SUDÃO
Transcrição
SUDÃO
CONFISSÕES RELIGIOSAS Informação não disponível SUPERFICIE 1.861.484 KM2 POPULAÇÃO 34.900.000 REFUGIADOS 113.439 DESALOJADOS 2.200.000 SUDÃO SUDÃO Aspectos legais e institucionais Embora o presidente Omar al-Bashir tenha afirmado oficialmente, e isto em três ocasiões diferentes (Dezembro de 2010, Outubro de 2011 e Janeiro de 2012), que, com a separação do Sudão do Sul, o Sudão iria adoptar uma nova Constituição totalmente baseada na sharia (lei islâmica), com o Islão como religião oficial do Estado, a Constituição nacional provisória de 2005 mantém-se em vigor na altura da elaboração deste relatório. Esta Constituição reconhece a liberdade religiosa em todo o país com base nos protocolos que gerem as relações entre o Estado e as religiões, acordados no Acordo Geral de Paz assinado em Janeiro de 2005, que pôs fim a vinte e dois anos de guerra civil entre o Exército/Movimento Popular de Libertação do Sudão (SPLA/SPLM) e o Governo islâmico em Cartum e os seus aliados locais. Em Junho de 2005, os partidos da oposição do norte dentro da Aliança Democrática Nacional aceitaram igualmente o acordo. A Constituição provisória reconhece, contudo, a sharia como fonte legislativa nos dezasseis estados do norte, os quais após o dia 9 de Julho de 2011 constituem a totalidade do Sudão. Isto permitiu que o Governo de Unidade Nacional estabelecido em Julho de 2005 adoptasse legislação que favorece o Islão e a islamização da vida social em detrimento do pluralismo religioso nos estados acima referidos.. A sharia, que se aplica a todos os residentes no país independentemente da sua religião, impõe a pena de morte aos muçulmanos por apostasia do Islão. Conforme a natureza da ofensa, também aplica castigos corporais como por exemplo a flagelação e a mutilação (amputação de membros), bem como a pena de morte por crucificação. Além disso, a sharia proíbe as bebidas alcoólicas e não permite que as mulheres muçulmanas casem com homens não muçulmanos. Desde a independência do Sudão (1956), a pena de morte por apostasia foi aplicada apenas uma vez, em 1985, a Mahmoud Mohammad Taha, muçulmano reformista condenado como herege. Habitualmente, os muçulmanos que se convertem a outras religiões ou que são simplesmente suspeitos de se terem convertido são detidos ou multados de acordo com a secção 125 da Lei do Crime, que proíbe os insultos à religião, o incitamento ao ódio e o desprezo pelas crenças religiosas. De uma maneira geral, os convertidos são também sujeitos a pressões extrajudiciais, incluindo ameaças, intimidação, ostracismo social, vigilância e controlos policiais. A emigração torna-se na única saída possível. Os castigos legais e as pressões extrajudiciais também recaem sobre não muçulmanos que pratiquem proselitismo entre os muçulmanos. No entanto, converter-se ao Islão a partir de qualquer outra religião é legal e permitido. 481 SUDÃO 482 As leis de apostasia limitam o apostolado aos missionários estrangeiros e ao clero nativo que disponibilizem cuidados pastorais aos cristãos locais, ou que trabalhem na área da educação ou a favor dos refugiados. O pessoal missionário cristão só recebe vistos se limitar a sua actividade à esfera social. Em muitos casos, os vistos são concedidos após uma longa espera. Durante um seminário sobre diálogo inter-religioso realizado a 20 de Setembro de 2011 em Cartum, Azahry al-Tighani Awad el Sayeed, ministro Federal da Orientação e Dotação Religiosa, disse aos líderes religiosos que a introdução da sharia como única lei do Sudão iria proteger os direitos dos cristãos.1 No entanto, ao longo de 2011, nas principais vilas e cidades, o Ministério Federal da Orientação e Dotação Religiosa investigou as actividades da Igreja, concentrando-se no número e identidade dos membros de cada Igreja, bem como nas fontes de financiamento dos seus programas. Para todos os líderes cristãos, estas acções constituem uma tentativa de recolher informação sensível em nome das forças de segurança do Estado, para que seja usada como fazendo parte das políticas concebidas para impor a sharia no país. Segundo a Constituição provisória, os partidos políticos que pedem a discriminação com base na religião são ilegais. Contudo, nenhum instrumento legal está disponível para os que se querem queixar quando o seu direito constitucional à liberdade religiosa é violado. Tal como indicado, a sharia é aplicada a todos os residentes, independentemente da sua religião. No entanto, a Constituição permite que os tribunais decidam aplicar ou não um tratamento