Primado Petrino - Diocese Anglicana Santa Mãe de Deus
Transcrição
Primado Petrino - Diocese Anglicana Santa Mãe de Deus
O QUE O ANGLO-CATOLICISMO NÃO É: A QUESTÃO DO PAPADO Revdo. Pe.Rodson Ricardo S. do Nascimento. Comunidade da natividade/Natal – RN. Diocese da Santa Mãe de Deus. Introdução Hoje o anglo-catolicismo é uma tradição cristã viva não apenas no interior da Comunhão Anglicana como fora dos limites do anglicanismo. Em linhas gerais, o anglo-catolicismo afirma ser uma continuação e desenvolvimento de uma tradição existente na Igreja da Inglaterra desde antes da Reforma. Segue o “cânone vicentino”: Aquilo que foi tido e crido, em todo lugar, em todo tempo e por todo fiel. Meu objetivo com este texto é contribuir na formação de uma identidade anglo-católica no Brasil. As raízes do que hoje conhecemos como “anglo-catolicismo” se confundem com as origens do cristianismo celta. Mas suas influências mais recentes estão nos “teólogos carolinos” da chamada “Igreja Alta” e, de forma axial, no surgimento do movimento de Oxford do século XIX. O anglo-catolicismo sempre se manifestou como uma presença profética do caráter histórico e apostólico da Igreja da Inglaterra. Seja na luta contra o radicalismo puritano seja na defesa da fé contra as heresias modernistas. Contra a aridez racionalista do liberalismo ou contra o pragmatismo litúrgico puritano ele tem lutado contra o perigo de influências secularizantes, a indiferença á Tradição e o desleixo pastoral. Para muitos, e eu me incluo entre estes, os objetos do Movimento de Oxford continuam sendo validos para o século XXI: (1) a defesa da catolicidade da Igreja da Inglaterra; (2) a reafirmação de sua identidade com o cristianismo pré-reforma; (3) a defesa da sucessão apostólica; (4) a valorização da liturgia e da espiritualidade antiga; (5) a importância da vida sacramental; (6) a recuperação da dimensão e missionária da Igreja; (7) o desenvolvimento de uma piedade pessoal e comunitária. Infelizmente o anglo-catolicismo nem sempre tem sido fiel a este legado e alguns acabaram por sucumbir a um tradicionalismo infértil ou a um modernismo inconseqüente. Para melhor compreender a posição atual do anglo-catolicismo no mundo, e para melhor avaliar suas possibilidades futuras, vamos considerar primeiro “o ele não é” e, em seguida, avançar para considerar “o que ele é”. II. O que o anglo –catolicismo NÃO É Em primeiro lugar devemos entender que o anglo- catolicismo NÃO conduz, logicamente, ao Catolicismo Romano. Após o Concílio Vaticano II (1961-1965) as diferenças litúrgicas entre uma paróquia anglo-católica e uma paróquia católica romana diminuíram. Executando-se a questão do celibato ficou difícil para um fiel comum entender qual a diferença entre ambos. Uma crítica muitas vezes feita por protestantes é que o anglocatolicismo termina logicamente no catolicismo romano. No entanto esta diferença existe e é importante conhecê-la. Alguns católicos, geralmente citando os casos de Henry Newman (1801-1890), acreditam que ser anglo-católico é “estagiar para ser católico romano”. Mas será que a questão é assim tão simples? Vamos supor que uma pessoa acredite, por motivos que lhe parecem suficientes, nas doutrinas da transubstanciação, na invocação da Virgem Maria e dos demais santos, na confissão auricular, no estado intermediário, na importância da vida consagrada e do celibato clerical, que encontre, além disto, valor espiritual no uso de rosários, escapulários, relíquias, imagens, incenso, água benta etc. Ainda assim isto não o levaria necessariamente à Igreja Romana. Nenhuma destas coisas o leva a acreditar que somente a Igreja Católica seria verdadeira, e, principalmente, que o critério da catolicidade é a submissão à autoridade do Bispo de Roma e aceitação de sua infalibilidade em questões de moral e fé. E são, estes últimos elementos, e não os primeiros que tornam alguém católico romano. 