uma análise do filme “Entre os muros da Escola”

Transcrição

uma análise do filme “Entre os muros da Escola”
Os conflitos no cotidiano escolar: uma análise do filme “Entre os
muros da Escola”1
Vanessa Raianna Gelbcke2 (UFPR) [email protected]
Resumo:
O presente trabalho tem como objetivo problematizar a relação professor/a-estudante partindo da
análise do filme “Entre os Muros da Escola” de Laurent Cantet (França, 2007). Durante o
desenrolar da trama fica evidente que a relação professor/a-estudante é relativamente
conflitante, conflitos estes que surgem durante o desenrolar de toda relação humana, e
principalmente no ambiente escolar, porque se baseiam no convívio de classes sociais, culturas,
valores e objetivos diferentes. Diante dos atritos demonstrados na trama, atestam-se os problemas na
convivência em sala de aula, e na relação professor/a-estudante, obstáculos que podem ser
comparados com a realidade brasileira. Neste sentido procura-se entender, tendo como ponto de
partida o filme, como é estabelecida esta relação, qual a importância da comunicação/diálogo no
processo de ensino aprendizado e quais práticas propiciam um bom ou mau convívio em sala de aula.
Palavras chave: Conflitos, Relação professor/a-estudante, Entre os muros da escola.
Conflicts in school life: an analysis of the film "Between the walls of the
School”
Abstract
This paper aims to problematize the relationship between teacher and student by analyzing the film
"Between the Walls School" by Laurent Cantet (France, 2007). During the course of the plot it is
evident that relationship between teacher and students is on the conflicting, these conflicts that arise
during the course of all human relations, especially in the school environment because they are based
on the interaction of social classes, cultures, values and different objectives. Given the friction shown
in the plot, testify to the problems in living together in the classroom and in the relationship teacher
and student, obstacles that can be compared with the Brazilian reality. In this sense we seek to
understand, taking as its starting point the film, as this relationship is established, the importance of
communication / dialogue in the teaching and learning practices which provide a good or bad
interaction in the classroom.
Key-words: Conflicts, Relationships between teacher and student, Between the walls of the school
1
Trabalho orientado pela Profª Dra. Lennita Oliveira Ruggi e desenvolvido a partir de discussões do Grupo de Estudos
“Olhares sobre a Escola: educação e gênero no debate cinematográfico”
2
Graduanda do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Paraná
1 Introdução
“Entre os Muros da Escola” é um filme francês que tem sido comentado em diversos
ambientes, mas, com maior ênfase, no que se refere à área educacional. Dentre os comentários
que tive a oportunidade de ouvir, destacavam-se os que diziam que tal filme é a prova de que
os/as estudantes estão definitivamente multiculturalizados, e mostrava o esforço de um
professor em pôr em prática seu poder de transformação, porém, seu empenho parece ser em
vão, visto que não há colaboração por parte dos/as estudantes. Em outras palavras, os
comentários, com algumas exceções, giravam em torno de dizer que o/a estudante é o/a
culpado/a pelos problemas educacionais, pois não colabora com o trabalho do/a professor/a.
Diante disso, e após a exibição da trama em um evento, organizado pelo Grupo de Estudos
“Olhares sobre a Escola: educação e gênero no debate cinematográfico” passei a questionar
como é construída e mantida a relação entre o/a professor/a-estudante, pois julgo, ser este um
aspecto de fundamental importância para que o processo educacional atinja seus objetivos, ou
seja, formar integralmente os/as estudantes.
Com o objetivo de problematizar esta relação e suas consequências no processo de
ensino-aprendizagem, levo em consideração que aspectos como interação, respeito e
comunicação formam a base para que os conflitos presenciados em sala de aula sejam
amenizados, pois, sendo um ambiente caracteristicamente heterogêneo, conflitos estarão
presentes durante todo o decorrer do processo educacional, e devem ser compreendidos como
oportunidades de aprendizagem e não como problemas a serem resolvidos ou situações a
serem evitadas ou como o inimigo da "ordem" que sempre imperou na escola. O conflito é o
resultado dos "diferentes" e das "diferenças" que hoje convivem no espaço escolar. Sendo
assim busco identificar como tais aspectos são trabalhados na trama pelo professor François e
quais as consequências que geram no comportamento dos/as estudantes. Nesta linha de
argumentação, parto do princípio que o/a professor/a é tão responsável pelo processo
educacional quanto o/a estudante.
