Manual de Boas Práticas

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Manual de Boas Práticas
INSTITUTO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS E INTERNACIONAIS
Manual de Boas Práticas
no Combate ao Tráfico de Seres Humanos
PROJETO POAT – FSE Nº 170402009
Migrações, Combate ao Tráfico de Pessoas – Valorização e Inclusão
Social das Vítimas
Coordenador Científico: Miguel Santos Neves
Coordenadora Executiva: Cláudia Pedra
1
Índice
1. METODOLOGIA .............................................................................................................. 3
2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DE BOAS PRÁTICAS ....................................... 6
3. LISTAGEM DE BOAS PRÁTICAS ............................................................................... 11
4. ANÁLISE DAS BOAS PRÁTICAS ............................................................................... 13
4.1. PREVENÇÃO ............................................................................................................. 13
Prática 1 - Campanha de sensibilização de clientes de prostituição, Anti-Trafficking Alliance,
Reino Unido ........................................................................................................................ 13
Prática 2 - Mobilização do setor privado e adoção de códigos de conduta, End Human
Trafficking Now, Associacion Libertá, Suíça....................................................................... 17
Prática 3 - Campanha e advocacy para eliminação do trabalho forçado na cadeia do produto
do chocolate, Stop the Traffik, Holanda ............................................................................... 22
Prática 4 - Base de dados de registo de vítimas de tráfico, OIM Genebra, Suíça ................... 26
Prática 5 - Programa “Na Mão Certa”, Childhood, Brasil ..................................................... 29
Prática 6 - Active Communities Against Trafficking – ACT, Stop the Traffik, Reino Unido 34
Prática 7 - Estimativas de vítimas de tráfico, Office Central pour la Répression de la Traite
des Êtres Humains, Polícia Judiciária, França ...................................................................... 38
Prática 8 - Gangmasters Licensing Authority, Reino Unido ................................................. 41
Prática 9 - Redes locais na região Emilia-Romagna, On the Road e a Região de Emilia
Romagna, Itália ................................................................................................................... 46
Prática 10 - Seminários de orientação para migrantes laborais, Phillipines Overseas
Employment Agency, Filipinas ............................................................................................ 51
Prática 11 - Programa “Escolas”, CECRIA, Brasil ............................................................... 55
Prática 12 - Promotoras Legais Populares, São Paulo, Brasil................................................ 58
Prática 13 - Utilização Segura da Internet, Safernet Brasil ................................................... 62
Prática 14 - Mercadoria Humana, Saúde em Português, Portugal ......................................... 66
4.2. PROTEÇÃO ............................................................................................................... 71
Prática 15 - Aplicação do Artigo 18 do Decreto-lei 286/98 no Município de Veneza, Itália.. 71
Prática 16 - Posto Avançado de Atendimento Humanizado aos Migrantes do Aeroporto de
Guarulhos, São Paulo, Brasil ............................................................................................... 77
Prática 17 - Interlocutor único para a vítima, End Human Trafficking Now, Associacion
Libertá, Suíça ...................................................................................................................... 82
Prática 18 - Programa culturas e práticas não revitimizantes, Childhood, Brasil .................. 85
Prática 19 - Sistema de obrigatoriedade de apresentação das trabalhadoras domésticas,
Ministério dos Negócios Estrangeiros, Áustria..................................................................... 91
Prática 20 - Poppy Project, Eaves, Reino Unido ................................................................... 96
4.3. PUNIÇÃO ..................................................................................................................101
Prática 21 - Procuradores especializados em questões de TSH, Ministério Justiça, Bélgica .101
Prática 22 - Joint Investigation Teams/ Equipas de investigação conjuntas, França e Roménia
...........................................................................................................................................105
Prática 23 - Unidade Especial Anti-tráfico, Grécia ..............................................................109
4.4. PARCERIAS ..............................................................................................................115
Prática 24 - Núcleo de Enfrentamento do Tráfico de Seres Humanos, São Paulo, Brasil .....115
Prática 25 - UKHTC, Reino Unido .....................................................................................119
Prática 26 - Projeto ACTES, Plataforma de ONG, França ...................................................123
5. CONCLUSÕES:............................................................................................................128
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................137
2
1. METODOLOGIA
A análise das boas práticas no combate ao tráfico e na proteção de vítimas de tráfico foi
elaborada com base em investigação que envolveu não apenas o tratamento de fontes
secundárias, relativas a estudos pré-existentes de análise e discussão de boas práticas, mas
também, e sobretudo, investigação original com base em trabalho de campo e fontes
primárias. A investigação foi estruturada em quatro fases.
A investigação de fontes secundárias constituiu a primeira fase e foi realizada antes do início
das missões ao terreno. Esta fase permitiu sistematizar a informação sobre um conjunto de
boas práticas em diferentes países e o teor e fundamentos de algumas das avaliações
preliminares realizadas e disponíveis em estudos realizados por organizações internacionais,
ONG ou universidades. Esta sistematização inicial foi crucial para selecionar as boas práticas e
os países a elas associados que iriam ser objeto da segunda fase de investigação.
A segunda fase envolveu a realização entre Abril e Dezembro de 2010 de 6 missões de terreno
a 8 países diferentes. A escolha dos países teve em conta diversos critérios: a informação
disponível sobre boas práticas no âmbito do tráfico identificadas por organizações
internacionais (casos Conselho da Europa, OSCE, OIM, UNDOC e OIT), ONG, Universidades,
think tanks etc.; diversidade de modelos organizacionais; equilíbrio entre países de experiência
recente e países com longa experiência na área do Tráfico de Seres Humanos (TSH);
comparabilidade das práticas e dos resultados. Assim foram realizadas as seguintes missões:
a) Suíça entre 8 e 12 de Abril de 2010
b) Itália entre 22 e 25 Abril de 2010
c) Grécia entre 26 e 28 de Abril de 2010
d) França entre 22 e 26 Junho de 2010
e) Reino Unido entre 8 e 10 de Julho de 2010
f) Brasil entre 6 e 12 de novembro de 2010
g) Holanda entre 1 e 2 de Dezembro de 2010
h) Bélgica entre 2 e 6 de Dezembro de 2010
3
Estas missões tiveram como objetivo central a realização de entrevistas detalhadas e não
diretivas com responsáveis de diferentes entidades dos três sectores - públicas, privadas ou do
terceiro sector - de modo a conhecer em profundidade não apenas o conteúdo da boa prática
mas também a realidade da sua implementação em concreto, os resultados obtidos, os
problemas encontrados e o nível de difusão. Foram assim realizadas entrevistas com os
responsáveis de um grupo muito variado de instituições em cada um dos países:
-
Departamento governamentais com responsabilidade na definição da política de
combate ao TSH (ministérios, relatores nacionais etc.)
-
Órgãos de polícia criminal
-
ONG com responsabilidade direta no apoio a vítimas de tráfico
-
ONG de advocacy, caso da Amnistia Internacional
-
Organizações internacionais presentes no país com competência na área do TSH
(caso OIM e OIT na Suíça e da UNDOC no Brasil)
-
Universidades com projetos de investigação na área do TSH
-
Sindicatos
-
Associações de imigrantes
-
Instituições religiosas
-
Empresas e grupos empresariais com projetos na área do TSH
-
Fundações
Estas entrevistas procuraram sempre cruzar informação de forma a captar as perspetivas de
diferentes instituições sobre a mesma prática e simultaneamente controlar a avaliação das
práticas relacionadas com o “Partnership” que pressupõem uma cooperação ativa entre
diferentes entidades.
A terceira fase desenvolveu-se após a conclusão das missões de investigação e envolveu duas
operações. Por um lado, a realização dos contactos de follow-up com as instituições com as
quais tinham sido realizadas entrevistas, destinados a esclarecer aspetos específicos abordados
e obter um conjunto de documentos prometidos no âmbito das entrevistas realizadas. Por
outro lado, a investigação foi complementada com a realização de entrevistas (via Skype) com
outras instituições relevantes que, por dificuldades de agenda, não tinham tido possibilidade
de se reunir com a equipa do projeto durante o período de realização da missão.
4
Finalmente, a quarta fase centrou-se na análise sistemática de toda a informação recolhida,
confrontando-a com a informação obtida a partir das fontes secundárias, e na aplicação de
uma metodologia de análise comparativa que permitiu afinar critérios comuns de avaliação e
elaborar uma análise detalhada das boas práticas sustentáveis tendo em vista a elaboração do
Manual de Boas Práticas.
5
2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DE BOAS PRÁTICAS
O conceito de “best practice” surgiu no contexto do sector privado e da teoria da gestão
empresarial, referenciando métodos ou instrumentos que permitem a uma empresa obter
resultados melhores do que os seus concorrentes no mercado, mas tem vindo a ser utilizado
crescentemente nas mais diversas áreas desde as políticas públicas às técnicas profissionais
específicas. Considerando que não existe uma prática melhor do que todas as outras em
absoluto, em todas as situações, uma vez que a prática é sempre contextual (o que é melhor
varia com o contexto) optou-se por adotar a expressão boa prática que se considera mais
adequada.
A compreensão do conceito implica a referência a dois elementos estruturais de contexto que
marcam a emergência e desenvolvimento das boas práticas. Por um lado, a boa prática está
associada à soft law como solução informal, flexível e não obrigatória para problemas
concretos em contraste com a outra via alternativa, a hard law, que corresponde à
consagração de standards legais uniformes de comportamento, de natureza vinculativa,
relativamente aos quais não há liberdade dos destinatários quanto à sua adoção e cujo
incumprimento determina a aplicação de sanções jurídicas. As limitações crescentes da lógica
do “command and control” na regulação das atividades sociais e a capacidade de resistência ao
cumprimento por parte de atores não-estatais com crescente poder e influência, explica o
recurso crescente à soft law e à lógica de benchmarking na adoção de boas práticas.
Em segundo lugar, a boa prática está intimamente ligada ao processo de inovação embora
alguns especialistas1 tendam a estabelecer uma distinção rígida entre inovação - enquanto a
invenção de algo novo - e a boa prática que associam à adoção de algo que foi previamente
experimentado e testado para ser considerado como tal. Contudo, a perspetiva que se
considera mais adequada é a que encara a boa prática como uma das formas possíveis de
1
Newman, J., Raine, J. And Skelcher, C. 2000, Innovation and best practice in Local Government: a research report,
London: DETR.
6
inovar, a par de outras que incluem a inovação a partir da experiência própria da organização
ou a partir das novas ideias introduzidas por novas pessoas que se integram na organização 2.
A boa prática tem como vocação a sua emulação o que envolve um processo de difusão da
mesma. A explicação do processo de difusão não é consensual e existem pelo menos três
modelos alternativos como salienta Newmark3.
O primeiro é o modelo das determinantes internas, segundo o qual a boa prática difunde-se
em função do grau de semelhança organizacional e contextual. As organizações tendem a
emular outras com que se identificam porque consideram terem uma missão e experiência
semelhante à sua.
O segundo modelo é o da difusão geográfica, de acordo com o qual a boa prática tende a
difundir-se de forma mais intensa num determinado espaço geográfico e a revelar padrões
regionais de difusão, que resultam de uma potencial maior proximidade entre organizações
que se localizam na mesma região. Em suma, o efeito de vizinhança seria determinante.
O terceiro modelo é o da interação entre organizações, segundo o qual a difusão é
determinada pelo grau de participação em networks considerando que os contactos
interpessoais e as relações de confiança que se desenvolvem no seio das redes tendem a
estimular a adoção da boa prática. Neste contexto, o nível de difusão dependeria do grau de
envolvimento em redes e da densidade das mesmas, colocando em evidência a importância
dos fatores informais e da relação entre pares na partilha da boa prática.
Esta terceira abordagem afigura-se mais adequada a explicar a complexidade do processo de
difusão e a sua natureza no contexto de uma sociedade do conhecimento. Com efeito a boa
prática integra-se na categoria do conhecimento tácito cuja partilha pressupõe não só uma
relação face to face mas também relações de confiança e partilha de valores. Só desta forma é
possível partilhar na sua plenitude e de uma forma aberta uma boa prática, incluindo os seus
aspetos menos positivos ou eventuais insucessos, e avaliar com rigor vantagens e
2
Ver Brannan T. , Durose C., John P., 2008, Assessing best practice as a means of innovation, Local Government
Studies, 34(1), pp. 23-38.
3
Newmark, A.J. 2002, An integrated approach to policy transfer and diffusion, in Review of Policy Research, 19(2),
pp.151-178.
7
desvantagens para a organização que pondera adotá-la. Por outro lado, também contribui para
explicar as significativas dificuldades e resistências no processo de disseminação da boas
práticas, análise para a qual é igualmente necessário ponderar a resistência à mudança e a
capacidade institucional das organizações.
A qualificação de uma atividade ou método como “boa prática” tem de obedecer a critérios
objetivos que sejam suscetíveis de aferição e controlo.
Na análise desenvolvida considera-se que a boa prática tem de preencher em simultâneo cinco
critérios fundamentais:
(i)
Sustentabilidade: a prática tem de ter um período de tempo razoável de
efetiva implementação e uma continuidade mínima demonstrando a sua
capacidade de adaptação à realidade e às mudanças de circunstâncias; a boa
prática tem de ser uma prática “in action” e não uma prática “in books”, não
pode ser um mero projeto de prática.
(ii)
Impacto: a prática tem de ter um impacto social efetivo na realidade
contribuindo para a solução de um determinado problema de acordo com os
objetivos definidos, o que implica a capacidade de identificar resultados
quantitativos e qualitativos produzidos, que possam ser comparados com a
situação existente antes da adoção da prática. A prática tem de provar que
faz a diferença e que tem algum nível de sucesso numa apreciação global, o
que não é incompatível com a existência de aspetos negativos e resultados
indesejados, os quais no processo normal de construção gradual da prática
deverão ser eliminados/minimizados.
(iii)
Replicabilidade: a prática tem de possuir o potencial de ser replicada noutro
contexto, por outra organização, o que significa não ser excessivamente
dependente do contexto em que nasceu, tão específica que só funciona em
condições muito especiais; por outro lado, tem de ser clara e transparente e
não de tal forma complexa que se torne ininteligível e dificilmente
replicável. Como é evidente todas as práticas são contextuais pelo que a
8
replicabilidade implica sempre alguma adaptação, embora sem alteração do
núcleo essencial.
(iv)
Difusão: a prática tem de conhecer um nível mínimo de difusão o que
implica adoção efetiva por outras organizações dentro do país ou ao nível
internacional,
demonstrando a
sua
atratividade, adaptabilidade
e
confirmando a sua validação em contextos diversos.
(v)
Avaliação: a prática tem de ser objeto de uma avaliação criteriosa e
independente que sustente a sua qualidade, através da medição de
resultados e o estabelecimento do nexo causal entre a prática e esses
resultados, afastando a possibilidade de estes serem explicados por outros
fatores, e que inclua a avaliação da sua adoção em diferentes contextos.
Este constitui um dos critérios mais difíceis de preencher porque, em rigor,
exigiria a existência de uma avaliação prévia à adoção da prática que
permita a comparação com a situação após a sua adoção e que não existe na
maioria das situações.
Por vezes é também salientada a dimensão inovação, no sentido de considerar que a boa
prática deve ser inovadora. No entanto não se autonomizou este critério uma vez que, como
se referiu, este é um pressuposto necessário, um elemento estrutural da boa prática que é
encarada como uma das formas de inovação institucional e social.
Importa ainda salientar que a boa prática não deve ser vista como um dado consolidado e
completo num determinado momento temporal, mas antes como um processo gradual e
incremental de construção em que são introduzidos ajustamentos permanentes no sentido da
melhoria e maximização da eficácia antes e após a sua consolidação, com adaptação
permanente às novas circunstâncias e desafios.
Por outro lado, a aplicação dos critérios acima mencionados implica que o conceito de boa
prática não pode ser utilizado de forma abusiva e aplicado de forma indiscriminada e sem
9
critério, existindo um certo nível de exigência. Tal exige que se estabeleça uma distinção entre
várias categorias de práticas em especial a três níveis:
(i) Boas práticas devidamente comprovadas, testadas, avaliadas e objeto de difusão.
(ii) Práticas prometedoras (Promising practices), em que já existe o início de um processo
de adoção, com resultados encorajadores mas sem a continuidade necessária nem
o preenchimento dos requisitos de avaliação e difusão.
(iii) Práticas “in books”, projetos de práticas, incluídas num plano mas ainda não
implementadas em contexto real e que podem corresponder por ex. a uma nova lei
que parece conter soluções positivas mas que ainda não foi aplicada.
Na análise comparativa de boas práticas foram encontradas situações que se integram em
cada uma das categorias sendo fundamental deixar claro que nem todas se encontram no
mesmo estádio de desenvolvimento e maturação, pelo contrário existe uma grande
diversidade.
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3. LISTAGEM DE BOAS PRÁTICAS
Prevenção
1. Campanha de sensibilização de clientes de prostituição, Anti-Trafficking Alliance, Reino
Unido
2. Mobilização do setor privado e adoção de códigos de conduta, End Human Trafficking
Now, Associacion Libertá, Suíça
3. Campanha e advocacy para eliminação do trabalho forçado na cadeia do produto do
chocolate, Stop the Traffik, Holanda
4. Base de dados de registo de vítimas de tráfico, OIM Genebra, Suíça
5. Programa “Na Mão Certa”, Childhood, Brasil
6. Active Communities Against Trafficking – ACT, Stop the Traffik, Reino Unido
7. Estimativas de vítimas de tráfico, Office Central pour la Répression de la Traite des Êtres
Humains, Polícia Judiciária, França
8. Gangmasters Licensing Authority, Reino Unido
9. Redes locais na região Emilia-Romagna, On the Road e a Região de Emilia Romagna,
Itália
10. Seminários de orientação para migrantes laborais, Phillipines Overseas Employment
Agency, Filipinas
11. Programa “Escolas”, CECRIA, Brasil
12. Promotoras Legais Populares, São Paulo, Brasil
13. Utilização Segura da Internet, Safernet Brasil
14. Mercadoria Humana, Saúde em Português, Portugal
Proteção
15. Aplicação do Artigo 18 do Decreto-lei 286/98 no Município de Veneza, Itália
16. Posto Avançado de Atendimento Humanizado aos Migrantes do Aeroporto de
Guarulhos, São Paulo, Brasil
17. Interlocutor único para a vítima, End Human Trafficking Now, Associacion Libertá, Suíça
18. Programa culturas e práticas não revitimizantes, Childhood, Brasil
19. Sistema de obrigatoriedade de apresentação das trabalhadoras domésticas, Ministério
dos Negócios Estrangeiros, Áustria
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20. Poppy Project, Eaves, Reino Unido
Punição
21. Procuradores especializados em questões de TSH, Ministério Justiça, Bélgica
22. Joint Investigation Teams/ Equipas de investigação conjuntas, França e Roménia
23. Unidade Especial Anti-tráfico, Grécia
Parcerias
24. Núcleo de Enfrentamento do Tráfico de Seres Humanos, São Paulo, Brasil
25. UKHTC, Reino Unido
26. Projeto ACTES, Plataforma de ONG, França
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4. ANÁLISE DAS BOAS PRÁTICAS
4.1.
PREVENÇÃO
Prática 1 - Campanha de sensibilização de clientes de prostituição, Anti-Trafficking
Alliance, Reino Unido
Nome da Prática
Campanha de sensibilização de clientes de prostituição
Entidade e forma Anti-Trafficking Alliance, Reino Unido
de recolha
Entrevista a 8/7/2010, consulta de elementos online e troca de
documentação com organização
http://www.atalliance.org.uk
Descrição sumária
Campanha contra a exploração sexual, composta de um jogo
online (http://www.thesohogame.com/ ) e de um filme
chamado
“Behind
the
Smile”
(http://www.atalliance.org.uk/index.php/ata-film-and-game)
focada num público-alvo específico – homens, clientes não
habituais de prostituição. O foco é a mudança de atitudes, dos
clientes de prostituição, levando-os a ponderar a hipótese de
que a mulher esteja a ser forçada a prostituir-se. A mensagem
procura humanizar a vítima, e alertar o cliente de que estas
mulheres são tratadas como mercadorias, sendo sujeitas a
graves atos de violência.
Resultados
O jogo online foi jogado por mais de 70.000 pessoas em várias
principais
partes do mundo e o filme foi visto por mais de 2 milhões de
pessoas
Pontos
fortes
e Campanha dirigida a um público específico, com uma boa
vulnerabilidades
estratégia de difusão, com continuidade temporal, e que
reflete cooperação entre vários atores públicos e privados.
Tem como vulnerabilidades a questão da avaliação do impacto
social e da efetiva mudança social, tendo como pressuposto
que a informação sobre a condição de vítima de tráfico é
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condição suficiente de dissuasão, o que nem sempre é o caso.
Avaliações
Não existe informação disponível
A campanha foi estimulada por uma decisão The House of Lords and House of Commons Joint
Committee on Human Rights de 2006 que concluiu pela necessidade de promover ações que
“promovam a mudança das atitudes e opinião dos homens que usam prostitutas, em relação a
essas prostitutas que poderão ter sido traficadas e transmitir a mensagem que as mulheres
traficadas não desempenham atividades sexuais consentidas”.
O principal objetivo da campanha era trabalhar sobre as questões das mulheres traficadas em
exploração sexual, nomeadamente promovendo a redução da procura mudando a atitude dos
potenciais clientes, centrada em clientes de primeira vez ou não habituais de prostituição. Foi
assim identificado como grupo-alvo os homens jovens (entre os 18 e os 30 anos), procurando
alertá-los para a possibilidade de a prostituta poder ser uma vítima de tráfico e
consequentemente não só reduzir a procura de serviços de exploração sexual, como estimular
a denúncia de casos de tráfico por esses potenciais clientes.
A Campanha foi centrada em dois instrumentos – um filme e um jogo online. Foi desenvolvida
com recurso às redes sociais para ampliar o impacto dos sites onde estão alojados o jogo e o
filme, tendo criado um grupo de Facebook dedicado à campanha.
O filme dirigido a clientes de prostituição no Reino Unido, com idades compreendidas entre os
18 e 30 anos, que sejam clientes não habituais, tem duas versões – uma longa de 7’ e uma
curta de 2’ – e foi projetado em táxis em Londres (1000) e em aviões com destino ao Reino
Unido. O filme foi visto por mais de 2 milhões de pessoas e foi utilizado pela Metropolitan
Police na formação dos seus agentes. Foi também utilizado para sensibilizar os guardas
prisionais para as questões do sofrimento das mulheres traficadas. O filme também foi visto
em festivais nacionais e internacionais. Existem projetos de utilização no treino das forças
armadas, antes de missões no terreno.
O jogo online “On the Game in Soho” foi jogado por mais de 70.000 pessoas em várias partes
do mundo e é dirigido a homens jovens, familiarizados com os jogos de vídeo. É interativo com
uma história que o jogador pode controlar.
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A prática tem como pontos fortes:
- O facto de a campanha partir de uma recomendação de uma entidade pública e de ser
implementada por uma ONG, constitui um excelente exemplo da complementaridade entre o
Estado e a sociedade civil, e a importância das ONG na implementação de políticas públicas.
- A Campanha é dirigida a um público-alvo específico, e devidamente selecionado e por isso
potencialmente mais eficaz. O tipo de instrumentos foi adaptado ao perfil dos destinatários,
assim como os meios de difusão.
- O recurso às redes sociais e a utilização de tecnologias de informação é especialmente
importante para ampliar o impacto e chegar a um número mais elevado de destinatários e em
vários países do mundo.
- O Jogo online corresponde a uma atividade regular do público-alvo, é interativo e aliciante
enquanto jogo e transmite uma mensagem objetiva e simples.
- A difusão do filme procurou explorar novas soluções, nomeadamente os meios de transporte
utilizados pelos potenciais clientes a caminho, o que se apresenta como um fator positivo de
difusão da mensagem e de dissuasão de recurso à prostituição, e por inerência às vítimas de
tráfico. O elevado número de pessoas que viu o filme demonstra a eficácia desta estratégia.
- Outro ponto forte foi a cooperação entre atores de combate ao tráfico, nomeadamente com
as forças de segurança, tendo o filme sido utilizado pela Metropolitan Police e pelos guardas
prisionais para ações de formação.
- A continuidade temporal da campanha é outro ponto forte, uma vez que não se limitou a
uma ação isolada e pontual, tendo sido criado instrumentos que permitem essa continuidade,
e até adaptação a diferentes circunstâncias.
A prática tem como vulnerabilidades:
- Insuficiência da avaliação do impacto social desta campanha, em termos da mudança de
atitudes dos destinatários, o que teria exigido um estudo de opinião prévio e posterior e a
criação de um grupo de controlo, sendo diferente da capacidade de ser visualizado por
significativo número de pessoas.
- Por outro lado, a campanha parte do pressuposto que o conhecimento do risco de utilização
de prostituição forçada será suficiente para dissuadir o cliente, o que nem sempre sucede. Em
15
estudos4 que envolveram inquéritos a homens jovens, concluiu-se que, mesmo sabendo que as
mulheres são traficadas, muitos não deixam de utilizar os seus serviços, logo não alterando o
seu comportamento. Num estudo com entrevistas a 103 homens, que recorrem a prostituição,
na região de Londres, 36% afirmou que sabia que haveria um número significativo de mulheres
traficadas entre as prostitutas.
4
Bindel, J., Farley, M.; Golding, J., “Men who buy sex: who they buy and what they know”, Eaves, London,
Prostitution Research & Education, San Francisco, Dezembro de 2009.
16
Prática 2 - Mobilização do setor privado e adoção de códigos de conduta, End Human
Trafficking Now, Associacion Libertá, Suíça
Nome da Prática
Mobilização do setor privado e adoção de códigos de conduta
Entidade e forma End Human Trafficking Now da Associacion Libertá, Suíça
de recolha
Entrevista a 9/4/2010, consulta de elementos online e troca de
documentação com organização
Descrição sumária
Campanha que começou em 2006, após a elaboração dos
Athens Ethical Principles e tinha como objetivos principais
promover a sua implementação, aumentar a consciencialização
do setor privado para as questões do tráfico, adotar códigos de
conduta nas empresas, promover ações empresariais de
combate ao tráfico e promover cadeias de produto livres de
tráfico.
Resultados
Os resultados principais da campanha foram a reintegração de
principais
ex-vítimas como trabalhadores em algumas empresas (ex.
GAP) e o desenvolvimento de códigos de conduta e a sua
adoção e implementação pelas empresas. Code of Conduct for
the Protection of Children against Sexual Exploitation in Travel
and Tourism - Adesão de 1030 empresas em 42 países. Athens
Ethical Principles – com 12.500 assinantes
Pontos
fortes
e Os pontos fortes desta prática são o envolvimento do setor
vulnerabilidades
privado, com concretização de códigos de conduta e uma
perspetiva
integrada
da
cadeira
do
produto
e
as
vulnerabilidades são as dificuldades de monitorização e
aplicação dos princípios éticos e códigos de conduta e a sua
efetiva aplicação.
Avaliações
Não existe informação disponível
Os Athens Ethical Principles foram aprovados em janeiro de 2006, numa iniciativa da UNGIFT
com várias instituições. Estes princípios são atualmente assinados por 12.500 empresas.
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Incluem 7 princípios fundamentais, para os quais existem diretivas de implementação http://www.unglobalcompact.org/docs/issues_doc/human_rights/Resources/Luxor_Implemen
tation_Guidelines_Ethical_Principles.pdf:
 Demonstrar explicitamente tolerância zero em relação ao tráfico, especialmente de
mulheres e crianças para exploração sexual (Definição de Política);
 Contribuir para a prevenção do TSH, inclusive com campanhas e ações de sensibilização
e educação (Consciencialização Pública);
 Desenvolver uma estratégia corporativa para criação de uma política anti-tráfico que
será transversal a todas as atividades (Planeamento Estratégico);
 Assegurar que todos os colaboradores cumprem integralmente a política anti-tráfico
(Implementação da Política de Recursos Humanos);
 Encorajar os parceiros do negócio, incluindo fornecedores, a aplicar os princípios éticos
contra o tráfico (Monitorização da Cadeia de Produto);
 Promover, junto dos governos, o processo de revisão legislativa e dos regulamentos
que estejam direta ou indiretamente relacionados com a promoção das políticas antitráfico, para melhorar a efetiva aplicação (Advocacy);
 Fazer relatórios e partilhar informação sobre boas práticas (Transparência).
A Campanha End Human Trafficking Now surgiu no mesmo ano para promover a
implementação destes princípios, e para aumentar a consciencialização do setor privado para
as questões do tráfico, adotar códigos de conduta nas empresas, promover ações empresariais
de combate ao tráfico e promover cadeias de produto livres de tráfico.