2. O problema da Autoridade na Igreja Jesus deu “autoridade” (“exousía”) aos Doze Discípulos (Mt 10, 1). Dentre os Doze discípulos, Pedro, possuía uma posição especial. Esta posição é conhecida como “a primazia de Simão Pedro”. (Mt. 16,18). Mas o Evangelho esclarece que se trata de uma autoridade “para expulsar demônios e curar enfermos”. É, antes um “poder terapêutico” (Lc 22, 32). Não é um poder doutrinal e, menos ainda, judicial. É um poder para aliviar o sofrimento e tornar felizes as pessoas nas suas relações com os outros e com Deus. Por sito a questão principal entre anglo – catolicismo e o catolicismo romano é compreensão sobre “a base” ou a “fonte” da autoridade na Igreja. Ou seja: o significado e o lugar do papado no cristianismo. Este aspecto é o centro das divergências dos anglocatólicos e ortodoxos com Roma e é dele que fluem todas as outras diferenças de fé, adoração, disciplina e espiritualidade. O termo “Papa”, possivelmente provém do latim “Papa” através do grego πάππας, como uma forma carinhosa para “Pai”. Originalmente, a palavra grega papas ou a latina papa foi aplicada a altos oficiais eclesiásticos de todos os tipos, especialmente aos bispos. A partir de meados do quinto século passou a ser aplicada quase que exclusivamente aos bispos de Roma. No Oriente é reservado apenas para o Patriarcado de Alexandria. Já o termo “papado” (papatu), origina-se apenas em torno do século XII, para referir-se exclusivamente ao sistema eclesiástico governamental do Bispo de Roma. Foram múltiplos e complexos os fatores que levaram ao reconhecimento de que esses bispos detinham autoridade suprema sobre a Igreja ocidental que não cabem serem desenvolvidas neste texto. O importante é ressaltar que os anglo-católicos diferenciam o exercício do “Ministério petrino”, como Patriarca do Ocidente e primaz do cristianismo, do surgimento da instituição moderna do “papado romano”. Não é possível deixar de reconhecer que ainda na Igreja Antiga os bispos de Roma alcançaram grande preeminência que, o Bispo de Roma, em muitas ocasiões prestou serviços crucialmente relevantes à Igreja e à sociedade e que muitos papas foram homens de grande piedade, integridade moral, saber teológico e habilidade administrativa. Além disto, ao longo dos séculos, muitos dos principais eventos da história do cristianismo nas áreas da teologia, organização eclesiástica e relações entre a Igreja e a sociedade tiveram conexão com a instituição papal. Na verdade a história do anglicanismo está intimamente ligada a Sé Romana. Por isto que o papado é uma questão tão importante para os anglocatólicos. 2.1. Primado de Pedro e papado O papado é uma instituição que sofreu enormes mudanças durante o tempo. O que hoje conhecemos como Papado é bem diferente do que existia na patrística, na Idade Media e mesmo no início do século XX. Por isto é importante diferenciar o “ministério petrino” do “papado moderno”. Enquanto o primeiro é antigo o segundo somente recebeu força dogmática recentemente. Durante todo o primeiro milênio Roma teve como parceiro os primados patriarcais. Por isto que o oriente jamais interpretou da mesma forma o ministério do Patriarca do Ocidente. As quatro palavras – chaves, que compõem as reivindicações papais atuais são: primazia, supremacia espiritual, supremacia temporal e infalibilidade em questões de fé e moral. De acordo com o Catolicismo Romano, o Bispo de Roma, em virtude de sua sucessão à Sé de Pedro, é o “Vigário de Cristo na terra”. Portanto, ele não é apenas o “primaz de toda a cristandade” no sentido de ser “o primeiro entre iguais” (que é o significado da primazia), mas ele também afirma ser “a autoridade espiritual suprema” acima de todos os bispos e clero, de modo que todos os bispos são praticamente “sufragâneos” dele. Todos os demais bispos devem a ele o seu direito de consagração, a sua jurisdição e sua obediência à Sé de Roma. Segundo Roma o Papa é o “Vigário de