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Leadership for World-Class Universities: Challenges for Developing Countries Philip Altbach (Ed), Chestnut Hill: Boston College. Capítulo 11: Acesso e equidade Liz Reisberg e David Watson Introdução Este capítulo aborda a questão do acesso e da equidade no ensino superior. Na área acadêmica e de políticas públicas, o acesso passou a ser entendido como o ingresso de maiores porcentagens da população que desejam o ensino superior; a equidade exige que essas oportunidades estejam igualmente disponíveis para todos os cidadãos. A maioria das nações conseguiu fazer ingressar maiores porcentagens da população da faixa etária tradicional, mas tem se tornado cada vez mais evidente que a expansão não necessariamente inclui todos os segmentos da população. Em outras palavras, a equidade não decorre naturalmente de maior acesso, novos tipos de intervenções são necessários para abordar os fatores subjacentes que determinam quem ingressa e quem persiste até a formatura. Os governos e as instituições de ensino superior (IES) estão começando a enfrentar os desafios que resultam de recrutar, selecionar e apoiar os alunos em um espectro mais amplo da faixa etária, com especial atenção aos estudantes de grupos sub-representados. Esta diversidade crescente obriga as universidades a enfrentar novos desafios para garantir que a maioria (se não todos) destes novos alunos persista para completar seus programas de estudos. A preocupação pública com a equidade reflete a crescente expectativa de 1 que as universidades devem assumir um papel maior na sociedade civil que vá além da própria instituição. Quase toda sociedade enfrenta desigualdades, mas as desigualdades reproduzidas na educação são baseadas em diversos fatores históricos, sociais e econômicos, por exemplo, em Botsuana e na Suíça, nos Estados Unidos e na Índia, na Malásia e na Austrália. Para avaliar as restrições e as oportunidades de ampliação do acesso e garantir a equidade em cada ambiente é necessário entender a cultura e a demografia de (ambos) a sociedade e o sistema educativo. Não há soluções universais aqui. O assunto da equidade levanta grandes questões sobre a interação da instituição com a sociedade ao seu redor. Qual é a responsabilidade de uma universidade por resolver assuntos complexos que estão incorporados em condições que muitas vezes têm raízes profundas na história e na cultura? Até que ponto as comunidades universitárias devem refletir a constituição da sociedade que as abrigam? Como uma instituição equilibra as obrigações sociais com outros compromissos? Quem define as obrigações da universidade e quando essas obrigações foram cumpridas? Contudo, escolhas difíceis não são apenas o fardo de instituições individuais, mas de todos os interessados, alunos, pais, patrocinadores e responsáveis por políticas públicas. O consenso sobre o problema ou suas soluções não é facilmente alcançado. Além disso, cada escolha tem consequências e muitas vezes exige que, para estender os benefícios em novas direções, alguém possa perdê-los. 2 Uma maior e mais inclusiva participação no ensino superior vai muito além da questão de justiça social. Em um mundo globalizado onde o sucesso econômico depende da capacidade de gerenciar grandes quantidades de conhecimento e tecnologia, o desenvolvimento do capital humano é fundamental. A prosperidade econômica da maioria dos países depende de uma força de trabalho cada vez mais instruída e, portanto, o acesso ao ensino superior deve ser uma prioridade nacional. Os benefícios não financeiros para a educação também precisam ser levados em conta. O Grupo Benefícios Mais Amplos da Aprendizagem do Instituto de Educação no Reino Unido demonstrou (para faixas etárias de nascidos em 1958, 1970 e agora em 2000) que os participantes das IES no Reino Unido têm mais probabilidade de serem mais felizes, saudáveis e democraticamente mais tolerantes (Schuller et al. 2004). Um relatório recente publicado pelo Estado de Washington nos Estados Unidos mostra o mesmo. Comparadas às famílias com pais que possuem um diploma universitário, famílias onde os pais têm apenas um diploma de ensino médio têm três vezes mais probabilidade de viver abaixo da linha da pobreza e necessitam de serviços públicos subsidiados. Mais educação promove não só independência financeira e (consequentemente) menor dependência de programas financiados por impostos, mas os níveis mais elevados de ensino se correlacionam diretamente com os indivíduos que relatam excelente saúde, menor probabilidade de atividade criminosa, níveis mais elevados de participação nas eleições e uma maior predisposição a fazer trabalho voluntário (HECB, 2009-2010). 3 Dados de muitos outros países comprovam esses resultados. Nenhuma sociedade pode se beneficiar em longo prazo desconsiderando a educação da população como um todo, que inclua todos os subsetores. O ensino superior tem um papel importante a desempenhar aqui e, como resultado, está recebendo maior atenção dos responsáveis por políticas públicas e doadores internacionais. A extensão do problema Acesso não garante equidade A participação no ensino superior certamente tem se expandido nas últimas décadas. A maioria dos países teve sucesso em fazer ingressar uma maior porcentagem de sua população nas escolas primárias e secundárias. A urgência de elevar o nível médio de educação ainda mais contribuiu para a força da "massificação" do ensino superior. Dados da UNESCO confirmam o progresso feito no incentivo àqueles que abandonaram o ensino secundário a buscarem estudos adicionais. Mundialmente, a taxa de ingresso escolar bruta aumentou de 19% para 26% (2000 a 2007, respectivamente). Nos países de alta renda, a participação durante esse período aumentou de 57% da faixa etária para 67%. Em vários países, o crescimento do ingresso escolar foi particularmente impressionante. O Brasil aumentou a inscrição de 16 para 30%, a China de 8 para 23%, a República Checa de 29 para 55% (dados da UIS em Altbach et al. 2009). Mas as taxas de ingresso escolar brutas refletem médias nacionais e não revelam dados essenciais sobre o perfil interno do ingresso escolar. 