Areal x Asfalto - Escola da Vila

Transcrição

Areal x Asfalto - Escola da Vila
Areal x Asfalto
Gabriel Mazzetti Armesto
Hugo acorda todos os dias precisamente às 6h15min para uma de suas matinais
caminhadas pela orla do bairro de Copacabana, onde se situa sua cobertura, que dá de cara
para a praia. Depois de uns 15 minutos de caminhada, Hugo é abordado por dois
comerciantes de rua, que oferecem seus produtos de forma excessiva, causando certo
espanto para o grande empresário, que busca o mais rápido possível se distanciar daqueles
vendedores ambulantes. Após seus exercícios, toma seu banho, que foi cuidadosamente
preparado por Margarida, sua empregada com quem tem pouco contato. Toma seu café da
manhã com sua mulher e seus dois filhos para, logo depois, a bordo do seu Volkswagen,
chegar ao escritório. Ainda na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, enquanto espera a
mudança do semáforo para o verde, duas crianças com bolinhas de tênis nas mãos param
próximas ao vidro do carro de Hugo, pedindo para que ele abrisse o vidro, e pudesse dar
alguma esmola como forma de sobrevivência para os meninos - tendo o pedido não atendido.
Nesse dia, Hugo não conseguiu trabalhar direito, pois ficou pensando em como aqueles
dois meninos viviam, ou como eram os trabalhos daqueles dois camelôs. Também pensou
em como em único bairro, em que vivem e trabalham todos os seus amigos bem-sucedidos,
pode haver tanta desigualdade com uma enorme quantidade de mendigos e camelôs.
Era uma vez, em uma época há muito tempo atrás, o hoje famoso e badalado bairro
de Copacabana era a simples praia de Socopenapã, um areal inóspito que parecia até
mesmo um deserto, constituído basicamente por grupos de simples pescadores. Para explicar
o nome dado a um dos bairros mais famosos do Rio de Janeiro hoje em dia, uma das teorias
aceitas e mais usadas é a de que um jovem pescador boliviano, chamado Francisco Tito
Yupanqui, recebeu uma santa ali naquele deserto areal, e esculpiu uma imagem dela, em
sua homenagem. Para honrar a sua terra natal na Bolívia, chama aquela santa de Nossa
Senhora de Copacabana. A palavra Copacabana é a junção das palavras copa e caguana,
ambas vindas do vocabulário indígena do país de Tito, que juntas querem dizer lugar
luminoso, ou resplandecente. Local esse coerente para a aparição de uma santa, para um
pequeno grupo de pobres pescadores. Esse imenso areal era composto basicamente por
estes simples e singelos pescadores, com pouca extravagância e ostentação, que viviam das
vontades do mar para sobreviver. Somente com a inauguração do Túnel Velho, em 1892, é
que Copacabana começou a se integrar com o resto da cidade. A ampliação das linhas de
bonde, e a construção da Avenida Atlântica beirando a orla, em 1906, fizeram com que o
bairro fosse ganhando ruas e casas, melhorando o status de simples bairro, para uma nova
centralidade na cidade. Prova do crescente status social do bairro é a inauguração do Hotel
Copacabana Palace em 1923, um dos símbolos do bairro e do país.
Hoje em dia, o bairro é conhecido no mundo todo por seu emblemático calçadão e
sua bela praia, frequentado tanto por turistas e artistas quanto por moradores de rua e
camelôs. Foram feitas diversas canções de compositores consagrados como forma de
homenagear o bairro, e principalmente sua linda praia, em músicas de autores como Tom
Jobim, e Dick Farney. Além disso, um dos maiores escritores da literatura brasileira de
todos os tempos, Carlos Drummond de Andrade, tem uma estátua em sua homenagem em
um dos vários bancos da orla de Copacabana, onde ele está sentado, em posição de reflexão.
Considerada o berço da bossa-nova, a região e sua praia são palco de um dos maiores e mais
bonitos réveillons do mundo, com uma enorme chuva de fogos e diversas oferendas para a
deusa do mar, Iemanjá. A partir da década de 1960, o bairro começou a ganhar fama e não
parou mais, conseguindo atrair mais moradores do que a área poderia comportar, fazendo
com que Copacabana sofresse com a especulação imobiliária, até se tornar repleta de altos
prédios de apartamentos próximos uns aos outros.
Um bairro lindo, pessoas de classe dominante, com uma bela praia para um cartão
postal, e presença forte de cultura na região. Os postos 3 e 4 da orla de Copacabana
parecem bem servidos, frequentados por pessoas “de bem”, e que vivem no que chamamos
de bem-bom. Era exatamente isso que o nosso amigo Hugo pensava sobre o bairro onde
morava, mas ele percebeu que essa não era somente a única parte da história. Atrás de todos
os glamours e requintes que o bairro preserva há muito tempo, também existe a presença
de camelôs, moradores de rua, e pessoas de classes pauperizadas que frequentam, seja para
trabalhar ou até mesmo para viver lá, como é o caso dos mendigos. A desigualdade social é
um dos fatores que mais estão presentes no dia-a-dia e na realidade do bairro, que são
maquiados pela presença de artistas e pessoas mais ricas. Não só o bairro de Copacabana,
mas a cidade do Rio de Janeiro é um exemplo vivo daquilo que chamamos de segregação
sócio-espacial, onde a cidade é fragmentada em várias partes devido a questões sociais e
econômicas, levando com que as camadas de população mais carentes tenham que viver e
utilizar de áreas periféricas, enquanto as zonas ricas se estabeleçam nas zonas centrais.
Numa sociedade onde poder significa acúmulo de capital, aqueles que não têm esse acabam
ficando com o mínimo possível de poder e vivendo a partir das vontades daqueles que têm.
Se fosse preciso criar uma imagem do bairro, teríamos várias facetas e classes diferentes para
formar uma identidade dessa área classificada como nobre do Rio de Janeiro. Em uma
“cidade do capital”, que busca a todo momento segregar os pobres das áreas centrais, a
época de areal onde todos se consideravam iguais se perde, para a época do asfalto, onde
pessoas tentam se manter em um dos mais famosos bairros da cidade que é Copacabana, e
que um dia já foi um lugar onde todos se consideravam iguais, e que batalhavam pelo
mesmo peixe, para conseguir viver.