Cristo” na terra (Inocêncio IV se chama a si mesmo de “Vigário de Deus). O termo “vigário” vem do latim vicarius, que quer dizer “ao invés de”. Na Igreja Católica, o vigário é o representante de um oficial de posição superior, com toda a autoridade e poder do oficial. Ao chamar o papa de “vigário de Cristo”, se estar dizendo que ele tem o mesmo poder e autoridade que Cristo teve sobre a Igreja. Desta forma o Papa torna-se “a cabeça” da Igreja visível, da mesma forma que Cristo é “a cabeça” da Igreja invisível. Nas palavras do Papa Pio XII (1856-1958): “Nem se objete que com o primado de jurisdição instituído na Igreja ficava o corpo místico com duas cabeças. Porque Pedro, em força do primado, não é senão vigário de Cristo, e por isso a cabeça principal deste corpo é uma só: Cristo; o qual, sem deixar de governar a Igreja misteriosamente por si mesmo, rege-a também de modo visível por meio daquele que faz as suas vezes na terra; e assim a Igreja, depois da gloriosa ascensão de Cristo ao céu não está educada só sobre ele, senão também sobre Pedro, como fundamento visível.” Além de reivindica a supremacia espiritual sobre toda a Igreja, o Bispo de Roma também exige a supremacia temporal sobre todos cristãos, os estados civis e poderes públicos; em caso de conflito entre os poderes civis e espirituais ou eclesiásticas, o poder civil deve se curvar ao poder espiritual, que em última análise o poder absoluto (sob o sistema romano) é o papado, ele é o “Sumo pontífice” (O “Bispo Supremo”). O Concílio Vaticano II, na Lumen gentium, recorda que o Papa, “em virtude do seu cargo de vigário de Cristo e pastor de toda a Igreja, tem nela pleno, supremo e universal poder que pode sempre exercer livremente” (n. 22). Por isso, ele “é perpétuo e visível fundamento da unidade, não só dos bispos, mas também da multidão dos fiéis” (n. 23). Portanto, o Papa é vigário de Cristo enquanto exerce sua autoridade sobre toda a Igreja. É um modelo de episcopado altamente centralizado, autoritário e hierárquico. Ora para que o Papa pudesse ser “o cabeça da Igreja” em pé de igualdade, como “Vigário de Cristo” seria necessário que ele tivesse algum atributo divino, como a infalibilidade. Foi exatamente isto que fez a Igreja romana em 1870, desde então os católicos romanos precisam acreditar que o Bispo de Roma é infalível em questões de fé e moral. A definição da infalibilidade papal pelo Conselho do Vaticano I conforme a Constituição Pastor Aeternus de 1870, cap IV, é a seguinte: “Nós ensinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala ex cathedra - ou seja, quando, em seu caráter como Pastor e Doutor de todos os cristãos, e em virtude de sua suprema autoridade apostólica, ele prevê que uma determinada doutrina sobre fé e moral é vinculativa para a Igreja universal Igreja- pois ele possui, pela assistência divina que foi prometida a ele na pessoa de bem-aventurados São Pedro, essa mesma infalibilidade com que o Divino Redentor pensamento apto para dotar a sua Igreja, para definir a sua doutrina que diz respeito à fé e moral; e, por conseguinte, que estas definições do romano Pontífice são irreformável em si mesmos, e não em conseqüência do consentimento da Igreja”. O dogma da infalibilidade é a causa de sérios problemas para os anglo-católicos. Roma tem outras doutrinas que são de fide (necessárias para a salvação), tais como Transubstanciação e o dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria, ou seja, que a Santíssima Virgem Maria nasceu sem pecado original. Se qualquer anglo-Católico aceita esses dois dogmas, ele pode fazê-lo apenas como opinião piedosa, mas não como “essenciais à salvação”. Além disto a infalibilidade papal é vista como uma prerrogativa “pessoal, separada e absoluta do Bispo de Roma”. Embora possa haver muita confusão sobre o significado da expressão ex cathedra isto não nega o essencial: após este concílio o Bispo de Roma passou a possuir