4 Vol XIV 2005 - Revista Nascer e Crescer
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4 Vol XIV 2005 - Revista Nascer e Crescer
Revista do Hospital de Crianças Maria Pia Ano | 2005 Volume | XIV Número | 04 Directora | Sílvia Álvares; Directora Adjunta | Inês Moreira; Directora do Hospital de Crianças Maria Pia | Manuela Machado Corpo Redactorial | Amélia José; Ana Cristina Cunha; Artur Alegria; Carlos Enes; Carmen Carvalho; Conceição Mota; Esmeralda Martins; Inês Lopes; Laura Marques; Margarida Guedes; Maria do Carmo Santos; Miguel Coutinho Editores especializados | Fernando Pereira; Filipe Macedo; José Amorim; Margarida Reis Lima; Natália Teles; Tojal Monteiro Conselho Técnico | Gama de Sousa; Lígia Carvalho; Rui Nogueira Secretariado Administrativo | Carla Correia Publicação trimestral resumida e indexada por | EMBASE / Excerpta Médica; Catálogo LATINDEX Publicação parcialmente subsidiada pelo | Apoio do Programa Operacional Ciência, Tecnologia, Inovação do Quadro Comunitário de Apoio III Design Gráfico | bmais comunicação Execução Gráfica e paginação I Papelmunde, SMG, Lda Vila Nova de Famalicão ISSN | 0872-0754 Depósito Legal | n° 4346/91, anotada no Ministério da Justiça em 92.04.24 Tiragem | 2.500 exemplares Autorização CTT | DE 0005/2005 DCN Propriedade, Edição e Administração | Hospital de Crianças Maria Pia Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto; tel: 226 089 900; fax: 226 000 841; www.hmariapia.min-saude.pt Os trabalhos, a publicidade e a assinatura, devem ser dirigidos a I Coordenação da revista Nascer e Crescer Hospital de Crianças Maria Pia Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto; tel: 226 089 900; email: [email protected] Condições de assinatura | Anual 2006 (4 números) - 35 euros; Número avulso - 10 euros; Estrangeiro - 70 euros Conselho Científico Nacional Conselho Científico Internacional - Adelaide Justiça; - Agustina Bessa Luís; - Alfredina Guerra e Paz; - Álvaro Aguiar; - Carlos Duarte; - Carmen Santos; - Celeste Malpique; - Clara Barbot; - Cidade Rodrigues; - Damião Cunha; - Eloi Pereira; - Faria Gaivão; - Fernanda Teixeira; - Fernando Cardoso Rodrigues; - Filomena Caldas; - João Carlos Figueiredo de Sousa; - José Carlos Areias; - José Oliveira Simões; - José Maria Ferronha; - Lourenço Gomes; - Lurdes Lima; - Luís Januário; - Luís Lemos; - Luzia Alves; - Manuel Dias; - Manuel Rodrigues Gomes; - Manuela Machado; - Manuel Strech Monteiro; - Marcelo Fonseca; - Maria Augusta Areias; - Maria Salomé Gonçalves; - Morais Barbot; - Miguel Taveira; - Nuno Grande; - Octávio Cunha; - Paulo Mendo; - Pinto Machado; - Raquel Alves; - Rui Carrapato; - Maximina Pinto; - Sílvia Álvares; - Sodré Borges; -Tojal Monteiro. - Allan de Broca (Amiens); - Anabelle Azancot (Paris); - D. L. Callís (Barcelona); - F. Ruza Tarrio (Madrid); - Francisco Alvarado Ortega (Madrid); - George R. Sutherland (Edinburgh); - Harold R. Gamsu (Londres); - J. Bois Oxoa (Barcelona); - Jean François Chateil (Bordeaux); - José Quero (Madrid); - Juan Tovar Larrucea (Madrid); - Juan Utrilla (Madrid); - Peter M. Dunn (Bristol) Correspondentes - António Lima (H.0. Azeméis); - Areio Manso (H.Vila Real); - Arlindo Soares Oliveira (H.Ovar); - Dílio Alves (H.P.Hispano); - Ferreira da Silva (H.Régua); - Gama Brandão (Guimarães); - Gualdino Silva (H.Barcelos); - Guimarães Dinis (H.S.Tirso); - Henedina Antunes (H.Braga); - Joana Moura (H.Viana do Castelo); - Jorge Moreira (C.H.Póvoa Varzim/ Vila do Conde); - José Carlos Sarmento (C.H.Vale Sousa); - José Castanheira (H.Viseu); - Lopes dos Santos (H.P.Hispano); - Manuel Tavares (H.Amarante); - M. Judite Marques (H.Bragança); - Pedro Freitas (H. Guimarães); - Reis Morais (H.Chaves); - Ricardo Costa (H.Covilhã); - Ventura Martins (H.Lamego FUNDADA EM 1882 Rua da Boavista, 713 – 4050-111 PORTO Tel. 222 081 050 SOMOS O SUPORTE DE HUMANIZAÇÃO DO HOSPITAL NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia índice ano 2005, vol XIV, n.º 4 número4.vol.XIV 275 Editorial Sílvia Álvares 277 Artigos Originais Investigação Molecular em 20 doentes com Citopatia Mitocondrial Célia Nogueira, Manuel Santos, Laura Vilarinho 286 Artigos de Revisão Abordagem Diagnostica e Terapêutica das Bronquiolites – revisão bibliográfica Anabela Bandeira, Clara Vieira, Lúcia Gomes, Guilhermina Reis, Margarida Guedes 292 Intersexo I. Genes envolvidos na determinação do sexo masculino Rosália Sá, Mário Sousa, Alberto Barros 300 Casos Clínicos Eritema Induratum de Bazin – a propósito de caso clínico Telma Barbosa, Ana Ramos, Virgílio Senra, Silva Caspurro, Conceição Rosário, Miguel Taveira 304 Artigo Recomendado Tojal Monteiro 307 Considerações éticas sobre a selecção de sexo através do diagnóstico genético pré-implantação Natália Oliva Teles Perspectivas Actuais em Bioética NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 311 Qual o seu Diagnóstico? Caso Endoscópico Fernando Pereira 313 Caso Estomatológico José M. S. Amorim 315 Genes, Crianças e Pediatras Gabriela Soares, João Silva, Miguel Rocha, Cristina Dias, Jorge Pinto-Basto, Márcia Martins, Ana Fortuna, Esmeralda Martins, Margarida Reis Lima 317 Imagens Filipe Macedo 319 Pequenas Histórias A negativa… M. Guilhermina Reis 320 A Criança, A Família e a Comunidade Carta a um Compatriota Arêlo Manso 321 Índice de Autores 2005 322 Índice de Assuntos 2005 324 Agradecimentos NASCER E CRESCER summary revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 number4.vol.XIV 275 Editorial Sílvia Álvares 277 Original Articles Molecular Investigation in 20 Patients with Mitochondrial Cytopathies Célia Nogueira, Manuel Santos, Laura Vilarinho 286 Review Articles Diagnostic and Therapeutic Approach of Bronchiolits – literature review Anabela Bandeira, Clara Vieira, Lúcia Gomes, Guilhermina Reis, Margarida Guedes 292 Intersex I. Genes envolved in male sex determination Rosália Sá, Mário Sousa, Alberto Barros 300 Clinical Cases Bazin’s Erithema Induratum – a case report Telma Barbosa, Ana Ramos, Virgílio Senra, Silva Caspurro, Conceição Rosário, Miguel Taveira 304 Recommended Article Tojal Monteiro 307 Ethical considerations on sex selection following pre-implantation genetic diagnosis Natália Oliva Teles Current Perspectives in Bioethics NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 311 What is your diagnosis? Endoscopic case Fernando Pereira 313 Oral Pathology case José M. S. Amorim 315 Genes, Children and Paediatricians Gabriela Soares, João Silva, Miguel Rocha, Cristina Dias, Jorge Pinto-Basto, Márcia Martins, Ana Fortuna, Esmeralda Martins, Margarida Reis Lima 317 Images Filipe Macedo 319 Short Stories The failure… M. Guilhermina Reis 320 The Child, the Family and the Community Message to a Compatriot Arêlo Manso 321 Author Index 2005 322 Subject Index 2005 324 Acknowledgements NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 editorial Desde 1940 que os progresso da medicina e cirurgia, da bioquímica, vacinação (especialmente a vacina antidiftérica, sarampo e tosse convulsa) e a educação das populações foram factores importantes na redução da taxa de mortalidade infantil. A neonatologia desenvolveu-se na década 60, iniciando-se uma nova era de assistência ao recém-nascido – a era dos cuidados especiais. Em 1970 surgem as primeiras unidades de cuidados intensivos neonatais, com equipas de médicos e enfermeiros especializados. Paralelamente desenvolvem-se a cirurgia neonatal, a cardiologia e cirurgia cardíaca, os cuidados intensivos pediátricos, bem como os sistemas de transporte da grávida (o transporte in utero) e do recém-nascido em ambulâncias especialmente concebidas para tratamento intensivo. São implementados os rastreio de doenças congénitas, nomeadamente o hipotiroidismo e a fenilcetonúria, a prevenção de doenças crónicas como a fibrose quística e a homocistinúria, o diagnóstico pré-natal, a introdução de novas vacinas, a investigação genética. Também actualmente se reconhece a importância dos factores sócio económicos no estado de saúde das populações. O “Relatório Black” (1980) veio demonstrar que as diferenças do estado de saúde são consequência, em grande parte, das condições de vida e trabalho. Já em 1974 Marc Lelond, Ministro da Saúde do Canadá, apresentara no Parlamento um documento sobre uma nova política de saúde: “A New Perspective on the Health of Canadians: a Working paper Document”, que pela primeira vez incluiu a importância do “ambiente externo”, físico e social e as áreas do comportamento como determinantes da saúde. Sabe-se pois que os comportamentos e estilos de vida são fundamentais para o estado de saúde e que estes se desenvolvem durante a infância e adolescência. Calcula-se que cerca de 600 000 pessoas com idades compreendidas entre os 35 e 64 anos morram todos os anos, especialmente por doenças relacionadas com os estilos de vida: quatro em cada dez devido ao cancro, três em cada dez por doença cardiovascular e quase uma em dez por acidente e suicídio. Os principais factores de risco destas doenças devem-se aos novos padrões de comportamento dos quais salientamos o sedentarismo, os erros alimentares, o tabagismo. Em 2004 foi publicado pela Organização Mundial de Saúde, o resultado de um estudo internacional sobre comportamentos, estilos de vida, relação com o meio envolvente (família, pares e escola) e bem-estar dos adolescentes, que contou com a participação da maioria dos países europeus, o Canadá e os Estados Unidos da América (Young people’s health in context. Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) study: international report from the 2001/2002 survey). Este estudo incluiu 162.000 adolescentes (de 11, 13 e 15 anos de idade), oriundos de 35 países e regiões. Considerando só a actividade física, hábitos alimentares e tabágicos, salientamos alguns dos resultados obtidos: - Menos de 50% dos jovens praticam a actividade física recomendada (uma hora ou mais de exercício físico moderado durante cinco dias ou mais da semana), sendo editorial 275 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 as raparigas menos activas do que os rapazes, diferença essa que se acentua com a idade. - Embora exista grande variabilidade nos diferentes países e regiões, menos de dois quintos dos jovens comem fruta diariamente e só um terço legumes e vegetais. Cerca de 20 a 50% dos inquiridos (variável de região para região) consumiam diariamente doces e refrigerantes. A percentagem de jovens (aos 13 e 15 anos) com excesso de peso variou entre 3 % e 35% - Relativamente aos hábitos tabágicos verifica-se uma grande variação nos diferentes grupos etários. Aos 15 anos, 11-57% dos rapazes e 12-67% são fumadores (a maioria dos quais com hábitos tabágicos diários). Este relatório é um marco importante na compreensão dos estilos de vida adoptados pelos jovens e mostra a necessidade de intervenção durante esta fase da vida do indivíduo de modo a prevenir os novos padrões de doença da civilização actual. Tanto mais que existe evidência crescente de que a promoção da saúde e de estilos de vida saudável podem ser mais importantes na redução da morbilidade e mortalidade do que as intervenções terapêuticas. Daí que se revista da maior importância que o pediatra e o médico de família, em todas as consultas, reservem alguns minutos para a prevenção e promoção da saúde: é nesta faixa etária que a educação poderá ter repercussões importantes no comportamento do futuro adulto. 276 editorial NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Investigação molecular em 20 doentes com citopatia mitocondrial Célia Nogueira1, Manuel Santos2, Laura Vilarinho1 RESUMO Nos últimos 30 anos, um largo espectro de doenças multissistémicas associadas a disfunções da mitocôndria, designando-se globalmente de citopatias mitocondriais, têm sido referenciadas, com sintomatologia desde o período neonatal até à idade adulta. Estas disfunções podem afectar qualquer órgão ou tecido do organismo, embora os músculos esquelético e cardíaco, e o SNC sejam os mais afectados, devido à sua elevada dependência do metabolismo energético. Há mais de uma década que a investigação molecular em patologias humanas relacionadas com disfunções da mitocôndria, tem sido centralizada no DNA mitocondrial (mtDNA) embora nos últimos anos, o foco da atenção se tenha voltado para a pesquisa de mutações no DNA nuclear (nDNA). Objectivos: O principal objectivo deste estudo foi investigar ao nível molecular (mtDNA e nDNA), indivíduos clínica, histológica e/ou bioquimicamente reconhecidos com patologia mitocondrial. Pacientes e Métodos: Foram estudados 20 doentes provenientes de hospitais de todo o país com alterações sugestivas de citopatia mitocondrial. Foram pesquisadas: i) alterações mais frequentes do mtDNA descritas na literatura, nomeadamente mutações pontuais e delecções. ii) novas mutações nos genes codificantes dos tRNAs mitocondriais e genes estruturais do mtDNA codificantes de subunidades da cadeia respiratória mitocondrial (CRM). iii) mutações nos genes nucleares que codificam subuni_______________ 1 Unidade de Biologia Clínica, Instituto de Genética Médica Jacinto Magalhães – Porto Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro 2 dades da CRM ou estejam envolvidos no assembly das mesmas. Resultados: Dez dos 20 doentes investigados apresentaram mutações pontuais patogénicas já descritas na literatura e delecções ao nível do mtDNA. Em quatro pacientes foram encontradas cinco novas mutações nos genes dos tRNAs. Três pacientes apresentaram um possível défice da ubiquinona. Em dois pacientes com síndrome de Leigh, foram encontrados duas novas mutações no gene de assembly (SURF1) da Citocromo c oxidase (COX), e por último no paciente com défice do complexo III da CRM, estão a ser efectuados estudos de linkage ao nível do cromossoma X. Conclusões: Neste estudo partiuse de vários fenótipos clínicos e bioquímicos, sugestivos de patologia mitocondrial, para a caracterização dos genótipos associados, de modo a estabelecer um diagnóstico preciso destas patologias. A caracterização molecular dos 20 doentes com citopatia mitocondrial propostos para este estudo foi realizada com êxito em 14/20 (70%) dos pacientes. Palavras-Chave: Cadeia respiratória mitocondrial, OXPHOS, tRNAs, mtDNA, nDNA. Nascer e Crescer 2005; 14(4): 277-285 INTRODUÇÃO A mitocôndria tem um papel fundamental na produção de energia e uma alteração do metabolismo mitocondrial pode consequentemente originar uma doença. A natureza ubiquitária da mitocôndria, os dois tipos de controlo genético (mitocondrial e nuclear) da cadeia respiratória mitocondrial (CRM) e os conceitos característicos da genética mitocondrial, são os factores que contribuem para um largo espectro de manifestações clínicas associados a disfunções numa área restrita mas vital do metabolismo mitocondrial: a fosforilação oxidativa (OXPHOS), que representa a etapa final do metabolismo oxidativo, onde a maior parte do ATP celular é gerado(1). Os défices da OXPHOS podem afectar qualquer órgão ou tecido do organismo, sendo os músculos esquelético e cardíaco e o SNC os mais afectados, devido à sua elevada dependência do metabolismo energético. Assim se compreende que as formas de apresentação mais frequentes incluam: o quadro miopático, a encefalo(mio)patia e a oftalmoplegia externa progressiva (PEO)(2). É a associação de sintomas e sinais neurológicos, não explicáveis em termos de topografia de lesões ou de atingimento preferencial de sistemas específicos, que pode evocar este diagnóstico, não existindo, um quadro clínico específico de Citopatia Mitocondrial. Um recente estudo epidemiológico demonstrou que aproximadamente 1 em 10.000 indivíduos na população adulta e infantil possuem doenças mitocondriais ou correm o risco de as virem a desenvolver, o que indica que estas doenças constituem o maior grupo de erros inatos do metabolismo. Estes resultados reflectem que estas doenças são uma causa comum de morbilidade crónica, não estando disponível, até ao momento, nenhuma terapia eficaz(3). Wallace e colaboradores (1988), descreveram pela primeira vez uma mutação no DNA mitocondrial (mtDNA) como causa de doença, abrindo um novo capítulo na Medicina, a Medicina Mitocondrial. Desde então, cerca de uma centena de mutações pontuais patogéni- artigos originais 277 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 cas diferentes e de delecções foram identificadas(4). Estas mutações podem ser agrupadas em quatro grandes grupos: i) rearranjos de grandes dimensões (delecções e duplicações); ii) mutações pontuais nos genes mitocondriais codificantes de proteínas; iii) mutações pontuais nos genes dos rRNAs; iv) mutações pontuais nos genes dos tRNAs(5). Nos últimos anos, o foco da atenção voltou-se para a pesquisa de mutações no DNA nuclear (nDNA), em genes que codificam subunidades estruturais da CRM / OXPHOS, genes necessários ao assembly das mesmas, ou envolvidos na comunicação intergenómica(6). Os genomas nuclear e mitocondrial estão separados, mas funcionam em coordenação aparentemente sob o controlo do genoma nuclear. A replicação, transcrição e tradução do genoma mitocondrial dependem de factores codificados pelo nDNA. Algumas doenças têm sido associadas a defeitos na comunicação intergenómica, e podem ser caracterizadas quer pela presença de delecções múltiplas do mtDNA, como é o caso da PEO de transmissão autossómica dominante e recessiva e da encefalomiopatia neurogastrointestinal mitocondrial (MNGIE), quer por deplecção ao nível da molécula de mtDNA, que está presente nos casos de deplecção infantil fatal de mtDNA(7). Nos últimos cinco anos, foram encontradas várias mutações nos genes nucleares que codificam inúmeras proteínas envolvidas na biogénese mitocondrial e na OXPHOS. Cada vez mais, as mutações no nDNA estão a ser apontadas como causa de encefalomiopatias mitocondriais, contribuindo, assim, para a abertura de uma nova era “nuclear” na genética mitocondrial humana(8). É de realçar que apenas uma diminuta percentagem das necessidades proteicas mitocondriais é satisfeita pela própria mitocôndria. Noventa e cinco por cento das proteínas mitocondriais são codificadas por genes nucleares, produzidas como percursores nos polissomas citoplasmáticos, importadas para a mitocôndria e aí processadas e agrupadas nos compartimentos mitocondriais adequados. 278 artigos originais Devido ao complexo controlo genético da mitocôndria, as proteínas codificadas pelos dois genomas têm que coexistir estequeométricamente de modo a formarem cinco complexos funcionais. Assim, as alterações ao nível das subunidades codificadas pelos dois genomas, quer o incorrecto enrolamento e/ou assembly dessas subunidades provocado por mutações nos genes envolvidos, podem causar doenças da OXPHOS(9). MATERIAL E MÉTODOS Os pacientes incluídos neste estudo eram provenientes de hospitais de todo o país e seleccionados com base: i) no fenótipo clínico apresentado. ii) no défice isolado ou combinado dos complexos da CRM detectados no estudo bioquímico da biópsia muscular. iii) na observação de RRFs (ragged-red fibers) ou de outras alterações sugestivas de citopatia mitocondrial detectadas no exame miopatoló- Quadro I - Dados clínicos, morfológicos e bioquímicos dos 20 pacientes deste estudo. Idade de Paciente diagnóstico (anos) Fenótipo clínico Histologia* Distrofia escapulo humeral; cifoescoliose; Fibras atrofiadas; parésia facial; tetraparésia; falta de forças COX(-) + Ptose palpebral; RRFs + Atrofia dos músculos proximais dos COX(-) ++ membros superiores Actividade enzimática residual dos complexos da CRM* 1 5 2 44 3 56 D. mitocondrial RRFs +++ Normal 4 45 Hx familiar de atingimento neurologico Normal III (35%) 5 27 D. mitocondrial; AVCs 6 57 7 5 8 65 9 29 10 22 11 33 12 43 IV (26%) IV (20%) Miopatia metabólica; Défice da CPT (secundário) Sobrecarga lipídica Sobrecarga lipídica I(21%); II(19%); IV(27%) Miopatia RRFs + Normal IV(19%) KSS -- Normal Encefalopatia mioclónica progressiva; atraso mental; surdez Hx epilepsia mioclónica e diabetes; AVC isquémico; baixa estatura; hipertricose; polineuropatia periférica; hiperlactacidemia Tetraparésia flácida com atrofia muscular; MERRF Sobrecarga lipídica Normal RRFs + Normal Atrofia óptica; LHON (?) -- -- RRFs +++ IV (35%) 13 66 PEO -- I(32%); III(39%); IV(25%) 14 35 Perda bilateral da visão s/ causa aparente; LHON (?) -- -- 15 39 MERRF; Hx familiar RRFs +++ Normal 16 65 Miopatia mitocondrial RRFs ++ Normal 17 25 LHON -- -- 18 17 MNGIE; Polineuropatia axonal -- Normal 19 2 Síndrome de Leigh -- -- 20 7 Síndrome de Leigh -- -- Abreviaturas: (*) biópsia de músculo; (+) pouco frequente; (++) frequente; (+++) abundante; RRFs (red ragged fibers); COX (-) (fibras citocromo c oxidase negativas); (--) não determinado; MNGIE (encefalomiopatia neurogastrointestinal mitocondrial); KSS (Síndrome de Kearns-Sayre); ADPM (atraso do desenvolvimento psicomotor); AVC (acidente vascular cerebral); CPT (carnitina palmitoíl- transferase); MERRF (epilepsia mioclónica com fibras rotas e vermelhas); LHON (neuropatia óptica hereditária de Leber). NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 gico da biópsia muscular, nomeadamente, fibras COX negativas (-) ou inclusões paracristalinas (Quadro I). A investigação molecular do mtDNA e do nDNA foi efectuada em DNAs dos 20 doentes previamente seleccionados, através das técnicas de: 1) Polymerase Chain Reaction - Restriction Fragment Lenght Polymorphism (PCR - RFLP); 2) sequenciação directa dos produtos da PCR; 3) análise de fragmentos; e 4) Southern-blot, para a detecção de rearranjos (delecções, duplicações) e quantificação do mtDNA presente num determinado tecido. A extracção de DNA foi feita a partir de sangue total, buffy coat ou leucócitos, utilizando um kit comercial da Qiagen®, e da fracção insolúvel dos homogeneizados das biópsias musculares obtida após centrifugação, pelo método do fenol/clorofórmio e precipitação com isopropanol. 