uma análise do filme “Entre os muros da Escola”
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uma análise do filme “Entre os muros da Escola”
Os conflitos no cotidiano escolar: uma análise do filme “Entre os muros da Escola”1 Vanessa Raianna Gelbcke2 (UFPR) [email protected] Resumo: O presente trabalho tem como objetivo problematizar a relação professor/a-estudante partindo da análise do filme “Entre os Muros da Escola” de Laurent Cantet (França, 2007). Durante o desenrolar da trama fica evidente que a relação professor/a-estudante é relativamente conflitante, conflitos estes que surgem durante o desenrolar de toda relação humana, e principalmente no ambiente escolar, porque se baseiam no convívio de classes sociais, culturas, valores e objetivos diferentes. Diante dos atritos demonstrados na trama, atestam-se os problemas na convivência em sala de aula, e na relação professor/a-estudante, obstáculos que podem ser comparados com a realidade brasileira. Neste sentido procura-se entender, tendo como ponto de partida o filme, como é estabelecida esta relação, qual a importância da comunicação/diálogo no processo de ensino aprendizado e quais práticas propiciam um bom ou mau convívio em sala de aula. Palavras chave: Conflitos, Relação professor/a-estudante, Entre os muros da escola. Conflicts in school life: an analysis of the film "Between the walls of the School” Abstract This paper aims to problematize the relationship between teacher and student by analyzing the film "Between the Walls School" by Laurent Cantet (France, 2007). During the course of the plot it is evident that relationship between teacher and students is on the conflicting, these conflicts that arise during the course of all human relations, especially in the school environment because they are based on the interaction of social classes, cultures, values and different objectives. Given the friction shown in the plot, testify to the problems in living together in the classroom and in the relationship teacher and student, obstacles that can be compared with the Brazilian reality. In this sense we seek to understand, taking as its starting point the film, as this relationship is established, the importance of communication / dialogue in the teaching and learning practices which provide a good or bad interaction in the classroom. Key-words: Conflicts, Relationships between teacher and student, Between the walls of the school 1 Trabalho orientado pela Profª Dra. Lennita Oliveira Ruggi e desenvolvido a partir de discussões do Grupo de Estudos “Olhares sobre a Escola: educação e gênero no debate cinematográfico” 2 Graduanda do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Paraná 1 Introdução “Entre os Muros da Escola” é um filme francês que tem sido comentado em diversos ambientes, mas, com maior ênfase, no que se refere à área educacional. Dentre os comentários que tive a oportunidade de ouvir, destacavam-se os que diziam que tal filme é a prova de que os/as estudantes estão definitivamente multiculturalizados, e mostrava o esforço de um professor em pôr em prática seu poder de transformação, porém, seu empenho parece ser em vão, visto que não há colaboração por parte dos/as estudantes. Em outras palavras, os comentários, com algumas exceções, giravam em torno de dizer que o/a estudante é o/a culpado/a pelos problemas educacionais, pois não colabora com o trabalho do/a professor/a. Diante disso, e após a exibição da trama em um evento, organizado pelo Grupo de Estudos “Olhares sobre a Escola: educação e gênero no debate cinematográfico” passei a questionar como é construída e mantida a relação entre o/a professor/a-estudante, pois julgo, ser este um aspecto de fundamental importância para que o processo educacional atinja seus objetivos, ou seja, formar integralmente os/as estudantes. Com o objetivo de problematizar esta relação e suas consequências no processo de ensino-aprendizagem, levo em consideração que aspectos como interação, respeito e comunicação formam a base para que os conflitos presenciados em sala de aula sejam amenizados, pois, sendo um ambiente caracteristicamente heterogêneo, conflitos estarão presentes durante todo o decorrer do processo educacional, e devem ser compreendidos como oportunidades de aprendizagem e não como problemas a serem resolvidos ou situações a serem evitadas ou como o inimigo da "ordem" que sempre imperou na escola. O conflito é o resultado dos "diferentes" e das "diferenças" que hoje convivem no espaço escolar. Sendo assim busco identificar como tais aspectos são trabalhados na trama pelo professor François e quais as consequências que geram no comportamento dos/as estudantes. Nesta linha de argumentação, parto do princípio que o/a professor/a é tão responsável pelo processo educacional quanto o/a estudante. 