Manual de Boas Práticas
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Manual de Boas Práticas
INSTITUTO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS E INTERNACIONAIS Manual de Boas Práticas no Combate ao Tráfico de Seres Humanos PROJETO POAT – FSE Nº 170402009 Migrações, Combate ao Tráfico de Pessoas – Valorização e Inclusão Social das Vítimas Coordenador Científico: Miguel Santos Neves Coordenadora Executiva: Cláudia Pedra 1 Índice 1. METODOLOGIA .............................................................................................................. 3 2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DE BOAS PRÁTICAS ....................................... 6 3. LISTAGEM DE BOAS PRÁTICAS ............................................................................... 11 4. ANÁLISE DAS BOAS PRÁTICAS ............................................................................... 13 4.1. PREVENÇÃO ............................................................................................................. 13 Prática 1 - Campanha de sensibilização de clientes de prostituição, Anti-Trafficking Alliance, Reino Unido ........................................................................................................................ 13 Prática 2 - Mobilização do setor privado e adoção de códigos de conduta, End Human Trafficking Now, Associacion Libertá, Suíça....................................................................... 17 Prática 3 - Campanha e advocacy para eliminação do trabalho forçado na cadeia do produto do chocolate, Stop the Traffik, Holanda ............................................................................... 22 Prática 4 - Base de dados de registo de vítimas de tráfico, OIM Genebra, Suíça ................... 26 Prática 5 - Programa “Na Mão Certa”, Childhood, Brasil ..................................................... 29 Prática 6 - Active Communities Against Trafficking – ACT, Stop the Traffik, Reino Unido 34 Prática 7 - Estimativas de vítimas de tráfico, Office Central pour la Répression de la Traite des Êtres Humains, Polícia Judiciária, França ...................................................................... 38 Prática 8 - Gangmasters Licensing Authority, Reino Unido ................................................. 41 Prática 9 - Redes locais na região Emilia-Romagna, On the Road e a Região de Emilia Romagna, Itália ................................................................................................................... 46 Prática 10 - Seminários de orientação para migrantes laborais, Phillipines Overseas Employment Agency, Filipinas ............................................................................................ 51 Prática 11 - Programa “Escolas”, CECRIA, Brasil ............................................................... 55 Prática 12 - Promotoras Legais Populares, São Paulo, Brasil................................................ 58 Prática 13 - Utilização Segura da Internet, Safernet Brasil ................................................... 62 Prática 14 - Mercadoria Humana, Saúde em Português, Portugal ......................................... 66 4.2. PROTEÇÃO ............................................................................................................... 71 Prática 15 - Aplicação do Artigo 18 do Decreto-lei 286/98 no Município de Veneza, Itália.. 71 Prática 16 - Posto Avançado de Atendimento Humanizado aos Migrantes do Aeroporto de Guarulhos, São Paulo, Brasil ............................................................................................... 77 Prática 17 - Interlocutor único para a vítima, End Human Trafficking Now, Associacion Libertá, Suíça ...................................................................................................................... 82 Prática 18 - Programa culturas e práticas não revitimizantes, Childhood, Brasil .................. 85 Prática 19 - Sistema de obrigatoriedade de apresentação das trabalhadoras domésticas, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Áustria..................................................................... 91 Prática 20 - Poppy Project, Eaves, Reino Unido ................................................................... 96 4.3. PUNIÇÃO ..................................................................................................................101 Prática 21 - Procuradores especializados em questões de TSH, Ministério Justiça, Bélgica .101 Prática 22 - Joint Investigation Teams/ Equipas de investigação conjuntas, França e Roménia ...........................................................................................................................................105 Prática 23 - Unidade Especial Anti-tráfico, Grécia ..............................................................109 4.4. PARCERIAS ..............................................................................................................115 Prática 24 - Núcleo de Enfrentamento do Tráfico de Seres Humanos, São Paulo, Brasil .....115 Prática 25 - UKHTC, Reino Unido .....................................................................................119 Prática 26 - Projeto ACTES, Plataforma de ONG, França ...................................................123 5. CONCLUSÕES:............................................................................................................128 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................137 2 1. METODOLOGIA A análise das boas práticas no combate ao tráfico e na proteção de vítimas de tráfico foi elaborada com base em investigação que envolveu não apenas o tratamento de fontes secundárias, relativas a estudos pré-existentes de análise e discussão de boas práticas, mas também, e sobretudo, investigação original com base em trabalho de campo e fontes primárias. A investigação foi estruturada em quatro fases. A investigação de fontes secundárias constituiu a primeira fase e foi realizada antes do início das missões ao terreno. Esta fase permitiu sistematizar a informação sobre um conjunto de boas práticas em diferentes países e o teor e fundamentos de algumas das avaliações preliminares realizadas e disponíveis em estudos realizados por organizações internacionais, ONG ou universidades. Esta sistematização inicial foi crucial para selecionar as boas práticas e os países a elas associados que iriam ser objeto da segunda fase de investigação. A segunda fase envolveu a realização entre Abril e Dezembro de 2010 de 6 missões de terreno a 8 países diferentes. A escolha dos países teve em conta diversos critérios: a informação disponível sobre boas práticas no âmbito do tráfico identificadas por organizações internacionais (casos Conselho da Europa, OSCE, OIM, UNDOC e OIT), ONG, Universidades, think tanks etc.; diversidade de modelos organizacionais; equilíbrio entre países de experiência recente e países com longa experiência na área do Tráfico de Seres Humanos (TSH); comparabilidade das práticas e dos resultados. Assim foram realizadas as seguintes missões: a) Suíça entre 8 e 12 de Abril de 2010 b) Itália entre 22 e 25 Abril de 2010 c) Grécia entre 26 e 28 de Abril de 2010 d) França entre 22 e 26 Junho de 2010 e) Reino Unido entre 8 e 10 de Julho de 2010 f) Brasil entre 6 e 12 de novembro de 2010 g) Holanda entre 1 e 2 de Dezembro de 2010 h) Bélgica entre 2 e 6 de Dezembro de 2010 3 Estas missões tiveram como objetivo central a realização de entrevistas detalhadas e não diretivas com responsáveis de diferentes entidades dos três sectores - públicas, privadas ou do terceiro sector - de modo a conhecer em profundidade não apenas o conteúdo da boa prática mas também a realidade da sua implementação em concreto, os resultados obtidos, os problemas encontrados e o nível de difusão. Foram assim realizadas entrevistas com os responsáveis de um grupo muito variado de instituições em cada um dos países: - Departamento governamentais com responsabilidade na definição da política de combate ao TSH (ministérios, relatores nacionais etc.) - Órgãos de polícia criminal - ONG com responsabilidade direta no apoio a vítimas de tráfico - ONG de advocacy, caso da Amnistia Internacional - Organizações internacionais presentes no país com competência na área do TSH (caso OIM e OIT na Suíça e da UNDOC no Brasil) - Universidades com projetos de investigação na área do TSH - Sindicatos - Associações de imigrantes - Instituições religiosas - Empresas e grupos empresariais com projetos na área do TSH - Fundações Estas entrevistas procuraram sempre cruzar informação de forma a captar as perspetivas de diferentes instituições sobre a mesma prática e simultaneamente controlar a avaliação das práticas relacionadas com o “Partnership” que pressupõem uma cooperação ativa entre diferentes entidades. A terceira fase desenvolveu-se após a conclusão das missões de investigação e envolveu duas operações. Por um lado, a realização dos contactos de follow-up com as instituições com as quais tinham sido realizadas entrevistas, destinados a esclarecer aspetos específicos abordados e obter um conjunto de documentos prometidos no âmbito das entrevistas realizadas. Por outro lado, a investigação foi complementada com a realização de entrevistas (via Skype) com outras instituições relevantes que, por dificuldades de agenda, não tinham tido possibilidade de se reunir com a equipa do projeto durante o período de realização da missão. 4 Finalmente, a quarta fase centrou-se na análise sistemática de toda a informação recolhida, confrontando-a com a informação obtida a partir das fontes secundárias, e na aplicação de uma metodologia de análise comparativa que permitiu afinar critérios comuns de avaliação e elaborar uma análise detalhada das boas práticas sustentáveis tendo em vista a elaboração do Manual de Boas Práticas. 5 2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DE BOAS PRÁTICAS O conceito de “best practice” surgiu no contexto do sector privado e da teoria da gestão empresarial, referenciando métodos ou instrumentos que permitem a uma empresa obter resultados melhores do que os seus concorrentes no mercado, mas tem vindo a ser utilizado crescentemente nas mais diversas áreas desde as políticas públicas às técnicas profissionais específicas. Considerando que não existe uma prática melhor do que todas as outras em absoluto, em todas as situações, uma vez que a prática é sempre contextual (o que é melhor varia com o contexto) optou-se por adotar a expressão boa prática que se considera mais adequada. A compreensão do conceito implica a referência a dois elementos estruturais de contexto que marcam a emergência e desenvolvimento das boas práticas. Por um lado, a boa prática está associada à soft law como solução informal, flexível e não obrigatória para problemas concretos em contraste com a outra via alternativa, a hard law, que corresponde à consagração de standards legais uniformes de comportamento, de natureza vinculativa, relativamente aos quais não há liberdade dos destinatários quanto à sua adoção e cujo incumprimento determina a aplicação de sanções jurídicas. As limitações crescentes da lógica do “command and control” na regulação das atividades sociais e a capacidade de resistência ao cumprimento por parte de atores não-estatais com crescente poder e influência, explica o recurso crescente à soft law e à lógica de benchmarking na adoção de boas práticas. Em segundo lugar, a boa prática está intimamente ligada ao processo de inovação embora alguns especialistas1 tendam a estabelecer uma distinção rígida entre inovação - enquanto a invenção de algo novo - e a boa prática que associam à adoção de algo que foi previamente experimentado e testado para ser considerado como tal. Contudo, a perspetiva que se considera mais adequada é a que encara a boa prática como uma das formas possíveis de 1 Newman, J., Raine, J. And Skelcher, C. 2000, Innovation and best practice in Local Government: a research report, London: DETR. 6 inovar, a par de outras que incluem a inovação a partir da experiência própria da organização ou a partir das novas ideias introduzidas por novas pessoas que se integram na organização 2. A boa prática tem como vocação a sua emulação o que envolve um processo de difusão da mesma. A explicação do processo de difusão não é consensual e existem pelo menos três modelos alternativos como salienta Newmark3. O primeiro é o modelo das determinantes internas, segundo o qual a boa prática difunde-se em função do grau de semelhança organizacional e contextual. As organizações tendem a emular outras com que se identificam porque consideram terem uma missão e experiência semelhante à sua. O segundo modelo é o da difusão geográfica, de acordo com o qual a boa prática tende a difundir-se de forma mais intensa num determinado espaço geográfico e a revelar padrões regionais de difusão, que resultam de uma potencial maior proximidade entre organizações que se localizam na mesma região. Em suma, o efeito de vizinhança seria determinante. O terceiro modelo é o da interação entre organizações, segundo o qual a difusão é determinada pelo grau de participação em networks considerando que os contactos interpessoais e as relações de confiança que se desenvolvem no seio das redes tendem a estimular a adoção da boa prática. Neste contexto, o nível de difusão dependeria do grau de envolvimento em redes e da densidade das mesmas, colocando em evidência a importância dos fatores informais e da relação entre pares na partilha da boa prática. Esta terceira abordagem afigura-se mais adequada a explicar a complexidade do processo de difusão e a sua natureza no contexto de uma sociedade do conhecimento. Com efeito a boa prática integra-se na categoria do conhecimento tácito cuja partilha pressupõe não só uma relação face to face mas também relações de confiança e partilha de valores. Só desta forma é possível partilhar na sua plenitude e de uma forma aberta uma boa prática, incluindo os seus aspetos menos positivos ou eventuais insucessos, e avaliar com rigor vantagens e 2 Ver Brannan T. , Durose C., John P., 2008, Assessing best practice as a means of innovation, Local Government Studies, 34(1), pp. 23-38. 3 Newmark, A.J. 2002, An integrated approach to policy transfer and diffusion, in Review of Policy Research, 19(2), pp.151-178. 7 desvantagens para a organização que pondera adotá-la. Por outro lado, também contribui para explicar as significativas dificuldades e resistências no processo de disseminação da boas práticas, análise para a qual é igualmente necessário ponderar a resistência à mudança e a capacidade institucional das organizações. A qualificação de uma atividade ou método como “boa prática” tem de obedecer a critérios objetivos que sejam suscetíveis de aferição e controlo. Na análise desenvolvida considera-se que a boa prática tem de preencher em simultâneo cinco critérios fundamentais: (i) Sustentabilidade: a prática tem de ter um período de tempo razoável de efetiva implementação e uma continuidade mínima demonstrando a sua capacidade de adaptação à realidade e às mudanças de circunstâncias; a boa prática tem de ser uma prática “in action” e não uma prática “in books”, não pode ser um mero projeto de prática. (ii) Impacto: a prática tem de ter um impacto social efetivo na realidade contribuindo para a solução de um determinado problema de acordo com os objetivos definidos, o que implica a capacidade de identificar resultados quantitativos e qualitativos produzidos, que possam ser comparados com a situação existente antes da adoção da prática. A prática tem de provar que faz a diferença e que tem algum nível de sucesso numa apreciação global, o que não é incompatível com a existência de aspetos negativos e resultados indesejados, os quais no processo normal de construção gradual da prática deverão ser eliminados/minimizados. (iii) Replicabilidade: a prática tem de possuir o potencial de ser replicada noutro contexto, por outra organização, o que significa não ser excessivamente dependente do contexto em que nasceu, tão específica que só funciona em condições muito especiais; por outro lado, tem de ser clara e transparente e não de tal forma complexa que se torne ininteligível e dificilmente replicável. Como é evidente todas as práticas são contextuais pelo que a 8 replicabilidade implica sempre alguma adaptação, embora sem alteração do núcleo essencial. (iv) Difusão: a prática tem de conhecer um nível mínimo de difusão o que implica adoção efetiva por outras organizações dentro do país ou ao nível internacional, demonstrando a sua atratividade, adaptabilidade e confirmando a sua validação em contextos diversos. (v) Avaliação: a prática tem de ser objeto de uma avaliação criteriosa e independente que sustente a sua qualidade, através da medição de resultados e o estabelecimento do nexo causal entre a prática e esses resultados, afastando a possibilidade de estes serem explicados por outros fatores, e que inclua a avaliação da sua adoção em diferentes contextos. Este constitui um dos critérios mais difíceis de preencher porque, em rigor, exigiria a existência de uma avaliação prévia à adoção da prática que permita a comparação com a situação após a sua adoção e que não existe na maioria das situações. Por vezes é também salientada a dimensão inovação, no sentido de considerar que a boa prática deve ser inovadora. No entanto não se autonomizou este critério uma vez que, como se referiu, este é um pressuposto necessário, um elemento estrutural da boa prática que é encarada como uma das formas de inovação institucional e social. Importa ainda salientar que a boa prática não deve ser vista como um dado consolidado e completo num determinado momento temporal, mas antes como um processo gradual e incremental de construção em que são introduzidos ajustamentos permanentes no sentido da melhoria e maximização da eficácia antes e após a sua consolidação, com adaptação permanente às novas circunstâncias e desafios. Por outro lado, a aplicação dos critérios acima mencionados implica que o conceito de boa prática não pode ser utilizado de forma abusiva e aplicado de forma indiscriminada e sem 9 critério, existindo um certo nível de exigência. Tal exige que se estabeleça uma distinção entre várias categorias de práticas em especial a três níveis: (i) Boas práticas devidamente comprovadas, testadas, avaliadas e objeto de difusão. (ii) Práticas prometedoras (Promising practices), em que já existe o início de um processo de adoção, com resultados encorajadores mas sem a continuidade necessária nem o preenchimento dos requisitos de avaliação e difusão. (iii) Práticas “in books”, projetos de práticas, incluídas num plano mas ainda não implementadas em contexto real e que podem corresponder por ex. a uma nova lei que parece conter soluções positivas mas que ainda não foi aplicada. Na análise comparativa de boas práticas foram encontradas situações que se integram em cada uma das categorias sendo fundamental deixar claro que nem todas se encontram no mesmo estádio de desenvolvimento e maturação, pelo contrário existe uma grande diversidade. 10 3. LISTAGEM DE BOAS PRÁTICAS Prevenção 1. Campanha de sensibilização de clientes de prostituição, Anti-Trafficking Alliance, Reino Unido 2. Mobilização do setor privado e adoção de códigos de conduta, End Human Trafficking Now, Associacion Libertá, Suíça 3. Campanha e advocacy para eliminação do trabalho forçado na cadeia do produto do chocolate, Stop the Traffik, Holanda 4. Base de dados de registo de vítimas de tráfico, OIM Genebra, Suíça 5. Programa “Na Mão Certa”, Childhood, Brasil 6. Active Communities Against Trafficking – ACT, Stop the Traffik, Reino Unido 7. Estimativas de vítimas de tráfico, Office Central pour la Répression de la Traite des Êtres Humains, Polícia Judiciária, França 8. Gangmasters Licensing Authority, Reino Unido 9. Redes locais na região Emilia-Romagna, On the Road e a Região de Emilia Romagna, Itália 10. Seminários de orientação para migrantes laborais, Phillipines Overseas Employment Agency, Filipinas 11. Programa “Escolas”, CECRIA, Brasil 12. Promotoras Legais Populares, São Paulo, Brasil 13. Utilização Segura da Internet, Safernet Brasil 14. Mercadoria Humana, Saúde em Português, Portugal Proteção 15. Aplicação do Artigo 18 do Decreto-lei 286/98 no Município de Veneza, Itália 16. Posto Avançado de Atendimento Humanizado aos Migrantes do Aeroporto de Guarulhos, São Paulo, Brasil 17. Interlocutor único para a vítima, End Human Trafficking Now, Associacion Libertá, Suíça 18. Programa culturas e práticas não revitimizantes, Childhood, Brasil 19. Sistema de obrigatoriedade de apresentação das trabalhadoras domésticas, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Áustria 11 20. Poppy Project, Eaves, Reino Unido Punição 21. Procuradores especializados em questões de TSH, Ministério Justiça, Bélgica 22. Joint Investigation Teams/ Equipas de investigação conjuntas, França e Roménia 23. Unidade Especial Anti-tráfico, Grécia Parcerias 24. Núcleo de Enfrentamento do Tráfico de Seres Humanos, São Paulo, Brasil 25. UKHTC, Reino Unido 26. Projeto ACTES, Plataforma de ONG, França 12 4. ANÁLISE DAS BOAS PRÁTICAS 4.1. PREVENÇÃO Prática 1 - Campanha de sensibilização de clientes de prostituição, Anti-Trafficking Alliance, Reino Unido Nome da Prática Campanha de sensibilização de clientes de prostituição Entidade e forma Anti-Trafficking Alliance, Reino Unido de recolha Entrevista a 8/7/2010, consulta de elementos online e troca de documentação com organização http://www.atalliance.org.uk Descrição sumária Campanha contra a exploração sexual, composta de um jogo online (http://www.thesohogame.com/ ) e de um filme chamado “Behind the Smile” (http://www.atalliance.org.uk/index.php/ata-film-and-game) focada num público-alvo específico – homens, clientes não habituais de prostituição. O foco é a mudança de atitudes, dos clientes de prostituição, levando-os a ponderar a hipótese de que a mulher esteja a ser forçada a prostituir-se. A mensagem procura humanizar a vítima, e alertar o cliente de que estas mulheres são tratadas como mercadorias, sendo sujeitas a graves atos de violência. Resultados O jogo online foi jogado por mais de 70.000 pessoas em várias principais partes do mundo e o filme foi visto por mais de 2 milhões de pessoas Pontos fortes e Campanha dirigida a um público específico, com uma boa vulnerabilidades estratégia de difusão, com continuidade temporal, e que reflete cooperação entre vários atores públicos e privados. Tem como vulnerabilidades a questão da avaliação do impacto social e da efetiva mudança social, tendo como pressuposto que a informação sobre a condição de vítima de tráfico é 13 condição suficiente de dissuasão, o que nem sempre é o caso. Avaliações Não existe informação disponível A campanha foi estimulada por uma decisão The House of Lords and House of Commons Joint Committee on Human Rights de 2006 que concluiu pela necessidade de promover ações que “promovam a mudança das atitudes e opinião dos homens que usam prostitutas, em relação a essas prostitutas que poderão ter sido traficadas e transmitir a mensagem que as mulheres traficadas não desempenham atividades sexuais consentidas”. O principal objetivo da campanha era trabalhar sobre as questões das mulheres traficadas em exploração sexual, nomeadamente promovendo a redução da procura mudando a atitude dos potenciais clientes, centrada em clientes de primeira vez ou não habituais de prostituição. Foi assim identificado como grupo-alvo os homens jovens (entre os 18 e os 30 anos), procurando alertá-los para a possibilidade de a prostituta poder ser uma vítima de tráfico e consequentemente não só reduzir a procura de serviços de exploração sexual, como estimular a denúncia de casos de tráfico por esses potenciais clientes. A Campanha foi centrada em dois instrumentos – um filme e um jogo online. Foi desenvolvida com recurso às redes sociais para ampliar o impacto dos sites onde estão alojados o jogo e o filme, tendo criado um grupo de Facebook dedicado à campanha. O filme dirigido a clientes de prostituição no Reino Unido, com idades compreendidas entre os 18 e 30 anos, que sejam clientes não habituais, tem duas versões – uma longa de 7’ e uma curta de 2’ – e foi projetado em táxis em Londres (1000) e em aviões com destino ao Reino Unido. O filme foi visto por mais de 2 milhões de pessoas e foi utilizado pela Metropolitan Police na formação dos seus agentes. Foi também utilizado para sensibilizar os guardas prisionais para as questões do sofrimento das mulheres traficadas. O filme também foi visto em festivais nacionais e internacionais. Existem projetos de utilização no treino das forças armadas, antes de missões no terreno. O jogo online “On the Game in Soho” foi jogado por mais de 70.000 pessoas em várias partes do mundo e é dirigido a homens jovens, familiarizados com os jogos de vídeo. É interativo com uma história que o jogador pode controlar. 14 A prática tem como pontos fortes: - O facto de a campanha partir de uma recomendação de uma entidade pública e de ser implementada por uma ONG, constitui um excelente exemplo da complementaridade entre o Estado e a sociedade civil, e a importância das ONG na implementação de políticas públicas. - A Campanha é dirigida a um público-alvo específico, e devidamente selecionado e por isso potencialmente mais eficaz. O tipo de instrumentos foi adaptado ao perfil dos destinatários, assim como os meios de difusão. - O recurso às redes sociais e a utilização de tecnologias de informação é especialmente importante para ampliar o impacto e chegar a um número mais elevado de destinatários e em vários países do mundo. - O Jogo online corresponde a uma atividade regular do público-alvo, é interativo e aliciante enquanto jogo e transmite uma mensagem objetiva e simples. - A difusão do filme procurou explorar novas soluções, nomeadamente os meios de transporte utilizados pelos potenciais clientes a caminho, o que se apresenta como um fator positivo de difusão da mensagem e de dissuasão de recurso à prostituição, e por inerência às vítimas de tráfico. O elevado número de pessoas que viu o filme demonstra a eficácia desta estratégia. - Outro ponto forte foi a cooperação entre atores de combate ao tráfico, nomeadamente com as forças de segurança, tendo o filme sido utilizado pela Metropolitan Police e pelos guardas prisionais para ações de formação. - A continuidade temporal da campanha é outro ponto forte, uma vez que não se limitou a uma ação isolada e pontual, tendo sido criado instrumentos que permitem essa continuidade, e até adaptação a diferentes circunstâncias. A prática tem como vulnerabilidades: - Insuficiência da avaliação do impacto social desta campanha, em termos da mudança de atitudes dos destinatários, o que teria exigido um estudo de opinião prévio e posterior e a criação de um grupo de controlo, sendo diferente da capacidade de ser visualizado por significativo número de pessoas. - Por outro lado, a campanha parte do pressuposto que o conhecimento do risco de utilização de prostituição forçada será suficiente para dissuadir o cliente, o que nem sempre sucede. Em 15 estudos4 que envolveram inquéritos a homens jovens, concluiu-se que, mesmo sabendo que as mulheres são traficadas, muitos não deixam de utilizar os seus serviços, logo não alterando o seu comportamento. Num estudo com entrevistas a 103 homens, que recorrem a prostituição, na região de Londres, 36% afirmou que sabia que haveria um número significativo de mulheres traficadas entre as prostitutas. 4 Bindel, J., Farley, M.; Golding, J., “Men who buy sex: who they buy and what they know”, Eaves, London, Prostitution Research & Education, San Francisco, Dezembro de 2009. 16 Prática 2 - Mobilização do setor privado e adoção de códigos de conduta, End Human Trafficking Now, Associacion Libertá, Suíça Nome da Prática Mobilização do setor privado e adoção de códigos de conduta Entidade e forma End Human Trafficking Now da Associacion Libertá, Suíça de recolha Entrevista a 9/4/2010, consulta de elementos online e troca de documentação com organização Descrição sumária Campanha que começou em 2006, após a elaboração dos Athens Ethical Principles e tinha como objetivos principais promover a sua implementação, aumentar a consciencialização do setor privado para as questões do tráfico, adotar códigos de conduta nas empresas, promover ações empresariais de combate ao tráfico e promover cadeias de produto livres de tráfico. Resultados Os resultados principais da campanha foram a reintegração de principais ex-vítimas como trabalhadores em algumas empresas (ex. GAP) e o desenvolvimento de códigos de conduta e a sua adoção e implementação pelas empresas. Code of Conduct for the Protection of Children against Sexual Exploitation in Travel and Tourism - Adesão de 1030 empresas em 42 países. Athens Ethical Principles – com 12.500 assinantes Pontos fortes e Os pontos fortes desta prática são o envolvimento do setor vulnerabilidades privado, com concretização de códigos de conduta e uma perspetiva integrada da cadeira do produto e as vulnerabilidades são as dificuldades de monitorização e aplicação dos princípios éticos e códigos de conduta e a sua efetiva aplicação. Avaliações Não existe informação disponível Os Athens Ethical Principles foram aprovados em janeiro de 2006, numa iniciativa da UNGIFT com várias instituições. Estes princípios são atualmente assinados por 12.500 empresas. 