1. Todos os estudos de análise directa do DNA efectuaram-se em produtos de PCR. Os fragmentos amplificados foram digeridos pela respectiva enzima de restrição durante 2h a 37ºC e submetidos a electroforese horizontal em géis de poliacrilamida (T=12%, C=3%). O sistema utilizado foi o Multiphor (Pharmacia) acoplado a um sistema de refrigeração. Após a separação electroforética, as bandas Quadro II - Mutações pontuais do mtDNA, já descritas na literatura, pesquisadas por PCR-RFLP. Mutação pontual no mtDNA Referência bibliográfica A3243G - (tRNALeu) T3271C - (tRNALeu) [17] [18] MERRF A8344G - (tRNALys) T8356C - (tRNALys) [19] [20] NARP/ MILS T8993G - (ATPase6) T8993C - (ATPase6) T8851C - (ATPase6) T9176C - (ATPase6) T9176G - (ATPase6) [21] [22] [23] [24] [25] LHON G3460A - (ND1) G11778A - (ND4) T14484C - (ND6) A14495G - (ND6) [26] [27] [28] [29] Patologia MELAS correspondentes aos fragmentos de DNA foram visualizadas por coloração com nitrato de prata. As mutações pesquisadas por rotina estão referidas no Quadro II. Esta metodologia também foi utilizada na análise filogenética de novas mutações ao nível do mtDNA, para determinar o grau de conservação dos nucleótidos envolvidos de modo a estabelecer a possível patogenicidade. Nos casos positivos procedeu-se à marcação radioactiva dos amplificados com 32P através da adição de 10μCi de [α32P]-dATP e execução de apenas dois ciclos adicionais no termociclador para evitar a formação de heteroduplexes. Os produtos de amplificação foram digeridos com a enzima de restrição adequada à mutação a quantificar e migraram em gel vertical de poliacrilamida, a 12% ou 8%, não desnaturante. Obtiveram-se autoradiografias por exposição do gel a um filme fotográfico (XAR-Kodak) à temperatura ambiente durante uma noite. A percentagem de mtDNA mutado foi determinada por densitometria num densitómetro (GS-700 - BioRad) e os resultados analisados pelo software MultiAnalyst (BioRad). 2. A sequenciação automática de alguns genes mitocondriais, de assembly e nucleares, foi efectuada num Quadro III – Genes pesquisados por sequenciação automática. ABI PRISM 310 (Applied Biosystems) (Quadro III). A preparação da amostra para sequenciação automática inicia-se pela realização de uma PCR simétrica e purificação do amplificado (remoção de dNTPs e excesso de oligonucleotídeos) através de uma electroforese do amplificado num gel de agarose a 2% em 1xTAE com brometo de etídio. As amostras purificadas foram submetidas a sequenciação cíclica, utilizando-se uma mistura comercial (Perkin-Elmer, Applied Biosystems) que possui dNTPs, ddNTPs marcados com 4 fluorocromos distintos, tampão e uma DNA-polimerase. Os fragmentos sintetizados (produtos da PCR assimétrica) foram purificados. A preparação final para injecção no ABI PRISM envolveu a recuperação do precipitado com 30μl de uma mistura (TSR) com características desnaturantes e elevada viscosidade (Perkin-Elmer, Applied Biosystems). 3. A análise de fragmentos foi utilizada neste trabalho na realização de estudos de linkage, numa família com défice do complexo III da CRM. Foi utilizado um kit de linkage para o cromossoma X (Linkage Mapping set version 2 - painel 28 - Applied Biosystems), o qual possui 18 marcadores bastante polimórficos (CA-repeats), marcados com fluorescência e distanciados de 10cM. A separação e análise dos fragmentos foi realizada num ABI PRISM 310 (Applied Biosystems) com o programa Gene Scan 2.1. Genes Mitocondriais Assembly (complexo IV) tRNAs (Phe,Val, Leu(UUR), Ile, Gln, Met, Trp, Ala, Asn, Cys, Tyr, Ser(UCN), Asp, Lys, Gly, Arg, His, Ser(AGY), Leu(CUN) , Glu, Thr, Pro). Cit b COX I, II, III SURF1 SCO2 SCO1 COX 10 Assembly (complexo III) BCS1L Nucleares (complexo III) CyC1 UQCRB UQCRC1 UQCRC2 UQCRFS1 UQCRH 4. Para o Southern-blot utilizou-se o método de marcação por quimiofluorescência. O DNA total muscular foi digerido por endonucleases de restrição. Os fragmentos obtidos foram submetidos a uma electroforese em gel de agarose a 0,8%. Posteriormente, o gel foi desnaturado e neutralizado, fez-se a transferência durante a noite para uma membrana de nylon (Zeta-probe BioRad), fixando-se de seguida o DNA à membrana. Procedeu-se à hibridização durante a noite com uma sonda de mtDNA total humano, previamente desnaturada, marcada com Fluoresceína-11-dUTP (Fl-dUTP) (Gene Images Random Prime Labelling Modu- artigos originais 279 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 le - Amersham Pharmacia Biotech). A revelação da membrana foi feita com o substrato estável, dioxetano. Por último a membrana foi exposta a um filme fotográfico durante cerca de 30 minutos e as determinações densitométricas dos sinais de hibridização nas autorradiografias foram efectuadas usando um densitómetro (GS-700 – BioRad). RESULTADOS E DISCUSSÃO Neste estudo fez-se a investigação molecular, ao nível do mtDNA e nDNA, em 20 doentes portugueses, sendo 12 do sexo masculino e 8 do sexo feminino, com idades compreendidas entre os dois e os 66 anos. Partiu-se da análise de vários fenótipos clínicos e bioquímicos, sugestivos de patologia mitocondrial, para Quadro IV – Dados clínicos e moleculares dos doentes estudados. Idade de Paciente diagnóstico Sexo (anos) 1 5 Fenótipo clínico História Mutações/ Localização % familiar delecções mtDNA nDNA mutado M Tetraparésia; falta de forças HM A12172G tRNAHis ------ 100% -- T5775C tRNACys ------ 100% 2* 44 M Ptose palpebral bilateral; atrofia muscular 3 56 F D. mitocondrial -- C4375T T14728C tRNAGln tRNAGlu ----------- 100% 97% 4 45 M D. neurológica X -- ------ CrX -- 5* 27 M D. mitocondrial; AVCs -- -- ------ ------ -- 6* 57 F Miopatia metabólica -- -- ------ ------ -- Asn 7 5 F Miopatia -- A5711G tRNA ------ 100% 8 65 M KSS -- ∆ comum (1) ------ -- 9 29 F Encefalomiopatia progressiva -- T8993G 10 22 F AVCs HM A3243G ATPase6 ------ 86% Leu ------ 90% Lys tRNA 11 33 F Tetraparésia; MERRF HM A8344G tRNA ------ 92% 12 43 M Atrofia óptica; LHON (?) HM G15257A G13708A G15812A cit b ND5 Cit b ---------------- 100% 13 66 M PEO -- ∆ múltiplas (2) ------ -- 14 35 M Perda bilateral da visão; LHON (?) -- T14484C ND6 ------ 100% 15 39 M MERRF HM A8344G tRNALys ------ 92% 16 65 F Miopatia mitocondrial -- ∆ simples (3) ------ -- 17 25 M LHON -- G11778A ND4 ------ 100% 18 17 M MNGIE -- -- ------ ------ -- 19 2 F Síndrome de Leigh -- A745G/N ------ SURF1 -- 20 7 M Síndrome de Leigh -- G551C/N ------ SURF1 -- Abreviaturas: (F) feminino; (M) masculino; (%) % mtDNA mutado no músculo esquelético; (A) anos; (∆ ) delecção; (--) não identificado; (1) ∆ 4997pb: ATPase8-ND5; (2) ∆ 8025pb: tRNAAsp-cit b, ∆3901pb: ATPase8-tRNALeu e ∆ 4977 pb: ATPase8-ND5; (3) ∆ 3977pb: ATPase8-ND5; (AVC) acidente vascular cerebral); (KSS) síndrome de Kears-Sayre; (PEO) oftalmoplégia externa progressiva; (MERRF) epilepsia mioclónica com fibras rotas e vermelhas; (LHON) neuropatia óptica hereditária de Leber; (MNGIE) encefalomiopatia neurogastrointestinal mitocondrial); (HM) hereditariedade materna; (X) hereditariedade ligada ao X; (CrX) cromossoma X; (*) Défice da ubiquinona. 280 artigos originais a caracterização dos genótipos associados, de modo a estabelecer um diagnóstico preciso destas patologias. A caracterização molecular dos 20 doentes com citopatia mitocondrial propostos para este estudo foi realizada com êxito em 14/20 (70%) dos pacientes (Quadro IV). 1. Mutações no mtDNA Foi encontrada positividade, em 10 dos 20 pacientes estudados, quer para mutações pontuais patogénicas já descritas na literatura, quer para delecções ao nível da molécula de mtDNA. Num paciente com fenótipo de MELAS e RRFs detectou-se a mutação pontual patogénica A3243G no tRNALeu(UUR). Noutros dois com fenótipo de MERRF, o genótipo associado foi a mutação pontual patogénica presente no tRNALys, a A8344G. Em três pacientes com fenótipo de LHON, foram encontradas três mutações pontuais patogénicas diferentes, a G11778A, T14484C e G15257A, presentes nos genes ND4, ND6 e citocromo b, respectivamente. O paciente portador da mutação G15257A, possuía associadas mais duas mutações secundárias, a G13708A e a G15812A. Uma outra mutação, T8993G, presente no gene ATPase 6, estava presente num paciente que não apresentava um fenótipo típico de NARP, mas sim uma encefalopatia mioclónica progressiva. Três pacientes possuíam delecções ao nível do mtDNA. Um deles com KSS, era portador da delecção mais comum do mtDNA, de 4977pb, que se estende desde o gene da ATPase 8 até ao gene ND5. Os outros dois apresentavam delecções múltiplas de vários tamanhos: 3901pb, 3977pb, 4977pb e 8025pb, um deles com miopatia mitocondrial e RRFs e outro com fenótipo de PEO (Figura 1). Em quatro pacientes foram encontradas cinco novas mutações nos genes dos tRNAs com relevância patogénica ainda a esclarecer (Figura 2). Os critérios utilizados neste estudo para estabelecer a possível patogenicidade de mutações ao nível do mtDNA foram:, i) heteroplasmia, ii) ausência de positividade, para a respectiva mutação pontual, em 100 controlos normais, iii) conservação filogenética do nucleótido afectado, iv) défice de um ou vários complexos da CRM, NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 possuindo os restantes uma actividade normal dos complexos da CRM. Nos estudos histológicos, foi detectada a presença de RRFs em três pacientes, e fibras COX negativas nos pacientes que revelaram défice do complexo IV da CRM. Os fenótipos clínicos de todos os pacientes eram sugestivos de patologia mitocondrial, e variavam desde a miopatia, ptose palpebral bilateral, atrofia dos músculos proximais dos membros superiores, à tetraparésia e falta de forças. Figura 1. i) – Secção de autorradiografias representativa de delecções no mtDNA de diferentes tamanhos. (A) controlo negativo; (B) delecção de 4977pb; (C) delecção de 3977 pb. Figura 1. ii) – Secção de autorradiografias representativa de delecções múltiplas no mtDNA. (A) P13 - caso positivo; (B) controlo negativo. v) alterações na histologia e vi) fenótipo clínico sugestivo de doença mitocondrial. A patogenicidade das mutações homoplásmicas pode ser nula, se for observada a presença da mesma mutação homoplásmica em familiares saudáveis da linha materna. Apenas uma das novas mutações encontrada no tRNAGlu (T14728C), ocorreu em heteroplasmia (97% de mtDNA mutado). Todas as outras eram homoplásmicas, embora tivesse sido encontrada positividade em duas destas mutações homoplásmicas (A12172G e T5775C, presentes nos tRNAs His e Cys, respectivamente), em dois irmãos com fenótipo semelhante ao dos pacientes que as expressavam. Após pesquisa das cinco novas mutações, em 100 controlos normais, não foi detectada positividade em qualquer das mutações. Os nucleótidos afectados apresentavam elevado grau de conservação (90100%), apenas em três das cinco mutações encontradas (A12172G, C4375T e T14728C, presentes nos tRNAs His, Gln e Glu, respectivamente), nas restante duas (A5711G e T5775C) mutações não foi possível averiguar o grau de conservação dos nucleótidos afectados. Só dois dos quatro pacientes portadores das mutações (A12172G e T5775C, dos tRNAs His e Cys, respectivamente) apresentavam défice do complexo IV da CRM, 2. Mutações no nDNA A maioria dos pacientes estudados, apresentavam défices isolados da COX. Como, até ao momento, só foram descritas mutações nas quatro proteínas envolvidas no correcto assembly da COX: SURF1, SCO2, SCO1 e COX10, não tendo sido ainda descritas quaisquer mutações nas subunidades da COX codificadas pelo nDNA, procedeu-se em primeiro lugar à investigação de possíveis alterações nas proteínas envolvidas na assembly da COX. Os dois doentes incluídos neste estudo com apresentação clínica compatível com síndrome de Leigh (SL), revelaram-se heterozigóticos para duas mutações presentes no gene do assembly da COX, SURF1. Estas mutações, G551C e A745G encontravam-se nos exões 6 e 7, respectivamente. A primeira mutação origina a substituição de um resíduo de arginina por um de treonina, enquanto que na segunda ocorre a substituição de um resíduo de asparagina por um de ácido aspártico. Embora as duas mutações sejam sugestivas de causar a patologia, devido à sua localização exónica, ainda não foi encontrada a segunda mutação responsável por este fenótipo. O défice da COX, é o défice bioquímico mais frequentemente associado ao SL, contudo não foi possível a determinação da actividade dos complexos enzimáticos da CRM, nestes dois pacientes, devido ao facto de não dispormos de biópsia muscular para efectuar este estudo. 3. Défice da ubiquinona ou CoQ10 O diagnóstico de défice da ubiquinona ou CoQ10, foi efectuado em dois artigos originais 281 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Figura 2. i) – Estrutura em folha de trevo do tRNAGlu (localizado na cadeia leve do mtDNA, pelo que possui uma sequência complementar à sequência de Cambridge do mtDNA). Representação da nova mutação (T14728C) detectada neste estudo. Abreviaturas: nt – nucleótido. ii) – Estrutura em folha de trevo do tRNAAsn (localizado na cadeia leve do mtDNA, pelo que possui uma sequência complementar à sequência de Cambridge do mtDNA). Representação da nova mutação (A5711G) detectada neste estudo. iii) – Estrutura em folha de trevo do tRNACys (localizado na cadeia leve do mtDNA, pelo que possui uma sequência complementar à sequência de Cambridge do mtDNA). Representação da nova mutação (T5775C) detectada neste estudo. iv) – Estrutura em folha de trevo do tRNAHis. Representação da nova mutação (A12172G) detectada neste estudo. v) – Estrutura em folha de trevo do tRNAGln (localizado na cadeia leve do mtDNA, pelo que possui uma sequência complementar à sequência de Cambridge do mtDNA). Representação da nova mutação (C4375T) detectada neste estudo. 282 artigos originais NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 pacientes (P2 e P6) que reagiram com sucesso à terapêutica com ubiquinona, encontrando-se em curso os ensaios terapêuticos no terceiro paciente (P5). Esta deficiência, a nível muscular, reflecte-se numa baixa actividade do complexo II+III da CRM, o que foi comprovado nestes três pacientes. Fenotipicamente todos eles apresentavam uma forma miopática característica destes défices, e no estudo miopatológico, dois deles revelaram a presença de acumulações lipídicas, tendo sido detectadas, apenas num deles, RRFs. Não foi possível caracterizar molecularmente estes pacientes, devido ao gene envolvido nesta doença ainda não ter sido identificado. Por este motivo, o método mais indicado para a confirmação bioquímica deste diagnóstico, será a quantificação da CoQ10 por HPLC, o que está actualmente em curso. 4. Estudos familiares Qualquer tipo de hereditariedade pode estar associada às citopatias mitocondriais, mas a hereditariedade materna é particular do genoma mitocondrial e é um dado muito importante na investigação destas patologias, sendo por vezes difícil de comprovar devido à grande heterogeneidade fenotípica destes doentes, em particular dos oligossintomáticos. Houve suspeita de uma hereditariedade materna em 25% dos doentes presentes neste estudo, mas só foi possível o estudo em nove indivíduos, familiares de cinco pacientes com mutações pontuais no mtDNA. Num dos pacientes com a mutação A8344G ao nível do tRNALys e no que apresentava a mutação G15257A no gene mitocondrial do citocromo b, foram estudadas a mãe e o irmão, tendo sido positivos para ambas as mutações, o que confirma a transmissão materna. No outro paciente também com a mutação A8344G no tRNALys, assim como noutros dois, com novas mutações nos genes dos mt tRNAs de relevância patogénica ainda desconhecida (A121721G e T5775C, presentes nos tRNAs His e Cys, respectivamente), apenas os irmãos foram estudados, revelando-se todos eles positivos para as mutações pesquisadas, sugerindo também uma possível hereditariedade materna. Por último numa família de três irmãos do sexo masculino com défice do CIII da CRM, semelhante em termos de actividade residual, outro tipo de hereditariedade parece estar associada. Após exclusão de positividade nos genes nucleares e de assembly deste complexo, e por não haver consanguinidade entre os progenitores, a hipótese de se tratar de uma doença autossómica recessiva não foi totalmente posta de parte, mas o facto de não haver nenhum indivíduo do sexo feminino afectado e dos irmãos afectados apresentarem alterações psiquiátricas, pareceu indicativo de se tratar de uma hereditariedade ligada ao cromossoma X. Procedeu-se por este motivo ao estudo de linkage ao nível do cromossoma X, com o objectivo de se encontrar o gene envolvido na patologia. Até ao momento, a análise automática de fragmentos resultante da amplificação de 18 marcadores do cromossoma X, foi informativa para os marcadores DXS987 e DXS1226. O estudo revelou que a mãe e a irmã do caso índex são portadoras dos alelos 214 e 295 dos locus DXS987 e DXS1226, respectivamente, enquanto que os três irmãos afectados são hemizigóticos para estes dois alelos. Embora as portadoras dos alelos mutantes não revelem a patologia, transmitem-na aos seus descendentes, sendo os indivíduos do sexo masculino severamente afectados. Isto torna possível prever que estaremos perante uma doença autossómica recessiva ligada ao cromossoma X. Estudos mais aprofundados terão de ser realizados no futuro, de modo a descobrir qual o gene envolvido nesta patologia, o que traria grandes avanços quer ao nível da investigação clínica (uma vez que os défices dos complexos enzimáticos da CRM ligados ao cromossoma X são extremamente raros), quer ao nível do diagnóstico, podendo este ser oferecido às famílias afectadas. CONCLUSÃO As citopatias mitocondriais constituem um grupo de doenças com um largo espectro de sintomas e sinais, devidas ao anormal funcionamento metabólico da mitocôndria, em larga escala atribuídos a alterações do mtDNA. A diversidade na expressão fenotípica associada às mutações no mtDNA, não se encontra presente nas patologias mitocondriais de hereditariedade mendeliana, pois estas causam fenótipos clínicos distintos, tais como: SL ou cardioencefalomiopatia fatal infantil. Mutações pontuais e delecções ao nível do mtDNA são encontradas em aproximadamente 1/3 das citopatias mitocondriais, quer em adultos, quer em crianças, devendo por este motivo, ser feito em primeiro lugar, um estudo a este nível. Pelo contrário, mutações no nDNA, são a principal causa de deficiências da CRM em recém-nascidos e em crianças. A descoberta de genes nucleares relacionados com doenças mitocondriais, pode explicar a raridade (10%) de mutações do mtDNA encontradas na população infantil, e a possibilidade de um diagnóstico molecular preciso, nestas idades. i) Estratégias terapêuticas Actualmente não existe uma terapia eficaz para as doenças mitocondriais(10), à excepção do défice da ubiquinona, que é a única doença mitocondrial tratável, uma vez que este défice primário responde à terapêutica com CoQ10 com regressão dos sintomas. Isto deve-se quer à falta de animais modelo, quer à heterogeneidade destas doenças. Contudo, inúmeras medidas, tais como melhorias na alimentação, implantação de pacemakers, correcções cirúrgicas de ptose, tratamento de convulsões, correcção da acidose láctica, etc, foram tomadas com vista a melhorar a qualidade de vida destes doentes(11). A terapia metabólica é a mais utilizada, tendo sido a creatina um dos últimos compostos indicados para o tratamento destas doenças, pois funciona como substrato na síntese de fosfocreatina, o componente energético armazenado mais abundante no músculo, cérebro e coração. Esta substância, é eficaz em algumas, mas não em todas as doenças mitocondriais. Tem como finalidade o au- artigos originais 283 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 mento da força muscular, e está isenta de efeitos secundários(12). A CoQ10 ou ubiquinona tem sido administrada em doentes com grande heterogeneidade fenotípica, podendo actuar como i) transportador de electrões para o complexo III, a partir dos complexos I e II assim como da β-oxidação dos ácidos gordos e dos aminoácidos ramificados via FADH2, ii) estabilizador membranar e iii) antioxidante(13). A idebenona, é um análogo da CoQ10 de cadeia curta, tem função antioxidante e protege a mitocôndria da acção dos radicais livres. Tem sido eficaz no tratamento da ataxia de Friedreich, uma vez que a frataxina participa na utilização do ferro para construir os complexos da CRM, levando a sua deficiência à acumulação de ferro, e consequentemente à formação de radicais livres, que resultaria numa destruição dos complexos da CRM(14). A terapia vitamínica apesar de na maioria dos casos, não ser muito eficaz, é também bastante utilizada, nomeadamente as vitaminas do complexo B (Tiamina - vitamina B1, Riboflavina - vitamina B2 e Niacinamida - vitamina B3) e as do complexo E. Trata-se de uma terapia muito económica, sendo as vitaminas do complexo B, componentes essenciais para a função de inúmeras enzimas relacionadas com a produção de energia, enquanto que as do complexo E funcionam como antioxidantes, evitando que os radicais livres danifiquem os lípidos membranares, como por exemplo os da membrana mitocondrial interna(15). ii) Aconselhamento genético e diagnóstico pré-natal O diagnóstico pré-natal destas patologias raramente é efectuado(16), se envolve mutações no genoma mitocondrial, porque a percentagem de mtDNA mutado nos amniócitos pode não ser idêntica à dos outros tecidos fetais, pode variar ao longo da gravidez e pode ainda aumentar após o nascimento, devido à segregação mitótica. Esta característica explica a falta de fiabilidade deste diagnóstico e a importância de um aconselhamento genético a estas famílias. 284 artigos originais Contudo, quando a mutação causal é conhecida e está localizada ao nível dos genes nucleares que codificam subunidades da CRM, pode oferecer-se um diagnóstico pré-natal ao casal de risco. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Dr. António Guimarães e ao Dr. Melo Pires da Neuropatologia do HGSA pela disponibilidade dos dados miopatológicos referentes aos doentes estudados. A todos os clínicos que enviaram as amostras para serem estudadas no nosso laboratório. MOLECULAR INVESTIGATION IN 20 PATIENTS WITH MITOCHONDRIAL CYTOPATHIES ABSTRAT Dysfunction of the mitochondrial respiratory chain has been recognized as a cause of a large, and diverse group of multisystemic disorders for over 30 years. Respiratory chain diseases may develop at any time from the neonatal period to late adult life. Although tissues with a high demand for oxidative phosphorylation such as brain and skeletal muscle are frequently affected, virtually any tissue can be involved. Because of that, multisystemic mitochondrial diseases are often referred to as mitochondrial encephalomyopathies, or in a larger concept, as mitochondrial cytopathies. For more than a decade, the search for pathogenic mutations in human diseases due to respiratory chain dysfunction has been focused on the mitochondrial genome (mtDNA). In the past few years, the focus of attention has shifted to the search for mutations within the nuclear DNA (nDNA). Objectives: The scope of this project was to study at a molecular level patients who had clinical presentations or laboratory features suggestive of mitochondrial cytopathies. Patients and Methods: We studied 20 patients from all the country with mitochondrial dysfunctions. We investigated: i) the most frequent mutations in the mtDNA already described in the literature, pontual mutations and deletions. ii) mutations in mt-tRNAs genes and in structural mtDNA genes. iii) mutations in nuclear genes that encode structural subunits of respiratory chain and that are needed for the assembly of these subunits. Results: Ten of these 20 patients revealed pathogenic mtDNA point mutations (in tRNA and structural genes), large-scale and multiple mtDNA deletions, already described in the literature. Other four showed five new mutations in the tRNA genes, whose pathogenesis is still unknown. Ubiquinone deficiency was suspected in three of these 20 patients, confirmed by therapeutical tests in two of them. In two patients with Leigh syndrome two new mutations were detected in the COX assembly gene (SURF1). Linkage analysis around the X chromosome has been performed in a patient’s family who presented a deficiency of complex III of the respiratory chain, aiming to identify the pathological involved gene. Conclusions: In this study we started from different clinic and biochemic phenotypes suggestive of mitochondrial disease, to characterize the associated genotypes, with the aim to establish the molecular cause of these disorders. The molecular characterization of the 20 patients with mitochondrial cytopathies included in this study was done with success in 14/20 (70%) of them. Key-words: mitochondrial respiratory chain, OXPHOS, tRNAs, mtDNA, nDNA. Nascer e Crescer 2005; 14(4): 277-285 BIBLIOGRAFIA 1. DiMauro S. Mitochondrial Diseases. Biochim Biophys Acta 2004; 1658 (1-2): 80-88. 2. DiMauro S, Rosenberg RN and Prusiner SB. Mitochondrial Encephalomyopathies. Molecular and Genetic Basis of Neurological Disease 1993; 665-694. 3. Thornburn DR. 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Correspondência: Doutora Laura Vilarinho Instituto de Genética Médica Jacinto de Magalhães Praça Pedro Nunes, 88 4099-028 Porto Tel: 226 070 306 Fax: 226 070 399 [email protected] artigos originais 285 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Abordagem diagnóstica e terapêutica das bronquiolites - revisão bibliográfica Anabela Bandeira1, Clara Vieira1, Lúcia Gomes2, Guilhermina Reis2, Margarida Guedes3 RESUMO As bronquiolites são um problema de saúde frequente e potencialmente grave nos lactentes. Representam uma das principais causas de internamento hospitalar nos meses de Outono e Inverno. Até à data não existem estudos controlados e randomizados a provar a eficácia da maioria das atitudes terapêuticas. Os broncodilatadores, a adrenalina e os corticóides têm sido usados no tratamento, sem evidência comprovada da sua eficácia. Os autores fazem uma revisão dos conceitos de bronquiolite e dos níveis de evidência das várias atitudes terapêuticas, apresentando uma proposta de abordagem diagnóstica e terapêutica de acordo com a gravidade da situação clínica. Palavras-chave: bronquiolite; broncodilatadores, adrenalina, corticóides Nascer e Crescer 2005; 14(4): 286-291 INTRODUÇÃO As bronquiolites representam uma das patologias mais frequentes na criança, principalmente nos meses de Outono e Inverno. A percentagem de internamentos aumentou cerca de 200%, entre 1980 e 1996, nos EUA(1). Mesmo sendo uma patologia muito frequente, a abordagem terapêutica é muito controversa e não existem, para a maioria dos fármacos ___________ 1 Interna Complementar de Pediatria do HGSA SA 2 Assistente Hospitalar de Pediatria do HGSA SA 3 Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria do HGSA SA 286 artigos de revisão utilizados, estudos controlados e randomizados a provar a sua eficácia(2). Entende-se por bronquiolite um episódio agudo de sibilância, no contexto de um quadro respiratório de origem virusal, que afecta a criança com menos de 2 anos. Os agentes etiológicos mais frequentes(3) são o vírus Sincicial Respiratório (VSR) em 60-90% dos casos; o vírus Influenza e o Parainfluenza em 5-20% dos casos; o Adenovírus, o Rhinovírus e o Metapneumovirus em 20-60% dos casos. A clínica mais habitual, frequentemente associada à infecção por VSR, caracteriza-se por um pródromo de 2-3 dias de sintomas das vias aéreas superiores (rinorreia anterior sero-mucosa e obstrução nasal), tosse, febre (acima dos 38,5ºC em 50% dos casos(4)) e recusa alimentar. Segue-se uma fase aguda caracterizada por sinais de dificuldade respiratória: taquipneia, tiragem, adejo nasal. No ex-pré termo e/ou no lactente com menos de 6 meses podem surgir cianose e apneias. De acordo com o agente etiológico, existem algumas particularidades clínicas (quadro I). Dependendo da apresentação clínica, o diagnóstico diferencial poderá ser feito com: asma do lactente, refluxo gastro-esofágico, fibrose quística, pneumonia de aspiração ou infecciosa, tosse convulsa, aspiração de corpo estranho, anomalia congénita pulmonar ou cardíaca ou imonudeficiência. AVALIAÇÃO DA GRAVIDADE A avaliação da gravidade(4) é baseada em critérios clínicos (frequência respiratória, aspecto geral da criança, presença de sinais de dificuldade respiratória) e no registo das saturações de oxigénio em ar ambiente por oximetria de pulso (quadro II). São factores de risco(3,4,5) para uma maior gravidade clínica a prematuridade (idade gestacional inferior a 34 semanas), idade cronológica inferior a 6 semanas, a existência de doença cardíaca, doença pulmonar crónica, doença neurológica ou neuromuscular; imunodeficiência, baixas condições socio-económicas ou aglomerados populacionais, história familiar de asma ou atopia e criança não amamentada. Os critérios de internamento(3,4,6) incluem factores de risco clínico, a gravidade da apresentação clínica e factores sociais (quadro III). A identificação do agente etiológico tem importância epidemiológica, clínica Quadro I – Bronquiolite: particularidades da apresentação clínica dos vários agentes etiológicos Agente Influenza A e B Parainfluenza 1, 2, 3 Adenovirus Rhinovirus Metapneumovirus * vírus sincicial respiratório Particularidades da apresentação clínica Sinais sistémicos: febre alta e aspecto tóxico Sem febre, mais sintomas das vias aéreas superiores Otite média aguda em 50% dos casos e diarreia Lactentes mais pequenos Semelhante ao VSR* (clínica mais habitual) NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Quadro II - Bronquiolite: avaliação da gravidade da apresentação clínica Gravidade da apresentação clínica Frequência Respiratória Leve Moderada Grave Normal Taquipneia Apneias recorrentes Aspecto geral Boa hidratação Boa tolerância oral Sinais de dificuldade respiratória Tiragem discreta Saturação de oxigénio > 95 % Toxicidade sistémica Má perfusão periférica Factores de gravidade Tiragem ligeira a moderada Tiragem global Dificuldade respiratória Adejo nasal com a alimentação Uso dos músculos acessórios 90-94 % < 90% Recusa alimentar parcial Sinais de desidratação Quadro III - Bronquiolite: critérios de internamento 1) Presença de factores de risco: a) Lactente < 2 meses (pretermo com idade corrigida < 3 meses) b) Doença cardíaca e/ou pulmonar crónica c) Imunodeficiência d) Doença neurológica ou neuro-muscular 2) Presença de compromisso respiratório ou hemodinâmico: a) Apneias / Dificuldade respiratória severa b) Hipoxémia (saturação menor que 94 % em ar ambiente) c) Desidratação / recusa alimentar 3) Impossibilidade de tratamento no domicílio a) Más condições sócio-económicas b) Má acessibilidade aos cuidados médicos Quadro IV - Níveis de evidência das atitudes terapêuticas Atitudes terapêuticas Aspiração nasal melhora o score clínico 8 a 10 Nebulização com solução salina não é recomendada 3 Nebulização com salbutamol melhora o score clínico 11, 12 Prova terapêutica com salbutamol e/ou adrenalina 13 a 15 Nebulização com salbutamol em grupos específicos de doentes (definidos no texto) 5 Nebulização com adrenalina aumenta a oxigenação e aumenta o score clínico 16 a 19 Nebulização com brometo de ipratrópio tem um efeito semelhante ao efeito placebo 3 Corticóides em nebulização não são recomendados 20, 21 Corticóides sistémicos diminuem a duração do internamento 22 Percussão, vibração e drenagem postural não é recomendada 25 Expiração prolongada e tosse provocada são recomendadas 3 Antibióticos não têm benefício clínico 1 Ribavirina em aerossol não é recomendada 26 Imunoglobulinas inespecíficas não têm benefício clínico 4 Profilaxia com palivizumab ou imunoglobulina específica para VSR nos grupos de risco 30 Nível de evidência B A D D B B B B B D C B B B A Quadro V - Definição dos níveis de evidência Nível de evidência A B C D Tipo de estudo realizado Revisões sistemáticas ou meta-análises de todos os ensaios controlados e randomizados Ensaios controlados e randomizados bem desenhados Estudos caso-controlo ou cohorte bem desenhados Opinião de consenso dos autores Fonte: National Health and Medical Research Council. How to use evidence: assessment and application of scientific evidence. Canberra: NHMRC, 2000 e para a aplicação de medidas de isolamento de prevenção secundária, nomeadamente de isolamento de contacto, aos lactentes e crianças internadas com bronquiolite. A identificação do vírus VSR no lavado nasofaríngeo pode ser realizada através de testes rápidos, ou seja, técnicas de enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA), com uma sensibilidade de cerca de 90% e/ou por imunofluorescência, técnica mais demorada mas mais específica. A pesquisa dos outros vírus respiratórios é feita por técnicas de imunofuorescência. A telerradiografia torácica pode ser realizada no caso de dúvidas no diagnóstico clínico, se existir diminuição localizada dos sons respiratórios ou sinais clínicos de insuficiência cardíaca congestiva. As imagens de hiperinsuflação pulmonar; espessamento brônquico, consolidação segmentar ou colapso pulmonar são as mais frequentemente encontradas. O hemograma e a proteína C reactiva são exames inespecíficos que podem ser realizados na presença de imagem de hipotransparência no Rx de tórax e/ou na suspeita de sobre infecção bacteriana. A gasimetria deverá ser reservada para situações graves quando se pondera a necessidade de tratamento em cuidados intensivos. ATITUDES TERAPÊUTICAS: NÍVEIS DE EVIDÊNCIA Vários estudos foram realizados no sentido de verificar a eficácia clínica das atitudes terapêuticas utilizadas nas bronquiolites. Foram definidos níveis de evidência(7) para cada um dos fármacos usados (quadro IV e V). A aspiração nasal melhora o score clínico da criança, diminui a necessidade de broncodilatadores e diminui a necessidade de oxigénio(8,9,10). O uso de agonistas beta-adrenérgicos (salbutamol) melhora a pontuação clínica(11,12) mas não diminui a necessidade de oxigénio, nem o número de internamentos ou duração do internamento(4,11,12). Vários artigos aconselham a realização de uma prova terapêutica(13,14,15), pela existência de grupos de doentes nos quais possa existir melhoria clínica. Estes grupos específicos(5), que artigos de revisão 287 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 têm uma maior probabilidade de obter uma resposta positiva à nebulização com salbutamol e à corticoterapia, incluem o lactente ou a criança com história familiar de atopia; a criança com história pessoal de hiper-reactividade brônquica ou com outros factores de risco para o desenvolvimento de asma. Alguns estudos demonstram que a nebulização com adrenalina(16,17,18,19) aumenta a oxigenação, melhora a pontuação clínica e diminui a percentagem de internamentos em ambulatório. Mas não existe evidência de melhoria clínica em internamento: não diminui a duração de internamento, nem a necessidade de oxigénio. Os anticolinérgicos (brometo de ipratrópio)(3,12) não parecem ter qualquer utilidade clínica, sendo o seu efeito semelhante ao efeito placebo. Os corticóides em nebulização(20,21) não apresentam benefício, tanto na fase aguda como na prevenção da hiperreactividade brônquica. O uso de corticóides sistémicos mantém-se controverso (21). Uma meta-análise(22) demonstra que o seu uso está associado a uma melhoria dos sintomas e a uma diminuição da duração do internamento. Os corticóides sistémicos poderão estar associados a algum benefício clínico em ambulatório(23,24). Como já foi mencionado, os corticóides são benéficos em grupos específicos, nomeadamente naqueles com hiper-reactividade brônquica ou factores de risco para o desenvolvimento de asma(3). Nos países Anglo-saxónicos, a cinesiterapia respiratória não apresenta evidência de benefício clínico, pelo que não é recomendada(25). Nestes países são utilizadas técnicas de percussão, vibração e drenagem postural. A cinesiterapia está recomendada na presença de atelectasias. Nos países francófonos, que utilizam técnicas de expiração lenta prolongada e tosse provocada, existe evidência de benefício clínico, pelo que estas técnicas têm sido recomendadas(4). O uso de ribavirina(26) não é aconselhado por rotina, pelo risco de teratogenicidade na administração em aerossol e pelo seu elevado custo económico. 288 artigos de revisão ABORDAGEM TERAPÊUTICA A abordagem terapêutica no primeiro episódio de bronquiolite (figura 1) depende da classificação da gravidade (quadro II). Se estamos perante um episódio leve, o tratamento será feito no domicílio com hidratação e alimentação fraccionada por via oral, elevação da cabeceira da cama a 30º e administração de antipiréticos, se necessário. A medida mais eficaz consiste na desobstrução das vias aéreas por lavagem nasal frequente com soro fisiológico e aspiração de secreções. A reavaliação clínica pelo médico assistente deverá ser efectuada em 24 a 48 horas. Devem ser dados conselhos aos pais ou prestadores de cuidados sobre medidas gerais de tratamento sintomático (quadro V) e alertar para a necessidade de vigilância do aparecimento de sinais de agravamento como dificuldade respiratória, agitação, mau aspecto geral, apneias, recusa alimentar ou vómitos. A abordagem terapêutica na forma moderada exige observação médica durante algumas horas, no serviço de urgência ou internamento de curta duração, com revisão dos critérios de internamento. Deve ser assegurada uma hidratação e alimentação fraccionadas conforme tolerância ou, se necessário, fluidoterapia endovenosa. As medidas gerais de tratamento sintomático: elevação da cabeceira da cama a 30º, desobstrução das vias aéreas por lavagem nasal frequente com soro fisiológico e aspiração de secreções devem ser mantidas. Oxigénio suplementar será fornecido se saturações, em ar ambiente, inferiores a 94%. O benefício clínico da utilização do broncodilatador (β2 agonista) em nebulização pode ser testado com uma prova terapêutica, em lactente de idade superior a 3 meses. Se se verificar uma melhoria clínica em 30 a 60 minutos, mantêm-se as nebulizações com β2 agonista de 6/6 horas. Devem ser considerados os critérios de internamento, podendo ou não a criança ser orientada para o domicílio, com nebulizações com β2 agonista (6/6 horas, 3 a 5 dias) e ponderando a administração de prednisolona via oral (1-2 mg/kg/dia, 1 a 3 dias). Não esquecer os conselhos aos pais sobre as medidas gerais de tratamento sintomático. Se não se verificar melhoria clínica com a prova terapêutica com salbutamol, pode ser efectuada uma prova terapêutica com L-adrenalina nebulizada. Se houver melhoria em 60 minutos, a criança poderá ser orientada para o domicílio, fornecendo as mesmas recomendações referidas para a forma leve. Ponderar a prednisolona via oral como descrito acima. A forma grave exige sempre internamento hospitalar, necessidade de pausa alimentar e hidratação endovenosa. As medidas gerais devem ser asseguradas. Ponderar a administração de prednisolona endovenosa, 1-2 mg/kg/dia durante 1 a 3 dias. Considerar a transferência para uma Unidade de Cuidados Intensivos(2) se hipoxia e/ou hipercápnia refractárias com Fi O2 de 40 a 50% com Pa O2 < 60 mmHg; Pa CO2 > 50 mmHg e pH <7,25; ou na presença de episódios de apneias recorrentes. COMPLICAÇÕES E SEQUELAS Na fase aguda, as bronquiolites podem ter complicações(27) respiratórias (as mais frequentes), hemodinâmicas, metabólicas ou infecciosas. As complicações respiratórias compreendem as atelectasias, a hiperinsuflação pulmonar, a insuficiência respiratória, as apneias ou o pneumotórax. Podem surgir hipotensão, choque, arritmias, hipocaliémia ou hipercaliémia, anemia ou hiperglicemia. A otite média aguda e a pneumonia bacteriana são as intercorrências infecciosas mais frequentes. As principais sequelas(28,29) consistem na sibilância recorrente, na sensibilização alérgica e nas anormalidades da função pulmonar a longo prazo (nomeadamente a bronquiolite obliterante). PROFILAXIA Em relação à prevenção primária é consensual que pode ser obtida através de medidas muito simples. O ensino aos pais ou prestadores de cuidados ajuda a diminuir o número de crianças internadas por bronquiolite. Algumas destas medidas são: lavar as mãos antes de prestar qualquer cuidado ao lactente (o vírus sincicial NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Quadro VI - Conselhos aos pais ou prestadores de cuidados Conselhos aos pais ou prestadores de cuidados: i. ii. iii. iv. v. Registar a temperatura corporal duas vezes por dia Assegurar uma hidratação oral adequada. Evicção da exposição ao fumo passivo. Não frequentar o infantário até ao desaparecimento completo dos sintomas. Oferecer um ambiente tranquilo e não sobreaquecer o bebé Colocar o bebé em decúbito dorsal, com uma inclinação do leito a 30º, com ligeira hiperextensão Quadro VII - Indicações do palivizumab Indicações do palivizumab: i. Ex pré-termo com idade gestacional inferior a 28 semanas durante o primeiro ano de vida ii. Ex pré-termo com idade gestacional entre as 28 e as 30 semanas que não tenham completado os 6 meses de idade pós-natal até ao início da época de risco iii. Crianças com displasia broncopulmonar Durante o primeiro ano de vida Durante o segundo ano de vida se, nos 6 meses anteriores necessitaram de terapêutica com oxigénio suplementar, diuréticos, corticóides ou broncodilatadores durante mais que uma semanas consecutiva. Fonte: Administração do Anticorpo monoclonal anti-virus sincicial respiratório (Palivizumab). Disponível em http:// www.spp.pt; secção de Neonatologia. Consultado em Setembro de 2005. respiratório sobrevive 30 minutos na pele e 6 a 7 horas nos objectos); não deixar partilhar chupetas e brinquedos; evitar o contacto entre o lactente e familiares e amigos constipados; evitar lugares com grande concentração de pessoas e /ou locais poluídos com fumo e incentivar o aleitamento materno. Para os profissionais de saúde evitar internamentos electivos de lactentes com doença pulmonar e/ou cardíaca crónica (hipertensão pulmonar) durante a época de epidemia. No internamento, assinalar a necessidade de descontaminação de objectos e superfícies de trabalho (nomeadamente os estetoscópios), assim como medidas de isolamento de contacto. Quando for possível, proceder ao isolamento em quarto ou cohorte. Nos ex-pretermos, a utilização de anticorpos monoclonais (palivizumab) para o VSR tem mostrado eficácia na diminuição do número de hospitalizações e internamentos nos Cuidados Intensi- vos, sem diminuição da necessidade de ventilação mecânica. O palivizumab foi aprovado pela Food and Drug Administration em 1998, na dose de 15 mg/kg, administração mensal intra-muscular, nos 5 meses de maior prevalência do VSR (quadro VII). Em 2003, após uma revisão das indicações do palivizumab, a Associação Americana de Pediatria (AAP)(30) recomenda a sua administração a crianças com idade inferior a 24 meses com doença pulmonar crónica, com necessidade de tratamento médico nos últimos 6 meses que antecipam a época do VSR e a todos os prematuros com idade gestacional igual ou inferior a 32 semanas, mesmo sem doença pulmonar crónica. Lactentes com idade gestacional inferior a 28 semanas beneficiam de profilaxia no primeiro ano de vida e os lactentes com idade gestacional entre as 29 a 32 semanas beneficiam de profilaxia nos primeiros 6 meses de vida. Mantém-se controversa a administração de palivizumab a lactentes com idade gestacional entre as 32 e as 35 semanas de gestação. Pode ser feita profilaxia aos prematuros com doença cardíaca congénita, cianótica ou não, hemodinamicamente significativa, deixando esta de ser uma contra-indicação. Nenhuma recomendação foi feita em relação à prevenção da infecção nosocomial por VSR, à excepção das medidas de isolamento de contacto, especialmente a higiene das mãos e a rápida identificação do vírus. A imunoglobulina específica para o VSR também foi aprovada, no entanto, é menos usada devido ao seu maior custo, dificuldade na administração (perfusão endovenosa durante 4 horas), interferência com o calendário vacinal e estar contra-indicada nos lactentes e crianças com doença cardíaca congénita hemodinamicamente significativa. CONCLUSÃO As bronquiolites podem, na maioria dos casos, ser tratadas no domicílio. Uma minoria de lactentes com doenças subjacentes ou factores de risco apresenta um maior risco de doença grave, pelo que devem ser internados para receber hidratação, oxigenação e tratamento de suporte adequado. Continua a surpreender a falta de consenso no que respeita ao tratamento inicial mais apropriado. Vários estudos randomizados e controlados, meta-análises ou revisões sistemáticas falham em demonstrar um benefício consistente no tratamento com broncodilatadores, adrenalina ou corticóides. O uso rotineiro dos broncodilatadores, da adrenalina ou dos corticóides para tratar as bronquiolites, na ausência de benefício clínico demonstrado, pode não ser justificado. A prova terapêutica com broncodilatador e/ou adrenalina é, no entanto, recomendada. A corticoterapia sistémica é considerada como uma medida terapêutica benéfica, tanto em internamento como no ambulatório mas, não é consensual a sua utilização. Só a adopção de protocolos de actuação permitirá avaliar de modo mais seguro a eficácia das diferentes atitudes terapêuticas (fármacos, doses e indicações). artigos de revisão 289 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 1º episódio de bronquiolite no SU / OBS LEVE MODERADO e GRAVE Medidas gerais Prova terapêutica com salbutamol Hidratação Alimentação fraccionada Desobstrução nasal Domicílio Recomendações Reavaliar em 24-48 horas 0,03 ml/kg/dose diluído em 50% de SF com oxigénio a 6 L/min Dose mínima: 0,25 ml (7 gotas)/dose Dose máxima: 0,5 ml/dose. Sem melhoria clínica Melhoria clínica Prova terapêutica com adrenalina nebulizada L-adrenalina (1/1000) 0,05 a 0,1 ml/kg/dose, diluída em SF até completar 5 ml com oxigénio a 6 L/min, máximo de 4/4 horas. Reavaliação clínica em 1-2 horas Internamento Medidas gerais e Oxigenoterapia Neb. com salbutamol se houver resposta clínica Corticoterapia sistémica, ev Ponderar Cuidados Intensivos Ver critérios de internamento Domicílio Recomendações Neb. com salbutamol 6/6 h Corticoterapia sistémica, vo Figura 1 – Algoritmo da abordagem do 1º episódio da bronquiolite no SU / OBS Para concluir, recordar que medidas simples de profilaxia da infecção e medidas gerais de tratamento sintomático apresentam benefício clínico inquestionável. DIAGNOSTIC AND THERAPEUTIC APPROACH OF BRONCHIOLITIS – LITERATURE REVIEW ABSTRAT Bronchiolitis is a very common and potentially serious respiratory disease of young children. It’s the leading cause of hospitalization in infants in Autumn and Winter. 