2 Breve sinopse do filme “Entre os muros da Escola”
“Entre os Muros da Escola” é uma produção que trabalha com a linguagem de
documentário, obtendo, assim, um efeito de autenticidade, proporcionando ao/à espectador/a
uma aproximação entre realidade e ficção, ou seja, o filme constrói a impressão de capturar as
situações exatamente como acontecem no cotidiano das escolas, sendo desta forma uma fonte
da qual podemos extrair inúmeras análises das práticas educacionais.
O mesmo é protagonizado por François Bégaudeau (autor do livro que inspirou a
trama) interpretando François Marin, que era professor de língua francesa em uma escola da
periferia parisiense. A trama utiliza como cenários: sala de professores, sala de conselhos,
gabinete do diretor, pátio escolar e principalmente a sala de aula de uma turma de sétima série
frequentada por um grupo de africanos/as, asiáticos, latino-americanos/as e franceses de treze
a quinze anos, ou seja, adolescentes com seus desejos, medos e incertezas próprias da idade.
Nela se passam várias situações características deste ambiente, que nos levam a refletir sobre
o papel do/a professor/a na sociedade atual, como condutor/a de vidas através do aprendizado,
e o poder que é relegado a este/a profissional que deve ter conscientização da sua prática, pois
ela poderá destruir planos ou realizar sonhos.
3 A Instituição e o Poder
O filme traz para discussão várias facetas encontradas em sala de aula, apesar de ser
uma produção de uma realidade francesa se assemelha em muitos de seus problemas à
realidade brasileira. Problemas estes que podem ser observados facilmente como: as
dificuldades de aprendizagem e ensino, uma comunicação inadequada que não leva em
consideração a realidade contextual dos alunos, a reprodução de um ambiente de imposição
que nega o diálogo democrático, um apego às normas como base para disciplina e as tensões
existentes entre os/as integrantes (estudantes e professores/as). Nesta perspectiva considero
ser fundamental teorizar a estrutura escolar, pois nela encontraremos as bases dos problemas
citados.
Tomo como princípio que a escola tem a função de sistematização do processo
formativo que visa inculcar valores, ensinamentos, mediando e procurando formas para que
os saberes historicamente produzidos sejam apropriados pelos/as estudantes. Neste processo o
papel destinado ao/à professor/a é o de transmissor/a do conhecimento e cabe ao/à estudante
memorizá-los. Em algumas exceções que fogem a esta dinâmica encontraremos instituições
que trabalham com o conceito de socialização de conhecimentos entre professores/as e
estudantes. Porém, não podemos deixar de considerar que este processo ocorre dentro da
Instituição escolar, que tem historicamente a função de disciplinar – esta situação
disciplinadora surgiu no século XIX com a instituição disciplinar que consiste na utilização de
métodos que permitem um controle minucioso sobre o corpo das pessoas através dos
exercícios de domínio sobre o tempo, espaço, movimento, gestos e atitudes, com uma única
finalidade: produzir corpos submissos, exercitados e dóceis, com o objetivo de impor uma
relação de docilidade e utilidade. (FOUCAULT, 2010).
Assim, o poder disciplinar que caracteriza a estrutura e o funcionamento de
instituições, de modo particular, da escola, constitui-se por dispositivos como o olhar
hierárquico, a sanção normalizadora e o exame. Podemos observar, em inúmeras cenas do
filme, exemplos que nos dão a possibilidade de melhor compreensão do que representam tais
recursos coercitivos no espaço escolar, em especial na sala de aula. (FOUCAULT, 2010).
O professor François é um ser absoluto em sala de aula, sua autoridade é indiscutível,
visto que é preciso pedir para se levantar, tirar o boné ou o capuz para assistir a aula e só falar
após levantar a mão, a presença do diretor é igualmente poderosa, todos devem ficar de pé em
sinal de respeito à autoridade. Nas primeiras cenas do filme, durante uma aula de francês em
que se trabalhava a língua coloquial e a culta, quando indagado por alguns alunos a respeito
do desuso de tal formação gramatical, o professor exemplifica relatando um momento que
teve com amigos, em um bar, na noite anterior, quando utilizavam do imperfeito do
subjuntivo para conversar. Portanto, o professor fala assim, e isso é a regra, independente da
realidade de seus alunos, tampouco de seu meio cultural. Neste momento do filme,
observamos a hierarquia que se estabelece entre as condutas de uma classe (intelectual) frente
a outras, especificamente ali, a formada por filhos de imigrantes e alguns franceses da classe
popular.Ao final da trama, podemos destacar a situação em que o professor se exalta e acaba
insultando duas alunas, Esmeralda e Louise, o que desencadeia uma discussão com agressão
não intencional . Ao escrever a ocorrência, não cita que havia insultado as estudantes, e
quando questionado pelo diretor se isto havia acontecido, é orientado a apenas mencionar o
fato, sem detalhamento - evidenciando, assim, a superioridade do professor em relação aos/as
estudantes.