O envolvimento ativo do sector privado, uma dimensão normalmente negligenciada nas
estratégias de combate ao tráfico, é fundamental para conseguir uma mudança dos padrões de
comportamento dos empresários, estruturas de gestão e das empresas no seu conjunto. A
preocupação com a cadeia integral do produto motivou o tipo de ferramentas desenvolvidas
pera a campanha, desde os kits de formação até aos códigos de conduta. Os instrumentos mais
significativos e com maior visibilidade pública incluíram:
a) Ferramenta
de
e-learning
para
empresas
(http://www.endhumantraffickingnow.com/?page_id=81) – ferramenta eletrónica,
criada pelo EHTN e UN.GIFT, desenvolvida e patrocinada pela Microsoft, concebida
18
para gestores e colaboradores de empresas que pretende demonstrar como o
tráfico pode ser um risco para o seu negócio e identificar ações que podem ser
implementadas para lidar com este risco. Foi lançada em 2010.
b) Código de conduta especializado:
Para o sector do Turismo foi elaborado o Code of Conduct for the Protection of Children
against
Sexual
Exploitation
in
Travel
and
Tourism.
http://www.thecode.org/index.php?page=6_3 . Aderiram ao Código um total de 1030
empresas e entidades, em 42 países, nomeadamente hotéis, operadores turísticos e agências
de viagens, restaurantes, rent-a-cars, transportes, sindicatos do sector de hotelaria,
companhias aéreas, câmaras de turismo e indústria. Grandes cadeias de hotéis como Carlson,
Accor, Tui, Radisson ou operadores turísticos como Iberostar, Thomas Cook, entre outros, são
alguns exemplos dos signatários.
O Código é composto por seis critérios para os fornecedores de serviços de turismo:

Estabelecer uma política ética sobre a exploração sexual de crianças para fins
comerciais;

Formar o pessoal nos países de origem e de destino das viagens.

Introduzir uma cláusula nos contratos com os fornecedores, prevendo um repúdio
comum à exploração sexual de crianças para fins comerciais;

Fornecer informação aos viajantes através de catálogos, brochuras, filmes a bordo,
canhotos de bilhetes, páginas de Internet, etc.

Fornecer informação a pessoas “de contacto” locais nos destinos.

Fazer relatórios anuais.
A campanha inspirou a criação de vários códigos de conduta, onde se cita, a título de
exemplo
o
Code
of
Vendor,
GAP
http://www.gapinc.com/content/attachments/gapinc/COVC_070909.pdf,
Inc.,
que
2007,
prevê
especificamente a proibição de recurso a trabalho forçado, na seção III D. do documento,
intitulada “Labor”. Isto demonstra a sua boa difusão e o efeito de demonstração para as
várias instituições que aderiram à campanha.
19
c) Prémio para empresários Business Leader’s Award to Fight Human Trafficking.
Atribuído pela primeira vez no final de 2010, o próximo será entregue aquando da
reunião do Fórum Económico Mundial em Davos, em Janeiro de 2013. Este prémio
é o reconhecimento do trabalho de combate ao tráfico e incentiva a inovação,
como ferramenta para identificar e premiar os executivos que demonstraram
entusiasmo e dedicação no combate ao tráfico. O prémio é atribuído pela ONG em
parceria com o Global Compact e o UNGIFT das Nações Unidas. O júri é presidido
pela Fundação Aga Khan. O prémio é patrocinado pela Chopard.
A prática tem como pontos fortes:
- Identificação de uma das lacunas no combate ao tráfico, em especial para exploração laboral,
embora também para as outras formas de tráfico, que é o envolvimento do sector privado;
- Estabelecimento de parcerias de relevo, nomeadamente com o UNGIFT e o Global Compact,
- Capacidade de mobilização de diferentes atores privados, incluindo empresas de muitos
sectores de atividade;
- Adoção de uma abordagem setorial, com concretização de um código de conduta na área do
turismo, o que permite ter uma maior eficácia da campanha, por ser dirigida a empresas e
entidades que têm já redes de contacto e articulação estreitas e que conhecem os problemas e
riscos específicos do sector.
- A aposta na formação dos trabalhadores, através de kits de fácil disseminação;
- A adoção de uma perspetiva integrada de cadeia de produto, pondo em evidência a
interdependência entre os vários atores e uma necessidade de uma resposta conjunta;
- A adoção de códigos de conduta simples de implementar, com diretivas de implementação e
que podem ser facilmente monitorizados;
- O efeito multiplicador, com a criação de códigos de conduta e procedimentos baseados nos
códigos e princípios da campanha em várias empresas;
- A reintegração de vítimas de tráfico em algumas empresas, em virtude da maior
consciencialização para esta temática.
- A importância da partilha de boas práticas, fazendo um reconhecimento público através da
atribuição de um prémio, pretendendo intensificar a sua difusão.
- A estratégia de campanha sectorial é passível de replicabilidade com sucesso noutros
sectores.
20
As suas vulnerabilidades são:
- Dificuldades de monitorização e avaliação do cumprimento dos Athens Ethical Principles e
dos Códigos de Conduta nas empresas/ entidades na sua atividade real. A assinatura dos
códigos não significam a sua implementação efetiva.
- A possibilidade de utilizar a adesão aos códigos de conduta como ferramentas de marketing
da empresa, e não como diretivas de atuação;
21
Prática 3 - Campanha e advocacy para eliminação do trabalho forçado na cadeia do
produto do chocolate, Stop the Traffik, Holanda
Nome da Prática
Campanha e advocacy para eliminação do trabalho forçado
na cadeia do produto do chocolate
Entidade e forma Stop the Traffik Holand, Antonie Fountain, Entrevista a
de recolha
2/12/2010 e participação no workshop Tráfico de Seres
Humanos e exploração Laboral que se realizou a 15 de Abril de
2011 em Sines, com o tema “Social responsibility and the value
chain”; consulta de elementos online e troca de documentação
com organização
Descrição sumária
Campanha liderada pela Stop the Traffik Holanda, que se
realiza desde 2007, que tem como objetivo essencial eliminar o
trabalho escravo/ forçado da cadeia do produto do chocolate.
Resultados
Cinco grandes produtores de chocolate: Verkade, Swiss Noir,
principais
Cadbury, Nestlé e Mars, têm pelo menos uma das barras com
certificação internacional, comprovativa da não existência de
tráfico na sua cadeia de produto.
Pontos
fortes
e Os pontos fortes desta prática são a utilização de uma
vulnerabilidades
estratégia mista de diálogo e de pressão sobre a indústria do
chocolate, procurando introduzir uma efetiva mudança de
comportamento e não uma mera abordagem punitiva, e a
utilização de estratégia de pressão dos consumidores sobre a
indústria. As vulnerabilidades são a certificação parcial de
produtos para evitar pressão dos consumidores.
Avaliações
Não existe informação disponível
Campanha do Stop the Traffik (www.stopthetraffik/campaign/chocolate), liderada pela Stop
the Traffik Holanda, que se realiza desde 2007, que tem como objetivo essencial eliminar o
trabalho escravo/ forçado da cadeia do produto do chocolate. A Campanha visa a
sensibilização do público enquanto consumidor de chocolate, mobilizando pressão sobre a
22
indústria do chocolate para que garantam que na cadeia de produto não há recurso a trabalho
forçado e pessoas traficadas.
As campanhas públicas centram-se sobre empresas e produtos específicos (ex. caso da Mars e
da campanha do Kit Kat e atualmente em curso sobre a Mondelez e o chocolate Tobelerone.).
A campanha tem vários instrumentos (cartas, cartazes, twitts, mensagens para facebook, entre
outros) com o fim de levar os consumidores a exercer pressão sobre as empresas
questionando-as sobre a existência ou não de tráfico na cadeia de produto e exigindo-lhes a
certificação dos seus produtos.
A organização tem três tipos de campanhas dirigidas ao público:
a) Uma generalista, que abrange todos os consumidores;
b) Uma para crianças, centrada na história com base real, de Chaga and the Chocolate
Factory, de um rapaz da Costa do Marfim traficado para as plantações de cacau;
c) Uma para educadores/ professores que trabalham com crianças e jovens, com recurso
a instrumentos pedagógicos, previamente preparados, como “Run a Chocolate Lesson”
e “Chocolate Lesson Plan”, baseados em estudo de caso e histórias reais.
A organização faz lobby, a nível político, sobre os membros do parlamento, no sentido de
alteração das leis, no sentido de atribuírem aos consumidores direitos de obtenção de
informação precisa sobre a produção dos produtos e a sua cadeia de valor, e o envolvimento
ou não de tráfico na mesma.
A organização faz também advocacy sobre a indústria do chocolate com forte incidência na
Holanda que é o maior centro de processamento de cacau do mundo, desenvolvendo um
processo de diálogo com a indústria com vista à introdução de certificação na cadeia do
produto. As campanhas públicas, para além da sensibilização dos consumidores, também
pretendem aumentar a capacidade negocial junto da indústria e do governo. Este processo de
diálogo envolve as ONG, os sindicatos e a indústria de cacau e de chocolate.
A eficácia desta ação tende a ser maior em termos de alteração de comportamento da
indústria, tendo já sido obtidos resultados concretos com cinco grandes produtores de
chocolate; Verkade, Swiss Noir, Cadbury, Nestlé e Mars, uma vez que todos dispõem de, pelo
23
menos algumas barras, em que está assegurada a não existência de tráfico na sua cadeia de
produto, via certificação Internacional. São utilizados sistemas de certificação internacional
disponíveis,
nomeadamente
o
sistema
da
Rainforest
(http://www.rainforest-alliance.org/certification-verification),
da
Certification
UTZ
Alliance
Certification
(http://www.utzcertified.org/) e da Fairtrade Certification (http://www.flo-cert.net/flocert/index.php).
A UTZ incide especialmente sobre a agricultura sustentável, para garantir melhores
oportunidades para os agricultores e as suas famílias, certificando produtos como o cacau, o
café e o chá. A Rainforest Alliance trabalha na conservação da biodiversidade e na melhoria
dos níveis de vida, através da sustentabilidade. A Fairtrade certifica que os produtos cumprem
standards laborais, ambientais e de desenvolvimento e incide sobre diversos produtos, entre
os quais o cacau.
A prática revela-se possuir elevado potencial de replicabilidade, quer noutros países, quer em
relação a outros produtos, com adaptações.
As vulnerabilidades da prática são:
- O risco de as empresas utilizarem a certificação parcial, certificando apenas alguns produtos e
em apenas alguns países, como estratégia de marketing e alívio da pressão dos consumidores.
Por exemplo a Nestlé anunciou que as barras de Kitkat, que neste momento só são certificadas
em alguns países, seriam certificadas em toda a Europa, pela UTZ, até 2014. Os objetivos para
a Austrália e Nova Zelândia referem-se aos Smarties e Club e no Canadá ao Kitkat, Aero, Coffee
Crisp e Smarties.
- Garantir que existe um equilíbrio delicado entre a pressão dos consumidores e das ONG e a
necessidade de evitar boicote ao chocolate, que poderá ter efeitos contrários ao pretendido.
Utilizar a ameaça de boicote mas sem concretização, que poderá levar a pressão acrescida
sobre o produtor para baixar os custos de produção, logo recorrendo a mais trabalho escravo.
- O risco de entrada no mercado de empresas com produtos com valores mais baixos para o
consumidor, mas que não cumprem os standards e não certificam os seus produtos.
- Não existência de uma avaliação sistemática dos efeitos sobre a indústria, mas também no
tráfico na fase de produção de cacau.
24
A prática tem como pontos fortes:
- A articulação dos três níveis de ação: campanhas com os consumidores, lobby aos deputados
e advocacy sobre a indústria do chocolate, procurando, através de consumidores mais
consciencializados e ativos ganhar poder negocial junto da indústria.
- Utilização de uma estratégia mista de diálogo e de pressão sobre a indústria do chocolate,
procurando introduzir uma efetiva mudança de comportamento e não uma mera abordagem
punitiva.
- O trabalho em termos de educação junto de crianças e jovens para a temática do tráfico,
utilizando histórias reais e exemplos empáticos.
- A produção de materiais didáticos de fácil utilização e disseminação, para educadores e
professores sobre a temática do tráfico.
- A abordagem holística da cadeia do produto, garantindo que não existe utilização de tráfico
em nenhum momento;
- A utilização de sistemas de certificação internacional credíveis e devidamente testados.
- Utilização de campanhas centradas em produtos específicos em que a existência de tráfico na
cadeia de produto é generalizada e é possível obter resultados substanciais com a intervenção.
25
Prática 4 - Base de dados de registo de vítimas de tráfico, OIM Genebra, Suíça
Nome da Prática
Base de dados de registo de vítimas de tráfico
Entidade e forma OIM Genebra, entrevista a Sarah Craggs a 9/4/2010,
de recolha
participação de representante da Unidade de Investigação da
OIM, Amanda Gould na conferência “International Best
Practices Against Human Trafficking” a 25 de outubro de 2012,
consulta de elementos online e troca de documentação com
organização
Descrição sumária
A base de dados internacional da OIM, ligada à investigação,
tem dados recolhidos transnacionalmente com base num guião
e documento de registo que permite aprofundar a investigação
e o conhecimento do fenómeno, de modo a apoiar a criação de
políticas mais eficazes de combate ao TSH
Resultados
A base de dados contém dados primários de cerca de 14.000
principais
vítimas de 85 nacionalidades diferentes, traficadas para mais
de 100 países distintos. Contém informação quantitativa e
qualitativa e facilita a gestão do programa de assistência da
OIM, ao mesmo tempo que regista os dados do percurso da
vítima de tráfico
Pontos
fortes
e Os pontos fortes da prática são o rigor da sistematização e a
vulnerabilidades
informação quantitativa e qualitativa que permite uma
caraterização do fenómeno do tráfico mundialmente e tem
como vulnerabilidades a não difusão da prática e do uso de
dados exclusivos da OIM.
Avaliações
UN.GIFT reunião de peritos no Cairo considerou que a Base de
Dados da OIM era um modelo de boa prática para recolha
sistemática de dados sobre TSH.
Uma publicação de Laczko et al (2005) recomendou que as agências que combatem o tráfico
de seres humanos recolhessem dados de uma maneira sistemática e comparável. Esta opinião
foi reforçada pelo Grupo de Peritos Europeus, ao nível da UE, que recomendou a concentração
26
de dados existentes de diversas fontes e a promoção da partilha de informação entre as
diferentes agências.
A base de dados internacional da OIM, ligada à investigação, tem dados recolhidos
transnacionalmente com base num guião e documento de registo que permite aprofundar a
investigação e o conhecimento do fenómeno, de modo a apoiar a criação de políticas mais
eficazes de combate ao TSH. A base de dados regista as vítimas sinalizadas e apoiadas pelos
vários escritórios da OIM em todo o mundo. São aplicados dois questionários, através de
guiões – o Screening Interview Form e o Assistance Interview Form. A base de dados contém
dados primários de cerca de 14.000 vítimas de 85 nacionalidades diferentes, traficadas para
mais de 100 países distintos. Contém informação quantitativa e qualitativa e facilita a gestão
do programa de assistência da OIM, ao mesmo tempo que regista os dados do percurso da
vítima de tráfico.
Apesar de ter sido criada como um instrumento para o programa de assistência contra o
tráfico, acabou por se transformar num elemento essencial de investigação, na medida em que
fornece dados sobre o perfil socioeconómico da vítima, o perfil dos traficantes, as rotas de
tráfico, os padrões de exploração e abuso, a natureza do apoio fornecido e os casos de retráfico.
Um aspeto importante da base de dados é que é mantida a confidencialidade dos dados da
vítima, de forma a não por em causa a privacidade e a segurança das vítimas. A base de dados
pretende promover e assegurar boas práticas internacionais na recolha segura,
armazenamento e processamento de dados sobre tráfico de seres humanos. A existência de
uma metodologia uniforme é fundamental para garantir a comparabilidade internacional dos
dados e ultrapassar os problemas colocados pela existência de sistemas diferentes e
contraditórios entre os vários Estados.
A prática tem como vulnerabilidades:
- A reduzida difusão e adoção da metodologia pelos vários Estados Membros e pelas ONG que
apoiam as vítimas, de modo a contribuir para o uso de metodologia uniforme, com a eventual
inclusão dos dados recolhidos por essas entidades;
27
- O enorme potencial da base de dados não está plenamente efetivado, quer porque existem
limitações no cruzamento de dados qualitativos, quer porque existe imitações na capacidade
de resposta a pedidos específicos de informação, designadamente sobre países específicos;
- O uso em termos de investigação é maioritariamente da própria OIM, com publicação de
relatórios próprios, sendo de interesse tornar-se um instrumento de investigação mais aberto.
A prática tem como pontos fortes:
- A abundância de informações qualitativas que constam dos formulários e que permitem uma
caracterização mais rigorosa das tendências e dos contornos do fenómeno do tráfico, que são
fundamentais para aferir e ajustar as políticas dos Estados e a eficácia das ações de combate
ao tráfico;
- A recolha sistemática transnacional e a caracterização de rotas permitem obter informação
sobre a dimensão transnacional do processo de tráfico, ultrapassando as limitações da
investigação nacional compartimentada e que não capta as interligações e a verdadeira
dimensão internacional do fenómeno;
- O rigor e o detalhe dos guiões de entrevista e a metodologia de registo permitem
potencialmente que o sistema da OIM se transforme no padrão internacional, que possibilite
comparabilidade dos dados;
- A natureza holística dos dados e da investigação, que permitem uma caracterização não só da
vítima, mas também dos traficantes;
- Constitui a maior base de dados internacional sobre tráfico, contendo dados de uma década,
o que já permite detetar as transformações ocorridas ao longo do tempo em termos de
tendências de tráfico;
- Apesar de uma difusão limitada tem elevado potencial de replicabilidade, comprovada
através da aplicação desta metodologia no projeto de investigação do IEEI.
28
Prática 5 - Programa “Na Mão Certa”, Childhood, Brasil
Nome da Prática
Programa “Na Mão Certa”
Entidade e forma Childhood Brasil, entrevista a Flora Werneck a 11/11/2010,
de recolha
consulta
de
publicações,
elementos
online
http://www.namaocerta.org.br/ e troca de documentação com
organização
Descrição sumária
Sensibilização junto dos camionistas brasileiros, clientes de
exploração sexual de crianças e adolescentes, para que se
transformem em agentes ativos de proteção e eliminação do
fenómeno.
Resultados
O programa foi desenvolvido em parceria com a OIT e com o
principais
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, que
permitiu criar um pacto empresarial contra a exploração sexual
de crianças e adolescentes nas rodovias brasileiras com 1299
empresas signatárias no final de 2012 (os dois principais
grupos: 803 da área dos transportes e 176 de comércio e
reparação de veículos) e entidades empresariais a assinarem o
Pacto, onde se incluem sindicatos.
Pontos
fortes
e Os pontos fortes são a focalização num setor específico e o
vulnerabilidades
envolvimento ativo de vários setores para alteração da cultura
empresarial. As vulnerabilidades são a existência de muitos
camionistas autónomos que não aderem ao pacto e a
inexistência de uma avaliação sistemática.
Avaliações
Sistema de avaliação do cumprimento do Pacto pelas empresas
muito baseada em indicadores indiretos e com uma
componente elevada de autoavaliação, muito embora seja
obrigatória
Programa “Na Mão Certa” (http://www.namaocerta.org.br/) da ONG Childhood Brasil –
sensibilização junto dos camionistas brasileiros, clientes de exploração sexual de crianças e
adolescentes, para que se transformem em agentes ativos de proteção e eliminação do
fenómeno. A necessidade do programa surge dos resultados do estudo da PESTRAF em que
29
foram identificados 1820 pontos vulneráveis de exploração sexual de crianças e jovens nas
autoestradas brasileiras.
O programa foi desenvolvido em parceria com a OIT e com o Instituto Ethos de Empresas e
Responsabilidade Social, que permitiu criar um pacto empresarial contra a exploração sexual
de crianças e adolescentes nas rodovias brasileiras. As empresas que aderem ao Pacto
assumem a obrigação de educar e capacitar os camionistas para se tornarem agentes de
proteção. O processo inclui a humanização da vítima na ótica dos camionistas, usando como
ponto de entrada a família, e o facto de muitos deles serem pais de crianças com idades
semelhantes às vítimas de exploração. Nesse sentido, a Childhood faz formação dentro das
empresas a dois tipos de atores: os pontos focais – pessoas do departamento de
responsabilidade social e comunicação (no programa de responsabilidade social) e os
multiplicadores – pessoas com elevado número de contactos dentro da empresa (no programa
de educação continuada).
Este processo de formação faz parte do programa de educação continuada que é baseado
numa série de guias – Guias na Mão Certa – que são destinados a conseguir que os camionistas
ajam
como
agentes
multiplicadores.
São
oito
volumes
de
guias
(http://www.namaocerta.org.br/educcont_guias.php) que abordam diferentes dimensões da
vida do camionista – família, saúde, meio ambiente, direitos humanos, segurança.
O Pacto foi elaborado na perspetiva quer das empresas de transporte quer das empresas não
transportadores que contratam os serviços de transporte. Assim se para as empresas
transportadoras o objetivo é eliminação de exploração sexual de crianças e adolescentes por
parte dos seus trabalhadores (camionistas), relativamente às empresas não transportadores, o
objetivo é garantir que só contratem empresas de transporte que tenham assumido o Pacto e
possuam uma política de combate ao tráfico.
No Pacto (http://www.namaocerta.org.br/pacto_.php) constam sete compromissos:

Intervir com ações e procedimentos junto à rede de serviços de transportes e aos
prestadores de serviços ligados ao setor de transportes, levando o camionista a atuar como
agente de proteção;
30

Participar em campanhas de combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas
rodovias brasileiras.

Criar mecanismos nas relações comerciais que estabeleçam compromissos com seus
fornecedores de cumprimentos dos princípios do Pacto.

Informar e incentivar todas as pessoas que integram as estruturas da empresa ou entidade
a participar das ações de combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas
rodovias brasileiras.

Apoiar, com recursos próprios e/ou do Fundo da Infância e da Adolescência (FIA), projetos
de reintegração social de crianças e adolescentes vulneráveis à exploração sexual comercial
ou vítimas dela.

Monitorizar a implementação das ações descritas acima e o alcance das metas propostas,
tornando públicos os resultados desse esforço conjunto.

No caso de federações e entidades empresariais representativas, considerando que estas
não possuem poder fiscalizador, o compromisso consiste em recomendar aos seus
associados que observem as práticas recomendadas no presente pacto.
Em termos de resultados, podem ser considerados bastante significativos e com impacto, com
1299 empresas no final de 2012 (os dois principais grupos: 803 da área dos transportes e 176
de comércio e reparação de veículos) e entidades empresariais a assinarem o Pacto, onde se
incluem sindicatos. Desde 2006 a 2012 este número cresceu significativamente de 65
empresas signatárias em 2006, para 638 em 2009 até 1299 em 2012. Entre 2009 e 2012
duplicaram o número de empresas. Relativamente às empresas e pessoas capacitadas pelo
programa, até 2012, houve 443 empresas e 737 pessoas capacitadas como pontos focais e 469
empresas e 1017 pessoas como multiplicadores.
A Childhood desenvolveu o seu próprio sistema de certificação independente para avaliar se as
empresas estão efetivamente a cumprir as obrigações que resultam do Pacto, e que servirá de
referencial para outros agentes económicos e entidades que com eles se relacionam. As
empresas têm também uma obrigação anual de preenchimento de um relatório de
monitorização.
31
O Programa incluiu formação de polícias da Polícia Rodoviária, de forma a sensibilizá-los para
contribuírem para o mapeamento das zonas de risco e para a proteção das crianças e
adolescentes em risco de exploração sexual.
Existe uma componente de investigação do projeto tendo sido elaborados diversos estudos,
que sustentam as ações a desenvolver, para que estas tenham o maior impacto possível. Assim
foram elaborados os seguintes estudos:
- Mapeamento dos pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes nas
rodovias brasileiras – Edição de 2009/2010 e 2011|2012
- O perfil do caminhoneiro no Brasil – Edição de 2005 e de 2010
- Vítimas da exploração sexual de crianças e adolescentes – Edição 2009
- Guia de pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias
brasileiras – Edição 2007/2008
De modo a divulgar os resultados do Programa e promover a sensibilização dos destinatários,
foi criado um site, que é dinamizado pela Childhood Brasil e inclui os recursos pedagógicos.
São vulnerabilidades da prática:
- Existem muitos camionistas autónomos, que são ainda a maioria, pelo que o compromisso
assumido por elevado número de empresas de transporte não abrange um universo
significativo de camionistas;
- Apesar de existir um sistema de avaliação do cumprimento do Pacto pelas empresas esta é
ainda incipiente e muito baseada em indicadores indiretos, e com uma componente elevada
de autoavaliação, muito embora seja obrigatória;
- Falta uma avaliação sistemática sobre a redução do tráfico de crianças e adolescentes para
exploração sexual nos pontos vulneráveis identificados, como resultado da implementação do
programa;
- Programa tem elevado grau de dependência de contributos financeiros externos das
empresas, e avultados.
São pontos fortes da prática:
32
- O programa envolve uma articulação e cooperação intensa entre a ONG e as empresas, no
sentido de promover uma alteração de cultura empresarial e de comportamento dos
trabalhadores e o aprofundamento de uma parceria entre os três sectores;
- É focalizado num setor específico, com grande relevância económica e social no país, e que
tem um impacto muito significativo no tráfico de crianças e jovens para exploração sexual;
- A existência de uma dimensão de investigação, que é desenvolvida ao longo do projeto e que
permite afinar e melhorar o plano de ação;
- A complementaridade do programa com ações de educação continuada nas empresas e junto
dos agentes multiplicadores;
- O desenvolvimento de um sistema de certificação independente para avaliar o grau de
cumprimento por parte das empresas o que confere credibilidade ao programa;
- Tem existido uma continuidade do programa, que já existe desde 2006 (formalmente) e
informalmente desde 2004, o que permite garantir a sustentabilidade e os números de adesão
conseguidos;
- Tem um impacto significativo, com um elevado número de empresas que já aderiram ao
Pacto empresarial e de camionistas que agem como agentes de proteção;
- Adoção de uma abordagem humanista aos camionistas, em vez de punitiva, no sentido de
mudar o seu comportamento e transformá-los em agentes de proteção;
- Indícios de disseminação da prática para o sector do turismo, com o desenvolvimento de um
projeto entre a Childhood Brasil e a Atlantica Hotels para prevenir a exploração sexual de
crianças e adolescentes no sector do turismo. Tal envolveu a criação de um Código de Conduta
e a criação de Manual de Procedimentos para os colaboradores da rede Atlantica Hotels. Está
também a disseminar a metodologia com o governo de Pernambuco.
Trata-se de uma prática robusta, que revela continuidade, sustentabilidade e que se encontra
bem alicerçada numa parceria sólida entre os três sectores. Possui igualmente um elevado
potencial de replicabilidade para outros sectores e outros países. Estão a ser ponderadas
estratégias semelhantes para os setores das obras públicas.
33
Prática 6 - Active Communities Against Trafficking – ACT, Stop the Traffik, Reino
Unido
Nome da Prática
Active Communities Against Trafficking - ACT
Entidade e forma Entrevista com Bex Keer, Stop the Traffik UK, a 8/7/2010;
de recolha
participação e elaboração de paper no workshop sobre “Tráfico
de Seres Humanos, Estratégias Locais e Nacionais”, consulta de
elementos
online
http://www.stopthetraffik.org/start-a-
community-group e troca de documentação com organização
Descrição sumária
O objetivo é a criação de grupos organizados nas comunidades
locais hostis ao tráfico. O pressuposto de partida é o de que
todo o fenómeno de TSH tem origem numa comunidade e
termina numa outra comunidade, onde a vítima é explorada e
escondida. O conceito fundamental é de que se quer a
comunidade de origem quer a de destina forem mais
sensibilizadas e educadas para a questão do tráfico, os
traficantes terão maiores dificuldades em recrutar, esconder e
explorar as vítimas.
Resultados
A Stop the Traffik iniciou as ACT em 2009, com um projeto
principais
piloto em 5 comunidades – 2 em Londres, 1 em Bristol, 1 em
Birmingham e 1 em Manchester. Atualmente existem 118
grupos (em 19 países) registados na base de dados da Stop the
Traffik. Existe uma plataforma online com website dos grupos.
Pontos
fortes
vulnerabilidades
e Os pontos fortes são focalização na ação local e na mobilização
da
comunidade
com
criação
de
redes
locais
e
as
vulnerabilidades são a assimetria de ação entre grupos e a
troca de informação na rede.
Avaliações
A
Stop
Avaliação do Programa como piloto
the
Traffik
iniciou
as
Active
Communities
Against
Trafficking
(ACT)
(http://www.stopthetraffik.org/start-a-community-group) em 2009, com um projeto piloto em
5 comunidades – 2 em Londres, 1 em Bristol, 1 em Birmingham e 1 em Manchester. O objetivo
34
é a criação de grupos organizados nas comunidades locais hostis ao tráfico. O pressuposto de
partida é o de que todo o fenómeno de TSH tem origem numa comunidade e termina numa
outra comunidade, onde a vítima é explorada e escondida. O conceito fundamental é de que se
quer a comunidade de origem quer a de destina forem mais sensibilizadas e educadas para a
questão do tráfico, os traficantes terão maiores dificuldades em recrutar, esconder e explorar
as vítimas.