290 artigos de revisão Bronchodilators, epinephrine and corticosteroids have all been used in the treatment of bronchiolitis. As with older studies, most recently published randomized clinical trials have failed to demonstrate clinical efficacy in the use of these medications. This article summarizes the concepts of bronchiolitis and the level of evidence of each treatment. The authors present a proposal of diagnostic and therapeutic approach of bronchiolitis based on the severity of the clinical presentation. Keywords: bronchiolitis; bronchodilatadors, epinephrine, corticosteroids Nascer e Crescer 2005; 14(4): 286-291 BIBLIOGRAFIA 1. Wohl, MEB, Chernick V. Treatment of Acute Bronchiolitis. NEJM July , 2003, 349: 82-83 2. Conférence de consensus sur a prise en charge de la bronchiolite du nourrisson. Archives de Pédiatrie, Janvier 2001. 3. Martinon-Torres F, Núnez AR, Sánchez JM, Bronquiolitis aguda: evaluación del tratamiento basada en la evidencia: Protocolos Terapéuticos. Anales Espanoles de Pediatría. 2001, Vol 55 nº 4. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 4. Covar, RA, Spahn JD. Treating the wheezing infant. The Pediatric Clinics of North America 2003, 50: 631-654. 5. Scarfone, R J. Controversies in the treatment of bronchiolitis. Current Opinion in Pediatrics. 2005, 17: 62-66 6. Fitzgerald DA, Kilham HA. Bronchiolitis: assessment and evidence-based management. Clinical Update, Med J Aust 2004; 180 (8): 399-404. 7. National Health and Medical Research Council. How to use evidence: assessment and application of scientific evidence. Canberra: NHMRC, 2000 8. Mckinley G, Ballard J, Salyer J. The effect of NP suctioning on symptom scores in bronchiolitis patients (abstract). Respir Care 2001, 46(10): 1071 9. Bennion K, Ballard J, Salyer J. The interaction of nasopharyngeal (NP) suction and albuterol in the treatment of bronchiolitis: a two year comparision (abstract). Respir Care 2001; 46(10). 1072 10. Zemlicka-Dunn T, Ballard J, Salyer J. 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American Academy of Pediatrics. Pediatrics 2003, 112 (6) Correspondência Anabela Bandeira Serviço de Pediatria Hospital Geral de Santo António, SA Largo do Prof. Abel Salazar 4099-001 PORTO Telefone: 222 077 500 artigos de revisão 291 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Intersexo. I - Genes envolvidos na determinação do sexo masculino* Rosália Sá1, Mário Sousa2, Alberto Barros3 RESUMO Neste artigo actualizamos a embriologia do sistema reprodutor masculino e apresentamos a cascata de genes que controlam a determinação do sexo (sexo gonádico) e a diferenciação sexual (sexo genital). Em artigos subsequentes, explicaremos o mecanismo pelo qual as lesões destes genes condicionam intersexo. Na gónada embrionária bipotente os genes NR5A1(SF1) e WT1(-KTS) activam o gene SRY, enquanto que os genes WNT4 e WT1(KTS) activam os genes feminizantes NROB1(DAX1) e SOX3. O SRY dispara a determinação da gónada bipotente em testículo ao induzir a diferenciação em células de Sertoli e ao inibir os genes DAX1 e SOX3. A diferenciação do sexo é uma consequência da interacção entre os genes SOX8, SOX9, NR5A1, GATA4 e WT1(+KTS), após potenciação pelo SRY. Neste mecanismo, as células de Sertoli segregam a hormona anti-mulleriana (AMH) e induzem a diferenciação das células de Leydig. A AMH induz a atrofia do canal de Muller, inviabilizando o fenotipo feminino. Sob influência da gonadotrofina coriónica (HCG), as células de Leydig segregam testosterona, a qual é então parcialmente metabolizada em 5-dehidro-testosterona. Sob mediação __________ 1 Bióloga, Aluna de Doutoramento, Lab Biologia Celular, ICBAS-UP 2 MD, PhD, Prof Catedrático, Director, Lab Biologia Celular, ICBAS-UP 3 MD, PhD, Prof Catedrático, Director, Centro de Genética da Reprodução Alberto Barros, Porto * Trabalho financiado pela FCT (POCTI/ SAU-MMO/60709/04, 60555/04, 59997/04, UMIB). 292 artigos de revisão do gene CFTR, a testosterona promove a diferenciação do canal de Wolff na metade reprodutora (canais eferentes, epidídimos, canais deferentes, vesículas seminais, canais ejaculadores), enquanto que a 5-dehidro-testosterona induz a diferenciação do canal de Wolff na metade urinária (próstata, uretra, pénis, escroto). Palavras-chave: Embriologia, testículo, determinação do sexo, diferenciação sexual, mecanismos genéticos. Nascer e Crescer 2005; 14(4): 292-299 1. Embriologia do Sistema Reprodutor Masculino O intersexo existe quando não se pode estabelecer com total garantia o sexo de um indivíduo por haver falta de concordância entre os critérios: sexo cromossómico ou genotípico (46,XY ou 46,XX), sexo gonádico (formação das gónadas: testículo ou ovário), sexo genital (formação dos canais genitais e dos genitais externos), sexo somático ou fenotípico (características sexuais secundárias), sexo psíquico (conceito de si mesmo), sexo social (atribuído pela sociedade) e sexo civil (genital).(1) O sexo genético é uma consequência da fecundação de um ovócito (23,X) por um espermatozóide (23,Y ou 23,X), que origina um embrião 46,XY ou 46,XX.(2,3) A gonadogénese inicia-se pela formação do sistema urogenital a partir da mesoderme intermediária. O sistema urogenital é composto por três segmentos: pronefro (primórdio da suprarenal), mesonefro (rim embrionário, destinado à regressão espontânea) e metanefro (primórdio do rim definitivo). O canal de Wolff (canal mesonéfrico) origina-se da mesoderme lateral e percorre o sistema urogenital, enquanto que o canal de Muller (canal paramesonéfrico) deriva de uma invaginação do epitélio superficial do mesonefro e corre paralelo ao canal de Wolff. Nas mulheres, o canal de Wolff regride e o canal de Muller origina o oviducto, o útero e o terço superior da vagina. No sexo masculino, o canal de Muller sofre regressão por acção da hormona antimulleriana (AMH; ou substância mulleriana inibidora, MIS), secretada pelas células de Sertoli, e o canal de Wolff diferencia-se no epidídimo, canal deferente e vesícula seminal sob acção da testosterona, secretada pelas células de Leydig (Figs. 1-3).(4-10) A gónada bipotencial surge na superfície da crista genital. As células germinais primordiais (primordial germ cells, PGC), diferenciadas das células da endoderme da parede do saco vitelino (3ª semana), junto à alantóide, migram, independentemente do sexo cromossómico, ao longo da parede posterior do intestino primitivo. Na 5ª semana chegam à gónada primitiva e invadem-na na 6ª semana de gestação (Fig. 1). Se as PGC não atingirem as gónadas primitivas, não é possível a formação do testículo (nem do ovário). Uma vez na proximidade da gónada primitiva, e sobretudo depois de a invadirem, as PGC segregam factores que induzem a proliferação das células do tecido conjuntivo e das células do epitélio celómico da crista genital. Após a fase de proliferação epitelial, a lâmina basal do epitélio celómico fragmentase e as células epiteliais proliferantes invadem o estroma. No sexo masculi- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Figura 1. Embriologia do sistema reprodutor masculino. (*) Origem e trajecto de migração das células germinais primordiais. artigos de revisão 293 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Figura 2. Determinação e diferenciação do testículo. As células germinais primordiais (PGC) evoluem para espermatogónias (SG). Da proliferação do epitélio celómico da crista genital (A) originam-se as células pré-Sertoli (pSC), que depois se transformam em células de Sertoli (SC), e as células pré-Leydig (pLC), que mais tarde se diferenciam em células de Leydig (LC). Da proliferação do estroma da crista genital (B) resultam as células e a matriz de tecido conjuntivo intersticial do testículo. Da proliferação do epitélio do canal de Wolff (C) originam-se as células pré-peritubulares (pPTC), que depois se transformam em células peritubulares (PTC), e as células pré-endoteliais (pEC), que mais tarde originam os vasos sanguíneos (BV) testiculares. As PTC e as SC sintetizam a lâmina basal (BL) que delimita os túbulos seminíferos. 294 artigos de revisão NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Figura 3. Sequência de activação de genes envolvidos na determinação do sexo (testículo) e na diferenciação sexual (genitais) masculina. Genes estimuladores e genes inibidores . Proteínas . artigos de revisão 295 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 no, devido à presença do cromossoma Y (e independentemente do número de cromossomas X), estas células irão originar as células de Sertoli, as células de Leydig e as células intersticiais do tecido conjuntivo do testículo. No sexo feminino, irão originar as células da granulosa (células foliculares). Em simultâneo, sob a acção do FGF9 (fibroblast growth factor 9), as células do epitélio do canal mesonéfrico também proliferam, destacam-se e migram para a crista genital, dando origem às células peritubulares (mioepiteliais) e às células endoteliais dos vasos sanguíneos do testículo (Fig. 2). Neste processo, o gene FGF9 promove a prostaglandinaD-sintase que leva à síntese de prostaglandina-D2 (PGD2).(8,9) Até à 5-6ª semanas de gestação, a gónada embrionária é bipotencial, não havendo diferenças entre os sexos (cromossómicos). Nas cristas genitais do sexo masculino, as PGC diferenciam-se em pro-espermatogónias-M e depois em pro-espermatogónias-T (espermatogónias fetais). Numa primeira fase, as células pré-Sertoli (células de Sertoli fetais) proliferam para, de seguida, sob a acção do gene SRY (localizado no braço curto do cromossoma Y, Yp), se agregarem em volta das pro-espermatogónias-T. As células pré-Sertoli são depois rodeadas pelas células peritubulares, formando-se uma lâmina basal entre ambas. Deste conjunto, formam-se então os cordões sexuais primitivos, sólidos, de forma irregular, que permanecem ligados ao epitélio celómico (Fig. 2). Nestes cordões, as células pré-Sertoli inibem a proliferacão e a entrada em meiose das pro-espermatogónias-T, causando uma paragem em mitose na fase G1/ G0. Uma vez diferenciadas em células de Sertoli, inicia-se a secreção da AMH que provoca a atrofia do canal de Muller, assim inviabilizando a diferenciação dos genitais femininos. A activação em células de Sertoli também condiciona a diferenciação das células de Leydig fetais a partir das células epiteliais presentes no estroma da crista genital (Fig. 3). Sob influência da gonadotrofina coriónica (HCG, human coriogona- 296 artigos de revisão dotrophin) secretada pela placenta, as células de Leydig fetais passam então a produzir testosterona e dehidro-testosterona (início: 8 semanas; máximo: 12-14 semanas). A testosterona induz o desenvolvimento dos genitais masculinos internos a partir da estabilização do canal de Wolff, diferenciando-o nos canais eferentes, epidídimos, canais deferentes, vesículas seminais e canais ejaculadores. A 5-dehidro-testosterona, produto de acção da enzima sobre a testosterona, induz a formação da próstata, da uretra e dos genitais externos (pénis e escroto). Nas mulheres, as células germinais primordiais permanecem no córtex da crista genital, entram em meiose e param em diacinese da profase I, sendo elas a influenciar a diferenciação das células da granulosa. Enquanto que a diferenciação em testículo se inicia pela 8ª semana, a indução ovárica decorre a partir das 12 semanas de gestação.(4-10) Os cordões sexuais primitivos continuam a proliferar em direcção ao hilo da glândula, transformando-se em cordões testiculares. Na região hilar, as extremidades distais dos cordões testiculares tornam-se finas, ramificam-se e fragmentam-se para formar uma rede que mais tarde se diferencia nos túbulos da rete testis. Do tecido conjuntivo que envolve os cordões testiculares, diferenciam-se as células de Leydig (equivalentes às células da teca), as quais começam a segregar testosterona desde a 8ª semana de gestação. Por esta altura, a região mais superficial do estroma diferencia-se numa camada fibrosa, a túnica albugínea, que então separa definitivamente os cordões testiculares do epitélio superficial. A partir da 16ª semana, os cordões testiculares adquirem a forma de ferradura e as suas extremidades distais, mais finas, fundem-se com os túbulos da rete testis. Por sua vez, os túbulos da rete testis ligam-se aos túbulos excretores do canal mesonéfrico (Fig. 2). Os cordões testiculares permanecem sólidos até à puberdade, altura em que adquirem um lúmen e se transformam em túbulos seminíferos. Uma vez canalizados, as extremidades distais for- mam os túbulos rectos, que se abrem na rete testis. Os túbulos excretores do canal mesonéfrico transformam-se nos canais eferentes e na porção cefálica do epidídimo (Fig. 2). À medida que o testículo desce para o escroto, a inserção do canal mesonéfrico vai também descendo até se tornar contíguo com a uretra prostática (Fig. 1). Do canal mesonéfrico derivam, por isso, o canal ejaculador, a vesícula seminal, o canal deferente, e o corpo e cauda do epidídimo. Pelo contrário, a próstata diferencia-se da invaginação da uretra. Os genitais externos formam-se a partir do tubérculo, das pregas e das protusões genitais. A fusão e o elongamento das pregas genitais origina a uretra e o pénis, e da fusão das protusões genitais resulta o escroto (Fig. 1).(4-10) Depois do nascimento, os túbulos seminíferos apresentam células de Sertoli, pro-espermatogónias e espermatogónias-A (de dois tipos: Ap, de núcleo claro e Ad, de núcleo denso). Por volta dos quatro anos de idade, já não se observam pro-espermatogónias, havendo apenas espermatogónias-A, espermatogónias-B e espermatócitos primários. Antes da puberdade existem dois momentos em que o testículo tenta iniciar a espermatogénese, por volta dos 3-4 anos e dos 8-9 anos de idade. Porém, só raramente os espermatócitos primários terminam a meiose e originam espermatídeos redondos. Por volta dos 13 anos, observa-se um aumento drástico do número de espermatócitos, e a espermatogénese finalmente é completada com a meiose e a espermiogénese (diferenciação dos espermatídeos redondos a espermatozóides). Em simultâneo, verifica-se um aumento do volume testicular por proliferação das células de Sertoli e das células germinais. O tempo que medeia entre as espermatogónias Ap a espermatozóide é de cerca de 6064 dias, e de espermatídeo redondo a espermatozóide cerca de 14-21 dias. Nesta fase da puberdade, as células de Sertoli terminam a sua diferenciação e deixam de se dividir. Estabelecem-se entre elas junções ocludentes que originam a barreira hemato-testicular e NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 que divide o epitélio germinal em duas regiões distintas. A região basal contém as espermatogónias-A, as espermatogónias-B e os estadios iniciais de espermatócito primário (pré-leptóteno e leptóteno: replicação do DNA, células germinais diplóides, 2N4C). A região apical contém os espermatócitos primários em meiose I (emparelhamento dos homólogos e crossing over: zigóteno e paquíteno), espermatócitos secundários (produto da primeira divisão meiótica: segregação dos homólogos, células germinais diplóides, 1N2C), os espermatídeos redondos (produto da 2ª divisão meiótica: células germinais haplóides, 1N1C), os espermatídeos em alongamento, os espermatídeos alongados e os espermatozóides.(2-10) 2. Bases Genéticas da Determinação do Sexo Masculino Em termos filogenéticos, o cromossoma X surgiu a partir da perda de material genético oriundo dos cromossomas autossómicos. Mais tarde, da perda de material genético do cromossoma X formou-se o cromossoma Y. Assim sendo, a determinação da gónada masculina, em termos evolutivos e genéticos, é uma luta contra a diferenciação natural e espontânea (constitucional) da gónada feminina. Devido a inversões múltiplas, o cromossoma Y foi perdendo a capacidade de se emparelhar com o cromossoma X e, actualmente, o emparelhamento entre ambos praticamente só ocorre nas regiões pseudoautossómicas (PAR) dos telómeros (extremidades) dos braços curtos. Por este motivo, enquanto o cromossoma X se manteve relativamente conservado devido à presença de outro cromossoma X no sexo feminino, com o qual emparelha, o cromossoma Y foi variando a sua estrutura, complicandoa com múltiplos pseudogenes e cópias de genes numa tentativa de proteger contra as mutações os genes determinantes do sexo (SRY) e da espermatogénese (região AZF em Yq11.2).(11-14) A determinação do sexo gonádico depende de uma cascata de activação e interacção entre genes contidos nos cromossomas X e nos cromossomas autossómicos. O gene SRY actua como agente de decisão nessa cascata. O gene SOX3 (no braço longo do cromossoma X, Xq) tornou-se a origem do gene SRY ao ser translocado para o cromossoma Y, apesar da função do SRY ter sido efectuada ainda mais ancestralmente pelo gene SOX9.(15) Nas células precursoras da crista genital indiferenciada (gónada embrionária bipotente) são activos os genes NR5A1 (9q33.3: nuclear receptor subfamily type 5, group A, member 1 gene, ou NR5A1; a proteína do NR5A1 é denominada steroidogenic factor 1, ou SF1; o SF1 é um receptor nuclear órfão que se liga ao promotor dos genes das hidroxilases esteróides), WT1 (11p13: Wilms Tumor suppressor gene 1), GATA4, FOG2, SOX9 (17q24.3-q25.1), DMRT1 e DMRT2 (SRA; 9p24.3), SRA (10q), ATRX (Xq13), SLOS (7q32, 9p24-pter, 10q25-pter), ? (1p) e FGF9 (Fig. 3). A activação destes genes induz a proliferação do epitélio celómico mesodérmico, o destacar das células desse epitélio, a sua invasão para o estroma e a sua diferenciação em células pré-Sertoli. Nesse momento, as células pré-Sertoli são ainda bipotentes, ie, também têm a capacidade de se diferenciarem em células foliculares, pelo que, na realidade, são células préSertoli / células pré-granulosa.(11,12,15) Nas células pré-Sertoli, os genes NR5A1(SF1) e WT1 (isoforma –KTS do mRNA do WT1, derivado de splicing alternativo do exão 9, com perda dos aminoácidos lisina-treonina-serina, ou KTS) activam o gene SRY, enquanto que o gene WNT4 (1p) activa os genes NROB1(DAX1) (DSS, AHC, X-linked, gene 1 em Xp21.3: Dosage Sensitive Sex reversal locus-Adrenal Hypoplasia Congenital-critical region on the X chromosome; o nome actual do gene é NROB1, Nuclear Receptor subfamily O, group B, member 1) e SOX3 (Xq2627). Os genes DAX1 e SOX3 recrutam o repressor N-CoR que silencia o NR5A1, pelo que são genes que tendem a impedir a determinação do testículo na gónada bipotente e a favorecer a determinação em ovário (Fig. 3). Porém, o gene SRY consegue contrariar totalmente a acção feminizante dos genes NROB1 e SOX3.(11,12) A activação do gene SRY nas células pré-Sertoli leva à potenciação dos genes SOX8, SOX9 (que mimetizam o SRY), NR5A1e WT1. Nesta fase, o gene NR5A1actua sinergicamente com o gene WT1 e interage com os genes SOX9, SOX8 e GATA4. Por seu lado, o gene WT1 transcreve a isoforma +KTS (mRNA de splicing alternativo do exão 9, com os aminoácidos KTS). Destas acções, resulta a transformação das células pré-Sertoli em células de Sertoli.