CONTEÚDO LIVRE Lições de Rin Tin Tin
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CONTEÚDO LIVRE Lições de Rin Tin Tin
http://sergyovitro.blogspot.com/2011/12/licoes-de-rin-tin-tin-dorrit-harazim.html CONTEÚDO LIVRE Lições de Rin Tin Tin - artigo de Dorrit Harazin Diante do palavreado oficial, a leitura de “Rin Tin Tin” é um bálsamo Há muito foi-se o tempo em que o mundo contava com homens públicos que podiam envergar a roupagem de estadista sem parecer ridículos. Sabiam falar a seus povos, levá-los a se sentir parte de uma nação. Hoje tem prevalecido a mediocridade de quem ocupa algum poder. Ela se manifesta sobretudo pela dislexia entre o que é dito e o que se quer dizer. Ou, pior ainda, entre o que é dito e o que se quer esconder. Essa dislexia verbal que rege homens e mulheres de pequenos ou graúdos poderes fornece exemplos diários. Quando o ministro das Cidades, Mário Negromonte, por exemplo, anuncia que “já passou da idade de mentir” e que não está preocupado se manterá ou não o cargo do qual está praticamente alijado, o leitor medianamente alfabetizado já sabe traduzir o que não está dito. Quando o presidente do PT, Rui Falcão, garante que o ainda ministro Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, “está acima de qualquer suspeita”, a suspeita tende a crescer diante da perda de credibilidade da palavra oficial. Quando o sôfrego presidente da França, Nicolas Sarkozy, fica na ponta dos pés para se igualar em altura a Angela Merkel e anunciar que “O risco de uma explosão da Europa nunca foi tão grande, devemos repensar a Europa”, ninguém o escuta. O continente inteiro já vivencia esse esgarçamento há pelo menos um ano e espera pouco de mais um espasmo verbal destinado a figurar nos noticiários carentes de aspas. Do lado de cá do Atlântico, o ocupante da Casa Branca, Barack Obama, já dilapidou boa parte da energia e esperança que o elegeram. “Estou muito preocupado com o que está ocorrendo na Europa”, declarou dias atrás sem causar qualquer frisson. “Aconselhei várias vezes Sarkozy e Merkel a manifestar vontade política para resolver a crise”, acrescentou no vazio. Em apenas três anos de mandato , sobrou pouco da chama e da mensagem de Obama por um mundo do possível. Seu passo e verbo parecem ter se perdido nos corredores do poder, e a marca que poderia ter deixado só não é menor porque a galeria de pré-candidatos republicanos à sua sucessão, na eleição presidencial de 2012, tem se dedicado a dar tiros nos próprios pés. Angela Merkel, a dona do cofre europeu, é a menos retórica entre os líderes de grande porte. Mas nem por isso ocupa o lugar que continua vago na paisagem política de hoje: o de estadista capaz de incandescer sua época com uma visão de futuro e um pensamento voltado para a história. Filha de um pastor protestante da antiga Alemanha Oriental comunista, e doutora em Física antes de se envolver com política, ela foi definida com acerto por seu biógrafo Gerd Langhhuth: “Angela Merkel não sonha, não é historiadora, não tem visão de longo alcance. Aliás, ela não gosta de traçar planos grandiosos. Prefere tomar decisões caso a caso, passo a passo.” Nascida nove anos depois do final da II Guerra Mundial que tanto marcou seus predecessores na chancelaria alemã, Merkel tem menos apego à necessidade de uma Europa unida e de uma relação umbilical com os Estados Unidos. Em matéria de torpor oratório, contudo, nenhum líder mundial consegue competir com o secretário- geral das Nações Unidas, Ban Kimoon. O tom monocórdio de seus pronunciamentos, agravado pela variante sul-coreana da língua inglesa por ele usada, condena qualquer discurso seu a cair no vazio — esteja ele denunciando um genocídio ou a falência de melancólica Conferência do Clima de Durban, encerrada esta semana. Diante desse palavreado oficial que castiga de forma compulsiva o noticiário mundial, o silencio da leitura de “Rin Tin Tin: The Life and the Legend” é um bálsamo. Nada é supérfluo ou banal nessa biografia de um filhote de pastor alemão encontrado por um G.I. americano num campo de batalha da França, em 1918. Trazido para os Estados Unidos pelo soldado Lee Duncan ao término da I Guerra Mundial, Rin Tin Tin fez carreira no cinema mudo e foi transformado num herói de caráter, capaz de gerar um genuíno sentimento de afeto e confiabilidade nacional. Protagonista heroico, apesar de mudo, falou alto para audiências embevecidas. Recebeu o maior número de votos ao Oscar de melhor ator em 1929, levando a Academia a criar uma categoria à parte para astros do mundo animal. Em outubro passado, logo que chegou às livrarias americanas, a história do fenômeno “Rinty” galgou a lista dos livros mais vendidos do “New York Times”. Para a autora Susan Orlean, também colaboradora da revista “New Yorker”, “a afeição nacional pelo cão se deveu a seu jeitão pensativo, preocupado, como quem tem por devercarregar um peso n’alma”. Garth Stein, um escritor da geração Occupy Wall Street, concorda. “Naqueles tempos de sociedade sofrida, que precisava sarar [da guerra], Rin Tin Tin serviu de conforto”, acredita ele. Talvez seja uma boa época para políticos e lideranças mundo afora carregarem melhor o peso do dever, e falar menos. DORRIT HARAZIM é jornalista