permanências e mudanças técnicas na cerâmica de uma redução

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permanências e mudanças técnicas na cerâmica de uma redução
Cuadernos del Instituto Nacional de Antropología y Pensamiento Latinoamericano - Series Especiales
Nº1 (2). AÑO 2013
ISSN 2362-1958
PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS TÉCNICAS NA CERÂMICA DE UMA REDUÇÃO
JESUÍTICO-GUARANI DO INÍCIO DO SÉCULO XVII NA REGIÃO CENTRAL DO RIO
GRANDE DO SUL/BRASIL1
Silvana Zuse2
ABSTRACT
This work presents the study of pottery of two archaeological sites located at the central region
of Rio Grande do Sul state, Brasil, the pottery collections of Ibm4 Pedra Grande site, where it was
installed a Jesuit – Guarani settlement in the beginning of the XVII century, in comparison to the pottery
vessels of Ibm 14 Rodolfo Mariano site that consists of a funerary context dated from the XI century
from our era. With emphasis on the technological choices inserted in the Operation Sequence of ceramic
artifact confection, we tried to notice the permanent or changed technological choices occurred from
the first contact throughout the different stages of its confection considering: clay acquisition, paste
treatment, techniques of manufacture, artifact forming and shaping, surface finishing, and firing, and
vessels ready to be used. In this way, we studied which technological changes occurred into a bigger
group of cultural transformations in a social totality.
RESUMEN
Este trabajo presenta el estudio de la cerámica de dos yacimientos arqueológicos ubicados en la
región central del Rio Grande do Sul, Brasil, las colecciones cerámicas del Ibm4 “Sitio Pedra Grande”,
donde se instaló una Reducción Jesuita Guaraní en el inicio del siglo XVII, en comparación con los
vasos cerámicos del “Sitio Ibm14 Rodolfo Mariano”, que consiste en un contexto funerario que data del
siglo XI de nuestra era. Con énfasis en las elecciones tecnológicas implementadas en la secuencia de la
operación de confección del artefacto cerámico, hemos intentado percibir las elecciones permanentes
o cambios tecnológicos que han ocurrido desde el primer contacto a lo largo de las diferentes etapas de
confección, tiendo en cuenta: la adquisición de arcilla, tratamiento de la pasta, técnicas de fabricación,
elaboración del artefacto, acabado de la superficie, quema, y los vasos listos para el uso. Por lo tanto, se
buscó entender los cambios tecnológicos incluidos en un grupo mayor de transformaciones culturales
en su totalidad social.
OS GUARANI NA REGIÃO CENTRAL DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E A
CHEGADA DOS EUROPEUS
A região abordada neste trabalho
está situada geomorfologicamente na zona de
transição entre o Planalto Meridional Brasileiro
e a Depressão Central ou Periférica, e inserida na
Bacia Hidrográfica do rio Ibicuí e do Rio Uruguai,
mais especificamente próxima ao rio Toropi, no
município de São Pedro do Sul. Os dados das
pesquisas arqueológicas realizadas até o momento
na região central do estado do rio Grande do Sul
demonstram que inicialmente foi ocupada por
grupos caçadores coletores, principalmente em
abrigos sob rocha e nos montículos, chamados
cerritos, e posteriormente pelos Guarani, vindos
1
Este artigo constitui-se de uma síntese dos resultados obtidos na dissertação de mestrado intitulada ‘Os Guarani e
a redução Jesuítica: tradição e mudança técnica na cadeia operatória de confecção dos artefatos cerâmicos do sítio
Pedra Grande e entorno’ (Zuse, 2009).
2
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo/MAE-USP). Contato: [email protected]
160
PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS TÉCNICAS NA CERÂMICA...
da Amazônia (Noelli, 1999/2000).
Os Guarani são povos linguisticamente
definidos como parte do grande tronco Tupi,
englobando as línguas da família Tupi-Guarani,
com uma ampla dispersão no território brasileiro,
leste do Paraguai e da Argentina e no Uruguai.
Estudos etnográficos, linguísticos e arqueológicos
sustentam que os Guarani se expandiram
desde a Amazônia até a foz do rio Paraná e se
estabeleceram no Rio Grande do Sul através
dos rios Uruguai, Ijuí e Jacuí. Ao passo que as
datas mais antigas estão no médio Jacuí, as quais
remetem o assentamento Guarani a 1800 AP.,
num segundo momento estes teriam se expandido
e se consolidado em praticamente todas as áreas
florestadas dos vales fluviais e na faixa litorânea,
de diferentes climas, solos e altitudes (Brochado
1984; Noelli 1993, 1996, 1999/2000, 2004; Rogge
2004; Soares 1997, 2004; Urban 1992). Ocuparam
e dominaram um vasto território até a chegada dos
europeus, quando iniciaram os conflitos políticos
entre as coroas espanhola e portuguesa na disputa
dessa região fronteiriça, bem como as fundações
das Reduções Jesuítico-Guarani. O processo inicial
de colonização europeia envolveu as expedições
de reconhecimento, a fixação do colonizador à
terra, exploração da mão de obra indígena através
da encomienda e a captura de escravos pelos
bandeirantes paulistas. Decorrente disso são as
relações conflituosas entre indígenas Guarani e
representantes da sociedade colonizadora lusoespanhola, a grande desorganização social e o
decréscimo da população principalmente com o
contágio com doenças (Basile-Becker 1992).
