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PRODUTORAS AGÊNCIAS e CLIENTES RETRANQUEIROS por Julio Ribeiro A revista Advertising existe há 13 anos, mas eu acompanho profissionalmente o mercado publicitário do Sul há mais de 20 anos, desde os tempos do past-up, da LetraSet, do gravador de rolo e das câmeras U-Matic. Então, posso olhar o mercado de produção eletrônica, por exemplo, de uma forma panorâmica e analisá-lo em perspectiva. E posso afirmar, sem pudor do plágio, que nunca antes na história deste mercado a produção eletrônica teve tantas condições técnicas para fazer excelentes filmes e produzir spots e jingles memoráveis. E, no entanto, o que se percebe é que, infelizmente, todas essas facilidades tecnológicas não têm correspondido a uma excelência criativa e produtiva. Se antes boas ideias esbarravam no custo de filmar e refilmar cenas e de mandar revelar e finalizar os filmes no centro do país, ou nos altos custos dos equipamentos, das câmeras e tudo mais, o que vemos hoje é que toda a abundância e acessibilidade de meios de produção não conseguem salvar o produto final da falta de boas ideias. Vivemos um deserto de ideias, de criatividade publicitária em seu estado mais puro, e o resultado é uma mesmice acachapante, um festival de lugares-comuns, uma profusão irritante de clichês, tanto no rádio quanto na tevê. É tanta coisa ruim sendo veiculada que a gente chega a se perguntar: como conseguem aprovar isso com o cliente?? A culpa é das produtoras? Creio que não. Agências e clientes formaram, em nome dos resultados, uma aliança pela mediocridade, como se aqueles dependessem desta. Propaganda deixou de ser propaganda, é algo parecido com propaganda, mas mais feio. E sem prazer algum. Mais ou menos como no futebol, em nome dos resultados os times todos se retrancaram, os meias criativos deram lugar aos volantes marcadores e o que mais temos agora é algo parecido com futebol, mas que não é futebol. Por isso, todo mundo que gosta do esporte bretão adora assistir a uma partida do Santos, dos “meninos da Vila”, que jogam porque amam futebol, jogam por prazer, e os resultados são encarados apenas como uma consequência natural. E acabam sendo. Por isso, não adianta de nada ter a melhor grama, as melhores chuteiras, as camisetas com tecidos inteligentes, os equipamentos capazes de medir o mínimo stress físico e outros tantos aparatos tecnológicos como temos hoje, se na casamata permanecer um técnico retranqueiro, que está interessado apenas em garantir o resultado. No futebol há uma máxima segundo a qual quem entra em campo para não perder acaba perdendo. O mesmo se dá na propaganda. AS PRODUTORAS são um setor da indústria publicitária que passa quase despercebido do público, mas são parcerias vitais. São elas que viabilizam, com sons e imagens, as ideias geradas na criação, a fim de convencer o consumidor que aquela marca anunciada realmente tem todas as qualidades e requisitos exigidos. As primeiras produtoras gaúchas surgiram duas décadas depois da primeira agência de publicidade, a Star em 1932, com a Rádio Publicidade, fundada por Maurício Sirotsky em 1951. Gravava spots em acetato, testemunha Raul Correa, o funcionário “número 1” da empresa e hoje diretor-geral: “Contratávamos locutores de rádio de Porto Alegre e eles gravavam textos. As rádios do interior gostavam porque era uma voz diferente”. Para gravar um jingle era necessário enviar um briefing pelos Correios até São Paulo, onde havia estúdios musicais. São praticamente 60 anos de mudanças profundas e transformadoras. Hoje, não se manda mais briefing por carta, mas se grava um artista em qualquer lugar do mundo, na hora, com muita qualidade, sem sair de Porto Alegre. Assim: contrata um cantor inglês para gravar num estúdio londrino um jingle e tudo fica registrado, no mesmo momento, em Porto