Permanência do sindicalismo de Estado na recomposição da ordem

Transcrição

Permanência do sindicalismo de Estado na recomposição da ordem
Permanência do sindicalismo de Estado na recomposição da ordem social
autocrático burguesa*.
Rodrigo Fernandes Ribeiro**
Resumo: Esse artigo buscará expor os fundamentos do controle social que o Estado (orientado
pelas determinações da auto-reprodução do capital) impôs ao sindicalismo brasileiro, desde os
anos de 1930, e a subordinação atual do movimento sindical organizado ao mesmo controle. O
chamado “sindicalismo de Estado”, consubstanciado nas diretrizes da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), tem como tripé de controle, a investidura, a unicidade e as contribuições
obrigatórias. A particularidade da formação social do capitalismo dependente e associado, aliado
ao modelo de transição autocrático burguês de transformação capitalista, são dois elementos
fundamentais para compreender a relação desse Estado com as classes trabalhadoras e os demais
movimentos populares. A permanência e reforço da estrutura sindical serão analisados nos
períodos históricos da irrupção da “contra-revolução preventiva” iniciada na década de 1960, na
transição “lenta gradual e segura” que conviveu com o acirramento do “novo sindicalismo”, na
ofensiva do capital e recomposição da autocracia burguesa da década de 1990 e no atual governo
do Partido dos Trabalhadores (PT).
Palavras-chave: sindicalismo de estado; capitalismo dependente e associado; autocracia
burguesa; ofensiva do capital; sindicalismo no Brasil.
Introdução
As teses do fim do trabalho e do antagonismo de classes contagiaram inúmeros
intelectuais da academia, e influenciaram inúmeros lutadores sociais. O ritmo das transformações
pelo qual passou o mundo do trabalho, o Estado burguês e as classes sociais foi o suficiente para
que os parâmetros anteriores passassem a ser negados, seja por uma precipitação de análises
insuficiente e apressadas, seja pela intenção advinda das determinações da ofensiva de um
capital em crise estrutural. Nesse processo até mesmo o movimento sindical estaria em uma crise
terminal, retendo aos limites estreitos do marco regulatório do “mercado livre” as relações
laborais. Entretanto, o Estado mínimo ao trabalho e máximo ao capital expôs as suas reais
determinações. Do apelo ideológico às políticas regressivas, o antagonismo de classes
aprofundou-se, o trabalho reestruturado prevaleceu enquanto produtor de mais-valor, e a ação
sindical demonstrou-se ainda presente na realidade social.
*
Esse texto apresenta pesquisa parcial que compõe dissertação de mestrado em andamento no Programa de PósGraduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, sob orientação do Prof. Dr.
Ricardo Lara.
**
Licenciado em Ciências Sociais; Mestrando em Serviço Social, Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
Pesquisador do Núcleo de Estudos em Trabalho e Gênero – NETeG. Email: [email protected]
1
O movimento sindical está presente na totalidade sócio-metabólica do capital
mundializado, porém ele se rebate em particularidades diversas e apresenta as singularidades de
cada realidade social. No Brasil, o movimento sindical é constituído de forma tardia, assim como
o próprio capitalismo, desenvolve-se de acordo com a processualidade dependente e associada
dos países centrais e é composto segundo a dinâmica social de dominação autocrática burguesa.
Para tanto, a “estrutura sindical corporativa de Estado” apresenta-se enquanto necessidade
histórica específica da “transformação capitalista” aqui presente, e mantém-se em seus pilares
fundamentais.
Compreender essa dinâmica social que envolve as determinações recíprocas das
determinações externas e internas é objeto desse presente artigo. O fundamental passa por
desvelar as determinações ontogenéticas e a processualidade contraditória contida no movimento
sindical que se constitui com todos os seus limites e potencialidades.
Na primeira parte pretendemos indicar a gênese da classe trabalhadora e a particularidade
da formação social do capitalismo dependente no Brasil que constitui a estrutura sindical
corporativa de Estado. A seguir, indicar o fundamento da dominação de classe no “modelo de
Estado autocrático burguês”, e a sua versão tecnocrática cívico-militar que não só manteve o
sindicalismo de Estado, quanto proporcionou a renovação de um sindicalismo em busca de
liberdade e autonomia sindical. Na terceira, a ofensiva do capital e o refluxo da organização
sindical que empolgou a retomada da luta contra a autocracia, mas que na década de 1990 aceita
a opção de incorporar a ordem social. Na última, apontamentos sobre a permanência e reforço da
estrutura sindical pelo governo do Partido dos trabalhadores.
1. A formação do capitalismo dependente e associado: o controle do movimento sindical pelo
Estado.
Para identificar o controle e a relação de dominação que o Estado brasileiro e suas classes
dominantes constituíram sobre a classe trabalhadora, é necessário analisar o padrão de
desenvolvimento em que o capital em expansão emergiu nesse “novo mundo”. De imediato
podemos afirmar que a formação social do capitalismo no Brasil é tardia, responde aos padrões
impostos e dirigidos de fora, e soube aliar uma constituição sócio-metabólica que reúne traços da
velha condição colonial e atrasada, com uma modernização restringida. Assim constituíram-se as
classes sociais, o regime subordinado à acumulação de capital e o Estado Burguês, dependente e
associado aos ritmos e padrões orientados de fora.
2
O processo de colonização é fundamental para o entendimento da formação histórica do
capitalismo dependente e associado no Brasil, onde essa constituição deu-se lentamente, de
forma gradual, e com as devidas tensões e conflitos que emergiram o regime de classes e o
Estado burguês. O “sentido da colonização” que Caio Prado Jr (IANNI, 2004, p. 77-101)
identificou em suas análises, a “via colonial” que José Chasin (ANTUNES, 1982, p. 47-48)
intermediou utilizando a análise desse modo de ser particular, o “sistema misto de servidão e de
trabalho assalariado” que Marini (2005, p. 160) salientou enquanto função social no ciclo de
produção e reprodução do capital internacional, colaboraram na tarefa de superar as análises
mecânicas da “via clássica” a ser revivida no Brasil. Desde a superação de categorias históricas
inexistentes no Brasil, como o feudalismo, até a superação de uma potencial revolução burguesa
clássica redentora de nosso atraso, temos muitos elementos, hoje, para identificar os
fundamentos e determinações complexas que se relacionaram nesse quadrante do planeta.
Com Florestan Fernandes temos uma análise enraizada nos agentes históricos, suas
relações de intercâmbio interno e sua dependência externa. Desde a apreensão da vida social dos
Tubinámbas, o folclore, o negro na sociedade de classes, os retirantes nordestinos, e a profusão
das categorias históricas que engendraram o sócio-metabolismo do capital em condição
dependente, e seus componentes fundamentais: o Estado, o capital e o trabalho assalariado 1.
Desse caldo surgiram as particularidades representadas pelos padrões de dominação que
emergiram na América Latina, o colonialismo, o neocolonialismo e finalmente o capitalismo
dependente e associado ao imperialismo (FERNANDES, 1975). Deste último, as fases pela qual
a lentidão e o atraso edificaram o capitalismo: a ordem social moderna, competitiva e
monopolista (FERNANDES, 2005).
Os sujeitos históricos que teceram o regime de classes no Brasil estão presentes na ordem
estamental precedente, em que a aristocracia agrário-mercantil e os “trabalhadores escravizados”
(além dos imigrantes) representam as origens ontogenéticas do vir a ser realizado no capitalismo
dependente. Florestan Fernandes (2005, pg. 264) diz que é nesse sistema de produção
escravocrata que o Brasil se insere no mercado mundial, onde se constitui o modo de ser interno
tendo a cidade como eixo e que se produz o incremento de excedente para a inserção
subordinada e emergente. Para Marcelo Badaró de Mattos (2009),
Numa sociedade como a brasileira, marcada por quase quatro séculos de escravidão, não
seria possível pensar o surgimento da classe trabalhadora assalariada sem levar em conta
1
Que Mészáros (2002) identifica enquanto bases fundamentais do sistema do capital. Sem eliminar todas elas a
tendência é a restauração da ordem sócio-metabólica do capital.
3
as lutas de classes – e os valores e referências – que se desenrolam entre os trabalhadores
escravizados e seus senhores (MATTOS, 2009, pg. 16-17).