17 Incluem 7 princípios fundamentais, para os quais existem diretivas de implementação http://www.unglobalcompact.org/docs/issues_doc/human_rights/Resources/Luxor_Implemen tation_Guidelines_Ethical_Principles.pdf: Demonstrar explicitamente tolerância zero em relação ao tráfico, especialmente de mulheres e crianças para exploração sexual (Definição de Política); Contribuir para a prevenção do TSH, inclusive com campanhas e ações de sensibilização e educação (Consciencialização Pública); Desenvolver uma estratégia corporativa para criação de uma política anti-tráfico que será transversal a todas as atividades (Planeamento Estratégico); Assegurar que todos os colaboradores cumprem integralmente a política anti-tráfico (Implementação da Política de Recursos Humanos); Encorajar os parceiros do negócio, incluindo fornecedores, a aplicar os princípios éticos contra o tráfico (Monitorização da Cadeia de Produto); Promover, junto dos governos, o processo de revisão legislativa e dos regulamentos que estejam direta ou indiretamente relacionados com a promoção das políticas antitráfico, para melhorar a efetiva aplicação (Advocacy); Fazer relatórios e partilhar informação sobre boas práticas (Transparência). A Campanha End Human Trafficking Now surgiu no mesmo ano para promover a implementação destes princípios, e para aumentar a consciencialização do setor privado para as questões do tráfico, adotar códigos de conduta nas empresas, promover ações empresariais de combate ao tráfico e promover cadeias de produto livres de tráfico. O envolvimento ativo do sector privado, uma dimensão normalmente negligenciada nas estratégias de combate ao tráfico, é fundamental para conseguir uma mudança dos padrões de comportamento dos empresários, estruturas de gestão e das empresas no seu conjunto. A preocupação com a cadeia integral do produto motivou o tipo de ferramentas desenvolvidas pera a campanha, desde os kits de formação até aos códigos de conduta. Os instrumentos mais significativos e com maior visibilidade pública incluíram: a) Ferramenta de e-learning para empresas (http://www.endhumantraffickingnow.com/?page_id=81) – ferramenta eletrónica, criada pelo EHTN e UN.GIFT, desenvolvida e patrocinada pela Microsoft, concebida 18 para gestores e colaboradores de empresas que pretende demonstrar como o tráfico pode ser um risco para o seu negócio e identificar ações que podem ser implementadas para lidar com este risco. Foi lançada em 2010. b) Código de conduta especializado: Para o sector do Turismo foi elaborado o Code of Conduct for the Protection of Children against Sexual Exploitation in Travel and Tourism. http://www.thecode.org/index.php?page=6_3 . Aderiram ao Código um total de 1030 empresas e entidades, em 42 países, nomeadamente hotéis, operadores turísticos e agências de viagens, restaurantes, rent-a-cars, transportes, sindicatos do sector de hotelaria, companhias aéreas, câmaras de turismo e indústria. Grandes cadeias de hotéis como Carlson, Accor, Tui, Radisson ou operadores turísticos como Iberostar, Thomas Cook, entre outros, são alguns exemplos dos signatários. O Código é composto por seis critérios para os fornecedores de serviços de turismo: Estabelecer uma política ética sobre a exploração sexual de crianças para fins comerciais; Formar o pessoal nos países de origem e de destino das viagens. Introduzir uma cláusula nos contratos com os fornecedores, prevendo um repúdio comum à exploração sexual de crianças para fins comerciais; Fornecer informação aos viajantes através de catálogos, brochuras, filmes a bordo, canhotos de bilhetes, páginas de Internet, etc. Fornecer informação a pessoas “de contacto” locais nos destinos. Fazer relatórios anuais. A campanha inspirou a criação de vários códigos de conduta, onde se cita, a título de exemplo o Code of Vendor, GAP http://www.gapinc.com/content/attachments/gapinc/COVC_070909.pdf, Inc., que 2007, prevê especificamente a proibição de recurso a trabalho forçado, na seção III D. do documento, intitulada “Labor”. Isto demonstra a sua boa difusão e o efeito de demonstração para as várias instituições que aderiram à campanha. 19 c) Prémio para empresários Business Leader’s Award to Fight Human Trafficking. Atribuído pela primeira vez no final de 2010, o próximo será entregue aquando da reunião do Fórum Económico Mundial em Davos, em Janeiro de 2013. Este prémio é o reconhecimento do trabalho de combate ao tráfico e incentiva a inovação, como ferramenta para identificar e premiar os executivos que demonstraram entusiasmo e dedicação no combate ao tráfico. O prémio é atribuído pela ONG em parceria com o Global Compact e o UNGIFT das Nações Unidas. O júri é presidido pela Fundação Aga Khan. O prémio é patrocinado pela Chopard. A prática tem como pontos fortes: - Identificação de uma das lacunas no combate ao tráfico, em especial para exploração laboral, embora também para as outras formas de tráfico, que é o envolvimento do sector privado; - Estabelecimento de parcerias de relevo, nomeadamente com o UNGIFT e o Global Compact, - Capacidade de mobilização de diferentes atores privados, incluindo empresas de muitos sectores de atividade; - Adoção de uma abordagem setorial, com concretização de um código de conduta na área do turismo, o que permite ter uma maior eficácia da campanha, por ser dirigida a empresas e entidades que têm já redes de contacto e articulação estreitas e que conhecem os problemas e riscos específicos do sector. - A aposta na formação dos trabalhadores, através de kits de fácil disseminação; - A adoção de uma perspetiva integrada de cadeia de produto, pondo em evidência a interdependência entre os vários atores e uma necessidade de uma resposta conjunta; - A adoção de códigos de conduta simples de implementar, com diretivas de implementação e que podem ser facilmente monitorizados; - O efeito multiplicador, com a criação de códigos de conduta e procedimentos baseados nos códigos e princípios da campanha em várias empresas; - A reintegração de vítimas de tráfico em algumas empresas, em virtude da maior consciencialização para esta temática. - A importância da partilha de boas práticas, fazendo um reconhecimento público através da atribuição de um prémio, pretendendo intensificar a sua difusão. - A estratégia de campanha sectorial é passível de replicabilidade com sucesso noutros sectores. 20 As suas vulnerabilidades são: - Dificuldades de monitorização e avaliação do cumprimento dos Athens Ethical Principles e dos Códigos de Conduta nas empresas/ entidades na sua atividade real. A assinatura dos códigos não significam a sua implementação efetiva. - A possibilidade de utilizar a adesão aos códigos de conduta como ferramentas de marketing da empresa, e não como diretivas de atuação; 21 Prática 3 - Campanha e advocacy para eliminação do trabalho forçado na cadeia do produto do chocolate, Stop the Traffik, Holanda Nome da Prática Campanha e advocacy para eliminação do trabalho forçado na cadeia do produto do chocolate Entidade e forma Stop the Traffik Holand, Antonie Fountain, Entrevista a de recolha 2/12/2010 e participação no workshop Tráfico de Seres Humanos e exploração Laboral que se realizou a 15 de Abril de 2011 em Sines, com o tema “Social responsibility and the value chain”; consulta de elementos online e troca de documentação com organização Descrição sumária Campanha liderada pela Stop the Traffik Holanda, que se realiza desde 2007, que tem como objetivo essencial eliminar o trabalho escravo/ forçado da cadeia do produto do chocolate. Resultados Cinco grandes produtores de chocolate: Verkade, Swiss Noir, principais Cadbury, Nestlé e Mars, têm pelo menos uma das barras com certificação internacional, comprovativa da não existência de tráfico na sua cadeia de produto. Pontos fortes e Os pontos fortes desta prática são a utilização de uma vulnerabilidades estratégia mista de diálogo e de pressão sobre a indústria do chocolate, procurando introduzir uma efetiva mudança de comportamento e não uma mera abordagem punitiva, e a utilização de estratégia de pressão dos consumidores sobre a indústria. As vulnerabilidades são a certificação parcial de produtos para evitar pressão dos consumidores. Avaliações Não existe informação disponível Campanha do Stop the Traffik (www.stopthetraffik/campaign/chocolate), liderada pela Stop the Traffik Holanda, que se realiza desde 2007, que tem como objetivo essencial eliminar o trabalho escravo/ forçado da cadeia do produto do chocolate. A Campanha visa a sensibilização do público enquanto consumidor de chocolate, mobilizando pressão sobre a 22 indústria do chocolate para que garantam que na cadeia de produto não há recurso a trabalho forçado e pessoas traficadas. As campanhas públicas centram-se sobre empresas e produtos específicos (ex. caso da Mars e da campanha do Kit Kat e atualmente em curso sobre a Mondelez e o chocolate Tobelerone.). A campanha tem vários instrumentos (cartas, cartazes, twitts, mensagens para facebook, entre outros) com o fim de levar os consumidores a exercer pressão sobre as empresas questionando-as sobre a existência ou não de tráfico na cadeia de produto e exigindo-lhes a certificação dos seus produtos. A organização tem três tipos de campanhas dirigidas ao público: a) Uma generalista, que abrange todos os consumidores; b) Uma para crianças, centrada na história com base real, de Chaga and the Chocolate Factory, de um rapaz da Costa do Marfim traficado para as plantações de cacau; c) Uma para educadores/ professores que trabalham com crianças e jovens, com recurso a instrumentos pedagógicos, previamente preparados, como “Run a Chocolate Lesson” e “Chocolate Lesson Plan”, baseados em estudo de caso e histórias reais. A organização faz lobby, a nível político, sobre os membros do parlamento, no sentido de alteração das leis, no sentido de atribuírem aos consumidores direitos de obtenção de informação precisa sobre a produção dos produtos e a sua cadeia de valor, e o envolvimento ou não de tráfico na mesma. A organização faz também advocacy sobre a indústria do chocolate com forte incidência na Holanda que é o maior centro de processamento de cacau do mundo, desenvolvendo um processo de diálogo com a indústria com vista à introdução de certificação na cadeia do produto. As campanhas públicas, para além da sensibilização dos consumidores, também pretendem aumentar a capacidade negocial junto da indústria e do governo. Este processo de diálogo envolve as ONG, os sindicatos e a indústria de cacau e de chocolate. A eficácia desta ação tende a ser maior em termos de alteração de comportamento da indústria, tendo já sido obtidos resultados concretos com cinco grandes produtores de chocolate; Verkade, Swiss Noir, Cadbury, Nestlé e Mars, uma vez que todos dispõem de, pelo 23 menos algumas barras, em que está assegurada a não existência de tráfico na sua cadeia de produto, via certificação Internacional. São utilizados sistemas de certificação internacional disponíveis, nomeadamente o sistema da Rainforest (http://www.rainforest-alliance.org/certification-verification), da Certification UTZ Alliance Certification (http://www.utzcertified.org/) e da Fairtrade Certification (http://www.flo-cert.net/flocert/index.php). A UTZ incide especialmente sobre a agricultura sustentável, para garantir melhores oportunidades para os agricultores e as suas famílias, certificando produtos como o cacau, o café e o chá. A Rainforest Alliance trabalha na conservação da biodiversidade e na melhoria dos níveis de vida, através da sustentabilidade. A Fairtrade certifica que os produtos cumprem standards laborais, ambientais e de desenvolvimento e incide sobre diversos produtos, entre os quais o cacau. A prática revela-se possuir elevado potencial de replicabilidade, quer noutros países, quer em relação a outros produtos, com adaptações. As vulnerabilidades da prática são: - O risco de as empresas utilizarem a certificação parcial, certificando apenas alguns produtos e em apenas alguns países, como estratégia de marketing e alívio da pressão dos consumidores. Por exemplo a Nestlé anunciou que as barras de Kitkat, que neste momento só são certificadas em alguns países, seriam certificadas em toda a Europa, pela UTZ, até 2014. Os objetivos para a Austrália e Nova Zelândia referem-se aos Smarties e Club e no Canadá ao Kitkat, Aero, Coffee Crisp e Smarties. - Garantir que existe um equilíbrio delicado entre a pressão dos consumidores e das ONG e a necessidade de evitar boicote ao chocolate, que poderá ter efeitos contrários ao pretendido. Utilizar a ameaça de boicote mas sem concretização, que poderá levar a pressão acrescida sobre o produtor para baixar os custos de produção, logo recorrendo a mais trabalho escravo. - O risco de entrada no mercado de empresas com produtos com valores mais baixos para o consumidor, mas que não cumprem os standards e não certificam os seus produtos. - Não existência de uma avaliação sistemática dos efeitos sobre a indústria, mas também no tráfico na fase de produção de cacau. 24 A prática tem como pontos fortes: - A articulação dos três níveis de ação: campanhas com os consumidores, lobby aos deputados e advocacy sobre a indústria do chocolate, procurando, através de consumidores mais consciencializados e ativos ganhar poder negocial junto da indústria. - Utilização de uma estratégia mista de diálogo e de pressão sobre a indústria do chocolate, procurando introduzir uma efetiva mudança de comportamento e não uma mera abordagem punitiva. - O trabalho em termos de educação junto de crianças e jovens para a temática do tráfico, utilizando histórias reais e exemplos empáticos. - A produção de materiais didáticos de fácil utilização e disseminação, para educadores e professores sobre a temática do tráfico. - A abordagem holística da cadeia do produto, garantindo que não existe utilização de tráfico em nenhum momento; - A utilização de sistemas de certificação internacional credíveis e devidamente testados. - Utilização de campanhas centradas em produtos específicos em que a existência de tráfico na cadeia de produto é generalizada e é possível obter resultados substanciais com a intervenção. 25 Prática 4 - Base de dados de registo de vítimas de tráfico, OIM Genebra, Suíça Nome da Prática Base de dados de registo de vítimas de tráfico Entidade e forma OIM Genebra, entrevista a Sarah Craggs a 9/4/2010, de recolha participação de representante da Unidade de Investigação da OIM, Amanda Gould na conferência “International Best Practices Against Human Trafficking” a 25 de outubro de 2012, consulta de elementos online e troca de documentação com organização Descrição sumária A base de dados internacional da OIM, ligada à investigação, tem dados recolhidos transnacionalmente com base num guião e documento de registo que permite aprofundar a investigação e o conhecimento do fenómeno, de modo a apoiar a criação de políticas mais eficazes de combate ao TSH Resultados A base de dados contém dados primários de cerca de 14.000 principais vítimas de 85 nacionalidades diferentes, traficadas para mais de 100 países distintos. Contém informação quantitativa e qualitativa e facilita a gestão do programa de assistência da OIM, ao mesmo tempo que regista os dados do percurso da vítima de tráfico Pontos fortes e Os pontos fortes da prática são o rigor da sistematização e a vulnerabilidades informação quantitativa e qualitativa que permite uma caraterização do fenómeno do tráfico mundialmente e tem como vulnerabilidades a não difusão da prática e do uso de dados exclusivos da OIM. Avaliações UN.GIFT reunião de peritos no Cairo considerou que a Base de Dados da OIM era um modelo de boa prática para recolha sistemática de dados sobre TSH. Uma publicação de Laczko et al (2005) recomendou que as agências que combatem o tráfico de seres humanos recolhessem dados de uma maneira sistemática e comparável. Esta opinião foi reforçada pelo Grupo de Peritos Europeus, ao nível da UE, que recomendou a concentração 26 de dados existentes de diversas fontes e a promoção da partilha de informação entre as diferentes agências. A base de dados internacional da OIM, ligada à investigação, tem dados recolhidos transnacionalmente com base num guião e documento de registo que permite aprofundar a investigação e o conhecimento do fenómeno, de modo a apoiar a criação de políticas mais eficazes de combate ao TSH. A base de dados regista as vítimas sinalizadas e apoiadas pelos vários escritórios da OIM em todo o mundo. São aplicados dois questionários, através de guiões – o Screening Interview Form e o Assistance Interview Form. A base de dados contém dados primários de cerca de 14.000 vítimas de 85 nacionalidades diferentes, traficadas para mais de 100 países distintos. Contém informação quantitativa e qualitativa e facilita a gestão do programa de assistência da OIM, ao mesmo tempo que regista os dados do percurso da vítima de tráfico. Apesar de ter sido criada como um instrumento para o programa de assistência contra o tráfico, acabou por se transformar num elemento essencial de investigação, na medida em que fornece dados sobre o perfil socioeconómico da vítima, o perfil dos traficantes, as rotas de tráfico, os padrões de exploração e abuso, a natureza do apoio fornecido e os casos de retráfico. Um aspeto importante da base de dados é que é mantida a confidencialidade dos dados da vítima, de forma a não por em causa a privacidade e a segurança das vítimas. A base de dados pretende promover e assegurar boas práticas internacionais na recolha segura, armazenamento e processamento de dados sobre tráfico de seres humanos. A existência de uma metodologia uniforme é fundamental para garantir a comparabilidade internacional dos dados e ultrapassar os problemas colocados pela existência de sistemas diferentes e contraditórios entre os vários Estados. A prática tem como vulnerabilidades: - A reduzida difusão e adoção da metodologia pelos vários Estados Membros e pelas ONG que apoiam as vítimas, de modo a contribuir para o uso de metodologia uniforme, com a eventual inclusão dos dados recolhidos por essas entidades; 27 - O enorme potencial da base de dados não está plenamente efetivado, quer porque existem limitações no cruzamento de dados qualitativos, quer porque existe imitações na capacidade de resposta a pedidos específicos de informação, designadamente sobre países específicos; - O uso em termos de investigação é maioritariamente da própria OIM, com publicação de relatórios próprios, sendo de interesse tornar-se um instrumento de investigação mais aberto. A prática tem como pontos fortes: - A abundância de informações qualitativas que constam dos formulários e que permitem uma caracterização mais rigorosa das tendências e dos contornos do fenómeno do tráfico, que são fundamentais para aferir e ajustar as políticas dos Estados e a eficácia das ações de combate ao tráfico; - A recolha sistemática transnacional e a caracterização de rotas permitem obter informação sobre a dimensão transnacional do processo de tráfico, ultrapassando as limitações da investigação nacional compartimentada e que não capta as interligações e a verdadeira dimensão internacional do fenómeno; - O rigor e o detalhe dos guiões de entrevista e a metodologia de registo permitem potencialmente que o sistema da OIM se transforme no padrão internacional, que possibilite comparabilidade dos dados; - A natureza holística dos dados e da investigação, que permitem uma caracterização não só da vítima, mas também dos traficantes; - Constitui a maior base de dados internacional sobre tráfico, contendo dados de uma década, o que já permite detetar as transformações ocorridas ao longo do tempo em termos de tendências de tráfico; - Apesar de uma difusão limitada tem elevado potencial de replicabilidade, comprovada através da aplicação desta metodologia no projeto de investigação do IEEI. 28 Prática 5 - Programa “Na Mão Certa”, Childhood, Brasil Nome da Prática Programa “Na Mão Certa” Entidade e forma Childhood Brasil, entrevista a Flora Werneck a 11/11/2010, de recolha consulta de publicações, elementos online http://www.namaocerta.org.br/ e troca de documentação com organização Descrição sumária Sensibilização junto dos camionistas brasileiros, clientes de exploração sexual de crianças e adolescentes, para que se transformem em agentes ativos de proteção e eliminação do fenómeno. Resultados O programa foi desenvolvido em parceria com a OIT e com o principais Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, que permitiu criar um pacto empresarial contra a exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias brasileiras com 1299 empresas signatárias no final de 2012 (os dois principais grupos: 803 da área dos transportes e 176 de comércio e reparação de veículos) e entidades empresariais a assinarem o Pacto, onde se incluem sindicatos. Pontos fortes e Os pontos fortes são a focalização num setor específico e o vulnerabilidades envolvimento ativo de vários setores para alteração da cultura empresarial. As vulnerabilidades são a existência de muitos camionistas autónomos que não aderem ao pacto e a inexistência de uma avaliação sistemática. Avaliações Sistema de avaliação do cumprimento do Pacto pelas empresas muito baseada em indicadores indiretos e com uma componente elevada de autoavaliação, muito embora seja obrigatória Programa “Na Mão Certa” (http://www.namaocerta.org.br/) da ONG Childhood Brasil – sensibilização junto dos camionistas brasileiros, clientes de exploração sexual de crianças e adolescentes, para que se transformem em agentes ativos de proteção e eliminação do fenómeno. A necessidade do programa surge dos resultados do estudo da PESTRAF em que 29 foram identificados 1820 pontos vulneráveis de exploração sexual de crianças e jovens nas autoestradas brasileiras. O programa foi desenvolvido em parceria com a OIT e com o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, que permitiu criar um pacto empresarial contra a exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias brasileiras. As empresas que aderem ao Pacto assumem a obrigação de educar e capacitar os camionistas para se tornarem agentes de proteção. O processo inclui a humanização da vítima na ótica dos camionistas, usando como ponto de entrada a família, e o facto de muitos deles serem pais de crianças com idades semelhantes às vítimas de exploração. Nesse sentido, a Childhood faz formação dentro das empresas a dois tipos de atores: os pontos focais – pessoas do departamento de responsabilidade social e comunicação (no programa de responsabilidade social) e os multiplicadores – pessoas com elevado número de contactos dentro da empresa (no programa de educação continuada). Este processo de formação faz parte do programa de educação continuada que é baseado numa série de guias – Guias na Mão Certa – que são destinados a conseguir que os camionistas ajam como agentes multiplicadores. São oito volumes de guias (http://www.namaocerta.org.br/educcont_guias.php) que abordam diferentes dimensões da vida do camionista – família, saúde, meio ambiente, direitos humanos, segurança. O Pacto foi elaborado na perspetiva quer das empresas de transporte quer das empresas não transportadores que contratam os serviços de transporte. Assim se para as empresas transportadoras o objetivo é eliminação de exploração sexual de crianças e adolescentes por parte dos seus trabalhadores (camionistas), relativamente às empresas não transportadores, o objetivo é garantir que só contratem empresas de transporte que tenham assumido o Pacto e possuam uma política de combate ao tráfico. No Pacto (http://www.namaocerta.org.br/pacto_.php) constam sete compromissos: Intervir com ações e procedimentos junto à rede de serviços de transportes e aos prestadores de serviços ligados ao setor de transportes, levando o camionista a atuar como agente de proteção; 30 Participar em campanhas de combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas rodovias brasileiras. Criar mecanismos nas relações comerciais que estabeleçam compromissos com seus fornecedores de cumprimentos dos princípios do Pacto. Informar e incentivar todas as pessoas que integram as estruturas da empresa ou entidade a participar das ações de combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas rodovias brasileiras. Apoiar, com recursos próprios e/ou do Fundo da Infância e da Adolescência (FIA), projetos de reintegração social de crianças e adolescentes vulneráveis à exploração sexual comercial ou vítimas dela. Monitorizar a implementação das ações descritas acima e o alcance das metas propostas, tornando públicos os resultados desse esforço conjunto. No caso de federações e entidades empresariais representativas, considerando que estas não possuem poder fiscalizador, o compromisso consiste em recomendar aos seus associados que observem as práticas recomendadas no presente pacto. Em termos de resultados, podem ser considerados bastante significativos e com impacto, com 1299 empresas no final de 2012 (os dois principais grupos: 803 da área dos transportes e 176 de comércio e reparação de veículos) e entidades empresariais a assinarem o Pacto, onde se incluem sindicatos. Desde 2006 a 2012 este número cresceu significativamente de 65 empresas signatárias em 2006, para 638 em 2009 até 1299 em 2012. Entre 2009 e 2012 duplicaram o número de empresas. Relativamente às empresas e pessoas capacitadas pelo programa, até 2012, houve 443 empresas e 737 pessoas capacitadas como pontos focais e 469 empresas e 1017 pessoas como multiplicadores. A Childhood desenvolveu o seu próprio sistema de certificação independente para avaliar se as empresas estão efetivamente a cumprir as obrigações que resultam do Pacto, e que servirá de referencial para outros agentes económicos e entidades que com eles se relacionam. As empresas têm também uma obrigação anual de preenchimento de um relatório de monitorização. 31 O Programa incluiu formação de polícias da Polícia Rodoviária, de forma a sensibilizá-los para contribuírem para o mapeamento das zonas de risco e para a proteção das crianças e adolescentes em risco de exploração sexual. Existe uma componente de investigação do projeto tendo sido elaborados diversos estudos, que sustentam as ações a desenvolver, para que estas tenham o maior impacto possível. Assim foram elaborados os seguintes estudos: - Mapeamento dos pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias brasileiras – Edição de 2009/2010 e 2011|2012 - O perfil do caminhoneiro no Brasil – Edição de 2005 e de 2010 - Vítimas da exploração sexual de crianças e adolescentes – Edição 2009 - Guia de pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias brasileiras – Edição 2007/2008 De modo a divulgar os resultados do Programa e promover a sensibilização dos destinatários, foi criado um site, que é dinamizado pela Childhood Brasil e inclui os recursos pedagógicos. São vulnerabilidades da prática: - Existem muitos camionistas autónomos, que são ainda a maioria, pelo que o compromisso assumido por elevado número de empresas de transporte não abrange um universo significativo de camionistas; - Apesar de existir um sistema de avaliação do cumprimento do Pacto pelas empresas esta é ainda incipiente e muito baseada em indicadores indiretos, e com uma componente elevada de autoavaliação, muito embora seja obrigatória; - Falta uma avaliação sistemática sobre a redução do tráfico de crianças e adolescentes para exploração sexual nos pontos vulneráveis identificados, como resultado da implementação do programa; - Programa tem elevado grau de dependência de contributos financeiros externos das empresas, e avultados. São pontos fortes da prática: 32 - O programa envolve uma articulação e cooperação intensa entre a ONG e as empresas, no sentido de promover uma alteração de cultura empresarial e de comportamento dos trabalhadores e o aprofundamento de uma parceria entre os três sectores; - É focalizado num setor específico, com grande relevância económica e social no país, e que tem um impacto muito significativo no tráfico de crianças e jovens para exploração sexual; - A existência de uma dimensão de investigação, que é desenvolvida ao longo do projeto e que permite afinar e melhorar o plano de ação; - A complementaridade do programa com ações de educação continuada nas empresas e junto dos agentes multiplicadores; - O desenvolvimento de um sistema de certificação independente para avaliar o grau de cumprimento por parte das empresas o que confere credibilidade ao programa; - Tem existido uma continuidade do programa, que já existe desde 2006 (formalmente) e informalmente desde 2004, o que permite garantir a sustentabilidade e os números de adesão conseguidos; - Tem um impacto significativo, com um elevado número de empresas que já aderiram ao Pacto empresarial e de camionistas que agem como agentes de proteção; - Adoção de uma abordagem humanista aos camionistas, em vez de punitiva, no sentido de mudar o seu comportamento e transformá-los em agentes de proteção; - Indícios de disseminação da prática para o sector do turismo, com o desenvolvimento de um projeto entre a Childhood Brasil e a Atlantica Hotels para prevenir a exploração sexual de crianças e adolescentes no sector do turismo. Tal envolveu a criação de um Código de Conduta e a criação de Manual de Procedimentos para os colaboradores da rede Atlantica Hotels. Está também a disseminar a metodologia com o governo de Pernambuco. Trata-se de uma prática robusta, que revela continuidade, sustentabilidade e que se encontra bem alicerçada numa parceria sólida entre os três sectores. Possui igualmente um elevado potencial de replicabilidade para outros sectores e outros países. Estão a ser ponderadas estratégias semelhantes para os setores das obras públicas. 