2 Breve sinopse do filme “Entre os muros da Escola” “Entre os Muros da Escola” é uma produção que trabalha com a linguagem de documentário, obtendo, assim, um efeito de autenticidade, proporcionando ao/à espectador/a uma aproximação entre realidade e ficção, ou seja, o filme constrói a impressão de capturar as situações exatamente como acontecem no cotidiano das escolas, sendo desta forma uma fonte da qual podemos extrair inúmeras análises das práticas educacionais. O mesmo é protagonizado por François Bégaudeau (autor do livro que inspirou a trama) interpretando François Marin, que era professor de língua francesa em uma escola da periferia parisiense. A trama utiliza como cenários: sala de professores, sala de conselhos, gabinete do diretor, pátio escolar e principalmente a sala de aula de uma turma de sétima série frequentada por um grupo de africanos/as, asiáticos, latino-americanos/as e franceses de treze a quinze anos, ou seja, adolescentes com seus desejos, medos e incertezas próprias da idade. Nela se passam várias situações características deste ambiente, que nos levam a refletir sobre o papel do/a professor/a na sociedade atual, como condutor/a de vidas através do aprendizado, e o poder que é relegado a este/a profissional que deve ter conscientização da sua prática, pois ela poderá destruir planos ou realizar sonhos. 3 A Instituição e o Poder O filme traz para discussão várias facetas encontradas em sala de aula, apesar de ser uma produção de uma realidade francesa se assemelha em muitos de seus problemas à realidade brasileira. Problemas estes que podem ser observados facilmente como: as dificuldades de aprendizagem e ensino, uma comunicação inadequada que não leva em consideração a realidade contextual dos alunos, a reprodução de um ambiente de imposição que nega o diálogo democrático, um apego às normas como base para disciplina e as tensões existentes entre os/as integrantes (estudantes e professores/as). Nesta perspectiva considero ser fundamental teorizar a estrutura escolar, pois nela encontraremos as bases dos problemas citados. Tomo como princípio que a escola tem a função de sistematização do processo formativo que visa inculcar valores, ensinamentos, mediando e procurando formas para que os saberes historicamente produzidos sejam apropriados pelos/as estudantes. Neste processo o papel destinado ao/à professor/a é o de transmissor/a do conhecimento e cabe ao/à estudante memorizá-los. Em algumas exceções que fogem a esta dinâmica encontraremos instituições que trabalham com o conceito de socialização de conhecimentos entre professores/as e estudantes. Porém, não podemos deixar de considerar que este processo ocorre dentro da Instituição escolar, que tem historicamente a função de disciplinar – esta situação disciplinadora surgiu no século XIX com a instituição disciplinar que consiste na utilização de métodos que permitem um controle minucioso sobre o corpo das pessoas através dos exercícios de domínio sobre o tempo, espaço, movimento, gestos e atitudes, com uma única finalidade: produzir corpos submissos, exercitados e dóceis, com o objetivo de impor uma relação de docilidade e utilidade. (FOUCAULT, 2010). Assim, o poder disciplinar que caracteriza a estrutura e o funcionamento de instituições, de modo particular, da escola, constitui-se por dispositivos como o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e o exame. Podemos observar, em inúmeras cenas do filme, exemplos que nos dão a possibilidade de melhor compreensão do que representam tais recursos coercitivos no espaço escolar, em especial na sala de aula. (FOUCAULT, 2010). O professor François é um ser absoluto em sala de aula, sua autoridade é indiscutível, visto que é preciso pedir para se levantar, tirar o boné ou o capuz para assistir a aula e só falar após levantar a mão, a presença do diretor é igualmente poderosa, todos devem ficar de pé em sinal de respeito à autoridade. Nas primeiras cenas do filme, durante uma aula de