituaes desses exercicios de nu
ao ar livre sao extraordinarias e indiscutiveis.
Ainda estamos longe de poder fundar
uma sociedade nesses moldes. Os nossos rapazes sao facilmente inflammaveis e mal educados para formarem uma sociedade como a
do dr. Kuster. Alem disso os nossos preconceitos, nesse sentido,sao ainda muito vivos.
Em
compensagao, as meninas vao ao cinema
ver umas detestaveis prostitutas como Pina
Menichelli, umas repugnantes tuberculosas
como Francesca Bertini, e leem as frioleiras
hediondas de Marcel Prevost e as baboseiras idiotas de
Madame Gyp
.
.
.
^
O
Bacillus Lyrlcus
Chamo
a attengao dos poderes competentes, devidamente representados pelas repartigoes encarregadas de combater endemias
nocivas ao desenvolvimento da raga, para a secular endemia lyrica que amenisa a nossa juventude. Emquanto as nossas profissoes remuneradoras definham por falta de bragos^
cretinisados pela
j ovens patricios, atrazados,
absorpgao lenta de Casimiro de Abreu (intoxicagao feita atravez de muitas geragoes de
poetas amorudos e trovadores imbeds); retardados no seu desenvolvimento d'homens;
dissorados naquelles centros do psychismo
superior em que se forjam as complexas armas
espirituaes, merce das quaes se affirma a dignidade masculina, ou seja
a soberania da
macho sobre a femeada sua especie; jovens
patricios dao aos seus contemporaneos o deprimente espectaculo que e um grupo de pe-
—
VERDADES INDISCRETAS
32
quenos animaes dominados por uma especie
de cio choroso e amulherado, sem coragem de
affirmar-se perante o objecto de seus desejos
sinao por meio de estrophes plangentes, de
timbre obsolete e accordes infantis, versos sem
virilidade, gemidos de emasculados e ais poeticos que estariam ao alcance de qualquer eunucho do Sultao, si aos eunuchos dado fosse
commetter o desaforo de rimar versos a raparigas
Esta nos casos o sr. Guilherme de Almeida, poeta paulista, que acaba de dar a estampa um volumezito de versos que tem o
tituio melifluo e lambisgoia de
Nos. E' a
historia massante e frivola dos amores do
poeta e uma rapariga qualquer. Litterariamente sao versinhos bem medidinhos e chochinhos, sem uma so idea, sem nota emotiva,
sem nenhum arranco para ospincaros do ideal,
sem signal desses impetos luminosos que
arrastam uma alma para as espheras altos e
grandes em que as estrophes de um poema
esvoa9am como fagulhas que rastream de aurifulgencias todo o espago
Ora,
uma
.
.
.
vez que nao se pode dizer nada
novo acerca do amor, para quepublicar
tao anemicos?
livros
O
B4CII.I,US I,YRICUS...
33
Quando, velhos e tristes, na memoria
Rcbuscarmos a triste e velha historia
Dos nossos pobres cora95es defunctos,
Que estes versos, nas horas de saudade,
Prolonguem numa doce etemidade
Os poucos mezes que vivemos juntos.
Em
a
que e que interessard a humanidade
dos beijos, abra90s e correlatas paque o poeta e sua amada fizeram juntos? Dirao talvez que esse amor e um desses
sentimentos candidos que pov6am de illusoes
loda uma adolescencia e projectam claroesate
para alem da edade madura. Mas isso mesmo
nao desperta interesse a nenhum espirito serio. Nao digo novidade nenhuma, affirmando
que taes sentimentos puros lyriaes sao, na
sua essencia, a mesma vibragao dynamica que
leva um jumento a correr um dia inteiro pelos prados atraz da sua femea, e transfigura
historia
tifarias
um cavallo,
eri^ando-lhe a crina, tornando-lhe
o pello reluzente, dilatando-lhe as narinas, fazendo-o nitrir, pondo-o d'olhos accesos como
<:arbunculos em brasa, vibratilisando-lhe todos OS musculos, que adquirem malleabilidade
laminas d'a90, quando o seu lan9arote o
contacto com egua de boa raga. Ora.,
collocados em paralello os amores do cavallo
e OS amores humanos, os doicavallo sao muito
<ie
poe em
V^RDADES INDISCRETAS
34
mais bellos do que os namoros de poetinhas
que nem ao menos tern coragem para affirmar-se perante as suas dulcineas.
Sonhamos
.
Quando um
dia eu for velhinho
Hei de encontrar-te velha no caminho.
E juntos, cambaleando, aos solavaucos,
N6s levaremos, pela tarde calma,
Toda uma primavera dentro da alma,
Todo um inverno de cabellos brancos.
.
.
Francamente, e ou nao e infinitamente
mais interessante o cavallo? O cavallo, quando Ihe chega o tempo, ama, simplesmente,
animalmente, bellamente, como sedeve amar
quando se tem boa saude e prazer de viver.
Ama e nao faz versos. Ninguem que se preze
vae dizer a sua diva que algum dia hao de andar cambaleando e aos solavancos pelas
tradas,
como quem
volta d'alguma farra
es-
bem
regada a zurrapa e alimentada a tremogos.
Vaes lendo. E, emquanto a tua mao folheia
O livro, eu vejo que, de quando em quando,
Estremecendo, sacudindo, arfando,
Teu corpo todo num
delirio anceia.
Mas, senhores, tudo isto e vulgar. Qual-^
quer costureira esperta esta sujeita a semelhantes accidentes. Toda a gente esta mais ou menos farta de saber que uma rapariga quando
anda de amores com qualquerrapazelho (uma
O BACILLUS LYRICUS.
vez que
em
.
35
.
casa Ihe faltem os paes
com o cor-
sempre alguns livritos que Ihe empresta o seu namorado. No
caso vertente, quero dizer, no caso da rapariga que anda enrabichada pelo poeta, si ella^
durante a leitura, estremece, sacode-se, arfa e
tern o corpo todo a delirar, como diz elle na
sua algaravia de collegial cheio de sentimentalismo, ja se sabe o que a rapariga estara a
ler em extase: si nao for Les Uemi-Viergbs,
do imbecilissimo e engenheirissimo Marcel
Prevost, sera com certeza aquella scena do
Primo Basilic, em que Ega de Queiroz nos
mostra o canalha do romance, durante as extravagancias com a prima, na equivoca e supercivilisada posigao de quem se levanta de estar de joelhos, ainda meio incendiado,alisando
OS bigodes e lambendo os beigos.
Felizmente, ahi pelo meio do volume^
da- nos o poeta a grata nova de que a rapariga
se foi embora.
rective moral
do chicote)
le
.
.
Quiz dar-te mais tu nada mais quizeste,
Pelo bem que te fiz pade90 agora
A saudade do mal que me fizeste.
:
A la
Tera
bonne heurel
A rapariga safou-se
bem? Certo. fez bem a si propria,
sem o querer, grande malao poeta e
feito
mas fez,
is letras patrias. Ficamos sabendo que a vida
36
VKRDADBS INDISCRETAS
de ambos era assim uma especie de vida de
canarios em viveiro
:
Kra assim era beijo sobre beijo,
AbraQO sobre abra9o.
Um s6 desejo
Nunca tiveste que nao fosse o meu.
:
.
.
O mal do joven rimador paulista foi supper ter descoberto a polvora quando beijava
e abragava a sua bella Rosina. Considere o
sr. Guilherme de Almeida que os amores de
toda a gente sao perfeitamente eguaes aos
E' sempre assim: beijo soseus amores.
.
.
le reste
bre beijo, abra^o sobre abrago e.
esse respeito nao ha mais
en consequence.
novidade alguma. Tudo quanto se p6de fazer
em materia de amor ja esta feito, E, si o sr.
Guilherme de Almeida f6r capaz de inventar
acerca deste particular algum prazer novo,
pode tirar patente de invengao e garanto-lhe
que tera estatua ao lado dos maiores genios
da humanidade. Apenas com uma condi9ao
nao fazer versos molhando a penna em agua
.
.
A
fl6res de laranjeira assucarada, como o
mallogrado cretino Casemiro de Abreu, cuja
alma tenha Satanaz sempre entre os cornos...
de
paradoxo legal
Olympia do Oriente e uma senhora que
mesmo tempo como
Um destes dias, porem,
a policia visitou o escriptorio de Olympia, a
rua da Assemblea, onde nao encontxou nem
tesouras, nem fazendas finas, nem f6rmas de
chapeo, nem manequins. Em compensagao
encontrou um baralho de cartas de tirar a sor-
se tern annunciado ao
cartomante e modista.
um gallo e uma figa ... A policia empalmou o baralho, o gallo e a figa «instrumen-
te,
tos
de superstigao))
haver ganho o seu
—
— e sahiu convencida de
dia.
Olympia, consideran-
do a sorte do baralho, do gallo e da figa, e
nao possuindo infelizmente outra figa maior
para offerecer a policia, achou mais prudente
requerer habeas-corpus preventivo
o que
fez. Ojuiz pediu informa9oes ao Chefe de
Policia, que Ih'as deu logo, minuciosas e terminantes. O principal argument© em que o
—
38
VBRDADES INDISCRBTAS
Chefe de Policia
se
estriba para
perseguir
Olympia e «principalmente a aprehensao de
cartas e objectos de
superstigao que arreca-
dou, como o gallo, a figa, etc.* (Textual).
Ora, senhores, o dr. Aurelino, perseguindo
as cartomantes, e muito mais antipathico do
que o cardeal de Torquemada quando fazia
queimar herejes, judeus, criminosos politicos,
bruxas nos
feiticeiros, adivinhos, bruxos e
quemaderos das Hespanhas. O cardeal de Torquemada, o Conde de Tolosa, o Geral dos
Dominicanos, Mestre Conrado de Marpurgo
e Sua Santidade o Papa perseguiam a superprincipio
stigao em nome de um principio
—
—
egualmente supersticioso se oquizerem mas
sempre um principio. As Constituigoes Apos-
eram perfeitamente logicas perseguindo nigromantes, cartomantes, etc.. A Constituigao da Repnblica, nao. O art. 167 do Codigo Penal Brasileiro e que e uma excrescencia na legislagao republicana. Ou aRepublica
tolicas
reconhece officialmente uma seita religiosa e
entao pode perseguir as outras seitas e as superstigoes congeneres em nome da seita official (o que me parece perfeitamente licito), ou
entao nao reconhece officialmente nenhuma
seita e nesse caso tem de cruzar os bragos
deante de todas. Perante a logica e a razao
O PARADOXO LEGAL
um
liumana,
crucifixo,
de milagres,
<:onsolo e
39
como instrumento de
naotem a menordiffe-
uma figa. O que faz o crucifixo set
<iifferente de uma figa 6 a devo^ao de cada
um. Objectivamente, o crucifixo e a figa, como
instrumentos de religiao, identificam-se. Eu
reiiQa
de
admitto e respeito o crucifixo,
pequeno me inculcaram essa
porque desde
crenga;
tambem,
intimamente, nao deixo de ter certo respeito pela figa, que nos livra de muita coisa
ci,
inexplicavel
.
.
.
Como
o
dr.
Papus, creio
em
tudo quanto nao vejo e respeito tudo quanto
dgnoro
Ha individuos que nao se ajoelham
deante de um crucifixo, mas tremem deante
de um gallo e cobram animo deante de uma
figa. Agora pergunto eu
a Republica, que
nao admitte officialmente o crucifixo, pode
perseguir officialmente a figa? Creio que nao.
A figa so pode ser perseguida em nome do
crucifixo catholico, do crescentilunio mussulmano, etc.. Persigo em nome da sciencia?
respondera a Policia. Perdao! Que sciencia ?
As sciencias exactas? O Estado nao tem nem
p6de ter preferencia por sciencia alguma. Livre e o ensino; liberrimas, as opinioes. O
art. 157 persegue o espiritismo em nome da
sciencia, ji que o nao pode perseguir em no.
.
.
:
—
—
VKRDADES INDISCRKTAS
40
me
da Religiao. Nao o pode perseguir absoHa muita gente que considera o-
lutamente.
uma sciencia. O espiritismo 6, a.
meu ver, uma seita religiosa; portanto so pode
ser perseguido em nome de outra seita. Scienespiritismo
cia e
razao;
religiao
p6de perseguir uma
da
sciencia,
porque
e
sentimento; nao se
seita religiosa
isso
seria
em nome
condemnar
o~
sentimento em nome da razao. Eu nao defendo o espiritismo da rua Rudge, nam a figa.
de Olympia do Oriente. E' razoavel que o Es-^
tado, sendo o mais forte, persiga o espiritismo e a figa, que sao mais fracos. O que, porem, se deve exigir e que o Estado se faga
frade para poder perseguir com justiga e logica. Que e superstigao theologicamente? Supersti^ao e o facto de attribuir alguem a certas causas certos effeitos nao proporcionados
com as causas a que sao attribuidos. Attribuir,
pois, a uma figa o poder de inspirar paixaoou de livrar de quebrantos e uma superstigao,
que a policia persegue; mas nesse caso porque nao persegue tambem os que ajoelhanv
deante de uma cruz afim de pedir allivio para,
as almas do Purgatorio ? Perante a Sciencia,
que parece ser o sustentaculo da policia, ha.
tanta rela9ao entre uma figa e uma paixao,
como entre uma cruz e as almas do Purgato^
d PA.RADOXO h^Gkl,
41
entes cuja existencia nao esta scientificaprovada, experimentalmente demon
strada. Nao protest©, portanto, contra aperse-
rio,
itiente
guigao; saliento apenas a falta de logica policial,
aponto a incoherencia republicana.
Homens e abelhas
Escrevendo La Vie des Abeilles, fez
Maurice Maeterlinck um verdadeiro poema em
torno da vida dessas « castas bebedoras deorvalho
elle.
chastes buveuses de roseey),
Nao
ha,
em
como
diz
todo o genero animal, entes
que mais humilhem os homens. Ja nao me
re-
ao facto das abelhas so produzirem mel,
ao passo que os homens, ordinariamente, s6
distilam fel. O extraordinario, incomprehensivel nas abelhas e a sua abnegagao. Quando vemos um enxame abandonaruma colmeia e suppomos que sao as novas abelhas que vao para a
Vida,enganamo-nos.E' justamente o contrario
firo
quese
As
velhas abelhas, as que ja trabaIharam, deixam a nova gera9ao o fructo de seu
trabalho
a cera e o mel
e partem sem destino certo, a construir nova colmeia, sem saber em que arvore iraorepousar,nem que vendavaes virao colhel-as durante a viagem. Nao
da.
—
—
VERDADES INDISCRETAS
44
e mysteriosa essa abnegagao? Entre os homens, nem os paes sao capazes de ser tao abnegados para com os proprios filhos. Ja nao qui-
zeramos n6s que os paes abandonassem aos filhos, de um dia para o outro, todo o fructo do
seu trabalho. Mas seria encantador que
ao menos as velhas geragoes que nos governam, e cujo governo absolutamente nao nos
satisfaz, abandonassem OS seuspostos as novas geragoes, compromettendo-se estas a fazer
o mesmo ageragao que daquiavinte ou trinta
annos estivesse em condi9oes de fazer a felicidade do paiz? Isto me parece justo, porque
o governo deve fazer a felicidade do paiz.
Mas que e o paiz? Sao os velhos? Nao.
Sao OS novos. Os velhos estao perto de partir para nunca mais voltar. Pertencem ao pas-
A
nos cabe, por direito, a direc^ao do
presente, e, por dever, a previsao do futurO
Portanto, o paiz somps nos.
sado.
i
A
festa
da Melancolia
As nossas batalhas de confetes se notabilisam por nao terem confetes. Nesse caso,
uma vez que os confetes entram nessas batalhas com tanta parcimonia, d^em-lhe outro
nome aBataIha dosEmpurroes». Chamarbatalha de confetes a uma festa em que elles
:
pouco apparecem e falta de bom senso. yapun chat un chat et Rollet un frippon,
pelle
o defunto Boileau
Ha ainda um
outro nome que se podia perfeitamente ajustar
a esses ajuntamentos de povo na Avenida: «a
festa da Melancolia. » Quem quizer ter idea da
grande, da immensa melancolia nacionaldeve
vir ver uma batalha de confutes. Entao ter^
occasiao de observar aspectos curiosos na
calgada, bem no meio-fio, homens e mulheres
enfileiradas, algumas com creanga de mamma
ao coUo, e olhando todos, muito serios e
muitos graves, para os carros onde tambem
como
dizia
.
.
.
;
46
VERDADBS INDISCRETAS
passam cavalheiros muito graves ao lado de
damas orravissimas. Hontem ate havia um senhor de tratamento fcomo dizem as donas de
pensao) vestido de preto, sobrecasaca, collete
branco e cartola lustrosa, sim, senhores, cartola
luzidia a meia-noite em batalha de confetes
Mas prosigamos na calgada, gente seria nos
automoveis e carros, com algumasexcepgoes,
gente que apenas sorri (e que sorriso de
ra9a fatigada de aindanao existir!
.), gente
que apenas sorri e passeia como si estivesse
de tarde na Avenida Beira-Mar. Nos intervallos deixados pelos vehiculos e ainda nos
passeios, vem entao a multidao dos passeantes, pobre gente que se aperta e se acotovela...
para divertir-se. E' nesses logares que se encontram os rapazes da moda, 2,jeunesse doree.
A nossa.jeunesse doree vem para a Avenida disposta a divertir-se muito. Como, por^m, nao
ha entre elles ideas a respeito de diver;
:
.
.
nem dinheiro com que possam custear
novidades, entao adoptam um meio facil e
economico de divertir-se formar o que se
chama um amonomio» e sahir ululando coisas
em calao. E' a mais enc3inta.dora, jeunesse doree deste continente.
nao serem esses rapazes, que dizem chufas as senhoras e dao alguns
berros de meia em meia hora, os demais passeantes andam pela Avenida, serenamente
soes,
:
A
A FBSTA DA
47
MBI.ANCOI.IA ...
e gravemente, como se perlustrassem alamedas de S. Joao Baptista ou do Caju em dia
de Finados. Alids ja tenho observado que
nos cemiterios, em dia de Finados, ha, entre
OS visitantes de tumulos, certa alegria algo
elegante, talvez per ser discreta.
Demais, dd-se um facto em dois de novembro
as fl6res sao mais abundantes nos Campos
Santos do que os confetes e serpentinas ahi
.
.
:
na Avenida em dias de festa
Mas fagamos
ponto aqui. A nossa melancolia e tal, que comecei estas linhas com a intengao de tratar
de uma festa carnavalesca e acabo tratando
de coisas funebres. Nao ha como resistir aos
.
fados.
.
.
.
.
Carne para canh^o
Os Jornaes censuram a attitude de urn rapaz que, ainda se arriscando a perder os direitos de cidadania, allegou motives de crenga
religiosa para ficar isento
do sefvigo
Nao ha
militar
muitos dias o juiz da 1? vara denegou habeas-corpus a um outro que pretendia fugir ao servigo militar pela mesma porta
que tem dado entrada no governo de estados
a varios cidadaos fracamente prestigiados nas
urnas. Aventuro-me a perguntar si podemos
condemnar tao soberanamente esses rapazes
pelo facto denao quererem perder doisannos
inutilmente, a ouvir toques de cornetas e rufos de tambores, a enervar-se na vida dissolvente das tarimbas, para sairem aptos a serem
o que seriam fatalmente, sem dois annos de
Sim, os bracaserna carne para canhdo
exclusivamente
sileiros estao-se preparando
:
.
.
.
VSRDADES INDISCRETAS
50
Um
exercito, salva a opiniao dosge^
neraes pacificos e dos poetas bellicosos, naose compoe apenas de soldados e officiaes. Orgamento da guerra tern duas verbas Pessoat
e Material. Ora, por emquanto estamos lyri-
paraisso.
:
camente preparando
pessoal,
sem
cogitar
do
materiaL isto €, das carabinas, das bayonetas^
dos canhoes pezados, dos canhoes leves, das.
metralhadoras, dos transportes, das ambulancias, dos viveres, dos fardamentos, dos medi^
camentos, dos arreios para a cavallaria, da re-^
monta, emfim de tudoisso que justifica aexistencia de uma repartigao pomposa e dispendiosa que ac6de ao nome de Intendencia da
Guerra. Si tivefmos de pelejar contra qualquod Deus avertat
dentro de
quer povo
pouco tempo ficaremos desprovidos de espingardas e de polvora de maneira que os cornbates terao de cessar da nossa parte, nao talvez por falta de combatentes, mas por falta de
armas. A forma9ao dos exercitos hoje em dia
deixou de ser problema de heroism© para ser
questao economica, financeira e industrial.
—
—
;
A
Inglaterra
tempo um
poude
exercito
homens, porque tinha
em
pouco
cinco milhoes de
levantar
de
la na sua ilha os recursos industriaes capazes de armar esses cinco
milhoes de individuos. Os turcos sao soldados.
por indole, por tradi^oes e por educa9ao
CARNB PARA CANHAo.
.
.
51
aldm disso sao mais numerosos que os ingle>
zes e nada disso os impede de serem derrotades. Porque? Porque nao t^m armas e nao
t^m a consciencia militar moderna. Os russos
sao bons soldados e numerosos como pragas
de gafanhotos, o que nao impediu que elles
tivessem de ser derrotados por Hindenburg,
esse avatar dos velhos deuses
scandinavios»
essa moderna e truculenta encarna9ao dos
Wottans e dos Sigfrieds, paes e irmaos de
Walkyrias ... A Franca, a AUemanha, a Inglaterra, o Japao, a Italia e os Estados Unidos
sao potencias de guerra, porque sao potencias
industriaes,economicas e financeiras. Nos que-
remos
porque dispomos de academicos enthusiastas e de poetas
eloquentes. Si a Italia nao tivesse os seus estaleiros e fabricas de Spezzia e de Liorno, a imaginagao de Gabriel d' Annunzio nao seria mais
efficiente do que os discursos do sr. Olavo BiDeixemo-nos, pois, depatranhas e palac.
triotadas. Emquanto nao formos capazes de
aproveitar o ferro de Minas para fundirmos
coura9as de navios e canhoes para as nossas
fortalezas e montanhas, inutil serd pensar em
formar exercito. A campanha que se fez em
prol da forma^ao de contingentes de parada,
.
.
ser potencia respeitada so
52
VSRDADES INDISCRETAS
seria muito mais util e proficua,
si
tivesse sido
feita em prol da abertura de fundi^oes de ferro
para as carretas, bronze para os canhoes e
ago flexivel para a lamina das espadas
.
.
.
Edouard Drumont
E4ouard Drumont, que acaba de fallecer
o que se p6de chamar um homem. Iniciou a sua carreira de publicista sob
a direc9ao de Emile de Girardin de quern diz
elle que era muito parco nos ordenados que
pagava, mas generoso quando se tratava
em
Paris, era
de pagar transportes para os seus reporteres
fazerem algum service de importancia. Drumont foi, em toda a suavida, um extraordinario homem de combate. O primeiro livro com
que appareceu, em 1881, La France Juive,
provocou uma celeuma espantosa em Paris
E' curioso acompanhar o interesse que AIphonse Daudet tinha por esse livro, que elle
ja conhecia antes de publicado. Drumont, durante muito tempo antes da publica9ao do livro, treinava-se no jogo da espada, na sala
d'armas de Daudet. Eram diarios os exercicios que elle fazia ora com o proprio Daudet,
VBRDADBS INDISCRKTAS
54
ora
com
Albert Duruy, ora
gos. Diarios e prolongados.
com outros amiQuando salam da
havia pelo menos meia duzia de floretes
quebrados. Madame Daudet, que ignorava os
motivos occultos daquelles exercicios, nao podia comprehender a raiva com que o joven
jornalista, se atirava a elles. Daudet costumava dizer <!.Eh! Drumonf a raison de s entrainer. Le livre qu il est en train de pub Her sera
une grosse affaire. m Que livro seria esse? La
France Juive. Exposto d venda, contra a expectativa do autor e dos amigos, os jornaes
nada diziam. Daudet os percorria a todos diariamente.
livro iria morrer assim?
livro
como aquelle, dois volumes repletos defactos
e informagoes ineditas sobre os altos banqueiros dajudiaria, sobre os ministros vendidos
aos judeus, sobre os jornalistas venaes
sala,
:
O
Um
.
.
.
Mas uma bella manha, Alphonse Daudet
abriu o Figaro, anciosamente comosempre, e
encontrou a nota official da folha, o famoso
grypho, que hoje e escripto por Alfred Capus
e que naquelle tempo era escripto por Magnard, o primeiro successor de Villemessant
O grypho, por entre elogios ao talento do autor, fazia veladas defesas das victimas de Dmmont, muito ao de leve, com muita amabilidade, com luvas de pelliea, alisando o pello
ao autor, extranhando, pedindo licenga para
la
SDOUARD DRUMONT
lextranhar a acrimonia
com que eram
55
tratadas
certas personalidades eminentes do regimen
Tepublicano
Alea facta erat. No mesmo
dia OS exemplares do livro voaram. E no dia
tseguinte o sr. Arthur Meyer, director do Gauloisy mandava suas testemunhas a Drumont
Este acceitou radiante o desafio. Emfim, ia ter
<ieante de si um judeu, um judeu authentic©
^m cujas carnesia entrar a lamina da sua espa<ia. Mas Arthur Meyer, durante o assalto, contra todas as regras da cavallaria, conseguiu
agarrar com a mao esquerda a espada de Dru.
.
.
monte feril-o assim,eitrai5ao,na coxa do mesmo
mae da cavallaria. Os
lado. Ora, a Fran9a e a
jornaes datarde noticiaram o caso. Constituiuse um tribunal de honra, para examinar le coup
de la main gauche. E o proprio Meyer teve de
reconhecer que procedera muito mal... D'ahi
para ca, Edouard Drumont foi em Franga, durante quasi metade de um seculo, um Torquemada armado de uma penna, em vez de estar
^rmado com as fogueiras da Inquisi^ao. Toda
^ sua vida foi consagrada a combater os judeus. O seu nome tornou-se popular em toda
^ Franga, atravez do lapis dos caricaturistas,
<}ue nao se fartavam de pintal-o deante de um
bouillon, espetando judeus com um garfo immenso e devorando-os como um cannibal
.
JElle
p6de
ter
.
.
commettido erros e excessos
56
VERDADES INDISCRBTAS
nos combates que feriu. Os seus livros e os
seus artigos de jornaes eram violentissimos. O
que, porem, ninguem pode negar e que este
homem foi um dos mais sinceros, valentes e
apaixonadps francezes que jamais viveramsob
o ceo de Franga
A Academia em
ses$llo
A Academia Brasileira de Letras esta em
As
vagas ja existentes tern prpduzido o surprehendente effeito de colloc^l-^ na
berlinda jornalistica, durante quasi dois m^zes.
Deixemos, entretanto, de lado a quesjap das
candidaturas e tratemos da sessao academic^
realisada ha dois dias
Compareceram a reuniao ^penas seis immortaes, que estiveram a cavaquear sobre o
regulamento, sobre a politica, sobre a batalhsi
de Verdun, sobre a crise economica e sobre o
DiccioNARio DE Brasileirismos. Uma sessao
encyclopedica, que acabou, como sempre, infructifera e inoffensiva. Porque as sessoes da
Academia tem isto de bom: ordin&riamente
sao infructiferas. Praticamente, valem tanto
como as sessoes do? clubes literarios dos rapazes das provincias ...
Pe9amos a Deus que a Academia seja
f6co.
tres
58
VISRDADBS INDISCRETAS
sempre assim: pregui^osa e inutil. Da unica
sessao em que os academicos se reuniram
para resolver coisas, sahio um monstro: a reforma orthographica. A pretexto de facilitar
o ensino da escripta, nivelou a Academia os
intellectuaes e os vendeiros. Que nosimporta
a nos, senhores, que o vendeiro ali da esquina escreva caxorro com ? Devemos acompanhal-o ? Nao Deixemos-lhe a inteira responsabilidade da sua graphia lusitana
A Academia pensa de modo contrario
Uma vez que o vendeiro ache difficuldade no
emprego do ph, o que os intellectuaes devem
fazer nao e disseminar a instrucgao, afim de
instruir o vendeiro mas sim, desaprender a
sua orthographia e escrever como elle! Chama:*:
.
.
se isto
.
.
simplificagdo orthographica
Os academicos nao viram que a escripta
dos intellectuaes e uma das maneiras pelas
quaes elles se destinguem dos demais homens.
Nao comprehenderam que a Academia, reformando
a orthographia, democratisava-se, isto
achatava-se e Academia democratica nao
e Academia nem coisa alguma.
simples faser
uma
faz
cto de
selec9ao
della uma aristocracia. Portanto, ou seja aristocratica, ou nao
^,
;
O
O engragado € que, ao mesmo tempo
que simplificavam a escripta, complicavam o
fardamento. Atiravam pela janella o diccioexista.
A ACADBMIA SM SKSSlO
nario etymologico e
mandavam
dins e chapeos armados ...
£ sao taes homens que
59
buscar espa-
pensam em
um
fazer
DicciONARio. Fagamos votos para que
semelhante diccionario nunca venha a luz
Fique quieta a Academia. Nada de estroinices,
nada de brincadeiras inconvenientes com a
lingua materna, que e uma coisa s^ria
n^
A morte da peccadora
I
Aquella senhora em quern o maiido, tenente do Exercito, disparou algUns tifds de
rev6lver, morreu hontem na Santa Casa, depois de, segundo dizem os jornaes, ter-se reconciliado com o seu Deus. O que ha de interessante na sua morte e que a infeliz, conforme o depoimento dos matutinos, «expirou
tranquillamenteB. Quern sabe se exaggeraste,
6 divino Flaubert, quando fizeste Emma Bovary morrer naquella agonia estertorante, sob
a influencia do arsenico, e cheia de remorsos,
e tendo visoes dantescas, e apavorada, como
em
vida os supplicios infernaes ?
Quem sabe si a razao nao estava ao lado de
Alphonse de Lamartine, que achou exaggerado o castigo que impuzeste a Emma Bovary,
cujo crime afinal se reduzia a tao pouco ?.
Como a sociedade ainda e incomprehensivel
si
jd soffresse
.
.
Nao ha homem nenhum que tenha a coragem
VB&DA.DSS INDISCRBTAS
62
de condemnar esse official. Pois que! Ella
teve a prova de que a esposa o atrai9oava I
Mais ainda ella propria confessou o seu pecdil-o o Codigo e a Socasos taes
cado
fica ao marido o direito
ciedade o applaude
de castigar a esposa para lavar a sua honra
Valha-nos Deus! A honra, si e que ella entra realmente nessas coisas, ficaria perfeitamente salvaguardada com o repudio, puro e
simples, da adultera. Esta solugao tambem jd
6 acceita pela Sociedade e tem a vantagem
:
!
Em
—
—
!
de ser muito menos incommoda do que q
Passados al^
assassinate da esposa leviana
guns mezes, o marido se teria esquecido jd da
tragedia, ou pelo menos a lembranga della estaria amortecida no seu espirito. Nao ha como
o tempo para apagar maguas de amor. Tenhamos confian9a no tempo que, nestas como
em outras circumstancias, e o unico remedio
infallivel. Nao tenhamos illusoes: o assassinato da esposa adultera e mais um desconsolo
que vem attingir o marido. Entao, sendo este
militar, tem mil modos de remediar a situa.
gao, salvando a sua dignidade, sem ter necessidade de appellar para as armas Uma commissao nas fronteiras, por exemplo. As obrir
ga96es do servi90 militar, que, «sob o chicote
das fronteirasv, sao muito mais graves, constituem derivativo, cuido eu, de primeira or.
A MORTB DA FKCCADORA
dem para fazer
63
olvidar as infidelidades de
uma
mulher. Depois ha o estudo. Creio que era
Chateaubriand que dizia nao haver d6r, por
mais violenta, que resistisse a um quarto de
hora de leitura. E' uma profunda verdade.
Entretanto
Entretanto, apezar de to.
.
.
dos conhecermos estas coisas, nao podemos
deixar de dar razao ao marido que mata a infiel por esse simples facto a que Napoleao
chamava
salon /
.
.
vilisados,
em
affaire de canape, affaire de coin de
Porque serd que, sendo nos tao ci-
.
damos razao ao marido que mata
E' que a civilisagao nossa aincrosta muito superficial. Chegado o
taes casos
da €
uma
momento de
?
applicar estes principios, parece
um eclypse de
todas as ideas que a civilisagao pouco a pouco
impoz a nossa incoercivel selvageria interior
parece que, em momentos taes, reb6am no
nosso cora9ao todos os gemidos da floresta
primitiva e estrugem gritos de todas as feras
com que conviveram os nossos ancestraes;
e tudo isso, como uma grande caudal escachoante, corre por declives ignorados do nosso ser e entao as Leis, os Codigos, a Cavallaria, a gentileza, tudo desapparece no vortice
tremendo, innundado pelo diluvio interior de
barbaria mysteriosamente desencadeado pelo
simples olhar de uma mulher voluvel
dar-se na nossa intelligencia
;
.
.
.
Q
pdraidoxo dat
f^i
Uma actrizita ia representar quando o
pae a raptou a porta do theatro. O caso, yi.
amplamente divulgado, interessaria, si nao
fosse vulgar. Porque afinal, depois de tudo,
verificou se que a raptada ja era casada, divorciada, com 26 annos e dois filhos. Uma semcomo se ve
mais interessante e a nossa organisa^ao social.
pae, ao saber que a filha vae
entrar para o theatro, temendo que ella se
perca no meio das suas semelhantes, refeGlve
raptal-a e leval-^a para casa. A filha gftta <|ue
ainda ha juizes em Berlim e com effeito apparece por entre aquillo tudo um sujeito de
oculos que diz ao pae
O Sr. nao pode impedir a sua filha
de viver nas caixas de theatro.
Mas, senhor homem da lei, as caixas
de theatro sao conventilhos
saboria,
,
.
.
O
Um
—
—
!
VKRDADES INDISCRKTAS
66
— Mas sao permittidos
por nos. Neste
mundo
s6 6 immoral aquillo que n6s prohibimos. Ora n6s permittimos que haja caixas de
theatres. Logo, sao perfeitamente familiaresDemais sua filha tern 26 annos e dois filhos.
Portanto. ..
Mais uma razao, senhor juiz, para que
eu nao a queira numa caixa de theatro. E^
preferivel que uma virgem entre nesses meios.
antes que uma mae porque a virgem e s6
a mae tem os filhos. Declaro-lhe, pois, Sr.
Juiz, que nao quero ver perdida a mae dos
meus netos.
Pois eu Ihe declare que permitto ^
mae de seus netos perder-se quantas vezes
quizer, retruca o homem da lei, concertando os
oculos. E si o senhor resistir, tenho a men
lado a forga
Nao e deliciosa essa organisagao social
que prohibe uma menor de disp6r do que e
muito seu, e Ihe da licen^a para fazer o que
—
;
—
.
.
.
em que ella f6r mae, isto
merece maiores cuidados ?
entender no dia
quando
ella
6>
O
quinto
mandamenta
O que faz suppor que no Rio se assassina
demais 6 a. importancia que osjornaes dispensam is noticias de assassinatos. No Rio nao
se mata demasiadamente. Mata-se o que i
possivel. E nao se mata mais, porque nao se
deseja. O Rio e cidade santa. A protec9ao
que Deus nos dispensa e escandalosa. Temos
uma Saude Publica, que pouco se incommoda
com
apezar disso, vamos vivenlivres de epidemias. Protecgao divina
Com o policiamento dd-se o
mesmo. Guardas-civis escassos soldados
poucos e mal distribuidos. Pois apezar disso
vamos vivendo como Deus e servido. Li uma
vez por outra o Dente de Ouro da uma facada
no Canella Secca^ mas isso nao tem importancia. E' para distrahir um pouco os leitores dos
jornaes. De quando em vez tambem o Canhoto combina com o Mao de Gato um assalto
a hygiene,
e,
do mais ou menos
.
.
.
—
;
68
VERDADES INDISCRETAS
uma joalheria ou a umacasa de familia. Roubam algumas joias e roupas servidas e safama
Que tern isso ? Nada. Pequenos prejuizos, em comparagao do muito que
OS criminosos podiam fazer no Rio si o quizessem. Si nao fossemos gente de b6a indole,
ja nao morava ninguem nesta cidade. E querem a provade que somos gente b6a? Basta considerar o quanto nos impressionamos ainda por
ter um valente qualquer baleado um companheiro na Gambda; e tanto nos impressionamos que OS jornaes abrem columnas com esse
facto minimo. Si o publico nao ligasse importancia a isso, os jornaes nao o explorariam
E' claro. E dessa importancia que os jornaes
dao aos assassinatos e que parece nascer a
convicgao, em que estao muitos, de que no
Rio se mata demasiadamente. E' engano.
Ainda nao se mata o que se devia matar em
relagao a falta de instrucgao e de policia. Futuramente, tenhamos fe em Deus, havemos
de matar muito mais.
se docemente.
.
.
O
14 de tlulho
Si Mirabeau podesse resuscitar, tomar o
trem ate o Havre, ou Bolonha, ou Bordeos,
e,
num
desses portos, entrar
num paquete, vir
ao Rio, descer ali no caes, simplesmente, modernamente, como fez Anatole France, eu s6
desejava uma coisa: que com elle viesse tambem Augusto Comte.
Num dia 14 de julho como este, um grupo de patriotas foi a Bastilha, velha prisao
de Estado naquelle dia defendida por um
punhado de soldados mais ou menos somnolentos. Esse grupo tomou a cidadellasem grande esfor^o, soltou os presos (crimes commuos)
que, segundo parece, nao chegavam a dez.
Ficou assim fundadaa Fraternidade. Fundada
a Fraternidade, parece houve muita genteque
nao concordou com ella. Os homens da Revolugao.para garantirem a estabilidade dos sentimentos fraternaes no Universo em geral e na
VKRDADBS INDISCRETAS
70
Fran9a
em particular, montaram
por isso
uma
guilhotina e declararam: «Quem nao f6r fraternal mire-se neste espelho » Si nao mentem as
chronicas, muitos milhares de homens e mu!
Iheres nao foram fraternaes, porque a guilho-
em toda a Franga,
um dos
durante muito muito. Ora bem
maiores impecilhos que encontrava a Fraternidade eram os padres. Os padres eram fraternaes mas a sua fraternidade era diiferente da
dos revolucionarios. Por exemplo os revolucionarios, por causa da sua fe, degollavam; os
padres, por causa da sua f^, queimavam. Divergencia de systema somente mas em muitos casos € impossivel distinguir o systema do
fundo da questao. Naquelles tempos essas e
outras coisas se confundiam. Os 61hos da Revolu9ao, pois, degoUaram padres, frades e
freiras; e decretaram que nao havia mais Deus.
Dixit insipiens in corde suo Non est Deus /
S6 existia a Razdo, Mas era precis© symbolisar materialmente a deusa Razdo. Como? Pegaram de uma rapariga, tiraram-lhe a roupa e
a collocaram, dizem que nua, no altar-m6r de
Notre Dame. Nunca a razao humana foi tao
bem representada. Uma mulher nua e a razdo
pratica em todo o seu esplendor
Ora, passam-se cento e poucos annos. Si Mirabeau
viesse ao Rio, podia ler nos jornaes que os
tina funccionou diariamente
—
;
;
;
:
. .
.
O 14 DK JUI.HO
71
seus patricios domiciliade^ no Rio mandaram
celebrar hoje uma missa por alma dos francezes mortos na guerra. O' manes de Demoulins, de Robespierre, de Marat, de Danton
Quem venceu ? V6s, ou as freiras do Carmelo
que mandastes degollar? E Comte ? Comte iria
^almamente ali ao tempio da rua Benjamin
Constant e diria ao sr. Teixeira Mendes
«Desce desse pulpito, filho. Cada vez menos
OS vivos sao governados pelos mortos. O hoanem se agita e a Egreja o conduz ...»
Quelque chose de vierge
Dizem que o maestro Messager
fez,
em
pouco amaveisao Brasil.
sejamos nos amaveis para com
palestra, referencias
Nesse caso,
elle. E' simples, civilisado, parisiense. Parece
que o que mais aborreceu aos jornalistasfoia
facto de Messager, falando-lhe Isadora Dun-
can das nossas aflorestas virgensu, terrespondido: Oh! ouif il faut bien qu on trouve ici
quelque chose de vierge! Messager pareceu duvidar de que pudesse haver aqui quelque chose
de vierge. Dahi, asreclamayoesdos confrades.
Pensando bem, nao ha razao para zangas^
Neste mundo tudo se explica naturalmente
Messager vein de Paris,via Buenos- Ayres. Ora
em Paris, sabe-o toda a gente> e muito difficil
e, por isso mesmo, muito raro encontrar quelque chose de vierge
o que tambem se explica, sem ser preciso recorrer a altos syste-
—
mas de metaphysica
.
.
.
Um homem que
vi-^
VSRDADBS INDISCRBTAS
74
veu sempre dentro da grande
civilisagao
de
Paris estd tao pouco habituado a qualquer coisa virgem, vegetal ou nao, que, em chegando
aos tropicos, duvida de que exista semelhante
mesmo nas florestas... Em Fran9a
uma
floresta, que se chama Fontaineexiste
fragilidade
bleau.
Dizem que
e bella.
Mas ja
esta percor-
devassada em todos os sentidos, de deante para traz e de traz para deante...
Assim e tudo em Paris. Nao ha quadro, morto
ou vivo, que nao tenha sido exhibido; nao ha
livro, diirino ou humano, que ji nao tenha sido
aberto e folheado em todos os sentidos, pelo
direito e pelo avesso; nao ha industria que
nao seja conhecida; nao ha bainha que nao
leve espada; nao ha petit capital que nao
tenha sido ou nao esteja sendo explorado em
grosso ou a varejo; nao ha medalha que nao
seja conhecidissima, quer no verso quer no
Em Paris € assim Porque exigir
reverso
agora que Messager admitta, sem mais exame,
que exista aqui quelque chose de vierge? Pois
si elle nao conhece 'chorographia nem flora
brasileira!
Francamente e exigir muito
do intellecto de um cavalheiro que afinal s6
€studou musica.
rida, explorada,
.
.
.
.
.
.
.
.
.