diferenciado com base na religião. É este o caso quando as sentenças são impostas. Por exemplo, os muçulmanos apanhados a consumir bebidas alcoólicas levam quarenta chicotadas, os cristãos levam apenas vinte. Em 2007, no seguimento do Acordo Geral de Paz, foi criada uma comissão para os direitos dos residentes não muçulmanos na capital sudanesa que incluía representantes nomeados pelo Governo de Unidade Nacional e líderes religiosos cristãos e muçulmanos. No seu primeiro ano, obteve com sucesso a libertação de centenas de mulheres cristãs detidas por fabricarem bebidas alcoólicas em casa. Conseguiu também garantir o retorno de parte do cemitério cristão de Cartum, que as autoridades tinham expropriado. A comissão levantou igualmente a questão dos problemas que os cristãos enfrentam recorrentemente, como por exemplo a dificuldade em obterem autorizações de construção para os seus locais de culto, assédio policial, preconceitos a favor do Islão nos cursos de História e o número limitado de professores cristãos nas escolas. A comissão apresentou também propostas para permitir que os restaurantes e as lojas dos cristãos ficassem abertos durante o Ramadão e durante as orações de sexta-feira. Contudo, o Governo não deu respostas às suas sugestões. Todas as festividades muçulmanas são celebradas. O Natal é celebrado de acordo com o calendário ocidental (católico e protestante, a 25 de Dezembro), enquanto as celebrações da Páscoa seguem o rito copta. O Islão tem acesso a vários canais de rádio e televisão. Os cristãos são autorizados a realizar emissões no dia de Natal. A lei exige que os grupos religiosos se registem como organizações não-governamentais (ONGs) se quiserem gozar de vantagens fiscais e alfandegárias. No entanto, habitualmente 1 Compass Direct News, 29 de Setembro de 2011. SUDÃO este requisito não se faz cumprir e os grupos religiosos funcionam muitas vezes sem se registarem como ONGs. Para construir um local de culto, os grupos religiosos devem obter autorizações do Ministério da Orientação e Dotação Religiosa, do Ministério da Construção e do Plano, e dos gabinetes locais de planeamento urbano. Entre 1975 e 2005, nenhum pedido de construção de uma igreja foi aprovado no norte do Sudão. Foram construídas muitas igrejas, mas sem autorização. Nalguns casos, as autoridades mandaram-nas deitar abaixo, sobretudo em campos para pessoas deslocadas pela guerra civil. Desde 2005, foram aprovados três pedidos de construção de igrejas e a sua construção está actualmente em curso. O Estado favorece habitualmente a construção de mesquitas através de financiamento e autorizações emitidas rapidamente. Contudo, algumas mesquitas foram também construídas sem uma autorização, de modo a passar ao lado das burocracias. A Constituição provisória proíbe explicitamente a discriminação com base na religião no caso do emprego no sector público. No entanto, na prática o processo de selecção favorece os membros e amigos do Partido do Congresso Nacional Islâmico no poder. Além disso, embora o sistema de apoio social do país seja limitado, os muçulmanos recebem tratamento preferencial. O mesmo é verdade no sistema de justiça quando se opõem muçulmanos a não muçulmanos. A educação religiosa islâmica obrigatória em língua árabe é incluída em todas as escolas, desde o jardim-de-infância até à universidade. Mesmo as escolas cristãs estão sujeitas a este requisito e devem contratar professores formados para este fim. No entanto, as escolas estatais não são obrigadas a disponibilizar aulas de educação religiosa a alunos não muçulmanos. Conforme a escola, estes alunos podem ficar isentos de participar nas aulas de religião islâmica. Alguns líderes cristãos, como por exemplo o Bispo anglicano Ezekiel Kondo (Igreja Episcopal do Sudão), queixaram-se da islamização dos programas escolares. E lamentaram igualmente o facto de os cursos de História ignorarem completamente a contribuição dos cristãos para a história do país, a começar nos antigos reinos cristãos que em tempos governaram a área que agora é o Sudão. A sexta-feira é o dia de descanso. Em teoria, os cristãos têm direito a uma pausa de duas horas nos dias santos não oficiais. Os empregadores tendem a não respeitar a norma e geralmente os trabalhadores não têm qualquer recurso à sua disposição para fazerem valer os seus direitos. Por contraste, durante o Ramadão as horas de trabalho são sempre reduzidas. Nas escolas, a sexta-feira é também o dia de descanso. Contudo, os alunos cristãos não têm autorização para gozar um dia de