francês em que se trabalhava a língua coloquial e a culta, quando indagado por alguns alunos a respeito do desuso de tal formação gramatical, o professor exemplifica relatando um momento que teve com amigos, em um bar, na noite anterior, quando utilizavam do imperfeito do subjuntivo para conversar. Portanto, o professor fala assim, e isso é a regra, independente da realidade de seus alunos, tampouco de seu meio cultural. Neste momento do filme, observamos a hierarquia que se estabelece entre as condutas de uma classe (intelectual) frente a outras, especificamente ali, a formada por filhos de imigrantes e alguns franceses da classe popular.Ao final da trama, podemos destacar a situação em que o professor se exalta e acaba insultando duas alunas, Esmeralda e Louise, o que desencadeia uma discussão com agressão não intencional . Ao escrever a ocorrência, não cita que havia insultado as estudantes, e quando questionado pelo diretor se isto havia acontecido, é orientado a apenas mencionar o fato, sem detalhamento - evidenciando, assim, a superioridade do professor em relação aos/as estudantes. Tal situação também exemplifica a sanção normalizadora que tem função corretiva e forma um sistema duplo de gratificação e punição. Neste caso o aluno Soyleumanee, expulso da instituição devido a seu histórico comportamental por não respeitar as normas institucionais impostas. Assim, percebemos que a escola tem o controle sobre o/a estudante, não considerando as seus interesses e vontades3. Numa das cenas o professor exige que uma das estudantes, Khoumba, leia um texto tirado do livro o “Diário de Anne Frank”, ela diz que não quer ler, o professor responde argumentando que a sua vontade não prevalece na sala de 3 Não estamos aqui defendendo que o/a estudante vá a escola e faça apenas o que der vontade e o professor deva se adaptar a estas vontades, mas que quando levamos em consideração a realidade e interesse deles/as, certamente, esta vontade será despertada. aula e sim a dele; constrange a aluna na frente dos colegas de classe pedindo que estes nomeiem sua atitude como insolente; depois a ameaça dizendo que conversarão após a aula. Ao final da aula o professor a obriga a se desculpar pela “insolência”, diante de suas amigas, com palavras ditadas por ele e não com a real intenção dela de se desculpar. Ou seja, a escola, como um todo, tenta controlar todas as ações dos/as estudantes, até mesmo as que envolvem a subjetividade. Porém o/a professor/a não é o ápice da hierarquia escolar, este/a é submetido/aa uma hierarquia administrativa e pedagógica que o controla. Ele mesmo, quando demonstra qualidades excepcionais, é absorvido pela burocracia educacional para realizar a política do Estado, portanto, da classe dominante em matéria de educação. Na instituição escolar é o/a professor/a que julga o/a estudante mediante a nota, porém este julgamento é levado para os conselhos de classe onde será definido, juntamente com a equipe pedagógica e diretoria, o destino do/a estudante. Ele/a, também define o programa da disciplina, mas dentro dos limites prescritos. Em poucas palavras, os/as professores/as estão, a todo tempo, sendo inspecionados, por seus “superiores”, que por sua vez, são inspecionados pelo Estado, através de secretárias e núcleos educacionais. Porém por mais que o Sistema educacional esteja permeado destas imposições, a educação não é um beco sem saída, onde uma vez que ingressamos devemos andar nos trilhos, disciplinando nossos/as estudantes, para que se tornem úteis a sociedade. Tenho a convicção de que a subversão é que trará benefícios a sociedade, tornando-a mais democrática e igualitária. Diante disto o que se pretendeu nesta discussão foi evidenciar que a escola está permeada por relações de poder e que em qualquer circunstância que venhamos a analisar, na vida real ou na ficção do filme que buscamos retratar, estamos diante de sinais de resistência a certo tipo de poder, e é esta resistência, mais a heterogeneidade do ambiente, que acabam por gerar os conflitos que temos presenciado na educação contemporânea. 