O controle indireto das relações comerciais nessa fase de desagregação do
neocolonialismo e emergência da modernidade capitalista no Brasil fora substituído por outros
controles econômicos, mecanismos que necessitariam redimensionar a formação da sociedade de
classes no Brasil, e emergir o trabalho assalariado enquanto relação dominante. A necessidade de
modernização dessa relação não foi empenhada por outro agente, se não pela própria
aristocracia, de forma tardia e subordinada. Ou seja, diferente dos EUA em que uma guerra civil
foi necessária para romper com os traços arcaicos e impedidores de um desenvolvimento
capitalista autônomo, no Brasil o “desenvolvimento foi calibrado por pressões externas, não
superando a dependência (FERNANDES, 2005, p. 277)”, e o estamento dominante se
aburguesou. Segundo Fernandes (2005) essa dependência segue contendo aspectos do que ele
chama de “dupla articulação”, que seriam nada mais do que a conjunção de subdesenvolvimento
interno com dominação externa. E essa dominação se realiza tanto pela extração de excedentes
para a acumulação originária dos países centrais durante a etapa colonizadora, quanto pela
“dupla extração” no capitalismo dependente e associado, realizado pela burguesia interna e
externa.
Rui Mauro Marini (2005) irá identificar analogamente esse processo, detido de forma
mais resoluta no processo de circulação de capital. Segundo esse autor, a subordinação das
nações em formação da América Latina contribuiu para a “expansão quantitativa da produção
capitalista nos países industriais”, quanto para a superação dos “obstáculos que o caráter
contraditório da acumulação do capitalismo cria para essa expansão (MARINI, 2005, p. 148)”.
Para esse autor, o “segredo da troca desigual” estava contido na produção de meios de
subsistência no “novo mundo” que intensificavam a produção de trabalho excedente pelos
trabalhadores escravizados, a partir da “superexploração” dessa força de trabalho de uso limitado
apenas pelas condições físicas dos mesmos. Esses meios de subsistência eram necessários para o
rebaixamento do valor da força de trabalho industrial do “velho mundo”, intensificando por
outro lado a extração de “mais-valia relativa”, pela maior produtividade desses trabalhadores. No
desenvolvimento das forças produtivas subordinadas e na constituição da classe trabalhadora da
América Latina, Marini reconhece também o mecanismo que permanece e subordina os “de
baixo”, a superexploração inclusive com a universalização do trabalho assalariado livre, pois,
A difusão do progresso técnico na economia dependente seguirá, portanto, junto a uma
maior exploração do trabalhador, precisamente porque a acumulação continua
4
dependendo fundamentalmente mais do aumento da massa de valor – e portanto de maisvalia – do que da taxa de mais-valia (MARINI, 2005, p.177).
Momentos como a abolição da escravatura e a proclamação da república não revelam as
determinações do capital em expansão, em dinamizar as relações de produção no Brasil em
favorecimento central do imperialismo nascente, e da hegemonia interna do mercado cafeeiro. A
universalização do trabalho livre assalariado dinamiza as cidades (revolução urbana), emergindo
não só os primeiros contingentes operários, quanto as suas primeiras experiências de “coalizões
da classe operária”. Data já dos primeiros anos do século XX o primeiro Congresso Operário
Brasileiro em 1906, a Confederação Operária Brasileira (COB) enquanto primeira experiência de
central dos trabalhadores criada nesse primeiro congresso, e a força que predominaria até os anos
1920: o anarco-sindicalismo (MATTOS, 2009, p. 48-49).
O potencial reivindicativo e revolucionário desse movimento operário emergente tem lá
seus limites ancorados em diversos fatores. Em primeiro lugar, como dito antes, a grande massa
de trabalhadores assalariados estava no campo2, e os que estão na cidade pertenciam em sua
maioria ao ramo de serviços. Segundo, é debitado aos imigrantes praticamente toda a experiência
sindical tradicional, importada da Europa, das lutas sindicais como as greves e os próprios
congressos. Em terceiro, segundo Antunes (1982, p. 63-66), o crédito de “revolucionário” ao
movimento anarco-sindicalista não poderia ser feito, pois as suas lutas limitavam-se as pautas
econômicas, aproximando-se dos liberais, e não tinham projeto de organização e nem de poder
de Estado. Ou seja, não havia partido revolucionário organizado. Porém, o que identificamos
enquanto potencial a ser ressaltado já na década de 1920 (onde se tinha partido revolucionário,
classe operária mais numerosa e experiência acumulada de duas décadas) era que vigorava nesse
período a condição de “sindicatos livres”. Isso é, ação sindical com poucas ou raras
subordinações ao Estado em forma de lei3.
A década de 1920 representa um dos primeiros momentos em que a crise do poder
burguês, e a sua necessária transformação capitalista precisariam emergir no contexto sócio
histórico típico, porém não menos tenso e contraditório, das nações dependentes. Os extratos
médios da pequena burguesia e da classe média demonstravam amplamente a sua insatisfação
2
“A cifra de 293.673 operários manufatureiros e industriais no Brasil em 1920 é pouco significativa se comparada
aos 9.566.840 habitantes economicamente ativos do país, 66,7% dos quais estão no campo (MATTOS, 2009, pg.
37)”.
3
Antunes (1982, pg. 75) indica duas legislações regulamentadas na República Velha. A primeira de 1903 era
facultada à organização sindical dos setores agrícolas. Para o setor urbano em 1907, a regulamentação estendeu
direito de sindicalização, com mínimos requisitos para o reconhecimento legal dos sindicatos. O seu poder de
controle era muito limitado.
5
com a política retrógrada e exclusivista da República Velha (tendo enquanto maior representante
o “tenentismo”), assim como as classes populares que promoviam rebeliões e revoltas em todo o
Brasil4. O movimento sindical e operário, empolgado com as vitórias e a revolução social
soviética, coloca em cena o movimento comunista e as lutas pela revolução, criando o Partido
Comunista do Brasil (PCB) em 1922. É sintomático que em 1917, no mesmo ano da Revolução
Russa, o movimento sindical imponha diversas greves e consolide as organizações sindicais, que
mesmo com a repressão passam a ser cada vez mais sido reconhecidas pela massa de
trabalhadores.
Desse período conturbado e perigoso para as forças de dominação burguesas, que tinham
enquanto principal pólo hegemônico os exportadores de café, é estabelecido um “reformismo
pelo alto” que manteve o controle dos “de baixo”, e a unidade necessária para uma dominação
burguesa mais estável. Para Antunes (1982, p. 66), o que acontece nesse período não é uma
revolução, pois “1930 marcou um momento de rearranjo do bloco de poder, rearranjo este feito
pelo alto, excluindo qualquer participação efetiva das classes subalternas, e tendo o componente
conciliador bastante nítido”. O irrompimento do período Vargas está mais colocado enquanto
uma necessidade histórica de aceleração das transformações no capitalismo, marcando o auge do
desenvolvimento do capitalismo competitivo, de vida curta e muito próxima a sua conversão
monopolista. Trata-se do período em que se necessitava transformar a vida social industrial e o
seu vinco estruturante: o Estado brasileiro.
Como dissemos antes, na década de 1920 o movimento sindical passa a ganhar um
estatuto de reconhecimento intra-classe, seja nas sindicalizações, seja na profusão de greves, que
poderia ser muito perigoso se a intenção era desenvolver o capitalismo brasileiro favorecendo a
produção industrial. É produto necessário, condição para desenvolvimento subordinado em
“condições ótimas” (ou seja, de acumulação capitalista industrial provinda da super-exploração
dos trabalhadores), que fossem controlados o movimento sindical e as greves, assim como
tutelados os instrumentos sociais organizados pela classe trabalhadora: os sindicatos. A era
Vargas também passa a ser reconhecida pela tutelagem ao movimento sindical, consubstanciado
4
“Somente no Rio de Janeiro, entre 1880 e 1904, pelo menos 5 grandes revoltas urbanas foram registradas...
(MATTOS, 2009, pg. 45). “Muitos padeciam a violência oligárquica, sob a forma estatal e privada: os seguidores de
Antônio Conselheiro, em Canudos, os seguidores de João Maria, no Contestado; colonos na fazenda de café, quando
realizavam greves protestando contra as condições de trabalho e remuneração; operários nas fábricas e oficinas, por
ocasião de assembléias e greves; seringueiros na Amazônia, quando tentavam escapar das malhas da escravização
organizada no sistema de aviamento, populares do Rio de Janeiro, em 1904, quando protestavam contra a vacina
obrigatória (IANNI, 2004, pg. 215).