Existem três estratégias de recrutamento para os grupos:
- Recrutamento online;
- Recrutamento da comunidade através do networking (contactos pessoais/ processo orgânico)
- Grupos universitários.
Estes grupos recebem, por parte do Stop the Traffik, uma série de informação, que permite
desenvolver as atividades de ativismo local. O sistema é caracterizado por um elevado nível de
descentralização, que constitui não só um ingrediente do sucesso mas também um potencial
fator de vulnerabilidade da prática. Os grupos têm reuniões regulares e têm de garantir a
obtenção de fundos, para além de planearem as ações de campanha locais, as ações com a
escola, articulação com os agentes de autoridade.
Da experiência acumulada, o recrutamento online é aquele que levanta mais problemas em
termos da sustentabilidade do grupo e da sua manutenção ao longo do tempo, em virtude de
uma quebra prematura da motivação e entusiasmo para desenvolver as atividades propostas.
Também é menos clara a existência de um coordenador que permita promover o
desenvolvimento do grupo.
Estes grupos desenvolvem 3 atividades principais:
- Sensibilizar as comunidades locais, aumentando o nível de informação sobre o tráfico, como
identificar vítimas e que ações adotar em caso de deteção de uma situação concreta. Esta ação
é desenvolvida quer junto do público em geral, quer junto de grupos profissionais específicos
com um papel estratégico na deteção das vítimas (assistentes sociais, profissionais de saúde,
polícias, professores, etc.).
- Desenvolver o network local, que inclui os membros do grupo, outras ONG, polícia, governos
locais, escolas, serviços de saúde, etc.
35
- Recolha de informação que permita apoiar processos destinados a punir os traficantes –
componente de investigação.
A criação de um ambiente hostil ao tráfico que desincentive a ação dos traficantes é o objetivo
central das ACT que decorre não só de os membros da comunidade estarem alertas para o
problema, mas também de promoverem ações sistemáticas de vigilância relativamente a
situações de suspeita em articulação com as autoridades policiais.
Um dos ingredientes do sucesso desta ação é um bom relacionamento com as autoridades
policiais e as comunidades.
Atualmente existem 118 grupos (em 19 países) registados na base de dados da Stop the
Traffik. Existe uma plataforma online com website dos grupos. Estes são os grupos
formalmente constituídos e registados mas existem sérias possibilidades de existirem muitos
outros que não estão conectados à rede e que atuam de forma deligada do movimento.
O sucesso dos grupos depende da interligação entre eles, o que o torna um aspeto crítico, já
que existe o risco de cada grupo se concentrar na sua ação local e de perder a perspetiva
global. O que significa um falhanço potencial da estratégia, porque apenas provocaria a
transferência das atividades de uma região hostil para outra em que os traficantes se
sentissem menos hostilizados.
As vulnerabilidades desta prática são:
- A autonomia dos ACT; sendo importantes para responder aos problemas de cada local, cria
grandes assimetrias de eficácia da ação entre diferentes grupos;
- A focalização exclusivamente local e não partilha da informação e dos resultados da
investigação com os outros grupos, não participando na rede dinamizada pelo Stop the Traffik,
prejudicando a eficácia do conceito de comunidade hostil, que implica uma ação sistémica e
coordenada de diferentes grupos de modo de evitar o efeito perverso da mera deslocalização
dos traficantes de uma zona hostil para outra menos hostil;
36
- Riscos de ultrapassarem os limites da sua ação, criando risco de segurança para os membros
do grupo e entrando em áreas específicas de ação policial para o qual não têm formação nem
competências.
Os pontos fortes desta prática são:
- Focalização na ação local e na mobilização da comunidade, o que é essencial para
corresponder à dimensão do fenómeno do tráfico (Estado e autoridades policiais são
insuficientes para combater o tráfico);
- Tem elevado potencial de replicabilidade, em vários contextos e regiões;
- A formação de redes locais envolvendo os diferentes sectores que permite dar maior
robustez quer à ação de prevenção, quer à deteção de casos de tráfico, assegurando uma
continuidade do trabalho com a vítima desde a sinalização até ao apoio;
- A combinação entre investigação e ação, em que a investigação serve de suporte ao tipo de
atividades a construir em determinada comunidade, e permite um conhecimento mais
rigoroso da realidade do tráfico com as suas especificidades locais;
- A existência de uma perspetiva integrada e de coordenação entre os grupos, assegurada pelo
Stop the Traffik que permite fazer a integração da informação e garantir ações com impacte
sistémico.
37
Prática 7 - Estimativas de vítimas de tráfico, Office Central pour la Répression de la
Traite des Êtres Humains, Polícia Judiciária, França
Nome da Prática
Estimativas de vítimas de tráfico
Entidade e forma Office Central pour la Répression de la Traite des Êtres
de recolha
Humains, Polícia Judiciária, França, Entrevista a Patrick
Cottelle, 14/6/2010
Descrição sumária
O Governo Francês e face às dificuldades de investigação sobre
o fenómeno de tráfico e a consciência de que as vítimas de
tráfico, oficialmente identificadas como tal são uma pequena
parcela do número real envolvido, elabora estimativas sobre o
número de vítimas no país, que servem de base para o
planeamento da política pública, designadamente dos recursos
humanos e financeiros necessários para o combate ao tráfico.
Resultados
A utilização desta estimativa permite um planeamento e
principais
mobilização mais realista dos recursos necessários para
combate ao tráfico.
Pontos
fortes
e Os pontos fortes são o facto de estas estimativas
vulnerabilidades
ultrapassarem o ciclo vicioso gerado por uma definição de
política pública e mobilização de meios condicionada pelo
número de casos de vítimas oficialmente confirmadas, que é
sempre reduzido e as vulnerabilidades desta prática são o facto
de poderem ser distorcidas pelos serviços envolvidos, para
fundamentar meios adicionais, pelo que deverão ser efetuadas
com base em processos de investigação independentes e
rigorosos.
Avaliações
Não existe informação disponível
O Governo Francês, através do serviço da Polícia Judiciária, que só se ocupa do Tráfico para
exploração sexual, e face às dificuldades de investigação sobre o fenómeno de tráfico e a
consciência de que as vítimas de tráfico, oficialmente identificadas como tal são uma pequena
parcela do número real envolvido, elabora estimativas sobre o número de vítimas no país, que
38
servem de base para o planeamento da política pública, designadamente dos recursos
humanos e financeiros necessários para o combate ao tráfico.
Estas estimativas são elaboradas com base em indicadores indiretos:
- Número de prostitutas/ profissionais da indústria do sexo em França;
- Percentagem de prostitutas/ profissionais da indústria do sexo de nacionalidade estrangeiras;
- Número de imigrantes;
- Número de pedidos de visto;
- Número de pedidos de visto na fronteira;
- Número de pedidos de asilo;
-- Número estimado de imigrantes irregulares;
- Número de apoios concedidos por ONG e outras entidades não-governamentais;
- Número de pessoas regularizadas em regularizações extraordinárias;
- Números de vítimas traficadas na Europa e no mundo.
A utilização desta estimativa permite um planeamento e mobilização mais realista dos recursos
necessários para combate ao tráfico.
Acresce que a França adota um conceito de tráfico mais amplo, assente numa interpretação
literal do protocolo de Palermo, do que o adaptado por outros países europeus, uma vez que
considera irrelevante a existência de consentimento da vítima. Logo, o número de vítimas
tende assim a ser superior em termos relativos a ser superior a outros Estados que adotam
conceitos mais restritivos.
As estimativas poderão não espelhar rigorosamente os números de tráfico, mas contrastam
com os números oficiais que estão muito abaixo dos valores reais de vítimas.
Os pontos fortes desta prática são:
- Ultrapassar o ciclo vicioso gerado por uma definição de política pública e mobilização de
meios condicionada por o número de casos de vítimas oficialmente confirmadas, que é sempre
reduzido, o que justifica, em alguns caso, a qualificação do tráfico como um fenómeno
marginal fundamentando uma insuficiente atribuição de recursos para o seu combate; tal
39
limita a capacidade de eficácia na deteção de casos, o que volta a fundamentar a insuficiente
atribuição de meios.
As vulnerabilidades desta prática são:
- As estimativas não têm rigor, embora se baseiem em indicadores indiretos com alguma
fiabilidade;
- As estimativas poderão ser distorcidas pelos serviços envolvidos, para fundamentar meios
adicionais, pelo que deverão ser efetuadas com base em processos de investigação
independentes e rigorosos.
40
Prática 8 - Gangmasters Licensing Authority, Reino Unido
Nome da Prática
Gangmasters Licensing Authority
Entidade e forma Entrevista com UKHTC a 9/7/2010, Consulta de elementos
de recolha
online http://gla.defra.gov.uk/ e troca de documentação com
organização
Descrição sumária
A Gangmasters Licensing Authority (GLA) é um sistema de
regulação de agências de emprego e fornecedores de serviços
nos setores agrícola, florestal, hortícola, pesqueiro (marisco),
processamento alimentar e empacotamento. O seu objetivo
fundamental é impedir a exploração de trabalhadores,
garantindo o respeito pela lei e a legalidade das operações
conduzidas nestas indústrias.
Resultados
A prática tem tido um impacto efetivo e resultados
principais
significativos, não só no aumento do número de empresas
licenciadas, mas também no exercício de fiscalização, e na
punição das situações de impunimento, que se traduzem,
designadamente, pela revogação das licenças. Desde março de
2007 até final de outubro de 2012 foram revogadas 180
licenças.
Pontos
fortes
e Os pontos fortes desta prática são a definição de standards
vulnerabilidades
mais elevados de proteção e a existência de um mecanismo de
articulação entre a prevenção e a punição do tráfico para
exploração laboral/ trabalho forçado com efetiva articulação
multiagency na execução das ações de fiscalização. As
vulnerabilidades desta prática são a limitação das ações contra
empresas que usam trabalhadores fornecidos por empresas de
recrutamento não licenciadas têm sido limitadas e a ação
punitiva menos significativa, o facto de a regulação não
abranger empresas/ agricultores que empregam diretamente
trabalhadores, sobretudo imigrantes, e que têm práticas de
41
exploração e uma cobertura insuficiente do âmbito dos
setores, uma vez que há níveis de exploração significativos
noutros setores fora do âmbito de atuação do GLA,
nomeadamente construção, hotelaria e turismo, trabalho
doméstico/ apoio domiciliário.
Avaliações
A prática tem sido objeto de uma avaliação sistemática,
prevista no próprio processo, da responsabilidade das
Universidades de Liverpool e Sheffield, que conduzem
avaliações regulares e independentes sobre o funcionamento e
o impacto da ação do GLA. Desenvolvimento de um processo
de “community impact assessment” que visa identificar a
existência de consequências laterais da ação de impacte
negativas e não previstas, de modo a minimizar esse impacte.
A Gangmasters Licensing Authority (GLA) http://gla.defra.gov.uk/ é um sistema de regulação
de agências de emprego e fornecedores de serviços nos setores agrícola, florestal, hortícola,
pesqueiro (marisco), processamento alimentar e empacotamento, criado em abril de 2005, na
sequência da aprovação do Gangmasters Act de 2004. O seu objetivo fundamental é impedir a
exploração de trabalhadores, garantindo o respeito pela lei e a legalidade das operações
conduzidas nestas indústrias.
Nesse sentido desenvolvem vários instrumentos:
- A publicitação de todas os standards laborais;
- A consciencialização dos empregadores sobre os standards laborais;
- A realização de inspeções, incluindo inspeções surpresa, para assegurar o cumprimento dos
padrões;
- Aplicação de sanções, incluindo penas de prisão para práticas abusivas.
A regulação exercida pelo GLA abrange quer as empresas de recrutamento que contratam e
fornecem trabalhadores às indústrias (labour providers), quer as empresas que utilizam
trabalhadores fornecidos pelas empresas de recrutamento (labour users).
42
Abrange trabalhadores permanentes, nacionais ou estrangeiros, e trabalhadores temporários.
Um dos aspetos importantes é que não protege apenas os trabalhadores legais, mas também
os ilegais, que são considerados pelo Gangmasters Licensing Requirements. Tem uma forte
incidência no que é designado por trabalhadores vulneráveis – imigrantes, temporários, e de
setores menos regulados.
As empresas de recrutamento de trabalhadores (Gangmasters) só podem operar legalmente
após terem sido licenciadas. E as empresas que contratam trabalhadores a partir de empresas
não licenciadas são sujeitas a penalizações. As empresas licenciadas têm de fornecer
informação sobre contratos de trabalho, registos de emprego e de pagamentos, cumprimento
de regras de higiene e segurança no trabalho, assim como informação de condições de
habitação e de viagem, quando aplicável. São entregues aos empregadores descrição
detalhada de situações consideradas indicativas de tráfico e de violação de direitos, como a
servidão por dívida, a retenção de salários, a retenção de documentos de identificação e
transporte, critérios de alojamento condigno, que se não forem cumpridos resultarão na perda
da licença. Quaisquer maus tratos aos trabalhadores ou práticas de empréstimos com
condições injustas também levarão à revogação da licença.
Os inspetores de trabalho desenvolvem ações de fiscalização regulares e as revogações são
publicitadas online.
Algumas das violações do Gangmasters Act correspondem a crimes, punidos com penas de
prisão até 10 anos, mais uma coima por operarem sem licença. Se fizerem qualquer tipo de
acordo com uma indústria que opere sem licença poderão ser punidos com uma pena de
prisão até seis meses e uma coima.
Quando o GLA encontra possíveis vítimas de tráfico para exploração laboral, articula-se com o
UK National Referral Mechanism, de modo a que as vítimas possam ser corretamente
identificadas e devidamente apoiadas.
A prática tem tido um impacto efetivo e resultados significativos, não só no aumento do
número de empresas licenciadas, mas também no exercício de fiscalização, e na punição das
43
situações de impunimento, que se traduzem, designadamente, pela revogação das licenças.
Desde março de 2007 até final de outubro de 2012 foram revogadas 180 licenças.
A prática tem sido objeto de uma avaliação sistemática, prevista no próprio processo, da
responsabilidade das Universidades de Liverpool e Sheffield, que conduzem avaliações
regulares e independentes sobre o funcionamento e o impacto da ação do GLA. Existe depois a
publicação de relatórios pelas universidades. Existe também uma avaliação pelo próprio
governo, neste caso é a avaliação realizada pelo Ministério das Finanças “Gangmasters
Licensing Authority: a Hampton Implementation Review Report 2009”, assim como avaliações
feitas por instituições da sociedade civil. Um exemplo destas avaliações é o estudo financiado
pela OXFAM e elaborado por Mick Willkinson, Gary Craig, Aline Gaus, 2010, “Forced Labour in
the UK and the Gangmasters Licensing Authority”, Wilberforce Institute for the Study of
Slavery and Emancipation, University of Hull. Neste último estudo foi incluído um inquérito
conduzido junto das empresas reguladas, tendo 69% considerado que o GLA está a fazer um
bom trabalho e 60% que teve um impacto positivo na redução da exploração laboral.
No plano internacional, a OIT identificou o GLA como uma boa prática de combate à
exploração
laboral,
no
International
Migration
Branch
-
http://www.ilo.org/dyn/migpractice/migmain.showPractice?p_lang=en&p_practice_id=51.
As vulnerabilidades desta prática são:
- As ações contra empresas que usam trabalhadores fornecidos por empresas de recrutamento
não licenciadas têm sido limitadas e a ação punitiva menos significativa. Por exemplo muitas
grandes empresas no Reino Unido contratam empresas de recrutamento da Europa de Leste,
não licenciadas.
- A regulação não abrange empresas/ agricultores que empregam diretamente trabalhadores,
sobretudo imigrantes, e que têm práticas de exploração, uma vez que a legislação não abrange
estes casos. Apenas existe o controlo dos que contratam empresas de recrutamento e
emprego.
- O âmbito dos setores coberto é considerado insuficiente, uma vez que há níveis de
exploração significativos noutros setores fora do âmbito de atuação do GLA, nomeadamente
construção, hotelaria e turismo, trabalho doméstico/ apoio domiciliário.
44
- Tem recursos limitados para o âmbito de ação, por isso há um número abaixo do desejado de
inspeções de rotina.
Os pontos fortes desta prática são:
- Definição de standards mais elevados de proteção, publicitando-os de forma eficaz;
- Adoção de uma estratégia de “name and shame”, publicitando a lista de revogação de
licenças e uma publicitação das ações de fiscalização (regulation by reputation);
- A inclusão dos trabalhadores ilegais na proteção e um foco especial nas categorias de
trabalhadores vulneráveis;
- O aumento da consciencialização dos trabalhadores para os seus direitos, nomeadamente
dos imigrantes, através do fornecimento de informação e documentação em várias línguas e
de disponibilização de uma helpline;
- A existência de um mecanismo de articulação entre a prevenção e a punição do tráfico para
exploração laboral/ trabalho forçado;
- A existência de um foco setorial, tendo em conta setores com maior propensão para o uso de
vítimas de tráfico e adaptando a ação às características específicas do setor;
- Efetiva articulação multiagency na execução das ações de fiscalização;
- Elevado nível de transparência na avaliação de resultados e impacto, com a criação de um
sistema de avaliação periódico independente, encomendado às Universidades de Liverpool e
Sheffield, com o objetivo de melhorar a ação de regulação;
- Desenvolvimento de um processo de “community impact assessment” que visa identificar a
existência de consequências laterais da ação de impacte negativas e não previstas, de modo a
minimizar esse impacte. Por ex. os riscos de aumento de vulnerabilidade dos trabalhadores em
caso de revogação das licenças;
- A prática demonstra ser sustentável porque tem vindo a ser implementada de forma contínua
desde 2005;
- A prática produziu resultados e impactos efetivos e relevantes nos setores regulados, assim
como no aumento da consciencialização das empresas, dos trabalhadores e do público em
geral;
- A prática tem elevado potencial de replicabilidade não só para outros setores, mas para
outros países.
45
Prática 9 - Redes locais na região Emilia-Romagna, On the Road e a Região de Emilia
Romagna, Itália
Nome da Prática
Redes locais na região Emilia-Romagna
Entidade e forma Consulta de elementos online http://sociale.regione.emiliade recolha
romagna.it/prostituzione-e-lotta-alla-tratta
e
troca
de
documentação com organização
Descrição sumária
O programa Oltre la Strada/ Beyond the Street centrou-se
particularmente na implementação do artigo 18 e no combate
ao tráfico para exploração sexual. O projeto resulta da
cooperação da ONG On the Road e a Região de Emilia
Romagna, e traduziu-se na criação de uma rede de 12
instituições (municípios e outras instituições locais). Cada uma
destas 12 instituições dinamizou e envolveu a sua rede local, o
que resultou na mobilização de 62 atores locais. Além da rede
formal foi ainda estabelecida uma rede informal de cooperação
com famílias de acolhimento e voluntários.
Resultados
Em termos de resultados, nos dois primeiros anos, o projeto
principais
conseguiu acompanhar mais de 1300 pessoas, tendo apoiado
mais de 300 vítimas, desenvolvido 270 programas de
orientação profissional, que permitiram cerca de 400 casos de
inserção laboral em empresas. O programa tem continuado
ativo, e no período entre 2008 e 2010, 225 mulheres vítimas de
exploração laboral conseguiram estágios em empresas locais.
No período entre 2001 e 2009, um total de 686 mulheres
receberam formação profissional, 90% das quais obtiveram
emprego.
Pontos
fortes
e Os pontos fortes da prática são a abordagem multistakeholder
vulnerabilidades
com a criação de uma rede local robusta, centrada nas ações
de apoio e proteção à vítima; a preocupação pelo
conhecimento dos contornos específicos do tráfico a nível local
46
e regional, de modo a adaptar a ação à realidade,
nomeadamente com investigação local e regional e criação de
observatórios e o envolvimento das empresas na reinserção
social das vítimas, através da participação no programa de
formação e na oferta de empregos. As vulnerabilidades desta
prática são o facto de não abranger todo o tipo de vítimas,
nem todos os tipos de tráfico, estando centrado no tráfico para
exploração sexual e nas vítimas de sexo feminino; apesar de
existirem referências às vítimas menores, não existem indícios
de resultados consistentes neste domínio e os resultados e
impactos do programa são mais significativos na fase inicial, e
as ações de prevenção do projeto e de consciencialização da
comunidade tem constituído uma componente menos robusta
do projeto.
Avaliações
Não existe informação disponível dos anos mais recentes.
Relatórios de avaliação da implementação inicial
O programa Oltre la Strada/ Beyond the Street foi implementado no final dos anos 1990, e a
partir de 2000 centrou-se particularmente na implementação do artigo 18 e no combate ao
tráfico para exploração sexual. O projeto resulta da cooperação da ONG On the Road e a
Região de Emilia Romagna, e traduziu-se na criação de uma rede de 12 instituições (municípios
e outras instituições locais), nomeadamente municípios de Piacenza, Reggio nell’Emilia, Parma,
Fidenza, Modena, Bologna, Zola Predosa, Ferrara, unidades de saúde locais de Remini e de
Cesena e serviços sociais de Imola, Ravena, Cervia e Russi. Cada uma destas 12 instituições
dinamizou e envolveu a sua rede local, o que resultou na mobilização de 62 atores locais, entre
instituições do terceiro setor, sindicatos, centros de formação, Caritas diocesana, Liga Italiana
contra a Sida, Associações de Imigrantes Nigerianas, Cooperativas, etc. Além da rede formal foi
ainda estabelecida uma rede informal de cooperação com famílias de acolhimento e
voluntários.
As redes adotaram uma abordagem integrada, muito centrada no apoio às vítimas e promoção
da sua reintegração social, mas envolvendo também ações nas áreas:
- Da prevenção - campanhas de sensibilização para a população, mediação de conflitos
47
- Da investigação sobre o fenómeno do tráfico no contexto regional, através da criação de um
observatório regional sobre prostituição e exploração sexual e o observatório sobre
prostituição e tráfico de menores, geridos pelo Centro de Saúde Local de Remini.
No que se refere ao apoio à vítima, a lógica da intervenção tem como prioridades o reforço da
autonomia e inclusão social das vítimas, e envolve diferentes mecanismos:
- Gestão de abrigos, de diferentes tipos;
- Apoio de saúde e psicológico;
- Apoio jurídico;
- Apoio ao retorno assistido;
- Formação vocacional;
- Orientação profissional;
- Aulas de língua e cultura italiana;
- Programa de inserção profissional nas empresas;
- Apoio a projetos de empreendedorismo.
Existe uma relação próxima com muitas empresas da região, que se envolvem no processo de
reintegração social das vítimas, o que permite atingir resultados positivos em termos da
criação de empregos e colocação das vítimas.
Em termos de resultados, nos dois primeiros anos, o projeto conseguiu acompanhar mais de
1300 pessoas, tendo apoiado mais de 300 vítimas, desenvolvido 270 programas de orientação
profissional, que permitiram cerca de 400 casos de inserção laboral em empresas5. O programa
tem continuado ativo, e no período entre 2008 e 2010, 225 mulheres vítimas de exploração
laboral conseguiram estágios em empresas locais. No período entre 2001 e 2009, um total de
686 mulheres receberam formação profissional, 90% das quais obtiveram emprego6.
As vulnerabilidades desta prática são:
- Não abrange todo o tipo de vítimas, nem todos os tipos de tráfico, estando centrado no
tráfico para exploração sexual e nas vítimas de sexo feminino;
5
On the Road, “Article 28: Protection of victims of trafficking and fight against crime (Italy and the European
Scenarios) – Research Report, 2002.
6
Sandri, Serenella, “Actions to Support Social and Professional inclusion of women victims of trafficking in Emilia
Romagna”, apresentação na III Steering Group Meeting “A European Network on Gender Mainstreaming” que
teve lugar em Roma, a 23 e 24 de Setembro de 2010.
48
- Apesar de existirem referências às vítimas menores, não existem indícios de resultados
consistentes neste domínio, parecendo uma componente mais marginalizada no processo;
- Os resultados e impactos do programa são mais significativos na fase inicial, tendo o
programa vindo a perder alguma eficácia em termos de inserção profissional das vítimas, o que
pode sugerir ou um menor envolvimento das empresas ou dificuldades no mercado de
trabalho;
- Apesar de várias referências em estudos internacionais não tem sido sujeita a uma avaliação
sistemática, e que permita perceber a evolução da prática e os impactos sociais da mesma, em
termos de diminuição da estigmatização da vítima e inclusão social;
- As ações de prevenção do projeto e de consciencialização da comunidade tem constituído
uma componente menos robusta do projeto, não havendo dados sobre os resultados e
impactos de campanhas locais de sensibilização, o que pressupõe um processo de avaliação de
impacto, nem das ações de cooperação de países de origem das vítimas, nomeadamente com
a Albânia.
Os pontos fortes da prática são:
- A abordagem multistakeholder com a criação de uma rede local robusta, centrada nas ações
de apoio e proteção à vítima;
- A preocupação pelo conhecimento dos contornos específicos do tráfico a nível local e
regional, de modo a adaptar a ação à realidade, nomeadamente com investigação local e
regional e criação de observatórios;
- O envolvimento das empresas na reinserção social das vítimas, através da participação no
programa de formação e na oferta de empregos;
- A natureza inovadora da articulação entre os níveis regionais e local, em que a conceção das
linhas de orientação do programa é regional, mas a implementação é local através das redes
das instituições dinamizadoras do programa, com uma abordagem descentralizada;
- O investimento na partilha de experiências e na difusão de boas práticas, através de ações
específicas orientadas para o efeito, que permitem aumentar as sinergias dos atores;
- A adoção de uma lógica de sociedade de conhecimento na abordagem da questão do tráfico,
que se manifesta na aposta na investigação, na dinamização de redes, na troca de informação
e experiências e na consolidação de valores e objetivos comuns. Emilia Romagna tem as
caraterísticas de uma região de conhecimento, constituída a partir de clusters, de empresas e
redes que envolve as universidades, os sindicatos e os centros de formação, e são responsáveis
49
pelo dinamismo económico da região, experiência essa que foi transposta para o combate ao
tráfico.
Apesar das condições institucionais específicas de Emilia Romagna é uma prática que tem
elevada potencialidade de replicabilidade e que demonstra ser sustentável, com mais uma
década de aplicação, não obstante os sinais de flutuação no seu impacto.
50
Prática 10 - Seminários de orientação para migrantes laborais, Phillipines Overseas
Employment Agency, Filipinas
Nome da Prática
Seminários de orientação para migrantes laborais
Entidade e forma Philippines Overseas Employment Agency www.poea.gov.ph/,
de recolha
consulta de elementos online e troca de documentação com
organização
Descrição sumária
No âmbito da sua política de apoio à imigração, o Governo
Filipino, através da Philippines Overseas Employment Agency
(POEA) criou, em 1983, um sistema de formação prévia à
partida de potenciais imigrantes. Este programa envolve ONG,
agências de recrutamento, que têm participação ativa na
organização dos seminários.
Resultados
Em 2011, foram realizados 1539 seminários “pre-deployment”
principais
(pré-partida) e 583 seminários pré-emprego, envolvendo mais
de 100.000 potenciais trabalhadores migrantes filipinos.
Distribuíram 100.000 documentos escritos sobre tráfico e
recrutamento ilegal, tendo chegado a mais de 50.000 pessoas.
Pontos
fortes
vulnerabilidades
e Os pontos fortes são a sua natureza institucionalizada, o que
garante
a
sua
sustentabilidade;
a
sua
natureza
multistakeholder, que resulta da cooperação entre governos,
ONG e setor privado, a qualificação dos formadores e o
envolvimento de ex-vítimas nos seminários especializados. As
suas
vulnerabilidades
são a
insuficiência
de
recursos
financeiros e a irregularidade da supervisão e monitorização, e
o momento de realização da formação, na fase final, mesmo
antes da partida, não é o mais adequado em termos de eficácia
da informação transmitida aos destinatários, que estão
absorvidos pelos preparativos da viagem.
Avaliações
Avaliação interna, mas não sistematizada
51
No âmbito da sua política de apoio à imigração, o Governo Filipino, através da Philippines
Overseas Employment Agency (POEA) criou, em 1983, um sistema de formação prévia à
partida de potenciais imigrantes. Este programa gerido pela POEA até 2002, e partir desta data
transferido para o Overseas Workers Welfare Administration (OWWA), envolve ONG, agências
de recrutamento, que têm participação ativa na organização dos seminários.
Os seminários, chamados pre-deployment and orientation seminars, têm a duração de seis
horas e abordam sete temas fundamentais: i) a realidade da imigração, desafios para trabalhar
no estrangeiro; ii) perfil do país de destino: leis, cultura, costumes; iii) contrato de trabalho:
direitos e deveres, como proceder em caso de violação de contrato; iv) higiene e segurança; v)
literacia financeira; vi) programas e serviços de apoio social; vii) procedimentos relativos à
viagem.