33 Prática 6 - Active Communities Against Trafficking – ACT, Stop the Traffik, Reino Unido Nome da Prática Active Communities Against Trafficking - ACT Entidade e forma Entrevista com Bex Keer, Stop the Traffik UK, a 8/7/2010; de recolha participação e elaboração de paper no workshop sobre “Tráfico de Seres Humanos, Estratégias Locais e Nacionais”, consulta de elementos online http://www.stopthetraffik.org/start-a- community-group e troca de documentação com organização Descrição sumária O objetivo é a criação de grupos organizados nas comunidades locais hostis ao tráfico. O pressuposto de partida é o de que todo o fenómeno de TSH tem origem numa comunidade e termina numa outra comunidade, onde a vítima é explorada e escondida. O conceito fundamental é de que se quer a comunidade de origem quer a de destina forem mais sensibilizadas e educadas para a questão do tráfico, os traficantes terão maiores dificuldades em recrutar, esconder e explorar as vítimas. Resultados A Stop the Traffik iniciou as ACT em 2009, com um projeto principais piloto em 5 comunidades – 2 em Londres, 1 em Bristol, 1 em Birmingham e 1 em Manchester. Atualmente existem 118 grupos (em 19 países) registados na base de dados da Stop the Traffik. Existe uma plataforma online com website dos grupos. Pontos fortes vulnerabilidades e Os pontos fortes são focalização na ação local e na mobilização da comunidade com criação de redes locais e as vulnerabilidades são a assimetria de ação entre grupos e a troca de informação na rede. Avaliações A Stop Avaliação do Programa como piloto the Traffik iniciou as Active Communities Against Trafficking (ACT) (http://www.stopthetraffik.org/start-a-community-group) em 2009, com um projeto piloto em 5 comunidades – 2 em Londres, 1 em Bristol, 1 em Birmingham e 1 em Manchester. O objetivo 34 é a criação de grupos organizados nas comunidades locais hostis ao tráfico. O pressuposto de partida é o de que todo o fenómeno de TSH tem origem numa comunidade e termina numa outra comunidade, onde a vítima é explorada e escondida. O conceito fundamental é de que se quer a comunidade de origem quer a de destina forem mais sensibilizadas e educadas para a questão do tráfico, os traficantes terão maiores dificuldades em recrutar, esconder e explorar as vítimas. Existem três estratégias de recrutamento para os grupos: - Recrutamento online; - Recrutamento da comunidade através do networking (contactos pessoais/ processo orgânico) - Grupos universitários. Estes grupos recebem, por parte do Stop the Traffik, uma série de informação, que permite desenvolver as atividades de ativismo local. O sistema é caracterizado por um elevado nível de descentralização, que constitui não só um ingrediente do sucesso mas também um potencial fator de vulnerabilidade da prática. Os grupos têm reuniões regulares e têm de garantir a obtenção de fundos, para além de planearem as ações de campanha locais, as ações com a escola, articulação com os agentes de autoridade. Da experiência acumulada, o recrutamento online é aquele que levanta mais problemas em termos da sustentabilidade do grupo e da sua manutenção ao longo do tempo, em virtude de uma quebra prematura da motivação e entusiasmo para desenvolver as atividades propostas. Também é menos clara a existência de um coordenador que permita promover o desenvolvimento do grupo. Estes grupos desenvolvem 3 atividades principais: - Sensibilizar as comunidades locais, aumentando o nível de informação sobre o tráfico, como identificar vítimas e que ações adotar em caso de deteção de uma situação concreta. Esta ação é desenvolvida quer junto do público em geral, quer junto de grupos profissionais específicos com um papel estratégico na deteção das vítimas (assistentes sociais, profissionais de saúde, polícias, professores, etc.). - Desenvolver o network local, que inclui os membros do grupo, outras ONG, polícia, governos locais, escolas, serviços de saúde, etc. 35 - Recolha de informação que permita apoiar processos destinados a punir os traficantes – componente de investigação. A criação de um ambiente hostil ao tráfico que desincentive a ação dos traficantes é o objetivo central das ACT que decorre não só de os membros da comunidade estarem alertas para o problema, mas também de promoverem ações sistemáticas de vigilância relativamente a situações de suspeita em articulação com as autoridades policiais. Um dos ingredientes do sucesso desta ação é um bom relacionamento com as autoridades policiais e as comunidades. Atualmente existem 118 grupos (em 19 países) registados na base de dados da Stop the Traffik. Existe uma plataforma online com website dos grupos. Estes são os grupos formalmente constituídos e registados mas existem sérias possibilidades de existirem muitos outros que não estão conectados à rede e que atuam de forma deligada do movimento. O sucesso dos grupos depende da interligação entre eles, o que o torna um aspeto crítico, já que existe o risco de cada grupo se concentrar na sua ação local e de perder a perspetiva global. O que significa um falhanço potencial da estratégia, porque apenas provocaria a transferência das atividades de uma região hostil para outra em que os traficantes se sentissem menos hostilizados. As vulnerabilidades desta prática são: - A autonomia dos ACT; sendo importantes para responder aos problemas de cada local, cria grandes assimetrias de eficácia da ação entre diferentes grupos; - A focalização exclusivamente local e não partilha da informação e dos resultados da investigação com os outros grupos, não participando na rede dinamizada pelo Stop the Traffik, prejudicando a eficácia do conceito de comunidade hostil, que implica uma ação sistémica e coordenada de diferentes grupos de modo de evitar o efeito perverso da mera deslocalização dos traficantes de uma zona hostil para outra menos hostil; 36 - Riscos de ultrapassarem os limites da sua ação, criando risco de segurança para os membros do grupo e entrando em áreas específicas de ação policial para o qual não têm formação nem competências. Os pontos fortes desta prática são: - Focalização na ação local e na mobilização da comunidade, o que é essencial para corresponder à dimensão do fenómeno do tráfico (Estado e autoridades policiais são insuficientes para combater o tráfico); - Tem elevado potencial de replicabilidade, em vários contextos e regiões; - A formação de redes locais envolvendo os diferentes sectores que permite dar maior robustez quer à ação de prevenção, quer à deteção de casos de tráfico, assegurando uma continuidade do trabalho com a vítima desde a sinalização até ao apoio; - A combinação entre investigação e ação, em que a investigação serve de suporte ao tipo de atividades a construir em determinada comunidade, e permite um conhecimento mais rigoroso da realidade do tráfico com as suas especificidades locais; - A existência de uma perspetiva integrada e de coordenação entre os grupos, assegurada pelo Stop the Traffik que permite fazer a integração da informação e garantir ações com impacte sistémico. 37 Prática 7 - Estimativas de vítimas de tráfico, Office Central pour la Répression de la Traite des Êtres Humains, Polícia Judiciária, França Nome da Prática Estimativas de vítimas de tráfico Entidade e forma Office Central pour la Répression de la Traite des Êtres de recolha Humains, Polícia Judiciária, França, Entrevista a Patrick Cottelle, 14/6/2010 Descrição sumária O Governo Francês e face às dificuldades de investigação sobre o fenómeno de tráfico e a consciência de que as vítimas de tráfico, oficialmente identificadas como tal são uma pequena parcela do número real envolvido, elabora estimativas sobre o número de vítimas no país, que servem de base para o planeamento da política pública, designadamente dos recursos humanos e financeiros necessários para o combate ao tráfico. Resultados A utilização desta estimativa permite um planeamento e principais mobilização mais realista dos recursos necessários para combate ao tráfico. Pontos fortes e Os pontos fortes são o facto de estas estimativas vulnerabilidades ultrapassarem o ciclo vicioso gerado por uma definição de política pública e mobilização de meios condicionada pelo número de casos de vítimas oficialmente confirmadas, que é sempre reduzido e as vulnerabilidades desta prática são o facto de poderem ser distorcidas pelos serviços envolvidos, para fundamentar meios adicionais, pelo que deverão ser efetuadas com base em processos de investigação independentes e rigorosos. Avaliações Não existe informação disponível O Governo Francês, através do serviço da Polícia Judiciária, que só se ocupa do Tráfico para exploração sexual, e face às dificuldades de investigação sobre o fenómeno de tráfico e a consciência de que as vítimas de tráfico, oficialmente identificadas como tal são uma pequena parcela do número real envolvido, elabora estimativas sobre o número de vítimas no país, que 38 servem de base para o planeamento da política pública, designadamente dos recursos humanos e financeiros necessários para o combate ao tráfico. Estas estimativas são elaboradas com base em indicadores indiretos: - Número de prostitutas/ profissionais da indústria do sexo em França; - Percentagem de prostitutas/ profissionais da indústria do sexo de nacionalidade estrangeiras; - Número de imigrantes; - Número de pedidos de visto; - Número de pedidos de visto na fronteira; - Número de pedidos de asilo; -- Número estimado de imigrantes irregulares; - Número de apoios concedidos por ONG e outras entidades não-governamentais; - Número de pessoas regularizadas em regularizações extraordinárias; - Números de vítimas traficadas na Europa e no mundo. A utilização desta estimativa permite um planeamento e mobilização mais realista dos recursos necessários para combate ao tráfico. Acresce que a França adota um conceito de tráfico mais amplo, assente numa interpretação literal do protocolo de Palermo, do que o adaptado por outros países europeus, uma vez que considera irrelevante a existência de consentimento da vítima. Logo, o número de vítimas tende assim a ser superior em termos relativos a ser superior a outros Estados que adotam conceitos mais restritivos. As estimativas poderão não espelhar rigorosamente os números de tráfico, mas contrastam com os números oficiais que estão muito abaixo dos valores reais de vítimas. Os pontos fortes desta prática são: - Ultrapassar o ciclo vicioso gerado por uma definição de política pública e mobilização de meios condicionada por o número de casos de vítimas oficialmente confirmadas, que é sempre reduzido, o que justifica, em alguns caso, a qualificação do tráfico como um fenómeno marginal fundamentando uma insuficiente atribuição de recursos para o seu combate; tal 39 limita a capacidade de eficácia na deteção de casos, o que volta a fundamentar a insuficiente atribuição de meios. As vulnerabilidades desta prática são: - As estimativas não têm rigor, embora se baseiem em indicadores indiretos com alguma fiabilidade; - As estimativas poderão ser distorcidas pelos serviços envolvidos, para fundamentar meios adicionais, pelo que deverão ser efetuadas com base em processos de investigação independentes e rigorosos. 40 Prática 8 - Gangmasters Licensing Authority, Reino Unido Nome da Prática Gangmasters Licensing Authority Entidade e forma Entrevista com UKHTC a 9/7/2010, Consulta de elementos de recolha online http://gla.defra.gov.uk/ e troca de documentação com organização Descrição sumária A Gangmasters Licensing Authority (GLA) é um sistema de regulação de agências de emprego e fornecedores de serviços nos setores agrícola, florestal, hortícola, pesqueiro (marisco), processamento alimentar e empacotamento. O seu objetivo fundamental é impedir a exploração de trabalhadores, garantindo o respeito pela lei e a legalidade das operações conduzidas nestas indústrias. Resultados A prática tem tido um impacto efetivo e resultados principais significativos, não só no aumento do número de empresas licenciadas, mas também no exercício de fiscalização, e na punição das situações de impunimento, que se traduzem, designadamente, pela revogação das licenças. Desde março de 2007 até final de outubro de 2012 foram revogadas 180 licenças. Pontos fortes e Os pontos fortes desta prática são a definição de standards vulnerabilidades mais elevados de proteção e a existência de um mecanismo de articulação entre a prevenção e a punição do tráfico para exploração laboral/ trabalho forçado com efetiva articulação multiagency na execução das ações de fiscalização. As vulnerabilidades desta prática são a limitação das ações contra empresas que usam trabalhadores fornecidos por empresas de recrutamento não licenciadas têm sido limitadas e a ação punitiva menos significativa, o facto de a regulação não abranger empresas/ agricultores que empregam diretamente trabalhadores, sobretudo imigrantes, e que têm práticas de 41 exploração e uma cobertura insuficiente do âmbito dos setores, uma vez que há níveis de exploração significativos noutros setores fora do âmbito de atuação do GLA, nomeadamente construção, hotelaria e turismo, trabalho doméstico/ apoio domiciliário. Avaliações A prática tem sido objeto de uma avaliação sistemática, prevista no próprio processo, da responsabilidade das Universidades de Liverpool e Sheffield, que conduzem avaliações regulares e independentes sobre o funcionamento e o impacto da ação do GLA. Desenvolvimento de um processo de “community impact assessment” que visa identificar a existência de consequências laterais da ação de impacte negativas e não previstas, de modo a minimizar esse impacte. A Gangmasters Licensing Authority (GLA) http://gla.defra.gov.uk/ é um sistema de regulação de agências de emprego e fornecedores de serviços nos setores agrícola, florestal, hortícola, pesqueiro (marisco), processamento alimentar e empacotamento, criado em abril de 2005, na sequência da aprovação do Gangmasters Act de 2004. O seu objetivo fundamental é impedir a exploração de trabalhadores, garantindo o respeito pela lei e a legalidade das operações conduzidas nestas indústrias. Nesse sentido desenvolvem vários instrumentos: - A publicitação de todas os standards laborais; - A consciencialização dos empregadores sobre os standards laborais; - A realização de inspeções, incluindo inspeções surpresa, para assegurar o cumprimento dos padrões; - Aplicação de sanções, incluindo penas de prisão para práticas abusivas. A regulação exercida pelo GLA abrange quer as empresas de recrutamento que contratam e fornecem trabalhadores às indústrias (labour providers), quer as empresas que utilizam trabalhadores fornecidos pelas empresas de recrutamento (labour users). 42 Abrange trabalhadores permanentes, nacionais ou estrangeiros, e trabalhadores temporários. Um dos aspetos importantes é que não protege apenas os trabalhadores legais, mas também os ilegais, que são considerados pelo Gangmasters Licensing Requirements. Tem uma forte incidência no que é designado por trabalhadores vulneráveis – imigrantes, temporários, e de setores menos regulados. As empresas de recrutamento de trabalhadores (Gangmasters) só podem operar legalmente após terem sido licenciadas. E as empresas que contratam trabalhadores a partir de empresas não licenciadas são sujeitas a penalizações. As empresas licenciadas têm de fornecer informação sobre contratos de trabalho, registos de emprego e de pagamentos, cumprimento de regras de higiene e segurança no trabalho, assim como informação de condições de habitação e de viagem, quando aplicável. São entregues aos empregadores descrição detalhada de situações consideradas indicativas de tráfico e de violação de direitos, como a servidão por dívida, a retenção de salários, a retenção de documentos de identificação e transporte, critérios de alojamento condigno, que se não forem cumpridos resultarão na perda da licença. Quaisquer maus tratos aos trabalhadores ou práticas de empréstimos com condições injustas também levarão à revogação da licença. Os inspetores de trabalho desenvolvem ações de fiscalização regulares e as revogações são publicitadas online. Algumas das violações do Gangmasters Act correspondem a crimes, punidos com penas de prisão até 10 anos, mais uma coima por operarem sem licença. Se fizerem qualquer tipo de acordo com uma indústria que opere sem licença poderão ser punidos com uma pena de prisão até seis meses e uma coima. Quando o GLA encontra possíveis vítimas de tráfico para exploração laboral, articula-se com o UK National Referral Mechanism, de modo a que as vítimas possam ser corretamente identificadas e devidamente apoiadas. A prática tem tido um impacto efetivo e resultados significativos, não só no aumento do número de empresas licenciadas, mas também no exercício de fiscalização, e na punição das 43 situações de impunimento, que se traduzem, designadamente, pela revogação das licenças. Desde março de 2007 até final de outubro de 2012 foram revogadas 180 licenças. A prática tem sido objeto de uma avaliação sistemática, prevista no próprio processo, da responsabilidade das Universidades de Liverpool e Sheffield, que conduzem avaliações regulares e independentes sobre o funcionamento e o impacto da ação do GLA. Existe depois a publicação de relatórios pelas universidades. Existe também uma avaliação pelo próprio governo, neste caso é a avaliação realizada pelo Ministério das Finanças “Gangmasters Licensing Authority: a Hampton Implementation Review Report 2009”, assim como avaliações feitas por instituições da sociedade civil. Um exemplo destas avaliações é o estudo financiado pela OXFAM e elaborado por Mick Willkinson, Gary Craig, Aline Gaus, 2010, “Forced Labour in the UK and the Gangmasters Licensing Authority”, Wilberforce Institute for the Study of Slavery and Emancipation, University of Hull. Neste último estudo foi incluído um inquérito conduzido junto das empresas reguladas, tendo 69% considerado que o GLA está a fazer um bom trabalho e 60% que teve um impacto positivo na redução da exploração laboral. No plano internacional, a OIT identificou o GLA como uma boa prática de combate à exploração laboral, no International Migration Branch - http://www.ilo.org/dyn/migpractice/migmain.showPractice?p_lang=en&p_practice_id=51. As vulnerabilidades desta prática são: - As ações contra empresas que usam trabalhadores fornecidos por empresas de recrutamento não licenciadas têm sido limitadas e a ação punitiva menos significativa. Por exemplo muitas grandes empresas no Reino Unido contratam empresas de recrutamento da Europa de Leste, não licenciadas. - A regulação não abrange empresas/ agricultores que empregam diretamente trabalhadores, sobretudo imigrantes, e que têm práticas de exploração, uma vez que a legislação não abrange estes casos. Apenas existe o controlo dos que contratam empresas de recrutamento e emprego. - O âmbito dos setores coberto é considerado insuficiente, uma vez que há níveis de exploração significativos noutros setores fora do âmbito de atuação do GLA, nomeadamente construção, hotelaria e turismo, trabalho doméstico/ apoio domiciliário. 44 - Tem recursos limitados para o âmbito de ação, por isso há um número abaixo do desejado de inspeções de rotina. Os pontos fortes desta prática são: - Definição de standards mais elevados de proteção, publicitando-os de forma eficaz; - Adoção de uma estratégia de “name and shame”, publicitando a lista de revogação de licenças e uma publicitação das ações de fiscalização (regulation by reputation); - A inclusão dos trabalhadores ilegais na proteção e um foco especial nas categorias de trabalhadores vulneráveis; - O aumento da consciencialização dos trabalhadores para os seus direitos, nomeadamente dos imigrantes, através do fornecimento de informação e documentação em várias línguas e de disponibilização de uma helpline; - A existência de um mecanismo de articulação entre a prevenção e a punição do tráfico para exploração laboral/ trabalho forçado; - A existência de um foco setorial, tendo em conta setores com maior propensão para o uso de vítimas de tráfico e adaptando a ação às características específicas do setor; - Efetiva articulação multiagency na execução das ações de fiscalização; - Elevado nível de transparência na avaliação de resultados e impacto, com a criação de um sistema de avaliação periódico independente, encomendado às Universidades de Liverpool e Sheffield, com o objetivo de melhorar a ação de regulação; - Desenvolvimento de um processo de “community impact assessment” que visa identificar a existência de consequências laterais da ação de impacte negativas e não previstas, de modo a minimizar esse impacte. Por ex. os riscos de aumento de vulnerabilidade dos trabalhadores em caso de revogação das licenças; - A prática demonstra ser sustentável porque tem vindo a ser implementada de forma contínua desde 2005; - A prática produziu resultados e impactos efetivos e relevantes nos setores regulados, assim como no aumento da consciencialização das empresas, dos trabalhadores e do público em geral; - A prática tem elevado potencial de replicabilidade não só para outros setores, mas para outros países. 45 Prática 9 - Redes locais na região Emilia-Romagna, On the Road e a Região de Emilia Romagna, Itália Nome da Prática Redes locais na região Emilia-Romagna Entidade e forma Consulta de elementos online http://sociale.regione.emiliade recolha romagna.it/prostituzione-e-lotta-alla-tratta e troca de documentação com organização Descrição sumária O programa Oltre la Strada/ Beyond the Street centrou-se particularmente na implementação do artigo 18 e no combate ao tráfico para exploração sexual. O projeto resulta da cooperação da ONG On the Road e a Região de Emilia Romagna, e traduziu-se na criação de uma rede de 12 instituições (municípios e outras instituições locais). Cada uma destas 12 instituições dinamizou e envolveu a sua rede local, o que resultou na mobilização de 62 atores locais. Além da rede formal foi ainda estabelecida uma rede informal de cooperação com famílias de acolhimento e voluntários. Resultados Em termos de resultados, nos dois primeiros anos, o projeto principais conseguiu acompanhar mais de 1300 pessoas, tendo apoiado mais de 300 vítimas, desenvolvido 270 programas de orientação profissional, que permitiram cerca de 400 casos de inserção laboral em empresas. O programa tem continuado ativo, e no período entre 2008 e 2010, 225 mulheres vítimas de exploração laboral conseguiram estágios em empresas locais. No período entre 2001 e 2009, um total de 686 mulheres receberam formação profissional, 90% das quais obtiveram emprego. Pontos fortes e Os pontos fortes da prática são a abordagem multistakeholder vulnerabilidades com a criação de uma rede local robusta, centrada nas ações de apoio e proteção à vítima; a preocupação pelo conhecimento dos contornos específicos do tráfico a nível local 46 e regional, de modo a adaptar a ação à realidade, nomeadamente com investigação local e regional e criação de observatórios e o envolvimento das empresas na reinserção social das vítimas, através da participação no programa de formação e na oferta de empregos. As vulnerabilidades desta prática são o facto de não abranger todo o tipo de vítimas, nem todos os tipos de tráfico, estando centrado no tráfico para exploração sexual e nas vítimas de sexo feminino; apesar de existirem referências às vítimas menores, não existem indícios de resultados consistentes neste domínio e os resultados e impactos do programa são mais significativos na fase inicial, e as ações de prevenção do projeto e de consciencialização da comunidade tem constituído uma componente menos robusta do projeto. Avaliações Não existe informação disponível dos anos mais recentes. Relatórios de avaliação da implementação inicial O programa Oltre la Strada/ Beyond the Street foi implementado no final dos anos 1990, e a partir de 2000 centrou-se particularmente na implementação do artigo 18 e no combate ao tráfico para exploração sexual. O projeto resulta da cooperação da ONG On the Road e a Região de Emilia Romagna, e traduziu-se na criação de uma rede de 12 instituições (municípios e outras instituições locais), nomeadamente municípios de Piacenza, Reggio nell’Emilia, Parma, Fidenza, Modena, Bologna, Zola Predosa, Ferrara, unidades de saúde locais de Remini e de Cesena e serviços sociais de Imola, Ravena, Cervia e Russi. Cada uma destas 12 instituições dinamizou e envolveu a sua rede local, o que resultou na mobilização de 62 atores locais, entre instituições do terceiro setor, sindicatos, centros de formação, Caritas diocesana, Liga Italiana contra a Sida, Associações de Imigrantes Nigerianas, Cooperativas, etc. Além da rede formal foi ainda estabelecida uma rede informal de cooperação com famílias de acolhimento e voluntários. As redes adotaram uma abordagem integrada, muito centrada no apoio às vítimas e promoção da sua reintegração social, mas envolvendo também ações nas áreas: - Da prevenção - campanhas de sensibilização para a população, mediação de conflitos 47 - Da investigação sobre o fenómeno do tráfico no contexto regional, através da criação de um observatório regional sobre prostituição e exploração sexual e o observatório sobre prostituição e tráfico de menores, geridos pelo Centro de Saúde Local de Remini. No que se refere ao apoio à vítima, a lógica da intervenção tem como prioridades o reforço da autonomia e inclusão social das vítimas, e envolve diferentes mecanismos: - Gestão de abrigos, de diferentes tipos; - Apoio de saúde e psicológico; - Apoio jurídico; - Apoio ao retorno assistido; - Formação vocacional; - Orientação profissional; - Aulas de língua e cultura italiana; - Programa de inserção profissional nas empresas; - Apoio a projetos de empreendedorismo. Existe uma relação próxima com muitas empresas da região, que se envolvem no processo de reintegração social das vítimas, o que permite atingir resultados positivos em termos da criação de empregos e colocação das vítimas. Em termos de resultados, nos dois primeiros anos, o projeto conseguiu acompanhar mais de 1300 pessoas, tendo apoiado mais de 300 vítimas, desenvolvido 270 programas de orientação profissional, que permitiram cerca de 400 casos de inserção laboral em empresas5. O programa tem continuado ativo, e no período entre 2008 e 2010, 225 mulheres vítimas de exploração laboral conseguiram estágios em empresas locais. No período entre 2001 e 2009, um total de 686 mulheres receberam formação profissional, 90% das quais obtiveram emprego6. As vulnerabilidades desta prática são: - Não abrange todo o tipo de vítimas, nem todos os tipos de tráfico, estando centrado no tráfico para exploração sexual e nas vítimas de sexo feminino; 5 On the Road, “Article 28: Protection of victims of trafficking and fight against crime (Italy and the European Scenarios) – Research Report, 2002. 6 Sandri, Serenella, “Actions to Support Social and Professional inclusion of women victims of trafficking in Emilia Romagna”, apresentação na III Steering Group Meeting “A European Network on Gender Mainstreaming” que teve lugar em Roma, a 23 e 24 de Setembro de 2010. 48 - Apesar de existirem referências às vítimas menores, não existem indícios de resultados consistentes neste domínio, parecendo uma componente mais marginalizada no processo; - Os resultados e impactos do programa são mais significativos na fase inicial, tendo o programa vindo a perder alguma eficácia em termos de inserção profissional das vítimas, o que pode sugerir ou um menor envolvimento das empresas ou dificuldades no mercado de trabalho; - Apesar de várias referências em estudos internacionais não tem sido sujeita a uma avaliação sistemática, e que permita perceber a evolução da prática e os impactos sociais da mesma, em termos de diminuição da estigmatização da vítima e inclusão social; - As ações de prevenção do projeto e de consciencialização da comunidade tem constituído uma componente menos robusta do projeto, não havendo dados sobre os resultados e impactos de campanhas locais de sensibilização, o que pressupõe um processo de avaliação de impacto, nem das ações de cooperação de países de origem das vítimas, nomeadamente com a Albânia. Os pontos fortes da prática são: - A abordagem multistakeholder com a criação de uma rede local robusta, centrada nas ações de apoio e proteção à vítima; - A preocupação pelo conhecimento dos contornos específicos do tráfico a nível local e regional, de modo a adaptar a ação à realidade, nomeadamente com investigação local e regional e criação de observatórios; - O envolvimento das empresas na reinserção social das vítimas, através da participação no programa de formação e na oferta de empregos; - A natureza inovadora da articulação entre os níveis regionais e local, em que a conceção das linhas de orientação do programa é regional, mas a implementação é local através das redes das instituições dinamizadoras do programa, com uma abordagem descentralizada; - O investimento na partilha de experiências e na difusão de boas práticas, através de ações específicas orientadas para o efeito, que permitem aumentar as sinergias dos atores; - A adoção de uma lógica de sociedade de conhecimento na abordagem da questão do tráfico, que se manifesta na aposta na investigação, na dinamização de redes, na troca de informação e experiências e na consolidação de valores e objetivos comuns. Emilia Romagna tem as caraterísticas de uma região de conhecimento, constituída a partir de clusters, de empresas e redes que envolve as universidades, os sindicatos e os centros de formação, e são responsáveis 49 pelo dinamismo económico da região, experiência essa que foi transposta para o combate ao tráfico. Apesar das condições institucionais específicas de Emilia Romagna é uma prática que tem elevada potencialidade de replicabilidade e que demonstra ser sustentável, com mais uma década de aplicação, não obstante os sinais de flutuação no seu impacto. 