Alegre. O primeiro estúdio de gravação de jingles em Porto Alegre foi do radialista Ivo Serrão Vieira, aproveitando-se dos seus mais de 30 anos de experiência. Não tinha a qualidade dos estúdios americanos ou europeus, nem de paulistas e cariocas, mas já barateou muito os custos. Abriu um mercado de trabalho para compositores, cantores e artistas locais. Quando Ricardo Garay, o sócio-diretor da Jinga, entrou neste mercado em 1978, já havia uma base consistente de produção de áudio e vídeo. Além de Serrão, ele lembra as produtoras de Pedro Amaro, “que tinha a metade do mercado”, porque trabalhava com a MPM. Havia, também, a Plug, com Geraldo Flach e Sepé Tiaraju de Los Santos e a ArteSom. “A tecnologia daquela época equivalia à vanguarda dos anos 60 na Europa”, diz. Garay e seu amigo Carlos Henrique Ludwig gravaram em quatro canais nos estúdios da rádio Continental. As produtoras já tinham estúdio em oito, as gravadoras, em 16, mas 24, só em Nova York. Bem, o atraso tecnológico foi suplantado a partir da tecnologia digital e da informática. Mas todos esses anos de produção local deram um excelente fruto, avalia: “Temos uma escola muito forte, que não tem em outro lugar”. A Jinga constituiu-se formalmente em 1981, ainda quando o “horizonte de mercado terminava na ponte de Cachoeirinha”, exagera um pouco. Hoje, compara, “quem começa pensa nos mercados do mundo”. Aconteceu com a Bactéria Filmes, que completa três anos de atividade em setembro. O diretor Pedro Marques conta que em 2009 a produtora realizou um vídeo “para uma agência da Califórnia com um cliente na América Central”. O comercial de 30 segundos rodou em países como Guatemala, Honduras e El Salvador, “tá certo que somados esses países não dão a população do Rio Grande do Sul”, diz, “mas mostra como a Internet facilita contatos”. Às vezes, cruzar fronteiras significa ampliar a área de atuação. A Radioativa, de Carina Donida e Marcelo Figueiredo, está há 17 anos no mercado, além dos jingles e spots, acrescentou a produção de conteúdo e de musical ao seu trabalho. “Assim como uma agência de publicidade não pode fazer o que fazia há dez anos, nós também não”, diz Carina. Foi um das maneiras encontradas para enfrentar a concorrência crescente e atender o mercado, pois “existe muita demanda para mídia internas e internet. Daqui e de fora, inclusive de fora do Brasil”. Mas tudo está melhorando, garante Carina: “O pior para o mercado de áudio já passou”. A CONQUISTA DA IMAGEM O grande salto tecnológico para a imagem aconteceu em 2008, acredita o diretor de comerciais Cláudio Catota, da Cápsula Filmes: “Foi quando a Cannon lançou a câmara 5D, com qualidade de imagem equivalente à dos filmes”, a um custo imensamente menor, em torno de 3 mil dólares. Até então, os comerciais eram filmados em película, e transferidos para vídeo posteriormente. As produtoras de filme no Estado estavam ligadas ao cinema, como a Leopoldis Som, ou a Teixeira Produções. Nos anos 80, a Sabiá foi uma das primeiras produtoras de vídeo a alçar grandes voos, tendo como cliente a famosa secadora “Enxuta”. “O ator Paulo José morava aqui, ele dirigiu uns 70 filmes de publicidade naqueles anos”, recorda Ênio Lindenbaum, que dirigiu a Sabiá no final da década de 80. Lindenbaum foi um dos fundadores da Zeppelin, junto com José Pedro Goulart, em 1991, que conquistou nome nacional mantendo a sede em Porto Alegre. Mas segundo Carlos Henrique Ludwig (Calique), a conquista de São Pau- lo “só aconteceu porque o Zé Pedro se estabeleceu lá”. Caso contrário, não conseguiria: “Existem dois brasis, o de São Paulo e o resto. Lá, gaúcho praticamente não entra, mas no resto do país é legal”. Calique agora está com a Sound Trek, produzindo áudio para Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, enfim, mais para fora do Estado que dentro. Mas Alexandre