CONTEÚDO LIVRE Lições de Rin Tin Tin

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CONTEÚDO LIVRE Lições de Rin Tin Tin
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CONTEÚDO LIVRE
Lições de Rin Tin Tin - artigo de Dorrit Harazin
Diante do palavreado oficial, a leitura de “Rin Tin Tin” é um bálsamo
Há muito foi-se o tempo em que o mundo contava com homens públicos que podiam envergar
a roupagem de estadista sem parecer ridículos. Sabiam falar a seus povos, levá-los a se sentir
parte de uma nação. Hoje tem prevalecido a mediocridade de quem ocupa algum poder. Ela se
manifesta sobretudo pela dislexia entre o que é dito e o que se quer dizer. Ou, pior ainda, entre
o que é dito e o que se quer esconder.
Essa dislexia verbal que rege homens e mulheres de pequenos ou graúdos poderes fornece
exemplos diários. Quando o ministro das Cidades, Mário Negromonte, por exemplo, anuncia
que “já passou da idade de mentir” e que não está preocupado se manterá ou não o cargo do
qual está praticamente alijado, o leitor medianamente alfabetizado já sabe traduzir o que não
está dito.
Quando o presidente do PT, Rui Falcão, garante que o ainda ministro Fernando Pimentel, do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, “está acima de qualquer suspeita”, a suspeita
tende a crescer diante da perda de credibilidade da palavra oficial.
Quando o sôfrego presidente da França, Nicolas Sarkozy, fica na ponta dos pés para se igualar
em altura a Angela Merkel e anunciar que “O risco de uma explosão da Europa nunca foi tão
grande, devemos repensar a Europa”, ninguém o escuta. O continente inteiro já vivencia esse
esgarçamento há pelo menos um ano e espera pouco de mais um espasmo verbal destinado a
figurar nos noticiários carentes de aspas.
Do lado de cá do Atlântico, o ocupante da Casa Branca, Barack Obama, já dilapidou boa parte
da energia e esperança que o elegeram. “Estou muito preocupado com o que está ocorrendo
na Europa”, declarou dias atrás sem causar qualquer frisson. “Aconselhei várias vezes Sarkozy e
Merkel a manifestar vontade política para resolver a crise”, acrescentou no vazio.
Em apenas três anos de mandato , sobrou pouco da chama e da mensagem de Obama por um
mundo do possível. Seu passo e verbo parecem ter se perdido nos corredores do poder, e a
marca que poderia ter deixado só não é menor porque a galeria de pré-candidatos republicanos
à sua sucessão, na eleição presidencial de 2012, tem se dedicado a dar tiros nos próprios pés.
Angela Merkel, a dona do cofre europeu, é a menos retórica entre os líderes de grande porte.
Mas nem por isso ocupa o lugar que continua vago na paisagem política de hoje: o de estadista
capaz de incandescer sua época com uma visão de futuro e um pensamento voltado para a
história. Filha de um pastor protestante da antiga Alemanha Oriental comunista, e doutora em
Física antes de se envolver com política, ela foi definida com acerto por seu biógrafo Gerd
Langhhuth: “Angela Merkel não sonha, não é historiadora, não tem visão de longo alcance.
Aliás, ela não gosta de traçar planos grandiosos. Prefere tomar decisões caso a caso, passo a
passo.” Nascida nove anos depois do final da II Guerra Mundial que tanto marcou seus
predecessores na chancelaria alemã, Merkel tem menos apego à necessidade de uma Europa
unida e de uma relação umbilical com os Estados Unidos.
Em matéria de torpor oratório, contudo, nenhum líder mundial consegue competir com o
secretário- geral das Nações Unidas, Ban Kimoon. O tom monocórdio de seus pronunciamentos,
agravado pela variante sul-coreana da língua inglesa por ele usada, condena qualquer discurso
seu a cair no vazio — esteja ele denunciando um genocídio ou a falência de melancólica
Conferência do Clima de Durban, encerrada esta semana.
Diante desse palavreado oficial que castiga de forma compulsiva o noticiário mundial, o silencio
da leitura de “Rin Tin Tin: The Life and the Legend” é um bálsamo. Nada é supérfluo ou banal
nessa biografia de um filhote de pastor alemão encontrado por um G.I. americano num campo
de batalha da França, em 1918.
Trazido para os Estados Unidos pelo soldado Lee Duncan ao término da I Guerra Mundial, Rin
Tin Tin fez carreira no cinema mudo e foi transformado num herói de caráter, capaz de gerar
um genuíno sentimento de afeto e confiabilidade nacional. Protagonista heroico, apesar de
mudo, falou alto para audiências embevecidas. Recebeu o maior número de votos ao Oscar de
melhor ator em 1929, levando a Academia a criar uma categoria à parte para astros do mundo
animal.
Em outubro passado, logo que chegou às livrarias americanas, a história do fenômeno “Rinty”
galgou a lista dos livros mais vendidos do “New York Times”. Para a autora Susan Orlean,
também colaboradora da revista “New Yorker”, “a afeição nacional pelo cão se deveu a seu
jeitão pensativo, preocupado, como quem tem por devercarregar um peso n’alma”. Garth Stein,
um escritor da geração Occupy Wall Street, concorda. “Naqueles tempos de sociedade sofrida,
que precisava sarar [da guerra], Rin Tin Tin serviu de conforto”, acredita ele.
Talvez seja uma boa época para políticos e lideranças mundo afora carregarem melhor o peso
do dever, e falar menos.
DORRIT HARAZIM é jornalista

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