Amizade criminosa
Haveri quern condemne a Roberto Leite
o roubador dos autos no Supremo
Tribunal; haverd quern o condemne, o que
nao me admira, pois por muito menos do
que isso foi crucificado Jesus Christo. Entretanto, e preciso dizer que Roberto e um typo
raro. Amizade assim, tao intima, tao ardente
e dedicada, 6 amizade grega. Traz-nos a menda
Silva,
te vagas reminiscencias
de Pylades e Orestes,
de Pythias e Damon
Bem sei que os juisecundum
zes julgam
allegata et probata; e €
justamente por isso que um juiz me causa tanto medo como uma fera; porque a fera me
ataca, levada pela cegueira do seu instincto
carnivoro; o juiz me condemna, levado pela
cegueira do seu instincto juridico. E' um animal perigoso. Embora as diligencias policiaes tenham provado i, saciedade que Roberto s6 tentou roubar os autos para inutilisal-os
e, por esse meio, livrar um amigo da prisao
.
.
.
76
em que se
VERDADES INDISCRETAS
acha, os juizes
com
certeza hao de
Pois que! Entao seri
individuo que tentou
burlar pelo roubo a ac^ao da Justiga Publica,
orgao autorisado e legitime da Sociedade ?
Mas, senhores, o homem agiu por amizade: o
movel desse delicto foi tudo quanto ha de
querer condemnal-o.
possivel absolver
um
mais nobre e humane. Que e que constitue a
trama psychologica do crime? A inten9ao criminosa. Ora, a dedicagao ao amigo, que foi
o movel deste delicto, nao 6 intengao criminosa, pelo contrario, e virtude spartana.
Nada
o Codigo
nao cogita da amizade como attenuante
De
amicitia non curat praetor. De maneira que,
si Roberto tiver a felicidade de
ser julgado
por juizes que tenham o senso da equidade\
talvez nao o condemnem a fortes penas; mas,
si tiver a desventura de cair nas garras de jui*
disso vale perante o juiz, porque
.
zesque sejam integros e rectilineos cultores
da Justiga (isto e, do Codigo), esta perdido
Entretanto, ser amigo do Mai e muito mais
difficil do que ser amigo do Bem. Ter solidariedade com o amigo na pratica da virtude e
facil e commodo; p6de at^ levar a um nicho;
mas ter solidariedade com o amigo na pratica
do crime, isso, sim, e que e heroico, porque
representa sacrtficio immediate, pelo menos^
da liberdade.
As criangas
Nao fui a Festa da Crian^a. Leio.porem,
nos jornaes que essa festa excedeu a todas as
espectativas. Bemdigamos, pois, os coragoes
dos que, durante algumas horas, conseguiram
fazer feliz a creanga. Mas, deuses do Olympo, porque martyrisar a petizada com dois
como fizeram nessa tremenda festa?
Dois discursos e nao sei quantos hymnos A
criangas, no dia da sua festa, nao se falla
Si
discursos,
!
.
uma
de criangas, fagam-nas
brincar a vontade, deem-Ihes musica, cinema,
carrossel e doces em quantidade. Si quizerem
ser praticos, ao mesmo tempo que derem doces e balas as criangas, abram creditos nas
pharmacias e nos consultorios para os paes que
forem pobres
Mas, pelo amor de Deus,
nada de discursos. Tambem ja fui creanga e
detestava os discursos que me fallavam da Patria e de outras coisas desagradaveis. A Prise organisa
.
.
.
festa
78
VBRDADBS INDISCRBTAS
mavera e uma
de rhetorica muito intequando somos
crian^as, a Primavera e peor do que o Verao
Efazer as criangas cantar hymnos patrioticos
Ha muita gente que dd uma importancia supersticiosa aos hymnos como inspiradores de
patriotismo. E' um engano. O Francez nao
tem patriotismo por vir cantando a MarseIheza desde a infancia, nao; pelo contrario,
elle canta a Marselheza^^otc^^ € patriota.
Quando eu era menino, cantei na escola muitas vezes um hymno ignominioso que co"
mega:
ressante;
Seja
figura
mas num
um
discurso,
pallio de luz
desdobrado
Sob a vasta amplidao destes c^os
.
.
Pois ate hoje nao consegui estimarsemeIhante cantoria.
resumo reunir criangas
num theatro para fazel-as ouvir oradores e
Em
hymnos
cantar
patrioticos
:
e
martyrisal-as
devem realisar-se em parcom toda aliberdadede acgao
Festas de criangas
ques ejardins,
e grande quantidade de confeitos. A crianga
estima acima de tudo estas duas coisas deliciosas
:
liberdade e assucar
.
.
.
A
tortura
do perfume
«Porque nao escreves contra o aperto de
mao
rivel.
Com este calor, e horsuadas, algumas viscosas ...» Di-
aos conhecidos?
Macs
ziam-me hontem
tar
macs suadas
estas coisas.
e
um
De
supplicio,
facto aper-
mas
.
.
.
Ha
no aperto de mao uma tortura muito mais viva
do que a de apertar maos humidas de suor e
a tortura da recordagao pelo perfume. Succede frequentemente apertarmos a mao a uma
mulher (pouco importa que seja casada, ou
solteira), de quern nao podemos, ou nao devemos nos lembrar. Voltamos para a casa, ou
:
assentamo-nos a nossa mesa
de trabalho come^amos a escrever, mas nao
conseguimos ligar ideas. Ha em nos qualquer
coisa, indefinivel e mysteriosa, que nos desvia
o espirito para incertos rumos. O desabrochar
de uma id^a e logo perturbado por esse quid
secreto. Accendemos o charuto, chegamos 4
para a redac9ao
;
;
VERDADES INDISCRETAS
80
olhamos a paizagem.
janella,
O
effeito e
ma-
come^am
a
brotar de novo com espontaneidade, viveza.
Voltamos a mesa, tomamos da penna, comegico: as ideas, esclarecendo-se,
^amos a escrever e
o primitivo phenomeno repete-se as ideas fogem docemente mas
fogem de vez, desapparecem. Entao nos nos
.
.
.
:
voltamos para dentro de nos mesmos e comegamos a fazer o exame de consciencia. «Porque nao possotrabalhar?» Mas o proprio exame e perturbado ate que afinal descobrimos
instantaneamente a causa da perturbagao e
o perfume extranho que a nossa mao traz em
si, perfume que nao sabemos de onde nos
veio
Ah sim vem daquella senhora cuja
mao apertamos na Avenida. Em casos taes o
recurso e simples
lavar as maos. E' o que
fazemos e voltamos para a nossa mesa, certos
de poder emfim trabalhar. Engano o perfume foi-se mas a lembran9a da mulher foi
despertada
E a lembranga de uma mulher
4 mais subtil do que qualquer perfume da
Arabia. Pica dentro de nos, transformada ja
^m Idea. Antes era o perfume que a fazia
lembrada agora e ella que se assemelha a
11 m perfume,
a aquelles fortes perfumes para
05 quaes, dizia Baudelaire, todo corpo e po;
:
.
.
!
!
.
:
:
;
.
;
roso
.
.
A TORTURA DO PBRFUMB
81
II est de forts parfums pour qui toute mati^re
Kst poreuse. On dirait qu'ils p^netrent le verre...
Assim, certas mulheres a sua recorda^ao nos e transmittida pelo perfume e depois
se transforma, ella propria, em perfume subtilissimo, que penetra no nosso ser como certas essencias que se innoculam ate no crys:
;
tal ..
.
Escandalo
Certo cinema estd annunciando uma fita
mulher «nao teme desnudar-se,
alheia a fascina9ao que produz a carne ...»
Nao me admira. Foi Eva (dentre as mulheres
que
cujos nomes a historia conservou)
inaugurou esse systema. Muita gente poderd
escandalisada por haver uma senhora
ficar
«que nao teme desnudar-se, alheia d fascina9ao, etc ... » Eu, nao. Tudo depende da formagao da consciencia della. Santa Maria Egypciaca fez mais do que desnudar-se entregou
sem peco seu corpo a uns marinheiros
E
car. E' verdade que isto e muito difficil
Anatole France, na Rotisserie de la Reine
P^DAUQUE, tern a este respeito uma pagina
deHciosa. O padre Jeronymo Coignard conta
aos amigos da Rotisserie este episodio da
vida da santa e explica como, gragas a pureza
de suas intengoes, tinha feito sem peccar o
em que uma
:
.
.
.
.
VERDADKS INDISCRSTAS
84
que outras nao conseguem realisar sem arriscar a alma
Entao a mae de Jacques Tournebroche, une sainte et sage femme, exclama
.
.
.
pouco mais ou menos
:
«
Ah
!
eu nao
me
atre-
veria a isso Sem peccar
E' precise ser muito santa parachegar a tal perfeigao!)) Tudo,
!
!
depende da formagao da consciencia,
pois,
que e coisa singularmente elastica. Entre os
romances de Voltaire ha um que e a historia de Cosi Sancta, uma austera e formosa
creatura que commetteu conscientemente tres
adulterios que valeram por actos heroicos de
virtude, e justamente por isso foi ella canoni-
sada
Bem
entendido, factos assim sao excepgoes. Digo isto, precavidamente, porque,
apezar de nao haver ainda no calendario nem
uma santa brasileira, temo que alguma das
minhas patricias queira obter agraga de Deus
nas condigoes de Santa Maria Egypciaca, ou
ser canonisada pelos mesmos motivos que valeram uma aureola e um nicho a Cosi Sancta...
!
Destemperos de Linguagem
Ja se tern dito muitas vezes que a nossa
imprensa, no que toca aos habitos adoptados
entre gente limpa, regrediu. Os jornaes antigos nao usavam da virulencia adoptada hoje.
Nao posso dar testemunho disso, porque nao
fui leitor dos jornaes antigos. Mas nao havera
uma razao que explique esse phenomeno de
regressao da nossa imprensa? Parece que
ainda e preciso recorrer a lei de Taine o
meio.
A imprensa nao e mentora, mas
simples reflexo da opiniao. DiziaEmilio de Girardin que um jornal e feito muito mais pelos
seus leitores do que pelos sens redactores. E'
perfeitamente exacto. Os jornaes nao procuram crear correntes de opiniao, mas apenas
adivinhar para que lado ira o publico, afim de
adherir
E como o publico, no maior volume da sua massa, ainda e grosseiro, os jornaes serao fatalmente grosseiros, para pode:
.
.
.
.
.
86
VERDADES INDISCRBTAS
rem agradar
e ter
Os
saida ...
jornalistas
francezes, por exemplo, raramente alteiam a
voz. Porque? Porque o nivel mental e social
dos seus leitores nao exige brados para poder
comprehender razoes basta por isso que os
jornaes indiquem, ds vezes numa simples suggestao, o que Ihes parece mais acceitavel
Aqui s6 e ouvido quem grita. Estamos numa
terra de surdos intellectuaes
E a proposito de destempero de palavras, li no
Journal um caso elucidative. Foi chamada
a juizo, em Paris, uma mulher do povo que,
brigando com uma sua visinha, de janella para
janella, disse, no auge da colera, esta phrase
Si ton mari est creve sur le fronts cest bien
;
.
fait!
A
.
.
offendida queixou-se d policia. Tes-
temunhas affirmam que a rapariga proferira a
phrase Ora o marido da injuriada morreu ha
alguns mezes na guerra. Em vista disso, o
.
condemnou a accusada por intemperance
de langage a seis dias de prisao e a pagar cem
francos a offendida por damno moral
e o
Journal approva muito a energia do juiz, que
juiz
;
nao deixou ficar sem vinganga a viuva d!un
brave mort pour la France, bravo aliis
obscurissimo e humilde. Este facto dd id^a do
que se exige na Franga, quanto a medida que
se deve observar no jogo das palavras, mesmo
quando
se injuria
.
.
.
O nu
symboUco.
..
Chamava-se Serafim Dias e era um symbolo nacional. Tendo bebido mais do que
Ihe permittiria a Escola de Salerno, ou ainda a Universidade de Coimbra, foi Serafim
ao largo do Rocio, saltou o gradil da estatua de Pedro I, o Libertador, grimpou como
um simio pelos indios e pilastras acima e attingiu o cavallo. Era, entretanto, pouco para o
civismo de Serafim. Um cidadao, quando
chega a tal estado de enthusiasmo patriotlco,
carece de mais. Serafim, nao contente de cavalgar o cavallo, entendeu que convinha amansar o cavalleiro e la se foi pelo imperador a
riba ate o capacete, onde se assentou tao commodamente como um prelado na sua cadeira
prelaticia. Essa quieta9ao, por^m, durou pouco. Si grande era o desejo de descansar do
esforgo da subida, maior era o endiusiasmo
de Serafim, que se levantou e ficou de p^ so;
88
VBRDADES INDISCRETAS
bre o imperial chapeo armado, isto depois de
arrancar toda a roupa que trazia (e que nao
era muita), a ponto de poder, si soubesse latim bradar como Job Nudus egressus sum e
ventre matris me<B ! Mas em vez desta tirada biblica, Serafim, de pe, sobre a cabega
do Libertador, bradou aos quatro ventos da
praga: «Sempre fui monarchista e admirador
de Dom Pedro I, que deu liberdade a esta
terra !» Ca em baixo, o povileo, numeroso e
compacto a ponto de interromper o transito,
apoiava e ria-se O nosso povo, sempre que
se trata de applaudir discursos patrioticos, tem
o singular costume de sublinhar cada apoiado
com uma gargalhada. Mas o enthusiasmo de
Serafim ainda nao estava satisfeito. Do Capitolio a Rocha Tarpeia, segundo ja proclamava
ha quarenta annos, no largo de S. Francisco,
o sr. Lopes Trovao, vae apenas um salto. A
mesma distancia provou hontem Serafim que
vae do capacete do Libertador ate o exemplar
da Constituigao que elle offerece aos povos
agradecidos. De um salto elle conseguiu apegar-s« a Carta e ali mesmo, sustentado pelo
brago armipotente de Pedro I, executou
:
.
;
varias
manobras
de
malabarista,
dando
cambalhotas, ficando preso ora por um bra9o,
ora por uma perna, dando gyros successivos e,
uma vez que estava nii, fazendo pensar no
O N^ SYMBOI^ICO.
.
89
.
Sino phantasma do sr. Augusto de Lima, o
qual termina: a A badalar! A badalar!. .»
Ate que depois de uma hora desses exercicios
gymriasticos, chegaram osbombeiros e encerraram a sessao, fazendo Serafim descer e levando opara a delegacia. Symbolo magnifico,
o Serafim Os nossos patriotas, sempre que
querem mostrar aos povos o seu patriotismo,
dao cambalhotas e fazem malabarismos na
Constituigao da Republica, exactamente como
Serafim, por excesso de monarchismo e vinho, fez piruetas clounescas no bra9o do Imperador.
.
!
.
Amor
Jel
se tern escripto
e Poesia
que o amor e a poesia
vao morrendo no Brasil. E' natural que, morrendo o amor, tambem morra a poesia, que 6
quasi sempre inspirada por aquelle. Emquanto, porem, se annuncia a morte da poesia, surgem diariamente por to do este paiz centenas
de livros de versos. Verdade e que, desses
livros, raros se aproveitam
e, desses raros,
poucas composi96es se salvam. Em todo o
caso, posto que a maioria dos livros de versos
sirva apenas para fabricar bombas, nao se pode
negar que elles representem pelo menos uma
intengao clara e positiva de cultivar a poesia.
De maneira que esta arte, emquanto vae sendo
dada como agonisante, prospera, quando mais
nao seja, para dar lucro aos impressores, pois
6 sabido que a quasi unanimidade dos livros
de versos imprime-se d custa dos autores
E o amor estd morto ? Alguns dizem que elle
;
.
.
.
VBRDADES INDISCRETAS
92
SO existe actualmente, verdadeiro e sincere,
entre as classes menos cultas da sociedade,
ainda nao eivadas de scepticismo. Ora os factos vao
provando o
cos dias,
em
um
em
contrario.
S. Paulo,
Ainda ha pou-
um jornalista
e poeta,
na amante e suicidou-se
por paixao. E' verdade que
seguida.
entre as classes cultas o amor e menos explosivo que entre as pessoas humildes. Estas matam-se ainda frequentemente por ciume. E a
este respeito notemos como e curiosa a nossa
concepgao do amor julga-se que o amor e
tanto mais forte e sincero quanto mais louco
torna o apaixonado. Si este, ao saber que
a amante o trahiu, nao commeteu um desatino qualquer, logo pensam todos que elle
nao a amava mais. Si, ao averiguar a trahigao da amante, o trahido matou-a, ah entao,
sim tinha-lhe grande amor E o mais interessante e que as mulheres adoptam esta
theoria, que ate ja passou para a arte e para
a anecdota. Na Sapho, de Daudet, quando
Jean Goussin da a bofetada em Fanny, ella se
sente encantada e exclama
«Como tu me
amas ainda, Joao » E e conhecida tambem a
historia daquella portugueza, que tinha grande
paixao por um brutamontes que Ihe escovava
o pello com certa frequencia. Succedeu que
o homem por motivos ignorados. resolveu
intellectual, atirou
.
.
;
!
:
!
:
!
AMOR E POKSIA
nao bater mais na rapariga
;
93
depois de
ella,
passar varies dias sem levar sovas, poz-se um
dia a chorar. E a uma amiga que Ihe perguntou pelo motive de tantas lagrimas, res-
pondeu
ama!
— E*
que o meu
— Ah
disse-t'o
— Nao
!
homem
ja
abandonou-te
Mas ja me nao bate
?
!
me
?
nao
O
O
Amaral
revmo. padre
uma
fez
dr.
mal existe?
Joao Gualberto
conferencia sobre a
da
Ori-
gem
do Mal, de que li o resumo nos^^
matutinos.
existencia do mal no Universe
e as conclusoes pessimistas que dahi se p6dem tirar t^m sido objecto de tantos estudos,
discussoes, meditagoes, classificagoes, affirma96es e negagoes, que devemos consideral-a
um dos mais serios problemas da Vida Para
Leibnitz e
Plangloss, estamos no melhor
dos mundos. Para Schopenhauer e Hartmaniv
estamos no peor de todos. Para os philoso-
A
.
.
.
.
phos catholicos, como S. Thomaz, estamos na
mundo que nos convem, porque foi Deus que
dispoz que aqur estivessemos ora Deus e sabio logo dispondo que estivessemos neste
;
;
planeta, acertou,
como
sempre...
O
syllogis-
mo, perante as leis da Logica, esta certb res-^
ta, porem, demonstrar-lhe as premissas ...
;
^6
VERDADBS INDISCRETA.S
Os
philosophos, nao tendo certeza, pada existencia do mal, dividiram-no em
varias categorias
o mal physico, o mal
moral e o mal metaphysico.
rece,
:
A meu
para os philosophos sadios
si existe, e sempre metaphysico. O mal physico e o mal moral so
existem para os pobres que soffrem nos
hospitaes para os que soffrem nas prisoes e
penitenciarias
para os que padeem os
horrores da guerra; para os que definham
Charles Richet, citado
em penas de amor
pelo dr. Joao Gualberto, nao podendo ne^ar que a Dor exista, descobriu-lhe a finalidade e a sentinella, a defesa da Vida
Ora aqui e que deviamos perguntar: e ou
nao e mau um mundo em que a Vida, que
e um bem para defender-se da Morte, que
e um mal, nao achou outro meio sinao recorrer a outro mal, que e a Dor? Pergunto
apenas. Nao concluo coisa alguma. Nisto,
como em outras coisas, obede^o ao conselho
de Frederico Amiel nao tirar conclusoes.
Sao Thomaz, que concluia de tudo, conseguiu
°subordinar a consciencia universal is suas
E Schopenhauer, que tirava
conclusoes
conclusoes pessimistas desde os seus pricneiros trabalhos elle, que concluia por exigir o exterminio da Vida pelo ascetismo,
e
ver,
o mal,
felizes,
;
;
.
.
.
:
.
:
!
.
.
.
;
.
.
.
.
O MAI. EXISTE?
97
ao mesmo tempo que firmava taes theorias,nao
destruia na pratica toda a sua philosophia
com o nascimento de um filho bastardo?
Por isso digo que 6 perigoso concluir
O
existencia
Si,
que parece certo e a
do Mai.
por isso, o mundo e mau, e mais difficil
responder. O pensamento de Metschnikoff,
citado pelo dr. Amaral, e curioso
«Dos tumores malignos nao se p6de deduzir prova
importante em favor da concepgao pessimista do Universo.)) E' muito interessante, mas
eu quizera conhecer o que pensaria deste
conceito
um homem que, sendo sabio
e philosopho, ao mesmo tempo tivesse
pelo corpo meia duzia de tumores ma.
.
:
lignos.
.
.
.
.
.
.
Bddas e Pezames
— Ha duas situa^oes sociaes capazes
de
inspirar terror
a situa9ao de noivo e a de
representante da familia de um defunto, logo depois da missa do setimo dia. Um noivo, so por si, ja 6 uma figura vagamente ridicula, pela maneira por que e pretendente
:
:
mao da
noiva» por intermedio
de terceiros; fazendo-lhe uma primeira visita,
toda cheia de timidez e commogao, fiscalisado pelos paes ou pelos irmaos pequenos durante o tempo em que elle estci na sala, no
jardim, ou no alpendre com a promettida. Junte-se a esta carga de ridiculo intimo a sobrecarga das pompas mundanas de um casamento
entre n6s e teremos a medida mais ou menos exacta do constrangimento moral de
solicitando a a
um
homem
de sensibilidade
um homem nao
estoura de vexame, quando se mette com a
noivo,
Eu nao
sei
si elle
e
realmente como
VERDADBS 1NDI3CRETAS
100
noiva num lando enfeitado de flores de lapuxado por parelhas de cavalloes
brutaes, de patas pintadas de brancc
cheios
de guisos e chocalhos e chiquechiques que
fazem barulho de feira e recordam os paIhagos que no interior saem a rua annunciando espectaculo no circo equestre Casos
desses justificam o suicidio,
Outra situa9ao desesperadora e a de pessoas
que convidam os amigos para ouvirem missa
de setimo dia por alma dos mortos queridos
Quer aqui no Rio quer no interior, manda a
etiqueta que, depois da missa, todos os convidados se approximem das ^pessoas da familia)) e as abracem. Come^a, entao, para
cavalheiros e senhoras da familia do defunct©, um supplicio de que nao cogitou a In-
ranjeira e
.
.
.
mecanicamente os bragos,
receber entre elles quem quer que se approxime, apertar um pouco essa pess6a e
dar-lhe nas costas as tres palmadinhas do estylo, murmurando: «Muito obrigadob) Esta
bem visto que esses abra9os nada significam de parte a parte, quanto a sinceridade
porque, em consciencia, e impossivel que quinhentas pess6as, sete dias depois da morte
de um cidadao de quem nao sao parentes,
ainda estejam commovidas.
De maneira que essa etiqueta inquisiquisi9ao
:
abrir
;
.
.
BODAS E PEZAMES
torial e ridicula
so produz
.
.
um
101
.
ajuntar
effeito:
um tormento physico
ao supplicio moral da
familia.
Eis porque comprehendi perfeitamente a attitude de certa familia de b6a sociedade, que, convidando, ha tempos, as suas
rela9oes para uma missa de setimo dia, declarou rios convites que dispensava o abra90
do costume; bastando que cada um dos assistentes deixasse o seu nome num livro
adrede collocado a porta da Egreja Eis o
que devia ser geralmente adoptado; uma
vez que o abra90 e apenas a prova de que
F. fez acto de presenga, substitua-se o abra90 pela assignatura num livro. Lucra a famios
lia, que se livra de uma tortura, e lucram
assistentes, que, depois de assignarem o nome no tal Registro de Pezames, podem fugir tranquillamente a massada de uma missa
funebre.
Podemos ficar certos de uma
coisa
e que, se si invertessem os papeis,
quero dizer, si fossemos nos que estivessemos
na cova, e si o defuncto, que alids nao seria
defuncto, fosse a nossa missa de setimo dia,
faria o mesmo, isto e, assignava o nome na
lista e fugia pela porta da sacristia
.
.
.
:
.
.
.
Elogios.
O que mais
nos deve atterrar no paiz,
como phenomeno social, e a falta de sinceriridade. Cada um, naclasse a que pertence p6de verificar facilmente ate que ponto chega
a falsidade, a dobrez entre n6s. Pelo que se
passa na classe dos escrevedores imagino o
que ira por outras bandas. Quern tiver um
pouco' de perspicacia poderd, pela simples
ieitura dos jornaes, avaliar a quantum de
falsidade entra nos elogios que se tributam
a certos livros. Quando, ao abrirmos pela
manha um jornal, encontramos um artigo
"vastamente elogioso a qualquer livro, antes
de tudo indaguemos: «Que posigao social
tem o autor deste livro? » Veremos que,
em noventa e nove casos sobre cem, o autor e da casa civil da presidencia, (ou parente
de alguem da casa civil); € official de gabinete
de algum ministro; filho de algum senador,
VKRDADKS INDISCRETAS
104
deputado; genro, irmao, ou
cunhado de algum alto dignitario do Regimen que nos felicita. Ou entao sera fatalFora desses casos, sao muimente mulher.
tambem
os livros de medicos ilto elogiados
medicos escrevem
lustres. Geralmente os
diplomata, ou
.
.
da mesma sorte
que os escriptores
porem, pouco importa. E' livro de medico? Elogia-se, ainda
que o livro seja um tecido de logogryphos e
enigmas pittorescos. Assim se explica que a
Academia de Letras se encha de medicos,
emquanto homens como Farias Britto mor-
mal,
nao sabem
curar.
rem ignorados.
Isso,
Si o
sr.
Farias Britto,
em
vez
de estudar a Logica de Stuart Mill e a Ethica
de Spinoza, tivesse procurado ser apaniguado de qualquer ministro, todos os prelos teriam gemido cada vez que apparecesse
um livro seu. Com logica e ethica nao se apanham elogios da imprensa, senao com empregos, dinheiro e as vezes
messas e esperangas
.
.
.
com
simples
pro-
Paz aos
Li
num
dos
artigo firmado por
nossos
idolatras
matutinos
uma senhora
(creio
um
que e
pseudonymo), que ataca o culto das imagens,
dizendo ser isso acto de idolatxia. Eis ahi uma
senhora curiosa: 6 contra o culto das imagens por nao querer ser idolatra Recusara
!
tambem
essa calvinista ser idolatrada, isto
e,
da idolatria de alguem?.
Depende da sua edade. E como nao a conhe90,
nao o posso decidir.
O que achei interessante foi a coincidencia essa senhora ataca o culto das imagens justamente no dia em que vao asforgas
navaes prestar continencia d imagem do almirante Barroso, o vencedor da batalha do
ser alvo
.
.
.
.
:
Riachuelo. As nossas pragas estao cheias de
imagens, que recebem culto civil. As nossas casas estao cheias de imagens (retratos)
de entes queridos, que recebem culto domes-
VBRDADBS INDISCRETAS
106
Porque nao admittir nas egrejas imagens que recebam culto religioso ?
Porque isso e acto de idolatria
Dizem os theologos que nao. No catholicismo ninguem adora as imagens venera-as
s6mente. Demos, porem, de barato que os
catholicos adorem as imagens, como os pretos adoram 1^ os seus manipangos. Que mal
vae nisso? Nao advem sombra de prejuizo
ao mundo. Realmente nao vejo em que a
tico.
;
especie
humana
sera prejudicada pelo facto
venerar uma imaadoral-a, e eu nem a adorar nem a venerar, mas apenas tolerar e respeitar aquelles que a adoram, ou simplesmente a veneram.
Demais, si ha idolatria no culto catholico
das imagens, tern sido uma idolatria benefica,
tal o numero de bellas estatuas, verdadeiros
do meu visinho da
gem, o da esquerda
direita
primores, que tem inspirado essa idolatria
se pode ver nas velhas cathedraes italianas e francezas por exemplo. Tenho muito mais sympathia pela idolatria fecunda do
catholicismo do que pela seccura protestante, que se limita a vulgarisar a Biblia
resumo nao vejo mal na idolatria catholica
(si de facto existe), como nao vejo mal nados
selvagens nem na dos gregos oh pelo contra-
como
.
—
.
.
Em
!
rio
:
quem nos dera poder
OS hellenos
!
.
.
ser idolatras
como
A
tyrannia democratica
Mudam-se os rotulos aos systemas de
governar os homens, mas esses systemas nao
progridem, pelo menos no Brasil. Na Europa, em certos paizes, a civilisa^ao e o culto do direito jd nao permittem a existencia de
tyrannos de certa casta. Na Italia de hoje,
por exemplo, e impossivel a existencia de
Cesar Borgia. Ha leis severas que punem os
assassinos, os envenenadores, os traidores e
essas leis sao rigorosamente observadas. Si o
principe herdeiro da Italia fosse accusado
de ter mandado matar um cidadao secretamente, que complica96es isso acarretaria para
o throno Si o principe de Galles fosse accusado de qualquer crime provado, nao faltariam no Reino Unido juizes que o condemnassem. E' que, em paizes como a Italia, a
Franga, a Inglaterra, o direito nao e ficajustiga nao e abstrac9ao,
^ao, e realidade
;
!
;
VERDADES INDISCRETAS
108
6 valor corrente. Alguns seculos de
civilisa-
9ao deram a esses povos perfeita consciencia
dos seus direitos e deveres, dentro da <rconsciencia nacionab) de cada um. E' o que nos
falta: a « consciencia nacional»
So depois
que ella estiver formada e que sera possivel
pensar da fundagao de um regimen politico
.
qualquer.
Temos
aqui
uma
«republica fede-
temos Constituigao, Congresso, mibatalhoes, emfim todo
nistros. tribunaes,
o apparato exterior dos povos bem organisados. Apenas essa Constituigao nao
e cumprida
esses ministros nao t^m responsabilidade
esse Congresso estd desmoralisado; esses tribunaes nao inspiram confianga;
esses batalhoes nao sabem combater; esses
navios nao podem navegar. Toda a machina
politica e administrativa esta emperrada S6
rativa»
;
;
;
.
uma instituigao
permanente, bem equilibrada
ha, neste paiz,
seria, estavel,
e respeitada;
a das olygarchias quer dos grandes quer dos
pequenos Estados. Essas, sim, existem e
funccionam admiravelmente.O filho do olygarcha, si Ihe appetecer, pode mandar raspar a
cabega de qualquer cidadao (o que ja se tern
dado) sem o menor receio pode, si o quizer,
mandar matar qualquer desaffecto seu si os
capangas o denunciarem depois de presos,
ninguem, oh! ninguem o acreditard, e
;
;
A TYRANNIA DEMOCRATICA
109
nem havera juiz capaz de apurar a responsabilidade criminal do rapaz, que sera despronunciado, haja o que houver.
vemos aqui com pequena
De sorte que
vi-
da Edade Media. O que nos distingue da Europa
medieval e, primeiro um pouco de progresdifferen9a
—
so material (luz electrica, bondes, etc.) segundo o nosso immenso atrazo em materia
;
—
de coisas do
espirito ...
Commentarios ao "Binoculo f»
O
Binoculo tern estado excellente
Eu
sempre, e quizera que tambem o lesse a
sra. Gilka da. Costa Machado. O Binoculo vi2jo
e apenas uma escola de boas maneiras: €
tambem uma escola de timidez e de mansidao. E' a Imitagdo de Christo do mundo elegante. Estes dois dias tern elle estado admiravel nos conselhos que vem dando acerca
do melhor modo de visitar. Diz elle que,
em materia de visitas, a regra geral e esta
ccNunca nos devemos tornar importunos.»
Dou alguns exemplos nao puxar a cadeia do relogio do nosso hospede nao Ihe
nao Ihe dar murtorcer os botoes do casaco
ros quando fallar de box, nem patadas quando
nao o chamar a um canto
tratar de futebol
da sala para Ihe pedir dinheiro
(cSi virmos o dono da casa tornar-se im-
o
.
leio
:
;
;
;
.
.
.
VERDADES INDISCRETAS
112
paciente, consultar o relogio, nao progredir
na conversa^ao, etc., retiremo-nos Iogo». Per-
Nao devemos esperar que o dono
da casa nos aponte um revolver ao ouvido,
nem que a dona da casa mande virar de pernas para o ar as cadeiras da sala.
Attengao: « Si formos visitar uma senhora
nova, que viva so, e chegar em seguida um
segundo visitante mais familiar que nos, par
tamos immediatamente.» Isso mesmo, antes
que esse tal segundo visitante mais familiar
nos aponte a porta da rua com a bengala
O melhor e arranjar as coisas de maneira
que, quando o segundo visitante chegar, o
primeiro ja tenha sahido, sem que o saiba a
feitamente.
visinhan9a.
.
«Nunca
.
se deve entrar
sem
ter sido an-
nunciado ou ter-se annunciado a si proprio
a ac^ao em contrario e enorme impolidez »
Nao e que haja grande inconveniente em
entrar um cavalheiro, sem se fazer annunciar, para o quarto de Madame ou para o pequeno aposento de Mademoiselle. Esta regra
binocular foi feita em beneficio dos proprios
Por desconhecerem esta regra,
visitantes.
isto e, por terem entrado em casas alheias
sem se fazerem annuneiar, muitos cavalheiros
tem passado pelo vexame de ser presos e
estao cumprindo senten9a na Correc^ao. Ain.
COMMEKTARIOS AO BINOCULO
da ha poucos dias
foi
113
umaleva desses senho-
res para a Colonia Correccional.
crime foi terem entrado
« de negocio sem dizer
em
O
seu unico
casas de familia
quem eram.
.
.
3
Os bigodes do
Si o
sr.
Exercita
general Gabino Besouro,
mandante da 5^
regiao, nao
leu,
com-
de certo
adivinhou o verso de Moliere: Du coti de
barbe est la toute-puissance
Segundo
publicam OS jornaes, o sr. general commante e contrario a soldado de cara raspada.
um cabo que Ihe pedio permissao para
escanhoar o bigode, respondeu S. Ex. pela
negativa e, entre outras razoes explicativas,
acrescentou que «uma carasem bigodes, completamente raspada, nao impressiona como a
que traz o masculo e natural distinctivo masla
.
.
.
A
culino.D
Com licenga do general: o soldado, com
a sua barba, deve impression ar o sexo masculino ou o feminino? A ambos, respondera
S. Ex. Nego eu. Para fazer correr um medroso tanto vale um barbado como um glabro;
quanto ao corajoso, si nao correr do escanhoa-
VERDADES INDISCRETAS
116
do,
tambem nao
se deixaraimpressionarpelo
barbado. De sorte que, a dizer verdade, a
barba na infantaria influe pouco no exito dos
combates
Agora, a questao e mais delicada. Cre o
sr. commandante que impressiona menos a
uma mulher uma cara raspada do que a que
traz «o masculo e natural distinctivo masculino,»
como
pittorescamente diz S. Ex.?
Nao
Ao tempo em
que
S. Ex. eracadete, talvez aindaassim fosse.
Um
creia nisso o
meu
general.
bom
par de bigodes dava sorte perante as
mulheres. Hoje, nao
E si o proprio general no principio do seu despacho, reconhece
que «o pedido de permissao para raspagem
do bigode e coisa muito frequento), isso bem
mostra que os que pedem tal licenga la terao
suas razoes (talvez pouco militares) para querer escanhoar-se... Convenga-seo general de
que OS tempos de hoje sao differentes dos
seus. Si OS rostos raspados nao agradassem
muito mais ao outro sexo do que os rostos
barbudos, nao haveria no exercito tanto pedido de licenga « para raspagem B, e S. Ex.
nao veria a mor parte dos paizanos raspar
sem piedade os bigodes. E neste caso, como
em tudo o mais, ainda e o sexo feminino que
manda
Cada vez mais as mulheres governam os homens. E, com o devido respeito.
.
.
.
.
.
OS BIGODKS DO EXERCITO
117
OS proprios soldados sao govern ados muito
mais por ellas do que pelos heroicos bigodes
do ST. general commandante. E' deploravel,
nao ha duvida, mas tambem e irremediavel,
irresistivel
.
.
.
Exigencias do minuete
Leio nos matutinos que brevemente haverd a primeira festa de caridade desta esta9ao; e do seu programma faz parte um numeTO que, executado comme il faut, sera uma delicia: um minuete de Mozart dansado por oito
pares.
Como, entretanto, irao dansar esse minuete? Por emquanto nao dizem as folhas si
serd dansado a caracter ou em trajes de hoje.
Pergunto-o porque taes extravagancias se dao nesta cidade, que poderiam os
bailarinos apparecer
os cavalheiros de casaca e as damas trajadas segundo o maximo
rigor do Paris moderno
o que seria lamen-
—
—
tavel.
O minuete e dansa inadaptavel a qualquer epoca differente da sua. Exige do lado
das damas puffes e cabelleiras empoadas;
do lado dos cavalheiros sapatos a Luiz XV,
—
—
VERDADKS INDISCRETAS
120
casaca de portinholas, calgoes, espadim, bofcs
de renda, tricorne, corpo flexivel e minucia
importantissima!— perna muito bem toniea-
—
da...
Dansar o minuete com trajes modernos^
mesma casaca sensaborona com que
se dansa o tango no Assyrio ou se vaearecep^ao do palacio do governo, e um absurdo
com
a
wm attentado contra a esthetica.
casaca e uma casta de roupa inventada para nivelar, perante as leis da moda, o fidalgo de ra9a ou de espirito e o plebeu, o
burguez e o proletario.
E' traje democratico e sem individualidade. Tanto podera servir para o rei da Inglaterra como para qualquer desses condes italianos e portuguezes, promovidos de engraxates e vendedores de cebolas a fidalgos de
linhagem.
Nunca, porem, para o minuete, que e a
dansa mais aristocratica de quantas existem. E'
uma dansa queexige amdzenfepropno,como os
passos hellenos e em geral todas as choreas
historico e
A
que marcaram limite duma civilisagao. Minuete que nao recordar o pincel de Greuze
ou de Watteau nao e minuete.
Exige tudo isso e mais um entrainement
prolongado, porque n6s nao podemos ter
idea da delicadeza que € necessaria para in-
EXIGENCIAS DO MINUETS
121
Quern quizer dansar bem um minuete deve passar pelo menos um mez sem
dar um passo de qualquer das detestaveis
dansas americanas, que tern corrompido o bom
gosto destes tempos. E depois disso, ensaio,
estudo, estudo, ensaio. O minuete e exigente.
Dansal-o como se dansa o tustepe ou o tango canalhesco e uma profana^ao.
terpretal-o.
Ruido e SoiidSo
O carnaval dos
men OS
procuradas,
que vagam sos pelas ruas
ruas
pelas
silenciosas,
nao seja o mais aconselhavel, mas nem
por isso deixa de ser o mais divertido. Os
que buscam a agitagao da Avenida cumprem
a sua finalidade. Osfrades, no silencio das suas
cellas, provam que nasceram para o silencio
OS carnavalescos, no ruido de Avenida, provam que nasceram para o ruido O mundo
nao seria mais triste, si deixassem de existir frades nos seus conventos tambem nao seria mais alegre, si supprimissem o Carnaval
Os moralistas nao applaudem essas bambochatas e tem razao. Mas o movimento do universo e tao indifferente ao Carnaval como ao tremendo mysterio daRedemp^ao. O globo continua a gyrar em torno do seu eixo, at6 que
apparega algum sabio que prove o contrario,
sem correr os riscos por que passou Galileu...
talvez
.
;
VKRDADES INDISCRETAS
124
Justamente agora, emquanto escrevo, meninas de familia, phantasiadas e de meias-mascaras, passam cantando coplas que fariam enrubescer meretrizes de Byzancio. Ora, antes
dellas passarem cantando as suas obscenidades, pouco antes, approximou-se de mim
uma pobre creanga esqueletica, de dez
annos no maximo, faminta, e pediu-me uma
meesmola
depois
percorreu
outras
sas. Dahi a pouco entrou no bar (rua afastada)
um senhor acompanhado de uma
menina. apparentando dez annos, forte,
sadia, vestida de branco e muito seriazinha.
Parecia filha do cavalheiro, que pediu uma
garrafa de cerveja. x^mbos beberam Elle lia
um jornal. A pequena bebia. Qual seria
mais infeliz
a que, aos dez annos, pedia
esmola, ou a que, aos dez annos, bebia em
companhia do pae ? Mas o Universo e indifferente a tudo isto. Entretanto, quem seria a mo^a que passou por mim, vestida
de siciliana e com duas trangas castanhas,
maravilhosas, a cairem-lhe quasi ate aos
joelhos ? O' Santuzza desconhecida e errante
O que eu daria por uma noite atado a essas
fortes trangas de mulher primitiva
;
.
—
I
!
.
.
.
O
O
caso do
homem
pogo maldito
que caiu no poyo
em
Rocinha, Estado de S. Paulo, offerece aspectos curiosos. Esse infeliz, que se chamava
Isaias,
quando alimpava uma
cisterna
de
vin-
te e cinco a trinta metros de profundidade,
em
baixo e esteve quasi uma semana
morre», emquanto se faziam
baldadas tentativas para salval-o.
De Sao Paulo foram duas turmas de bombeiros, chefiada cada uma por um engenheiro.
De Sao Paulo foram ainda cabos, roldanas e
outros apetrechos necessaries ao trabalho de
i9ar o infeliz que jazia sepultado em vida,
meio devorado pela repugnante e venenosa
bicharia do fundo do pogo, num martyrio formidavel, a Edgard Allan Poe. Mais de duzentas pessoas estacionavam a borda do pogo,
ajudando a salval-o, ou lamentando a sorte
de Isaias. O telegrapho, comegou a transcaiu la
«morre nao
VERDADES INDISCRBTAS
126
ao paiz
mittir
que
inteiro
um homem num
caira
la
pogo.
em Rocinha
Os
prelos
gemeram. Os jornaes descreveram o estado
de
Isaias,
reclamaram providencias, suggeri-
ram medidas. Emfim, o
bendo que um homem
paiz inteiro ficou sasoffria
no fundo de
uma
cisterna. Pelas esquinas, pelas confeita-
rias,
ate nos theatros, nao se cuidava de cutra
rer».
no pogo e vae morFinalmente, como nao foi possivel sal-
val-o,
morreu. Os jornaes abriram columnas,
coisa
:
« Isaias,
coitado, caiu
deram retratos e, la em S. Paulo, ja comegam
a fallar na abertura de um inquerito para apudeixou de ser salvo por impossisi por impericia das turmas encarregadas do servigo.
Quem podera saber si Isaias deixou de ser
salvo por impericia? E' preciso nao perder de
vista o seguinte: durante cerca de cinco dias,os
bombeiros idos de S. Paulo, com grandes difficuldades, conseguiram ir entretendo a vida
do infeliz a custa de cordeaes, leite, vinho,
que Ihe davam la
aguardente, cafe, etc
em baixo, presos a cordas e correndo o risco
de se enterrarem tambem. Apos muitos trabalos esses bombeiros conseguiram igar o
homem ate talvez metade da altura do pogo.