Tal situação também exemplifica a sanção normalizadora que tem função corretiva e
forma um sistema duplo de gratificação e punição. Neste caso o aluno Soyleumanee, expulso
da instituição devido a seu histórico comportamental por não respeitar as normas
institucionais impostas. Assim, percebemos que a escola tem o controle sobre o/a estudante,
não considerando as seus interesses e vontades3. Numa das cenas o professor exige que uma
das estudantes, Khoumba, leia um texto tirado do livro o “Diário de Anne Frank”, ela diz que
não quer ler, o professor responde argumentando que a sua vontade não prevalece na sala de
3
Não estamos aqui defendendo que o/a estudante vá a escola e faça apenas o que der vontade e o professor deva se adaptar a
estas vontades, mas que quando levamos em consideração a realidade e interesse deles/as, certamente, esta vontade será
despertada.
aula e sim a dele; constrange a aluna na frente dos colegas de classe pedindo que estes
nomeiem sua atitude como insolente; depois a ameaça dizendo que conversarão após a aula.
Ao final da aula o professor a obriga a se desculpar pela “insolência”, diante de suas amigas,
com palavras ditadas por ele e não com a real intenção dela de se desculpar. Ou seja, a escola,
como um todo, tenta controlar todas as ações dos/as estudantes, até mesmo as que envolvem a
subjetividade.
Porém o/a professor/a não é o ápice da hierarquia escolar, este/a é submetido/aa uma
hierarquia administrativa e pedagógica que o controla. Ele mesmo, quando demonstra
qualidades excepcionais, é absorvido pela burocracia educacional para realizar a política do
Estado, portanto, da classe dominante em matéria de educação. Na instituição escolar é o/a
professor/a que julga o/a estudante mediante a nota, porém este julgamento é levado para os
conselhos de classe onde será definido, juntamente com a equipe pedagógica e diretoria, o
destino do/a estudante. Ele/a, também define o programa da disciplina, mas dentro dos limites
prescritos. Em poucas palavras, os/as professores/as estão, a todo tempo, sendo
inspecionados, por seus “superiores”, que por sua vez, são inspecionados pelo Estado, através
de secretárias e núcleos educacionais.
Porém por mais que o Sistema educacional esteja permeado destas imposições, a
educação não é um beco sem saída, onde uma vez que ingressamos devemos andar nos
trilhos, disciplinando nossos/as estudantes, para que se tornem úteis a sociedade. Tenho a
convicção de que a subversão é que trará benefícios a sociedade, tornando-a mais democrática
e igualitária. Diante disto o que se pretendeu nesta discussão foi evidenciar que a escola está
permeada por relações de poder e que em qualquer circunstância que venhamos a analisar, na
vida real ou na ficção do filme que buscamos retratar, estamos diante de sinais de resistência a
certo tipo de poder, e é esta resistência, mais a heterogeneidade do ambiente, que acabam por
gerar os conflitos que temos presenciado na educação contemporânea.
4 A Relação Professor/a-Estudante
Segundo teorias da psicologia o/a homem/mulher é um ser racional, emocional, e
social por natureza. Desde o nascimento já fazemos parte da sociedade e formamos grupos
com pessoas das mais diversificadas crenças, origens e personalidades. A escola se torna o
local onde estes grupos diversificados se encontram e têm que conviver por um determinado
tempo. Ou seja, a escola é um ambiente heterogêneo frequentado por pessoas, que devido às
características da espécie humana, se relacionam e interagem com o propósito (pelo menos
deveria ser) de produzir conhecimentos e saberes. E cabe ao/à professor/a desenvolver
habilidades que possibilitem uma melhor adaptação às novas culturas e aos novos padrões de
conduta social. Nesse contexto, a relação professor/a estudante representa um esforço a mais
na busca da praticidade e eficiência no preparo do/a educando/a para a vida, numa redefinição
do processo ensino aprendizagem.