6
pela criação do “Sindicalismo de Estado”, a Estrutura sindical oficial e outorgadora de
representação. Para Antunes (1982),
Na verdade o traço fundamental naquele momento foi a exclusão das classes populares de
qualquer participação efetiva e a repressão política e ideológica desencadeada pelo
Estado, através da política sindical controladora e da legislação trabalhista manipulatória
(1982, pg. 73).
A estrutura sindical criada por Vargas continua a ser mantida e revigorada por todos os
demais governos (sejam eles “democráticos” ou “ditatoriais”), e é objeto de polêmica por
diversos autores que analisaram o movimento sindical brasileiro5. Seu ponto de partida foi a “Lei
de sindicalização” de 1931 (Decreto 19.770 de 19 de março de 1931), que busca regulamentar a
outorga da representação oficial, a tutelagem e determinação de atividades assistencialistas para
os sindicatos, a intervenção em assembléias, o controle das finanças, a proibição de organização
internacional e a limitação da participação de imigrantes estrangeiros (ANTUNES, 1982, p. 7677). Com a proposta de servir como “para-choques dessa tendência antagônica”, a resistência à
vinculação ao sindicato oficial esteve presente. Particularmente, no início ela só foi aceita em
regiões mais remotas, com pouca experiência e tradição em luta sindical. A constituição de 1934
incorpora uma abertura nessa tutela, abrindo a possibilidade para um pluralismo restrito
(permissão de até três sindicatos) de representação oficial. Mas é com a repressão mais ostensiva
a partir de 1935, com a Constituição de 1937, e a aprovação da CLT em 1943, que os
fundamentos da “Estrutura Sindical Corporativa de Estado”, sobre a atividade sindical, são
concretizados.
Entretanto, há divergências sobre o que seriam os fundamentos de controle da Estrutura
sindical. De acordo com o conjunto dessas análises, indicamos os apontamentos de Boito Jr.
(1991). Para ele, são três os pilares em que se assentam o “sindicalismo de Estado”. No centro
desse controle está a outorga do Estado que representa sua expressão máxima de submissão: a
investidura sindical. O Estado, que estava constituindo todas as suas estruturas e políticas em
direção às condições propícias ao desenvolvimento industrial periférico, que garantisse a “dupla
extração”, ou a “super-exploração” da força de trabalho emergente, seria o fiel da balança na
organização e prática sindical dos operários. Se o mesmo não estivesse de acordo com a palavra
de ordem “abolição do sistema de salários” – revolucionário -, ou mesmo com o lema “um
salário diário justo para um trabalho diário justo” –reformista –6, cabia a essa estrutura indicar a
5
Os livros de ANTUNES (1982) e BOITO Jr (1991), expõem as inúmeras controvérsias entre estudiosos e
militantes do movimento sindical sobre a estrutura sindical.
6
Potencialidades e limites da luta sindical, sintetizados por Marx em Salário Preço e Lucro (2008).
7
representação e os limites das “coalizões operárias”7. Por isso, Boito Jr. (1991, p. 27) insiste que
“se fosse abolida a investidura, toda a estrutura sindical seria, obrigatória e simultaneamente,
extinto”.
De forma derivativa estão os outros dois pilares, que representam tanto o “monopólio
legal” de representação, quanto a dependência econômica. A unicidade sindical é a constituição
desse “monopólio legal” a partir da investidura oficial de um único sindicato. Ou seja, é a
garantia de que se possa direcionar, mediante o aceite legal das regras em jogo (estatuto,
funcionamento e demais trâmites), à apenas um instrumento o poder de representação. A
essência do sindicalismo é a organização da classe trabalhadora em coalizões unitárias,
dependentes apenas aos anseios dessa mesma classe, e responsável por apenas ela. A legitimação
tem de ser dada por essa massa, e não pelo Estado burguês, contra o qual alias, é que o
sindicalismo enquanto “escola de guerra” tem de enfrentar. O outro pilar derivativo, criado na
CLT em 1943, são as contribuições sindicais obrigatórias para todos os trabalhadores, sejam
sindicalizados ou não. Compõem-se tanto o imposto sindical criado com a CLT, quanto as taxas
assistenciais, criado na Ditadura Civil-Militar em 1966. O poder desse instrumento de cooptação
está em ser um dos potenciais desmobilizadores da luta sindical (pois não se depende mais da
sindicalização, com o convencimento militante dessa necessidade), além de potencializar o
amansamento de categorias até então rebeldes, já que o repasse é dependente do Estado. No geral
esses dois elementos derivativos não teriam eficácia alguma se não existisse a investidura
sindical de Estado, porém a investidura poderia permanecer com a ausência de qualquer um dos
dois, perdendo é claro, parte de sua eficácia.
As demais características que são evidenciadas no controle sindical, as destituições de
diretorias pelo Ministério do Trabalho, a tutela nas eleições sindicais, o “peleguismo”,
assistencialismo, ausência de organização nos locais de trabalho e fragmentação por categorias
são para Boito Jr (1991), nada mais do que os “efeitos necessários” de toda essa estrutura que
passou a ser internalizada pelo que o autor chama de “fetiche do Estado protetor”. Tanto uma
como outra foram utilizadas dependendo a necessidade do Estado Burguês, e sofreram uma ou
outra alteração durante o percurso de irrupção do capitalismo monopolista no Brasil com a
Ditadura Civil Militar de 1964, na “redemocratização” e Constituição de 1988, e nas últimas
duas décadas em que a ofensiva do capital reestruturou as forças produtivas, o Estado e o bloco
de poder dominante.
7
Foi o que aconteceu na prática com o próprio governo Vargas: desde a dissolução da ANL e de um movimento
comunista em ascensão, até mesmo no corte de salários durante os “esforços de guerra”.
8
Por que essa estrutura sindical permanece intacta em seus pilares de sustentação, na
ocorrência de governos “ditatoriais” e “democráticos”? Por que somente no período de crise da
ditadura civil-militar (1978-1984) haveria novamente um movimento sindical que faria a crítica
a estrutura sindical? E deste mesmo movimento, o “novo sindicalismo” que constituiu a Central
Única dos Trabalhadores (CUT), como e em que sentido se realiza a sua integração ao bloco de
poder dominante hegemonizado pelo padrão mundializado do capitalismo monopolista mundial?
2. O “modelo autocrático burguês de transformação capitalista”: o “novo sindicalismo” na
luta pela liberdade e autonomia sindical.
Incorporamos outro elemento para entender esse controle restritivo à luta dos “de baixo”
que marcou a transição para o padrão de capitalismo dependente no Brasil. O período
“democrático” de 1945 à 1964 é marcado pela intensidade das transformações originadas no
período varguista, preservando aspectos essenciais dos controles sociais, econômicos e políticos
que marcaram a constituição dessa nação. A ilegalidade do Partido Comunista Brasileiro em
1947 e a permanência do “sindicalismo de Estado” são referências dessa realidade. Porém, o
dinamismo social que a industrialização passou na década de 1950, marca a reconstituição de um
movimento sindical e popular que passaria a exigir reformas estruturais democratizantes. A luta
pelas “Reformas de Base” marca toda uma geração e o fim da etapa do capitalismo competitivo,
exigindo controles mais fortes e substantivos no processo de “aceleração da transformação
capitalista” por parte da “dominação burguesa”.
A irrupção da Ditadura Civil-militar em 1964 é o marco da implementação acelerada do
capitalismo monopolista no Brasil, orientado pelo imperialismo e o capital financeiro em
expoente. O “modelo autocrático de transformação capitalista” é revelado de forma aberta e
configura-se em uma “contra-revolução preventiva”, tendo a versão tecnocrática e aberta dessa
ditadura os seus componentes de “desenvolvimento com segurança” 8. A autocracia burguesa
não foi somente “implementada” na ditadura civil-militar em 1964. Segundo Florestan
Fernandes (2005), ela é um complexo de políticas típicas dos países dependentes que
proporcionam a unidade da dominação burguesa pelo alto, e não permitem a inserção das classes
subalternizadas, ou os “de baixo”. Portanto, estamos aqui falando de um modelo de transição e
execução das políticas imperialistas que delimitaram os ritmos e o padrão de desenvolvimento
8
Ver principalmente o capítulo 7 de Revolução Burguesa no Brasil, “O modelo autocrático burguês de
transformação capitalista” (FENRNANDES, 2005).
