Pensando Bem!... - Cambridge e

Transcrição

Pensando Bem!... - Cambridge e
Pensando Bem!...
Uma introdução ao pensamento crítico
Anabela A Pinto
cambridge e-learning institute
2015
Copyright © 2015 por Anabela A Pinto
Capa Copyright © Eidelman Photography http://www.eidelmanphoto.co.za/
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electrónico, mecânico, por fotocópia, gravação ou por outros meios, sem permissão prévia por
escrito dos proprietários do registo do Copyright.
Primeira Edição: 2015
ISBN 978-1-326-18379-0 (Internacional)
ISBN papel: 978-84-686-6210-7 (Portugal)
ISBN digital: 978-84-686-6211-4 (Portugal)
Cambridge e-Learning Institute
1A Brookside, Orwell SG8 5TQ, Hertfordshire. United Kingdom
www.cambridge-elearning.com
Dedicatória
Dedico este livro ao meu marido Chris Poulton que sempre suportou os meus projectos
com muito amor e carinho e que com a sua paciência e apoio fez este projecto possível.
Dedico também a muitos amigos brasileiros e portugueses que me entusiasmaram a
escrever em português o conteúdo dos meus cursos em pensamento crítico duma
forma simples, clara e acessível a todos.
Após viver fora de Portugal por mais de 25 anos, torna-se cada vez mais difícil pensar e
escrever na língua mãe. As diversas versões texto foram lidas várias vezes por amigos
e colegas que contribuíram com ideias, críticas e correcções. Queria especialmente
agradecer aos meus amigos Vania Plaza Nunes, João Pedro Ferreira, Desidério
Murcho, Ludwig Krippahl e Fernando Abegão pela paciência e dedicação ao ler várias
vezes o manuscrito, detectar e corrigir os seus erros. E finalmente não quero esquecer
o meu tio José António de Assis que é um purista da lingua e corrigiu frequentemente
os meus anglicismos.
Finalmente queria dedicar o livro ao meu pai Jorge Pinto que muito me incentivou a
escrever este texto e infelizmente faleceu um mês antes de ver o livro publicado.
I
Sobre a autora
Anabela de Assis Pinto é licenciada em Biologia pela Faculdade de Ciências de Lisboa,
com um mestrado em Ecologia de Água Doce e um Doutoramento em Ecologia
Comportamental, pela Universidade de Aarhus, na Dinamarca. Fez também PósDoutoramento em comportamento animal e ecologia na Universidade de Oxford onde
desenvolveu um interesse pela ciência do Bem-Estar Animal o que a levou a associarse ao grupo de bem-estar animal do Departamento de Veterinária na Universidade de
Cambridge. Aqui trabalhou no desenvolvimento de materiais educacionais em bemestar animal. Leccionou etologia, ética, bem-estar animal, primatologia, conservação, e
pensamento crítico nas Universidades de Chester, Roheampton e Cambridge.
Em 2002, fundou a empresa Cambridge e-Learning Institute (www.cambridgeelearning.com) oferecendo educação online sobre assuntos relacionados com
comportamento, bem-estar e ética animal.
A autora deixou Portugal em 1988 para morar na Dinamarca onde fez o Doutoramento
e mais tarde estabeleceu-se em Cambridge onde vive desde 1999 com o marido e uma
população variável de gatos.
Embora o pensamento crítico seja uma disciplina geralmente relacionada com a
Filosofia, não deixa de ser uma capacidade necessária a todos aqueles que pretendem
apresentar argumentos consistentes na defesa das suas ideias e opiniões.
Percebendo as dificuldades apresentadas pelos seus alunos na análise critica e
apresentação de argumentos, a autora criou vários cursos e workshops em
pensamento crítico que foram ministrados em várias Universidades no Reino Unido e
Dinamarca, Itália, Portugal, Espanha e no Brasil.
Estes cursos têm como público-alvo professores e estudantes de áreas da Biologia,
Veterinária, Medicina e Biotecnologia que pretendem escrever artigos e criticar
trabalhos de colegas de uma forma construtiva e organizada. O presente livro resulta da
experiência recolhida durante esses cursos e procura servir como manual a todos os
interessados no desenvolvimento do Pensamento Crítico.
A autora escreve o blog Natural Machines (https://anabelapinto.wordpress.com) onde
apresenta as suas ideias ao público em geral.
II
Índice
Prefácio .................................................................................................................................. 0
Capítulo 1: O QUE É O PENSAMENTO CRÍTICO .................................................................. 3
1.1.Argumentos versus retórica ........................................................................................... 5
1.2.Avaliação de dilemas....................................................................................................... 5
1.3.Identificação das fontes de discordância ....................................................................... 6
1.4.Resolução de conflitos .................................................................................................... 6
1.5.A importância do método em pensamento crítico ......................................................... 7
Capítulo 2: O CONCEITO DE ARGUMENTO ......................................................................... 9
2.1. Argumentos implícitos e explícitos ............................................................................... 9
2.2. Porque alguém usaria argumentos implícitos? ...........................................................10
2.3. Como identificar um argumento ...................................................................................11
2.4. Afirmações / Declarações..............................................................................................12
2.5. O hiato ser/deve ser.......................................................................................................12
2.6. O Conceito de pressuposto ..........................................................................................13
Capítulo 3: A ESTRUTURA DO ARGUMENTO .....................................................................15
3.1. Argumentos simples .....................................................................................................15
3.2. Argumentos em forma de T...........................................................................................16
3.3. Argumentos em forma de V ..........................................................................................16
3.4. Argumentos complexos ................................................................................................17
Capítulo 4: PENSAMENTO E RACIOCÍNIO ..........................................................................19
4.1. A diferença entre pensar e raciocinar...........................................................................20
4.2. Formas de raciocínio .....................................................................................................21
4.3. Pensamento rápido e lento: Sistema 1 e Sistema 2 .....................................................22
Capítulo 5: RACIOCÍNIO DEDUTIVO ....................................................................................23
5.1.Lógica Categórica...........................................................................................................24
5.2.Diagramas de Venn e Euler ............................................................................................25
5.3.Lógica Formal .................................................................................................................31
5.4.Silogismos ......................................................................................................................35
5.5.Silogismos categóricos ..................................................................................................37
Capítulo 6: QUALIDADE DOS ARGUMENTOS DEDUTIVOS ...............................................41
Capítulo 7: RACIOCÍNIO INDUTIVO .....................................................................................45
Capítulo 8: INDUÇÃO FORMAL ............................................................................................49
8.1.Indução por analogia ......................................................................................................49
8.2. Indução por generalização (De alguns para todos) .....................................................51
8.3.Indução por silogismos estatísticos..............................................................................56
8.4. Indução por confirmação (abdução) .............................................................................56
8.5. Indução formal e o método científico ...........................................................................56
8.6. A importância do método científico na vida mundana ................................................57
Capítulo 9: INDUÇÃO INFORMAL ........................................................................................60
9.1. Indução informal por analogia ......................................................................................60
9.2. Indução informal por generalização .............................................................................63
Capítulo 10: QUALIDADE DOS ARGUMENTOS INDUTIVOS...............................................66
Capítulo 11: ACEITABILIDADE ............................................................................................67
11.1. Avaliação da Evidência ...............................................................................................68
11.2. Verificação duma proposição .....................................................................................73
11.3.Teorias da Verdade .......................................................................................................74
11.4. Critérios da verdade ....................................................................................................77
11.5. Racionalistas vs. Empiristas: Uma batalha filosófica? ..............................................78
Capítulo 12: RELEVÂNCIA ...................................................................................................81
Capítulo 13: ADEQUACIA .....................................................................................................82
13.1. Critérios de adequacia.................................................................................................82
13.2. Apelo à autoridade.......................................................................................................83
13.3. O uso de analogias ......................................................................................................83
13.4. Apelo à ignorância (Argumentum ad ignorantium ) ...................................................83
13.5. Falácias causais ..........................................................................................................84
Capítulo 14: RACIOCÍNIO ABDUTIVO ..................................................................................86
14.1. Hipóteses, teorias e modelos ......................................................................................86
14.2. Explicações ..................................................................................................................89
Capítulo 15: RACIOCÍNIO CAUSAL .....................................................................................93
15.1. Causa, Relação e Correlação ......................................................................................94
15.2. Condições necessárias e suficientes .........................................................................94
Capítulo 16: INTRODUÇÃO ÀS FALÁCIAS ..........................................................................98
Capítulo 17: FALÁCIAS CAUSAIS......................................................................................100
17.1.Falácias causais dedutivas ........................................................................................101
17.2.Falácias causais indutivas .........................................................................................102
Capítulo 18: FALÁCIAS DE GENERALIZAÇÃO (Indução Formal) ....................................113
18.1.Falácias de Quantificação ..........................................................................................113
18.2.Falácias Probabilísticas .............................................................................................118
Capítulo 19: FALÁCIAS DE GENERALIZAÇÃO e EXCEPÇÃO (Indução Informal)...........120
19.1. Falácias de Generalização.........................................................................................120
19.2. Falácias de Excepção ................................................................................................122
Capítulo 20:FALÁCIAS DE EVIDÊNCIA E PROVA .............................................................125
Capítulo 21: FALÁCIAS DE ASSOCIAÇÕES E PADRÕES ILUSÓRIOS ............................128
Capítulo 22: FALÁCIAS ANALÓGICAS ..............................................................................131
22.1. Analogias Erróneas ...................................................................................................132
22.2. Analogias Falsas .......................................................................................................132
22.3. Analogias questionáveis ...........................................................................................133
Capítulo 23: FALÁCIAS DE EXPLICAÇÃO .........................................................................134
Capítulo 24: FALÁCIAS DE DEFINIÇÃO ............................................................................136
Capítulo 25: FALÁCIAS DE RELEVÂNCIA .........................................................................140
25.1. Quando a premissas que não suportam a conclusão..............................................140
25.2. Falácias Ad hominen .................................................................................................142
25.3. Falácia Genética ........................................................................................................144
Capítulo 26: FALÁCIAS DO ARENQUE VERMELHO .........................................................145
26.1. Falácia de excepção ou tratamento especial ...........................................................145
26.2. Falácia do homem de palha.......................................................................................146
26.3. Falácias de apelo às emoções ..................................................................................147
26.4. Falácias de apelo à mente .........................................................................................148
Capítulo 27: FALÁCIAS VERBAIS ......................................................................................153
Capítulo 28: ARGUMENTOS ENVIÉSADOS (Bias) ............................................................159
28.1. Bias cognitivos ..........................................................................................................159
28.1.2. Bias derivados da percepção pessoal ...................................................................163
28.2. Bias Motivacionais.....................................................................................................167
Capítulo 29: PROPAGANDA e RETÓRICA.........................................................................182
29.1. Propaganda ................................................................................................................182
29.2. Retórica ......................................................................................................................182
29.3. Diferença entre propaganda e retórica .....................................................................183
29.4. Estratagemas Retóricos ............................................................................................183
Capítulo 30: ANÁLISE DE ARGUMENTOS.........................................................................197
30.1. Forma do argumento (validade) ................................................................................198
30.2. Estrutura do argumento ............................................................................................199
30.3. Análise de Contexto, Qualidade e Conteúdo............................................................200
30.4. Desconstrução e Reconstrução de Argumentos .....................................................204
Capítulo 31: PRODUÇÃO DE ARGUMENTOS....................................................................207
31.1. Argumentos e Debates ..............................................................................................208
31.2. Código de Conduta Intelectual..................................................................................208
31.3. Objectividade .............................................................................................................211
Capítulo 32: APPLICAÇÕES DA ARTE DE RACIOCINAR .................................................212
Conclusão ...........................................................................................................................220
Bibliografia .........................................................................................................................223
Prefácio
A ideia para este livro surgiu da necessidade de criar materiais em português para o curso em
pensamento crítico que eu ofereço regularmente em diversas universidades brasileiras e no
Reino Unido. Estes cursos são direccionados especialmente a estudantes e profissionais de
veterinária, biologia e outras ciências da vida envolvendo o estudo da biologia em geral e de
animais em particular. O curso surgiu da necessidade de oferecer bases de argumentação
para a discussão de assuntos sobre ética e bem-estar animal.
As nossas relações com os animais são frequentemente analisadas com muita emoção e
durantes esses cursos os alunos raramente utilizavam argumentos bem construídos para
suportar as suas ideias ou rejeitar as ideias com que não concordavam. Especialmente nos
cursos de ética animal, as discussões durante os workshops terminavam frequentemente em
discursos emocionais e pessoas ofendidas. Assim tornou-se necessário o desenvolvimento
de um curso rápido sobre pensamento crítico a fim de propiciar as ferramentas necessárias
para a formulação de raciocínios lógicos e argumentos robustos.
O factor mais importante destes cursos é a consciencialização dos participantes do debate
que a discussão deve focar na construção do argumento, e não nas opiniões das pessoas
que o oferecem.
O livro oferece uma visão geral do método e técnicas de argumentação utilizados em
qualquer tipo de discussão entre grupos e pessoas com opiniões contrárias.
Introdução
Em Abril 2013 um empreendedor britânico James McCormick foi condenado à prisão por
vender aparelhos falsos de detecção de bombas. Este aparelho consistia numa geringonça
com uma antena comum de rádio ligada por alguns fios eléctricos a uma caixa onde se
introduziam diferentes cartões com um microchip, tipo cartão de crédito onde cada cartão
supostamente activava a antena para detectar diferentes tipos de substâncias. O aparelho
também foi vendido como detector de drogas. Cada aparelho custava 27 mil libras e foram
comprados pelas forças armadas, policia e governos de vários países, entre eles a polícia do
Quénia, o exército no Iraque, Nigéria, Bélgica até param as Nações Unidas. Estes aparelhos
foram usados nos serviços prisionais de Hong Kong e na investigação dum hotel na Roménia
antes da visita do presidente dos Estados Unidos até que um jornalista do jornal The Times
pediu uma desmonstração do aparelho e verificou que a antena não fazia nada e qualquer
movimento era consequência dos micromovimentos da mão da pessoa que segurava o
aparelho. Na realidade estes detectores não eram mais do que um amontoado de fios
eléctricos ligados a nada, sem qualquer base científica para suportar as afirmações que fazia,
pondo em perigo a vida de muita gente que confiava nos atributos deste aparelho (1).
A questão intrigante é a seguinte: como é que ninguém nas forças armadas, governos e até
na ONU se lembrou de pedir o óbvio, isto é, a evidência de estudos científicos sobre a
eficácia desse aparelho, antes de transferirem enormes somas de dinheiro para as mãos
deste burlão?
O uso de radiestesia é uma outra forma de burla em que milhões de pessoas acreditam e
pagam bom dinheiro para encontrar água nos seus terrenos antes de fazer um furo ou abrir
um poço. Esta técnica milenar baseia-se na utilização dum ramo de árvore em forma de Y
onde os braços do ramo são virados para cima contra as linhas naturais dos veios do ramo
contorcidos. Enquanto o prospector de água anda sobre o terreno com esse tronquinho, a
pressão exercida sobre a forma como o tronco é seguro, acaba virando a varinha para baixo
ou para cima procurando a posição natural livre das forças exercidas nos braços. Eu própria
experimentei a radioestesia e podia seguramente sentir a força da varinha apontando para
baixo, ou para cima. O radiestesista que me acompanhou aprovou da minha técnica e afirmou
que eu tinha a tal força “mística” necessária para encontrar água. O problema desta técnica é
que a varinha não aponta sempre para o mesmo local se o teste for repetido várias vezes, e
ao passar sobre áreas que efectivamente têm água, como um poço, a varinha não aponta
necessariamente para esse local. A verdade é que, a maior parte das vezes se encontra
água, porque em qualquer lado existem lençóis de água cobrindo a crosta terrestre. Só é
preciso furar até encontrar. A radiestesia é uma técnica que surgiu no contexto da magia
durante a Renascença e continua popular.
Uma nova forma de tratamento conhecida como Aqua Detox tem-se tornado popular entre os
praticantes de pseudo-medicina. Este “tratamento” consiste em colocar os pés num banho de
água contendo “sais orgânicos naturais” onde se faz passar uma corrente eléctrica que “entra
1
em ressonância” com o seu “campo bio-energético” limpa o seu corpo de impurezas. A prova?
A água que antes era cristalina e transparente torna-se acastanhada com uma espécie de
película na superfície. Aqui os “especialistas” do Aqua Detox “confirmam” que as toxinas que
afectam o seu corpo são a sujidade visível na água. Qualquer pessoa que fez química no
ensino secundário sabe que qualquer corrente eléctrica produzida por um par de eléctrodos
metálicos dentro dum banho com sais vai oxidar o metal dos eléctrodos sujando a água
mesmo sem precisar de colocar os pés lá dentro. Nem um dedo!
O que têm de comum estas três histórias? A vontade de acreditar sem se pedir evidência nem
tentar perceber o mecanismo pelo qual estes métodos “funcionam”. Em comum têm uma
impressionante falta de habilidade para pensar criticamente.
Para mais informação sobre o caso McCormick veja os seguintes websites:
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BBC News http://www.bbc.co.uk/news/uk-22380368
The Mirror http://www.mirror.co.uk/news/uk-news/conman-james-mccormick-sold-golf-1850330
James Randi e o ADE651 Quadro Tracker http://www.youtube.com/watch?v=ruTmqfGJhTI
2
Capítulo 1: O QUE É O PENSAMENTO CRÍTICO
“O valor duma educação superior não está na aprendizagem de factos mas no
treinamento da mente para pensar”. -Albert Einstein (1921)
A palavra criticar tem uma conotação negativa nas mentes das pessoas. Ninguém gosta de
ser criticado e estamos sempre prontos para criticar os outros, mas na verdade, esta é uma
forma deturpada de perceber o sentido da palavra “crítica”. Criticar um texto, uma acção, uma
obra de arte, uma refeição, significa que estamos a fazer uma avaliação do objecto em causa.
A crítica é geralmente uma opinião de algo que presenciamos ou testamos. Podemos fazer
críticas negativas ou positivas na análise dum argumento, mas é preciso ter em consideração
que existe uma diferença entre criticismo e criticar. Criticismo refere-se a uma atitude negativa
com a intensão de degradar o objecto da análise. Criticar é a acção de avaliar a qualidade de
algo identificando os seus aspectos positivos e negativos.
A arte de pensar criticamente, também conhecida como ou pensamento crítico, refere-se à
capacidade de avaliar o objecto em causa de forma objectiva e justa. Se o foco da crítica
consiste de opiniões expressas por outros, a nossa avaliação deve se concentrar no
argumento e não na pessoa que o produz. Quantas vezes já ouvimos observações do tipo “se
você pensa assim, então você é um idiota” ou um “ignorante”? Existem por esse mundo
pessoas sem muita cultura que podem apresentar bons argumentos, e muita gente
considerada culta que apresenta argumentos idiotas.
A razão deste livro é ajudar a organizar o nosso pensamento e oferecer ferramentas
intelectuais que possam ajudar a formular argumentos robustos, difíceis de derrubar e a
analisar as falhas dos argumentos dos outros.
Pensar criticamente não é maldizer ou enxovalhar, mas notar falhas de raciocínio na
argumentação.
Estudar Pensamento Crítico ajuda-nos a identificar factores que são erróneos no nosso
raciocínio e no raciocínio dos outros. Aqui estão alguns exemplos de como o raciocínio pode
falhar.
1. Por vezes aquilo que pensamos e exprimimos não é claro, é confuso e misturado com
ideias e emoções subliminais das quais não estamos conscientes
2. Temos uma tendência para saltar para conclusões precipitadas, baseadas nas nossas
emoções mais do que na evidência (ou falta dela) apresentada
3. Durante uma discussão, podemos perder o rumo dos nossos objectivos iniciais
4. Falhamos na identificação de contradições
5. Perguntamos questões e damos respostas vagas
6. Perguntamos questões irrelevantes
7. Confundimos questões de diferentes tipos
8. Falhamos na distinção entre o que é inferido e o que é assumido
9. Não temos consciência de quais são os pressupostos dos argumentos
10. Baseamos os nossos argumentos em pressupostos injustificados
11. Não estamos conscientes dos nossos preconceitos apresentando conclusões
tendenciosas ou unilaterais (enviesadas).
12. Esquecemo-nos de tomar em conta os argumentos contrários
3
13. Utilizamos um raciocínio ilógico
14. Somos simplistas em questões complexas
15. Complicamos idas simples
16. Apresentamos ideias hipócritas
17. Temos falta de visão devido a ignorância ou informação inadequada
Então o Pensamento Crítico é a aplicação de padrões e critérios de avaliação de ideias,
argumentos práticos e teóricos. Procuramos opções, ou alternativas diferentes para
reformular esses argumentos de forma a convencer outros, ou de modo a nos proteger da
tentativa de manipulação mental por parte de outros.
Quando se considera uma opção, examinamos o que pode ser dito a favor e contra e depois
comparáramos os resultados com outras opções possíveis.
Uma pessoa que pensa criticamente tem a capacidade de avaliar com justiça não só as suas
próprias crenças, opiniões e pontos de vista mas também, as crenças e pontos de vista que
são opostos aos seus explorando a sua adequacia e coesão e, se são ou não razoáveis
quando comparados com os seus próprios pontos de vista.
A lista seguinte descreve características dum bom pensador crítico
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Curioso, inquisitivo
Bem informado e diligente na procura de informação
Convicção no poder da razão
Mente aberta
Flexível
Justo na avaliação
Honesto no reconhecimento de tendências pessoais e subjectividade
Prudente a fazer julgamentos precipitados
Com tendência para reconsiderar
Organizado na abordagem de matérias complexas
Nós não nascemos a saber pensar analítica ou criticamente. Esta é uma arte que tem que ser
aprendida, treinada e cultivada porque o nosso cérebro está organizado de forma a acreditar
naquilo que nos é dito por pessoas que respeitamos. Dentro da população humana existe
uma variação relativamente à força das nossas crenças e propensão para aceitar ou rejeitar a
informação que nos chega. Num extremo temos pessoas muito incrédulas que acreditam em
tudo o que se lhe diz, por outro temos pessoas muito cépticas que não acreditam em nada.
Mas a credulidade extrema é mais frequente do que o cepticismo extremo, porque o
cepticismo é algo que é aprendido. Demasiada credulidade ou cepticismo travam a nossa
capacidade de adquirir conhecimento. Perante toda a informação com que somos
bombardeados diariamente nos meios de comunicação e internet, torna-se difícil decidir em
quem acreditar. Algumas pessoas cansadas de tanta confusão podem decidir nunca acreditar
em nada. Esta atitude também não é produtiva, pois inibe as pessoas de tomar decisões
sobre as opções apresentadas. Para sair deste impasse é preciso aprender a filtrar essa
informação com as ferramentas intelectuais providenciadas pelo pensamento crítico. Pensar
crítica mente é aprender a pensar independentemente e não deixar que outros tomem
decisões que nos afectam pessoalmente. Se deixar que os outros pensem por si, não pode se
queixar do resultado!
O pensamento crítico é uma ferramenta que pode ser usada em quase todas as situações da
vida que afectam decisões pessoais, relações pessoais a profissionais, promoção de ideias
do seguinte modo:
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Identificando o foco preciso do argumento
Avaliando o tipo de raciocínio dedicado a suportar uma proposição
Avaliando a credibilidade da evidência
Avaliando a credibilidade das fontes
Produzindo argumentos claros, bem construídos e fortes
A prática do pensamento crítico ajuda no seguinte
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Separar bons argumentos da retórica
Avaliação de dilemas quando presentes
Entender a fonte de discordância
Resolução de conflitos
1.1. Argumentos versus retórica
No contexto do pensamento crítico um argumento consiste num conjunto de proposições, ou
premissas, que levam a uma conclusão. Um argumento é uma forma de expressão que tem
em vista persuadir de que a conclusão é verdadeira. Este é um exemplo dum argumento;
(P1) Todos os filósofos são humanos
(P2) Aristóteles era filósofo
(C) Logo Aristóteles era humano
P1 e P2 descrevem as premissas e C a
conclusão. Cada premissa e a conclusão são
preposições que podem ser verdadeiras ou
falsas.
Neste caso todas as premissas são verdadeiras, logo a conclusão também é verdadeira.
Mais adiante, no capítulo sobre lógica formal, iremos falar em detalhe do assunto que trata da
forma dos argumentos, mas foi necessário apresentar aqui a definição geral de argumento
para o podermos distinguir de retórica.
A retórica refere-se à arte de falar e convencer os outros e não tem que tomar em
consideração a verdade das premissas. É uma arte cultivada por políticos e líderes religiosos.
Um discurso retórico usa expressões exageradas, colocações de voz numa forma emocional
e preocupa-se apenas com o estilo ou efeito do discurso. Retórica é a arte de influenciar uma
audiência através do uso efectivo da linguagem, e tem pouca preocupação com o rigor ou
consistência do argumento.
Um argumento também tem como objectivo convencer os outros, mas tem uma estrutura
onde se pode identificar várias premissas e uma conclusão. Por vezes esta conclusão pode
funcionar como uma premissa para o argumento seguinte.
As ferramentas do pensamento crítico protegem-nos contra a manipulação mental que é
proposta pelo uso da retórica.
1.2. Avaliação de dilemas
O pensamento crítico ajuda na avaliação de dilemas. Um dilema é um problema que oferece
duas possibilidades, nenhuma das quais é aceitável ou ambas são desejáveis. A palavra
dilema deriva da palavra grega que significa cornos donde deriva a expressão “estar nos
cornos dum dilema”. Outras expressões equivalentes e usadas em literatura ou na linguagem
coloquial são por exemplo; “estar entre uma pedra e um lugar duro”, ou estar entre a espada
e a parede simbolizando uma escolha entre duas opções difíceis.
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1.3. Identificação das fontes de discordância
A discordância pode ter origem em vários factores, por exemplo
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Qual é o significado ou definição dum conceito ou palavra usada no argumento
O conhecimento dos factos. O conhecimento é completo ou incompleto? A fonte de
informação é credível ou não?
Experiências pessoais. Uma pessoa que nunca passou privações pode não entender
porque algumas pessoas sofrem de fome.
Visões e percepções do mundo que nos rodeia. Alguns podem achar que vivemos
num mundo cão de competição selvagem, enquanto outros podem achar que vivemos
num mundo de cooperação. Esta percepção depende muito do tipo de sociedade em
que um individuo vive.
Ilogicalidade. Muita gente cria argumentos com conclusões que não seguem, nem se
relacionam de qualquer modo com as premissas.
Conceitos do que é certo e errado, bom ou mau. Variação dos conceitos morais de
cada individuo. Enquanto que para alguns apedrejar mulheres até à morte é correcto,
para outros é aceitável, se não obrigatório.
Antes de começar a construir um contraargumento, é necessário identificar quais
os nossos pontos de discordância e
focar nesses pontos durante a
discussão. Por exemplo, se você
discorda de alguém que defende as
touradas, não importa se essa pessoa é
gorda ou tem um automóvel com
mudanças automáticas, ou se é primo da
sobrinha do presidente da associação de
empresários. Tudo isto são factores
irrelevantes que não têm qualquer peso
na sua contra-argumentação.
Concentre-se no argumento e não na
pessoa.
1.4. Resolução de conflitos
Compreender a fonte do conflito é o primeiro passo para abordar a sua resolução. Muitas
vezes os conflitos entre duas partes surgem devido a
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Mal-entendidos sobre o que se quer dizer e confusão com criticismo
Exagero na avaliação das nossas capacidades de raciocínio
Falta de método, estratégia ou prática
Relutância de criticar os peritos
Razões afectivas
Confundir informação com compreensão
Foco insuficiente e pouca atenção ao detalhe
Sistema de crenças
Contradições
Erro na identificação da causa
Confundir causa com consequência
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1.5. A importância do método em pensamento crítico
Já vimos que criticar um argumento consiste na utilização de um método que se baseia em
três estágios da avaliação:
•
•
•
Identificação
Construção, desconstrução e reconstrução
Análise
Note que criticar um argumento não é o mesmo que criticismo da pessoa que o apresenta.