Foi um momento de jubilo. Estava salvo!
Nao, nao estava. O cabo partiu-se e Isaias
rar
si
Isaias
bilidade material ou
.
,
caiu outra vez.
O PO5O MAI^DITO
127
Mandaram
for-
vir
cabos mais
Vieram tambem empregados da Companhia Paulista, que, em algumas horas, conseguiram p6r a cisterna a secco e igar Isaias.
Estava finalmente salvo De ca de cima ja o
viam apparecer na semi-obscuridade do seu
tes.
!
De
—
—
repente
paf!
Idse arrebentava o cabo e o infeliz imniergia novamente
nas trevas, de onde foi impossivel retiral-o
com vida, pois que, durante o trabalho de seu
terceiro salvamento, elle rendeu o espirito.
Eis porque nao sei ate que ponto se podera
attribuir esse desastre a falta de pericia das
turmas salvadoras. Impossibilidade material
de salval-o nao existia e a prova e que, por
duas vezes, esteve quasi salvo e si, por
duas vezes, elle esteve quasi salvo, so nao o
sendo por se terem quebrado solidos cabos
em que os profissionaes depositavam confianga, nesse caso, parece nao ter havido imperisepulcro.
;
;
Eu me
antes, a admittir como
desventura,
ate que appareexplicagao dessa
9a outra melhor, fatalidade. E' certo que as
autoridades, maxime quando procedem a inqueritos administrativos em que as suas pess6as nao estejam envolvidas, sao pouco inclinadas a admittir a fatalidade como explicagao de uma catastrophe. O que ellas procuram e Mm.2. falta parapunir. Ora a fatalidade
cia.
inclinaria,
VERDADES INDISCRETAS
128
nao pode ser punida. A impunidade e precisamente o seu maior prevjlegio. De sorte que
ella fica quasi sempre afastada das conclus5es
dos inqueritos. Fica afastada, mas nem por
isso deixa de existir e de manifestar-se, como
no caso de Rocinha, em que parecia haver
uma forga occulta e mysteriosa que attrahia o
pobre Isaias para o fun do dantesco do pogo
4TiaIdito
.
.
.
As mulheres na
politica
Adiantara muito submetter a politica a
ainfluencia santificadora do sexo affectivo»,
como
diria
De
o
sr.
Teixeira
Mendes ? Creio que
mulheres ja influem na poeleitoras nem deputadas influem indirectamente, pelo prestigio
que tem sobre os maridos, sobre os noivos,
sobre os amantes. Nem e preciso a uma muIher ser casada com deputado para influir nas
suas ideas politicas. Conhego deputados que
sao francophilos por causa das prostitutas francezas
O venerando senador Irineu nao se
dedignou de ir uma noite ao Municipal fazer
nao.
facto, as
embora nao sejam
litica,
:
,
.
.
discurso
numa
festa apr6-alliados»
que
ali
se
nao menos veneravel Suzanna Castera, proprietaria de uma
pensao de meretrizes Nem louvo nem condemno admiro com as turbas
realisou sob os auspicios da
.
:
.
.
.
VERDADES INDISCRETAS
130
Ora, influindo as mulheres nos politicos^
e sendo estes, em geral, o que nos sabemos,
OS negocios publicos melhorarao muito no dia
em que ellas influirem directamente sobre
? Nao creio. Uma ou outra mulher, desde que o mundo existe, tern tido visao politica Catharina de Medicis, Maria Thereza,
Catharina II, da Russia, a rainha Christina, da
Hespanha, e algumas outras mais. Sao, porem, excep^oes, alem de serem mulheres de
raga nobre, descendentes de reis, de homens
de pensamento e mando. Agora, que beneficio resultaria para o paiz si, por exemplo, a
professora Leolina Daltro fosse deputada ? Nenhum. Seria apenas a representagao feminina
do marechal Pires Ferreira
Geralmente se diz que as mulheres sao
mais honradas,em materia de dinheiro, do que
n6s OS homens. Confesso ser verdade. De
ordinario as mulheres nao furtam. Mas nao
furtam porque ? Porque os homens se incumbem de furtar para ellas. Entao essas nego-
elles
:
4-
essas chantagens, essas roubalheiras
formidaveis, que se praticam por ahi, serao feiciatas,
tas pelos
homens
so pelo prazer de ajuntar
dinheiro, muito dinheiro nas gavetas, so pelo
«gosto da cobiga e da avareza», como diria
Luiz Vaz de Camoes ? Nao. Si os homens
prevar^cam, e por causa dos chapeos, dos ves-
AS MDI,HERBS NA POWTICA
tidos,
131
das meias e das joias das mulheres. Si
as mulheres, para dar o seu amor, nao exigis-
sem
nao
dia em que
tanta coisa cara, tao prevaricadores
seriam os homens. Ora, no
ellas fossem deputadas e ministras, seriam
tambem brasseuses d'affaires e commetteriam
as mesmas indignidades que os homens. Apenas, sem justificativa um homem que furta
:
para nao perder as coxas de
uma mulher, esta muito longe de merecer
absolvigao, mas inspira certa sympathia
a
sympathia que se tem pelos imbecis. Uma mufurtava apenas para si,
lher que furtasse
para comprar chapeos e joias. Amor? Nao:
simples e pura vaidade. Ha ainda, para consumir o dinheiro dos homens, o jogo. Mas as
mulheres tambem jogam, e jogam feio e forte.
Em Caxambu, nas estagoes proprias, quando
OS hotels regorgitam de aquaticos, a roleta e
frequentada pelas senhoras defamilia.as quaes,
diga-se de passagem, embora um pouco ingenuas, tem admiravel vocagao para tripoteuses
e tricheuses. Isto alias, nas mulheres, e muito
antigo. Ja no tempo de Luiz XIV, a duqueza
de la Ferte, jogando com os seus fornecedores, roubava-os. Quando alguem Ihe fallava
nisso, ella respondia: Eh bien, oui,je les triEis porque,
che, mais c est quits me volent
a meu ver, a entrada das mulheres para a po-
por amor,
isto e,
—
—
.
.
.
VBRDADES INDISCRETAS
132
em nada a situa^ao do
nao trariam quanto a honestidade, a dellas nao seria maior do que a
litica n|Lo
melhpraria
paiz. Ideas
nossa.
.
.
ellas
;
Verhaeren
A
morte de Emilio Verhaeren, tao inopinada e tao tragica, equivale a um cheque
formidavel soffrido pela litteratura mundial.
E' uma grande fdrga espiritual que desapparece. Verhaeren era uma grande forga universal. P6de-se aferir a grandeza de uma personalidade pela vibra^aoque a sua morte produz em todo o mundo. A morte de Verhaeren produziu a mesma vibra9ao mundial que
a de qualquer dos grandes soberanos do universo. Porque desde o momento em que elle
era esmagado por um trem em Ruao, estremeciam os fios telegraphicos, transmittindo a
nova a toda a Franga vibravam os cabos submarines, espalhando a noticia por todos os
continentes, levando-a aos dois polos da Terra; vibrava a propria atmosphera nas suas
ondas hertzianas, levando o conhecimento da
morte de Verhaeren a pontes distantes, a
;
VERDADES INDISCRETAS
134
pontes ignorados, a qualquerplaga desconhecida onde houvesse uma alma sensivel as emogoes superiores. Este grande symbolista, este
grande mystico dos Moines, foi tambem um
extraordinario realista, ou melhor, um formidavel idealisador da materia. Toda a vida contemporanea teve no Verhaeren das Forces
TUMULTUEUSES C daS ViLLES TENTACULAIRES
o seu melhor, o seu unico cantor. Toda a inquietagao moderna esta nos versos deste grande flamengo. Nao ha dobra, por mais secreta,
da complexa alma contemporanea, que nao
tenha sido analysada em seus versos, as vezes,
numa
simples phrase, mas numa dessas phrases germinativas, que se desdobram, no nosso
interior,
em
infindaveis ondas sonoras,
echos incessantes,
ate
em rythmos
em
infatigaveis,
que se percam no tumulto da vida
uni-
versal.
A
lingua franceza no seculo XIX teve
maximos na primeira metade,
Charles Baudelaire, analysta da alma decadois poetas
:
dente do seu tempo na segunda metade,
Emile Verhaeren, o reverbero mais poderoso
e mais vivo da alma de transigdo que caracterisa a sua epoca
soube comprehender a vida
real como um homem de sciencia soube adivinhar o que nao sabia, como um genio, e
soube simultaneamenteser um mystico digno
;
:
;
135
VERHAKREN
aureola que illumina o seu patricio Ruysbroeck, o Admiravel. Tragico Yerhaeren O
seu espirito viveu em perenne contemplayao
de todas as forgas que constituem a belleza
quiz o destino que a sua
interior da Vida
vida se extinguisse num turbilhao, colhidapela
afor^a tumultuosa» de uma locomotiva em
inarchapara asplanicies, para os campos, para
<la
!
;
a Natureza e para as cidades tentaculares que
elle idealisou, e ondeaporgao inferior do seu
ser se integrara nas podridoes incessantes de
Celui du rien
« Je
suis celui des pourritures incessantes
.
.
Je suis celui des pourritures infinies
Vice ou vertu, vaillance ou peur, blaspheme ou
Dans mon pays de fiel et d'or, j'en suis la loi,
Et je t'apporte k toi le consolant flambeau^
ly'offre a saisir de ma formidable ironie
Kt mon rire, devant I'universel tombeau. .»
:
foi,
.
Sim, o destino
foi
bestialmente ironico
para com Emilio Verhaeren: em vez de fazel-o
morrer docemente, no mvstico deslumbramento das suas harmonias interiores, deu-lhe
morte violenta e ruidosa. O cantor dos RyTHMOS soBERANOS reccbeu como premio a morte sem rythmo e, em vez de ouvir, ao morrer,
a musica de si mesmo, elle, o grande rebuscador de rythmos para o pensamento, a ultima
vibragao das f6r9as naturaes que ouviu foi o
;
136
VERDADES INDISCRETAS
de uma locomotiva, como expressao
symbolica e tragica da aformidavel ironia» das
coisas, do extranho riso cosmico do tumulo
universal que escancarava a fauce para tragal-o
silvo
in ceternum et ultra
.
.
.
Heresia orthographica
Eu
deveria ter escripto «Erezia ortograpara ser agradavel ao sr. Medeiros e Al((Relijiao ortograbuquerque, cujo artigo
fica», foi o inspirador destas linhas.
O sr. Medeiros e Albuquerque vem ha
muito tempo pugnando pela simplifica9ao da
nossa orthographia. Uma lingua e um organismo vivo portanto esta sujeita a modifica9oes, a augmentos, a diminuigoes, a amplia96es e simplificagoes, como qualquer outro
organismo. Mas essas modificagoes nao podem e nao devem ser feitas por decretos. Devem operar-se naturalmente, espontaneamente. Antigamente escrevia se gapato e agucar\
hoje escreve-se sapato e assucar, porque o uso
consagrou estas ultimas formulas.
orthographia e, com effeito, uma convengao mas as melhores conven96es nao sao
impostas por decretos nem ucases; sao baseafica»
—
;
A
;
VERDADES INDISCRETAS
138
das na tradigao; triumpharam pouco a pouco.
A maior das conven^oes e a moral, que nao
se impoe por intermedio de poderes legislatives. Si outrora alguem se lembrasse de decretar a obrigatoriedade do decote, provavelmente teria de soffrer opposigao de todos os
Catoes da epoca; entretanto,o decote e hoje de
uso corrente na alta sociedade, emcertas festas nocturnas. Si uma senhora, pela manha,
nos apparecer de hombros nus, ficaremos a
pensar coisas absurdas a respeito de sua moralidade
.
.
.
De
noite,
num
theatro, ella
pode
mostrar a toda a gente os hombros e grande
parte da espinha, o coUo ate a raiz dos seios,
OS bragos (inclusive as axillas), as pernas ate
osjoelhos, etc., etc., etc., sem incorrer em
suspeita de especie alguma, salvo si ja for
mais ou menos conhecida de todo o mundo a
Pura convengao, cersua chronica secreta.
tamente, mas que nao se impoz de um dia para
.
.
outro.
Assim
e a orthographia. Ella deve modipela acgao do tempo. Ha palavras que,
modificadas de um momento para outro, perdem quasi a sua razao de ser. Que razao havera para escrevermos, por exemplo, lyriof
Nenhuma.
latim se escreve lilium
mas
estamos de tal maneira habituados a ver lyrios
ficar-se
Em
;
e nao lirzos, que nao valeapena alterar agra-
HERESIA ORTHOGRAPHICA
.
.
139
.
phia do vocabulo, Isto sem appellar para a
razao que dava aquelle academico francez para
que se escrevesse lys e nao lis, isto e, que o
ja recordava materialmente a forma de um
lyrio.
.
.
Fantasma sem ph nao causa medo a
guem
nin-
ao passo que phantasma, basta ler-se
para que se vejam logo duendes e gnomos de
todas as qualidades.
Onde o sr. Medeiros e Albuquerque tern
razao e no ponto em que combate o motivo
que deu a Commissao de Finangas para nao
mandar adoptar uma orthographia official
que a questao orthographica e um caso de consciencia, como a religiao
Isto, realmente, e
uma razao de cabo de esquadra. Nesse andar
nao podiamos legislar mais sobre coisa alguma. Ha, por exemplo, religioes que admittem
o casamento de um homem com muitas muIheres logo, o Codigo penal nao pode punir
a bigamia, porque o bigamo pode ter-se casado com mais de uma mulher por motivos religiosos, alem de outros menos espirituaes
Na verdade seria antipathica qualquer
decisao dos poderes publicos a respeito de
;
.
.
!
;
.
orthographia.
nao legislando
A
;
Commissao,
mas podia
ter
pois,
fez
.
.
bem
dado outra
ra-
zao. Podia, por exemplo, appellar para o facto
de haver muitas grammaticas portuguezas au-
140
VERDADES INDISCRETAS
torisadas officiatmente ora, trazendo essas
grammaticas regras mais ou menos certas a
respeito de orthographia, cessava a necessidade do governo estabelecer nas reparti96es
;
O
que
publicas principios basicos de escripta.
quanto
regularisar
o governo deve procurar
antes, com a maxima urgencia, e a escripta
do Thesouro. O resto deve ficar por conta
das grammaticas adoptadas nos institutes officiaes e que na© sao poucas
Quanto ao sr. Medeiros e Albuquerque,
uma vez que, segundo o seu artigo de hontem,
o Estado adoptou uma (crelijiao ortograficaj),
elle, que e contrario a essa arelijiao», fica na
ou melhor, sen do,
categoria dos «erejes))
ref6rma contraria
uma
de
corypheu
como o e,
mais que um simser
a essa «relijiao)), devera
e um heresiarcha, ou ereziarcUy
ples hereje
si Ihe s6a melhor
.
;
:
.
.
.
.
.
A
princeza Arminda
—
Em
toria
nada
livro muito antigo
Da curiosa hisda fermosa princeza Arminda de Gra-
—
possivel
seria
assim
encontrar capitulos
—
cc Cap. IV
Como o principe Mustapha
veio cantar sob o balcao de Arminda ao som
do arrabil e do mais que entao se passou.
Como a fermosa princeza, nao
Cap.
querendo fazer maridan9a com o principe
X—
Mustapha nem com o
queixa ao
Cap.
califa
bellico Ali, foi fazer sua
Abdelcader.
XIV — Da
disputa que houveram
Mustapha e Ali por amor da princeza Arminda e como se desafiaram para singular
combate.
Cap.
—
XIX Do combate que fez Ali
contra Mustapha e como ambos foram vencidos pelo gigante Merlao, por artes do Nigromante Massapatao, o qual vivia em Mecca,
VERDADES INDISCRETAS
142
junto do tumulo do seu infame propheta Ma-
fame de.»
O
terminaria com a conversao da
princeza ao christianismo e seu casamento
ou maridanga com o conde de Olivares.
Mas nada disso se deu, leitor. Esta Arlivro
—
—
.
.
minda de quern trato aqui e filha do turco Jose
Raber e mora a rua Buenos Aires, antiga do
Hospicio, no bairro turco, passeio que nao te
aconselho, por motivos hygienicos
Constou a policia, segundo referem os
.
jornaes, que
pae,
em
Arminda
estava, por
.
.
ordem do
carcere privado. Interrogado, decla-
rou o pae Raber que a filha tinha apenas reE veio encato, para evitar complica9oes
tao a historia de um certo Mustapha, que Ihe
promettera uma casa, e de um certo Ali, que
Ihe promettera dois contos. Nenhum cumprira a palavra por isso a princeza, quero dizer, a filha do Raber, nao quiz fazer maridanga
com nenhum delles. A policia os mandou a
todos em paz.
E ahi tem o leitor a historia da Arminda,
que nao e princeza moura, mas apenas moura
filha de mercador. Decididamente sao muito
prosaicos os nossos tempos
,
;
.
.
.
.
.
L'homme
qui assassina
Esse pobre sargento que assassinou a
mulher (Livia, bello, evocative nome romano !) e uma victima do preconceito de
ra9a, da falta de dinheiro e da inconsciencia
clara
Seu sogro, um livreiro italiano, deque sempre se oppoz ao casamento delle
com
a
feminina.
primeiro por ser elle cede c6r
ter tanto dinheiro
quanto fosse necessario a nobre descendente
Quanto ao preconceito de
de um iialiano
raga, ve-se bem que esse livreiro, compatriota
de Dante, nunca se deu ao trabalho de abrir
uma tragedia chamada O Mouro de Veneza.
e que foi escripta por um certo William Shakespeare si a tivesse lido, teria notado que a
sua patricia Desdemona, formosa e fidalga, se
apaixonou tambem por um soldado, que nem
ao menos era christao, que devia ser mais escuro do que o sargento, e que por sua vez a
parda));
filha:
segundo por nao
.
;
.
.
VERDADBS WDISCRBTXS
^. nara ttagedias de amor,
e portaato
matoua
q"f ^ ^festhetico
'""•^
Homem
instrumento
"'^'^Vo
que o rev61ver.
do
nobre
„,uito mais
^^ ^^^^
gosto, q"e
punhal.
adaga,
bom
^^ ao
deve darpr^j
^^^^^
tenha
ouro
de
nao
"boseja
caso
recurva ^jo ^^^^^^^ ^ ^^.
antiga,
adaga
"avejado <ie
^^^^^ ^^^^^^^
burilado e
de
bellatoliana,
"^/^^
v61ver e arma
^\J^^
ho-nen
^aes,
para abater
res.
vulga^ ;j^uiheres
^paiKona-
Urn belle ^f^J^^^,^^,o de
branco e
tf"P^f
traged.a,
punhal.
.j^ um
ofulgorda lamina ^^^ ^.^
exige
esse
homem de bo g^ ^^i,.. deye
Mais ainda,
da,
coUo
uma bella
casaca, ella
de
-""^^^^l^^ie
nmte e
^
matal-aapunhala
de "«•
fino,
^ ^^ ser
decotada-depois
tem a ;an^^|^
champanha. Isto
^^^ ^ ^,,^.
de p P^
aristocrat.co, e
^^^
altamente
da Pnv 9
<lir.mente
O
^
^^^^
vilhosa
«abalho ao
es^
muito
Poupa
J^^^^ ^.^^
homem s mples
„,atar
sargento,
revolver^
posa de dia e a
vulgar
[amentavelmene
mal ferida, o
ter caido
tiro
^^^.^
O
.^ ^^ ^
s'.P^
^^^^^^
^j^ericordia,
^,.
um
como
ponta-pe,
vesse dado,
em
ponta-pe
^enhoras e aos
P'^^'^J"^^a tod^
de
horror.sa
q"«
^^^ ^^^ ^„,„
series, e bcg
homens
I<*HOMA!B QUI ASSASSINA...
"ver,
145
o que da certo cunho tragico ao crime,
A
distinguindo-o dos uxoricidios communs
grande raiva, a colefa d'aymore de que estava possuido esse homem
Nao e nada mesua ira e dessas que
diocre esse criminoso.
toldam por complete a razao. Sim, homem que
conserve ainda alguma parcella de senso commum nao escouceia uma mulher viva, quanto
mais o cadaver de sua mulher Para que o sargento ousasse dar-Ihe um ponta-pe no rosto,
depois della morta, era preciso que elletivesse
um immense orgulho offendido e um immendeis sentimentos perise amor desprezade
gesos come leoes famintos. Havera quem o
cendemne ? Para tante, e preciso nao ser humane. A sua principal defesa esta justamente
no ponta-pe final. Si es seus advogados forem
inteiligentes, terao nesse couce a prova mais
evidente da providencial priva9ao de sentides. Esse ponta-pe, antes de ferir o rosto da
assassinada, espatifeu o libello da promotoria.
defesa, com algumas phrases lyricas, dard
ao case o remate que cenvem. resto fica por
conta da intelligencia e do cansago dos jurados.
Seja come f6r, ninguem pode condemnal-o, pelo menos a pena maxima. Lembremo-nos, senhores,de que esse homem que,
sob o aguilhao de seu amor e do seu ciume,
^atou a mulher, podia ter feito cousa muito
.
!
A
!
—
A
O
.
.
10
VERDADES INDISCRETAS
146
peor: podia, segundo o conselho de Heine,
ter feito da sua d6r um poema e publicado um
livro de versos! A sociedade, absolvendo-o,
deve agradecer-lhe o tel-a livrado dessa cala-
midade
.
.
Os crimes de amor
Em
S.
um jovem
Paulo,
jornalista,
Ri-
cardo Gongalves, deu um tiro na sua amante
(amante, ou mulher, nao o sei bem), por ter
tido provas de que ella Ihe era infiel com um
medico a quern elle chamara havia tempos para
curar uma filhinha sua. Estourada esta tragedia, todos os jornaes sao unanimes em condemnar o medico «Miseravel! Seductor!
Don Juan indecente !» E outras adjectivagoes.
E' evidenteque, num casodesses, ditticilmen:
um homem dapechade seductor.
Mas tambem, por outro lado, parece que, num
te se livrara
crime de amor, nao se pode imputar toda a
responsabilidade ao homem, principalmente
quando a mulher causadora datragediatemos
precedentes de Maria do Carmo, a companheira de Ricardo Gongalves. Essa mulher,
com as suas infidelidades, foi causa do suicidio
do marido depois deste successo, foi viver
;
VBRDADSS INDISCRKTAS
148
com o
(6 semdia este foi
«qiie a seduzira))
cavalheiro
Um
pre o homem que seduz!).
assassinado. Uniu-se ella, entao, com Ricardo Gon^alves, poeta, jornalista, homem
de talento, segundo dizem. Maria do Carmo,
informam os jornaes paulistas, era morphinomana, exactamente como o poeta. Quaes
seriam as leituras preferidas dessa creatura ?
Que genero
de palestras cultivaria na
inti-
midade caseira, quando estivesse a sos, com
o seu homem ? Tudo isso seria necessario saber, para poder formular juizo mais ou menos approximadoda justi9a.Conhecidos os precedentes,
admitte-se a
tal
«persegui9ao
irre-
de que tanto se fala para justifical-a
de ter caido nos bragos do medico ? E nao declarou ella mesma terminantemente a Ricardo
que nao o amava mais ? E' possivel que o medico a requestasse mas tambem e possivel
que elle o fizesse so depois de ter recebido
della uma ordem de aavangar)), dada silenciosamente. com simples olhares, comosabem
fazer mulheres desse jaez. Custo muito a crer
na «persegui9ao irresistivel» de um homem
mogo para umamulher mae de alguns pimpoIhos e batida ja por amores varios e tragedias
diversas. Concebe-se que um homem bello
exerga certa fascina^ao nos nervos de uma
inexperiente rapariga de dezoito annos, que
sistivel»
;
OS CRIMES
DE AMOR
.
.
149
.
buscano mundo, incessantemente, no ceo, nas
estrellas, nas flores, no ar que respira,em tudo,
impellida por uma fatalidade cosmica, conhecer a Vida, decifrando o enigma do seu proprio
cora9ao. Essa pode ceder a ffpersegui9ao irresistivel))
.
Mas uma senhora experimentada,
doutora formada
em amores
tragicos, matri-
culadissima na classe das peccadoras, morphinomanae voluvel, nao p6de lan^ar mao desse
recurso de defesa. aPersegui^ao irresistiveb
soffria ella, mas nao do exterior. Essa perseguigao vinha della mesma, do seu interior,
das suas entranhas, da calidez do seu temperamento da vibratilidade dos seus nervos
Como todas as grandes amorosas, trazia o
bacillo da infidelidade na massa do sangue E e por isso inutil condemnal-a Ella
e perjura em virtude das mesmas fdr^as naturaes que dao colorido as rosas e perfume is
.
.
Mas tambem acho que 6 injusti9a facarga contra o medico, exclusivamenE' um conquistador profissional, dirao
senhores Nao haveria conquistadorcis si
violetas.
zer
te.
Oh
!
!
nao houvesse mulheres conquistaveis. Nao ha
artilheiro
que penetre
em
pra^a forte
bem
guarnecida. As tropas so entram quando a
praga se rende E ha pra9as que se nao rendem nunca Verdun, por exemplo. Verdun e
Lucrecia.
.
:
.
.
O
jogb franco
.
Nessa campanha que a policia emprehendeu contra o jogo, ha facetas curiosas, como
em tudo quanto se
faz neste paiz.
A principio,
o Chefe de Policia pareceu nao se incommodar muito com a jogatina. Os jornaes, porem,
comegaram a reclamar contra semelhante immoralidade. O dr. Chefe entao ficou entre a
cruz, que era o dever de olhar pela moral publica, e a caldeirinha, que era o seu espirito
liberal. Nao sabia o que fazer. Nao sabia o
que resolver. O'duvida! Pobre Hamlet da
rua daRela9ao! Afinal.depois de muito reflectir, achou S. Ex. a formula capaz de conciliar
OS mais altos interesses da moral com os mais
baixos interesses dos banqueiros, croupiers,
pharoesy moscas e outros animaes da immensa
fauna dos jogadores. A formula salvadora da
policia era esta o jogo so seria permittido de
cinco horas da tarde em deante De sorte que,
:
!
VERDADES INDISCRETAS
152
transportada do terreno pratico para o terreno
especulativo, a decisao do Chefe de Policia
podia ser reduzida ao seguinte principio, que
Kant infelizmente nao inscreveu na Critica.
DA Razao Pratica: «Ojogo porserladroeira.
e crime ate cinco horas da tarde dessa hora.
em deante deixa de ser crime para ser ac9ao
Sic
indifferente, caso nao seja innocente«
volo, sic jubeo
sit pro ratione voluntas. Comose ve, o Dr. Chefe esta creando novas interpreta96es da vida.
Comegou, pois. o jogofunccionar
a
vastamente das cinco da tarde
em deante. E' claro que, com semelhante
Ossalvo-conducto, a jogatina alastrou se
jornaes bradaram as armas novamente. Nao*
podia ser assim. Era preciso dar provide ncias serias para livrar a cidade de semeDr Chefe novamente
lhante cancro
poz-se a pensar. Quem pensa, inventa. For
pensando que o monge Schwartz descobriu
a polvora Foi tambem pensando que o Dr.
Chefe descobriu um principio de moral, ao>
decidir que nao houvesse clubes no centra
da cidade, mas somente nos arrabaldes Eis o
principio aO jogo, sendo uma ladroeira, nao
pode existir no centro de uma capital civiiisada, mas nos arrabaldes nao faz mal nenhunt
que formiguem 6s trapaceiros». Devo declarar francamente que a campanha contra ojogc^
:
.
;
.
.
.
.
O
.
.
!
:
O JOGO FRANCO...
me
153
perfeitamente indifferente. Nao vird
abaixo o mundo si a policia cruzar os bra90s
deante do numero alarmalnte dos tripots da
e
capital.
O
que
me
como em
interessa nisso,
tudo, sao OS seus aspectos metaphysicos, os
aspectos superiores. Por este lado, posso garantir ao dr. Chefe que Ihe sou muito grato
por aquelles dois novos principios de moral
que me ensinou Quando estive nas aulas de
philosophia, ouvi muita coisa a respeito das
sciencias moraes mas nao conhecia nem podia conhecer aquelles dois principios admiraveis que S. Ex. acaba de gloriosamente
descobrir Mestre, muito obrigado
.
:
.
!
.
.
.
Preconceitos de linguagem
Na Rumania, segundo
francezes,
que agora muito
dizem os jornaes
se interessam por
tudo quanto diz respeito aos moldo-valaquios,
na Rumania ha certas palavras, que em todas
tem significagao nobre e que entre os rumenos tem significagao
pejorativa. Chamar, por exemplo, a algum
rumeno marquez, ou condessa a alguma rumena, e commetter injuria e grande. Entre
elles, nao se diz principe em rumaico, porque
esta palavra tem a significa^ao analogica de
jogral; de sorte que adoptaram la a palavra
franceza prince, para designar qualquer membro da familia real
palavra rei tambem
e injuriosa. Tanto assim, que, na traducgao
do livro biblico dos Reis, escrevem os rumeas outras linguas cultas
.
A
nos LivRO DOS Imperadores
Em portuguez ha tambem palavras de
significagao primitivamente honesta e que en!
VERDADES INDISCRETAS
156
podem ser pronunciadas
deante de pessoas de respeito. No norte de
Minas, por exemplo, como no norte de todo
o paiz, chamar dama a uma senhora e arriscar
a pelle. Dama, la por aquellas plagas, e amu-
tretanto agora nao
Iher perdida)).
A palavra moga pode ser pronunciada
deante de quern quer que seja. «Esta menina
esta ficando moga.
Sua filha e uma bella
mogaa sao expressoes correntes; entretanto,
querendo alguem referir-se a amasia de alguem, diz kA moga de Fulano!»
Rapariga f E' uma das palavras mais lindas da nossa lingua. Em Minas, entretanto,
rapariga applica-se mais as mulheres do servigo domestico, isto e, amas, cosinheiras,
arrumadeiras, etc
Aqui, ja vae tendo signicasa de raparigas e o
ficagao pejorativa
mesmo que bordel. Ora e um absurdo isso
Rapariga e simplesmente feminino de rapaz Seria encantador poder toda gente dizer, como ainda ha dias ouvi dizer a um espirito eminente, que me da a honra da sua amizade
« V. nao imagina que rapariga valente
e minha mulher.»
—
—
:
.
:
.
:
Mae/ Nao
se discute a belleza desta
tambem a palavra
suavissima palavra. Pois
mde vae assumindo
certas locugoes e
significa^ao equivoca.
um
Em
vocabulo pelo menos
PRECONCEITOS DE LINGUAGEM.
suspeito.
..
157
Os jornaes ji comegam a substituil-o
por progenitora. E' incrivel Que qualquer
palavra possa derrancar com o tempo comprehende-se mas a palavra mde / f O noticiario elegante tem receio de dizer « Faz annos
hoje a sra. Dona Fulana, muito digna mae
do nosso amigo sr. Beltranoa.Em vez de mae,
escrevem progenitora, que ^ uma palavra
!
;
:
erudita, secca,
como todas
as coisas eruditas,
e pernostica. Mde e alguma coisa tepida,
doce, nobre como o collo materno. Progenitora e simplesmente uma delicadeza de mofria
hem
leque
Mae,
fallante.
collegas,
mae
!
Devemos
escrever
Fulano», da mesma forma
que escrevemos «o pae do sr. Beltrano» e
c(0 filho de Dona Sicrana)). Ninguem diz na
intimidade
«vou beijar minha progenitora*, mas simplesmente,
«vou beijar minha
«a
mae do
—
mae»
sr.
—
.
E' para desejar que os jornaes abandonem de uma vez a pal^LVia progenitora, que e,
etymologicamente, muito mais grosseira do
que mde. Progenitora comp6e-se do prefixo
pro e da raiz genit, de gigno, gignis, genui,
genitum, gignere, que quer dHzer gerar. De
maneira que, posta em bom vernsiculo, progenitora e a pro ou ante-geradora do sr. Fulano^
Nao sei onde esta a delicadeza desta expres-
158
VKRDADES INDISCRBTAS
Por conseguinte, de uma vez para sempre, estabelegamos que os homens tern virtuosas e dignas mdes, e nao ridiculas e petsao...
hosticas progenitoras.
O
Feiticeiro
Um guarda civil que rondava de madrugada pela rua dos Arcos, percebeu, no pavimento terreo de certa casa, uns claroes inconEm
outros tempos, qualquer dragao da ronda se teria persignado e invocado o auxilio do alto contra visoes diabo-
stantes
e fugidios.
Ca o nosso guarda nao pensou em tal
Claroes inconstantes e fugazes? Principio de
incendio. Suppondo,pois,tratar-se de incendio,
bateu a porta da dita casa, que se abrio logo
O civil, com algumas pessoas mais, entrou,
correu ao andar terreo e deu com o inesperado. Nao havia incendio. Havia simplesmente
quatro velas accesas pelo portuguez Lino de
tal, que estava em frente dellas a dizer coisas cabalisticas e a atirar ao fogo sal e querozene. Interrogado, respondeu Lino que aquillo
elle o fazia para afastar certas coisas que Ihe
atrapalhavam os negocios. O guarda pensou
licas.
VERDADKS INDISCRETAS
160
« Este homem esta em sua casa,
pacificamente tratando de regularisar OS seus negocios. Ha varies meios de regularisar os negocios
por ordem na escripta
levantar um emprestimo, passar algumas notas
falsas, arranjar modos de ser fornecedor do governo, etc. Ora este homem nao langou mao
de nenhum destes meios logo deve ser preso.tt E com effeito prendeu Lino e o levou
para a delegacia. O delegado, depois de ouvil-o, respondeu que nao Ihe encontrava culpa
e mandou soltal-o. E' evidente que o delegado fez bem mas nao podia ter feito melhor,
si, al^m de por o preso em liberdade, mandasse dar-lhe todas as satisfa95es a que temdireito qualquer cidadao que e preso por engano? Porque Lino foi victima de engano.
Esse homem, si estivesse em sua casa, aquella
hora, debrugado sobre a sua secretaria, alinhando cifras num grande livro para poder
regularisar os seus negocios, com certeza nao
seria incommodado. Ora, quando elle atirava
sal e querozene ao fogo, estava, a seu modo,
methodisando a sua vida de mercador. E uma
vez que esse systema Ihe parecia eflficaz e nao
perturbava a ordem, cumpria a policia respeital o. Respeitemos, pois, os feiticeiros.
la
comsigo
:
s6zinho,
:
;
;
.
.
Bailarinas...
Bern fazem as mulheres vestem-se de
decotam-se o mais que podem
branco
encurtam as saias.
Uma vez que paes e
maridos nao se opponham a tal, que temos
nos com isso ? Esses saiotes suggerem muitas
coisas, principalmente lembrangas do passado.
Quando as vejo, lembro-me de bailarinas e
penso quanto estamos adiantados relativamente ao seculo de Luiz XIV, por exemplo
Quando se fundou a primeira scena lyrica em
Paris, por iniciativa do padre Perrin, as baila:
;
.
rinas
eram
.
.
.
.
machos
A
appari9ao de mulheres no palco seria
urn escandalo. So em 1681 Lulli conseguiu a
cumplicidade das damas da corte para que as
mulheres pudessem representar no seu bailado Triompke de t Amour. As princezas mais
soberbas tomaram parte nesse bailado. Entre
outras a Delphina de Fran9a, Mile, de Conti,
:
11
VERDADES INDISCRETAS
162
a princeza de Guemene, como nympha de
Diana, Mile, de Poitiers, de nayade, Mile, de
Sevigne, futura condessa de Grignan
Dias
depois, o bailado foi repetido para o grande
publico, na Opera, com as primeiras bailarinas
contractadas, que eram apenas quatro. Successo louco
A direcgao da Opera contractou
.
.
.
!
mais bailarinas Mas ninguem pense que ellas
dansassem de maillot e saiotinho de gaze e
!
barbatanas como hoje. Em primeiro logar,
cada bailarina vestia-se como queria em segundo logar vestiam-se a moda do tempo,
isto e, saia cumprida e larga, busto acochado
em collete de barbatanas, mangas apertadas
ate o cotovello. De pernas nem signal
aphorismo fundamental neste assumpto hoje
em dia e « O primeiro dever de uma bailarina e mostrar as pernas.)) Naquelle tempo
este aphorismo ainda nao existia. So em 1726
a Camargo teve a ousadia de apparecer de
Mas que escandalo t
saia curta em scena
Grimm, que estava em Paris nessa occasiao,
conta que os jansenistas protestaram contra
tao grande falta de decoro. Os molinistas, pelo
contrario, approvaram. A Sorbona teve de
metter-se no meio da contenda. Mas a moda
Entretanto havia
das saias curtas pegou
ainda no traje das bailarinas uma pe^a desgraciosa eram as calgas, que vinham ate os
;
.
:
.
.
:
.
.
.
.
O
BAILARINAS.
.
163
.
joelhos e appareciam atrozmente sob a saia.
Ah nao houve duvida supprimiram-se as
cal9as! Mas uma noite, na Oper4 Mile. Ma!
riette ia
:
esbogar
um
passo de dansa quando a
fimbria da sua saia se prendeu numa quinade
scenario de tal maneira que a pobrezinha nao
teve remedio senao exp jr ao publico, durante
tres segundos, les dessous du panier
Mile. Maisonneuve succedeu egual aventura
dias depois no Theatre Fra7i(,jis. Entao as
autoridades inquietaram-se. A policia baixou
um ucase, tornando obrigatorio o uso do calgao para todas as comediantes, cantoras, coristas, bailarinas e figurantes de todos ostheatros de Paris. Mas o calgao era desgracioso
.
.
.
A
em evidencia. Ahi por
pleno dominio da Revochamado Maillot inventou
o accessorio que Ihe immortalisou o nome
Agora, sim, a illusao da nudez era perfeita,
principalmente quando o maillot era roseo
claro. Foi logo adoptado em todos os palcos
da Europa, menos em Napoles, onde a c6rte
se escandalisou. O interessante e que o proprio
Papa permittiu o uso do maillot em todos os
theatros dosseus Estados; apenas exigiu que,
em vez de roseo, fosse azul! E ahi estd come,
de Luiz XIV para ca, as bailarinas foram dimiuuindo as roupas,atechegarem a Isadora DunDeixava muita dobra
volta de 1791, ja
lugao, um sujeito
em
164
VERDADES INDISCRETAS
can, que dansa apenas de kiton grego. Para
este clima selvagem o kiton e o traje naturalmente indicado.
nao ser que prefiram voltar
ao vestuario tradicional do nosso clima: a simples cinta de pennas ao redor da cintura
(O tacape e dispensavel). Deve ser muito hy;gienico; e a prova e que nao ha na nossa
historia o mais vago indicio de que os indios
morressem de insola^ao.
A
.
.
O jogo
e vicio ?
Outra vez entra o jogo em discussao
do programma annual de cada
folha. Pergunta toda a gente si a policia pode
regulamentar o jogo. Si pode? Pode nao
deve. Os jurisconsultos, os homens de toga e
Isso faz parte
—
:
garnacha, quando se Ihes faz esta pergunta,
explodem em escrupulos por causa do Codigo
Penal.
Codigo prohibe o jogo; logo o go-
O
verno deve punil-o. Regulamental-o nunca.
Mas, nesse caso, reformem o Codigo. Esta
verificado que todos os codigos domundo sac
impotentes para exterminar o jogo. Haja o que
houver, o homem joga. O jogo e a prostitui9ao
nunca deixafrao de existir. Neste caso, incorporemos estas duas respeitaveis instituigoes
aos nossos habitos e trataremos de regulamental-as, afim de evitar que ellas continuem a
produzir os males que produzem. «Oh exclamam os moralistas, regulamentar o jogo €
!
VERDADES INDISCRETAS
166
encampar o vicio». Que preconceito! Ojogo
e simplesmente uma asneira, si quizerem; mas
nao se pode deixal-o campear infrene, so porque o governo nao pode encampar o vicio. O
sujeito que pega todo o seu dinheiro eo leva
diariamente a banca dojogochama-se vulgar-
mente um viciado. Pura convengao, baseada
no conceito do peccado. O nosso Codigo Penal esta baseado neste principio theologico
:
o peccado. Persegue-se ojogo, no fundo, por
ser peccado; perseguem-se as meretrizes, porque sao peccadoras. E esses peccados todos
reunidos o jogo, oamor clandestino e outros
chamam-se o Vicio. Questao de palavra. Pois regulamentemos o vicio ja que nao
e possivel extirpal-o. O individuo que arrisca
o seu dinheiro aos azares do panno verde e
fica a noite inteira esperando que de o 5 ou
o duplo zero nao e um criminoso, uma vez
que Ihe pertenga o dinheiro que elle gaste. Tal
homem e simplesmente um asno. Nesse caso,
ja que eimpossivel cural-o da sua asnice por-
—
—
que permittir que s6 os profissionaes se aproveitem della? O governo deve ser pratico e
obrigar esses profissionaes a entregar ao Estado, para obras humanitarias, grande parte do
dinheiro que surripiaram ao pobre diabo que
se deixou depennar. Pouco importa que se
trate de encampar o Vicio. Nao devemos fi-
O JOGO t vicio?...
167
E si o govergrande repugnancia em encampar
car presos a superstigoes verbaes.
no tern tao
o Vicio, nesse caso
faga uma coisa: antes de
Tegulamental-o, decrete que o jogo nao e vicio
e explore-o em seguida
.
.
.
A
elegancia masculina
Correspondencia de Paris da noticia de
que vao voltar as modas romanticas para os
homens. Ja em Paris se tern exposto os novos
modelos de txaje d'homem, modelos copiados
de Alfredo de Musset: chapeo de largas abas,
levemente levantadas d'ambos os lados, casaco
longo e de cintura justa; grayata borboleta
e cal9as apertadas principalmente na parte inferior, proxima aos pes, Estas sao as linhas
geraes. As minucias s6 poderao ser conhecidas a vista dos figurines.
Applaudamos a ressurreigao das modas
romanticas. O realismo estragou tudo, ate a
elegancia masculina. Vamos finalmente ficar
livres das detestaveis modas norte-americanas,
com OS seus palet6s saccos e intoleraveis bombachas.
victoria do americanismo nas secedes de modas representa o maior desastre
soffrido pelo bom gosto masculino neste prin-
A
VERDADES INDISCRETAS
170
cipio de seculo. E' perigo, e perigo social gra-
acompanhar os Estados Unidos nesse
capitulode elegancias.Podemos acompanhalos
em materia de electricidade, organisa9ao bancaria, liberdade religiosa, ordem politica e coiquestao demoda, nao.
sassemelhantes.
moda, por menos que parega, e o reflexo das
ideas e tendencias de um povo. Uma cabelleira empoada e de rabicho,porsi so permitte
reconstituir toda a physionomia moral, social
e artistica do seculo XVIII: a ironia de Voltaire, o pincel de Boucher, a inspiragao de
Gliick, a gra9a de madame de Pompadour
Uma bombacha americana basta para demonstrar toda a ausencia de bom gosto numa nagao
de grandes exigencias no aperfei^oamento
dessas coisas chatas e indispensaveis que se
vissimo,
A
Em
.
chamam
ainda
— Liberdade
e
Democracia
em questoes de modas
a moda e o reflexo das ideas
esteril
.