9
capitalista requerido pelo “imperialismo total” até chegar a sua configuração monopolista de
hoje. Entendemos que o “modelo autocrático burguês de transição capitalista” envolve o
complexo social da interação entre estrutura e consciência social que se notabilizou em todo o
processo de constituição histórica do capitalismo dependente e associado “no” Brasil. Processo
que não completou uma formação social totalmente burguesa, e que se mantém pela necessidade
da convivência entre o atraso e a modernização, em sua subordinação consequente. Como bem
exemplifica Fernandes (1975, pg. 92),
Portanto, o cenário não conta nem com o “burguês conquistador”, nem com o “camponês
inquieto” e o “operário rebelde”. Graças ao domínio autocrático das estruturas
econômicas, socioculturais, e políticas, nas origens mais remotas da ordem social
competitiva temos uma oligarquia que monopolizava o poder sem maiores riscos e que se
aburguesou sem compartilhar quaisquer de seus privilégios com a “ralé” ou o “populacho
(FERNANDES, 1975, pg. 92)”.
A estrutura sindical corporativa de Estado, ou mais sinteticamente o “sindicalismo de
Estado”, em nosso entendimento, é um dos elementos fundamentais desse controle autocrático.
Não só fora imposto por uma legalização da prática sindical, como fora internalizada mediante
métodos de cooptação e manipulação ideológica aos trabalhadores. Boito Jr (1991, p. 112) diz
que essa estrutura não poderia ser simplesmente aceita, sem uma ideologia superestrutural
indicativa, que para ele é parte de um populismo sindical, que representa um “fetiche do Estado
Protetor”. Questionamos essa separação entre estrutura de Estado e ideologia populista, pois
acreditamos que o sócio-metabolismo é uma unidade de interações complexas em que o atraso
cultural e político, aliado à centralidade da modernização estrangeira e subordinada, são
elementos fundamentais para um entendimento do modo de ser particular no capitalismo no
Brasil e sua relação recíproca com a totalidade social do capitalismo mundial 9. A relação entre
estrutura e a consciência social correspondente das classes dominantes e das classes
trabalhadoras, fora constituída, segundo Fernandes (1975), pelas determinações que constituíram
a debilidade de autonomização da burguesia nativa, e pela debilidade da organização das classes
trabalhadoras. Portanto, o “sindicalismo de Estado” é uma necessidade histórica do modo de
produção e reprodução dependente do capitalismo no Brasil, e corresponde a singularidade de
todo o processo histórico em que o modelo autocrático burguês impôs pelo alto as
transformações requeridas.
O “capitalismo hipertardio” rompeu com as perspectivas de revolução democráticoburguesa, e evidenciou as características centrais do poder de classe no Brasil, para além do
9
“A situação heteronômica é redefinida pela ação recíproca de fatores estruturais e dinâmicos, internos e externos
(FERNANDES, 1975, p. 26)”
10
investimento em estruturas de formação monopolista: foram necessárias políticas de facilitação e
intensificação da superexploração da força de trabalho, principalmente nas relações trabalhistas.
A crise iminente do capital impunha novos padrões, sendo que o arrocho salarial, a retirada de
direitos como a estabilidade do setor privado e a criação do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS), e demais políticas de compressão salarial em um período de crescimento da
riqueza produzida que registrou dois dígitos na década de 1970, foram fundamentais para a
dinamização da economia subordinada10.
O reforço à estrutura sindical é elemento fundamental nesse processo. Por mais que fosse
marca registrada do trabalhismo, referenciados por alguns enquanto retrógrado, é importante
perceber dois movimentos com relação ao sindicalismo de Estado: a primeira é o seu uso no
sentido estrito da Lei consubstanciada na CLT, pois não fora necessária outra lei ordinária para
intervir em sindicatos e colocar interventores nos sindicatos oficiais. O segundo são as portarias
e decretos leis que vieram não para contrapor os mesmos, se não para reforçar a mesma estrutura
sindical. Nesse processo podemos citar a criação das taxas assistenciais, a “Portaria 3437 do
Ministério do Trabalho em 1974” que regulamentava as eleições sindicais a fim de dificultar a
participação e vitória das oposições sindicais, e o “Decreto-Lei nº 229 de 1967” que instituiu a
obrigatoriedade a contratação coletiva e o poder normativo da Estrutura (BOITO Jr, 1991, pgs.
34, 44-45, 47-48).
A crise da ditadura civil-militar representou não somente parte do desgaste da
inexistência de processos democráticos na cena política brasileira. A condição de vida da maioria
da classe trabalhadora não só havia sido rebaixada pelos arrochos salariais ditados da “autocracia
aberta”, como a repressão e o controle das atividades políticas e sindicais representaram uma
necessidade premente de negociação da taxa de exploração, já que a relação social entre
comprador e vendedor de força de trabalho também representa a relação de equivalente com
equivalente. Ou seja, a desigualdade social atingindo índices cada vez maiores, e a precarização
cada vez mais intensa das condições de vida de um povo que receberia cada vez menos para um
poder de consumo cada vez menor, refletiu na necessidade de organização, por fora da ordem, da
ação sindical combativa. As greves do ABC adentram a cena histórica, transformam-se em
10
“Em suma, na entrada dos anos 60, a dinâmica endógena do capitalismo no Brasil, alçando-se a um padrão
diferencial de acumulação, punha na ordem do dia a redefinição dos esquemas de acumulação (e logo fontes
alternativas de financiamento) e a iminência de uma crise. Se esta não aparecia como tal aos olhos dos estratos
industriais burgueses, a questão da acumulação mostrava-se óbvia” (NETTO, 1996, p. 20).
11
exemplo para a completude dos movimentos sociais, e indicam minimamente uma classe
trabalhadora que começa a questionar a estrutura sindical novamente11.
É representativo o número de greves do período de 1978-1989. Por dentro ou por fora do
sindicalismo de Estado oficial, são organizadas comissões de fábrica, paralizações espontâneas,
grandes greves em vários setores, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o partido dos
Trabalahdores (PT) e outros instrumentos que se apegam a estrutura sindical, que ora criticam os
efeitos das mesmas, e em outros momentos reivindicam o “sindicalismo livre” das amarras do
Estado. A CUT é a primeira experiência bem sucedida de constituição de central de
trabalhadores, sendo que as experiências das greves do ABC entre 1978 e 1980, dos funcionários
públicos (que constituíam parte importante do chamado “novo sindicalismo”), além do
movimento de oposições sindicais que conviveram com os “pelegos” indicados pela ditadura, e o
sindicalismo rural, foram os grupos dinamizadores do movimento que constitui o I Congresso
Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT) em 1983, e a fundação da central (TUMOLO,
2002, p. 112-113). A gênese desse movimento está estabelecida nas oposições que conviveram
com os “efeitos” da estrutura sindical, sendo fundamentais para a construção das primeiras
“palavras de ordem”, princípios e valores, táticas e estratégias, que colocaram o movimento
sindical na ponta de lança da crítica à estrutura autocrática de Estado12. O percurso desse
movimento não escondeu contradições importantes. Em primeiro lugar, a década de 1980 foi
contemplada por quatro greves gerais de ampla participação, e de um número de greves anuais e
horas não trabalhadas que expõem uma ampla participação das bases nesse processo. Essa
década é registrada por uma crise econômica perversa, pela corrosão dos salários e do dragão da
inflação, e principalmente pelo não atendimento das pautas ofensivas da classe, sendo mais um
período em que os movimentos de greve e sindicalização, aliados com a proposta de
Constituinte, intensificarão a luta de classes e uma necessária recomposição do bloco de poder
dominante. Em segundo lugar, o acúmulo das lutas e da organização dos movimentos populares
e sindical, já sinalizou no III CONCUT a regressividade na organização das bases, e do
movimento político que reivindicava liberdade e autonomia sindical. Não só esse congresso foi
um marco na redução da democracia de base, com a redução dos delegados tirados em
assembléias de base, como nesse ano ficaram evidentes que o “discurso mistificador” de
liberdade e autonomia sindical não se dava com mesmo empenho na prática.