Inicialmente
chamados
pelos
encomenderos para batizar e dar um atendimento
religioso aos indígenas nas missões itinerantes,
logo os jesuítas da Companhia de Jesus iniciam
a fundação das reduções dos Guarani e outros
grupos3, entre o final do século XVI e início do XVII.
3
Conforme Santos e Baptista (2007), os povoados não
eram espaços absolutamente de população Guarani,
apesar dos jesuítas homogeneizarem os povos indígenas
de diferentes etnias com classificações genéricas e criarem uma língua reducional fundamentada no idioma
Guarani. Os Guarani são a maioria da população missional, entretanto as análises detalhadas em documen-
As Reduções se constituíram na concentração de
índios em pequenos povoados, para convertê-los
à fé da Igreja católica reformada (Quevedo 2000).
A Província Jesuítica do Paraguai, estabelecida
em 1609, dividiu-se nas regiões das fundações
das frentes missionárias do Guayrá, Paraguai,
Itatim, Uruguai e Tape. Esta ultima localiza-se à
margem esquerda do Rio Uruguai, nas bacias dos
rios Ibicuí e Jacuí, e no Planalto Central do atual
Rio Grande do Sul, onde a partir de 1626 foram
fundadas no alto Ibicuí as Reduções de Candelária,
São Tomé, São José, São Miguel e São Cosme
e Damião, e na Bacia do Jacuí, os povoados de
Santa Tereza, Santa Ana, São Joaquim, Natividade,
Jesus Maria e São Cristóvão. Com o avanço dos
povoados missionários em território espanhol,
Portugal promoveu as expedições bandeirantes
que se dirigiam às reduções em busca de índios
para as fazendas portuguesas, resultando na
degradação dos povoados. Na Frente Missionária
do Tape muitas reduções foram destruídas e os
sobreviventes transmigraram para além do Rio
Uruguai, encerrando-se o período das Reduções
de 1ª fase4 neste território (Basile-Becker 1992).
Diante dos acirrados conflitos, da
exploração da mão de obra e desorganização do
espaço e sociedade Guarani, os padres cooptavam
os indígenas para as missões, oferecendo um
espaço de “proteção”. Com o objetivo principal
de demarcar o território fronteiriço espanhol, as
reduções buscam a ocidentalização e cristianização
dos indígenas, através da modificação do espaço,
das crenças e da sociedade como um todo: buscase mudar o espaço social da dança, da festa, das
bebedeiras habituais, que foram proibidas; o
centro da aldeia é representado pela igreja; os
enterramentos deveriam ser feitos em covas rasas
tos inéditos mostram que outros grupos estão presentes
como no caso dos Jê que estão inseridos inclusive nas
reduções do Tape, especialmente em Santa Tereza.
4
Denominam-se reduções da primeira fase aquelas
fundadas no início do século XVII. Somente em 1682
inicia-se a segunda fase reducional, quando foram fundados os Sete Povos das Missões Orientais do Uruguai,
que perduraram até a expulsão dos Jesuítas do Brasil por
ordem do Marquês de Pombal, em 1768, e as missões
foram lentamente abandonadas (Brochado et al. 1969).
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CUADERNOS - SERIES ESPECIALES 1 (2)
e não mais em urnas funerárias; a produção de
alimentos em grande escala com a preocupação
do armazenamento deveria substituir a produção
para a subsistência; seguida da modificação
na cultura material (Machado 1999; Tocchetto
1991). A tentativa de implantação deste novo
modo de vida e nova religião não ocorreu sem
resistências, conflitos e contradições: trata-se
de um processo dinâmico onde atuam diversos
atores históricos, sendo as reduções resultado de
uma mescla de aspectos das organizações sociais
dos grupos indígenas e dos modos hispânicos dos
espanhóis, que não só não conseguiram padronizar
e dogmatizar as sociedades, como também
obrigaram-se a reavaliar e modificar seus próprios
dogmas (Baptista 2007; Santos e Baptista 2007).