Na fase inicial os seminários tinha caráter obrigatório, antes da partida e o certificado da
frequência era um dos documentos exigidos para a conclusão do processo de imigração. Com a
transferência para a OWWA deixaram de ser obrigatórios e assumiram uma natureza mais
assistencial. Foram desenhados seminários especiais para algumas categorias de
trabalhadores, designadamente para trabalhadores domésticos, artistas, trabalhadores
marítimos, enfermeiras. Os aspetos relativos ao tráfico e os riscos de exploração foram
introduzidos nestes seminários.
Em 2011, foram realizados 1539 seminários “pre-deployment” (pré-partida) e 583 seminários
pré-emprego, envolvendo mais de 100.000 potenciais trabalhadores migrantes filipinos. O
POEA e o Departamento de Trabalho e Emprego realizaram seminários sobre recrutamento e
tráfico, dirigido a procuradores locais, agentes de autoridade, unidades governamentais, ONG,
agências de recrutamento e membros da comunidade. Distribuíram 100.000 documentos
escritos sobre tráfico e recrutamento ilegal, tendo chegado a mais de 50.000 pessoas.
Este instrumento tem sido objeto de avaliação regular pelo governo, pelas ONG nas Filipinas e
por várias agências internacionais: PNUD, OIT e OIM, tendo a última fornecido uma referência
52
global ao programa 7 em setembro de 2012. As avaliações disponíveis identificam diferentes
pontos fortes e fracos do programa.
Os pontos fortes do programa são:
- Tem uma natureza institucionalizada, o que garante a sua sustentabilidade;
- Integra-se no sistema de documentação para a emigração;
- Tem uma natureza multistakeholder, que resulta da cooperação entre governos, ONG e setor
privado, o que tende a garantir um apoio alargado;
- Dispõe de formadores qualificados e aborda um leque diversificado de temas úteis para o
trabalhador migrante;
- Existência de seminários especializados, adequados às realidades específicas de diferentes
categorias de trabalhadores;
- O envolvimento de ex-vítimas de tráfico, nomeadamente de servidão doméstica, que através
do seu testemunho direto permitem uma maior eficácia no alerta e consciencialização de
trabalhadores domésticos que iniciam o processo de emigração;
- O processo tem permitido a sinalização de vítimas de tráfico e tem impedido que as vítimas
saiam do país para o estrangeiro, onde seriam sujeitas a processos de exploração.
As vulnerabilidades são:
- Insuficiência de recursos financeiros;
- A supervisão e monitorização não tem tido caráter regular;
- O momento em que é realizada a formação, na fase final, mesmo antes da partida, não é o
mais adequado em termos de eficácia da informação transmitida aos destinatários, que estão
absorvidos pelos preparativos da viagem;
7
Maruja, Asis, Dovelyn Ajunias, “Strengthening Pre-departure Orientation Programmes in Indonesia, Nepal and
the Philippines”, Issue in Brief, no. 5, September 2012, IOM Regional Office for Asia and Pacific and the Migration
Policy Institute.
53
- O envolvimento das agências de recrutamento nesta formação suscita dúvidas, em virtude da
existência de conflitos de interesse;
- O período de formação foi reduzido de oito para seis horas, e tem sido considerado
insuficiente para a cobertura e discussão das matérias;
- Os resultados da avaliação não têm sido implementados de forma sistemática, o que dificulta
correção dos pontos vulneráveis.
A prática revela sustentabilidade e tem se consolidado ao longo de mais de duas décadas. Tem
tido também um grau significativo de difusão na região, designadamente para a Indonésia, o
Nepal e o Bangladesh. Tem um potencial de replicabilidade elevado.
54
Prática 11 - Programa “Escolas”, CECRIA, Brasil
Nome da Prática
Programa “Escolas”
Entidade e forma Entrevista com CECRIA, UNODC e Secretaria da Justiça, Brasil, a
de recolha
9/11/2010, consulta de elementos online
e troca
de
documentação com organização
Descrição sumária
Programa de prevenção junto das escolas para reduzir o risco do
tráfico, sendo o grupo alvo dos 9 aos 14 anos. Realizaram-se
ações junto das escolas em 5 municípios do Distrito Federal de
Brasília. As visitas são, em regra, bimensais, e envolvem
utilização de metodologias diversas adaptadas aos destinatários
– projeção de filmes e debates, depoimentos de crianças vítimas
de tráfico, utilização de hip hop.
Resultados
Implementação junto das escolas de 5 municípios. Terminou a
principais
fase piloto.
Pontos fortes e A prática tem como pontos fortes a ação regular junto das
vulnerabilidades
escolas, combinando a formação dos educadores com ações de
sensibilização das crianças e adolescentes/ alunos; a aposta em
metodologias inovadoras e suscetíveis de captar o interesse e
envolver os alunos, de modo a reforçar a eficácia da mensagem;
a intervenção junto de crianças e adolescentes a nível precoce
para aumentar a eficácia de prevenção e a inclusão da família no
programa, o que reforça a consistência da ação e a articulação
entre a família e a escola. As vulnerabilidades desta prática são o
facto de abranger um número reduzido de escolas e ter uma
difusão lenta; ter um défice de avaliação de impacto, embora
exista intenção de fazê-lo na segunda fase do programa; o
programa não abrange jovens com idades entre os 15 e os 17
anos, que correspondem a um grupo associado a elevado risco
de tráfico.
55
Avaliações
Não existe informação disponível
Programa em implementação desde 2003, sendo uma parceria do CECRIA com a UNODC e a
Secretaria da Justiça, que envolve prevenção junto das escolas, para reduzir o risco do tráfico,
sendo o grupo alvo dos 9 aos 14 anos. Realizaram-se ações junto das escolas em 5 municípios
do Distrito Federal de Brasília. As visitas são, em regra, bimensais, e envolvem utilização de
metodologias diversas adaptadas aos destinatários – projeção de filmes e debates,
depoimentos de crianças vítimas de tráfico, utilização de hip hop.
Este processo foi realizado em duas fases: a primeira fase, entre 2003 e 2010 foi focado na
capacitação de profissionais, professores, conselheiros tutelares, e com pais, e na
experimentação de metodologias inovadoras. A segunda fase seria iniciada a partir de 2011, e
implicaria a intensificação da implementação e a expansão para 10 municípios do Distrito
Federal de Brasília. Está prevista a avaliação de impacto, em conjunto com a UNODC.
A prática tem como pontos fortes:
- Uma ação regular junto das escolas, combinando a formação dos educadores com ações de
sensibilização das crianças e adolescentes/ alunos;
- A aposta em metodologias inovadoras e suscetíveis de captar o interesse e envolver os
alunos, de modo a reforçar a eficácia da mensagem;
- A intervenção junto de crianças e adolescentes a nível precoce para aumentar a eficácia de
prevenção;
- A utilização de casos concretos e testemunhos das vítimas, o que reforça a proximidade com
o problema e torna-o real aos olhos dos alunos;
- A inclusão da família no programa, o que reforça a consistência da ação e a articulação entre
a família e a escola.
As vulnerabilidades desta prática são:
- Abrange um número reduzido de escolas e a difusão tem sido lenta;
- Tem um défice de avaliação de impacto, embora exista intenção de fazê-lo na segunda fase
do programa;
- O programa não abrange jovens com idades entre os 15 e os 17 anos, que correspondem a
um grupo associado a elevado risco de tráfico.
56
É uma prática com elevado potencial de replicabilidade.
57
Prática 12 - Promotoras Legais Populares, São Paulo, Brasil
Nome da Prática
Promotoras Legais Populares
Entidade e forma Entrevista com Núcleo Enfrentamento do Tráfico de Pessoas de
de recolha
São Paulo a 8/11/2010, consulta de elementos online
http://uniaodemulheres.org.br/blogpromotoras/?page_id=2
http://www.promotoraslegaispopulares.org.br/
e troca de documentação com organização
Descrição sumária
Promotoras Legais Populares significa mulheres que trabalham
a favor dos segmentos populares com legitimidade e justiça no
combate diário à discriminação. São aquelas que podem
orientar, dar um conselho e promover a função instrumental
do Direito na vida do dia-a-dia das mulheres.
Resultados
principais
18 cursos realizados (até ao final de 2012), que permitiram
formar mais de 8000 mulheres como PLP só no estado de São
Paulo. Os cursos também se realizam em Rio Grande do Sul,
Paraná, Pernambuco e Ceará.
Pontos
fortes
e Os pontos fortes desta prática são a integração do combate ao
vulnerabilidades
tráfico numa abordagem mais ampla de direitos humanos;
processo de coordenação entre várias ONG, a aposta na ação
das PLP que são elementos da comunidade, com acesso direto
e uma proximidade muito grande com as potenciais vítimas,
com as quais têm relações de confiança e proximidade e
promove a capacitação de agentes multiplicadores, com forte
continuidade
do
trabalho
das
PLP
e
um
crescente
reconhecimento social do seu papel, o que lhes confere
credibilidade e consistência nas ações. As vulnerabilidades
desta prática são: a focalização em vítimas do sexo feminino e
a inexistência de uma avaliação sistemática de impacto, apesar
da perspetiva generalizada de diversos atores ser positiva
sobre a ação.
Avaliações
Não existe informação disponível
58
O Projeto Promotoras Legais Populares surgiu em 1994, no estado de São Paulo, inspirado nas
experiências que vinham a ser desenvolvidas noutros países da América Latina,
nomeadamente Perú, Argentina e Chile.
O nome Promotoras Legais Populares é usado em diferentes países e significa mulheres que
trabalham a favor dos segmentos populares com legitimidade e justiça no combate diário à
discriminação. São aquelas que podem orientar, dar um conselho e promover a função
instrumental do Direito na vida do dia-a-dia das mulheres.
O projeto Promotoras Legais Populares resulta de uma iniciativa de ONG, que coordenaram os
seus esforços na promoção do acesso à justiça e defesa dos direitos humanos- Instituto
Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP, a União de Mulheres de São Paulo, o Movimento do
Ministério Público Democrático e a Associação dos Juízes Para a Democracia.
As organizações são compostas por profissionais da área do direito e da justiça: procuradores
de justiça, procuradores da república, juízes, advogados, promotores de justiça, que enquanto
profissionais e na sua capacidade privada defendem a democratização no acesso à justiça e
uma maior eficácia na proteção dos direitos humanos.
As entidades têm organizado cursos de formação de PLP, num total de 18 cursos realizados
(até ao final de 2012), que permitiram formar mais de 8000 mulheres como PLP só no estado
de São Paulo. Os cursos também se realizam em Rio Grande do Sul, Paraná, Pernambuco e
Ceará.
As PLP têm um conjunto de funções diversificadas:
- Capacitação das mulheres para conhecimento dos seus direitos e para o seu exercício, em
especial em grupos mais vulneráveis (mulheres indígenas, pobres, de grupos minoritários);
- Intervenção na denúncia de violações de direitos humanos de forma sistemática;
- Orientação específica a mulheres cujos direitos tenham sido violados ou ameaçados;
- Acompanhamento das vítimas, junto de instituições públicas – polícia, tribunais, - de modo a
facilitar o acesso à justiça;
- Participação em campanhas e debates realizados na comunidade.
59
A intervenção das PLP é mais ampla do que a questão do tráfico, mas têm vindo a intervir
crescentemente na área do tráfico, em resultado da introdução desta problemática no seu
plano de formação, a partir de 2009, estimulada pela iniciativa da OIT Brasil em parceria com
especialistas de várias instituições que intervêm na temática, que produziu o Manual
“Cidadania, Direitos Humanos e tráfico de pessoas: manual para promotoras legais populares”,
de 2009. Esta publicação foi produzida e impressa no âmbito do Projeto BRA/05/05M/USA –
Combate ao Tráfico de Pessoas, financiado pela USAID – United States Agency – International
Development.
A principal ação das PLP no âmbito do tráfico relaciona-se quer com a identificação de vítimas,
quer com a sensibilização das populações para os riscos de tráfico.
Os pontos fortes desta prática são:
- A integração do combate ao tráfico numa abordagem mais ampla de direitos humanos;
- O processo de coordenação entre várias ONG que dá consistência ao processo de base das
PLP;
- A aposta na ação das PLP que são elementos da comunidade, com acesso direto e uma
proximidade muito grande com as potenciais vítimas, com as quais têm relações de confiança e
proximidade, que permite reforçar a eficácia da mensagem e do processo de sensibilização
para o processo de tráfico, assim como uma ação eficaz de casos concretos na prevenção
primária e na deteção de vítimas;
- Trata-se de um mecanismo informal, mas que é reconhecido pelo sistema de justiça formal,
que reforça a perspetiva da proteção das vítimas, no respeito pelos seus direitos;
- Promove a capacitação de agentes multiplicadores, com forte continuidade do trabalho das
PLP e um crescente reconhecimento social do seu papel, o que lhes confere credibilidade e
consistência nas ações;
- A intervenção prioritária junto de grupos particularmente vulneráveis, com maior risco de se
tornarem vítimas de tráfico, e em regiões identificadas como sendo de maior risco, o que
confere especial eficácia à estratégia de prevenção primária;
- Promove uma boa articulação entre prevenção e proteção das vítimas;
60
- As PLP trabalham em rede, nomeadamente através de um Fórum de PLP, com encontros
regulares que permitem a troca de experiências e boas práticas das Promotoras.
As vulnerabilidades desta prática são:
- A intervenção é mais focalizada em vítimas do sexo feminino, assumindo maior relevância do
que as crianças e homens;
- A intervenção no âmbito do tráfico tem natureza recente e necessita de ser consolidada;
- Inexistência de uma avaliação sistemática de impacto, apesar da perspetiva generalizada de
diversos atores ser positiva sobre a ação.
A prática revela sustentabilidade, com uma continuidade quer na formação quer na ação das
PLP, e tem elevado potencial de réplica, noutros contextos geográficos, apostando na
estratégia de mediadores comunitários, que têm prestígio e credibilidade na comunidade e
podem ter um impacto sistemático multiplicador através da sua liderança.
61
Prática 13 - Utilização Segura da Internet, Safernet Brasil
Nome da Prática
Utilização Segura da Internet
Entidade e forma Consulta de elementos online http://www.safernet.org.br/site/
de recolha
da SaferNet Brasil e troca de documentação com organização
Descrição sumária
Combate aos crimes contra os direitos humanos na internet, e
ensinar e capacitar sobre formas seguras de usar a internet. O
seu âmbito de ação é mais amplo do que o tráfico de seres
humanos, no entanto, nos últimos anos tem concentrado parte
da sua ação nesta área.
Resultados
Entre Abril de 2010 e março de 2012 foram identificados 987
principais
sites de tráfico, em particular falsas agências de modelos e de
casamento, que promovem o tráfico.
Pontos
fortes
e Os pontos fortes são a intervenção numa área crítica, num
vulnerabilidades
contexto em que a Internet é crescentemente utilizada pelos
traficantes como método de recrutamento de vítimas;
metodologias adequadas aos públicos-alvo, inovadoras e
apelativas, assumindo uma enorme preocupação didática;
prioridade de ações no domínio da prevenção, com a
prevenção do risco, envolvendo os professores, pais/
educadores. As vulnerabilidades desta prática são o leque
limitado de ligações internacionais, uma vez que a rede de
coordenação institucional é essencialmente nacional, embora
o tráfico de seres humanos seja um crime transnacional e os
aliciamentos são feitos a partir de vários pontos do mundo;
Inexistência de avaliação sistemática sobre a eficácia das ações
de prevenção e o seu real impacto sobre os utilizadores da
internet, o que não permite ajustar ou corrigir estratégias de
abordagem.
Avaliações
Não existe informação disponível
62
A SaferNet Brasil é uma ONG, fundada em 2005 por um grupo de especialistas em informática,
professores, investigadores e juristas, na sequência de um conjunto de ações que tiveram lugar
para combater a pornografia infantil na Internet brasileira.
Os seus objetivos gerais relacionam-se com o combate aos crimes contra os direitos humanos
na internet, e ensinar e capacitar sobre formas seguras de usar a internet. O seu âmbito de
ação é mais amplo do que o tráfico de seres humanos, no entanto, nos últimos anos tem
concentrado parte da sua ação nesta área, com dois tipos de intervenções fundamentais:
(i) Prevenção, através da criação e disponibilização de diferentes materiais didáticos,
dirigidos a professores, pais/ educadores, crianças e adolescentes, com o objetivo
de promover um uso seguro da internet:
 “Cartilha de Diálogo Virtual 2.0” e “Saferdic@as”, em que são apresentadas
situações recorrentes na internet e são apresentados conselhos práticos para
evitar os riscos e valorizar a cidadania e os direitos humanos no ciberespaço,
tendo particular atenção a utilização de métodos didáticos apelativos para as
crianças;
 “Guia de Uso Responsável da Internet”, que pretende estimular a construção de
um debate sobre o tema quer na sala de aula quer em meio familiar;
 “Navegar com Segurança”, em associação com a Childhood Brasil, que contém
recomendações para pais e educadores para prevenção do aliciamento sexual
online a pornografia infantil.
(ii) Investigação e identificação de sites sobre tráfico de seres humanos, sendo de referir
que entre Abril de 2010 e março de 2012 foram identificados 987 sites de tráfico,
em particular falsas agências de modelos e de casamento, que promovem o tráfico.
Neste contexto, para além de identificar os sites, a Safernet presta apoio técnico à
Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Tráfico Nacional e Internacional de
Pessoas no Brasil que foi criada no Senado Brasileiro em abril de 2011 e à Polícia
Federal.
Têm um site Safernet sobre crimes que recebe denúncias anónimas sobre diferentes tipos de
crime, entre os quais TSH.
63
Os pontos fortes desta prática são:
- Intervém numa área crítica, num contexto em que a Internet é crescentemente utilizada
pelos traficantes como método de recrutamento de vítimas;
- Metodologias adequadas aos públicos-alvo, inovadoras e apelativas, assumindo uma enorme
preocupação didática;
- Prioridade de ações no domínio da prevenção, com a prevenção do risco, envolvendo os
professores, pais/ educadores, e de forma muito prática promovendo um uso seguro da
internet, em vez da restrição do seu uso, que é pouco realista e contraproducente;
- Uma abordagem interdisciplinar, envolvendo quer informáticos, juristas, psicólogos,
professores e outros técnicos, o que permite uma maior adequação dos conteúdos aos
objetivos e público-alvo;
- Uma articulação e cooperação relevante com o Estado, quer a Policia Federal, quer o Senado,
demonstrando a relevância desta ação conjunta para a eficácia do combate ao tráfico e de
punição dos traficantes;
- Uma forte interligação entre a prevenção e a investigação sobre os traficantes, que permite
um melhor conhecimento dos métodos utilizados pelos traficantes, no aliciamento e
recrutamento via internet, o que permite garantir maior eficácia da prevenção, adequando e
adaptando os materiais preventivos a essas novas realidades, nomeadamente com recurso a
situações-tipo.
As vulnerabilidades desta prática são:
- Leque limitado de ligações internacionais, uma vez que a rede de coordenação institucional é
essencialmente nacional, embora o tráfico de seres humanos seja um crime transnacional e os
aliciamentos são feitos a partir de vários pontos do mundo;
- Inexistência de avaliação sistemática sobre a eficácia das ações de prevenção e o seu real
impacto sobre os utilizadores da internet, o que não permite ajustar ou corrigir estratégias de
abordagem;
- A informalidade na utilização dos materiais preventivos em contexto escolar, não existindo
uma inclusão desta temática nos conteúdos curriculares obrigatórios, deixando a utilização dos
seus conteúdos dependente do interesse particular dos professores.
64
É uma prática que revela sustentabilidade, bem alicerçada em parcerias com entidades oficiais
e tem um alto potencial de replicabilidade.
65
Prática 14 - Mercadoria Humana, Saúde em Português, Portugal
Nome da Prática
Mercadoria Humana
Entidade e forma Consulta
de recolha
de
elementos
http://mercadoriahumana.blogspot.pt/
online
e
troca
de
documentação com Saúde em Português
Descrição sumária
Sensibilizar a população local para a problemática do TSH,
recorrendo a materiais audiovisuais (cartazes e folhetos) e
manifestações artísticas marcantes do ponto de vista visual.
Resultados
Criação de um blog (www.mercadoriahumana.blogspot.com), a
principais
realização de diversas sessões públicas e conferências, uma
campanha de sensibilização nos transportes urbanos, assim
como spots de rádio local.
Pontos
fortes
vulnerabilidades
e
Os pontos fortes desta prática são a abordagem
inovadora, na mobilização da expressão artística (artes
plásticas e fotografia) para a transmissão da
mensagem da campanha, a que se soma uma
abordagem de “arte pública” fora dos locais habituais,
para melhor chegar ao cidadão comum, focagem no
âmbito de ação local, com maior impacto junto da
comunidade
do
significativo,
com
concelho;
um
impacto
número
imediato
elevado
de
expetadores/ visitantes das instalações/ ações do
projeto, o que demonstra um interesse pelo tipo de
ações encetadas. As vulnerabilidades desta prática são
a ausência de uma avaliação qualitativa do impacto
junto dos espetadores/ visitantes das iniciativas,
ausência de uma componente de ação posterior à
sensibilização, que permita à comunidade local intervir
ativamente no combate ao tráfico de seres humanos;
abordagem generalista da campanha e não adaptada à
66
realidade específica do tráfico na região de Coimbra,
uma vez que não foi precedida de uma investigação
sobre as caraterísticas do tráfico na região
Avaliações
Não existe avaliação de impacto, apenas de resultados
Projeto iniciado em abril de 2010, com um âmbito de ação local (na região de Coimbra) e tem
como objetivos essenciais sensibilizar a população local para a problemática do TSH,
recorrendo a materiais audiovisuais (cartazes e folhetos) e manifestações artísticas marcantes
do ponto de vista visual.
O projeto promoveu a criação de um blog (www.mercadoriahumana.blogspot.com), a
realização de diversas sessões públicas e conferências, uma campanha de sensibilização nos
transportes urbanos, assim como spots de rádio local.
Estas ações tiveram como público-alvo: Colaboradores de ONG; Associação de Imigrantes;
Estudantes 2.º, 3.º ciclo, secundário e ensino superior; docentes, educadores, auxiliares de
ação educativa e associações de pais e mães; funcionários e quadros de empresas (construção
civil, turismo, hotelaria, etc.); forças e serviços de segurança; sindicatos e associações
patronais; mulheres, crianças e imigrantes; técnicos de saúde e funcionários administrativos de
instituições de saúde, assistentes sociais e outros técnicos sociais, bem como o público em
geral.
A campanha pretendia ser um contributo para o Plano Nacional para a Igualdade – Cidadania e
Género e o Plano Nacional de Combate ao Tráfico de Seres Humanos e teve como atividades
principais: ações de sensibilização, exposições de fotografia e artes plásticas, uma peça de
teatro, a campanha de sensibilização e informação na rádio, transportes urbanos e produção
de material informativo e sensibilização multilingue.
A Peça de teatro foi realizada pela companhia de teatro Casa da Esquina. A partir do
original “If felt empty the heart went at first but it is alright now” de Lucy Kirkwood
realizaram-se adaptações dando origem à peça “Senti um vazio…” que teve 1631
espetadores.
67
As Ações de Sensibilização em Tráfico de Seres Humanos foram três, num total de 12
horas, em horário pós-laboral, direcionadas para públicos-alvo específicos para os
quais foram criados referenciais ajustados. Formaram 55 pessoas, nomeadamente
Estudantes Universitários, Estudantes do Ensino Básico, Docentes e educadores,
colaboradores e trabalhadores de ONG, técnicos de saúde, forças e serviços de
segurança, sindicatos e quadros de empresas.
A Exposição de fotografia (Instalação Fotográfica sobre TSH) de Pedro Medeiros, com
um portfólio inédito de 8 fotografias que retratasse o tema central do projeto.
Durante 5 meses, de 3 de Maio a 3 de Setembro, estes painéis estiveram colocados em
mais de 80 locais da cidade. Por sua vez, foram também distribuídos folhetos desta
instalação no decorrer de outras atividades de projeto, nomeadamente a sessão de
lançamento da campanha de tráfico de seres humanos, nos debates sobre tráfico de
seres humanos e nos locais onde esteve presente a exposição de artes plásticas e no
teatro. Estima-se que tenham visto a instalação mais de 15.000 pessoas. A partir
destas fotografias foi concebida uma Campanha nos Transportes urbanos, em três
autocarros durante 5 meses que se estima que foi vista por mais de trinta mil pessoas.
A Exposição de manequins (Mercadoria Humana | Exposição de Artes Plásticas sobre
o Tráfico de Seres Humanos com a Escola Universitária das Artes de Coimbra – ARCA
EUAC, com a caracterização de sete manequins, o périplo da exposição Mercadoria
Humana – Exposição de Artes Plásticas sobre o Tráfico de seres Humanos esteve em
16 locais, com mais de 5000 visitantes.
As vulnerabilidades desta prática são:
- Ausência de uma avaliação qualitativa do impacto junto dos espetadores/ visitantes
das iniciativas, não sendo suficiente a mera indicação do número de pessoas
abrangidos pela atividade;
- Ausência de uma componente de ação posterior à sensibilização, que permita à
comunidade local intervir ativamente no combate ao tráfico de seres humanos;
68
- Abordagem generalista da campanha e não adaptada à realidade específica do
tráfico na região de Coimbra, uma vez que não foi precedida de uma investigação
sobre as caraterísticas do tráfico na região;
- O impacto das ações de sensibilização dirigido a grupos alvo específicos foi limitado,
nomeadamente tendo em atenção que as ações de sensibilização pública tinha criado
uma apetência especial para ações deste tipo no concelho. Particularmente as ações
junto das escolas – estudantes do secundário e universitário – poderiam ter sido mais
reforçadas, para atingir um número mais significativo e com maior efeito
multiplicador.
- Não mobilização da comunidade alvo das ações de sensibilização (incluindo
universidades, escolas, empresas), de modo a diversificar fontes de financiamento,
suscetíveis de garantir sustentabilidade futura e a continuidade deste tipo de
intervenção para além do prazo de vigência do projeto, como parte integrante das
atividades da organização.
Os pontos fortes desta prática são:
- Abordagem inovadora, na mobilização da expressão artística (artes plásticas e
fotografia) para a transmissão da mensagem da campanha, a que se soma uma
abordagem de “arte pública” fora dos locais habituais, para melhor chegar ao cidadão
comum. Podem contudo, colocar-se algumas questões se funcionará para todo o tipo
de públicos;
- Focagem no âmbito de ação local, com maior impacto junto da comunidade do
concelho, embora as ações não tenham em conta as realidades específicas do tráfico;
- Impacto imediato significativo, com um número elevado de expetadores/ visitantes
das instalações/ ações do projeto, o que demonstra um interesse pelo tipo de ações
encetadas;
- As ações junto das escolas e jovens correspondem uma área prioritária em matéria
de prevenção;
69
- Forte rede de parcerias, com câmaras municipais, hospitais, centros de saúde,
escolas, universidades e empresas;
- Campanha articulada com o Plano Nacional de Combate ao TSH.
Tem potencial de replicabilidade em vários contextos e a sua sustentabilidade pode
ser reforçada. Tem elevada inovação na abordagem.
70
4.2.
PROTEÇÃO
Prática 15 - Aplicação do Artigo 18 do Decreto-lei 286/98 no Município de Veneza,
Itália
Nome da Prática
Aplicação do Artigo 18 do Decreto-lei 286/98 no Município de
Veneza
Entidade e forma Entrevistas com PARSEC (22/4/2010), OIM Itália (23/4/2010),
de recolha
Ministério de Igualdade de Oportunidades (23/4/2010) ,
Entrevista com técnico coordenador do Município de Veneza e
sua participação no workshop “Tráfico de Seres Humanos,
Estratégias Nacionais e Locais” com redação de paper
intitulado “Victim
Support
System
Developed by
the
Municipality of Venice” entregue em dezembro de 2010.
Descrição sumária
Sistema local de aplicação do Artigo 18, multi-agency e flexível,
de proteção e reintegração social da vítima, promovendo a sua
autonomia gradual e adaptando a estratégia de reintegração às
condições específicas da vítima, incluindo a sua cultura, tipo de
exploração, origem, situação psicológica, etc., com a
intervenção ativa de um mediador cultural e linguístico, com
formação especializada.
Resultados
Em 11 anos de funcionamento, apoio imediato e escrutínio de
principais
quase 2000 vítimas sinalizadas de tráfico; apoio legal e
cuidados de saúde a 741 pessoas; proteção de 343 pessoas no
Programa de Proteção Social e Reintegração; conclusão de 91
processos
criminais
relacionados
com
o
tráfico,
que
determinaram a condenação de 471 traficantes.