50 Prática 10 - Seminários de orientação para migrantes laborais, Phillipines Overseas Employment Agency, Filipinas Nome da Prática Seminários de orientação para migrantes laborais Entidade e forma Philippines Overseas Employment Agency www.poea.gov.ph/, de recolha consulta de elementos online e troca de documentação com organização Descrição sumária No âmbito da sua política de apoio à imigração, o Governo Filipino, através da Philippines Overseas Employment Agency (POEA) criou, em 1983, um sistema de formação prévia à partida de potenciais imigrantes. Este programa envolve ONG, agências de recrutamento, que têm participação ativa na organização dos seminários. Resultados Em 2011, foram realizados 1539 seminários “pre-deployment” principais (pré-partida) e 583 seminários pré-emprego, envolvendo mais de 100.000 potenciais trabalhadores migrantes filipinos. Distribuíram 100.000 documentos escritos sobre tráfico e recrutamento ilegal, tendo chegado a mais de 50.000 pessoas. Pontos fortes vulnerabilidades e Os pontos fortes são a sua natureza institucionalizada, o que garante a sua sustentabilidade; a sua natureza multistakeholder, que resulta da cooperação entre governos, ONG e setor privado, a qualificação dos formadores e o envolvimento de ex-vítimas nos seminários especializados. As suas vulnerabilidades são a insuficiência de recursos financeiros e a irregularidade da supervisão e monitorização, e o momento de realização da formação, na fase final, mesmo antes da partida, não é o mais adequado em termos de eficácia da informação transmitida aos destinatários, que estão absorvidos pelos preparativos da viagem. Avaliações Avaliação interna, mas não sistematizada 51 No âmbito da sua política de apoio à imigração, o Governo Filipino, através da Philippines Overseas Employment Agency (POEA) criou, em 1983, um sistema de formação prévia à partida de potenciais imigrantes. Este programa gerido pela POEA até 2002, e partir desta data transferido para o Overseas Workers Welfare Administration (OWWA), envolve ONG, agências de recrutamento, que têm participação ativa na organização dos seminários. Os seminários, chamados pre-deployment and orientation seminars, têm a duração de seis horas e abordam sete temas fundamentais: i) a realidade da imigração, desafios para trabalhar no estrangeiro; ii) perfil do país de destino: leis, cultura, costumes; iii) contrato de trabalho: direitos e deveres, como proceder em caso de violação de contrato; iv) higiene e segurança; v) literacia financeira; vi) programas e serviços de apoio social; vii) procedimentos relativos à viagem. Na fase inicial os seminários tinha caráter obrigatório, antes da partida e o certificado da frequência era um dos documentos exigidos para a conclusão do processo de imigração. Com a transferência para a OWWA deixaram de ser obrigatórios e assumiram uma natureza mais assistencial. Foram desenhados seminários especiais para algumas categorias de trabalhadores, designadamente para trabalhadores domésticos, artistas, trabalhadores marítimos, enfermeiras. Os aspetos relativos ao tráfico e os riscos de exploração foram introduzidos nestes seminários. Em 2011, foram realizados 1539 seminários “pre-deployment” (pré-partida) e 583 seminários pré-emprego, envolvendo mais de 100.000 potenciais trabalhadores migrantes filipinos. O POEA e o Departamento de Trabalho e Emprego realizaram seminários sobre recrutamento e tráfico, dirigido a procuradores locais, agentes de autoridade, unidades governamentais, ONG, agências de recrutamento e membros da comunidade. Distribuíram 100.000 documentos escritos sobre tráfico e recrutamento ilegal, tendo chegado a mais de 50.000 pessoas. Este instrumento tem sido objeto de avaliação regular pelo governo, pelas ONG nas Filipinas e por várias agências internacionais: PNUD, OIT e OIM, tendo a última fornecido uma referência 52 global ao programa 7 em setembro de 2012. As avaliações disponíveis identificam diferentes pontos fortes e fracos do programa. Os pontos fortes do programa são: - Tem uma natureza institucionalizada, o que garante a sua sustentabilidade; - Integra-se no sistema de documentação para a emigração; - Tem uma natureza multistakeholder, que resulta da cooperação entre governos, ONG e setor privado, o que tende a garantir um apoio alargado; - Dispõe de formadores qualificados e aborda um leque diversificado de temas úteis para o trabalhador migrante; - Existência de seminários especializados, adequados às realidades específicas de diferentes categorias de trabalhadores; - O envolvimento de ex-vítimas de tráfico, nomeadamente de servidão doméstica, que através do seu testemunho direto permitem uma maior eficácia no alerta e consciencialização de trabalhadores domésticos que iniciam o processo de emigração; - O processo tem permitido a sinalização de vítimas de tráfico e tem impedido que as vítimas saiam do país para o estrangeiro, onde seriam sujeitas a processos de exploração. As vulnerabilidades são: - Insuficiência de recursos financeiros; - A supervisão e monitorização não tem tido caráter regular; - O momento em que é realizada a formação, na fase final, mesmo antes da partida, não é o mais adequado em termos de eficácia da informação transmitida aos destinatários, que estão absorvidos pelos preparativos da viagem; 7 Maruja, Asis, Dovelyn Ajunias, “Strengthening Pre-departure Orientation Programmes in Indonesia, Nepal and the Philippines”, Issue in Brief, no. 5, September 2012, IOM Regional Office for Asia and Pacific and the Migration Policy Institute. 53 - O envolvimento das agências de recrutamento nesta formação suscita dúvidas, em virtude da existência de conflitos de interesse; - O período de formação foi reduzido de oito para seis horas, e tem sido considerado insuficiente para a cobertura e discussão das matérias; - Os resultados da avaliação não têm sido implementados de forma sistemática, o que dificulta correção dos pontos vulneráveis. A prática revela sustentabilidade e tem se consolidado ao longo de mais de duas décadas. Tem tido também um grau significativo de difusão na região, designadamente para a Indonésia, o Nepal e o Bangladesh. Tem um potencial de replicabilidade elevado. 54 Prática 11 - Programa “Escolas”, CECRIA, Brasil Nome da Prática Programa “Escolas” Entidade e forma Entrevista com CECRIA, UNODC e Secretaria da Justiça, Brasil, a de recolha 9/11/2010, consulta de elementos online e troca de documentação com organização Descrição sumária Programa de prevenção junto das escolas para reduzir o risco do tráfico, sendo o grupo alvo dos 9 aos 14 anos. Realizaram-se ações junto das escolas em 5 municípios do Distrito Federal de Brasília. As visitas são, em regra, bimensais, e envolvem utilização de metodologias diversas adaptadas aos destinatários – projeção de filmes e debates, depoimentos de crianças vítimas de tráfico, utilização de hip hop. Resultados Implementação junto das escolas de 5 municípios. Terminou a principais fase piloto. Pontos fortes e A prática tem como pontos fortes a ação regular junto das vulnerabilidades escolas, combinando a formação dos educadores com ações de sensibilização das crianças e adolescentes/ alunos; a aposta em metodologias inovadoras e suscetíveis de captar o interesse e envolver os alunos, de modo a reforçar a eficácia da mensagem; a intervenção junto de crianças e adolescentes a nível precoce para aumentar a eficácia de prevenção e a inclusão da família no programa, o que reforça a consistência da ação e a articulação entre a família e a escola. As vulnerabilidades desta prática são o facto de abranger um número reduzido de escolas e ter uma difusão lenta; ter um défice de avaliação de impacto, embora exista intenção de fazê-lo na segunda fase do programa; o programa não abrange jovens com idades entre os 15 e os 17 anos, que correspondem a um grupo associado a elevado risco de tráfico. 55 Avaliações Não existe informação disponível Programa em implementação desde 2003, sendo uma parceria do CECRIA com a UNODC e a Secretaria da Justiça, que envolve prevenção junto das escolas, para reduzir o risco do tráfico, sendo o grupo alvo dos 9 aos 14 anos. Realizaram-se ações junto das escolas em 5 municípios do Distrito Federal de Brasília. As visitas são, em regra, bimensais, e envolvem utilização de metodologias diversas adaptadas aos destinatários – projeção de filmes e debates, depoimentos de crianças vítimas de tráfico, utilização de hip hop. Este processo foi realizado em duas fases: a primeira fase, entre 2003 e 2010 foi focado na capacitação de profissionais, professores, conselheiros tutelares, e com pais, e na experimentação de metodologias inovadoras. A segunda fase seria iniciada a partir de 2011, e implicaria a intensificação da implementação e a expansão para 10 municípios do Distrito Federal de Brasília. Está prevista a avaliação de impacto, em conjunto com a UNODC. A prática tem como pontos fortes: - Uma ação regular junto das escolas, combinando a formação dos educadores com ações de sensibilização das crianças e adolescentes/ alunos; - A aposta em metodologias inovadoras e suscetíveis de captar o interesse e envolver os alunos, de modo a reforçar a eficácia da mensagem; - A intervenção junto de crianças e adolescentes a nível precoce para aumentar a eficácia de prevenção; - A utilização de casos concretos e testemunhos das vítimas, o que reforça a proximidade com o problema e torna-o real aos olhos dos alunos; - A inclusão da família no programa, o que reforça a consistência da ação e a articulação entre a família e a escola. As vulnerabilidades desta prática são: - Abrange um número reduzido de escolas e a difusão tem sido lenta; - Tem um défice de avaliação de impacto, embora exista intenção de fazê-lo na segunda fase do programa; - O programa não abrange jovens com idades entre os 15 e os 17 anos, que correspondem a um grupo associado a elevado risco de tráfico. 56 É uma prática com elevado potencial de replicabilidade. 57 Prática 12 - Promotoras Legais Populares, São Paulo, Brasil Nome da Prática Promotoras Legais Populares Entidade e forma Entrevista com Núcleo Enfrentamento do Tráfico de Pessoas de de recolha São Paulo a 8/11/2010, consulta de elementos online http://uniaodemulheres.org.br/blogpromotoras/?page_id=2 http://www.promotoraslegaispopulares.org.br/ e troca de documentação com organização Descrição sumária Promotoras Legais Populares significa mulheres que trabalham a favor dos segmentos populares com legitimidade e justiça no combate diário à discriminação. São aquelas que podem orientar, dar um conselho e promover a função instrumental do Direito na vida do dia-a-dia das mulheres. Resultados principais 18 cursos realizados (até ao final de 2012), que permitiram formar mais de 8000 mulheres como PLP só no estado de São Paulo. Os cursos também se realizam em Rio Grande do Sul, Paraná, Pernambuco e Ceará. Pontos fortes e Os pontos fortes desta prática são a integração do combate ao vulnerabilidades tráfico numa abordagem mais ampla de direitos humanos; processo de coordenação entre várias ONG, a aposta na ação das PLP que são elementos da comunidade, com acesso direto e uma proximidade muito grande com as potenciais vítimas, com as quais têm relações de confiança e proximidade e promove a capacitação de agentes multiplicadores, com forte continuidade do trabalho das PLP e um crescente reconhecimento social do seu papel, o que lhes confere credibilidade e consistência nas ações. As vulnerabilidades desta prática são: a focalização em vítimas do sexo feminino e a inexistência de uma avaliação sistemática de impacto, apesar da perspetiva generalizada de diversos atores ser positiva sobre a ação. Avaliações Não existe informação disponível 58 O Projeto Promotoras Legais Populares surgiu em 1994, no estado de São Paulo, inspirado nas experiências que vinham a ser desenvolvidas noutros países da América Latina, nomeadamente Perú, Argentina e Chile. O nome Promotoras Legais Populares é usado em diferentes países e significa mulheres que trabalham a favor dos segmentos populares com legitimidade e justiça no combate diário à discriminação. São aquelas que podem orientar, dar um conselho e promover a função instrumental do Direito na vida do dia-a-dia das mulheres. O projeto Promotoras Legais Populares resulta de uma iniciativa de ONG, que coordenaram os seus esforços na promoção do acesso à justiça e defesa dos direitos humanos- Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP, a União de Mulheres de São Paulo, o Movimento do Ministério Público Democrático e a Associação dos Juízes Para a Democracia. As organizações são compostas por profissionais da área do direito e da justiça: procuradores de justiça, procuradores da república, juízes, advogados, promotores de justiça, que enquanto profissionais e na sua capacidade privada defendem a democratização no acesso à justiça e uma maior eficácia na proteção dos direitos humanos. As entidades têm organizado cursos de formação de PLP, num total de 18 cursos realizados (até ao final de 2012), que permitiram formar mais de 8000 mulheres como PLP só no estado de São Paulo. Os cursos também se realizam em Rio Grande do Sul, Paraná, Pernambuco e Ceará. As PLP têm um conjunto de funções diversificadas: - Capacitação das mulheres para conhecimento dos seus direitos e para o seu exercício, em especial em grupos mais vulneráveis (mulheres indígenas, pobres, de grupos minoritários); - Intervenção na denúncia de violações de direitos humanos de forma sistemática; - Orientação específica a mulheres cujos direitos tenham sido violados ou ameaçados; - Acompanhamento das vítimas, junto de instituições públicas – polícia, tribunais, - de modo a facilitar o acesso à justiça; - Participação em campanhas e debates realizados na comunidade. 59 A intervenção das PLP é mais ampla do que a questão do tráfico, mas têm vindo a intervir crescentemente na área do tráfico, em resultado da introdução desta problemática no seu plano de formação, a partir de 2009, estimulada pela iniciativa da OIT Brasil em parceria com especialistas de várias instituições que intervêm na temática, que produziu o Manual “Cidadania, Direitos Humanos e tráfico de pessoas: manual para promotoras legais populares”, de 2009. Esta publicação foi produzida e impressa no âmbito do Projeto BRA/05/05M/USA – Combate ao Tráfico de Pessoas, financiado pela USAID – United States Agency – International Development. A principal ação das PLP no âmbito do tráfico relaciona-se quer com a identificação de vítimas, quer com a sensibilização das populações para os riscos de tráfico. Os pontos fortes desta prática são: - A integração do combate ao tráfico numa abordagem mais ampla de direitos humanos; - O processo de coordenação entre várias ONG que dá consistência ao processo de base das PLP; - A aposta na ação das PLP que são elementos da comunidade, com acesso direto e uma proximidade muito grande com as potenciais vítimas, com as quais têm relações de confiança e proximidade, que permite reforçar a eficácia da mensagem e do processo de sensibilização para o processo de tráfico, assim como uma ação eficaz de casos concretos na prevenção primária e na deteção de vítimas; - Trata-se de um mecanismo informal, mas que é reconhecido pelo sistema de justiça formal, que reforça a perspetiva da proteção das vítimas, no respeito pelos seus direitos; - Promove a capacitação de agentes multiplicadores, com forte continuidade do trabalho das PLP e um crescente reconhecimento social do seu papel, o que lhes confere credibilidade e consistência nas ações; - A intervenção prioritária junto de grupos particularmente vulneráveis, com maior risco de se tornarem vítimas de tráfico, e em regiões identificadas como sendo de maior risco, o que confere especial eficácia à estratégia de prevenção primária; - Promove uma boa articulação entre prevenção e proteção das vítimas; 60 - As PLP trabalham em rede, nomeadamente através de um Fórum de PLP, com encontros regulares que permitem a troca de experiências e boas práticas das Promotoras. As vulnerabilidades desta prática são: - A intervenção é mais focalizada em vítimas do sexo feminino, assumindo maior relevância do que as crianças e homens; - A intervenção no âmbito do tráfico tem natureza recente e necessita de ser consolidada; - Inexistência de uma avaliação sistemática de impacto, apesar da perspetiva generalizada de diversos atores ser positiva sobre a ação. A prática revela sustentabilidade, com uma continuidade quer na formação quer na ação das PLP, e tem elevado potencial de réplica, noutros contextos geográficos, apostando na estratégia de mediadores comunitários, que têm prestígio e credibilidade na comunidade e podem ter um impacto sistemático multiplicador através da sua liderança. 61 Prática 13 - Utilização Segura da Internet, Safernet Brasil Nome da Prática Utilização Segura da Internet Entidade e forma Consulta de elementos online http://www.safernet.org.br/site/ de recolha da SaferNet Brasil e troca de documentação com organização Descrição sumária Combate aos crimes contra os direitos humanos na internet, e ensinar e capacitar sobre formas seguras de usar a internet. O seu âmbito de ação é mais amplo do que o tráfico de seres humanos, no entanto, nos últimos anos tem concentrado parte da sua ação nesta área. Resultados Entre Abril de 2010 e março de 2012 foram identificados 987 principais sites de tráfico, em particular falsas agências de modelos e de casamento, que promovem o tráfico. Pontos fortes e Os pontos fortes são a intervenção numa área crítica, num vulnerabilidades contexto em que a Internet é crescentemente utilizada pelos traficantes como método de recrutamento de vítimas; metodologias adequadas aos públicos-alvo, inovadoras e apelativas, assumindo uma enorme preocupação didática; prioridade de ações no domínio da prevenção, com a prevenção do risco, envolvendo os professores, pais/ educadores. As vulnerabilidades desta prática são o leque limitado de ligações internacionais, uma vez que a rede de coordenação institucional é essencialmente nacional, embora o tráfico de seres humanos seja um crime transnacional e os aliciamentos são feitos a partir de vários pontos do mundo; Inexistência de avaliação sistemática sobre a eficácia das ações de prevenção e o seu real impacto sobre os utilizadores da internet, o que não permite ajustar ou corrigir estratégias de abordagem. Avaliações Não existe informação disponível 62 A SaferNet Brasil é uma ONG, fundada em 2005 por um grupo de especialistas em informática, professores, investigadores e juristas, na sequência de um conjunto de ações que tiveram lugar para combater a pornografia infantil na Internet brasileira. Os seus objetivos gerais relacionam-se com o combate aos crimes contra os direitos humanos na internet, e ensinar e capacitar sobre formas seguras de usar a internet. O seu âmbito de ação é mais amplo do que o tráfico de seres humanos, no entanto, nos últimos anos tem concentrado parte da sua ação nesta área, com dois tipos de intervenções fundamentais: (i) Prevenção, através da criação e disponibilização de diferentes materiais didáticos, dirigidos a professores, pais/ educadores, crianças e adolescentes, com o objetivo de promover um uso seguro da internet: “Cartilha de Diálogo Virtual 2.0” e “Saferdic@as”, em que são apresentadas situações recorrentes na internet e são apresentados conselhos práticos para evitar os riscos e valorizar a cidadania e os direitos humanos no ciberespaço, tendo particular atenção a utilização de métodos didáticos apelativos para as crianças; “Guia de Uso Responsável da Internet”, que pretende estimular a construção de um debate sobre o tema quer na sala de aula quer em meio familiar; “Navegar com Segurança”, em associação com a Childhood Brasil, que contém recomendações para pais e educadores para prevenção do aliciamento sexual online a pornografia infantil. (ii) Investigação e identificação de sites sobre tráfico de seres humanos, sendo de referir que entre Abril de 2010 e março de 2012 foram identificados 987 sites de tráfico, em particular falsas agências de modelos e de casamento, que promovem o tráfico. Neste contexto, para além de identificar os sites, a Safernet presta apoio técnico à Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Tráfico Nacional e Internacional de Pessoas no Brasil que foi criada no Senado Brasileiro em abril de 2011 e à Polícia Federal. Têm um site Safernet sobre crimes que recebe denúncias anónimas sobre diferentes tipos de crime, entre os quais TSH. 63 Os pontos fortes desta prática são: - Intervém numa área crítica, num contexto em que a Internet é crescentemente utilizada pelos traficantes como método de recrutamento de vítimas; - Metodologias adequadas aos públicos-alvo, inovadoras e apelativas, assumindo uma enorme preocupação didática; - Prioridade de ações no domínio da prevenção, com a prevenção do risco, envolvendo os professores, pais/ educadores, e de forma muito prática promovendo um uso seguro da internet, em vez da restrição do seu uso, que é pouco realista e contraproducente; - Uma abordagem interdisciplinar, envolvendo quer informáticos, juristas, psicólogos, professores e outros técnicos, o que permite uma maior adequação dos conteúdos aos objetivos e público-alvo; - Uma articulação e cooperação relevante com o Estado, quer a Policia Federal, quer o Senado, demonstrando a relevância desta ação conjunta para a eficácia do combate ao tráfico e de punição dos traficantes; - Uma forte interligação entre a prevenção e a investigação sobre os traficantes, que permite um melhor conhecimento dos métodos utilizados pelos traficantes, no aliciamento e recrutamento via internet, o que permite garantir maior eficácia da prevenção, adequando e adaptando os materiais preventivos a essas novas realidades, nomeadamente com recurso a situações-tipo. As vulnerabilidades desta prática são: - Leque limitado de ligações internacionais, uma vez que a rede de coordenação institucional é essencialmente nacional, embora o tráfico de seres humanos seja um crime transnacional e os aliciamentos são feitos a partir de vários pontos do mundo; - Inexistência de avaliação sistemática sobre a eficácia das ações de prevenção e o seu real impacto sobre os utilizadores da internet, o que não permite ajustar ou corrigir estratégias de abordagem; - A informalidade na utilização dos materiais preventivos em contexto escolar, não existindo uma inclusão desta temática nos conteúdos curriculares obrigatórios, deixando a utilização dos seus conteúdos dependente do interesse particular dos professores. 64 É uma prática que revela sustentabilidade, bem alicerçada em parcerias com entidades oficiais e tem um alto potencial de replicabilidade. 65 Prática 14 - Mercadoria Humana, Saúde em Português, Portugal Nome da Prática Mercadoria Humana Entidade e forma Consulta de recolha de elementos http://mercadoriahumana.blogspot.pt/ online e troca de documentação com Saúde em Português Descrição sumária Sensibilizar a população local para a problemática do TSH, recorrendo a materiais audiovisuais (cartazes e folhetos) e manifestações artísticas marcantes do ponto de vista visual. Resultados Criação de um blog (www.mercadoriahumana.blogspot.com), a principais realização de diversas sessões públicas e conferências, uma campanha de sensibilização nos transportes urbanos, assim como spots de rádio local. Pontos fortes vulnerabilidades e Os pontos fortes desta prática são a abordagem inovadora, na mobilização da expressão artística (artes plásticas e fotografia) para a transmissão da mensagem da campanha, a que se soma uma abordagem de “arte pública” fora dos locais habituais, para melhor chegar ao cidadão comum, focagem no âmbito de ação local, com maior impacto junto da comunidade do significativo, com concelho; um impacto número imediato elevado de expetadores/ visitantes das instalações/ ações do projeto, o que demonstra um interesse pelo tipo de ações encetadas. As vulnerabilidades desta prática são a ausência de uma avaliação qualitativa do impacto junto dos espetadores/ visitantes das iniciativas, ausência de uma componente de ação posterior à sensibilização, que permita à comunidade local intervir ativamente no combate ao tráfico de seres humanos; abordagem generalista da campanha e não adaptada à 66 realidade específica do tráfico na região de Coimbra, uma vez que não foi precedida de uma investigação sobre as caraterísticas do tráfico na região Avaliações Não existe avaliação de impacto, apenas de resultados Projeto iniciado em abril de 2010, com um âmbito de ação local (na região de Coimbra) e tem como objetivos essenciais sensibilizar a população local para a problemática do TSH, recorrendo a materiais audiovisuais (cartazes e folhetos) e manifestações artísticas marcantes do ponto de vista visual. O projeto promoveu a criação de um blog (www.mercadoriahumana.blogspot.com), a realização de diversas sessões públicas e conferências, uma campanha de sensibilização nos transportes urbanos, assim como spots de rádio local. Estas ações tiveram como público-alvo: Colaboradores de ONG; Associação de Imigrantes; Estudantes 2.º, 3.º ciclo, secundário e ensino superior; docentes, educadores, auxiliares de ação educativa e associações de pais e mães; funcionários e quadros de empresas (construção civil, turismo, hotelaria, etc.); forças e serviços de segurança; sindicatos e associações patronais; mulheres, crianças e imigrantes; técnicos de saúde e funcionários administrativos de instituições de saúde, assistentes sociais e outros técnicos sociais, bem como o público em geral. A campanha pretendia ser um contributo para o Plano Nacional para a Igualdade – Cidadania e Género e o Plano Nacional de Combate ao Tráfico de Seres Humanos e teve como atividades principais: ações de sensibilização, exposições de fotografia e artes plásticas, uma peça de teatro, a campanha de sensibilização e informação na rádio, transportes urbanos e produção de material informativo e sensibilização multilingue. A Peça de teatro foi realizada pela companhia de teatro Casa da Esquina. A partir do original “If felt empty the heart went at first but it is alright now” de Lucy Kirkwood realizaram-se adaptações dando origem à peça “Senti um vazio…” que teve 1631 espetadores. 67 As Ações de Sensibilização em Tráfico de Seres Humanos foram três, num total de 12 horas, em horário pós-laboral, direcionadas para públicos-alvo específicos para os quais foram criados referenciais ajustados. Formaram 55 pessoas, nomeadamente Estudantes Universitários, Estudantes do Ensino Básico, Docentes e educadores, colaboradores e trabalhadores de ONG, técnicos de saúde, forças e serviços de segurança, sindicatos e quadros de empresas. A Exposição de fotografia (Instalação Fotográfica sobre TSH) de Pedro Medeiros, com um portfólio inédito de 8 fotografias que retratasse o tema central do projeto. Durante 5 meses, de 3 de Maio a 3 de Setembro, estes painéis estiveram colocados em mais de 80 locais da cidade. Por sua vez, foram também distribuídos folhetos desta instalação no decorrer de outras atividades de projeto, nomeadamente a sessão de lançamento da campanha de tráfico de seres humanos, nos debates sobre tráfico de seres humanos e nos locais onde esteve presente a exposição de artes plásticas e no teatro. Estima-se que tenham visto a instalação mais de 15.000 pessoas. A partir destas fotografias foi concebida uma Campanha nos Transportes urbanos, em três autocarros durante 5 meses que se estima que foi vista por mais de trinta mil pessoas. A Exposição de manequins (Mercadoria Humana | Exposição de Artes Plásticas sobre o Tráfico de Seres Humanos com a Escola Universitária das Artes de Coimbra – ARCA EUAC, com a caracterização de sete manequins, o périplo da exposição Mercadoria Humana – Exposição de Artes Plásticas sobre o Tráfico de seres Humanos esteve em 16 locais, com mais de 5000 visitantes. As vulnerabilidades desta prática são: - Ausência de uma avaliação qualitativa do impacto junto dos espetadores/ visitantes das iniciativas, não sendo suficiente a mera indicação do número de pessoas abrangidos pela atividade; - Ausência de uma componente de ação posterior à sensibilização, que permita à comunidade local intervir ativamente no combate ao tráfico de seres humanos; 68 - Abordagem generalista da campanha e não adaptada à realidade específica do tráfico na região de Coimbra, uma vez que não foi precedida de uma investigação sobre as caraterísticas do tráfico na região; - O impacto das ações de sensibilização dirigido a grupos alvo específicos foi limitado, nomeadamente tendo em atenção que as ações de sensibilização pública tinha criado uma apetência especial para ações deste tipo no concelho. Particularmente as ações junto das escolas – estudantes do secundário e universitário – poderiam ter sido mais reforçadas, para atingir um número mais significativo e com maior efeito multiplicador. - Não mobilização da comunidade alvo das ações de sensibilização (incluindo universidades, escolas, empresas), de modo a diversificar fontes de financiamento, suscetíveis de garantir sustentabilidade futura e a continuidade deste tipo de intervenção para além do prazo de vigência do projeto, como parte integrante das atividades da organização. Os pontos fortes desta prática são: - Abordagem inovadora, na mobilização da expressão artística (artes plásticas e fotografia) para a transmissão da mensagem da campanha, a que se soma uma abordagem de “arte pública” fora dos locais habituais, para melhor chegar ao cidadão comum. Podem contudo, colocar-se algumas questões se funcionará para todo o tipo de públicos; - Focagem no âmbito de ação local, com maior impacto junto da comunidade do concelho, embora as ações não tenham em conta as realidades específicas do tráfico; - Impacto imediato significativo, com um número elevado de expetadores/ visitantes das instalações/ ações do projeto, o que demonstra um interesse pelo tipo de ações encetadas; - As ações junto das escolas e jovens correspondem uma área prioritária em matéria de prevenção; 69 - Forte rede de parcerias, com câmaras municipais, hospitais, centros de saúde, escolas, universidades e empresas; - Campanha articulada com o Plano Nacional de Combate ao TSH. Tem potencial de replicabilidade em vários contextos e a sua sustentabilidade pode ser reforçada. Tem elevada inovação na abordagem. 