O sítio Ibm 4 Pedra Grande- localizado
próximo ao arroio Ribeirão, afluente do rio
Toropi- é representativo da história de ocupação
região, por ter sido ocupado inicialmente por
grupos caçadores coletores e posteriormente pelos
Guarani, e no início do século XVII ser o local de
uma das reduções Jesuítico-Guarani da primeira
fase. Denomina-se Pedra Grande o monólito que
marca a paisagem da localidade de mesmo nome,
situado no topo de uma colina: trata-se de um
grande bloco de arenito de 86,5 m de extensão e
8,5 m de altura máxima, cuja declividade forma
um abrigo de 9 m de espessura máxima, no qual
ocorrem dois painéis com gravuras rupestres. O
sítio arqueológico foi identificado em 1969 por
José Proenza Brochado e Pedro Inácio Schmitz,
e inicialmente escavado em 1971 pelos mesmos
pesquisadores; nos anos de 1984, 1986 e 1987 o
professor Vítor Hugo da Silva da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) realizou
intervenções no sítio; em 1997 foi novamente
escavado pelos arqueólogos Klaus Hilbert e José
Proença Brochado; e finalmente em 2002 foi alvo
de escavações coordenadas pelo arqueólogo Saul
Eduardo Seiguer Milder da UFSM5.
5
O material arqueológico das etapas de 1969 e 1971 encontra-se atualmente no acervo do Núcleo de Pesquisa
Arqueológica/NUPARQ da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul/UFRGS; o material proveniente das
escavações de 1997 está no Centro de Estudo e Pesquisas Arqueológicas/CEPA, da Pontifícia Universidade
Todas as intervenções arqueológicas
permitiram caracterizar o sítio em relação à
espacialidade das ocupações e cronologia (Figura
1, croqui do sítio). O abrigo formado pela
inclinação do monólito foi ocupado inicialmente
por indígenas caçadores-coletores, evidenciada na
espessa camada arqueológica com material lítico,
desde pelo menos 80 cm de profundidade, com
datações C14 entre 900 - 790 a.C. (Abrigo - C10: 70
- 80 cm) e 1110-1190 d.C (Abrigo - C2: 60-70 cm).
Associados as estas ocupações estão os grafismos
rupestres, dispostos em dois painéis do monólito,
atribuídos à Tradição Meridional, gravados no
abrigo durante um período que antecede a data de
900-790 a.C. e ultrapassa a de 1200-1300 d.C. Os
Guarani também ocuparam o abrigo, cuja camada
arqueológica presente desde a superfície até 60 cm
de profundidade apresenta lítico lascado, polido
e picoteado e cerâmica Guarani, datada por C14
em 1305- 1385 d.C (Abrigo - C2: 30 – 40 cm)
(Brochado e Schmitz 1976)6.
Nas escavações realizadas em 2002 na
área em frente ao abrigo da Pedra Grande também
foram evidenciadas duas camadas de ocupação,
sendo a primeira há 70 cm de profundidade,
composta por vestígios de uma ocupação por grupo
caçador-coletor, com contexto de uma fogueira e
um ‘buraco de estaca’; e a segunda atribuída aos
grupos ceramistas Guarani, desde a superfície até
30 cm com material lítico e cerâmico, separada
da primeira por camadas de sedimentação. No
Abrigo do Meio, as escavações revelaram uma
camada arqueológica de 60 cm de espessura
com material lítico e fragmentos que remontam
vasilhas cerâmicas, associadas a duas fogueiras
na parte central do abrigo. Foi também encontrada
neste espaço uma conta de colar azul veneziana
(Milder 2002).
A maior concentração de cerâmica
Guarani ocorre na face oposta ao abrigo da
Católica do Rio Grande do Sul/PUCRS; e o material escavado na década de 1980 e em 2002 encontra-se no Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas/LEPA,
da Universidade Federal de Santa Maria/UFSM.
6
As datações radiocarbônicas foram realizadas no Radiation Biology Laboratory da Smithsonian Institution,
e apresentadas em Brochado e Schmitz (1976).
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PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS TÉCNICAS NA CERÂMICA...
Pedra Grande, onde ocorriam concentrações
de material cerâmico e lítico em superfície,
indicando habitações de planta circular, medindo
entre 10 e 50 m de diâmetro. Nas escavações
o material ocorreu até 50 cm de profundidade.
Nesta área também ocorria, associada à cerâmica
Guarani, fragmentos de cerâmica europeia, sendo
este o local da Redução Jesuítica. As escavações
realizadas em 1997 evidenciaram uma área com
terra preta antrópica em uma habitação de planta
circular conforme a distribuição dos buracos de
estaca, grande quantidade de material cerâmico,
dois fragmentos de louça europeia, uma conta
azul de vidro, duas facas de metal e quatro cravos
de ferro, e alguns fragmentos de ossos bovinos7,
que comprovam o contato dos Guarani com os
europeus (Brochado 2001).