um atributo divino e destacou sua autoridade do resto da Igreja. Os anglo-católicos defendem o caráter divino da Igreja e sua indefectibilidade na fé, reconhecem a importância capital no ministério dos bispos, e em especial, do primado do Bispo de Roma, mas não entendem como tais “inovações romanas” podem ser comprovadas nas escrituras e na Tradição da Igreja. Na verdade não podem. Elas se fundamentam numa tautologia. Todas estas reivindicações fundamentam-se sobre os seguintes pressupostos: 1) o bem-aventurado São Pedro não foi apenas o líder do colégio apostólico, ou “primeiro entre iguais”, mas antes, que ele era um “Super Bispo”, que exercia um poder absoluto sobre os demais apóstolos (e mesmo sobre assuntos civis e materiais); 2) O Bem-Aventurado São Pedro era dotado de um caráter divino especial que lhe permitia ser infalível em questões de fé moral; 3) Tais poderes e prerrogativas, uma vez concedidas ao Bem-Aventurado São Pedro, foram transmitidas de forma clara aos seus sucessores na Sé de Roma, em perpetuidade. Não é a toa que anglo-católicos, vétero-católicos, ortodoxos e protestantes rejeitam tal doutrina como estranha ao núcleo central da fé. Nós rejeitamos essas reivindicações, exceto a da primazia, com os seguintes fundamentos: (1) Não há nenhuma evidência na Escritura ou em qualquer outro lugar que Cristo conferiu todas essas competências a São Pedro; 2) Não há nenhuma evidência de que São Pedro reivindicou-as para si mesmo ou para seus sucessores. Pelo contrário: há fortes evidências contrárias que São Pedro cometeu um erro de um assunto importante da fé em Antioquia (a questão da alimentação para pagãos e judeus cristãos) que afetaria todo o futuro da Igreja e da Religião Cristã, e este lapso era tão grave que São Paulo “resisti-lhe na cara” (Cf. Gálatas 2, 11-16); 3) São Pedro não presidir a primeira reunião do Conselho da Igreja em Jerusalém e não proferir a decisão do Conselho; 4), Segundo a Tradição ele foi bispo de Antioquia, antes de sê-lo em qualquer outro lugar, e, se as reivindicações papais são de algum modo verdadeiras, o bispo de Antioquia tem uma melhor direito de exigi-las; (5) Mesmo que São Pedro tenha sido Bispo de Roma não há evidência alguma de que ele conferiu tais poderes sobre os seus sucessores na Sé de Roma; (6) não houve aceitação da Igreja Primitiva sobre tais alegações, e nunca houve aceitação universal sobre isto nos períodos anteriores ao Concílio; 7) a história registra diversos “momentos obscuros do papado” em que o magistério petrino claramente se equivocou (a defesa da violência contra não-cristãos por Urbano II, a injusta perseguição a santos como Cirilo e Metódio por Nicolau I, a condenação da Carta Magna e da democracia por Inocêncio III, a condenação de Galileu etc). O nosso problema não é com o primado de Roma, mas com a instituição moderna do papado. Assim, vemos que Roma representa um catolicismo autocrático em que a regra final está confinada a pessoa do Papa. O anglo-catolicismo representa um catolicismo conciliar em que todos os grupos e ordens têm voz, direitos e poderes (embora diferenciados) no exercício do governo da Igreja, quer diretamente, quer indiretamente, através de representantes devidamente credenciados. Isto lembra outro ponto importante que é o lugar do leigo na igreja. A importância dos leigos em matéria de fé sempre foi real, embora freqüentemente esquecida ou ignorada por Roma. Neste aspecto Martinho Lutero e o Concílio Vaticano II buscaram, ao seu modo, corrigir este erro. Os anglo-católicos, ao mesmo tempo em que defendiam o episcopado e a sucessão apostólica, denunciavam o perigo de uma centralização clerical e episcopal sobre a Igreja. Cremos que a infalibilidade é confiada a toda a Igreja e não apenas a um único bispo. Além disto, historiadores alertam que, em momentos críticos, foi a fidelidade dos leigos, que persistiu, no seu conjunto, que impediu a igreja de