1.5.1.Identificação
O processo de identificação consiste em reconhecer o assunto sobre o qual o argumento
foca. Por exemplo, um cidadão apresentou queixa à polícia sobre maus-tratos a um animal.
Com a queixa apresentou evidência fotográfica do estado negligenciado do animal assim
como identificação que permitia conhecer o dono. O polícia desinteressado no caso
respondeu mais tarde que o animal tinha morrido e estava o caso encerrado.
O cidadão, que sabia pensar crítica mente ripostou e fez notar ao polícia que o argumento
não incide sobre o animal, mas sim sobre o individuo que infringiu os maus-tratos. Mesmo
que animal tivesse morrido, isso não iria afectar o foco do argumento. O caso não está
fechado, porque o agente do acto cruel continua livre de punição.
Quando criamos um argumento devemos concentrar-nos num caso de cada vez de forma a
obter uma conclusão por argumento. No final podemos utilizar cada uma dessas conclusões
como premissas dum novo argumento.
1.5.2. Construção, desconstrução e reconstrução
Quando identificamos um assunto de nosso interesse, passamos á construção do argumento,
identificando quais são as premissas e se elas de facto suportam a conclusão que
pretendemos defender. Convém que a seguir se analise o nosso argumento procurando todas
as armadilhas que o podem tornar fraco e facilmente deitado abaixo pelos nossos oponentes.
Assim deveremos proceder a um processo minucioso de desconstrução. Por exemplo retire
uma ou duas premissas e verifique se vai alterar em algo a sua conclusão. Se não alterou
então é porque essa premissa era irrelevante. De seguida reconstrua o seu argumento e
teste-o de novo. Faça este processo tantas vezes quanto as necessárias para identificar
possíveis elos fracos por onde o argumento possa quebrar.
1.5.3. Análise
O processo de análise é complexo e requer atenção a vários detalhes. Para além de verificar
se o argumento é logicamente válido, é também necessário testar a direcção da causalidade,
se as condições são necessárias ou suficientes, se as premissas são verdadeiras, se os
pressupostos que integram as premissas são plausíveis, etc. Estes detalhes serão discutidos
minuciosamente nos capítulos que se seguem.
7
A Associação Filosófica Americana descreve que os elementos centrais do pensamento
crítico são:
Interpretação
Compreender e expressar o significado do argumento
Análise
Identificar a intenção e as relações de inferência sugeridas
pelo argumento
Avaliação
Avaliar a força lógica do argumento
Inferência
Determinar se as conclusões do argumento são razoáveis
Explicação
Expressar o resultado e justificar o tipo de raciocínio
utilizado
Auto-regulação
Auto monitorização das nossas próprias capacidades
cognitivas. Estar consciente de que não fazemos uso de
preconceitos ou premissas tendenciosas.
8
Capítulo 2: O CONCEITO DE ARGUMENTO
No capítulo 1 apresentou-se brevemente o conceito de argumento. Neste capítulo discutimos
o conceito e argumento em detalhe.
Quando apresentamos um argumento, estamos a usar uma forma de raciocínio. Assim é
importante antes de mais compreender o significado da palavra “argumento”.
Quando eu digo “ eu sou vegetariana” não estou a apresentar um argumento. É simplesmente
a constatação dum facto. Mas se me perguntarem porquê, eu tento dar uma explicação
baseada em várias premissas que levam à conclusão por que eu escolhi essa opção.
Posso dizer que os animais sofrem graves abusos ao seu bem-estar durante o processo de
criação, transporte abate, etc. Mas esta afirmação não é suficiente para criar um argumento,
faltam aqui algumas premissas que estão implícitas no meu raciocínio. O meu interlocutor
poderia dizer, “sim eles sofrem, e então, por que razão isso a impede de comer carne?” Falta
dizer que submeter os animais a regimes cruéis é moralmente inaceitável”. Então o
argumento teria a seguinte forma:
P1: Animais têm a capacidade de sofrer
P2: Infringir crueldade nos animais, leva ao seu sofrimento
P3: Os métodos de produção industrial de animais são cruéis
P4: Induzir sofrimento nos animais é moralmente inaceitável
P5: Eu não quero praticar comportamentos moralmente inaceitáveis
C: Logo eu não como carne
Um argumento é uma forma de justificar uma opinião, ou uma tentativa de convencer o outro
dos meus pontos de vista duma forma que segue um padrão de raciocínio claro. Neste
exemplo o argumento tem cinco premissas (ou razões) e uma conclusão. Note que a
premissa 5 é muito importante. Tudo o que foi dito até à premissa 4 pode ser verdade mas
não induz a pessoa que expressa essas premissas a adoptar um determinado
comportamento. A premissa 5 é a que explica o comportamento de ser vegetariano sob um
ponto de vista moral, já que a adopção de um modo de vida vegetariano é frequentemente um
conceito moral. Muitas outras pessoas concordariam com as premissas de 1 a 4, mas
continuam a comer carne. Para essas pessoas a premissa 5 seria algo como isto: “P5: Todas
essas razões apresentadas não afectam as minhas escolhas” e isso levaria à conclusão “ Por
isso como carne”.
A afirmação “eu sou vegetariana” poderia ser conclusão dum argumento totalmente diferente.
Por exemplo o vegetarianismo pode ser obrigatório por questões de religião, como no caso do
Hinduísmo, ou prescrito por um médico por questões de saúde.
2.1. Argumentos implícitos e explícitos
Muitas vezes, mal entendidos podem surgir do facto de que quando alguém apresenta um
argumento, ele assume que os outros compartilham das mesmas convicções, crenças ou
experiências e por isso deixam muitas premissas subentendidas. Estas premissas não
declaradas claramente no argumento chamam-se premissas implícitas. Tais premissas criam
argumentos implícitos que são muito frequentes quando existem padrões sociais e crenças
comuns entre pessoas que nasceram e se formaram dentro na mesma cultura. Por exemplo,
9
imagine que Isaac acabou de conhecer João numa festa que fica indignado porque o filho de
João não é circuncisado. De facto, João era o único Cristão numa festa de Barmithzva. Esta é
uma celebração da entrada na puberdade na cultura Judaica. Isaac, o interlocutor de João,
cometeu o erro de assumir que João partilhava dos mesmos valores porque se conheceram
dentro do contexto duma celebração Judaica.
Ana entrou num bar no dia da festa da aldeia onde iria ocorrer uma garraiada. Os clientes do
bar oferecem-lhe uma bebida para celebrar a matança do touro. Ana fica indignada e ofendida
pois ela abraça uma filosofia contra a crueldade e responde que “ tortura não é cultura”. Os
outros ficam a olhar para ela como se ela tivesse acabado de vir do planeta Marte. Dentro
deste contexto, um bar cheio de aficionados, ninguém espera que se encontre alguém que
seja contra a prática. Eles cometeram o erro de que ela pensaria da mesma forma.
O contexto no qual se produzem argumentos influencia a necessidade de declarar as
premissas ou não. Um argumento em que as premissas são todas apresentadas claramente é
explícito. No caso de haver premissas subentendidas e não expressas abertamente, o
argumento é implícito.
Argumentos explícito
Argumentos implícitos
Quando as premissas que levam à
conclusão são todas declaradas
Quando as premissas que levam à
conclusão são sub-entendidas
2.2. Porque alguém usaria argumentos implícitos?
Existem muitas formas de produzir argumentos implícitos. De facto, existem situações onde
um argumento implícito se pode tornar mais convincente porque leva a audiência a pensar
que eles próprios chegaram à conclusão pretendida pelo orador. Os argumentos implícitos
são usados em situações como
•
•
•
•
•
publicidade que usa persuasão a um nível subconsciente.
persuadir alguém a fazer aquilo que não quer, por exemplo a matar.
indotrinação, ou colocar uma ideia na mente doutro sem dar a impressão de que está
tentando convencê-lo.
criar uma impressão de que se está em circunstâncias ameaçadoras, quando na
realidade não existe tal perigo.
sugerir consequências de uma forma sugestiva, sem o dizer abertamente de forma a
levar uma audiência a pensar que eles chegaram a essa conclusão por eles próprios.
Assim é importante sumarizar os seguintes pontos sobre argumentos:
1. Um argumento é um conjunto de várias proposições conhecidas como premissas, ou
justificações que levam a uma conclusão
2. Um argumento tenta persuadir sobre a verdade ou validade da conclusão, que também é
uma proposição.
3. Apenas as preposições podem ser classificadas como verdadeiras ou falsas.
4. Um argumento é classificado como válido ou inválido, forte ou fraco, convincente ou não,
mas NUNCA como verdadeiro ou falso.
5. Não se deve confundir a conclusão do argumento (que é uma proposição e pode ser
verdadeira ou falsa), com o argumento em si.
6. O argumento é o processo pelo qual se chaga a essa conclusão. O processo pode ser
bom ou mau mas nunca verdadeiro ou falso.
10
2.3. Como identificar um argumento
Como podemos identificar se alguém está a apresentar um argumento ou simplesmente a
expressar algo que não é um argumento? Basta estar atento às palavras usadas na conversa.
Existem palavras específicas que identificam quando se trata dum argumento. Essas palavras
chamam-se indicadores e dividem-se em duas classes:
•
•
Indicadores de raciocínio: mostram que o que estamos a descrever e a apresentar
razões para suportar aquilo que ele clama.
Indicadores de conclusão: identificam o ponto do argumento
Nem sempre a conclusão dum argumento aparece no fim. Por vezes surge no início do
argumento seguida de todas as razões oferecidas para suportar tal conclusão. A tabela
abaixo mostra alguns exemplos de indicadores
Indicadores de Conclusão
Por isso...
Por esta razão…
Deste modo...
Assim...
Então...
Consequentemente...
O que prova que...
Donde se pode inferir que...
Demonstra que...
Indicadores de Raciocínio
Porque...
Por causa de…
Já que...
Por...
Donde segue que...
As razões são...
Primeiramente,...depois...
Este argumento sobre o abate de gado pode ser apresentado de modos diferentes.
Razão
Conclusão
Indicadores de Conclusão
Identificamos que o gado estava
infectado com tuberculose e
por isso o rebanho teve que ser
todo abatido
Indicadores de Raciocínio
O rebanho dessa área foi abatido
por causa do surto de tuberculose
Conclusão
Razão
Mas note que nem sempre estamos a lidar com um argumento: Veja a diferença entre estas
frases:
(1) Sou alto e sou bom em basketball =Sou bom em basketball e sou alto (2)
(3) Sou alto, por isso sou bom em basketball ≠ Sou bom em basketball, logo sou alto (4)
As frases (1) e (2) são apenas uma constatação dum facto. O orador apresenta duas das
suas qualidades de formas alternativas. Não está a fazer um argumento, está simplesmente a
fazer uma descrição de dois atributos.
As frases (3) e (4) já constituem um argumento porque apresentam indicadores de conclusão
e não são equivalentes. O facto de se ser alto não implica destreza em basketball, nem essa
destreza induz o crescimento. É um atributo da maioria das pessoas que jogam basketeball
porque foram seleccionadas dentro dum grupo de pessoas altas, mas isso não invalida que
pessoas baixas não sejam também boas jogadoras.
11
Argumento e Opinião
Muita gente tem dificuldade em perceber a diferença entre um argumento e uma opinião
usando ambos os termos de forma equivalente. Uma opinião é a expressão duma crença
subjectiva ou a tomada de posição sobre um determinado assunto. Nem sempre a opinião
assenta em premissas verdadeiras. O mais provável é que uma pessoa formule uma opinião
sobre um assunto levada por motivos emocionais ou pressão social, e só depois a tenta
racionalizar utilizando os princípios de formulação de argumentos. Uma opinião geralmente
começa com as palavras “ eu acho que…”, “ eu penso que…”. Eu posso ter uma opinião
sobre um determinado país, os métodos de produção animal, ou o uso de engenharia
genética na agricultura, mas quando sou questionada sobre essa opinião, eu tento formular
um argumento cuja conclusão me leva a essa opinião. Durante o processo de raciocínio eu
posso eventualmente concluir que a minha opinião não era correcta e posso modificá-la. Esta
capacidade para alterar a nossa opinião após a sua análise racional, é uma das qualidades
dum bom pensador crítico.
2.4. Afirmações / Declarações
Sem afirmações não podemos construir um argumento. Uma afirmação é definida como uma
estrutura frásica que só pode ser verdadeira ou falsa. Aqui usamos as palavras “afirmação” ou
“proposição” como equivalentes.
No contexto do pensamento crítico as afirmações têm várias funções. Podem servir como
razões para suportar uma conclusão ou assumir pressupostos. De acordo com a sua função
as afirmações podem classificar-se em frases do tipo descritivo ou prescritivo.
Afirmações descritivas
Afirmações prescritivas ou normativas
São aquelas que simplesmente descrevem
factos, eventos, como o mundo é, foi ou
será.
São aquelas que sugerem o que se deve
fazer. Funcionam como normas que
também podem ser questionadas. Por
exemplo “ não deves fumar” é uma
afirmação prescritiva pois sugere um curso
de acção, mas a informação carregada
pela afirmação, o seu ou conteúdo também
pode ser questionado e avaliado se é
verdeiro ou falso. Do mesmo modo as
razões, premissas e conclusões formadas
deste
modo
também se
chamam
prescritivas.
Por exemplo “ Paris é a capital da França” e
“os gatos têm asas pretas”, são afirmações
descritivas, onde a primeira é verdadeira e a
segunda, falsa. Daqui segue que todas as
razões, premissas e conclusões formadas
deste modo também são simplesmente
descritivas.
2.5. O hiato ser/deve ser
O filósofo escocês David Hume foi o primeiro a notar que muitos filósofos faziam afirmações
do tipo “deve ser isto ou aquilo” como conclusão de raciocínios fundamentados
exclusivamente em afirmações descritivas. Note que aqui o verbo dever ser refere-se a uma
obrigação moral e não a uma probabilidade.
Hume afirmou que existe uma diferença grande entre aquilo que deve ser e aquilo que é. Isto
é o mesmo que dizer que não se podem obter conclusões morais ou de dever
12
(prescritiva/normativa) a partir de premissas puramente descritivas. Assim podemos identificar
dois sistemas onde um se baseia em factos e outro em valores:
Empírico ou Descritivo
Aquilo que é
Factos
Objectividade
Descrição de eventos
Ciência
Verdadeiro ou Falso
David Hume
1711-1776
Moral ou Normativo
Aquilo que deveria ser
Valores
Subjectividade
Normas sugeridas
Arte
Bom ou Mau
Lei de Hume
Em todo sistema de moral que até hoje encontrei, sempre notei que o autor
segue durante algum tempo o modo comum de raciocinar, estabelecendo a
existência de Deus, ou fazendo observações a respeito dos assuntos
humanos, quando, de repente, surpreendo-me ao ver que, em vez das
cópulas proposicionais usuais, como é e não é, não encontro uma só
proposição que não esteja ligada a outra por um deve ou não deve. Essa
mudança é imperceptível, porém da maior importância. Pois como esse
deve ou não deve expressa uma nova relação ou afirmação, esta precisaria
ser notada e explicada; ao mesmo tempo, seria preciso que se desse uma
razão para algo que parece totalmente inconcebível, ou seja, como essa
nova relação pode ser deduzida de outras inteiramente diferentes.
HUME, David. Tratado da Natureza Humana. Tradução de Débora Danowiski. Livro III, Parte I, Seção II. São
Paulo, Editora UNESP, 2000, p. 509
Regra: Não é logicamente correcto derivar uma conclusão prescritiva ou normativa de
premissas descritivas. Para a conclusão ser normativa deve existir pelo menos uma razão
normativa (ou prescritiva) que faz a ligação com as premissas descritivas.
Exemplo1:
P1: Espetar bandarilhas num touro é crueldade (afirmação descritiva)
C: Logo não deves espetar bandarilhas num touro (afirmação prescritiva)
Este argumento precisa duma premissa normativa para se poder derivar uma conclusão
normativa.
Exemplo2:
P1: Espetar bandarilhas num touro é crueldade (afirmação descritiva)
P2: A crueldade é moralmente errada (afirmação prescritiva)
C: Logo não deves espetar bandarilhas num touro (afirmação prescritiva)
Neste caso a premissa 2 indica uma norma ou prescrição moral donde se pode derivar uma
conclusão normativa ou um julgamento moral.
2.6. O Conceito de pressuposto
A estrutura e as palavras existentes numa língua condicionam aquilo que pensamos e o modo
como pensamos. Em linguagem comum, usamos palavras que podem parecer equivalentes,
mas existem pequenas diferenças quando começamos a pensar bem sobre o seu verdadeiro
significado e origem.
Até aqui temos estado a utilizar várias palavras como se significassem o mesmo. Por exemplo
as palavras proposição, oração gramatical, premissa e justificação têm sido usadas
13
indistintamente no contexto dum argumento, mas numa análise mais detalhada poderemos
identificar que nem sempre uma proposição é uma justificação. Por exemplo, “Este gato é
preto”, é uma afirmação que só pode ser verdadeira ou falsa. Ou é preto ou não é. Mas eu
posso usar essa proposição para justificar porque que é que algumas pessoas têm
preconceitos em relação a gatos pretos, já que elas acreditam que gatos pretos cruzando o
seu caminho dão azar ou sorte, dependendo do contexto cultural. No âmbito do argumento é
necessário clarificar certas palavras que a priori parecem significar o mesmo mas na
realidade têm pequenas diferenças.
•
•
•
•
•
Assumir que...
Pressuposto
Presunção
Preconcebido...
Preconceito...
Nota: Em inglês as diferenças entre estas palavras são ainda mais pronunciadas e a utilização errónea
dessas palavras pode modificar por completo o sentido daquilo que se pretende argumentar.
Assumido
O assumido é algo que se pensa ser verdadeiro quando não se tem toda a
informação relevante, mas estamos convencidos que a temos.
A proposição assumida relaciona-se com um sistema de crenças que é necessário
para o argumento fazer sentido. Por exemplo a frase “Deus castiga os pecadores”
assume a existência de Deus, mas esta existência apenas faz sentido num sistema
de crenças onde se acredita na existência de Deus. Essa frase não tem valor num
sistema de crenças ateu ou agnóstico.
Pressuposto
Um pressuposto é algo que se aceita de antemão e tacticamente no início duma
linha de argumentação. Não precisa de ser verdadeiro ou falso, pode ser usado
apenas para exemplificar um ponto específico. Por exemplo, vamos pressupor que
se o seu gato falasse o que diria ele sobre a sua higiene pessoal?
Suposição
A suposição é algo que se pensa ser verdadeiro antes de obter factos ou evidência
sobre a matéria. Por exemplo, os “Mahori são todos gordos.” Quantos Mahori você
conhece?
Preconcebido
Um preconcebido é uma ideia ou conceito formado antes de se ter adquirido
qualquer conhecimento ou experiência sobre um assunto particular. Geralmente
uma ideia preconcebida demonstra uma atitude tendenciosa e enviesada. Na sua
forma mais negativa leva à formação de preconceitos.
Preconceito
Preconceito é uma opinião pré-concebida que não é baseada em razão ou
experiência e levado ao seu extremo pode ter efeitos negativos ou nefastos
podendo causar danos.
Afirmações
Pressupostos
Conclusões
Argumentos
Descritivos
Afimações que dizem como o
mundo é ou será. Apresenta factos
Exemplo: Paris é a capital da
França.
Prescritivos
Afimações que dizem como o
mundo deveria ser. Sugere regras
Exemplo:Deves seguir o conselho
do médico.
Estes argumentos necessitam de
evidência
para
suportar
conclusões descritivas.
Estes argumentos necessitam de
evidência para suportar uma
permissas descritivas.
14
Capítulo 3: A ESTRUTURA DO ARGUMENTO
•
•
•
•
Simples
Em forma de T
Em forma de V
Complexos
3.1. Argumentos simples
Argumentos simples têm a seguinte forma: Premissa Conclusão
P
P: Quando o Pedro desistiu de tocar, ele deu a sua guitarra ao irmão
C
C: Por isso o Pedro não pode emprestar a sua guitarra ao Tiago
Analisemos a seguinte afirmação: “Zé não pode ser um pai nem avô porque esta pessoa não
é não é homem. De facto é uma mulher chamada Maria José” Como colocar esta frase na
forma padrão?
P
P: Zé não pode ser um pai porque não é homem
C
C: Logo Zé não pode ser avô
Mas, se bem que os argumentos simples possam parecer evidentes, existem alguns casos
que podem levar a confusão. Veja por exemplo estas frases:
(1) Eu dou aulas porque sou professor
(2) Porque sou professor, eu dou aulas
(3) Eu dou aulas, logo sou professor
De facto (1) e (2) são equivalentes, mas (3) é diferente. Ao colocarmos estes argumentos na
forma padrão é fácil de ver porquê.
Argumento 1 = Argumento 2
Argumento 3
P
Eu sou professor
Eu dou aulas
C
Logo eu dou aulas
Logo eu sou professor
O estatuto de ser Professor implica
que ele dê aulas
O facto de que ele dá aulas, não significa
necessariamente que ele seja professor. Ele
poderia ser apenas um ajudante ou um tutor.
15
3.2. Argumentos em forma de T
Argumentos onde as premissas são ligadas pela proposição “e”
Ambas as premissas funcionam em conjunto e ambas devem ser
verdadeiras para que possam dar suporte à conclusão. Se uma premissa for
falsa o argumento torna-se muito fraco.
Vamos escrever o seguinte argumento na forma padrão: “A nossa equipa não pode ganhar no
sábado porque não somos bons e vamos todos à praia no sábado.“
P1: A nossa equipa não é boa
P:2 Toda a equipa vai à praia no sábado
C: Logo a nossa equipa não joga no sábado
“Qualquer pessoa deficiente conhece a angústia da rejeição quando procura trabalho.”
P1: Qualquer pessoa deficiente conhece a angústia da rejeição
P2: A Joana é deficiente
P3: A Joana está à procura de trabalho
C: Logo a Joana conhece a angústia da rejeição.
3.3. Argumentos em forma de V
Cada premissa dá suporte independente para a conclusão. Se uma das
premissas é falsa, a outra pode ainda oferecer suporte.
Nos argumentos em forma de V as premissas estão ligadas pela proposição
“ou”
“Ou o Pedro é um anjinho ou a Maria é uma exploradora porque ela acabou gastando todo o
dinheiro dele.
P1: O Pedro é um anjinho
P2: A Maria é uma exploradora
C: A Maria acabou com todo o dinheiro do Pedro
A Fran tem sucesso na sua carreira
A Fran tem muito suporte no seu casamento
A Fran teve uma infância segura e estável
Logo a Fran é uma pessoa feliz
Se
alguma
destas
premissas for falsa, a
conclusão ainda pode ser
verdadeira com suporte
das outras premissas.
A distinção entre argumentos em T e argumentos em V é importante porque cada argumento
representa formas diferente de combinar as premissas.
16
Argumentos em T
Argumentos em V
Copulação das premissas
Ramificação das premissas
As premissas funcionam juntas, e
ambas devem ser verdadeiras para
fornecer suporte para a conclusão.
Se uma premissa é falsa, o
argumento é fraco.
Cada
premissa
fornece
suporte
independente para a conclusão. Se uma
premissa é falsa, a outra ainda pode
prestar apoio.
3.4. Argumentos complexos
O grau de complexidade pode aumentar se as premissas ou razões (R) apresentadas para o
argumento são mais do que simples afirmações ou negações. Argumentos complexos podem
apresentar um misto de premissas que envolvem explicações (Ex), evidência (Ev),
conclusões intermédias (IC) e razões (R). As combinações de argumentos em T e V são
argumentos complexos.
Argumento 1: Argumento V + T
Argumento 3:
Argumento 2: Este argumento apresenta
uma conclusão intermediária que serve
como premissa para o argumento seguinte.
Argumento 4:
17
Vejamos um exemplo dum argumento complexo;
“As Universidades podem se expandir só porque estão baixando o nível de requerimentos
padrão deixando entrar os estudantes que são menos aptos.”
Esta frase representa a conclusão dum argumento complexo que nos leva a crer que a única
razão porque as universidades estão se expandido é porque abaixaram o nível de requisitos
para a entrada de novos estudantes. Mas este argumento pode ser contestado. O exemplo
seguinte mostra a estrutura do contra-argumento que assume outras premissas que podem
explicar a expansão das universidades.
18
Capítulo 4: PENSAMENTO E RACIOCÍNIO
Toda a gente pensa!... Adultos, crianças e animais pensam. Mas o que significa pensar?
Existe uma diferença qualitativa entre os actos de pensar, sentir, querer ou desejar.
Pensar é a actividade da mente que tenta fazer sentido dos acontecimentos da vida. O acto
de pensar gera ideias, procura entender relações causais e sociais, avalia o que se está a
passar segundo a informação que é incutida no nosso cérebro através dos nossos órgãos dos
sentidos. Pensar é fazer sentido do mundo através dos seguintes processos:
•
•
•
•
•
•
•
Avaliação (julgamento)
Percepção
Análise
Clarificação
Determinação
Comparação
Síntese
Sentir é algo que surge sem esforço mental. Nós processamos sensações algo quando
recebemos informação através dos nossos sentidos. Sentimos felicidade num dia cheio de
sol, na beleza duma paisagem, ou tristeza na perda de um ente querido. Os sentimentos
dizem-nos como estamos; felizes, tristes, deprimidos, ansiosos, calmos, excitados, etc.
Podemos pensar sobre os nossos sentimentos e tentar escondê-los ou exteriorizá-los, mas
não podemos controlar o que estamos a sentir. No entanto com prática e repetição a
aplicação de pensamentos positivos (ou negativos) pode influenciar a forma como
controlamos os nossos sentimentos. Por exemplo eu sofria muito de aracnofobia, mas tendo
que trabalhar durante o meu Doutoramento com um orientador que fazia investigação em
aranhas, eu tinha que visitar o seu laboratório frequentemente, e tive que por força de
racionalização dos meus medos aprender a controlar a minha fobia de aranhas. Hoje ainda
me arrepiam, mas já não fico histérica quando vejo uma. O meu teste final foi na Austrália
quando vi que estava uma tarântula calmamente a descansar sobre a porta da cabana onde
me acomodei. Aí saltei para cima da cama e pedi ao meu marido para enxotar o bicho para a
rua. Nessa noite não dormi não fosse outra tarântula decidir fazer uma investigação dos meus
cabelos. Depois dessa experiência, olhar para as tarântulas a uma distância segura de 2
metros na minha viagem ao Amazonas, já não me assustou tanto. Na verdade estando dentro
duma canoa, no rio Amazonas infestado de jacarés e piranhas, eu não tinha muitas opções
por onde escapar. Entre saltar para a árvore onde estava a tarântula ou para a água, a opção
foi mesmo ficar na canoa e usar a força do raciocínio para controlar o medo. O sentimento do
medo continua lá, mas a força do pensamento através de racionalização ajudou a controlar a
histeria.
De acordo com alguns psicólogos querer ou desejar não é necessariamente um acto de
pensamento mas antes um estado mental que quando emerge na nossa consciência se pode
transformar em pensamento. Por exemplo um organismo viciado no tabaco pode estar a
desejar fumar um cigarro, mas quando esse estado mental de desejo emerge para a nossa
consciência, os lobos pré-frontais do neocortex cerebral fazem um julgamento relativamente à
acção de acender um cigarro ou não. Aqui a força do pensamento é importante para evitar ou
promover a acção. Mesmo que a acção de fumar seja evitada e censurada pelo pensamento,
19
o desejo poderá continuar. O pensamento difere do sentimento e desejo porque o primeiro é
processado no domínio do nosso consciente. Sentimentos e desejos podem eventualmente
ser modificados por acção consciente do pensamento. Esta acção requer energia. Os
sentimentos e desejos têm uma origem mais profunda no nosso cérebro, no sistema afectivo
ou límbico. As várias formas de pensar podem classificar-se do seguinte modo:
Tipos de pensamento
Estático
Dinâmico
Criativo
Crítico
Processual
Dogmático
O pensamento criativo é marcado pela produção de ideias práticas ou teóricas susceptíveis à
crítica. O pensamento criativo não é crítico, por exemplo a criação de histórias de superheróis que voam no espaço, ou fadas que fazem milagres não inclui uma análise crítica do
que é possível ou verdadeiro.