Pontos
fortes
e Os pontos fortes são uma abordagem que atribui prioridade
vulnerabilidades
aos direitos humanos da vítima, mas que consegue combinar
de forma eficaz a perspetiva da punição do crime e dos
traficantes; uma abordagem multi-agency e a capacidade
71
definir consensualmente uma estratégia e procedimentos
uniformes; o papel decisivo dos mediadores culturais e
linguísticos, com elevado nível de formação e experiência e
que partilham com a vítima as mesmas referências culturais,
com capacidade de comunicação direta; a flexibilidade do
tratamento de situações diferenciadas das vítimas na definição
de um plano individual de reintegração e na aplicação de
sistemas diferenciados de proteção. As vulnerabilidades são a
sua
aplicação
e
interpretação
através
de
circulares
administrativas, e que geram distorções e desvios face à letra
da lei, originando um gap significativo entre a lei e a sua
aplicação (law in books – law in action); risco de excesso de
poderes e de decisões arbitrárias por parte dos assistentes
sociais, que não resultam da lei mas sim do desenvolvimento
de práticas administrativas informais, que acabam por gerar
limitações nos direitos das vítimas, incluindo decisões
arbitrárias de retirada da autorização de residência, sem
controlo judicial.
Avaliações
Avaliado nacional e internacionalmente como boa prática
O Artigo 18 da Lei de Imigração, Decreto Legislativo nº 286/98, prevê a atribuição de
autorizações de residência para proteção social e permite a concessão destas autorizações com
base em critérios humanitários. Este artigo teve a sua origem na experiência acumulada no
combate contra a máfia e na luta contra a exploração sexual de mulheres. Baseia-se na lógica
de proteção dos direitos das vítimas e o seu elemento fundamental é o do que a colaboração
da vítima com as autoridades policiais e judiciais no âmbito do processo penal não é uma
condição obrigatória para acesso ao programa de reintegração social. Assim, qualquer vítima
de tráfico pode receber uma autorização especial de residência, por razões humanitárias, para
ingressar no programa de Assistência e Integração Social.
A estrutura desta disposição legal é binária, já que prevê dois processos distintos para
obtenção de autorização de residência: o primeiro é a vertente judicial e a segunda a vertente
social. Na vertente judicial, controlada pelo Ministério Público, implica que a vítima de tráfico
72
decida apresentar uma queixa e cooperar com a Polícia e o Ministério Público no processo
penal contra os traficantes. Na vertente social a vítima opta por não colaborar com a Polícia e o
Ministério Público na acusação, e entra num processo que é essencialmente coordenado por
um assistente social. Neste caso, apenas terá de ser elaborado um relatório pelos serviços
sociais que relata a situação de exploração da vítima às autoridades policiais. O Artigo 18 prevê
um programa com a duração de 12 a 18 meses durante o qual a vítima é orientada por um
mediador linguístico e cultural, com o objetivo de atingir a sua plena independência através da
obtenção de documentos de regularização da sua situação, aquisição da língua italiana, e
obtenção de um emprego que garanta a sua subsistência. O acesso a este programa não tem
como objetivo fundamental a obtenção de uma autorização de residência mas antes capacitar
a vítima para ser independente e autónoma e em situação legal. Assim, a Autorização de
Residência é apenas um instrumento e não o objetivo essencial do programa do Artigo 18.
A implementação deste programa apresenta diversas vulnerabilidades:
 A sua aplicação e interpretação através de circulares administrativas, e que geram
distorções e desvios face à letra da lei, originando um gap significativo entre a lei e a
sua aplicação (law in books – law in action);
 Sistema concebido para exploração sexual existindo dificuldade na aplicação ao tráfico
para exploração laboral, apesar das tentativas de adaptação através de circulares
administrativas;
 Risco de excesso de poderes e de decisões arbitrárias por parte dos assistentes sociais,
que não resultam da lei mas sim do desenvolvimento de práticas administrativas
informais, que acabam por gerar limitações nos direitos das vítimas, incluindo decisões
arbitrárias de retirada da autorização de residência, sem controlo judicial.
 Não existem linhas de orientação sobre os standards de formação a conceder às vítimas
que introduz grandes variações na qualidade e na prática de várias instituições. São
organizados cursos de formação específicos para as vítimas, o que tende a acentuar a
segregação e o isolamento das mesmas.
 A aplicação do Artigo 18 no território italiano não é uniforme, existindo grandes
variações regionais e locais na concretização do sistema. A sua aplicação é territorizada
e depende dos procuradores locais, e em algumas regiões de Itália não tem produzido
resultados consistentes, havendo uma grande disparidade entre diferentes regiões. Tal
comprova que a criação de uma lei em si só não é suficiente para fundamentar uma
73
boa prática, uma vez que a sua efetiva aplicação é uma fator decisivo para o seu
sucesso.
A aplicação pelo Município de Veneza constitui uma boa prática, perspetiva confirmada por
instituições públicas e privadas dentro e fora de Itália. O sistema local está estruturado a partir
de um sistema de sinalização local, desenvolvido na região de Veneto, que adota uma
abordagem de proteção de direitos humanos, baseadas numa rede multi-agency envolvendo
autoridades judiciais, polícias, operadores sociais e mediadores culturais e linguísticos. Foram
desenvolvidas metodologias para diferentes fases dos processos, acordadas e validadas por
todas as entidades e são uniformemente aplicadas. A estreita cooperação entre as várias
entidades é uma dos ingredientes que apoia a boa prática.
O segundo pilar é a intervenção do mediador cultural e linguístico, que trabalha integrado
numa equipa multidisciplinar e que é alguém proveniente do mesmo país das vítimas e que
conhece os seus códigos de comunicação e os seus referenciais culturais, permitindo uma
maior eficácia na proximidade na relação com a vítima. O mediador tem uma formação
especializada focada em questões de lei de imigração, legislação nacional e internacional sobre
direitos humanos e estratégias de relacionamento com as vítimas de tráfico, desde o primeiro
contacto. Esta formação permite-lhe trabalhar com as vítimas de tráfico, funcionando como o
grande facilitador da comunicação entre a vítima e as diferentes instituições, designadamente
a Polícia, relativamente à qual a vítima desenvolveu, por causa de experiências negativas com a
Polícia no país de origem ou de destino, um sentimento de desconfiança. Tem ainda o papel de
informar a vítima dos seus direitos. A equipa é composta por 18 mediadores e 25 pessoas mais
na estrutura do programa.
Outro aspeto fundamental é a boa articulação com o programa, ao abrigo do artigo 13º (da Lei
Anti-Tráfico 228/2003). O Município de Veneza tem uma rede de 11 centros de receção
protegidos e que desempenham o papel de primeiro mecanismo de proteção das vítimas que
aí podem ficar por um período de 3 meses, prorrogável por mais 3. Finalmente o programa de
Reintegração Social do Artigo 18º envolve formação profissional da vítima orientada para
obtenção de emprego. A vítima também recebe apoio para desencadear o processo civil para
receber indemnização pelos danos sofridos. O programa envolve formação na empresa, o que
permite o contacto com a realidade do mundo do trabalho, mas é também um mecanismo
74
importante de inclusão social da vítima. Existe um sistema flexível que se adapta a diferentes
condições das vítimas, pelo que o programa de reintegração pode decorrer em abrigos
protegidos ou de uma forma mais integrada na comunidade. O sistema está também pensado
para conceder uma autonomia progressiva à vítima, que é incentivada a ter uma atitude
proactiva de procura de emprego em vez de ser a estrutura a fazer essa procura.
Os pontos fortes da boa prática são:
- Uma abordagem que atribui prioridade aos direitos humanos da vítima, mas que
consegue combinar de forma eficaz a perspetiva da punição do crime e dos traficantes;
- Uma abordagem multi-agency e a capacidade definir consensualmente uma estratégia
e procedimentos uniformes;
- O papel decisivo dos mediadores culturais e linguísticos, com elevado nível de
formação e experiência e que partilham com a vítima as mesmas referências culturais,
com capacidade de comunicação direta;
- A flexibilidade do tratamento de situações diferenciadas das vítimas na definição de
um plano individual de reintegração e na aplicação de sistemas diferenciados de
proteção;
- Promoção da proatividade da vítima e da sua autonomia progressiva, evitando colocála numa posição passiva e dependente que não favoreça as perspetivas de integração
social;
- Procura ativa da inclusão social, através da formação profissional não segregada e de
programas de estágio em empresas, que contrariam o risco de estigmatização da
vítima;
- Envolvimento ativo do governo regional, que suporta 20% do financiamento do
programa.
Os fatores pessoais também desempenham um papel importante, tendo sido salientada a
abertura e o espírito de cooperação ativa do comandante da Polícia de Veneza.
Dos resultados obtidos ao longo de 11 anos, no Município de Veneza, foi possível:
- Conceder apoio imediato e fazer o escrutínio de quase 2000 vítimas sinalizadas de tráfico;
- Fornecer apoio legal e cuidados de saúde a 741 pessoas;
75
- Garantir a proteção de 343 pessoas no Programa de Proteção Social e Reintegração.
Destas 343, 50% colaboraram com as autoridades policiais no âmbito do processo penal, como
testemunhas, o que permitiu concluir 91 processos criminais relacionados com o tráfico, que
determinaram a condenação de 471 traficantes.
A prática tem sido consolidada e a sua aplicação durante 11 anos é um bom indicador de
sustentabilidade da mesma. Considera-se ainda que existe um elevado potencial de
replicabilidade. Relativamente à difusão, consideramos que a prática tem sido bem difundida,
no que respeita aos seus princípios fundamentais, para diferentes Estados Europeus,
influenciando a política anti-tráfico da Europa, e dando contributo significativo para a
Convenção de combate ao tráfico do Conselho da Europa.
76
Prática 16 - Posto Avançado de Atendimento Humanizado aos Migrantes do
Aeroporto de Guarulhos, São Paulo, Brasil
Nome da Prática
Posto Avançado de Atendimento Humanizado aos Migrantes
do Aeroporto de Guarulhos
Entidade e forma Entrevista a 11/11/2010 com responsável do Posto. Consulta
de recolha
de elementos online e troca de documentação
Descrição sumária
Posto de Atendimento Humanizado com o objetivo de acolher
todos os brasileiros deportados e não admitidos que chegam
pelo aeroporto de Guarulhos e assistir aqueles brasileiros
identificados
como
vítimas
de
tráfico
de
pessoas,
principalmente mulheres e transgenders, encaminhando-os â
rede de proteção social existente.
Resultados
No primeiro ano de funcionamento o Posto Avançado de
principais
Guarulhos atendeu 2088 pessoas, 1245 homens, 800 mulheres
e 41 transexuais, tendo sido sinalizadas 63 vítimas de tráfico.
Nos anos seguintes, as vítimas de tráfico sinalizadas
diminuíram – 33 em 2008, 31 em 2009 – voltando a aumentar
em 2010, com 67 vítimas sinalizadas.
Pontos
fortes
e Os pontos fortes da prática são o facto de ter passado de uma
vulnerabilidades
metodologia piloto de uma ONG para uma política pública,
com uma boa relação de cooperação entre a ONG e o governo
local e central; - Adoção de uma perspetiva de direitos
humanos, com prioridade no apoio à vítima e de uma procura
ativa de potenciais vítimas de tráfico, procurando evitar
estigmatização, através de uma prática de atendimento
humanizado e elevada replicabilidade, já concretizada no
Brasil, mas podendo ser disseminada a outros países da
América Latina.
As vulnerabilidades desta prática são as
dificuldades de coordenar e garantir o acompanhamento
adequado da vítima após o atendimento no Posto, por
incapacidade quantitativa e qualitativa de apoio por parte de
77
instituições brasileiras, sendo apenas um elo numa cadeia mais
longa de instituições e a curta duração do período de
atendimento prejudica, por vezes, a criação da necessária
relação de confiança entre vítima e equipa, e a possibilidade de
identificar mais vítimas.
Avaliações
Avaliação preliminar do primeiro ano, entre dezembro de 2006
e dezembro de 2007, publicado “Sistematização da Experiência
de Atendimento do Posto - Posto de Atendimento Humanizado
aos Migrantes, Ministério da Justiça/ UNODC, 2009.”
Em 2006 foi aberto o Posto de Atendimento Humanizado de Migrantes, dentro do aeroporto
de Guarulhos, coordenado por uma ONG, a ASBRAD (Associação Brasileira de Defesa da
Mulher, Infância e da Juventude), que pretendia “acolher todos os brasileiros deportados e não
admitidos que chegam pelo aeroporto de Guarulhos e assistir aqueles brasileiros identificados
como vítimas de tráfico de pessoas, principalmente mulheres e transgenders, encaminhandoos â rede de proteção social existente.”
Este Posto foi o primeiro Posto do seu género na América Latina, e nasceu da experiência do
atendimento voluntário de vítimas de tráfico de pessoas, iniciado desde 1999 pela ASBRAD. Na
sequência de um estudo de investigação em que estiveram envolvidos o Ministério da Justiça,
a UNODC e a OIT, foram detetados indícios de vítimas de tráfico entre brasileiros e brasileiras
que retornavam ao país através do aeroporto de Guarulhos na condição de deportados ou não
admitidos. Na sequência desde estudo e com o apoio financeira da CORDAID, organização
humanitária holandesa, foi lançado o projeto piloto, tendo em vista a identificação e apoio a
vítimas de tráfico.
Foi adotada uma abordagem de direitos humanos no apoio à vítima. Foi criada uma equipa
interdisciplinar, constituída por uma coordenadora, uma psicóloga, uma assistente social, um
cientista social, que procediam ao atendimento de brasileiros deportados na área restrita do
aeroporto. Os deportados são encaminhados pelos funcionários da companhia área para a
Policia Federal onde são abordados por elementos da equipa. O atendimento inicia-se com a
ajuda prestada ao preenchimento do impresso entregue pela Polícia Federal. Esta equipa atua
em local de acesso restrito e diferencia sequer das autoridades policiais quer de funcionários
78
do aeroporto através de uma camisa laranja com a frase “Conte comigo”, com indicação que se
trata de uma ONG. Não é utilizado um questionário escrito. O membro da equipa dialoga com
a potencial vítima. O atendimento é assim estruturado em três fases:
- Acolhimento
- Escuta aprofundada
- Encaminhamento.
Após o estabelecimento do vínculo de confiança, a vítima identificada explicita as suas
necessidades e em função dos seus objetivos é definido o encaminhamento possível. A vítima
poderá, caso concorde, ser encaminhada para uma casa de acolhimento, ser auxiliada no
regresso à sua cidade natal e participar em programas sociais. O acompanhamento após a
saída do aeroporto tende a defrontar-se com algumas dificuldades e depende da vontade da
vítima. Um dos problemas no acompanhamento das vítimas é a inexistência em número
suficiente de entidades capacitadas para receber a vítima e prestar-lhe o apoio adequado, quer
em termos psicológicos, quer em termos de reinserção social.
Relativamente aos emigrantes que partem, foram ensaiadas ações pontuais de sensibilização
para os riscos de tráfico. No entanto, esta ação de prevenção não tem caráter continuado e
acaba por constituir um aspeto marginal do trabalho do posto.
Em Março de 2010, este Posto passou a ser gerido pela Prefeitura de S. Paulo, após
capacitação realizada pela ASBRAD.
No primeiro ano de funcionamento o Posto Avançado de Guarulhos atendeu 2088 pessoas,
1245 homens, 800 mulheres e 41 transexuais, tendo sido sinalizadas 63 vítimas de tráfico. Nos
anos seguintes, as vítimas de tráfico sinalizadas diminuíram – 33 em 2008, 31 em 2009 –
voltando a aumentar em 2010, com 67 vítimas sinalizadas.
Relativamente ao tipo de pessoas atendidas, estas são deportadas ou não admitidas,
registando-se três situações distintas, no que respeita a vítimas de tráfico:
- Pessoas que foram identificadas como vítimas no país que as deportou;
- Pessoas que tendo denunciado a situação no país que as deportou não viram o seu estatuto
de vítima reconhecido;
79
- Pessoas que só revelam a sua situação de tráfico no momento de atendimento.
Esta prática foi objeto de uma avaliação preliminar do primeiro ano, entre dezembro de 2006 e
dezembro de 2007, publicado “Sistematização da Experiência de Atendimento do Posto - Posto
de Atendimento Humanizado aos Migrantes, Ministério da Justiça/ UNODC, 2009.”
A criação de Postos Avançados está prevista na “Ação 41”, do Programa Nacional de Segurança
Pública com Cidadania (Pronasci). O funcionamento desses Postos está regulamentado na
Portaria nº 31, de 20 de agosto de 2009.
Houve uma disseminação desta prática, através da criação de mais 11 postos avançados em
fonteiras terrestres, fluviais e aéreas no Brasil. Atualmente estão em funcionamento 12 postos:
1 Acre (terrestre); 1 Ceará (aéreo); 1 Pará (aéreo), 1 Rio de Janeiro (aéreo), 2 S. Paulo (aéreo e
rodoviário) e 6 no Amazonas (4 fluviais e 2 rodoviários).
As vulnerabilidades desta prática são:
- Dificuldades de coordenar e garantir o acompanhamento adequado da vítima após o
atendimento no Posto, por incapacidade quantitativa e qualitativa de apoio por parte de
instituições brasileiras, sendo apenas um elo numa cadeia mais longa de instituições;
- A mudança de gestão de ONG para instituição do governo local implicou uma redução da
qualidade da resposta e a manutenção dos padrões de atendimento, em resultado quer da
menor proatividade do posto, quer do menor à vontade da vítima no contacto com uma
instituição pública comparativamente à abordagem por uma ONG;
- A curta duração do período de atendimento prejudica, por vezes, a criação da necessária
relação de confiança entre vítima e equipa, e a possibilidade de identificar mais vítimas;
- Insuficiente capacidade institucional para lidar com o fluxo de passageiros do aeroporto
internacional. Um aspeto que começou a ser corrigido a partir de 2011 com o reforço da
equipa e o alargamento do número de horas de funcionamento para 24 horas;
- Número reduzido de vítimas de tráfico identificadas, relativamente ao número de
atendimentos, que no primeiro ano correspondem a 3% das pessoas deportadas atendidas e
5% no caso das mulheres, tendo-se agravado nos anos seguintes;
80
- A relativa marginalização da vertente prevenção relativamente aos emigrantes que saem do
país, sabendo-se da possibilidade de envolvimento de ex-vítimas no processo de sensibilização
de pessoas para os riscos do tráfico.
Os pontos fortes da prática são:
- A prática passou de uma metodologia piloto de uma ONG para uma política pública, com uma
boa relação de cooperação entre a ONG e o governo local e central;
- Adoção de uma perspetiva de direitos humanos, com prioridade no apoio à vítima e de uma
procura ativa de potenciais vítimas de tráfico, procurando evitar estigmatização, através de
uma prática de atendimento humanizado;
- Existência de um processo de avaliação, ainda que preliminar, com sistematização da prática
e publicação, sendo de garantir uma avaliação periódica;
- Considerada uma boa prática pela UNODC, que sugere a sua disseminação a outros países da
América Latina;
- Elevada replicabilidade, já concretizada no Brasil, mas podendo ser disseminada a outros
países da América Latina.
Para 2013 estão previstos mais oito postos avançados e para 2014 mais dois.
81
Prática 17 - Interlocutor único para a vítima, End Human Trafficking Now,
Associacion Libertá, Suíça
Nome da Prática
Interlocutor único para a vítima
Entidade e forma Entrevista a End the Trafficking Now/ Association Libertá
de recolha
(Suíça)
a
9/4/2010,
consulta
de
elementos
http://www.endhumantraffickingnow.com/
e
online
troca
de
documentação com organização
Descrição sumária
Sistema de interlocutor único para a vítima, com um técnico
com formação adequada, que acompanha a vítima desde o
início ao fim do processo. Uma das funções mais significativas é
articulação com a multiplicidade de serviços públicos (polícia,
segurança social, serviços imigração), cada um com os seus
procedimentos específicos, mas que exigem da vítima
prestação recorrente de testemunho e informação.
Resultados
Várias vítimas com interlocutor único
principais
Pontos
fortes
e Os pontos fortes desta prática são, o impedimento da
vulnerabilidades
revitimização, uma vez que a vítima não tem de recontar a sua
história e reviver a situação traumática por que passou como
vítima de tráfico; ajuda a vítima a ultrapassar barreiras
culturais e linguísticas no contacto com as diversas entidades;
e existe um técnico da ONG que conhece aprofundadamente o
processo da vítima, nas suas diversas vertentes e que faz o seu
acompanhamento do princípio ao fim do processo, o que
permite intervir de forma atempada na solução de pontos de
estrangulamento e minimizar as contradições existentes entre
diversos serviços públicos na abordagem da situação da vítima.
As vulnerabilidades desta prática são o risco de criação de uma
situação de dependência do técnico, que não promova a sua
autonomização, pelo que este apoio não deverá ser
prolongado para além de uma fase inicial, a limitação dos
82
efeitos pela não existência de um interlocutor único do lado do
Estado e exige um reforço da estrutura de recursos humanos, o
que nem sempre é viável para instituições com financiamentos
limitados.
Avaliações
Não existe informação disponível.
Na Association Libertá (ONG Suíça) foi instituído um sistema de interlocutor único para a
vítima, com um técnico com formação adequada, que acompanha a vítima desde o início ao
fim do processo. Uma das funções mais significativas é articulação com a multiplicidade de
serviços públicos (polícia, segurança social, serviços imigração), cada um com os seus
procedimentos específicos, mas que exigem da vítima prestação recorrente de testemunho e
informação. Esta dispersão de interlocutores, com diferentes exigências e procedimentos, cria
grande pressão psicológica sobre as vítimas, constituindo uma verdadeira causa de
revitimização. A vítima é acompanhada nestes contactos pela ONG que a apoia e ajuda a
eliminar o efeito de intimidação que o contacto com as autoridades cria a essa vítima.
Este interlocutor único adquire uma versão holística da situação da vítima, o que torna mais
eficaz a sua ação e procura induzir do lado das instituições públicas um esforço de maior
coordenação e simplificação de procedimentos.
Os pontos fortes desta prática são:
- A vítima não tem de recontar a sua história e reviver a situação traumática por que passou
como vítima de tráfico;
- Ajuda a vítima a ultrapassar barreiras culturais e linguísticas no contacto com as diversas
entidades;
- A existência de um técnico da ONG que conhece aprofundadamente o processo da vítima,
nas suas diversas vertentes e que faz o seu acompanhamento do princípio ao fim do processo,
o que permite intervir de forma atempada na solução de pontos de estrangulamento e
minimizar as contradições existentes entre diversos serviços públicos na abordagem da
situação da vítima.
83
As vulnerabilidades desta prática são:
- Risco de criação de uma situação de dependência do técnico, que não promova a sua
autonomização, pelo que este apoio não deverá ser prolongado para além de uma fase inicial;
- Os efeitos são limitados pela não existência de um interlocutor único do lado do Estado;
- Requer um reforço da estrutura de recursos humanos, o que nem sempre é viável para
instituições com financiamentos limitados.
A prática tem elevado potencial de replicabilidade, embora exija a existência de mediadores
culturais capacitados para fazer esse acompanhamento. A sustentabilidade da prática exige um
investimento nos recursos humanos da organização.
84
Prática 18 - Programa culturas e práticas não revitimizantes, Childhood, Brasil
Nome da Prática
Programa culturas e práticas não revitimizantes
Entidade e forma Entrevista a Childhood Brasil a 11/11/2010, consulta de
de recolha
elementos online http://www.childhood.org.br/ e troca de
documentação com organização
Descrição sumária
Conjunto de boas práticas para o testemunho em processos
judiciais de crianças e adolescentes vítimas de exploração
sexual
Resultados
Existiam no final de 2011, 43 salas especiais para depoimento,
principais
e estimando-se em 2012 o aumento desse número para cerca
de 70 salas, em todo o país
Pontos
fortes
e Os pontos fortes desta prática são a focagem numa questão
vulnerabilidades
que tende a ser marginalizada que é a revitimização das
vítimas pelo próprio sistema que deveria proteger as vítimas e
fazer valer os seus direitos; a adaptação do sistema a um tipo
específico de vítima, feito com base numa abordagem de
proteção dos direitos da vítima e da criança e adolescente; o
envolvimento de magistrados e promotores, tendo o seu papel
no sistema judicial, tem uma natureza estratégica para facilitar
a implementação e consolidação da prática; construção da
prática a partir de uma investigação alargada de boas práticas
internacionais,
o
que
conferiu
uma
base
sólida
à
implementação da mesma. As vulnerabilidades desta prática
são existência de alguma resistência institucional à adoção da
prática, por parte de juízes em tribunais, tendo em conta que a
difusão tem sido mais lenta e concentrada em certas regiões
do inicialmente seria de esperar; a formação do entrevistador
do depoimento especial não está devidamente formalizada e
tem uma natureza ad hoc, não se podendo considerar que a
intervenção de um psicólogo sem formação específica seja a
solução adequada, uma vez que estamos no âmbito de uma
85
inquirição judicial e não de uma sessão terapêutica; a adoção
da prática requere um investimento significativo inicial em
termos de equipamento, pelo que os constrangimentos
financeiros poderão impedir a sua criação em alguns tribunais
e a sua mais rápida difusão; a restrição desta prática a crianças
e adolescentes, podendo ser estendida a vítimas de tráfico
adultos e outras vítimas vulneráveis.
Avaliações
Não existe informação disponível
O Programa “Culturas e práticas não-revitimizantes: reflexão e socialização de metodologias
alternativas para inquirir crianças e adolescentes em processos judiciais”, realizado pela
Childhood Brasil e a Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores
Públicos da Infância e da Juventude (ABMP) é uma iniciativa que contou com o apoio da
Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) e do Conselho Nacional
dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Inspirado pelo projeto “Depoimento sem
dano”, que definiu um conjunto de boas práticas para o testemunho em processos judiciais de
crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual. Programa lançado em 2007 que
pretendia influenciar as políticas públicas, em que foi feito um estudo de mapeamento
mundial de práticas relacionadas com o depoimento de crianças e adolescentes em 28 países.
Isto resultou na publicação “Depoimento Sem Medo”.
Os seus objetivos de longo prazo são a redução da revitimização de crianças e adolescentes em
processos judiciais e o fomento de normas, políticas públicas e práticas sociais que
interrompam o ciclo de violência perpetrado contra crianças e adolescentes. Nesta
investigação sobre boas práticas não revitimizantes foram analisadas 25 experiências
internacionais, sendo as mais relevantes as da Europa, América do Sul e Ásia. Contudo, existem
vários desafios à sua implementação, nomeadamente: primeiro, nos países em que a
metodologia foi implantada nos tribunais, a sua utilização na produção antecipada de provas
ainda na fase policial; segundo, para todos os países, que a metodologia seja validada como
prova material suficiente e elimine a necessidade de depoimentos ao vivo para crianças e
adolescentes em outras fases do processo judicial. Um último desafio é representado por
86
registo, documentação, monitorização e avaliação dessas novas práticas de tomada especial de
depoimento de crianças e adolescentes.
Muito embora esta prática seja mais generalizada para casos de vítimas crianças e
adolescentes de violência sexual, a prática tem sido aplicada a casos de tráfico de crianças e
adolescentes.
O projeto tem como objetivo promover a alteração de políticas públicas e no âmbito das
práticas processuais, e na sequência dos simpósios realizadas em conjunto com o Conselho
Nacional de Justiça, esta instituição emitiu uma recomendação nº 33, de 23 de novembro de
2010, que sugere a criação nos tribunais de serviços especializados para audição de crianças e
adolescentes ou testemunhas de violência nos processos judiciais. A implementação desta
recomendação tem registado algum progresso, existindo no final de 2011, 43 salas especiais
para depoimento, e estimando-se em 2012 o aumento desse número para cerca de 70 salas,
em todo o país8. Foi também iniciada uma experiência inovadora com uma sala de depoimento
itinerante nas comarcas de Paraíba – o projeto “Justiça Pra te ouvir” – que permite um
conjunto significativo de tribunais que não dispõem de sala especial podere usar esta
metodologia. Importa referir também que a difusão da prática tem sido assimétrica, com uma
clara concentração na zona sul, em particular no estado de Rio Grande do Sul, onde a prática
se iniciou (em 2003) e menos noutras zonas do país.
Na comparação das 25 experiências internacionais, em 28 países, resultou a identificação de
dois sistemas principais: i) closed circuit of television (CCT), com o depoimento de criança e
adolescente pré-gravado e utilizado na audiência do julgamento; ii) método da Câmara Gesell,
em que a vítima é ouvida em sala especial, separada da sala de julgamento, durante a
audiência de julgamento. A recomendação do CNJ aponta para a adoção do método Câmara
Gesell, método que implica, para além de existência de uma sala adequada para o efeito,
confortável para a vítima, uma segunda caraterística essencial relacionada com o facto de o
interrogatório ser conduzido exclusivamente por um psicólogo, com formação prévia e um
dispositivo auditivo onde recebe as perguntas feitas e acompanhadas noutro local por juízes,
procuradores e advogados. Este técnico poderá fazer recurso a diferentes metodologias, mais
8
Fonte Childhood Brasil.
87
adequadas à criança, nomeadamente utilizando fantoches e desenhos, para de uma forma
natural despoletar o relato fluido da situação, evitando o modelo tradicional de interrogatório.
