Cap 27 COMÉNIO (1592-1670) Ramiro Marques Jan Amos

Transcrição

Cap 27 COMÉNIO (1592-1670) Ramiro Marques Jan Amos
Cap 27 COMÉNIO (1592-1670)
Ramiro Marques
Jan Amos Coménio nasceu em Niewniz, na Morávia, numa
família protestante pertenecente à União dos Irmãos Morávios, uma
igreja calvinista, fundada por Juan Huss. Frequentou a escola dos
Irmãos Morávios e o liceu de Prerov. Aos dezanove anos, é admitido
na Academia de Herborn, em Nassau, vindo a doutorar-se mais tarde.
Com vinte e seis anos de idade foi designado pastor de Fulnek e
tornou-se reitor da escola da União dos Irmãos Morávios. Com a
invasão da Morávia e da Boémia pelas tropas do imperador Fernando,
Coménio foi proscrito como inimigo dos católicos e obrigado a exilarse no estranegeiro. Envolveu-se, desde cedo, no movimento
reformista de Jan Huss, tendo conhecido sucessivas provações e três
dezenas de anos de exílio. A sua oposição ao catolicismo e à contra
reforma impediu-o de regressar à sua pátria, vendo-se obrigado a
viver sucessivamente na Polónia, na Alemanha, na Inglaterra e na
Holanda. As suas obras mais importantes são: "Didáctica Magna",
publicada em 1638 e a "Porta das Línguas Abertas". São dele,
também, o "Labirinto do Mundo", publicado em 1623, e a "Escola da
Infância", dada à estampa em 1630.
Toda a obra de Coménio se afirma como um instrumento de
combate político e teológico a uma sociedade que ele considerava
iníqua e corrupta. A sua luta pela afirmação do Igreja dos Irmãos
Boémios confundiu-se com o combate que travou contra as
autoridades católicas. O facto de a pedagogia dos jesuítas ser, no seu
tempo, a corrente pedagógica dominante levou-o a considerar que a
educação e a escola constituíam peças fundamentais na construção
de um mundo mais justo. Não admira, por isso, que as suas melhores
obras tivessem um conteúdo marcadamente pedagógico.
Profundamente religioso, Coménio encarou sempre o processo
educativo como uma preparação para a vida eterna e daí a ênfase
moralizante e religiosa da sua pedagogia. Mais importante do que as
virtudes intelectuais, impunha-se que a escola desse a primazia á
formação ética e espiritual do homem novo, criado e formado à
imagem e semelhança de Jesus Cristo, a grande fonte inspiradora da
pedagogia de Coménio.
Coménio afasta-se do humanismo renascentista pelo facto de
não ver quaisquer vantagens na introdução da cultura grega e
romana no currículo escolar, já que tinha horror a tudo aquilo que era
pagão. O seu pietismo e misticismo levaram-no, também, a
considerar de pouca valia o exercício da razão, uma vez que é a fé e
não a razão que dá acesso ao verdadeiro conhecimento.
A grande inovação de Coménio residiu na defesa de uma escola
universal, aberta e acessível a todos, capaz de oferecer um currículo
adaptado às necessidades de cada um e utilizando metodologias
diferenciadas. A primeira etapa empreendida por Coménio para
remediar os males da escola do seu tempo foi a publicação de um
manual de ensino das línguas, intitulado "A Porta das Línguas
Abertas", que conheceu sucessivas edições e traduções. "A ideia
fundamental da obra é que o pensamento e a linguagem se
complementam. Nesse contexto, Coménio elabora o "Vestíbulo", livro
de leitura elementar, composto de 427 frases curtas, tais como Deus
é eterno, a terra é apenas temporal, os anjos são imortais, o homem
é mortal e o corpo é visível, a alma é invisível. Na "Escola da
Infância", escrito em checo em 1630 e publicado em alemão em
1633, Coménio elabora um método a ser seguido pelos pais, de modo
especial a mãe, para iniciar a educação da criança nos primeiros anos
de vida. Este método consiste em exigir que a criança observe
determinada realidade para depois repetir a palavra apropriada.
Considerando que conceitos abstractos e generalizações são verdades
evidentes por si, estes alcançam-se por intuição lógica. O
conhecimento adequado do mundo depende da experiência pessoal,
do cultivo dos sentidos e da correlação acertada entre linguagem e
experiência" (1).
Coménio apresentou uma proposta de educação universal,
considerando a escola como um instrumento da sua utopia salvífica,
na obra "Pansophiae Prodromos", ou "Intimações de uma Ciência
Universal". Nessa obra, Coménio defende a unidade do conhecimento
e alcançar esse conhecimento uno é o fim natural do homem, pondo
fim às divisões e conflitos que separam os homens e aproximando-o
da harmonia e da paz universais possíveis no encontro com Deus.
Essa teoria, a que se deu o nome de "pansofismo", atraiu muitos
intelectuais e políticos do Norte da Europa.
Mas a sua obra-prima foi a "Didáctica Magna", talvez o primeiro
tratado completo de pedagogia a apresentar um método de ensinar
tudo a toda a gente. O método de Coménio baseia-se na defesa do