descanso nos seus dias santos, que não são reconhecidos oficialmente. Violência e actos hostis contra os cristãos A 15 de Janeiro de 2011, indivíduos desconhecidos incendiaram uma igreja presbiteriana em Wad Madani, 138 km a sudeste de Cartum. O ataque causou prejuízos no valor aproximado de 2.000 libras sudanesas (560 euros/450 dólares americanos), incluindo literatura cristã, Bíblias em línguas locais, cadeiras, mesas e um púlpito. Antes do incêndio, extremistas muçulmanos tinham feito repetidas ameaças verbais contra os 483 SUDÃO membros da Igreja. Os autores do ataque não foram identificados e detidos. Os cristãos lamentam que a investigação não leve a lado nenhum.2 A 9 de Maio, a polícia sudanesa e os responsáveis dos serviços secretos detiveram Hawa Abdalla Muhammad Saleh, uma mulher cristã do Darfur que estava a viver num campo para refugiados internos perto de Al-Fasher. Foi acusada de realizar proselitismo cristão, que é proibido, e de possuir e distribuir Bíblias aos residentes do campo de refugiados, incluindo aos menores. Hawa acabou por ser transferida para um local secreto em Cartum. Tinha sido detida e acusada do mesmo delito em 2009. Nessa altura, apresentou queixa dizendo que tinha sido torturada durante os seis dias em que esteve detida.3 Violência no Kordofan do Sul4 A repressão governamental na região do Kordofan do Sul, onde os conflitos armados têm sido constantes entre as forças sudanesas e elementos do sector norte do Movimento Popular de Libertação do Sudão, tem envolvido violência contra a liberdade religiosa e perseguição dirigida contra a fé cristã de muitos dos habitantes da zona.5 A 8 de Junho, elementos das Forças Armadas Sudanesas (SAF) e das milícias islâmicas pró-governamentais atacaram três igrejas na capital regional de Kaduqli, roubando e incendiando duas delas. Gritando “Allah-u-akbar”, os militantes islâmicos dispararam contra uma igreja católica do lado de fora, enquanto o Frei Abraham James Lual celebrava uma missa pela paz lá dentro. Mais tarde, os soldados detiveram o sacerdote em frente da sua congregação, acusando-o de voltar os crentes contra o Governo. Foi libertado passados dois dias, durante os quais foi torturado, tendo-lhe sido roubados os bens pessoais. Soldados e membros das milícias islâmicas incendiaram igualmente edifícios pertencentes à Igreja (Anglicana) Episcopal do Sudão e à Igreja de Cristo do Sudão. O lar da Igreja Episcopal e a residência do Bispo Andudu Adam Elnail foram saqueados e incendiados após terem sido retirados todos os objectos de valor, incluindo um amplificador, um projector, camas, cadeiras e duas motorizadas. Também a 8 de Junho, um seminarista católico, Nimeri Philip Kalo, do Seminário Maior de S. Paulo, foi detido pelos serviços secretos sudaneses perto da sede da Missão das Nações Unidas no Sudão (UNMIS). Acabou por ser morto a tiro e a sangue frio perante transeuntes que foram também ameaçados pelos agentes. O seminarista estava a tentar deixar a cidade na sequência dos ataques às igrejas. No mesmo dia, militantes islâmicos auxiliados por elementos do exército sudanês atacaram Adeeb Gismalla Aksam, um motorista de autocarro de 33 anos de idade, e mataram-no com uma espada no mercado de Kaduqli, gritando “Allah-u-akbar”. O pai do falecido é um conhecido ancião da Igreja Evangélica da vila. Nos dias seguintes, quase todos os edifícios cristãos em Kaduqli foram saqueados e depois destruídos pelo fogo, incluindo quatro igrejas pertencentes à Igreja Católica, à Igreja de Cristo do Sudão, à Igreja Episcopal do Sudão e à Igreja Presbiteriana do Sudão. Os soldados incendiaram igualmente um lar católico e uma escola com o nome de Daniel Comboni. 484 2 Compass Direct News, 23 de Agosto de 2011. 3 Compass Direct News, 24 de Maio de 2011. 4 Agência Fides, 11 de Agosto de 2011. 5 Agência Fides, 23 de Setembro de 2011. SUDÃO A 12 de Junho, o governador Mutasim Mirghani Zaki El-deen do Kordofan do Norte declarou a jihad contra todos os membros da etnia nuba na sua província e no vizinho Kordofan do Sul. Muitos nuba são cristãos.6 Uma crise humanitária ainda persiste em Abyei, outra área reivindicada tanto pelo Sudão como pelo Sudão do Sul. “A população ainda está deslocada”, disse o Mons. Roko Taban Mousa, administrador apostólico em Malakal, e apenas “recebe alguma ajuda esporádica. As chuvas continuam a assolar a área constantemente e as pessoas deslocadas não têm protecção.” “As crianças e os idosos são os mais afectados por esta situação trágica”, explicou. “A malária e a diarreia