4 O aumento do ingresso escolar não incluiu todos os setores da população de forma igual. Como resultado, muitos países criaram programas para incentivar grupos sub-representados a se inscrever, às vezes dando prioridade a esses alunos através de programas de ação afirmativa, programas de cota ou reserva e programas especiais de financiamento. Mas o problema não é facilmente resolvido, levando os responsáveis por políticas públicas e estudiosos a analisarem mais profundamente os fatores que influenciam a participação. O exame mais aprofundado trouxe à luz a complexidade do tema da equidade. Os fatores subjacentes são tão diversos quanto perniciosos e envolvem circunstâncias que as universidades por si só não estão em posição de resolver, como educação de má qualidade no ensino primário e secundário, renda familiar ou nível de escolaridade dos pais. Muitos dos desafios são abordados neste artigo. Como mencionado acima, o progresso global para aumentar a taxa bruta de ingresso escolar conta apenas parte da história. Os sistemas de ensino superior têm se expandido e diversificado em resposta à crescente demanda por um acesso mais amplo. É importante analisar onde a expansão do ingresso escolar está acontecendo. Um diploma universitário beneficia todos os graduados, mas alunos de instituições de elite usufruem de benefícios e vantagens adicionais que aumentam o valor de seu grau. Embora as instituições de elite tenham feito muito para diversificar o seu ingresso universitário, a maior parte da expansão ocorreu nas universidades de menor prestígio, as instituições de ensino politécnico e com orientação vocacional, novas universidades privadas, faculdades comunitárias e provedores online. 5 Arum, Gamoran e Shavit (2007) destacam o debate sobre o significado social de que as pessoas de camadas desfavorecidas ingressem em instituições de "segunda linha" e menos seletivas e questionam se esse padrão continua a privilegiar setores seletos da população. Alguns estudiosos sugerem que a expansão do ensino superior, especialmente quando ocorre por meio de diferenciação hierárquica, é um processo de desvio, segundo o qual os membros da classe trabalhadora são desviados das melhores oportunidades e canalizados para posições de menor status (Brint e Karabel 1989). Outros notaram, porém, que mesmo a educação universitária de segunda linha significa maiores oportunidades, de modo que o efeito importante da expansão talvez seja o de inclusão (Dougherty, 1994) (p. 2). O investimento focado em instituições chave tem contribuído para o sistema de ensino superior cada vez mais estratificado da China e mostra como a diferenciação pode influenciar oportunidades futuras e direcionar privilégios. Alunos, pais e empregadores têm prestado muita atenção à hierarquia emergente. Uma pesquisa nacional revelou que mais de 67% das unidades empregadoras pesquisadas responderam que deram grande ou razoavelmente grande importância para o prestígio do diploma ao decidir quem contratar. Menos de 5% dos participantes responderam que não foram influenciados pela instituição onde o candidato à vaga havia estudado. As instituições de elite chinesas geralmente permanecem fora do alcance dos moradores rurais pobres. (Hong, 2004). 6 A controvérsia a respeito de se a crescente diversidade de alunos e instituições abre oportunidade ou protege privilégios permeia a literatura (Morley et al. 2009, David 2007). O que é indiscutível é que há espaço limitado nas universidades de pesquisa de elite e necessidade de alternativas de alta qualidade para aqueles que não se qualificam para instituições de primeira linha. Até que ponto a diferenciação das instituições leva à diferenciação de oportunidades posteriores durante a vida merece mais pesquisa. O que significa equidade? A desigualdade tende a se sustentar se não houver algum tipo de intervenção. Golden (2006) lembra-nos que formas mais perversas de ação afirmativa têm sido praticadas em faculdades de elite há muito tempo, como a prioridade dada a filhos de ex-alunos e filhos de potenciais doadores ricos. Dito isso, muitas sociedades agora usam a ação afirmativa, as cotas ou os programas de reserva para corrigir a distribuição desigual de oportunidades no passado. Estudos recentes têm chamado a atenção para a realização limitada dos beneficiários do acesso expandido e programas de admissão direcionada (Bowen et al 2009, Rose, 2005). Isso ressalta que equidade significa mais do que abrir mais a porta. A definição de equidade é ampla e enfatiza a equidade de oportunidades e a equidade nos resultados educacionais. Equidade na educação é, portanto, não apenas uma questão de oportunidades oferecidas no sistema educacional, 7 mas também diz respeito aos resultados reais das diversas escolhas e desempenhos educativos de diferentes grupos de alunos e estudantes através do sistema educacional. (OECD, 2007). Um dos muitos problemas é que as oportunidades desiguais muitas vezes começam muito antes do ensino superior. Os estudantes que estão em desvantagem por qualquer motivo (contexto econômico, preconceito racial, localização geográfica, deficiência física) são muitas vezes inadequadamente preparados para a educação universitária. A diferença de preparação é intensificada pelo fato de que os estudantes com origem nas classes média e alta muitas vezes têm a vantagem não só de estudarem em melhores escolas, mas também de aulas e preparação adicionais antes de iniciar os estudos universitários. Como consequência, as instituições enfrentam o desafio de não só ampliar o acesso, mas também de abordar deficiências e desvantagens que se acumularam ao longo de anos de escolarização para que essas populações específicas possam ser integradas com sucesso ao nível universitário. Em suma, a verdadeira equidade significa tornar o acesso disponível com os recursos e o apoio necessário para que as pessoas tenham sucesso e se beneficiem de novas oportunidades. São necessários novos serviços para fornecer acompanhamento acadêmico, apoio e monitoria, aconselhamento para ajudar com a cultura social e acadêmica em nível universitário, apoio financeiro para aliviar as dificuldades econômicas. Os estudantes provenientes de grupos desfavorecidos são menos propensos a ter a vantagem de ter pais com formação universitária que 8 fornecem apoio que influi bastante em garantir a persistência e sucesso. As universidades devem preencher muitas lacunas do progresso ainda a ser feito. Quem está sub-representado? A questão da equidade move a discussão do acesso para além de números e porcentagens. A equidade implica acesso justo a todos, mas padrões de subrepresentação aparecem em quase todos os países. Quem se qualifica como membro de um grupo desfavorecido está definido por uma ampla gama de características como mencionado acima. As desigualdades na participação no ensino superior são evidentes ao longo da vida e incluem diferenças em termos de tempo (e idade), lugar, sexo, etnia, idioma materno, classe social dos pais (e irmãos), educação dos pais, tipo de escola frequentada, estabilidade de residência, saúde/deficiência, atividades criminosas, dificuldades de