Sendo assim, compreendo que a escola é formada por subjetividades que são
produzidas, ou seja, a subjetividades não estão na origem nem é permanente à natureza
humana. Mesmo se considerarmos determinados modos de a subjetividade se organizar em
relação ao psíquico, esses modos estão relacionados aos padrões identitários e normativos que
se constituem em cada época. Esses padrões identitários estão ativamente presentes não só nas
macrorrelações, mas também circulam nas microrrelações entre os sujeitos.
Então, se não há uma subjetividade com valores universais válidos para qualquer
tempo e lugar, se não há uma constituição psíquica que valha para qualquer época, uma vez
que ela é sempre produzida em determinado tempo, as regras transmitidas nas relações entre
professores e alunos na escola também se modificam. Mudam as regras, mudam as formas de
sujeição, mudam as formas de transgressão, mudam os processos de subjetivação.
Talvez o que esteja sendo sinalizado na crise da autoridade docente (Aquino, 1996),
ainda que muitas vezes inconscientemente e de diferentes modos, é justamente a falência de
um modelo de instituição com base na ideia de disciplina. Podemos supor que é a própria
configuração social que está se modificando, e essa modificação está ligada à produção de
outro sujeito, que se torna presente também nas relações entre professores/as e estudantes,
causando, muitas vezes, um estranhamento por ambos. Mesmo se considerarmos que os/as
professores/as fazem parte dessa nova produção subjetiva, podemos perguntar se algumas
vezes seu discurso não se mantém amarrado em valores construídos na época em que eles/as
próprios foram educados/as. Em outras palavras, o/a professor/a escolar muitas vezes insiste
num diagnóstico da rebeldia do/a estudante a partir do modelo do poder disciplinar em que
ele/a foi sujeitado/a. Porém, para os/as estudantes, o/a professor/a pode aparecer como alguém
desatualizado/a, seja em função das informações tecnológicas que eles/as rapidamente obtêm,
ou mesmo em função da postura disciplinar creditada, em princípio, aos docentes. Talvez a
forma mais apropriada de encaminharmos essa problemática seja tentando sair do discurso da
“culpabilização generalizada”, entendendo que tanto os/as professores/as quanto os/as
estudantes afetam e são afetados pelo mesmo processo de mudança social.
Mais do que um desencontro entre gerações distintas, o que se apresenta aqui é um
processo de transformação social que abarca a instituição escolar e seus/suas agentes. Dessa
maneira, conforme coloca Aquino (1996), a indisciplina pode estar indicando o impacto do
ingresso de um novo sujeito histórico, com outras demandas e valores, numa ordem arcaica e
despreparada para absorvê-lo.
O mal-estar na confrontação dos/as estudantes e professores/as fala do modo pelo qual
os próprios agentes institucionais são atravessados/as pela configuração social, mas também
coloca em jogo as transformações sociais que esses agentes possibilitam. Tal como peças do
tabuleiro social, as instituições desenham novas configurações, o que implica uma análise
transversal ao âmbito didático-pedagógico (Aquino, 1996)
Portanto, para além da impotência que alguns/mas professores/as sentem em relação à
indisciplina do/a estudante, talvez essa última possa estar deflagrando a existência de outros
sujeitos em sala de aula, marcados/as por essa nova modalidade de organização da instituição
escolar, mas que também a constituem. Nessa medida, podemos dizer que, se por um lado a
escola reproduz os valores hegemônicos da sociedade, por outro, pelos impasses enfrentados
em sala de aula, ela também participa da transformação desses valores, pois é um lugar
fundamental na produção de sujeitos, sejam professores/as ou estudantes.
Logo o questionamento que proponho é como podemos, enquanto educadores/as,
desenvolver um trabalho que desenvolva integramente nossos/as estudantes, promovendo a
emancipação humana, sem deixar de considerar todos os aspectos acima mencionados.
Para Freire (1996), o papel do/a professor/a é de desafiador/a, capaz de promover a
educação como prática de liberdade,e tem como função combater um naturalismo histórico
que desconhece a historicidade do homem como fazedor de sua própria história. O/A
professor/a é aquele que possui uma prática progressista que tende a desenvolver junto aos/às
estudantes uma capacidade crítica, a curiosidade para perguntar, conhecer, atuar, reconhecer,
estimular a insubmissão, a indocilidade.