70 4.2. PROTEÇÃO Prática 15 - Aplicação do Artigo 18 do Decreto-lei 286/98 no Município de Veneza, Itália Nome da Prática Aplicação do Artigo 18 do Decreto-lei 286/98 no Município de Veneza Entidade e forma Entrevistas com PARSEC (22/4/2010), OIM Itália (23/4/2010), de recolha Ministério de Igualdade de Oportunidades (23/4/2010) , Entrevista com técnico coordenador do Município de Veneza e sua participação no workshop “Tráfico de Seres Humanos, Estratégias Nacionais e Locais” com redação de paper intitulado “Victim Support System Developed by the Municipality of Venice” entregue em dezembro de 2010. Descrição sumária Sistema local de aplicação do Artigo 18, multi-agency e flexível, de proteção e reintegração social da vítima, promovendo a sua autonomia gradual e adaptando a estratégia de reintegração às condições específicas da vítima, incluindo a sua cultura, tipo de exploração, origem, situação psicológica, etc., com a intervenção ativa de um mediador cultural e linguístico, com formação especializada. Resultados Em 11 anos de funcionamento, apoio imediato e escrutínio de principais quase 2000 vítimas sinalizadas de tráfico; apoio legal e cuidados de saúde a 741 pessoas; proteção de 343 pessoas no Programa de Proteção Social e Reintegração; conclusão de 91 processos criminais relacionados com o tráfico, que determinaram a condenação de 471 traficantes. Pontos fortes e Os pontos fortes são uma abordagem que atribui prioridade vulnerabilidades aos direitos humanos da vítima, mas que consegue combinar de forma eficaz a perspetiva da punição do crime e dos traficantes; uma abordagem multi-agency e a capacidade 71 definir consensualmente uma estratégia e procedimentos uniformes; o papel decisivo dos mediadores culturais e linguísticos, com elevado nível de formação e experiência e que partilham com a vítima as mesmas referências culturais, com capacidade de comunicação direta; a flexibilidade do tratamento de situações diferenciadas das vítimas na definição de um plano individual de reintegração e na aplicação de sistemas diferenciados de proteção. As vulnerabilidades são a sua aplicação e interpretação através de circulares administrativas, e que geram distorções e desvios face à letra da lei, originando um gap significativo entre a lei e a sua aplicação (law in books – law in action); risco de excesso de poderes e de decisões arbitrárias por parte dos assistentes sociais, que não resultam da lei mas sim do desenvolvimento de práticas administrativas informais, que acabam por gerar limitações nos direitos das vítimas, incluindo decisões arbitrárias de retirada da autorização de residência, sem controlo judicial. Avaliações Avaliado nacional e internacionalmente como boa prática O Artigo 18 da Lei de Imigração, Decreto Legislativo nº 286/98, prevê a atribuição de autorizações de residência para proteção social e permite a concessão destas autorizações com base em critérios humanitários. Este artigo teve a sua origem na experiência acumulada no combate contra a máfia e na luta contra a exploração sexual de mulheres. Baseia-se na lógica de proteção dos direitos das vítimas e o seu elemento fundamental é o do que a colaboração da vítima com as autoridades policiais e judiciais no âmbito do processo penal não é uma condição obrigatória para acesso ao programa de reintegração social. Assim, qualquer vítima de tráfico pode receber uma autorização especial de residência, por razões humanitárias, para ingressar no programa de Assistência e Integração Social. A estrutura desta disposição legal é binária, já que prevê dois processos distintos para obtenção de autorização de residência: o primeiro é a vertente judicial e a segunda a vertente social. Na vertente judicial, controlada pelo Ministério Público, implica que a vítima de tráfico 72 decida apresentar uma queixa e cooperar com a Polícia e o Ministério Público no processo penal contra os traficantes. Na vertente social a vítima opta por não colaborar com a Polícia e o Ministério Público na acusação, e entra num processo que é essencialmente coordenado por um assistente social. Neste caso, apenas terá de ser elaborado um relatório pelos serviços sociais que relata a situação de exploração da vítima às autoridades policiais. O Artigo 18 prevê um programa com a duração de 12 a 18 meses durante o qual a vítima é orientada por um mediador linguístico e cultural, com o objetivo de atingir a sua plena independência através da obtenção de documentos de regularização da sua situação, aquisição da língua italiana, e obtenção de um emprego que garanta a sua subsistência. O acesso a este programa não tem como objetivo fundamental a obtenção de uma autorização de residência mas antes capacitar a vítima para ser independente e autónoma e em situação legal. Assim, a Autorização de Residência é apenas um instrumento e não o objetivo essencial do programa do Artigo 18. A implementação deste programa apresenta diversas vulnerabilidades: A sua aplicação e interpretação através de circulares administrativas, e que geram distorções e desvios face à letra da lei, originando um gap significativo entre a lei e a sua aplicação (law in books – law in action); Sistema concebido para exploração sexual existindo dificuldade na aplicação ao tráfico para exploração laboral, apesar das tentativas de adaptação através de circulares administrativas; Risco de excesso de poderes e de decisões arbitrárias por parte dos assistentes sociais, que não resultam da lei mas sim do desenvolvimento de práticas administrativas informais, que acabam por gerar limitações nos direitos das vítimas, incluindo decisões arbitrárias de retirada da autorização de residência, sem controlo judicial. Não existem linhas de orientação sobre os standards de formação a conceder às vítimas que introduz grandes variações na qualidade e na prática de várias instituições. São organizados cursos de formação específicos para as vítimas, o que tende a acentuar a segregação e o isolamento das mesmas. A aplicação do Artigo 18 no território italiano não é uniforme, existindo grandes variações regionais e locais na concretização do sistema. A sua aplicação é territorizada e depende dos procuradores locais, e em algumas regiões de Itália não tem produzido resultados consistentes, havendo uma grande disparidade entre diferentes regiões. Tal comprova que a criação de uma lei em si só não é suficiente para fundamentar uma 73 boa prática, uma vez que a sua efetiva aplicação é uma fator decisivo para o seu sucesso. A aplicação pelo Município de Veneza constitui uma boa prática, perspetiva confirmada por instituições públicas e privadas dentro e fora de Itália. O sistema local está estruturado a partir de um sistema de sinalização local, desenvolvido na região de Veneto, que adota uma abordagem de proteção de direitos humanos, baseadas numa rede multi-agency envolvendo autoridades judiciais, polícias, operadores sociais e mediadores culturais e linguísticos. Foram desenvolvidas metodologias para diferentes fases dos processos, acordadas e validadas por todas as entidades e são uniformemente aplicadas. A estreita cooperação entre as várias entidades é uma dos ingredientes que apoia a boa prática. O segundo pilar é a intervenção do mediador cultural e linguístico, que trabalha integrado numa equipa multidisciplinar e que é alguém proveniente do mesmo país das vítimas e que conhece os seus códigos de comunicação e os seus referenciais culturais, permitindo uma maior eficácia na proximidade na relação com a vítima. O mediador tem uma formação especializada focada em questões de lei de imigração, legislação nacional e internacional sobre direitos humanos e estratégias de relacionamento com as vítimas de tráfico, desde o primeiro contacto. Esta formação permite-lhe trabalhar com as vítimas de tráfico, funcionando como o grande facilitador da comunicação entre a vítima e as diferentes instituições, designadamente a Polícia, relativamente à qual a vítima desenvolveu, por causa de experiências negativas com a Polícia no país de origem ou de destino, um sentimento de desconfiança. Tem ainda o papel de informar a vítima dos seus direitos. A equipa é composta por 18 mediadores e 25 pessoas mais na estrutura do programa. Outro aspeto fundamental é a boa articulação com o programa, ao abrigo do artigo 13º (da Lei Anti-Tráfico 228/2003). O Município de Veneza tem uma rede de 11 centros de receção protegidos e que desempenham o papel de primeiro mecanismo de proteção das vítimas que aí podem ficar por um período de 3 meses, prorrogável por mais 3. Finalmente o programa de Reintegração Social do Artigo 18º envolve formação profissional da vítima orientada para obtenção de emprego. A vítima também recebe apoio para desencadear o processo civil para receber indemnização pelos danos sofridos. O programa envolve formação na empresa, o que permite o contacto com a realidade do mundo do trabalho, mas é também um mecanismo 74 importante de inclusão social da vítima. Existe um sistema flexível que se adapta a diferentes condições das vítimas, pelo que o programa de reintegração pode decorrer em abrigos protegidos ou de uma forma mais integrada na comunidade. O sistema está também pensado para conceder uma autonomia progressiva à vítima, que é incentivada a ter uma atitude proactiva de procura de emprego em vez de ser a estrutura a fazer essa procura. Os pontos fortes da boa prática são: - Uma abordagem que atribui prioridade aos direitos humanos da vítima, mas que consegue combinar de forma eficaz a perspetiva da punição do crime e dos traficantes; - Uma abordagem multi-agency e a capacidade definir consensualmente uma estratégia e procedimentos uniformes; - O papel decisivo dos mediadores culturais e linguísticos, com elevado nível de formação e experiência e que partilham com a vítima as mesmas referências culturais, com capacidade de comunicação direta; - A flexibilidade do tratamento de situações diferenciadas das vítimas na definição de um plano individual de reintegração e na aplicação de sistemas diferenciados de proteção; - Promoção da proatividade da vítima e da sua autonomia progressiva, evitando colocála numa posição passiva e dependente que não favoreça as perspetivas de integração social; - Procura ativa da inclusão social, através da formação profissional não segregada e de programas de estágio em empresas, que contrariam o risco de estigmatização da vítima; - Envolvimento ativo do governo regional, que suporta 20% do financiamento do programa. Os fatores pessoais também desempenham um papel importante, tendo sido salientada a abertura e o espírito de cooperação ativa do comandante da Polícia de Veneza. Dos resultados obtidos ao longo de 11 anos, no Município de Veneza, foi possível: - Conceder apoio imediato e fazer o escrutínio de quase 2000 vítimas sinalizadas de tráfico; - Fornecer apoio legal e cuidados de saúde a 741 pessoas; 75 - Garantir a proteção de 343 pessoas no Programa de Proteção Social e Reintegração. Destas 343, 50% colaboraram com as autoridades policiais no âmbito do processo penal, como testemunhas, o que permitiu concluir 91 processos criminais relacionados com o tráfico, que determinaram a condenação de 471 traficantes. A prática tem sido consolidada e a sua aplicação durante 11 anos é um bom indicador de sustentabilidade da mesma. Considera-se ainda que existe um elevado potencial de replicabilidade. Relativamente à difusão, consideramos que a prática tem sido bem difundida, no que respeita aos seus princípios fundamentais, para diferentes Estados Europeus, influenciando a política anti-tráfico da Europa, e dando contributo significativo para a Convenção de combate ao tráfico do Conselho da Europa. 76 Prática 16 - Posto Avançado de Atendimento Humanizado aos Migrantes do Aeroporto de Guarulhos, São Paulo, Brasil Nome da Prática Posto Avançado de Atendimento Humanizado aos Migrantes do Aeroporto de Guarulhos Entidade e forma Entrevista a 11/11/2010 com responsável do Posto. Consulta de recolha de elementos online e troca de documentação Descrição sumária Posto de Atendimento Humanizado com o objetivo de acolher todos os brasileiros deportados e não admitidos que chegam pelo aeroporto de Guarulhos e assistir aqueles brasileiros identificados como vítimas de tráfico de pessoas, principalmente mulheres e transgenders, encaminhando-os â rede de proteção social existente. Resultados No primeiro ano de funcionamento o Posto Avançado de principais Guarulhos atendeu 2088 pessoas, 1245 homens, 800 mulheres e 41 transexuais, tendo sido sinalizadas 63 vítimas de tráfico. Nos anos seguintes, as vítimas de tráfico sinalizadas diminuíram – 33 em 2008, 31 em 2009 – voltando a aumentar em 2010, com 67 vítimas sinalizadas. Pontos fortes e Os pontos fortes da prática são o facto de ter passado de uma vulnerabilidades metodologia piloto de uma ONG para uma política pública, com uma boa relação de cooperação entre a ONG e o governo local e central; - Adoção de uma perspetiva de direitos humanos, com prioridade no apoio à vítima e de uma procura ativa de potenciais vítimas de tráfico, procurando evitar estigmatização, através de uma prática de atendimento humanizado e elevada replicabilidade, já concretizada no Brasil, mas podendo ser disseminada a outros países da América Latina. As vulnerabilidades desta prática são as dificuldades de coordenar e garantir o acompanhamento adequado da vítima após o atendimento no Posto, por incapacidade quantitativa e qualitativa de apoio por parte de 77 instituições brasileiras, sendo apenas um elo numa cadeia mais longa de instituições e a curta duração do período de atendimento prejudica, por vezes, a criação da necessária relação de confiança entre vítima e equipa, e a possibilidade de identificar mais vítimas. Avaliações Avaliação preliminar do primeiro ano, entre dezembro de 2006 e dezembro de 2007, publicado “Sistematização da Experiência de Atendimento do Posto - Posto de Atendimento Humanizado aos Migrantes, Ministério da Justiça/ UNODC, 2009.” Em 2006 foi aberto o Posto de Atendimento Humanizado de Migrantes, dentro do aeroporto de Guarulhos, coordenado por uma ONG, a ASBRAD (Associação Brasileira de Defesa da Mulher, Infância e da Juventude), que pretendia “acolher todos os brasileiros deportados e não admitidos que chegam pelo aeroporto de Guarulhos e assistir aqueles brasileiros identificados como vítimas de tráfico de pessoas, principalmente mulheres e transgenders, encaminhandoos â rede de proteção social existente.” Este Posto foi o primeiro Posto do seu género na América Latina, e nasceu da experiência do atendimento voluntário de vítimas de tráfico de pessoas, iniciado desde 1999 pela ASBRAD. Na sequência de um estudo de investigação em que estiveram envolvidos o Ministério da Justiça, a UNODC e a OIT, foram detetados indícios de vítimas de tráfico entre brasileiros e brasileiras que retornavam ao país através do aeroporto de Guarulhos na condição de deportados ou não admitidos. Na sequência desde estudo e com o apoio financeira da CORDAID, organização humanitária holandesa, foi lançado o projeto piloto, tendo em vista a identificação e apoio a vítimas de tráfico. Foi adotada uma abordagem de direitos humanos no apoio à vítima. Foi criada uma equipa interdisciplinar, constituída por uma coordenadora, uma psicóloga, uma assistente social, um cientista social, que procediam ao atendimento de brasileiros deportados na área restrita do aeroporto. Os deportados são encaminhados pelos funcionários da companhia área para a Policia Federal onde são abordados por elementos da equipa. O atendimento inicia-se com a ajuda prestada ao preenchimento do impresso entregue pela Polícia Federal. Esta equipa atua em local de acesso restrito e diferencia sequer das autoridades policiais quer de funcionários 78 do aeroporto através de uma camisa laranja com a frase “Conte comigo”, com indicação que se trata de uma ONG. Não é utilizado um questionário escrito. O membro da equipa dialoga com a potencial vítima. O atendimento é assim estruturado em três fases: - Acolhimento - Escuta aprofundada - Encaminhamento. Após o estabelecimento do vínculo de confiança, a vítima identificada explicita as suas necessidades e em função dos seus objetivos é definido o encaminhamento possível. A vítima poderá, caso concorde, ser encaminhada para uma casa de acolhimento, ser auxiliada no regresso à sua cidade natal e participar em programas sociais. O acompanhamento após a saída do aeroporto tende a defrontar-se com algumas dificuldades e depende da vontade da vítima. Um dos problemas no acompanhamento das vítimas é a inexistência em número suficiente de entidades capacitadas para receber a vítima e prestar-lhe o apoio adequado, quer em termos psicológicos, quer em termos de reinserção social. Relativamente aos emigrantes que partem, foram ensaiadas ações pontuais de sensibilização para os riscos de tráfico. No entanto, esta ação de prevenção não tem caráter continuado e acaba por constituir um aspeto marginal do trabalho do posto. Em Março de 2010, este Posto passou a ser gerido pela Prefeitura de S. Paulo, após capacitação realizada pela ASBRAD. No primeiro ano de funcionamento o Posto Avançado de Guarulhos atendeu 2088 pessoas, 1245 homens, 800 mulheres e 41 transexuais, tendo sido sinalizadas 63 vítimas de tráfico. Nos anos seguintes, as vítimas de tráfico sinalizadas diminuíram – 33 em 2008, 31 em 2009 – voltando a aumentar em 2010, com 67 vítimas sinalizadas. Relativamente ao tipo de pessoas atendidas, estas são deportadas ou não admitidas, registando-se três situações distintas, no que respeita a vítimas de tráfico: - Pessoas que foram identificadas como vítimas no país que as deportou; - Pessoas que tendo denunciado a situação no país que as deportou não viram o seu estatuto de vítima reconhecido; 79 - Pessoas que só revelam a sua situação de tráfico no momento de atendimento. Esta prática foi objeto de uma avaliação preliminar do primeiro ano, entre dezembro de 2006 e dezembro de 2007, publicado “Sistematização da Experiência de Atendimento do Posto - Posto de Atendimento Humanizado aos Migrantes, Ministério da Justiça/ UNODC, 2009.” A criação de Postos Avançados está prevista na “Ação 41”, do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). O funcionamento desses Postos está regulamentado na Portaria nº 31, de 20 de agosto de 2009. Houve uma disseminação desta prática, através da criação de mais 11 postos avançados em fonteiras terrestres, fluviais e aéreas no Brasil. Atualmente estão em funcionamento 12 postos: 1 Acre (terrestre); 1 Ceará (aéreo); 1 Pará (aéreo), 1 Rio de Janeiro (aéreo), 2 S. Paulo (aéreo e rodoviário) e 6 no Amazonas (4 fluviais e 2 rodoviários). As vulnerabilidades desta prática são: - Dificuldades de coordenar e garantir o acompanhamento adequado da vítima após o atendimento no Posto, por incapacidade quantitativa e qualitativa de apoio por parte de instituições brasileiras, sendo apenas um elo numa cadeia mais longa de instituições; - A mudança de gestão de ONG para instituição do governo local implicou uma redução da qualidade da resposta e a manutenção dos padrões de atendimento, em resultado quer da menor proatividade do posto, quer do menor à vontade da vítima no contacto com uma instituição pública comparativamente à abordagem por uma ONG; - A curta duração do período de atendimento prejudica, por vezes, a criação da necessária relação de confiança entre vítima e equipa, e a possibilidade de identificar mais vítimas; - Insuficiente capacidade institucional para lidar com o fluxo de passageiros do aeroporto internacional. Um aspeto que começou a ser corrigido a partir de 2011 com o reforço da equipa e o alargamento do número de horas de funcionamento para 24 horas; - Número reduzido de vítimas de tráfico identificadas, relativamente ao número de atendimentos, que no primeiro ano correspondem a 3% das pessoas deportadas atendidas e 5% no caso das mulheres, tendo-se agravado nos anos seguintes; 80 - A relativa marginalização da vertente prevenção relativamente aos emigrantes que saem do país, sabendo-se da possibilidade de envolvimento de ex-vítimas no processo de sensibilização de pessoas para os riscos do tráfico. Os pontos fortes da prática são: - A prática passou de uma metodologia piloto de uma ONG para uma política pública, com uma boa relação de cooperação entre a ONG e o governo local e central; - Adoção de uma perspetiva de direitos humanos, com prioridade no apoio à vítima e de uma procura ativa de potenciais vítimas de tráfico, procurando evitar estigmatização, através de uma prática de atendimento humanizado; - Existência de um processo de avaliação, ainda que preliminar, com sistematização da prática e publicação, sendo de garantir uma avaliação periódica; - Considerada uma boa prática pela UNODC, que sugere a sua disseminação a outros países da América Latina; - Elevada replicabilidade, já concretizada no Brasil, mas podendo ser disseminada a outros países da América Latina. Para 2013 estão previstos mais oito postos avançados e para 2014 mais dois. 81 Prática 17 - Interlocutor único para a vítima, End Human Trafficking Now, Associacion Libertá, Suíça Nome da Prática Interlocutor único para a vítima Entidade e forma Entrevista a End the Trafficking Now/ Association Libertá de recolha (Suíça) a 9/4/2010, consulta de elementos http://www.endhumantraffickingnow.com/ e online troca de documentação com organização Descrição sumária Sistema de interlocutor único para a vítima, com um técnico com formação adequada, que acompanha a vítima desde o início ao fim do processo. Uma das funções mais significativas é articulação com a multiplicidade de serviços públicos (polícia, segurança social, serviços imigração), cada um com os seus procedimentos específicos, mas que exigem da vítima prestação recorrente de testemunho e informação. Resultados Várias vítimas com interlocutor único principais Pontos fortes e Os pontos fortes desta prática são, o impedimento da vulnerabilidades revitimização, uma vez que a vítima não tem de recontar a sua história e reviver a situação traumática por que passou como vítima de tráfico; ajuda a vítima a ultrapassar barreiras culturais e linguísticas no contacto com as diversas entidades; e existe um técnico da ONG que conhece aprofundadamente o processo da vítima, nas suas diversas vertentes e que faz o seu acompanhamento do princípio ao fim do processo, o que permite intervir de forma atempada na solução de pontos de estrangulamento e minimizar as contradições existentes entre diversos serviços públicos na abordagem da situação da vítima. As vulnerabilidades desta prática são o risco de criação de uma situação de dependência do técnico, que não promova a sua autonomização, pelo que este apoio não deverá ser prolongado para além de uma fase inicial, a limitação dos 82 efeitos pela não existência de um interlocutor único do lado do Estado e exige um reforço da estrutura de recursos humanos, o que nem sempre é viável para instituições com financiamentos limitados. Avaliações Não existe informação disponível. Na Association Libertá (ONG Suíça) foi instituído um sistema de interlocutor único para a vítima, com um técnico com formação adequada, que acompanha a vítima desde o início ao fim do processo. Uma das funções mais significativas é articulação com a multiplicidade de serviços públicos (polícia, segurança social, serviços imigração), cada um com os seus procedimentos específicos, mas que exigem da vítima prestação recorrente de testemunho e informação. Esta dispersão de interlocutores, com diferentes exigências e procedimentos, cria grande pressão psicológica sobre as vítimas, constituindo uma verdadeira causa de revitimização. A vítima é acompanhada nestes contactos pela ONG que a apoia e ajuda a eliminar o efeito de intimidação que o contacto com as autoridades cria a essa vítima. Este interlocutor único adquire uma versão holística da situação da vítima, o que torna mais eficaz a sua ação e procura induzir do lado das instituições públicas um esforço de maior coordenação e simplificação de procedimentos. Os pontos fortes desta prática são: - A vítima não tem de recontar a sua história e reviver a situação traumática por que passou como vítima de tráfico; - Ajuda a vítima a ultrapassar barreiras culturais e linguísticas no contacto com as diversas entidades; - A existência de um técnico da ONG que conhece aprofundadamente o processo da vítima, nas suas diversas vertentes e que faz o seu acompanhamento do princípio ao fim do processo, o que permite intervir de forma atempada na solução de pontos de estrangulamento e minimizar as contradições existentes entre diversos serviços públicos na abordagem da situação da vítima. 83 As vulnerabilidades desta prática são: - Risco de criação de uma situação de dependência do técnico, que não promova a sua autonomização, pelo que este apoio não deverá ser prolongado para além de uma fase inicial; - Os efeitos são limitados pela não existência de um interlocutor único do lado do Estado; - Requer um reforço da estrutura de recursos humanos, o que nem sempre é viável para instituições com financiamentos limitados. A prática tem elevado potencial de replicabilidade, embora exija a existência de mediadores culturais capacitados para fazer esse acompanhamento. A sustentabilidade da prática exige um investimento nos recursos humanos da organização. 84 Prática 18 - Programa culturas e práticas não revitimizantes, Childhood, Brasil Nome da Prática Programa culturas e práticas não revitimizantes Entidade e forma Entrevista a Childhood Brasil a 11/11/2010, consulta de de recolha elementos online http://www.childhood.org.br/ e troca de documentação com organização Descrição sumária Conjunto de boas práticas para o testemunho em processos judiciais de crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual Resultados Existiam no final de 2011, 43 salas especiais para depoimento, principais e estimando-se em 2012 o aumento desse número para cerca de 70 salas, em todo o país Pontos fortes e Os pontos fortes desta prática são a focagem numa questão vulnerabilidades que tende a ser marginalizada que é a revitimização das vítimas pelo próprio sistema que deveria proteger as vítimas e fazer valer os seus direitos; a adaptação do sistema a um tipo específico de vítima, feito com base numa abordagem de proteção dos direitos da vítima e da criança e adolescente; o envolvimento de magistrados e promotores, tendo o seu papel no sistema judicial, tem uma natureza estratégica para facilitar a implementação e consolidação da prática; construção da prática a partir de uma investigação alargada de boas práticas internacionais, o que conferiu uma base sólida à implementação da mesma. As vulnerabilidades desta prática são existência de alguma resistência institucional à adoção da prática, por parte de juízes em tribunais, tendo em conta que a difusão tem sido mais lenta e concentrada em certas regiões do inicialmente seria de esperar; a formação do entrevistador do depoimento especial não está devidamente formalizada e tem uma natureza ad hoc, não se podendo considerar que a intervenção de um psicólogo sem formação específica seja a solução adequada, uma vez que estamos no âmbito de uma 85 inquirição judicial e não de uma sessão terapêutica; a adoção da prática requere um investimento significativo inicial em termos de equipamento, pelo que os constrangimentos financeiros poderão impedir a sua criação em alguns tribunais e a sua mais rápida difusão; a restrição desta prática a crianças e adolescentes, podendo ser estendida a vítimas de tráfico adultos e outras vítimas vulneráveis. Avaliações Não existe informação disponível O Programa “Culturas e práticas não-revitimizantes: reflexão e socialização de metodologias alternativas para inquirir crianças e adolescentes em processos judiciais”, realizado pela Childhood Brasil e a Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP) é uma iniciativa que contou com o apoio da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Inspirado pelo projeto “Depoimento sem dano”, que definiu um conjunto de boas práticas para o testemunho em processos judiciais de crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual. Programa lançado em 2007 que pretendia influenciar as políticas públicas, em que foi feito um estudo de mapeamento mundial de práticas relacionadas com o depoimento de crianças e adolescentes em 28 países. Isto resultou na publicação “Depoimento Sem Medo”. Os seus objetivos de longo prazo são a redução da revitimização de crianças e adolescentes em processos judiciais e o fomento de normas, políticas públicas e práticas sociais que interrompam o ciclo de violência perpetrado contra crianças e adolescentes. Nesta investigação sobre boas práticas não revitimizantes foram analisadas 25 experiências internacionais, sendo as mais relevantes as da Europa, América do Sul e Ásia. Contudo, existem vários desafios à sua implementação, nomeadamente: primeiro, nos países em que a metodologia foi implantada nos tribunais, a sua utilização na produção antecipada de provas ainda na fase policial; segundo, para todos os países, que a metodologia seja validada como prova material suficiente e elimine a necessidade de depoimentos ao vivo para crianças e adolescentes em outras fases do processo judicial. Um último desafio é representado por 86 registo, documentação, monitorização e avaliação dessas novas práticas de tomada especial de depoimento de crianças e adolescentes. Muito embora esta prática seja mais generalizada para casos de vítimas crianças e adolescentes de violência sexual, a prática tem sido aplicada a casos de tráfico de crianças e adolescentes. O projeto tem como objetivo promover a alteração de políticas públicas e no âmbito das práticas processuais, e na sequência dos simpósios realizadas em conjunto com o Conselho Nacional de Justiça, esta instituição emitiu uma recomendação nº 33, de 23 de novembro de 2010, que sugere a criação nos tribunais de serviços especializados para audição de crianças e adolescentes ou testemunhas de violência nos processos judiciais. A implementação desta recomendação tem registado algum progresso, existindo no final de 2011, 43 salas especiais para depoimento, e estimando-se em 2012 o aumento desse número para cerca de 70 salas, em todo o país8. Foi também iniciada uma experiência inovadora com uma sala de depoimento itinerante nas comarcas de Paraíba – o projeto “Justiça Pra te ouvir” – que permite um conjunto significativo de tribunais que não dispõem de sala especial podere usar esta metodologia. Importa referir também que a difusão da prática tem sido assimétrica, com uma clara concentração na zona sul, em particular no estado de Rio Grande do Sul, onde a prática se iniciou (em 2003) e menos noutras zonas do país. Na comparação das 25 experiências internacionais, em 28 países, resultou a identificação de dois sistemas principais: i) closed circuit of television (CCT), com o depoimento de criança e adolescente pré-gravado e utilizado na audiência do julgamento; ii) método da Câmara Gesell, em que a vítima é ouvida em sala especial, separada da sala de julgamento, durante a audiência de julgamento. A recomendação do CNJ aponta para a adoção do método Câmara Gesell, método que implica, para além de existência de uma sala adequada para o efeito, confortável para a vítima, uma segunda caraterística essencial relacionada com o facto de o interrogatório ser conduzido exclusivamente por um psicólogo, com formação prévia e um dispositivo auditivo onde recebe as perguntas feitas e acompanhadas noutro local por juízes, procuradores e advogados. Este técnico poderá fazer recurso a diferentes metodologias, mais 8 Fonte Childhood Brasil. 