11
Sobre o “novo sindicalismo”, ver em TUMOLO (2002), ANTUNES (1995), BOITO (1991) e MATTOS (2009).
Boito Jr. (1991) questiona a intervenção prática contra a estrutura sindical pelo “novo sindicalismo”, entendendo o
mesmo mais como um “discurso mistificador” que criticava centralmente os “efeitos” e não a estrutura e seus pilares
fundamentais.
12
12
O resultado final da Constituição de 1988 manteve a estrutura sindical em seus três
pilares, incorporando um artigo que expõem uma ambiguidade absoluta no restante dos artigos
da CLT restaurados em 1988: o inciso I do artigo 8, que veda “ao Poder Público a interferência e
a intervenção na organização sindical” (BOITO, 1991, p. 57). A prevalência dos pilares da
investidura, unicidade e imposto sindical nos 24 anos posteriores, inviabilizam na prática real
esse artigo. No processo de transição que já avistava a abertura política, ANTUNES (1986)
indica que havia uma “liberalização outorgada” dirigida pelos militares, que tendencionalmente
não encontraria solução para a construção de uma democracia social, econômica e política, pois,
[...] não poderá ser a alternativa esboçada por setores da oposição, que se contentam com
algumas simples mudanças na forma do regime e que se acomodariam com uma
Constituinte que, ao invés de selar o fim do regime e dos privilégios de uma minoria,
significaria um momento de auto-reforma do poder, mantendo intocável a estrutura
econômica concentracionista. (ANTUNES, 1986, p. 38).
Com a redenção do Estado Burguês e o “sindicalismo de Estado”, revestidos de novos
tempos “democráticos”, as transformações e a ofensiva do capital comporiam o regime de
classes e os processos de cooptação do movimento sindical.
3. A ofensiva do capital nos anos 1990: integração do movimento sindical na recomposição da
autocracia burguesa.
Não será nossa intenção afirmar que houvera uma virada na política e nos principais
objetivos do movimento sindical nos anos 1980 para anos 1990. Cabe a essa análise somente
apontar e relacionar as determinações essenciais que o sócio-metabolismo do capital
proporcionou para essa periferia específica, o Brasil, com a mudança de postura e política dos
dirigentes sindicais que se forjaram na luta contra a ditadura civil-militar e os efeitos e políticas
que ela proporcionou a organização dos trabalhadores no Brasil.
A vitória da ofensiva do capital (ou da ideologia e prática neoliberal13) no Brasil pode ser
demarcada pela vitória eleitoral do candidato mais representativo dessa “ordem em mudança
para conservar”, Fernando Collor de Melo, sobre o candidato das forças sindicais e populares
13
A maioria dos autores citados nesse artigo identifica essa fase de reestruturação do capitalismo, enquanto
proveniente de uma ideologia específica, a ideologia neoliberal. Em nosso entendimento essa fase corresponde às
determinações de uma “ofensiva do capital” em direção à sua mundialização subordinada e a contenção da queda
tendencial da taxa de juros (sua crise estrutural). No decorrer do texto privilegiaremos essa expressão por
representar, a nosso ver, a determinação central (não exclusiva) dessa reestruturação geral da vida social enquistada
na subordinação do trabalho ao capital. Ver em “Crise do socialismo e ofensiva do capital” de José Paulo Netto
(1993) a relação entre crise estrutural do capital, o recuo das práticas democráticas e a regressividade dos direitos
sociais.
13
que se destacaram na década de 1980, Luís Inácio Lula da Silva. Não que não houvesse
mudanças já indicativas dessa ofensiva no governo anterior de José Sarney, porém é com esse
primeiro governo e nos seguintes que a ofensiva do capital parte para as privatizações de setores
essenciais da economia nacional, as contrarreformas desestruturantes e regressivas dos direitos
sociais, a abertura radical da economia e do capital financeiro, que irromperam enquanto
políticas reais e concretas suavizadas pela manipulação ideológica perversa dos meios de
comunicação e do Estado (BOITO Jr., 1999a).
Não poderíamos deixar de dizer que essas condições reais também fazem parte de um
movimento geral do capital que nas décadas de 1970 e 1980 implementou a reestruturação
produtiva e o reordenamento político e econômico necessários para conter a tendência de queda
das taxas de lucro em seu plano mundial e que representa aspecto fulcral da crise estrutural do
capital. O que Mészaros (2002) chamou de derrocada das “linhas de menor resistência do
capital”, tanto o Estado de Bem estar social, quanto o chamado “socialismo real”, foram os
primeiros efeitos representativos dessa crise. A desestruturação do que se tinha de “proteção
social” América Latina14, também representa esse movimento, e o Brasil, diferente de países
como o Chile, Argentina e Venezuela, aplicou as determinações dos órgãos de fiscalização do
imperialismo, como o Banco Mundial, de forma tardia. Sem dúvida toda a resistência e
organização popular desse período, como o “novo sindicalismo” dito aqui, foi fundamental para
essa contenção momentânea das políticas regressivas sobre os direitos sociais e o trabalho.
O que afirmarmos aqui é que o “modelo autocrático do Estado burguês” é reconfigurado
e recomposto após o embate com as forças sociais que exigiam a democratização da vida social
nos anos 1980. Após esse duro embate, em que o nascimento de certos instrumentos da classe
trabalhadora foram criados, foi não só vencido, quanto em certa forma, foram integrados a ordem
social nova e perfeitamente cabível para a acumulação capitalista. Segundo David Maciel (2007,
p. 8),
As reformas neoliberais iniciadas nos anos 90 e ainda hoje implantadas permitiram que a
autocracia burguesa atingisse uma forma ainda inédita no Brasil: a combinação entre a
democracia representativa e os mecanismos oligárquicos e fascistas sem a mediação do
populismo e/ou do coronelismo. Em outras palavras, desde que as massas urbanas
ascenderam à cena política, é a primeira vez que a dominação burguesa busca se
estabilizar sem recorrer à ditadura aberta, mas também sem fazer uso da concessão de
direitos sociais como meio de cooptação e manobra. (MACIEL, 2007, p. 8)
14
Que não podemos confundir com o Estado de Bem Estar que houve na Europa.
14
As condições que permitiram “esterilizar a dissidência para baixo (FERNANDES, 2005,
p. 363)”, permitiram implementar essa democracia burguesa com a permanência da autocracia.
Diversos mecanismos de tipo fascista, fomentados durante a ditadura e a sua “transição
transada”, permaneceram nessa recomposição: a legislação eleitoral; a estrutura partidária; a
estrutura sindical; o estatuto legal dos militares, que lhes dá autonomia política e a condição de
aparelho repressivo e reserva estratégica de poder, e a supremacia do poder Executivo sobre o
Legislativo e o Judiciário, são alguns exemplos (MACIEL, 2007, p. 7-8).
A queda do “socialismo real” foi outro fator importante nessa ofensiva do capital. O
impacto ideológico e econômico foi sentido no mundo inteiro (principalmente nos países de
capitalismo avançado), compreendendo também um incremento na mudança de direção da CUT,
por exemplo. O pragmatismo toma conta de sua política, a aproximação com a social-democracia
européia e com as tendências católicas, foram fundamentais nesse processo. Por último, a
filiação a Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres (CIOLS) em 1991,
determinou a aliança mundial que essa central optara, e que era debate postergado nos primeiros
anos da CUT, entre as opções: Federação Sindical Mundial (FSM) de orientação marxista e
soviética, ou a CIOLS, de orientação social democrata e estadunidense (BOITO, 1999a, p. 217).
Para fazer frente a todo o poderia de mobilização que a CUT teve nos fins dos anos de
1980, o governo pró-capital, abertura externa e privatizações de Collor, auxiliou, financiou e
privilegiou a formação de uma nova central sindical que fizesse frente a CUT, e se apoiasse em
suas políticas. A criação da Força Sindical, com seu “sindicalismo de participação”, introduziu
pela primeira vez as cúpulas (não pela estrutura oficial ainda) nas negociações governamentais, e
principalmente no eixo da acumulação capitalista mundializada e financeirista. O apelo das
privatizações aos trabalhadores das empresas estatais foi exercido com a cooptação dos fundos
de participação organizados principalmente pela Força Sindical 15.