.
.
— mas
.
nos
so adoptamos ideas que nos venham de Franga
sejamoslogicos: adoptemosso as modas bem
Si
genuinamente
francezas.
Quanto
;
e
as
si
modas
norte-americanas, appliquemos-lhe prudente-
mente a doutrina de Monroe, e aguardemos
OS modelos de Alfredo de Musset, sem nos esquecermosque ellesbempodem fazer o milagre de resuscitar os modelos George Sand
.
.
A elegante e o mendigo
Minha senhora
— Hoje, pela manha, pas-
sando eu casualmente pela porta da matriz da
Gloria, no largo do Machado, como saisse da
egreja muita gente, quedei-me a olhar os que
desciam as escadas, aos grupos, ou isoladamente. E V. Ex., a quern nao conhe^o, era das
mais formosas mulheres que vi descer. O seu
vestido curto, de seda azul marinho as suas
botinas de cano alto aquelle chapeo encantadoramente simples o sorriso com que V.
Ex. falava a sua companheira os seus cabellos de um louro infernal (e sem auxilio d'agua
oxygenada, o que e raro)
tudo isso me
fazia suppor que V
Ex fosse um daquelles
entes que no tempo do finado Jose de Alencar
e do mallogrado Garrett se chamavam o Anjo
do Amor, o Anjo da Esperanga, oanjo disto,
Vi mais o seguinte quano anjo daquillo
do V. Ex. descia os ultimos degraus, estendeu-lhe um mendigo a mao a esmola. V. Ex.
;
;
;
;
—
.
.
:
.
.
.
:
VERDADES INDISCRETAG
172
olhou para
elle
indifferentemente e seguiu seu
caminho com a companheira, sem Ihe dar um
niquel. Fiquei desilludido, nao da sua formosura, mas da sua caridade
para com os
belgas Aquelle mendigo e belga, minha senhora. Tern, portanto, direitos adquiridos i
caridade de todas as brasileiras. Bem sei, 6
creatura divina, que os mendigos devem trazer na lapella as cores alliadas para poderem
receber a sua esmola os brasileiros devem
tambem trazer as cores nacionaes na gravata
ou no chapeo, em forma de cocarde, para livrarem as suas patricias do trabalho de abrir a
bolsinha e
Mas si aquelle pobre nao trazia
as cores alliadas, era isso devido a campanha
dos submarinos allemaes, que nao permittem
a exportagao de fitinhas tricolores ca para estas
bandas. Garanto-lhe, porem, minha senhora,
que o pobre homem era belga e V. Ex., cujo
marido e com certeza da Liga pelos Alliados e
vendedor de carne aos allemaes, nao pode
negar auxilio aos belgas, coitadinhos, que sao
OS flagellados da Europa. Espero que para
outra vez, minha senhora, a sua bondade seja
.
.
.
.
:
.
.
.
;
pelo
menos egual
a sua belleza.
que9a do velho proverbio
bres empresta aos belgas.
O
proverbio
:
Nao
se es-
Quern da aos po-
Nao
!
Nao
e
bem
authentico e est'outro
Quern da aos belgas empresta a Deus.
isto
!
Le Roi s'amuse
Telegramas de Londres dizem que el-rei
D. Manoel II de Portugal deslocou o tornozelo quando joga uma partida de lautennes.
Ora ahi esta um telegramma que nao
devera ter sido transmittido ca para a America
nem
para parte alguma.
Nao quero
que Sua Majestade seja
obrigado a ir acutilar tudescos nos campos de
Franga. Sua Majestade nao e obrigado por
nenhuma a
dizer
mas
obrigado a
Nao
concebe que
manter certa linha
Sua Majestade, o primeiro fidalgo do seu
reino, quero dizer, da Republica de Portugal,
em vez da espada tenha agora na mao uma
simples raqueta. Perante o conilicto europeu,
acho pouco
Eu estou vendo daqui o quadro ca em
Franca e la em Africa, francezes, inglezes e
ate portuguezes transportados em macas para
lei
ser heroe
.
.
.
.
.
.
;
se
e
VERDADES INDISCRETAS
174
OS hospitaes de sangue, ou mandados em
massa para a sepultura la em Windsor, num
parque aristocratico, Sua Majestade torce o
pe, e amparadoporum jovem lord, e, cercado
das senhoras, vae mancando e gemendo para
:
o seu quarto, esperar que venha um physico
recompor-lhe o tornozello... Pode ser elegantissimo, mas, francamente, todos nos, que
temos o mais alto conceito das Majestades,
preferiamos ler um despacho como isto
((LoNDRES, 22
Na ultima carga de
lanceiros em Ypres, recebeu um langago no
peito o Sr. Dom Manoel II, rei de Portugal, que apezar de ferido, continuou a bradar
Por Sant' lago ! e a bater-se ate que Ihe falta-
—
ram
as forgas e elle cahiu
do
cavallo.
Sua Ma-
transportado sem sentidos para as
ambulancias e destas para Paris, depois dos
curativos mais urgentes. E' melindroso o seu
estado. A' sua cabeceira velam as Sras.
jestade
foi
Rainhas D. Amelia e Victoria)).
Confesso que era muito mais incommodo para Sua Majestade era porem, mais digno de rei
:
.
.
.
Casamentos por annuncios
Repugna a
razao que os casamentos se
por
meio
de
annuncios ? Nao. Que e
fa9am
um casamento ?
contrato. Juridicamente,
quer em direito civil, quer em direito cano-
Um
nico,-nao e outra coisa. Ora,
si
e
um
contrato,
nada impede que se venha a fazer por meio
de annuncios, como si se tratasse de uma simples compra de gado, de gazolina, etc. De
modo que a razao nao repugna que um casamento se realise por via de annuncios distribuidos nas folhas. O essencial e que, na assignatura do contrato, haja liberdade plena entre as partes contratantes
Repugnara, porem, ao coragao ? Aqui o
problema assume proporgoes mais complexas.
Le
coeur a ses raisons que la raison ne connaif
Querem os sentimentaes que
ao casamento preceda largo e intimo conhecimento reciproco dos nubentes. Dizem que
pas, dizia Pascal.
VERDADES INDISCRETAS
176
sao exigencias do cora9ao Nao creio muito
nas exigencias do coragao-Num caso ou noutro
ellas existem com effeito. Nao constituem,
porem, regra geral. O homem moderno nao
e um animal amoroso e antes um animal interesseiro. Quando se diz o homem, esta claro
que se indue tambem a mulher. O casamento e muito menos acto de amor do que de
conveniencia. fn omnibus respice finem, diz a
velha. Moral. Ora, qual e o fim do casamento ? A propagagao e a conservagao da especie, dizem. E o amor, quando se satisfaz, cuida
da conserva^ao da especie ? Absolutamente
O amor verdadeiro e egoista. Os proprios
entes reaes, os proprios entes sensiveis Ihe
inspiram interesse mediocre. Si e assim. que
interesse pode inspirar ao amor a conserva^ao
da Especie, que e apenas uma abstragao, ou
melhor, uma metaphora? Fallando mais scientificamente quando o macho humano esta fecundando a sua femea, pensard algum delles
na conservagao da especie ? Sabe toda a gente
Portainto o casamento, como conque nao
trato, nao e acgao de amor, E' acgao de conveniencia, dictada pelo direito positivo. Si 6
de conveniencia, nao e acto de coragao. Logo
e acto de razao. Si e acto de razao, os seus
resultados dependem da certeza dos calculos,
do ajuste das probabilidades e do jogo razoa.
:
:
.
.
.
CASAMENTOS POR ANNUNCIOS.
.
.
177
Logo, nada impede
realisar-se tendo per ponto
<ie partida o annuncio. Isto pode nao ser sentimental. Le cceur a ses raisons
Afifirmo,
porem, que e logico e, portanto, perfeitamente adoptavel, pois que na vida pratica a logica
das ac96es e muito mais util do que o sentivel das circumstancias
<{\ie elle
.
venha a
.
ment©
.
.
.
12
J
Amores hediondos
Abro OS matutinos (para consultar a opiniao dos collegas sobre o estado da coisa publica) e vejo ao alto da pagina: Tragedia!
Outros titulos e subtitulos ainda. Entra afinal
a narrativa e entram as photographias referenao caso. Examino estas ultimas. Resolvo
ler a noticia. O caso e vulgar. Um Joao qualquer foi abandonado pela sua Joanna, a qual
se atirou aos bragos de outro Joao. Joao I, enciumado, assassina a tiros este Joao II. Prompto
Entao examino a photographia que
tern por baixo esta legenda
Maria do Rosario, a causadora da tragedia. » Cbntemplo o
retrato da « causadora do desastre» e fico a
pensar. Primeiro, rio; depois penso; afinal
tomo a rir O riso ainda e a maneira mais
commoda de apreciar uma tragedia passional.
A causadora da tragedia ^ uma preta trombuda de carapinha, com certeza immunda,
tes
.
.
.
:
.
<c
V^RDADES INDISCRETAS
ISO
O assassin o e o assassinado
sao brancos, sendo que o primeiro tern apenas vinte e um annos. E' difficil explicar
porque um homem chega a matar um rival
por causa de mulher tao horrivel. Sim, e
inexplicavel, porque eu conhego varies cavaIheiros, maridos ou amantes de mulheres formosissimas, os quaes cavalheiros sabem que
ellas OS enganam, e entretanto nao matam
ninguem Nem ao menos reclamam
O
homem da Favella, por causa de uma hedionda preta, foi para a Deten^ao
Talvez tenlia razao aquelle philosopho
que, negando a existencia da belleza feminina,
disse que esta so existia na imagina9ao do homem, do mesmo modo que a belleza da gallinha s6 existe na imaginagao do gallo Si e
assim, devia ser interessante conhecer a concepgao da belleza que tera o assassino amanEstes
te da Carmen Hottentote, da Favella
Gonceitos, alias, nao sao dos mais novos. Volhorripilante
.
.
.
!
t.
\
.
.
.
.
.
taire ja OS
X-
admittia quando affirmava
que
para o sapo a expressao maxima da belleza
estava na sapa: le chef d xuvre pour le crapaud
c est la crapaude. E' a unica maneira mais ou
menos razoavel de explicar os ciumes fataes
do amante da Maria do Rosario
.
.
.
Como
fazer a paz
O sr. Wilson, presidente dos Estados
Unidos, hontem achava ainda inopportuna
qualquer tentativa em favor da paz. O sr. Henderson, ministrro sem pasta e membro do Conselho de Guerra inglez, discursando num banquete dos syndicatos inglezes, declarou que
a Inglaterra estava disposta a continuar a
guerra durante qualquer tempo, fosse curto,
fosse longo. O sr. Henderson esqueceu-se infelizmente de dar-nos a opiniao particular dos
O
syndicatos inglezes a respeito da guerra
embaixador japonez em Paris, desmentindo
boatos mentirosos, affirmou que o Japaq cohtinua firme, ao lado dos alliados, disposto a
tudo, comtanto que a Entente triumphe. Emfim toda a gente so pensa na guerra. Por emquanto ninguem pensa na paz, si nao f6r pos.
sivel obter
qual
com
.
.
o que todos os belligerantes, cada
as suas intengoes,
chamam
(fcondi-
182
VBRDADES INDISCRBTAS
goes de uma paz duradoura ...» Ora hontem,
estando sozinho a ler, lembrei-me de um meio
facil de conseguir a terminagao
rapida da
guerra. Sob a direcgao do sr. Jean Hanoteau,
La Revue Hebdomadaire, de Paris, publicou
em 1913 os Souvenirs d'un t^moin de la reTRAITE DE RUSSIE ET DES CAMPAGNES DE 1813
ET 1814, de Dominique Renaud, official intendente da Grande Armee.
Este riz-pain-sel conta as coisas com
muito bom humor. Narra elle que havia no
exercito um pobre diabo que passara dois
annos na Trappa, onde se mettera voluntariamente, paraver si assim conseguia evitaro recrutamento. Descoberto na suatoca, foi de la
arrancado e leva.do d forga para o quartel; Id,
por^m, vendo ser impossivel fazer delle um
soldado ao menos soffrivel, deliberaram os
commandantes transformal-o em simples fachineiro; e o nosso homem Id ficou a cuidar
de palha, lixo e feno ... O silencio que elle
fora obrigado a guardar no convento accumulara nelle, durante dois annos, tal desejo de
falar, que era uma verdadeira matraca. Nao
parava de tagarellar k direita e a esquerda
Medroso como uma lebre, bastava-lhe ouvir
um tiro de espingarda para comegar a tremer;
e, ao primeiro tiro de canhao, entupia os ouvidos de algodao, que trazia sempre comsigo.
COMO PAZSR A PAZ.
.
183
.
O
que todos notavam era que elle nao passava por uma egreja, fosse onde fosse, sem
entrar e rezar alguns, instantes.
uma egreja,
indo a
sianos,
diabo
quasi foi preso pelos prus-
mas conseguiu
como um gamo.
De uma feita,
salvar-se,
correndo
Um dia perguntaram-lhe que
ia elle fazer
tantas
vezes
as egrejas.
Admirar as imagens, a architectura, os monumentos?
«Nao, respondeu o ex-trapista; vou
<iizel-o a voces que soffrem como eu. Eu,
quando vou a egreja, e para pedir a Nossa
Senhora que mande colicas a todos os que
sao causa da guerra.
E acreditas que isso faria cessar a
—
—
— Oh
guerra?
tenho certeza, porque tenho comuitas vezes e sei o que sao ellas
O certo e que tempos depois a guerra
acabou-se. Napoleao foi para Santa Helena
paz reinou em todo o mundo
Nao seria
bom que a Virgem mandasse colicas aos bel!
licas
.
A
ligerantes
.
?
.
.
A
Irianda
No
seu ultimo discurso perante o parlamento britannico, alJudiu o sr. Lloyd George
i. questao irlandeza pela seguinte forma
«Desejaria tambem dizeralgu-^
ma coisa hoje acerca da questao irlandeza,
mas s6mente
o seque fosse
direi
guinte: desvanecer-me-ia
o
mal-entendido que existe entre a
Gra-Bretanha e a Irianda, e que, de
possivel fazer que se
dissipasse
ha seculos, si e uma fonte de misepara uma, 6 um embarago, uma
causa de fraqueza para a outra
ria
«Os
mesmo
erros nao estao todos
lado. Sente-se
movimento
se opera
do
que o nosso
numa atmosNao so os ir-
phera de suspei^ao.
landezes desconfiam dos inglezes^
186
VBRDADES INDISCRETAS
como tambem
— OS
— o que e mais grave
desconfiam, elles
proprios, uns dos outros. Si essa
desconfian9a pudesse desapparecer,
creio que se poderia verificar um
irlandezes
acto de reconciliagao, que tornaria
a Irlanda e o Imperio maiores do
que nunca o foram »
Nao e s6 o primeiro ministro da Inglaterra que deseja ver dissipado o ccmal-entendido que existe entre o Gra-Bretanha e a Ir.
O mundo
deseja. Deseja
habilidade
e admira a notavel
com que os inglezes, sempre que se referem a Irlanda, nunca
alludem si nao «ao mal-entendido)) existente
entre a Inglaterra e a ilha de S Patricio.
landa)).
inteiro o
.
Quando se le qualquer documento inglez,
ainda os mais respeitaveis, os mais graves e
impertigadamente
officiaes,
cumpre nao per-
der de vista que a Inglaterra,
si
e a terra clas-
da liberdade, e tambem a patria do humour. Ha sempre um pouco de Charles Dickens e de Bernard Shaw nas affirm agoes
mais solemnes dos primeiros ministros inglezes. Com effeito os inglezes entraram ha seculos pela Irlanda a dentro; subjugaram-na,
impozeram-lhe a Re forma protestante que Ihe
repugnava e que so mais tarde foi attenuada.
Ao tempo de Henrique VIII, a Irlanda cathosica
A IRI^ANDA
187
como a Polotempo de Maria Thereza, foi
lica foi tratada pelos anglicanos
nia catholica, ao
tratada pelos austriacos e pelos russos
Foi
preciso que a eloquencia de O'Connell com.
movesse a Kuropa no principio do seculo XIX,
obtivessem alguns
direitos, que depois Gladstone ampliou liberalmente. Mas a verdade e que os inglezes
continuam a dominar a Irlanda, por processos um pouco diversos dos empregados por
Henrique VIII e Isabel, mas, emfim, sejacomo
f6r, continuam a dominar a Irlanda. Vae dahi,
vem o sr. Lloyd George e declara que teria
muito prazer em ver desfeito o mal-entendido
que ha seculos separa a Irlanda da Inglaterra...
Eu estou muito longe de ter competencia para ser ministro da Inglaterra; entretanto,
permitto-me a liberdade de indicar ao sr.
Lloyd George o caminho mais curto para ver
dissipado esse secular « mal-entendido »: basta
que o governo inglez conceda autonomia aos
para ^que
os
irlandezes
autonomia que elles ja tie que os inglezes tomainglezes precisam de ser
logicos combater a Allemanha por causa da
neutralidade da Belgica e continuar a ter a Irlanda sob o guante de ferro de Albion e, pelo
menos, um contrasenso. O caso da Irlanda 6
muito parecido com o da Polonia ... Os inirlandezes, aquella
nham «ha seculos»
ram.
Os amigos
.
.
:
188
glezes,
VERDADES INDISCRETAS
com o
disso melhor
seu gros bon sens,
devem saber
que qualquer outra na^So.
Quanto i. desconfian9a dos irlandezeft
uns pelos outros, isso e li com elles. Que me
importa a mim que os filhos da familia visinha
sejam desconfiados entre si? O que a consciencia ordena e que eu os deixe em paz e
nao procure, nem directa nem indirectamente,
servir-me dessa desconfian9a para disputar-Ihes
o patrimonio
.
.
.
A Mulher
e a Mentira
A
Mulher e inimiga da Verdade. Quer
isto dizer que ella minta por systema? Nao.
Mente por instincto. Systema suppoe
«ordem» ora a mentira feminina e sempre
uma fonte de desordens moraes e materiaes
Tambem nao quero dizer que uma vez por
outra a Mulher nao diga algumapequena verdade. Dil-a mas continua sobretudo a nao
gostar de « saber » a Verdade. A moga solteira
mente menos do que a casada, e, alem disso,
supporta mais a verdade do que a ultima. Com
a mulher casada da-se um facto curioso aos
filhos ella pede sempre a verdade ao marido
obriga a mentir. Ha rapazes que mentiram
pela primeira vez depois do casamento
Qualquer de nos sabe, por experiencia, que
nossas maes nos pediam sempre a verdade
quando eramos crean9as
;
;
:
;
.
.
.
VERDADBS INDISCRBTAS
190
— An
da,
meu bem
disseres a verdade,
nao
;
dize a verdade
te castigo
;
;
si
quern que-
brouajarra?
— Fui eu.
E
nao castigava, realmente. Obtivera a
verdade.
.
Ao
marido, pelo contrario, ellas exigem
mentiras. Supponhamos que um marido,tendo
estado num clube, aptnas conversando com
companheiros e companheiras alegres, ao chegar d casa diga sinceramente i mulher: «Estiveno Clube com Fulano eMIIe. une telle. ..ti
Arderia Troya. De sorte que elle mente, para
nao desgostar a esposa, inimiga da verdade
Mais ainda: que mal havera em que um rapaz
casado, estando na cidade e tendo de fazer
horas, em vez de ir beber nos bars^ vd a um
cinema? Nenhum. Mas esse rapaz, ao chegar
a casa, nao pode dizer a esposa que esteve
num cinema, porque ella chorard logo «Sem
Por
mim » E suppora horrores do marido
todo trabalho que as maes t^m,
isso digo
quando somos pequenos, para nos fazerem
amar a verdade, e todo destruido pela que
tem de ser a mae dos nossos filhos. Mentimos,
:
!
.
:
porque
ellas
o exigem ...
.
.
Odio de raga
O
estudante Jose Basilio Junior, filho de
modesto guarda-freio da E. F. Central do
Brasil, alvejou com um tiro de carabina, certeiro e mortal, ao joven Rosendo Pereira de
Figueiredo, rapaz honesto e trabalhador, funccionario dos Telegraphos. Rosendo era noivo
da senhorita Lucia, irma do assassino Este
detestava o futuro cunhado (a quern a irma
idolatrava) por ter elle uma nodoa impossivel
de apagar-se era mulato Ora ahi estd um
crime estupido e inedito no Brasil. Pelo menos, desde que me entendo por gente, ainda
nao ouvi falar de coisa semelhante um estudante matar o futuro marido de sua irma, so
porque elle teve a desgra9a de nascer mulato
numa terra em que raros nao o serao
Esse
assassino, tao cioso da pouco provavel pureza
de seu sangue, devia ter considerado uma hypothese si os mulatos resolvessem cagar os
.
:
!
:
.
:
.
.
VERDADES INDISCRETAS
192
brancos,como elle fez com seu future cunhado,
em pouco tempo nao haveria no Brasil uma
s6 pessoa que podesse apresentar certidao de
pelle alva
porque os branco no Brasil estao
em minoria. Eis ahi um assassino mais aristocratico do que D. Pedro II. E' conhecido o
caso de Andre Rebougas num baile daCorte.
Achava-se o illustre Rebougas a um canto do
vasto salao do Pago Imperial, onde era frequentemente recebido pelosoberano e todaa
sua Augusta Familia. Achava-se, pois, Rebougas a um canto do salao, insulado, sem
achar uma dama que Ihe quizesse dar a honra
de uma valsa, porque elle era mulato, quasi
Parece que a noticia desse desprezo
preto
chegou aos ouvidos do sr. D Pedro II seja
como for, dahi a pouco Sua Magestade atra;
.
.
vessava o salao, trazendo pelo brago a S
;
.
A
.
I.
Sr^ D. Izabel. com quem Rebougas dansou
a primeira contra-dansa, e depois nao dansou
a
tendo dansado com
nao poder,
depois disso, descer a dansar com qualquer
baroneza, ou com qualquer condessa. Era
assim que o imperante sabia desfazer preconconsentindo em ver publicaceitos de cor
mente pelo brago de ummestigo illustre a sua
com mais ninguem,
a sua
pois,
futura soberana,era evidente
—
Filha, a unica fidalga authentica do Imperio,
cuja arv'ore genealogica podia ser acompa-
ODIO DE RACpA
.
.
.
193
nhada numa concatena9ao de nove seculos
ininterruptos de existencia historica. Era pre-
que estivessemos em Republica para que
o filho de um guarda-freio matasseum rapaz
por ser mesti90 Como si a mesti9agem nao
estivesse tambem, e em larga eseala, entre os
brancos, como dizia Luiz da Gama
cise
!
B6des ha de toda a
casta,
Pois que a especie e mui vasta
B6des brancos, b6des pretos,
Baios,
B6des
pampas
e malhados
ricos, negociantes,
E tambem
:
alguns tratantes .
.
Ora assim sendo, o melhor e seguir o
conselho do mesmo poeta, quando manda
cessar a matinada «porque tudo e bodarrada
!
13
Suicidios
foi simples. Em Sete Lagdas (Mio telegramma, um mogo gostava de
uma moga, que Ihe correspondia ao affecto
O irmao della, porem, n5o quiz consentir no
casamento. O rapaz, desvairado, bebeu veneno e morreu. Em Minas ainda e assim que
se resolvem casos de amores infelizes. Serd,
porem, essa a melhor maneira de resolvel-os?
Parece que nao. O suicidio, em circumstancia
O
caso
nas), diz
como essa, e inutil. Si a mo9a queria casar-se
com elle, o modo mais simples de dirimir as
difficuldades seria raptal-a e leval-a d presen9a
paz, como la dizem, ou do pretor,
se diz por ca. Si ella nao o amava, ain-
do juiz de
como
da havia outros caminhos a seguir elle podia,
por exemplo, erguer as maos para o ceo, em
acgao de gramas, por ter querido enfeudar a
sua liberdade a alguem, e esse alguem o ter
deixado livre
Podia tambem procurar o
:
.
.
.
VERDADES INDISCRETAS
196
amor de outra mo^a.
efficaz
para curar
Nao ha
um homem
antidote mais
do veneno de
o veneno de outra mulher.
menos
o que se poderia chamar
ou
E' mais
«curar a dentada da cadella com o pello da
propria cadella. » Males de amor curam-se
com outro amor. A Natureza deu acada mulher o odor di femina, que e differente em
cada uma de sorte que o perfume de Maria
nos faz esquecer facilmente o perfume de
Zulmira, a nao ser que o amante, o marido e
o namorado sejam como o asno, que se acostuma a receber a ra<;ao numa baia e nao procura outra. O homem que nSo se apega a mulher alguma nao e voluvel, nem inconstante
6 simplesmente sensato e amigo de si mesmo.
E si n6s mesmos nao nos dispuzermos a ser
nossos amigos, difficilmente encontraremos
uma mulher como
;
quem o
seja.
.
.
O
feminismo periga
A continuarem
as coisas
como
vao, o fe-
minismo, pelo menos no Brasil, nao triumphara tao cedo. Eu sempre fui contrario a intromissao das mulheres na vida publica. Uma
mulher politica e um estado intermedio entre
o homem e a mulher, que nao se comprehende. E' mulher, por fatalidade de gera^ao
homem, por extensao de privjlegios politicos;
eternamente creanga, pelas attitudes em resumo
um ente hybrido, composto, derivado, de estylo composito, trazendo em si pedagos de varios entes e nao sendo nenhum definidamente. Mulher que exergadireitos politicos, nSo sendo rainha, tambem nao e ente
humano e um estado de consciencia correspondente a perplexidade
Em todo o caso, momentos houve em
que me senti mais ou menos feminista: era
quando eu considerava um pouco na desho;
—
:
:
.
.
.
VERDADES INDISCRBTAS
198
nestidade masculina, em materia de dinheiro.
Innegavelmente, as mulheres sao mais escrupulosas em questoes de dinheiros alheios. Geralmente, pensava eu, os homens roubam
para as mulheres. Ora, no dia em que collocarmos as mulheres a frente dos negocios
financeiros do Estado, ja nao havera roubos,
porque uma mae de familia, que seja por
exemplo, ministra da Fazenda, nao roubara
para dar chapeos a uma prostituta
o que
bem poderia acontecer si fosse seu marido o
ministro. Suppunha eu ter achado com isso a
formula para acabar com os peculatos
Vae d'ahi, comecei a observar o procedimento das mulheres que estao at^sta de
repartigoes por onde corre dinheiro. Vejo, en-
—
que o peculato continiia a existir.
Oh longe de mim dizer que todas as mulheres sejam eguaes, pelo menos em questoes
de furto; mas a verdade e que estao sen do
muito mais frequentes do que se esperava os
casos de desfalques em agendas postaes dirigidas por senhoras. A policia anda por ahi ds
voltas com alguns nao so aqui como no intetretanto,
!
rior.
D'onde eu concluo que a entrada das
mulheres para a politica e para a administra^ao do paiz, alem de trazer graves damnos a
familia, nao offerece vantagem alguma i. coisa
O FBMINISMO PBRIGA.
.
.
199
Os vicios continuarao a ser os mesmos. Ora, uma vez que assim e, fa9amol-as
publica.
lar e deixemo-nos
no logar
mulheres
<ie innovagoes. Collocar as
<ios homens, para que ellas procedam exactaanente como os homens, nao vale a pena.
voltar tranquillamente
ao
.
.
Pacifism
A morte
do feld-marechal von Moltke faz
pensar no paradox© que representara a nossa
epoca para as epocas futuras, si algum dia vingarem as id^as pacifistas. Ainda ha quern
acredite no ideal pacifista. O sr. Teixeira
Mendes, por exemplo, quando escreve assuas
costumeiras cincoenta columnas do Jornal do
Commercio, nao se esquece de affirmar que o
periodo guerreiro passou, tendo terminado
definitivamente na batalha de Lepantho
R
mais, que a humanidade caminha a passos de
!
gigante para a realisagao dos ideaes positivistas, um dos quaes e a paz! Ainda ha, pois,
quern acredite nos ideaes pacifistas... Ora si
vingarem esses ideaes, em epoca de futura
muito remoto, a posteridade deve fazer de nos
uma idea muito approximada da que fazemos
nos outros dos nossos antepassados das eras
quasi primitivas.
esses avoengos
Que barbaros, que
selvagens,.
VSRDADBS INDISCRBTAS
2Q2
Mas
o melhor e nao fallar mal dos nossos
Todas as biographias do conde de
Moltke, hoje publicadas, trazem esta phrase:
(fFoi commandante da Escola de Guerra.)) Jd
pensaram na monstruosidade que representa
Commandante da Escola de Guerra f
isto
Uma escola de guerra e simplesmente um estabelecimento em que se recolhem durante
alguns annos centenas de rapazes das meIhores familias do seu paiz para aprenderem
OS melhores processos de matar muita gente,
de incendiar muitas cidades, de devastar muitas regioes
E ha um cidadao que e nomeado commandant^ideste estabelecimento,
isto e, um cidadao que e mestre na arte de
matar, incendiar e devastar
Agora pergunto eu: quaes os selvagens?
Os nossos antepassados, que se guerreavam
por instincto, ou n6s que temos ate escolas de
ancestraes.
—
.
.
.
guerra?
Decididamente estamos ainda muito longe do ideal positivista. Emquanto ninguem
sentir horror ao ouvir fallar de uma escola de
guerra, emquanto acharmos muito natural que
um homem seja « commandante da Escola de
Guerra 0, estara muito distante de nos o aperfei9oamento que Augusto Comte previu para
a humanidade.
.
.
A
policia e espiritismo
Os homens eram espiritistas e recebiam
na sua casa alguns mentecaptos para os curarem, isto e, mentecaptos, em calao espiritico,
chamam-se
obse dados ...
Os
espiritas, pois, recebiam na sua casa
obsedados para Ihes curar a obsessao
mediante mensalidade que variava entre cem
e trezentos mil reis. A policia veio a saber que
OS taes obsedados eram espancados pelos espiritas em nome das mais altas e sublimes
doutrinas de Allan-Kardec e Leon Denis A
policia o soube, foi a casa dos homens que
lidam com espiritos e levou tudo para a cadeia. Agora gritam que o chefe foi violento
Eu, por^m, te pergunto leitor, si fosses chefe
de policia e nao fosses espirita, que farias ?
Serias violento ou nao ?
Quanto a mim, nao vejo outra maneira
de combater o espiritismo sinao pela violen-
sujeitos
.
VERDADES INDISCRETAS
204
E' o systema geralmente adoptado para
esmagar seitas religiosas, que afinal acabam
vencendo os seus pretendidos vencedores.
Com o christianismo foi assim. Assim tambem
com o islamismo e com o judaismo durante
toda a Edade Media
o que nao impediu o
cia.
—
islamismo e o judaismo de estarem ahi vividos e fortes
A violencia e, pois, o unico
meio, alias innocuo, de perseguir seitas religiosas. O roubo, o assassinato, o lenocinio e
outros crimes communs podem ser perseguidos normalmente, dentro daspresilhas do Codigo. Crimes politicos e crimes religiosos, nao.
Exigem violencia, porque os seus asseclas
agem directamente sobre a consciencia das
multid5es
Demais, a violencia tem de ser applicada
.
aqui no Brasil todas as vezes que se quizer
fazer qualquer coisa util; porque neste paiz
nao ha apenas, como^m outros, mil chicanas para burlar as leis; ha tambem mil leis
que ajudam a burlar as outras. Querem um
exemplo.'*
Codigo Penal pune a pratica do
espiritismo, como a da feiti^aria: a Constitui9ao, porem, garante a liberdade profissional
De sorte que, si um juiz prender um espirita
de accordo com o Codigo, outro juiz mandard
soltal-o de accordo com o Pacto. E ainda per
cimavird osr. Teixeira Mendes com um ar-
O
A POWCIA K O ESPIRITISMO
205
de 420 tiras, pugnando «pelos supremos
da Humanidado) e bombardeando
toda a gente com terrificas cita9oes de August© Comte, a favor do espiritismo como
livre expressao do pensamento, oriunda da
aanarchia mental e moral do Occidente...
tigo
direitos
Lopes Trov&a
Noticiam largamente os jornaes o anniversario do velho propagandista Lopes Trovao, que completa setenta annos como
se fizesse apenas quarenta ou quarenta e cinco.
Boa seiva, a de outros tempos. Lopes Trovao 6
um dos paes da Republica, tern setenta annos
e, apezar disso, esta mogo. A sua filhatem apeesta decrepita
nas vinte e sete annos e
E' que Lopes Trovao, como todos os de sua
geragao, teve um ideal, e nada mais tonificante do que um ideal, seja qual f6r. Sua fi.
.
.
pelo contrario, materialisou-se, bestificouse em todas as farras, em todas as esbornias
de que e capaz uma filha do povo ...
Entrevistado pela Gazeta, disse Lopes
Trovao que continua a ter fe na Republica,
Quern
apezar de nao crer nos homens
diria que este livre-pensador, este atheu dos
quatro costados (atheu por nuncater vista
Iha,
.
.
.
VERDADBS INDISCRETAS
208
Deus. .) fosse capaz 6s,fe do carvoeiro em
Porque Lopes
se tratando da Republica?.
Trovao estd no mesmo estado de espirito do
catholico que, apezar de conhecer a fraqueza
dos padres, continua a ter f^ na missa, nos sacramentos, em toda a Religiao, emfim «
Religiao e divina, dizem elles os homens e
que sao fracos ». Vem Lopes Trovao com o
mesmo candido argumento e nos affirma a
Republica e b6a os homens e que nao prestam ...» Fetichismo, supersti9ao de ambos
Ainda os catholicos tem um subos lados
terfugio admiravel, quando proclamam a divindade da sua religiao. Lopes Trovao, que
nao admitte a divindade, affirma: « A Republica e humana, por ser filha dos homens
ora OS homens nao prestam logo a Republica
e b6aU Como se ve, o syllogismo esta errado, por ser a conclusao contraria is premissas.
Como corrigil-o? Assim: a Republica e filha desses homens; ora esses homens sao
maus; logo a Republica e ma»
Porque ?
Porque o effeito e semelhante a causa. Mala
.
.
.
.
;
:
;
.
.
.
;
A
.
gallina,
malum ovum.
.
.
A
No
Jd
bem tarde da
noite, entro
cafe
num
cafe
Concorrencia heteroclita: motoristas, noctivagos, rep6rteres em disponibilidade, proxenetas com um vago ar de apaches de cinema,
e, ao fundo, tres raparigas magrellas, pallidas,
de olheiras, tres Mimis anemicas como a partitura da Bohemia.
A uma das mesas esta um rapazola franzinote, dezoito annos presumiveis, solitario,
sorvendo um refresco. Nisto entra no caf^
outro rapazola, d'ares mais sadios e apparentando a mesma edade. Olha o que esta assentado, approxima-se cautelosamente e, colhendo-o pelas costas, colloca-lhe as maos sobre
OS olhos, para que o outro adivinhe quem e.
O aggredido forceja por tirar dos olhos a imprevista venda, mas o assaltante leva a meIhor. Durante alguns minutos, brincam, ate
que o aggredido, conseguindo desvencilhar-se,
14
VBRDADES INDISCRBTAS
210
reconhece, a sorrir, o seu assaltante, que se
abanca a seu lado, depois de abra9al-o. Conversam, riem, bebem. Quern paga a nota e a
outro, isto ^, o primitivo, o aggredido.
Quantas vezes, no correr da vida, um
de vendar os olhos ao outro Um
dia, talvez esse Undo ephebo aggressive, depois de vendar moralmente os olhos do seu
amigo, beije nos labios e ame a esposa delle \
E continuarao a ser amigos e continuarao a
assentar-se a mesma mesa; e continuarao a
delles tera
!
;
sorrir-se, e
o
mundo
sorrira
tambem E
sera
!
sempre o outro, o aggredido, o tranquillo,.
que pagara as despesas? Talvez, nao. Dessa
feita o
pagante talvez seja o aggressor.
.
.
Dois bons amigos
Nao deixemos passar sem commentario
enternecido o caso do soldado de cavallaria
que, antes de morrer, escreveu disposi96es
ultimas a respeito do seu cavallo. Chamava-se
Gonzaga, dizem os jornaes, e falleceu hacerca
de quatro dias no Hospital Central do Exercito. Tinha vinte e um annos de praga e ha
doze annos era acompanhado porum cavallo,
por quern tinha amizade, mas amizade verdadeira. Sentindo approximar-se a morte, o veIho Gonzaga pedio papel e escreveu ao commandante do seu esquadrao: «Meu bondoso
capitao
O meu unico desejo e que, depois
da minha morte, o cavallo da minha montada
seja entregue somente a uma pra9a que d6 a
elle o mesmo tratamento que eu Ihe dei em
vida.D E' tao bello isto, que a gente chega a
nao acreditar na veracidade das noticias que
o divulgaram. Esta sensibilidade de um velho
soldado, que antes de morrer declara que seu
—
VERDADES INDISCRETAS
212
wunico desejoB e que seu cavallo e amigo seja
bem
tratado emquanto viver, esta sensibilidade espanta a quern vive no meio de uma
sociedade tao feroz como a nossa. Aindaha
poucos dias, um tenente deu tiros de revolver
na sua mulher, porque verificou ser atraigoado
por ella. Que contraste entre a mulher e o
cavallo! Emquanto o official, sentindo-se trahido, baleava sua companheira de todos os
dias, a que compartilhava a sua mesa e o seu
leito, a que usava o seu nome, o soldado,
quasi na agonia, pensava
«Meu pobre cavallo, tao bom! Que serd delle quando eu
morrer?» E nao resistiu ao tormento de pensar que seu amigo podesse ser maltratado algum dia. E escreveu ao capitao as poucas linhas publicadas, simples como a sinceridade,
commovedoras como a esmola dada por uma
Ah cavallo que conseguiste concreanga
todo
quistar
o affecto do teu rude e leal senhor! Nobre animal, quantos homens te
invejarSo hoje? Entre tantos animaes, ditos
intellectivos, mas que parecem ter nascido
com garras na lingua e viboras no cora^ao,
que difficil e encontrar um como tu, um que
saiba ser amigo Vantage ns de ter nascido
quadrupede em vez de bipede, e de nao ter
em si esse quid mysterioso e trai9oeiro que e
:
.
.
.
!
!
a alma
humana
.
.
.
Casadas e
soiteiras
Com
o sr. Prefeito e assim: preso por
Ha tempos
ter cao, preso por nao ter cao
constou que S. Ex. pretendia afastar do professorado da Escola Normal os rapazes sol,
porem, que essa medida nao
se effectivou por antipathica. Vem constando
agora que o governador do Districto pretende
afastar do ensino primario as senhoras casadas! Por esta ninguem esperava. Sob o aspecto pedagogico, talvez uma casada seja mais
idonea para ensinar as crian9as do que uma
suppoe-se pelo menos
solteira a primeira
)^ tem, como se diz, o «juizo assentado» a
segunda ainda anda com a cabega no ar, em
busca de quem realise o seu destino
Ninguem acredita que o sr. Prefeito
queira levar por deante tao extravagantes intengoes; mas, si por ventura S. Ex. quizesse
realmente executar o que consta, seria em
teiros. Parece,
—
;
—
;
.
.
VERDADKS INDISCRBTAS
214
um santo e em parte um demonio, um
mixto de Santo Antonio e Lucifer Aquelle
santo 6y como se sabe, o grande protector das
solteiras; ora, o Prefeito, favorecendo as solteiras com a preferencia para os logares de
professoras, teria certos vislumbres de santidade, certos tragos de semelhanga psycholomas
ao mesmo tempo
gica com o santo
que Ihes dava emprego, prohibia-lhes convolare ad nupcias
o que seria positivamente
diabolico, tantalico
O resultado de tudo
isso e que S. Ex. ficaria de mal com as casadas e com as solteiras: com as casadas, por
fties tirar o pao, alem do divertimento de ensinar a petizes; com as solteiras, por Ihes dar
o pao e prohibir-lhes o amor. Ora, nao s6 de
parte
.
—
;
—
.
.
.
Do
pao vive uma mulher, quando e m69a
que tudo se conclue que S. Ex., ponderando
.
estas e outras razoes, deixara
E
.
.
as professoras
para terminar com uma nota
de perfeita imparci alidade, declaro que nao
sou marido de professora nem candidate ane-
como
estao.
nhuma.
.
.
A desvantagem do nome.
Sophia Klein e tida como judia, por se
fallar polaco. Pelo nome
Klein deve ser judia allema. Uma mulher de
raga hebraica, chamada Sophia que falla polaco e teve pensao na rua do Cattete, anda
com um pe na rua da Amargura e outro napolicia. No Brasil uma mulher estrangeira nunca
deve acudir pelo nome de Sara, Ruth, Rachel e
outrasdenominagoesbiblicas. Si uma mulher
usa de taes nomes e carrega nos rr e troca s
por^, pronunciando, por exemplo, zympathico em vez de sympathico, p6de ser uma
santa, que a santidade da sua vida nao a impedird de ir a policia de vez em quando palestrar amistosamente com o commissario de
dia. A nossa maneira de encarar superficialmente as coisas costuma levar-nos a concJusoes singulares. A franceza talvez seja a meihor mulher do mundo, nao s6 como gra^a e
chamar Sophia e
VERDADES INDISCRBTAS
216
vivacidade de espirito, mas ainda como sinceridade, lealdade para com o homem a quern
ama, e todauma collecgao de pequenas minucias d'alma que nao podem deixar de seduzir
um homem civilisado e intelligente. Entretanto, como geralmente ao Brasil aportam,
com escala por Buenos Ayres, francezas destinadas ao corte, ficamos nos a pensar quetodas sao eguaes. Desorteque, quando se diz
Vamos ver as francezas
ja se sabe de
que se trata.