processo de maturação natural da criança, propondo um ensino que
respeite as leis do desenvolvimento mental do aluno. Partindo da
observação e da experiência sensorial, a criança vai elaborando
conceitos e ideias cada vez mais abstractos, acompanhando essa
evolução mental de construções linguísticas cada vez mais
complexas.
A grande modernidade da pedagogia de Coménio reside no
facto de ele ter defendido que o desenvolvimento humano segue
determinados padrões que evoluem por etapas. Há a primeira
infância, a segunda infância, a juventude e a adultez e o professor
deve adaptar o seu ensino aos padrões de cada etapa. A linguagem
evolui por etapas. Na primeira infância, a criança dá os primeiros
passos e começa a emitir palavras. Na segunda infância, aprende a
falar e começa a emitir frases longas. Depois, a linguagem evolui
para as frases complexas e o vocabulário abstracto e com uma
correcta educação é possível atingir a eloquência.
A defesa de uma educação universal obrigou Coménio a apostar
na criação de materiais didácticos que suportassem e ampliassem o
esforço do aluno. para cada ciclo de estudos, Coménio recomendava
uma dada lista de livros. Depois da escola pública elementar, aberta
a todos, seguia-se o ginásio, ou escola latina, que preparava para os
estudos superiores. A seguir à universidade, Coménio recomendava
um programa de viagens ao estrangeiro para que o jovem
desenvolvesse os seus conhecimentos se geografia, de história e de
línguas. A Gramática, a Dialéctica, a Retórica, a Língua Materna o
Latim, a Ética, a Religião, a Física e a Matemática constituíam o
tronco do plano de estudos do ginásio e uma boa preparação nessas
matérias era essencial para a continuação dos estudos.
Embora considerasse o Latim uma língua imprescindível,
Coménio propunha que o ensino se fizesse na língua materna do
aluno. Quanto à disciplina, o autor da "Didáctica Magna" era favorável
à suavidade do acto pedagógico e à afectividade na relação
pedagógica. Os castigos físicos eram intoleráveis e o seu uso levava o
aluno a afastar-se da escola e do conhecimento. Os princípios
pedagógicos de Coménio podem resumir-se no seguinte: o ensino
deve adaptar-se à etapa do desenvolvimento mental do aluno; a
escola deve estar aberta a todos, rapazes e raparigas, pobres e ricos;
a aprendizagem deve basear-se na observação e na experiência
sensorial; o aluno deve aprender a partir do mais simples para o mais
complexos, em etapas suaves; deve haver um equilíbrio entre o
estudo e o divertimento.
Há algumas diferenças entre a "Didáctica Magna" e a
"Pampadeia": na primeira, a educação termina aos 24 anos de idade,
no final dos estudos superiores com seis anos de duração; na
segunda, toda a vida é tempo de aprender, numa defesa
profundamente moderna da educação permanente.
Uma leitura do índice da "Didáctica Magna" revela bem o
alcance e a modernidade da pedagogia de Coménio: o fim último fo
homem está fora desta vida; esta vida não é senão uma preparação
para a vida eterna; os graus de prteparação para a eternidade são
três, conhecermo-nos a nós mesmos, governarmo-nos e dirigirmonos para Deus; as sementes destas três coisas (da instrução, da
moral e da religião) são postas dentro de nós pela natureza; o
homem tem necessidade de ser formado para que se torne homem;
a formação do homem faz-se com muita facilidade na primeira idade;
é necessário, ao mesmo tempo, formar a juventude e abrir escolas;
nas escolas, a formação deve ser universal; as escolas podem ser
reformadas; a ordem perfeita das escolas deve ir buscar-se à
natureza; requisitos para ensinar e aprender, isto é, como se deve
ensinar e aprender para que seja impossível não obter bons
resultados; método para ensinar as Ciências; método para ensinar as
Artes; método para ensinar Moral; método para incutir a devoção e a
piedade. Os últimos capítulos da obra são tratados sobre a disciplina
na escola, a organização curricular e a gestão das escolas.
A perenidade e actualidade da pedagogia de Coménio reside no
facto de ele ter colocado a pessoa no centro do processo do
educativo, valorizando a aprendizagem, as diferenças individuais e a
educação permanente. Nada daquilo que é atribuído ao movimento
da escola nova é estranho a Coménio e podemos mesmo afirmar que
as correntes pedagógicas do século XX muito pouco adiantaram em
relação àquilo que é preconizado na "Didáctica Magna".
Notas
1) Giles, Th. (1987). História da Educação. São Paulo: EPU, p. 153

Documentos relacionados

Concepção de infância, processo educaƟvo e de - Série

Concepção de infância, processo educaƟvo e de - Série o verdadeiro método de formar adequadamente os espíritos consiste precisamente em que, primeiro, as coisas sejam apresentadas aos senƟdos externos, aos quais impressionam imediatamente” (COMÉNIO, 1...

Leia mais