A CUT sofreu os
rebatimentos dessa nova opção amplamente apoiada pelo governo: data-se do Congresso da CUT
de 1991, algumas das mudanças mais drásticas em sua política que são referencia até hoje de sua
transição para o “sindicalismo de proposição”.
No campo da política a CUT passou a defender os fóruns tripartites de conciliação, sendo
que esse debate permeou e agitou o conflito entre as correntes de esquerda e as moderadas. Suas
15
Em Boito (1999a) é demonstrado como fora realizado essa estratégia, e quanto ela só beneficiou as cúpulas que
incorporaram objetivamente esse bloco de poder. A criação de “fundos de investimento” pela Força Sindical
privilegiou setores dirigentes, em detrimento da maioria dos trabalhadores. As declarações do presidente na época,
Luiz Antonio de Medeiros, demonstra o grau de incorporação do discurso pró-mercado: “Nossa única exigência é
que se garanta ao trabalhador o direito de parcela nas empresas privatizadas” (BOITO, 1999a, p. 188).
15
propostas sempre foram vencidas, pois diante dessa ofensiva do capital “não há espaço para
acordos” à classe trabalhadora. Mesmo assim, nessa década é presente a mudança de postura da
CUT, porém não se pode dizer que ela foi cooptada pelas políticas regressivas de direitos,
permanecendo na oposição mesmo que moderada. No geral esse processo notabiliza-se pela
aceitação passiva das determinações que a ofensiva do capital impôs ao movimento sindical. No
geral, Tumolo (2002) conclui que,
Partindo do pressuposto da vitória do capital no plano mundial, através da consolidação
do novo padrão de acumulação, cuja manifestação aparente são as metamorfoses do
mundo do trabalho, e tendo em vista o fracasso da construção do socialismo, a estratégia
tem sido, em linhas gerais, a de conviver com o capitalismo, buscando oferecer
alternativas por dentro dele, baseado na crença que é possível reforma-lo estruturalmente
e, dessa forma, arrancar, através da negociação, benefícios para os trabalhadores.
(TUMOLO, 2002, pg. 132).
Com relação à estrutura sindical, o movimento sindical não conseguira avançar no
combate aos pilares de sustentação. Pelo contrário, quando Collor anunciou a proposta de
reforma sindical em 1991, com a proposta de fim do imposto sindical e quebra da unicidade
sindical com a liberação de negociação com “comissões de empresa”, não só a Força Sindical foi
contra, como a própria CUT declarou a sua contrariedade (BOITO, 1999a, p. 195). Com FHC, a
aprovação do “contrato de trabalho por tempo determinado”, pauta apoiada pela CUT que se
rendeu aos apelos de luta contra o desemprego e a desindustrialização, a estrutura sindical ganha
um reforço importantíssimo, pois prevê que essa medida tenha a anuência do sindicato,
reforçando a unicidade sindical e o caráter de “monopólio legal” do sindicato oficial (BOITO,
1999a, p. 196).
A proposta de reforma sindical em 1998, PEC 623/98, enviada ao Congresso e que
indicaria o fim da unicidade sindical e do imposto sindical é sintomática. Diante dessa
possibilidade, Aldo Rebelo (1999) é decidido em defender a Estrutura Sindical como conquista
das classes trabalhadoras; em imputar a depuração dos pilares que sustentam o sindicalismo de
Estado ao “ultraconservador Oliveira Viana”, quando foi esse quem construiu as bases teóricas
para a sua implementação reivindicando a tutelagem dos trabalhadores; ao imputar a experiência
de unicidade sindical enquanto a mais “pluralista” e “vitoriosa”, diante de todo o recuo que a
CUT e os níveis de sindicalização tiveram nessa década, e por último considera que é uma
“hipocrisia inaceitável” negar ao sindicato a contribuição compulsória (não ao trabalhador) de
base (REBELO, 1999, p. 09-17). Nesse mesmo livro de debates sobre a Estrutura Sindical e o
16
financiamento16, Boito Jr (1999b), afirma que era preciso uma análise mais ampla, pois esse
mesmo governo que propunha o fim da unicidade sindical, havia a reforçado ao ter elaborado
uma série de leis de desregulamentação do trabalho (contrato de trabalho por tempo
determinado, banco de horas e contrato parcial) que aumentariam o poder e a necessidade do
sindicato oficial, ao promovê-las com a anuência dos sindicatos. Termina por dizer que não é
preciso ter medo da pulverização com o fim da unicidade, pois o “sindicalismo unitário” deve
“ser assegurado pela luta política e não por uma lei” (BOITO, 1999b, p. 87).
4. Elementos que indicam aprofundamento do atrelamento do movimento sindical ao Estado,
a partir dos governos do Partido dos Trabalhadores.
O período histórico em que o Partido dos Trabalhadores (PT) vive enquanto governo está
prestes há fazer 10 anos. A origem social desse partido, representada pelo próprio nome,
indicaria a realização de uma plataforma política que fora reivindicada durante os seus mais de
20 anos de oposição. Desde a luta contra a dívida externa à reforma agrária, temos um rol de
inúmeras bandeiras que deixaram de ser atendidas nesse período que já supera temporalmente o
partido antecessor e a sua “herança maldita”.
Os governos do PT proporcionam uma análise, ainda em constituição, que demonstra as
políticas de profunda subordinação ao capital financeiro e suas empresas monopolistas e
imperialistas. É desse período a política de superávit primário, de permanência dos juros altos,
das privatizações de poços de petróleo, estradas e agora aeroportos, e de contra-reformas
desestruturantes dos direitos sociais conquistados historicamente. Por outro lado, emergem
políticas sociais de reparações dos “rebatimentos da questão social”. As políticas
compensatórias17 desse período histórico foram, apesar de serem criticadas pelos mesmos no
governo anterior, redimensionadas em sua focalização cada vez mais abrangente, sucateando e
desestruturando todas as políticas sociais de caráter universal, que foram marca de conquistas da
Constituição de 1988. Saúde, educação e previdência social foram e estão em constantes ataques
e desestruturação, passando por privatizações que se travestiram de organizações sociais,
descentralizações que imputaram e imputam quase que absolutamente o ensino fundamental aos
16
Trata-se do livro organizado por Altamiro Borges (1999), Administração Sindical em Tempos de Crise, fruto de
um seminário organizado pelo Centro de Estudos Sindicais (CES) do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
17
De acordo com Antunes o “governo Lula articulou as duas pontas da barbárie brasileira”, sendo uma que
remunerou como nenhum a burguesia e outra que ofereceu uma política assistencial aos setores mais desorganizados
dos “de baixo”, “sem tocar em nenhum dos pilares estruturantes da tragédia brasileira” (ANTUNES, 2011, pg. 146147).
17
municípios e as sempre presentes críticas à previdência social deficitária e suas contrarreformas
regressivas (ANTUNES, 2011).
De sua base de sustentação histórica seria presumível que as medidas privilegiariam as
demandas requeridas pelos movimentos. Temos enquanto exemplo a União Nacional dos
Estudantes (UNE), que assimilou e integrou quase que efetivamente o programa de governo para
a educação, consubstanciada na contrarreforma universitária que fora implementada de forma
fatiada. De outro lado temos os movimentos organizados do campo, sendo a maior expressão o
Movimento dos Sem-Terra (MST), que se por um lado mantiveram durante a maior parte dos
governos do PT a postura radical e combativa que os destacaram nos anos 1990, por outro e
diante as políticas de financiamento dos assentamentos não romperam definitivamente com esse
governo que em 10 anos notabilizou-se pelo maior incentivo à agroindústria e ao menor número
de assentados da reforma agrária. No campo da Central Única dos Trabalhadores (CUT), por
lidarem com setores da estrutura de estado já apontados nesse texto e com a força motriz da
acumulação capitalista, a força de trabalho superexplorada, os indicativos de intensificação da
subordinação são mais alarmantes.