4 A Relação Professor/a-Estudante Segundo teorias da psicologia o/a homem/mulher é um ser racional, emocional, e social por natureza. Desde o nascimento já fazemos parte da sociedade e formamos grupos com pessoas das mais diversificadas crenças, origens e personalidades. A escola se torna o local onde estes grupos diversificados se encontram e têm que conviver por um determinado tempo. Ou seja, a escola é um ambiente heterogêneo frequentado por pessoas, que devido às características da espécie humana, se relacionam e interagem com o propósito (pelo menos deveria ser) de produzir conhecimentos e saberes. E cabe ao/à professor/a desenvolver habilidades que possibilitem uma melhor adaptação às novas culturas e aos novos padrões de conduta social. Nesse contexto, a relação professor/a estudante representa um esforço a mais na busca da praticidade e eficiência no preparo do/a educando/a para a vida, numa redefinição do processo ensino aprendizagem. Sendo assim, compreendo que a escola é formada por subjetividades que são produzidas, ou seja, a subjetividades não estão na origem nem é permanente à natureza humana. Mesmo se considerarmos determinados modos de a subjetividade se organizar em relação ao psíquico, esses modos estão relacionados aos padrões identitários e normativos que se constituem em cada época. Esses padrões identitários estão ativamente presentes não só nas macrorrelações, mas também circulam nas microrrelações entre os sujeitos. Então, se não há uma subjetividade com valores universais válidos para qualquer tempo e lugar, se não há uma constituição psíquica que valha para qualquer época, uma vez que ela é sempre produzida em determinado tempo, as regras transmitidas nas relações entre professores e alunos na escola também se modificam. Mudam as regras, mudam as formas de sujeição, mudam as formas de transgressão, mudam os processos de subjetivação. Talvez o que esteja sendo sinalizado na crise da autoridade docente (Aquino, 1996), ainda que muitas vezes inconscientemente e de diferentes modos, é justamente a falência de um modelo de instituição com base na ideia de disciplina. Podemos supor que é a própria configuração social que está se modificando, e essa modificação está ligada à produção de outro sujeito, que se torna presente também nas relações entre professores/as e estudantes, causando, muitas vezes, um estranhamento por ambos. Mesmo se considerarmos que os/as professores/as fazem parte dessa nova produção subjetiva, podemos perguntar se algumas vezes seu discurso não se mantém amarrado em valores construídos na época em que eles/as próprios foram educados/as. Em outras palavras, o/a professor/a escolar muitas vezes insiste num diagnóstico da rebeldia do/a estudante a partir do modelo do poder disciplinar em que ele/a foi sujeitado/a. Porém, para os/as estudantes, o/a professor/a pode aparecer como alguém desatualizado/a, seja em função das informações tecnológicas que eles/as rapidamente obtêm, ou mesmo em função da postura disciplinar creditada, em princípio, aos docentes. Talvez a forma mais apropriada de encaminharmos essa problemática seja tentando sair do discurso da “culpabilização generalizada”, entendendo que tanto os/as professores/as quanto os/as estudantes afetam e são afetados pelo mesmo processo de mudança social. Mais do que um desencontro entre gerações distintas, o que se apresenta aqui é um processo de transformação social que abarca a instituição escolar e seus/suas agentes. Dessa maneira, conforme coloca Aquino (1996), a indisciplina pode estar indicando o impacto do ingresso de um novo sujeito histórico, com outras demandas e valores, numa ordem arcaica e despreparada para absorvê-lo. O mal-estar na confrontação dos/as estudantes e professores/as fala do modo pelo qual os próprios agentes institucionais são atravessados/as pela configuração social, mas também coloca em jogo as transformações sociais que esses agentes possibilitam. Tal como peças do tabuleiro social, as instituições desenham novas configurações, o que implica uma análise transversal ao âmbito didático-pedagógico (Aquino, 1996) Portanto, para além da impotência que alguns/mas professores/as sentem em relação à indisciplina do/a estudante, talvez essa última possa estar deflagrando a existência de outros sujeitos em sala de aula, marcados/as por essa nova modalidade de organização da instituição escolar, mas que também a constituem. Nessa medida, podemos dizer que, se por um lado a escola reproduz os valores hegemônicos da sociedade, por outro, pelos impasses enfrentados em sala de aula, ela também participa da transformação desses valores, pois é um lugar fundamental na produção de sujeitos, sejam professores/as ou