A cerâmica caracterizada como da fase
Reduções8 foi evidenciada nas camadas superficiais,
em todos os espaços do sitio e principalmente na
parte posterior ao abrigo da Pedra Grande, bem
como elementos da cultura material europeia
introduzida pelos padres. Verificou-se que as casas
da Redução seguiam a maneira indígena, não sendo
cobertas com telhas como ocorre nas reduções
Jesus Maria (Ribeiro 1981; Ribeiro et al. 1976)
e Nossa Senhora da Candelária do Caaçapamini
(Machado 1999), porém a distribuição espacial
das casas não pôde ser feita devido aos escassos
dados em relação à distribuição das concentrações
de material e da falta de escavações sistemáticas
nas mesmas. A redução Jesuítico-Guarani do sítio
Pedra Grande, cuja denominação é contraditória
nas publicações, às vezes sendo chamada de São
7
As contas venezianas estão presentes nos sítios de contato da região, e especialmente nas Reduções Jesuíticas
do sul do Brasil. O metal passa a ser introduzido a partir
do contato, e os ossos bovinos são restos de alimentação, baseada também na criação de gado, levado às Reduções pelos Jesuítas, criado em estâncias.
8
A cerâmica das reduções de primeira fase do Rio
Grande do Sul é atribuída à fase Reduções, transicional
entre a tradição Tupiguarani e a Neobrasileira (cerâmica
confeccionada por grupos familiares, neobrasileiros ou
caboclos, com técnicas indígenas e de outras procedências) (Ribeiro 1981). Já a fase Missões refere-se a cerâmica dos sítios pertencentes aos Sete Povos das Missões
(Brochado et al. 1969).
José (1633-1637 d.C) (Brochado e Schmitz 1976)
ou São Miguel (1632- 1638 d.C) (Brochado 2001),
é uma das três reduções do início do século XVII
identificadas até o momento, sendo que a maioria
possui localização indefinida9.
Na mesma região foram evidenciados
outros sítios arqueológicos: Ibm-14 Rodolfo
Mariano, Ibm- 15 Adelque Weide, Ibm- 16
Fernando Weide e Ibm- 17 Amauri Rossi. O
primeiro deles, distante 1,8 km do sítio Pedra
Grande, é caracterizado por apresentar material
cerâmico em superfície e vasilhas inteiras, algumas
associadas a um enterramento com restos ósseos
bastante preservados, que foram encontradas e
coletadas pelo morador do local, juntamente com a
equipe do Museu do município de São Pedro do Sul
no ano de 2005, e posteriormente encaminhadas
ao Laboratório de Arqueologia da UFSM. Esse
sítio não foi escavado até o momento, e possui
apenas uma datação por Termoluminescência
realizada com um fragmento da urna funerária de
1024 (+- 100) d.C.10. Essa é uma data recuada para
a região, considerada periférica do ponto de vista
hidrográfico, e expande o período de ocupação
no entorno da Pedra Grande pelos Guarani para
pelo menos 600 anos. Os demais sítios foram
identificados em 2008 pela equipe da UFSM e até
o momento não foram escavados, estando distantes
entre 1 e 5 km da Pedra Grande (Zuse 2009).
CERÂMICA GUARANI E DE CONTATO:
PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS TÉCNICAS
Os estudos arqueológicos da cultura
material Guarani, especialmente no que se refere às
vasilhas cerâmicas, demonstram que, ao longo do
tempo, esses indígenas reproduziram suas técnicas
de confecção, o que implica na continuidade dos
A localização nos documentos e na cartografia jesuítica nem sempre coincide com a atual, devido ao pouco
conhecimento na época de uma região tão vasta. As outras duas reduções são a Redução de Jesus Maria (16331636), situada na Bacia do Rio Jacuí, às margens do Rio
Pardo, em Candelária – RS; e a Redução de Nossa Senhora da Candelária do Caaçapaminí (1627-1636), localizada próxima a um afluente do rio Piratini, a 20 Km do
município de São Luís Gonzaga.
10
Datação realizada no Laboratório de Vidros e Datação da Faculdade de Tecnologia de São Paulo, Brasil.
9
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CUADERNOS - SERIES ESPECIALES 1 (2)
Figura 1. Croqui esquemático do sítio Pedra Grande. Número 1: monólito Pedra Grande; 2: painel com gravuras rupestres; 3: área da redução escavada em 1997; 4: Abrigo do Meio, escavação 2002; 5: área em frente ao
monólito escavada em 2002; 6: Atual igreja e salão de festas. Adaptado de Brochado e Schmitz (1976), Brochado
(2001) e Milder (2002) (Arte Final: Angislaine Freitas Costa, 2012).
aspectos tecnológicos e funcionais dos artefatos,
bem como na subsistência, na organização social
e nas outras esferas da cultura, até os primeiros
contatos com os europeus (Noelli 1993, 1999/2000;
Soares 1997). Brochado et al. (1990) e Brochado
e Monticelli (1994) fizeram a classificação
etnohistórica das vasilhas, estabelecendo que a
inferência da funcionalidade possa ser dada pela
reconstituição do perfil da borda, diâmetro da
boca e tratamento de superfície e sua relação com
os exemplares arqueológicos, a qual possui seis
classes principais de vasilhas: panelas para cozinhar
(yapepó), caçarolas para cozinhar (ñaetá), pratos
para assar beiju (ñamõpyu), talhas para bebida em
geral, especialmente fermentar bebidas alcoólicas
(cambuchí), pratos para comer (ñaembé) e tigelas
para beber (cambuchí caquâba). Algumas classes
apresentam variações internas de tipos, totalizando
dez categorias básicas de classificação.