sucumbi a heresias como o arianismo. Nos recentes diálogos com Roma os anglo-católicos, reconhecem o Bispo de Roma como Patriarca do Ocidente e como centro de unidade da Igreja, mas pedem da teologia católica uma melhor articulação do primado com a colegialidade, uma definição mais precisa do estatuto das igrejas locais e particulares no seio da comunhão e uma renovação do papel dos leigos e da colegialidade. Nossas divergências com o papado se entendem ao campo da ciência política. Temos dificuldades com “poderes ilimitados” e “governos mundiais” antes da volta de Cristo. A tese que o Papa tempo poder temporal absoluto sobre toda a terra, explicitada por Bonifácio VIII (1294-1303), na bula Unam Sancta, de 1302, é estranha e assustadora para os anglo-católicos. Segundo esta bula: “Duas são as espadas que estão em seu poder: uma espiritual, outra temporal. As duas espadas, a material e a espiritual, estão em poder da Igreja, entretanto com a diferença de que a material deverá ser empunhada em favor da Igreja e a espiritual pela Igreja [...] Uma espada será subordinada à outra, e a autoridade temporal ao poder espiritual”. É difícil não perceber nisto uma semelhança com os estados teocráticos islâmicos. Mas o mais sério é que Bonifácio VIII estabelece uma “identidade entre o papa e Cristo” que transforma aquele não em “vigário”, mas em “Substituto de Cristo”. Assim ele termina seu texto: “Declaramos, afirmamos, definimos e pronunciamos que é absolutamente necessário para a salvação de cada criatura humana que ela esteja sujeita o pontífice romano”. O Papa julga todos os reinos e só é julgado por Deus. em nenhum momento sequer ele pensa que o papa também está submetido a Cristo! Tudo isto aconteceu porque houve uma “faronização do primado romano”. Isto explica porque muitos duvidaram da possibilidade da democracia ser conciliada com o papado moderno. Por razões históricas e teológicas o Catolicismo anglicano é mais tolerante e democrático que o catolicismo romano. Em primeiro lugar, cremos que a coerção, a força ou compulsão em matéria de crença e prática espiritual é totalmente estranho ao caráter de nosso Senhor Jesus Cristo, conforme revelado nos Evangelhos. Os discípulos originais foram levados e não forçado a acreditar nele e a segui-lo. Ele nunca foi impaciente com sua cegueira, sua fraqueza e hesitação, mesmo quando alguns (como São Pedro) o negaram em momentos cruciais. Ele desejava acima de tudo a sua obediência voluntária solicitada pelo amor e a lealdade de homens livres e não de escravos. No final, ele possuía, não muitos, mas alguns desses discípulos. Por isto a “liberdade de consciência” é algo tão importante para o anglo-catolicismo e permaneceu mesmo quando o Henry Newman, um dos líderes do movimento de Oxford, nos deixou para se unir a Roma. É difícil não notar a “influencia anglicana”, trazida por Newman sobre o tema. Assim o direito à liberdade religiosa afirmada pelo Vaticano II na Declaração Dignitatis humanae (DH) é parte da “herança democrática do catolicismo inglês”. Embora não acreditemos que exista “sistema políticos perfeitos” defendemos que a democracia, apesar de suas fraquezas e limites, é a melhor forma de governo já descoberto pela qual os homens podem em medida mais plena desenvolver suas personalidades e levar a bom termo os poderes latentes, talentos e capacidades com que Deus os dotou. As Ditaduras às vezes podem ser convenientes por um determinado tempo, mas são sempre perversas em longo prazo. Pensamos que a democracia esta mais próxima da ordem divina e mais parecida com “a mente de Cristo”. 