aprendizagem, estrutura familiar e religião. Múltiplas desvantagens sociais podem resultar na formação inicial e, posteriormente, participação em outras formas de aprendizagem. A renda e educação dos pais são particularmente influentes. A situação profissional e o tamanho da família também são relevantes... A qualidade de fatores de vida (como a saúde na infância) é importante para compreender o abandono da educação, em vez da participação nela... A questão levantada é se os responsáveis por políticas públicas devem procurar reduzir as desigualdades 9 na educação diretamente ou buscar reduzir as desigualdades mais amplas que se refletem na educação. (Gorard et al., 2006). As causas subjacentes que favorecem alguns grupos e discriminam outros variam muito, às vezes um reflexo de políticas públicas, às vezes de circunstâncias. A educação dos pais e a riqueza da família parecem ser particularmente influentes. Alguns enfrentam muitos obstáculos que os colocam em desvantagem desde muito cedo. Um exemplo no Reino Unido é o grupo chamado agora de crianças "cuidadas", crianças nascidas sem a perspectiva de uma família saudável e estável e pelas quais o Estado assumiu a responsabilidade. Estas crianças tendem a crescer em lares adotivos ou em orfanatos e refletem uma "tempestade perfeita" no sentido de que têm apoio limitado para o desenvolvimento acadêmico, um ambiente familiar imprevisível, meios financeiros limitados e outras condições que as colocam à margem da sociedade. Embora elas possam não pertencer a um subsetor direcionado, elas estão frequentemente nos últimos lugares de quase todos os testes de progressão educacional e, consequentemente, em desvantagem no momento do ingresso no ensino superior (Jackson et al. 2005). Em todo o mundo, diferentes fatores criam oportunidades desiguais e produzem resultados desiguais. A minoria chinesa na Malásia teve o acesso ao ensino superior negado no passado pelo direito legal e preferencial da maioria malaia, embora sua educação e níveis de renda sejam altos; árabe-israelenses foram prejudicados por provas de ingresso; comunidades étnicas aspirantes no Oriente e Europa Central sofreram com políticas de apoio à limpeza étnica; não falantes de 10 africâner na África do Sul foram excluídos, perpetuando padrões de participação baseados em raça (Watson, 2005). Os Estados Unidos, do mesmo modo, limitou aberta ou indiretamente o acesso de diferentes grupos minoritários em diferentes momentos da história. Apesar da intervenção em nome das minorias pelos tribunais, o ingresso universitário de negros e hispânicos ainda representa uma pequena percentagem do ingresso nas instituições de concedem diplomas nos Estados Unidos e também levam muito mais tempo para concluir o curso do que seus equivalentes brancos (Bowen et al. 2009). A dinâmica social pode ser fluida; quem está em desvantagem em uma sociedade pode mudar ao longo do tempo. Antigamente as mulheres eram quase ausentes do ensino superior. Hoje, excedem os homens em número em muitos países. Uma edição de foco especial da University World News (25 de outubro de 2009) observou que, com exceção de algumas áreas (engenharia, ciência e tecnologia da informação), as mulheres superam os homens na Europa, América do Norte, América Latina e Caribe com os Estados Árabes não muito atrás. Dentro do grupo de referência da OCDE atualmente apenas alguns países ainda têm a maioria de ingresso do sexo masculino — Japão, Turquia e Coréia. A Suécia teve até uma ação afirmativa para aumentar o número de ingressos universitários masculinos até ser questionada recentemente por um grupo de mulheres nos tribunais. As mulheres representam 60% do ingresso universitário na Suécia (The Chronicle of Higher Education, 13 de janeiro de 2010). As mulheres em todo o mundo são mais propensas 11 que os homens a completarem seus estudos, de acordo com dados coletados nos países da OCDE, uma desvio interessante do passado (OCDE 2009). Aqui, novamente os dados quantitativos necessitam de mais exames. Embora a paridade de gênero dos alunos matriculados no ensino superior possa parecer à vista para a maioria dos países, as desigualdades persistem. Globalmente as mulheres estão concentradas em áreas disciplinares associadas com pós-graduações com salários mais baixos, tais como bem-estar, educação e saúde, dando origem a questionamentos sobre os fatores que influenciam a seleção do curso de estudo (Morley et al. 2009). Ironicamente, no passado as cotas foram usadas tanto para excluir quanto para incluir. Nos Estados Unidos, o ingresso de judeus certa vez foi limitado por cotas, especialmente em instituições de elite, para evitar uma representação desproporcional à presença sociedade como um todo (Golden, 2006). Hoje, sem cotas, os judeus representam 25% do ingresso de graduação em Harvard (Harvard Hillel, 2010), embora eles representem menos de 2% da população dos Estados Unidos. Há uma questão similar com estudantes asiático-americanos que representam mais de 40% dos estudantes das Universidades da Califórnia em Los Angeles, Berkeley, San Diego e Irvine enquanto representam 12% da população da Califórnia (Chea 2009). Aqui, novamente a questão é mais complicada do que pode parecer a princípio, já que nem judeu-americanos nem asiático-americanos são grupos homogêneos. Mas o alto ingresso universitário desses dois grupos levanta outra questão — se o objetivo das políticas de equidade é fazer o ingresso refletir a 12 percentagem de um grupo minoritário na população como um todo e se as universidades devem se ater a essas porcentagens e limitar a participação de alguns grupos minoritários pelo mesmo critério. Em muitos países, os fatores que determinam quem tem acesso ao ensino superior e quem será bem sucedido mudaram. Hoje é tão provável que a condição econômica quanto que a raça, gênero ou etnia determine quem tem acesso às melhores oportunidades de educação de nível superior e quem é o mais propenso a completar a formação. De fato muitas vezes os alunos são prejudicados por "múltiplos marcadores de identidade" (Morley et al. 2009) ao invés de por uma única característica (Schwartzman 2006). Distribuir oportunidades equitativas, determinar se um grupo específico deve receber consideração especial na admissão, se a participação de outro grupo deve ser limitada, tudo contribui para os dilemas da responsabilidade social aos quais a educação superior está sendo solicitada a responder. Embora o objetivo de maior igualdade seja em geral compartilhado, determinar quem e como é mais difícil de resolver e diferentes países têm seguido diferentes estratégias na busca por uma sociedade mais igualitária. Uma análise comparativa