Estudos recentes chamam a atenção
para o estudo da diversidade existente na cultura
material e padrões de assentamento Guarani,
das particularidades regionais e locais. Existe
uma continuidade e similaridade reconhecível
em áreas muito distantes, por serem padrões
culturalmente determinados a partir de uma única
matriz cultural, entretanto ocorrem variações
decorrentes do distanciamento temporal e
territorial, contatos com grupos não Guarani, ou
representantes de diferentes parcialidades étnicas.
São encontradas variações nos acabamentos de
superfície, nos motivos pintados e nas formas das
vasilhas, entendidas como inovações dentro de
uma margem aceita de alterações na tradição do
grupo, associadas àquelas usualmente encontradas
(Monticélli 2007; Moraes 2007; Noelli 2004;
Oliveira 2008).
Já para os sítios de contato, mais
especificamente as reduções Jesuítico-Guarani, a
bibliografia aponta um tipo de cerâmica diferente
desses tradicionalmente conhecidos para os
Guarani: trata-se de uma cerâmica vermelha,
de tamanho pequeno, com base arredondada,
plana, anelar ou em pedestal, que se constituem
de pratos, tigelas e panelas. Nesses sítios, ocorre
ainda uma maior presença do corrugado telhado
e do escovado (Brochado et al. 1969; Chymz
2001; Machado 1999; Pereira 1999; Ribeiro
1981; Ribeiro et al. 1976; Tochetto 1991). As
permanências e mudanças técnicas foram vistas
pelos pesquisadores como indicativos de grau
de aculturação (Ribeiro et al. 1976), afirmação
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PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS TÉCNICAS NA CERÂMICA...
étnica (Machado 1999) ou resistência (Tocchetto
1991).
A depressão central foi intensamente
ocupada pelos Guarani, como demonstra o grande
número de sítios evidenciados e as datações
obtidas até o momento. Na área específica em
que ocorrem os sítios abordados neste trabalho,
são observadas semelhanças tecnológicas nos
inúmeros fragmentos e vasilhas cerâmicas
nas publicações e nos acervos dos museus,
com a manutenção de algumas características
diagnósticas da tradição tecnológica do grupo. E,
a partir do momento da fundação das Reduções
Jesuítico-Guarani, algumas mudanças técnicas são
facilmente observadas. O estudo da cerâmica dos
sítios Rodolfo Mariano e Pedra Grande permite
perceber as escolhas tecnológicas das artesãs
Guarani antes e após o contato e colonização
europeia, e entender os processos de permanências
e mudanças na tecnologia, inserida na tradição do
grupo ao longo de sua história e na aquisição de
novos conhecimentos técnicos no momento da sua
inserção no povoado Jesuítico-Guarani.
Nesse sentido, utilizou-se uma abordagem
tecnológica, que permite caracterizar os artefatos
para além da sua forma e decoração, mas em
termos de escolhas tecnológicas que são sociais
e tradicionais (Balfet 1991; Lemonnier 1992,
1993; Leroi-Gourhan 1985; Mauss 2003; Schiffer
e Skibo 1997, 2001). As escolhas tecnológicas
podem ser percebidas nas diferentes etapas da
cadeia operatória de confecção dos artefatos,
desde a aquisição da matéria prima, as técnicas
de confecção e de acabamentos de superfície,
forma das vasilhas e queima, e em toda a história
de vida dos artefatos que inclui a utilização e o
descarte (Balfet 1991; Schiffer e Skibo 1997,
2001). As tecnologias são produções sociais e
integrantes de um fenômeno cultural, portanto
mudanças tecnológicas proporcionam ideias para
as mudanças sociais e vice-versa (Lemonnier
1992, 1993). Para a compreensão de tais escolhas,
foi elaborada uma ficha de análise que contempla
atributos que caracterizam a pasta, os acabamentos
de superfície, a queima, vestígios de uso e as
formas das vasilhas (Brochado e Monticelli 1994;
Brochado et al. 1990; Chymz 1976; La Salvia e
Brochado 1989; Shepard 1963). Foram também
utilizadas as técnicas da Microscopia Óptica,
Fluorescência de raios X e Difratometria de Raios
X, na verificação da pasta, banhos e pigmentos,
técnicas de confecção e queima (Appoloni et al.
1997; Alves 1988, 2009; Goulart 2004; Silva et
al. 2004). Os resultados das análises fornecem
subsídios para entender as escolhas tecnológicas
feitas pelas ceramistas nas diferentes etapas da
cadeia operatória dos artefatos cerâmicos e, assim,
observar o que permaneceu e o que mudou a partir
da fundação da Redução Jesuítico-Guarani. Foi
analisada uma amostra de cada coleção proveniente
das diferentes escavações no sítio Pedra Grande,
dos acervos do LEPA/UFSM, NUPARQ/UFRGS
e CEPA/PUCRS.