87 adequadas à criança, nomeadamente utilizando fantoches e desenhos, para de uma forma natural despoletar o relato fluido da situação, evitando o modelo tradicional de interrogatório. Esta intervenção dos psicólogos tem levantado alguma polémica, associada aos problemas éticos suscitados pelo Conselho Federal de Psicologia que considera que o papel dos psicólogos é o escutar as crianças mas não o de as inquirir judicialmente. O leque de técnicos com função de inquirir as crianças tem sido ampliado, em parte como resultado da experiência norteamericana, em que os entrevistadores vêm de áreas diferentes, embora sejam todos sujeitos a uma formação específica. A formação dos entrevistadores é um aspeto essencial que a Childhood Brasil tem desenvolvido, promovendo ações de formação sobre depoimento especial de crianças e adolescentes, junto dos tribunais, orientadas para juízes, promotores, assistentes sociais, conselhos tutelares, advogados, psicólogos, em conjunto com o Centro Nacional de Defesa da Infância dos EUA. Esta formação específica é fundamental para o sucesso da prática tendo em conta que muitas vezes os juízes e advogados não têm preparação para interrogar crianças. Um dos desafios essenciais na intervenção do entrevistador é que este seja capaz de manter uma postura neutra, de modo a não influenciar ou distorcer o depoimento da criança. Este depoimento especial de crianças e adolescentes pretende evitar a vitimização secundária das vítimas, quando contactam com o sistema penal, procurando diminuir o processo de revivência do trauma. Com efeito, segundo a avaliação desta prática, a metodologia normal, sem recurso ao depoimento especial, implica que as crianças tenham em média de testemunhar sete/ oito vezes num processo judicial, o que gera sofrimento, intimidação e contradição. A utilização desta prática permite efetivamente não só diminuir o trauma das vítimas como também assegurar maior eficácia do depoimento, que decorre num ambiente de segurança e numa situação confortável, que não tem o efeito intimidatório e stressante de uma sala de audiência. Desta forma contribui, através de depoimentos mais rigorosos, para decisões mais justas nos processos. Nos casos de tráfico de crianças e adolescentes a prática permite evitar o contacto direto com os traficantes/ exploradores que cuja mera presença física constitui devido à violência do processo a que estas crianças e adolescentes foram expostas, fator de sofrimento e intimidação, para além do ascendente e eventual dependência da criança em relação ao explorador poder perturbar de forma significativa o seu depoimento. 88 As vulnerabilidades desta prática são: - Existência de alguma resistência institucional à adoção da prática, por parte de juízes em tribunais, tendo em conta que a difusão tem sido mais lenta e concentrada em certas regiões do que inicialmente seria de esperar; - A formação do entrevistador do depoimento especial não está devidamente formalizada e tem uma natureza ad hoc, não se podendo considerar que a intervenção de um psicólogo sem formação específica seja a solução adequada, uma vez que estamos no âmbito de uma inquirição judicial e não de uma sessão terapêutica; - A adoção da prática requere um investimento significativo inicial em termos de equipamento, pelo que os constrangimentos financeiros poderão impedir a sua criação em alguns tribunais e a sua mais rápida difusão; - A restrição desta prática a crianças e adolescentes, podendo ser estendida a vítimas de tráfico adultos e outras vítimas vulneráveis. Os pontos fortes desta prática são: - A focagem numa questão que tende a ser marginalizada que é a revitimização das vítimas pelo próprio sistema que deveria proteger as vítimas e fazer valer os seus direitos; - A adaptação do sistema a um tipo específico de vítima, feito com base numa abordagem de proteção dos direitos da vítima e da criança e adolescente; - As parcerias entre as ONG e as associações de magistrados e promotores, criando uma rede da sociedade civil que envolve também entidades públicas. O envolvimento de magistrados e promotores, tendo o seu papel no sistema judicial, tem uma natureza estratégica para facilitar a implementação e consolidação da prática; - Construção da prática a partir de uma investigação alargada de boas práticas internacionais, o que conferiu uma base sólida à implementação da mesma; - Programa de influência de políticas públicas, que através da Resolução nº 33 do Conselho Nacional de Justiça conseguiu que fosse recomendada a criação de salas para recolha de depoimentos especiais nos tribunais. Recomendação que tem vindo a ser implementada efetivamente com a criação de mais de 70 salas; - Programa de intervenção integrado da Childhood, porque associa investigação, mudança de políticas públicas e formação dos entrevistadores no âmbito da inquirição judicial. 89 A prática tem potencial de replicabilidade noutros contextos e tem revelado sustentabilidade, sobretudo após a adoção de uma orientação genérica por parte do CNJ. 90 Prática 19 - Sistema de obrigatoriedade de apresentação das trabalhadoras domésticas, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Áustria Nome da Prática Sistema de obrigatoriedade de apresentação das trabalhadoras domésticas Entidade e forma Consulta de sites oficiais do Ministério dos Negócios de recolha Estrangeiros Austríaco, consulta de elementos online e troca de documentação com organização Descrição sumária Sistema de obrigatoriedade de apresentação das trabalhadoras domésticas por parte dos funcionários diplomáticos ao MNE Resultados Até final de 2010 tinham sido registados 237 trabalhadores principais domésticos e no período 2009/ 2010 foram detetados 7 casos de violação de direitos dos trabalhadores, que configuravam servidão doméstica. Pontos fortes vulnerabilidades e Os pontos fortes são o efeito dissuasor das apresentações periódicas, pessoais, e sem acompanhamento, dos trabalhadores, que poderão denunciar situações de abuso aos funcionários de protocolo do MNE; abordagem pragmática do combate ao TSH, com a criação de procedimentos e Templates para prevenção dos casos de tráfico, nomeadamente contratos de trabalho, cartas de compromisso, plantas de casa, etc.; As vulnerabilidades desta prática são o facto de o processo de apresentações periódicas, no departamento de protocolo, envolver um contato com uma autoridade, formal, que poderá, em muitos casos, não ser propício a que as vítimas denunciem uma situação de exploração ou abuso, por se sentirem intimidadas e também pelas barreiras linguísticas e culturais e limitação na formação dos funcionários de protocolo para lidarem com vítimas de tráfico, nomeadamente formação contínua, existindo um défice de articulação com ONG que poderiam desemprenhar um papel relevante no contacto com 91 as vítimas; a ligação do estatuto de imigração do trabalhador ao empregador reforça o grau de dependência da vítima, facilita a exploração e torna mais difícil a denúncia de abusos. Avaliações Avaliação preliminar, no âmbito de um estudo comparativo de seis países: Alemanha, Bélgica, França, Reino Unido, Suíça e Áustria. Com base numa avaliação qualitativa, assente em entrevista a vários atores intervenientes No âmbito do Plano Nacional de Combate ao TSH, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Áustria (MNE) desenvolveu um sistema de prevenção da servidão doméstica por pessoal diplomático a exercer funções no país. O sistema iniciou-se em 2009 e tinha dois objetivos fundamentais: i) sensibilizar a comunidade diplomática para a questão de TSH, no sentido de tornar clara que a servidão doméstica e as suas práticas associados é uma forma de tráfico, ii) proteger os direitos dos trabalhadores domésticos. O sistema envolve um conjunto de regras que se aplicam quer ao trabalhador quer ao empregador. Quanto ao trabalhador, este tem as seguintes obrigações: - Registar-se no seu consulado na Áustria no momento da chegada; - Apresentar-se, sozinho, no MNE, logo que chega ao país, para obter o cartão de identificação especial (CIE); - Apresentar-se, obrigatoriamente, pelo menos uma vez por ano, no departamento de Protocolo do MNE, pessoalmente, para obter renovação do CIE. No âmbito quer da apresentação inicial quer das subsequentes, os serviços de protocolo informam os trabalhadores domésticos dos seus direitos e das regras sobre a prestação do trabalho. O empregador tem como obrigações: - Requerer o visto para o trabalhador; - Entregar uma cópia do contrato de trabalho, que tem de ser obrigatoriamente elaborado de acordo com uma minuta definida pelo MNE; 92 - Entregar cópia da planta da casa, com identificação específica da zona onde o trabalhador ficará alojado; - Entregar cópia do contrato de arrendamento; - Entregar cópia do seguro de viagem; - Apresentação de comprovativos de pagamento de salários, necessariamente por transferência bancária para uma conta aberta em nome do trabalhador em banco domiciliado na Áustria. Não são admitidos pagamentos em dinheiro; - Prova de pagamento de contribuições para a segurança social; - Apresentação de uma declaração de compromisso, em que garante que irá respeitar a lei laboral, fornecer alojamento, seguro de saúde, que assume o pagamento da viagem de regresso após o fim de contrato e que não retirará o passaporte nem o CEI ao trabalhador. O não cumprimento das obrigações por parte do empregador impede ou a atribuição de visto ou a renovação do CEI do trabalhador. No âmbito do sistema existe também uma colaboração estreita com as ONG, que desempenham um triplo papel: (i) dão apoio e abrigo a eventuais vítimas de servidão doméstica detetados, (ii) exercem autonomamente pressão para retirada de privilégios e imunidades a diplomatas que tenham violado os direitos do trabalhador e (iii) denunciam vítimas de tráfico. Existe igualmente uma coordenação com as embaixadas austríacas noutros países e com ONG, no sentido de recolha de informação sobre antecedentes de eventuais suspeitos de tráfico, e de transmissão de informação sobre empregadores que tenham sido considerados suspeitos ou comprovadamente exploradores na Áustria. Este sistema produziu resultados concretos; até final de 2010 tinham sido registados 237 trabalhadores domésticos e no período 2009/ 2010 foram detetados 7 casos de violação de direitos dos trabalhadores que configuravam servidão doméstica. O sistema também tem sido gradualmente aperfeiçoado, o que demonstra que a prática tem vindo a ser melhorada, como comprova, por exemplo, a introdução, em final de 2010 da obrigação de abertura de uma conta para pagamento do salário. 93 Uma das principais dificuldades de reação a casos concretos de violações de direitos humanos são as imunidades diplomáticas dos empregadores. Nesse sentido, foram desenvolvidas um conjunto de medidas informais, que pretendem criar pressão para que o Estado de origem do diplomata adote medidas. Por exemplo: - Suscitar informalmente a questão com o embaixador ou diretor da organização internacional; - Ameaça de retirada ou retira de privilégios e isenções unilaterais; - Contactos informais com os serviços de protocolo do país de origem do empregador. Em casos mais graves, é ponderada a possibilidade de declaração de persona non grata. Até ao momento não existe a utilização desta via mais radical, embora num caso, passado na Áustria, o MNE tenha exercido pressão junto do governo da diplomata, de forma reiterada, levou a que o governo a retirasse um ano antes do final da sua comissão, o que tem sido interpretado como um resultado equivalente à declaração de persona non grata, sem que tenha havido declaração formal. A prática ainda é recente, mas já foi sujeita a uma avaliação preliminar, no âmbito de um estudo comparativo9 de seis países: Alemanha, Bélgica, França, Reino Unido, Suíça e Áustria. Com base numa avaliação qualitativa, assente em entrevista a vários atores intervenientes, foram identificadas algumas limitações das práticas desenvolvidas por estes seis países: - O sistema de apresentação obrigatória uma vez por ano foi considerado insuficiente para uma eficaz monitorização; - Existência de barreiras linguísticas e dificuldades de comunicação entre os serviços de protocolo e alguns trabalhadores domésticos; - Insuficiência de formação dos funcionários de protocolo para a deteção de situações de tráfico para servidão doméstica; - O status do trabalhador está ligado ao empregador, não havendo liberdade de mudança de empregador. 9 Angelika Kartusch, “Domestic Workers and Diplomats’ Households – Rights, violations and access to justice in the context of diplomatic immunity”, German Institute for Human Rights, Junho de 2011. 94 As vulnerabilidades desta prática são: - O processo de apresentações periódicas, no departamento de protocolo, envolve um contato com uma autoridade formal que poderá, em muitos casos, não ser propício a que as vítimas denunciem uma situação de exploração ou abuso, por se sentirem intimidadas e também pelas barreiras linguísticas e culturais; - Limitação na formação dos funcionários de protocolo para lidarem com vítimas de tráfico, nomeadamente formação contínua, existindo um défice de articulação com ONG que poderiam desemprenhar um papel relevante no contacto com as vítimas; - A fiscalização não se pode esgotar nas apresentações e nos documentos. Também deve ser exercida numa base meais regular, como em relação a outras vítimas. As denúncias têm de ser investigadas pelas autoridades policiais, com o apoio do MNE, uma vez que estas desconhecem a extensão e a diversidades de estatutos de imunidade diplomática; - A ligação do estatuto de imigração do trabalhador ao empregador reforça o grau de dependência da vítima, facilita a exploração e torna mais difícil a denúncia de abusos. O sistema deverá ser flexibilizado e deverá ser permitida a mudança de empregador para outro diplomata ou até para outro tipo de empregador, diminuindo essa pressão. Os pontos fortes da prática são: - O efeito dissuasor das apresentações periódicas, pessoais, e sem acompanhamento, dos trabalhadores, que poderão denunciar situações de abuso aos funcionários de protocolo do MNE; - Maior consistência na ação preventiva, porque a mesma entidade que concede e revoga autorizações de visto e de CEIs, faz o controlo da situação de cumprimento das obrigações por parte do empregador; - Há um know-how específico da entidade fiscalizadora sobre o meio em que intervém; - Abordagem pragmática do combate ao TSH, com a criação de procedimentos e Templates para prevenção dos casos de tráfico, nomeadamente contratos de trabalho, cartas de compromisso, plantas de casa, etc.; - Boa articulação com as ONG, embora com algumas deficiências em áreas específicas. A prática tem elevado potencial de replicabilidade e sustentabilidade. 95 Prática 20 - Poppy Project, Eaves, Reino Unido Nome da Prática Poppy Project Entidade e forma Entrevista com Stop the Traffik a 8/7/2010, consulta de de recolha elementos online http://www.eavesforwomen.org.uk/abouteaves/our-projects/the-poppy-project e troca de documentação com organização Descrição sumária Apoio a vítimas de tráfico, mulheres, fornecendo-lhes alojamento, apoio social, jurídico, médico, aconselhamento, formação e acesso à educação, ao mercado de trabalho, e apoio financeiro, simultaneamente fazendo advocacy. Resultados Entre 2003 e 2011 o Poppy Project foi financiado pelo governo principais do Reino Unido e constituía o principal fornecedor de serviços às vítimas de tráfico (mulheres adultas), do RU. Durante esta fase, possuía vários abrigos num total de 54 camas a nível nacional, para além de acordos com outras instituições que pudessem garantir o alojamento de vítimas em condições de segurança – hostels para sem abrigo, refúgios para vítimas de violência doméstica, embaixadas, serviços de imigração e asilo, OIM. A experiência positiva com o Poppy Project levou a que o governo celebrasse acordos de serviços para vítimas, incluindo alojamento, com 17 outras ONG, em vários pontos da Inglaterra, adotando o mesmo modelo. A prática foi assim objeto de disseminação no contexto do Reino Unido. Pontos fortes e Os pontos fortes desta prática são o facto de ser uma prática vulnerabilidades de ONG que teve um impacte sistémico e desenvolveu o modelo de apoio às vítimas de tráfico no Reino Unido; promoção da articulação e cooperação entre os três setores no apoio às vítimas de tráfico; formalização das relações com o Estado com a definição de direitos e obrigações e níveis de financiamento, de modo a garantir a sustentabilidade na prestação de serviços às vítimas; reconhecimento da 96 heterogeneidade das vítimas e definição de modelos de Apoio e intervenção adaptados às especificidades das vítimas; Adoção de uma abordagem de direitos humanos na proteção da vítima, e adoção de um modelo integrado da proteção – curto, médio e longo prazo – intervindo simultaneamente na área dos três Rs – reabilitação, reparação e reintegração. As vulnerabilidades desta prática são elevada dependência de financiamento público durante os primeiros 8 anos do Projeto, o que criou um risco para a sustentabilidade do mesmo; ausência de avaliação do impacto ao nível da reintegração das vítimas; restrição às vítimas do sexo feminino, maiores de 16 anos, o que envolve discriminação das vítimas masculinas, particularmente tendo em conta o seu peso no âmbito da exploração laboral. Avaliações Não existe informação disponível O Poppy Project http://www.eavesforwomen.org.uk/about-eaves/our-projects/the-poppyproject é um projeto da ONG Eaves10, criado em 2003, para fornecer apoio a vítimas de tráfico, mulheres, fornecendo-lhes alojamento, apoio social, jurídico, médico, aconselhamento, formação e acesso à educação, ao mercado de trabalho, e apoio financeiro, simultaneamente fazendo advocacy. O seu âmbito de ação inicialmente estava restrito ao tráfico para exploração sexual, mais foi-se gradualmente alargando, cobrindo os vários tipos de tráfico, primeiro para a servidão doméstica e posteriormente para a exploração laboral, prática forçada de crimes, e tráfico de órgãos. A prática revelou assim possuir elevada flexibilidade tendo evoluído para se adaptar às novas circunstâncias, incorporando outros tipos de tráfico. Embora o apoio e proteção às vítimas seja a sua área prioritária de intervenção, desenvolve ações em duas áreas complementares, com relevância ao nível da prevenção: a sensibilização e a investigação. Relativamente à primeira área o projeto desenvolve ações de sensibilização, e por isso recebe várias sinalizações de vítimas, provenientes de instituições do terceiro setor, de empresas privadas, via profissionais de direito e via linha de apoio 24 horas por dia (020 7735 2062). 10 Criada em 1977, inicialmente como refúgio de mulheres vítimas de violência. 97 O projeto desenvolve também investigação sobre o tráfico de mulheres e crianças, para aumentar o nível de conhecimento do fenómeno. Por exemplo, o projeto desenvolvido com a Metropolitan Police, com o objetivo de identificar as razões que levavam as mulheres vítimas de tráfico a deixarem de colaborar com o processo judicial, durante o mesmo. Entre 2003 e 201111 o Poppy Project foi financiado pelo governo do Reino Unido e constituía o principal fornecedor de serviços às vítimas de tráfico (mulheres adultas), do RU. Durante esta fase, possuía vários abrigos num total de 54 camas a nível nacional, para além de acordos com outras instituições que pudessem garantir o alojamento de vítimas em condições de segurança – hostels para sem abrigo, refúgios para vítimas de violência doméstica, embaixadas, serviços de imigração e asilo, OIM. A experiência positiva com o Poppy Project levou a que o governo celebrasse acordos de serviços para vítimas, incluindo alojamento, com 17 outras ONG, em vários pontos da Inglaterra, adotando o mesmo modelo 12. A prática foi assim objeto de disseminação no contexto do Reino Unido. Contudo, este estatuto alterou-se a partir de julho de 2011, deixando de ter financiamento público, uma vez que a responsabilidade e o correspondente financiamento foi transferido para o Salvation Army. Assim, desde 2012, o Poppy Project é a principal entidade independente no apoio a vítimas de tráfico de mulheres, possuindo um total de 14 camas. Uma das alterações importantes que decorre deste novo estatuto é que o apoio prestado pelo Poppy a vítimas não está dependente da cooperação destas com o processo judicial. A transferência da competência e do financiamento do Poppy Project para o Salvation Army foi considerado por várias ONG como um retrocesso, que implica a perda de parte do know-how consolidado ao longo de 8 anos no apoio a vítimas, uma vez que o Salvation Army não tem experiência na área específica de tráfico 13. A decisão governamental teve um impacto negativo na própria sustentabilidade do projeto e na capacidade de resposta às vítimas, demonstrando também que este estaria fortemente dependente de financiamento público, e que não diversificou as suas fontes de financiamento. 11 Entre 2009 e 2011recebeu um total de 3.7 milhões de libras in House of Lords, Library Notes, 8-10-2010, for the debate on human trafficking of 14-10-2010. 12 “Update to the UK Action Plan on Tackling Human Trafficking”, julho de 2008, Home Office and Scotish Government. 13 GRETA, 2012, “Report concerning the implementation of the Council of Europe Convention on Action Against Traffickimg in Human Beings by United Kingdom – First evaluation round”, Strasbourg, 12/9/2012. 98 O Poppy tem alguns serviços especializados para mulheres jovens – entre os 16 e os 24 anos; para mulheres grávidas, mulheres com crianças no RU ou no estrangeiro, especialistas em reunificação familiar, e mulheres em centros de detenção. O Poppy tem ainda uma intervenção no âmbito do retorno assistido de vítimas ao país de origem das vítimas, estabelecendo acordos com ONG desses países, de modo a garantir a segurança e qualidade do retorno. O trabalho do Poppy Project é desenvolvido com base numa rede institucional que envolve os três setores, diversas instituições do estado, em particular a Metropolitan Police e o UK Border Service, intervindo em operações policiais e assumindo responsabilidade de entrevista das vítimas e tratamento da informação; com as empresas privadas, nos domínios da sensibilização e da sinalização de vítimas; e do terceiro setor. No âmbito de advocacy o Poppy participa numa coligação de nove ONG no Anti-Trafficking Monitoring Group, com a Amnesty International UK, Anti-Slavery International, ECPAT UK, the Helen Bamber Foundation, ILPA, Kalayaan, TARA e UNICEF UK. Os pontos fortes desta prática são: - Uma prática de ONG que teve um impacte sistémico que desenvolveu o modelo de apoio às vítimas de tráfico no Reino Unido; - Promoção da articulação e cooperação entre os três setores no apoio às vítimas de tráfico; - Formalização das relações com o Estado com a definição de direitos e obrigações e níveis de financiamento, de modo a garantir a sustentabilidade na prestação de serviços às vítimas; - Intervenção no âmbito da proteção, está interligado com a vertente prevenção e apoiada em investigação; - Elevado nível de flexibilidade e adaptabilidade à evolução do fenómeno do tráfico, uma vez que apesar de manter o foco nas mulheres, diversificou os tipos de tráfico abrangidos, não se limitando à exploração sexual; 99 - Reconhecimento da heterogeneidade das vítimas e definição de modelos de Apoio e intervenção adaptados às especificidades das vítimas, com particular atenção às vítimas mais vulneráveis – mulheres jovens e em centros de detenção, gravidas, com filhos menores, etc.; - Adoção de uma abordagem de direitos humanos na proteção da vítima, e adoção de um modelo integrado da proteção – curto, médio e longo prazo – intervindo simultaneamente na área dos três Rs – reabilitação, reparação e reintegração; - Atenção dedicada às parcerias transnacionais, nomeadamente com ONG nos países de origem, para o sucesso do retorno assistido. As vulnerabilidades desta prática são: - Elevada dependência de financiamento público durante os primeiros 8 anos do Projeto, o que criou um risco para a sustentabilidade do mesmo; - Ausência de avaliação do impacto ao nível da reintegração das vítimas; - Restrição às vítimas do sexo feminino, maiores de 16 anos, o que envolve discriminação das vítimas masculinas, particularmente tendo em conta o seu peso no âmbito da exploração laboral; - Redução da capacidade de resposta às vítimas, em resultado da retirada do financiamento público. A prática teve um elevado nível de disseminação no Reino Unido, sendo referida como uma boa prática a nível internacional. Possui elevado potencial de replicabilidade, exceto no que se refere à questão do financiamento público. 100 4.3. PUNIÇÃO Prática 21 - Procuradores especializados em questões de TSH, Ministério Justiça, Bélgica Nome da Prática Procuradores especializados em questões de TSH Entidade e forma Governo Belga; entrevista com Sally Beeckman do PAG-ASA e de recolha Centro para a Igualdade de Oportunidades e o Combate ao Racismo, a 3/12/2010, consultas de sites oficiais, consulta de elementos online e troca de documentação com organização Descrição sumária A estrutura do sistema de justiça Belga criou a figura do Procurador Especializado, em cada um dos 27 distritos judiciais, o qual tem uma missão específica de combater o TSH, nos domínios da exploração sexual e auxílio à imigração ilegal. Resultados Procurador Especializado, em cada um dos 27 distritos judiciais principais Pontos fortes e Os pontos fortes desta prática são a existência de Procuradores vulnerabilidades Especializados, que garantem um nível de conhecimento e de capacidade para gerir um processo de investigação muito mais elevado, e por conseguinte maior eficácia na identificação e proteção das vítimas; a existência de uma rede local de entidades públicas e privadas envolvidas no combate ao tráfico, e o papel de liderança desempenhado pelo Procurador reforça a coordenação e eficácia da ação das autoridades no combate ao tráfico; a boa relação dos Procuradores Especializados com as ONG permite criar um capital de confiança, fundamental para garantir a proteção e a reabilitação da vítima. As vulnerabilidades desta prática são a focalização do sistema nas vítimas de tráfico transnacional, havendo dificuldades de identificação de vítimas de tráfico 101 interno; a atribuição de compensação às vítimas, um aspeto essencial do seu direito à reparação, tem grandes limitações, sendo raras as decisões judiciais nesse sentido, o que sugere que não tem sido uma prioridade da ação dos procuradores especializados. Avaliações Não existe informação disponível O combate ao TSH é uma das prioridades do Procurador-Geral Federal, que facilita o fluxo e troca de informação entre os procuradores públicos, os magistrados e as autoridades policiais. A estrutura do sistema de justiça Belga criou a figura do Procurador Especializado, em cada um dos 27 distritos judiciais, o qual tem uma missão específica de combater o TSH, nos domínios da exploração sexual e auxílio à imigração ilegal. Os procuradores recebem formação do Ministério da Justiça. Este Procurador Especializado tem poderes amplos e preside a um Conselho Coordenador que funciona ao nível local das agências governamentais que intervêm no combate ao tráfico. Realizam-se reuniões regulares, com a participação dos atores relevantes, selecionados pelo Procurador, o qual estabelece também a agenda da reunião. Estas reuniões permitem uma troca de informação detalhada quer sobre casos concretos de tráfico, designadamente em investigação, quer sobre aspetos mais gerais relacionados com as tendências e a evolução do fenómeno. O Procurador Especializado tem uma função extremamente relevante pois é este que atribui o estatuto de vítima de tráfico. Existe um bom relacionamento e cooperação estreita quer com as ONG especializadas no apoio às vítimas de tráfico, quer com outras estruturas da sociedade civil e autoridades policiais. Esta rede de Procuradores Especializados é apoiada por duas estruturas centrais, que articulam os diferentes intervenientes e contribuem ativamente para a troca de informação e o reforço da formação contínua dos Procuradores Especializados. A primeira relaciona-se com a ação do Procurador-Geral de Liége, que tem uma competência específica em matéria de TSH, sobre todo o território nacional, e coordena um Grupo de 102 Peritos, provenientes de diferentes áreas do governo e da sociedade civil, que elaboram e difundem know-how sobre o TSH e os resultados da implementação das políticas públicas. A segunda relaciona-se com o Conselho de Procuradores-Gerais, que desempenha um papel fundamental ao estruturar a rede dos procuradores especializados e promover o fluxo de informação, sistematizando a jurisprudência e casos relevantes sobre tráfico, úteis para o reforço da formação dos procuradores especializados, informação essa que é disseminada via intranet. As vulnerabilidades desta prática são: - O sistema é muito focado nas vítimas de tráfico transnacional, havendo dificuldades de identificação de vítimas de tráfico interno; - A atribuição de compensação às vítimas, um aspeto essencial do seu direito à reparação, tem grandes limitações, sendo raras as decisões judiciais nesse sentido, o que sugere que não tem sido uma prioridade da ação dos procuradores especializados; - Inexistência de resposta em casos em que a vítima não vê o seu estatuto confirmado pelo Procurador, por insuficiência de prova, e não têm acesso ao regime legal de proteção da vítima de tráfico, ficando numa situação de desproteção; - A atribuição de estatuto de vítima, da autorização de residência permanente e medidas de proteção continuadas exige na prática a cooperação da vítima com o sistema judicial no processo penal. Os pontos fortes desta prática são: - A existência de Procuradores Especializados, que garante um nível de conhecimento e de capacidade para gerir um processo de investigação muito mais elevado, e por conseguinte maior eficácia na identificação e proteção das vítimas; - A existência de uma rede local de entidades públicas e privadas envolvidas no combate ao tráfico, e o papel de liderança desempenhado pelo Procurador reforça a coordenação e eficácia da ação das autoridades no combate ao tráfico; - A boa relação dos Procuradores Especializados com as ONG permite criar um capital de confiança, fundamental para garantir a proteção e a reabilitação da vítima; - A existência de uma formação contínua dos Procuradores Especializados e a dinamização da rede entre os 27 distritos pelo Conselho dos Procuradores Gerais garante um impacto 103 sistémico e uma standardização de práticas, designadamente através da difusão da jurisprudência relevante sobre o tráfico. A prática revela sustentabilidade e é passível de réplica em vários contextos geográficos. 