(11,12,15) Nas células de Sertoli, o NR5A1em conjunto com o GATA4 e SOX8 activam a transcrição do gene AMH e dos genes envolvidos na síntese das hormonas esteróides (gonadotrofinas, testosterona, aromatase/estrogénios). Uma vez secretada pelas células de Sertoli, a proteína AMH liga-se ao receptor de tipo II (AMHRII) presente nas células mesenquimatosas que envolvem o canal de Muller. Esta ligação desencadeia a expressão da metaloproteinase proMMP2. O gene WNT7, expresso no epitélio do canal de Muller, induz a expressão do receptor AMHRII e da metaloproteinase MMMP14 nas células mesenquimatosas que envolvem o canal de Muller. Por seu lado, o epitélio do canal de Muller é mantido pela acção do gene WNT4, expresso nas células mesenquimatosas. Neste esquema, a regressão do canal mesonéfrico é induzido pela AMH, uma vez que as metaloproteinases secretadas pelas células mesenquimatosas digerem a lâmina basal e induzem a apoptose das células epiteliais do canal de Muller (Fig. 3).(8) A célula de Sertoli também induz, directa ou indirectamente por via de factores de crescimento (GF, growth factors), a diferenciação das células de Leydig. Uma vez diferenciadas, as células de Leydig sintetizam testosterona numa sequência de cinco passos enzimáticos, cujas enzimas são controladas por genes autossómicos. Depois de secretada, a testosterona é convertida pela 5α-redutase-2 (gene SRDA5A2 no cromosoma 2) a dehidro- artigos de revisão 297 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 testosterona. Ambas as hormonas se ligam ao receptor de androgénios (gene AR em Xq11-q12). Para além da sua acção no desenvolvimento do testículo e na espermatogénese, ambas as hormonas actuam sobre o canal de Wolff, originando a sua diferenciação em duas metades distintas, reprodutora, por acção da testosterona, e urinária, por acção da dehidrotestosterona (Fig. 3).(11-15) De seguida, o gene CFTR (7q32) medeia a diferenciação da metade reprodutora do canal de Wolff nos canais genitais excretores masculinos (canais eferentes, epidídimos, canais deferentes, vesículas seminais, canal ejaculador). Pensa-se que o CFTR também controla a diferenciação da metade urinária (próstata, uretra, pénis, escroto) (Fig. 3). A diferenciação do canal de Wolff também depende de outros genes, como o DMPK (19q13.3) para a metade reprodutora, e BBS (BBS1 em 11q13, BBS2 em 16q21, BBS3 em 3p12, BBS4 em 15q22.3-q23) para a metade urinária.(8,11,16-18) A secreção de testosterona pela célula de Leydig é inicialmente independente das gonadotrofinas mas encontra-se na dependência da HCG. Após o nascimento e na puberdade, a proliferação e maturação das células de Leydig depende da LH (LHβ em 19q13.32) e do seu receptor (LHR em 2p21). Nessa fase, a proliferação e a diferenciação das células de Sertoli e das células germinais também são controladas pelas gonadotrofinas (GnRH em Xp22; KALX e KAL1 em Xp22.3).(11) Existem duas etapas na migração do testículo da cavidade abdominal para o escroto, transabdominal e inguino-escrotal. Em ambas as etapas, o processo parece ser comandado pelo mesentério genital que liga as gónadas e os canais genitais excretores à parede abdominal. Neste processo, o ligamento genital caudal (gubernaculum) sofre uma intensa diferenciação enquanto que o ligamento suspensório cranial regride progressivamente. O primeiro estadio da etapa transabdominal ocorre entre as 10-15 semanas de gestação, ficando os testículos na 298 artigos de revisão região inguinal. A fase inguino-escrotal termina com o nascimento. Durante esta etapa, os testículos migram para o escroto, ao mesmo tempo que o cordão do gubernaculum encurta, o bolbo do gubernaculum expande e o músculo cremaster se everte. A descida testicular é controlada hormonalmente. Neste processo, a testosterona inibe o crescimento do ligamento suspensório cranial (via SRDA5A2). O gene GREAT (13q12-13) controla a diferenciação do gubernaculum e o seu produto é um receptor ao qual se liga a relaxina, o produto do gene ILF3. Vários outros genes têm sido implicados nesta descida, como o BBS (11q, 16q, 3p, 15q), NS (12q22qter), FDG1 (Xp11.21) e P57 (11p15.5).(8,11) Finalmente, a espermatogénese é controlada por inúmeras hormonas, factores de crescimento e interleucinas,(19,20) bem como por inúmeros factores que controlam o ciclo celular,(21-23) o ciclo mitocondrial e a apoptose.(24) No entanto, é na região AZF (Yq11.2) do cromosoma Y que se posicionam as sequências de maior importância no controle do epitélio germinativo. Sabese que a delecção da região AZFa provoca a ausência de células germinais nos túbulos seminíferos (originando o síndrome de células de Sertoli),(25) a delecção da região AZFb provoca paragem em meiose, e as delecções da região AZFc ou as microdelecções das cópias 1+2 do gene DAZ, situado em AZFc, destroiem a espermiogénese, originando hipo-espermatogénese ou oligozoospermia severa.(26,27) INTERSEX. I. GENES INVOLVED IN MALE SEX DETERMINATION ABSTRACT In this article we update the embryology of the male reproductive system and present the genes that control sex determination (gonadal sex) and sex differentiation (genital sex). In the embryonic bipotent gonad, the NR5A1(SF1) and WT1(-KTS) genes interact to activate the SRY gene, whereas the interaction between the WNT4 and WT1(-KTS) genes activate the feminizing genes NROB1(DAX1) and SOX3. SRY then causes the determination of the bipotent gonad into the testicle, by inducing Sertoli cell differentiation and by inhibitting DAX1/ SOX3. Sex differentiation is thereafter a consequence of SOX8, SOX9, NR5A1, GATA4 and WT1(+KTS) gene interaction under SRY potentiation. In this mechanism, Sertoli cells secrete the anti-mullerian hormone (AMH) and cause Leydig cell differentiation. AMH declanches the atrophy of the Muller ducts and therein impedes development of the female phenotype. Under the control of corionic gonadotrofin (HCG), Leydig cells secrete testosterone, which is then partially metabolized into 5-dihydro-testosterone. Under the control of the CFTR gene, testosterone promotes the differentiation of the Wolff ducts into a reproductive half (efferent ducts, epididymis, vasa deferens, seminal vesicles, ejaculatory ducts), whereas 5-dihydro-testosterone induces the differentiation of the Wolff ducts into a urinary half (prostate, uretra, penis, scrotum). Key-words: Embriology, testicle, sex determination, sexual differentiation, genetic mechanisms. Nascer e Crescer 2005; 14(4): 292-299 BIBLIOGRAFIA 1. Ballesta F. Estados intersexuales. In: Egozcue J et al, editors. Genetica Medica. Barcelona: Editorial Espaxs; 1978. p. 313-23. 2. Sousa M. Fertilização Animal. In: Azevedo C, editor. Biologia Celular e Molecular. Porto: Edições Técnicas Lidel; 2005. p. 447-60. 3. Sousa M, Barros A. Aspectos biológicos da fecundação humana. 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CORRESPONDÊNCIA Mário Sousa Laboratório de Biologia Celular Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar Universidade do Porto Largo do Prof. Abel Salazar 2 4099-003 PORTO, Portugal Tel: 222 062 217 Fax: 222 062 232 [email protected] artigos de revisão 299 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Eritema Induratum de Bazin a propósito de caso clínico Telma Barbosa1, Ana Ramos2, Virgílio Senra3, Silva Caspurro4, Conceição Rosário5, Miguel Taveira6 RESUMO Os autores apresentam um caso clínico de uma entidade rara em idade pediátrica, eritema induratum de Bazin, acerca da qual ainda existe muita indefinição e controvérsia. Trata-se de uma patologia que pertence a um dos tipos de tuberculose cutânea e que se caracteriza essencialmente por lesões nodulares persistentes ou recorrentes, atingindo preferencialmente a face posterior das pernas de indivíduos do sexo feminino, com desaparecimento após terapêutica anti-tuberculosa. O caso clínico refere-se a uma criança de 7 anos com lesões cutâneas nodulares crónicas, sem melhoria após terapêutica tópica e sistémica (antibióticos, anti-inflamatórios, corticóides). Contacto prévio com familiar com tuberculose pulmonar activa. Desaparecimento após terapêutica específica para a tuberculose. Palavras chave: eritema induratum de Bazin; tuberculose cutânea; criança; paniculites Nascer e Crescer 2005; 14(4): 300-303 INTRODUÇÃO Eritema induratum é um tipo de paniculite caracterizada por lesões nodulares persistentes ou recorrentes, não dolorosas, que por vezes ulceram, localizadas habitualmente na face posterior das pernas, podendo aparecer noutras regiões, associadas a circulação eritrocianótica(1,2,3,4,5). A resolução é lenta, mesmo com terapêutica adequada e geralmente __________ 1 Interna Complementar Pediatria; Assistente Hospitalar Graduado de Pediatria; 3 Chefe de Serviço de Pediatria; 4 Chefe de Serviço de Anatomia Patológica; 5 Chefe de Serviço de Dermatologia; 6 Assistente Hospitalar de Dermatologia. 2 300 casos clínicos a cicatrização faz-se com atrofia central(1,6). O mecanismo fisiopatológico provavelmente envolvido é uma reacção de hipersensibilidade do tipo retardado(1,7). O estado imunológico do hospedeiro pode perpetuar a doença mesmo depois da eliminação da infecção(8). As características histológicas relacionam-se com a duração das lesões e as alterações inflamatórias localizam-se à hipoderme e derme profunda, com paniculite lobular ou septolobular, geralmente difusa, com várias combinações de inflamação granulomatosa, vasculite, necrose focal e fibrose septal(3,6,7,8). Inicialmente descrita por Bazin (1861) como “erythème indure des scrofuleux”, eritema induratum era considerado uma tuberculide, isto é, uma erupção cutânea provocada por reacção de hipersensibilidade secundária a tuberculose. Na ausência de evidência clínica de tuberculose surgiu o conceito de vasculite nodular, entidade que cursava com alterações clínicas e histológicas semelhantes ao eritema induratum(1,6,9). Recentemente, 2 factores contribuíram para ressurgimento do conceito inicial de eritema induratum: a) desenvolvimento da técnica de PCR (“polymerase chain reaction”); b) reaparecimento de tuberculose associada ao HIV, muitas vezes com estirpes de BK multiresistentes(10,11). O diagnóstico da doença de Bazin e a sua associação com a etiologia tuberculosa baseia-se na correlação entre os aspectos clínicos e os elementos histopatológicos das lesões, nas provas tuberculínicas positivas, na presença de tuberculose activa em outros órgãos (em alguns casos) e na resposta favorável das lesões cutâneas à terapêutica antituberculosa(1,2,3). Todas as entidades directa ou indirectamente relacionadas com a tuberculose assumem uma maior importância num país com uma elevada prevalência desta patologia como é o caso de Portugal(12). CASO CLÍNICO J.P.T.M., 7 anos e 10 meses de idade, sexo feminino, raça caucasiana, natural e residente na Póvoa de Varzim. Pais jovens, não consanguíneos, sem patologias de relevo excepto asma atópica no pai, irmão de 11 anos de idade saudável. Contacto esporádico com familiar (tio paterno) com tuberculose pulmonar activa em tratamento. O agregado familiar enquadra-se em índice de Graffar III. GII, PII, gestação de termo, vigiada, parto eutócico, hospitalar, Apgar 9/10, somatometria adequada à idade gestacional, período neonatal sem intercorrências. Evolução estaturo-ponderal e desenvolvimento psicomotor adequados. Plano nacional de vacinação cumprido. A doença actual inicia-se cerca de 4 meses antes da criança ser observada no nosso hospital, com aparecimento de lesões cutâneas eritemato-papulares, que aumentaram progressivamente de tamanho e de número, localizadas na face, membros superiores, inferiores e nádegas, mais numerosas nas pernas. Algumas das lesões ulceravam e apresentavam exsudado purulento, com cicatrização e reactivação posteriores, não havendo prurido ou queixas álgicas. Sem melhoria após terapêutica tópica e sistémica (antibióticos, anti-inflamatórios, corticóides). Tosse irritativa com cerca de 15 dias de evolução, sem outros sintomas, nomeadamente astenia, anorexia, emagrecimento, sudorese nocturna, febre ou adenomegalias. Referenciada à Consulta de Dermatologia e Pediatria Médica do H.C.M. Pia. Na observação inicial, a criança tinha um bom estado geral, com peso e altura adequados, apirética, hemodinamicamente estável. A nível cutâneo, existência de lesões eritemato-violáceas, com centro atrófico nas pernas; lesões papulo-nodulares com exsudado purulento localizadas nos membros superiores NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 e inferiores, mais numerosas e de maiores dimensões nas pernas (3x3 cm; 3.5x3.5 cm; 5x3 cm), com distribuição simétrica; lesões cicatriciais no couro cabeludo e na região nadegueira. Sem adenomegalias palpáveis e sem alterações osteo-articulares (fig. 1). Orofaringe com hipertrofia amigdalina, auscultação cardio-pulmonar sem alterações, abdómen sem organomegalias ou outras alterações, sem edemas periféricos. Dado o contexto clínico foram realizados exames complementares de diagnóstico para avaliação do estado geral do doente e repercussão sistémica da patologia: - Hemograma sem alterações; VS (1º h) 50 mm; bioquímica com TGO 138 U/L, TGP 450 U/L, FA 343 U/L, γ-GT, glicose, ionograma e função renal normais; urina II e urocultura não revelaram alterações; - Estudo imunológico: TASO aumentado (623 UI/ml); imunoglobulinas, C3, C4, CH50, α-1 antitripsina normais; ANA negativo; - Serologias hepatite B e C, sífilis, HIV 1 e 2: negativas; - Radiografia pulmonar: reforço hilar bilateral, sem outras alterações; - Ecografia abdominal e reno-pélvica: sem alterações; - Prova Tuberculínica (2U RT23): positiva (17 mm de induração); - Pesquisa de BK no suco gástrico (3 amostras): exames directo e cultural negativos; - Exame histológico da pele e tecido celular subcutâneo revelou processo inflamatório de comprometimento hipodérmico, embora estendendo-se à derme, que evolui com formação de granulomas de tipo tuberculóide, lesões de vasculite com imagens de poeira nuclear e raros focos de necrose gorda. A pesquisa de bacilos A/A- resistentes foi negativa. Quadro morfológico de paniculite, com aspectos que favorecem a hipótese clínica de eritema induratum (figs. 2 a 5). Iniciou terapêutica com Isoniazida (5 mg/kg/dia), Rifampicina (10 mg/kg/dia), Pirazinamida (30 mg/kg/dia) durante os dois meses, seguida de tratamento duplo com Isoniazida e Rifampicina durante mais 7 meses. Boa resposta clínica, com regressão progressiva das alterações cutâneas, não se verificando lesões activas após 15 dias do início do tratamento anti-tuberculoso, apresentando actualmente lesões cicatriciais (fig. 6). Efectuou-se controlo analítico com normalização da V.S. e transaminases, mantendo TASO aumentado. É contactado C.D.P. no sentido de se proceder ao rastreio de tuberculose nos res- Fig. 1 - Nódulos eritematosos com exsudado purulento. tantes elementos familiares, que se revelou negativo. DISCUSSÃO Portugal possui das mais elevadas taxas incidência e prevalência a nível europeu e, consequentemente, patologias raras como o Eritema induratum de Bazin têm uma maior probabilidade de se tornarem mais frequentes, relativamente a outros países. A tuberculose nas crianças é indicativa de transmissão recente, traduzindo uma falência do sistema de Saúde Pública no controlo da patologia(12). Além da raridade e das características específicas deste caso na idade pediátrica, os autores salientam a importância da suspeita clínica no contexto epidemiológico do país. A tuberculose cutânea é mais frequente em crianças e adultos e tem uma apresentação variável, dependendo do estado imunológico do doente e da via de atingimento cutâneo (as vias linfática e hematogénea são as mais comuns)(1,2,6). Existem várias classificações da tuberculose cutânea mas uma das mais simples será a indicada no quadro I. Eritema induratum é uma patologia pouco frequente de maior incidência em algumas áreas da Ásia e África do sul. Caracteriza-se por lesões nodulares persistentes ou recorrentes secundárias a foco de tuberculose não cutâneo, localizadas preferencialmente na face posterior das pernas, podendo no entanto aparecer em outros locais(1,5,6,7,12,14). A nível histopatológico é constituído por um processo de paniculite septal e lobular com vasculite neutrofílica, áreas de granulomas tuberculóides, necrose gorda e reacção de células gigantes, com necrose caseosa rara(2,3,6,11). Clinicamente possui características comuns com outras patologias como a vasculite nodular, poliarterite nodosa, eritema nodoso, sarcoidose(2,4,6). O diagnóstico faz-se pela clínica, prova tuberculínica positiva, elementos histológicos, isolamento de BK noutros órgãos, resposta à terapêutica anti-tuberculosa(3,8,11). Nem sempre é possível estabelecer a relação entre eritema induratum e mycobacterium tuberculosis devido à ausência de microorganismos demonstráveis nas lesões cutâneas(3,9). No caso descrito, a existência de lesões nodulares crónicas, algumas com carácter ulcerativo, com localização essencialmente nas pernas e a ausência de resposta a várias terapêuticas (antibióticos e corticóides sistémicos), associados a história de contacto com casos clínicos 301 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Fig. 2 - Infiltrado inflamatório de predomínio hipodérmico, com extensão à derme (H&E) Fig. 3 - Granuloma de tipo tuberculóide; uma célula gigante multinucleada (H&E) Fig. 4 - Processo inflamatório peri-vascular, com extensão à parede do vaso- vasculite (H&E). Fig. 5 - Necrose gorda e infiltrado inflamatório (H&E). Fig. 6 - Ausência de lesões activas; cicatrização com hiperpigmentação e atrofia cutânea. 302 casos clínicos NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Quadro I - Classificação da tuberculose cutânea I Tuberculose por inoculação exógena II Tuberculose secundária a dça endógena A) Contiguidade B) Auto-inoculação Cancro tuberculoso Tuberculose cutânea verrucosa Lupus Vulgaris (alguns casos) Escrofuloderma Tuberculose orificial III Tuberculose hematogénea Tuberculose miliar aguda Lupus Vulgaris (alguns casos) Gumma IV Tuberculides (i) micropapular (ii) papular (iii) nodular Liquen escrofuloroso Tuberculides papulares ou papulonecróticas Eritema induratum (Bazin) ? Vasculite nodular (alguns casos) familiar com tuberculose pulmonar activa ajudaram a estabelecer uma suspeita clínica. A prova tuberculínica positiva, apesar de não se ter isolado o agente em nenhum dos órgãos, veio reforçar a hipótese diagnóstica elaborada(2,6,9,15,16). Diagnóstico diferencial com outras patologias, nomeadamente: vasculite nodular, que se caracteriza por lesões não ulceradas, prova tuberculínica negativa e com resposta à corticoterapia; ectima, infecção cutânea provocada principalmente por stafilococus aureus e streptococus pyogenes, que atinge a derme e que se prolonga por semanas a meses e que, entre outras características (como existência de adenomegalias), melhora com a administração de antibióticos β-lactâmicos; eritema nodoso, entidade relacionada com inúmeras patologias, nomeadamente tuberculose, além de se manifestar com dor e sinais inflamatórios exuberantes (que não existiram nesta criança), as lesões nodulares em geral também não ulceram e a sua distribuição afecta preferencialmente a face anterior das pernas e regiões maleolares; doenças autoimunes, que além de cursarem com algum atingimento geral e das alterações serológicas, deveriam responder de alguma forma à corticoterapia instituída(2,6,9). A resposta clínica aos anti-tuberculosos viria a apontar definitivamente para o diagnóstico, no caso clínico descrito. Apesar da raridade desta patologia e da controvérsia em relação à causa e à patogénese, existem evidências circunstanciais suficientes para suportar a hipótese de que a origem da doença, neste caso, esteve relacionada com mycobacterium tuberculosis(2,3). A tuberculose continua a ser uma patologia endémica em Portugal, não diagnosticada atempadamente nas crianças, provavelmente pela falta de rastreio perante um adulto infectado(12). A CASE OF BAZIN ERITEMA INDURATUM ABSTRAT The authors present a case of a rare entity, Bazin’s erithema induratum, which is still subject of controversy and discussion. This disease is one type of cutaneous tuberculosis, clinically with recurrent or persistent nodules that occur mainly on the calves of young women, with lesions remission after anti-tuberculous therapy. The case is related to a 7 years old child with cronic indurated cutaneous lesions, without response to topical and sistemic therapy (antibiotics, anti-inflammatory, corticosteroids). Previous contact with familiar with active pulmonar tuberculosis. Clinical improvement after introduction of anti-tuberculous therapy. Key-words: Bazin’s erithema induratum; cutaneous tuberculosis; childhood; panniculitis Nascer e Crescer 2005; 14(4): 300-303 BIBLIOGRAFIA 1. Champion RH, Burton JL, Ebling FJG. Textbook of Dermatology – Rook/ Wilkinson/ Ebling. Blackwell Scientific Publications. 5th Edition; 1992; 17: 524-5. 2. Schachner LA, Hansen RC. Pediatric Dermatology. 2nd Edition. Churchill Livingstone Inc; 1995; 26:1229-1242. 3. Meltzer MS. Cutaneous Tuberculosis. emedicine 2003. www.emedicine.com. 4. Heinemann C, Katz M, Elsner P. Erythema induratum of Bazin and Poncet’s diseasesuccessful treatment with antiubercular drugs. J Eur Acad Dermatol Venereol 2003; 17(3):334-6. www.pubmed.org. 5. 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Pediatr Infect Dis J 2005;24: 761 – 765 Background: A resurgence of pertussis has been observed in Canada, the United States and Australia since the 1980s, but inconsistent data are currently available for Europe. The objective of this paper is to describe the epidemiology of pertussis in Western European countries to discuss future vaccination strategies. Methods: The European Community funded a network for the epidemiological surveillance of measles and pertussis in 1998. Sixteen European countries provided national surveillance data for pertussis for the period 1998 – 2002 in a standard format. Data were pooled and analyzed to describe incidence rates by age group, seasonality, proportion of hospitalized patients and deaths among notified cases. Results: Children young than 1 year had the highest incidence during the entire period. Rates in the older than 14 years age group increased by 115% during the study period. Northern countries showed the highest incidence figures in all age groups. Among children younger than 1 year, 70% were admitted into hospital. Children younger than 6 months of age and those not vaccinated were most likely to be hospitalised. Thirty – two deaths were reported, 87% of each were in children younger than 6 months age. Conclusions: Pertussis is far from being controlled in Europe. Whereas the incidence in children younger than 1 year was high but remained stable, rates in adults doubled in 5 years. COMENTÁRIOS Os autores do artigo fazem parte do projecto europeu EUVAC – NET, destinado à vigilância de doenças infecciosas prevenidas por vacinas, sarampo e tosse convulsa, em que Portugal está representado (Teresa Fernandes). 