Meurer, da Brava, acha que a Zeppelin nem é sua concorrente, por estar “em outro patamar”. Também admirador da 5D, porque permite uso de lentes e iluminação de cinema, preocupa-se com o mercado: “Já esteve melhor. As verbas diminuíram e estão surgindo outras mídias. Estão fazendo menos TV”. O que obriga a produção de vídeos para internet, e enfrentar as agências digitais: “Mas elas são parceiras e porque a gente produz os vídeos para elas”. O lado negativo da tecnologia, diz, é que custos baratos facilitaram a proliferação de produtoras nem sempre tão profissionais: “Um cara tem um notebook em casa e uma câmera e acha que tem uma produtoras. E às vezes algum cliente aceita um trabalho de baixa qualidade”. Mas nada que assuste muito: “Acho que é um momento de transição, a gente está um pouco no ar. Mas sabemos onde chegar. Com o tempo tudo vai se equivaler”. MUNDO ANIMADO No início da TV, era chamada de “desenho animado”. Em preto e branco e duas dimensões. Depois, perdeu espaço para o comercial distribuído em vídeo. Mas no século 21, a animação é um campo promissor na publicidade. Elton Bandeira, diretor da Alopatroons, entusiasma-se: “A animação está crescendo, o Animamundi deste ano (um festival internacional de animação que acontece no Brasil sempre e julho) teve a participação de 300 filmes brasileiros”. Não são publicitários, mas mostra como o antigo desenho animado está conquistando preferências. Bandeira cita como exemplo do sucesso a Animaking, produtora catarinense especializada em stop motion e também com muito trabalho na publicidade. “O sucesso da animação no cinema se reflete na publicidade”, diz ele. Assim que sai um filme, como o mais recente Toy Story 3, já começam os pedidos de agências baseando algum comercial nele. O público não é somente infantil, garante: “A Pixar atende crianças e adultos. Antigamente histórias em quadrinhos eram para quem tinha entre 6 e 15 anos, hoje, é para quem tem entre 17 e 35. A animação também serve para adultos”. Surgida como produtora de ilustrações e criação de personagens, a Alopatroons consegue mais sucesso fora Estado que dentro: “Porto Alegre nos viu nascer e não nos enxerga ainda como produtora de animação”, lamenta Bandeira, que, em compensação, comemora a conquista de clientes de fora: “Trabalhamos com clientes diferentes, outras culturas, isso é enriquecedor. Trabalhamos mais para fora que aqui, mas estamos reconquistando o mercado”. Conquistar espaço e receber mais oportunidades é um pleito de quem está começando. Daniel Mendes, da Talk, critica a maneira que as agências escolhem as produtoras: “Para mim, o maior problema é que às vezes a qualidade e o valor não são os principais critérios de seleção. O que mais conta é uma relação enraizada”. Isto é, as ais conhecidas levam a melhor parte: “Cinco ou seis produtoras ficam com 90% dos principais trabalhos”. Mesmo assim, ele já teve boas experiências: “Muitas vezes vem tudo pronto, inclusive com referências. Mas outras vezes mandam um briefing e dão liberdade, assim é mais legal”. Para Luís Pereira, com sua experiência de 35 de profissão, e fundador da Technológica há sete anos e meio, o que está acontecendo hoje é que “o mercado está se realinhando”. Ele acredita que a produção “atingiu um padrão de qualidade nacional”, porque foi instigada pela “exigência dos criativos de nossas agências”. A luta agora é por manter esse padrão dentro da concorrência multiplicada.. A Technológica fez parceria com um curso de línguas para realizar produções para o mercado externo em espanhol, inglês, etc. “Para sobreviver no mercado criativo tem que inventar algo diferente toda hora”. A frase é dele, mas resume um pensamento geral. O M M E s N e r T o O h l S e M Alguns jingles e comerciais que marcaram a história da publicidade gaúcha Vida comercial da Escala para a RBS, de 