104 Prática 22 - Joint Investigation Teams/ Equipas de investigação conjuntas, França e Roménia Nome da Prática Joint Investigation Teams/ Equipas de investigação conjuntas – França e Roménia Entidade e forma Entrevista a 24/6/2010 com OCRTEH, consulta de elementos de recolha online e troca de documentação com organização Descrição sumária A França celebrou em junho de 2010 um Acordo Quadro com a Roménia para o estabelecimento de Joint Investigation Teams (JIT) relativos ao TSH. Esta prática está formalizada ao nível da UE nos termos do Artigo 13º da Convenção sobre Assistência Mútua em Matéria Criminal, de 29/5/2000 e no Council Framework Decision on JIT de 13/6/2002. Resultados A França celebrou 7 acordos bilaterais no âmbito de criação de principais mecanismos de cooperação bilateral, e desenvolveu 21 operações, 12 sobre criminalidade organizada e 9 sobre terrorismo, no âmbito dos JIT. Pontos fortes vulnerabilidades e Os pontos fortes desta prática são a simplificação dos procedimentos, agilizando o processo de investigação transnacional; a maximização dos efeitos sistémicos de maior cooperação entre as autoridades policiais e judiciais de diferentes Estados; adequação à natureza transnacional do fenómeno de tráfico. As vulnerabilidades desta prática são as maiores dificuldades na aplicação à cooperação com países terceiros, de onde são proveniente um número significativo de vítimas; o sucesso depende de experiência consolidada anterior em outras áreas de criminalidade organizada e relações de confiança estabelecidas; existe um certo desequilíbrio na densidade entre a cooperação policial e a judicial, já que a cooperação entre autoridades policiais tende a ser mais fácil, designadamente porque existe uma maior tradição e experiência acumulada nesse tipo de cooperação, 105 do que entre autoridades judiciais, sendo necessário para que o sistema funcione uma eficácia simultânea nos dois domínios. Avaliações Não existe informação disponível A França celebrou em junho de 2010 um Acordo Quadro com a Roménia para o estabelecimento de Joint Investigation Teams (JIT) relativos ao TSH. Esta prática está formalizada ao nível da UE nos termos do Artigo 13º da Convenção sobre Assistência Mútua em Matéria Criminal, de 29/5/2000 e no Council Framework Decision on JIT de 13/6/2002. Existe também um “Guide to the EU State’s Legislation on Joint Investigation Teams” produzido pela Eurojust e Europol e um Manual que o complementa, de 2011, publicado em 22 línguas. Por outro lado teve por base a prática de cooperação e operações conjuntas entre França e Espanha relativamente ao tráfico de droga. Resulta assim que a experiência acumulada de outras áreas de criminalidade organizada, foi transferida para a área do combate ao tráfico de seres humanos. A operação das equipas das investigações conjuntas desenvolve-se em duas fases: - Acordo Quadro celebrado pelos dois Ministérios da Justiça, de França e Roménia em 2007; - Protocolo de investigação conjunta sobre caso específico celebrado entre dois magistrados dos dois países, relativo ao caso de tráfico de seres humanos, em junho de 2010. A França celebrou 7 acordos bilaterais14 no âmbito de criação de mecanismos de cooperação bilateral, e desenvolveu 21 operações, 12 sobre criminalidade organizada e 9 sobre terrorismo, no âmbito dos JIT. No âmbito do tráfico de seres humanos, a JIT de junho de 2010 foi a primeira realizada sobre um caso de tráfico de seres humanos. Esta prática apresenta diversas vantagens: - Troca direta de informações em tempo real; 14 Com a Espanha (2003), Alemanha (2006), Eslovénia (2007), Roménia (207), Holanda (2008), Bélgica (2008) e Bulgária (2008). 106 - Condução de investigação em conjunto pelas polícias dos dois países, existindo equipas mistas a operar em cada país, o que permite coordenar a informação privilegiada de que cada uma dispõe; - Possibilidade de utilização automática da prova obtida em país estrangeiro no processo a decorrer em França; - Maior rapidez do processo judicial e eficácia na condenação de traficantes. Na sequência da experiência acumulada existe um projeto para reforçar a cooperação entre as duas partes na apreensão de bens adquiridos na Roménia, com os lucros do tráfico feito em França, repartindo os fundos entre os dois países. A maior eficácia na apreensão dos resultados do tráfico pretende estrangular financeiramente as redes e reduzir o incentivo para a prática do crime. Os pontos fortes desta prática são: - Simplificação dos procedimentos, agilizando o processo de investigação transnacional; - Maximização dos efeitos sistémicos de maior cooperação entre as autoridades policiais e judiciais de diferentes Estados; - Adequação à natureza transnacional do fenómeno de tráfico; - Troca de informação em tempo real, permite maior eficácia na obtenção de provas; - Regras claras de constituição e gestão das equipas JIT. As vulnerabilidades desta prática são: - Maiores dificuldades na aplicação à cooperação com países terceiros, de onde são proveniente um número significativo de vítimas; - O sucesso depende de experiência consolidada anterior em outras áreas de criminalidade organizada e relações de confiança estabelecidas; - Existe um certo desequilíbrio na densidade entre a cooperação policial e a judicial, já que a cooperação entre autoridades policiais tende a ser mais fácil, designadamente porque existe uma maior tradição e experiência acumulada nesse tipo de cooperação do que entre autoridades judiciais, sendo necessário para que o sistema funcione uma eficácia simultânea nos dois domínios; - O enfoque da prática é maioritariamente centrado na punição dos traficantes e a articulação com os aspetos de prevenção e proteção da vítima é limitado; 107 - Inexistência de uma avaliação sistemática, reconhecida numa reunião de balanço da Presidência Belga15, pois embora se considere ser uma boa prática potencial, se considera ser cedo para uma avaliação mais aprofundada. A prática é sustentável e é replicável em vários contextos geográficos, situando-se o maior desafio na aplicação prática do modelo definido em termos comunitários. 15 Realizada a 2/12/2010. 108 Prática 23 - Unidade Especial Anti-tráfico, Grécia Nome da Prática Unidade Especial Anti-tráfico Entidade e forma Entrevista a Unidade Especial Anti-tráfico grega a 27/4/2010, de recolha consulta de elementos online e troca de documentação com organização Descrição sumária Em 2001, a Polícia Nacional Grega, reconhecendo que o combate ao TSH requer uma abordagem conjunta e multinível cria uma Task Force para o Combate ao TSH (OKEA) liderada pelo diretor nacional da Polícia, envolvendo ONG, a OIM, universitários, ministérios, e chefias da polícia. A prioridade atribuída a esta questão traduziu-se na decisão de criar uma serviço especializado de combate ao TSH (Act 3064/2002) que permitiu, numa base experimental, o início de operações de um serviço piloto anti-tráfico a nível central e regional, em novembro de 2003. No âmbito do serviço foram criadas 14 Unidades Anti-tráfico, com pessoal com formação especializada e que começaram a operar nas principais cidades gregas, apoiando os departamentos de polícia locais. Resultados Desmantelamento de 17 das 22 redes de crime organizado principais identificadas Pontos fortes e Os pontos fortes desta prática são o facto de a Unidade vulnerabilidades Especializada permitir criar um elevado nível de know-how no seio da polícia e uma capacidade de análise de tendências de evolução do fenómeno, o qual pode ser difundido não só para outros departamentos dentro da instituição, mas também para fora da instituição através da formação de diferentes atores; definição de um nível de prioridade do combate de tráfico e da Unidade numa posição hierárquica elevada na estrutura da instituição policial em resultado do envolvimento direto do Diretor Nacional na fase de génese; recursos humanos altamente qualificados provenientes de diferentes áreas de 109 formação com elevado nível de motivação e especial preparação para lidar com as vítimas, designadamente com capacidade para comunicar diretamente com vítimas de diferentes nacionalidades; adoção de uma abordagem de parceria ativa com todos os atores envolvidos no combate ao TSH e proteção das vítimas, em especial as ONG, criando uma rede de confiança e um sistema eficiente de referenciação de vítimas. As vulnerabilidades desta prática são o facto de a consolidação da prática estar muito dependente da liderança do diretor, não estando ainda suficientemente institucionalizada; a intervenção da Unidade é centrada no tráfico para exploração sexual, havendo um défice de investigação e adequação da prática a outros tipos de tráfico, nomeadamente tráfico para exploração laboral; a informalidade da relação com os parceiros, embora positiva numa fase de construção de confiança, pode ser um obstáculo à consolidação da prática e de um sistema de proteção e apoio à vítima encarado de uma perspetiva de dever do Estado. Avaliações Não existe informação disponível Em 2001, a Polícia Nacional Grega, reconhecendo que o combate ao TSH requer uma abordagem conjunta e multinível cria uma Task Force para o Combate ao TSH (OKEA) liderada pelo diretor nacional da Polícia, envolvendo ONG, a OIM, universitários, ministérios, e chefias da polícia. A prioridade atribuída a esta questão traduziu-se na decisão de criar uma serviço especializado de combate ao TSH (Act 3064/2002) que permitiu, numa base experimental, o início de operações de um serviço piloto anti-tráfico a nível central e regional, em novembro de 2003. No âmbito do serviço foram criadas 14 Unidades Anti-tráfico, com pessoal com formação especializada e que começaram a operar nas principais cidades gregas, apoiando os departamentos de polícia locais. A nível nacional, os comandantes dos vários departamentos da polícia reúnem diariamente na sede nacional para troca de informação e coordenação sobre casos relevantes. 110 Outra orientação estratégica é a cooperação com as ONG e os profissionais de apoio às vítimas, em especial no que se refere ao sistema de proteção de vítimas, definida numa circular interna da polícia, que foi enviada a todas as esquadras do país. Também inclui a difusão de material, em 13 línguas, sobre os direitos das vítimas. Em 2006, após a avaliação dos resultados, o Diretor Nacional da Polícia transfere a jurisdição da unidade Anti-tráfico para a Subdivisão de Combate ao Crime Organizado e de Combate ao TSH, com dois departamentos, em Atenas (com competência nacional e transnacional) e outra em Tessalónica. As outras 12 unidades estão localizadas em 12 cidades identificadas com tendo nível de risco mais elevado. O total de agentes envolvidos é de cerca de 115: 50 em Atenas, 15 em Tessalónica, e entre 3 a 4 nas unidades locais. A Unidade de Atenas além da investigação nacional e transnacional, tem competência de recolha e análise de dados relativos a crime organizado e apoio aos agentes especializados. O Diretor desta Unidade Anti-Tráfico, com uma longa experiência na Interpol e no combate ao crime organizado, recrutou agentes jovens, com elevado nível de escolaridade (universitária), que são selecionados diretamente pelo diretor, atendendo não só às suas qualificações, que inclui capacidade de falar diversas línguas, em especial a de grupos de vítimas mais frequentes, e um nível de motivação relativamente à área de combate ao TSH. Esta Unidade especializada organiza formação de três tipos: - Formação para os comandantes das unidades anti-tráfico, sobre novas tendências de tráfico, que resultaram da investigação, e análise de casos específicos; - Formação para comandantes da polícia de fronteira e serviço de estrangeiros, sobre a sinalização das vítimas; - Formação de responsáveis por outros setores da polícia, nomeadamente polícia de rua. Esta formação é uma formação regular e contínua. As academias de polícia incluem as questões de tráfico a todos os níveis de educação. Para além desta formação, a Unidade Especial participa na formação de outros atores, designadamente ONG, técnicos de serviço social, profissionais de saúde, estudantes, professores, procuradores e juízes. 111 As questões de tráfico não são tratadas pela generalidade dos polícias, sendo os polícias encorajados a contactar as Unidades especializadas para reportar e obter orientações sobre casos de tráfico. Em geral a polícia local contacta a Unidade Anti-Tráfico descentralizada. Esta por sua vez decide se se trata de uma caso isolado ou de um caso complexo, sendo que se se tratar de um caso de grande dimensão é feito um contacto com a Unidade de Atenas para poderá enviar uma equipa para apoiar a investigação ou poderá mesmo chamar a si a condução do caso. Em termos de cooperação internacional a Unidade coopera ativamente com a UE, a ONU, Interpol, Europol e a Iniciativa de Cooperação do Sudeste Europeu. Foram desenvolvidas várias operações conjuntas. Participam também a nível europeu no ILAEIRA, com 21 países europeus, onde se inclui Portugal, um plano de repressão e combate à exploração sexual de mulheres e crianças. A Unidade especial desenvolveu a sua capacidade de investigação das redes de tráfico e de recolha direta de prova, quer através de escutas telefónicas, quer através de agentes infiltrados, que obtêm elementos de prova fundamentais para a condenação, reduzindo a dependência que até então existia do testemunho das vítimas como único meio de prova. Esta mudança permitiu aumentar a eficácia na condenação dos traficantes e também teve efeitos positivos no plano da relação deste com as vítimas, na medida em que o nível de violência diminuiu como consequência do aumento do risco de condenação. Por outro lado reduziu a pressão sobre as vítimas e o risco de revitimização enquanto testemunhas nos processos judiciais. Houve uma segunda alteração na estratégia de combate ao tráfico, na medida em que a Unidade especial reforçou a sua ação de investigação autónoma das redes de tráfico, mesmo sem terem sido sinalizadas vítimas em concreto, procurando, numa lógica preventiva e proactiva, desmantelá-las. Assim a Unidade passou a ter uma lógica mais proactiva e menos reativa, de investigação e condenação dos traficantes, apenas quando são detetadas vítimas. 112 Com alguma frequência são organizadas operações especiais para deteção de vítimas de tráfico (“trafficking nights”) com operações de fiscalizações em clubes noturnos, bordeis, e de pessoas em zonas tradicionais de prostituição. A Unidade especial desenvolveu uma relação de cooperação e confiança com as ONG envolvidas no combate ao tráfico e assistência às vítimas, com uma dupla lógica: i) por um lado, esta relação de proximidade permite à polícia aumentar as fontes de informação e de intelligence, e ii) por outro, garantir maior eficácia na proteção das vítimas que são enviadas para os abrigos geridos pelas ONG. A Unidade especial definiu três níveis de proteção da vítima: - Envio para um abrigo de ONG; - Proteção especial com envio para uma outra cidade, com acompanhamento da Unidade Antitráfico local; - Nos casos de maior perigo, a vítima é integrada no programa de Proteção de testemunhas. Os testemunhos das ONG são bastante positivos sobre o papel desta unidade, considerando que a Unidade tem uma função importante, não apenas na punição dos traficantes mas também na proteção das vítimas, que é uma das preocupações permanentes da Unidade. Embora não haja um manual de procedimentos oficial para lidar com vítimas de tráfico, existe um documento confidencial e informal, acessível apenas às autoridades policiais, denominado “Memorando de Ações e Boas Práticas para lidar com casos de TSH”, em cuja elaboração a Unidade tem um papel fundamental. Os pontos fortes desta prática são: - A Unidade Especializada permite criar um elevado nível de know-how no seio da polícia e uma capacidade de análise de tendências de evolução do fenómeno, o qual pode ser difundido não só para outros departamentos dentro da instituição, mas também para fora da instituição através da formação de diferentes atores; - Definição de um nível de prioridade do combate de tráfico e da Unidade numa posição hierárquica elevada na estrutura da instituição policial em resultado do envolvimento direto do Diretor Nacional na fase de génese; 113 - Recursos humanos altamente qualificados provenientes de diferentes áreas de formação com elevado nível de motivação e especial preparação para lidar com as vítimas, designadamente com capacidade para comunicar diretamente com vítimas de diferentes nacionalidades; - Adoção de uma abordagem de parceria ativa com todos os atores envolvidos no combate ao TSH e proteção das vítimas, em especial as ONG, criando uma rede de confiança e um sistema eficiente de referenciação de vítimas; - Uma boa articulação e equilíbrio entre a perspetiva da punição dos traficantes e da proteção da vítima, atribuindo claramente elevada prioridade à proteção da vítima, com comprova o facto de a vítima, logo que identificada, ser imediatamente retirada sem esperar pela conclusão do processo de investigação; - Utilização de diversos meios de recolha de prova, retirando a pressão sobre a vítima para testemunhar contra os traficantes; - Estrutura descentralizada, em pontos estratégicos do país, com maior risco de tráfico, mas com boa coordenação central; - Criação de uma prática, com base num período experimental sujeito a avaliação e adaptação da prática, com vista a torná-la mais eficaz. As vulnerabilidades desta prática são: - Consolidação da prática está muito dependente da liderança do diretor, não estando ainda suficientemente institucionalizada; - A intervenção da Unidade é centrada no tráfico para exploração sexual, existindo um défice de investigação e adequação da prática a outros tipos de tráfico, nomeadamente tráfico para exploração laboral; - A informalidade da relação com os parceiros, embora positiva numa fase de construção de confiança, pode ser um obstáculo à consolidação da prática e de um sistema de proteção e apoio à vítima encarado de uma perspetiva de dever do Estado; - Incapacidade de a prática de se adaptar ao contexto mais desfavorável do país, em que há redução de atividades por parte das ONG por problemas de financiamento e em que há desinvestimento por parte do Estado. A prática tem potencialidade de réplica em vários contextos e partes do mundo e releva sustentabilidade, com aplicação por mais de uma década. 114 4.4. PARCERIAS Prática 24 - Núcleo de Enfrentamento do Tráfico de Seres Humanos, São Paulo, Brasil Nome da Prática Núcleo de Enfrentamento do Tráfico de Seres Humanos Entidade e forma Entrevista com o Núcleo de Enfrentamento do Tráfico de Seres de recolha Humanos de São Paulo a 8/11/2010, consulta de elementos online e troca de documentação com organização Descrição sumária Os Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP) foram criados como parte integrante do I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, cabendo aos Núcleos a prevenção ao tráfico de pessoas; responsabilização de seus autores; e atenção às vítimas. Uma importante função dos Núcleos é articular, estruturar e consolidar, a partir dos serviços e redes existentes, uma rede estadual de referência e atendimento às vítimas do tráfico de pessoas. Resultados Esta prática foi objeto de disseminação, numa primeira fase a principais nível nacional, no Brasil, sendo que existiam 5 núcleos em 2010 e atualmente existem 15 núcleos em vários pontos do país. A experiência positiva com o núcleo de São Paulo levou a que esta prática fosse incorporada no I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, cuja vigência se iniciou em 2008, terminando em 2010. Por outro lado, a UNODC tem acompanhado a implementação da prática e procedeu uma avaliação preliminar tendo considerado tratar-se de uma boa prática, que poderá ser replicada noutros países da América Latina, a começar pelo Paraguai Pontos fortes e Os pontos fortes desta prática são a adoção de uma vulnerabilidades abordagem multistakeholder, e de reforço da cooperação entre diferentes atores intervenientes no processo; trabalho direto sobre os obstáculos à cooperação interinstitucional, 115 procurando minimizar esses obstáculos; enfoque pragmático na solução de casos concretos de tráfico e com uma capacidade de resposta rápida e flexível, mobilizando todos os intervenientes. As vulnerabilidades desta prática são a ausência do envolvimento do setor privado no NETP reduz a eficácia de ações de prevenção e deteção de casos em matéria de tráfico para exploração laboral e risco de institucionalização excessiva do NETP, que prejudique o desenvolvimento de relações pessoais e canais informais essenciais para melhorar a cooperação entre os diferentes atores no combate ao tráfico. Avaliações A experiência do NETP de SP foi avaliada pelo governo brasileiro, pelo governo federal, assim como por organizações internacionais, UNODC e OIT Os Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP) foram criados como parte integrante do I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, cabendo aos Núcleos a prevenção ao tráfico de pessoas; responsabilização de seus autores; e atenção às vítimas. Uma importante função dos Núcleos é articular, estruturar e consolidar, a partir dos serviços e redes existentes, uma rede estadual de referência e atendimento às vítimas do tráfico de pessoas. Um dos processos informais, precursores da criação dos Núcleos, foi a criação do Comité de Enfrentamento do Tráfico de Pessoas (CETP), em São Paulo, em 2002/2003, tendo sido formalizado posteriormente. O NETP constitui o braço operacional do CETP que reúne cerca de 40 instituições envolvidas nos três eixos: prevenção, repressão e responsabilização e atenção integral às vítimas. Inclui assim diversos ministérios, todas as polícias, juízes federais, procuradores, ONG, profissionais saúde, profissionais de educação e desenvolvimento, instituições religiosas. Os objetivos do núcleo são diversos e implicam uma abordagem holística do fenómeno do tráfico: - Em primeiro lugar, a partilha de informação sobre tráfico de pessoas, de forma a melhor caraterizar as tendências de evolução do fenómeno a partir das experiências das diferentes instituições. 116 - Em segundo lugar, quebrar as barreiras institucionais e identificar os pontos de estrangulamento através do reforço de laços informais, pretende-se criar canais mais eficazes de cooperação, promover o diálogo sobre os procedimentos institucionais e as diferenças de cada uma das instituições envolvidas e identificar pontos de estrangulamento em cada instituição. - Em terceiro lugar, a gestão de uma linha de denúncia telefónica, que funciona 24 horas por dia. - Em quarto lugar, analisar, em conjunto, os casos concretos de tráfico, referenciados e procurar encontrar soluções para os mesmos, com especial prioridade ao apoio às vítimas. - Em quinto lugar, desenvolvimento de ações de prevenção junto das populações mais vulneráveis, por exemplo as mulheres indígenas, promovendo o envolvimento das Promotoras Legais Populares. A prevenção específica, junto de populações de maior risco em situação de vulnerabilidade, tem sido uma das prioridades da ação do NETP, com o desenvolvimento de campanhas adequadas à realidade das populações indígenas, negras, crianças, ou em eventos ou locais específicos, como no Carnaval, em escolas de samba e outros. O Comité reúne uma vez por mês, para debater questões de política e estratégia, e o Núcleo garante a atividade permanente e a gestão de casos de vítimas. O estado de São Paulo criou comités descentralizados em 12 municípios do estado, com o objetivo de replicar a boa prática do núcleo estadual. Através da Portaria SNJ nº 31 de agosto de 2009, os NETP foram formalizados e as suas competências definidas. Esta prática foi objeto de disseminação, numa primeira fase a nível nacional, no Brasil, sendo que existiam 5 núcleos em 2010 e atualmente existem 15 núcleos em vários pontos do país. A experiência positiva com o núcleo de São Paulo levou a que esta prática fosse incorporada no I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, cuja vigência se iniciou em 2008, terminando em 2010. Por outro lado, a UNODC tem acompanhado a implementação da prática e procedeu uma avaliação preliminar tendo considerado tratar-se de uma boa prática, que poderá ser replicada noutros países da América Latina, a começar pelo Paraguai 16. 16 Entrevista UNODC Brasil a 9/11/2010. 117 A experiência do NETP de SP foi avaliada pelo governo brasileiro, pelo governo federal, assim como por organizações internacionais, UNODC e OIT17. As vulnerabilidades desta prática são: - A ausência do envolvimento do setor privado no NETP reduz a eficácia de ações de prevenção e deteção de casos em matéria de tráfico para exploração laboral; - Risco de institucionalização excessiva do NETP, que prejudique o desenvolvimento de relações pessoais e canais informais essenciais para melhorar a cooperação entre os diferentes atores no combate ao tráfico; - Dificuldades de financiamentos das atividades do NETP, o que diminui a sua eficácia em termos de gestão diária; - Deficiente articulação com instituições que não estão diretamente envolvidas no NETP; - Inexistência de um plano de formação regular dos intervenientes, sobretudo formação de equipas especializadas para apoio e proteção das vítimas. Os pontos fortes desta prática são: - Adoção de uma abordagem multistakeholder, e de reforço da cooperação entre diferentes atores intervenientes no processo, apesar do relativo insucesso do envolvimento do setor privado; - Trabalho direto sobre os obstáculos à cooperação interinstitucional, procurando minimizar esses obstáculos; - Enfoque pragmático na solução de casos concretos de tráfico e com uma capacidade de resposta rápida e flexível, mobilizando todos os intervenientes; - Visão holística, integrando os 4 Ps – prevenção, proteção, punição e parceria, e com uma abordagem de direitos humanos; - Uso de metodologias inovadoras e adequação dos instrumentos aos destinatários específicos. A prática tem elevado potencial de replicabilidade e tem revelado sustentabilidade com aplicação há quase uma década. 17 “Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil (2004-2011): Avaliações e sugestões de aprimoramento de legislação e políticas públicas, OIT Brasil, 2012. 118 Prática 25 - UKHTC, Reino Unido Nome da Prática UKHTC Entidade e forma Entrevista a 9/7/2010 com UKHTC, consulta de elementos de recolha online e troca de documentação com organização Descrição sumária É uma organização multi-agency cujo objetivo é ser ponto focal de expertise sobre o tráfico de seres humanos e coordenar os esforços de combate ao TSH no Reino Unido. Resultados O UKHTC envolve diferentes atores nomeadamente forças principais policiais, serviços de estrangeiros e fronteiras, finanças, ministério público, Gangmasters Licensing Authority, ONG, peritos independentes e outras instituições, coordenando o esforço de todos no combate ao tráfico. Pontos fortes vulnerabilidades e Os pontos fortes desta prática são a abordagem multistakeholder, com envolvimento ativo e interação entre o sector governamental, e o terceiro sector, com um envolvimento menor do sector privado; abordagem integrada das diferentes dimensões do tráfico – prevenção, proteção e punição; prioridade atribuída à análise de informação, produção de estatísticas fiáveis e análise e difusão de intelligence sobre TSH; articulação entre a ação no plano nacional e internacional, designadamente o desenvolvimento de ações de sensibilização nos países de origem e trânsito das vítimas. Os pontos de vulnerabilidade são as ligações com o setor privado frágeis e pouca interligação com os sindicatos, o que no contexto do aumento do tráfico para exploração laboral cria limitações à eficácia da ação; ausência de uma visão integrada do apoio à vítima. A questão da reintegração da vítima não é parte integrante da estratégia de proteção da vítima do UKHTC, uma vez que é uma questão da responsabilidade do Ministério da Justiça, pelo que o apoio à 119 vítima tende a ser de curto prazo; a integração no SOCA, embora permita um acesso a outros recursos, e reforçar a perspetiva de combate aos traficantes ligados às redes de crime organizado, reforça o peso da vertente securitária no trabalho do UKHTC, criando maiores desafios na articulação com a perspetiva de proteção da vítima. As ONG manifestam reservas sobre essa integração. Avaliações Não existe informação disponível O United Kingdom Human Trafficking Centre (UKHTC) http://www.soca.gov.uk/aboutsoca/about-the-ukhtc foi criado em 2007, como resultado da implementação da Convenção do Conselho da Europa. Em 2010 foi integrada no Serious Organised Crime Agency (SOCA). O seu objetivo essencial é o desenvolvimento da cooperação e do know-how sobre TSH. Assim adota uma abordagem integrada, a dois níveis: por um lado, é uma agência multistakeholder, envolvendo o setor governamental, não-governamental e intergovernamental, associando a ação no Reino Unido e no plano internacional; por outro lado, articula as diferentes estratégias para a prevenção, punição e proteção no combate ao TSH. A sua ação desenvolve-se a diferentes níveis: - Investigação - recolha de informação, análise e intelligence. Neste âmbito foi desenvolvido uma base de dados em conjunto com a UK Border Agency e várias ONG. Neste domínio pretende contribuir para o conhecimento local, nacional e internacional sobre tráfico de seres humanos; - Formação – desenvolvimento de kits de formação para diferentes públicos, incluindo os profissionais de primeira linha – polícia, profissionais de saúde e educação. - Promulgação e difusão de boas práticas e de intelligence. - Proteção – melhoria dos standards de proteção e apoio às vítimas através do trabalho conjunto com ONG e outros parceiros, com base numa abordagem de direitos humanos. Funciona como um centro de recolha de informação para o National Referral Mechanism (NRM) e analisa os casos de vítimas referenciadas e decisões adotadas. - Prevenção – campanhas de sensibilização dirigidas quer a profissionais de primeira linha quer campanhas específicas para potenciais vítimas. 