dos desafios e soluções Ações afirmativas na forma de programas de cotas e de reservas estão sendo usadas em muitos países para enfrentar a participação desigual de grupos minoritários ou desfavorecidos de cada sociedade. Na superfície pode parecer que esses programas 13 abrem espaço para que grupos sub-representados "tirem o atraso", mas eles geralmente são polêmicos e a pesquisa quanto ao seu impacto é limitada. No Brasil há quatro vezes mais brancos com 15 anos ou mais de educação do que negros ou mestiços (Schwartzman 2006). Curiosamente, muitos progressos foram feitos na melhoria do acesso à escola secundária, onde as diferenças de participação por raça são menos significativas. O progresso no nível superior continua a privilegiar os estudantes brancos. Exames de admissão competitivos para as universidades públicas de maior prestígio têm dado vantagem a uma população predominantemente branca, com os recursos para estudar em escolas secundárias melhores. Há cadeiras universitárias suficientes para acomodar todos os que se formam no ensino secundário, mas a população de baixa renda e as minorias raciais (quando se matricula,) não são bem distribuídas por todo o sistema de ensino superior (Schwartzman 2006). A ironia de famílias de baixa renda encontrarem maior acesso em instituições pagas enquanto os estudantes mais ricos ingressam em universidades públicas gratuitas não passou despercebido aos responsáveis por políticas públicas. Em resposta o governo introduziu cotas para reservar espaço no setor público para mais estudantes não brancos. Várias universidades públicas agora somam pontos à nota no exame de admissão de alunos de escolas secundárias públicas, as quais recebem estudantes de grupos desfavorecidos, na superfície um mecanismo para "nivelar o jogo", mas Schwartzman assinala que isso coloca em desvantagem os estudantes de famílias de baixa renda que conseguiram estudar em 14 escolas particulares. Ele também observa que os estudantes que receberam o benefício de pontos adicionais entram com uma desvantagem acadêmica, o que aumentará a probabilidade de que eles abandonem ou (pelo menos) permaneçam isolados em cursos de apoio. No Brasil, assim como em outros lugares, as desigualdades são mais fáceis de identificar do que de resolver. O sistema de cotas provocou uma considerável controvérsia. Uma resposta notável foi mais de 300 processos judiciais contra a Universidade Federal do Rio de Janeiro por candidatos que se sentiram prejudicados pelo sistema de cotas. Há preocupações sobre se o sistema de cotas irá na verdade agravar a tensão racial no Brasil e continua difícil determinar como (numa sociedade altamente miscigenada) a raça será definida (Tavolaro 2008). O acesso ao ensino superior na Índia se expandiu rapidamente com a inauguração de muitas novas instituições públicas e privadas. Ainda assim, não só o ingresso universitário global bruto é relativamente baixo, inferior a 15%, mas as taxas de participação caem abaixo de 6% nos estados mais rurais, nos quais a admissão às instituições de ensino superior é escassa (Jayaram 2008, Altbach et al 2009). A Índia é o lar de uma população extremamente diversificada, onde uma hierarquia rígida governou no passado a alocação de oportunidades educacionais e econômicas. O governo da Índia, como o Brasil, introduziu a ação afirmativa sob a forma de cotas ou reservas com o objetivo de distribuir benefícios sociais de forma mais igualitária para "classes subdesenvolvidas e determinadas tribos". Desde 1961, 15 a Constituição determinou que 22,5% do espaço do ensino superior fossem reservados para determinadas classes e tribos. Em alguns estados 50% do espaço são reservados. O programa resultou em muito mais diversidade no ensino superior, mas, como no Brasil, a Índia tem tido dificuldade de definir claramente exatamente quem pertence aos grupos-alvo. Como resultado, um efeito um tanto perverso do programa foi que, embora a classificação possa parecer degradante, muitas pessoas alegaram possuir essas identidades, a fim de se aproveitar dos lugares no serviço público e nas universidades reservados para os membros desses grupos. (de Zwart, 2000). O programa de reserva também provocou protestos de estudantes e profissionais que advertiram que essa estratégia serviria apenas para substituir candidatos qualificados por indivíduos não qualificados e despreparados (Neelakantan 2006). Mas a questão é como e se as desigualdades seriam resolvidas sem algum tipo de intervenção forçada levando um observador a observar, "As reservas são necessárias devido à incapacidade inata da sociedade indiana de ser justa e correta por si só com todos os seus componentes" (Punwani em Gupta 2006, p. 2). Apesar de seus problemas os sistemas de cotas continuam tendo um grande apelo internacionalmente, onde grandes desigualdades existam e não haja nenhuma alternativa melhor aparente. Um professor na Universidade do Malawi observou: . . . Eu fazia parte da equipe que administrava os exames de admissão da Unima em Mzuzu. Se você tivesse o espírito do Deus vivo em você, não 16 conseguiria controlar uma lágrima de compaixão quando visse o abismo entre os candidatos de famílias ricas e de famílias pobres, de áreas rurais e de áreas urbanas, de escolas privadas e de escolas públicas. Essas e outras preocupações com os pobres nas áreas rurais são a razão pela qual precisamos de um sistema de cotas como uma política de equalização que beneficie os pobres rurais e não uma região ou tribo (University World News, 13 de dezembro de 2009). Em toda a África, a entrada no ensino superior continua a ser baixa para todos os grupos da população. As melhorias em direção ao aumento das taxas de ingresso universitário bruto continuam, menos nesta área, as mulheres não estão no mesmo ritmo que os homens. Na Tanzânia e em Gana, por exemplo, apesar da ação afirmativa e dos programas de cotas, o grupo social com maior probabilidade de cursar o ensino superior é o de homens dos grupos socioeconômicos mais altos. Em Gana, onde as mulheres estão fazendo um lento progresso, as mulheres também te, mais propensão a serem da classe mais abastada (Morley et al. 2009). Morley et al nos lembra que o gênero tem as associações culturais que as cotas não dissiparão e que se espera em muitas sociedades africanas que as mulheres se restrinjam a papéis femininos tradicionais não compatíveis com níveis elevados de educação. "Os sistemas de mensagem parentais" (p. 61) mais do que a ação afirmativa parecem ajudar as mulheres a romper as restrições da cultura tradicional; o incentivo do pai é particularmente influente. 