O pensamento crítico serve para reconhecer e apreciar as diferenças de contexto e
complexidade, sempre pronto para rejeitar conclusões prévias e abraçar conclusões mais
adequadas.
O pensamento estático não é influenciado pela variedade de resultados que derivam da sua
análise. Exemplos de pensamento estático são a aplicação de protocolos como por exemplo
num laboratório de análise de qualidade da água ou seguir a receita para fazer um bolo. Este
é um pensamento que segue um processo determinado e provado. Pode haver certa variação
nestes procedimentos, mas cada receita é estática. Para conduzir um carro existem vários
procedimentos que se devem seguir sem discussão. Primeiro deve ligar o motor, depois
destravar o carro e colocar a mudança, e só então em movimento tem alguma utilidade rodar
o volante para contornar a curva. Sem iniciar o motor todos os procedimentos subsequentes
não têm qualquer propósito e certamente não vai virar na curva com o carro parado.
O pensamento dogmático é caracterizado por uma aderência firme e cega a um credo ou um
conjunto de instruções. Este é o tipo de pensamento que caracteriza cultos religiosos ou
ditaduras políticas.
4.1. A diferença entre pensar e raciocinar
Note que existe uma diferença entre pensar e raciocinar. Nós podemos pensar o que nos
apetecer mas isso não é raciocinar. Os pensamentos podem surgir na nossa mente sem
fazermos qualquer esforço para os resgatar da nossa memória. Por outro lado, o raciocínio
envolve uma abordagem metodológica cuidada relativamente às afirmações que produzimos.
O raciocínio é um processo que nos ajuda a aceitar ou rejeitar afirmações feitas for nós
próprios ou pelos outros. Este processo analisa os passos pelos quais chegámos a essas
conclusões e alegações. Formas de pensamento que não envolvem raciocínio são por
exemplo:
20
Expressão de crenças (1)
Eu acho que João é um idiota.
Eu não acredito em física quântica.
O incesto é errado.
Eu acredito no Pai Natal.
Previsão (2)
O sol vai nascer amanhã.
O mundo vai acabar no dia 28 do mês que vem.
Avaliação da qualidade de
uma opção
O que achas sobre esta cor?
Não gosto de galinha com caril.
Criatividade
Vou pintar a minha casa de vermelho com florinhas azuis.
Memória
Que boas foram as nossas férias na Itália em 2001!...
(1)
(2)
Uma crença é aquilo que uma pessoa acredita ser verdadeiro
Uma previsão é uma forma de prever o futuro sem qualquer justificação.
4.2. Formas de raciocínio
Pensar criticamente é o mesmo que raciocinar e daqui em diante a palavra raciocínio será
utilizada como uma forma equivalente da expressão “pensamento crítico”. As pessoas
raciocinam de várias formas. Tentamos encontrar as causas, estabelecemos analogias,
criamos hipóteses, procuramos informação que confirma as nossas opiniões. Todas estas
formas de raciocínio se podem encontrar nos argumentos que formulamos. Se o raciocínio
seguir regras estritas, denomina-se raciocínio formal. Isto significa que existe uma forma
determinada de colocar as premissas a fim de obter uma conclusão. Toda a forma de
raciocínio que executamos no nosso dia-a-dia sem tomar em consideração a forma como se
organizaram as premissas chama-se raciocínio informal.
Nem sempre formulamos um argumento quando estamos a raciocinar. O argumento surge da
explicação ou justificação das conclusões a que chegámos durante o nosso raciocínio. Nem
sempre o acto de raciocinar exige a utilização de palavras, mas um argumento é sempre
expresso através da linguagem. Assim de acordo com o tipo de raciocínio utilizado os
argumentos classificam-se em argumentos dedutivos ou indutivos. Dentro de cada uma
destas classes de argumento (dedutivo ou indutivo), podemos aplicar vários tipos de
raciocínio.
As figuras que se seguem sumarizam de forma geral os tipos de argumentos e os métodos de
raciocínio utilizados na comunicação. Cada um destes será descrito e, pormenor nas secções
que se seguem.
Tipos de Argumentos
Dedutivo
Lógica Formal
Categórica
Proposicional
Silogismos
Indutivo
Formal
• Generalização
estatística
• Generalização
baseada na variação
• Probabilidade indutiva
• Silogismos Estatísticos
• Confirmação
21
Informal
Métodos de Raciocínio
Por dedução
Por indução
Por abdução
Causal
Por analogia
Por generalização
Hipotético
As premissas
suportam a
conclusão
mas não
asseguram
que é
verdadeira
A conclusão do
argumento é
verdadeira
quando segue
das premissas
apresentadas.
Oferece
explicações
através da
criação de
hipóteses
4.3. Pensamento rápido e lento: Sistema 1 e Sistema 2
O psicólogo Daniel Kahneman propõe dois tipos de sistemas de pensamento.
Sistema 1 Rápido
Sistema 2 Lento
Opera automaticamente e com rapidez
sem qualquer esforço ou controle
voluntário. Baseado em intuição e
instinto.
Direcciona a nossa atenção para actividades
mentais que requerem esfoço, incluindo
cálculos complexos.
O sistema 1 é aquele que nos protege nos perigos do ambiente. Por exemplo quando de
repente um cão se atravessa em frente do carro, o sistema 1 faz-nos pressionar os travões
sem sequer pensar no que está acontecendo. É uma reacção automática. Só depois de parar
nos apercebemos do perigo. Este sistema automático é o que nos permite fugir ou esconder
dum predador ou atirar uma flecha à presa. É aquele sistema que nos dá vontade de dar uma
estalada na cara daquela moça atraente que se insinua em frente dos olhares do nosso
namorado. O sistema 2 é aquele que nos protege do ridículo e nos prende a mão dentro do
bolso do casaco, analisando as consequências que poderiam advir de tal acto agressivo.
Provavelmente a moça estava a insinuar-se para uma outra pessoa, atrás do nosso
namorado.
O sistema 1 é susceptível a ilusões, enquanto que o sistema 2 foca na análise dessa
percepção determinando se é real ou não. O sistema 2 baseia-se em raciocínio e requer
energia mental. O sistema 1, sendo intuitivo está sujeito aos nossos preconceitos e
percepções enviesadas. O sistema 2 avalia essas tendências tentando analisar todos os
factores que contribuem para a formação das nossas opiniões que dependem da percepção
que temos de determinados factos ou eventos.
22
Capítulo 5: RACIOCÍNIO DEDUTIVO
Quem cresceu durante os anos 70 e gostava de ficção científica, deve lembrar-se da série
Star Trek, traduzida em Portugal como “O Caminho das Estrelas”. Nesta série a tripulação da
nave Enterprise enfrentava as mais diversas atribulações que desafiavam constantemente o
poder de decisão do Comandante Kirk. Para seu equilíbrio mental, sempre vinha o conselho
lógico de seu amigo Vulcano de orelhas pontiagudas. Mr. Spock deslumbrava-se com a
capacidade dos humanos deixarem as suas emoções atrapalhar um raciocínio que, de acordo
com ele, deveria ser puramente claro e analítico baseado na lógica pura.
Na série que se seguiu nos anos 80, o Mr. Spock foi substituído por Mr. Data, um homem
biónico sob as ordens do Capitão Jean-Luc Piccard. Frequentemente o Mr. Data ficava muito
intrigado com os comportamentos dos humanos porque, sendo um ser biónico, os seus
circuitos electrónicos estavam programados para tomar decisões, comunicar com os
humanos mas não lhe dava a capacidade de sentir as emoções que por vezes interferiam nas
decisões da tripulação humana.
Esta ideia de que as emoções confundem o raciocínio tem sido prevalente entre os filósofos
desde que Aristóteles, o primeiro filósofo a estabelecer as regras da lógica.
Os filósofos Descartes e Kant achavam que as emoções só atrapalhavam nas decisões
morais e fizeram grandes esforços para promover a ideia de que a moralidade era um acto
racional. Mas o ser humano é um animal e não um autómato, o nosso cérebro é feito de
matéria viva e orgânica e não é um computador feito de microchips e waffles de sílica. O
cérebro é antes de mais um órgão que avalia a informação que penetra os nossos sentidos.
Essa informação é apreciada pelo sistema que regula as nossa emoções (sistema límbico) e
só depois essa informação chega à consciência que decide qual a acção a ser adoptada
pesando os prós e contras, vantagens e consequências das possíveis decisões. Basicamente
o córtex frontal, tem um papel relevante na avaliação da informação que chega à nossa
consciência.
O raciocínio dedutivo é considerado como uma forma fria de pensar e puramente baseada em
lógica. Existem algumas formas de raciocínio dedutivo que são naturais e ocorrem em
cérebros de várias espécies animais, mas grande parte da complexidade deste tipo de
raciocínio é aprendida com a vivência e experiência, ou em cursos especializados em lógica.
O raciocínio dedutivo é também descrito como formal ou lógico. Neste contexto a palavra
formal deriva da palavra forma e refere-se à forma organizada como apresentamos as nossas
premissas para chegar a uma conclusão.
A lógica é uma abordagem que se preocupa com os padrões usados no raciocínio. Dizem os
filósofos que Aristóteles inventou a lógica, mas isso é um erro. O que Aristóteles fez foi
identificar as regras que regulam o processo que o nosso raciocínio usa para chegar a uma
conclusão.
Os especialistas da lógica usam uma linguagem específica para identificar a verdade duma
conclusão, mas no caso do raciocínio lógico-dedutivo a verdade duma proposição não se
refere ao mundo real, mas sim se a conclusão resulta das premissas apresentadas. Isto é; a
verdade duma premissa em lógica formal não corresponde necessariamente ao mundo real.
Eu posso dizer que todos os homens gordos que se vestem de vermelho são o Pai Natal, ou
que os gatos têm asas e usar esta premissa como sendo verdadeira num argumento
dedutivo.
A lógica dedutiva pode ainda ser dividida em duas classes que dependem de como se analisa
o argumento:
1. Lógica Categórica: focando nas categorias de objectos
2. Lógica Proposicional: focando na forma do argumento
23
Dentro da lógica categórica encontramos um tipo especial de dedução a que chamamos
silogismos.
5.1.Lógica Categórica
A lógica categórica baseia-se na análise de afirmações (ou negações) ou frases categóricas.
Isto é, identifica qual a categoria a que um objecto pertence e como esse objecto se relaciona
com outros.
As categorias fazem parte de conjuntos e os conjuntos estão dentro de universos. Este
assunto é geralmente introduzido na matemática como teoria dos conjuntos, mas também é
útil na análise das afirmações que fazemos diariamente na vida mundana.
Vejamos por exemplo o objecto “corvo”. É um objecto que faz parte do conjunto dos
“Corvídeos” que por sua vez se encontra dentro do Universo das “Aves”.
Do mesmo modo uma cadeira é um objecto que faz parte do conjunto definido como “os
móveis de sala” e está dentro do Universo “mobiliário geral de casa”. Existem no entanto
cadeiras que podem fazer parte do conjunto dos móveis do café da sua rua e se bem que não
sejam parte do conjunto dos móveis de casa, ainda podem ser consideradas como um
objecto dentro do universo dos móveis em geral.
Como dá para ver, aquilo que escolhemos para universo ou conjunto não está definido, mas
por vezes é necessário classificar o objecto de modo que a nossa audiência entenda qual o
enquadramento e o sentido que estamos a dar a esse objecto.
Por exemplo eu posso definir um mentiroso como um objecto do conjunto de pessoas que
fazem parte do universo dos políticos. Pode ou não ser verdade, mas é importante definir o
universo ou contexto do argumento para que ele seja compreensível. Quanto eu defino um
mentiroso como parte do universo dos políticos, não estou a afirmar que todos os políticos
são mentirosos, mas estou a dizer que existem elementos dentro do universo dos políticos
que são mentirosos.
Porque é que isto é importante? Porque frequentemente referimo-nos a um objecto como se
fosse um exemplo de todo o conjunto. Por exemplo, o que caracteriza o universo dos
pássaros é o facto ser animal e ter penas. Se eu encontro um animal com penas – o objecto então posso estar certa de que é um pássaro. Pertence a esse universo. Mas dentro desse
universo posso ter passarinhos pequenos e pássaros grandes, pássaros que voam e outros
que não voam, uns são carnívoros e outros granívoros. Tudo isto são conjuntos ou classes
dentro do universo dos pássaros.
Assim um conjunto é uma classe de objectos que compartilham as mesmas propriedades. Um
corvo pertence ao conjunto dos corvídeos no universo das aves, mas uma galinha não
pertence ao conjunto ou classe dos corvídeos se bem que esteja dentro do universo das
aves. Podemos escrever isto duma forma diagramática do seguinte modo.
C representa o conjunto. O corvo está dentro de C
~C (leia-se não C) representa o que está fora do conjunto C. A galinha está dentro do ~C.
O ~C representa todos os objectos que são excluídos de C. Mas podemos colocar um coelho
dentro de não C? Depende de como definimos o Universo. Se começámos a definir um
universo de aves, então seria descabido referir o coelho como não-C neste contexto. Mas se
tivéssemos definido o Universo como todos os animais, então um coelho poderia ser incluído
dentro de ~C.
24
CONJUNTO DOS CORVÍDEOS
~C
( não C)
Tudo o que não
é corvídeo
C
Todas a proposições categóricas têm quatro termos:
1. Sujeito
É a classe, a categoria ou o conceito a que se refere a proposição
2. Predicado
É a classe, a categoria ou o conceito a que se relaciona com o
sujeito na proposição
3. Qualidade ou
Cópula
4. Quantidade
A relação de inclusão ou exclusão dum objecto numa categoria.
Uma inclusão é apresentada por uma proposição afirmativa; “Os
corvos são aves”
Uma exclusão é apresentada por uma proposição negativa; “Os
corvos não são peixes”
A proporção do sujeito sobre o qual se faz uma afirmação:
Todos, alguns, nenhuns. Estas palavras são quantificadores porque
determinam a “quantidade de sujeito” a que a afirmação se refere.
(1)“Todos os políticos são mentirosos”
Aqui os “políticos” são o sujeito e “todos“ o quantificador.
Esta frase é diferente de
(2)“ Alguns políticos são mentirosos”
Dependendo se a maioria das pessoas acreditar na primeira frase
ou na segunda a diferença pode ser verificada no nível de
abstenção nas eleições. A primeira frase não deixa margem para
esperança!
1.2. Diagramas de Venn e Euler
Por vezes pode ser difícil identificar as relações entre as proposições categóricas, e para
ajudar a visualizar a construção da proposição usa-se uma forma diagramática. Existem dois
tipos de diagramas que nos podem ajudar a esclarecer a validade dum argumento; os
diagramas de Venn e os diagramas de Euler (lê-se Oiler). Ambos os tipos de diagramas são
representados como círculos dentro dum quadrado. Os círculos representam classes ou
conjuntos e o quadrado, o Universo onde existem essas classes. Estas duas representações
são frequentemente confundidas por causa da forma como o sombreado é apresentado. Nos
diagramas de Venn a área sombreada indica vazio, mas nos diagramas de Euler o
sombreado indica que existem elementos dentro dessa classe. Vejamos em detalhe.
25
5.2.1. Diagramas de Venn
Estes diagramas foram criados pelo lógico e matemático Britânico John
Venn (1834-1923). São muito úteis para determinar a validade lógica dum
argumento dedutivo.
Nos diagramas de Venn as áreas sombreadas indicam que a área está vazia.
O sombreado indica que a classe A está vazia. Todos os elementos
que existem no Universo, não existem dentro da classe A. Por
exemplo, se o Universo representar todas as plantas, e a classe
representar todos os animais, não existem elementos do universo
dentro da classe A porque os animais não são plantas.
Neste diagrama a classe A não tem sombreado. Isto significa que
existem membros de A dentro do círculo, mas não existem fora.
Agora vejamos um caso mais complicado onde temos duas classes A e B. Várias situações
podem acontecer que variam entre tudo ou nada.
A classe de objectos que são A mas não-B está vazia. Isto significa que
cada A é também um B.
O sombreado do círculo A significa que não existe nenhum A que não
seja também parte B. Todos os A estão na intersecção dos dois círculos.
Neste caso o sombreado na intersecção de ambos os círculos indica
que não existe nenhum objecto que seja ao mesmo tempo A e B. Isto é
o mesmo que dizer que “nenhum A é B” e “nenhum B é A”. Estas frases
são logicamente equivalentes.
A figura de cima também se pode representar deste modo, onde os
círculos não se sobrepõem
Neste esquema todo o A é B, porque o círculo que inclui A está
totalmente dentro de B. Todo o objecto que é membro de A, também é
membro e B, mas existem coisas que são membros de B, mas não de A.
26
Usando diagramas de Venn podemos analisar se o seguinte argumento é ou não válido:
“Alguns políticos são de esquerda e algumas pessoas de esquerda são comunistas. Logo
Alguns políticos de esquerda são comunistas”
Alguns políticos são de esquerda
e
Algumas pessoas de esquerda são comunistas
Alguns A são B
e
Alguns B são C
Logo alguns políticos de esquerda são comunistas
Alguns A são C
Como posso saber se esta inferência é valida? Usando Diagramas de Venn produzimos o
seguinte:
1. Alguns A (a) são B
2. Alguns B (b) são C
3. Alguns A são C
Alguns elementos a da classe A
também fazem parte da classe B.
Alguns elementos b da classe B
e alguns elementos a da classe A
fazem parte da classe de C.
Já que alguns elementos da
classe A fazem parte da classe
de B e alguns elementos da
classe B fazem parte da classe
de C, então alguns elementos
da classe de A também fazem
parte da classe de C.
Até aqui vimos alguns exemplos de argumentos dedutivos com poucas premissas, mas
podemos adicionar o número de premissas que se desejar. Os nossos exemplos são
simplificados para podermos representar os diagramas de Venn duma forma que facilite a
leitura. Só teríamos que adicionar mais anéis no diagrama de Venn para identificar se o
argumento seria válido. Isso seria fácil de ver num espaço tridimensional ou num computador
mas difícil de representar num espaço de duas dimensões.
Numa análise mais pormenorizada das premissas que fazem parte dum argumento podemos
identificar um sujeito S e um predicado P. A relação entre o sujeito e o predicado pode
originar diferentes tipos de declarações que são classificadas em categorias tipo A, E, I e O e
podem ser representadas graficamente do seguinte modo:
27
Tipo
Diagrama de Venn
S é o conjunto que inclui o sujeito
P é o conjunto que inclui o predicado
A
Todos os gatos são mamíferos
Sujeito= gato
Predicado= mamífero
E
Nenhum papagaio é mamífero
I
Alguns dinossauros são carnívoros. Por
exemplo o T. Rex era. Existiram outros
dinossauros que não eram carnívoros
O
Alguns mamíferos aquáticos não são
terrestres. Os golfinhos e as baleias por
exemplo não são terrestres. Note que
neste tipo de frase existe um X dentro da
classe S.
O
Este X serve para chamar a atenção
para o caso especial dos mamíferos que
não são terrestes, porque existem
alguns mamíferos que podem ser
aquáticos e terrestres ao mesmo tempo,
como a lontra.
28
A figura abaixo mostra a generalização do exemplo apresentado acima
29
5.2.2. Diagramas de Euler
Os diagramas de Euler são parecidos com os diagramas de Venn e podem gerar confusão. A
diferença entre um grupo e o outro é a seguinte:
Diagramas de Venn
Diagramas de Euler
Mostram todas as relações lógicas
possíveis entre uma colecção de conjuntos.
Mostram apenas as relações possíveis no
mundo real.
Animais
gatos
Animais
Com 5
pernas
gatos
Com 5 pernas
Os dois tipos de diagramas são usados na representação da teoria de conjuntos, mas alguns
diagramas são exclusivos da forma de Euler.
União: Combinação de dois conjuntos
Intersecção: Incluído em ambos os conjuntos
Diferença: Tudo excepto a intersecção dos dois conjuntos
Complemento Relativo: Existe num conjunto mas não no outro
Complemento Absoluto: Tudo o que existe mas não dentro
desse conjunto.
Subconjunto
Apenas em
Diagramas
de Euler
Disjunção: Dois conjuntos sem elementos comuns.
Todos os diagramas de Venn são diagramas de Euler, mas o oposto não é verdadeiro. A área
de intersecção dos diagramas de Euler contém apenas exemplos do que existe no mundo
real. Por definição um diagrama de Venn tem que apresentar todas as intersecções possíveis,
mesmo que não façam sentido no mundo real.
Considere os seguintes conjuntos: A: vertebrados e B: Invertebrados. Como construir
diagramas de Venn e de Euler para estes conjuntos?
Venn
A
Vertebrados
?
Euler
A
B
Vertebrados
Invertebrados
30
B
Invertebrados
No mundo real (representado pelos diagramas de Euler) não existem vertebrados que sejam
invertebrados, mas no mundo abstracto da lógica representada pelos diagramas de Venn
essa combinação pode eventualmente ser possível. Depende do que definimos como
universo.
Qual dos seguintes diagramas não é um diagrama de Venn?
A: Este não é um verdadeiro
diagrama de Venn porque não
apresenta intersecções entre
apenas duas cores.
B: este é um diagrama
de Venn porque
apresenta todas as
intersecções possíveis,
inclusive aquelas que só
incluem duas cores.
As seguintes intersecções não
estão presentes:
• só verde e amarelo
• só vermelho e azul
(1) Imagens por Drew Skau extraídas do blog http://blog.visual.ly/euler-and-venn-diagrams / usadas com permissão do autor.
5.3.Lógica Formal
A lógica formal refere-se à forma do argumento. Os argumentos formais são classificados em
termos de validade. Um argumento é válido quando a conclusão segue das premissas. Neste
caso dizemos que a conclusão é verdadeira. De facto não interessa se a conclusão é ou não
verdadeira no mundo real. Num argumento formal, para a conclusão ser verdadeira basta que
resulte logicamente das premissas. Quando a conclusão não segue das premissas o
argumento é inválido.
Este conceito pode ser confuso porque podemos usar premissas que não são verdadeiras no
mundo real e mesmo assim obter uma conclusão verdadeira, o que torna o argumento válido.
O seguinte argumento é válido mesmo que a primeira premissa não seja real, no entanto a
conclusão segue da forma como as premissas estão organizadas o que torna a conclusão
verdadeira e o argumento válido.
P1: Todos os gatos têm 5 pernas
P2: Fluffy é um gato
C: Logo tem 5 pernas
Note que atribuímos palavras diferentes para os termos “conclusão” e “argumento”. A
validade é atribuída ao argumento todo, isto é ao conjunto das premissas mais a conclusão. O
atributo “verdadeiro” é atribuído a cada proposição e à conclusão individualmente. Em
argumentos formais assumimos sempre que as premissas são formalmente verdadeiras. A
conclusão do argumento seguinte é verdadeira mesmo que não existam bruxas voadoras.
P1: As bruxas voam em vassouras
P2: Madga é uma bruxa
C: Logo voa numa vassoura
A tabela da página seguinte apresenta exemplos de argumentos válidos e inválidos.
31
Argumentos Válidos
1
2
AB
BC
AC
AB
CA
CB
Argumentos Inválidos
V Todos os pinheiros são árvores
V Todas as árvores são plantas
V Todos os pinheiros são plantas
V Todos os pinheiros são gimno
V Todos os pinheiros são árvores
V Todas as árvores são gimno
A B
A C
C B
5
A B
C B
C A
6
A B
C B
A C
7
gimno = gimnospérmicas
F Todas as flores são árvores
F Todas as árvores são roseiras
V Todas as flores são roseiras
V Todas as árvores são plantas
V Todos os pinheiros são plantas
V Todos os pinheiros são árvores
F Todas as árvores são flores
F Todas as rosas são árvores
V Todas as rosas são flores
F Todas as árvores são arbustos
F As rosas são arbustos
F As rosas são árvores
F Todas as árvores são arbustos
F Todas as roseiras são árvores
V Todas as roseiras são arbustos
F Todas as árvores são arbustos
F Todos os pinheiros são arbustos
V Todos os pinheiros são árvores
3
CA
AB
CB
F Todas as roseiras são árvores
F Todas as árvores são arbustos
V Todas as roseiras são arbustos
V Todas as árvores são plantas
V Todas as rosas são plantas
F Todas as rosas são árvores
4
A B
B C
A C
F Todas as árvores são arbustos
F Todos os arbustos são roseiras
V Todas as árvores são roseiras
V Todas as árvores são plantas
V Todas as rosas são plantas
F Todas as árvores são rosas
Nesta coluna todas as conclusões são
verdadeiras porque são consequência das
premissas, mesmo que sejam falsas na
realidade.
Nesta coluna os argumentos são inválidos
porque as conclusões não seguem das
premissas, mesmo que algumas premissas e
conclusões sejam verdadeiras na vida real.
Tabela 5.3.1. Diferença entre argumentos válidos e inválidos
Analisemos um outro argumento que obedece à forma 2:
A B
C A
CB
(P1) Todos os filósofos são humanos
(P2) O meu gato é um filósofo
(C) Logo o meu gato é humano
Este argumento também é válido porque a conclusão é consequência das premissas o que a
torna logicamente verdadeira. Mas na realidade, por aquilo que se sabe até esta data sobre
gatos, ainda não foi encontrado um gato que fosse filósofo. Então, se bem que o argumento
seja estruturalmente válido, porque a conclusão segue do arranjo das premissas, na verdade
P2 é questionável, ou seguramente falsa, o que torna o argumento fraco.
Este pequeno exemplo serve para mostrar que um argumento logicamente válido na forma
com uma conclusão verdadeira no universo da lógica, não é necessariamente verdadeiro no
universo real. Se o argumento tiver uma destas formas…
AB
BC
AC
AB
CA
CB
CA
AB
CB
…o argumento será válido porque é impossível
que a conclusão seja falsa (sob o ponto de vista
da lógica formal).
32
O argumento sobre o gato é fácil de avaliar, porque sabemos o que é um gato, um humano e
um filósofo, mas quando alguém nos oferece informação numa área que não conhecemos,
podemos cair no erro de aceitar o seu argumento só porque ele tem validade lógica. Vejamos
um exemplo da forma 4
A B
B C
A C
F na realidade mas V num argumento formal
V na realidade e num argumento formal
V na realidade e num argumento formal
(P1) Todos os porcos podem voar
(P2) Animais que voam usam energia
(Q) Logo todos os porcos usam energia
A conclusão é verdadeira no contexto formal, isto é; a conclusão segue das premissas, e por
acaso a conclusão também é verdadeira na vida real, os porcos de facto usam energia, mas a
premissa 1 é falsa na vida real. No entanto, quando estamos a analisar a forma dum
argumento não interessa se as premissas são reais ou não, o que interessa é se a conclusão
segue das premissas. Validade refere-se apenas à forma lógica do argumento, não à sua
veracidade no mundo real. Se a conclusão segue das premissas então o argumento é válido
mesmo que uma premissa seja falsa no mundo real.
Vejamos agora um exemplo dum argumento inválido da forma 6.
A B
C B
C A
(P1) Todos os filósofos são humanos
(P2) Aristóteles era humano
(C) Logo Aristóteles era filósofo
Mesmo com todas as premissas sendo verdadeiras e a conclusão também verdadeira no
mundo real este argumento é inválido porque a sua forma é incorrecta. Do facto de alguém
ser humano não se pode concluir que era filósofo, porque existem mais humanos do que
filósofos. Ele podia ter sido pedreiro por exemplo.
Repare que na forma 6 temos várias combinações possíveis de
premissas verdadeiras e falsas.
•
•
•
•
V+V  V
F+F  F
F+F  V
V+V  F
Os argumentos da forma 1 são válidos mesmo que as premissas sejam falsas no universo
real, mas no universo da lógica formal as conclusões são verdadeiras apenas porque seguem
das premissas.