304 artigo recomendado Começam o artigo com dados epidemiológicos impressionantes: em todo o Mundo há entre 20 a 40 milhões de casos de tosse convulsa, com 200 a 400 mil mortes, sendo os casos mais graves e com consequente maior mortalidade na primeira infância. E este estudo confirma: os casos mais graves registaram-se em crianças de idade inferior a 6 meses bem como a grande maioria (87%) dos casos mortais. O estudo reuniu dados epidemiológicos de 16 países, entre 1998 e 2002. O recorde é batido pela Suiça, 123.9 casos por 100.000 habitantes, seguido pela Noruega (57.1) e Holanda (32.7). Portugal ocupa o último lugar: 1 caso por milhão. Porquê tão baixa incidência? É que Portugal só comunicou os casos que tiveram confirmação laboratorial (serologia e PCR), enquanto outros países utilizaram critérios clínicos. E mesmo utilizando critérios clínicos, teríamos certamente números baixos pois sabemos dos nossos maus hábitos de comunicação. Não há razão alguma para termos menos casos que outros países da Comunidade, pelo menos nos que têm um calendário de vacinas igual ao nosso. Com efeito, a maior incidência encontrada nos países do norte, sobretudo depois dos 4 anos, é explicada quer por uma menor cobertura populacional, quer pela ausência de reforço nestas idades. Em todos os países, com excepção da Holanda, a maior incidência, por grupos etários, ainda que estabilizada ao longo dos anos, registouse nos lactentes. Mas acima dos 14 anos, os números duplicaram. Assim, adolescentes e adultos estão a constituir um reservatório crescente da doença, significando isto que o esquema de imunização contra a tosse convulsa não ocasionou uma imunidade de grupo, devido a perda progressiva da imunidade, ao contrário de outras doenças preveníveis por vacinação, como o sarampo. Os dados epidemiológicos da tosse convulsa nos Estados Unidos são algo diferentes, assistindo-se desde 1976 a um aumento dos casos comunicados. Depois de 1980, os números subiram em lactentes com menos de 7 meses, em crianças com idade inferior a 7 anos e sobretudo nos adolescentes e adultos. Vejamos alguns números absolutos: antes da vacinação havia por ano cerca de 270.000 casos com 10.000 mortes; nos anos 40 começou a vacinação e registou-se um decréscimo de 99%, havendo um nadir de 1010 casos em 1976; em 2003 comunicaram-se 11647; de 1997 a 2000 registaram-se 8273 em adolescentes e 5745 em adultos e em 2002, na população em geral, 9771, 3.4 por 100.000. Mas se atendermos que nos adolescentes e adultos o quadro clínico pode ser diferente do clássico, não indo muito além de uma tosse crónica, os números alteram-se radicalmente. Em 13 estudos realizados nos Estados Unidos, Alemanha, França e Coreia, citados por Cherry, sobre tosse prolongada (>1 semana), a infecção por B. pertussis estava presente em 13 a 30% dos casos. Estes dados apontam para uma infecção endémica, cerca de 2% ano, independente do carácter cíclico característico da tosse convulsa (picos cada 2 a 5 anos), com uma taxa de infecção entre 370 e 1500 por 100.000(1). A incidência por grupos etários também se alterou radicalmente: antes da vacina, 93% dos casos registavam-se em crianças abaixo de 10 anos e no final da década de 90, 50 % acima dos 10(2). As razões apontadas para o ressurgimento da infecção pela B. pertussis NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 são variadas: alterações genéticas que tornem a vacina menos eficaz, vacinas com menor capacidade imunogénica, resposta imunitária evanescente ao longo dos anos, para alem de mais e melhores conhecimentos sobre a doença e possibilidade de diagnóstico(3). Recordemos que a tosse convulsa é uma doença altamente contagiosa. A transmissão dá-se por via aérea (em pequenas gotículas) e por contacto directo pessoa a pessoa. O ciclo de contágio tem-se modificado com a introdução da vacina. Antes, e como já vimos, a maioria dos casos ocorria em crianças. Os adultos que já tinham tido a doença, quando crianças, iam sofrendo reforços naturais pelas constantes exposições e as mães protegiam os filhos recém nascidos através da passagem placentar de anticorpos. Actualmente a vacinação protege as crianças, mas como a imunidade se vai atenuando, vamos encontrar uma população de adolescentes e adultos susceptíveis, aumentando assim os casos nestas faixas etárias, assim como nos recém nascidos e pequenos lactentes que recebem poucos anticorpos maternos e ainda sem idade para iniciarem ou já estarem vacinados(2). Este novo ciclo explica que a mortalidade (actualmente e nos Estados Unidos de 2.4 por milhão) atinja particularmente os pequenos lactentes (90% de todas as mortes) e exija novas medidas de protecção(2). A tosse convulsa caracteriza-se por episódios paroxísticos de tosse não acompanhados de febre e seguidos pelo característico uivo inspiratório e vómito. A doença começa com a aparência de um simples catarro respiratório traduzido por rinorreia, congestão conjuntival e por vezes uma discreta tosse. Esta fase, catarral, tem a duração de uma ou duas semanas. Segue-se a característica fase de tosse paroxística e emetizante que poderá durar várias semanas e depois a fase de convalescença, em que há um abrandamento progressivo da frequência e gravidade dos acessos de tosse, mas com possíveis exacerbações despertadas por outras infecções respiratórias víricas e que pode demorar meses(4). É uma tosse de 100 dias, como dizem os chineses. Este quadro clássico pode não se observar em todos os grupos etários. Nos pequenos lactentes pode não haver tosse, antes episódios de apneia e cianose e nas crianças vacinadas, nos adolescentes e adultos, apenas uma tosse prolongada. Nos adolescentes, o quadro pincela-se ainda com tosse nocturna e diurna e exacerbada com a comida e bebida. Este quadro de tosse prolongada obriga à colocação de variados diagnósticos diferenciais: asma, hiperreactividade a infecções por vírus como o parainfluenza, influenza, adenovirus, enterovirus e syncial respiratório, refluxo gastro-esofágico, sinusite crónica, tuberculose, infecções por chlamydia e mycoplasma, entre outros. A suspeita de infecção por B. pertussis deve então colocar – se num quadro de tosse de duração superior a 5–6 dias e não acompanhado de febre, mialgia, exantema ou enantema, dor de garganta, rouquidão, taquipneia, sarridos e sibilos(2,6). Em caso de surto, o diagnóstico pode ser feito clinicamente quanto a tosse dura já há duas semanas e acompanhada de um ou mais dos seguintes sintomas: paroxismos de tosse, uivo inspiratório ou vómito pós tosse(5). A confirmação laboratorial obtém – se com o isolamento da bactéria, o que é difícil, ou com a positividade da PCR (polymerase chain reation) ou da serologia, (provas ainda não estandardizadas), com a sequência seguinte: nas primeiras 3 semanas cultura e PCR, esta e serologia na 4ª e 5ª semanas e serologia depois. O tratamento é pobre. Recorre-se, como sabemos, aos macrólidos e, quando não tolerados, ao cotrimoxazol. Os objectivos são modestos: reduzir a exuberância do quadro e a infecciosidade. O primeiro é difícil de ser conseguido e só o poderá ser se o tratamento se iniciar na primeira semana. O segundo pode ser conseguido, administrando o antibiótico nas primeiras 4 semanas. Este período pode ser alargado até às 6 – 8 semanas se os contactos do doente forem de alto risco, como recém – nascidos, lactentes ainda não imunizados, grávidas no terceiro trimestre e pessoal de saúde. A profilaxia pós contacto faz – se com os mesmos agentes e regime e quando o contacto se deu nas primeiras 3 semanas de doen- ça, excepto para os contactos de alto risco, ou que podem vir a contactar outros igualmente de risco, em que o período de contacto pode ser alargado às 6 – 8 semanas(2,4,6). Quanto à prevenção, o mais importante, há que considerar novas estratégias e que se podem deduzir do que temos vindo a dizer. Como a imunidade vai diminuindo com a idade, vamos deparar com reservatórios e doença nos adolescentes e adultos. Há assim que estender a vacinação a estes grupos etários, bem como a grávidas no terceiro trimestre para protecção do recém - nascido. Entretanto, seria de iniciar a vacinação pelas 6 semanas em vez das 8 – 9 actuais. No Canadá, Alemanha e França já se dá um reforço na adolescência (DTPa)(2,7,8). Recentemente foi provada a eficácia de uma vacina acelular em adolescentes e adultos(9). Em resumo, a tosse convulsa está de volta e há novas manifestações da B. pertussis, factos que estão a merecer a atenção de peritos(10). E em jeito de conclusão podemos dizer que: - Não se conseguiu uma imunidade de grupo como seria de esperar. - Esta perda de imunidade mudou a epidemiologia: 50% dos casos registam-se agora acima dos 10 anos e os pequenos lactentes começam a ficar desprotegidos. - É preciso modificar o tradicional esquema de vacinação: iniciar mais cedo e dar reforços na adolescência e mesmo na idade adulta para se poder erradicar a bactéria. - A epidemiologia da tosse convulsa é diferente da epidemiologia pela infecção por B. pertussis. - Esta tem vindo a tornar-se endémica em alguns países e provavelmente entre nós. - Há necessidade de incluir a infecção por B. pertussis no diagnóstico diferencial de um quadro de tosse prolongada no adolescente. Nascer e Crescer 2005; 14(4): 304-306 artigo recomendado 305 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 BIBLIOGRAFIA 1. Cherry JM. The epidemiology of pertussis: a comparison of the epidemiology of the disease pertussis with the epidemiology of Bordetella pertussis infection. Pediatrics 2005; 115: 1422 – 1427. 2. Hewlett E R, Edwards K M. Pertussis – Not just for Kids. N Engl J Med 2005; 352:1215 – 1222. 3. Cherry JM. The science and fiction of the “resurgence” of pertussis. Pediatrics 2003; 112: 405 – 406. 4. Cherry JD, Heininger U. Pertussis and Bordetella Infections. In: Feijin RD, Cherry JD, Demmler GJ, Kaplan __________ 1 Professor de Pediatria, ICBAS/HGSA 306 artigo recomendado S, eds. Textbook of pediatric infectious diseases; 5th ed. Philadelphia: W.B. Saunders, 2004: 471 – 528. 5. Wheeler JG, Simmons A L. Pertussis update. Pediatr Infect Dis J 2005;24: 829 – 830. 6. Long S S.Pertussis (Bordetella pertussis and B.parapertussis). 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Tojal Monteiro1 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Considerações éticas sobre a selecção de sexo através do diagnóstico genético pré-implantação Natália Oliva Teles1 RESUMO O uso de novos testes genéticos, como o diagnóstico genético pré-implantação (DGPI), para a selecção de sexo, levanta problemas éticos que devem ser abordados e discutidos pela sociedade na qual eles se tornam disponíveis. Embora estes testes não levantem problemas quando são realizados por razões médicas, o seu uso por razões “sociais” levanta questões, nomeadamente de beneficência ou justiça social. As escolhas actuais, feitas pela sociedade vigente, deverão ser tomadas após apreciação criteriosa das implicações que elas poderão vir a ter nas gerações futuras sem, no entanto, prejudicar o avanço técnico-científico e os benefícios dele decorrentes. Palavras-chave: selecção de sexo; diagnóstico genético pré-implantação Nascer e Crescer 2005; 14(4): 307-310 Desde as mais antigas culturas de que há conhecimento que a Humanidade se tem interessado pela escolha de sexo dos nascituros. Os métodos de selecção têm sido os mais variados, desde o coito interrompido e as dietas com “bases mais ou menos científicas” (frequentemente “cientificamente falíveis”) até ao infanticídio mas, actualmente, a ciência dispõe de métodos mais sofisticados. Assim, a escolha de sexo pode ser realizada antes de haver uma fertilização ou sequer ocorrer uma gravidez, pelo designado diagnóstico pré-fertilização(1), __________ através da separação dos espermatozóides que contenham um cromossoma X ou um cromossoma Y, com subsequente selecção para inseminação artificial ou fertilização in vitro (FIV); ou, após fertilização, por meio de diagnóstico genético pré-implantação (DGPI), em que é feita a selecção dos embriões a transferir(2). O diagnóstico genético pré-implantação pode ser definido como “uma forma bastante precoce de realizar um “diagnóstico pré-natal” in vitro e em que, após investigação genética, os embriões não afectados de doença genética são transferidos para o útero materno”(3). As razões que, até à data, mais têm motivado os casais a optar pelo diagnóstico pré-implantação, por ordem decrescente de preferência, segundo os dados publicados em 2002 pela European Society of Human Reproduction, traduzidos e adaptados por nós, estão apresentados no Quadro I(2). Da análise da tabela anterior, pode ver-se que a principal razão que motivou os casais a pedirem um DGPI foi a combinação da existência de determinado risco genético com razões de ordem moral, emocional ou religiosa contra o abortamento - o DGPI foi por eles con- siderado o único meio aceitável de virem a ter um filho saudável. A segunda razão foi o risco aumentado para determinada doença genética para casais em que se verifiquem, simultaneamente, problemas de sub- ou infertilidade. A terceira razão foi haver uma história pessoal anterior de execução de diagnóstico pré-natal, cujo resultado desfavorável resultou em interrupção de gravidez; estes casais podem, compreensivelmente, sentir incapacidade em contemplar nova gravidez e, se necessário, nova interrupção, a qual poderá ser evitada por técnicas de FIV ou injecção intra citoplasmática (ICSI). A razão invocada seguidamente foi a patologia cromossómica relacionada com aneuploidias, como por exemplo o Síndrome de Down. Dos 1561 DGPIs realizados, apenas 1% representou um risco aumentado para determinada doença genética para casais em que um dos membros tenha feito esterilização. Finalmente, as razões não claramente especificadas ou diferentes das anteriores foram 191/1561 (12.2%), podendo aqui estar incluídas as de determinação de sexo. Do aqui exposto, podemos concluir que o facto de não ser necessário efectuar um abortamento em caso de diagnós- Quadro I - Razões invocadas para execução de DGPI Risco genético e contra interrupção de gravidez 565/1561 (36.2%) Risco genético e sub- ou infertilidade 400/1561 (25.6%) Risco genético e interrupção de gravidez prévia 330/1561 (21.1%) Rastreio de aneuploidias 222/1561 (14.2%) Outros 100/1561 (6.4%) Desconhecida 91/1561 (5.8%) Risco genético e esterilização 16/1561 (1%) 1 Assessor, ramo de Genética; Mestre em Bioética e Ética Médica 2 (sg. ESHRE PGD Consortium Steering Committee, 2002) . perspectivas actuais em bioética 307 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 tico pré-natal desfavorável constitui um factor importantíssimo na preferência por este tipo de diagnóstico. Então, pode talvez inferir-se que é moralmente preferível seleccionar os embriões “bons” in vitro antes de os transferir, do que seleccionar fetos numa altura posterior da gravidez. Tanto numa situação como noutra, a justificação moral dessa escolha é a prevenção de doenças graves que irão provocar sofrimento, não só aos seres que se irão desenvolver a partir desse embrião, como aos seus pais e restante família (princípio da beneficência). A selecção de sexo por razões médicas é, assim, plenamente justificada em termos éticos embora, no entanto, a escolha por razões não-médicas tenha vindo a ter cada vez mais “defensores”. Por este motivo se inclui aqui o Quadro II, traduzido e adaptado da Comissão de Ética da American Society of Reproductive Medicine (ASRM), que contém os motivos não-médicos através dos quais é possível fazer a determinação do sexo(2). Para os centros que realizam diagnóstico pré-natal, não é novidade que a pergunta inevitável dos casais, ao saberem que a análise está pronta e é normal, é “E qual é o sexo do bebé?”. A partir do momento em que são informados, através da consulta de aconselhamento genético, que vão poder saber qual o sexo do feto através da análise a efectuar, a curiosidade sobre o assunto aumenta e passa a ser uma informação de importância quase vital. Seguramente, por este ou qualquer dos motivos acima apontados, a determinação de sexo é bastante atraente, sobretudo para os casos em que o tratamento da infertilidade requeira FIV e, embora a procura de DGPI não seja ainda muito frequente, a tendência inevitável é que venha a aumentar. Parece-nos que um dos pontos éticos fulcrais da determinação de sexo por razões não médicas é a discriminação social; é por demais conhecido o problema do desrespeito dos direitos humanos na China, em que há leis muito rígidas sobre o número de filhos de cada casal, provocando anualmente o abandono de milhares de recém-nascidos do sexo feminino; ou, ainda como exemplo, nos países islâmicos, particularmente os mais 308 radicais, a supremacia total e absoluta dos elementos do sexo masculino, relegando a mulher para níveis inaceitáveis de degradação humana. Nas sociedades acima referidas, a falta de planeamento e visão social a longo prazo poderão trazer-lhes problemas. Não é a selecção de sexo que vai diminuir a população e, nos termos matemáticos mais simplistas possíveis, havendo poucas mulheres agora, haverá certamente cada vez menos homens num futuro próximo, o que será uma desvantagem para as sociedades onde impera a supremacia masculina. Nesta linha de pensamento, refira-se que o artigo 14 da Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina, relativo à não-selecção de sexo, diz o seguinte(4). “A utilização de técnicas de assistência médica à procriação não deverá ser permitida para fins de escolha de sexo de uma criança a nascer, salvo quando se pretenda evitar uma doença hereditária grave relacionada com o sexo”. Outro ponto de discórdia é a discussão de a escolha de sexo ser um “direito” do ser humano, como que uma extensão do direito de escolha reprodutiva(5). Sem voltar a mencionar a discriminação social, os argumentos invocados são os mais diversos, desde haver igual distribuição de sexos numa família a, inversamente, preferir só elementos de um sexo para “fazerem mais companhia (?) uns aos outros”. Com certeza haverá muitas ou- tras razões, inclusivamente psicológicas, para preferir elementos de um sexo ou outro, mas é certamente recomendável que haja limites “razoáveis” e, particularmente, bom-senso, na satisfação ou não destas vontades(2). No momento actual, em que não é totalmente claro nem universalmente aceite que a procriação seja um “direito” humano, o “direito” à escolha de sexo parece-nos ter pouco fundamento. Se forem respeitados todos os caprichos humanos, corre-se o risco de, quando já for tarde demais, o arrependimento não ser suficiente para o mal causado à sociedade, no seu conjunto. A realidade científica é que, ao escolher um sexo ou determinada combinação de genes, quase certamente que o resultado final não vai ser o daquela pessoa cuja morte tanto custa ainda a superar e, em muitos outros casos, nem sequer será uma mera imagem do que o imaginário social quase impõe. Pior ainda, quando se escolhem com tanto cuidado as características desejadas e o resultado final não é o esperado, o desajuste pessoal e social poderá ser ainda maior, podendo até ser depressivo, por não se aceitar o que não se escolheu. Como exemplos de aspectos negativos da selecção de sexo podemos ainda considerar o perigo potencial de tentar controlar outras características que não são essenciais às crianças ou à vida humana - porque, se se autorizar a escolha de sexo, não haverá razão para não permitir a escolha de outras características, tais como a inteligência, a cor dos olhos Quadro II - Determinação de sexo embrionário através do diagnóstico genético pré-implantação por razões não médicas Doente a fazer FIV ou DGPI Doente a fazer FIV ou DGPI Doente a fazer FIV sem necessitar de DGPI Doente não está a fazer FIV nem DGPI (visto não serem medicamente necessários) (sg. ASRM, adapt.)(2). perspectivas actuais em bioética Doente fica a saber qual o sexo do embrião ao fazer DGPI, visto esta informação ser disponibilizada indirectamente quando o DGPI é realizado por outras razões médicas. Doente pede que a determinação de sexo seja também realizada ao fazer DGPI por outras razões médicas. Doente pede que a determinação de sexo seja também realizada ao fazer DGPI por outras razões médicas. Doente pede a realização de FIV e DGPI com o objectivo de determinação de sexo. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 ou a altura, mencionando apenas exemplos simples. O custo efectivo e real de recursos humanos e sociais, para execução de testes baseados apenas na escolha de sexo, pagos pelo Estado ou pelos próprios progenitores, deve ser correctamente avaliado antes que essa escolha seja permitida, para não criar precedentes incontornáveis, pois haverá, com toda a certeza, necessidades médicas e de carácter urgente mais prementes e justificáveis(2). Este último argumento tornase mais difícil de refutar em países como os da Europa ocidental mas em países como os Estados Unidos da América, em que os cuidados médicos são, em grande parte, suportados pelos próprios doentes ou utentes, não é tão fácil, pois a pressão social e, até, de certos grupos económicos ou farmacêuticos, apresenta-se de difícil contorno. A escolha de sexo por razões médicas parece ser a única que colhe um consenso mais generalizado, em nosso entender por ser a mais sensata, visto ser eticamente defensável a prevenção da transmissão de doenças genéticas tais como a hemofilia A e B, o síndrome de Lesch-Nyan, a distrofia muscular de Duchenne-Becker ou o síndrome de Hunter(2). E, como não há nenhum interesse médico em desequilibrar os sexos, o potencial para que tal fenómeno venha a ocorrer pode considerar-se desprezível. Saliente-se ainda que há autores que vão ainda mais longe, afirmando claramente que a selecção de sexo por razões sociais não deverá fazer parte das indicações de DGPI, visto que não deve pertencer nem ao campo da ciência, nem da medicina(5). Devido às dificuldades expressas, junto se anexa a lista das recomendações propostas em 1999 pela Comissão de Ética da ASRM, adaptada e traduzida por nós do original, escrito em inglês(2). “1. O DGPI usado para selecção de sexo, que permita prevenir a transmissão de doenças genéticas graves, é eticamente aceitável. Não é condicionado pelo sexo, comporta pequenos riscos quanto a malefícios individuais ou sociais e representa uma utilização de recursos médicos baseada numa melhoria da saúde humana. 