17 Os programas de cotas, programas de reserva e os programas de ação afirmativa, sem dúvida abriram muito as portas, mas estão limitados às condições sociais que podem mudar. Eles também tendem a basear a elegibilidade em uma única característica que nem sempre é fácil de designar e na qual os indivíduos dos grupos-alvo geralmente são prejudicados por múltiplos fatores. Sem a compreensão e atenção a esses desafios mais profundos as iniciativas simplesmente tentam estender as oportunidades de admissão com base em uma única característica, uma estratégia que provavelmente terá um impacto limitado. Em direção de uma distribuição justa de oportunidades A distribuição injusta de riqueza e pobreza e as circunstâncias subsequentes que podem ser atribuídas a cada é um problema em todo o planeta. A maioria das pessoas não nasce com vantagens ou desvantagens devido a um ato ou escolha própria. O desafio é encontrar uma solução que distribua benefícios sociais onde eles foram escassos, sem privar aqueles que estão em condições de aproveitá-los. Lidando com déficits passados Um dos dilemas dos programas para melhorar o acesso equitativo para todo o espectro de instituições de ensino superior é preencher as lacunas da preparação. O problema de elevar as aspirações de um acesso justo a instituições de prestígio por parte de estudantes fora de seus padrões, mas bem qualificados é dificultado pelo desafio de levar um maior número de alunos preparados para a matrícula. Em 18 março de 2008, durante um debate público sobre a disparidade do êxito acadêmico no Reino Unido, foi divulgado que: Apenas 176, ou pouco mais de meio por cento, dos quase 30 mil alunos que receberam três As no último ano, tinham direito a receber refeições gratuitas, de acordo com dados que mostram que a renda familiar é o maior indicador do sucesso escolar de uma criança. Elas [novas estatísticas] foram publicadas por ministros em resposta às perguntas do secretário paralelo da infância, Michael Gove, que disse que elas ilustravam a dificuldade que as melhores universidades têm ao tentar recrutar os melhores candidatos em famílias mais pobres (Curtis, 2008). É importante não subestimar o efeito das decisões tomadas pelos e para os estudantes durante o ensino primário e secundário, as quais atrapalham sua preparação para o ensino superior. A disparidade aumenta já que estudantes de famílias mais abastadas têm maior probabilidade de completar os seus estudos em sala de aula com aulas particulares para melhorar seu desempenho nos exames de admissão das universidades, uma prática evidente em países desde Brasil ao Japão. Quando as universidades de elite buscam diversidade em seu corpo estudantil os resultados revelam um padrão desconcertante de vantagens e desvantagens. Em seu estudo sobre a admissão para faculdades de elite dos Estados Unidos, Espenshade, Radford e Chung (2009) constataram que os brancos recebiam mais ofertas do que os alunos de origem asiática; os hispânicos receberam ofertas 19 desproporcionais aos brancos; os afro-americanos foram pelo menos cinco vezes mais propensos a serem aceitos que os brancos; os atletas tiveram duas vezes mais chances de serem admitidos do que não atletas; os alunos de escolas particulares tiveram duas vezes mais chances de serem admitidos do que alunos de escolas públicas e assim por diante (Clark 2009). Em outras palavras, na busca por diversidade as escolas de elite estão dando preferência baseadas em um número estonteante de variáveis. Embora os alunos de minorias tendam a ter mais sucesso em instituições mais seletivas do que nas menos seletivas, Bowen, Chingos e McPherson (2009) advertem que selecionar estudantes que estão pouco preparados para as expectativas acadêmicas das instituições de elite ("encaixados à força") faz que esses alunos corram maior risco de não completar sua graduação do que seus colegas mais privilegiados. Os alunos que não são suficientemente competitivos para serem atraentes para as escolas de elite — os grupos difíceis de alcançar — tendem a permanecer concentrados em instituições menos exigentes (normalmente politécnicas, faculdades comunitárias, grandes faculdades sob autoridade local). Além disso, esses alunos tendem a ficar mais perto de casa por razões econômicas, familiares e culturais. Isso acontece ainda mais com crianças de comunidades indígenas que estão muitas vezes isoladas. Consequentemente, a qualidade da educação que os estudantes de grupos sub-representados podem alcançar pode estar ligada à geografia (Gibbons & Vignoles 2009, Piquet, 2006). 20 O impacto das taxas A massificação do ensino superior, aliada à tendência crescente de considerar a educação como um "bem privado", têm incentivado os governos a trabalhar cada vez mais no sentido da partilha de custos e de sistemas de recuperação de custos para o financiamento do ensino superior. Mesmo antes da tendência de introduzir taxas havia uma carga de custos desiguais para a presença nas universidades. Estudantes com origens socioeconômicas baixas são mais propensos a terem que lutar para financiar os custos de vida e as despesas secundárias dos estudos (livros, materiais etc.) e menos propensos a estarem em condições de não precisarem de receitas imediatas que seus colegas de classe média e alta que recebem apoio da família. Apenas alguns países fornecem subsídios para cobrir adequadamente o custo total do estudo superior e nesses lugares a massificação colocou uma pressão sobre esses subsídios. Além disso, a imposição de taxas em jurisdições nas quais pelo menos a educação superior de período integral inicial era grátis no passado é um fenômeno que vem se espalhando por toda a Europa e Australásia na última década. Para garantir que as taxas não se tornarão uma barreira à participação, planos complexos de apoio ao estudante (auxílio financeiro, empréstimos, subsídios) e recuperação da taxa de pós-graduação por meio do sistema fiscal foram surgindo, mesmo nos sistemas "estadistas" mais tradicionais, tais como Alemanha. Para os líderes de instituições e responsáveis por políticas públicas, os esquemas de recuperação de custos apresentam um difícil dilema. O compromisso com o ensino superior gratuito 21 (como o acesso a serviços de saúde nacionais) tem forte apelo populista, especialmente para os alunos e seus pais. Ainda assim, os subsídios para o ensino superior não distribuíram os benefícios igualmente para todos os setores da população no passado. Ao mesmo tempo, as instituições precisam de receita adicional em um cenário de declínio dos subsídios públicos. O dilema exige concessões pouco atrativas que têm impacto desigual sobre os diferentes segmentos da população. Dados que medem o impacto de