Argumentos Válidos (forma 1)
Universo Real
As permissas só são verdadeiras
se corresponderem à realidade
Universo da Lógica Formal
No Universo Formal assume-se que
todas as premissas são verdadeiras.
V
V
V
Todos os pinheiros são árvores
Todas as árvores são plantas
Todos os pinheiros são plantas
V
V
V
F
F
F
Todas as flores são árvores
Todas as árvores são roseiras
Todas as flores são roseiras
V
V
V
Tabela 5.3.2.Exemplo de argumentos válidos
Estes exemplos foram retirados da coluna de argumentos válidos. Podemos ver que nestes
exemplos é impossível obter conclusões falsas de premissas verdadeiras quando os
argumentos são analisados exclusivamente de acordo com a sua estrutura no universo da
lógica formal (a coluna da direita).
33
Por que razão os argumentos da coluna da esquerda (vermelho) na tabela 5.3.1. são
inválidos? No universo da lógica formal, todas as premissas são assumidas verdadeiras e a
conclusão apenas será falsa se não for consequência lógica das premissas. De facto a
validade do exemplo 5 é fácil de determinar com a ajuda de Diagramas de Venn.
5
Todos os pinheiros são gimnospérmicas
Todos os pinheiros são árvores
Todas as árvores são gimnospérmicas
A B
A C
C B
Existem muitas árvores que não são
gimnospérmicas. Por exemplo as
angiospérmicas.
A
Gimnospérmicas
B
C
árvores
Mas no exemplo 6 (tabela 5.3.1.) é mais difícil porque existe um fenómeno da mente que nos
impede de ver a lógica por detrás dos factos do mundo real. Todos os exemplos dados em 6
seguem a mesma forma lógica. É fácil perceber que os exemplos b, c e d não fazem sentido
no mundo real. Mas o exemplo a faz sentido. Esta percepção dos nossos sentidos e daquilo
que conhecemos sobre a realidade, ofusca e sobrepõe-se à nossa percepção lógica, mesmo
quando sabemos que a forma do raciocínio a é a mesma que os raciocínios b, c e d.
a
Todas as árvores são plantas
Todos os pinheiros são plantas
Todos os pinheiros são árvores
b
Todas as árvores são arbustos
Todas as rosas são arbustos
Todas as rosas são árvores
Todas as árvores são arbustos
Todos os pinheiros são arbustos
Todos os pinheiros são árvores
Todas as árvores são plantas
Todas as rosas são plantas
Todas as rosas são árvores
6
c
d
Neste exemplo, o nosso conhecimento sobre
o mundo real sobrepõe-se às regras da lógica
formal tornando difícil perceber porque este
argumento é inválido.
A B
C B
C A
O nosso conhecimento sobre o mundo
real das árvores, rosas e arbustos diznos que algo está errado com estes
raciocínios (b, c, d) mas essa impressão
provém da nossa experiência e não da
análise da estrutura lógica do argumento.
Mas vamos substituir as palavras do exemplo a mantendo o mesmo formato:
e
Todas as aves têm asas
Os morcegos têm asas
Logo os morcegos são aves
A B
C B
C A
É fácil de ver que esta forma lógica não
faz sentido. Nós sabemos no mundo real
que os morcegos não são aves.
É fácil de ver que este exemplo segue o mesmo formato que a, b, c e d. Quando estamos em
presença de raciocínios que nos parecem lógicos, porque a conclusão corresponde àquilo
que conhecemos sobre o mundo real a melhor forma de analisar a forma do raciocínio
consiste em atribuir letras a cada premissa do argumento, e coloca-las sob o formato da
lógica formal, ignorando o conteúdo das frases.
Vejamos este argumento:
“Os peixes têm consciência. A consciência precisa de um cérebro para se manifestar. Apenas
o cérebro pode produzir essas sensações de nós próprios. Todos os animais vertebrados têm
um cérebro.” Parece lógico? A priori sim, mas vamos colocar o argumento sob o escrutínio da
lógica formal. Vemos que o argumento começa com a conclusão. A pessoa está a defender
que os peixes têm consciência oferecendo justificações que são as premissas que levam a
essa conclusão.
A consciência expressa-se no cérebro
Os peixes têm cérebro
Logo os peixes têm consciência
A B
C B
C A
34
De acordo com a sua forma este
argumento é inválido. A= consciência
B= cérebro
C= peixes
Prestando atenção na forma como as letras representativas de cada premissa estão
organizadas, é fácil de ver que este é um argumento inválido. Basta ver que ambos os Bs
estão do mesmo lado da seta. Num argumento válido os Bs estariam em posição diagonal.
Vejamos outras formas de apresentar o argumento:
Válido
Inválido
A B Ser peixe implica ter cérebro
B C Ter cérebro implica ter consciência
A C Logo, ser peixe implica ter consciência
A B
C B
C A
Este argumento é logicamente válido, mas
não é necessariamente verdadeiro no mundo
real. Na realidade a premissa B->C é
questionável, mas a lógica formal não se
preocupa com a realidade!
Ser peixe implica ter cérebro
Ter consciência implica ter cérebro
Ter consciência implica ser peixe
Problema:
Nem tudo o que tem consciência é
peixe!
5.4.Silogismos
Um silogismo é uma forma particular de argumento dedutivo sendo composto de apenas
duas premissas e uma conclusão.
Formas de Inferência em Argumentos Dedutivos
Argumentos Gerais
Silogismos
Premissa 1
Premissa 2
Premissa 3
Premissa N
Premissa 1
Premissa 2
Conclusão
Conclusão
De acordo com a sua forma os silogismos classificam-se em:
•
•
•
•
•
•
•
•
Modus ponens (afirmar o antecedente)
Modus tolens (negar o consequente)
Categórico
Disjuntivo
Conjuntivo
Hipotético
Dilema construtivo
Misto
5.3.1. Modus ponens e Modus tolens
Estas palavras latinas identificam duas formas de raciocínio dedutivo em geral e de
silogismos em particular. Modus ponens significa afirmar o antecedente e Modus tolens
significa negar o consequente.
35
Seja A o antecedente e B o consequente, então…
•
A forma válida do Modus ponens é uma forma de raciocínio que afirma o antecedente.
Se uma proposição A implica uma proposição B, e se A é verdadeira, então B é
verdadeira. Mas se eu negar a proposição A, isso não implica necessariamente que
tenho que negar a proposição B.
•
A forma válida do Modus tolens é uma forma de raciocínio que nega o consequente.
Se uma proposição A implica uma proposição B, e B é verdadeiro, ao negar B eu
também devo negar A. Mas se eu afirmar que a proposição A implica a proposição B, ao
afirmar a proposição B, não torna A verdadeira.
Formas Válidas
Modus
ponens
Formas Inválidas
Afirmar o antecedente (A)
Negar o antecedente (~A)
A B A implica B
A
A assume-se verdadeiro
B Logo B deve ser verdadeiro
AB A implica B
~A
Não A assume-se verdadeiro
~B Logo não B deve ser
verdadeiro
Modus
tollens
Negar o consequente (~B)
Afirmar o consequente (B)
A B A implica B
~B Não B assume-se
~A
Logo não A deve ser
A B A implica B
B B assume-se verdadeiro
A Logo A deve ser verdadeiro
verdadeiro
Vejamos agora com exemplos:
Modus
ponens
Afirmar o antecedente
Negar o antecedente
Todos os gatos têm pêlo
Eu sou um gato
Logo tenho pêlo
Modus
tollens
Negar o consequente
Todos os gatos têm pêlo
Eu não sou um gato
Logo não tenho pêlo
Afirmar o consequente
Todos os gatos têm pêlo
Eu não sou um gato
Logo não tenho pêlo
36
Todos gatos têm pêlo
Eu tenho pêlo
Logo sou um gato
5.5.Silogismos categóricos
Os silogismos categóricos são semelhantes ao que se disse sobre as proposições tipo A, E, I
e O, só que no silogismo apenas temos duas premissas que levam à conclusão. Os
silogismos categóricos incluem quatro tipos possíveis de proposições que apresentam a
seguinte forma:
•
•
•
•
Todos os X são Y: Todos os humanos são mamíferos
Nenhum X é Y: Nenhum peixe é mamífero
Alguns X são Y: Alguns animais que põem ovos são mamíferos (ornitorrincos)
Alguns X não são Y: Alguns organismos com pêlo não são mamíferos (tarântulas,
pêssegos)
Como se pode ver pela constituição das frases, elas sugerem que alguma quantidade de X
(o sujeito) é parte duma categoria Y, daí a nome silogismo categórico.
No exemplo ao lado os médicos são colocados
dentro da categoria dos humanos e os humanos
por sua vez dentro da categoria dos mortais.
P1: Todos os médicos são humanos
P2: Os humanos são mortais
C : Todos os médicos são mortais
Os silogismos categóricos contêm termos que definem categorias de diferentes níveis. Estes
termos chamam-se
• Termo Menor na conclusão é o sujeito
• Termo Médio aparece em ambas a premissas e não aparece na conclusão
• Termo Maior na conclusão é o predicado
No exemplo dado as palavras médicos, humanos e mortais são categorias. Vejamos como
estes termos se arranjam no silogismo:
Mortais
termo menor
termo médio
P1: Todos os médicos são humanos
termo médio
Humanos
Médicos
termo maior
P2: Os humanos são mortais
termo menor
termo maior
C : Todos os médicos são mortais
Termo menor
Termo médio
Sujeito
Predicado
Termo maior
37
Representação de silogismos em diagramas de Venn
Vamos analisar se o seguinte argumento
“Todos os rectângulos têm 4 lados e todos os
quadrados são rectângulos, logo todos os quadrados
têm 4 lados.”
A utilização de diagramas de Venn ajuda a identificar
todas as relações lógicas possíveis nesse argumento
mas não dos diz nada sobre a validade do argumento.
5.4.1. Silogismos conjuntivos e disjuntivos
Uma conjunção é uma frase ligada pela proposição “e”. É uma frase inclusiva, representada
na notação da lógica forma como um V invertido que adiciona opções. Uma disjunção é uma
proposição exclusiva, que exclui opções e representada em lógica formal pelo símbolo V.
Λ Conjunção (e)
V Disjunção (ou)
Inclusão
Exclusão
Um silogismo conjuntivo é caracterizado
pela proposição “e”.
Um silogismo disjuntivo é caracterizado
pela proposição “ou”
Silogismos conjuntivos produzem duas
conclusões ao mesmo tempo: isto e
aquilo
Silogismos disjuntivos produzem apenas
uma conclusão de duas alternativas: isto
ou aquilo
Isto tem penas e escamas
Isto não tem penas
Então também não tem escamas
Isto tem penas ou escamas
Isto não tem penas
Então tem escamas
38
5.4.2.Silogismos hipotéticos
Um silogismo hipotéticos inclui a proposição “se” que indica uma hipótese condicional.
Se P então Q
Isto é P
Logo é Q
Se tem clorofila então é uma planta
Isto tem clorofila
Então é uma planta
Se P então Q
E se Q então R
Logo P é R
Se fizer sol vamos à praia
Se formos à praia levamos o chapéu-de-sol
Se fizer sol levamos o chapéu-de-sol
P =termo menor
Q= termo médio
R = termo maior
5.4.3. Silogismos com dilemas
Num dilema temos duas opções e só uma pode ser considerada. Vejamos este exemplo: Eu e
o Zé comprámos duas rifas mas só uma dá €1,000. Se eu ganhar €1,000 dou para um abrigo
de animais. Se ele ganhar €1,000 ele dá para um orfanato. Qual é a conclusão?
P
P1:
Q
Se eu ganhar €1,000 dou para um abrigo de animais
R
P2:
S
Se o Zé ganhar €1,000 dá para um orfanato
P3:
P
P Q
RS
R
Eu, ou o Zé podemos ganhar €1,000
Q
PVR
Dilema
S
Logo: O abrigo para animais ou o orfanato vai receber €1,000
Q V S
5.5. Lógica Proposicional: Verdadeiro ou Falso?
A lógica proposicional é uma forma de analisar as proposições e suas conclusões em termos
de verdadeiro ou falso. Esta verdade ou falsidade não tem que se relacionar necessariamente
com o mundo real. Eu posso assumir que uma proposição é verdadeira, e avaliar o resultado
da conclusão. A lógica proposicional usa tabelas de verdade para determinar todas as
soluções possíveis dum argumento. A lógica proposicional consiste de quatro operações
lógicas que seguem determinadas regras expressas na figura abaixo.
• A conjunção usa a proposição
“e” (isto e aquilo).
• A disjunção usa a proposição
“ou” (isto ou aquilo)
• A negação é o contrário da
proposição original (se isto
então não isto).
• A condicional estabelece que
o antecedente é condição
necessária para a ocorrência
do consequente (se isto então
aquilo).
39
Atenção à disjunção!
Note que em português a disjunção é representada pela proposição “ou”, no entanto esta
proposição pode ter dois significados. Em algumas situações pode ser exclusiva, enquanto
noutras pode ser inclusiva.
(1) Disjunção exclusiva: Só podes escolher laranjas ou tangerinas.
(2) Disjunção inclusiva: Limões, laranjas ou tangerinas são todos citrinos
A primeira frase exclui possibilidades mas a segunda frase inclui uma lista de objectos numa
classe. A frase seguinte “as massas ou carbohidratos podem induzir reacções de intolerância
digestiva” pode ser interpretada de duas formas. Que as massas são carbohidratos, ou que
tanto as massas como os carbohidratos podem induzir a mesma acção de intolerância. A
frase é clara para quem sabe que as massas são carbohidratos, mas quem não sabe fica a
pensar que a frase se refere tanto à massa como aos carbohidratos.
Que uso tem isto na vida prática?
O raciocínio dedutivo oferece uma forma metódica para analisar argumentos. Na prática, a
dedução é uma ferramenta mais usada em matemática e tecnologias de informação. No
entanto, poderá ser útil a resolver casos reais. Veja estes exemplos:
Exemplo
P1: Ou ele arranjou o carro ou ele mentiu
P2: Ele não teve tempo de arranjar o carro
C: Logo ele mentiu.
Proposições
Premissas
Arranjou
o carro
Ele
mentiu
P
Q
P1
Arranjou o carro
ou mentiu
PVQ
V
V
F
F
V
F
V
F
V
V
V
F
P2
Não teve tempo
de arranjar o carro
~P
F
F
V
V
Conclusão
C
Mentiu
Q
F
F
V
F
Um argumento válido é aquele onde todas as premissas sendo verdadeiras, fazem a
conclusão verdadeira (células sombreadas). A tabela de verdade mostra todas as relações
lógicas possíveis no silogismo apresentado.
40
Capítulo 6: QUALIDADE DOS ARGUMENTOS DEDUTIVOS
Um bom argumento segue determinadas regras. Para o argumento ser BOM deve passar
dois testes.
1. As premissas devem suportar a conclusão
2. Deve haver boas razões para aceitar que as premissas são verdadeiras.
Note que os argumentos lógicos ou dedutivos não estão interessados na verdade metafísica
das premissas. Como já se disse, o que interessa num argumento dedutivo é que a conclusão
siga das premissas. É isso que faz a conclusão verdadeira.
A análise dum argumento dedutivo deve focar nas seguintes características: validade e
solidez. Se um argumento é válido e sólido então é bom.
•
•
A validade refere-se à forma da representação lógica das premissas.
A solidez refere-se à aceitabilidade, relevância e adequacia do argumento. Quando um
argumento é inválido não é sólido.
Validade
Válido
Inválido
Argumentos cuja estrutura é correcta
e a conclusão verdadeira.
A conclusão é consequência das
premissas. Se as premissas são
verdadeiras é impossível que a
conclusão seja falsa.
AB
AB
A
BC
B
AC
Argumentos cuja estrutura é
deficiente.
A conclusão não segue da
estrutura lógica das premissas.
AB
B
A
AB
CB
AC
Sólido
Um argumento é sólido apenas
quando a conclusão é consequência
das premissas.
Não existem argumentos inválidos
sólidos
Não
Sólido
Um argumento pode ser válido
mesmo que não seja sólido.
As premissas podem ser falsas na
vida real.
Pode obter-se uma solução
verdadeira mesmo que uma das
premissas seja falsa.
Solidez
Argumentos válidos e sólidos:
P1: Se é um peixe então tem guelras
P2: O tubarão é um peixe
C: Logo tem guelras
P1: Todos os homens são mortais
P2: O Manuel é um homem
C: Logo o Manuel é mortal
41
Todas as premissas são verdadeiras
e a conclusão é consequência das
premissas.
Argumentos válidos mas não sólidos:
P1: Todos os animais com asas voam (esta premissa é falsa na realidade)
P2: Os pinguins têm asas
C: Logo os pinguins voam (esta conclusão é consequência das premissas)
O argumento é válido porque sendo a conclusão é consequência das premissas faz com que
ela seja verdadeira, mas não é sólido porque sabemos que nem todos os animais com asas
voam. Sabemos que na vida real a premissa P1 é falsa.
Vejamos duas formas dum argumento hipotético ou condicional
P1: Se os bolos têm açúcar
P2: E o açúcar engorda
C: Os bolos engordam
Este argumento é válido e sólido
Para que nos serve esta lógica?
Como já foi explicado, podemos determinar se um argumento é válido analisando a sua
estrutura, mesmo que se desconheça o assunto a que o argumento se refere. Por exemplo se
eu afirmar que todos os Grubis são flobs, e Grot é um flob porque ele é um Grubi, podemos
colocar isto na forma lógica:
P1: Todos os Grubis são flobs
P2: Grott é um Grubi
C: Então Grott é flob
Este argumento é válido porque a
conclusão segue das premissas, mas não
posso afirmar nada relativamente à sua
solidez porque eu não sei se as premissas
são verdadeiras ou falsas. Eu não faço
ideia do que são grubis, flobs e grotts.
Argumentos inválidos e não sólidos:
Vejamos estes dois exemplos
Argumento 1:
Os pinguins são pretos e brancos
Os antigos programas de TV são preto e branco
Logo os pinguins são antigos programas de TV
Argumento 2:
As árvores têm clorofila
As plantas têm clorofila
Logos as árvores são plantas
Quando comparamos estes dois argumentos imediatamente concluímos que o argumento 1
não faz sentido mas o argumento 2 parece ser correcto. A nossa conclusão deriva do facto
que estamos a aplicar à avaliação do argumento o nosso conhecimento sobre o mundo real e
não uma análise lógica da forma do argumento.
Na verdade ambos os argumentos são inválidos. Ambos têm o seguinte formato:
Este é um argumento que é formalmente inválido e essa é a razão por que o
argumento 1 não faz sentido. No entanto, precisamos de ter cuidado com o
argumento 2, porque se bem, que ele tivesse produzido uma conclusão que é
verdadeira na vida real, ele é também logicamente incorrecto. É inválido.
Na vida real também ouviremos muitos argumentos deste tipo, que levam a uma conclusão
que nos parece ser lógica, mas na verdade o argumento não é válido. Se eu inverter o
argumento 2, ele já não faz sentido.
42
Argumento 2 invertido:
As plantas têm clorofila
As árvores têm clorofila
Logos as plantas são árvores
Existem muitas plantas que não são árvores e por isso
agora é fácil de ver que este argumento é falacioso.
Quando não temos a certeza da validade dum argumento, podemos usar o teste da inversão
das premissas. Se o resultado for ilógico, então o argumento é inválido.
Imagine que alguém o está a tentar convencer duma conclusão sobre assuntos que são do
seu desconhecimento. Essa pessoa tenta convencê-lo que todos os Grubbis são Grotts
seguindo a lógica do argumento 3. Basta olhar para a forma como as premissas estão
dispostas no do argumento 3 para ver que é um argumento inválido. O argumento 4 é a forma
válida. Ambos os argumentos levam à mesma conclusão, mas só o argumento 4 é válido.
Argumento 3: (inválido)
AB
CB
AC
Todos os Grubis são Flobs
E todos os Grotts são Flobs
Logo todos os Grubis são Grotts
Argumento 4: (válido)
AB
BC
AC
Todos os Grubis são Flobs
E todos os Flobs são Grotts
Logo todos os Grubbis são Grotts
Neste exemplo é mais fácil verificar se o argumento é formalmente válido ou não, porque não
estando a par da verdade real das premissas nem da sua conclusão podemos nos concentrar
apenas na forma do argumento.
Classifique os argumentos 5 e 6. São válidos ou inválidos?
Argumento 5:
Argumento 6:
Todas as bolas de futebol são redondas
A Lua é redonda
Logo a Lua é uma bola de futebol.
Todos os Papas residem no Vaticano
João Paulo II reside no Vaticano
Logo João Paulo II é um Papa
Nota: Para facilitar a análise, aplique as letras A,B e C às premissas.
Validade e Verdade
É muito importante repetir que para que o argumento seja válido, as premissas dum
argumento dedutivo não têm que ser verdadeiras na realidade. O que dá validade ao
argumento é o facto de que a conclusão deriva das premissas. Um argumento é válido se a
conclusão e as premissas estão relacionadas uma com a outra de forma correcta. Neste caso
quaisquer que sejam as premissas assume-se que elas são verdadeiras. O que nos interessa
é a forma do argumento.
Todas as torradeiras são coisas feitas de ouro
Todas as coisas feitas de ouro são máquinas de viajar no tempo
Logo as torradeiras são máquinas de viajar no tempo
Este argumento é válido mesmo que as premissas sejam loucas. Nesta estrutura não
podemos negar que a conclusão segue dessas premissas. É impossível que a conclusão
destas premissas seja falsa por causa da forma como as premissas estão estruturalmente
dispostas.
43
Existem muito mais formas de argumentos dedutivos válidos e inválidos, mas para aqueles
interessados em aprofundar mais este assunto, sugerimos livros que foquem exclusivamente
em lógica formal.
Pontos importantes:
• Um argumento dedutivo classifica-se de acordo com a sua validade em válido ou
inválido
• A validade depende da forma do argumento
• As premissas dum argumento dedutivo não precisam de verdadeiras no mundo real
• Se as premissas dum argumento dedutivo forem de facto verdadeiras e a conclusão
for verdadeira no sentido forma (isto é; é consequência da ordem das premissas)
então o argumento é sólido.
Sugestão de leitura:
Para quem deseja informação mais detalhada sobre função da lógica no raciocínio
dedutivo, aconselha-se o livro de Desidério Murcho, “O lugar da lógica na filosofia”.
44
Capítulo 7: RACIOCÍNIO INDUTIVO
No raciocínio indutivo as premissas procuram oferecer evidência (mas não prova absoluta) da
verdade da conclusão e esta é a principal diferença com o raciocínio dedutivo. As premissas
suportam, mas não provam a conclusão.
Como já vimos a conclusão dum argumento dedutivo é uma proposição que só pode ser
verdadeira ou falsa e se for verdadeira temos a absoluta certeza que o é, pois derivou das
premissas oferecidas. Num argumento indutivo a conclusão é provável, nunca absolutamente
verdadeira. A sua probabilidade baseia-se na evidência apresentada pelas premissas.
O raciocínio indutivo é baseado no mundo real. A indução faz parte da nossa experiência e
colecta da informação que assimilamos do mundo que nos rodeia. Existem vários métodos de
indução, mas antes de nos debruçarmos nos seus detalhes precisamos primeiro de clarificar
alguns termos.
Inferência é o processo pelo qual se obtém conclusões a partir de argumentos. É o acto de
derivar conclusões lógicas baseadas em premissas. Tanto o raciocínio indutivo quanto o
dedutivo chegam à conclusão por um processo de inferência, mas enquanto que no método
dedutivo a inferência depende apenas das premissas apresentadas, no método indutivo
chegamos a uma conclusão depois de várias observações. Por exemplo o cálculo de
probabilidades é um método indutivo.
Vimos que a conclusão dum argumento dedutivo só pode ser verdadeira ou falsa. Num
argumento indutivo a conclusão pode ser mais ou menos perto da verdade ou não. Isto é, a
conclusão pode ser correcta dentro do certo grau de certeza.
Em indução podemos usar uma regra geral para aplicar a um caso particular. Por exemplo,
como regra geral as coisas caem de cima para baixo, devido à acção da gravidade, logo, se
eu empurrar o meu livro para fora da mesa, posso induzir que vai cair para baixo e não para
cima.
A indução é um processo psicológico de aprendizagem presente nos humanos e animais. O
meu gato apanhou um ratinho num canto particular de meu jardim. No dia seguinte foi lá de
novo e apanhou outro ratinho, à medida que a experiência se repete, o gato aprende por
indução que ali naquele lugar existem ratinhos até ele os apanhar a todos e nunca mais
aparecerem ratinhos. Durante um certo período de tempo a indução de que existiam ratinhos
naquele lugar, era correcta. Até ele perceber que não existem mais ratinhos, a indução é
incorrecta.
Os paleontologistas podem induzir o tipo de alimentação dum dinossauro, sem nunca terem
visto um. Basta comparar o tipo de dentição e a forma dos maxilares com os carnívoros
modernos para concluir com alguma probabilidade que esses dinossauros poderiam ter sido
carnívoros. Note que aqui não se está a seguir a forma dum silogismo para chegar a uma
conclusão. Está-se simplesmente comparando algo com dados baseados em muitas
observações passadas e presentes.
Mas a indução para ser perfeita também deve usar o método dedutivo. Assim sendo o
raciocínio dos dinossauros seria algo assim:
45
Observação: Crânio de dinossauro com dentes caninos
Raciocínio:
P1: Os maxilares de muitas espécies de carnívoros modernos têm dentes caninos
P2: Animais com dentes caninos são carnívoros
C: Logo este dinossauro, com dentes caninos devia ter sido carnívoro
Note a diferença e similaridade com o raciocínio dedutivo.
Semelhança:
A
B
P1: Os dentes caninos estão presentes em muitas espécies de carnívoros modernos
A
P2: Este dinossauro apresenta dentes caninos
B
C: Logo este dinossauro, provavelmente era carnívoro
Diferença:
Note a palavra “provavelmente.” O raciocínio é dedutivamente válido, mas não
podemos confirmar com toda certeza que o dinossauro era carnívoro porque nenhum
humano existia nessa altura para poder confirmar a observação.
O método indutivo é o método utilizado pelo método científico e para falar
rigorosamente o método científico nunca nos dá 100% de certeza. O mais que
podemos dizer das inferências obtidas por indução científica é que existe uma
probabilidade de algo ser como afirmado, mas existe sempre uma pequena margem
de incerteza.
As pessoas querem certezas, e por isso muitos políticos e executivos podem ficar muito
frustrados com a linguagem utilizada por cientistas porque um cientista que seja
absolutamente rigoroso nunca poderá afirmar que tem a certeza de algo.
Os argumentos indutivos são aqueles onde se tenta aplicar o que se sabe sobre objectos e
situações e eventos, para outros objectos e situações e eventos que são desconhecidos.
Em relação à precisão, os argumentos indutivos dividem-se em formal e informal.
Formal
Informal
Argumentos que atendem a directrizes
rigorosas sobre a forma como se colhe a
amostra, o número de elementos que
entram na amostra, etc.
Estes argumentos seguem os mesmos
princípios que os formais, mas eles
expressam o erro de avaliação duma forma
mais vaga.
A precisão da indução é avaliada
utilizando métodos matemáticos
precisos. Expressam o erro de avaliação
de uma forma precisa, por exemplo: “Ele
pesa entre 75,7 e 76,3 kg e o erro desta
medição é igual a ±0,3” .
Por exemplo, “pesa mais ou menos uns
76kg, mais coisa menos coisa.”
46
Dependendo do tipo de solução que procuramos, os métodos de indução variam.
• Queremos saber a causa dum evento, ou identificar as similaridades entre
objectos?
• Queremos generalizar as nossas observações ou confirmar aquilo em que
acreditamos?
• Queremos oferecer explicações para um fenómeno ou criar hipóteses para serem
testadas?