1986. Produção da Jinga Letra de Ricardo Garay e música de Carlos Henrique Ludwig, Calique. Já recebeu novas letras, e continua sendo a música oficial da rede de comunicação. Gaúcha Car O primeiro foi um jingle de Hermes Aquino (24 horas por dia/ só pra te assegurar/ que esta vida é pra ser vivida na mais perfeita paz), seguiram-se outros, de Calique e Garay. Início dos anos 70. Dangerous Liaisons Outra criação da Jinga. Tão popular que entrou para a programação musical de algumas emissoras. Tlês-tlinta-tlinta-tlinta Comercial da Dez para a Super- Pizza. O diretor de criação Vitor Knijnik mandou o roteiro e o produtor, então na Plug, Sepé Tiaraju de los Santos sugeriu o personagem Cícero, que tinha algumas características fonética diferenciadas. Graficamente, o telefone ficou Tlês, tlinta, tlinta, tlinta 40 anos de Zero Hora – Primeira grande produção da Cápsula para Escala. Cláudio Catota inspirou-se no filme Dogville(2003), de Lars Von Trier, cujo cenário parece um palco de teatro e marcações (ruas, casas, salas) são a giz. Só há algumas paredes. A isso, ele juntou depoimentos de assinantes do jornal. Banco Meridional Jingle e vídeo criados em 1994 pela Escala, com produção da Dr. DD. Assinava “se for para ser feliz, que seja o tempo todo”. Tinha versos como “se for para enganar, que seja o estômago”, “se existir guerra, que seja das cervejas”. Ficou tão famoso que Ana Maria Braga, anos depois, leu o texto em seu programa como se fosse um poema de “Autor Desconhecido”. Na verdade, o texto é de Eduardo Axelrud e Régis Montagna Universitário “Difícil mesmo é a vida”, produção da Zeppelin para agência DEZ Propaganda. Vários filmes ilustrando saias justas como: “fim de jogo, no vestiário, o centroavante do seu time diz ‘Valdir, já notou que eu gosto de ti de um jeito diferente?’” Seguia uma série de respostas hilárias estilo múltipla escolha e a assinatura “Difícil mesmo é a vida, vestibular a gente dá um jeito. Curso Universitário”. De 1997. MARCAS HISTÓRICAS na produção eletrônica 7 de setembro de 1922 Rio de Janeiro: primeira transmissão de rádio no Brasil. 8 de fevereiro de 1927 Primeira rádio de Porto Alegre: Gaúcha. Até primeiro de março de 1932 com o decreto 21.111, a publicidade foi proibida no rádio. O decreto limitou o tempo de reclames em 10% da programação. Nesta época, eram apresentados ao vivo. Hoje, é 25%. Primeiro jingle Até os anos 50 gravado do rádio brasileiro, composto por Nássara,em 1932. os jingles eram gravados diretamente num disco de acetato, que servia de matriz para se fazerem cópias. “Oh, padeiro desta rua tenha sempre na lembrança. Não me traga outro pão Que não seja pão Bragança. Pão inimigo da fome. Fome inimiga do pão. Enquanto os dois se matam, A gente fica na mão. De noite, quando me deito E faço minha oração.” 1957 O videotape chega às principais emissoras de TV do mundo 1959 primeira emissora de TV do Rio Grande do Sul: TV Piratini, canal 5. Comerciais em película. Anos 60 jingles gravados num único estúdio. Dois canais. Mais tarde quatro, depois oito. Anos 70 lançamento da tecnologia MIDI — Musical Instruments Digital Interface — Capacidade de acionar remotamente um instrumento. Para muitos, um divisor de águas tão revolucionário quanto a gravação digital. 1983 Lançamento do CD. Gravação digital Virada do século 20 para 21 solos de músicos internacionais gravados para utilizar em jingles. 2008 A câmara 5D da Cannon revoluciona a captação de imagem. Com custo em torno de US$ 3 mil, tem lentes de câmaras cinematográficas e grava imagens com qualidade de película. 1972 Primeira transmissão de TV em cores no RS e BR. Anos 80 Invenção dos samplers. Equipamentos com som armazenados de vários instrumentos. 2010: “Volta ao início” A tecnologia permite que se reúna cantores e músicos em distantes estúdios no mundo para gravar um jingle.