S. Paulo, na parte que limita
com Minas, quando se deseja fazer uma partida de alegria, costuma-se dizer, segundo me
informou um amigo
Vamos ver as mineiras. Entretanto, sabe-o toda a gente, si ha
no Brasil mulher de costumes rigidos, e indubitavelmente a mineira. As excepgoes s6 podem servirparaconfirmararegrageral. Assim
—
—
Em
:
tambem, quando se diz, de uma estrangeira,
que e russa, polaca, ou hungara, ja todos piscam OS olhos com malicia. Si Santa Edwiges,
rainha da Polonia, e sua sobrinha Santa Izabel
da Hungria viessem ao Brasil, e fallassem carregando nos rr e confundindo o masculino
com o feminino, ficariam logo sob a vigilancia da policia e da reportagem.
mesmo se
del com individuos cujos nomes terminem em
off, insky, owsky e iesky. Si o princepe Lvofif
O
e o
sr.
Kerensky tentassem desembarcar no
A DESVANTAGEM DO NOME...
Rio,
sem apresenta96es
2l7
diplomaticas, talvez
a
Policia Maritima Ihes embargasse o passo impressionada pela terminagao dos seus appellidos. Si o desejo de rir operasse milagres, eu
Sobiesky e Kosciusko e os faria
vir incognito 2iO Rio de Janeiro. Aqui chegados, o sub-inspector da Policia Maritima iria a
bordo do seu navio e, depois de sapientemente Ihes examinar os papeis, entabolaria
com elles o seguinte dialogo
resuscitaria
— Seu nome
— Joao Sobiesky.
— Polaco
?
?
— Sim, senhor.
— Sua profissao
— Homem de Estado,
Polonia em disponibilidade.
— Hein?
?
general,
rei
da
—
Sim, senhor! Fui eu que salvei a civiHsa9ao christa, rechassando os turcos e os
tartaros.
— Qual Voce o que e um bom
como se chama
E o senhor
— Thomaz Kosciusko.
ahi
?
— Kosciusko Que nome Sua profis— General e patriota. Fui eu que, coni
!
sao?
maxi^
e
!
malista.
!
4.000 polacos, venci 20.000 russos
len^a.
em
Zie-
VERDADES INDISCRETAS
218
— Ora adeus! Seu commandante, metta
estes dois proxenetas
tinella
i.
num
camarote com sen-
vista.
Sobiesky e Kosciusko podiam protestar
quanto quizessem. O homem da Policia Maritima permaneceria inabalavel na sua resolu^ao. E quando Ihe pedissem os motivos por
que vedava o desembarque a esses dois grandes homens, elle responderia convictamente:
Desses tenho eu visto muitos aqui
Basta reparar-lhes nos nomes. Dm sujeito
chamado Sobiesky Isso nao pode deixar de
ser um explorador de escravas brancas
Foi por causa do nome que Sophia Klein
se tornou suspeita. Os jornaes tern tratado do
seu caso, que e simples. Sophia montou uma
pensao na avenida Atlantica. Para dar hospe-
—
!
.
dagem a
de
familias distinctas.
adquirir lucros era
um
O
.
.
seu processo
pouco violento,
posto que, na essencia, nao muito diverso do
geralmente adoptado pelas proprietarias de
pensoes familiares, Ella comegou per nao pagar os impostos devidos aoMunicipio. Depois
tomou como norma commercial a seguinte
recebida adiantadamente, de cada pensionista,
a paga correspondente ao mez, fazia tudo
quanto podia para desgostal-o, afim de que
elle se retirasse antes de vencido o mez
o
seu lucro consistia em nao restituir a differen;
A DESVANTAGEM DO NOME.
.
.
219
Saindo um pensionista,
9a ao prejudicado
entrava outro que, depois de quasi enlouquecer com o ruido e o mau passadio da pensao,
por sua vez tambem se retirava, deixando la
com a Klein o pagamento integral da mensalidade. Succedeu, entretanto, ir morar na
pensao de Sophia uma senhora franceza, casada com um inglez, dizem uns, com um allemao, dizem outros. Sophia recebeu adiantado
o pagamento relativo a um mez e deu inicio a
sua offensiva habitual: ruido, carnecrua, falta
de asseio nos aposentos, etc., etc.. Como se
tratava de uma franceza, Sophia adoptou ainda outros methodos tacticos: incumbiu alguns
polacos de fallar mal da Franga na presen9a
.
da pensionista. Ora, uma franceza permitte e
perdoatudo, menos desconsiderar a Franga.
E' exactamente um dos defeitos das francezas:
serem francezas demais. Pode a franceza estar
a noite, no meio de rapazes, bebendo e tro^ando; ninguem ousara maldizer da Franga
na sua presenga, sem que ella immediatamente
tome ares de grande dama para dizer, fazendo
rolar com superioridade os rr na garganta:
— Oh! on
voit bien que vous
ne conais-
sez pas la Frrance,
Monsieur/
Assim que, estando uma tarde os polacos a dizer que a Franga nao tinha vencido a
Allemanha, a franceza protestou; e desse pro-
VERDADES INDISCRETAS
220
testo patriotico nasceu urn conflicto internacio-
—
nal em que a Polonia
deuses do
castigou a Fran9a a murra9as!
operou
um recuo
Olympo
A
estrategico e, nao
!
franceza
podendo
ainda appellar para a Liga das NagSes, foi
queixar-se a policia. Aqui entrou em campo
areportagem e descobrio coisas phenomenaes a respeito de Sophia Klein. Entre outras coisas, desvendara elles
que Sophia teve uma pensao na rua do
:
Cattete;
que Sophia nao pagou o aluguel da casa;
que Sophia caloteou o padeiro, o vendeiro e o a90ugueiro.
Ora, pensando no caso, nao posso tratar tao severamente a Sophia. Ella recebia
OS pagamentos adiantado e depois desgostava OS hospedes. Mas isso e commum
a todas as donas de pensao. Apenas Sophia agiu de modo directo, ao passo que as
outras donas de pensao agem de modo indirecto, tendo um cao que ladra a noite, mo9asque estudam piano pela manhan, crian9as
muito galantes que tocam cornetins, cavalheiros que cantam arias da Tosca durante o banho, etc., etc.. Alem do mais, Sophia Klein
tem um titulo de benemerencia logrou o padeiro, o quitandeiro, o vendeiro e o a90ugueiro. Esta senhora, apezar de estrange!:
k DESVANTAGEM DO NOME.
.
.
221
estd-me parecendo nacionalista. Conseguiu uma coisa que ate agora so tern sido
possivel a intendentes municipaes e senadores da Republica
nao pagar o devido ao
agougueiro e ao vendeiro. E', pois, uma creatura patriotica, que contra si s6 tern duas coisas o nome de judia e muitos rr fortes na
garganta. Si, em vez de carregar nos rr e
chamar-se Klein, fallasse com rr brandos e se
chamasse Dona Maria Sampaio, nao teria
tanta gente a gritar contra ella
ra,
;
:
.
.
.
um
Agitando
pello!
Prefeito nao encontrando homem que
se aventurasse a dirigir o pandemonio da Escola Normal (tanto e estafante lidar com muIheres!) resolveu appellar para uma senhora
O
a quern acaba de nomear para exercer o cargo
de directora daquella casa. E' de esperar que
dagora em deante a Escola entre nos eixos
e que, brevemente, as meninas tenham saudades dos directores barbados
Individualmente, nadatenho que dizer a
respeito da senhora nomeada directora. Mas
e mulher.
e com todas as cautelas possiveis
Ora, segundo observa96es que tenho feito, o
ente mais intolerante que ha para com uma
mulher.. e outra mulher. Pode ser uma santa
na presenga de outra santa, mostra logo os
dentes. Nao e por mal, nao e por instinct©
N6s, homens, mau grado os nossos defeitos,
somos mais ou menos bons uns para com os
;
.
.
.
—
.
;
AGITANDO UM
PEI,I,0
223
!
outros..Mulheres, tenho conhecido algumas
b6as para com os homens, que nem sempre o
merecem. Conhe^o
Mas uma
patifes casados
com
san-
que ainda nao vi muque
fosse
integralmente
b6a para com
Iher
outra mulher, a nao ser a mae para a filha, e
irman para com irman. Entre si, tem sempre alguma coisa a allegar umas contra as outras. Jarepararam nellas, quando vao nos bondes, quando estao nos cinemas, nos theatros
e nas egrejas? Esta, por exemplo, uma mutas.
coisa
:
bonde. Si entra um homem e vem
assentar-se no mesmo banco, ella Ihe da passagem, geralmente sem mostras de gentileza,
mas tambem sem revelar ma vontade. Si e
uma mulher que entra, a outra franze o sobrolho e nao afasta os joelhos, so paradifficultar a entrada a intrusa. Esta
esbarra aqui,
pede licenga ali assenta-se... Entao, ambas
se olham disfargadamente e, comonaopodem
manifestar-se o seu mutuo desprezo por outra forma, afastam uma da outra os sens vestidos
Nao sei donde nasce essa animosidade de gatas que ha entre ellas. O certo e
que nos, homens, si entramos num bonde,
saudamos uns aos outros com um toque de
mao na aba do chapeo
o que me induz a
crer que somos muito mais cortezes do que
lher
num
—
—
.
.
.
—
VERDADBS INDISCRETA.S
224
Esta particularidade nao escapa as esUma estrangeira me perguntava
ellas.
trangeiras.
ha tempos
:
— Como se
explica, que, recebendo os
rapazes e as raparigas a mesma educagao em
familia, sao neste paiz os rapazes tao delica-
dos e as mogas tao pouco
gentis?
Eu respond!
que, nao sendo muito forte
em materia de educa^ao domestica e de psychologia feminina ignorava as razoes da
differen9a. Entretanto, nao pude negar o
facto.
.
.
Mas
este capitulo nao tern por objectivo
deprimir asmulheres para exaltar os homens,
apezar de ser em mim inabalavel a convic9ao
da nossa absoluta superioridade physica, intellectual e moral sobre ellas. O meu assumpto e outro.
jornal, noticiando o provimento
da alludida senhora no cargo de directora da Escola Normal, dizia que ella, estando na Prefeitura, sorrio muito modesia,
cheia de symbolos, e agitando um pello que trazia ao pescogo e cujas pontas Ihependiam sobre
OS hombros, numa grande cruz de ouro, numa
grande allusdo muda d miss do de directora da
Escala Normal.
Palavrade honra, li, reli, tentei interpretar, reflect! e... nao sei si tere! entendido.
Um
AOITANDO UM PEU.O
225
I
Em primeiro logar, aquillo de uma senhora estar ffcheiade symbolosjj. Que symbolos ? Onde? Como ? De que processes opttcos
se terd soccofrido o olho arguto do reporter
para descobrir na dama esses reconditos symbolos ? Seriam naturalmente symbolos da instruc9ao. Mas,nesse caso, teriamos de adihittir
que a nova directora compareceu i. Prefeitura
•coberta de livrinhos, canetas, reguas, talvez
mesmo algumas palmatorias em miniatura,
apenas como recorda9ao historica, ji. se^ v^...
Depois vem o resto agitando um pello
^ue trazia ao pescogo e cujas pontas pendiam
sobre os hombros numa grande cruzde onrOt
numa grande allusdo muda d missdo de dire<tora da Escola Normal.
Nao p6de ser pello, matutei eu deve
ser pelle. Mas nao Nao podia ser pelle, porqu^, estando quente o dia, trazer pelle com
tal temperatura nao seria normal.
:
'
;
!
? Tambem nao.
Porque, si
um polo, teria agitado tambem o
Seria polo
ella agitasse
outro e n6s soffreriamos as consequencias do
terremoto Depois, que me conste, ninguem
pode trazer um pok) ao pesco^o
^
Seria pulo? Impossivel. Ninguem £^a
um pulo. O homem se agita, a Humanidade
o conduz,e elle piila mas o agitado € ^le, ri§o
o pulo. Portanto, conclui cd commigo, o que a
.
:
IS
VKRDADES INDISCRKTAS
226
directora trazia ao pescogo era real me nte un»
reporter a cujo olhar penetrante nao
peilo.
escaparam os symbolos, de certo nao se enganaria a proposito de um simples pello
Um
Ha comtudo
nesse pello tres pontes im-
pressionantes
— A singularidade
porque, um peiio
so, isoiado, solus, totus el unus, em vez de.
mais de um ? Exquisito, profundamente ex1°)
quisito
.
2°)
:
— O seu tamanho,e consistencia
.
.
:
urn.
pello que, partindo do pesco90, caia sobre os
hombros, formando umagrande cruz de ouro I
mais mysterioso do que o IncognoscU
vel de Spencer. Fujamos.
3^ )
Esse enorme e isoiado pello, que„
partindo do pescogo, caia sobre os hombros e
formava uma grande cruz de ouro, era, nada
mais, nada menos, que a uma grande allu«aa
muda a missao de directora da Escola Normal Mas que rela9ao podera haver entre a.
Escola Normal e um pello ?
Aqui, fatigado de tao profundo meditar».
deixeipender afronte pensativa e fiz, perante
Deus, um acto de renuncia. Renunciei a des-^
vendar o formidavel segredo Em casos taes>
o melhor e ser a gente positivista, isto e, nao
Isto e
.
.
—
!
.
a causalidade nem a finalidade
dos phenomenos. Ha no Hospicio muitos sa-
procurar
nem
AGITANDO UM
PEI.I.O
227
!
bios que procuraram explicar problemas indubitavelmente mais claros e, entretanto, li. es-
E
eu nao pretendo dar trabalhos ao dr.
Humberto Gotuzzo
ambos muito bons camaradas, muito meus
amigos, mas
Nada de
elles la e eu aqui
tao.
Juliano Moreira e ao dr.
—
.
.
pilherias.
.
.
Nao convem
goes cerebraes
Todavia
.
.
— s6
abusar das circumvolu-
.
para concluir
— aquelle
pello deve servir de ligao aos barbados da Escola Normal. Si o ex-director sr. Ignacio Ama-
em vezde
um pello
fazerumrelatorio,houvesse agidos seus varonis bigodes, teria
sido sempre respeitado. E o mesmo se entenda do dr. Bricio Filho, cujos bigodes p6dem, por si s6s, fornecer pellos para os colchoes de um regimento inteiro de infantaria
ral,
tado
Numa
Exposigao deCILes
Chronica dedicada a todo o genero humanoy
inclusive os ccLchorros
Na minha qualidade de Rei da^Creagao
a exposigao de caes, organisada ha dias
passados, por outros reis da Crea^ao como eu.
lam OS caes chegando, cada qual puxado
pelo seu senhor, que o tinha por uma corrente. Chegavam, de bocca aberta e lingua a
mostra, e eram apresentados a certos animaes de calgas e fraque, alguns ate de lunetas, OS quaes os examinavam, alisavam-lhes o
pello, collavam-lhes ao pesco90 uma etiqueta
e mandavam atal-os a postes fincados em terrenos divididos conforme a ra9a de cada um,
fui
de cada um dos caes, nao dos juizes.
Havia varias bancadas, como, por exemplo, a bancada dos caes de pastor, a dos de Sao
Bernardo, a dos irlandezes, a dos dinamarqueisto e,
VBRDADES INDISCRRTAS
230
a dos de guarda, a dos perdigueiros e oumuitos delles pequeninos, felpudos, timidos, cretinos e tremulos, raga que eu prefiro
designar pela denominagao generica de cdes
defemeas. Sao uns caesinhos parasitas, que passam todo o dia deitados sobre um tapete ou
ao regago da sua dona, rogando o seu focinho
pelo focinho della, lambendo-lhe as macs e
por Ventura outros sitios ...
La estavam, pois, os cSes reunidos em
assemblea, quando cheguei e, sendo rei delles, puz-me a olhal os com a mais irritante inzes,
tros,
;
solencia.
Alguns
estavam commodamente
deitados, calmos, langando olhares indifferentes e preguigosos para os seus semelhantes.
Caes
provavelmente.
ricos,
mas pensadores, porque
Ou
talvez pobres,
ser pensador e
das formas de disfargar a pobreza.
.
uma
.
Outros, entretanto, agitavam-se, ladravam, forcejavam por arrebentar as correntes,
uivavam, escarvavam a terra com as unhas,
babavam, mostravam a lingua e arreganhavam
OS dentes.
Homens e mulheres, quero dizer, deuses
e deusas, (porque para os caes n6s devemos
ser deuses) passavam impassiveis
.
.
Creio que dos deuses fui eu o unico que
prestou attengao aos debates que se travavam
naquella assemblea de minusculos e grandes-
NUMA BXPOSI9X0 DE ClES
331
sissimos cachorros. E foi assim que pude ver
um sr. cachorro immenso, que estava deitado
sobre as patas dianteiras, felpudo e majestoso
<:omo um leao de Can ova, o qual devia ser o
presidente, porque, tendo outro cao ladrado
Pela or<ie certa forma, como quern dizia
dem ! vi esse leal cao imponente ladrar de
710outra, como quern dizia Tern a palavra
hre deputado !
Depois de ter co^ado uma orelha com
uma das patas trazeiras, comegou o orador de*
clarando que vinha protestar contra o empenho. E' pelo empenho. dizia elle, que os
homens sao doutores, diplomatas, militares,
deputados, tudo quanto querem ser. Pelo
empenho muitos adquirem fortunas colossaes pelo empenho se casam com mulheres
—
—
:
;
acom essas lindas mulheres que nos
beijam o focinho com deliciaU
bonitas,
Aqui o Cao-Presidente ladrou com certa
severidade e advertiu o orador de que a Assemblea dos Caes nao podia permittir que no
seu seio se tratasse de assumptos escabrosos
si isso era
bem
commum
entre homens, nao ficava
entre caes de b6as familias
.
.
.
O
orador, declarando submetter-se a sabedoria da presidencia, continuou a ladrar
empenho e ganiu que o empenho,
ja entrara tambem entre a nobre raga dos
x:ontra o
:
VERDADES INDISCRETAS
232
e, para a prova, chamava a attengao
dos seus collegas para um cao dinamarquez^
felpudo, de olhos nostalgicos, que estava de
lingua a mostra, perto de uma senhora alta
como Pallas Athenea, de fortes ancas asiaticas, de bra90S constrictores como as serpentes
de Lacoonte, de olhos tenebrosos como os
desesperos que nao tem fim. Aquelle cao, ladrou o orador, nao tinha sido matriculado na
exposi^ao dentro do prazo legal chegara tarde e so f6ra admittido pelo empenho de certo
cavalheiro, intimo da tal senhora de olhos negros, o qual cavalheiro a apresentara a um dos
membros do jury, que se deixara logo envolver pela treva espessa daquelles olhos fataesl
caes;
;
(Sensafdo).
Olhei para o cao dinamarquez, que alias
como galgo
tanto podia ser cao dinamarquez
russo. E' a sorte dos caes protegidos da fortu-
na
:
serem sempre muito
discutidos, mas,
com
clareza, nuncadefinidos... O dinamarquez continuava tranquillamente ao lado da sua dama^
cujos labios me pareciam humidos como magans partidas por alfanges, insaciaveis como a
cubiga dos avarentos. Elle nem parecia ouvir
a accusa9ao do patriota seu semelhante. Todo
O
feliz^
aquelle discurso Ihe era indifferente.
animal tinha a divina impassibilidade de
NUMA EXPOSI9AO DE CAES
233
quern esta certo de ser, pelo menos nas appao idolo de uma bella mulher.
O orador continuou a ganir: «Estamos
defraudados pela entrada subrepticia desse
rencias,
e strange iro ...
— Nao apoiado E*
cdo orador —
desse
Uivos
O
filho
!
mas nasceu no
geiro,
de estran-
Brasil!
estrangeiro
que penetrou neste recinto pela porta falsa
das protecgoes inconfessaveis Protesto, Sr.
Cao-Presidente, protesto contra a petulancia
desse intruso que, nao podendo concorrer
lealmente comnosco neste certamen, a que
nos trouxeram os deuses, nossos senhores,
serviu-se das saias de uma mulher para afrontar OS nossos brios
ganido
Muito bem Tal individuo
.
.
.
!
—
Um
!
!
parece cao e antes um homem E' indigno de ostentar a colleira que nos distin-
nem
gue
:
!..
!
.
Grande tumulto. Cruzam-se uivos desencontrados. Violentos ladridos nas bancadas
dos caes dinamarquezes e galgos russos
sr. Cao-Presidente, de focinho ao vento, late
Os caes policiaes fitam as
e pede attenyao
orelhas e rosnam, mostrando as presas.
Vozes
Retire o latido O orador deve
.
O
.
—
retirar
o latido
O
9ao
!
!
!
—
AttenAttengao
Cdo-Presidente
foi o orador que injuriou o nosso
Nao
1
VBRDADES INDISCRETAS
234
eminente collega dinamarquez. Foi um ganido differente que disse que o nosso collega
era um homem Quern ganiu por tal forma
descubra-se e retire essa expressao, que nao
e canina.
!
Um ganicio
— Retire
o latido. Entretande acc6rdo
continuo
to, sr. Cao-Presidente,
com o orador que tao brilhahtemente vae latindo em benefidio dos supremos interesses
da nossa ra9a
Ganidos
— Muito bem
!
Muito bem Essa
!
de caes O contrario
de homens
O dinamarquez, como si tudo aquillo nao
fosse com elle, lambia a mao de sua senhora.
Bravo cao Devia ter grande influencia entre
OS seus semelhantes injuriado publicamente
despertando essa tempestade de ataques violentos e de adhesoes fervorosas naquelle cercado de arame, continuava olympicamente
impassivel, a lamber a mao da bella creatura,
a farejar Ihe os odores inebriantes, a rogar-se
pelas saias della Cao sublime Cao minis-
attitude, sim, e digna
!
seria proprio
!
:
;
!
!
tro
!
Cao
Com
estadista
clamavam, como
fre, coisas
nos quaes conclangores de buzinas de chi-
mais alguns
latidos,
ladrejantes a respeito da cfraterni-
dade entre os caes» da
whonestidade dos
governos)), e outros ladridos retumbantes, o
NUMA BXPOSI5X0 DB CAES
235
cao orador deu por findo o seu discurso, que
longo.
A maioria dos caes, entretanto, dormia,
ou dormitava, alguns enrodilhados, tendo o
focinho junto a cauda; outros, mais dignos,
tendo o focinho sobre as patas dianteiras,
foi
cruzadas, abrindo e cerrando os olhos congese rosnando vagamentionados pelo somno
te. Atados aos seus moiroes e fartos de vigiar em vao, os caes policiaes resonavam. Os
Sao Bernardo, de bocca aberta, lingua a mostra, babando, pareciam asphyxiar-se sob a
acgao bestificante do mormago intertropical
e, nos olhos amortecidos pelo somno e pela
fadiga, olhos que supplicavam a misericordia
de todos OS deuses vivos e mortos, reveland6
a saudade ancestral das neves alpinas pareciam trazer nas pupillas amortecidas o desgosto immenso de uma raga que, transplantada para climas violentos, falhou, tornou-se
para sempre inutil e para sempre desgostosa
da propria inutilidade...
Afinal, vi que a reuniao dos caes tocava
a seu termo. Procurei sair. Sujeitos de lunetas passavam, dando o brago as mulheres e
—
,
conversando gravemente com as filhas. Uma
m69a, que ia com o pae (sujeito de p^ra grisalha e monoculo, que fallava aos requebros
com uma senhora loura) uma mdga levava ao
VERDADES INDISCRETAS
236
collo
um
toto, beijava-o e falava-lhe
Ok /
:
Oh
/ le
Mon amour,
petit cheri I
caozinho, felpudo, civilisado e obsceno, lambia-lhe o focinho. Quasi a
porta da saida, vi ainda a senhora de olhos
beau toutou /
mon
petit
ange
/
le
O
negros que levava o dinamarquez pela corrente e afagava-lhe a cabega, emquanto distrahidamente ouvia os galanteios trovejantes,
de um typo alto, gordo, pan9udo, obeso e
chato,
de papada suina. touti90 de portuguez
terno de fraque cinzento, cara de bezerro manso e voz metallica, o qual pelos modos,
si nao era niinistro, devia ser millionario e senador. E naquelle momento eu nao desejei
rico,
nem millionario, nem vendeiro
nem senador; invejei simplesmen-
ser ministro,
opulento,
humildemente. cynicamente, as venturas
secretas do cao dinamarquez
te,
.
.
.
Consideragoes actuaes
Para onde emigrastes, 6 grandes abnegagoes mudas do passado ?
Nao emigraram. Morreram. Foram
mortaes pela nevrose da publicidade. Antes
de Guttenberg, partia um cavallelro para a Palestina, a conquistar o Santo Sepulcro. Travava combates com o Sarreceno partia lan9as embotava laminas de Toledo esfalfava
ginetes de Hespanha e murzeis inglezes destro^ava esquadroes aprisionava adais apuviolava harens
apainhavai miramolins
xonava sultanas devastava terras de mouros; degollava muezins; abatia minaretes:
—
;
;
;
;
:
;
:
;
;
punha cerco a cidades sagradas;
muralhas
bem
;
humilhava o
alto a Cruz; e
um
escalava
Crescente
erguia
bello dia,
:
num
retinir
barbaro de armaduras invictas e montantes
heroicos, entrava triumphante em Jerusalem
de guiao algado, ao som de pifaros, charame-
VERDADES INDISCRETAS
238
las e atabaques,
com muitas
gritas e tangeres
de guerra, que pareciam coisa temerosa, como
rezam os classicos
.
Ora,
tal
.
.
paladino soffria todas essas agru-
ideal superior, por um ideal religioso que, apezar da sua intangibilidade, o
ras por
um
compensava largamente dos sacrificios que
houvesse de fazer ate que chegasse a ajoeIhar-se deante do Santo Sepulcro, que a
Ninmourisma depois viria reconquistar.
.
.
aos seus combates. Nao havia
operadores cinematogranem
photographos
phicos para fixar-lhe as attitudes, nem telegraph© para dizer ao mundo que elle era valoroso, nem jornaes e re vistas para Ihe estamparem o retrato. So havia o seu Ideal, o seu
Deus, o seu Rei, a sua Consciencia e a sua
Dama, que tambem estava longe, encerrada
na torre feudal de um castello inexpugnavel,
defendida por fossos, barbacans, ameias, besE o paladino
teiros, catapultas e anoes.
guem
assistia
.
.
combatia. Victorioso, o seu Rei o fazia conde
ou duque, emquanto a sua amada Ihe abria os
bra90spara Ihe dar a recompensa mais ardenSi morria, como Ortemente appetecida.
lando, OS trovadores o immortalisavam nas
cortes de amor Era o dominio da vida inte*
.
.
.
rior
em toda a
sua esplendorosa belleza
C0NSID^^90BS ACTUABS
239
Hoje, como o materialismo afasta Deus
das consciencias, e como, de seu lado, as damas perderam o segredo de gerar e sobretudo
de educar paladinos, os homens se voltam
exclusivamente para o Reclamo. So reconhecem uma dama que e a Publicidade. Observei
isto no principio da guerra europea. Qualquer
farroupilha que se offerecesse como voluntario
(marcharia realmente?), o primeiro cuidado
quetinhaera ir despedir-se dosjornaes, le vando ja o retratinho para sahir na folha do dia seguinte ou do mesmo dia, si possivel fosse
no diaseguintela vinhao retrato doparvajola,
.
centralisando
uma entrevista
de
E
infallivel effi-
cacia nas prisoes de ventre...
Mas nao sao apenas os homens que tem.
a nevrose do reclamo Sao as mulheres tambem. Podera haver acto mais delicado do que
o casamento ? Collocando-nos acima de qualquer preconceito religioso, philosophico, litte,
encaremos o casamento sob
o aspecto apenas da delicadeza masculina^
olhando-o atravez do nosso simples cavalheirismo podera haver coisa mais melindrosa do
que esse acto ? E visto que assim e, nao serd^
de bom gosto cercal-o de todos os resguar^
dos, de todas as discre96es ?
rario,
ou
:
social,
240
VERDADES INDISCRETAS
Entretanto o estardalha90 com que entre
nos se fazem os casamentos transformam em
buffoneriao acto mais serio da vida civil. Garros extravagantes, enfeitados de fi6res de laranjeira e tirados por parelhas cheias de guizos, campainhas, tintinabulos e chocalhos de
varia especie
cocheiros visivelmente bugres
mas trajados a Luiz XV, guiando democraticas parelhas, as quaes puxam carros em cujas
almofadas vao repimpados uns 16rpas enormes, tendo ao lado boas maes de familia cujas
honestas banhas plebeas formam o mais violento contraste com os tricornes dos cocheiros, alugados para aquelle dia...
;
Si fosse so isso... Os nubentes nao se
contentam ja com o estardalhago carnavalesco
do cortejo chocalhante. Querem mais.Exigem
os photographos com as suas codaques «para
tirarem aspectos)) da ceremonia. Solicitam a
benevolencia das revistas illustradas para estampar esses aspectos. Mais alguns chamam a
casa um retratista em voga para photographal:
os em trajes nupciaes, agarradinhos e sorridentes, com aquelle sorriso equivoco de quern,
logo mais, a noite, vae descobrir algum escabroso segredo... Todos temos visto dessesretratos em ponto grande, expostos nasmontras
C0NSIDERA90ES ACTUAES
241
dos retratistas, o noivo de casaca, a noivacom
a sua grinalda de fl6res de laranjeira, envergonhadas— pobres fl6res
de ouvir aos basbaques da rua os commentarios mais torpes.
Porque o casamento, quando e discrete, paira
!
em
—
regioes altas mas quando desce dessas
regioes para se mostrar ao povileo, em poucos
minutos a alvura do vestido nupcial esta sal;
picada de lama, e a gravata branca do noivo
so se rehabilitaria perante as consciencias honestas, si se transformasse espontaneamente
numa boa corda de linho, munida de um no
corredio, para enforcal-o.
O casamento silencioso, em que os nubentes so ougam o pulsar do proprio cora9ao,
que se furta a profanidades e ostentagoes,
ainda se tolera mas o casamento carnavalesco
em que se compraz o ruidoso mau gosto dos
rastacueros, devia ser capitulado nos mesmos
artigos do Codigo que punem os attentados d
moralidade publica.
;
*
'
Outr'ora eram as viagens prazeres espiSo se atreviam a viajar os individuos
que alliassem a coragem tranquilla dos marinheiros ao appetite delicado dos epicuristas
rituaes.
16
VSRDADES INDISCRBTAS
242
mentaes. O viajante atravessava oceanos saltava de um para outro continente
galgava
montanhas; descortinava horizontes; orava
nas basilicas; admirava os paineis nos museus contemplava os monumentos iilustres y
tinha extases deante das estatuas via e ouvia nos theatros as celebridades em voga. K
quando regressava aos penates, era a esposa»
aos filhos e a limitado numero de amigos que
elle referia da sua viagem as peripecias mais
interessantes. Elle ma coisas durante a sua peregrinagao. So ia fazer isso ver, para gozo do
seu espirito e para narrar maravilhas a esposa
durante os seroes honestos da sua casa.
Hoje e differente. Por pequena quantia
p6de qualquer sujeito viajar com a familia em
paquetes confortaveis. Annualmente zarpam
deste porto toneladas e toneladas de carne
humana que vae com a intengao de ser vista
em Paris. Por la estao elles, os nossos andariIhos, mezes e mezes, sem conseguir penetrar
um iota da alma de Paris. Viram mulheres^
viram homens, viram cantarias e acharam estupenda a torre Eiffel, ate onde grimparam,.
gragas aos seus instinctos de quadrumanos, e
de onde mandaram para o Brasil o inevitavel
postal: Meu amigo
Escrevo-te do alto da
;
;
;
;
;
—
torre Eiffel, etc ...
»
Tenho conversado com innumeros turis-
CONSIDERApSBS ACTUAL
243
chegados de Paris e confesso
que.antes de conhecer qualquer delles, julgava
o cerebro humano menos impenetravel. Com
tas indigenas
excepgao dos raros viajantes intellectuaes
que sabem ver sem necessitar de recorrer ao
Bedecker ou de pedir informa^oes a Agencia
Cook, todos OS brasileiros voltam de Paris encantados.
com a illumina9ao do Rio
Lembra-me ter sido apresentado a dois
rapazes muito ricos, paulistas e bachareis na
forma da lei. Haviam chegado da Europa naquelles dias e, como eram bem parecidos e
endinlieirados, ficaram logo sendo a coqueluche das raparigas da pensao. De resto, bons
rapazes e muito amaveis. Mas diziam coisas
phantasticas a respeito de Paris. Uma noite^
apoz o jantar, tendo-se formado uma roda de
rapazes e m69as, os dois j ovens rica90s discorriam acerca da Franga e principalmente das
.
!
.
;
A
paginas tantas, disse um delles
em Paris e limpeza. Nao ha hynas ruas. E as casas sao horriveis. As
francezas.
«0 que
falta
giene
senhoras nao imaginam o que seja a avenida
da Opera uma serie de casas antigas e enfuma9adas. Nao limpam as testadas dos edificios
Qual Nao ha nada como a nossa
avenida Rio Branco. Que bom gosto E os
nossos chales da avenida Atlantica Nao vi
nada em Paris que se parecesse com elles.
:
.
.
.
!
!
!
VERDADES INDISCRSTAS
244
Como tambem nem em
Berlim, que e muito
nem em Berlim vi
mais limpa do que
avenida que se parecesse com aavenida PauParis,
lista
!
No mesmo
dia pedi as minhas contas e
no dia seguinte mudei de
casa.
*
Mas nao e a torre Eirfel a unica victima
dos brasileiros. Alem dos inevitaveis pombos
de Veneza, ha no universo um sitio feito para
Nice. A guerra nos tem liinspirar piedade
vrado de, ao abrir alguma das nossas illustra^oes semanaes, encontrar o retrato de um
ahonrado negociante da nossa pra9a)), cercado da sua numerosa prole, posturando num
jardim de Nice com a mesma physionomia
acarneirada e prolifica com que costuma deixar-se retratar nos convescotes da ilha do Bom
:
Jesus.
Bemdita guerra.
.
.
*
Que pena que eu nao seja o Doutor
Fausto Si Mephistopheles me apparecesse,
o que eu Ihe pediria era transformar-me em
intellectual francez, inglez, ou allemao, durante um inverno, so para poder sentir o que
.deve sentir um francez, um inglez, ou um allemao super-civilisado, quando o acaso o poe
em contacto com o turismo americano ...
!
O
(
cabega de turco
Carta ao dr. Chefe de Policta)
—
Exmo. Sr. Venho, nestas linhas, pedir
a V. Ex. garantir a avelludada pelle de um
patricio nosso, actualmente amea9ado por
causa da sua mania de ser turco o sr. dr. Joao
do Rio. Ha muitos annos entrou na cabe^a
deste estimavel compatriota a id^a de ser o
homem mais celebre do seu paiz e o chronista
mais bem relacionado no mundo inteiro.
Assim, jurou esmagar todos os outros chronistas parisienses. Michel Georges Michel tirava-lhe o somno com osseus Pall-Mall-Paris,
Pall-Mall- Nice, Pall-Mall- Trouville, PallMall- Biarritz, &tc.]o2LO nao socegou emquanto
nao fez tambem um Pall- Mall- Rio, improvisando-se Jose Antonio Jose. Declarada a
:
guerra, nao descansou Joao emquanto nao foi
a Europa entrevistar gente importante, entre-
246
VBRDADKS INDISCRKTAS
mundo. Amigo intimo de EnverPachd, de Talaat-bey, de Djavid-Pachd e de
tantos outros proceres do Imperio Turco, nao
Ihe contentavam essas glorias stambulescas
Creia V. Ex., sr. Chefe, que, jornalistas nos ouvistar to do o
ou menos jecas-tatus, quando Joao
nos contava que tinha almogado em Andrinopla com o general Djemal-Pacha, todos nos
torciamos de inveja, da mais purainveja deste
mundo. Quando, porem, Joao nos dizia do
jantar que Ihe tinha offerecido em Constantinopla o Sultao, seu padrinho de baptismo,
tros mais
jantar depois do qual
elle,
Joao, foi apresen-
tado a kadine predilecta de Sua Magestade e
a mais de trezentas odaliscas
turcas da Anatolia, ariscas e leves
arabes do Hedjaz, humildes na belleza da sua escravidao armenias. flexuosas como gatas angoras
georgianas, espantadigas
circassianas, cheias de nobreza na suavidade dos olhos claros persas
morenas e finas que ao Commendador dos
Crentes havia mandado, como preito de amizade. Sua Altezalsmail-Djezir-Khan humidas
e sensuaes egypcias de pelle trigueira, presente principesco do Khediva Abbas-Hilmy
e quando Joao nos dizia que, a sua passagem
pelo harem, entre eunuchos numidas, submissos e mal encarados, essas escravas se
curvavam e se prostravam sobre tapetes do
:
—
;
;
;
;
;
;
O CABE9A DS TURCO
247
Afghanistan; e, de dentrodas suas largaspantalonas de s^da da India, que mal disfar^avam, na sua hallucinante harmonia, as curvas
das ancas magnificas, murmuravam docemente
Tezlim f Tezlim / Graga Gra9a
ah
entao e que a nossa inveja explodia em pragas de enthusiasmo e em uivos de admira9ao,
que pareciam nao mais ter fim. Certa vez, depois de ouvir a Joao uma dessas portentosas
narrativas, nao me contive que nao rosnasse
de dentro da minha inveja e da fumaga do
meu charuto bahiano
Este Joao ainda acaba mahometano e
Grao-Vizir
Comtudo, a vida tem suas surpresas,
como passo a referir a V. Ex.
Numa excursao que fiz pelo Hedjaz, em
companhia do Emir Faysal, estando nos na
nossa tenda uma tarde, perto das ruinas de
Palmyra, vimos chegar com grande e majestoso estrepito uma caravana pomposa, e, a
frente dessa caravana, Joao do Rio, encarapitado, nao sei si num camello ou em si proprio.
Emir manteve se discreto, grave no seu albornoz branco, cofiando as admiraveis barbas
biblicas e fumando tranquillamente fumo persa
no seu magnifico narghile de boquilha de prata.
volta de nos estendia-se a paizagem
melancholica palmeiras resignadas d aridez
—
!
—
O
Em
:
!
—
248
VERDADES INDISCRETAS
do campo desertico
meditativos camellos e
;
nostalgicos dromedarios, alongando os pesco90s e dilatando as narinas, como se procuras-
sem com os focinhos o rumo em que ficava a
Terra da Promissao
Alguns beduinos, acocorados em tapetes, sorviam regaladamente
harak e, saudando com lentas e nobres reverencias os que entravam, preguigosamente
iam fumando os seus longos galiun, na attitude sacerdotal de quem meditasse versiculos
do Alcorao. Joao desceu do seu camello, quero dizer, de si mesmo e, sorridente, estendeu a mao democratica ao Emir. Este, que
tinha visto as divisas turcas de Joao do Rio,
nao manifestou grande empenho em estenderIhe a dextra principesca. Dois guerre iros arabes apalparam os alfanges, suppondo que
Joao quizesse provocar o Emir. Este, porem,
nao alterou a sua serenidade oriental. Vendo
eu que podia surgir de tudo aquillo um conflicto tremendo, disse em francez ao Emir que
Joao, em bora parecesse turco, nao o era. Era
apenas brasileiro, christao e ate academico.
Entao o Emir se levantou levemente, e gravemente saudou a Joao, quasi sem retirar dos
labios a boquilha do seu narghile. Todavia^
convidei a Joao para comer alguma coisa comnosco. Em torno, os arabes se tinham aquietado. O dispenseiro de Sua Alteza o Emir
.
.
.
;
O CABSgJi DB TDRCO
249
Faysal serviu-nos uma malga de laden, cuja
brancura espantou a Joao.
Que e isso ?
perguntou elle, como
se visse pela primeira vez uma fructa tropicaL
Com a minha experiencia dos costumes
—
—
arabes, expliquei-Ihe que aquillo era
uma sim-
uma
especie de coalhada bulgara. E Joao sorveu com delicia o seu laden
Depois pedi a Sua Alteza houvesse por bem
mandar servir-nos um pouco de ^o&6s e maples coalhada,
com carneiro e legumes, a que Joao fez honra bravamente e bemdizendo Allah no fundo do seu coragao.
Admiravel
murmurava Joao, que,
no auge do enthusiasmo gastronomico, ia, por
engano, limpando a bocca na fimbria do albornoz branco de Sua Alteza, suppondo usar
de um guardanapo.
kluta, perdizes guisadas
—
!
—
— Tamaras! — exclamava
tamaras por aqui
Eu sempre
?
elle.
Havera
encontrei tama-
no Oriente.
Nao. Infelizmente nao havia tamaras e
era a primeira vez que Joao ia ao Oriente
Mas, havia alguma coisa que Joao nao conhecia e eu pedi para elle
ataief, pasteis doces
de nozes pisadas, envolvidas em capa detrigo,
sobre os quaes se derrama calda de assucar,
perfumada de hortelan, canella e mangerona,.
de suave sabor prophetic© ...
ras
.
.
:
VBRDADBS INDISCRBTAS
250
Joao, encantado, jurava que no Rio, na
confeitaria Paschoal, aquelles pasteis fariam
furor;
e,
Emir em
repetindo a dose, perguntava ao
portuguez
— Porque e
que os senhores aqui nao
mandam estas deliciosas
raty Ah o Itamaraty
!
!
E' a Arabia do Brasil
.
coisas para o Itama-
.
.
.
.
.
E'
um
tumulo
.
.
.
Sua Alteza, por ventura nossa, nao entendia o portuguez e eu, aproveitando a ignorancia delle e dos outros beduinos, garanti cynicamente que Joao, na nossa lingua, agradecia a Allah e louvava o Propheta! Ao que
Sua Alteza inclinou gravemente a fronte, emquanto os arabes circumdantes faziam o mesmo, cheios de respeito e de terror
;
.
.
.
Terminada aquella refeigao, quiz eu conhecer o sequito de Joao, todo elle composto
de beys e pachas que, com extranheza minha,
se conservavam a distancia respeitosa, comen-
do conservas europeas! So entao verifiquei,
nao sem espanto e gargalhadas, que os pachas
e beys de Joao eram simples empregados da
Agencia Cook
inglezes, italianos, francezes, allemaes e dois portuguezes que Ihe serviam de interpretes.
—
— Mas, entao, Joao
dentaes sao estes?
!
Que pachas
occi-
2Sl
O CABE5A DB TURCO
— Ah
Aqui entre n6s ... E' s6 para
dizer que estive no Oriente.
Quern nao
fizerassim, vivendo no Brasil, 6 positivamente
!
,
.
cretino. O Oriente
Mas afinal quern conhece o Oriente ? Ninguem ... O proprio Sao
Paulo, que viveu, morreu e ate nasceu em
Roma, nunca viu o Oriente. Os ultimos homens que viram o Oriente forem os reis ma^os!
!