De acordo com estas perguntas seguimos diferentes métodos de indução que podem
processos formais com regras definidas ou simplesmente resultam do fruto da nossa
intuição. Assim, dependendo do método de raciocínio utilizado, ou argumentos indutivos
podem ser classificados em:
• Causais
• Analógicos
• Generalizações
• Silogismos Estatísticos
• Hipotéticos
• Confirmatórios ou enviesados
Os argumentos causais utilizam uma forma de raciocínio causal que será discutido em
detalhe mais à frente.
Quanto às analogias e generalizações é preciso tomar em conta que existem algumas
semelhanças, ambas as formas começam com
• uma amostragem
• identificação das propriedades dos componentes dessa amostra
• conclusão que essas propriedades são também compartilhadas pelos componentes
fora da amostragem (a população), de onde se retirou a amostra.
Mas a diferença entre um processo e o outro consiste na natureza do objecto do
argumento. Enquanto que nas analogias se faz uma comparação entre o objecto do
argumento e outro objecto que compartilha das mesmas características, nas
generalizações identificam-se as características duma pequena amostra e generaliza-se
para um número maior ou para toda a população donde se retirou a amostra.
Analogias
Generalizações
Faz-se uma comparação entre o objecto
do argumento e outro objecto que
compartilha das mesmas características.
Identificam-se as características duma
pequena amostra e generaliza-se para
um número maior ou para toda a
população donde se retirou a amostra.
O objecto em que foca o argumento não é
parte da amostra.
A amostra é parte da classe alvo e essa
classe contém a amostra.
Na analogia estica-se a indução daquilo
que se sabe para aquilo que não se sabe.
As premissas referem-se à amostra
A conclusão refere-se à população
47
As analogias e generalizações podem ser obtidas de uma forma formal ou informal.
INDUÇÃO
Por Analogia
Comparação de
semelhanças
Formal
Informal
Comparação entre objectos semelhantes donde se infere que a
propriedade duma classe deve ser comum à outra classe...
...utilizando métodos matemáticos
precisos.
...por opinião ou baseado na
própria experiência sensorial. Não
requer precisão.
Por
1.Generalização estatística
Generalizações feitas sem
Generalização 2. Generalização baseada na variação colecção de amostras e baseadas
apenas nas nossas experiências
3.Probabilidade indutiva
De alguns para
pessoais.
muitos
Diferença entre indução por generalização e silogismos estatísticos
Note que enquanto na indução por generalização, seja ela formal ou informal, se pretende ir
“de alguns para muitos”, os silogismos estatísticos seguem a direcção oposta, indo “de muitos
para um/alguns”, partindo duma generalização que é verdadeira para a maior parte da
população, e aplicando essa característica a um caso particular.
Indução por generalisação:
Silogismos estatísticos:
De um pequeno número de indivíduos
para todos
De uma pequena amostra da população
para um indivíduo
Os argumentos hipotéticos simplesmente se limitam a apresentar pressupostos imaginários
na tentativa de oferecer soluções que possam eventualmente ser aplicadas à realidade. Os
argumentos hipotéticos encontram-se com frequência no raciocínio abdutivo, que é uma
forma de apresentar explicações para observações feitas. Este tipo de raciocínio baseia-se
frequentemente em argumentos hipotéticos para oferecer explicações de algo que se assume
ser verdadeiro. Este é um tipo de raciocínio que pode ser formal ou informal. A abdução
formal produz teorias ou hipóteses explicativas e testáveis de observações frequentes. Por
outro lado, a abdução informal limita-se a procurar confirmação de opiniões pré-formuladas
levando a um tipo de raciocínio enviesado suportado por argumentos que procuram confirmar
as nossas crenças ou opiniões seleccionando informação parcial e ignorando informação que
contrarie as nossas convicções.
Os argumentos confirmatórios ou enviesados serão discutidos em detalhe mais à frente.
Estes são argumentos que são construídos para confirmar as nossas convicções.
48
Capítulo 8: INDUÇÃO FORMAL
Formas de indução formal
8.1.Por analogia (indução simples)
8.2.Por generalização
8.3.Por silogismos estatísticos
8.4.Por confirmação duma hipótese
Indução formal é o tipo de raciocínio indutivo que tem como base o uso de valores
quantificáveis sobre os quais se possa executar cálculos estatísticos e probabilísticos.
8.1.Indução por analogia
A forma mais simples de indução consiste em estabelecer uma analogia. Este é o tipo de
generalização que se faz quando se compara um caso com outro. O exemplo do
dinossauro carnívoro acima referido é um caso de indução por analogia. O uso de
animais em experimentação, e subsequente extrapolação para o caso humano, é outro
exemplo de indução por analogia.
A indução por analogia é baseada no seguinte princípio lógico
O objecto O1 tem a propriedade P
O objecto O2, é semelhante a O1
Logo, o objecto O2 tem a propriedade P
Isto é; se duas coisas são semelhantes em mais do que um aspecto então quando uma
certa proposição é verdadeira para a primeira, também é verdadeira para a segunda.
Por exemplo, Galileu observou que havia sombras na Lua semelhantes às sombras de
montanhas na Terra, assim ele concluiu que na Lua também havia montanhas.
Na sua proposta para uma explicação da selecção natural, Darwin comparou as
semelhanças entre a selecção artificial de caracteres exibidos por raças domésticas e
selecção de caracteres exibidos pelas espécies na natureza.
A gravidade e a electricidade são similares no facto de que são forças que actuam entre
corpos, diminuindo com a distância. Esta similaridade levou os cientistas do século 18 a
aplicar os métodos analíticos que Newton usou para estudar a gravidade no estudo das
forças eléctricas.
Mas existem problemas com este método. A analogia só foca em algumas características
específicas e a sua extrapolação pode ser ilusória, por exemplo quando o foco são
factores causais. Ao observar certos sintomas de doença numa pessoa, podemos inferir
que esses sintomas foram causados por uma infecção bem identificada, no entanto
sintomas semelhantes noutra pessoa, podem ser consequência duma outra causa,
provavelmente não infecciosa, mas de origem somática ou de alterações fisiológicas que
nada têm a ver com uma infecção bacteriana. Por exemplo o sintoma “vomitar + dores de
estômago” pode ter causas absolutamente diferentes. Possíveis causas seriam uma
intoxicação alimentar, uma úlcera no estômago ou um possível cancro de ovário.
49
Basear uma conclusão em simples analogia pode levar a conclusões falsas e para evitar
isso é preciso colher informação de vários objectos a fim de se proceder a inferências
generalizáveis.
8.1.1. Analogias e metáforas
Na nossa comunicação usamos frequentemente expressões que reflectem metáforas e
analogias. É importante esclarecer a diferença entre analogia e metáfora porque mais
adiante vamos falar de metáforas como ferramentas de retórica. Uma metáfora é uma
representação de algo utilizando uma analogia. Por exemplo, os conceitos abstractos
relacionados com a personalidade dum sujeito podem ser apresentados com adjectivos
representativos de temperatura. Se eu disser que o Klaus é muito frio, mas a Claudia é
calorosa, automaticamente estou a associar a ideia de algo desagradável ou agradável
em termos de conforto térmico com algo multifactorial que é a descrição duma
personalidade.
A nossa mente funciona automaticamente como uma fábrica de metáforas. Se eu tento
explicar um conceito novo a uma pessoa que nunca ouviu falar de um determinado
assunto, um bom método será utilizar uma imagem que ambos conhecemos e que, de
certo modo, representa esse conceito. Ao tentar explicar o conceito de átomo, o professor
de física utiliza a imagem do sistema solar, um conceito previamente aprendido pelos
alunos. A imagem dos electrões girando em volta do núcleo é semelhante á imagem dos
planetas girando em torno do Sol. Quando a metáfora foi assimilada, pode-se então
continuar com pequenas modificações da imagem original até uma aproximação cada
vez mais próxima da realidade dum átomo. Mais tarde, o aluno pode modificar o conceito
original de electrões girando em torno do núcleo (A), para o conceito de nuvem orbital da
forma sigma ou pi (B).
A. Modelo atómico inspirado na
metáfora planetária
B. Modelo atómico mais aproximado da
realidade, baseado na nuvem de
probabilidade de encontrar o electrão.
O modelo original é então abandonado, mas serviu de plataforma para a reconstrução
dum modelo novo e mais próximo da realidade.
Metáforas são ferramentas que usam analogias. As analogias são usadas para demostrar
como duas coisas que são originalmente diferentes, podem ter características comuns.
Usando de novo os adjectivos frio e caloroso podemos estabelecer a diferença entre
metáfora e analogia do seguinte modo.
Metáfora
•
•
Analogia
• O Klaus é tão frio como um iceberg
• A Claudia é calorosa como chocolate
quente
O Klaus é um iceberg
A Claudia é um chocolate quente
Veja a diferença; enquanto que na metáfora se afirma que o sujeito é algo, na analogia
afirma-se que é como algo.
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A ocorrência de metáforas na nossa linguagem é tão frequente que nem nos
apercebemos do seu uso. Vejamos estes exemplos:
Explicação da metáfora
Metáfora
Posso ver o teu ponto
O Natal está se aproximando com rapidez
Esse é um pensamento negro
Sinto-me muito em baixo
Os teus argumentos são fortes
Ele tem uma língua aguçada
Posso visualizar o que queres dizer
Dá a ideia dum objecto em movimento
Dá a ideia de que pensamentos têm cor
Emoções apresentadas numa linha vertical
Dá a ideia de força muscular numa frase
Dá a ideia de que as palavras têm propriedades de
objectos cortantes
8.2. Indução por generalização (De alguns para todos)
Formas de indução por generalização
8.2.1. Generalização estatística
8.2.2. Generalização baseada na variação
8.2.3. Probabilidade Indutiva
A generalização indutiva ou indução por generalização refere-se à
extrapolação dos valores encontrados numa amostra, para a população
donde se extraiu essa amostra. A generalização pode aplicar-se a toda a
população ou apenas a uma proporção correspondente à mesma
proporção encontrada na amostra. Indução por generalização é uma
característica do cálculo estatístico.
Imagine um biólogo que pretende descrever uma espécie particular de caracol. Na
natureza existem muitas variedades de caracóis e as espécies podem variar de acordo
com a cor, o tamanho, etc. Imagine que o biólogo está interessado em identificar o
tamanho médio do caracol comum. Como ele não pode apanhar todos os caracóis dessa
espécie no mundo inteiro, a solução é fazer uma amostragem, medir as conchas dos
indivíduos da amostra e extrapolar para o resto da população. Ele chega assim à
conclusão que a concha do caracol comum mede em média entre 1.5-2 cm. Da próxima
vez, quando ele for observar caracóis na natureza e se encontrar um caracol que mede
entre 3.5-4cm, ele poderá concluir que provavelmente está perante uma nova espécie ou
um caso excepcional dentro da espécie de estudo. Talvez uma mutação! Se estes
caracóis maiores são encontrados frequentemente na amostragem isto sugere que existe
uma outra espécie de dimensões maiores coexistindo no mesmo habitat.
O método utilizado pelo biólogo foi uma forma de generalização estatística onde ele
assumiu que as dimensões entre 1.5 - 2cm eram uma característica da espécie, ou pelo
menos da população da região onde ele fez a colheita.
Antes de entrarmos na explicação detalhada de cada um dos tipos de generalização
indutiva formal, convém clarificar alguns pontos acerca dos conceitos “estatística” e
“probabilidade”.
O que é a Estatística?
A estatística é o estudo da colecção de dados, a sua análise, interpretação e
apresentação. Uma análise estatística pode ou não incluir cálculo de probabilidades.
Quando se analisam esses dados podem seguir-se duas metodologias:
51
a) Estatística Descritiva:
Descrição simples da colecção dos números obtidos. Esta descrição geralmente
inclui a média, moda, mediana, variância, desvio padrão e erro padrão.
A estatística descritiva limita-se a sumarizar as características da amostra, em vez
de usar esses resultados para aprender mais sobre a população de onde se
colheu a amostra. Este tipo de estatística não se baseia na teoria de
probabilidades.
b) Estatística Inferencial ou inferência estatística (de poucos para muitos):
Esta abordagem usa os valores da amostra para inferir sobre a natureza dos
processos que produziram esses dados. É o tipo de estatística que faz estimativas
sobre a população a partir das amostras.
No exemplo do biólogo que estuda caracóis, ele precisa de usar estatística
inferencial para derivar algumas conclusões sobre o tamanho geral dos caracóis
daquele ecossistema. A questão dele é a seguinte; qual é a probabilidade que os
caracóis desta população tenham o mesmo tamanho médio que os caracóis da
amostra?
A estatística inferencial é baseada na teoria de probabilidades e as conclusões
são obtidas pelo processo de inferência estatística.
As inferências são feitas usando dados numéricos e um modelo estatístico que
liga os dados aos parâmetros. Um parâmetro é aquilo que se está a medir, por
exemplo no caso do biólogo, o parâmetro é o tamanho da concha em largura e
medido com uma craveira em mm ou cm.
Um modelo estatístico é a formalização do tipo de relações entre as variáveis na
forma de equações matemáticas descrevendo como uma ou mais variáveis se
relacionam com outras variáveis. Exemplos de modelos estatísticos são o teste de
Student, o Chi-quadrado, ANOVA, linhas de regressão e correlação. Estes
modelos servem para comparar várias características do conjunto de dados. Por
exemplo testam se os valores obtidos estão normalmente distribuídos (Curva de
Gauss), se existe grande variação dentro dos valores colectados, se há
correlação entre dois grupos de valores colectados, etc.
Dentro da inferência estatística existem duas abordagens principais:
Estatística frequentista que se baseia na frequência do aparecimento dum
determinado valor numa colecção de dados. No caso do estudo do caracol seria
uma estatística que conta quantas vezes aparece o valor 1,5cm, quantas vezes
aparece o valor 2cm, quantas vezes aparece o valor 2,5cm e aí por diante.
Eventualmente chegaremos a uma situação onde um certo tipo de valores ocorre
mais frequentemente do que que outros.
Estatística Bayesiana que é baseada no teorema de Bayes. Este teorema ajuda
a calcular a probabilidade dum evento dado a ocorrência de outro. Por exemplo,
dado que choveu ontem e hoje, qual é a probabilidade que irá chover amanhã?
Também pode ser aplicada em eventos que influenciam outros eventos. Por
exemplo, dado que a população de coelhos aumentou este ano, qual é a
probabilidade que a população de raposas vai também aumentar? É também útil
na análise de comportamentos. Se o animal A está presente quando o animal B
está expressando um determinado comportamento, qual é a probabilidade que a
presença ou comportamento do animal A vá influenciar o comportamento do
animal B?
52
A diferença fundamental entre estatística frequentista e Bayesiana está
• na forma como se interpreta a probabilidade de ocorrência dos eventos
• na representação do desconhecido
• no reconhecimento do uso de informação prévia
Tipos de Estatística
Estatística Descritiva
Estatística Inferencial
Estatística
Frequentista
Estatística
Bayesiana
O que é a Probabilidade?
Probabilidade é a medida da possibilidade de ocorrência dum evento. O cálculo de
probabilidades é usado para quantificar uma atitude mental relativamente a uma
proposição cuja verdade não se sabe, pode ou não ser verdadeira.
•
•
A proposição é expressa do seguinte modo: Será que este evento
específico vai ocorrer?
A atitude mental é expressa assim: Qual a quantidade de certeza de que
esse evento vai ocorrer?
Essa certeza pode ser descrita em termos numéricos ente 0 e 1 (falso ou verdadeiro;
não ou sim) onde o zero indica impossibilidade e 1 indica absoluta certeza, ou 100%
de certeza. Assim, o cálculo de probabilidades indica que quanto mais próximo de 1,
maior é a certeza que o evento vai ocorrer.
Podem identificar-se vários tipos de probabilidade:
Probabilidade
à priori
Probabilidade
estatística
Probabilidade
indutiva
Probabilidade
subjectiva
Cada evento tem igual
oportunidade de
ocorrer
Conta a frequência
dum evento e calcula
a probabilidade dele
acontecer de novo.
Propõe a probabilidade
de eventos futuros,
baseado em eventos
passados.
Diferentes graus de
convicções pessoais
•
Probabilidade clássica ou à priori
Assume-se que cada evento tem igual probabilidade de acontecer. Por exemplo,
se eu atirar uma moeda ao ar, a probabilidade de obter caras à priori é igual à
probabilidade de obter coroas. Esta probabilidade obedece ao princípio da
indiferença que se pode entender do seguinte modo; se mandar uma moeda ao ar
e se a moeda não for viciada, a probabilidade de sair cara ou coroas é igual. Na
vida real o que isto quer dizer é o seguinte; dadas as mesmas condições em duas
ocasiões diferentes, a probabilidade dum evento ocorrer em cada uma dessas
ocasiões é a mesma. Por exemplo, se as condições que se encontraram aquando
da origem da vida no planeta Terra se encontrarem noutro planeta, a
probabilidade de vida ter origem nesse planeta, será a mesma que foi na Terra.
•
Probabilidade estatística ou frequentista
Define a probabilidade dum evento como o limite da sua frequência relativamente
a um grande número de observações. Vai-se contando a frequência dum evento
cada vez que ele ocorre. É um tipo de probabilidade usada em questionários à
população. Por exemplo quantas pessoas disseram que iam votar no partido A, no
B e no C. A frequência foi 2000 para o A, 3500 para o B e 1345 para o C.
53
•
Probabilidade indutiva
Das várias formas de probabilidade esta é a forma de generalização duma
característica da amostra para a população. Se uma percentagem da amostra tem
a característica C, então a mesma proporção da população terá essa
característica. Se 25% da amostra apresentou essa característica, então 25% da
população também tem essa característica.
•
Probabilidade subjectiva
De facto não existe nenhum cálculo probabilístico nesta forma. É apenas uma
expressão de opinião ou convicção. Uma pessoa pode afirmar; “tenho quase a
certeza que ele foi a Lisboa hoje“. Aqui a expressão de quantidade de
probabilidade está na palavra “quase” que é muito vaga.
Probabilidades na Estatística
Como se viu, pode haver estatísticas sem cálculo de probabilidades, mas o cálculo de
probabilidades é um método importante para se fazer generalizações a partir de
amostras e daí tirar conclusões sobre a probabilidade de ocorrência dum evento na
população em geral.
O método e tamanho da amostragem tem uma importância crucial no resultado que leva
à conclusão. Por isso para se obter conclusões tão próximas da realidade quanto
possível existem alguns factores que se devem ter em consideração:
A representatividade da amostra depende do conhecimento de dois factores:
1. o que pertence e o que não pertence à população
2. quais são as características relevantes à investigação e quais não são
8.2.1. Generalização Estatística
A estatística é um tipo de indução por generalização que ajuda a responder às seguintes
questões:
• Como se pode saber que generalização é suficientemente forte para se aceitar?
• As premissas são verdadeiras?
• As premissas são justificadas?
• O método de amostragem é confiável ou tendencioso?
A generalização estatística inclui o cálculo de estatística frequentista, Bayesiana e
probabilidade estatística.
8.2.2.Generalização Baseada na Variação
Mas a generalização estatística não precisa de ser a única forma de generalização aplicada a
todas as situações. Frequentemente o processo de inferir conclusões a partir de amostras
está sujeito a variações aleatórias, como por exemplo erros de observação ou variações no
método de amostragem e assim para complementar o método de generalização por inferência
estatística deve também se adoptar um método baseado na análise das variações que podem
ocorrer dentro da colecção de dados.
Já que a amostra não inclui todos os membros da população, a estatística descritiva da
amostra (média, mediana, quantiles, curtose, etc.) frequentemente difere dos parâmetros de
toda a população. Já que a amostragem é feita para determinar as características de toda a
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população, é preciso conhecer a diferença entre os valores da população real e os valores da
amostra. Esta diferença é conhecida como o erro de amostragem.
É praticamente impossível conhecer o valor exacto do erro de amostragem pois não sabemos
os valores reais dos parâmetros da população, mas esse erro pode ser calculado de forma
probabilística.
Existem outros parâmetros que nos dão alguma informação que nos permite fazer inferências
por generalização. Esses parâmetros são a variação aleatória, a margem de erro e o nível de
confiança. Informações mais detalhadas sobre estes parâmetros podem ser encontradas em
qualquer livro básico de introdução à estatística.
8.2.3. Probabilidade Indutiva
A probabilidade indutiva é uma tentativa de dar uma probabilidade à ocorrência de eventos
futuros, baseado na probabilidade de eventos passados. Esta é uma das formas principais do
raciocínio indutivo formal e uma base matemática para a aprendizagem e percepção de
modelos padrão. Em pensamento crítico refere-se à probabilidade obter uma conclusão
verdadeira num argumento indutivo com premissas verdeias.
Este tipo de probabilidade difere da probabilidade clássica (à priori) e da probabilidade
frequentista (ou probabilidade estatística) no sentido de não registar a frequência de eventos
passados para estimar a probabilidade de eventos futuros.
Tipos de indução
Tipos de probabilidae
Analogia (indução simples)
FORMAL
Probabilidade Classica
Generalização estatística
Probabilidade Frequentista
Probabilidade Indutiva
Generalização
Generalização baseada em variação
INFORMAL
Silogismos estatísticos
Analogia
Generalização
Probabilidade subjectiva
Causa
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8.3.Indução por silogismos estatísticos
Um silogismo estatístico procede duma generalização que é verdadeira para a maioria da
população, para um caso particular.
Uma proporção da população P tem o atributo A.
Um individuo X é membro da população P.
Logo, há uma probabilidade que X tenha o atributo A.
A maioria dos professores são liberais
A Maria é professora
Provavelmente também é liberal
A maioria dos professores são mulheres
João é professor
Provavelmente é mulher
Quase todas as pessoas são mais altas que 1.50m
A Maria é uma pessoa
Logo a Maria é quase de certeza mais alta que 1.50m
Por aqui se pode ver que os silogismos estatísticos podem levar a conclusões incorrectas.
8.4. Indução por confirmação (abdução)
A indução por confirmação é o processo que leva à confirmação duma hipótese previamente
formulada pelo processo de abdução. Este método de confirmação de hipóteses pode levar à
formulação de teorias explicativas sobre os fenómenos observados.
A confirmação da hipótese segue um método sistemático de avaliação e teste. Se os
resultados dos testes não confirmarem a hipótese, deve-se reformular os pressupostos da
hipótese. Neste processo, o investigador procura constantemente casos que contradigam a
hipótese. Se nunca encontrar nenhum pode formular uma teoria que se mantém até se
encontrar algum caso que contradiga a teoria, então a teoria cai devendo ser reformulada ou
mesmo abandonada levando à criação de uma nova teoria para explicar o fenómeno.
Num mundo ideal o investigador pára de procurar novos casos quando a teoria formada não
tem mais oportunidades de ser contrariada. Este tipo argumentação, que é uma forma
especial de argumento de generalizações baseados em teorias, é conhecido por raciocínio
abdutivo. Detalhes deste tipo de raciocínio serão apresentados mais à frente.
8.5. Indução formal e o método científico
O método científico apresenta variações ao longo da história. Os historiadores da ciência
dividem-se quanto à origem da ciência moderna, uns apontam Galileu Galillei (1564-1642)
como o originador do pensamento científico moderno, enquanto que outros atribuem a Sir
Francis Bacon (1620) a origem do método científico como o entendemos presentemente. No
modelo Baconiano, o cientista observa a natureza, propõe uma teoria de generalização dos
padrões observados, e tenta confirmar essa teoria por forma de acumulação de
observações. Este método é denominado indução enumerativa porque tenta fazer uma
generalização de casos particulares (as observações) para o todo e daí criar uma lei
universal.
56
O método científico é um processo que se baseia na objectividade como meio de
aproximação da verdade e consiste dos seguintes passos:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Identificação do assunto sob investigação.
Observação.
Familiarização com o conhecimento existente relevante ao processo sob investigação.
Criação duma hipótese.
Especificação de condições de verificação ou falsificação.
Teste da hipótese através da produção de experiências que sejam reproduzíveis por
outros ou angariação de dados de observação.
7. Seguimento de protocolos específicos desenvolvidos para questões particulares.
8. Formulação de conclusões baseadas na evidência obtida.
Em 1740 o filósofo escocês David Hume apontou diversos erros nesta forma de indução
afirmando que a indução enumerativa era ilógica porque, seguindo este método, os cientistas
estão simplesmente a observar sequências de eventos e a psicologia natural que caracteriza
os seres humanos é atribuir relações causais a eventos sequenciais. Como veremos mais
adiante na secção das falácias causais, uma sequência de eventos nem sempre apresenta
relações causais. Desde então varias discussões sobre o método científico tem sido foco da
filosofia da ciência, culminando no século 20 com a aceitação geral dos princípios
enumerados por Karl Popper.
8.5.1. Karl Popper e a refutação de hipóteses
Karl Popper (1902-1994) foi um filósofo da ciência que escreveu muito sobre o método
indutivo usado na investigação científica. Ele sugeriu que a ciência empírica nunca pode ser
provada, mas pode ser falsificada. As suas ideias influenciaram o modo como se faz ciência
hoje. De acordo com Popper, se o resultado das experiências e testes contradiz a teoria, o
investigador deveria abster-se de oferecer explicações ad-hoc para se ver livre de
contradições (veja capítulo sobre as Falácias Causais).
8.6. A importância do método científico na vida mundana
Por aquilo que foi aqui dito, receio ter dado a impressão que o método científico é algo que é
útil apenas para cientistas. Algo que se usa no laboratório ou no campo quando se vai
observar passarinhos. De facto este método aplica-se a todas as situações da nossa vida,
pois estamos constantemente a ser bombardeados com informação que clama ser científica,
ou uma ciência. É preciso clarificar que existem diferenças entre os conceitos de
conhecimento, ciência, questionamento científico e o método científico.
Ciência é o conjunto de informação que foi adquirida ao longo dos anos através da aplicação
de métodos de investigação que usam o método científico. Essa informação pode servir de
suporte para o desenvolvimento de tecnologias que resolvem problemas. Por exemplo fazer
pontes, guiar um carro, viagens espaciais, fornos de microondas, biotecnologia, scans TACs,
frigideiras de Teflon, iPods, cabras que produzem proteínas de teia de aranha no seu leite
para a produção de tecidos, e ratos bioluminescentes são objectos possíveis devido ao
desenvolvimento de tecnologias que por sua vez se basearam na informação obtida pelos
cientistas fazendo experiências, testando hipóteses, criando teorias. Esses cientistas
utilizaram o método científico para chegar aos resultados que são usados no desenvolvimento
das tecnologias. O método científico alimenta o repertório das variedades de conhecimento
que constituem a ciência. A ciência adopta o questionamento científico, isto é; cada vez que o
método científico nos dá respostas e soluções para uma questão, essas soluções trazem
57
consigo um mundo interminável de questões que serão de novo analisadas através do
método científico.
A ciência contribui para enriquecer o conhecimento dos seres humanos, mas não significa
que seja a única forma de obter conhecimento. O saber coisas é diferente da sapiência. Aqui
referimo-nos à palavra conhecimento como sapiência. A filosofia não é uma ciência, mas o
seu exercício contribui para a nossa sapiência. Tudo aquilo que clama a existência de coisas
sem evidência empírica não é ciência nem conhecimento. O método científico é uma forma de
obter evidência para proposições que clamam ser verdadeiras relativamente à existência ou
mecanismo de algo. Se a evidência não suportar o argumento, então o argumento precisa de
ser alterado.
No seu dia-a-dia você irá ouvir alguns médicos sugerirem que faça algum tipo de tratamentos
alternativos. Antes de se prontificar a gastar o seu dinheiro nesses tratamentos primeiro
pergunte ao seu médio se existe evidência empírica obtida através da aplicação do método
científico, confirmando a eficácia de tais tratamentos. Mas se você acredita no efeito placebo,
provavelmente alguns desses tratamentos podem resultar. No entanto isso não significa que a
proposição que clama que o tratamento é efectivo, seja verdadeira. Se ele funcionou não se
deve aos atributos do tratamento mas sim do seu poder sugestivo e a capacidade do paciente
se deixar impressionar. Para o tratamento ser de facto efectivo teria que dar os mesmos
resultados positivos num número muito elevado de pacientes sofrendo da mesma condição.