continuam a matar pessoas. Por isso, não há melhorias significativas nas condições humanitárias.” Embora “actualmente não haja combates ou bombardeamentos” em Abyei, a cidade “ainda está ocupada pelo exército de Cartum e a população tem receio de regressar”, acrescentou o administrador apostólico.7 Os sobreviventes dos assassínios extrajudiciais de Junho, quando as forças armadas sudanesas assassinaram milhares de cidadãos previamente detidos no Kordofan do Sul, testemunharam que o massacre tinha sido motivado por preconceitos anticristãos. Um homem cristão de Leri do Leste, perto de Kaduqli, que tinha sido detido a 20 de Junho, conseguiu escapar aos seus captores a 8 de Julho, antes da sua execução. Enquanto falava da execução de seis cristãos detidos juntamente com ele, disse que os assassinos o tinham insultado, dizendo-lhe que “esta terra é uma terra islâmica e que nós [cristãos] não tínhamos autorização para estar nesta terra”. O homem, um muçulmano convertido ao Cristianismo em 2001, vive agora na clandestinidade.8 A 10 de Julho, Hiba Abdelfadil Anglo, uma mulher cristã de 16 anos de idade, reuniu-se finalmente à sua família. Tinha sido raptada a 17 de Junho de 2010 por um gangue de criminosos. Durante o período de captura, foi espancada, violada e ameaçada de morte repetidas vezes caso não se convertesse ao Islão. Raptada em plena luz do dia, enquanto se encaminhava para o Ministério da Educação em Cartum para obter os seus documentos para entrar numa escola secundária, conseguiu escapar do local onde estava detida, a cerca de duas horas de motorizada da capital. Durante o período de cativeiro, os seus captores tinham-na impedido de rezar sempre que a apanharam a tentá-lo. A mãe de Hiba, Ikhlas Omer Anglo, uma viúva, disse que, quando foi relatar o rapto da filha à esquadra de polícia local, os polícias lhe disseram que se convertesse ao Islão para melhorar as hipóteses da investigação. As duas mulheres pertencem à Igreja Evangélica Presbiteriana do Sudão em Cartum.9 A 18 de Julho, um grupo de extremistas islâmicos atacou a residência do Bispo anglicano de Kaduqli, Andudu Adam Elnail, em Omdurman (em frente a Cartum, do outro lado do rio Nilo), numa tentativa de o matarem a ele e a outros dois clérigos que acusaram de apoiar o sector norte do Movimento Popular de Libertação do Sudão, um grupo da oposição no Kordofan do Sul. Como não conseguiram encontrar os homens que procuravam, deixaram uma carta com ameaças, prometendo mais ataques. No início Compass Direct News, 17 de Junho de 2011. 6 Agência Fides, 20 de Junho de 2011. 7 Compass Direct News, 29 de Setembro de 2011. 8 Compass Direct News, 3 de Agosto de 2011. 9 485 SUDÃO 486 de Agosto, o bispo viajou para os Estados Unidos e a 9 de Setembro pediu asilo como vítima de perseguição correndo perigo de vida.10 O P. Abraham James Lual, um sacerdote da paróquia católica de Kaduqli, foi detido e sujeito a um intenso interrogatório a 28 de Agosto e novamente a 6 de Setembro. Anteriormente, já tinha sido detido por dois dias a 6 de Junho, perante os membros da sua congregação, tendo sido torturado e tendo-lhe sido roubados os bens pessoais.11 Depois de ter sido detido na manhã de 6 de Setembro, foi interrogado durante cinco horas nos escritórios das forças de segurança no El Obeid. A 28 de Agosto, tinha já sido detido e preso por dois dias em Kaduqli, Kordofan do Sul, onde tinha ido para avaliar os danos aos bens da paróquia. Durante a sua detenção, o P. Lual foi torturado novamente e foi-lhe dito que seria morto se regressasse novamente a Kaduqli. Após a terceira detenção em El Obeid, passou a viver na clandestinidade.12 Em Cartum, as forças de segurança deram ordens às comunidades cristãs para que não organizassem mais festivais bíblicos, os quais tinham organizado no passado até ao ano anterior sem desencadear quaisquer objecções. Ao longo do ano de 2011, os líderes cristãos continuaram a protestar contra a linguagem anticristã da parte dos líderes muçulmanos e representantes governamentais. Nalgumas mesquitas, os imãs responsáveis pelos sermões de sexta-feira pediram aos muçulmanos que não tivessem quaisquer ligações com os cristãos, recusando-se mesmo a cumprimentá-los, por eles serem “infiéis”. Os bispos e sacerdotes também se opuseram à linguagem usada pelos representantes governamentais que descreviam as Igrejas como sendo instituições estrangeiras que servem o Ocidente. 10 Compass Direct News, 13 de Setembro de 2011. 11 Zenit, 23 de Junho de 2011. 12 Compass Direct News, 19 de Setembro de 2011.