— E nos, Joao, nos tambem, que aqui
estamos, com os diabos!
— Mas estamos sem ver Voce pen.
.
.
sa que o Emir conhece o Oriente ? Nao conhece. O Emir conhece a Europa, conhece
Paris, Londres, as unicas coisas que interessam
a homens intelligentes. Porque e que o Emir
nao se veste no Poole? E' um lindo homem...
Nunca mais
vi Joao. D'ali nos separapara a vastidao democratica do Occidente, e eu, na comitiva de Sua Alteza, para
Thaief, Medina e Djebah, na ancia illustre e
inoffensiva de estudar religioes em cima de
Chegando, porem, ao Brasil, cocamellos
mecei a notar que Joao conhecia mais o
Oriente do que eu e Sao Paulo, que Id estive-
mos,
elle
.
.
.
VERDADBS INDISCRm'AS
252
mos tamto tempo, o Apostolo, pregando o
Evangelho, e eu, pobre peccador, estudando
affanosamente o que elle tinha pregado dois
mil annos antes. Mas, de tal maneira Joao fallava da sua intimidade com pachas, beys e
effendis, que eu comecei a nutrir contra elle
uma dessas invejas surdas que sao capazes
de levar um homem a prisao. Depois Joao
foi
foi a Buenos Ayres, yisitar Julio Roca
foi a
ao Chile, entrevistar as salitreiras
Montevideo, meia hora; e nao tendo mais
onde ir, foi a Conferencia da Paz. Entrevistou
Venizelos conversou com o Papa, que, por
signal, Ihe abriu pessoalmente a porta do Vafallou com o
ticano, para que elle entrasse
Rei da Italia; entrou em certas intimidades
com a Rainha da Rumania e, por ultimo, de
volta ao Brasil, deu-lhe para elogiar os turcos^
«povo ingenuo, cavalheiro, belle e bom»
nao
Esses elogios fizeram perder a cabega
a do turco, mas a sua propria ao sr. Etienne
Brasil, armenio, e portanto inimigo pessoal
do Sultao. Vae d'ahi, Exmo. Sr., o dr. armenio Etienne Brasil tem escripto coisas tremendas contra Joao. Diz que Joao, para elogiar o
Turco, recebeu dinheiro dos pachas! Injustiga! Porque nem os pachas hoje em dia t^m
dinheiro, nem Joao viu em tempo algum um
pacha. Em tudo isso o que ha e o seguinte
;
;
;
;
;
—
—
O CABE9A DE TURCO
253
Joao tern a mania de ser turco e e bem capaz
de, for9ando o seu natural horror a generosidade, pagar um cafe a um pacha, com a condigao deste certificar nalgum consulado que
elle,
com o Pacha. Joao, Exmo
nem amigo nem inimigo dos
Joao, esteve
Sr.,
nunca
foi
porque andava de
turbante em Paris, da mesma sorte que os
pretos da Africa e seus similares do Brasil se
julgam latinos so por usarem as velhas cartolas dos patroes e lunetas trincadas. Joao e
turcos. Julga-se turco so
inofifensivo,
bom
rapaz e talentoso.
A
colonia
do Rio de Janeiro nao deve espancal-o.
Elle anda mentalmente vestido de turco por
Syria
o mais bem vestido dos nossos typos de rua, o mais elegante dos nossos typos
Apenas isso Uma doce mania
populares
como outra qualquer. Assim, entendo que V.
Ex., no religioso exercicio das suas altas funcgoes, deve garantir o pello ao nosso patricio
Joao do Rio, que nunca viu um turco em dias
da sua vida e esta na imminencia de ser sovado, em plena America do Sul, por armenios
e syrios, que, ausentes da Palestina durante
tanto tempo, deram agora para confundil-o
com o Sultao, quando a verdade e que elle e
apenas afilhado de Sua Majestade.
Espero que V. Ex. tome em considera^ao estas linhas humanitarias e, sem retroga. E'
.
.
254
VBRDADKS INDISCRETAS
correr a verba secreta, proteja o nosso adoravel compatriota, tornando-se dest'arte credor
da estima e gratidao do seu
patricio e admi-
rador,
Antonio Torres.
Uma semana
.
.
.
Pois, amigos, esta
alegre do que eu esperava.
semana
alegra
foi
mais
Alem
das habituaes descomposturas dos jornaes, ahi esta
a campanha do sr. dr. F'linto d' Almeida
para que o Rio de Janeiro faga nas secgoes livres das gazetas uma declaragao mais ou menos como esta: «Ao Publico, aos meus amiCommunico que de hoje em
gos E A Pra^a
deante passo a assignar-me Guanadara.n
—
Tivemos ainda um principio de batebocca no Senado, por causa da construcgao do
novo edificio destinado aos formidaveis estadistasque diariamente cochilamnaquellacasar
assim como tivemos tambem o caso de um
famoso habeas-corpus a favor de uns deputados
amazonenses.
Esse habeas-corpus foi sensacional, por
ter permittido ao sr. ministro Pedro Lessa lan^ar ao paiz, numa phrase cheia de sarcasmor
VERDADES INDISCRETAS
256
a bofetada que o paiz
questao de receber
pordia. Com effeito, para remediar aafflictiva
situagao do Amazonas, o sr. dr. Pedro Lessa,
officialmente, no nosso mais alto tribunal, desabnsadamente opinou por um alvitre que, segundo declarou S. Ex. e o unico aconselhavel reformar a Constituigao com o intuito de
transformar aquelle territorio em principado
ou ducado que seria entregue a um dos muitos principes allemaes, actualmente em disponibilidade. Muita gente ha que se tem escandalisado com essa phrase. Eu, nao. O sr.
ministro, com esse safanao que nos deu, ate
se revelou muito patriota. O que em summa
deseja S. Ex. e o engrandecimento do Amazonas; e como esta provada a nossa incapacidade para realisar esse engrandecimento,
melhor se Ihe afifigura entregar aquelle territorio a um principe allemao, que o tornaria rico
e prospero, si nao como a Alsacia-Lorena, ao
menos como o Rio Grande do Sul.
Pena
e que o sr. dr. Pedro Lessa haja limitado asua
faz
,
:
.
.
acgao patriotica somente ao Amazonas; e pois,
<:om o devido acatamento, pego licenga para
ampliar o alcance do seu alvitre a todo o Bra:sil. Nao e so o Amazonas que tem o direito
de ver-se livre da sua perigosa fauna de Pedros Bacellares e Lopes Gon9alves, nao, senhor. Entao acha justo S. Ex. limpar o Ama-
UMA SBMANA
257
AI.BGRK
2onas com o chicote de um principe allemao,
e deixar proliferar em Minas os Franciscos
Salles com os respectivos Bressanes, no Para
OS Firmos Bragas, etc., etc. ? Nao. Nao seria
justo, nao seria humano. O que manda a Justi9a, de que S. Ex. e grande pontifice, e oque
o patriotismo impoe, e entregar o Brasil todo
a um principe allemao, o Brasil todo, inclusive
o sr. dr. Pedro Lessa, com sua pess6a e bens.
Porque um paiz onde, no mais alto tribunal,
ha um juiz do prestigio do sr. Pedro Lessa, e
que leva ate esse ponto o seu amor a ironia e
ao espirito de tro^a, merece realmente a tutela
do estrangeiro e um paiz maduro para um
protectorado. Deixemos, porem, este assumpto lugubre e passemos a tratar de coisas menos escabrosas
Guanabara / Tal o nome que o sr dr
F'linto d' Almeida propoe para substituir o
actual de Rio de Janeiro, estribando-se nas
;
.
.
.
.
seguintes razoes:
o nome Rio de Janeiro e longo e
feio
Guanabara e curto e bonito
no Rio de Janeiro nao ha rio.
A estas razoes adduziu o sr. Magalhaes
^e Azeredo, nosso embaixador junto a Santa
que os estrangeiros dilftcilmente pronunciam o nome da nossa capital,
que estropiam sempre.
S^, mais
esta
:
17
VKRDADES INDISCRETAS
258
Voto contra. Rio de Janeiro e denominagao que devemos conservar como documento historico do alto engenho e da heroica pertinacia dos nossos Descobridores. Com effeito,
certo dia aqui chegou um capitao portuguez na
sua nau, e entrou pela bahia a dentro, uma
bahia immensa, um mar inconfundivel pois,
senhores, depois de muito olhar, de muito
examinar e de muito matutar, concluiu elle
la com OS alamares do seu gibao
;
:
— e um
— concordou o seu
— Amen, gemeu o frade
Isto
rio
!
piloto.
E',
capellao.
E em toda a marinhagem lusitana nao se
achou um so homem capaz de notar que a bahia
nao era um rio Outros capitaes vieram depois;
percorreram toda a costa do Brasil; distingui!
ram
e
denominaram todos os cabos,
ilhas,
ba-
enseadase rios que encontraram so nao
conseguiram distinguir a Bahia de Guanabara.
Conheciam tudo; chegando, porem, a nossa
bahia, cofiavam as barbas heroicas, arrimavamse aos montantes e rugiam de dentro das suas
hias,
;
couragas
— Um
rio e
isto,
ou nao
christao baptisado, confessado e
Em
Que
serei
Dom
bom
commungado.
nome d'El-Rey Nosso Senhor o
dizeis atal,
eu
affirmo
Vasco d'Athayde?
I
UMA SEMANA ALEGRE
— Bofe,
que hei
visto
que
em
rio e e
259
dos mais formosos
minha Razao
dias de vida
!
Dom
Vasco^
apalpando a cruz da espada e ja disposto a rachar ao meio, com uma so cutilada, o vilaa
que o contrario ousasse dizer
Portanto, agora e tarde. Nao ha erro de
nome que se possa corrigir depois de quatrocentos e dezenove annos. E sera esse o unicoi^
Podera! Basta dizer que o Brasil foi descoberto a 22 de Abril e, nao obstante, oseu descobrimento e commemorado a 3 de Maio I
Somos, pois, o paiz dos erros e enganos, alguns fataes, como o que victimou o finado Titendes,
sr.
capitao, txovejava
.
.
.
radentes.
E
Foi tambem proclamada por engano. Deodoro pensava que ia
somente derrubar o ministerio. Quando voltou a si, o malja estava feito, quero dizer, a
a Republica?
Democracia estava fundada.
Demais, o nome do Rio nao e a unica
coisa errada que ha na America.
O nosso continente devia chamar-se Colombia entretanto a Colombia e apenas um
pequeno paiz, ja meio devorado pelos Estados
;
Unidos.
Ha no sul um rio
uma
que se chama Rio da
embora no seu leito nao se encontre
gramma desse metal.
Prata,
VERDADES INDISCRETAS
260
aqui no Rio de Janeiro uma Acaquasi nao ha escriptopullulam
medicos,
em virtude da uros
res e
^encia que tinham os outros academicos de ter
veterinarios junto de si em compensa9ao a
Academia Nacional de Medicina esta cheia de
<:avalheiros cujas aptidoes mentaes ainda nao
Temos
demia de Letras onde
;
foram verificadas, mas que devem ser
mente
fatal-
litteratos.
O
Senado Federal esta occupado por homens que tem obrigagao de fallar ao povo, e
^ntretanto nao sao capazes de abrir o bico, ao
passo que a Associagao Commercial, que devia evitar arroubos de rhetorica, e um ninho
de oradores, um viveiro de Demosthenes.
Como
ve o
sr.
troca neste paiz
dr. F'linto,
.
anda tudo a ma-
.
A mudan^a do nome da nossa capital tracomplicagoes innumeraveis. Ja nao quero
alludir ao incommodo que seria para o talentoso nacionalista da colon iaportugueza, sr. dr.
Joao do Rio, ver-se obrigado a chamar-se dr.
Joao Guanabara. Pego a atten^ao do sr. dr.
F'linto apenaspara um caso que a S. Ex. mais
de perto deve tocar.
O imaginoso academico tem um livro de
versos intitulado Cantos e Cantigas. (Porto
ria
— Livraria
ha uma
—
Chardron
1915). Nesse livro
poesia que se chama Rua de Gongal-
UMA SBMANA ALEGRE
261
Dias^ daqual destaco
(pags. 163 e 166)
que reputo primorosas
e reveladoras de um homem de genio, em
toda a nobre vastidao do vocabulo
ves
as seguintes estrophes,
:
£^is-nos
na antiga rua dos Latoeiros,
Rua com muitos
E
titulos de gloria,
que ha de ter na Historia,
Certo,
um
dos seus capitulos primeiros
Ufana a rua de uma
tal ventura,
poesia as suas sympathias
ha muito em suas placas jd fulgura
bello nome de Gonf alves Dias
Deu d
E
O
Mas
nao, porque onde foram os sobrados
que vivera o poeta brasileiro,
Vive hoje a Associa^ao dos Empregados
No Commercio do Rio de Janeiro.
Em
Estes versos trazem no livro a data de
sao, como se ve, portentosos. Bilac.
dizem, cuidava morrer de rir quando alguem
Ih'osrecordava, mas si ria, de inveja devia ser,
porque nao ha, em toda a obra do grande lyrico, nada que se possa comparar com esta pequena epopea da rua dos Latoeiros.
Imaginemos agora que vingue a proposta
do sr. dr. F'linto. Gravissimo desastre seria
esse para a nossa litteratura, pois que obrigados nos veriamos a alterar uma das melhores
quadras, a ultima das citadas, pela seguinte
1907 e
f6rma
VERDADES INDISCRETA.S
262
Mas
nao, porque onde foram os sobrados
o poeta brasileiro,
Vive hoje a Associa9ao dos Empregados
No Commercio de Guanabara!
Em que vivera
Soa mal, como
se ve. Eis porque venho
em nome das
nome
em
da litteratura nacional,
em nome da Esthetica, em nome das Camenas, em nome da sua propria gloria e em nome
eu supplicar ao
sr.
dr. F'linto,
bellasletras,
da gloria da rua dos Latoeiros, pelas almas
do Purgatorio em geral e pela de Gongalves
Dias em particular, que nao mutile essa obraprima ou, como diria o dr. Joao do Rio, esse
chefe d'obra. O sr. dr. F'linto nao tem o direito de concorrer para que se deturpe esse
primor que, ja agora, nao e exclusivamente
mas esta irrevogavelmente incorporado
ao patrimonio intellectual nao do Brasil apenas, mas de toda a America do Sul e da raga
seu,
latina
Quanto aos estrangeiros, cujas difificuldades prosodicas tanta sympathia inspiram ao
sr. dr. Magalhaes de Azeredo, o remedio e
simples. Trate cada um delles de traduzir para
a lingua materna o nome da nossa capital
Assim faz Sua Santidade o Papa, que e pess6a de muita consideragao e respeito. De facto,
communicando-se com os bispos
brasilei-
ros na lingua official do Vatican©, que e a la-
UMA SEMANA ALEGRE
tina, nesta lingua escreve
263
o Santo Padre o no-
me
desta cidade, Assim, a personagem que
aqui e o sr. Cardeal Arcebispo do Rio, no pateo de S. Damaso e adjacencias e Cardinalis
Archiepiscopus Sancti Sebastiani Fluminis
Jannuarii. Nos tambem costumamos traduzir
nomes de cidades estrangeiras. O que para os
allemaes e Me^iz e para os francezes Mayence,
para nos e Moguncia. Tambem, o que para nos
e Lisboa, e para o inglez Lisbon, para o Papa
Ulysipo, para os francezes Lisbonne e para os
allemaes Lissabona. Emquanto os allemaes dizem Koln, e os francezes Cologne, nos dizemos Colonia. Por isso nao descubro inconveniente em que cada estrangeiro va traduzindo
como poder no seu proprio idioma o nome do
Rio de Janeiro. Em Madrid ouviremos dizer
Rio de Enero\ em Paris, Fleuve de Janvier;
em Roma, Ftume di Gennajo', em Londres,
January -River, e em Bedim, Januar-Fluss.
Constantinopla nao sei como sera; mas
quem desejar informa96es autorisadas a tal
respeito queira dirigir-se ao sr. dr. Joao do RioPacha, que e turco e afilhado do Sultao
E ahi tem o sr. dr. Filinto a minha opiniao, que S. Exa. nao pediu mas eu dei, por-
Em
que quiz dar. E mais, direi que, si mudarmos
o nome da capital do paiz, temos de, pelas
mesmas razoes, mudar o nome do Estado do
VKRDADES INDISCRETAS
264
Rio. Pelo que, o melhor e ficarem as coisas
como estao.Nao Ihesbulam, que epeior.EscoIha o sr. dr. Filinto outro meio deser agradavel
ao seu fraternal amigo Oscar Guanabarino,
critico musical.
vez de mudar o nome da
capital, vamostrabalhar para que a City nao
Em
despeje na bella bahia, como faz, as fezes da
cidade quasi em estado de natureza. TrabaIhemos para que a bahia de Guanabara deixe
de ser o que actualmente e: a mais formosa
das coisas fetidas. Isto, sim, seria util. O mais
sao byzantinismos. 01he,6 dr., e si forpossivel
vamos tambem ver si deixamos de fazer versos,
sim?
O
vendedor de passaros
Apanhar passaros para vendel-os
e
uma
profissao intermediaria entre a dos antigos
vendedores de escravos e a dos modernos
vendedores de escravas. A differenga que ha
entre o moderno vendedor de passaros e o
antigo vendedor de escravos e que este era
perseguido pelas leis e pelos crazadores da
Inglaterra, ao passo que aquelles escravisam e
vendem os passaros a sombra das posturas
municipaes e da indifferen9a britannica. Si a
Inglaterra o quizesse, os nossos passaros teriam o seu 13 de Maio. Quando os inglezes
pelos olhos dos seus estadistas, economistas
e financeiros, viram que a escravidao no Brasil, sendo base da nossa agricultura, prejudicava pela concurrencia a agricultura das suas
colonias e possessoes, onde a escravidao ja
f6ra extincta, que fizeram ? Foram a cathedral
de Westminster tiraram de la umas velhas
;
VERDADES INDISCRETAS
266
bandeiras, que serviram outrora para humiIhar
povos
em nome
da Humanidade, manda-
publicistas escrever coisas solenDepois apparelharam cruTimes.
ram os seus
nes no
.
.
zadores; declararam-se, como smpre, paladinos da Civilisagao, e pozeram-se, muito a seu
commodo, a perseguir os navios negreiros.
Humanidade, como sempre, vibrou com esse
A
lance magnifico da Inglaterra; e o BrasiJ, mais
do que a Humanidade toda. Travou-se entre
nos a peleja abolicionista. Castro Alves fez
versos Nabuco fez discursos Jose do Patrocinio fez artigos; os escravocratas fizeram opposigao os abolicionistas fizeram leis o Im;
;
;
;
perador fez uma viagem e a Princeza, no
meio de tudo isso, decretou a Aboligao.
;
creio que os homens da Inglagrande empenho na liberdade
tenham
terra
dos passaros brasileiros; mas os passaros inglezes talvez tenham nisso algum interesse... No
dia em que ficasse prohibido aprisionar, sem
Eu nao
motivo legal, passaros das nossas florestas,
provavelmente os passaros inglezes teriam no
nosso mercado muito maior cotagao do que a
que tem de presente e os inglezes, que devastam os nossos rebanhos bovinos em beneficio dos seus soldados, bem podiam, como
;
compensagao, proteger os nossos passaros.
O VENDEDOR DE PASSAROS
267
E' verdade que os passaros nao sao tao
immediatamente uteis como os bois, vaccas e
novilhas que elles matam em Mendes; mas
que importa isso a Inglaterra ? Quanto mais
alto e desinteressado f6r o motive apparente
das suas conquistas, tanto maior sera o seu
lucro. Porque foi que a Inglaterra conquistou
a India? Apenas para civilisal-a. E quanto
temlucrado os commerciantes, industriaes e
financeiros inglezes com esse acto de abnegagao ?.
1882, para poder pacificar o
Egypto, a Inglaterra bombardeou e incendiou
Alexandria. Mas a Humanidade (principalmente a humanidade ingleza) muito ganhou
com isso. Nessa transagao so os egypcios
perderam, entre outras coisas, a liberdade,sem
fallar no resto. Por isso digo
quanto mais
abstracto o motivo que mova a Inglaterra a
mobilisar as suas f6r9as militares, tanto maior
o seu lucro commercial. Parece que a grandeza material da Inglaterra marcha na razao
directa da metaphysica dos seus processes
absorventes.
.
.
Em
:
Pensava eu em todas estas coisas profundas, depois de ler uma noticia curiosa a
respeito das aventuras de certo vendedor de
Chamava-se Olympio Pihto e andava
pela rua de S. Francisco Xavier, carrepassaros.
VERDADKS INDISCRETAS
268
gando
as
suas
gaiolas
cheias de passari-
quando deu de frente com um xidadao
brasileiro chamado Manoel Caldeira de Assis.
Sao ommissas as noticias quanto aos annhos,
tecedentes de ambos esses patriotas, de sorte
que o chronista nao tern infelizmente materiaes que Ihe permittam tragar com clareza e
seguranga a psychologia do caso.
certo,
porem, e que Manoel Caldeira, defrontando-
O
se
com Olympio, achou que este nao tinha dide andar com aquellas gaiolas de passa-
reito
ros
.
Estas questoes de direito, al^m de serem
escabrosas, tem ainda este defeito: que, quanto mais discutidas sao, menos comprehensiveis se fazem. Creio que Manoel Caldeira 6
desta opiniao, porque nao discutiu com Olympio o direito de prender passaros; nao Ihe re-
quereu habeas-corpus, nem Ihe oppoz embargos, nem Ihe deu tempo para impetrar manutengao de posse. Nada disso Antes que
Olympio tivesse tempo de appellar para os
juizes do Rio ou para os de Berlim, fulminouo Caldeira com um interdicto prohibitorio a
pau nas gaiolas, seguido de um muito logico
alvara de soltura a favor dos coUeiros, pinta!
gaturamos, sabids, cardeaes,
curios e bicos delacre,que se aproveitaram da
confusao reinante e, aruflando as azas, sacudindo as pennas», fizeramcomo asillusoes de
cilgos, patativas,
O VENDEDOR DE PASSAROS
Raymundo Correa: foram-se
Nao contente com
tornar
.
.
.
269
para nao mais
a liberdade tao
generosamente concedida aos passarinhos, entendeu Caldeira, como bom estrategista, que
o melhor seria iniciar logo uma ofifensiva contra o Tyranno; e, si hem pensou, melhor o executou, atacando Olympio a murros nas ventas
em nome da Liberdade; pelo que, Olympio,
com o seu longo habito de lidar com passaros,
resolveu imital-os, quero dizer, voou tambem.
Mas 6 triste 6 mesquinha sorte dos libergente do povo, ignara e proterva,
tadores
nao atinando com o alcance moral, social e
humanitario da faganha de Manoel Caldeira,
correu-lhe sus! Peor aventura do que esta so
succedeu, que eu saiba, ao grande Dom Quixote, que, tendo libertado com a sua langa incorruptivel uma leva de presos que iam acorrentados para o presidio, como, apoz tao grande proeza, quizesse obrigal-os a ir agradecer
a sua libertagao a mui nobre e formosa Dulcinea del Toboso, foi por elles apedrejado e
sovado depois do que, fugiram todos, antes
que por ali chegassem refor9os da Santa Irmandade ... A Manoel Caldeira quern o perseguiu nao foram os libertados, visto que por
felicidade delle e nossa, os passaros ainda nao
tern forgas que bastem para atirar pedradas.
—
!
;
—
!
VERDADES INDISCRBTAS
270
Caldeira, o Libertador, que
. Entretanto,
tinha visto voar os passarinhos e seu dono,
imitou-os tambem; e la se foi, correndoa bom
S Francisco Xavier a fora,
que embarafustou por um capinzal proximo ao Jockey-Club. Nesse capinzal trabalhava
um certo Jose Angelo, que, vendo correr Caldeira perseguido pelo povo, adheriu a massa
correr, pela rua
.
ate
perseguidora e tentou tomar-lhe a dianteira;
mas Caldeira, apanhando um tridente que estavano chao, deu com elle uma pancada na
cabega de Angelo, que caiu desaccordado.
Ahi, ja desorientado,
foi
preso por populares,
que o atacaram a cacete. Resultado: Angelo
para a Santa Casa; Caldeira, o ornithoda indispensavel escala pela Assistencia, foi dar com os ossos no xadrez no
15° districto. E ahi esta como um acto de generosidade se transforma, de um moment©
para outro, em noticia policial. Quanto ao
vendedorde passaros, esta ate agora voando
atraz dos bicos de lacre. E', pelo menos, o que
parece.
foi
philo, depois
.
.
Eu nao
se arvorou
sei si
Manoel
Caldeira,
quando
em Tiradentes dos pintacilgos, obe-
deceu a impulsos puramente libertarios ou a
impulsos de vingan^a contra Olympic, o Se-
O
VENDKDOR DB PASSAROS
27
nhor dos Passaros mas, seja como for, nao
pode deixar de ter sympathia por elle. A
vinganga, quando proporciona azado ensejo a
pratica de algum acto nobre que aproveite a
innocentes, nobilita-se por isso. No caso do
Caldeira, cresce a minha sympathia ao pensar
que elle, para libertar patativas, teve de ferir
um pobre homem e foi esbarrar no xadrez.
Eterna ligao aos libertadores, eterna e incomprehendida.
O libertador nunca pode atirar aos grandes ventos do mundo um principio
de Uberdade sem ferir a propriedade de
muitos. Ora, o maior crime que ha para a sociedade conservadora e a violagao da propriedade. O codigo admitte attenuantes para o
homicidio mas matar para roubar e crime que
so tem aggravantes, ainda quando o homicida
chegue a provar que, no momento do seu crime, estava hallucinado pela fome ou desesperado por ver famintos os seus filhos. Quando
;
se
.
.
;
homem chamado
Spartacus tentou
libertar os escravos de Roma, o seu primeiro
crime foi attentar contra a propriedade dos
senhores sobre os escravos. Quando aquelles
outros da Revolu9ao Francezaproclamaram os
Direitosdo Homem, o seu primeiro crime, ao
menos na opiniao dos realistas, era attentar
contra a propriedade que tinha o Rei sobre as
terras e mais bens dos seus subditos. Quanda
aquelle
VERDADKS INDISCRETAS
272
agora, nos nossos dias, os revolucionarios eximais equitativa distribuigao da riqueza,
gem
nao exigem nenhum absurdo mas sao perseguidos, porque o burguez,que ajuntou o seu
dinheiro e metalisou o seu coragao, so estima
no mundo o seu ouro e pouco se Ihe da que
haja famintos, comtanto que se respeitem os
seus sacratissimos direitos de propriedade.
:
Assim, Manoel Caldeira, soltando os passaros
de Olympio, attentou contra a propriedade
deste e foi por isso que a policia o perseguiu;
e o povileo, com a sua multisecular inconsciencia, correu-lhe ao encal^o para defender
urn direito que as massas respeitam por atavismo.
Quanto aos passaros, nao os condemnemos por nao terem ido ainda ao xadrez agradecer ao Caldeira a sua liberdade. Dos nove
leprosos que Jesus-Christo curou, parece que,
por emquanto, so um se lembrou de agrade;
cer-Ihe
tamanho prodigio. Os passaros sao
como os homens. Entre uns e ou-
distrahidos,
tros a differen9a, salvo exterioridades evidentes, nao e das mais profundas
apenas, emquanto OS passaros cantam sem saber musica,
OS homens cantam por musica
mas em m|iteria de gratidao, uns e outros se parecem
:
;
.
.
.
Brule e o seu publico
A
sempre excellente, consolava
liontem a todos n6s de um desastre immenso:
a companhia Brule representou no Municipal
uma pe9a excessivamente tragica de graoNoticia^
e durante as passagens maistragicamente guinholescas, o publico ria-se, divertidissimo. Senhores barrigoidos e portanto respeitaveis sentiam arrebentar-se-lhes os cos das
guinhol
calgas
;
quando alguma das
em
caretas
intentava traduzir angustia.
alta representagao mundana
sentiam derreter-se-lhes nos rostos os unguentos que a Providencia, sempre boa, suggeriu d
imagina9ao humana contra as rugas. Senhoras
actrizes,
bem francezas,
Damas da mais
elegantissimas tinham que recorrer ao p6 de
arroz das bolsinhas caras, para recompor o
rosto desfeiado por alegres lagrimas, alegres
e estrepitosas lagrimas arrancadas por Brule
quando, em esgares inimitaveis, gragas ao seu
18
274
Y^RDADES INDISCRETAS
estrabismo celebre, interpretava tortures moraes. Porque Brule e, antes de tudo, irresistivel
actor comico. E' um dos maiores humodos boulevards. Ja me havia dito um frequentador do Municipal, ha dias, que o nossa
publico se ri de bon coeur quando Brule falla ;
como
ristas
quando Brule se cala quando Brule anda \
quando Brule limpa com o len90 a poeira dos
sapatos; quando Brule colloca no bolsinho a
seu lengo branco, digno de Desdemona; emfim acabou-se, quando Brule apparece no palco do Municipal, derrota em comico o nossa
;
popularissimo Brandao, gloria nacional
o sempre chorado Joao Caetano.
— Mas porque — perguntei.
— Nao respondeu-me
coma
?
sei,
sei dizer e que,
elle.
O
que
muitas vezes, phrases escriptas.
apenas para fazer sorrir de leve, ditas por
Brule ou por alguem do seu grupo, sao fabricas de gargalhadas. Em Paris geralmente a
publico sublinha
com
sorrisos certos parado-
xes ditos em scena. Aqui toda a gente se
desbandeiradamente. Porque serd ?
Estudei dia e noite esse
phenomeno
ri
pa-^
tho-mundano. Consultei os autores. Meditei
como um touro inglez quando rumina a sua
alfafa a um canto do curral. E, como Archimedes, eureka / Achei a chave do enigma e vem.
BRCI,:fe
275
E O SieU PUBI<ICO
a ser que o publico ri, porque nao entende^
mas quer mostrar que entendeu.
A capacidade mental desse publico pode
rcduzir-se
arithmeticamente ao seguinte
50
do publico nao comprehendem francez
:
%
30% comprehendem francez, mas naotem
agi-
lidade mental que Ihes permitta apanhar no ar
OS floculos fugidios de um paradoxo, coma
um
voo
uma pomba no meio do
ou tomar de repente uma idea qut
falcao agarra
;
seu
es-
voa^a, e alar-se com ella no espa90,como uma
gaivota marinha apanha o
peixinho que
descuidoso se embala na onda que foge
Restam 20
de espectadores capazes de entender as intengoes paradoxaes do autor, caso
o actor tenha talento para sublinhal-as com um
sorriso, com uma inflexao de voz appropriada
a phrase, com uma simples contrac9ao, leve, de
musculos faciaes mas, destes vinte espectadores aptos para entender uma comedia fina,
ha dezoito que estao distrahidos, pensando
.
.
%
;
na costureira da mulher, em negocios, em lepor veneer, ou entao dormindo pezadamente, no trabalho brutal da digestao De
sorte que, contas feitas, sobre cada cem espectadores do Municipal, apenas dous haverd
que estejam comprehendendo a pega; destes
dous bemaventurados, um, discreto, sorri comsigo mesmo, sem inter^esse por que outros o
tras
.
VBRDXDBS IND1SCRETA5
intelUgente,
n nutro embora
a sua
^-^^^V^isinhos revels
visipara
os
sorri
Ora.
^^J^^i^^^^^
seu
PO^Ys
o
e
sua vez,
aeudeza
•
^ejam
.
or
Zs mostrarem
d°«
que
^^^-^.Tbemtnt'endem.
que
para
^""""^^hem bebem do
Lmbem percebem, ^"^^J^^m mais alto,
o-visinhosdosuhmosne ^^ ^^^^^
fino;
destes
^^
mens
de Io.st;
'^^
"^tdistVo
ou menos
^^^^^
ftada
'»f
gentesampUa-senag^s
^^
noveuta e
relinchante de
ser
ao
,t%o
Pin<i»«°"^Sao
Kepresenma B anda°
bUco de
aquella
palco scemco d
e
uma
em Pansum
meu ver, pen-
,
sar da pl-t^^^"'°'^:
certa vez
larissimo pensou
drama
gexo.
^,
<»;;,f;Eis porque B"^"'^' ^^^ <jeve, a
ordem.de
actor de terceira
intelU-
das obras
ci
purespeitavel
v
popularissimo no
P^
urn drama no^
g^^
^^^f^^^^^,
po-
theatro portuguez.
bUco numa
„
contra op
^^^'J
arremett.a
pularissimo
^^ ^9
emoc.onant.ss.m^^
^'aquellas
^^^^^
W
contra o capOao
^^^^
°^'
"^r
pu,arissimo
convencidodequeBrandaop P
^
com.co b-;J^°.
o primeiro
^„ ,
S^pa^'oTfe^s^impanheiros
erj
aizer bai
de scena
277
BRUL^ E O SEU PUBLICO
— Mas que grandes burros
!
Que
gran-
dessissimos burros
Brule, la com o seu lencinho cosmopolita,
esse lencinho que tern sido a perdi^ao de tan-tas Desdemonas de Montmartre e do tropica
de Capricornio Brule, la com a sua melin;
drosa gardenia de guerra (que, felizmente para
a Civilisagao, nunca foi as linhas do Marne)>
deve, repetindo insconscientemente Brandao
popularissimo, dizer a seus comparsas
— Mais Us
rastas /
Ah /
les
sont betes tout de meme, ces
goujats /
*
O' Publico Publico amigo Eu nao sei
bem o que pensas de Brule e de ti mesmo,
porque, dizendo a verdade, nem sei si pensards. Mas o que Brule pensa de ti, Publico adoravel, deve estarmaisou menos nessas poucas
linhas em francez que acabo de offerecer-te
Entretanto, 6 Publico do meu cora9ao, o que
deverias pensar de ti mesmo e o seguinte
ccEu nao devia estar aqui no Municipal
todos OS dias para ver as casacas de Brul^ ha
tres annos consecutivos. Brule em Paris 6
actor de terceira ordem. BruM diz que esti
fazendo propaganda da Franca e no emtanto
nos vem dar, em recita official, Le Traite
d'Auteuil, vodevil patife, em que a Fran9a,
!
!
:
VERDADES INDISCRETAS
278
ou, melhor dizendo, a alma franceza, apparece
de
que
tudo quanto os alleparisiense. Por canseguinte, Brule 6 mau francez. Ora eu, na minha qualidade de Publico burguez, pacato e
aliiado, nao posso prestigiar com aminha preseuga a philaucia de um francez que vem fazer
propaganda da Fran9a com o Traite d'Autal sorte,
justifica
maes dizem da corrupgao
com
Demi- Vierges do detestavel engenheiro Prevost. Demais a mais, eu nao entendo o que dizem Brule e essas raparigas
decotadas que eu cuido ja ter visto ali na Confeitaria Colombo asseis datarde. Eu, que sou
o respeitavel Publico, ji ouvi algum dia fallar
na Sabine Landray e nas outras? Nao. Os
jornaes e que andaram ahi adizer que a Landray e a Fabry eram grandes actrizes. E eu,
teuil e
as
como um alarve, acreditei. Acreditei e vim,
paguei, vi e applaudi mas nao entendi por
consequencia, revelei-me parvo ora o papel
de parvo e incompativel com a minha alta e
pan^uda posigao de respeitavel Publico. Eu so
posso applaudir o Cid, Shy lock Cinna, Es;
;
;
y
Luiz XI, Rormersholm, Os Espectros, Le
monde ou I on sennuie e Le Voyage de Monsieur Perrichon, porque sao pegas ja consagradas pelos applausos dos entendidos. E eu
sou entendido em theatro ? Nao. Eu sou entehdido em manganez, jogo do bicho, arrenther,
BRDI.fe
damento de
E O SEU
PUBI^ICO
279
navios, oscillagoes bancarias, fei-
construcyoes de predios,
fornecimentos a ministerios, estradas de ferro
« manifesta96es conservadoras. O meu logar
^ nos bancos, na Bolsa, nos escriptorios de
commissoes e consigna^oes, nas assembleas
industriaes, nos centres de commercio, nas
irmandades, nas directorias de hospitaes, na
Magonaria, nas ligas patrioticas situacionistas,
nos conselhos deliberativos de sociedades financeiras e nas recep9oes de gente rica e cheia
de callos, jogando bridge e bocejando, ou entao fazendo gyrar o poUegar da mao direita
em torno do pollegar da mao esquerda e viceversa. Eu so devo ir a theatros onde representem companhias portuguezas e brasileiras.
bella chala9a, o pontape na espinha, o guarda
nocturno da zona, o compadre da revista, a
jao,
arroz,
trigo,
A
latilhas e luz de ma^nesio, isso, sim, esta ao alcance da minha
vasta inteliigencia. Mas o theatro francez moderno, esse nao o entendo eu; e, nao o entendendo, exponho-me a esse ridicule deapplaudir Brule, actor de terceira classe, como si
applaudisse Zacconi, e de bater palmas a
pegas que, si eu e minhas filhas entendessemos, nao teriamos approvado, porque sao
immoraes. E' por isso que Roberto Gomes,
segundo dizem, vae explicar no Municipal o
apotheose fulgurante de
280
VERDADES INDISCRETAS
que seja Pelleas
et
Melisande, antes do espe-
que sabe que eu nao entendo
Roberto que me
ctaculo.
Brule,
nada de
theatre, pediu a
viesse dizer que Pelleas et Melisande e differente do Forrobodo, e que Maetterlinck nao
e Roberto,
e bem egual a Eduardo Garrido
sempre benigno, vae explicar-me todas
essas coisas transcendentes.
Ora, Roberto
ficaria livre dessas fadigas intellectuaes e vo;
caes, si eu entendesse de theatro o sufficiente
para ver que Brule e um bom Arsene Lupin e
nada mais. Portanto, o que eu devo fazer e
nao ir ao Municipal, onde me sinto deslocado^
onde so devem ir os competentes e onde eu
rio quando e hora de chorar e choro quando e
hora de rir.»
Eis ahi, 6 Publico amavel, o que devias
dizer a ti mesmo; e, depois de dizer tudo isso
a ti proprio, devias pratical-o, abandonando o Municipal e indo ao S. Jose, onde te
sentes tao a tua vontade
.
.
.
Brasileiros e estrangeiras
Segundo se affirma, ha na nova reforma
do Ministerio do Exterior uma disposigao hostil ao casamento entre diplomatas brasileiros
e mulheres estrangeiras. Por esse dispositivo
nao ficam terminantemente prohibidos taes
enlaces,
mas qualquer diplomata
—
brasileiro,
que desejar como diria o sr. Ruy Barbosa
fazer maridanga com mulher forasteira, tera de
solicitar licenga ao ministro do Exterior.
Ha
queni affirme ser perfeitamente inusemelhante artigo, sobre o seguinte fundamento a menos que se trate de alguma actriz
malafamada, ou de alguma prostituta celebre,
que tenha seduzido algum dos nossos diplomatas, estes sempre obterao licenga para casar
com estrangeiras. Por exemplo: um diplomata
nosso pede e obtem licen^a para casar-se
com uma ingleza como negara o ministro
licen^a a outro que deseje tomar por esposa
til
:
;
VERDADES INDISCRKTAS
282
uma
argentina, que esteja
em
egualdade de
^ondigoes moraes e sociaes com a ingleza?
Admittamos aindaahypothese em que o
ministro, por antipathia para com certo diplomata, Ihe negueuma licenga, embora egual ja
tenha sido concedida a outros. O caso e perfeitamente possivel. Nada mais natural do que
haver animadversoes entre o ministro do Exterior e seus subordinados, principalmente si
o ministro houver sido tirado da carreira
di-
Bem pode ser, com effeito, que,
plomatica.
entre o ministro e o diplomata em questao,
haja havido outrora algum incidente por amor
.
.
de alguma transferencia ou de alguma promo^ao em que um tenha sido supplantado pelo
outro. O ministro, pois, aproveita-se da situa^ao para vingar-se do seu antagonista, fazendo-lhe picuinhas
em
o casamento. Chega
dida,
com
como
e
a negar-lhe a licen^a pe-
de
gravibundos
mais
dos
qualquer
embora
casar-se
materia delicada,
se trate de senhora digna
diplomatas.
Que fazer num caso desses ? Como agir
para com semelhante ministro ? Mandar amigos fallar a S. Ex. ? Mas S. Ex. podera dizer
a esses amigos, limpando com o lengo as suas
lunetas
^TRANGEIRAS
BRASII^EIROS E
283
—
Nao pensem voces que eu queira perseguir o homem. Si Ihe neguei a licenga, foi
porque tinha motivos.
— Mas n5o pode
mos que
se tratade
a conhecemos
Haya.
.
.
.
ser, sr. ministro.
Sabe-
umasenhora honesta. Nos
de
Paris,
de
de
Londres,
.
— Mas
nao podem conhecel-a tanto
quanto eu, que alias nunca a vi. Sei que ella
nao merece a mao, por tantos titulos illustre,
do nosso amigo. Tenho informagoes dos agentes confidenciaes
.
.
.
Desolados, escrevem os amigos ao diplo-
mata
(nCaro
/,
como V.
F
.
sabe,
— O seu caso
sentimental, que
tambem o nosso
caso, compli-
cada vez mais. Estivemos eu e B. com o
ministro, que se mostrou inconciliavel a esse
ca-se
Deve haver por ahi intrigantes
respeito.
ressados
em
inte-
molestal-o, porque, conkecendo como
conhecemos a sua noiva e a V. tambem, que
jamais commetteria a leviandade de dar o seu
nome a mulher que o nao merecesse, passamos
pela surpresa de ouvir declarar o ministro que
fundamento da recusa da licenga eram informagoes desfavoraveis a Madame Tres Estrellas,
informagoes que
Ihe foram
—
la o disse S.
mandadas por agentes
Ex
.
—
confidenciaes!
VERDADES INDISCRETAS
284
Veja si ha, entri os nossos agentes confidenalgum que tenha motivo de resenticontra
mento
V.. Mande-me suas ordens e creia
que OS seus amigos tudo farao pela sua felicidade, so desejando todos desmascarar os inimigos occultos da sua noiva. Procure V. indagar
do grau de relagdes que por ventura existam
entre a familia de sua 7ioiva e o ministro da
ciaes aki,
Hollanda aqui. Ndo
set
confiado deste fidalgo
.
.
porque, ando mHo desSempre seu
/4 »
—
.
.