Esta intervenção dos psicólogos tem levantado alguma polémica, associada aos problemas
éticos suscitados pelo Conselho Federal de Psicologia que considera que o papel dos psicólogos
é o escutar as crianças mas não o de as inquirir judicialmente. O leque de técnicos com função
de inquirir as crianças tem sido ampliado, em parte como resultado da experiência norteamericana, em que os entrevistadores vêm de áreas diferentes, embora sejam todos sujeitos a
uma formação específica.
A formação dos entrevistadores é um aspeto essencial que a Childhood Brasil tem
desenvolvido, promovendo ações de formação sobre depoimento especial de crianças e
adolescentes, junto dos tribunais, orientadas para juízes, promotores, assistentes sociais,
conselhos tutelares, advogados, psicólogos, em conjunto com o Centro Nacional de Defesa da
Infância dos EUA. Esta formação específica é fundamental para o sucesso da prática tendo em
conta que muitas vezes os juízes e advogados não têm preparação para interrogar crianças.
Um dos desafios essenciais na intervenção do entrevistador é que este seja capaz de manter
uma postura neutra, de modo a não influenciar ou distorcer o depoimento da criança.
Este depoimento especial de crianças e adolescentes pretende evitar a vitimização secundária
das vítimas, quando contactam com o sistema penal, procurando diminuir o processo de
revivência do trauma. Com efeito, segundo a avaliação desta prática, a metodologia normal,
sem recurso ao depoimento especial, implica que as crianças tenham em média de
testemunhar sete/ oito vezes num processo judicial, o que gera sofrimento, intimidação e
contradição. A utilização desta prática permite efetivamente não só diminuir o trauma das
vítimas como também assegurar maior eficácia do depoimento, que decorre num ambiente de
segurança e numa situação confortável, que não tem o efeito intimidatório e stressante de
uma sala de audiência. Desta forma contribui, através de depoimentos mais rigorosos, para
decisões mais justas nos processos. Nos casos de tráfico de crianças e adolescentes a prática
permite evitar o contacto direto com os traficantes/ exploradores que cuja mera presença
física constitui devido à violência do processo a que estas crianças e adolescentes foram
expostas, fator de sofrimento e intimidação, para além do ascendente e eventual dependência
da criança em relação ao explorador poder perturbar de forma significativa o seu depoimento.
88
As vulnerabilidades desta prática são:
- Existência de alguma resistência institucional à adoção da prática, por parte de juízes em
tribunais, tendo em conta que a difusão tem sido mais lenta e concentrada em certas regiões
do que inicialmente seria de esperar;
- A formação do entrevistador do depoimento especial não está devidamente formalizada e
tem uma natureza ad hoc, não se podendo considerar que a intervenção de um psicólogo sem
formação específica seja a solução adequada, uma vez que estamos no âmbito de uma
inquirição judicial e não de uma sessão terapêutica;
- A adoção da prática requere um investimento significativo inicial em termos de equipamento,
pelo que os constrangimentos financeiros poderão impedir a sua criação em alguns tribunais e
a sua mais rápida difusão;
- A restrição desta prática a crianças e adolescentes, podendo ser estendida a vítimas de tráfico
adultos e outras vítimas vulneráveis.
Os pontos fortes desta prática são:
- A focagem numa questão que tende a ser marginalizada que é a revitimização das vítimas
pelo próprio sistema que deveria proteger as vítimas e fazer valer os seus direitos;
- A adaptação do sistema a um tipo específico de vítima, feito com base numa abordagem de
proteção dos direitos da vítima e da criança e adolescente;
- As parcerias entre as ONG e as associações de magistrados e promotores, criando uma rede
da sociedade civil que envolve também entidades públicas. O envolvimento de magistrados e
promotores, tendo o seu papel no sistema judicial, tem uma natureza estratégica para facilitar
a implementação e consolidação da prática;
- Construção da prática a partir de uma investigação alargada de boas práticas internacionais, o
que conferiu uma base sólida à implementação da mesma;
- Programa de influência de políticas públicas, que através da Resolução nº 33 do Conselho
Nacional de Justiça conseguiu que fosse recomendada a criação de salas para recolha de
depoimentos especiais nos tribunais. Recomendação que tem vindo a ser implementada
efetivamente com a criação de mais de 70 salas;
- Programa de intervenção integrado da Childhood, porque associa investigação, mudança de
políticas públicas e formação dos entrevistadores no âmbito da inquirição judicial.
89
A prática tem potencial de replicabilidade noutros contextos e tem revelado sustentabilidade,
sobretudo após a adoção de uma orientação genérica por parte do CNJ.
90
Prática 19 - Sistema de obrigatoriedade de apresentação das trabalhadoras
domésticas, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Áustria
Nome da Prática
Sistema
de
obrigatoriedade
de
apresentação
das
trabalhadoras domésticas
Entidade e forma Consulta de sites oficiais do Ministério dos Negócios
de recolha
Estrangeiros Austríaco, consulta de elementos online e troca
de documentação com organização
Descrição sumária
Sistema de obrigatoriedade de apresentação das trabalhadoras
domésticas por parte dos funcionários diplomáticos ao MNE
Resultados
Até final de 2010 tinham sido registados 237 trabalhadores
principais
domésticos e no período 2009/ 2010 foram detetados 7 casos
de violação de direitos dos trabalhadores, que configuravam
servidão doméstica.
Pontos
fortes
vulnerabilidades
e Os pontos fortes são o efeito dissuasor das apresentações
periódicas,
pessoais,
e
sem
acompanhamento,
dos
trabalhadores, que poderão denunciar situações de abuso aos
funcionários de protocolo do MNE; abordagem pragmática do
combate ao TSH, com a criação de procedimentos e Templates
para prevenção dos casos de tráfico, nomeadamente contratos
de trabalho, cartas de compromisso, plantas de casa, etc.; As
vulnerabilidades desta prática são o facto de o processo de
apresentações periódicas, no departamento de protocolo,
envolver um contato com uma autoridade, formal, que poderá,
em muitos casos, não ser propício a que as vítimas denunciem
uma situação de exploração ou abuso, por se sentirem
intimidadas e também pelas barreiras linguísticas e culturais e
limitação na formação dos funcionários de protocolo para
lidarem com vítimas de tráfico, nomeadamente formação
contínua, existindo um défice de articulação com ONG que
poderiam desemprenhar um papel relevante no contacto com
91
as vítimas; a ligação do estatuto de imigração do trabalhador
ao empregador reforça o grau de dependência da vítima,
facilita a exploração e torna mais difícil a denúncia de abusos.
Avaliações
Avaliação preliminar, no âmbito de um estudo comparativo de
seis países: Alemanha, Bélgica, França, Reino Unido, Suíça e
Áustria. Com base numa avaliação qualitativa, assente em
entrevista a vários atores intervenientes
No âmbito do Plano Nacional de Combate ao TSH, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da
Áustria (MNE) desenvolveu um sistema de prevenção da servidão doméstica por pessoal
diplomático a exercer funções no país.
O sistema iniciou-se em 2009 e tinha dois objetivos fundamentais: i) sensibilizar a comunidade
diplomática para a questão de TSH, no sentido de tornar clara que a servidão doméstica e as
suas práticas associados é uma forma de tráfico, ii) proteger os direitos dos trabalhadores
domésticos.
O sistema envolve um conjunto de regras que se aplicam quer ao trabalhador quer ao
empregador. Quanto ao trabalhador, este tem as seguintes obrigações:
- Registar-se no seu consulado na Áustria no momento da chegada;
- Apresentar-se, sozinho, no MNE, logo que chega ao país, para obter o cartão de identificação
especial (CIE);
- Apresentar-se, obrigatoriamente, pelo menos uma vez por ano, no departamento de
Protocolo do MNE, pessoalmente, para obter renovação do CIE.
No âmbito quer da apresentação inicial quer das subsequentes, os serviços de protocolo
informam os trabalhadores domésticos dos seus direitos e das regras sobre a prestação do
trabalho.
O empregador tem como obrigações:
- Requerer o visto para o trabalhador;
- Entregar uma cópia do contrato de trabalho, que tem de ser obrigatoriamente elaborado de
acordo com uma minuta definida pelo MNE;
92
- Entregar cópia da planta da casa, com identificação específica da zona onde o trabalhador
ficará alojado;
- Entregar cópia do contrato de arrendamento;
- Entregar cópia do seguro de viagem;
- Apresentação de comprovativos de pagamento de salários, necessariamente por
transferência bancária para uma conta aberta em nome do trabalhador em banco domiciliado
na Áustria. Não são admitidos pagamentos em dinheiro;
- Prova de pagamento de contribuições para a segurança social;
- Apresentação de uma declaração de compromisso, em que garante que irá respeitar a lei
laboral, fornecer alojamento, seguro de saúde, que assume o pagamento da viagem de
regresso após o fim de contrato e que não retirará o passaporte nem o CEI ao trabalhador.
O não cumprimento das obrigações por parte do empregador impede ou a atribuição de visto
ou a renovação do CEI do trabalhador.
No âmbito do sistema existe também uma colaboração estreita com as ONG, que
desempenham um triplo papel: (i) dão apoio e abrigo a eventuais vítimas de servidão
doméstica detetados, (ii) exercem autonomamente pressão para retirada de privilégios e
imunidades a diplomatas que tenham violado os direitos do trabalhador e (iii) denunciam
vítimas de tráfico.
Existe igualmente uma coordenação com as embaixadas austríacas noutros países e com ONG,
no sentido de recolha de informação sobre antecedentes de eventuais suspeitos de tráfico, e
de transmissão de informação sobre empregadores que tenham sido considerados suspeitos
ou comprovadamente exploradores na Áustria.
Este sistema produziu resultados concretos; até final de 2010 tinham sido registados 237
trabalhadores domésticos e no período 2009/ 2010 foram detetados 7 casos de violação de
direitos dos trabalhadores que configuravam servidão doméstica.
O sistema também tem sido gradualmente aperfeiçoado, o que demonstra que a prática tem
vindo a ser melhorada, como comprova, por exemplo, a introdução, em final de 2010 da
obrigação de abertura de uma conta para pagamento do salário.
93
Uma das principais dificuldades de reação a casos concretos de violações de direitos humanos
são as imunidades diplomáticas dos empregadores. Nesse sentido, foram desenvolvidas um
conjunto de medidas informais, que pretendem criar pressão para que o Estado de origem do
diplomata adote medidas. Por exemplo:
- Suscitar informalmente a questão com o embaixador ou diretor da organização internacional;
- Ameaça de retirada ou retira de privilégios e isenções unilaterais;
- Contactos informais com os serviços de protocolo do país de origem do empregador.
Em casos mais graves, é ponderada a possibilidade de declaração de persona non grata. Até ao
momento não existe a utilização desta via mais radical, embora num caso, passado na Áustria,
o MNE tenha exercido pressão junto do governo da diplomata, de forma reiterada, levou a que
o governo a retirasse um ano antes do final da sua comissão, o que tem sido interpretado
como um resultado equivalente à declaração de persona non grata, sem que tenha havido
declaração formal.
A prática ainda é recente, mas já foi sujeita a uma avaliação preliminar, no âmbito de um
estudo comparativo9 de seis países: Alemanha, Bélgica, França, Reino Unido, Suíça e Áustria.
Com base numa avaliação qualitativa, assente em entrevista a vários atores intervenientes,
foram identificadas algumas limitações das práticas desenvolvidas por estes seis países:
- O sistema de apresentação obrigatória uma vez por ano foi considerado insuficiente para
uma eficaz monitorização;
- Existência de barreiras linguísticas e dificuldades de comunicação entre os serviços de
protocolo e alguns trabalhadores domésticos;
- Insuficiência de formação dos funcionários de protocolo para a deteção de situações de
tráfico para servidão doméstica;
- O status do trabalhador está ligado ao empregador, não havendo liberdade de mudança de
empregador.
9
Angelika Kartusch, “Domestic Workers and Diplomats’ Households – Rights, violations and access to justice in
the context of diplomatic immunity”, German Institute for Human Rights, Junho de 2011.
94
As vulnerabilidades desta prática são:
- O processo de apresentações periódicas, no departamento de protocolo, envolve um contato
com uma autoridade formal que poderá, em muitos casos, não ser propício a que as vítimas
denunciem uma situação de exploração ou abuso, por se sentirem intimidadas e também pelas
barreiras linguísticas e culturais;
- Limitação na formação dos funcionários de protocolo para lidarem com vítimas de tráfico,
nomeadamente formação contínua, existindo um défice de articulação com ONG que
poderiam desemprenhar um papel relevante no contacto com as vítimas;
- A fiscalização não se pode esgotar nas apresentações e nos documentos. Também deve ser
exercida numa base meais regular, como em relação a outras vítimas. As denúncias têm de ser
investigadas pelas autoridades policiais, com o apoio do MNE, uma vez que estas desconhecem
a extensão e a diversidades de estatutos de imunidade diplomática;
- A ligação do estatuto de imigração do trabalhador ao empregador reforça o grau de
dependência da vítima, facilita a exploração e torna mais difícil a denúncia de abusos. O
sistema deverá ser flexibilizado e deverá ser permitida a mudança de empregador para outro
diplomata ou até para outro tipo de empregador, diminuindo essa pressão.
Os pontos fortes da prática são:
- O efeito dissuasor das apresentações periódicas, pessoais, e sem acompanhamento, dos
trabalhadores, que poderão denunciar situações de abuso aos funcionários de protocolo do
MNE;
- Maior consistência na ação preventiva, porque a mesma entidade que concede e revoga
autorizações de visto e de CEIs, faz o controlo da situação de cumprimento das obrigações por
parte do empregador;
- Há um know-how específico da entidade fiscalizadora sobre o meio em que intervém;
- Abordagem pragmática do combate ao TSH, com a criação de procedimentos e Templates
para prevenção dos casos de tráfico, nomeadamente contratos de trabalho, cartas de
compromisso, plantas de casa, etc.;
- Boa articulação com as ONG, embora com algumas deficiências em áreas específicas.
A prática tem elevado potencial de replicabilidade e sustentabilidade.
95
Prática 20 - Poppy Project, Eaves, Reino Unido
Nome da Prática
Poppy Project
Entidade e forma Entrevista com Stop the Traffik a 8/7/2010, consulta de
de recolha
elementos online http://www.eavesforwomen.org.uk/abouteaves/our-projects/the-poppy-project
e
troca
de
documentação com organização
Descrição sumária
Apoio a vítimas de tráfico, mulheres, fornecendo-lhes
alojamento, apoio social, jurídico, médico, aconselhamento,
formação e acesso à educação, ao mercado de trabalho, e
apoio financeiro, simultaneamente fazendo advocacy.
Resultados
Entre 2003 e 2011 o Poppy Project foi financiado pelo governo
principais
do Reino Unido e constituía o principal fornecedor de serviços
às vítimas de tráfico (mulheres adultas), do RU. Durante esta
fase, possuía vários abrigos num total de 54 camas a nível
nacional, para além de acordos com outras instituições que
pudessem garantir o alojamento de vítimas em condições de
segurança – hostels para sem abrigo, refúgios para vítimas de
violência doméstica, embaixadas, serviços de imigração e asilo,
OIM. A experiência positiva com o Poppy Project levou a que o
governo celebrasse acordos de serviços para vítimas, incluindo
alojamento, com 17 outras ONG, em vários pontos da
Inglaterra, adotando o mesmo modelo. A prática foi assim
objeto de disseminação no contexto do Reino Unido.
Pontos
fortes
e Os pontos fortes desta prática são o facto de ser uma prática
vulnerabilidades
de ONG que teve um impacte sistémico e desenvolveu o
modelo de apoio às vítimas de tráfico no Reino Unido;
promoção da articulação e cooperação entre os três setores no
apoio às vítimas de tráfico; formalização das relações com o
Estado com a definição de direitos e obrigações e níveis de
financiamento, de modo a garantir a sustentabilidade na
prestação de serviços às vítimas; reconhecimento da
96
heterogeneidade das vítimas e definição de modelos de Apoio
e intervenção adaptados às especificidades das vítimas;
Adoção de uma abordagem de direitos humanos na proteção
da vítima, e adoção de um modelo integrado da proteção –
curto, médio e longo prazo – intervindo simultaneamente na
área dos três Rs – reabilitação, reparação e reintegração. As
vulnerabilidades desta prática são elevada dependência de
financiamento público durante os primeiros 8 anos do Projeto,
o que criou um risco para a sustentabilidade do mesmo;
ausência de avaliação do impacto ao nível da reintegração das
vítimas; restrição às vítimas do sexo feminino, maiores de 16
anos, o que envolve discriminação das vítimas masculinas,
particularmente tendo em conta o seu peso no âmbito da
exploração laboral.
Avaliações
Não existe informação disponível
O Poppy Project http://www.eavesforwomen.org.uk/about-eaves/our-projects/the-poppyproject é um projeto da ONG Eaves10, criado em 2003, para fornecer apoio a vítimas de tráfico,
mulheres, fornecendo-lhes alojamento, apoio social, jurídico, médico, aconselhamento,
formação e acesso à educação, ao mercado de trabalho, e apoio financeiro, simultaneamente
fazendo advocacy. O seu âmbito de ação inicialmente estava restrito ao tráfico para exploração
sexual, mais foi-se gradualmente alargando, cobrindo os vários tipos de tráfico, primeiro para a
servidão doméstica e posteriormente para a exploração laboral, prática forçada de crimes, e
tráfico de órgãos. A prática revelou assim possuir elevada flexibilidade tendo evoluído para se
adaptar às novas circunstâncias, incorporando outros tipos de tráfico. Embora o apoio e
proteção às vítimas seja a sua área prioritária de intervenção, desenvolve ações em duas áreas
complementares, com relevância ao nível da prevenção: a sensibilização e a investigação.
Relativamente à primeira área o projeto desenvolve ações de sensibilização, e por isso recebe
várias sinalizações de vítimas, provenientes de instituições do terceiro setor, de empresas
privadas, via profissionais de direito e via linha de apoio 24 horas por dia (020 7735 2062).
10
Criada em 1977, inicialmente como refúgio de mulheres vítimas de violência.
97
O projeto desenvolve também investigação sobre o tráfico de mulheres e crianças, para
aumentar o nível de conhecimento do fenómeno. Por exemplo, o projeto desenvolvido com a
Metropolitan Police, com o objetivo de identificar as razões que levavam as mulheres vítimas
de tráfico a deixarem de colaborar com o processo judicial, durante o mesmo.
Entre 2003 e 201111 o Poppy Project foi financiado pelo governo do Reino Unido e constituía o
principal fornecedor de serviços às vítimas de tráfico (mulheres adultas), do RU. Durante esta
fase, possuía vários abrigos num total de 54 camas a nível nacional, para além de acordos com
outras instituições que pudessem garantir o alojamento de vítimas em condições de segurança
– hostels para sem abrigo, refúgios para vítimas de violência doméstica, embaixadas, serviços
de imigração e asilo, OIM. A experiência positiva com o Poppy Project levou a que o governo
celebrasse acordos de serviços para vítimas, incluindo alojamento, com 17 outras ONG, em
vários pontos da Inglaterra, adotando o mesmo modelo 12. A prática foi assim objeto de
disseminação no contexto do Reino Unido.
Contudo, este estatuto alterou-se a partir de julho de 2011, deixando de ter financiamento
público, uma vez que a responsabilidade e o correspondente financiamento foi transferido
para o Salvation Army. Assim, desde 2012, o Poppy Project é a principal entidade
independente no apoio a vítimas de tráfico de mulheres, possuindo um total de 14 camas.
Uma das alterações importantes que decorre deste novo estatuto é que o apoio prestado pelo
Poppy a vítimas não está dependente da cooperação destas com o processo judicial. A
transferência da competência e do financiamento do Poppy Project para o Salvation Army foi
considerado por várias ONG como um retrocesso, que implica a perda de parte do know-how
consolidado ao longo de 8 anos no apoio a vítimas, uma vez que o Salvation Army não tem
experiência na área específica de tráfico 13. A decisão governamental teve um impacto negativo
na própria sustentabilidade do projeto e na capacidade de resposta às vítimas, demonstrando
também que este estaria fortemente dependente de financiamento público, e que não
diversificou as suas fontes de financiamento.
11
Entre 2009 e 2011recebeu um total de 3.7 milhões de libras in House of Lords, Library Notes, 8-10-2010, for the
debate on human trafficking of 14-10-2010.
12
“Update to the UK Action Plan on Tackling Human Trafficking”, julho de 2008, Home Office and Scotish
Government.
13
GRETA, 2012, “Report concerning the implementation of the Council of Europe Convention on Action Against
Traffickimg in Human Beings by United Kingdom – First evaluation round”, Strasbourg, 12/9/2012.
98
O Poppy tem alguns serviços especializados para mulheres jovens – entre os 16 e os 24 anos;
para mulheres grávidas, mulheres com crianças no RU ou no estrangeiro, especialistas em
reunificação familiar, e mulheres em centros de detenção.
O Poppy tem ainda uma intervenção no âmbito do retorno assistido de vítimas ao país de
origem das vítimas, estabelecendo acordos com ONG desses países, de modo a garantir a
segurança e qualidade do retorno.
O trabalho do Poppy Project é desenvolvido com base numa rede institucional que envolve os
três setores, diversas instituições do estado, em particular a Metropolitan Police e o UK Border
Service, intervindo em operações policiais e assumindo responsabilidade de entrevista das
vítimas e tratamento da informação; com as empresas privadas, nos domínios da sensibilização
e da sinalização de vítimas; e do terceiro setor.
No âmbito de advocacy o Poppy participa numa coligação de nove ONG no Anti-Trafficking
Monitoring Group, com a Amnesty International UK, Anti-Slavery International, ECPAT UK, the
Helen Bamber Foundation, ILPA, Kalayaan, TARA e UNICEF UK.
Os pontos fortes desta prática são:
-
Uma prática de ONG que teve um impacte sistémico que desenvolveu o modelo de
apoio às vítimas de tráfico no Reino Unido;
-
Promoção da articulação e cooperação entre os três setores no apoio às vítimas de
tráfico;
-
Formalização das relações com o Estado com a definição de direitos e obrigações e
níveis de financiamento, de modo a garantir a sustentabilidade na prestação de
serviços às vítimas;
-
Intervenção no âmbito da proteção, está interligado com a vertente prevenção e
apoiada em investigação;
-
Elevado nível de flexibilidade e adaptabilidade à evolução do fenómeno do tráfico,
uma vez que apesar de manter o foco nas mulheres, diversificou os tipos de tráfico
abrangidos, não se limitando à exploração sexual;
99
-
Reconhecimento da heterogeneidade das vítimas e definição de modelos de Apoio e
intervenção adaptados às especificidades das vítimas, com particular atenção às
vítimas mais vulneráveis – mulheres jovens e em centros de detenção, gravidas,
com filhos menores, etc.;
-
Adoção de uma abordagem de direitos humanos na proteção da vítima, e adoção de
um modelo integrado da proteção – curto, médio e longo prazo – intervindo
simultaneamente na área dos três Rs – reabilitação, reparação e reintegração;
-
Atenção dedicada às parcerias transnacionais, nomeadamente com ONG nos países
de origem, para o sucesso do retorno assistido.
As vulnerabilidades desta prática são:
-
Elevada dependência de financiamento público durante os primeiros 8 anos do
Projeto, o que criou um risco para a sustentabilidade do mesmo;
-
Ausência de avaliação do impacto ao nível da reintegração das vítimas;
-
Restrição às vítimas do sexo feminino, maiores de 16 anos, o que envolve
discriminação das vítimas masculinas, particularmente tendo em conta o seu peso
no âmbito da exploração laboral;
-
Redução da capacidade de resposta às vítimas, em resultado da retirada do
financiamento público.
A prática teve um elevado nível de disseminação no Reino Unido, sendo referida como
uma boa prática a nível internacional. Possui elevado potencial de replicabilidade,
exceto no que se refere à questão do financiamento público.
100
4.3.
PUNIÇÃO
Prática 21 - Procuradores especializados em questões de TSH, Ministério Justiça,
Bélgica
Nome da Prática
Procuradores especializados em questões de TSH
Entidade e forma Governo Belga; entrevista com Sally Beeckman do PAG-ASA e
de recolha
Centro para a Igualdade de Oportunidades e o Combate ao
Racismo, a 3/12/2010, consultas de sites oficiais, consulta de
elementos online e troca de documentação com organização
Descrição sumária
A estrutura do sistema de justiça Belga criou a figura do
Procurador Especializado, em cada um dos 27 distritos
judiciais, o qual tem uma missão específica de combater o TSH,
nos domínios da exploração sexual e auxílio à imigração ilegal.
Resultados
Procurador Especializado, em cada um dos 27 distritos judiciais
principais
Pontos
fortes
e Os pontos fortes desta prática são a existência de Procuradores
vulnerabilidades
Especializados, que garantem um nível de conhecimento e de
capacidade para gerir um processo de investigação muito mais
elevado, e por conseguinte maior eficácia na identificação e
proteção das vítimas; a existência de uma rede local de
entidades públicas e privadas envolvidas no combate ao
tráfico, e o papel de liderança desempenhado pelo Procurador
reforça a coordenação e eficácia da ação das autoridades no
combate ao tráfico; a boa relação dos Procuradores
Especializados com as ONG permite criar um capital de
confiança, fundamental para garantir a proteção e a
reabilitação da vítima. As vulnerabilidades desta prática são a
focalização do sistema nas vítimas de tráfico transnacional,
havendo dificuldades de identificação de vítimas de tráfico
101
interno; a atribuição de compensação às vítimas, um aspeto
essencial do seu direito à reparação, tem grandes limitações,
sendo raras as decisões judiciais nesse sentido, o que sugere
que não tem sido uma prioridade da ação dos procuradores
especializados.
Avaliações
Não existe informação disponível
O combate ao TSH é uma das prioridades do Procurador-Geral Federal, que facilita o fluxo e
troca de informação entre os procuradores públicos, os magistrados e as autoridades policiais.
A estrutura do sistema de justiça Belga criou a figura do Procurador Especializado, em cada um
dos 27 distritos judiciais, o qual tem uma missão específica de combater o TSH, nos domínios
da exploração sexual e auxílio à imigração ilegal. Os procuradores recebem formação do
Ministério da Justiça.
Este Procurador Especializado tem poderes amplos e preside a um Conselho Coordenador que
funciona ao nível local das agências governamentais que intervêm no combate ao tráfico.
Realizam-se reuniões regulares, com a participação dos atores relevantes, selecionados pelo
Procurador, o qual estabelece também a agenda da reunião. Estas reuniões permitem uma
troca de informação detalhada quer sobre casos concretos de tráfico, designadamente em
investigação, quer sobre aspetos mais gerais relacionados com as tendências e a evolução do
fenómeno.
O Procurador Especializado tem uma função extremamente relevante pois é este que atribui o
estatuto de vítima de tráfico. Existe um bom relacionamento e cooperação estreita quer com
as ONG especializadas no apoio às vítimas de tráfico, quer com outras estruturas da sociedade
civil e autoridades policiais.
Esta rede de Procuradores Especializados é apoiada por duas estruturas centrais, que articulam
os diferentes intervenientes e contribuem ativamente para a troca de informação e o reforço
da formação contínua dos Procuradores Especializados.
A primeira relaciona-se com a ação do Procurador-Geral de Liége, que tem uma competência
específica em matéria de TSH, sobre todo o território nacional, e coordena um Grupo de
102
Peritos, provenientes de diferentes áreas do governo e da sociedade civil, que elaboram e
difundem know-how sobre o TSH e os resultados da implementação das políticas públicas.
A segunda relaciona-se com o Conselho de Procuradores-Gerais, que desempenha um papel
fundamental ao estruturar a rede dos procuradores especializados e promover o fluxo de
informação, sistematizando a jurisprudência e casos relevantes sobre tráfico, úteis para o
reforço da formação dos procuradores especializados, informação essa que é disseminada via
intranet.
As vulnerabilidades desta prática são:
- O sistema é muito focado nas vítimas de tráfico transnacional, havendo dificuldades de
identificação de vítimas de tráfico interno;
- A atribuição de compensação às vítimas, um aspeto essencial do seu direito à reparação, tem
grandes limitações, sendo raras as decisões judiciais nesse sentido, o que sugere que não tem
sido uma prioridade da ação dos procuradores especializados;
- Inexistência de resposta em casos em que a vítima não vê o seu estatuto confirmado pelo
Procurador, por insuficiência de prova, e não têm acesso ao regime legal de proteção da vítima
de tráfico, ficando numa situação de desproteção;
- A atribuição de estatuto de vítima, da autorização de residência permanente e medidas de
proteção continuadas exige na prática a cooperação da vítima com o sistema judicial no
processo penal.