Isto é o mesmo que dizer que os seus resultados teriam que ser estatisticamente
significantes.
Todos os dias ouvimos propaganda de políticos, anunciantes, grupos místicos clamando que
o seu produto é uma ciência ou resulta da investigação científica. Os publicitários gostam de
colocar pessoas de batas brancas e óculos tipo John Lennon, dando a impressão de que os
cientistas trabalham todos num laboratório e gastaram a vista de tanto ler artigos científicos.
Existem muitos tipos de investigação científica que não ocorre no laboratório. Por exemplo a
observação do comportamento animal no seu ambiente exige botas impermeáveis ou
resistentes às picadas de escorpião, roupas resistentes ao frio ou ao calor e muita coragem
para andar e rastejar no pó, na neve e na lama. Mas existe algo de comum entre as alvas
batas dos cientistas de laboratório e a lama nas botas dos ecólogos; a aplicação do método
científico e a submissão dos seus resultados ao escrutínio dos seus colegas. Mas talvez o
factor mais importante que caracteriza a ciência é a sua capacidade de rejeitar as teorias que
estavam erradas e aceitar a evidência que as refutou. É nesta atitude que a ciência diferente
do dogma.
Para exemplificar o uso errado da palavra científico, veja o excelente texto do bloguista
Ludwig Kripphal no seu blog Que Treta na caixa da página seguinte.
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Treta da semana : espiritismo três em um
A Associação de Divulgadores de Espiritismo de Portugal (ADEP) descreve esta doutrina
como «uma ciência filosófica de consequências morais. Como ciência, investiga os factos
espíritas. Como filosofia explica-os. Como ética dá-nos um roteiro moral para as nossas
vidas.» Com um alvo tão grande seria de esperar que acertasse em qualquer coisa. Azar. Falha
tudo.
O espiritismo «foi codificado por um professor francês de meados do século XIX: Allan
Kardec» e o seu método de investigação, descrito no “Livro dos Espíritos”, consistiu em
escrever o que alegou serem respostas dos espíritos às suas perguntas. Isto não é científico
porque a ciência progride seleccionando as hipóteses que se destacam quando postas à prova.
Podemos imaginar que é uma corrida, com as hipóteses que não tropeçam nos factos e que
correm mais leves de premissas infundadas passando à frente das outras. A corrida é
permanente – nenhuma hipótese ganha em definitivo – mas não se toma qualquer uma como
verdadeira se nem sequer está à frente das outras. A hipótese de Kardec ter mesmo falado com
espíritos que sabiam do assunto e diziam a verdade é apenas uma entre muitas outras. E,
destas, a que se destaca como mais plausível, e menos dependente de premissas gratuitas, é a
de que ele apenas escreveu o que lhe veio à cabeça.
Por exemplo, à pergunta «Donde vieram para a Terra os seres vivos?», os espíritos
responderam que «A Terra lhes continha os germens, que aguardavam momento favorável
para se desenvolverem [no] momento propício ao surto de cada espécie». Disseram também
que ainda surgem seres vivos espontaneamente dos «tecidos do corpo humano e do dos
animais [onde] só esperam, para desabrochar, a fermentação pútrida que lhes é necessária à
existência» e que, entre “corpos orgânicos e inorgânicos”, «A matéria é sempre a mesma,
porém nos corpos orgânicos está animalizada» (2). Suspeito não ser coincidência que os
espíritos que falaram com o professor francês do século XIX tivessem as mesmas ideias erradas
acerca da origem das espécies, do vitalismo e da geração espontânea que teria um professor
francês do século XIX.
A afirmação de que o espiritismo é filosofia porque explica os factos é falsa duas vezes.
Primeiro, porque a filosofia preocupa-se mais em explorar conceitos do que em explicar factos.
Mas, principalmente, porque o espiritismo não explica factos nenhuns. Uma explicação é uma
descrição consistente com o que observamos e da qual se pode inferir o que pretende explicar.
O espiritismo não só é parco em inferências, limitando-se às alegações, como é inconsistente
com a informação que temos. Por exemplo, a hipótese de termos uma alma eterna é refutada
pelos efeitos cognitivos de drogas, acidentes vasculares cerebrais ou doenças como a de
Alzheimer. Se houvesse algum aspecto do nosso intelecto, da nossa memória, da nossa
consciência ou personalidade que se devesse à tal alma, esse seria imune a qualquer problema
físico. As evidências indicam claramente que não há tal coisa.
Finalmente, dizem que o espiritismo é uma ética porque «dá-nos um roteiro moral para as
nossas vidas.» No entanto, simplesmente dar um “roteiro moral” não constitui uma ética. Dizer
“não roubarás” estipula uma regra moral mas ética é considerar porque é que não se deve
roubar, quais os fundamentos dos direitos de propriedade, em que situações é permissível
roubar e porquê, e assim por diante. Também nisto o espiritismo fica muito aquém do que a
ADEP promete: «O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal, tudo o que lhe é
contrário»(3). Isto está para a ética como a fisga está para a exploração interplanetária.
Apesar de ser apelativa esta ideia de ter uma alma imortal e de ir eventualmente viver no
mundo dos espíritos, é com alívio que concluo que a doutrina espírita é treta. Alívio porque, se
fosse verdade, seria prova de que os espíritos imortais tinham o conhecimento, a mentalidade
e a forma de se exprimir de um professor francês do século XIX. Antes acabar a minha
existência com a morte do corpo do que gramar uma eternidade de disparates.
59
Capítulo 9: INDUÇÃO INFORMAL
A indução informal é uma forma de indução menos rigorosa que não se baseia em evidência
numérica e onde as conclusões são fruto da nossa experiência sensorial.
A indução informal também ocorre por analogia e por generalização de forma semelhante à
indução formal, mas sem o rigor matemático expresso nesta última.
9.1. Indução informal por analogia
Indução informal por analogia é a comparação entre objectos semelhantes donde se infere
que a propriedade duma classe deve ser comum à outra classe por opinião ou baseado na
própria experiência sensorial. Não inclui precisão. Em linguagem comum usamos analogias
frequentemente para dar enfâse às nossas explicações aumentando a sua compreensão.
Uma analogia é útil quando ambos, aquele que comunica a mensagem e aquele que ouve,
têm uma referência comum. Aqui estão alguns exemplos onde se usam analogias:
•
•
•
•
Explicação
Como instrumento retórico
Argumentos morais e legais
Analogias lógicas
Num argumento analógico aquilo que se conclui no modelo também se conclui no objecto
comparado.
Os homens são como os azulejos (de chão)
Se os deitarmos bem, podemos andar sobre eles o resto da vida!
Um argumento analógico tem o seguinte formato:
P1: X e Y têm as propriedades p, q e r
P2: X tem uma particularidade F
C: Logo Y também tem F
A premissa P1 assume que por compartilha de tantas propriedades (p, q, r), W e Y devem ser
iguais ou pelo menos muito similares e daí se deriva a conclusão que se identificarmos mais
uma propriedade no modelo (X) é lícito assumir que o objecto comparado continua a ser
similar to X. Este argumento pode funcionar nalguns casos, mas também é fácil de ver que
pode falhar em muito mais situações.
60
Podem-se identificar três tipos de argumentos analógicos
1. Argumentos por propriedades
2. Argumentos por relações
3. Argumentos por uso de lógica
1.
Argumentos analógicos por propriedades
Uma propriedade é uma característica que é atribuída a um objecto. Os argumentos por
propriedades estabelecem analogias entre as propriedades dos objectos comparados.
Por exemplo uma maça pode ter as seguintes propriedades: Doce, ácida, vermelha,
suculenta.
2. Argumentos analógicos por relações
Uma relação é uma característica que é atribuída à situação de duas ou mais coisas.
Uma maça pode estar dentro ou fora da caixa, ao lado do copo. Um argumento relacional
compara as situações dos objectos A e B em relação à situação em que se encontram.
Por exemplo, se os homens ganham o certo salário por fazer um trabalho, as mulheres
que fazem o mesmo trabalho deveriam receber o mesmo salário que os homens.
Vamos analisar o argumento seguinte:
“Quase toda a gente iria atirar um salva-vidas a uma pessoa que se está a afogar. De
facto, alguém que se recusasse a lançar essa bóia dadas as circunstâncias seria
considerado como imoral. O mesmo se aplica a nações onde ocorre a fome em países do
Terceiro Mundo. Deveríamos estra preparados para atirar um salva-vidas” na forma de
ajuda de emergência.”
Primeiro vamos escrever a fórmula geral dum argumento analógico por relações:
X está para Y assim como p está para q
X tem a relação R para com Y
Logo X também tem a relação R para com q
(porque Y tem essa relação com q)
61
X e Y estão relacionados no caso da analogia
p e q estão relacionados no caso do sujeito
R é o alvo do argumento e descreve a relação
entre X e Y no caso análogo
Agora vamos analisar frase por frase.
X e Y estão relacionados no caso da analogia
O caso da analogia é o uso dum conceito com o qual estamos mais familiarizados na
comparação com o caso que estamos a defender. Neste argumento estamos a comparar
como equivalentes ou análogos o atirar do salva-vidas a uma pessoa que se afoga com a
ajuda financeira.
X
Atirar o salva-vidas
R
Y
Dar ajuda financeira como salva-vidas
p e q estão relacionados no caso do sujeito
O caso do sujeito é o objecto sobre o qual estamos a tentar chegar a uma conclusão.
Estamos a tentar influenciar as pessoas que se recusam a dar ajuda contra a fome
comparando o sujeito que se está a afogar com a fome nos países do terceiro mundo.
R
q
p
Conclusão
Assim como
Então
X está relacionado com p
Y está relacionado com q e X está relacionado com Y
X também está relacionado com q
3. Argumentos analógicos por uso de lógica ou raciocínio paralelo
Analogias lógicas podem usar-se para refutar argumentos mostrando que um argumento é
inválido ao oferecer outro argumento que é claramente inválido. O contra-argumento deverá
ter a mesma forma ou seguir a mesma regra que o primeiro de uma forma simples e clara
para realçar o erro do primeiro argumento.
Argumento 1
Contra-Argumento na mesma forma
do argumento 1
Todos os liberais acreditam que deveria de
existir um serviço nacional de saúde grátis.
Já que todos os liberais respiram ar
e
Qualquer pessoa que quer medicina
socializada também acredita que deveria
haver um serviço nacional de saúde grátis.
e
Os terroristas respiram ar
Logo todos os liberais são terroristas
Logo, todos os liberais querem medicina
socializada
62
Forma
A->B
C->B
A->C
Ao se colocar ambos os argumentos na sua forma estrutural, é fácil de ver que ambos os
argumentos são inválidos e o contra-argumento sendo mais simples facilita a detecção do
erro no primeiro argumento.
O exemplo seguinte é frequentemente usado contra os ateus e segue a mesma abordagem
da analogia por raciocínio paralelo.
José Crente: És ateu porque odeias Deus!
Manuel Ateu: Eu tenho tanto ódio de Deus como tu odeias o Chupacabras.
José Crente: Como posso odiar o Chupacabras se ele não existe?
Manuel Ateu: Precisamente! Bem-vindo à realidade.
9.2. Indução informal por generalização
Os cérebros são máquinas de aprender. Os humanos e outros animais observam o mundo
que os rodeia, memorizam as observações e estabelecem regras que sejam comuns às
classes de fenómenos observados. Isto é; durante a nossa vida observamos muitas plantas
em nosso redor, mas seria impossível lembrar de todas as formas e feitios observados.
Então, á medida que vamos vivendo e observando, o cérebro cria categorias de plantas
focando em alguns aspectos mais salientes. Por exemplo estabelece diferenças ente ervas e
árvores focando no tamanho e na presença ou ausência dum tronco robusto e lenhoso.
Também nota a diferença entre árvores e arbustos pelo tamanho e forma. Assim se eu vir um
carvalho sei que é uma árvore e não um arbusto. Eu generalizei as características de todas
as árvores que vi na minha vida, e conclui que um carvalho cai dentro dessa categoria. No
entanto esta generalização por vezes pode falhar. Por exemplo eu posso ser tentada a
classificar uma oliveira como árvore quando na realidade é um arbusto. Um arbusto é uma
planta lenhosa que se ramifica desde junto ao solo, enquanto que uma árvore começa a se
ramificar junto à copa.
A generalização é um processo que facilita a classificação das nossas observações
colocando-as em grupos que compartilham certas características comuns. Quando o cérebro
identificou que uma árvore não é uma erva, pode então continuar a procurar outras
características que dividem as árvores entre si em classes menores. Assim aprendemos a
distinguir árvores de arbustos e dentro das árvores, distinguimos pinheiros (gimnospérmicas)
de carvalhos (angiospérmicas) e assim por diante até chegarmos a um grupo onde todos os
seus membros são muito semelhantes e compartilham da maioria das características
relevantes. Eventualmente identificamos a árvore com sendo um sobreiro (Quercus suber) e
não uma azinheira (Quercus ilex rotundifolia).
O mecanismo de reconhecimento e identificação segue os seguintes passos: Primeiro
estabelecemos as diferenças, e depois generalizamos as características comuns para um
determinado grupo A que é diferente do grupo B. Porque o cérebro funciona assim
naturalmente, aplicamos este processo de generalização mesmo a coisas desconhecidas.
Primeiro procuramos algo que seja similar ao objecto, depois colocamos o objecto dentro da
classe que achamos mais indicada, generalizando as características dessa classe para esse
objecto desconhecido.
Os nossos diálogos estão cheios de frases do tipo; “os políticos são todos uns corruptos”, “os
Portugueses chegam sempre atrasados”, “ os Escandinavos são frios e distantes, não
mostram sentimentos”, “ os pitbull são cães perigosos”, “está sempre a chover na Escócia”,
etc. Mas se queremos de facto ser rigorosos, precisamos de providenciar evidência para
suportar essas conclusões. Quantos políticos são corruptos e dentro dum grupo de quantos?
Quantos dias de chuva ocorreram na Escócia no espaço de um ano? De todos os cães do
63
mundo da raça pitbull, quantos é que são de facto perigosos? Note que a palavra “todos”
generaliza de uma pequena amostra para o resto da população.
O método científico também é uma forma de generalização por indução. Os cientistas colhem
amostras e dos resultados dessa amostragem, sugerem que o resto da população deve ser
semelhante à amostra. Mas atenção que aqui a palavra “deve ser” não sugere certeza
absoluta. Existe sempre uma certa margem para erro. É por isso que se fala de
probabilidades, e quem faz ciência precisa de aprender como calcular estas probabilidades.
Mas na vida diária não calculamos probabilidades, limitamo-nos a fazer um cálculo
probabilístico inconsciente sobre a ocorrência daquilo que vimos, sentimos, tivemos
experiência no passado e transpomos para o presente ou o futuro. Se sempre nevou no
inverno, esperamos que vá nevar de novo este ano no inverno, mas existe sempre uma
probabilidade que não caia neve.
A experiência pessoal é uma forma muito vaga de interpretar o mundo e oferecer conclusões.
Existem muitos factores que influenciam a nossa experiência pessoal e deturpam a nossa
memória de eventos passados. Por exemplo o nosso estado emocional pode influenciar o tipo
de memórias que vêm à superfície. Algumas memórias são mais enfáticas do que outras
porque quando o evento aconteceu foi emocionalmente mais marcante. Outras memórias são
mais recentes e podem deturpar a relação entre quantas vezes um evento ocorreu e quantas
vezes não ocorreu (ocorrência/não-ocorrência). Porque a memória é mais recente, temos
uma tendência a assumir que esse evento ocorreu frequentemente. Por exemplo, os jornais
podem escrever que nos meses de verão houve 450 acidentes nas estradas resultando 134
mortos. As pessoas podem concluir que o verão é uma altura perigosa para conduzir, mas
este cálculo deve ser feito em relação a todos os restantes dias do ano e todos os Verões dos
últimos 20 anos por exemplo. Só assim podemos concluir se de facto estes acidentes são
concentrados no verão ou se estão dispersos pelo ano inteiro e os jornais só relataram o
verão.
A nossa tendência é sempre lembrar das instâncias quando algo aconteceu esquecendo que
são mais as instâncias em que esse algo não aconteceu.
Por exemplo em 2014 o João apanhou 3 multas de velocidade. De facto ele não ia muito
rápido, simplesmente ultrapassou em alguns poucos valores o limite de velocidade dentro
duma vila e foi apanhado por uma câmara. A mulher de João criticou-o queixando-se que ele
estava sempre a apanhar multas de velocidade tornando-se um perigo andar de carro com
ele. Na realidade desde que o João conduz há mais de 30 anos, apenas apanhou no total 4
multas de velocidade o que faz com que as multas de 2014 sejam insignificantes em relação
ao seu habitual de não apanhar multas. Ora se ele só tivesse conduzido um carro 6 vezes em
toda a sua vida, essas multas seriam significativas. Isto é, 4 em 6 é preocupante. Mas se ele
conduziu um carro quase todos os dias, nos últimos 30 anos ele teria tido 4 multas em 11.000
instâncias de condução. Na realidade 4 em 11.000 é um número bem insignificante!
A experiência pessoal tem muitas fraquezas que serão discutidas em detalhe mais adiante da
secção sobre as falácias, por isso é um método muito pouco confiável como uma forma de
adquirir conhecimento. O método científico é a única forma de poder produzir resultados e
conclusões com objectividade, que não são dependentes das experiências pessoais de cada
indivíduo. Este método representa as experiências de mais do que uma pessoa, onde as
interpretações dos resultados são cuidadosamente separados das observações. Os
instrumentos são usados para fazer medições precisas e operados por pessoas treinadas na
sua utilização. Um dos objectivos mais importantes deste método é eliminar ou pelo menos
minimizar a influência de subjectividade nas medições. As técnicas são repetidas várias vezes
para identificar se ocorreram erros e para os minimizar.
64
As declarações que resultam do método científico são depois expostas ao escrutínio dos
especialistas que trabalham na mesma área e se eles detectarem alguma coisa errada com o
processo, então os testes devem ser repetidos até se ter a certeza que os resultados são
independentes, replicáveis e livres de interesses subjectivos. Por causa deste processo
metódico e controlado, muitos intelectuais defendem que o método científico é o único
processo que nos pode dar uma aproximação realística da verdade.
Quando se avalia o testemunho providenciado por alguém e se esse testemunho não pode
ser sujeito ao método científico, então existem outros procedimentos que nos ajudam a
avaliar essas declarações e decidir se queremos ou não aceitá-las. Quando as pessoas
apresentam argumentos indutivos, a conclusão e as premissas são apresentadas com
palavras que definem margens de erro e níveis de confiança informais como representados
na caixa abaixo.
Margem de erro informal
Nível de confiança informal
•
•
•
•
•
•
•
•
por volta de…
mais ou menos…
aproximadamente…
cerca de…
quase de certeza…
muito provavelmente…
é possível que…
há uma boa chance de…
Uma generalização feita sem colecção de amostras e baseadas apenas nas nossas
experiências pessoais é uma forma de indução simples.
65
Capítulo 10: QUALIDADE DOS ARGUMENTOS INDUTIVOS
Vimos que os argumentos dedutivos se classificam de acordo com a sua validade em válidos
ou inválidos e e em relação à plausibilidade das premissas em sólidos ou não-sólidos. Um
argumento indutivo é classificado de acordo com a sua força em forte ou fraco.
Um argumento é forte se for possível, mas extremamente improvável, que sendo as
premissas verdadeiras, venhamos a obter uma conclusão falsa. Enquanto que a classificação
dos argumentos dedutivos é apresenta numa dicotomia (ou é válido ou inválido; ou é sólido
ou não), os argumentos indutivos têm diversos graus de plausibilidade entre os extremos forte
e fraco. Um argumento indutivo pode ser mais ou menos forte, muito forte, muito fraco,
mediamente fraco e por aí adiante.
Nos argumentos dedutivos as premissas provam a conclusão, nos indutivos as premissas
suportam a conclusão em algum grau. Podem suportar totalmente, ou só um bocadinho. Se
as premissas não dão muito suporte à conclusão do argumento, então o argumento é fraco. O
objectivo dos argumentos indutivos não é a aquisição de validade mas sim obter suporte para
as suas conclusões.
Na indução um argumento é considerado bom se ele atingiu os seus objectivos de convencer
outros. Mas na realidade para que qualquer argumento seja bom, é preciso que ele seja
dedutivamente válido e sólido e indutivamente forte.
A força dum argumento indutivo deve ser avaliada de acordo com a sua aceitabilidade,
relevância e adequacia.
Força dum argumento
• Aceitabilidade
• Relevância
• Adequacia
66
Capítulo 11: ACEITABILIDADE
A aceitabilidade é uma qualidade dos argumentos indutivos.
A aceitabilidade dum argumento refere-se a questões relacionadas com a verdade real
das premissas. Contráriamente ao que vimos para argumentos deductivos, para que um
argumento indutivo seja forte, as suas premissas precisam de ser verdadeiras no mundo
real. No entanto o significado de verdade é complexo. Este conceito tem sido discutido
por filósofos ao longo dos séculos e o debate continua no presente. Há quem defenda
que existem verdades objectivas e verdades subjectivas, mas se algo é subjectivo será
que corresponde exactamente aos eventos que se passam em redor de si? Será que
existe uma verdade absoluta?
Quando alguém nos apresenta um argumento indutivo a primeira questão a ser colocada
deve ser: Há alguma justificação para que este argumento seja aceite?
Existem vários graus de aceitação dependendo da natureza da afirmação ou proposição
e do contexto em que é feita e nem sempre é realístico demandar prova. Como vimos em
capítulos prévios, quando aceitamos uma proposição num argumento, ela é definida
como uma declaração que só pode ser verdadeira ou falsa. Mas acabámos de dizer que
em argumentos indutivos, a verdade das proposições que compõe as premissas pode ser
questionável. Parece haver aqui uma incongruência. Mas esta incongruência é aparente.
De facto quando alguém apresenta um argumento essa pessoa assume que as
premissas usadas na indução são verdadeiras. Mas a audiência pode questionar a
veracidade dessas premissas e a conclusão que deriva desse argumento. O autor do
argumento propõe que a conclusão é aceitável, porque ele assumiu que as premissas
eram verdadeiras (logo não falsas), mas aqueles a quem se pretende convencer podem
questionar essas premissas. Na maioria dos casos apenas é possível avaliar se a
conclusão do argumento é plausível, provável ou possível. A fim de determinar se um
argumento é aceitável ou não devemos analisar a evidência que nos é fornecida e
verificar se essa evidência é aceitável. Note que existem aqui duas intenções
concorrentes; a intenção daquele que apresenta o argumento é convencer que o
argumento é forte. A intenção daqueles que ouvem o argumento é avaliar as
aceitabilidade das premissas e decidir se se quer deixar convencer pelo argumento
proposto.
Os processos que determinam a aceitabilidade dum argumento consistem em avaliar e
verificar a evidência.
Aceitabilidade dum argumento
Avaliação da Evidência
Verificação da Evidência
• Credibilidade da fonte
• Credibilidade dos Pressupostos
• Plausibilidade
• Probabilidade
• Critérios de verdade
67
11.1. Avaliação da Evidência
Alguns filósofos clamam que apenas os argumentos dedutivos podem ser provados e
reservam a palavra “prova” para o domínio da lógica formal e da matemática. Eles
sugerem que se fale de “evidência” em vez de prova, quando estamos a analisar a
qualidade de argumentos indutivos.
Num contexto legislativo, a palavra prova tem um significado absolutamente diferente do
que é usado em ciência. No tribunal é preciso angariar evidência para provar um ponto
para além da dúvida, por outro lado, em ciência nunca nos vemos realmente livres de
dúvida. Como vimos as teorias e hipóteses são conceitos dinâmicos, mutáveis em
constante adaptação à nova evidência colectada por técnicas científicas cada vez mais
modernas e sofisticadas.
Em ciência a evidência é acumulada através das observações de fenómenos que
ocorrem no mundo natural ou sob condições experimentais controladas. Esta evidência
geralmente serve para suportar ou refutar uma hipótese, mas raramente nos oferece
prova de verdade porque nos é impossível saber se no futuro vamos encontrar nova
evidência que ponha em causa a teoria original.
Um exemplo típico desta incerteza é a história dos cisnes
brancos. Até à descoberta da Austrália pensava-se que
apenas existiam cisnes brancos. Esta teoria foi considerada
verdadeira até se verificar que existiam cisnes pretos na
Austrália. Estes cisnes sempre existiram, mas até serem
observados por alguém que trouxe essa informação para a
Europa os cisnes pretos eram desconhecidos e logo
teoreticamente inexistentes. Esta nova evidência criou uma
necessidade de reformular a teoria para “apenas existem
cisnes brancos e pretos”. Esta teoria é válida apenas até se
descobrir que em algum lugar recôndito do planeta existem
cisnes de outra cor. Cisnes cor-de-rosa ou verdes seriam
interessantes! Na verdade não existe qualquer razão para
negar a existência de cisnes verdes, azuis ou de qualquer
outra cor, pois já se verificou que essas cores podem ocorrer
nas penas de muitas outras aves.
Seria mais difícil aceitar a existência de leões azuis ou ovelhas verdes, já que isso são
cores que nunca se observaram na pelagem dum mamífero. No entanto existem alguns
primatas, como o mandril, que apresentam colorações azuis em partes específicas na
sua pele. Mas é na pele, não nos pêlos!
11.1.1. Tipos de evidência
Os tipos de evidência ao nosso dispor podem ser classificados de acordo com a sua natureza
como
a) Oral
b) Visual
c) Por estudos
d) Por experiências
e) Por números ou estatísticas
f) Por inquéritos
g) Por publicações
h) Por casos estudo
68
11.1.2. Avaliação da evidência
Ao se analisar a credibilidade dum argumento deve-se focar a nossa atenção não só na
evidência oferecida, mas também na qualidade das fontes ou dos agentes que providenciam
essa evidência.
a). Evidência oral por testemunho dum agente
O agente é aquele ou aquilo que providencia a informação tida como evidência para o
argumento. Pode ser uma pessoa, um grupo de pessoas, meios de informação social,
partidos políticos, organizações religiosas, lóbi, etc. Assim a primeira questão que se
deve colocar foca sobre a credibilidade do agente. Esta credibilidade pode ser afectada
pelo seguinte:
•
Motivos. Um agente pode ter motivos escondidos para apresentar certo tipo de
informação e esconder outra que poderia ser relevante para uma análise equilibrada
do argumento. De acordo com a sua motivação, é apropriada a questão, qual é a
probabilidade de que este agente está a dizer a verdade?
•
Percepção: Por vezes o agente pode estar a providenciar informação influenciada
pela sua percepção subjectiva dos acontecimentos, interpretada e filtrada sob o ponto
de vista das suas próprias emoções sem se dar conta de que o está a fazer. Isto pode
resultar em informação tendenciosa e enviesada.
•
Fonte: A evidência é apresentada como fonte primária, em que o agente presenciou o
evento ele próprio, ou através de fonte secundária, onde o agente reconta o que ouviu
de outrem?
•
Evidência primária
Evidência secundária
Baseia-se em:
• Experiência própria
• Observação pessoal
• Intuição
Baseia-se em:
• Testemunhos de outrem
• Apelos à autoridade
O agente: Quer a evidência seja primária ou secundária é importante verificar se o
agente demonstra nos seus motivos
• Neutralidade/ Imparcialidade
• Bias/tendências/enviesamento
• Interesse pessoal em dizer a verdade ou em mentir
• Reputação do agente
E na sua capacidade de percepção devemos nos questionar se o agente
• Tem boa capacidade de observação
• Tem o conhecimento adequado e perícia da especialidade que clama possuir
• Apresenta factos para corroborar o que diz
• Apresenta evidência contraditória
69
“Em religião e política, aquilo em que as pessoas acreditam e as suas
convicções em quase todos os casos foram obtidas em segunda mão e sem
avaliação crítica. “ Mark Twain 1835-1910
b). Evidência visual
Quando a evidência é oferecida de forma fotográfica, som ou filme é importante avaliar quão
bem esta evidência suporta as declarações feitas pelo argumento. Antes de mais deveremos
perguntar se essa evidência:
• É relevante para o assunto em discussão?