2. Se se executar DGPI por razões não médicas, em doentes que necessitem de FIV, corre-se um certo risco de criar um desvio na distribuição de sexo, que poderá trazer malefícios para os indivíduos e a sociedade, e representar um uso indevido de recursos médicos. Embora estes riscos sejam mais baixos quando a identificação de sexo é uma parte inerente do DGPI, eles aumentam quando o DGPI se basear apenas nessa escolha e quando o DGPI for feito só para selecção de sexo. Estes dois pontos permanecem uma preocupação ética, pois aquela não é feita segundo critérios médicos. Por isso, este uso de DGPI não deve ser encorajado. 3. A execução de FIV e de DGPI apenas para selecção de sexo corre um risco maior de criar desvios na distribuição de sexo, provocar malefícios sociais e desviar a utilização genuína de recursos médicos. Por isso, este uso de DGPI deve ser desencorajado. 4. A precaução ética relativa à execução de DGPI para escolha de sexo requer o estudo das consequências da sua prática. Este estudo deverá incluir padrões intra e inter-culturais, avaliação das reclamações relativas ao uso dos recursos médicos e devem ser feitos esforços razoáveis para avaliar as mudanças no nível da responsabilidade social e respeito pelas gerações futuras.” Apesar do descrito anteriormente, foram publicados pelo ESHRE PGD Consortium Steering Committee (comité científico formado em 1997 para recolher dados e fazer estudos a longo prazo acerca da eficácia clínica e resultados de DGPI, a nível mundial), em 2002, os primeiros dados oficiais da selecção de sexo em DGPI por “motivos sociais” obtidos em 2001: 78 ciclos de RMA e 28 batimentos cardíacos positivos(6). Houve um diagnóstico errado, que resultou no abortamento de um feto feminino saudável(5). Podemos daqui talvez concluir que, neste contexto, a designação de “sexo genético” estará a evoluir para a de “sexo social”, encontrando-se a sua selecção numa fase intermédia de acei- tação pela comunidade científica e sociedade em geral. Nesta acepção mais “social”, aspectos como padrões de agressão, aprendizagem e orientação espacial foram já utilizados por casais para justificar a preferência por um ou outro sexo, havendo filhos anteriores, embora para primeiros filhos estes argumentos tenham sido considerados fracos e, como tal, devam ser desencorajados(7). Parece-nos, pois, que a posição actual (e, possivelmente, utilização futura) da selecção embrionária de acordo com preferência por um sexo a favor de outro poderá vir a ter cada vez maior expressão à medida que se for dando maior relevância à autonomia parental e, consequentemente, menor relevo à beneficência embrionária. ETHICAL CONSIDERATIONS ON SEX SELECTION FOLLOWING PRE-IMPLANTATION GENETIC DIAGNOSIS ABSTRACT The use of new genetic tests such as preimplantation genetic diagnosis (PGD) for sex selection raises ethical problems that need to be addressed and discussed by the society in which they become available. Although these tests do not raise any problems when they are indicated for medical reasons, questions such as beneficence or social justice are ethically relevant when they are demanded for “social” reasons. The current choices that are made by the present society should be based on attentive appreciation of the implications that they may have in future generations without compromising the scientific and technological advances and the consequent benefits. Key-words: sex selection; pre-implantation genetic diagnosis Nascer e Crescer 2005; 14(4): 307-310 BIBLIOGRAFIA 1. Woopen, C., Prefertilization Diagnosis - a Proposal for a Revised Nomenclature. Fertility and Sterility, 72:946-7. perspectivas actuais em bioética 309 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 2. The Ethics Committee of the American Society of Reproductive Medicine. Fertility and Sterility, 1999, 72: 595-8. 3. Sermon, K.; Liebaers, I., Molecular Biology in Reproductive Medicine, New York, ed. Fauser BC, The Parthenon Publishing Group, 1999. 409-431. 4. Martinho da Silva, P., Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina (anotada), Cosmos, Lisboa, 2001; 55. 310 5. Ray, P.; Munnich, A.; Nisand, I., The Place of “Social Sexing” in Medicine and Science, in “Human Reproduction”, 2002, 17: 248-9. 6. ESHRE Preimplantation Genetic Diagnosis Consortium: data collection III. Hum Reprod, 2002, 17: 233-46. 7. Robertson, JA, Extending preimplantation genetic diagnosis: medical and non-medical uses. J Med Ethics 2003; 29:213-6. perspectivas actuais em bioética Correspondência Instituto de Genética Médica Jacinto de Magalhães Unidade de Citogenética Praça Pedro Nunes, 88 4099-028 PORTO, Portugal Tel. 226 070 308 Fax: 226 070 399 [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Caso endoscópico Fernando Pereira1 Neste número da revista vamos apresentar o caso clínico de uma doente do sexo feminino de 14 anos de idade natural e residente na região do Alto Minho que foi enviada à consulta de Gastrenterologia por quadro de anorexia intensa, cansaço fácil, náuseas e vómitos esporádicos, dores abdominais mais frequentemente localizadas na região periumbilical e metade direita do abdómen por vezes desencadeadas pela ingestão alimentar, com emagrecimento muito acentuado e palidez da pele e mucosas. A doente referia o início dos sintomas cerca de 3 anos antes, sendo as queixas acima referidas por vezes acompanhadas de períodos de febre (38ºc) e alterações do trânsito intestinal, com fezes diarreicas de coloração escura alternando com dejecções normais e instalação de quadro de amenorreia. Nos seus antecedentes pessoais ou familiares não há dados relevantes a referir. O diagnóstico inicial da sua doença foi anorexia nervosa para a qual foi alvo de tratamento pedopsiquiátrico sem sucesso durante cerca de três anos. A doente apresentava-se com ar triste, emagrecida, com palidez da pele e mucosas, apirética, com peso de 40Kg (>percentil 3) e altura 1,59m(percentil 25-50), com sinais vitais normais, com auscultação pulmonar e cardíaca normais, abdómen emagrecido sem deformidades e doloroso à palpação do epigastro, flanco e fossa ilíaca direita, sem tumefações palpáveis e sem organomegalias. Não apresentava adenopatias em qualquer das cadeias ganglionares. Os membros não apresentavam alterações da pele ou das articulações e as massas musculares estavam pouco desenvolvidas. No estudo analítico efectuado salientava-se uma anemia hipocrómica e microcítica (Hg 8,6gr) com ferro baixo 1,3umol/ml e ferritina de 56g/l, plaquetas 586000, leucócitos 10700 com fórmula leucocittária normal; a velocidade de sedimentação era de 55mm na 1ªhora e 96mm na segunda e a proteina C reactiva 15,57mg/dl e o orosomucoide 271mg/ dl. Proteinas totais 56gr/l com 22gr/l de albumina, ligeira elevação da alfa-2 globulina e gamaglobulina normal. A função hepática e a renal estavam normais bem como cálcio, fósforo, CPK, LDH, colesterol, triglicerídeos, função tiroideia e urina tipo II. Apresentava pesquisa de sangue oculto nas fezes positiva numa de três amostras. O estudo radiológico do tórax era normal e a prova da tuberculina negativa. A doente realizou em seguida endoscopia digestiva alta e baixa, tendo sido observada ao nível do colon transverso a imagem que mostramos (figura 1) local onde se fizeram múltiplas biópsias. A endoscopia alta revelou a presença de gastrite crónica do corpo e antro e com algumas erosões superficiais que foram biopsiadas. Tendo em conta o quadro clínico, laboratorial e endoscópico apresentado qual dos seguintes lhe parece o diagnóstico mais adequado: 1 – Doença celíaca de apresentação atípica. 2 – Neoplasia do colon transverso ulcerada. 3 – Doença inflamatória intestinal 4 – Colite pseudomembranosa Figura 1 __________ 1 Serviço de Gastroenterologia do Hospital de Crianças Maria Pia qual o seu diagnóstico 311 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 COMENTÁRIOS A situação que descrevemos pode sintetizar-se dizendo que se trata de uma adolescente com quadro de anorexia intensa, emagrecimento acentuado, cansaço fácil, dores abdominais, vómitos esporádicos e com amenorreia, que apresentava anemia hipocrómica e microcítica com ferro baixo, elevação dos índices de actividade inflamatória (VSG, PCR e orosomucoide) com trombocitose e sangue oculto positivo nas fezes, com radiografia de torax normal. Este conjunto obriga-nos à exclusão de uma Doença Inflamatória Intestinal pelo que se impunha a realização dos exames endoscópicos que lhe foram efectuados. A imagem do colon que mostramos evidencia marcada inflamação da mucosa intestinal com congestão, edema, ulceração e estenose, que não permitiu a progressão do endoscópio até ao cego; estes aspectos são compatíveis com o diagnóstico de Doença de Crohn do colon. As biópsias efectuadas confirmaram o intenso processo inflamatório da mucosa intestinal mas não mostraram a presença de granulomas. Era indispensável nesta situação saber como se en- Figura 2 312 qual o seu diagnóstico contrava o intestino delgado pelo que a doente efectuou de seguida o seu estudo radiológico por trânsito baritado que permitiu obter a imagem que mostramos (figura 2). É evidente a acentuada irregularidade do íleum terminal e do cólon direito e parte do transverso, que apresenta marcada diminuição do calibre do órgão. Estes aspectos são também muito sugestivos de Doença de Crohn com longa evolução. Em relação às outras hipóteses de diagnóstico apresentadas podemos dizer que o quadro clínico poderia ser de uma doença celíaca atípica mas os achados endoscópicos ao nível do cólon não existem nessa entidade, a neoplasia é uma situação extremamente rara neste grupo etário que poderia apresentar-se com quadro clínico e laboratorial semelhante, mas que a radiologia torna pouco provável pelas suas características e por atingir simultaneamente o cólon e o intestino delgado e que as biópsias afastam. A colite pseudomembranosa tem uma história clínica, aspecto endoscópico e evolução muito diferentes. Concluímos tratar-se de Doença de Crohn em fase avançada de evolução que se apresentou sob a forma de acentuada anorexia pelo que foi interpretada e tratada como anorexia nervosa. A este propósito é importante reter que embora pouco frequente, está descrita a apresentação da doença inflamatória intestinal sob a forma de anorexia nervosa pelo que perante este diagnóstico e sempre que ele se acompanhe de alterações digestivas, ainda que pouco acentuadas e de sinais laboratoriais de anemia e actividade inflamatória não especifica, deverá proceder-se ao estudo do tubo digestivo para exclusão de Doença Inflamatória Intestinal. Nascer e Crescer 2005; 14(4): 311-312 BIBLIOGRAFIA 1. Gryboski JD, Katz J, Sangree MH, Herskovec T.” Eleven Adolescent girls with severe anorexia.”Clin.Pediatr. 7:684-689, 1968 2. Qian Yuan and Harland S Winter, “Crohn Disease”. Textebook of Pediatric Gastroenteroloy and Nutrition, Taylor and Francis 2004, capt 23 pag 353. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Caso Estomatológico José M. S. Amorim1 Criança de 13 anos de idade, portadora de sindroma de Down, que foi enviada à consulta de Estomatologia devido a mobilidade dentária difusa, com sangramento gengival fácil e recusa em fazer higiene oral. Ao exame objectivo a criança apresenta bom desenvolvimento estato-pon- deral, com os traços físicos típicos da sindroma. A nível dentário apresenta mobilidade dentária difusa e marcada, retracção gengival grave, hemorragia fácil, mordida aberta anterior (fig. 1). Ausência de cárie dentária. Oclusão em classe III de Angle. Antecedentes pessoais e familiares irrelevantes. Face ao descrito: Qual o seu diagnóstico? Qual a sua atitude? Figura 1 __________ 1 Serviço de Estomatologia do Hospital de Crianças Maria Pia qual o seu diagnóstico 313 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 No breve caso clínico atrás exposto temos várias das alterações que podem surgir em portadores do sindroma de Down. As lesões referidas enquadram-se num quadro de periodontite grave (mobilidade dentária, retracção gengival marcada, hemorragia fácil, exuberante depósito de placa dentária), bem como mordida aberta anterior por interposição lingual. A mordida aberta é provocada por interposição lingual, por verdadeira macroglossia. A mobilidade dentária tem basicamente 3 causas: - à doença periodontal, por maior susceptibilidade a infecções; - ao facto de os dentes terem raízes curtas; - à placa dentária exuberante. Também encontramos nestes pacientes os lábios finos, evertidos e secos. 314 qual o seu diagnóstico A língua para além de volumosa apresenta-se protusiva e fissurada, que leva a dores intensas por acumulação de restos alimentares no fundo das fendas. Apresentam atraso na erupção dentária e os dentes apresentam defeitos hipoplásicos do esmalte a par de raízes curtas, oligodontia (ausência de vários dentes) e lesões dentárias de bruxismo. Raramente têm cáries. A nível ósseo apresentam um falso prognatismo da mandíbula, uma vez que o que está mal a nível da relação maxilo-mandibular é a marcada hipoplasia do maxilar. A intervenção do profissional de saúde oral deve incidir na sensibilização precoce dos pais para uma dieta rigorosa e uma eficaz higienização oral afim de se evitarem perdas de peças dentárias, uma vez que estas crianças raramente toleram (devido à macroglossia, à fraca tonicidade muscular e a pouca colaboração) as próteses dentárias que se podem usar para realizar a reabilitação oral. Os portadores desta patologia perdem precocemente muitas peças dentárias devido aos condicionamentos dentários congénitos e à má higiene oral. As manipulações dentárias devem ter em conta que estas crianças, geralmente, são também portadoras de cardiopatias, com indicação para realização de profilaxia da endocardite bacteriana, bem como instabilidade da articulação do atlas com o crânio (cuidado com as acções realizadas com imobilização forçada do doente ou durante as anestesias gerais). Nascer e Crescer 2005; 14(4): 313-314 BIBLIOGRAFIA Cawson´s Essentials of Oral Pathology and Oral Medicine – R.A. Cawson – seventh edition – Churchill Livingstone, 2002 - Pag.363-365 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Genes, Crianças e Pediatras Gabriela Soares1, João Silva1, Miguel Rocha1, Cristina Dias1, Jorge Pinto-Basto1, Márcia Martins1, Ana Fortuna1, Esmeralda Martins2, Margarida Reis Lima1 CASO CLÍNICO CSDM, sexo feminino. Enviada ao IGM aos 6 anos, por atraso de desenvolvimento psicomotor. Primeira e única filha de casal não consanguíneo, história familiar irrelevante. Antecedentes pessoais: gestação sem intercorrências excepto ACIU detectado no 3º trimestre. Parto eutócico às 39 semanas, IA: 8/10. Somatometria ao nascimento: peso: 2680 g; comprimento: 46 cm; perímetro cefálico: 33 cm. Período neonatal: icterícia com necessidade de fototerapia durante dois dias e dificuldades de alimentação. Desenvolvimento psicomotor: sentar só: 1 ano; andar apoiada: 2 anos; pri- meiras palavras: 15 meses; QI global aos 6 anos: 50. Antecedentes patológicos: GEA aos 10 meses com necessidade de internamento; adenoidectomia e amigdalectomia aos 2 anos e meio; alterações do comportamento com agressividade e agitação. Exame objectivo na primeira consulta: peso: p25; estatura: p5; perímetro cefálico: p5. Agitação psicomotora, hipotonia, linguagem escassa sem construção de frases. Face triangular com fronte alta; proptose ligeira, fendas palpebrais com inclinação para baixo e para fora; nariz de base larga e achatada, ponta pequena e narinas antevertidas; boca com cantos Figura 1 - Fronte quadrada, base do nariz achatada, narinas antevertidas, cantos da boca virados para baixo, microretrognatia. virados para baixo, úvula hipoplásica; microretrognatia. Clinodactilia dos dedos das mãos; hipoplasia dos polegares, sindactilia cutânea do 2º e 3º dedos dos pés. Hipoplasia grandes lábios. Em resumo: trata-se de uma criança do sexo feminino, com 6 anos de idade que apresenta atraso de desenvolvimento psicomotor e alterações do comportamento com estatura e perímetro cefálico no limite inferior do normal, dismorfia facial e dos membros. Qual é o seu diagnóstico? Figura 2 - Clinodactilia, hipoplasia dos polegares __________ 1 2 Instituto de Genética Médica Hospital de Crianças Maria Pia qual o seu diagnóstico 315 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 SÍNDROME DE SMITH-LEMLI-OPITZ A investigação realizada nesta criança incluiu: cariótipo com pesquisa de quebras induzidas com DEB: 46,XX, sem quebras; estudo metabólico (aminoácidos, ácidos orgânicos, lactato, piruvato, amónia): normal; colesterol total: 2,9 mmol/l (N: 4,6-6,0); hemograma e restante bioquímica: normais; pesquisa de 7-dehidrocolesterol no soro: positiva. O estudo molecular gene DHCR7 mostrou uma mutação (T93M) aparentemente em homozigotia; aguarda estudo dos progenitores. DISCUSSÃO O Síndrome de Smith-Lemli-Opitz (SLOS; MIM: 270400) é um síndrome polimalformativo de hereditariedade autossómica recessiva com prevalência estimada de cerca de 1/22 000. Apresenta como principais características clínicas a microcefalia, dismorfia facial, anomalias genitais, cardíacas e dos membros, atraso de desenvolvimento estaturo-ponderal e psicomotor com alterações do comportamento. Classicamente descreviam-se dois tipos, I e II, sendo o tipo II uma forma grave com letalidade precoce. A partir de 1993 foi relatada a existência de uma alteração no metabolismo do colesterol nos doentes com SLOS, levando a uma baixa concentração sérica de colesterol total no plasma e a uma concen- 316 qual o seu diagnóstico tração elevada de um precursor, 7-dehidrocolesterol. Esta alteração deve-se a uma deficiência enzimática, pelo que este síndrome passou a ser classificado como uma doença hereditária do metabolismo. A ocorrência de colesterol sérico baixo em casos clinicamente suspeitos aponta fortemente para este diagnóstico mas há outras doenças que cursam com colesterol baixo (beta-sitosterolemia, síndrome CHILD, desmosterolosis, acidúria mevalónica e condrodisplasia punctata ligada ao X). Em cerca de 10% dos doentes ele pode ter concentração normal, o que não exclui o diagnóstico. A presença do precursor 7-dehidrocolesterol em concentrações elevadas no plasma destes doentes tem sido utilizada com sucesso como teste de confirmação de diagnóstico nos doentes com manifestações clínicas de SLOS. A enzima deficitária, 7-dehidrocolesterol-redutase, é codificada pelo gene DHCR7, localizado em 11q12-13, onde têm sido descritas várias mutações causadoras deste síndrome. O tratamento com suplementos de colesterol permite nalguns casos uma melhoria das alterações do comportamento, devendo haver uma referenciação a uma consulta de doenças metabólicas. A abordagem destes casos deverá ser necessariamente multidisciplinar e antecipatória. O risco de recorrência é de 25%, sendo possível realizar um diagnóstico pré-natal seguro através do doseamento do 7-dehidrocolesterol no líquido amniótico, ou alternativamente através da pesquisa de mutações no DNA fetal nos casos em que a família esteja caracterizada previamente do ponto de vista molecular. A detecção de anomalias ecográficas características deste síndrome (SNC, genitais, cardíacas e dos membros) permite nalguns casos realizar o diagnóstico pré-natal mesmo na ausência de história familiar. A detecção de níveis baixos de estriol não conjugado parece estar relacionado com a presença de um feto afectado de SLOS, podendo tornar-se um teste de rastreio eficaz em gestações de baixo risco. Nascer e Crescer 2005; 14(4): 315-316 BIBLIOGRAFIA V. Cormier-Daire et al. Abnormal cholesterol biosynthesis in the Smith-LemliOpitz and the lethal acrodysgenital syndromes. Eur J Pediatr 1996; 155: 656–659. Mira Irons et al. Treatment of Smith–Lemli–Opitz Syndrome: Results of a Multicenter Trial. Am J Med Genet 1997; 68:311–314. H Yu, SB Patel. Recent insights into the Smith–Lemli–Opitz syndrome. Clin Genet 2005; 68: 383–391. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Imagens Filipe Macedo1 Adulto jovem do sexo feminino, enviado ao S.U. do Hospital da área, com informação do Centro de Saúde de cólica renal. Sem hematúria, Nega gravidez. Figura 1 - Rx da coluna lombo-sagrada, face No S.U. perante lombalgia que não cede à medicação, são pedidas radiografias. Figura 2 - Rx da coluna lombo-sagrada, perfil __________ 1 Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC Porto qual o seu diagnóstico 317 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 DIAGNÓSTICO Gravidez de termo em trabalho de parto, ocultada pela examinada. Nas radiografias observa-se o esqueleto fetal, em apresentação cefálica. NOTAS SOBRE RADIAÇÃO IONIZANTE NO EMBRIÃO, NO FETO E NA CRIANÇA A radiação ionizante causa ionização das moléculas de água das células, levando à produção de radicais livres muito reactivos, que condicionam perturbações no comportamento, organização e comunicação entre as células. A expressão da radiação ionizante pode fazer-se de duas formas principais: - dose absorvida: grandeza que mede a dose de radiação depositada nos tecidos e cuja unidade é o Gray (Gy) - dose equivalente: grandeza que estima o efeito biológico da radiação e cuja unidade é o Sievert (Sv) O efeito da radiação depende da dose de radiação e do tipo de radiação. Abordaremos essencialmente os efeitos da radiação X. 1- Na gestação O potencial teratogénico da radiação X depende da fase de desenvolvimento em que se encontra a gestação bem como da quantidade de radiação. Nas primeiras duas semanas (fase de pré-diferenciação) o efeito é letal. Da terceira à oitava semanas (organogénese) ocorrem manifestações congénitas que podem ser embriotóxicas, teratogénicas e mesmo letais. No caso de alguns órgãos estes efeitos podem estender-se até às dez semanas. Depois das oito semanas (período fetal), geralmente não há alterações anatómicas muito marcadas, mas doses 318 qual o seu diagnóstico elevadas podem condicionar atraso de crescimento e atraso mental. Há ainda a considerar o risco de indução de certos tumores sobretudo no período fetal tardio. A exposição a doses de menos de 0,1Gy não parece aumentar a taxa de malformações congénitas(1), mas o risco carcinogénico parece ocorrer com um limiar mais baixo(2). 2 - Na criança Há a considerar essencialmente o risco de indução de tumores (sólidos e leucemias). A doutrina divide-se entre os que defendem que não há limiar de radiação para o risco carcinogénico e aqueles que defendem que só acima de um determinado patamar de radiação é que esse risco se torna significativo. Para além das precauções gerais necessárias no adulto, a criança tem duas particularidades a ter em conta. É mais radiossensível que o adulto(3) o que decorre nomeadamente das diferenças na distribuição dos tecidos – por exemplo, os membros têm essencialmente medula vermelha, enquanto que no adulto a medula castanha predomina. A tiróide e a mama pediátrica são também mais radiossensíveis(4). Por outro lado a criança tem maior esperança de vida tendo por isso, à partida, mais tempo para que as consequências tardias da radiação se manifestem. Por conseguinte, a mesma dose efectiva na criança tem maior efeito biológico e maior risco de neoplasia que no adulto(5). As reflexões relativamente à utilização de radiação ionizante na criança, enquadram-se no conceito ALARA, sigla que significa “as low as reasonably achievable” - a radiação aplicada deve ser tão baixa quanto possível para obtenção do resultado pretendido. A optimização dos procedimentos que envolvem radiação ionizante implica que se executem apenas os que forem medicamente necessários (indicação correcta) e que esses sejam realizados com o mínimo de radiação possível (parâmetros de exposição adequados e radioproteção eficaz). Esse objectivo requer o envolvimento e colaboração dos clínicos tanto quanto o dos técnicos de diagnóstico. Nascer e Crescer 2005; 14(4): 317-318 BIBLIOGRAFIA 1. Brent R.L. Utilization of Development Basic Science Principles in the Evaluation of Reproductive Risks from Preand Pos-conception Environmental Exposure. Teratology 1999; 59:182204 2. Arnon J, Meirow D , Lewis-Roness H, Ornoy A. Genetic and Teratogenic Effects of Cancer Treatments on Gametas and Embryos. Human Reproductive Update 2001 vol 7; 4: 394403 3. International Commission on Radiological Protection. Risks associated with ionizing radiation. Annals of The International Commission on Radiological Protection 1991; 22:9-102 4. Brenner DJ, Elliston CD, Hall EJ, Berdon WE. Estimated risks of radiation induced fatal cancer from paediatric CT 2001. AJR Am J Roentegol 2001; 176:289-296 5. International Commission on Radiological Protection – 1990 recommendation on radiological protection. ICRP publication 60 1990 Pergamon Press. Oxford NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 A negativa... M. Guilhermina Reis É o primeiro dia das férias de Natal e a minha filha faz onze anos. Para a festa de aniversário convidou colegas e amigos, alguns que a acompanharam desde o primeiro ano de escola. Mudou há menos de dois meses de escola e mantém-se “fiel” á sua turma anterior. Já são sete horas, a noite está agradável (não chove), e decidimos ir a pé acompanhar o Rui até casa. Aos outros colegas, vieram-nos buscar os pais. É um menino de onze anos, com ar tímido e pouco conversador, a frequentar o 6º ano. É educado e vai-me respondendo quando o interpelo. – Então Rui, a escola está a correr bem? – Está. – E as notas, vão ser boas? – Não sei, mais ou menos. – Mais p’ra mais ou mais p’ra menos? É tudo 3 e 4? – Não sei. Se calhar tenho nega a EVT! – A EVT, porquê? Não gostas ou não tens jeito? – É o trabalho. – Foi chato? Não gostaste do tema? – O professor mandou-nos fazer um anjo. Mas era uma construção... – Um modelo tridimensional? – Sim, isso... e tinha-se que fazer a cabeça com uma bola de ténis!.... – Não gostaste do trabalho? – Não. O diálogo demorou quase todo o caminho, entrecortado com perguntas e respostas a propósito do que se ia encontrando pelo caminho, de quem estava à espera do Rui em casa,...parecia, de facto, que o Rui quereria esquecer o trabalho. A sua voz denotava um caracter desprezível do projecto de EVT. O Rui deixou de ter mãe em casa aos cinco anos, quando ela desistiu de viver, junto a ele. A sua mãe estará concerteza no céu, tal como a mãe do Menino Jesus. O Rui e dois irmãos ficaram com o pai e uma família cheia de tios e primos. É uma criança bem adaptada na vida social e escolar. Concerteza, os professores não esperam que tenha necessidades especiais. Talvez tenha, porém, emoções especiais em algumas épocas do ano. O nosso “Anjo da guarda” não pode ser materializado. Não se ultraja a divindade de um Anjo, comparando a sua cabeça a uma bola de ténis. pequenas histórias 319 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Carta a um Compatriota J. Arêlo Manso Meu Caro Compatriota que andas entristecido com a tua vivência às vezes, muito aborrecido liberta-te da tua sonolência pois, se continuas adormecido depressa chegará a insolvência e o País dos Avós recebido podes vê-lo sem independência por um dia ter desaparecido Para a grande Europa pelas nossas fronteiras já passaram inovações Seda, pó das pimenteiras Hoje passam ou ficam cá Muitas outras poeiras Precisamos dela os milhões Mas, se muito rapidamente não aprendermos as lições então, sério risco corremos de mais e graves desilusões. Aquele que se agastou Porque dele se afastou a ambicionada reforma que miragem se tornou demonstrai a Vossos Filhos quem a Pátria paralisou e quase a delapidou que vossa não foi a culpa antes de quem governou do País, bem não cuidou. A iminência do afogamento Trás ao quase naufrago Fôlego e empenhamento Se, pela vida tiver encantamento 320 Assim, se quisermos que a Nação Não seja uma futura efabulação O eminente desmoronamento Já não permite mais alheamento Ou irresponsavel acomodação Só com todos a trabalhar se pode com gosto sorrir depois aprender a partilhar sabe bem melhor o fruir Se quem tiver que exercer poder, bem o souber fazer poderá renascer a felicidade e uma salutar solidariedade de novo ao mundo irá trazer Quem seja acomodado pela sua inacção ou falta de motivação e se fizer desleixado pode ver-se acabado na mais dura inanição O vaqueiro das pastagens vai aprendendo a cuidar armazena as forragens evita os desperdícios a manada sabe resguardar dos perigos e precipícios Só o peixe vê no isco Uma atracção sem risco Através da linha ou rede Acaba por virar petisco Hoje, com armas obsoletas Sem barões nem brasões Abundam as más razões Para continuarmos pobres mas muito pedinchões para alguns só restam caminhos de emigrações Usamos muito os pulmões Para enfáticas vocalizações Desviamos as boas ideias Que exijam penosas acções a criança, a família e a comunidade Mas se todos com empenho diário formos capazes de mais produzir na vez do fácil, que é pedir um brilho novo poderia reluzir eliminando rugas à nossa gente tornando tudo mais sorridente Não seria mais necessário continuar a realizar tão frequentes plenários apenas para se culpabilizar entre tantos malandros apenas os reaccionários Abril, águas mil diz o nosso povão que num recente abrilão colectivamente despertou com esperança na revolução O Mundo muito que já pulou O País em tudo não avançou Nalgumas, para atrás mal ficou Portugal, estado de direito qual floresta legislativa serpenteada por lasciva corrente de rio, cujo leito recortado por vale tortuoso quase sempre estreito vai levando uns ao deleite a poucos aponta o despeito pela vergonhosa, repetida e pública falta de respeito pela nossa ordem colectiva na rua ou praça exibida mesmo que seja repetitiva Meu sincero voto, compatriota é de que o novo timoneiro que ao Palácio de Belém chegar, com o voto de Janeiro Promova sábia renovação em nome da recuperação não só económica e cultural mas também educacional que ponha Portugal, primeiro com mérito em lugar cimeiro NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Índice de Autores Afanas M S235 Aguiar AP S206 Aguillar A S237, S238 Aires Pereira S S243 Alegria A 114 Alexandrino AM 31 Almeida Santos M 53 Álvares S 7, 53, 71, 159, S240, 275 Alves L 53 Amorim JMS 47, 128,178,313 Amorim R 53 Anjos R S222 Antunes H S235 Azevedo M 164 Bandeira A 286 Barbosa T S237, S238, 300 Barbot C 15,26 Barbot J S206, S240 Barca M S238 Bardají C 9 Barros A 292 Barroso Pinto C 38 Batista-Foguet JM S199 Borges AC 73, S237, S238 Borges E 123 Braga Tavares H S243 Bragança G 89 Brandão G 59, 141 Cândido C S236 Cardoso ML 15,26, S234 Carrapato MR 80 Carrilho I 132 Carvalho C S206 Carvalho F S240 Carvalho F S247 Carvalho S 240 Caspurro S 300 Caturra L 23 Chorão R S234, S236 Coelho R 89 Correia C S237 Correia Z S246 Costa E 73 S237, S238 Costa M 73 Costa T S236, S240, S243 Cunha O S233 Dias C 51, 132, 182, 315 Dias F S234, S236 Duarte C S240 Duarte JA S227 Encarnação A 53 Enes C 161 Fernandes S S235 Ferreira AM S244 Ferreira de Sousa J 161 Ferreira H S187, S239 Ferreira M 102 Ferreira N S234 Figueiredo A 172 Figueiredo C S235 Figueiredo M S233, S240, S242 Figueiredo R 84 Fonseca F 80 Fonseca MJ 23 Fonseca P S233, S242, S245 Fortuna AM 51, 132, 182, 315 Freitas S 80 Gabriel JP S234 Garcia M 161 Garrido A S233 Cálix MJ S233 Gaspar EJ S245 Gaspar M 23 Gaspar Matos M S199 Gomes L 286 Gonçalves J S208 Gonçalves M S233 Gonçalves S 132 Graça T 84 Guedes A 114 Guedes M 248, 286 Guedes R S233 Guerra I S239, S241 Guimarães A S234 Guimarães MJ S246 Hermida L S240 Hernández T 80, S242 Jardim H 134 Lima C. S 114 Lima R S241 Lira S 247 Lisboa L S236 Lopes I 53, S244 Loureiro M S240 Macedo F 49, 130,180, 317 Machado S 102 Maciel I S246 Madureira N S242 Maia I S239, S246 Manso JA 139, 251, 320 Marques L 110, S239, S247 Marques M S206 Martinho I S246 Martins E 15, 26, 315 Martins M 51, 114, 132, S235, 315 Martins T 51 Martins V S234, S236, S245 Mesquita S 31, 110 Miranda Veiga F 38 Moleiro P S242 Monteiro C S243 Monteiro T 35, 92, 119,169,304 Morais L 53,110 Moreia R S193 Moreno A 57, 249 Mota C S236, S239, S240, S243 Neves G S234 Neves J S206 Nogueira C 277 Nogueira PC S247 Nogueira VM S247 Norton L S244, S246 Nunes S S235 Oliva T S246, 307 Oliveira A 53 Oliveira T S185 Pereira A S235 Pereira E S236, S240, S243 Pereira F 45, 126, 161, 176,311 Pereira L S234 Pereira L S245 Pessoa B S238 Pilar C 161 Pinto AC S244 Pinto Basto J 51, 132, 182, S235, 315 Pinto Coelho P S238 Pinto F 55, S237, S238, S239 Pinto ML 73 Proença E 31, 114 Quaresma M S234 Ramada J S246 Ramos A 110, S241, 300 Rebelo Gomes E 96, S244 Reis G 286, 319 Reis Lima M 51, 132, 182, S235, 315 Rios J S246 Rocha H S241 Rocha M 51, 132,182, S235, 315 Rocha P S240 Rodrigues AC S193 Rodrigues C S218 Rodrigues L S233 Rodrigues S S236, S238 Rosário C 300 Ruivo I 164 Sá R 292 Sales Marques J S244 Sameiro Faria M S236, S239, S240, S243 Sampaio V S237 Santos G 114 Santos H S243 Santos M 277 Santos MC S220 Santos P 114 Santos R S242 Sarmento A 15, 26, S240 Seabra J 53 Selores M 102 Senra V 110, 300 Silva H S235 Silva J 315 Silva MJ 164 Silva MR S234, 315 Simões D S221 Soares G 51, 132, 182, 315 Sousa M 292 Sousa S S234 Tavares L S235 Taveira M 300 Teixeira A S222 Teixeira F 26 Teixeira MC 164 Teles A 84 Teles A S233, S246 Tomé S S240, S242, S245 Vale I S246 Vale L S206 Veiga E 23 Vieira C S247, 286 Vila Real M S244 Vilarinho L 277 índice de autores 321 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Indice de Assuntos Vol. 14 Abcesso Mediastínico - Abcesso retrofaríngeo com extensão mediastínica: caso clínico. 110 Abcesso Retrofaríngeo - Abcesso retrofaríngeo com extensão mediastínica: caso clínico Acidúria Glutárica - Vómitos Cíclicos / Acidúria Glutárica tipo II – caso clínico. 26 Adenopatias - Adenopatias recorrentes por EBV: À Espera de um Linfoma. S240 - Quando as Adenomegalias Cervicais não são o que parecem. S247 Adenovirus - Infecções por Adenovírus. S241 Adolescentes - Adolescentes em Vila Nova de Famalicão, a confirmação de uma realidade. S242 - Adolescentes no Hospital de Santo André – Leiria: Que Necessidades de Saúde? S242 - Consulta de Adolescentes: É preciso ver tudo. S245 - Desvios do comportamento. S193 - Espaço Jovem. S185 - Fisiologia do Pesadelo. S247 - O Quotidiano dos Adolescentes Portugueses e Satisfação com a Vida: risco e protecção. S199 - O Risco de ser Adolescente. S233 - Os Adolescentes na Consulta de Desenvolvimento do Centro Hospitalar no Alto Minho. S237 - Perturbações do Comportamento Alimentar. S187 - Surpresas ou Nem Tanto! Análise Retrospectiva de 2 Anos da Consulta de Adolescentes do Hospital S. João de Deus de V.N.Famalicão S233 - Transplante Renal na Adolescência – experiência do Hospital Maria Pia. S243 Alergias - Alergia a Fármacos. 6 - As Crianças, os Cães e os Gatos. S244 - Bactérias e Aumento da Prevalência das Doenças Atópicas e Auto-imunes. 92 Alterações de Comportamento - Antibiomania: a propósito de um caso clínico. S246 - Desvios de Comportamento. S193 - Perturbações do Comportamento Alimentar. S187 322 índice de assuntos Apraxia Óculo motora - Ataxia – telangiectasia – Caso Clínico. 23 Ataxia Telangiectasia - Ataxia – telangiectasia – Caso Clínico. 23 Atrofia Espinhal - Os 10 anos da Consulta de Neuromusculares do Hospital Maria Pia. 53 Bronquiolites - Abordagem Diagnostica e Terapêutica das Bronquiolites - revisão bibliográfica. 286 Bulimia - Perturbações do Comportamento Alimentar. S187 Cáries - Caso Estomatológico. 128 Cateter - Cateteres Epicutâneos em RN: estudo retrospectivo. 80 Citomegalovirus - Imagens. 49 Citopatia Mitocondrial - Investigação Molecular em 20 Doentes com Citopatia Mitocondrial. 277 Corpo Estranho - Caso Endoscópico. 45 - Caso endoscópico. 126 Cuidados Paliativos - A Morte no Início da Vida. 38 Defeitos Parede Abdominal - Genes, Crianças e Pediatras. 51 Deformidades Torácicas - Nuestra Experiência en el Tratamiento del Pectus Excavatum Severo Mediante Toracoplastia Percutânea Videoassistida. 9 Diagnóstico Genético - Considerações éticas sobre a selecção de sexo através do diagnóstico genético pré-implantação. 307 Diagnóstico Pré-natal - Ataxia – telangiectasia – Caso Clínico. 23 - Imagens. 180 - Genes, Crianças e Pediatras. 51 - Por detrás da borbulha ou, o dilema do diagnóstico pré-natal de anomalia nefro-urológica. 134 Displasias Ósseas - Acondroplasia e Hipocondroplasia: Novas Perspectivas de Diagnóstico Molecular. S235 Distrofias Musculares - Os 10 anos da Consulta de Neuromusculares do Hospital Maria Pia. 53 Doenças Auto-imunes - Bactérias e Aumento da Prevalência das Doenças Atópicas e Auto-imunes. 92 - Neutropenia Auto-imune – caso clínico. S239 Doenças Cardíacas - Morte Súbita em Crianças e Adolescentes sem Doença Cardíaca. S222 - Morte Súbita de Origem Cardíaca em Jovens Atletas. S227 Doença de Castleman - Quando as Adenomegalias Cervicais não são o que parecem. S247 Doença de Crohn - Caso Endoscópico. 311 - Nem tudo o que parece é… Um Caso Clínico. S246 Doença de Hodgkin - Adenopatias Cervicais Recorrentes por EBV: à Espera de um Linfoma…. S240 Doenças Metabólicas - Defeitos da b-Oxidação Mitocondrial dos Ácidos Gordos – artigo de revisão. 15 - Investigação Molecular em 20 Doentes com Citopatia Mitocondrial. 277 - Rabdomiólise Maciça Após Crise Convulsiva num Adolescente. S234 - Vómitos Cíclicos / Acidúria Glutárica tipo II – caso clínico. 26 Doenças Neuromusculares - Os 10 anos da Consulta de Neuromusculares do Hospital Maria Pia. 53 Endocardite - Endocardite Bacteriana Associada a Positividade para Anticorpos Citoplasmáticos Anti Neutrófilo (ANCA). S240 Fluorose Dentária - Caso Estomatológico. 178 Fotoprotecção - Fotoprotecção na Criança. 102 Gastrite - Caso Endoscópico. 176 Glicogenose tipo V - Rabdomiólise Maciça Após Crise Convulsiva num Adolescente. S234 Gravidez - Fisiologia do Pesadelo. S247 Hemoglobinuria Paroxistica - Um caso de Insuficiência Renal Aguda. S240 Hidrocefalia - Hidrocefalia – Formas de apresentação pouco frequentes. S221 Hipertenção Arterial - Hipertenção Arterial no Recém Nascido. S245 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2005, vol XIV, n.º 4 Hipertenção Intracraniana - Uma Causa Incomum de Parésia do VI Nervo Craniano na Criança. S236 Hipoglicemia - Defeitos da b-Oxidação Mitocondrial dos Ácidos Gordos – artigo de revisão. 15 - Genes, Crianças e Pediatras. 51 Hospital de Dia - Hospital de Dia – Análise Retrospectiva de 8 anos de actividade. 84 Humanização - A Morte no Início da Vida. 38 Infecções - Bactérias e Aumento da Prevalência das Doenças Atópicas e Auto-imunes. 92 - Ressurgimento do Pertussis na Europa. 304 Insuficiência Renal - Um Caso de Insuficiência Renal Aguda. S240 Intersexo - A Genética no Intersexo. S208 - Conduta Cirúrgica nas Anomalias da Diferenciação Sexual. S218 - Intersexo. I – Genes Envolvidos na determinação do sexo masculino. 292 - Vulnerabilidades e Defesas no Intersexo. S220 Intoxicações - Intoxicações Agudas em Adolescentes. S234 - Intoxicação Medicamentosa em Pediatria: Duas Faces do Mesmo Problema. S243 - Intoxicações na Urgência Pediátrica: Prevenir é Melhor que Remediar! S235 - O Código da Criança. 55 Isoimunização RH - Isoimunização Rh a Múltiplos Antigénios. 31 Leucemia - Dismorfia Facial – Um Caso Clínico de LAL. S246 Macroglosia - Genes, Crianças e Pediatras. 51 Macrossomia - Genes, Crianças e Pediatras. 51 Malnutrição - Edema e Renutrição de Malnutrição Grave – Caso Clínico. S239 Miastenias - Os 10 anos da Consulta de Neuromusculares do Hospital Maria Pia. 53 Miopatias - Os 10 anos da Consulta de Neuromusculares do Hospital Maria Pia. 53 Morte - A Morte no Início da Vida. 38 Morte Súbita - Epidemiologia e Prevenção. S222 - O Exame Cardiovascular na Prática do Desporto. S227 Neuroblastoma - Neuroblastoma de Apresentação Cutânea. S244 Neutropenia - Neutropenia Auto-Imune – Caso Clínico. S239 Obesidade - Complicações e Tratamento da Obesidade na Criança. 89 - Surpresas ou Nem Tanto! Análise Retrospectiva de 2 Anos da Consulta de Adolescentes do Hospital S. João de Deus de V.N.Famalicão S233 Oxidação dos Ácidos Gordos - Defeitos da b-Oxidação Mitocondrial dos Ácidos Gordos – artigo de revisão. 15 Pectus Excavatum - Nuestra Experiência en el Tratamiento del Pectus Excavatum Severo Mediante Toracoplastia Percutânea Videoassistida. 9 Pediatria Ambulatória - As nossas crianças merecem o melhor. S237 - Avaliação da qualidade dos registos. S238 Pedopsiquiatria - Hospital de Dia – Análise Retrospectiva de 8 anos de Actividade. 84 PEG - Gastrostomia Endoscópica Percutânea na Criança. 161 Pneumonia - Imagem. 130 PTI - Púrpura Trombocitopénica Idiopática – revisão de quatro anos. S206 Rabdomiólise - Rabdomiólise Maciça Após Crise Convulsiva num Adolescente. S234 Radiação Ionizante - Caso Clínico - Radiológico. 313 Rastreio Oftalmológico - Rastreio Oftalmológico Infantil – Estudo Piloto S238 Recém Nascido - Cateteres Epicutâneos em RN: estudo retrospectivo. 80 - Hipertensão Arterial Neonatal. S245 Selecção de Sexo - Considerações Éticas sobre a Selecção de Sexo através do Diagnóstico Genético Pré-Implantação. 307 Síndrome de Alstrom - Genes, Crianças e Pediatras. 132 Síndrome de Beckith - Wideman - Genes, Crianças e Pediatras. 51 Síndrome de Holt Oram - Síndrome de Holt-Oram: Caso Clínico e Actualização. 114 Síndrome Nefrótico - Síndrome Nefrótico Congénito e Infantil – Experiência dos Últimos 5 Anos. S236 Síndrome de Smith-Lemli-Opitz - Genes, Crianças e Pediatras. 315 Síndrome de Williams-Beuren - Genes, Crianças e Pediatras. 182 Teratoma - Imagens. 180 Toracospia - Nuestra Experiência en el Tratamiento del Pectus Excavatum Severo Mediante Toracoplastia Percutânea Videoassistida. 9 Toxaplasmose - Toxaplasmose Congénita: a propósito de um caso grave. 164 Transporte em Veículos - Como Transporta os seus filhos? 73 Traumatismo Dentário - Caso Estomatológico.47 Trissomia 21 - Imagens. 49 Vasculopatia Lenticuloestriada - Imagens. 49 Vómitos Cíclicos - Vómitos Cíclicos / Acidúria Glutárica Tipo II – Caso Clínico. 26 índice de assuntos 323 AGRADECIMENTOS A Revista Nascer e Crescer agradece aos colaboradores, que fizeram a revisão dos manuscritos submetidos para publicação no ano de 2005. Esta intervenção é essencial para a qualidade científica dos artigos e representa horas de trabalho, experiência e esforço dedicados a esta actividade. Sentimo-nos honrados com a sua colaboração e disponibilidade. Abílio Oliveira – Porto António Oliveira – Porto António Vieira – Porto Carmen Carvalho – Porto Cidade Rodrigues - Porto Clara Barbot - Porto Conceição Rosário – Porto Conceição Trigo – Lisboa Dora Simões – Porto Helena Ferreira – Porto Inês Lopes – Porto José Manuel Pavão – Porto José Valter Ferreira Alves – Porto Laura Marques – Porto Lopes dos Santos – Porto Lúcia Gomes – Porto Luísa Monteiro – Lisboa Márcia Martins – Porto Margarida Guedes – Porto Marília Loureiro – Porto Miguel Taveira – Porto Natália Teles – Porto A Revista Nascer e Crescer agradece o apoio publicitário concedido ao longo do ano 2005, pelas instituições abaixo indicadas: Associação do Hospital de Crianças Maria Pia Dermoteca Janssen-Cilag Laboratórios Bial Merck Sharp & Dohme NeoFarmacêutica