Os pontos fortes desta prática são:
- A existência de Procuradores Especializados, que garante um nível de conhecimento e de
capacidade para gerir um processo de investigação muito mais elevado, e por conseguinte
maior eficácia na identificação e proteção das vítimas;
- A existência de uma rede local de entidades públicas e privadas envolvidas no combate ao
tráfico, e o papel de liderança desempenhado pelo Procurador reforça a coordenação e
eficácia da ação das autoridades no combate ao tráfico;
- A boa relação dos Procuradores Especializados com as ONG permite criar um capital de
confiança, fundamental para garantir a proteção e a reabilitação da vítima;
- A existência de uma formação contínua dos Procuradores Especializados e a dinamização da
rede entre os 27 distritos pelo Conselho dos Procuradores Gerais garante um impacto
103
sistémico e uma standardização de práticas, designadamente através da difusão da
jurisprudência relevante sobre o tráfico.
A prática revela sustentabilidade e é passível de réplica em vários contextos geográficos.
104
Prática 22 - Joint Investigation Teams/ Equipas de investigação conjuntas, França e
Roménia
Nome da Prática
Joint Investigation Teams/ Equipas de investigação conjuntas
– França e Roménia
Entidade e forma Entrevista a 24/6/2010 com OCRTEH, consulta de elementos
de recolha
online e troca de documentação com organização
Descrição sumária
A França celebrou em junho de 2010 um Acordo Quadro com a
Roménia para o estabelecimento de Joint Investigation Teams
(JIT) relativos ao TSH. Esta prática está formalizada ao nível da
UE nos termos do Artigo 13º da Convenção sobre Assistência
Mútua em Matéria Criminal, de 29/5/2000 e no Council
Framework Decision on JIT de 13/6/2002.
Resultados
A França celebrou 7 acordos bilaterais no âmbito de criação de
principais
mecanismos de cooperação bilateral, e desenvolveu 21
operações, 12 sobre criminalidade organizada e 9 sobre
terrorismo, no âmbito dos JIT.
Pontos
fortes
vulnerabilidades
e Os pontos fortes desta prática são a simplificação dos
procedimentos,
agilizando
o
processo
de
investigação
transnacional; a maximização dos efeitos sistémicos de maior
cooperação entre as autoridades policiais e judiciais de
diferentes Estados; adequação à natureza transnacional do
fenómeno de tráfico. As vulnerabilidades desta prática são as
maiores dificuldades na aplicação à cooperação com países
terceiros, de onde são proveniente um número significativo de
vítimas; o sucesso depende de experiência consolidada
anterior em outras áreas de criminalidade organizada e
relações de confiança estabelecidas; existe um certo
desequilíbrio na densidade entre a cooperação policial e a
judicial, já que a cooperação entre autoridades policiais tende
a ser mais fácil, designadamente porque existe uma maior
tradição e experiência acumulada nesse tipo de cooperação,
105
do que entre autoridades judiciais, sendo necessário para que
o sistema funcione uma eficácia simultânea nos dois domínios.
Avaliações
Não existe informação disponível
A França celebrou em junho de 2010 um Acordo Quadro com a Roménia para o
estabelecimento de Joint Investigation Teams (JIT) relativos ao TSH. Esta prática está
formalizada ao nível da UE nos termos do Artigo 13º da Convenção sobre Assistência Mútua
em Matéria Criminal, de 29/5/2000 e no Council Framework Decision on JIT de 13/6/2002.
Existe também um “Guide to the EU State’s Legislation on Joint Investigation Teams”
produzido pela Eurojust e Europol e um Manual que o complementa, de 2011, publicado em
22 línguas.
Por outro lado teve por base a prática de cooperação e operações conjuntas entre França e
Espanha relativamente ao tráfico de droga. Resulta assim que a experiência acumulada de
outras áreas de criminalidade organizada, foi transferida para a área do combate ao tráfico de
seres humanos.
A operação das equipas das investigações conjuntas desenvolve-se em duas fases:
- Acordo Quadro celebrado pelos dois Ministérios da Justiça, de França e Roménia em 2007;
- Protocolo de investigação conjunta sobre caso específico celebrado entre dois magistrados
dos dois países, relativo ao caso de tráfico de seres humanos, em junho de 2010.
A França celebrou 7 acordos bilaterais14 no âmbito de criação de mecanismos de cooperação
bilateral, e desenvolveu 21 operações, 12 sobre criminalidade organizada e 9 sobre terrorismo,
no âmbito dos JIT.
No âmbito do tráfico de seres humanos, a JIT de junho de 2010 foi a primeira realizada sobre
um caso de tráfico de seres humanos.
Esta prática apresenta diversas vantagens:
- Troca direta de informações em tempo real;
14
Com a Espanha (2003), Alemanha (2006), Eslovénia (2007), Roménia (207), Holanda (2008), Bélgica (2008) e
Bulgária (2008).
106
- Condução de investigação em conjunto pelas polícias dos dois países, existindo equipas
mistas a operar em cada país, o que permite coordenar a informação privilegiada de que cada
uma dispõe;
- Possibilidade de utilização automática da prova obtida em país estrangeiro no processo a
decorrer em França;
- Maior rapidez do processo judicial e eficácia na condenação de traficantes.
Na sequência da experiência acumulada existe um projeto para reforçar a cooperação entre as
duas partes na apreensão de bens adquiridos na Roménia, com os lucros do tráfico feito em
França, repartindo os fundos entre os dois países. A maior eficácia na apreensão dos
resultados do tráfico pretende estrangular financeiramente as redes e reduzir o incentivo para
a prática do crime.
Os pontos fortes desta prática são:
- Simplificação dos procedimentos, agilizando o processo de investigação transnacional;
- Maximização dos efeitos sistémicos de maior cooperação entre as autoridades policiais e
judiciais de diferentes Estados;
- Adequação à natureza transnacional do fenómeno de tráfico;
- Troca de informação em tempo real, permite maior eficácia na obtenção de provas;
- Regras claras de constituição e gestão das equipas JIT.
As vulnerabilidades desta prática são:
- Maiores dificuldades na aplicação à cooperação com países terceiros, de onde são
proveniente um número significativo de vítimas;
- O sucesso depende de experiência consolidada anterior em outras áreas de criminalidade
organizada e relações de confiança estabelecidas;
- Existe um certo desequilíbrio na densidade entre a cooperação policial e a judicial, já que a
cooperação entre autoridades policiais tende a ser mais fácil, designadamente porque existe
uma maior tradição e experiência acumulada nesse tipo de cooperação do que entre
autoridades judiciais, sendo necessário para que o sistema funcione uma eficácia simultânea
nos dois domínios;
- O enfoque da prática é maioritariamente centrado na punição dos traficantes e a articulação
com os aspetos de prevenção e proteção da vítima é limitado;
107
- Inexistência de uma avaliação sistemática, reconhecida numa reunião de balanço da
Presidência Belga15, pois embora se considere ser uma boa prática potencial, se considera ser
cedo para uma avaliação mais aprofundada.
A prática é sustentável e é replicável em vários contextos geográficos, situando-se o maior
desafio na aplicação prática do modelo definido em termos comunitários.
15
Realizada a 2/12/2010.
108
Prática 23 - Unidade Especial Anti-tráfico, Grécia
Nome da Prática
Unidade Especial Anti-tráfico
Entidade e forma Entrevista a Unidade Especial Anti-tráfico grega a 27/4/2010,
de recolha
consulta de elementos online e troca de documentação com
organização
Descrição sumária
Em 2001, a Polícia Nacional Grega, reconhecendo que o
combate ao TSH requer uma abordagem conjunta e multinível
cria uma Task Force para o Combate ao TSH (OKEA) liderada
pelo diretor nacional da Polícia, envolvendo ONG, a OIM,
universitários, ministérios, e chefias da polícia. A prioridade
atribuída a esta questão traduziu-se na decisão de criar uma
serviço especializado de combate ao TSH (Act 3064/2002) que
permitiu, numa base experimental, o início de operações de
um serviço piloto anti-tráfico a nível central e regional, em
novembro de 2003. No âmbito do serviço foram criadas 14
Unidades
Anti-tráfico,
com
pessoal
com
formação
especializada e que começaram a operar nas principais cidades
gregas, apoiando os departamentos de polícia locais.
Resultados
Desmantelamento de 17 das 22 redes de crime organizado
principais
identificadas
Pontos
fortes
e Os pontos fortes desta prática são o facto de a Unidade
vulnerabilidades
Especializada permitir criar um elevado nível de know-how no
seio da polícia e uma capacidade de análise de tendências de
evolução do fenómeno, o qual pode ser difundido não só para
outros departamentos dentro da instituição, mas também para
fora da instituição através da formação de diferentes atores;
definição de um nível de prioridade do combate de tráfico e da
Unidade numa posição hierárquica elevada na estrutura da
instituição policial em resultado do envolvimento direto do
Diretor Nacional na fase de génese; recursos humanos
altamente qualificados provenientes de diferentes áreas de
109
formação com elevado nível de motivação e especial
preparação para lidar com as vítimas, designadamente com
capacidade para comunicar diretamente com vítimas de
diferentes nacionalidades; adoção de uma abordagem de
parceria ativa com todos os atores envolvidos no combate ao
TSH e proteção das vítimas, em especial as ONG, criando uma
rede de confiança e um sistema eficiente de referenciação de
vítimas. As vulnerabilidades desta prática são o facto de a
consolidação da prática estar muito dependente da liderança
do
diretor,
não
estando
ainda
suficientemente
institucionalizada; a intervenção da Unidade é centrada no
tráfico para exploração sexual, havendo um défice de
investigação e adequação da prática a outros tipos de tráfico,
nomeadamente
tráfico
para
exploração
laboral;
a
informalidade da relação com os parceiros, embora positiva
numa fase de construção de confiança, pode ser um obstáculo
à consolidação da prática e de um sistema de proteção e apoio
à vítima encarado de uma perspetiva de dever do Estado.
Avaliações
Não existe informação disponível
Em 2001, a Polícia Nacional Grega, reconhecendo que o combate ao TSH requer uma
abordagem conjunta e multinível cria uma Task Force para o Combate ao TSH (OKEA) liderada
pelo diretor nacional da Polícia, envolvendo ONG, a OIM, universitários, ministérios, e chefias
da polícia. A prioridade atribuída a esta questão traduziu-se na decisão de criar uma serviço
especializado de combate ao TSH (Act 3064/2002) que permitiu, numa base experimental, o
início de operações de um serviço piloto anti-tráfico a nível central e regional, em novembro de
2003. No âmbito do serviço foram criadas 14 Unidades Anti-tráfico, com pessoal com formação
especializada e que começaram a operar nas principais cidades gregas, apoiando os
departamentos de polícia locais. A nível nacional, os comandantes dos vários departamentos
da polícia reúnem diariamente na sede nacional para troca de informação e coordenação sobre
casos relevantes.
110
Outra orientação estratégica é a cooperação com as ONG e os profissionais de apoio às
vítimas, em especial no que se refere ao sistema de proteção de vítimas, definida numa
circular interna da polícia, que foi enviada a todas as esquadras do país. Também inclui a
difusão de material, em 13 línguas, sobre os direitos das vítimas.
Em 2006, após a avaliação dos resultados, o Diretor Nacional da Polícia transfere a jurisdição
da unidade Anti-tráfico para a Subdivisão de Combate ao Crime Organizado e de Combate ao
TSH, com dois departamentos, em Atenas (com competência nacional e transnacional) e outra
em Tessalónica. As outras 12 unidades estão localizadas em 12 cidades identificadas com
tendo nível de risco mais elevado. O total de agentes envolvidos é de cerca de 115: 50 em
Atenas, 15 em Tessalónica, e entre 3 a 4 nas unidades locais.
A Unidade de Atenas além da investigação nacional e transnacional, tem competência de
recolha e análise de dados relativos a crime organizado e apoio aos agentes especializados.
O Diretor desta Unidade Anti-Tráfico, com uma longa experiência na Interpol e no combate ao
crime organizado, recrutou agentes jovens, com elevado nível de escolaridade (universitária),
que são selecionados diretamente pelo diretor, atendendo não só às suas qualificações, que
inclui capacidade de falar diversas línguas, em especial a de grupos de vítimas mais frequentes,
e um nível de motivação relativamente à área de combate ao TSH. Esta Unidade especializada
organiza formação de três tipos:
- Formação para os comandantes das unidades anti-tráfico, sobre novas tendências de tráfico,
que resultaram da investigação, e análise de casos específicos;
- Formação para comandantes da polícia de fronteira e serviço de estrangeiros, sobre a
sinalização das vítimas;
- Formação de responsáveis por outros setores da polícia, nomeadamente polícia de rua.
Esta formação é uma formação regular e contínua. As academias de polícia incluem as
questões de tráfico a todos os níveis de educação.
Para além desta formação, a Unidade Especial participa na formação de outros atores,
designadamente ONG, técnicos de serviço social, profissionais de saúde, estudantes,
professores, procuradores e juízes.
111
As questões de tráfico não são tratadas pela generalidade dos polícias, sendo os polícias
encorajados a contactar as Unidades especializadas para reportar e obter orientações sobre
casos de tráfico. Em geral a polícia local contacta a Unidade Anti-Tráfico descentralizada. Esta
por sua vez decide se se trata de uma caso isolado ou de um caso complexo, sendo que se se
tratar de um caso de grande dimensão é feito um contacto com a Unidade de Atenas para
poderá enviar uma equipa para apoiar a investigação ou poderá mesmo chamar a si a
condução do caso.
Em termos de cooperação internacional a Unidade coopera ativamente com a UE, a ONU,
Interpol, Europol e a Iniciativa de Cooperação do Sudeste Europeu. Foram desenvolvidas várias
operações conjuntas. Participam também a nível europeu no ILAEIRA, com 21 países europeus,
onde se inclui Portugal, um plano de repressão e combate à exploração sexual de mulheres e
crianças.
A Unidade especial desenvolveu a sua capacidade de investigação das redes de tráfico e de
recolha direta de prova, quer através de escutas telefónicas, quer através de agentes
infiltrados, que obtêm elementos de prova fundamentais para a condenação, reduzindo a
dependência que até então existia do testemunho das vítimas como único meio de prova. Esta
mudança permitiu aumentar a eficácia na condenação dos traficantes e também teve efeitos
positivos no plano da relação deste com as vítimas, na medida em que o nível de violência
diminuiu como consequência do aumento do risco de condenação. Por outro lado reduziu a
pressão sobre as vítimas e o risco de revitimização enquanto testemunhas nos processos
judiciais.
Houve uma segunda alteração na estratégia de combate ao tráfico, na medida em que a
Unidade especial reforçou a sua ação de investigação autónoma das redes de tráfico, mesmo
sem terem sido sinalizadas vítimas em concreto, procurando, numa lógica preventiva e
proactiva, desmantelá-las. Assim a Unidade passou a ter uma lógica mais proactiva e menos
reativa, de investigação e condenação dos traficantes, apenas quando são detetadas vítimas.
112
Com alguma frequência são organizadas operações especiais para deteção de vítimas de
tráfico (“trafficking nights”) com operações de fiscalizações em clubes noturnos, bordeis, e de
pessoas em zonas tradicionais de prostituição.
A Unidade especial desenvolveu uma relação de cooperação e confiança com as ONG
envolvidas no combate ao tráfico e assistência às vítimas, com uma dupla lógica: i) por um
lado, esta relação de proximidade permite à polícia aumentar as fontes de informação e de
intelligence, e ii) por outro, garantir maior eficácia na proteção das vítimas que são enviadas
para os abrigos geridos pelas ONG. A Unidade especial definiu três níveis de proteção da
vítima:
- Envio para um abrigo de ONG;
- Proteção especial com envio para uma outra cidade, com acompanhamento da Unidade Antitráfico local;
- Nos casos de maior perigo, a vítima é integrada no programa de Proteção de testemunhas.
Os testemunhos das ONG são bastante positivos sobre o papel desta unidade, considerando
que a Unidade tem uma função importante, não apenas na punição dos traficantes mas
também na proteção das vítimas, que é uma das preocupações permanentes da Unidade.
Embora não haja um manual de procedimentos oficial para lidar com vítimas de tráfico, existe
um documento confidencial e informal, acessível apenas às autoridades policiais, denominado
“Memorando de Ações e Boas Práticas para lidar com casos de TSH”, em cuja elaboração a
Unidade tem um papel fundamental.
Os pontos fortes desta prática são:
- A Unidade Especializada permite criar um elevado nível de know-how no seio da polícia e
uma capacidade de análise de tendências de evolução do fenómeno, o qual pode ser difundido
não só para outros departamentos dentro da instituição, mas também para fora da instituição
através da formação de diferentes atores;
- Definição de um nível de prioridade do combate de tráfico e da Unidade numa posição
hierárquica elevada na estrutura da instituição policial em resultado do envolvimento direto do
Diretor Nacional na fase de génese;
113
- Recursos humanos altamente qualificados provenientes de diferentes áreas de formação com
elevado nível de motivação e especial preparação para lidar com as vítimas, designadamente
com capacidade para comunicar diretamente com vítimas de diferentes nacionalidades;
- Adoção de uma abordagem de parceria ativa com todos os atores envolvidos no combate ao
TSH e proteção das vítimas, em especial as ONG, criando uma rede de confiança e um sistema
eficiente de referenciação de vítimas;
- Uma boa articulação e equilíbrio entre a perspetiva da punição dos traficantes e da proteção
da vítima, atribuindo claramente elevada prioridade à proteção da vítima, com comprova o
facto de a vítima, logo que identificada, ser imediatamente retirada sem esperar pela
conclusão do processo de investigação;
- Utilização de diversos meios de recolha de prova, retirando a pressão sobre a vítima para
testemunhar contra os traficantes;
- Estrutura descentralizada, em pontos estratégicos do país, com maior risco de tráfico, mas
com boa coordenação central;
- Criação de uma prática, com base num período experimental sujeito a avaliação e adaptação
da prática, com vista a torná-la mais eficaz.
As vulnerabilidades desta prática são:
- Consolidação da prática está muito dependente da liderança do diretor, não estando ainda
suficientemente institucionalizada;
- A intervenção da Unidade é centrada no tráfico para exploração sexual, existindo um défice
de investigação e adequação da prática a outros tipos de tráfico, nomeadamente tráfico para
exploração laboral;
- A informalidade da relação com os parceiros, embora positiva numa fase de construção de
confiança, pode ser um obstáculo à consolidação da prática e de um sistema de proteção e
apoio à vítima encarado de uma perspetiva de dever do Estado;
- Incapacidade de a prática de se adaptar ao contexto mais desfavorável do país, em que há
redução de atividades por parte das ONG por problemas de financiamento e em que há
desinvestimento por parte do Estado.
A prática tem potencialidade de réplica em vários contextos e partes do mundo e releva
sustentabilidade, com aplicação por mais de uma década.
114
4.4.
PARCERIAS
Prática 24 - Núcleo de Enfrentamento do Tráfico de Seres Humanos, São Paulo,
Brasil
Nome da Prática
Núcleo de Enfrentamento do Tráfico de Seres Humanos
Entidade e forma Entrevista com o Núcleo de Enfrentamento do Tráfico de Seres
de recolha
Humanos de São Paulo a 8/11/2010, consulta de elementos
online e troca de documentação com organização
Descrição sumária
Os Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP)
foram criados como parte integrante do I Plano Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, cabendo aos Núcleos a
prevenção ao tráfico de pessoas; responsabilização de seus
autores; e atenção às vítimas. Uma importante função dos
Núcleos é articular, estruturar e consolidar, a partir dos
serviços e redes existentes, uma rede estadual de referência e
atendimento às vítimas do tráfico de pessoas.
Resultados
Esta prática foi objeto de disseminação, numa primeira fase a
principais
nível nacional, no Brasil, sendo que existiam 5 núcleos em 2010
e atualmente existem 15 núcleos em vários pontos do país. A
experiência positiva com o núcleo de São Paulo levou a que
esta prática fosse incorporada no I Plano Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, cuja vigência se iniciou
em 2008, terminando em 2010. Por outro lado, a UNODC tem
acompanhado a implementação da prática e procedeu uma
avaliação preliminar tendo considerado tratar-se de uma boa
prática, que poderá ser replicada noutros países da América
Latina, a começar pelo Paraguai
Pontos
fortes
e Os pontos fortes desta prática são a adoção de uma
vulnerabilidades
abordagem multistakeholder, e de reforço da cooperação
entre diferentes atores intervenientes no processo; trabalho
direto sobre os obstáculos à cooperação interinstitucional,
115
procurando minimizar esses obstáculos; enfoque pragmático
na solução de casos concretos de tráfico e com uma
capacidade de resposta rápida e flexível, mobilizando todos os
intervenientes. As vulnerabilidades desta prática são a
ausência do envolvimento do setor privado no NETP reduz a
eficácia de ações de prevenção e deteção de casos em matéria
de tráfico para exploração laboral e risco de institucionalização
excessiva do NETP, que prejudique o desenvolvimento de
relações pessoais e canais informais essenciais para melhorar a
cooperação entre os diferentes atores no combate ao tráfico.
Avaliações
A experiência do NETP de SP foi avaliada pelo governo
brasileiro, pelo governo federal, assim como por organizações
internacionais, UNODC e OIT
Os Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP) foram criados como parte
integrante do I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, cabendo aos Núcleos a
prevenção ao tráfico de pessoas; responsabilização de seus autores; e atenção às vítimas. Uma
importante função dos Núcleos é articular, estruturar e consolidar, a partir dos serviços e redes
existentes, uma rede estadual de referência e atendimento às vítimas do tráfico de pessoas.
Um dos processos informais, precursores da criação dos Núcleos, foi a criação do Comité de
Enfrentamento do Tráfico de Pessoas (CETP), em São Paulo, em 2002/2003, tendo sido
formalizado posteriormente. O NETP constitui o braço operacional do CETP que reúne cerca de
40 instituições envolvidas nos três eixos: prevenção, repressão e responsabilização e atenção
integral às vítimas. Inclui assim diversos ministérios, todas as polícias, juízes federais,
procuradores, ONG, profissionais saúde, profissionais de educação e desenvolvimento,
instituições religiosas.
Os objetivos do núcleo são diversos e implicam uma abordagem holística do fenómeno do
tráfico:
- Em primeiro lugar, a partilha de informação sobre tráfico de pessoas, de forma a melhor
caraterizar as tendências de evolução do fenómeno a partir das experiências das diferentes
instituições.
116
- Em segundo lugar, quebrar as barreiras institucionais e identificar os pontos de
estrangulamento através do reforço de laços informais, pretende-se criar canais mais eficazes
de cooperação, promover o diálogo sobre os procedimentos institucionais e as diferenças de
cada uma das instituições envolvidas e identificar pontos de estrangulamento em cada
instituição.
- Em terceiro lugar, a gestão de uma linha de denúncia telefónica, que funciona 24 horas por
dia.
- Em quarto lugar, analisar, em conjunto, os casos concretos de tráfico, referenciados e
procurar encontrar soluções para os mesmos, com especial prioridade ao apoio às vítimas.
- Em quinto lugar, desenvolvimento de ações de prevenção junto das populações mais
vulneráveis, por exemplo as mulheres indígenas, promovendo o envolvimento das Promotoras
Legais Populares. A prevenção específica, junto de populações de maior risco em situação de
vulnerabilidade, tem sido uma das prioridades da ação do NETP, com o desenvolvimento de
campanhas adequadas à realidade das populações indígenas, negras, crianças, ou em eventos
ou locais específicos, como no Carnaval, em escolas de samba e outros.
O Comité reúne uma vez por mês, para debater questões de política e estratégia, e o Núcleo
garante a atividade permanente e a gestão de casos de vítimas. O estado de São Paulo criou
comités descentralizados em 12 municípios do estado, com o objetivo de replicar a boa prática
do núcleo estadual. Através da Portaria SNJ nº 31 de agosto de 2009, os NETP foram
formalizados e as suas competências definidas.
Esta prática foi objeto de disseminação, numa primeira fase a nível nacional, no Brasil, sendo
que existiam 5 núcleos em 2010 e atualmente existem 15 núcleos em vários pontos do país. A
experiência positiva com o núcleo de São Paulo levou a que esta prática fosse incorporada no
I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, cuja vigência se iniciou em 2008,
terminando em 2010. Por outro lado, a UNODC tem acompanhado a implementação da prática
e procedeu uma avaliação preliminar tendo considerado tratar-se de uma boa prática, que
poderá ser replicada noutros países da América Latina, a começar pelo Paraguai 16.
16
Entrevista UNODC Brasil a 9/11/2010.
117
A experiência do NETP de SP foi avaliada pelo governo brasileiro, pelo governo federal, assim
como por organizações internacionais, UNODC e OIT17.
As vulnerabilidades desta prática são:
- A ausência do envolvimento do setor privado no NETP reduz a eficácia de ações de prevenção
e deteção de casos em matéria de tráfico para exploração laboral;
- Risco de institucionalização excessiva do NETP, que prejudique o desenvolvimento de
relações pessoais e canais informais essenciais para melhorar a cooperação entre os diferentes
atores no combate ao tráfico;
- Dificuldades de financiamentos das atividades do NETP, o que diminui a sua eficácia em
termos de gestão diária;
- Deficiente articulação com instituições que não estão diretamente envolvidas no NETP;
- Inexistência de um plano de formação regular dos intervenientes, sobretudo formação de
equipas especializadas para apoio e proteção das vítimas.
Os pontos fortes desta prática são:
- Adoção de uma abordagem multistakeholder, e de reforço da cooperação entre diferentes
atores intervenientes no processo, apesar do relativo insucesso do envolvimento do setor
privado;
- Trabalho direto sobre os obstáculos à cooperação interinstitucional, procurando minimizar
esses obstáculos;
- Enfoque pragmático na solução de casos concretos de tráfico e com uma capacidade de
resposta rápida e flexível, mobilizando todos os intervenientes;
- Visão holística, integrando os 4 Ps – prevenção, proteção, punição e parceria, e com uma
abordagem de direitos humanos;
- Uso de metodologias inovadoras e adequação dos instrumentos aos destinatários específicos.
A prática tem elevado potencial de replicabilidade e tem revelado sustentabilidade com
aplicação há quase uma década.
17
“Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil (2004-2011): Avaliações e sugestões de aprimoramento de
legislação e políticas públicas, OIT Brasil, 2012.
118
Prática 25 - UKHTC, Reino Unido
Nome da Prática
UKHTC
Entidade e forma Entrevista a 9/7/2010 com UKHTC, consulta de elementos
de recolha
online e troca de documentação com organização
Descrição sumária
É uma organização multi-agency cujo objetivo é ser ponto focal
de expertise sobre o tráfico de seres humanos e coordenar os
esforços de combate ao TSH no Reino Unido.
Resultados
O UKHTC envolve diferentes atores nomeadamente forças
principais
policiais, serviços de estrangeiros e fronteiras, finanças,
ministério público, Gangmasters Licensing Authority, ONG,
peritos independentes e outras instituições, coordenando o
esforço de todos no combate ao tráfico.
Pontos
fortes
vulnerabilidades
e Os
pontos
fortes
desta
prática
são
a
abordagem
multistakeholder, com envolvimento ativo e interação entre o
sector governamental, e o terceiro sector, com um
envolvimento menor do sector privado; abordagem integrada
das diferentes dimensões do tráfico – prevenção, proteção e
punição; prioridade atribuída à análise de informação,
produção de estatísticas fiáveis e análise e difusão de
intelligence sobre TSH; articulação entre a ação no plano
nacional e internacional, designadamente o desenvolvimento
de ações de sensibilização nos países de origem e trânsito das
vítimas. Os pontos de vulnerabilidade são as ligações com o
setor privado frágeis e pouca interligação com os sindicatos, o
que no contexto do aumento do tráfico para exploração laboral
cria limitações à eficácia da ação; ausência de uma visão
integrada do apoio à vítima. A questão da reintegração da
vítima não é parte integrante da estratégia de proteção da
vítima do UKHTC, uma vez que é uma questão da
responsabilidade do Ministério da Justiça, pelo que o apoio à
119
vítima tende a ser de curto prazo; a integração no SOCA,
embora permita um acesso a outros recursos, e reforçar a
perspetiva de combate aos traficantes ligados às redes de
crime organizado, reforça o peso da vertente securitária no
trabalho do UKHTC, criando maiores desafios na articulação
com a perspetiva de proteção da vítima. As ONG manifestam
reservas sobre essa integração.
Avaliações
Não existe informação disponível
O United Kingdom Human Trafficking Centre (UKHTC) http://www.soca.gov.uk/aboutsoca/about-the-ukhtc foi criado em 2007, como resultado da implementação da Convenção
do Conselho da Europa. Em 2010 foi integrada no Serious Organised Crime Agency (SOCA).
O seu objetivo essencial é o desenvolvimento da cooperação e do know-how sobre TSH. Assim
adota uma abordagem integrada, a dois níveis: por um lado, é uma agência multistakeholder,
envolvendo o setor governamental, não-governamental e intergovernamental, associando a
ação no Reino Unido e no plano internacional; por outro lado, articula as diferentes estratégias
para a prevenção, punição e proteção no combate ao TSH.