120 O UKHTC envolve diferentes atores nomeadamente forças policiais, serviços de estrangeiros e fronteiras, finanças, ministério público, Gangmasters Licensing Authority, ONG, peritos independentes e outras instituições. Estes diferentes atores estruturam o seu trabalho em grupos de trabalho: - Prevention WG: participam as polícias, representantes governamentais, empresas e ONG, coordenado pela Anti-Slavery International; - Protection WG: participam os serviços de estrangeiros e fronteiras, estruturas do Serviço nacional de Saúde, responsáveis de serviços de saúde e educação, ONG, coordenado pela Crown Prosecution Services; - Prosecution WG: a associação de Chefes de Polícia, Serviços de proteção de menores, GLA, Serviço de estrangeiros e fronteiras, e British Transport Police. Estes grupos partilham experiência, ideias e boas práticas e procuram contribuir para a definição de estratégias de atuação para a inclusão das boas práticas que no Plano Nacional quer a sua disseminação pelas diferentes instituições envolvidas. Os pontos fortes desta prática são: - Abordagem multistakeholder, com envolvimento ativo e interação entre o sector governamental, e o terceiro sector, com um envolvimento menor do sector privado; - Abordagem integrada das diferentes dimensões do tráfico – prevenção, proteção e punição – embora a perceção seja que a integração no SOCA tenha reforçado o peso da perspetiva punição e securitária; - Prioridade atribuída à análise de informação, produção de estatísticas fiáveis e análise e difusão de intelligence sobre TSH; - Articulação entre a ação no plano nacional e internacional, designadamente o desenvolvimento de ações de sensibilização nos países de origem e trânsito das vítimas; - Formação dos profissionais de primeira linha, nomeadamente agentes de autoridade, profissionais de saúde e educação, como parte integrante da estratégia de prevenção; Os pontos de vulnerabilidade são: 121 - As ligações com o setor privado são ainda frágeis e há pouca interligação com os sindicatos, o que no contexto do aumento do tráfico para exploração laboral cria limitações à eficácia da ação; - Ausência de uma visão integrada do apoio à vítima. A questão da reintegração da vítima não é parte integrante da estratégia de proteção da vítima do UKHTC, uma vez que é uma questão da responsabilidade do Ministério da Justiça, pelo que o apoio à vítima tende a ser de curto prazo; - A integração no SOCA, embora permita um acesso a outros recursos, e reforçar a perspetiva de combate aos traficantes ligados às redes de crime organizado, reforça o peso da vertente securitária no trabalho do UKHTC, criando maiores desafios na articulação com a perspetiva de proteção da vítima. As ONG manifestam reservas sobre essa integração. A prática tem elevado potencial de replicabilidade e revela sustentabilidade na sua aplicação. 122 Prática 26 - Projeto ACTES, Plataforma de ONG, França Nome da Prática Projeto ACTES, Plataforma de ONG França Entidade e forma Entrevista a CCEM a 24/6/2010, Consulta de elementos online de recolha e troca de documentação com organização Descrição sumária O projeto, centrado sobre tráfico para exploração sexual de mulheres, tinha três eixos principais: compreender o fenómeno do tráfico nas suas diferentes dimensões; facilitar a concertação e coordenação entre instituições, quer na região quer numa perspetiva transnacional e acompanhamento e apoio às vítimas. Resultados Foram apoiadas 39 vítimas, mulheres, das quais 9 foram principais reintegradas com sucesso no mercado de trabalho. Houve ainda o retorno assistido de 3 vítimas. Pontos fortes e Os pontos fortes desta prática são a priorização do trabalho de vulnerabilidades parceria e concertação institucional, procurando eliminar os obstáculos, sendo assente numa rede regional com fortes parcerias institucionais em termos de governo local e ministérios; a cooperação ativa entre instituições nos países de destino e de origem das vítimas, pelo que a parceria ao envolver instituições de ambos os países, permite uma ação mais eficaz atendendo à transnacionalidade do fenómeno do tráfico; aposta na capacitação das ONG dos países de origem, quer em termos de prevenção do tráfico, quer em termos de proteção da vítima. As vulnerabilidades desta prática são o foco na exploração sexual e de mulheres, não sendo aplicada a outros tipos de tráfico e outros públicos; apesar de a rede ter know-how especializado sobre tráfico, as vítimas são colocadas em abrigos geridas por ONG não especializadas em apoio a vítimas de tráfico; em relação à reintegração profissional das vítimas o sucesso foi limitado, e não se reflete sobre as razões explicativas deste facto. 123 Avaliações Não existe informação disponível O projeto ACTES (Action et Concertation contre le Trafic et l’Esclavage Sexuel) http://www.aedh.org/agir/index.php?option=com_content&view=article&id=64&Itemid=49 foi desenvolvido pela ONG francesa Agir Ensemble pour les Droits de l’Homme, a partir de uma experiência piloto iniciada em 2004, em parceria com outras ONG, l’Amicale du Nid-Rhône, a Ordem de Advogados de Lyon, a Empresa de Inserção Envie-Rhône e a Empresa de formação contínua ALPES. O projeto iniciou-se em 2005 financiado pelo Fundo Social Europeu – Programa EQUAL –, Município de Lyon, Ministério de Justiça e Região Rhône-Alpes. O projeto, centrado sobre tráfico para exploração sexual de mulheres, tinha três eixos principais: - Compreender o fenómeno do tráfico nas suas diferentes dimensões; - Facilitar a concertação e coordenação entre instituições, quer na região quer numa perspetiva transnacional; - Acompanhamento e apoio às vítimas. No âmbito da investigação e da compreensão do fenómeno, foram aplicados inquéritos às vítimas e um segundo inquérito às instituições intervenientes no tráfico na região Rhône-Alpes. Para elem disso foram realizadas missões aos quatro principais países de origem das vítimas: Bulgária, Roménia, Moldávia e Ucrânia. Relativamente à concertação entre instituições, esta teve duas dimensões. Em primeiro lugar, no plano regional foi criado um Observatório de Tráfico de Mulheres na região Rhône-Alpes, que é uma instância de concertação numa lógica multistakeholder, para cuja criação foi necessária a colaboração ativa do Tribunal de Recurso de Lyon. Neste Observatório participam o Ministério da Justiça, a Polícia via OCRTEH (Office Central pour la Répression de la Traite des Etres Humains), a Polícia Judiciária, Brigada de Preservação Social, Magistrados, Delegação Regional dos Direitos das Mulheres e da Igualdade, município de Lyon, DDASS, SRASS, prefeitura, e diversas ONG. Em segundo lugar, foram desenvolvidas parcerias entre os atores da região Rhône-Alpes com os atores dos países da Europa de Leste de origem ou trânsito das vítimas, no âmbito das quais 124 foi promovida a cooperação envolvido a troca de boas práticas, a organização das missões aos quatro países, envolvendo ações de investigação e prevenção, e também a coordenação para os casos de retorno assistido de vítimas. Relativamente ao apoio e proteção das vítimas, os diferentes parceiros assumiram responsabilidade de acordo com as suas áreas de especialização: Amical du Nid deu acolhimento e apoio social às vítimas; a ALPES formação profissional e formação em língua francesa; a Ordem dos Advogados acompanhamento e aconselhamento jurídico; a Envie Rhône na reinserção profissional e social das vítimas. Neste contexto foram apoiadas 39 vítimas, mulheres, das quais 9 foram reintegradas com sucesso no mercado de trabalho. Houve ainda o retorno assistido de 3 vítimas, duas mulheres romenas e uma búlgara 18. O projeto concluído em 2007 teve continuidade, através de uma nova parceria assinada entre a ONG Agir Ensemble pour les Droits de l’Homme, com o Ministério da Justiça, a Prefeitura de Rhône, l’Amicale du Nid-Rhône, a Ordem de Advogados de Lyon, le VIFF e a Cruz Vermelha, com o objetivo de criar um dispositivo de acompanhamento das vítimas de tráfico que envolva as dimensões sociais, jurídica, médica e psicológica na região de Rhône. A 28 de maio de 2008 foi criada a plataforma de ONG Le Collectif « Ensemble contre la traite des êtres humains» (http://www.contrelatraite.org/), em que participa a Agir Essemble, cuja ação e inspirada na experiência do projeto ACTES. A Plataforma, de âmbito nacional, composta por 25 ONG francesas, com intervenção nas questões de tráfico, tem quatro áreas de intervenção principais: formação a públicos estratégicos: polícias, magistrados, atores sociais; prevenção; proteção das vítimas; lobby e advocacy. O aspeto inovador no âmbito da prevenção relaciona-se com o facto de ela não se restringir ao contexto francês mas abranger também os países de origem das vítimas. Neste âmbito foram desenvolvidas ações de sensibilização no Kosovo – junto das comunidades muçulmana, cristã e ortodoxa, e na Geórgia, junto de comunidades rurais – 4 regiões, cerca de 60 aldeias em cada 18 Relatório final do projeto, Agir Ensemble pour les Droits de l’Homme “Rapport Final 2005-2007”, Dezembro 2007 in http://www.aedh.org/nouveau/documents/rapport_actes.pdf 125 região. Importa salientar que esta intervenção combina ações diretas com a população, com ações de capacitação de ONG locais para a prevenção e o apoio às vítimas. No que respeita à proteção das vítimas, ela é feita a dois níveis: direto, relativamente a vítimas encontradas em território francês, sendo disponibilizado apoio médico, psicológico, abrigo e formação profissional para reintegração na vida ativa; indireto, através do apoio prestado a ONG que apoiam vítimas no país de origem, sendo de destacar o caso da Ucrânia, em que 4 centros de acompanhamento de vítimas em zonas rurais são apoiados por um dos membros da rede Secours Catholique. Os pontos fortes desta prática são: - A priorização do trabalho de parceria e concertação institucional, procurando eliminar os obstáculos, sendo assente numa rede regional com fortes parcerias institucionais em termos de governo local e ministérios; - Cooperação ativa entre instituições nos países de destino e de origem das vítimas, pelo que a parceria ao envolver instituições de ambos os países, permite uma ação mais eficaz atendendo à transnacionalidade do fenómeno do tráfico; - Aposta na capacitação das ONG dos países de origem, quer em termos de prevenção do tráfico, quer em termos de proteção da vítima; - Parceria multistakeholder, encarada como sendo transversal aos vários setores da sociedade e com um impacto positivo na articulação entre prevenção e proteção das vítimas, tendo levado à criação de um Observatório do Tráfico de Mulheres; - Envolvimento do setor privado, como parte integrante da rede de parcerias, permitindo maior eficácia nos processos de formação profissional e reintegração social e profissional das vítimas; - Em termos de prevenção, há articulação da formação de públicos estratégicos com ações de sensibilização para a população em geral, criando maior eficácia nas ações. As vulnerabilidades desta prática são: - A prática é centrada na exploração sexual e de mulheres, não sendo aplicada a outros tipos de tráfico e outros públicos; - Apesar de a rede ter know-how especializado sobre tráfico, as vítimas são colocadas em abrigos geridas por ONG não especializadas em apoio a vítimas de tráfico; 126 - Em relação à reintegração profissional das vítimas o sucesso foi limitado, e não se reflete sobre as razões explicativas deste facto; - A perspetiva integrada entre os vários Ps que existia na fase inicial não teve continuidade na segunda fase, pós 2007, que está essencialmente centrada na proteção à vítima, relegando para segundo plano as dimensões da prevenção. A prática revela sustentabilidade, tendo tido continuidade desde a sua implementação em 2005, parecendo existir um financiamento de financiadores públicos. A prática é passível de réplica em vários contextos geográficos, embora exija uma experiência de colaboração regional como pressuposto para o seu sucesso. 127 5. CONCLUSÕES: Da recolha, seleção e análise das diferentes boas práticas em países e contexto distintos, foi possível retirar um conjunto de conclusões que se estruturam em dois níveis: a. Estado atual das boas práticas: suas limitações, pontos de convergência e divergência e impacto; b. Orientações estratégicas para boas práticas efetivas centradas na proteção dos direitos humanos. A. Estado atual das boas práticas: suas limitações, pontos de convergência e divergência e impacto 1. O conceito de boa prática é usado de forma pouco rigorosa, coexistindo realidades distintas de boas práticas consolidadas, práticas promissoras e projetos de boa prática (prática “in books”), que em vários casos investigados são todas referidas como boas práticas. Existe alguma confusão entre as boas práticas e práticas promissoras, estas últimas ainda não consolidadas, com uma implementação limitada. É necessário fazer uma distinção entre “boas práticas autónomas”, em que o elemento de soft law é inovador e contribui para solucionar uma questão não regulada e as “boas práticas dependentes”, em que a soft law surge associada à implementação e desenvolvimento de um elemento de hard law (ex. lei). A implementação pelo Município de Veneza do Artigo 18 é um bom exemplo de uma prática dependente, em que a estratégia de implementação foi decisiva para a realização dos objetivos de proteção da vítima, contrariamente ao que se passou noutras regiões de Itália, onde a aplicação do mesmo instrumento de hard law não produziu efeitos semelhantes. As boas práticas resultam de uma combinação entre elementos formais (ex. legislação, códigos de conduta, declarações de princípios) e de elementos informais, construídos 128 ao longo do processo de aplicação, como é o caso das práticas administrativas, práticas das ONG, redes informais não protocoladas. Isto sucede quer nas práticas desenvolvidas pelas instituições governamentais quer pelas ONG. 2. As boas práticas tendem a ser fragmentadas, referem-se em regra apenas a uma das dimensões, a um dos Ps, como se fossem compartimentos estanques, não adotando uma abordagem holística capaz de responder aos desafios colocados pelas interligações entre os diferentes Ps. Tal tende a diminuir o seu impacto sistémico e, em alguns casos, podem mesmo ser produzidos efeitos disfuncionais e indesejáveis no âmbito de um outro P que não é o foco da sua ação. Por exemplo, a aposta na formação da polícia em termos de tráfico sendo positivo para um reforço da capacidade de sinalização e ação policial mais eficaz de prevenção e na punição dos traficantes, tende a gerar efeitos perversos no capítulo da proteção da vítima quando a polícia é o interlocutor central no contacto com a vítima. Tal gera desconfiança e receio por parte da vítima e a sua indisponibilidade para cooperar, que agrava a possibilidade de não reconhecimento como vítima e de a colocar numa situação de desproteção que pode fazer aumentar o risco de re-tráfico. Existem também exemplos positivos de tentativa de articulação entre diferentes dimensões. A política filipina de envolvimento de ex-vítimas na prevenção do tráfico junto a candidatos à emigração, permite reforçar o processo de integração social das vítimas e aumentar em simultâneo o nível de prevenção. A prática da End Human Trafficking Now e a Associação Libertá na Suíça conjuga de forma eficaz a prevenção do tráfico para exploração laboral, através da mobilização do sector privado e adoção de códigos de conduta, e a proteção à vítima na medida em que cria condições favoráveis para estas empresas promoverem a reintegração social de ex-vítimas através da oferta de oportunidades de emprego. 3. As práticas relativas ao Partnership são as menos desenvolvidas, embora sejam aquelas que possuem maior potencial de impacto sistémico. Uma das dificuldades relaciona-se com a maior complexidade institucional envolvida na articulação de instituições de diversos setores com diferentes culturas organizacionais, e que têm 129 muitas vezes perspetivas não coincidentes sobre o tráfico, designadamente entre uma abordagem securitária e uma abordagem de direitos humanos. Existem, no entanto, algumas experiências que devem ser observadas, embora não consolidadas, de parcerias multissetoriais, como a do UK HTC, com grupos de trabalho presididos por organizações dos diferentes setores. No Brasil, os Núcleos de Enfrentamento regionais, englobando também entidades de todos os setores, atuam simultaneamente na prevenção de crime de tráfico, na proteção da vítima e na punição dos traficantes. Esta experiência comprova a elevada correlação que existe entre parcerias ativas entre os três setores e a ação holística que articula intervenção em diversos Ps. Relativamente às parcerias o elo mais fraco continua a ser o setor empresarial, que tem na maioria dos países um envolvimento marginal. No entanto, existem algumas práticas de referência que envolvem este sector, como o Programa “Na Mão Certa” no Brasil ou o “End Trafficking Now” na Suíça, que são passíveis de ser replicadas noutros contextos e podem inspirar novas práticas com este setor. 4. As boas práticas relacionadas com a proteção às vítimas são as mais críticas do ponto de vista de uma abordagem dos direitos humanos, mas tendem a ser desequilibradas, focando-se apenas numa dimensão parcelar, não integrando os aspetos de longo prazo designadamente a reintegração social das vítimas. Com efeito, na maioria das situações analisadas há significativas limitações na articulação dos três Rs – reabilitação, reintegração e reparação. A intervenção incide, na maioria dos casos, na reabilitação de curto prazo e em especial em aspetos menos complexos como a garantia de alojamento/ abrigo. A reintegração é marginal e a reparação inexistente. Foi possível encontrar exceções a este processo, designadamente no âmbito da experiência de implementação do Artigo 18 no Município de Veneza e do Poppy Project no Reino Unido, em que existe uma boa articulação entre reabilitação e reintegração. 130 5. As boas práticas de Prevenção, Proteção e Punição, acabam por apresentar vulnerabilidades e limitações na sua sustentabilidade e impacto, quando não assentes em parcerias e redes de cooperação sólidas entre os três sectores. Estas parcerias constituem uma dimensão horizontal que reforça as soluções específicas para os objetivos definidos em cada um dos outros P. A prática do Posto Humanizado de Guarulhos é um exemplo paradigmático de uma boa prática na deteção de vítimas mas que acaba por ter limitações em termos de resultados na proteção dessas vítimas, uma vez que não existe um sistema formal de encaminhamento com ONG e/ou instituições de apoio governamental, após a saída da vítima do espaço do aeroporto. 6. As boas práticas de implementação local tendem a apresentar resultados mais substantivos e maior sustentabilidade, uma vez que é mais fácil consolidar redes antitráfico locais do que redes a nível nacional, com um duplo impacto positivo ao nível da eficácia. Por um lado, a articulação é mais fácil porque se baseia em relações pessoais de confiança e numa mobilização para resposta a problemas concretos que estão mais próximos das comunidades. Por outro, o foco local permite adaptar melhor a prática às especificidades do tráfico na região onde este se verifica (tipo de tráfico dominante, perfil das vítimas, modus operandi dos traficantes, etc.). Foram analisados diversos exemplos desta abordagem descentralizada, não só o sistema de proteção à vítima em Veneza, o sistema de Procuradores especializados locais na Bélgica, a experiência das Active Communities Against Trafficking no Reino Unido ou o Projeto Mercadoria Humana em Portugal. 7. As boas práticas revelam um défice sistemático de avaliação, o que tende a reduzir o número de verdadeiras boas práticas, fragilizando-as, uma vez que a ausência de avaliação independente tem dois efeitos negativos: i) dificulta a sua disseminação, porque não há evidência convincente, e ii) impede um processo de ajustamento constante que permite melhorar a prática e adaptar a novas circunstâncias, impedindo a sua cristalização no tempo. 131 Contudo, algumas das práticas analisadas procuraram resolver este problema incluindo a avaliação no desenho da prática, como foi o caso do Programa “Na Mão Certa”, com a autoavaliação das empresas da implementação do Pacto e a criação da entidade certificadora independente por parte da Childhood Brasil; o caso do Posto Avançado Humanizado de Guarulhos, em que o projeto piloto da ASBRAD foi sujeito a uma avaliação e sistematização pela UNODC e OIT, antes da sua aplicação generalizada; e o caso do Gangmasters Licensing Authority no Reino Unido, que inclui desde o início um processo de avaliação regular e independente, realizado por duas universidades, Liverpool e Sheffield. 8. O nível de partilha e disseminação das boas práticas é, regra geral, bastante limitado e lento. No contexto europeu, tendo em conta o elevado nível de interação entre os Estados Membros é surpreendente que o nível de disseminação de boas práticas de alguns membros não seja mais elevado. Esta situação é explicada pela interação entre três fatores fundamentais: (i) resistências burocráticas à inovação; (ii) deficiente nível de integração entre os três setores e o seu funcionamento em rede o que, na ausência de um processo sistemático de troca de experiência e de aprendizagem conjunta, torna muito mais difícil a adoção das boas práticas noutros locais ou regiões; (iii) défice de avaliação sistemática das práticas, o que dificulta o processo de adoção, uma vez que não existe evidência suficiente sobre a eficácia e a validade da prática para além do contexto em que ela foi gerada. A lentidão e limitação da disseminação de boas práticas verifica-se tanto nas instituições governamentais como nas ONG, o que constitui um dos aspetos mais surpreendentes desta investigação. Como exemplo, a prática do SaferNet originário do Brasil não foi disseminada na Europa, designadamente em Portugal, apesar de todo o material do site estar em português. Esta prática tem particular relevância para a prevenção do tráfico de crianças e adolescentes. 132 No caso do Artigo 18 em Itália houve uma relativa disseminação da prática quer no país, quer noutros países europeus, influenciando esses países e o Conselho da Europa, com uma abordagem mais centrada nos direitos da vítima. Contudo, esta prática foi implementada de forma diversa em diferentes regiões de Itália, com resultados muito díspares. A boa prática identificada relacionada com a implementação no Município de Veneza, e os diferentes ingredientes que explicam o seu sucesso, não teve a disseminação que seria expectável. B. Orientações estratégicas para boas práticas efetivas centradas na proteção dos direitos humanos A consolidação de verdadeiras boas práticas robustas, assentes numa abordagem de direitos humanos e tendo como objetivo central a proteção, reintegração e valorização da vítima, implica a adoção de um conjunto de princípios orientadores no desenho, implementação, adaptação e réplica da prática. 1. Prioridade às práticas que potenciam interlinkages e que produzem efeitos simultâneos nos diferentes Ps A eficácia no combate ao tráfico e proteção das vítimas requer que se evite a fragmentação, desarticulação e falta de coerência entre as diferentes ações, ultrapassando a perspetiva ainda predominante que encara os diferentes Ps como compartimentos estanques. Assim, existe a necessidade de haver uma coordenação quer negativa quer, numa perspetiva mais ambiciosa, positiva. No plano da coordenação negativa, cada prática mesmo quando centrada numa das dimensões dos Ps tem necessariamente de antecipar o impacto sobre as restantes dimensões, de modo a evitar efeitos laterais perversos. A preocupação é evitar contradições, designadamente que a prática tenha efeito positivo numa dimensão e efeito negativo noutra. Na coordenação positiva, pretende-se que a prática tenha 133 efeitos positivos cumulativos nas várias dimensões, garantindo assim uma coerência e maximização do impacto. As práticas deverão ter em conta a coordenação negativa, mas acima de tudo devem ser desenvolvidas práticas que tenham em conta esta abordagem positiva, integrada e que reflitam uma abordagem holística do combate ao tráfico de seres humanos. 2. Definição de indicadores objetivos de performance, que sustentem a avaliação Uma das deficiências das práticas é a insuficiente ou inexistente avaliação e monitorização sistemática da prática, pelo que esta é uma questão estratégica para garantir não apenas a adequação da prática à realidade e a sua necessária adaptação às alterações de circunstâncias, mas também para disseminação e réplica da prática que tem de ser sustentada em provas sólidas da sua eficácia. Contudo, uma vez que a boa prática é um processo em constante evolução e tem uma natureza gradual, é necessário adotar indicadores objetivos e mensuráveis que permitam avaliar a prática. A experiência do Comité sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais relativamente à realização dos Direitos de Segunda Geração é um elemento de referência, uma vez que promove a distinção entre indicadores estruturais, de processo e de resultado, o que permite avaliar o cumprimento das obrigações dos Estados na proteção dos direitos das vítimas e percecionar os obstáculos à implementação da prática, que poderão ser formais e informais. 3. Promoção da cooperação entre os três setores Esta promoção tem de ter em conta que as perspectivas são divergentes e que existem relações quer de tensão quer de cooperação entre os três setores. A questão fundamental relaciona-se com a capacidade de gerar convergência sobre alguns aspetos centrais de modo a estimular a cooperação e coordenação para uma ação mais eficaz. 134 O reconhecimento da natureza estratégica desta linha de orientação resulta do facto de este fator institucional servir de suporte e condicionar a implementação e eficácia das boas práticas nas suas diversas dimensões. A análise comparativa das diferentes experiências revela que existe um conjunto de medidas que podem contribuir de forma sustentável para níveis mais elevados de cooperação e como catalisadoras de parcerias: (i) formação conjunta de recursos humanos dos três setores; (ii) circulação de recursos humanos entre os três setores, por períodos de tempo limitados, que permita um contacto direto com a ação de terreno e criação de laços para a cooperação futura; (iii) criação de uma instituição multistakeholder que permita troca de experiências e boas práticas, assim como de más práticas, investigação e definição de planos de ação conjuntos; (iv) financiamentos públicos, que podem definir como condição para a sua atribuição a dinamização de redes e cooperação entre os três setores; (v) criação de brokers institucionais, por exemplo associações de profissionais do Estado (juízes, procuradores, etc.) que atuando enquanto membros de organizações da sociedade civil promovem um canal institucional mais simplificado entre estas e o Estado. 4. Valorização e Inclusão Social das Vítimas como vetor central das boas práticas O reforço de uma abordagem de direitos humanos exige que a vítima constitua a primeira prioridade do sistema, o que implica não só uma mudança na escala de prioridades mas também novas abordagens na relação com a vítima. A maioria das intervenções é fortemente condicionada por estereótipos que acentuam a passividade da vítima e promovem a sua exclusão social. A intervenção a este nível não pode apenas restringir-se à satisfação de necessidades de curto prazo da vítima, tem também, necessariamente, de incluir um processo de valorização da vítima que permita lidar com os estereótipos, ultrapassar o défice de autoestima da vítima e os problemas de desaprendizagem social a que esteve sujeita. A orientação das boas práticas tem de partir de uma abordagem personalizada e flexível sobre a vítima, que a encare como pessoa e não apenas como vítima com estatuto formal, e que adote três linhas fundamentais: (i) coordenação e coerência 135 entre intervenções de curto prazo e longo prazo; (ii), articulação e complementaridade entre os três Rs (reabilitação, reintegração e reparação), de modo a inverter a excessiva concentração na reabilitação de curto prazo; e (iii) intervenção preferencial ao nível das comunidades locais, com mobilização de redes dos vários setores, onde se pode criar laços de confiança e partilhar valores e objetivos comuns essenciais para uma ação coerente e sustentável no apoio e reintegração da vítima. 5. Exploração das sinergias e complementaridade entre desenvolvimento de boas práticas e investigação sobre tráfico Não obstante a natureza experimental que as boas práticas assumem numa fase inicial, a sua conceção tem de estar alicerçada em dados objetivos sobre as tendências de evolução do fenómeno do tráfico, incluindo a tipologia das vítimas e os modelos de exploração. Assim, é fundamental uma crescente coordenação entre a investigação sobre o tráfico e a conceção e desenvolvimento de boas práticas, as quais têm de responder aos desafios que se colocam quer às comunidades quer aos indivíduos. Por outro lado, a própria investigação sobre as boas práticas, que deve adotar uma abordagem participativa envolvendo as vítimas beneficiárias, é fundamental para garantir o seu ajustamento e adequação à alteração constante das estratégias dos traficantes e às prioridades das vítimas, garantindo desta forma a sua relevância e evitando a estagnação da prática. 136 BIBLIOGRAFIA Agir Ensemble pour les Droits de l’Homme (ed.), 2007, Rapport Final 2005-2007, Dezembro 2007 in http://www.aedh.org/nouveau/documents/rapport_actes.pdf, consultado a 17 de setembro de 2011. Angelika Kartusch, 2011, Domestic Workers and Diplomats’ Households – Rights, violations and access to justice in the context of diplomatic immunity, German Institute for Human Rights, Junho de 2011. Armstrong, Helen C., 2008, Rebuilding Lives – An introduction to Promising Practices in the Rehabilitation of Freed Slaves, Free the Salves, Washington. 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