Verificou-se que fragmentos de borda,
parede, carena, bojo e base compõem as formas
das vasilhas Guarani (principalmente yapepó
e cambuchí), recorrentes nos sítios Guarani e
nos acervos da região. A cerâmica do Abrigo
do Meio remontou parcialmente dez vasilhas,
das quais nove apresentam características de
vasilhas utilizadas para cozinhar alimentos,
verificado pela presença de fuligem e tratamento
plástico corrugado ou corrugado ungulado, forma
restringida e com bojo (yapepó), associadas a duas
fogueiras evidenciadas no abrigo. Estas formas
também estão presentes nas demais áreas do sítio.
Porém a partir da fundação da Redução JesuíticoGuarani são adotadas inovações em relação à forma
de algumas vasilhas: pratos e tigelas de tamanho
pequeno, com base plana, anelar, em pedestal ou
arredondada, com diâmetro de abertura variando
entre 12 e 24 cm. Estas cerâmicas, recorrentes no
sítio (uma vasilha do Abrigo do Meio e as outras
da parte posterior ao monólito) de certa forma
imitam formas europeias, principalmente em
relação à base.
No acabamento da superfície das vasilhas,
são recorrentes os tratamentos tradicionais Guarani
como a aplicação da barbotina e do banho, a pintura
policrômica vermelha sobre engobo branco, além
dos tratamentos plásticos corrugado, ungulado,
espatulado, ponteado, corrugado ungulado (Figura
2, cerâmica típica Guarani encontrada no sítio Pedra
Grande). Porém os pratos e tigelas de tamanho
165
CUADERNOS - SERIES ESPECIALES 1 (2)
pequeno e forma diferenciada, do período da
redução, recebem um tratamento monocromático
em vermelho ou preto, a maioria com polimento
(Figura 3, inovações da forma, do período da
Redução). Portanto, ocorreram inovações técnicas
na categoria de vasilhas utilizadas para servir
alimentos, no contexto da redução jesuítica.
Entretanto, vasilhas típicas Guarani continuavam
sendo utilizados para processar os alimentos (os
yapepós), e apesar de serem adotadas inovações
tecnológicas relacionadas a forma e acabamento
das vasilhas, aquelas tradicionais continuam sendo
produzidos.
Através de análises macroscópicas, de
Microscopia Óptica (MO) em seções delgadas
de fragmentos cerâmicos, e da Fluorescência de
Raios X (EDXRF, aparelho portátil), caracterizouse a pasta dos fragmentos cerâmicos em relação
à composição, granulometria e distribuição dos
elementos, a fim de verificar as escolhas que
as ceramistas fizeram das pastas, adequadas a
cada tipo de vasilha. Verificou-se a presença de
grãos de quarto, óxido de Ferro e Feldspato, que
provavelmente já estavam agregados à argila na
fonte, e em alguns casos o caco moído, adicionado
à pasta. As análises de EDXRF realizadas em
fragmentos com diferentes tratamentos de
superfície e de diferentes cores de pasta não
apontaram diferenças nos tipos de elementos
químicos identificados, mas somente nas suas
proporções, portanto trata-se de um mesmo tipo de
argila sendo utilizado para a confecção de todos os
tipos de vasilhas. Verificou-se através das análises
macroscópicas que as vasilhas com as paredes de
espessura mais fina, como aquelas com pintura
policrômica (cambuchís), engobo vermelho
(tigelas e pratos da fase Reduções) e tratamento
plástico corrugado telhado, apresentam uma
pasta com elementos minerais de granulometria
mais fina (grãos pequenos de quartzo, óxido de
ferro e feldspato), enquanto nas vasilhas com
tratamento corrugado, espatulado, ungulado e
alisado aparecem grãos maiores. Já as análises de
Microscopia Óptica, que permitem analisar uma
fração mais fina desses elementos, demonstraram
que ocorreu uma grande variação da quantidade
e tamanho dos grãos de quartzo e dos demais
elementos presentes como cacos moídos e
Figura 2. Cerâmica típica Guarani evidenciada no sítio Pedra Grande- fragmento de yapepó e de cambuchí, das
coleções do CEPA/PUCRS e NUPARQ/UFRGS, respectivamente.
166
PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS TÉCNICAS NA CERÂMICA...