novos esquemas de partilha de custos ainda são limitados e confusos. Na China, por exemplo, as taxas aumentam rapidamente sem levar em conta as disparidades de renda entre as populações urbana e rural. Além disso, as melhores e mais prestigiosas instituições tendem a se concentrar em grandes áreas urbanas, fazendo que o comparecimento fique fora de alcance para estudantes das áreas rurais cuja renda familiar não pode arcar com as taxas e nem com o custo de vida das caras cidades chinesas (Hong, 2004). A disposição a assumir dívidas parece variar de acordo com a cultura, mas, na maioria dos casos, os estudantes de famílias de baixa renda são mais avessos a riscos e menos propensos a tirarem proveito de empréstimos de estudo a juros baixos. Os empréstimos muitas vezes não estão disponíveis para alunos de baixa renda, já que exigem fiadores ou fiança. Disponibilizar crédito para alunos de baixa renda tem mostrado um efeito positivo sobre a frequência (Johnstone & Marucci 2003, Canton e Blom, 2004). Alguns países premiam o desempenha com bolsas de estudo produzindo o efeito perverso (mas não surpreendente) de oferecer subsídios 22 adicionais para os alunos mais ricos (Usher 2009). O capítulo de Bruce Johnstone sobre "o financiamento das universidades" neste livro fornece uma análise mais aprofundada dessas questões. Como sempre, existe a questão de saber se a política cumpre os objetivos declarados ou outra coisa. Na Inglaterra, em 2006, um sistema de taxas variáveis planejadas para estudantes foi introduzido com a condição de que o governo cobriria as diferenças para as instituições e as recuperaria dos estudantes formados mais tarde por meio do sistema de imposto de renda. Enquanto isso, sob a supervisão do recém-formado Departamento para o Acesso Equitativo (OFFA) as instituições são obrigadas a dedicar uma parte das receitas resultantes de taxas para bolsas de estudo e trabalhos "de extensão" relacionados. Claire Callender, reflete: Ao invés de eliminar o preço como um fator na escolha da universidade, que foi fundamental tanto para a lógica que sustenta a introdução de bolsas de estudo quanto para a retórica política em torno da sua criação, as IES estão usando o preço líquido em seu proveito na luta competitiva por estudantes (Callender, no prelo). É consenso geral que a educação superior gratuita ou até mesmo a custos muito baixos não é sustentável na era da massificação e da crescente tendência de classificar o ensino superior como um "bem privado". O desafio agora é garantir que o acesso e a equidade sejam protegidos em um ambiente fiscal cada vez mais difícil para o ensino superior. 23 Retenção e persistência na graduação Como a questão do acesso recebe mais atenção de pesquisadores e responsáveis por políticas públicas torna-se cada vez mais aparente que o maior acesso tem menos impacto social se os programas de estudo não são concluídos. Os desafios de manter os alunos na graduação são muitos e ainda maiores quando um aluno é o primeiro de sua família a se matricular no ensino superior, menos preparados para seus pares ou lutando contra as desvantagens geralmente associadas à raça, etnia ou deficiência. Evidências indicam que os alunos provenientes de meios desfavorecidos são mais propensos a abandonar os estudos, mesmo que sejam igualmente qualificados ao ingressarem no ensino superior (Chowdry et al. 2008). Embora haja evidência de que cada ano de estudo no nível superior aumente o potencial de renda, uma bonificação salarial significativamente maior é obtida por indivíduos que concluem o curso superior (Bowen et al. 2009). Nos Estados Unidos os dados do Centro Nacional de Estatísticas Educacionais mostram que a taxa de graduação de seis anos para estudantes negros é inferior a 50%, 20% menor do que estudantes brancos (Carey 2008). Programas inovadores demonstram que, apesar dos desafios sociais e do déficit acadêmico préuniversitário, os novos participantes do ensino superior podem ter sucesso com uma intervenção adequada. O Centro de Retenção e Melhora Acadêmica (Center for Academic Retention and Enhancement, CARE), na Universidade Estadual da Flórida, oferece uma abordagem ampla e multifacetada para o ingresso e graduação de alunos "difíceis de alcançar". O CARE trabalha com as escolas secundárias para 24 identificar mais cedo alunos talentosos a partir da sexta série e oferece programas de verão e programas extraclasses para incentivá-los e orientá-los. Um programa preparatório proporciona orientação acadêmica e social durante o verão entre a formatura do ensino médio e a matrícula na universidade. Reforço escolar e orientação psicológica contínuos estão disponíveis após o ingresso. O resultado tem sido que os estudantes do CARE se formam com quase o mesmo índice que seus pares que não fazem parte do CARE (Carey 2008). Há motivos para duvidar da hipótese anterior de que qualquer ensino superior é melhor do que nada; a persistência em se graduar está se tornando tão importante para oportunidades futuras quanto o acesso ao estudo universitário. Aparentemente aqueles que começam o estudo de nível superior e desistem ficam para trás economicamente comparados aos seus pares que nunca aspiraram ao estudo superior. À medida que se expande o acesso ao ensino superior, a retenção e a conclusão tornaram-se tão importantes para o sucesso (medido como benefícios econômicos e sociais após a graduação) quanto o aumento da participação. A capacidade de persistir está diretamente relacionada ao sucesso educativo anterior e representa outro motivo por que as instituições de ensino superior deveriam ter uma forte motivação para contribuir para a melhoria do desempenho do ensino primário e secundário. Elas também têm mais influência (por meio da pesquisa e do seu papel na formação de profissionais competentes) do que geralmente reconhecem. Elas também têm a opção de formar parcerias inovadoras 25 com os níveis anteriores de ensino, como demonstrado pelo exemplo da Universidade Estadual da Flórida. Desafios para a liderança Maior equidade compromete a qualidade? Se o aumento da participação pode ou não ser alcançado sem comprometer a qualidade do que é oferecido é outro dilema. Isso certamente preocupa políticos e responsáveis por políticas públicas. Um dos Comitês Seletos da Câmara dos Comuns do Reino Unido refletindo sobre acesso e equidade diz: Nossos valores e compromissos democráticos nos pressionam a responder à velha questão "Podemos ser igualitários e excelentes ao mesmo tempo?" com um sonoro "sim". (Relatório da Maioria do Quarto Relatório do Comitê de Educação e Trabalho da Câmara dos Comuns, Higher Education: Access, Fevereiro de 2001, § 116). Excelência é uma palavra usada com frequência na retórica política, mas sem muita utilidade na prática. Quando maiores porcentagens da faixa etária ingressarem, definições novas e mais práticas de excelência serão necessárias. Por definição, quando se passa dos 50%, continuar aumentando a participação significa envolver pessoas que estão abaixo da média em termos de desempenho acadêmico e essas pessoas tendem a vir dos grupos mais desfavorecidos da sociedade, os quais sempre foram menos propensos a ingressar no ensino superior (Usher 2009). 