estudantes. Logo o questionamento que proponho é como podemos, enquanto educadores/as, desenvolver um trabalho que desenvolva integramente nossos/as estudantes, promovendo a emancipação humana, sem deixar de considerar todos os aspectos acima mencionados. Para Freire (1996), o papel do/a professor/a é de desafiador/a, capaz de promover a educação como prática de liberdade,e tem como função combater um naturalismo histórico que desconhece a historicidade do homem como fazedor de sua própria história. O/A professor/a é aquele que possui uma prática progressista que tende a desenvolver junto aos/às estudantes uma capacidade crítica, a curiosidade para perguntar, conhecer, atuar, reconhecer, estimular a insubmissão, a indocilidade. Esse/a professor/a caminha por uma direção emancipadora, consciente de constituir-se constantemente a partir de uma curiosidade epistemológica construída pela superação de sua curiosidade ingênua, capaz de compreender sua função e o mundo criticamente, visando romper com “verdades” rotuladas socialmente que podem gerar preconceitos, discriminações e estereótipos. Sua postura ética deve ser compatível com suas palavras e práticas na sala de aula, já que aprendemos uns com os outros, pelo próprio exemplo. Nesta linha de argumentação considero como princípios fundamentais, para a realização deste trabalho, a integração, o respeito e a comunicação. Tais aspectos devem estar articulados para que se crie um ambiente propício para que o processo ensino aprendizagem se torne prazeroso tanto para o/a professor quanto para o/a estudante. Porém para que possam ser colocados em prática, é necessário conhecer quem são nossos/as estudantes, em que realidade estamos atuando para que os saberes façam sentidos para eles/as. Neste sentido o filme traz uma prática do professor François, uma atividade de autorretrato, com o objetivo que os/as estudantes argumentassem quais são seus gostos, seus interesses, suas histórias de vidas, e outros aspectos que optarem por incluírem na atividade. O questionamento desta proposta se relaciona até onde o/a professor/a pode ir, neste conhecer o/a estudante? Na trama, muitos/as estudantes reagiram mal à proposta e foram “obrigados/as” a realizarem, neste sentido me questiono: até que ponto certas atitudes dos/as professores/as não invadem a intimidade do/a estudante? E, além disso, mesmo que o autorretrato desse um panorama sobre a heterogeneidade da sala de aula, este foi uma imposição e não houve um respeito aos/às estudantes. Durante toda a trama o respeito não era um aspecto recíproco, os/as estudantes tinham a obrigação de respeitar o professor, porém este não possuía respeito pelos/as estudantes. Como na cena em que insulta as alunas chamando-as de “vagabundas”, ou quando não considera os conhecimentos que eles/as trazem consigo, por se tratar de uma turma formada por indivíduos de diversas culturas, estas não eram valorizadas na sala de aula, eram negadas em prol da valorização da cultura Francesa. Da mesma forma a comunicação se centrava no professor, e quando os/as estudantes demonstravam autonomia e criticidade tentando começar um debate ele ficava incomodado, perdia a sensação de poder, e utilizava como tática inferiorizar os argumentos, não dando importância. Como no questionamento de Khoumba sobre o professor utilizar sempre os mesmos nomes (estadunidenses) de pessoas nas frases de exemplo, e tal questionamento não é trabalhado com a devida importância. Quanto à integração podemos citar o pedido do professor de que os/as estudantes colocassem crachás nas carteiras, para que os/as estudantes que não se conhecessem soubessem o nome dos/as colegas. Mas será que só saber o nome é suficiente para que a turma interaja? Esta atitude mostra que uma preferência por uma dinâmica estática ao invés de uma dinâmica integracionista. Esses aspectos, respeito, comunicação e interação, devem ser conduzidos pelo professor, por mais que a responsabilidade pelo clima em sala de aula também seja dos/as estudantes. Ou seja, a relação entre professor/a e estudante depende, fundamentalmente, do clima estabelecido pelo/a professor/a, da relação empática com seus/suas estudantes, de sua capacidade de ouvir, refletir e discutir o nível de compreensão dos/as estudantes e da criação das pontes entre o seu conhecimento e o deles/as. 4 Considerações Finais – Por uma Pedagogia do Diálogo Longe