Figura 3. Vasilhas cerâmicas do período da Redução -pratos e tigelas rasas, com engobo vermelho- Peças do
acervo CEPA/PUCRS.
inclusões para todos os tipos de vasilhas, não
ocorrendo uma correlação de tipo de pasta com
tipos de tratamentos de superfície. Verificou-se
também na análise das seções delgadas que o caco
moído foi adicionado nas pastas que apresentam
menor frequência de grãos de quartzo, portanto
esse elemento poderia ter como função diminuir
a plasticidade da pasta (os cacos moídos só foram
identificados na análise de Microscopia Óptica,
por serem de tamanho pequeno). Tanto nas análises
por Microscopia Óptica quanto nas por EDXRF,
não se verificou diferenças isoladas para nenhum
dos tipos de vasilha, nem mesmo para a cerâmica
com engobo vermelho da fase Reduções, portanto,
mesmo depois da implantação do povoado pelos
jesuítas, continuou-se escolhendo os mesmos tipos
de argilas e pastas para a confecção dos recipientes
de cerâmica.
Foi observada a técnica acordelada na
confecção de todos os tipos de vasilhas, verificada
na quebra dos roletes e na ordenação dos
elementos plásticos e fissuras de forma circular,
observada com a Microscopia Óptica. Utilizou-se
a técnica modelada apenas para confeccionar as
bases planas de alguns pratos e tigelas vermelhas
da redução, sendo o restante do corpo destas
vasilhas feito com roletes. A técnica torneada
foi verificada somente em três fragmentos que
compõem uma única vasilha, possivelmente
trazida de outro local pelos padres. Constatou-se
que, mesmo após o contato, permanece a técnica
tradicional Guarani acordelada de confecção dos
artefatos, e o torno não foi introduzido nessa
Redução. A queima dos artefatos foi realizada em
temperaturas superiores a 550ºC, estimativa feita
devido à ausência da Caulinita nos resultados
das análises por Difratometria de Raios X. Essa
temperatura é atingida em fogueiras abertas, que
os Guarani utilizavam tradicionalmente, e nenhum
forno fechado foi evidenciado até o momento na
redução.
Portanto,
não
foram
constatadas
mudanças relacionadas à escolha da matériaprima e tratamento da pasta, nem mesmo na
técnica de confecção dos artefatos que continua
sendo a acordelada, com exceção das bases planas,
anelares e em pedestal dos pratos e tigelas, que
são modeladas. Inovações ocorreram na forma e
acabamento de algumas vasilhas, aquelas ligadas
ao consumo de alimentos, que não substituem as
tradicionais Guarani, mas são acrescentadas no
leque de possibilidades existente.
Foi analisada também a cerâmica coletada
no sítio Ibm 14 Rodolfo Mariano, que remontou
parcialmente quinze vasilhas (Figura 4, sendo três
delas (vasilhas V1, V2 e V3), segundo o morador
que as coletou, associadas ao contexto funerário de
um enterramento, uma delas sendo a urna funerária
e as outras duas servindo de tampa. A urna (V1)
possui 41 cm de diâmetro de abertura e 37,5 cm
167
CUADERNOS - SERIES ESPECIALES 1 (2)
Figura 4. Vasilhas cerâmicas do sítio Ibm 14: yapepós, cambuchís e cambuchís caguâbas. Peças do acervo LEPA/
UFSM.
de altura; a V2 apresenta o mesmo diâmetro de
abertura e forma muito semelhante aquela da urna,
e a V3 é menor, com 30 cm de diâmetro de altura
e 25 cm de altura. As três vasilhas foram utilizadas
inicialmente no preparo de alimentos (yapepós),
com uso secundário no enterramento. Outras duas
vasilhas apresentam depósito carbônico próximo
à base, ambas com tratamento plástico corrugado,
uma delas com 20 cm de diâmetro de abertura e 14
cm de altura (V5) e a outra com 17 cm de abertura
e 12 cm de altura (V7), possivelmente tratandose de yapepós de tamanho pequeno. Ocorre
168
PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS TÉCNICAS NA CERÂMICA...
ainda uma vasilha com tratamento ungulado de
17 cm de diâmetro (V4) e uma com tratamento
corrugado telhado de 18 cm de abertura (V6), que
poderiam ser incluídas nesta categoria, apesar de
não apresentarem depósitos carbônicos no interior,
tampouco fuligem na superfície externa.
Outras quatro vasilhas apresentam pintura
policrômica (vasilhas V8, V11, V13, V14), com
diâmetro de abertura de 24 cm, 58 cm, 34 cm e
18 cm respectivamente. As duas primeiras são
cambuchís, e as menores podem pertencer à
mesma categoria, ou tratar-se cambuchí caguâba.
Além destas, a vasilha V9 apresenta policromia a
partir da carena e duas bases (vasilhas V10 e V12)
podem ser de cambuchís por serem alisadas, e
fragmentos de parede associados a elas possuírem
engobo branco.