3. O Primado de Pedro e o Anglicanismo contemporâneo Uma tentativa de “recepção” do Papado pelo Anglicanismo só ocorreu no século XX. A situação começou a mudar após o Papa João XXIII cuja fundação do “Secretariado para a promoção da Unidade dos Cristãos” encorajou o então arcebispo de Cantuária, Geoffrey Fischer, para uma visita histórica (embora ainda não oficial) ao Vaticano em 1960. Como conseqüência desta visita o Bispo de Ripon, John Moorman, liderou uma delegação de observadores anglicanos ao Concçilio Vaticano II. Em 1966, o arcebispo de Cantuária, Michael Ramsey fez a primeira visita oficial ao Papa Paulo VI. O diálogo entre os Anglicanos e os Católicos Romanos tem dado sinais evidentes de progresso quanto à questão da autoridade na Igreja. Esse progresso já pode ser percebido na convergência alcançada em declarações da Comissão Internacional Anglicana-Católica Romana (Anglican Roman Catholic International Commission – ARCIC, em inglês) sobre o tema. 3.1. O Dom da Autoridade O mais importante destes documentos é “O Dom da Autoridade”. O documento “O Dom da Autoridade” (DA) veio à luz em 1998, fruto do trabalho da ARCIC internacional. Tratase de um texto que tenta encontrar pontos em comum no tocante à compreensão de questões eclesiológicas. Uma das questões mais cruciais no texto surge precisamente nesse ponto, em que a ARCIC II tenta harmonizar a autoridade infalível de magistério do colégio de bispos com a recepção de seus ensinamentos por todo o corpo de fiéis. Este documento chegou a pontos em comum sobre o conceito de autoridade, de maneira notável, como: 1) a admissão de que O Espírito do Senhor Ressuscitado mantém o povo de Deus obediente à vontade do Pai. Por essa ação do Espírito Santo, a autoridade do Senhor é ativa na Igreja (cf. Relatório Final, Autoridade na Igreja I, 3); 2) o reconhecimento de que, graças ao seu batismo e à sua participação no sensus fidelium, os leigos constituem parte integral do poder decisório da Igreja (cf. Autoridade na Igreja: Elucidação, 3) a complementaridade da primazia e da conciliaridade como elementos de episcope dentro da Igreja (cf. Autoridade na Igreja I, 22); 4) a necessidade de uma primazia universal exercida pelo Bispo de Roma como sinal e salvaguarda da unidade dentro de uma Igreja re-unida (cf. Autoridade na Igreja II, 9); 5) a necessidade de o primaz universal exercer seu ministério em associação colegiada com outros bispos (cf. Autoridade na Igreja II, 19); 6) uma compreensão da primazia universal e da conciliaridade que complemente e não suplante o exercício da episcope em igrejas locais (cf. Autoridade na Igreja I, 21-23; Autoridade na Igreja II, 19). No documento a posição anglicana é resumida da seguinte maneira: “[...] o fundamento, na Escritura e na Tradição, do conceito de uma primazia universal, em conjunção com a colegialidade, como instrumento de unidade, que é o caráter de tal primazia na prática, e que se valesse da experiência de outras Igrejas Cristãs no exercício da primazia, colegialidade e conciliaridade”. Assim o anglicanismo, e os anglo-católicos em especial, estão conscientes da importância do primado de Pedro para a cristandade, mas procuram recuperar o seu real sentido na história da Igreja. Considerações finais Os anglo-católicos não teriam nenhum problema é reconhecer que o Papa é o bispo de Roma, o Metropolitano da Província Romana, o Primaz da Itália, ou mesmo o Patriarca do Ocidente. Além disto, reconhecem que a Sé de Roma sempre teve um papel especial na história da Igreja. Os Concílios Ecumênicos e Santa Tradição dão ao o primado do Bispo de Roma uma primazia espiritual sobre todo o mundo cristão. Assim, uma primazia de honra e respeito, certamente, é devida ao Santo Papa. Neste sentido ele atua como “Vigário de Cristo”. Porque todo Bispo, como sucessor dos apóstolos, é um “vigário” ou “representante de Cristo” para o mundo, e os bispos em geral, e o primeiro bispo do mundo cristão (Primus inter pares), que é o Bispo de Roma, em particular, é vigário de Cristo em um sentido especial. O “ministério petrino” é uma realidade, mas tal ministério não é exclusivo a Sé Romana. Os anglo - católicos reconhecem que São Pedro foi o “primeiro dos Apóstolos” e que o Papa é o seu