São ainda tímidas, se não quase inexistentes, as análises sobre o desenvolvimento da
estrutura e do movimento sindical com o governo do PT. Assim como todos os outros setores, as
propostas de reformas trabalhista e sindical foram anunciadas, passaram por Fóruns e comissões
específicas, e tiveram durante esse período algumas transformações importantes. No campo das
relações trabalhistas foi e é presente as mudanças realizadas de forma fatiada durante esse
período: a contrarreforma de previdência de 2003, e medidas flexibilizantes como a “contratação
de prestadores de serviços na condição de empresas constituídas por uma única pessoa (a
chamada “pessoa jurídica”) e da lei do Super Simples, que possibilita a redução do pagamento de
alguns direitos trabalhistas para micro e pequenas empresas” (BOITO, MARCELINO,
GALVÃO, 2011, pg. 47)18. Todas elas contemplaram a dubiedade e posições mistificadoras dos
dirigentes sindicais que, se faziam a crítica não mobilizavam as suas bases, e se apoiavam as
medidas ancoravam-se numa débil proposta de um novo-desenvolvimentismo19.
18
Mais recentemente, em junho de 2011, foram aprovadas novas medidas de concessão do seguro-desemprego
(prevendo-se o desaquecimento da economia nesse ano) que obrigam a aceitação de “entrevistas de emprego” em
qualquer local para quem o estiver recebendo o seguro-desemprego, sendo que a recusa pode retirar esse direito. A
CUT desaprovou tal medida, porém não mobilizou os sindicatos contra ela. Ver em
http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/noticia/2011/06/cut-desaprova-novas-medidas-do-seguro-desemprego3353753.html . 16/06/2011.
19
Segundo Ana Elizabete Mota, essa seria uma ideologia fundada “no equilíbrio entre crescimento econômico e
desenvolvimento social”, indicando que o primeiro levaria “inexoravelmente” ao outro (MOTA, 2010, pg. 19). Nada
18
Como o objeto desse trabalho são as relações laborais delimitadas na estrutura sindical
oficial, chamada aqui de “sindicalismo de Estado”, nos ateremos a quatro momentos de profunda
intensificação da estrutura sindical e subordinação dos dirigentes sindicais governistas. Em
primeiro lugar o que representou a contrarreforma da previdência de 2003, primeiro teste de
resistência que provocou rompimentos na CUT; em segundo lugar, o Fórum Nacional do
Trabalho e o aprofundamento da política de “cooperação entre as classes” nos fóruns tripartites –
trabalhadores, patrões e Estado -; a imersão dentro do governo de dirigentes sindicais, até ontem
“representantes da classe operária”; e por último, a incorporação das Centrais Sindicais dentro de
todo o aparato tutelado do Estado, composto por investidura e imposto sindical.
A contrarreforma da previdência de 2003 foi um marco no desmascaramento que se teve
desse primeiro governo Lula. As fricções que houveram no movimento sindical permitiu que,
diante dessa ofensiva do capital sobre os aposentados e pensionistas, já no primeiro ano de
governo, vários setores mais a esquerda da CUT rompessem com essa Central que havia apoiado
a medida. Esse golpe fora muito mais profundo do que as conciliações presentes já nos anos
1990 com relação às cooperações estabelecidas da CUT com governo e empresariado, pois
indicou um consenso ativo no desenvolvimento das contrerreformas estabelecidas por esse
governo, que antes de ser eleito indicou na “Carta aos brasileiros” que não estaria disposto a
transformações mais radicais na estrutura (ALMEIDA, 2007, pg. 55).
Outro passo que deu concomitantemente e que tem reflexo até hoje, foi o chamado Fórum
Nacional do Trabalho (FNT). Se na década anterior o “propositivismo” já estava presente na
agenda da CUT, é com a chegada do PT ao governo que ele se amplia. Já no primeiro ano de
governo são lançadas as bases para os fóruns tripartites (governo, patrões e centrais) que segundo
Ariovaldo Santos (2005) demonstra o quanto a agenda governamental se aproximava do período
varguista ao propor a “modernização das relações laborais” em um “ambiente propício à geração
de empregos”, identificando que esse discurso era “ironicamente um varguismo sem Vargas
(SANTOS, 2005, pgs. 44-45). Os primeiros resultados em 2004 mostram qual seriam as
principais preocupações implícitas nesse documento: evidenciar o “princípio de colaboração
entre classes”, a proposta de reconhecimento das Centrais Sindicais (aprovada em 2008), e a
prevenção de atos anti-sindicais. Nesse último ponto estaria o cerne das atitudes mais presentes
no controle de Estado dos dias de hoje: a limitação das greves pelo recurso amplamente usado de
“delimitação dos serviços essenciais”. Por mais que essa contrareforma não tenha sido aprovada,
mais do que o “discurso mistificador” que sempre fez parte de nossa história, defendendo a conciliação para um
“bem comum” que sempre beneficiou somente a burguesia interna e externa.
19
é cada vez mais presente o poder normatizador da Justiça do Trabalho e dessa delimitação “à
revelia” de essencialidade nos serviços, atingindo principalmente o setor de serviços e os
funcionários públicos. Após uma análise das etapas de formulação, setores integrantes e
principais resultados concebidos, que se transformaram em Projeto de Lei em 2005, Gelson
Rozentino de Almeida conclui que, após todo o período de embate histórico que empreendeu, a
CUT e o PT,
teria formulado a proposta do FNT, acreditando nas teses de um desenvolvimentismo
nacional, tendo como interlocutores o Estado e organizações empresariais. As propostas
de reforma sindical e trabalhista já constavam dos programas da CUT e do PT ao longo
dos anos 90 e eram apresentadas como demandas históricas dos trabalhadores, sobretudo
dos setores 'modernos', sob influência liberal, e vista como conciliáveis com o capital. O
FNT representaria um pacto social na busca do desenvolvimento, entendido dentro dos
limites do crescimento econômico capitalista, representando este um 'consenso' para a
sociedade, como se fosse possível uma conciliação de interesses estratégicos de diferentes
classes e frações de classe. (ALMEIDA, 2007, pg. 64)
A integração dentro do governo pode ser visto já pela convocação de sindicalistas e exsindicalistas aos quadros da Estrutura de governo. A problemática da “dupla militância”
(BOITO, MARCELINO, GALVÃO, 2009, pg. 46), pode ser detectada nesse duplo papel onde
militantes históricos como Jacques Wagner, Ricardo Berzoini, Luiz Gushiken e Luiz Marinho,
que foram quadros dirigentes dos principais sindicatos do Brasil e da direção da CUT, passaram
a dirigir Ministérios de peso, como o do Trabalho e da Previdência. Além desses vários outros
comporam escalões menores. O peso da proposta do novo-desenvolvimentisto ganha corpo
nesses dirigentes sindicais, fazendo com que na prática assumam todas as demandas que a
ofensiva do capital exige para a sua maior acumulação. E para tensionar ainda mais essa análise,
é emblemático que com o apoio da Força Sindical em 2006 ao governo federal, a incorporação
ao governo de Luiz Antonio Medeiros (fundador e primeiro presidente dessa central) na
Secretária de Relações de Trabalho em 2007. O problema central da participação desses
dirigentes sindicais não estaria em uma crítica conservadora de um chamado “Estado
sindicalista”. A problemática está contida na conivência ativa aos processos aqui relatados, e a
permanência da Estrutura sindical de Estado.
E por último, a integração das Centrais sindicais a Estrutura Sindical corporativa de
Estado, com anuência e apoio da CUT20. Com a Lei 11.648/2008, que aprovou seu
20
“O movimento sindical ocupou a Câmara dos Deputados no dia 11 de março e acompanhou a votação e aprovação
do projeto de lei 1.990/07, enviado pelo presidente Lula, que reconhece as centrais sindicais de trabalhadores. O
projeto deu origem a Lei 11.648/2008, sancionada no dia 31 de março. O reconhecimento das centrais sindicais
atendeu
a
uma
reivindicação
tão
antiga
quanto
à
própria
CUT.”
Ver
em
http://www.cut.org.br/institucional/68/cronologia-de-lutas Acesso em 05/10/2011.