de pretender encontrar uma solução universal para a problemática da relação entre professores/as e estudantes, pretendo aqui propor uma Pedagogia do Diálogo, pois considero que a partir do diálogo, entre os/as agentes educacionais, será possível identificar o que podemos melhorar em nossa prática, para promover uma educação que faça diferença e não apenas reproduza as relações de discriminações e submissões presentes na sociedade. Partindo da afirmação de Freire (1974:112) segundo a qual “[...] o diálogo nutre-se de amor, de humildade, de esperança, de fé, de confiança. É por isso, que apenas ele permite a comunicação”, considero que somente quando professores/as e estudantes descobrem-se como pertencentes da mesma história, do mesmo presente e do mesmo futuro é que o diálogo se fará presente. É claro que esta comunicação não é fácil, principalmente dentro da instituição escolar que compromete o verdadeiro diálogo, se estruturando em relações hierarquizantes, orientada para fins puramente pragmáticos e rentáveis. Em uma instituição moldada por tais princípios, não haverá possibilidade de instaurar uma pedagogia do diálogo. Assim, o/a professor/a deve subverter-se dentro de tal instituição, para que o diálogo seja instaurado. Vale ressaltar que não existe uma didática do diálogo, não existem técnicas de diálogo, ele é na verdade uma atitude dialógica. Exemplificando uma atitude contrária ao diálogo Freire nos diz que: [...] nós ditamos ideias, não as trocamos. Nós damos lições, não debatemos nem discutimos os assuntos. Nós trabalhamos para o aluno e não com ele. Nós lhe impomos uma ordem à qual ele não adere mas se acomoda. Nós não lhe fornecemos os meios de um pensamento autêntico, pois ao receber as fórmulas que lhe distribuímos, não faz mais do que armazena-las. Ele não as assimila, porque a assimilação não pode senão o fruto de uma pesquisa. E a pesquisa exige, daquele que a tenta, um esforço de recriação, uma reinvenção. (FREIRE, 1974: 101) Uma sala de aula, um seminário, uma reunião de grupo, um escola, enfim, deveria ser um lugar onde todas as intervenções têm valor e sentido, onde toda crítica é acolhida. Neste sentido compreende-se a preocupação de Freire em empregar o diálogo para a formação de uma verdadeira comunidade humana, através da educação: a educação deveria fornecer ao homem os meios para a discussão corajosa de sua problemática e de sua inserção nesta problemática. Deveria adverti-lo dos perigos de seu tempo, para que, conhecendo-os, ele pudesse reunir a força e a coragem de lutar em vez de ser levado a perder, apesar de tudo, seu Eu, submetido às vontades do outro. A educação deveria colocá-lo em diálogo constante com o outro, predispô-lo a constantes revisões, a analise crítica de seus conhecimentos, a uma certa revolta, no sentido mais humano do termo (FREIRE, 1974: 101) Para concluir defendo que se uma comunidade humana ainda é possível, é preciso começar na Escola, mas esta comunidade não será obra exclusiva de professores/as, é preciso que cada um/a comece por tomar à sua mão a educação de si mesmo/a, que consiste em assumir a responsabilidade de si mesmo/a. E isso é possível graças a uma pedagogia que elimine toda relação autoritária, através do amor e da amizade, resumindo, através de um diálogo posto a prova em cada pequeno encontro de todos os dias da mais tenra idade. Referências Filme: Entre os Muros da Escola Título Original: Entre lesMurs. Origem: França, 2008. Direção: Laurent Cantet. Roteiro: Laurent Cantet, François Bégaudeau e Robin Campillo, baseado em livro de François Bégaudeau. Produção: Caroline Benjo, CaroleScotta, Barbara Letellier e Simon Arnal. Fotografia: Pierre Milon, Catherine Pujol e GeorgiLazarevski. Edição: Robin Campillo e StéphanieLéger Elenco: François Bégaudeau, NassimAmrabt, Laura Baquela, CherifBounaïdjaRachedi, Juliette Demaille, Dalla Doucoure, Arthur Fogel e Damien Gomes. AQUINO, JulioGroppa. Confrontos na sala de aula: uma leitura institucional da relação professor-aluno. 4.ed. São Paulo: Summus, 1996. __________. A relação professor-aluno: do pedagógico ao institucional. São Paulo: Summus, 1996. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 38. ed. Petropolis, RJ: Editora Vozes, 2010. ________. As palavras e as coisas. 9. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007 FREIRE, Paulo. 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