A sua ação desenvolve-se a diferentes níveis:
- Investigação - recolha de informação, análise e intelligence. Neste âmbito foi desenvolvido
uma base de dados em conjunto com a UK Border Agency e várias ONG. Neste domínio
pretende contribuir para o conhecimento local, nacional e internacional sobre tráfico de seres
humanos;
- Formação – desenvolvimento de kits de formação para diferentes públicos, incluindo os
profissionais de primeira linha – polícia, profissionais de saúde e educação.
- Promulgação e difusão de boas práticas e de intelligence.
- Proteção – melhoria dos standards de proteção e apoio às vítimas através do trabalho
conjunto com ONG e outros parceiros, com base numa abordagem de direitos humanos.
Funciona como um centro de recolha de informação para o National Referral Mechanism
(NRM) e analisa os casos de vítimas referenciadas e decisões adotadas.
- Prevenção – campanhas de sensibilização dirigidas quer a profissionais de primeira linha quer
campanhas específicas para potenciais vítimas.
120
O UKHTC envolve diferentes atores nomeadamente forças policiais, serviços de estrangeiros e
fronteiras, finanças, ministério público, Gangmasters Licensing Authority, ONG, peritos
independentes e outras instituições.
Estes diferentes atores estruturam o seu trabalho em grupos de trabalho:
- Prevention WG: participam as polícias, representantes governamentais, empresas e ONG,
coordenado pela Anti-Slavery International;
- Protection WG: participam os serviços de estrangeiros e fronteiras, estruturas do Serviço
nacional de Saúde, responsáveis de serviços de saúde e educação, ONG, coordenado pela
Crown Prosecution Services;
- Prosecution WG: a associação de Chefes de Polícia, Serviços de proteção de menores, GLA,
Serviço de estrangeiros e fronteiras, e British Transport Police.
Estes grupos partilham experiência, ideias e boas práticas e procuram contribuir para a
definição de estratégias de atuação para a inclusão das boas práticas que no Plano Nacional
quer a sua disseminação pelas diferentes instituições envolvidas.
Os pontos fortes desta prática são:
- Abordagem multistakeholder, com envolvimento ativo e interação entre o sector
governamental, e o terceiro sector, com um envolvimento menor do sector privado;
- Abordagem integrada das diferentes dimensões do tráfico – prevenção, proteção e punição –
embora a perceção seja que a integração no SOCA tenha reforçado o peso da perspetiva
punição e securitária;
- Prioridade atribuída à análise de informação, produção de estatísticas fiáveis e análise e
difusão de intelligence sobre TSH;
- Articulação entre a ação no plano nacional e internacional, designadamente o
desenvolvimento de ações de sensibilização nos países de origem e trânsito das vítimas;
- Formação dos profissionais de primeira linha, nomeadamente agentes de autoridade,
profissionais de saúde e educação, como parte integrante da estratégia de prevenção;
Os pontos de vulnerabilidade são:
121
- As ligações com o setor privado são ainda frágeis e há pouca interligação com os sindicatos, o
que no contexto do aumento do tráfico para exploração laboral cria limitações à eficácia da
ação;
- Ausência de uma visão integrada do apoio à vítima. A questão da reintegração da vítima não
é parte integrante da estratégia de proteção da vítima do UKHTC, uma vez que é uma questão
da responsabilidade do Ministério da Justiça, pelo que o apoio à vítima tende a ser de curto
prazo;
- A integração no SOCA, embora permita um acesso a outros recursos, e reforçar a perspetiva
de combate aos traficantes ligados às redes de crime organizado, reforça o peso da vertente
securitária no trabalho do UKHTC, criando maiores desafios na articulação com a perspetiva de
proteção da vítima. As ONG manifestam reservas sobre essa integração.
A prática tem elevado potencial de replicabilidade e revela sustentabilidade na sua aplicação.
122
Prática 26 - Projeto ACTES, Plataforma de ONG, França
Nome da Prática
Projeto ACTES, Plataforma de ONG França
Entidade e forma Entrevista a CCEM a 24/6/2010, Consulta de elementos online
de recolha
e troca de documentação com organização
Descrição sumária
O projeto, centrado sobre tráfico para exploração sexual de
mulheres, tinha três eixos principais: compreender o
fenómeno do tráfico nas suas diferentes dimensões; facilitar a
concertação e coordenação entre instituições, quer na região
quer numa perspetiva transnacional e acompanhamento e
apoio às vítimas.
Resultados
Foram apoiadas 39 vítimas, mulheres, das quais 9 foram
principais
reintegradas com sucesso no mercado de trabalho. Houve
ainda o retorno assistido de 3 vítimas.
Pontos
fortes
e Os pontos fortes desta prática são a priorização do trabalho de
vulnerabilidades
parceria e concertação institucional, procurando eliminar os
obstáculos, sendo assente numa rede regional com fortes
parcerias institucionais em termos de governo local e
ministérios; a cooperação ativa entre instituições nos países de
destino e de origem das vítimas, pelo que a parceria ao
envolver instituições de ambos os países, permite uma ação
mais eficaz atendendo à transnacionalidade do fenómeno do
tráfico; aposta na capacitação das ONG dos países de origem,
quer em termos de prevenção do tráfico, quer em termos de
proteção da vítima. As vulnerabilidades desta prática são o
foco na exploração sexual e de mulheres, não sendo aplicada a
outros tipos de tráfico e outros públicos; apesar de a rede ter
know-how especializado sobre tráfico, as vítimas são colocadas
em abrigos geridas por ONG não especializadas em apoio a
vítimas de tráfico; em relação à reintegração profissional das
vítimas o sucesso foi limitado, e não se reflete sobre as razões
explicativas deste facto.
123
Avaliações
Não existe informação disponível
O projeto ACTES (Action et Concertation contre le Trafic et l’Esclavage Sexuel)
http://www.aedh.org/agir/index.php?option=com_content&view=article&id=64&Itemid=49
foi desenvolvido pela ONG francesa Agir Ensemble pour les Droits de l’Homme, a partir de uma
experiência piloto iniciada em 2004, em parceria com outras ONG, l’Amicale du Nid-Rhône, a
Ordem de Advogados de Lyon, a Empresa de Inserção Envie-Rhône e a Empresa de formação
contínua ALPES. O projeto iniciou-se em 2005 financiado pelo Fundo Social Europeu –
Programa EQUAL –, Município de Lyon, Ministério de Justiça e Região Rhône-Alpes.
O projeto, centrado sobre tráfico para exploração sexual de mulheres, tinha três eixos
principais:
- Compreender o fenómeno do tráfico nas suas diferentes dimensões;
- Facilitar a concertação e coordenação entre instituições, quer na região quer numa
perspetiva transnacional;
- Acompanhamento e apoio às vítimas.
No âmbito da investigação e da compreensão do fenómeno, foram aplicados inquéritos às
vítimas e um segundo inquérito às instituições intervenientes no tráfico na região Rhône-Alpes.
Para elem disso foram realizadas missões aos quatro principais países de origem das vítimas:
Bulgária, Roménia, Moldávia e Ucrânia.
Relativamente à concertação entre instituições, esta teve duas dimensões. Em primeiro lugar,
no plano regional foi criado um Observatório de Tráfico de Mulheres na região Rhône-Alpes,
que é uma instância de concertação numa lógica multistakeholder, para cuja criação foi
necessária a colaboração ativa do Tribunal de Recurso de Lyon. Neste Observatório participam
o Ministério da Justiça, a Polícia via OCRTEH (Office Central pour la Répression de la Traite des
Etres Humains), a Polícia Judiciária, Brigada de Preservação Social, Magistrados, Delegação
Regional dos Direitos das Mulheres e da Igualdade, município de Lyon, DDASS, SRASS,
prefeitura, e diversas ONG.
Em segundo lugar, foram desenvolvidas parcerias entre os atores da região Rhône-Alpes com
os atores dos países da Europa de Leste de origem ou trânsito das vítimas, no âmbito das quais
124
foi promovida a cooperação envolvido a troca de boas práticas, a organização das missões aos
quatro países, envolvendo ações de investigação e prevenção, e também a coordenação para
os casos de retorno assistido de vítimas.
Relativamente ao apoio e proteção das vítimas, os diferentes parceiros assumiram
responsabilidade de acordo com as suas áreas de especialização: Amical du Nid deu
acolhimento e apoio social às vítimas; a ALPES formação profissional e formação em língua
francesa; a Ordem dos Advogados acompanhamento e aconselhamento jurídico; a Envie
Rhône na reinserção profissional e social das vítimas. Neste contexto foram apoiadas 39
vítimas, mulheres, das quais 9 foram reintegradas com sucesso no mercado de trabalho. Houve
ainda o retorno assistido de 3 vítimas, duas mulheres romenas e uma búlgara 18.
O projeto concluído em 2007 teve continuidade, através de uma nova parceria assinada entre
a ONG Agir Ensemble pour les Droits de l’Homme, com o Ministério da Justiça, a Prefeitura de
Rhône, l’Amicale du Nid-Rhône, a Ordem de Advogados de Lyon, le VIFF e a Cruz Vermelha,
com o objetivo de criar um dispositivo de acompanhamento das vítimas de tráfico que envolva
as dimensões sociais, jurídica, médica e psicológica na região de Rhône.
A 28 de maio de 2008 foi criada a plataforma de ONG Le Collectif « Ensemble contre la traite
des êtres humains» (http://www.contrelatraite.org/), em que participa a Agir Essemble, cuja
ação e inspirada na experiência do projeto ACTES. A Plataforma, de âmbito nacional, composta
por 25 ONG francesas, com intervenção nas questões de tráfico, tem quatro áreas de
intervenção principais: formação a públicos estratégicos: polícias, magistrados, atores sociais;
prevenção; proteção das vítimas; lobby e advocacy.
O aspeto inovador no âmbito da prevenção relaciona-se com o facto de ela não se restringir ao
contexto francês mas abranger também os países de origem das vítimas. Neste âmbito foram
desenvolvidas ações de sensibilização no Kosovo – junto das comunidades muçulmana, cristã e
ortodoxa, e na Geórgia, junto de comunidades rurais – 4 regiões, cerca de 60 aldeias em cada
18
Relatório final do projeto, Agir Ensemble pour les Droits de l’Homme “Rapport Final 2005-2007”, Dezembro
2007 in http://www.aedh.org/nouveau/documents/rapport_actes.pdf
125
região. Importa salientar que esta intervenção combina ações diretas com a população, com
ações de capacitação de ONG locais para a prevenção e o apoio às vítimas.
No que respeita à proteção das vítimas, ela é feita a dois níveis: direto, relativamente a vítimas
encontradas em território francês, sendo disponibilizado apoio médico, psicológico, abrigo e
formação profissional para reintegração na vida ativa; indireto, através do apoio prestado a
ONG que apoiam vítimas no país de origem, sendo de destacar o caso da Ucrânia, em que 4
centros de acompanhamento de vítimas em zonas rurais são apoiados por um dos membros da
rede Secours Catholique.
Os pontos fortes desta prática são:
- A priorização do trabalho de parceria e concertação institucional, procurando eliminar os
obstáculos, sendo assente numa rede regional com fortes parcerias institucionais em termos
de governo local e ministérios;
- Cooperação ativa entre instituições nos países de destino e de origem das vítimas, pelo que a
parceria ao envolver instituições de ambos os países, permite uma ação mais eficaz atendendo
à transnacionalidade do fenómeno do tráfico;
- Aposta na capacitação das ONG dos países de origem, quer em termos de prevenção do
tráfico, quer em termos de proteção da vítima;
- Parceria multistakeholder, encarada como sendo transversal aos vários setores da sociedade
e com um impacto positivo na articulação entre prevenção e proteção das vítimas, tendo
levado à criação de um Observatório do Tráfico de Mulheres;
- Envolvimento do setor privado, como parte integrante da rede de parcerias, permitindo
maior eficácia nos processos de formação profissional e reintegração social e profissional das
vítimas;
- Em termos de prevenção, há articulação da formação de públicos estratégicos com ações de
sensibilização para a população em geral, criando maior eficácia nas ações.
As vulnerabilidades desta prática são:
- A prática é centrada na exploração sexual e de mulheres, não sendo aplicada a outros tipos
de tráfico e outros públicos;
- Apesar de a rede ter know-how especializado sobre tráfico, as vítimas são colocadas em
abrigos geridas por ONG não especializadas em apoio a vítimas de tráfico;
126
- Em relação à reintegração profissional das vítimas o sucesso foi limitado, e não se reflete
sobre as razões explicativas deste facto;
- A perspetiva integrada entre os vários Ps que existia na fase inicial não teve continuidade na
segunda fase, pós 2007, que está essencialmente centrada na proteção à vítima, relegando
para segundo plano as dimensões da prevenção.
A prática revela sustentabilidade, tendo tido continuidade desde a sua implementação em
2005, parecendo existir um financiamento de financiadores públicos. A prática é passível de
réplica em vários contextos geográficos, embora exija uma experiência de colaboração regional
como pressuposto para o seu sucesso.
127
5. CONCLUSÕES:
Da recolha, seleção e análise das diferentes boas práticas em países e contexto distintos, foi
possível retirar um conjunto de conclusões que se estruturam em dois níveis:
a. Estado atual das boas práticas: suas limitações, pontos de convergência e
divergência e impacto;
b. Orientações estratégicas para boas práticas efetivas centradas na proteção dos
direitos humanos.
A. Estado atual das boas práticas: suas limitações, pontos de convergência e divergência e
impacto
1. O conceito de boa prática é usado de forma pouco rigorosa, coexistindo realidades
distintas de boas práticas consolidadas, práticas promissoras e projetos de boa prática
(prática “in books”), que em vários casos investigados são todas referidas como boas
práticas. Existe alguma confusão entre as boas práticas e práticas promissoras, estas
últimas ainda não consolidadas, com uma implementação limitada.
É necessário fazer uma distinção entre “boas práticas autónomas”, em que o elemento
de soft law é inovador e contribui para solucionar uma questão não regulada e as “boas
práticas dependentes”, em que a soft law surge associada à implementação e
desenvolvimento de um elemento de hard law (ex. lei). A implementação pelo
Município de Veneza do Artigo 18 é um bom exemplo de uma prática dependente, em
que a estratégia de implementação foi decisiva para a realização dos objetivos de
proteção da vítima, contrariamente ao que se passou noutras regiões de Itália, onde a
aplicação do mesmo instrumento de hard law não produziu efeitos semelhantes.
As boas práticas resultam de uma combinação entre elementos formais (ex. legislação,
códigos de conduta, declarações de princípios) e de elementos informais, construídos
128
ao longo do processo de aplicação, como é o caso das práticas administrativas, práticas
das ONG, redes informais não protocoladas. Isto sucede quer nas práticas
desenvolvidas pelas instituições governamentais quer pelas ONG.
2. As boas práticas tendem a ser fragmentadas, referem-se em regra apenas a uma das
dimensões, a um dos Ps, como se fossem compartimentos estanques, não adotando
uma abordagem holística capaz de responder aos desafios colocados pelas interligações
entre os diferentes Ps. Tal tende a diminuir o seu impacto sistémico e, em alguns casos,
podem mesmo ser produzidos efeitos disfuncionais e indesejáveis no âmbito de um
outro P que não é o foco da sua ação.
Por exemplo, a aposta na formação da polícia em termos de tráfico sendo positivo para
um reforço da capacidade de sinalização e ação policial mais eficaz de prevenção e na
punição dos traficantes, tende a gerar efeitos perversos no capítulo da proteção da
vítima quando a polícia é o interlocutor central no contacto com a vítima. Tal gera
desconfiança e receio por parte da vítima e a sua indisponibilidade para cooperar, que
agrava a possibilidade de não reconhecimento como vítima e de a colocar numa
situação de desproteção que pode fazer aumentar o risco de re-tráfico.
Existem também exemplos positivos de tentativa de articulação entre diferentes
dimensões. A política filipina de envolvimento de ex-vítimas na prevenção do tráfico
junto a candidatos à emigração, permite reforçar o processo de integração social das
vítimas e aumentar em simultâneo o nível de prevenção. A prática da End Human
Trafficking Now e a Associação Libertá na Suíça conjuga de forma eficaz a prevenção do
tráfico para exploração laboral, através da mobilização do sector privado e adoção de
códigos de conduta, e a proteção à vítima na medida em que cria condições favoráveis
para estas empresas promoverem a reintegração social de ex-vítimas através da oferta
de oportunidades de emprego.
3. As práticas relativas ao Partnership são as menos desenvolvidas, embora sejam
aquelas que possuem maior potencial de impacto sistémico. Uma das dificuldades
relaciona-se com a maior complexidade institucional envolvida na articulação de
instituições de diversos setores com diferentes culturas organizacionais, e que têm
129
muitas vezes perspetivas não coincidentes sobre o tráfico, designadamente entre uma
abordagem securitária e uma abordagem de direitos humanos.
Existem, no entanto, algumas experiências que devem ser observadas, embora não
consolidadas, de parcerias multissetoriais, como a do UK HTC, com grupos de trabalho
presididos por organizações dos diferentes setores.
No Brasil, os Núcleos de Enfrentamento regionais, englobando também entidades de
todos os setores, atuam simultaneamente na prevenção de crime de tráfico, na
proteção da vítima e na punição dos traficantes. Esta experiência comprova a elevada
correlação que existe entre parcerias ativas entre os três setores e a ação holística que
articula intervenção em diversos Ps.
Relativamente às parcerias o elo mais fraco continua a ser o setor empresarial, que tem
na maioria dos países um envolvimento marginal. No entanto, existem algumas práticas
de referência que envolvem este sector, como o Programa “Na Mão Certa” no Brasil ou
o “End Trafficking Now” na Suíça, que são passíveis de ser replicadas noutros contextos
e podem inspirar novas práticas com este setor.
4. As boas práticas relacionadas com a proteção às vítimas são as mais críticas do ponto
de vista de uma abordagem dos direitos humanos, mas tendem a ser desequilibradas,
focando-se apenas numa dimensão parcelar, não integrando os aspetos de longo prazo
designadamente a reintegração social das vítimas. Com efeito, na maioria das situações
analisadas há significativas limitações na articulação dos três Rs – reabilitação,
reintegração e reparação. A intervenção incide, na maioria dos casos, na reabilitação de
curto prazo e em especial em aspetos menos complexos como a garantia de
alojamento/ abrigo. A reintegração é marginal e a reparação inexistente.
Foi possível encontrar exceções a este processo, designadamente no âmbito da
experiência de implementação do Artigo 18 no Município de Veneza e do Poppy Project
no Reino Unido, em que existe uma boa articulação entre reabilitação e reintegração.
130
5. As boas práticas de Prevenção, Proteção e Punição, acabam por apresentar
vulnerabilidades e limitações na sua sustentabilidade e impacto, quando não
assentes em parcerias e redes de cooperação sólidas entre os três sectores. Estas
parcerias constituem uma dimensão horizontal que reforça as soluções específicas para
os objetivos definidos em cada um dos outros P.
A prática do Posto Humanizado de Guarulhos é um exemplo paradigmático de uma boa
prática na deteção de vítimas mas que acaba por ter limitações em termos de
resultados na proteção dessas vítimas, uma vez que não existe um sistema formal de
encaminhamento com ONG e/ou instituições de apoio governamental, após a saída da
vítima do espaço do aeroporto.
6. As boas práticas de implementação local tendem a apresentar resultados mais
substantivos e maior sustentabilidade, uma vez que é mais fácil consolidar redes antitráfico locais do que redes a nível nacional, com um duplo impacto positivo ao nível da
eficácia. Por um lado, a articulação é mais fácil porque se baseia em relações pessoais
de confiança e numa mobilização para resposta a problemas concretos que estão mais
próximos das comunidades. Por outro, o foco local permite adaptar melhor a prática às
especificidades do tráfico na região onde este se verifica (tipo de tráfico dominante,
perfil das vítimas, modus operandi dos traficantes, etc.).
Foram analisados diversos exemplos desta abordagem descentralizada, não só o
sistema de proteção à vítima em Veneza, o sistema de Procuradores especializados
locais na Bélgica, a experiência das Active Communities Against Trafficking no Reino
Unido ou o Projeto Mercadoria Humana em Portugal.
7. As boas práticas revelam um défice sistemático de avaliação, o que tende a reduzir o
número de verdadeiras boas práticas, fragilizando-as, uma vez que a ausência de
avaliação independente tem dois efeitos negativos: i) dificulta a sua disseminação,
porque não há evidência convincente, e ii) impede um processo de ajustamento
constante que permite melhorar a prática e adaptar a novas circunstâncias, impedindo
a sua cristalização no tempo.
131
Contudo, algumas das práticas analisadas procuraram resolver este problema incluindo
a avaliação no desenho da prática, como foi o caso do Programa “Na Mão Certa”, com a
autoavaliação das empresas da implementação do Pacto e a criação da entidade
certificadora independente por parte da Childhood Brasil; o caso do Posto Avançado
Humanizado de Guarulhos, em que o projeto piloto da ASBRAD foi sujeito a uma
avaliação e sistematização pela UNODC e OIT, antes da sua aplicação generalizada; e o
caso do Gangmasters Licensing Authority no Reino Unido, que inclui desde o início um
processo de avaliação regular e independente, realizado por duas universidades,
Liverpool e Sheffield.
8. O nível de partilha e disseminação das boas práticas é, regra geral, bastante limitado e
lento. No contexto europeu, tendo em conta o elevado nível de interação entre os
Estados Membros é surpreendente que o nível de disseminação de boas práticas de
alguns membros não seja mais elevado. Esta situação é explicada pela interação entre
três fatores fundamentais:
(i) resistências burocráticas à inovação;
(ii) deficiente nível de integração entre os três setores e o seu funcionamento em rede
o que, na ausência de um processo sistemático de troca de experiência e de
aprendizagem conjunta, torna muito mais difícil a adoção das boas práticas noutros
locais ou regiões;
(iii) défice de avaliação sistemática das práticas, o que dificulta o processo de adoção,
uma vez que não existe evidência suficiente sobre a eficácia e a validade da prática para
além do contexto em que ela foi gerada.
A lentidão e limitação da disseminação de boas práticas verifica-se tanto nas
instituições governamentais como nas ONG, o que constitui um dos aspetos mais
surpreendentes desta investigação.
Como exemplo, a prática do SaferNet originário do Brasil não foi disseminada na
Europa, designadamente em Portugal, apesar de todo o material do site estar em
português. Esta prática tem particular relevância para a prevenção do tráfico de
crianças e adolescentes.
132
No caso do Artigo 18 em Itália houve uma relativa disseminação da prática quer no
país, quer noutros países europeus, influenciando esses países e o Conselho da Europa,
com uma abordagem mais centrada nos direitos da vítima. Contudo, esta prática foi
implementada de forma diversa em diferentes regiões de Itália, com resultados muito
díspares. A boa prática identificada relacionada com a implementação no Município de
Veneza, e os diferentes ingredientes que explicam o seu sucesso, não teve a
disseminação que seria expectável.
B. Orientações estratégicas para boas práticas efetivas centradas na proteção dos direitos
humanos
A consolidação de verdadeiras boas práticas robustas, assentes numa abordagem de direitos
humanos e tendo como objetivo central a proteção, reintegração e valorização da vítima,
implica a adoção de um conjunto de princípios orientadores no desenho, implementação,
adaptação e réplica da prática.
1. Prioridade às práticas que potenciam interlinkages e que produzem efeitos
simultâneos nos diferentes Ps
A eficácia no combate ao tráfico e proteção das vítimas requer que se evite a
fragmentação, desarticulação e falta de coerência entre as diferentes ações,
ultrapassando a perspetiva ainda predominante que encara os diferentes Ps como
compartimentos estanques. Assim, existe a necessidade de haver uma coordenação
quer negativa quer, numa perspetiva mais ambiciosa, positiva.
No plano da coordenação negativa, cada prática mesmo quando centrada numa das
dimensões dos Ps tem necessariamente de antecipar o impacto sobre as restantes
dimensões, de modo a evitar efeitos laterais perversos. A preocupação é evitar
contradições, designadamente que a prática tenha efeito positivo numa dimensão e
efeito negativo noutra. Na coordenação positiva, pretende-se que a prática tenha
133
efeitos positivos cumulativos nas várias dimensões, garantindo assim uma coerência e
maximização do impacto.
As práticas deverão ter em conta a coordenação negativa, mas acima de tudo devem
ser desenvolvidas práticas que tenham em conta esta abordagem positiva, integrada e
que reflitam uma abordagem holística do combate ao tráfico de seres humanos.
2. Definição de indicadores objetivos de performance, que sustentem a avaliação
Uma das deficiências das práticas é a insuficiente ou inexistente avaliação e
monitorização sistemática da prática, pelo que esta é uma questão estratégica para
garantir não apenas a adequação da prática à realidade e a sua necessária adaptação às
alterações de circunstâncias, mas também para disseminação e réplica da prática que
tem de ser sustentada em provas sólidas da sua eficácia.
Contudo, uma vez que a boa prática é um processo em constante evolução e tem uma
natureza gradual, é necessário adotar indicadores objetivos e mensuráveis que
permitam avaliar a prática. A experiência do Comité sobre Direitos Económicos, Sociais
e Culturais relativamente à realização dos Direitos de Segunda Geração é um elemento
de referência, uma vez que promove a distinção entre indicadores estruturais, de
processo e de resultado, o que permite avaliar o cumprimento das obrigações dos
Estados na proteção dos direitos das vítimas e percecionar os obstáculos à
implementação da prática, que poderão ser formais e informais.
3. Promoção da cooperação entre os três setores
Esta promoção tem de ter em conta que as perspectivas são divergentes e que existem
relações quer de tensão quer de cooperação entre os três setores. A questão
fundamental relaciona-se com a capacidade de gerar convergência sobre alguns
aspetos centrais de modo a estimular a cooperação e coordenação para uma ação mais
eficaz.
134
O reconhecimento da natureza estratégica desta linha de orientação resulta do facto de
este fator institucional servir de suporte e condicionar a implementação e eficácia das
boas práticas nas suas diversas dimensões.
A análise comparativa das diferentes experiências revela que existe um conjunto de
medidas que podem contribuir de forma sustentável para níveis mais elevados de
cooperação e como catalisadoras de parcerias: (i) formação conjunta de recursos
humanos dos três setores; (ii) circulação de recursos humanos entre os três setores, por
períodos de tempo limitados, que permita um contacto direto com a ação de terreno e
criação de laços para a cooperação futura; (iii) criação de uma instituição
multistakeholder que permita troca de experiências e boas práticas, assim como de más
práticas, investigação e definição de planos de ação conjuntos; (iv) financiamentos
públicos, que podem definir como condição para a sua atribuição a dinamização de
redes e cooperação entre os três setores; (v) criação de brokers institucionais, por
exemplo associações de profissionais do Estado (juízes, procuradores, etc.) que atuando
enquanto membros de organizações da sociedade civil promovem um canal
institucional mais simplificado entre estas e o Estado.
4. Valorização e Inclusão Social das Vítimas como vetor central das boas práticas
O reforço de uma abordagem de direitos humanos exige que a vítima constitua a
primeira prioridade do sistema, o que implica não só uma mudança na escala de
prioridades mas também novas abordagens na relação com a vítima. A maioria das
intervenções é fortemente condicionada por estereótipos que acentuam a passividade
da vítima e promovem a sua exclusão social. A intervenção a este nível não pode
apenas restringir-se à satisfação de necessidades de curto prazo da vítima, tem
também, necessariamente, de incluir um processo de valorização da vítima que permita
lidar com os estereótipos, ultrapassar o défice de autoestima da vítima e os problemas
de desaprendizagem social a que esteve sujeita.
A orientação das boas práticas tem de partir de uma abordagem personalizada e
flexível sobre a vítima, que a encare como pessoa e não apenas como vítima com
estatuto formal, e que adote três linhas fundamentais: (i) coordenação e coerência
135
entre intervenções de curto prazo e longo prazo; (ii), articulação e complementaridade
entre os três Rs (reabilitação, reintegração e reparação), de modo a inverter a excessiva
concentração na reabilitação de curto prazo; e (iii) intervenção preferencial ao nível das
comunidades locais, com mobilização de redes dos vários setores, onde se pode criar
laços de confiança e partilhar valores e objetivos comuns essenciais para uma ação
coerente e sustentável no apoio e reintegração da vítima.
5. Exploração das sinergias e complementaridade entre desenvolvimento de boas
práticas e investigação sobre tráfico
Não obstante a natureza experimental que as boas práticas assumem numa fase inicial,
a sua conceção tem de estar alicerçada em dados objetivos sobre as tendências de
evolução do fenómeno do tráfico, incluindo a tipologia das vítimas e os modelos de
exploração. Assim, é fundamental uma crescente coordenação entre a investigação
sobre o tráfico e a conceção e desenvolvimento de boas práticas, as quais têm de
responder aos desafios que se colocam quer às comunidades quer aos indivíduos.
Por outro lado, a própria investigação sobre as boas práticas, que deve adotar uma
abordagem participativa envolvendo as vítimas beneficiárias, é fundamental para
garantir o seu ajustamento e adequação à alteração constante das estratégias dos
traficantes e às prioridades das vítimas, garantindo desta forma a sua relevância e
evitando a estagnação da prática.
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