20
reconhecimento legal e pertencimento à estrutura, a pulverização e fragmentação de Centrais é
vista aos olhos. Se nas décadas de 1980 e 1990, período de “transição lenta, gradual e segura”
entre a crise da dominação pela ditadura civil-militar e recomposição do bloco de poder
autocrático burguês, havia, na maior parte do período, apenas uma central que reunia o setor
mais combativo e democrático (CUT) e outra que de início representava o resíduo dos pelegos
interventores21 (UGT) e depois a sua versão oficial da ofensiva do capital mundializado (Força
Sindical), percebemos o quanto a estrutura é potencialidora da dispersão da força de trabalho
organizada. Os ensaios do FNT que indicavam essa inserção foram impulso inicial para a criação
de mais centrais. Com a implementação da Lei é nítido a proliferação de centrais, diversificada
muitas vezes pelas forças partidárias. De um lado estão as Centrais que romperam com a CUT
por questões de críticas ao burocratismo crescente, e a seu consenso ativo com as políticas
regressivas de seu governo, dentre elas a CONLUTAS e as duas INTERSINDICAIS. De outro,
as centrais que por pragmatismo e de olho nos vultuosos montantes de recursos cedidos pelo
governo através da contribuição obrigatória do imposto sindical, sendo que algumas romperam
com a CUT, outras com a FS, ou que se aglutinaram para conter o mínimo requisitado para ser
reconhecida, hoje temos o seguinte quadro: a União Geral dos Trabalhadores (UGT), a Central
dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), e mais 8 centrais que surgiram desse
processo22.
A relação umbilical do PT com a CUT, que transferiu seus diretores para funções na
mesma estrutura sindical, não impediu nem que essa “legalização das centrais” fosse corrompida
com a possibilidade de entrada no rateio do imposto sindical. Mesmo com a posição da CUT que
mantém o discurso mistificador da posição contrária ao imposto sindical, não somente a mesma
beneficiou-se dessa lei, como é a central que mais tem sindicatos vinculados, que incentiva
política de pulverização de suas bases, e que briga muito nas eleições sindicais para manter o
primeiro lugar no Ministério do Trabalho. Um retrato de tamanha disputa e pulverização dos
sindicatos é evidenciado pelo fato que essa “reforma sindical do governo Lula contribuiu
21
Que compunha inicialmente os partidos comunistas, PCB e PCdoB, mas que no fim da década de 1990 já
migravam para a CUT.
22
Para uma melhor descrição desse processo de pulverização das centrais, ver em ANTUNES, 2011, pg. 148-150, e
BOITO Jr., MARCELINO e GALVÃO, 2009, pgs. 47-49. O processo de criação é tão intenso que essas referências,
apesar de recentes, já estão desatualizadas. No site do MTE estão descritas as centrais sindicais “oficializadas” e o
número
de
sindicatos
a
ele
filiados
(Ver
em
http://www3.mte.gov.br/sistemas/cnes/relatorios/painel/GraficoFiliadosCS.asp). Notem que são doze sindicatos que
já entraram com pedido de reconhecimento (entre eles a CONLUTAS), sendo que desses apenas 6 cumpriram os
requisitos mínimos de representação, como por exemplo ter em sua base um mínimo de 100 sindicatos, e
representação geral mínima de 7% dos sindicalizados no Brasil (Ver em Despachos de Divulgação Centrais
Sindicais
2011
http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A32B088220132D0117EC4184C/despacho_2011_0418.pdf ).
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poderosamente para o crescimento numérico das centrais sindicais, pois se em 2001 apenas 38%
dos sindicatos eram filiados a alguma central, em 2011 esta porcentagem subiu para 68,35%
(IBGE e MIRHAN, 2011)” (MACIEL, 2011, pg. 14).
Ainda no que tange ao imposto sindical, nesse mesmo período os sindicatos dos
funcionários públicos também passaram a recolher de suas bases (sindicalizadas ou não) o
imposto sindical, a partir da Instrução Normativa N° 01 de 2008 do MTE23. Não bastassem todos
os ataques aos direitos sociais e econômicos que essa categoria conquistou, principalmente na
Constituição de 1988, a permanência do vigor reivindicativo e mobilizador nos anos 2000,
indicou a necessidade de abertura do arco de controle sindical que ainda não tinha se fechado
nesse setor. Como indicamos antes, a organização em associações livres da estrutura sindical
notabilizou destacadamente essas categorias dos trabalhadores assalariados do setor público, e
pela ausência de um movimento que combinasse a manutenção dessa condição, o Estado foi
gradualmente incorporando esses setores na Estrutura Sindical.
Considerações Finais
O caráter irreconciliável do trabalho com o capital é explosivo, produzindo e
reproduzindo a luta sindical, o movimento que busca retomar parte do valor não pago pelo
capitalista. Portanto, ele representa a antítese e o Estado o seu guardião da propriedade privada e
da relação estranhada. Essa relação contém a tendência conflituosa a se realizar na vida social
enquanto houver a antítese capital e trabalho, desfazendo qualquer mito de crise ou fim do
sindicalismo.
É sintomático que diante das piores crises, da percepção imediata de que uma relação se
naturalize, seja formado um senso comum sobre a acomodação e passividade da classe
trabalhadora no Brasil. Depois de mais de uma década da irrupção violenta da ditadura de classe
preventiva de 1964, a classe trabalhadora teve de se reerguer após um período de erosão de suas
bases sociais. Não só apresentou-se na cena histórica com as greves do ABC, quanto contagiou a
totalidade das massas. Os instrumentos de luta que se direcionavam para além da estrutura
sindical corporativa de Estado foram criados e tiveram efeito imediato e mobilizador. Na década
23
Em nota de esclarecimento o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), justificou a sua decisão: “Esta medida foi
tomada após criteriosa análise da Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho e Emprego amparada pelo artigo
610 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que regulamenta o pagamento da contribuição sindical, em
conjunto com o artigo 578, que prevê a contribuição também de servidores públicos de todo país,
independentemente do regime jurídico que estiverem submetidos tais trabalhadores” (MTE,
http://portal.mte.gov.br/imprensa/nota-de-esclarecimento-1.htm , em 09 de outubro de 2008).
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de 1980 tivemos a criação da primeira central sindical que vingou, de valorosas experiências de
comissões por local de trabalho e 4 greves gerais que mobilizaram milhões em todo o Brasil. Os
seus limites, as derrotas históricas que tiveram em suas pautas econômicas reivindicativas, são
apenas elementos que demonstram que o movimento sindical é uma “escola de guerra”, e que a
necessidade histórica de transcendência do capital somente se dará por um instrumento político
de patamar superior24.
Hoje vivemos momento análogo na organização sindical. Por um lado os instrumentos da
classe trabalhadora burocratizam-se de maneira que ainda há espaço para uma integração mais
eficiente com o Estado e a ofensiva do capital. A legalização das centrais sindicais aqui
indicadas e os seus vínculos com os fundos de pensão e clubes de investimento das empresas
estatais privatizadas demonstram essa afirmação. Por outro, e apesar do apelo e consenso ativo
com as diretrizes do novo-desenvolvimentismo do governo pelas centrais sindicais, há um
crescimento constante das greves nos últimos anos. De acordo com a análise que Boito,
Marcelino e Galvão (2009) fizeram sobre os dados recolhidos do DIEESE sobre as greves no
Brasil, de 2004 à 2007, há um crescimento exponencial nas mesmas (em média 300 por ano), e
um aumento no índice de conquistas de aumento sobre a inflação nesses últimos anos (mais de
60% das greves conquistaram direitos e aumento de salários). É claro que essa situação é
conjuntural, pois o crescimento econômico e a diminuição do desemprego determinam o
aumento do valor da força de trabalho, que só as greves podem equiparar em seu valor. Porém, o
potencial da retomada das lutas sociais pela classe trabalhadora é um indício que os instrumentos
da classe trabalhadora são necessários que sejam retomados, e desvencilhados do controle do
Estado.
O complexo de determinações que compõem a crise estrutural do capital irá exigir
combatividade e unidade da classe trabalhadora no intuito de não sofrerem com as condições
regressivas da ofensiva do capital. Concluímos que somente quando os trabalhadores tomarem
em suas mãos os seus instrumentos históricos e a organização de sua luta sindical, poderão lograr
melhores condições de luta pela transformação da ordem social dependente e associada. Para
tanto, destruir o aparato autocrático que regula e outorga a representação dos trabalhadores é
condição essencial para essa investida.
24
As greves e o movimento sindical enquanto “escola de guerra” é uma categoria que Lênin retira de Engels
(LENIN, 1899). Em ALVES (2003) podemos encontrar as indicações de Marx e Engels sobre os limites e as
potencialidades do sindicalismo.
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