Ora, o diplomata sabe perfeitamente que
o ministro da Hollanda nada tern que ver com
a attitude do ministro do Exterior que na
s6de da sua iegagao nao ha agentes confidenciaes do Brasil
e que ^ua noiva e respeitadissima pelo que, urra de la aos amigos pelo
Ministro mentiu : nenhum
cabo submarino
confidencial aqui ; Hollanda innocente.y>
Supponhamos agora que o diplomata seja
o que se chama homem de genio forte, e veja
sua noiva emmaranhada pelo ministro nesse
labiryntho de infamantes insinua96es. A tal
;
;
;
:
homem
a.
so Ihe resta uma saida pedir licen9a,
ou, ainda sem licenga, vir ao Rio de Janeiro,
correr ao Itamaraty, cair como um raio no gabinete do sr. ministro e partir a murros uns
tres ou quatro dentes a S. Ex., caso os tenha.
saida nao sera das mais finamente diploma-
A
:
285
BRASILEIRO K BSTRANGBIRAS
mas, para casos desses, nao vislumbro
E os senhores vao ver que o future talvez me d^ razao esse dispositive da reforma
ainda nos proporcionara bons pratinhos
Ha quern ja tenha suggerido adoptar o
que se pratica na Inglaterra prohibi9ao absoluta, para qualquer agente diplomatico, de
ticas,
outra.
:
.
.
.
:
casar-se
A
com mulher que nao
seja ingleza.
responde, dizendo que:
Primeiro
nao se pode por freio ao coragao de ninguem;
Segundo
a Inglaterra ja pode estabelecer limitagoes nesse sentido, ao passo
que n6s ainda nao estamos em condi96esde
isto se
—
—
fazel-o.
Com effeito, a Inglaterra tem abundande mulheres bellas e aptas a serem b6as e
leaes companheiras do homem que eleger o
seu cora9ao; nos ainda nao temos o necessario
O diplomata inglez que, em todo o
Reino Unido e no Imperio Britannico,nao encontrar uma mulher a sua feigao, ou nao tem
sorte nenhuma, ou entao e exigente de mais.
No Brasil, ja o caso e mais complicado.
O rapaz que segue a carreira diplomatica passa geralmente tres a quatro e mais annos no
estrangeiro. Por la trava elle suas rela^oes familiares; portanto, nada mais natural que se
embeice por alguma das m69as do paiz e se
cia
.
.
.
VBRDADKS INDISCRETAS
286
case
com
que o
ella.
Demos,
rapaz, depois
entretanto, de barato,
de quatro annos de auo Brasil e queira
sencia, volte solteiro para
casar-se com uma patricia. O diplomata, geralmente, nao conhece as m69as do interior;
e, embora venhaaconhecel-as, provavelmente
nao querera tomar por mulher uma rapariga
bisonha. inexperiente e talvez refractaria ao
viver que Ihe destina seu marido. Assim, elle
tem de escolher esposa por aqui mesmo.
Diz o dictado que quern imagina nao
casa; ora, quem imagina alguns momentos a
respeito das meninas do Rio, fica sem saber si
casa ou nao casa. Ha de haver com certeza
por ahi muita menina que, sendo intelligente
e interessante, seja tambem honesta; mas nenhuma dellas traz estrella na fronte para distinguir-se das que nao osao. E que pensar da
moralidade domestica dominante numa cidade em que, aos primeiros rebates do Carnaval, saltam para a rua as md^as todas, com
suas maes e sens paes, com seus irmaos e seus
noivos, com as suas irmas menores, a berrar
despejadamente dentro de caminhoes, e a
cantar coisas tao torpes que o jornaes se
veem obrigados a chamar a atten^ao da policia ? Ninguem quer que as md^as e as meninas se vistam de burel e passem os dias em
jejuns e cilicios; mas tambem nao se p6de
BRASII,BlROS B ESTRANGEIRAS
287
em
a sua liberdade ao ponto
de entoar cantigas tao iicenciosas, que nao se
usam nem em assembleas de meretrizes, a
nao ser que se trate de rebombeiras da mais
baixa extracgao. De maneira que, ao ver uma
menina e ao pensar em casar-se com ella,
deve o rapaz interrogar: «Tera esta pequena.
feito o Carnaval ? Tera cantado o Na minka
cdsa nao se raclia lenha ?» (1)
Grave erro sera suppor que os rapazes brasileiros, na suamaioria, desejem casar-se com
permittir
mo
que
lev
(1) Entre as canfoes mais em voga durante o ultiCarnaval (1920), uma havia cuja letra era a seguinte
CAVALHEIROS
Na minha
casa nao se racha lenha
!
DAMAS
Na minha
Na
racha
!
Na minha
racha
CAVAI^HEIROS
minha casa nao ha falta d'agua
!
!
DAMAS
Na minha abunda Na minha abunda
DAMAS
Na minha casa nao se pica fumo
!
!
!
CAVALHEIKOS
Na minha pica Na minha pica
!
K
!
assim por deante.
f^stas torpezas, em que a ausencia de espirito se^
consnbstancia com a mais repugnante falta de grammatica, eram cantadas i. porfia por mo90s e mopas que
se presumem de bdas familias. A policia interveio ^
tempo de impedir que se generalisassem esses miasmasmoraes.
.
VERDADES INDISCRETAS
288
meninas carnavalescas e levianas. A essas
apreciam-nas os rapazes como companheiras
de troga; quando, por^m,se trata de casamento,
buscam
outras.
Tenhamos
a
.
.
coragem precisa para
re-
conhecer o seguinte: o systema de educagao
adoptado para as meninas cariocas, assim
como para as de outras cidades grandes do nosso paiz, e pessimo. Essa educagao consiste num pouco de musica (piano e
canto), algumas lambugens de lingua patria e
de francez, dansa, futebol e arte de cagar maridos. A mo^a estrangeira, sem saber musica
e entendendo mediocremente de futebol, sabendo theoricamente muito menos do que a
brasileira de beiramar, que e a mais civilisada
das brasileiras; a m69a estrangeira, como nasceu e foi educada no trabalho em outros centros de cultura e civilisa9ao, sabe trabalhar,
sabe defender-se na lucta pela vida e sabe ser
esposa seria, grave,
solidamente compenetrada assim dosseus deveres como dos seus
direitos. D'ahi, a preferencia que vao tendo
as estrangeiras (francezas e italianas
inglezas,
um
poucas,
pouco mais, argentinas ja algu-
mas, e principalmente as allemans) perante jovens brasileiros.
muitos conhe90 eu casados com estrangeiras e dao-se a maravilha
A
com
ellas e ellas
com
elles.
De
varios sei eu,
BRASII.B1ROS
289
B ESTRANGKIRAS
rapazes de b6as familias e de b6as prendas,
bem educados, bem apessoados, alguns ate
com dinheiro de seu, que aguardam opportunidade para ir i. Europa, onde pensam em ca-
de preferencia com allemans, que as
e sao geralmente mulheres
muito calmas, muito b6as donas de casa e habituadas a ver o mundo atravez das pupillas
de seus maridos. As nossas patricias, pois, estao, no terreno sentimental e domestic©,
amea^adas de perigosa concorrencia
O que aqui digo 6 o que observo e o que
0U90 a amigos e conhecidos dignos de marca.
Nao se trata da mulher do interior, a mdga
brasileira authentica, muito santa, b6a engommadeira, mae maravilhosa, esposa adoravel
como enfermeira, mas enfermeira muito insipida para esposa ... A mulher de que aqui
se trata e a brasileira civilisada. Ora, esta, na
concorrencia, tem de ser derrotada pela estrangeira; porque a estrangeira medianamente educada e necessariamente mais intelligente, mais fina e mais civilisada do que
a brasileira finamente educada, que traz para
o lar, juntamente com a sua educa^So, uma
serie
de preconceitos aricesin6ndavel
traes contra os trabalhos caseiros e coritra
a submissao que todas devem a seus msiridos
em virtude do direito natural do mais forte sosar-se,
ha
lindissimas,
.
.
.
19
VERDADES INDISCRETAS
290
bre a mais fraca.
Ha excepgoes, mas ninguem
pode argumentar com excepgoes, porque esservem para confirmar a regra geral.
Ahi esta porque muitos rapazes de fina edutas s6
temem
de casar-se com as patricias,
porque nao sabem o que esta do outro lado
do veo ... E as mogas, que, com a sua desenvoltura e o seu desbragamento carnavalesco,
ca^ao se
suppoemarranjar bons parti dos, v6am lindamente, alegremente, para a sua propria ruina»
visto que OS rapazes serios, graves, que desejam formar o seu lar honestamente, sem receio de serem victimas do ridiculo e apontados na rua, a dedo, como capricorneos, esses
nao se casam com meninas assanhadas; mas,
como nao e facil distinguir entre levianas e
virtuosas, vao elles,por seguro, preferindo estrangeiras; ate porque, no caso de engano,
muito menos doloroso sera para qualquer homem ser trahido por estrangeiras do que por
patricias. Isto
para os simples
mortaes,
que
nao fazem parte da carreira diplomatica.
Que diremos entao dos diplomatas, que
passam annos longe das patricias ? Direriios
/que nao se Ihes p6de cercear o direito de escolher esposas entre as mulheres honestas dos
paizes em que servirem. Demais, o casamento entre brasileiros e estrangeiras s6 nois p6-
de
trazer vantagens,
uma
das quaes e nao das
BRASILBIROS K ESTRANGEIRAS
menos
apreciaveis, e a
291
de melhorar a nossa
triste raga ...
Claro esti que, quando eu digo mulkeres
estrangiiras, entendo alludir a ra9as fortes e
bellas, como a germanica, a anglo-saxonica, a
materia de mulheres,
slava e a italica.
como em materia de industrias texteis,nao podemos ainda ser proteccionistas, porque, em
Em
ambos
estes pontos, o estrangeiro, por
em-
quanto, produz e ainda durante muito tempo
produzira mais, melhor e mais barato do que
nos. Em questoes de mulheres, so podemos e
devemos ser livrescambistas
.
.
.
Vinte e
um
de
abril
Nao ha necessidade de dizer quern
haja sido o alferes Joaquim Jose da Silva
Xavier, o Tiradentes. Toda a gente sabe que
esse glorioso compatriota foi um sonhador que
a tyrannia portugueza mandou enforcar e esquartejar por ter querido libertar a sua patria
de um jugo infame e infamante. Mas o que
nem toda a gente sabe (porque poucos sac
ainda os que se dao aos estudos da nossa Historia) e que essa conspira^ao do Tiradentes,
tao exemplarmente castigada pelo colonisador tyrannico e bronco, era um simples episodic do permanente espirito de revolta que a
tyrannia portugueza mantinha em Minas,
como em todo o Brasil, mas principalmente
em Minas.
Jd tinha havido a guerra mineira entre
(como eram conhecidos
OS portuguezes), a qual durou de 1710 a 1715.
paulistas e emboabas
VSRDADES INDISCRETAS
294
Ja tinha havido a subleva;9ao de Philippe dos
Santos em Villa Rica, no anno de 1720, sendo Philippe dos Santos, consoante os estylos,
enforcado e esquartejado por ordem do ferocissimo conde de Assumar, governador da
Capitania. Outras sublevagSes se tinham dado
em outros pontos.
A
corte de Lisboa
nunca pensou
num
so beneficio a conceder aos povos das Minas.
Para as Minas eram man dados como governadores (salvo rarissimas excepgoes, como o
esclarecido dom Rodrigo de Menezes) fidalgos arrebentados, devassos, concussionarios,
ladroes averiguados, verdadeiros degenerados e desclassificados que Lisb6a afastava de
si para o Brasil como si atira o lixo no monturo.
Quem
qufzer
ter
idea do que foi a
principalmente em
colonisagao portugueza,
Minas, leia a Historia Antiga das Minas, de
Diogo de Vasconcellos, as Memorias do DisTRiCTo DiAMANTiNO.deJ.Felicio dosSantos,as
Ephemerides Mineiras, de Jose Pedro Xavier
da Veiga. Sao livros feitos exclusivamente de
documentos.
Querem conhecer algumas
amostras, co-
Ephemerides ? Pois ahi vao...
A 12 de outubro de 1758, ordensr^gias
prohibiam a abertura de estradas na capitania
Ihidas nas
VINTB B UM DB ABRII,
295
de Minas, para evitar o extravio do ouro e dos
diamantes. A carta regia de 25 de mar90 de
1725 e a ordem de 29 de abril de 1727 ja
tinham mandado suspender a abertura de caminhos de Minas para Matto Grosso. As ordens de 30 de abril del727 e 15 de setembro
de 1730 tinham j a prohibido a abertura deu ma
nova estrada de S. Paulo para Minas.
O alvara real de 27 de outubro de 1733
prohibiu abrir novas picadas para as minas
descobertas ou por descobrir.
A ordem regia de 9 de abril de 1745
prohibiu uma estrada de Ayuruoca para o rio
Parahyba.
Que
systemaintelligente de colonisagao
!
Realmente Joao de Barros tem razao para
vir aqui
convencer-nos daenergia civilisadora
da sua raga
.
.
.
Impossibilitados de viver da extracgao do
ouro, porque este pertencia quasi todo ao rei
de Portugual, deliberaram os mineiros recorrer a agricultura, a industria e ao commercio
para poderem viver.
Entre outras coisas que fizeram, come9aram a plantar canna de assucar e a levantar
engenhos para beneficial-a. Pois a 18 de novembro de 1715 uma carta regia ordenava ao
governador da capitania, dom Braz Balthazar
VERDADES INDISCRETAS
296
da Silveira, que prohibisse o levantamento de
mais engenhos de assucar em Minas «porque
occupavam grande numero de negros, que deviam estar occupados na extracgao do ouro
Hurrah pela intelligente raga colonisadora
!
!
!
.
.
.
Os
sempre foram amigos da
leitura. Entretanto era prohibida a entrada de
livros no Brasil
Livros aqui so entravam de
brasileiros
!
ai de quern fosse encontrado a ler livro que nao fosse o das Horas
Marianas Nao contente a corte de Lisboa
com isso, uma carta regia de 6 de julho de
1747 ainda prohibiu, sob penas severissimas
(agoites, confisco, degredo para a India, etc
que se estabelecesse imprensa no Brasil, sen-
contrabando e
,
.
.
!
.
do,
em
virtude da
mesma
carta regia, destrui-
da a unica tentativa de officina typographica
existente no Rio de Janeiro
Carta regia de 30 de julho de 1766 mandou destruir todas as officinas de ourives existentes em Minas, prohibindo que taes operarios se installassem na capitania e ordenando
que todos os officiaes e aprendizes desse officio assentassem praga nos regimentos cololoniaes.
Por aviso da
mesma
data ao governador
da capitania, mandava o Conselho Ultrama-
VINTJS
E UM
ABRIL
D15
29T
Neves o emprego de tocador de foUes da Casa de Fundi^
9ao de Villa-Rica. Ate um simples tocador de
folles tinha de ser nomeado em Lisboa! A^
tyrannia, quando se afasta do tragico, tern*
rino dar a Onofre da Foiiseca
desses aspectos grotescos
Em
1756
(1
.
.
.
de agosto), come9ou
em Mi-
nas a arrecada9ao do chamado subsidio litterario, destinado a reconstruir Lisboa, devastada pelo terremoto do anno precedente. Fi-^
cou expressamente declarado que essa arrecadagao seria apenas por dez annos. Pois ate
pouco antes da nossa Independencia, apezar
dessas declara96es, ate o principio do secula
XIX, ainda se arrecadava em Minas o subsidio litterario para reconstruir Lisboa! \5vn
quadro parcial, de que tratam as EphemeriDES, demonstra que so no periodo de 1758 a.
1779 foi arrecadada e remettida para Lisboa
a importancia ouro de 1.030:705$366.
Ahi estao alguns dos motivos historicos^
que todos temos (principalmente nos os mineiros), para sermos amicissimos dos nosso&
irmaos, os portuguezes. A elles devemos^
tudo a industria, a agricultura, a instrucgao,
o commercio, a imprensa, tudo, tudo. Joao de
Barros e o curiboca dissorado Joao do Rio saa
:
dessa opiniao
.
.
.
Incidente litterario
(Aossrs. Roberto
AmigosI
Conseguiram
Gomes e Goulartde Andrade)
— Voces sao ambos immensos
arranjar,
em
plena guerra,
um
incidente litterario
Desculpem-me intrometter-me nessapendencia d'honra. Nao posso sentir barulho na
Republica das Letras, sem entrar tambem
nelle. Nisto sou um pouco como aquelle Joao
Foga9a, o capitao do matto das Minas de
Prata, o qual, ouvindo
retinir
de espadas
num
recanto, certa noite de ciumada, parou, escu-
tou um pouco e grunhiu « Ahn Briga-se por
aqui ?
» E brigou tambem, apenas para
distrahir-se ... K' o meu caso
entediado de
patriotismo, resolvi conversar com Voces a
:
.
.
!
.
:
respeito do incidente litterario. Si Roberto
plagiou, no Declinar do Dia, o Assump^ao
de Goulart, isto nao interessa nem ao paiz
nem ao Paraguay. O que interessa aos psy-
VERDADES INDISCRKTAS
300
chologos e a candura de ambos Roberto, defendendo-se de ter plagiado Goulart Goulart,
achando que Roberto, si nao o plagiou, teve
comelle a urn encontro nasituagao dramatica»
das pegas d'ambos; afeliz, alids, continua
Goulart, com ver que o meu notavel confrade
houvera dado a mesma solugao ao conflicto
psychologico deque trataramos.» Apenas, nenhum de Voc^s ignora que esse conflicto psychologico, que ambos resolveram, jatinha sido
resolvido ha muito tempo, quer na theoria,.
quer na pratica.
:
;
.
.
Voces precisam de deixar de tomar a lita serio. Fagam como Bilac, que
teratura
as phalanges patrioticas, e assim
vae vivendo optimamente, louvado Deus^
apezar de ter, segundo opiniao corrente, plagiado Stecchetti. Fagam como o commendador Paulo Barreto, que tem sido accusado de
plagiar a vida inteira Jean Lorrain, e nunca
o que nao o impede de ganhar
se defendeu
a sua vida maravilhosamente bem, e ate de
ser amigo intimo do Sultao da Turquia. Fagam como o conselheiro Ruy Barbosa, presidente da Academia, accusado de plagiar o
diccionario de Larousse, sem nunca procurar
defender-se. Tantos outros, tantos... S6 nao
ponho aqui Shakespeare, Goethe, Racine e
adheriu
—
INCIDENTS LITTEKARIO
301
Moli^re, porque, sendo eu profundo respeitador dos genios, nao me atrevo a mistural-os
com a litteratura nacional e nao ponho aqui
escriptores portuguezes, porque, sendo eu
profundo respeitador da litteratura nacional,
nao ouso confundil-a com a lusitana.
Isso de dizer que os outros nos plagiam
e ridiculo. E' balda de Hermes Pontes. Este
microscopico cravo das ferraduras do Pegaso
esta convencido de que voce, 6 Goulart, e
todos OS demais poetas nacionaes nao fazem
mais nada sinao plagial-o. Imagine, 6 Goulart,
imitada do soa sua Ballada de Pierrot
neto do Bromill
E agora, filhos, adeus Sejam felizes e
^
;
.
.
.
!
tenham
juizo.
Deus os abengde. Fagam
as
amigos
singular em que
pazes, porque nao e serio estarem os
empenhados nesse
um
conflicto
defende de ter plagiado, num drama
que ninguem viu, um romance que ninguem
leu
se
.
.
.
O descobrimento do
Hontem, no
Brasil
pardieiro intitulado Theatro
Republica, perante numerosa assistencia composta exclusivamente de patricios seus, o festejadissimo poeta portuguez, sr. Joao de Barros,
descobriu mais uma vez o Brasil.
Dos portuguezes que por
ca tem vindo,
desde o infausto anno de 1600 ate hoje, o
unico que verdadeiramente nao descobriu o
Brasil foi Pedro Alvares Cabral
Por duas especies de motivos digo eu
que Cabral nao descobriu o Brasil por moti:
vos historicos e pela significa9ao moderna da
locugao descobrir o Brasil.
Quanto aos motivos historicos, e sabido
que Gabral foi no seu tempo um dos ultimos a
conhecer o Brasil Antes delle ca haviam estado Diogo de Leppe, Solis, Yanez Pinzon e
outros que infelizmente nao tiveram a iniciativa de tomar posse da nova terra para a cd'
.
304
VERDADES INDISCRKTAS
r6a da Franga ou para a cor6a da Hespanha
Nessa nao caiu Cabral, que, capitaneando um
punhado de corsarios, que iam entregar se a
lucrativa industria da pirataria nas costas indianas, tanto que avistou terra, mais que depressa
desceu e aqui plantou o marco portuguez. E'
este o seu unico merito pelo que, si os portu^uezes devem venerar a memoria de Cabral,
que Ihes deu no passado uma rica possessao,
;
recursos ainda hoje exclusivamente
vivem, os brasileiros nao tern nenhuma razao
para tanto. Nos brasileiros so devemos venerar a memoria dos nossos heroes: Calabar,
trucidado pelos portuguezes em 1635; Philippe dos Santos, esquartejado em Villa Rica,
por ordem dos portuguezes, no anno de 1720;
Tiradentes, enforcado e esquartejado no Rio
de Janeiro, no anno de 1792, em virtude da
sentenga da al9ada portugueza Frei Caneca,
<ie cujos
:
Miguelinho, o padre Roma e outros
patriotas fusilados pelos portuguezes em Pernambuco e na Bahia, no anno de 1817 ; Clau•dio Manoel da Costa, assassinado na prisao
{Inconfidencia Mineira) entre 1789 e 1790;
OS que morreram nas masmorras do LimoeiTO e da Junqueira, assim como nos d^gre^ios
da Africa, expiando o crime de terem amado
o padre
a sua
patria.
A
memoria destes e que deve-
O DESCOBRIMENTO DO BRASII,
305
mos
venerar, e mais a dos vencedores da Independencia e da Regencia Gongalves Ledo,
Antonio Carlos, Martim Francisco, Jose Bonifacio, Evaristo da Veiga e, acima de todos,
o grande padre Diogo Feijo, o Regente
de Ferro, verdadeiro plasmador da unidade
nacional, cuja memoria deve seragitada como
uma bandeira de guerra. Veneremos no mesmo piano em que estiver Diogo Feijo o marechal Floriano Peixoto, cuja espada e^uja
serena energia souberam manter a unidade
nacional nos agitados primeiros tempos da
:
Republica.
.
.-
Voltemos, porem, ao nosso intento. Historicamente, Cabral nao descobriu terra nenhuma por aqui apenas apoderou-se de um
territorio incluido entre os descobrimentos de
Colombo (por ter sido este o descobridor de
todo o continente americano) e positivamente,
directamente ja descoberto por outros, como
Solis, Pinzon, Leppe, etc.
virtude da significa9ao moderna da
locugao descobrir o Brasil, tambem e evidente
;
Em
que Cabral nao nos descobriu.
Cabral, com effeito, depois de tomar
posse do Brasil e de ter ido a India, (onde
praticou a bravura de destruir com artilharia
grossa algumas chalanas malabares, feitas de
20
306
VERDADES INDISCRETAS
vime e de madeira
fragillima) voltou a Portuonde, depois de receber alguns premios,.
viveu e morreu tao obscuramente, que, so devido a esforgos de um brasileiro (o dr. Alberto de Carvalho),se descobriu o seutumula
no seculo XX. De sorte que o Brasil pouco
aproveitou ao navegador. Nao e isso, pois,.
que se chama descobrir o Brasil, como se vae
gal,
ver.
Descobrir o Brasil e fazer como Malheique, depois de insultar-nos no seu
livro A MuLATA e de terfugido para Portugal,,
para ca voltou annos depois, estabeleceu-se
com fabrica de unguentos e pomadas, de sociedade com uma polaca sua amiga, e toca a
levar vida regalada
ro Dias,
!
Os irmaos Monjardino, medicos, aquf
vieram em visita, diziam elles. Foram recebidos na Sociedade de Medicina tiveram banquetes, discursos e retratos nos jornaes. Apanhado esse vasto e excellente reclamo feito a
custa da ingenuidade dos seus coUegas brasileiros, que pensavam estar rendendo homenagens a simples visitantes illustres, um dos
Monjardinos voltou para Lisboa, mas o outro,
mais pratico e esperto, gostou tanto deste
paiz, que resolveu ca montar consultorio e fez
muito bem, pois como ja dizia o seu patricia
;
O DBSCOBRIMENTO DO BRASIIv
307
Pero Vaz Caminha, a a terra he em tal maneyra graciosa que em se querendo nella se dari
tudo», inclusive a arvore das patacas.
.
.
Descobrir o Brasil e finalmente fazer
como o dr. Joao de Barros, que nos conta, a
respeito da nossa terra, coisas de que nunca
ouvimos fallar. Ainda hontem nos dizia elle
com o seu sibilante sotaque alfacinha, que no
Rio de Janeiro «a intelligencia, o talento e o
genio tomam as mais fascinantesf6rmas». Ora
ahi esta uma grande novidade para nos, porque a intelligencia aqui e relativa, como em
toda a parte o talento e rarissimo quanto ao
genio, ainda esta por apparecer, a nao ser que
o sr. Barros nos tenha trazido ahi um pouco
da mercadoria nalgum barrilote d'ovos
moll's d'Aveiro.
;
;
Nao contente com isso, disse ainda o
consagrado litterato, que no Rio de Janeiro
«o mar tem o riso fresco das boccas novas das
mulheres e a eterna alegria do riso alacre dos
deuses pagaos)). Isto agora e asneira e grossa.
Pode ser que em Lisb6a esse palavreado sonoro ainda seja muito b6a litteratura, mas
aqui no Rio, nao. Mar que parece bocca de
mulher e riso dos deuses ao mesmo tempo,
isto e mar androgyno, macho e femea simultaneamente, mar Ganymedes, cujos recondi-
VERDADES INDISCRETAS
308
tos mysterios so o dr. Joao do Rio nos po-
dera explicar
Finalmente mestre Joao de Barros encerrou a festanga com dois berros a portugueza Pelo Brasil / Por Portugal! A mim
quer-me parecer que esses senhores adeptos
da recolonisagao do Brasil pelos portugue.
.
.
:
zes (pelourinho, forca, fusilamentos, esquartejamentos, prohibi^ao de abrir estradas, escolas, bibliothecas, etc.) esses senhores estao
exaggerando as coisas com essa gritaria Por
Portugal! Nosnao ^^^^vcios^xxx.'ax Por Portu-
^^/,porque amanha pode um italiano exigir que
allemao pode querer
gritemos Pela Italia!
que gritemos Pela Allemanha! E qualquer
prostituta franceza do becco dos Carmelitas,
com eguaes direitos a nossa approxima9ao,
podera pedir-nos um Pour la Frrrance ! e nao
havera quem Ih'o negue ...
Um
Quanto a
nos, os
que conhecemos ahis-
dos martyres da nossa liberdade; que
temos sempre presente a memoria dos agoutados, dos roubados, dos degredados, dos
empobrecidos, dos fusilados, dos enforcados
e dos esquartejados por ordem dos portuguezes, nos e que nunca havemos de gritar Por
Portugal
nem que nos rachem ao meio
toria
—
!
Guiiherme Ilea psychologia
do heroismo
Quern olha de relance para a tragedia
europea tern a impressao hallucinante de assistir a resurreigao de todo o paladinismo medieval. A figura de Guiiherme II culmina no
scenario gigantesco. O phenomeno nao e
inexplicavel. No meio de tantos reis que se
combatem e de tantos heroes puros que tornbam sob as cupolas dos fortes, ou nas anfra<
ctuosidades dos desfiladeiros,esmagados pelas
cargas de cavallaria, ou pulverisados pela granada, cada um de nos so parece divisar, como
uma visao tremenda, o capacete reluzente do
Kaiser. E' que a Allemanha se interpoz entre
o sol e o planeta e todas as aspiragoes, todas as virtudes, todos os defeitos, todas as faIhas e todas as grandezas da ra9a germanica
repontam nessa figura extraordinaria, que,' no
caso, representa uma synclinal.
;
310 GUILHERMB
II
E A PSYCHOI.OGIA DO HEROISMO
O
Dizem que os allemaes o adoram.
facto e comprehensivel. Elle nao e apenas um
imperador, mas antes de tudo um homem completo para o seu meio e para a sua ra^a. Consubstanciam-se nelle todas as estratificagoes
ethiiicas qije formam o patrimonio de f6r9as
inalienaveis do seu povo. Esse idealismo quasi
morbido, que tern o seu maior expoente no
transcendentalismo de Kant esse espirito de
universalidade, de amplidao mental, de vasta
capacidade psychologica, tendendo para a integragao da alma germanica na alma humana,
que se corporifica no Fausto, de Goethe a
hallucinagao grandiosa,empolgante,dos heroes
wagnerianos, no que elles possuem de mais
assustador para as aggremia^oes ethnicas organicamente fracas e incompletas como nos;
esse mysticismo messianico a Klopstock; essa
ausencia absoluta de escrupulos quando esta
em jogo o que para os allemaes e 2i grandeza
da p atria
tudo isso, que forma as linhas
;
;
\
—
geraes da sensibilidade germanica, sae da esphera das abstrac^oes e recebe um corpo, uma
figura e uma realidade na pess6a de Guilher-
me
II.
mao. E'
um espelho onde se mira cada alleum espelho e uma synthese, synthese
E'
grandiosa,
mas excessivamente dramatica e
mundo. Porque
infinitamente perigosa para o
VERDADES INDISCRETAS
o mundo
e
311
tambem uma synthese onde con-
correm muitas qualidades que naose ajustam
contrapoem a synthese
^ermanica. Nao podem, pois, coexistir no
mesmo ambiente duas syntheses que se contradizem. Uma tern de desapparecer, e de
certo nao sera a synthese universal que ha de
ceder o terreno a synthese individual
«, pelo contrario, se
.
Mas
.
.
um Heroe ? No tempo
de Carlos, o Temerario, ou de Ricardo, Coragao de
Leao, Guilherme II teria sido a personificagao
mais vivaz do paladinismo. Hoje, em vez de
encontrar na Borgonha a espada victoriosa do
Temerario, elle encontra tropas republicanas,
que fazem a guerra corajosamente mas protestam contra ella em nome da Paz. E na In^laterra, em vez de um Cora9ao de Leao, encontra Jorge V, filho de Eduardo, o Pacifico.
sera
mas protesta tambem em
proprio Tzar, o autocrata, o
chefe dos cossacos e das hostes ruthenas, tambem protesta contra a guerra em nome da
Paz Da Franga, finalmente, onde governa
<^ue faz a guerra,
nome da
Paz.
O
!
um
que nao
armado
partem
protestos em nome da Paz. Presidente da
Franga, Rei da Inglaterra, Imperador da Russia, Rei da Belgica, todos a uma atiram contra
Guilherme a responsabilidade da guerra. E
foi
cavalleiro,
312 GUILHERME
II
E A PSYCHOI.OGIA DO HEROISMO
Guilherme, que nao tern mede de exercitos,
amedronta-se deante de uma abstrac9ao
a
Paz, e deante de uma creagao da imaginativa
humana
o juizo da Historia. E' um herde,
mas heroe incomplete no sentido militaresco
Sob a accusagao de ter provocado a guerra (e
por emquanto e difficil fazer com equanimidade uma exacta distribuigao de responsabilidades) Guilherme da-se pressa tambem em
mandar pedir a baciade Poncio Pilatus e lavar
Isto quer dizer
as suas imperiaes maos
que nenhum desses paladinos tem ja a guerra
em grande estimagao. Todos elles, que sao
de nascenga generaes e almirantes, desestimam as batalhas. Sao todos pacifistas incubados, o que quer dizer que o heroismo militar
estci morto. Ha dias notava isto o sr. Teixeira
—
—
.
Mendes num
entre Jorge
V
.
.
Que differenga
e o rei Arthur Alguns seculos
artigo-pastoral.
!
da Inglaterra seria tido como
menos digno de fazer parte da nobre companhia dos Cavalleiros daTavola Redonda. Nao
e um paladino
e um legista. Guinevra nao
se dignaria de ser a estrella dos seus combaatraz,o actual rei
:
tes.
.
.
E
Guilherme? Que distancia immensa
entre os seus avoengos scandinavios e este
her6e cujo cerebro, de permeio
com imagens
VKRDADSS INDISCRETAS
313
de batalhas e sangueiras, tern dentro de
si
o
cortejo das abstracgoes aprendidas na convi-
vencia dos sabios ! Badur, rei de Upsal, dizia:
«Nada espero dos idolos. Corri a minha parte
paizes varies encontrei espiritos e gigantes
que nada puderam contra mim e, pois, nas
minhas f6r9as que confio unicamenteU Lodbrog, prisioneiro do saxonio OElla, langado
numa caverna cheia de viboras, ent6a altivamente o seu canto de mortem que os Eddas
nos conservaram Morrendo, elle exclama na
sua alegria barbara: «EisasDysasque Odino
enviou para me conduzirem ao seu reino
Alegre me vou com os Ases beber o hydromel
nos cimos supremos. Passaram as horas da
minha vida e eu sorrio a morte !>>
;
;
!
Jnvitant
me
deae
Quas ex Othini aula
Othinus misit mihi.
Lsetus cervisiam cum Asis
In'
summa
sede bibam.
Vitae elapsae sunt horae,
Ridens moriar
.
.
Siegfried, de todos os heroes
o que mais amava Nietzsche, e o
plete, G admiravel desprendido,
sentiu as suggestoes do medo.
de Wagner
heroe comque nunca
Guilherme,
314 GUILHERMB
que
II
E A PSYCHpLOGiA DO HEROISMO
desafia povos, estre-
affronta legioes e
mece ao
lembrar-se
lamo, de
um
.
.
estylete
De um cacom que um homem
de que?
.
tranquillo, no silencio da sua mansarda, tera
de commentar um dia os altos feitos de GuiIherme. Ve se a larga distancia que separa
dosseus avos este neto de deuses. E' possivel
que Wottan nao o reconhecesse e que Siglinda
nao o distinguisse. Brunhilda talvez nao quizesse ser despertada por elle
,
Os pensadores devem
no seu ponto de
.
.
estar consolados
apezar dos horrores
os que a fizeram de-
vista,
desta guerra. Todos
clararam-na uma calamidade. Detestam-na.
Mas fazem-na, dirao Sim, mas amanha, quan!
do o espirito dos chefes dos povos estiver bem
saturado das novas philosophias e ardentemente convencido dessa transforma9ao de valores pela qual a Paz sera o titulo mais glorioso das nagoes, quem sabe si as guerras nao
ultimo heroe militar germano foi
o velho Moltke, que dizia ser a guerra «uma
Guilherme II, quarenta
santa instituigaoB
cessarao
?
O
!
annos depois, acha-a tao detestavel, que afasta
de si, e com razao, a responsabilidade della
perante a Historia. Daqui a mais quarenta
annos, si houver ainda reis, talvez sejam muito
VBRDADES INDISCRBTAS
315
maiores os esforgos que envidarao para evitar
as guerras. Porque a maior gloria do futuro sera
poder augmentar a riqueza, o conforto e a
grandeza das patrias pelos instrumentos da
Paz e do Trabalho.
A
crapula
Terminado no jornal o meu trabalho de
orientador da opiniao a tanto por dia, fui domingo passado a um club. Nao se esque9am
de que o domingo passado foi de Carnaval
Eram quasi duas horas da manha e chovia a
cantaros, uma chuva barbara, dessas que devem castigar as cidades malditas, inundandoas a trombas diluvianas e transforman do-as
em lagos de orgulho e lama
Subi. No salao, banhado de uma luz
crua de meio dia tropical, e que habitual e simultaneamente serve de salao de baile, de
restaurante e de espelunca de jogo, premiamse pares afrancezadamente cynicos, que dansavam tangos argentinamente acanalhados e
maxixes nacionalmente debochados. Pierrots
de cara branca, deixando adivinhar, por debaixo do creme de que tinham rebocada a epiderme, o cansa90 moral de uma gente pollu.
.
.
VKRDADES INDISCRETA-S
318
cionalmente exgottada antes de attingir a puberdade, dansavam com pierrettes cansadas
como ladras que correram um kilometro perseguidas pela policia, ou com abandalhadas
colombinas que traziam estampada na flacidez
do sorriso mercenario a fadiga das insomnias
remuneradas
Cinco ou seis ratoes vestidos de vermeIho, espremidos entre um piano e a turba, executando maxixes puramente intencionaes ou
tangos hypotheticos, de facto imitavam nas
cordas dos sens violinos vozes de animaes
de especie varia. Os violinos, que nas maos
de Kubelick ou de Vecsey, sao fontes de emogoes ethereas e irmanam as almas nas regioes
niveas do Ideal, nos gadanhos de zingaros de
estereis e das orgias
clubs
perdem
as suas
.
.
.
virtudes estheticas e
adquirem singulares propriedades de guelas
felinas. Nessa noite, por exemplo, si os zingaros estivessem occultos por detraz de uma
simples cortina, eu jurara que a malta dos folioes dansava ao som de miados de gatas no
cio e de rugidos de hyenas esfaimadas e enraivecidas.
Pelo ar empestado corriam ruidos de ensandecer e odores fulminantes, desde aquelle
cheiro que Fialho d' Almeida chamava/<?w^/«a
que e «o alcaloide sexual da femea avulsas,
A CRAPUI^A
ate as exhalagoes varias e intoxicantes
319
com
que a industria permitte a humanidade embotar a pituitaria, comtanto que se disfarce o farturn prenunciador dos feditos inadiaveis
decomposigao
Todas
as
,
.
da
.
mesas estavam occupadas. Fin-
gindo-se ^^^^^z^r^.exteriormente despreoccupa-
dos de tudo, mas intimamente combinando o
prego da pandega com a capacidade de resistencia das carteiras, alguns fidalgos de sangue
suspeito e arrebentados pagavam cervejapara
Manons sedentas e sanduiches para Phryneas
famintas da Lapa, Gloria e Russell. Em tres
mesas apenas bebia se champagne. Essas tres
mesas eram occupadas por illustres cavalheiros que devem orgar pelos sessenta e cuja
unica celebridade, perante os vertebrados em
geral e a especie humana em particular, consiste nas passadas fa9anhas amorosas das esposas, hoje aposentadas em avos que distribuem pelos netinhos as lambugens de caricias
que OS amantes de outr'ora Ihes deixaram nos
coragoes desilludidos, mas nao saciados...
Passei pelo meio da farandulagem maxixante como uma penna da ave Melancolia
levada ao leo por um tufao. Acotovelado e
acotovelando, abalroado pela esquerda e abalroando pela direita, aos boleos e trambulhoes.
320
VBRDJIDBS INDISCR^AS
dando umbigadas em rebolantes nalgas,
e ca-
nelladas acutilantes emcadeiras desgarradas,
sala, a
parte propriamente destinada a servir de es-
sempre consegui chegar ao fundo da
pelunca de ladroes. O jogo estava esmorecido.
Os pharoes nao conseguiam seduzir papalvos.
Entre a sota e a mulher o imbecil verdadeiro,
o imbecil integral, deixa-se apanhar sempre
pela ultima. Ora, naquella noite as mulheres
esvoa9avam como cardumes de vespas em
tardes estivaes, atrevidas e picantes. Alem do
mais a attrac9ao do maxixe e, entre nos, superior a attracgao do baccarat. O jogo e vicio
de decadencia. Comprehende-se o dominio
da batota na Europa, onde a civilisa^ao ja comega a deseer a outra vertente da montanha,
onde boceja uma raga saturada de crapula, devastada por guerras, exhausta por orgias seculares. fatigada de aventuras, raga que ja
inventou tudo, viu tudo, fez tudo quanto se
pode fazer de bem ou de mal, sentiu tudo
quanto se pode sentir de delicioso ou de desagradavel, raga velha e gasta, que esta a delir-se como as carnes de um cadaver numa caldeira ardente, de onde sairao apenas os ossos
a servirem de objecto de estudo para a mocidade nos amphitheatros de anatomia.
A
CRAPUi:.A
321
terras ainda Barbaras como a nossa
6 grandeseduc9ao quando nao existem
seducgoes maiores. No dia em que reina o
Nas
o JGgo
maxixe debilitam-se os creditos da jogatina
Ainda nao somos dissipados, por nos
minguar a moeda, e ainda nao somos devassos,
porque nossobeja juventude. A devassidao e
mais da velhice do que da mocidade. A mocidade e precipitada e gozadora. Nao precisa
de ser devassa, porque traz ainda no sangue a
idrqa e o impeto das profundas sensualidades.
Agradam-lhe todos os estrepitosos e audazes
prazeres da vida destra o desporto, o baile,
as corridas, o maxixe e todas as choreas desbragadas. Diversao que nao fatiga nao alegra
a mocidade. Explica-se dest'arte a seducgao
physiologica do maxixe sobre o brasileiro,
povo mo90. As distensoes musculares dos
:
membros
inferiores;
os
movimentos quasi
arythmicos; os passos accelerados pela cadencia lesta da canalhesca musica afro-americana o desregramento das attitudes fecundas
tm imprevistos a possibilidade de ostentar
aos olhos de tanta gente uma mulher em posi^oes pouco plasticas e muito equivocas
tudo isso nos encanta ao mesmo tempo que
nos satisfaz o appetite de ruido e ostentagao.
;
;
21
322
VERDADES INDISCRKTAS
A nossa ausencia de bom gosto enquadra-se
admiravelmente dentro da canalhice barbara
do maxixe.
Si nao existisse nem um so documentohistorico da epoca, bastava um miniiete para.
reconstituir toda a pbysionomia social do seculo XVIII. Si se perdessem todos os monumentos historicos do Brasil actual (e o prejuiza
nao seria grande), bastaria a copia de um maxixe e a photographia de um carro carnavalesco para que se reconstituisse a nossa pbysionomia reles, tal como por uma synclinal se
reconstitue todo um periodo geologico.
O maxixe da bem a idea das nossas baixas tendencias musicaes e choreographicas
Um
medida precisa da
nossa ausencia de imaginagao e da monstruosidade carthagineza do nosso mau gosto
Si
contarem la f6ra que no Rio de Janeiro uma
carro carnavalesco e a
.
popula^ao inteira vem para a rua applaudir
phreneticamente carros que so valem pelo tamanho desproporcionado, hediondos como
cavernas paleontologicas, representando sempre OS mesmos dragoes mambembes, as mesmas conchas de ha cincoenta annos, as mesmas
moedas de ouro... de papelao dourado, e ostentando annualmente, com rigor mathematico, as mesmas toneladas de niulheres gordas
A CRAPUI^A
323
como
polacas de exportagao, feitas de proposito para excitar a cubiga conimercial dos a9ougueiros e o appetite profissional dos magarefes, difficilmente acreditarao que tal cidade
tenha a pretensao de passar por civilisada e
queira ser tomada a serio pelo estrangeiro ci
vilisado, orgulhoso e suspicaz.