Esse/a professor/a caminha por uma direção
emancipadora, consciente de constituir-se constantemente a partir de uma curiosidade
epistemológica construída pela superação de sua curiosidade ingênua, capaz de compreender
sua função e o mundo criticamente, visando romper com “verdades” rotuladas socialmente
que podem gerar preconceitos, discriminações e estereótipos. Sua postura ética deve ser
compatível com suas palavras e práticas na sala de aula, já que aprendemos uns com os
outros, pelo próprio exemplo.
Nesta linha de argumentação considero como princípios fundamentais, para a
realização deste trabalho, a integração, o respeito e a comunicação. Tais aspectos devem estar
articulados para que se crie um ambiente propício para que o processo ensino aprendizagem
se torne prazeroso tanto para o/a professor quanto para o/a estudante. Porém para que possam
ser colocados em prática, é necessário conhecer quem são nossos/as estudantes, em que
realidade estamos atuando para que os saberes façam sentidos para eles/as. Neste sentido o
filme traz uma prática do professor François, uma atividade de autorretrato, com o objetivo
que os/as estudantes argumentassem quais são seus gostos, seus interesses, suas histórias de
vidas, e outros aspectos que optarem por incluírem na atividade. O questionamento desta
proposta se relaciona até onde o/a professor/a pode ir, neste conhecer o/a estudante? Na
trama, muitos/as estudantes reagiram mal à proposta e foram “obrigados/as” a realizarem,
neste sentido me questiono: até que ponto certas atitudes dos/as professores/as não invadem a
intimidade do/a estudante? E, além disso, mesmo que o autorretrato desse um panorama
sobre a heterogeneidade da sala de aula, este foi uma imposição e não houve um respeito
aos/às estudantes. Durante toda a trama o respeito não era um aspecto recíproco, os/as
estudantes tinham a obrigação de respeitar o professor, porém este não possuía respeito
pelos/as estudantes. Como na cena em que insulta as alunas chamando-as de “vagabundas”,
ou quando não considera os conhecimentos que eles/as trazem consigo, por se tratar de uma
turma formada por indivíduos de diversas culturas, estas não eram valorizadas na sala de aula,
eram negadas em prol da valorização da cultura Francesa.
Da mesma forma a comunicação se centrava no professor, e quando os/as estudantes
demonstravam autonomia e criticidade tentando começar um debate ele ficava incomodado,
perdia a sensação de poder, e utilizava como tática inferiorizar os argumentos, não dando
importância. Como no questionamento de Khoumba sobre o professor utilizar sempre os
mesmos nomes (estadunidenses) de pessoas nas frases de exemplo, e tal questionamento não é
trabalhado com a devida importância. Quanto à integração podemos citar o pedido do
professor de que os/as estudantes colocassem crachás nas carteiras, para que os/as estudantes
que não se conhecessem soubessem o nome dos/as colegas. Mas será que só saber o nome é
suficiente para que a turma interaja? Esta atitude mostra que uma preferência por uma
dinâmica estática ao invés de uma dinâmica integracionista.
Esses aspectos, respeito, comunicação e interação, devem ser conduzidos pelo
professor, por mais que a responsabilidade pelo clima em sala de aula também seja dos/as
estudantes. Ou seja, a relação entre professor/a e estudante depende, fundamentalmente, do
clima estabelecido pelo/a professor/a, da relação empática com seus/suas estudantes, de sua
capacidade de ouvir, refletir e discutir o nível de compreensão dos/as estudantes e da criação
das pontes entre o seu conhecimento e o deles/as.
4 Considerações Finais – Por uma Pedagogia do Diálogo
Longe de pretender encontrar uma solução universal para a problemática da relação
entre professores/as e estudantes, pretendo aqui propor uma Pedagogia do Diálogo, pois
considero que a partir do diálogo, entre os/as agentes educacionais, será possível identificar o
que podemos melhorar em nossa prática, para promover uma educação que faça diferença e
não apenas reproduza as relações de discriminações e submissões presentes na sociedade.
Partindo da afirmação de Freire (1974:112) segundo a qual “[...] o diálogo nutre-se de
amor, de humildade, de esperança, de fé, de confiança. É por isso, que apenas ele permite a
comunicação”, considero que somente quando professores/as e estudantes descobrem-se
como pertencentes da mesma história, do mesmo presente e do mesmo futuro é que o diálogo
se fará presente. É claro que esta comunicação não é fácil, principalmente dentro da
instituição escolar que compromete o verdadeiro diálogo, se estruturando em relações
hierarquizantes, orientada para fins puramente pragmáticos e rentáveis. Em uma instituição
moldada por tais princípios, não haverá possibilidade de instaurar uma pedagogia do diálogo.