• Qual é a sua significância psrs o argumento em questão?
• É selectiva?
• É representativa da realidade ou foi sujeita a manipulação digital?
• Há inconsistências de luz e sombra, focagem, perspectivam e escala?
• Considere a possibilidade que a falta de contexto na foto pode ser enganosa
Esta foto pretende oferecer evidência para
suportar um argumento sobre aquilo que
comemos. A mensagem principal é uma apelo ao
vegetarianismo. Para suportar esse apelo, o
cartaz clama que 200 milhões de galões de água
(757.082.357 litros) são usados por dia na
indústria da produção animal. Para demonstrar os
efeitos nefastos desta indústria compara fotos do
reservatório do lago Oroville na Califórnia tiradas
em 2011 onde o lago está cheio e mais tarde em
2014 onde o lago está praticamente vazio.
A foto sugere que o esvaziamento desse lago se
deveu ao uso dessa água para serviços à
pecuária. No entanto esta foto não oferece boa
evidência porque outros factores podem estar
associados ao esvaziamento do lago. Por
exemplo, outras industrias na área usando a
mesma água podem também estar a contribuir
para o efeito, em conjunção com efeitos de
alterações climáticas que poderiam ter levado a
uma redução da precipitação desde 2011.
c). Evidência providenciada por estudos
Quando se avalia evidência providenciada por estudos, vários factores devem ser
considerados:
• Data do estudo
• A possibilidade de informação distorcida e tendenciosa
• As ferramentas e técnicas utilizadas no estudo
• Colecta de dados (cego ou duplo-cego)
• Os métodos de análise estatística e número de amostras (tamanho da amostragem)
• Consistência da evidência com outros conhecimentos bem estabelecidos
• Replicação dos estudos e resultados
• A relação entre os resultados e as conclusões
• Origem do relatório; primária ou secundária
70
d). Evidência obtida atravéz de experiências
Em evidência providenciada por experiências deve-se ter em conta o seguinte;
• O tipo de grupo de controlo utilizado
• O tamanho e representatividade do grupo a ser testado
• Se os métodos de análise instrumental e estatística foram adequados
e). Evidência providenciada por números e estatísticas
Em evidência providenciada em forma numérica deve-se ter em atenção se é apresentada em
• Números inteiros ou percentagens
• Possibilidade de precisão falsa
• Se os valores são médias, modas, ou medianas
• A margem de erro
• O intervalo de confiança
• A precisão das representações gráficas
f). Evidência providenciada por inquéritos
Quanto à informação proveniente de pesquisa por inquéritos deve-se tomar em consideração
• Que questões foram apresentadas
• Que questões não foram apresentadas
• Como as questões estavam ordenadas no inquérito
• O palavreado usado nas questões
• Quantas pessoas foram interrogadas e quantas responderam
• Por quem o inquérito foi conduzido
• A quem se enviaram as perguntas
• Relação entre os resultados e as conclusões
g). Evidência providenciada por publicações
Quando as fontes de evidência são publicações, deve ter-se em conta as mesmas questões
usadas no caso de testemunho oral, mas ainda se deve considerar se o material publicado foi
ou não sujeito a avaliação e examinação independente antes da publicação e se os materiais
usados são primários ou secundários. Por exemplo a publicação poderá ser um sumário de
publicações prévias ou uma citação. No caso de citações a publicação deve fazer referência
às fontes. Se a publicação faz referência a outras publicações devemos nos questionar se a
fonte original foi interpretada de modo adequado.
h). Evidência providenciada por casos estudo
Um caso estudo é uma estratégia de pesquisa empírica que investiga um fenómeno dentro do
seu contexto real. Investigação deste tipo pode ter em conta um ou vários casos estudo e
pode incluir evidência quantitativa ou qualitativa. Os casos estudo podem ser usados para
criar uma hipótese ou para testar uma hipótese pré-existente.
Não se deve confundir o conceito de caso estudo com o conceito de pesquisa ou investigação
qualitativa. Os casos estudo são exemplos e quantos mais exemplos da mesma natureza,
melhor, pois contribuem para a criação de dados quantificáveis. É preciso ter cuidado para
evitar generalizações apressadas que é a tendência para generalizar para um todo, um
número pequeno de observações.
71
11.1.3. Evidência e Prova
Nunca é demais relembrar que existe uma diferença entre os conceitos “evidência” e “prova”.
Se bem que na linguagem comum a palavra “prova” seja usualmente utilizada como
equivalente de “evidência”, se quisermos ser rigorosos na nossa argumentação, devemos nos
restringir a usar a palavra “evidência” quando se trata de argumentos indutivos e “prova” para
argumentos dedutivos.
Frequentemente, em discussões sobre assuntos que mexem com as crenças de cada um, se
pede para “provar” o que se diz. Por exemplo, discussões entre crentes e ateus seguem este
modelo.
Crente: Deus existe
Ateu: eu não acredito na existência de Deus. Prove que Deus existe!
Crente: Não, prove você que Deus não existe!
Existe aqui um erro de lógica.
1. O ónus da prova cai sobre quem faz uma afirmação de existência de algo.
2. Provar a não existência de algo é um erro de lógica.
Quando se pede uma prova (em sentido da linguagem comum), estamos de facto a pedir
evidência para a existência de algo. Essa evidência só é possível para coisas que existem e
se manifestam no mundo real onde podem ser detectadas e eventualmente quantificadas. Eu
não posso ouvir ultra-sons, no entanto com aparelhos adequados posso mostrar evidência
que os ultra-sons existem.
Tentar “provar” o que não existe é ilógico porque o que não existe não pode ser identificado e
há um número infinito de coisas que não existem. Como posso provar que fadas não
existem? Eu posso no entanto afirmar que até à data ninguém encontrou evidência empírica e
objectiva da existência de fadas. O mais radical que eu posso dizer é que até à data, e apesar
de todas as histórias escritas sobre fadas, em livros onde a acção das fadas se fez sentir, não
foi possível encontrar evidência real da sua existência nem das acções descritas nesses
livros. Podemos usar o mesmo argumento sobre a existência dos deuses cultivados por
diversas religiões ao longo desde tempos imemoriais. Logo acreditar em fadas é
simplesmente uma questão de fé e como tal é uma crença que não pode ser suportada por
evidência.
A definição de fé é, ter uma crença em algo sem qualquer evidência para a sua existência.
Assim eu posso ter fé nas virtudes dos cristais de quartzo para curar uma gripe. Eu uso a
palavra fé porque estou acreditando em algo sem evidência. A partir do momento que tenho
evidência de tal cura, o uso da palavra fé é inadequado porque a partir de agora passo a
acreditar numa proposição verdadeira para a qual tenho evidência e uma descrição concisa e
sistemática desses mecanismos de acção. Mas enquanto não tiver essa evidência apenas
tenho fé.
Criar um sistema cultural, político e legislativo sobre crenças do que deuses hipotéticos teriam
dito, é irracional. Em assuntos sobre os quais não temos evidência, a crença de uns é tão
válida como a crença de outros, logo a decisão inteligente é não adoptar a crença de ninguém
e restringirmo-nos àquilo para que temos evidência e podemos mostrar que existe.
Preste atenção no que está errado no seguinte diálogo:
João: Quando ninguém está a olhar, as vacas nos campos andam de pé e têm
discussões filosóficas profundas.
Ana: Você é louco. Como você sabe?
João: Como é que eu sei? Tive uma inspiração, e li no livro sagrado das vacas gordas.
72
Ana: Prove que as vacas andam em posição bipedal quando ninguém está a olhar.
João: Não...prove você que elas não andam na posição bipedal e não têm discussões
filosóficas quando ninguém está a ver!
Para qualquer pessoa esta discussão soa como uma conversa de loucos. Agora compare
com os argumentos apresentados por crentes religiosos quando pedem a um ateu para
provar a não existência do seu Deus!
“As controvérsias mais selvagens são aquelas
“Aquilo que é afirmado sem provas,
sobre assuntos para os quais não há boa
evidência tanto para apoiar como para refutar.”
pode ser rejeitado sem provas.”
Christopher Hitchens (1949-2011)
Bertrand Russel (1872-1970)
11.2. Verificação duma proposição
Uma proposição poderá ser plausível ou provável. A diferença entre estes dois termos é
importante se quisermos ser rigorosos.
Plausibilidade (Informal)
Probabilidade (Formal e Informal)
Quando dizemos que algo é plausível,
estamos a referir-nos à possibilidade de
ocorrência de certos eventos dum modo
informal.
Uma
probabilidade
pode
ser
apresentada de modo formal quando é
obtida a partir de cálculos estatísticos.
Também pode ser apresentada duma
forma informal quando se refere a um
evento que sabemos ocorrer com uma
certa frequência. Por exemplo, de
acordo com o sabemos sobre o clima
de Portugal, é muito provável que não
chova durante os meses de Julho e
Agosto no Alentejo.
Um evento pode ser plausível, mas não
ocorrer. Por exemplo, a ocorrência de
terramotos em Portugal é plausível, mas
a sua frequência, ou o dia exacto da
ocorrência é incerto.
Quando algo é plausível, isso significa
que poderia ser verdadeiro mas não
necessariamente.
Incerteza
Possibilidade
Aceitabilidade
Probabilidade (formal)
Certeza
Estes graus de força na certeza duma afirmação podem ou não ser verificáveis. Uma
afirmação, ou proposição, é verificável se podemos descrever sob que condições ela poderá
ser falsa. Isto é muito importante pois está na base do método científico onde se pretende
refutar a hipótese nula. Mas atenção que contrariamente ao que muita gente erroneamente
pensa, ao refutar a hipótese nula não estamos a aceitar a hipótese alternativa. Quando
escrevemos nos resultados finais de nossas investigações que P<0,05 estamos
simplesmente a dizer que existe uma probabilidade menor que 5% (ou 5 em 100) de que a
hipótese nula apresentada seja plausível. É uma probabilidade muito pequena, então posso
refutá-la. Se os resultados verificarem a condição P<0,001 isto significa que a probabilidade
da hipótese ser correcta é apenas 1 em 100, então eu posso rejeitar essa hipótese com uma
certa segurança.
No método científico quando aplicamos estatística probabilística não estamos a tentar provar
a nossa teoria, mas sim testar qual é a probabilidade de que a hipótese nula seja rejeitada.
Por exemplo se quero saber se um determinado tratamento A é melhor do que um tratamento
B a hipótese nula estabelece que não há qualquer diferença entre os tratamentos. Se no final
da pesquisa eu verifiquei que P<0,05, eu estou simplesmente a dizer que existe apenas uma
73
probabilidade de 5% de que ambos os tratamentos sejam iguais e 95% de probabilidade de
que eles sejam diferentes, mas isto não me diz nada sobre qual tratamento é o melhor.
O valor 0,05 foi aleatoriamente escolhido pelos cientistas como uma convenção para aceitar
ou refutar uma hipótese e não para a declarar verdadeira ou falsa. Para alguns pesquisadores
o padrão é colocado a 0,001, isto é, rejeitamos a hipótese nula se ela for possível em apenas
1 % dos casos observados. O padrão de aceitação deve ser usado nas seguintes situações
•
•
•
Quando é altamente improvável que possamos determinar a verdade
Quando é impossível determinar a verdade
Quando a asserção é de natureza não empírica
Avaliando a asserção:
•
É plausível? Para poder decidir se uma asserção é ou não aceitável podemos
examinar se os argumentos que a suportam são plausíveis, possíveis ou razoáveis.
•
É provável? Podemos usar cálculo de probabilidades para clarificar este ponto, como
descrito acima.
•
É aceitável? Queremos ou não aceitar as implicações derivadas da asserção?
•
É consistente? Avaliação de contradições com outras proposições necessárias à
conclusão
Sumarizando, a verificação é um processo que nos permite determinar se uma proposição
usada num argumento é verdadeira ou falsa.
Verificação
O processo pelo qual se determina se
uma proposição é verdadeira ou falsa.
Verificada
Falsificada
Indeterminada
Se podemos mostrar que uma
proposição é verdadeira ou
falsa então foi verificada.
Se podemos mostrar que uma
proposição é falsa então foi
falsificada.
Se não podemos fazer
verificação nem falsificação.
11.3.Teorias da Verdade
A aceitação duma proposição depende da nossa prontidão para aceitar a sua veracidade. O
conceito de verdade é difícil de definir, varia de pessoa para pessoa e é tão diverso quanto as
correntes filosóficas que a estudam. Muitas teses foram escritas sobre o conceito de verdade,
e não cabe no âmbito deste manual discutir com profundidade essas teses mas é preciso pelo
menos conhecer algumas das principais abordagens ideológicas do conceito de verdade.
Os filósofos têm-se debatido por milénios sobre o conceito de verdade. Alguns dizem que
será sempre impossível saber a verdade, estes são conhecidos como cépticos. Outros
sugeriram várias teorias que definem o que é a verdade. As teorias mais conhecidas são
descritas como Correspondência, Coerência, Pragmatismo e Semântica.
Correspondência
Uma declaração é
verdadeira quando
corresponde aos
factos.
Coerência
Pragmatismo
Uma declaração é
verdadeira, apenas se
for coerente com um
sistema de crenças ou
afirmações.
Uma declaração é
verdadeira se tiver
alguma utilidade na
resolução dum
problema.
74
Semântica
A verdade é função da
linguagem depende
apenas se a afirmação
carrega consigo
informação confiável.
Vamos agora analisar cada uma destas teorias em detalhe.
11.3.1. Teoria da Correspondência
Uma declaração é verdadeira quando corresponde aos factos. Esta é a definição
mais abraçada por cientistas, mas apresenta certos problemas, nem todos os factos são
percebidos pelo observador da mesma forma. Vamos pensar na cor. A cor não existe. É
apenas uma percepção formada nos nossos cérebros. Os humanos têm 3 tipos de
pigmentos da retina o que nos permite ver um certo número de cores, mas as pessoas
que sofrem de daltonismo, e outros primatas não humanos não vêm todas as cores que
uma pessoa normal vê porque só têm dois pigmentos. Assim sendo, dizer que uma rosa
é vermelha não corresponde a um facto. Uma pessoa normal vê vermelha, uma pessoa
com daltonismo vê uma variação de cinzento. Para um cão ou um gato crê-se que a rosa
apresente uma tonalidade de cinzento.
11.3.2. Teoria da Coerência
Coerência refere-se a uma explicação consistente e abrangente de todos os factos. Para
se ser coerente todos os factos devem estar arranjados de forma coesa num contexto
integral. Qualquer teoria que consiga reconciliar todos estes factos deve ser verdadeira.
Por exemplo, explicações religiosas para eventos do mundo real não são coerentes pois
não explicam todos os factos duma forma coesa. Por exemplo, se Deus é omnipotente e
tudo sabe, porque ele fica enraivecido quando os humanos fazem algo que o
surpreende? Esta questão leva a um paradoxo interessante:
O Paradoxo da Omnipotência:
O paradoxo da omnipotência é uma família de paradoxos que aborda duas questões
específicas:
1. É logicamente possível a existência duma entidade omnipotente?
Isto implica a definição do que queremos dizer com:
• Omnipotência
• Poder
• Lógica
2. Qual é a relação entre poder e lógica?
Se um ser omnipotente é capaz de criar uma tarefa que ele próprio não consiga
executar, logo ele não tem poder para fazer tudo, então não é omnipotente!
Por outro lado, se esse ser não tiver o poder para criar tal tarefa então existe algo
que ele não pode fazer e por isso não é omnipotente.
O paradoxo da pedra: Um ser omnipotente pode criar uma pedra tão pesada que ele
não a possa levantar?
Como vemos declarações feitas com base no princípio da omnipotência não podem ser
verdadeiras porque não cumprem o princípio da coerência. Mas o princípio da coerência
também afirma que uma declaração é verdadeira, apenas se for coerente com um
sistema de crenças ou afirmações. Esta teoria apresenta certos problemas. Eu posso
construir um sistema de crenças absolutamente fantástico e fazer com que todos os
eventos ocorridos dentro desse universo sejam verdadeiros. Por exemplo se falamos
75
dum universo de mágica onde a resolução de todos os problemas podem ser obtidos
através do balançar duma varinha de condão, então todos os eventos que acontecem por
mágica resultante dessa varinha são coerentes com o sistema de crenças, mas não
necessariamente verdadeiros no mundo real.
Um bom exemplo para a falta de coerência duma teoria é a homeopatia, que assenta no
princípio de que a água retém uma memória dos produtos que nela foram dissolvidos.
Este processo assenta na produção duma solução que inclui algum princípio activo e
depois essa solução é diluída em quantidades tão grandes que no fim, não existe uma
única molécula do produto original. Assume-se então que a água guardou “ a memória”
dessa molécula e acaba fazendo bem ao paciente. O problema desta teoria é que se
água tem memória, então a água que bebemos e é reciclada, também tem memória das
urinas e fezes de milhões de pessoas que habitam uma cidade. Para esta teoria ser
coerente essas moléculas estariam na memória da água e teriam que nos fazer mal.
Coerência e coesão
As palavras coerência e coesão podem ser confundidas. É importante entender os seus
significados nesta discussão.
•
•
Coerência refere-se às ligações lógicas que se fazem num argumento
Coesão refere-se ao uso de expressões, ou palavras de uma forma repetitiva para
mostra como partes do argumento se relacionam uma com a outra.
Em argumentos literários, ou formas de expressão enfática, o orador/escritor tenta evitar
a repetição das mesmas palavras usando equivalentes que dão expressão ao texto mas
não necessariamente coesão, mas em argumentos que pretendem definir ou convencer
de algo, é importante definir as palavras usadas e continuar a usá-las de forma repetitiva.
Isto é importante em argumentos científicos. É conveniente usar sempre as mesmas
palavras que definem os conceitos de que estamos a tratar.
Por exemplo, eu posso afirmar que este texto é chato, e mais adiante classificá-lo como
aborrecido, ou desinteressante. Estes são termos equivalentes que servem para uma
conversa informal, mas para uma análise mais séria do texto eu teria que definir as
pequenas variações e diferenças de cada palavra usada e ser consistente no seu uso
para dar coesão à ideia.
11.3.3. Teoria Pragmática
Assume que uma declaração é verdadeira se tiver alguma utilidade na resolução dum
problema. Assim sendo se matar Palestinianos resolve os problemas de Israel, então
esse argumento seria verdadeiro. Está evidente que esta teoria pode trazer muitos
problemas.
11.3.4. Teoria Semântica
Assume a verdade como função da linguagem dependendo apenas se a afirmação
carrega consigo informação confiável.
76
11.4. Critérios da verdade
A tabela da página 78 apresenta de forma muito resumida os critérios que se usam para
estabelecer a verdade duma proposição. Os critérios da verdade são regras ou padrões que
se usam para avaliar a precisão das afirmações que se fazem. As regras da lógica formal só
por si não têm poder para determinar se uma afirmação ou uma premissa é verdadeira ou
falsa. Existem critérios que são válidos e outros que não são inválidos. Para um critério ser
válido ele deve passar o teste da universalidade. Os critérios que não passam esse teste não
são válidos, logo não são bons critérios para assegurar que o que se clama é verdadeiro. O
teste da universalidade avalia se o critério se aplica em todas as situações ou só apenas a
alguns casos particulares. Assim temos dois tipos de critérios. Os critérios válidos são
aqueles que passam o teste da universalidade, i.e. podem aplicar-se universalmente em
todas as situações. Os critérios inválidos não passam o teste da universalidade e aplicamse apenas a situações delimitadas. O quadro na página seguinte apresenta de forma muito
sumarizada os diversos critérios utilizados na avaliação da verdade duma afirmação.
Não confunda Consensus gentium com Senso Comum
O Consensus gentium é apresentado como um critério que não satisfaz o requerimento da
universalidade. Este conceito sugere que existe um consenso comum entre as pessoas com
uma determinada homogeneidade cultural. Consenso popular é diferente de senso comum. O
consenso popular refere-se ao consentimento comum enquanto que o senso comum referese à capacidade natural de detectar, perceber e julgar coisas, eventos ou situações. O senso
comum é uma característica psicológica que é compartilhada por todos os humanos. Por
exemplo, todos nos apercebemos que as coisas caem de cima para baixo, ou que os animais
são diferentes das pedras porque são animados, têm vida, precisam de alimento e água para
continuar a viver, por outro lado as pedras precisam de uma força externa, para as colocar em
movimento. Logo, é senso comum alimentar um animal e não uma pedra se a nossa intenção
é prolongar a sua existência.
O senso comum poderá eventualmente estar na raiz de algumas instâncias de consenso
popular ou Consensus gentium. Por exemplo, é senso comum não andar a bater
indiscriminadamente nas pessoas que passam na rua. Daqui resulta um consenso popular
que ninguém espera levar uma tareia sem qualquer razão de algum louco que passou ao lado
que simplesmente não gostou da cor das suas calças.
Noutras situações o senso comum é inconsistente com o consenso popular. Por exemplo é
senso comum rejeitar crueldade contra animais indefesos, mas existe um consenso popular
em países onde decorrerem torturas publicas de animais sencientes em espectáculos
chamados touradas, que a tradição deve ser mantida. Aqui o consenso popular não é
coerente nem consistente com o senso comum.
Então é fácil de ver que se bem que o senso comum possa influenciar o que é consenso
popular o inverso não é necessariamente equivalente. Nem sempre o consenso popular é
senso comum. É senso comum não infringir sofrimento nas crianças, mas o consensus
gentium de certos grupos islâmicos requer que se execute a remoção do clitóris em meninas
de 5 anos, sem anestesia e quaisquer condições de assepsia.
A aceitação de eventos que violam as leis da natureza não faz parte do senso comum.
Ninguém espera ver um cubo de gelo se consumir em fogo, ou se encontramos alguém que
nos diz que fala regularmente com Napoleão Bonaparte, a nossa tendência é concluir que
esta pessoa tem algum problema mental. A inconsistência surge quando se rejeita o
argumento de que uma pessoa possa se envolver num animado diálogo com Napoleão, mas
aceita-se que o interlocutor seja uma figura divina, um santo ou um profeta. A aceitação de
profetas que têm uma linha directa de conversação com Deus, é parte da cultura de muitas
77
sociedades e por ser um conceito tão largamente aceite é considerado Consensus gentium,
mas não necessariamente senso comum.
Hoje em dia, o termo “senso comum” é frequentemente usado como uma figura de retórica,
em argumentos falaciosos baseados em apelos à autoridade anónima, à tradição, ou à
popularidade (veja a secção das falácias). Qualquer argumento que apele ao senso comum,
deve primeiro definir claramente o que se entende por “senso comum” e se esse conceito é
relevante para dar suporte ao argumento.
Atribui-se a Einstein esta quota “ O senso comum é a colecção de preconceitos adquiridos
pela idade dos 18 anos”.
Qualquer argumento que apele ao consensus gentium também deve ser analisado com
cuidado. Por exemplo o argumento, “toda a gente acredita em X; então X deve ser
verdadeiro” não tem qualquer suporte racional.
11.5. Racionalistas vs. Empiristas: Uma batalha filosófica?
Como já se disse, o estudo da verdade é uma área que tem ocupado as mentes dos filósofos
ao longo dos séculos, e não cabe no âmbito deste livro nos debruçarmos sobre a história da
filosofia mas é importante saber que existem duas correntes filosóficas competidoras; o
racionalismo e o empirismo. A disputa entre o racionalismo e o empirismo é uma discussão
que tem lugar dentro duma área específica da filosofia chamada epistemologia. A
epistemologia é um ramo da filosofia que se dedica ao estudo da natureza, origem e limites
do nosso conhecimento e propõe as seguintes questões:
•
•
•
Como podemos saber se uma determinada proposição é verdadeira?
Como podemos adquirir conhecimento?
Quais são os limites do nosso conhecimento?
Enquanto que os Racionalistas clamam que o conhecimento da verdade pode ser adquirido
através do puro acto de raciocínio, os Empiristas insistem que apenas através dos sentidos
podemos saber o que é verdadeiro. Os Racionalistas apostam na lógica e os Empiristas na
aquisição de evidência.
Estas duas posições não precisam de ser opostas. De facto elas complementam-se e só
entram em conflito quando são formuladas sobre o mesmo objecto como por exemplo o
conceito de Deus, consciência, a relação entre a mente e o corpo, ou a física quântica. Estes
conceitos por si só são vagos e pouco claros porque admitem várias interpretações.
Existem filósofos que se identificam com ambas as correntes dependendo do assunto sob
discussão. Não é muito produtivo definir uma atitude intelectual como empirista ou
racionalista, mas é importante tomar consciência de quando os nossos argumentos oferecem
a uma determinada conclusão seguindo uma linha de raciocínio empirista ou racionalista.
78
Racionalistas
Empiristas
O conhecimento da verdade pode ser
adquirido através de puro raciocínio
O conhecimento da verdade pode ser adquirido
apenas através dos sentidos
•
•
•
•
•
•
Descartes
Spinoza
Leibniz
Clamam que há casos em que os
nossos conceitos de conhecimento são
melhores do que a informação adquirida
pelos nossos sentidos.
A
razão
providência
informação
adicional sobre o mundo que nos rodeia.
Locke
Berkeley
Hume
Providenciam exemplos de instâncias de como
a experiência suporta a informação referida
pelos Racionalistas.
Frequentemente optam por cepticismo como
uma alternativa ao racionalismo.
Atacam as explicações e exemplos dos
racionalistas quando eles tentam explicar que a
razão é a fonte do conhecimento.
79
Validade
Critérios Válidos
A verdade pode ser atribuída a
julgamentos que são expressos
como proposições que estabelecem
a concordância ou falta dela, entre
duas ou mais ideias.
Consensus
gentium
Critérios Inválidos
Consensus gentium assume que se todos
os humanos, ou pelo menos uma grande
parte deles, abraçarem uma crença
particular, então ela deve ser verdadeira.
Este critério pode ter algum valor apenas
se se trata de leis da lógica ou matemática,
mas se este critério se refere simplesmente
a concordância sobre uma determinada
crença, o seu valor é questionável.
Evidência de Algumas verdades são autoCostume
certeza
evidentes. São imediatamente óbvias.
(axiomas)
Por exemplo é óbvio que a gravidade
atrai os corpos.
O costume é baseado no pressuposto que
se se fizer o que é costume evita-se o erro.
O problema aparece quando o costume é o
próprio erro!
Coerência
Quando não há contradições e todos
os factos apresentados são
consistentes e abrangem todos os
elementos da narrativa.
Tradição
Este critério assume que aquilo que foi
herdado de geração em geração é
verdadeiro.
Correspondência
Quando uma afirmação corresponde
aos factos observados
Emoções
Muitas pessoas deixam que as suas
emoções controlem o seu julgamento de
situações ou eventos. Quando estão perante
evidência em contrário das suas crenças, as
suas emoções ignoram essa evidência.
Consistência Mera consistência refere-se a
Instinto
afirmações que quando correctas não
se contradizem, mas não estão
necessariamente relacionadas.
Este critério pode ser problemático
quando usado isolado, porque trata os
factos de uma forma isolada sem
verdadeira coesão ou integração.
Regra da
maioria
Consistência estrita quando as
Intuição
afirmações estão interligadas de tal
modo que uma segue da outra. A
lógica formal e as regras matemáticas
são exemplos de consistência
rigorosa.
Revelação
Quando se usam métodos estatísticos
para aceitar ou rejeitar propostas e
afirmações.
Realismo
Naïve
Instintos, ou “feelings” não podem ser
aceites como um critério válido porque são
subjectivos, vagos, indistintos, e difícil de
definir.
Cada pessoa tem instintos diferentes sobre o
mesmo evento, logo este critério não passa
o teste da universalidade.
É uma avaliação sem qualquer exame
racional dos factos.