26 As instituições de elite conseguirão aumentar a diversidade com pouco efeito; essas instituições sempre terão a possibilidade de selecionar estudantes com alto potencial de sucesso e (com frequência) fornecem o ambiente e os serviços necessários para sustentar altas taxas de conclusão. Para outras instituições, a diversidade introduzirá alunos com níveis variados de preparação pré-universitária e de talento, o que exigirá maiores acomodações e flexibilidade na sala de aula. O relatório do Grupo de Trabalho sobre Educação Superior e Sociedade (2000) sugere que o ensino superior deve "combinar a tolerância nos pontos de entrada com rigor no ponto de saída" (p. 41). O desafio será colocar esse objetivo em prática, dadas as realidades de circunstâncias e recursos locais. Novas pressões sobre o ensino superior poderão competir com o progresso contínuo em direção a maior equidade. A definição de excelência tornou-se vinculada à noção de "qualidade internacional". Nesse contexto, a ênfase é colocada sobre a produtividade da pesquisa, interesse da mídia, destinos da pós-graduação, infraestrutura e recrutamento internacional. Essas são características pouco prováveis da maioria das instituições de "absorção da demanda". Muitos elementos de senso comum do desempenho - como a qualidade do ensino, ampliação da participação e da mobilidade social, serviços a empresas e à comunidade, apoio ao desenvolvimento de comunidades rurais, além das urbanas, bem como contribuições para outros serviços públicos - estão obviamente ausentes dessa nova visão de excelência (Watson, 2007: 34-46). O nível internacional, a melhoria do acesso e a equidade podem parecer bem juntos na teoria e na retórica, mas necessitam de 27 diferentes tipos de políticas e apoio. Enquanto mais governos se preocupam com o desenvolvimento de mais universidades de "nível internacional" é possível que seus esforços desviem recursos necessários para acomodar a participação de novas populações na educação superior. O exemplo a seguir, do Reino Unido, destaca a distribuição desproporcional de financiamento a partir da perspectiva de justiça social. O Conselho de Financiamento da Inglaterra relatou gastos em 2004/2005 da seguinte forma: 40 milhões de libras esterlinas em acesso para estudantes de graduação de tempo integral (baseado em desvantagens educacionais em diferentes setores populacionais) 54 milhões de libras esterlinas em acesso para estudantes de graduação de tempo parcial 187 milhões de libras esterlinas em retenção de estudantes de graduação de tempo integral 56 milhões de libras esterlinas em retenção de estudantes de graduação de tempo parcial 13 milhões de libras esterlinas em apoio e instalações para alunos com deficiência Um total de 354 milhões de libras esterlinas foi gasto para apoiar maior acesso e retenção. Isto contrasta com os 1,4 bilhões de libras esterlinas para financiamento de pesquisas. O investimento na ampliação do acesso representa cerca de 2,5% do financiamento ligado à pesquisa. (HEFCE 2007). 28 Pedagogia e envolvimento dos alunos Novos ingressantes no ensino superior provenientes de grupos historicamente subrepresentados representarão não só experiências pré-universitárias diferentes, mas também estão sujeitos a apresentar diferentes aptidões e necessidades. Como já mencionado, haverá maior necessidade de monitorias e outros apoios acadêmicos já que alunos de escolas secundárias pobres estão propensos a estarem despreparados para as exigências do ensino universitário. Há também a possibilidade de um crescente distanciamento entre o ensino tradicional e a cultura e expectativas da primeira geração de estudantes universitários e outros estudantes de grupos historicamente sub-representados. Isso provavelmente será visto pelos professores como um problema com os alunos ao invés de um incentivo para desenvolver uma nova pedagogia (Gorard et al. 2006). O avanço da diversidade obrigará as instituições a repensarem a maneira como o ensino superior é conduzido. À medida que a universalização progride, a maioria dos novos alunos está simplesmente menos interessada no tipo de educação oferecida por instituições de ensino superiores existentes ou é simplesmente menos talentosa academicamente. Para atrair esses estudantes, novas táticas precisam ser introduzidas. (Usher 2009, p.9) Podem existir cursos em oferta que são considerados mais atraentes (especialmente aqueles relacionados à saúde, serviços e profissões culturais) e os estilos de ensino podem parecer mais adequados nas chamadas "novas" 29 universidades. O Instituto de Políticas do Ensino Superior indicou a maior frequência de contato com equipes das principais correntes acadêmicas nessas instituições (em oposição aos assistentes de pesquisa e ensino) e há evidência de maior atenção à prática pedagógica (Bekhradnia et al. 2007). Alguns países estão testando novas abordagens para a pedagogia em instituições que atendem populações indígenas. As "universidades interculturais" do Novo México estão desenvolvendo abordagens de ensino e aprendizagem que são congruentes com valores culturais, língua e história (Brunner et al. 2006). A pedagogia e a organização dos programas de graduação terão de ser reconsiderados juntamente com as medições de desempenho e os critérios de êxito e excelência à medida que o ensino superior se torna cada vez mais diversificado. Conclusão É consenso geral que existe uma necessidade mundial de redistribuição de privilégios. A concentração de benefícios sociais em um pequeno segmento da sociedade não é mais aceitável. Perpetuar antigos padrões de desigualdade impedirá a expansão da prosperidade econômica e da democracia. O acesso ao ensino superior tornou-se um componente importante na construção de sociedades modernas estáveis e prósperas. O acesso ao ensino superior foi por muito tempo o privilégio de pequenos segmentos da sociedade até a segunda metade do século 20. A massificação de grande parte dos sistemas de ensino superior expandiu oportunidades em todo o 30 mundo, mas não igualmente para todos os setores da sociedade. As nações hoje estão tentando