sucessor como Bispo de Roma. Não faz sentido negar a antiga tradição que liga Pedro a Sé Romana. No entanto, Pedro também foi, de acordo com as mesmas tradições antigas, o primeiro bispo de Antioquia. São Gregório Magno, em cartas aos patriarcas de Antioquia e de Alexandria, diz que ele compartilha o ministério petrino com os ambos, visto que Pedro também foi primeiro bispo de Antioquia e enviou São Marcos para fundar a Igreja em Alexandria (ver Livro V, Epístola 39, Livro VI, Epístola 60, e, especialmente, Livro VII, Epístola 40). Assim, seja qual for a forma correta de entender o ministério petrino, O papa Gregório Magno estava disposto a vê-lo como algo compartilhado. Este é um ponto importante: os anglo-católicos consideram esta ideia de um “ministério petrino compartilhado” como um ponto de partida para um diálogo ecumênico futuro sobre o assunto das reivindicações romanas. Mas, para isto é preciso resolver a herança dogmática dos Concílios ecumênicos modernos (Vaticano I e II). Estes concílios afirmam explicitamente que a autoridade papal pode ser exercida independentemente de qualquer e de todos os bispos do mundo. Isto levanta a primeira grande preocupação Anglicana. Anglo-católicos não se opõem a ideia de o Papa ser o líder da Igreja ou articular o pensamento da Igreja e a vontade de Deus de uma forma única. No entanto, a ideia de que o Papa possa agir completamente sozinho, mesmo para além dos bispos de Antioquia e de Alexandria e o outras grandes Sés apostólicas, parece perigoso para os anglicanos. A parte não é maior do que o todo. O sentido da Igreja e da mente de Deus primordialmente inerentes a toda a Igreja e todos os seus bispos e os bispos como um corpo, portanto, devem exercer a autoridade final. A doutrina romana, se mal interpretada, tende a transformar os outros Bispos em simples “administradores eclesiásticos”. De forma mais profunda é difícil para os anglicanos aceitarem a atual doutrina da infalibilidade pessoal dos papas. É um fato histórico que Papas individuais, por vezes, erraram ou foram lentos para aceitar a evolução da doutrina ou posições teológicas que foram finalmente julgadas heréticas. A explicação romana que quando ele exerce seu poder “exa cathedra” ou seja, “de forma extraordinária” ele apenas falaria em nome do “Consenso dos fiéis” é igualmente problemática. Nas raras vezes em que ele foi utilizado, como na definição da própria infalibilidade papal pelo Vaticano I e Pio IX e da Assunção de Maria, em 1950, o seu resultado parece questionável: nem anglicanos nem ortodoxos, nem católicos orientais, aceitam qualquer uma dessas doutrinas em sua forma romana; nenhum deles pode ser encontrado diretamente a partir da Escritura e da Tradição; e ambos, de fato, são inovações na doutrina. A posição católica romana moderna exige uma crença no desenvolvimento da doutrina de um modo que foi rejeitada pelos anglo-católicos desde Newman (aliás foi este o real motivo de sua saída da Igreja da Inglaterra). Os anglo-católicos são bem mais ortodoxos neste sentido. Continuam afirmando, como princípio orientador da autoridade na Igreja, que nenhuma doutrina ou crença pode ser considerada dogma se não puder ser provada diretamente da Escritura. A “Tradição viva” não significa que qualquer coisa possa ser estabelecida pelo magistério da Igreja. A Tradição articula, esclarece e interpreta a Escritura com autoridade, mas não produz desenvolvimentos que carecem de fundamento bíblicos claros. Em suma, as reivindicações modernas do papado romano não são fundamentadas pela Escritura ou tradição antiga. A maioria dos argumentos para as reivindicações do papado moderno são tautologias. No entanto, os católicos anglicanos devem estar abertos à ideia de um “papado reinterpretado”, de um primado universal, que corrija centralizações excessivas e que relaciona com firmeza o exercício da autoridade a sua relação com Tradição e o todo da Igreja.