Mas, depois de vinte minutos de club, a
cabega nos anda a roda, como si tivessemos
turbinas
no craneo.
Affrontei,pois,
novamente
a onda revolta dos bailarinos, atravessei-a em
lucta corpo a corpo, trazendo, nos tympanos,
echos desencontrados, e nas retinas, fulgores
intermittentes e relampagos violaceos.
Ganhei
a rua alagada pela chuva, e, meditando coisas
truculentas contra a Humanidade e invectivando mentalmente August© Comte, seu
Propheta, comecei de chapinhar novamente a
lama carnavalesca da Avenida
.
.
.
Um
caso de poticia
Chama-se a attengao da Policia para os
que se passa a relatar
Ha poucos dias, no Caes do Porto, um
pobre homem comprou um jornal; assentouse a um pedral e comegou a ler de repente
poz-se a tremer e a espumar,emquanto os olhos
pareciam querer fugir-lhe das orbitas. Estando
elle nesse estado, acertou de passar por ali um
rapaz que Ihe perguntou o que elle tinha; o hofactos
;
mem
o seu interlocutor, agarrou-o pelo
pescogo e provavelmente o enforcaria si prompta intervengao da patrulha policial nao ataIhasse opportunamente tao grande desatino
Durante todo o tempo em que travou
luta corporal, berrava o pobre homem para a
sua victima
Voce e o Austregesilo Voc6 e o doutor que escreve nos jornaes Eute mato, banfitou
—
!
!
VBRDADBS IMDISCRSTAS
326
dido
Pelo sangue dos
!
force
!
meus
Eu quero matar o
dr.
filhos,
eu te en-
Austregesilo
A muito custo foi subjugado e conduzido
delegacia proxima, de onde nao se
sabe que destino Ihe terao dado; mas e proat^
i.
vavel que esteja a estashoras no Hospicio,tal
a violencia do seu accesso de loucura.
Chefe de Policia o que
pode produzir a liberdade com que certos individuos abusam do direito de ser nocivos.
O dr. Antonio Austregesilo e um desses
criminosos, dignos nao s6 das masmorras como
de um violento requisitorio do senador Ruy
Barbosa. O caso aqui citado de loucura sanguinaria nao 6 o unico ate agora provocado
pelos artigos do eminente professor. De outtos sei eu qiie t^m ficado escondidos por
anlor das victimas, que pertencem a familias
de destaque. A in da ha poucos dias, duas se-
Ahi
tern
o
dr.
nhoritas residentes em Copacabana foram,
logo depois do jantar, acommettidas de colicak tao terriveis, que toda a gente aventou
logo ahypbthese de um envenenamentb. Qu^riiam at^ responsabilisar o cosinheiro da casa
e 6 vendeiro portuguez em que se fornece a
familia. Afinaj, chamada a Assistencia, verificou o medico da ambulancia nao se ti^atar de
nenhum envenehamento. Examinados os ge-
UM CASO DE POUCIA
327
que havia na dispensa, fi-cou provado serem de b6a qualidade e o seu
prepare nada deixava a desejar. Alids, si a
intoxica9ao proviesse da ingestao de alimentos deteriorados, naturalmente toda a faTleros alimenticios
;
milia teria manifestado os mesmos
as senhoritas.
symptomas
de doen^a que
— E'
pensava o medico. Os
alimentos estao perfeitos. Estas meninas cosexquisite,
tumam ter destas
colicas ?
— Nao, doutor, e a primeira
pondeu a mae das pequenas.
—E
o medico, concertando
vez, res-
.
.
.
insistiu
OS oculos severos e fusilantes de sciencia:
"^^
•
•
•
Aqui elle fez a mae uma pergun^ em
voz baixa, a qual respondeu a digna senhora,
^nrubecendo levemente
Ah 1 nao, senhor Sao at^ muito reSao muito sadias estas meninas
Sfulares
—
!
.
Este
.
mez
.
ja tiveram ...
— E' extraordinario. Nao posso
Caso grave
mar um
.
.
.
Nao me
parece nada
sXimr:..
mau cha-
gynecologista..
Pensando e repensando, cairam os olhares do medico sobre um diario que estiiva estendido
em cima
da mesa grande da sala de
VERDADES JNDISCKBTAS
328
jantar.
Silencio
La
estava
um
artigo intitulado
— e subscripto pelo
— Ah!
—O
Austregesilo^
exclamou o doutor. Aqui esta
dr.
a causa. Jd podemos fazer a etiologia do maL
Fa9amos o diagnostico e, si for o que eu penso, o prognostico pode ser severo. Estas pequenas sabem ler?
Oh doutor De certo que sabem
Leram este artigo ?
Interrogadas, responderam as pequenas
que o nao tinham lido todo, mas em parte.
— Pouco importa, disse o illustre facuitativo. Com muito menos do que isto morreu
—
—
\.
!
!
Madame Bovary. Vou receitar-lhes um purgante fresco e uma fomentagao para a regiao
umbilical.
E com effeito, tomado o purgante e escoado o effeito do mesmo, come^aram as gentis enfermas a melhorar; e ficaram inteiramente boas depois da fomentagao nos gentiHssimos umbigos.
Ahi tem o dr. Chefe de Policia o periga
social que representa um artigo de Austregesilo.
No
tal artigo,
que provocou as colicas nas
senhoritas, ha trechos assim
O
silencio
d
como qualquer idea
uma
voz
constitue
em
um
perspeUiva^
acto nascente
UM CASO DK
Em torno
delle
329
POI^ICIA
gyra
um mundo
infinito
de pequenos sons, como as diminutas linhas redas que formam a circumferencia.
Como e que podera haver uma voz ep
perspectiva ?
E um mundo
de pequenos sons
a gyrar em torno do silencio ? E a circumferencia formada por pequenas linhas rectas ?
Vejam o que elle diz da morte
Dizem que a morte e o symbolo
do silencio. Mas morte e o microbio
a desagregagdo molecular.
A
e
exact
o verme,
alma, affirmam, voa ; voa por longe;
mas alguemy no mundo, Ike percebe o ruflar,
pelo murmurio da dor dentro dos coragoes, pelos
presagios telepathic os cujos soidos quasi insensiveis constituent as nenias das saudades, a harmonia dos soffrimentos, a dogura das religions.
Este sujeito, segundo ja esta verificado,
tem a exquisita mania de insultar a morte
Para elle a morte e o microbio, e a alma voa,
mas toda a gente Ihe percebe o ruflar das azas
pelos presagios telepathicos que sao as nenias
das saudades, etc., etc..
Tudo que ahi fica demonstra a saciedade
que este clinico e ummalfeitor publico, «carifranzido e barbilongos como diria o senador
Ruy.
330
VBRDADBS INDISCRETAS
Naio queremos citar mais. Si houvesse
policia no planeta, o dr. Austregesilo ]i teria
sido ha muito tempo trancafiado num xadrez
cheio de chismes, palavra que vimos pela primeira vez no ultimo discurso dosr. Ruy e que
significa percevejos. Ate quando, 6 Polida,
deixards impune o dr. Austregesilo, o grande
delinquente das
letrias
patrias?
O
coronel Roosevelt
Morreu Theodore Roosevelt, dizem os
telegrammas.
Grande
estadista,
commentam
os jor-
naes.
Grande cabotino, opinam homens sensatos.
Doutor em direito, vaqueiro, deputado,
presidente da Republica, cagador de feras, coronel de cavallaria, este cidadao foi antes de
tudo um virtuoso norte-americano, isto 6, um
cabotino feliz. Foi o maior fiteiro do seculo.
Nos nos orgulhamos do sr. Nilo Pe9anha
como fabricante de fitas de grande metragem;
mas o sr. Nilo 6 um ingenuo, comparado com
Roosevelt.
Ha entre um e outro a distancia e a differenga que vao de Campos a NovaYork.
Roosevelt nao deixava de ter certas analogias de caracter com Guilherhie 11. Eram
.
.
^
.
VBRDADES INDISCRETAS
332
ambos estupendos exemplares de
hypertro-
Guilherme queria dominar o
Roosevelt teria dominado toda a
phia do Eu,
mundo
;
America, si tal Ihe fosse possivel. Ambos tinham a paixao das viagens, das cagadas, do
palco scenico perante o universo, avidez insaciavel de reclamos. Viviam para as exterioridades. Apenas, Guilherme era fidalgo de
raga Roosevelt era plebeu mas ambos se
egualavam pelas attitudes de arrivistas. O
desejo immoderado de gloria facil nivelava
perante a consciencia humana o neto de Frederico II e o neto dos pelles-vermelhas.
Tendo mais liberdade individual do que
o imperador,Roosevelt organisava cagadas aos
tigres da India, aos leoes da Africa e as ongas
do Brasil tendo menos liberdade individual
do que o ex-presidente, Guilherme, nao podendo ir cagar em dominios inglezes, organisou essa formidavel cagada de animaes humanos da qual Ihe adveiu a ruina.
;
;
.
.
;
Roosevelt esteve a cagar no Brasil. Ca90U doUares e ongas. Os d611ares cagou-os e
ganhou-os elle no Rio, fazendo no Institute
Historico uma conferencia sem o menor valor,
pela qual exigiu cerca de sessenta contos I
Nunca pagamos tao caro um pensador mediocre. Mas, que querem ? Esse homem tinha
O CORONEI. ROOSEVELT
333
os Estados Unidos com o seu Caa sua Industria, com a sua Esquadra e
a impulsividade collectiva da sua
populagao sadia e rica. Nao seria prudente
ratinhar quanto ao pre90 da sua philosophia,
embora ella fosse, por natureza e por evidencia, muitissimo barata. Imaginemos um vaqueiro (cow-doy yComo la dizem) phantasiado de
Emerson e teremos a synthese mental do penatraz
de
pital,
com
com
si
sador Teddy.
Quanto as ongas, esse professor de energia foi ca9al-as no Amazonas. Dizem que elle
nunca tremeu deante dos tigres de Bengala
mas ha quem affirme que o Nemrod yankee
ficou horrorisado quando se viu no Inferno
Verde.
Eu
acredito
em ambas
as versoes.
Nao
da India. Sao tigres
creados pelos inglezes especialmente para lisonjear a vaidade matadora dos Tartarins poderosos como Roosevelt. Sao animaes civilisados. Creio que alguns ate pertencem a Alta
Egreja Anglicana. Moram a beira de rios ex-
ha que temer os
tigres
ploradissimos, cujas margens estao saneadas,
vigiadas, incorporadas definitivamente ao disciplinado Imperip de SuaGraciosa Majestade.
Ja nao succede o mesmo com as nossas
on9as e os nossos jacaresda Amazonia. Esses
334
VKRDADKS INDISCRBTAS
nSo vivem na doce companhia de Hindus
pantheistas, que aspiram ao Nirvana, como
felicidade suprema; vivem em florestas dantescas, na companhia do indio astuto e do seringueiro feroz. Por isso Roosevelt, que sd
mantinha rela96es com feras britanisadas, arrepiou-se ao travar conhecimento com authenticas feras brasilicas. E, durante todo o tempo
em que durou a sua ca9ada na Amazonia, elle
s6 alimentou e loucamente um desejo o de
fugir, o maisdepressapossivel, d'aquelle sombrio e espantoso inferno, onde, quem nao
morre da setta hervada do indio, nas'garras
da cangussu, entre os anneis constrictores da
sucury,ou triturado pelasmandibulas do jacar^r
ainda tem deante de si um inimigo mais subtil e perigoso
o impaludismo. E' preciso ser
cearense para affrontar a Amazonia; ora, Roosevelt era apenas um norte-americano habituado a Quinta Avenida e que, vaqueiro na
sua mocidade, campeara o seu gado cavalgando muito bons cavallos e por campos de doce
clima, apto a travar amizade com todas as delicias da Civilisa9ao. Haretratos de Roosevelt
matando tigres de Bengala mas nunca vi retrato d'elle a luctar com a nossa onga pintada
nem com um modesto jacare, desses em que
:
:
;
O COROMBI. ROOSBVKI.T
335
OS indios at^ chegam a montar para a atravessar
o
rio
Amazonas.
Homem sympathico pela sua robustez organica e pela alegria com que sabia viver, foi
um cabotino do mais alto bordo e, como decidiram em Paris, em cerco concurso aberto
por um jornal, eratambem, com as suas conferencias mediocres e suas ligoes de energia
muito bem pagas. o primeiro cacete do mundo.
.
.
Que
e
uma
offensiva ?
Chama-se offensiva o acto pelo qual
um
exercito se atira contra outro. Exercito e uma
multidao de hoinens que, esquecidos de que
sao homens, obedecem a toques de cornetas,
a rufos de tambores e a ordens de outros homens, tambem por egual esquecidos da sua
hominidade. Entre um exercito e um rebanho
a differen^a e nominal porquanto, si os rebanhos nao raciocinam, muito menos os exercitos no dia em que os rebanhos raciocinarem,
deixarao de ser rebanhos no dia em que os
exercitos raciocinarem, tambem deixarao de
ser rebanhos
porque, no dia em que cada
homem se convencer de que outro homem nao
tem o direito de perturbar-lhe a do9ura da
vida, para transformal-o em machina de matar
e de morrer, esse outro homem, por sua vez,
nao tera coragem para Ihe propor que deixe
a fabrica, a famiHa, o gado, ou a charrua, afim
;
;
;
;
22
VBRDADBS INDISCRBTAS
338
de
ir
matar a
oiitros
tambem possuem
homens que, como elle^
gado e char-
teares, filhos,
D'onde se conclue que os exercitos sSo
producto da inconsciencia humana explorada
pelo Capital. Exercito e Capital, que sao hoje
alliados, serao algum dia inimigos como o cao>
e o gate Porque ? Porque a primeira victima
do Capital 6 o proprio Exercito. Os soldados
morrem para que ? Para sustentar os capitalisPatas que se escondem sob a abstra9§o
tria. Quanto ganha um general ^ Dois contos
por mez. Quanto ganha um capitalista ^ Centenas de contos, por mez. Quando morre uni
soldado raso, com quanto fica ao mez a sua
viuva, caso o Estado a sustente ? Com algumas dezenas de mil reis. E a viuva do capitalista } Com algumas centenas de contos
ri^as.
.
—
Mas como
se faz
uma offensiva ? Assim
t
reunem-se muitos mil homens outros homens^
que saibam fallar, arengam deante d'elles, invocando a Patria, o Direito, a Civilisa9ao e a
Humanidade. Depois de embriagal-os com
palavras, esses oradores, que geralmente saa
commandantes, fazem soar as trombetas.
trombeta e um instrumento diabolic© que, soprado com certa arte e calor, actiia sobre a
systema nervoso dos individuos, tirando-lhes
a capacidade de pensar e de sentir outra coisa
;
A
QUE
ft
UMA OFFENSIVA?
339
sin^o barbarias gothicas. Os commandantes
dSo ordem de avan9ar, e os homens avan9am;
OS proprios cavallos, excitados pelos tangeres
avangam heroicamente os homens dao tiros de canhoes, metralhadoras e
carabinas sobre outros homens, que tambem
bellicosos,
;
ouviram discursos, inebriaram-se com o clangor das trombetas e dao tiros de canhoes^
metralhadoras e carabinas. Privados de sentidos e de intelligencia, intoxicados pela eloquencia dos generaes e pelo som das tubas
canoras, combatem; grande parte, num e noutro campo, morre; milhares de outros, que
escapam, ficam estropiados, cegos, surdos,
mas contentes, porque recebem
de panno e uma cruzeta de qualquer metal, que nem ao menos e ouro. No
fim de tudo, uns consideram-se vencedores
OS outros, vencidos, mas nao convencidos da
derrota, preparam novo ataque, que se chama
contra-offensiva mas offensiva, defensiva e
contra offensiva vem dar tudo no mesmo e
meio de perder a vida em beneficio dos fomecedores dos exercitos, quer de um quer de
outro campo. De maneira que offensiva quer
dizer morte injusta e a principal arma offensiva e a palavra humana; tanto assim que
Ajax, filho de Oileu, dizia: «Antigamente eu
inutilisados,
uma
tirinha
;
:
:
;
340
VERDADES INDISCRETAS
suppunha que a primeira arma era a acgao
agora vejo que a primeira arma e a palavra»
Quanto ao fim da offensiva, e defender a Pa.
tria, isto e,
a riqueza dos ricos e a liberdade
dos povos, por hypothese
.
.
.
Christo ou Christa ?
Tem-se
visto
no Rio de Janeiro muita
coisa extranha. Faltava-nos, entretanto, assis-
ao que esta annunciado para a Semana
Santa: o papel de Christo, no Martyr do Calvario, feito no Recreio por uma mulher, a
sra. Italia Fausta
tir
Dizem que a
sra. Italia Fausta,
quando
representava ali no Campo de Sant'Anna, era
admiravel no papel de Antigona, o que eu por
mim mesmo nao
Dizem que S
.
porque nao o
vi.
Rd
por
— o que eu tambem nao
ExcellenDizem ainda que
e admiravel em tudo — o que eu mais uma
Mysteriosa
nao o
cia
affirmo,
Excellencia e admiravel na
ter visto.
affirmo,
S.
vez deixo de affirmar, porque nao conhe9o a
illustre senhora nem em tudo nem em nada
Para evitar discussao, admitto que ella seja
estupenda em scena e f6ra de scena, quer no
palco, quer nos bastidores; mas representando
VSRDADES INDISCRETAS
342
o papel de Jesus-Christo ?
julgar do que ainda nao se viu
!
.
.
.
Nao
se deve
mas, francamente, nao ha emo9ao de espectador que re«Aquelle Christo
sista a estes pensamentos
que ali vae, de cruz is costas, ajudado pelo
dr. Gomes Cardim, quero dizer, por Simao, o
Cyreneu, e uma linda senhora; aquelles cabel;
:
melhor diriam em Magdalena
los, porem,
do que no Salvador; aquella garganta 6
tudo quanto ha de menos masculino; e si descermos pela garganta abaixo, verificaremos
que aquillo nao pode ser Christo nem a mao
de Deus Padre))
.
.
.
Assim pensando, iremos acompanhando
OS passos do Redemptor at^ o momento em
que elle houver de ser pregado na cruz. Ahi entao 6 que hao de resaltar, com evidencia scientifica,
a luz forte das gambiarras, entre relam-
pagos de breu e trovoes de bombo, todas as
differengas anatomicas que ha, que pelo menos
devia haver, entre Jesus-Christo e a mulher de
Pilatus. E quando Maria Magdalena se ajoelhar
junto a Cruz, contrita, arrependida e lacrymosa, como Christo e femea, ficaremos nos a
conjecturar si por ventura aquella Magdalena
nao sera macho, para nao perturbar o equilibrio do
mundo
.
.
.
CHRISTO OU CHRISTA?
343
Nao, minha senhora, tenha paciencia.
T^m-se visto homens a fazer de mulheres,
mas mulher transformar-se em homem, e
Homem-Deus, isso nunca se
ainda mais
viu, embora se digam por ahi certas coisas
nosso sexo 6 privilegiado. A quantidade de
linhas curvas que abunda nas mulheres bella§
—
.
.
.
O
permitte logo, a primeira inspecgao, distinguil-as immediatamente dos homens; portanto
a sra.
Italia
Fausta,
quando
for
pregada na
com
cravos posti^os), ha de
revelar-se mulher ate ao candido olhar dos
impuberes. E si quizer ser tida e havida por
Jesus-Christo, ha de recorrer a antiquissimos
« obsoletos processos de carpintaria theatral
cruz (felizmente
No tempo de Shakespeare, como a arte
scenographica ainda nao existia, quando em
scena se queria mostrar ao publico uma floresta, coUocava-se no logar proprio um letreiro
Floresta. Quando se queria figurar a lua, pendurava-se numa trave uma lanterna, com um
letreiro Lua. Assim, a sra. Italia Fausta, si
nao quizer ser confundida com a mae de Sao
Pedro, devera apparecer em scena com um
letreiro na testa: Jesus-Christo. Ora, JesusChristo, que nunca foi reo mysterioso, quando
apparece no theatro, mesmo no Rio, traz na
<cabe9a a sua famosa cor6a de espinhos, que
:
344
VKRDADES INDISCRETAS
provavelmente deve ser incompativel com
qualquer letreiro, ainda luminoso. Alem disso,
esse letreiro, por cima da cor6a de espinhos,
e uma crueldade tao inutil, que os proprios
judeus nao a praticaram
Resumindo, cara sra. Italia Fausta, supplico-lhe, tao humildemente como se fallasse
ao proprio Jesus-Christo, o seguinte va ter
com o empresario e declare-lhe muito positivamente que Vossa Excellencia, por motives
anatomicos, nao p6de ser Christo podera ser,
quando muito, Mae de Deus, mas nunca FiIho d'Elle. E si Vossa ExcellenM persistir
nessas intengoes, que eu reputo contrarias a
natureza e ao bom senso, irei ao theatro, na
Sexta-feira Santa, de gravata vermelha e bar:
;
rete phrygio, e farei berreiro para exigir
Magdalen a seja o sr. Paulo Barreto.
que
Do
leite,
sua natureza e
effeitos
na economia
Chama-se leite certo veneno de cor
com que se matam crian9as em tene velhos em edade avangada. Emedade
ra
pregado em alta dose, pode ser de effeito
fulminante. Esta provado que os allemaes,
durante a offensiva na Belgica, nao empregavam contra criangas e velhos outra arma
sinao o leite do Brasil, de que tinham comprado grandes partidas antes da guerra. O
leite, logo que e assimilado pelo organismo,
branca
age directamente sobre todas as visceras O
estomago do paciente dissolve-se os intestinos desapparecem sob a acgao corrosiva de
certos acidos, ainda desconhecidos, que o leite
desenvolve no organismo humano; o coragao,
os rins, o figado e o bago liquefazem-se. Algumas vezes, tanto na clinica hospitalar coma
na clinica civil, tem-se procurado salvar taes
.
;
346
VBRDADBS INDISCRETAS
doentes, empregando, quer por via gastrica, quer em injecgoes endovenosas, solugoes
de bi-chloreto de mercurio, ou de cyaneto
mas, apezar
de potassio em agua raz, a 95
disso, sobre cem casos de intoxicagao pelo
leite, noventa e oito sao quasi sempre fataes.
Na Santa Casa, logo que se tern noticia ou
simples suspeita de que um doente, desilludido de cura, conseguiu ingerir is escondidas
uma colher de leite, applicam-se-lhe, caso o
permitta a sua tensao arterial, injec^oes intramusculares, consecutivas, de uma solu^ao de
sulfato de cobre misturado com chloreto de
zinco, ou arseniato de chumbo, na propor9ao
%
;
de 600 por 1000.
Ultimamente quiz a Hygiene Municipal
commercio desse activissimo ve^
neno, ou ao menos regulamental-o como regulamentou o da cocaina, do opio e da morprohibir o
phina, permittindo o seu uso clandestino so a
adultos de ambos os sexos que nao tenham
muito interesse em viver; mas o juiz da 1^
Vara Federal garantiu por sentenga a liberdade desse nefando commercio. De sorte que
o leite continua a ser vendido as escancaras,
em plena cidade do Rio de Janeiro Nao ha
a menor providencia, nem de caracter hygienico nem de caracter meramente policial, con!
DO
I.BITE,SUA NATU.
K EPFElTOS NA ECONOMIA
347
tra a disseminagSo desse toxico destruidor,
tanto mats perigoso quanto mais suavemente
se faz a sua ingestSo, havendo at6 medicos tao
levianos e ignaros, que chegam a prescrevel-o
como alimento a doentes submettidos a dieta
Dito perante qualquer sociedade medica de
qualquer paiz medianamente civilisado, nao
seria acreditado por ninguem.
Houve um
pro-
fessor allemao que, discorrendo sobre as pro-
priedades da agua, declarou a seus alumnos
pasmados aExistem povos barbaros que bebem protoxydo de hydrogenio » Entretanto
isso nada e, embora a agua, principalmente
no Rio de Janeiro, tenha propriedades extraordinariamente nocivas. Nao sei o que diria
esse homem de sciencia, si soubesse que os
cariocas nao so bebem leite como ate o dao a
seus filhos e aos enfermos.
:
!
Esse amor dos cariocas pelo leite e alcousa como a paixao dos chinezes pelo
opio, salvo OS effeitos soporiferos, immediatos
e deprimentes, do opio, que sao muito menos
nocivos a saude. Aindaassim o commercio do
opio decresceu muito desde que a Inglaterra,
de commum accordo com outras grandes po-
guma
tencias europeas, resolveu perseguil-o, como
perseguiu o nosso trafico de negros escravi-
sados
.
Quando
se dispora
alguma das gran-
348
VERDADES INDISCRETAS
des potencias europeas a perseguir o commercio do leite entre nos com a mesma efficiencia com que se combateu o consumo do
opio na China ?
Necessario, entretanto, se faz dizer que
o leite e nocivo em alto grau aqui no Rio.
Em Minas e no
Rio Grande do
por exemdo meio,
o veneno nao tern tanta virulencia. Demais,
nao se podem negar ao leite, desde que chegue ao Rio, certas propriedades therapeuticas
bastante uteis
Por exemplo
empregado
como antidoto do veneno ophidico, nao deixa
de ter efficacia. O veneno da urutu, para so
citar o mais pegonhento dos nossos ophidios,
raramente resiste a uma injec9ao endovenosa
de leite que tenha quatro horas de permanencia no Rio de Janeiro. Ainda meia hora depois do paciente ter sido picado pela urutu,
pode ser salvo com uma ampola de um centimetro cubico de leite
No caso de picadas de algum insecto venenoso, como o escorpiao, a centopeia, o carangueijo e outros,
basta, para por a victima fora de perigo, uma
simples fricgao local, sobre a mordedura, tendo, entretanto, o paciente o cuidado de nao
levar a bocca a parte friccionada, para evitar
Sul,
plo, gragas a paradisiaca innocencia
:
.
.
<?
DO
I^EITK,
SUA NATU. E EFFEITOS NA ECONOMIA 349
accidentes dolorosos,
como
gengivites e ou-
tros semelhantes
Mas
essas propriedades
sem duvida
preciosas,
therapeuticas,
nem por
isso
dei-
ser extremamente perigosas, quando mal applicadas, motivo por que o governo,
para evitar a degenerescencia da nossa ra9a,
deve, ou prohibir, ou ao menos regulamentar
a vendado leite, como se regulamentou a da
xam de
morphina.
O anno humoristico, litterario e social
Resumir em tao breves linhas o que
houve de comico no anno de 1919 e tao difficil
como resumir a tristeza de um
Em
cemiterio.
1919 tivemos circos de cavallinhos,
Delphim Moreira, Joaquim Osorio, festas
nacionaes, dr. Austregesilo, F'linto d' Almeida^
Teixeira Mendes, etc., etc.
A dizer a verdade, esses homens e factos
nos fizeram sorrir por um instante, mas naa
dr.
nos desopilaram o figado.
O dr. Joao do Rio, capacho em que todas
as manhans alimpa os seus tamancos a colonia
portugueza, teve tres banquetes.
Medeiros e Albuquerque ficou em opposi9ao ao governo, depois de ter sido redactorchefe de um matutino
O Imparcial durante quarenta e oito horas.
A professora Daltro andou com o seu
grupo de obuzeiros de saias ahi pelas ruas er
—
—
VERDADES INDISCRETAS
352
no dia da chegada do Presidente Epitacio,
promoveu um conflict© junto ao portao do
Arsenal de Marinha.
O dr. Nilo Pe9anha
fez-se
cada vez mais
agricultor.
O
nos
dr.
Antonio Carlos
fez-se
cada vezme-
Bressane, cada vez mais
coronel, tornou-se cada vez mais fervoroso
adepto do genio politico do senador Francisco
financista; e o
Salles
.
,
sr.
.
Tudo isso
Nao o sao
ou melhor, foram pilherias.
mais. O que nao sei e de que
lado estara a incapacidade, isto e, si seremos
nos OS incapazes de rir com ellas, ou si ellas e
que serao incapazes de nos fazer rir.
Em verdade, rimos cada vez menos. As
mulheres cariocas riem pouco para nao prejudicar a pintura do rosto, ou melhor, para que
nao se Ihes estale o verniz do carao.
Quanto aos homens, ai de n6s! Como
havemos nos de rir, de dar uma b6a gargaIhada, daquellas, ja nao digo dos deuses de
Homero, mas ao menos do tempo de dom
Joao VI
E' que as preoccupagoes materiaes nos
absorvem. Nao temos tempo nem para rir nem
para ficar extacticos deante de uma bella muiher.
sao,
Mai vamos descerrando os
labios para
O ANNO HUMORISTICO, LITTERARIO E SOCIAL 353
uma
chegam
risada e ja nos
noticias apavo-
sao os russos que continuam a ameamaximalista sac
OS italianos, que querem tomar Fiume sac os
francezes, que nao nos querem restituir os
navios que tomamos aos allemaes; sao os japonezes, que querem nao somente invadir a
Siberia como ainda vir trabalhar no Brasil, o
que representa para nos um dos maiores perigos contemporaneos sao os operarios que se
declaram em parede sao os anarchistas estrangeiros que nos ameagam a bombas e o
cambio que sobe num dia para descer no outro e tornar a subir no dia seguinte ...
rantes
^ar o
:
mundo com o incendio
;
;
;
;
;
Havera, no meio de todas essas catastrophes, tempo para
rir ?
Grandes foram os esforgos feitos, durante
a legislatura de 1919, pelodeputado Joaquim
Fagundes {ne Osorio) para nos proporcionar
gargalhadas. O deputado Joaquim e innegavelmente um grande humorista Um grande
humorista e um santo. Admiro-o e venero-o.
Joaquim combateu tudo quanto nao fosse pacifista e positivista. Joaquim gritou, berrou,esmurrou a carteira, urrou, zurrou e azurrou.
Joaquim e Clothilde.Joaquim e August© Comte. Joaquim e Borges de Medeiros. Joaquim
e Teixeira Mendes. Joaquim e espantoso. Em
.
VBRDADES INDISCRETAS
354
como Marcolino Barreto, como Joao Menezes, como Bressane.
Umaflor de humorismo! Numa bancada de
humoristas, como e indubitavelmente a do
summa, Joaquim
e
feliz,
Joaquim conseguiu derrotar o proprio dr. Carlos Maximiliano, que
6 o grande mestre do humorismo applicado
ao direito constitucional. Pois apezar de todos OS seus esfor9os para nos matar de rir^
Joaquim Praxedes nao conseguiu mais que
Rio Grande do
nos fazer
des,
como
Sul,
uns sorrisos amarellos e vera bandeira nacional
sorrir
.
E
a litteratura,
teratura nacional ?
A
litteratura
no
asempre
.
respeitavel
uma
Brasil e
lit-
coisa que
Austregesilo cultiva e Afranio Peixoto illustra.
Austregesilo e o medico-physico espontaneo das meninas anemicas que ainda nao
por cima
Afranio Peixoto e o Marcel Prevost de
oleo de ricino, asso oxygenado, que alinhava
periodos de cascalho e se esquece das origens ethnicas do seu sangue, gragas as maravilhas do Henne e do Diplozon applicado aos
cabellos e aos bigodes. Ainda espero vel-o de
verdes e bigodes azues, que a
cabellos
Sciencia para tudo tem recursos. O seu ultimo romance Truta do Mattos tem, logo as
apprenderam a
ler
.
.
.
O ANNO HUMORISTICO, UTTBRARIO B SOCIAL 355
primeiras paginas, a descrip^ao de uma muIher, que 6 um prodigio de humorismo. Basta
dizer que a rapariga do dr. Afranio tern a bei9orra dependurada na ponta do nariz, bem na
elle. E, para nao pensarem que invento, vou transcrever textualmente da Truta
ponta, diz
DO Mattos, paginas 6 e 7, o que diz essepsychologo de azeite de dende: aOsbastos cabellos atados num coque pezado, a linha direita
da testa, o nariz pequeno e na ponta, bem na
com tanta gra9a/a saliencia
dos labios, entreabertos para a palavra que
a lingua molhava a miudo num gesto faceiro,
o queixo, o mento, o pescogo roligo, o collocheio sem demasia, mas com altivez, esvaindo-se na cintura delgada.» Que synthese lurainosa Que clareza aryana
A regular pelo
estylo, o dr. Afranio e aryano puro, o unico
aryano pur sang que existe no universo. Figurem a idea que este infusorio da litteratura
faz de uma mulher bonita: ella deve ter a saliencia dos labios na ponta, bem na ponta do
ponta, arregagado
!
!
nariz, como as argollas de ferro que os selvage ns costu mam trazer nos delles! E o collo
esvaindo-se na cintura ? Que descrip9ao Mas
nao e descripgao: e um inventario. O dr. Afranio, avido de pecunia e ambicioso de posi9oes como todos os albinos, deve entrar para
!
VERDADES INDISCRETAS
3S6
um
SuaSenhoria, commaisum pouco d'agua oxygenada nos bigodes, daria um
cartorio.
bom
escrivao.
O
dr.
ma vista
Afranio tern
—
o que e commum entre assos: acha bonita uma
mulher que tem os bei^os pendurados na
ponta do nariz, mas, apezar de tudo, e um
grande humorista. E' um Swift double de um
George Ohnet, combinado com Tristan Bernard e com influencias de Perez Escrich. O
seu estylo e o de um Cervantes que nao tivesse escripto o Dom Quixote, e ao mesmo tempo
o de um Joaquim Manoel de Macedo antes do
Mogo LouRO. As suas tendencias psychicas
accusam influencias ancestraes do poeta Luiz
da Gama. quando escreveu a Bodarrada, e
recentes de Hemeterio Jose dos
tragos
Santos.
Outro facto de grande alcance humoristico em 1919: o dr. Joao do Rio veiu da Europa condecorado frealmente somos cada vez
mais desconhecidos dos europeus ) e proclamado o maior psychologo da Grande Guerra.
O dr. Joao do Rio e o Lavisse brasileiro,
quero dizer, e um Lavisse double de um W.
Stead, com influencias de Jules Huretegrandes
predilecgoes por Stephane Lauzanne. Nota-se
no seu estylo a tortura de um Michel George
Michel em amalgama com Jean Lorrain e tendendo um pouco para a forma superior de
.
!
#
O ANNO HUMORISTICO, LITTERARIO K SOCIAL 357
Manuel de Souza
pagina de
Gomez
de
Pinto, depois
ler
uma
Carrillo
O dr. Joao do Rio, pois,
chegado Jda Eubanquete da laboriosa colonia portugueza, por ser amigo de Portugal,
e isto mostra que elle sabe viver ...
Logo a seguir, como e amigo pessoal de
D'Annunzio, atravez das informagoes do embaixador Souza Dantas, recebeu tambem um
banquete da activa colonia italiana. Vae dahi,
por ter tido um banquete da laboriosa e outro
da activa, recebeu tambem um outro da resignada colonia brasileira neste vasto Hotel dos
Estrangeiros, que e o Rio, o delicioso Rio de
Janeiro, este suavissimo Rio de Joao. De sorte que chegamos a isto: por se dizer amigo
de Portugal, recebeu Joao um banquete dos
portuguezes; por ser amigo de D'Annunzio,
recebeu outro dos italianos; e por ter recebido estes dois, ganhou mais um, offerecido
por brasileiros Isto e que me deixa um tanto
perplexo: ver um gentilhomem receber um
banquete so pelo simples facto de haver recebido anteriormente dois outros
ropa, recebeu
um
I
.
.
.
Creio que nao vale a pena insistir nesses
melancholicos aspectos de humorismo que sao
OS srs. F'linto d' Almeida, Teixeira Mendes,
Reis Carvalho, Francisco Bressane, Joao Me-
358
VBRDADSS INDISCRETAS
nezes e outros notaveis escriptores da antiga
geragao. Deixemol-os em paz.
1920, si
Deus me der tinta e saude, pretendo cuidar
de outros assumptos. Ja tenho os dados cansados de brincar, durante tantos mezes, com
Austregesilos, Afranios e Hermes Pontes,
esses innumeraveis Hermes Pontes de que
se compoe a poesia nacional. Adeus, pois, 6
genios Boas entradas, 6 amigos humoristas
do Parlamento, dasLetras, das Religioes e da
Vida Elegante! Deusvos demuitaveiacomica
para nos divertirdes na imprensa, e muito acido urico para vos divertirdes a vos mesmos e
a vossas esposas na intimidade, nessa intimidade doce em que a mulher escova as unhas,
€ o marido apara os callos, ambos felizes,
contemplando a prole futurosa e aguardando
o libertador ataque de uremia que os ponha
ao abrigo de folliculados impertinentes como
este sujeito que, com todo aprego, se subscre
Em
!
ve
Vosso admirador e amigo,
Antonio Torres
#
Indiee
INDICE
PAGS.
^^^^
Prefacio
A' maneira de Pangloss
A Gentileza Britannica
Litteratura Hermista
Moeda
1
5
9
falsa e paradoxo
15^
Zodiac©
^9
A
O
castidade do nii
Bacillus Lyricus
25
O
paradoxo legal
37
Homens
31
'*3
abelhas
e
da Melancolia
Carne para canhao
Edouard Drumond
^^
^^
A Academia em sessao
A morte da peccadora
5/
A
O
O
f esta
paradoxo da
tortttra
Uscandalo
•
•
!
O nil symbolico
Amor e Poesia
O mal existe ?
Bodas
e
EJlogios
Pezames
Paz aos
id61atras
tyrannia democratica
Commentarios ao «Binoculo»
Os bigodes do Exercito
6*
^7
6^
73
'
^
77
'9
do perfume
Destempero de Linguagem
A
61
lei
quinto mandamento
O 14 de Julho
Quelque chose de vierge
Amizade criminosa
As crianpas
A
*3
•
•
•
^^
85
^'
^1
^^
^
J03
^"^
^^7
^*^
^^^
362
PAGS
Exigencias do minuete
Ruido e Solidao
O P090 maldito
As mulheres na politica
119
123
125
129
133
137
Verhaeren
Heresia orthographica
A princeza Arminda
141
143
147
151
155
159
161
165
169
ly'homme qui assasina
Os crimes de Amor
O
jogo franco
Preconceitos de linguagem
O
Feiticeiro
Bailarinas
O jogo
A
A
6 vicio
?
elegancia masculina
elegante e o mendigo
171.
Roi s'amuse
Casamentos por annuncios
Amores hediondos
173
175
179
L/e
Como
181
A
A
185
189
191
195
197
201
203
207
209
211
213
215
222
229
237
245
255
265
273
281
293
fazer a paz
Irlanda
Mttlher e a Mentira
Odio de rafa
Stiicidios
O
feminismo periga
Pacifismo
A
policia e o espiritismo
Lopes Trovao
No
caf6
Dois bons amigos
Casadas e solteiras
A desvantagem do nome
Agitando um pello
Numa Exposi9ao de Caes
Considera9oes actuaes
O cabe9a de turco
Uma semana alegre
O vendedor de passaros
Brul^ e o seu publico
Brasileiros e Estrangeiras
Vinte e uni de abril
.)
'.
i-^
363
PAGS.
Incidente litterario
O
decobrimento do Brazil
Gttilherme II e a ssychologia do heroism©
A Crapula
Urn caso de policia
O Coronel Roosevelt
.
6 uma offensiva ?
Christ© ©u Christa ?
D© leite, sua natureza e eff eitos na economia
O ann© humoristico, litterari© e s©cial
Que
299
303
309
317
325
331
337
341
345
351
-^
*rB-7200-4
C
EDiqOES DA UVRARIA eASTllHO
Traducgoes de
FERNAO NEVES
— Lazarina. vol
— O Sentimento da Morte.
vol
Th. Dostoievsk3% — RECORDA90ES da Casa dos
MoRTOS. I'vol
M. Dellj — Escrava
ou Rainha? vol.
Paulo Bourg-et.
Paulo Bourg-et.
1
1
.
.
.
1
.
.
M, Delly.— Entre Duas Almas. 1 vol
H. Ardel.— A Dor de Amar. 1 vol
H. Bordeaux.
O Descerrar dos Olhos.
—
3$000
3$000
3$000
3$000
3$000
3$000
3$000
1 vol
—
L196ES de Direito Criminal, exg-otado
R. Tag-ore. A Lua Crescents. Tradue9ao do
3$000
Dr. Placido Barbosa, 3^ edi^ao. 1 vol
Dr. Fernando Magalhaes. L196ES de Clinica
15$000
Obstetrica. I vol. enc
Max Fleiuss e Basilio de Magalhaes Quadros
de HisTORiA Patria. 2* edi^ao, 1 vol cart.
2$000
Basilio de Magalhaes
A Lyrica de SteC3$000
CHETTI. 1 vol
Jose Maria Bello.
Ruy Barbosa. 1 vol... i..,.,,^ S$00p
Dr. Fernando Nery.
—
.
—
.
Mku
CatuUo daPaixao Cearense.
SertXo,
edi5ao aug-mentada. 1 vol
Catullo da Paixao Cearense.
SertXo
1 vol
—
2*
3$000
Em
Fi,or.
A Boa Madrasta 1 vol
Xavier Marques
Dr. Annibal Pereira. Um Novo Tratamento
.
.
.
.
DA Blenorrhagia DO HoMEM. 1 vol. enc.
A. Carneiro Leao Problemas de Educaqao.
1 vol
A. Carneiro Leao. — O Brasil E A Educa^Xo
Popui^ar. 1 vol
Costa e Silva. Pandora. 1 vol
P. Leonardo Mascello. A EsTHETiCA do Sl-
Da
—
i,ENCio
.
1 vol
Antonio Torres.
1
—
4|000
4$000
4$000
IndiscrETAS
4$000
(J. C.) EvoCAQOES E Outros
—(Com
introducgao de Mario
EscRiPTos.
Alencar) no prelo
Alcides Flavio.
Velaturas (contos).
—
—
Coivara (contos)
D. Francisco Manuel de Mello.
.
No
de
No
prelo
.
— Apoi^ogos
DiAi,OGAis (edigao critica). Reproduc^ao
da 1' edi9ao de 1721 No prelo. ......
fiel
7$000
4.$000
VerdadES
vol
Soiiza Bandeira
prelo
Gastao Cruls .
3$000
3$000
.
Typ- Baptista da Souza
— Rua
(3
da Misericordia, 5'
^
—
-^io
AN.ONIO TORRES
VERDflDES
2^.
(5.°
ediQao
Milheiro)
%
RIO DE JANEIRO
l.B¥aARlA CASTII.HO
A.
.T.
PE CASTILHO - Editor
RUA S. Josfe, 114

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