resolver essas desigualdades por meio de uma série de estratégias. Não há soluções perfeitas à vista. Os recursos públicos são limitados e necessários para lidar com um amplo espectro de problemas sociais e nem todas as necessidades serão atendidas. Algumas pessoas provavelmente perderão oportunidades, mesmo que não tenham sido diretamente responsáveis por antigos padrões de discriminação. Os sacrifícios que eles talvez sejam obrigados a fazer podem contribuir para aumentar as divisões, já que continuariam a excluir setores da população do acesso a oportunidades. A situação não pode permanecer paralisada e as universidades têm um importante papel a desempenhar. Apesar de muita retórica, sabemos a partir das evidências o seguinte sobre a ampliação da participação, não se trata de depender unicamente das decisões dos departamentos de admissão do ensino superior. No mínimo as admissões universitárias melhoraram ao invés de terem debilitado ainda mais a imparcialidade de distribuição (et al Gorard. 2006). Aumentar a participação quer dizer melhorar a qualidade das experiências escolares de todos os alunos, mas especialmente a daqueles de grupos subrepresentados. Melhorar o sucesso no ensino obrigatório é imprescindível. A lacuna de participação no ensino superior entre alunos ricos e pobres é em grande parte explicada pelo fraco desempenho acadêmico de crianças pobres no ensino secundário (Chowdry et al. 2008). Em última análise, eliminar os obstáculos à participação bem sucedida requer uma intervenção muito antes do ponto de entrada 31 no ensino superior e a melhora, em idades mais precoces, do desempenho de crianças oriundas de meios pobres. Na universidade há uma obrigação de compreender o padrão atual de recrutamento, orientação e integração das diversas populações. Novas iniciativas para garantir a retenção (ou persistência) e o eventual sucesso de todos os grupos (no emprego, assim como na graduação) são necessárias. Isso envolve a manutenção de um diálogo profissional sobre uma série de questões, incluindo quaisquer ajustes culturais, curriculares ou pedagógicos que sejam necessários dentro das instituições, bem como no território de políticas públicas. Em todo o setor existe uma obrigação de colaborar e cooperar para melhorar a progressão. Pesquisas novas e relevantes são muito necessárias. Ao nível das políticas e debates públicos, a liderança universitária deve trabalhar em parceria com as escolas da fase obrigatória da educação, com outros tipos de instituições sociais e com empregadores públicos e privados. Acima de tudo, as universidades devem se esforçar para alcançar o equilíbrio certo entre a autorreflexão (via pesquisa institucional) e a crítica construtiva das outras iniciativas políticas e sociais que figuram nessa equação. O envolvimento positivo com o acesso e a equidade representa uma longa caminhada. No entanto, ele vale a pena todo o esforço à luz do compromisso das universidades com a justiça social. 32 Bibliografia Altbach, P.; Liz Reisberg, and Laura Rumbley 2009. Trends in global higher education: Tracking an academic revolution. Chestnut Hill: Boston College. Arum, Richard, Adam Gamoran, and Yossi Shavit. 2007. More inclusion than diversion: Expansion, differentiation, and market structure in higher education. In eds. Yossi Shavit, Richard Arum, Adam Gamoran and Gila Menachem, Stratification in Higher Education: a comparative study, 1-35. Stanford: Stanford University Press. Bekhradnia,. Bahram, Carolyn Whitnall and Tom Sastry. 2007. 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Maidenhead: Open University Press. 38 Notas biográficas David Watson, historiador e professor de Gestão de Educação Superior no Instituto de Educação da Universidade de Londres. Em outubro de 2010 assumiu um novo cargo como diretor da Green Templeton College, Oxford. Foi Vice-Reitor da Universidade de Brighton, entre 1990 e 2005. Seus livros mais recentes são Gerenciando o Compromisso Cívico e Comunitário (2007), O Relatório Dearing: dez anos depois (2007) e A Questão da Moral (2009). Ele contribuiu muito para a evolução do ensino superior no Reino Unido, inclusive como membro do Conselho de Prêmios Acadêmicos Nacionais (1977-1993), do Conselho de Financiamento de Escolas Politécnicas e Faculdades (1988-92) e do Conselho de Financiamento do Ensino Superior da Inglaterra (1992 -96). Foi membro da Comissão Nacional de Educação da Fundação Paul Hamlyn (cujo relatório Aprendizagem para o Sucesso, foi publicado em 1993), e do Comitê Nacional de Investigação do Ensino Superior, presidido por Sir Ron Dearing (cujo relatório Ensino Superior na Sociedade da Aprendizagem foi publicado em 1997). Foi o presidente eleito da Associação de Universidades de Educação Continuada, entre 1994 e 1998, e presidiu o Grupo de Estratégia em Longo Prazo das Universidades do Reino Unido entre 1999 e 2005. Ele é membro do conselho diretor da Fundação Nuffield, parceiro do Instituto de Gestão e National Teaching Fellow (2008). Ele preside nacionalmente o Inquérito do Futuro da Aprendizagem Vitalícia, que apresentará um relatório em junho de 2009. Foi nomeado cavaleiro em 1998, por serviços ao ensino superior. 39 Liz Reisberg é Pesquisadora Associada no Centro Internacional de Ensino Superior da Faculdade de Boston onde apoia o desenvolvimento do site do Centro, coordena subvenções, realiza pesquisas e contribui para as publicações do Centro. Ela também leciona no programa de pós-graduação em administração do ensino superior. A Drª. Reisberg é fundadora e ex-diretora executiva do The MBA Tour, empresa que organiza passeios de recrutamento de profissionais em todo o mundo para ajudar as escolas de negócios a encontrar candidatos talentosos para seus programas de MBA. A Drª. Reisberg tem mais de duas décadas de experiência em recrutamento e admissões internacionais, assim como na formação de profissionais de admissões. Ela também prestou serviços consultoria para países que desenvolvem mecanismos de garantia de qualidade visando à melhoria do ensino universitário e colaborou com a Universidade de Harvard e o Banco Mundial em projetos internacionais. A Drª. Reisberg ocupou posições nacionais na NAFSA: Associação de Educadores Internacionais. Ela obteve seu diploma de doutorado na Faculdade de Boston, concentrando sua pesquisa de dissertação em novas estratégias para a garantia da qualidade do ensino superior na Argentina. A Drª. Reisberg é autora de um livro sobre o sistema de ensino da Argentina e tem escrito diversos artigos em espanhol e inglês sobre reformas da educação superior e sistemas de garantia de qualidade. 40
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