Uma tigela (vasilha V15) apresenta forma
de cambuchí caguâba, com diâmetro aproximado
de 30 cm, porém com pintura monocromática em
vermelho, em ambas as superfícies. A monocromia
em vermelho não é um elemento recorrente na
cerâmica Guarani do período pré-contato com o
europeu, porém é recorrente nas reduções jesuíticas
do século XVII. Somente a evidenciação do
contexto desse sítio, com escavações e realização
de datações, permitiria verificar trata-se de uma
inovação anterior ao contato com o europeu, ou
se este sítio também teria sido ocupado durante o
período da Redução, podendo constituir-se de uma
área mais periférica onde a prática de enterrar os
mortos em urnas continuaria sendo feita, longe do
alcance da visão dos padres.
DISCUSSÃO
Os dados arqueológicos obtidos até
o momento no atual estado do Rio Grande do
Sul demonstram que os Guarani ocuparam
primeiramente os rios maiores como o Uruguai
e o Jacuí, onde ocorrem as datas mais antigas, e
posteriormente se expandiram para os rios menores
em decorrência do aumento demográfico. Poucos
trabalhos têm sido realizados nas áreas mais
periféricas do ponto de vista hidrográfico, nos rios
e arroios menores da região central do estado do
Rio Grande do Sul, com o objetivo de entender o
sentido e a possível diversidade nas ocupações e
na cultura material, até então vista como bastante
homogênea. O estudo do contato entre indígenas
Guarani e jesuítas espanhóis no seu período inicial
também é ainda pouco explorado na arqueologia,
tendo em vista que maior atenção foi dada as
reduções fundadas no século XVIII, os chamados
Sete Povos das Missões, localizados no noroeste
do estado do Rio grande do Sul.
As pesquisas realizadas até o momento
(Fajardo 2001; Santi 2009; Zuse 2009) demonstram
que os Guarani ocuparam a região por um longo
período até o contato e colonização europeia.
Ocupações no Arroio Raimundo, afluente do Rio
Vacacaí, ocorreram entre 500 e 1060 d.C (datações
por Termoluminescência) no sítio Cabeceira
do Raimundo (Fajardo 2001). Já nos arroios
afluentes do rio Ibicuí Mirim, no município de São
Martinho da Serra, ocorrem datações próximas ao
ano de 100/200 d.C, além de sítios como o Ibm
12 Marafiga e Ibm 10 Guarda de San Martin que
são do período do contato com o europeu, sendo
o primeiro um contexto de enterramento em urna
funerária com cultura material europeia associada
(contas de colar e cunhas de ferro) com datações
de cerâmica por Termoluminescência de 1530 d.C,
1620 d.C e 1835 d.C (Machado 2004). No rio do
Soturno foram evidenciados sítios Guarani com
datações de cerâmica por Termoluminescência
que variam entre 1.179 +-130 d.C e 1.659 +-50
d.C (Santi 2009). Entretanto fazem-se necessárias
novas escavações e datações para estabelecer um
panorama regional das ocupações Guarani, até o
contato e colonização europeia.
Esse trabalho centrou-se na análise da
cerâmica Guarani desde a sua chegada na região
anteriormente ocupada por grupos caçadorescoletores, até a fundação da Redução JesuíticoGuarani, buscando evidenciar as permanências
e mudanças na cultura material. Entende-se que
na cadeia operatória de confecção dos artefatos,
todos os gestos, escolhas e decisões adotadas
pelas ceramistas estão inseridos em um corpo de
conhecimentos técnicos da sociedade, aprendidos
e transmitidos ao longo das gerações. Ao
mesmo tempo, se as tecnologias são produções
sociais, integrantes de um fenômeno cultural,
conforme entende Lemonnier (1992), então
169
CUADERNOS - SERIES ESPECIALES 1 (2)
os comportamentos técnico, social e cultural
possuem um caráter dinâmico, e estão sujeitos a
mudanças. Analisamos um contexto em que de um
lado estavam os Guarani com sua tradição cultural
transmitida ao longo das gerações por milhares
de anos, e do outro os jesuítas que eram os mais
“brandos” dos espanhóis que por ali andavam. A
Redução foi um refúgio para o Guarani ameaçado
pela encomienda e pelos ataques bandeirantes, ao
mesmo tempo em que representou a transformação
do seu espaço, do seu simbolismo, da sua economia,
enfim, da sua totalidade social, de acordo com um
projeto de cristianização implantado pelos padres.
Não sem resistências, que inclui a destruição de
muitos povoados pelos indígenas e a morte de
alguns padres.
A análise dos dados, centradas na
compreensão do universo material e tecnológico,
permitiu perceber que o conhecimento técnico
tradicional Guarani, transmitido ao longo das
gerações por pelo menos dois mil anos de história,
permaneceu sendo utilizado na confecção dos
artefatos cerâmicos, com a incorporação de novos
conceitos relacionados à forma e tratamento de
superfície em algumas vasilhas, transmitidos
pelos padres, possivelmente relacionados a
funções específicas e novos modos de consumir
os alimentos. Dentro das possibilidades de
mudanças, os Guarani optaram por adotar algumas
características técnicas novas e rejeitar outras, de
acordo com a experiência que traziam em séculos
de história, expansão e contatos culturais com
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