Assim, o/a professor/a deve subverter-se dentro de tal instituição, para que o diálogo seja
instaurado. Vale ressaltar que não existe uma didática do diálogo, não existem técnicas de
diálogo, ele é na verdade uma atitude dialógica.
Exemplificando uma atitude contrária ao diálogo Freire nos diz que:
[...] nós ditamos ideias, não as trocamos. Nós damos lições, não debatemos nem
discutimos os assuntos. Nós trabalhamos para o aluno e não com ele. Nós lhe
impomos uma ordem à qual ele não adere mas se acomoda. Nós não lhe fornecemos
os meios de um pensamento autêntico, pois ao receber as fórmulas que lhe
distribuímos, não faz mais do que armazena-las. Ele não as assimila, porque a
assimilação não pode senão o fruto de uma pesquisa. E a pesquisa exige, daquele
que a tenta, um esforço de recriação, uma reinvenção. (FREIRE, 1974: 101)
Uma sala de aula, um seminário, uma reunião de grupo, um escola, enfim, deveria ser
um lugar onde todas as intervenções têm valor e sentido, onde toda crítica é acolhida. Neste
sentido compreende-se a preocupação de Freire em empregar o diálogo para a formação de
uma verdadeira comunidade humana, através da educação:
a educação deveria fornecer ao homem os meios para a discussão corajosa de sua
problemática e de sua inserção nesta problemática. Deveria adverti-lo dos perigos de
seu tempo, para que, conhecendo-os, ele pudesse reunir a força e a coragem de lutar
em vez de ser levado a perder, apesar de tudo, seu Eu, submetido às vontades do
outro. A educação deveria colocá-lo em diálogo constante com o outro, predispô-lo
a constantes revisões, a analise crítica de seus conhecimentos, a uma certa revolta,
no sentido mais humano do termo (FREIRE, 1974: 101)
Para concluir defendo que se uma comunidade humana ainda é possível, é preciso
começar na Escola, mas esta comunidade não será obra exclusiva de professores/as, é preciso
que cada um/a comece por tomar à sua mão a educação de si mesmo/a, que consiste em
assumir a responsabilidade de si mesmo/a. E isso é possível graças a uma pedagogia que
elimine toda relação autoritária, através do amor e da amizade, resumindo, através de um
diálogo posto a prova em cada pequeno encontro de todos os dias da mais tenra idade.
Referências
Filme: Entre os Muros da Escola
Título Original: Entre lesMurs.
Origem: França, 2008.
Direção: Laurent Cantet.
Roteiro: Laurent Cantet, François Bégaudeau e Robin Campillo, baseado em livro de François Bégaudeau.
Produção: Caroline Benjo, CaroleScotta, Barbara Letellier e Simon Arnal.
Fotografia: Pierre Milon, Catherine Pujol e GeorgiLazarevski.
Edição: Robin Campillo e StéphanieLéger
Elenco: François Bégaudeau, NassimAmrabt, Laura Baquela, CherifBounaïdjaRachedi, Juliette Demaille, Dalla
Doucoure, Arthur Fogel e Damien Gomes.
AQUINO, JulioGroppa. Confrontos na sala de aula: uma leitura institucional da relação professor-aluno.
4.ed. São Paulo: Summus, 1996.
__________. A relação professor-aluno: do pedagógico ao institucional. São Paulo: Summus, 1996.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 38. ed. Petropolis, RJ: Editora Vozes,
2010.
________. As palavras e as coisas. 9. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. 13. ed. São Paulo: Paz e
Terra, 1999
____________. A Educação como prática da Libertade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
GADOTTI, Moacir. Comunicação docente: ensaio de caracterização da relação educadora. 3.ed. São Paulo:
Loyola, [19--].
_________. A supervisão escolar e a tendência tecnocratica da educação brasileira. In:________. Educação e
poder: introdução a pedagogia do conflito. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1980.
KULLOK, Maisa Gomes Brandão. Relação Professor-Aluno no contexto ensino-aprendizagem as exigências na
atualidade. In:____. Relação Professor-Aluno: contribuições à prática pedagógica. Maceió: EDUFAL, 2002.

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