O saber intuitivo requer que seja testado
através de outros critérios de verdade de
modo a confirmar a sua precisão.
Revelação é frequentemente descrita como
a verdade que vem dos deuses. Este é um
tipo de informação que é subjective e
frequentemente resultante de alterações do
sistema de percepção do indivíduo.
Frequentemente resulta de episódios
epilépticos ou esquizofrenia.
Assume que apenas aquilo que é observável
pelos sentidos dos humanos, é verdadeiro.
Pragmatismo Se uma ideia funciona, então deve ser
verdadeira.
Tempo
80
Este critério assume que se um conceito
resistiu ao tempo e se mantém vivo, então
deve ser verdadeiro.
Capítulo 12: RELEVÂNCIA
Para que um argumento indutivo seja forte, as premissas devem ser relevantes para a
conclusão. Erros de relevância podem ser consistir em;
•
•
•
•
•
tomar em consideração a fonte do argumento em vez do próprio argumento
apelo à autoridade
impropriedade
sair do tópico
inserir premissas que nada têm a ver com o argumento
Imagine que Carina é candidata a directora numa eleição da escola. Apresentam-se três
razões por que se vote nela.
1-Devemos votar na Carina porque ela é honesta, está bem informada e tem conhecimento
sobre os assuntos da escola.
2-Devemos votar na Carina porque a mãe dela era professora de matemática nesta escola.
3-Devemos votar na Carina porque ela é a única candidata que é mulher.
Neste exemplo apenas o argumento 1 é aceitável porque as premissas que o suportam, são
relevantes para a Carina ser eleita. O facto de que a mãe dela foi professora de matemática é
irrelevante para o argumento. E o sexo da Carina só é relevante se os requisitos da escola
impuserem certas condições, por exemplo que o sexo da pessoa que está na direcção seja
representativo do sexo da maioria dos trabalhadores e alunos dessas escolas.
Este tipo de argumento é frequentemente usado em formas de descriminação positiva ou
negativa onde os indivíduos são seleccionados a favor ou contra, devido a características que
nada têm que ver com os critérios de selecção.
Imagine que um grupo de pessoas está a concorrer para entrar numa certa universidade.
Essa universidade requer que os candidatos tenham notas de exame acima dum certo valor.
A descriminação negativa impede o acesso a pessoas que, apesar de ter atingido esse valor
são de raça, sexo, religião, preferências sexuais não desejáveis nessa universidade. A
descriminação positiva abre vagas para as pessoas que mesmo não tendo atingido o valor
requerido no exame, são de raça, sexo, religião ou preferências sexuais desejáveis. Estas
são características que nada têm que ver com o critério de selecção. Se o critério é apenas
baseado na nota, então a raça, sexo, religião, preferências sexuais são irrelevantes.
81
Capítulo 13: ADEQUACIA
Aceitabilidade e relevância são dois critérios que se apresentam como dualidades, isto é; um
argumento é aceitável ou não. Também é relevante ou não. Mas podemos identificar vários
graus de adequacia. Se as premissas são inadequadas ou irrelevantes, não temos qualquer
razão para aceitar a conclusão do argumento como sendo verdadeira. Mas se as premissas
são inadequadas, mesmo assim podem dar algum grau de suporte para a conclusão, mesmo
que este suporte seja demasiado fraco para tornar a conclusão aceitável.
13.1. Critérios de adequacia
Adequacia vêm em graus e é responsável pela determinação da força lógica do argumento.
Como vimos um argumento indutivo classifica-se em forte ou fraco e pode variar entre muito
forte, pouco fraco, ou assim-assim ou mais ou menos. Quando se analisa a adequacia dum
argumento é preciso ter em conta:
•
•
•
A força da conclusão
A força das premissas que suportam essa conclusão
As consequências se a conclusão for falsa
Conclusões muito fortes, do tipo que fazem declarações sobre se um evento vai acontecer ou
não, têm maior probabilidade de ter suporte inadequado do que conclusões mais fracas que
fazem declarações sobre eventos que poderiam acontecer ou ter acontecido. Isto é, quanto
maior é a certeza oferecida na conclusão, maior é a probabilidade de errar nas premissas que
a suportam.
Maria está à espera de João no aeroporto de Lisboa. João saiu de Londres às 8:00 da
manhã. Se Maria disser “tenho a certeza que ele chega às 10:45”, ela está a oferecer um
argumento forte. Argumentos fortes dependem de premissas que assentam em pressupostos
fortes que garantem que o avião não se vai atrasar, não vai haver uma greve de
controladores de voo em França, que as condições meteorológicas não vão influenciar a
velocidade e trajectória da aeronave, etc. Mas se a conclusão for fraca do tipo “ele
provavelmente chega por volta das 10:45”, as premissas que dependem de todos esses
factores variáveis, já podem suportar a conclusão, a não ser que haja a tal greve habitual em
tempo de férias dos controladores de voo na França! Aí não há argumento que resista!
Se a conclusão for falsa, porque as premissas eram muito fracas, podem surgir
consequências indesejáveis. Por exemplo na realidade ele não chegou por volta das 10:45,
mas chegou só às 18:46. Isso levou com que eu acabasse pagando uma quantidade
exorbitante no estacionamento do aeroporto. Ou imaginemos que ele só chegou no dia
seguinte. Isso implicou uma nova viagem ao aeroporto, ou perda da reserva da noite no hotel.
Uma forma de ajudar a prever se a conclusão será falsa, é procurar contra-exemplos duma
conclusão verdadeira. Assim a adequacia duma conclusão pode ser medida pelo uso de
palavras to tipo:
• É certo que/ tenho a certeza que…
• Absolutamente
• Quase
• Um bocadinho
• Provavelmente
• Possivelmente
82
13.2. Apelo à autoridade
O apelo à autoridade é uma falácia que será discutida em detalhe na segunda parte deste
livro mas é importante referir esta falácia no contexto da análise da adequacia das premissas
dum argumento. Imagine que alguém está a discutir se o aborto deve ou não ser legalizado.
Alguém em favor da legalização pode dizer “Até o Einstein era a favor”. Isto é o que define
apelo à autoridade. A pessoa traz para o argumento alguém famoso numa certa área
científica que não tem nada a ver com aquilo que se discute. É irrelevante o que Einstein
pensava sobre o aborto, porque a sua autoridade refere-se à física quântica e não filosofia
moral.
O apelo à autoridade é o mecanismo usado pela publicidade que clama que 9 em cada 10
médicos sugerem este produto, ou que uma celebridade endossa este ou aquele produto da
moda. É possível que 9 desses 10 médicos estejam errados!
Para que o apelo à autoridade não seja uma falácia, é preciso que
• essa autoridade seja identificada
• essa autoridade seja algum perito reconhecido no assunto do argumento
• o assunto particular em discussão deve ser parte do interesse principal dessa
autoridade
• que haja consenso entre os especialistas da área da qual essa autoridade é citada
13.3. O uso de analogias
Como já vimos o raciocínio analógico é uma forma comum de apresentar argumentos mas é
preciso ter cuidado com estes tipos de argumento porque as analogias utilizadas podem ser
inadequadas para o ponto que queremos fazer.
Num argumento que usa analogias derivamos uma inferência sobre uma propriedade
desconhecida duma coisa B baseando-nos numa propriedade similar encontrada na coisa
conhecida A. Neste tipo de argumentos é preciso ter em consideração a força da analogia.
Frequentemente uma semelhança não basta. É necessário haver uma série de semelhanças
relevantes e poucas diferenças entre o modelo e o objecto que é comparado.
Os biólogos que trabalham com taxonomia estão bem conscientes deste tipo de raciocínio.
Cada vez que se encontra um organismo novo, previamente desconhecido, é preciso usar de
raciocínio analógico para poder classificar esse organismo e o incluir num grupo que tenha
semelhanças com algum grupo taxionómico já existente. Se o organismo é diferente em todos
os aspectos por vezes é necessário criar uma categoria nova para o poder acomodar, por
isso existem alguns Filos que contém apenas uma espécie.
13.4. Apelo à ignorância (Argumentum ad ignorantium )
Apelos à ignorância clamam que a conclusão é verdadeira porque não se conseguiu provar
que era falsa. Este argumento também assume o contrário; só porque ninguém ainda
conseguiu provar que algo ainda não foi confirmado verdadeiro, então deve ser falso. Por
exemplo:
Já que não podes provar que fantasmas não existem, então eles devem existir
~P -> Q
Já que não podes provar que fantasmas existem, então eles não devem existir
P-> ~Q
83
Como se pode ver, só porque uma proposição não é provável, não faz o seu oposto
verdadeiro. Existem casos no entanto onde o apelo à ignorância pode ser relevante, mas
podem ser apenas adequados se forem suportados por premissas adicionais. No caso de
termos alguma evidência de que a conclusão é verdadeira mas não temos evidência de que é
falsa, por vezes esta falta de evidência sobre a sua falsidade pode providenciar algum suporte
adicional especialmente quando se demostra que uma procura de evidência que falsifique o
argumento tem sido diligentemente organizada e posta em acção. Isto é o que se faz em
ciência; procura-se evidência que possa falsificar a nossa hipótese. Se não encontrarmos
nada que a falsifique então poderemos dizer que após vários testes e procuras, é altamente
provável que o nosso argumento seja verdadeiro. Mas note que eu disse provável, não disse
certo.
Eu posso argumentar que para além dos seres humanos que habitam o planeta Terra, não há
vida inteligente, no nosso sistema solar, pois apesar de todos os esforços para encontrar essa
vida inteligente, não encontrámos nenhuns vestígios, sinais ou evidência.
Este argumento pode escrever-se do seguinte modo:
P= vida inteligente
U= Sistema Solar
Afirmação
~P em U = não há vida inteligente no nosso sistema solar
Falsificação P em U? = há vida inteligente no nosso sistema solar?
Observação ~P em U = não há evidência de vida inteligente no nosso
sistema solar
Pelas observações posso dizer que até à data a afirmação “há vida inteligente no nosso
sistema solar, para além da existente no planeta Terra” é falsa. Neste caso o apelo à
ignorância pode ter alguma função no suporte do argumento, desde que se demonstre que
foram feitos esforços para verificar se o postulado contrário era falso.
13.5. Falácias causais
•
Falácia da ladeira escorregadia
Esta falácia tanto pode ser considerada uma falácia causal, como uma falácia de falta
de evidência para justificar as causas sugeridas. Será discutida em detalhe mais à
frente na secção das falácias.
•
Explicações Post hoc
Numa das Fábulas de Esopo, um galo concluiu o seguinte:
“Todas as manhãs sem falhar, o sol aparece no horizonte alguns
minutos depois de eu cantar. Eu devo ser a criatura mais poderosa do
mundo, já que faço o sol se levantar todos os dias”.
O argumento assume que qualquer evento que acontece depois de A é causado por A
quando na verdade, existe apenas uma associação por coincidência.
•
Confusão da causa com o efeito
Esta falácia é semelhante à explicação Post-hoc, mas neste caso existe realmente
uma relação entre causa e efeito, só que o efeito é erroneamente tomado como sendo
a causa. “Quase toda a gente morre num hospital, logo os hospitais são lugares
perigosos.“ Esta é uma falácia de confusão da causa com o efeito. A razão porque as
84
pessoas morrem nos hospitais é que quando para lá vão, já não estão em boas
condições de saúde.
Uma certa pesquisa concluiu que fazer sexo regularmente era bom para a saúde
porque os investigadores encontraram uma correlação positiva entre sexo e saúde,
mas essa correlação também pode indicar que são as pessoas que têm boa saúde
que fazem mais sexo. Iremos discutir mais à frente que correlação não é sinónimo de
causação.
•
Causa comum
Também pode acontecer que dois eventos que têm uma tendência a ocorrer juntos
não sejam necessariamente a causa um do outro. Veja este exemplo:
“Estudos recentes mostraram que as pessoas que são vistas como bem-sucedidas na
vida, têm um vocabulário maior do que a média. Isto não acontece por acaso pois tendo
um vocabulário excelente é um factor importante para produzir sucesso”.
A causa comum é que geralmente quem é bem-sucedido na vida tem uma boa
educação e logo um vocabulário mais extenso. Não é o vocabulário que causa o
sucesso, mas ser bem visto mais ter esse vocabulário podem sem duas condições que
levam ao sucesso.
Resumindo, a fim de avaliar a adequacia das premissas é importante verificar se ocorrem
falácias no processo de argumentação. Estas falácias serão discutidas em detalhe na
segunda parte deste livro.
85
Capítulo 14: RACIOCÍNIO ABDUTIVO
O raciocínio abdutivo é o processo pelo qual se adopta uma hipótese que explica as
observações feitas e consiste de duas operações:
1. A formulação de hipótese plausíveis
2. A selecção de hipótese plausíveis dentro de todas as hipóteses possíveis
Por exemplo, tendo perdido os meus óculos, procurei por toda a casa e não os encontrei.
Pergunto-me o que aconteceu aos óculos? Começo por formular algumas hipóteses. Deixei
em casa da vizinha? Perdi na rua? Mas agora os óculos aparecem sobre a mesa da cozinha
e fico intrigada. Como os óculos apareceram sem eu lhes tocar? Começo a formular
hipóteses:
H1. A vizinha trouxe os óculos e deixou-os em cima da mesa quando eu não estava
H2: Eu coloquei os óculos na mesa e não os vi da primeira vez que os procurei
H3: Uma fada fez aparecer os óculos depois de eu lhe rezar uma oração.
H4: Um Marciano roubou-me os óculos para análise e voltou a colocar sobre a mesa por artes
de teletransporte.
H5: Um milagre
De todas estas hipóteses é fácil identificar quais as que são plausíveis e as que não são. Só
me resta escolher uma hipótese plausível, provavelmente H1 ou H2. Para ter a certeza tenho
que testar ambas e confirmar qual é a conclusão verdadeira. Uma hipótese para ser plausível
dever ser testável.
Raciocínio abdutivo é o processo de raciocinar até se encontrarem as melhores explicações
para os fenómenos observados.
Noutras palavras, é o processo que começa na observação dum conjunto de factos e deriva
uma explicação provável para os esclarecer. A palavra “abdução” por vezes é usada com o
seguinte sentido: “produção de hipóteses para explicar observações ou conclusões”.
14.1. Hipóteses, teorias e modelos
Frequentemente as palavras hipótese e teoria são usadas como equivalentes, mas existem
diferenças importantes que devem ser esclarecidas.
Hipótese
Uma hipótese é uma explicação que se propõe para explicar um fenómeno observável. Por
exemplo, quando se ouvem ruídos numa casa velha à noite podemos colocar várias
hipótese; são os canos a estalar com o arrefecimento da temperatura, são as tábuas a
readaptar-se a possíveis movimentos da casa devido a alterações geológicas do solo, são
fantasmas. Cada uma destas sugestões oferece uma hipótese para explicar esses sons.
Qual será a menos plausível? O método científico requer que após serem feitas diversas
observações dum fenómeno que se repete, deve-se criar uma hipótese plausível.
Para uma hipótese ser considerada científica, precisa de ser testável
Isto significa que se eu oferecer hipóteses que são impossíveis de testar, a hipótese não é
científica, efectivamente nem se deve tomar em consideração, pois não passa duma
crença pessoal, subjectiva e por isso sujeita a desafio. Por exemplo explicar fenómenos
como a intervenção de fantasmas, fadas, Deus ou milagres não são hipóteses científicas e
por isso são susceptíveis ao questionamento e analise critica.
86
A necessidade de fazer testes serve para aceitar ou rejeitar a hipótese. Se os resultados
dos testes mostram que a hipótese proposta não serve, então deve-se rejeitar a hipótese e
criar outra que seja mais coerente com os resultados das observações dos testes. Em face
dos resultados obtidos devemos sempre avaliar se a hipótese serve ou não. Se não servir
deve-se abandonar a hipótese, mas nunca modificar os resultados ou a evidência para se
encaixarem na hipótese.
Teoria
A definição de teoria varia de acordo com o enquadramento do objecto de estudo. Nas
humanísticas e ciências sociais podemos encontrar teorias que se referem a ideias. Por
exemplo em filosofia a teoria da mente formula ideias sobre o que é a mente, mas testar
essas teorias é do fórum da neurobiologia. Uma teoria filosófica não é necessariamente
testável através de experimentação. Pode se chegar a uma conclusão usando
simplesmente o método dedutivo. A ciência é baseada no método indutivo com ajuda da
dedução. A abordagem filosófica pode ajudar muito na formulação de questões no domínio
científico, mas a filosofia não faz testes de colheita de dados.
Uma teoria propõe um princípio, ou conjunto de princípios que explicam uma classe de
fenómenos. Uma teoria científica, também conhecida como teoria empírica é uma
colecção de conceitos sobre fenómenos observáveis expresso em propriedades
quantificáveis. Também inclui regras ou declarações de leis científicas ou naturais que
ocorrem no universo mensurável. Uma teoria empírica expressa relações entre as
observações feitas e esses conceitos.
Uma teoria empírica evolve à medida que a informação e os dados sobre o fenómeno em
observação, se acumulam. Inclui dedução e indução, onde o seu conteúdo é composto por
dados empíricos, colectados da vida real, evidência.
Frequentemente os oponentes de certas teorias tentam refutá-las ou assumem a sua
insignificância ao clamar que é apenas uma teoria. Este é um dos argumentos
frequentemente usado pelos Criacionistas e defensores de Design Inteligente para refutar
a Teoria da Evolução. Esta rejeição da evolução apenas enfatiza a ignorância destas
pessoas relativamente ao conceito de teoria, porque uma teoria científica tem dois pilares
essenciais:
1. Propõe uma hipótese testável
2. Depois de confirmação da hipótese, propõe um modelo explicativo duma realidade.
Uma teoria científica ou empírica propõe um modelo que explica como a realidade está
organizada e quais os mecanismos que operam nessa realidade.
Assim uma teoria científica oferece um enquadramento para se compreender a realidade
mostrando como esses fenómenos estão organizados e relacionados como num puzzle.
São ferramentas que nos ajudam a compreender a estrutura e natureza da realidade.
A diferença entre hipótese e teoria é que, uma hipótese é uma proposta provisória até se
obter confirmação. Uma teoria pode propor um modelo explicativo de algo que já se sabe
ser verdadeiro.
O raciocínio abdutivo, ou abdução é o processo que vai da descrição dum fenómeno à
formulação de teorias e hipóteses a partir de observações de eventos, usando dados
confiáveis e colectando evidência significativa para esse fenómeno.
Por exemplo, se eu estou a tentar explicar porque os chimpanzés usam pedras para partir
nozes, não tenho interesse em colher evidência sobre as variações climáticas da zona. Se
o meu foco incide sobre a capacidade cognitiva do animal, não devo complicar a teoria
87
com a introdução de factores ecológicos. Essa informação pode ser importante, mas para
responder a outras questões absolutamente diferentes, por exemplo, porquê que os
chimpanzés comem nozes e não como os chimpanzés partem as nozes. São duas
questões diferentes que requerem colecta de dados diferentes para responder a cada
questão.
Se estou interessada em saber como um vitelo se sente quando está preso por uma
corrente, não interessa para a minha teoria que o dono queira tirar proveito financeiro do
animal. São dois assuntos diferentes. O assunto de meu interesse foca no bem-estar e
estado mental do animal e não nos objectivos do dono. Deve-se evitar introduzir
informação irrelevante na formulação da explicação.
Manter as explicações simples e claras é princípio que foi originalmente enunciado pelo
monge William de Ockham no século 14, e é por isso é conhecido como a Lâmina de
Ockham. É um princípio baseado no uso de parcimónia na produção de explicações de
fenómenos. Se houver uma explicação mais simples, deve sempre optar-se por essa via.
Veja este P1=Observação 1: Hoje de manhã a relva estava molhada.
exemplo: P2=Pressuposto : Choveu ontem à noite
Teoria:
Se a relva estava molhada é lógico que choveu ontem à noite.
Note que a chuva foi condição suficiente para a relva estar molhada. Mas não é condição
necessária. Podia ter sido o regador automático que disparou durante a noite e molhou a
relva. Fazer uma abdução envolve determinar o que é suficiente mas não necessário.
Raciocínio abdutivo de P para Q inclui não apenas a determinação de que Q é suficiente
mas também que dentro de todas as explicações possíveis, Q é a explicação mais simples
(que requer menos premissas) para a ocorrência de P.
O uso de simplificação e economia é conhecido como o salto da abdução. Abdução é um
dos muitos métodos possíveis para dar suporte a uma hipótese.
Como vimos, uma hipótese é um princípio ou declaração que, sendo verdadeiro, explica o
evento ou situação a que se refere. Para testar a verdade duma hipótese usa-se um
procedimento que inclui dois estágios:
1. A hipótese sugere uma previsão empírica de que diz “sob certas circunstâncias este
facto será observado”
2. Daqui se progride para fazer observações para ver se as nossas predições são
verdadeiras ou falsas.
Este argumento tem a seguinte forma
Se H então O
O
Logo H é provável
H = Hipótese
O = Observação
Existem algumas fraquezas com este método de indução que se relacionam com os
processos estatísticos acima discutidos. Deveremos sempre ter presentes estas duas
questões:
1. O número de instâncias confirmatórias* é suficientemente grande?
2. Existem algumas instâncias que refutam a hipótese?
*Uma instância confirmatória ocorre quando as observações concordam com a previsão
88
Dedução
Na dedução as premissas
garantem a verdade da
conclusão.
Indução
A indução é um processo
de generalização a partir de
exemplos ou amostras.
A conclusão é provável.
Abdução
A abdução é um processo
que oferece explicações e
as premissas não garantem
que a conclusão é
verdadeira.
Modelo
A palavra modelo é usada em diversos contextos. Por exemplo um modelo dum avião, é
uma versão do objecto original numa escala reduzida. As semelhanças com o objecto real
são importantes. Por exemplo um modelo dum Boing 747 não representa o Concorde. Mas
o detalhe do modelo também é importante. É raro o modelo dum Concorde apresentar em
versão reduzida todos os motores e mecanismos que fazer operar o avião. O modelo
enfatiza algumas características (forma, cor, proporções, etc.) em detrimento de outras (os
motores, a electrónica). Os modelos matemáticos são também tentativas de representação
de fenómenos complexos, mas duma forma mais simplificada.
Em ecologia fazem-se muitos modelos, a fim de se
tentar compreender como os diferentes factores da
biosfera interagem uns com uns outros. A figura
representa um modelo simples do ciclo da água. A
partir deste modelo simples, podemos adicionar valores
colectados por amostragem e tornar o modelo cada vez
mais complexo de modo a representar os eventos da
biosfera duma forma mais próxima da realidade.
14.2. Explicações
Já vimos que o raciocínio abdutivo é usado para oferecer e inferir explicações para uma
situação ou observação específica, por isso abdução é geralmente definida como “inferência
até à melhor explicação”. É importante lembrar que abdução é uma forma de raciocínio não
dedutivo. Quando observamos um fenómeno, procuramos na nossa mente assim como em
outras fontes, informação que nos ajude a compreender um evento. Muitas vezes estas
explicações são baseadas em teorias previamente formuladas.
Uma explicação expõe as causas do evento ou da observação, mas não tenta nos convencer
da sua verdade. Apenas expõe porquê as coisas são como são. Por exemplo a explicação
porque o sol se levanta todas as manhãs a nascente e se põe a poente, assume que uma
série de pressupostos sejam verdadeiros. Que a Terra é uma esfera que gira em torno de si
própria, que esse giro tem uma duração de 24h, que também gira em torno do Sol. Todos
estes pressupostos são aceites como verdadeiros, e a explicação assenta sobre eles para
descrever o fenómeno.
Quando as crianças do hemisfério norte aprendem que a Terra é uma esfera e que tem gente
a morar no hemisfério sul, muitas ficam intrigadas e perguntam porque os Australianos não
89
caem para fora do planeta. Aí é preciso explicar o conceito da gravidade antes de explicar
porque os Australianos e os Pinguins Imperadores da Antártica não são disparados na
imensidão do espaço. Mas outras pessoas com menos paciência (ou talvez mais ignorância),
simplesmente se limitariam a dizer que existe uma força mágica os mantém colados ao
planeta. A força mágica é outra tentativa de explicação, mas á medida que a curiosidade da
criança aumenta e a sua capacidade cognitiva se desenvolve, a certa altura ela irá perguntar
quais são os mecanismos que operam nessa força mágica. Algumas pessoas podem dizer
que existe um feiticeiro sentado numa nuvem a balançar uma varinha mágica que controla
essas forças, outros poderão recorrer a explicações do tipo “essas forças são mistérios não
acessíveis ao entendimento humano”, mas existem também pessoas que não se contentam
com tais explicações. A sua curiosidade move o engenho intelectual e promove a
investigação destes mecanismos “misteriosos”, formulando e testando hipóteses com
observações, colhendo evidência da realidade, enfim, procurando a verdade.
Enquanto que a explicação por si só não é um argumento, o processo de inferência para a
melhor explicação, isto é, o raciocínio abdutivo, é um argumento. Assim sendo precisamos de
padrões para determinar quando a inferência para a melhor explicação é um bom argumento.
Uma boa explicação tem que ser compatível com todos os factos e não apenas com os
particulares que tenta explicar. Na abdução, esta explicação leva à criação duma hipótese.
14.2.1. Explicação, Clarificação e Definição
É preciso tomar atenção que existe uma diferença entre os termos, explicação, clarificação e
definição.
Explicação
Clarificação
Uma explicação não é um
argumento. Ela explica as causas
dum evento mas não tenta
convencer da sua verdade.
Apenas explica como as coisas
são o que são.
Uma clarificação consiste num
conjunto de explicações, muitas
vezes recorrendo ao uso de
exemplos que têm como
objectivo remover
ambiguidades.
Definição
Uma definição é uma frase
que explica o significado
uma palavra.
14.2.2. Explicações boas e más
Existe uma série de critérios que nos ajudam a determinar se uma explicação é boa ou má.
Esses critérios estão representados na tabela seguinte.
Explicações Boas
Explicações Más
• Conservadoras (obedecem a convicções
bem estabelecidas)
• Consistentes
• Falsificáveis
• Criam hipóteses testáveis
• Profundas
• Modestas (evitam complexidade
desnecessária)
• Não é circular
• Não leva a predições falsas
• Evita a regressão céptica
• Evita imprecisão
• Estabelece quais as condições necessárias
• Não conservadoras (entram em conflito
com conhecimentos estabelecidos)
• Não é falsificável
• É plana (falta de profundidade)
• É complexa
• Ad-hoc (é improvisada só para aquela
situação particular)
90
e suficientes para que o evento aconteça.
Explique o significado da frase: “Em ciência não há certezas, apenas uma melhor explicação
provisória” .
14.2.3. Explicações más e o “pensamento mágico”
O conceito de “pensamento mágico” é muito interessante. A frase resulta da tradução do
inglês “magical thinking” e refere-se a um padrão de raciocínio que é comum durante o
desenvolvimento cognitivo dos seres humanos.
Pensamento mágico é uma forma de raciocínio que procura estabelecer correlações entre
actos ou frases e eventos específicos, sem qualquer fundamento racional ou evidência. Esta
característica psicológica está na raiz da formação de superstições.
O pensamento mágico é um assunto do interesse da psicologia e antropologia social. O
antropólogo escocês James George Frazer (1854-1941) foi talvez um dos pioneiros no estudo
deste fenómeno com uma abordagem científica. No seu livro The Golden Bough (1890) ele
documenta detalhes e semelhanças entre as características do pensamento mágico e das
crenças religiosas no mundo. Neste livro Frazer identifica duas características que ele chama
de “Leis do Pensamento Mágico”.
A Lei da Similaridade é um processo psicológico de associação, isto é; assume que tudo
aquilo que tem parecenças está relacionado de uma forma causal de tal modo que desafia
qualquer tipo de teste científico. A secção sobre erros de raciocínio oferece vários
exemplos de falácias induzidas pelo pensamento mágico. (Veja Capítulo 21: Falácias de
Associações e Padrões Ilusórios e Capítulo 22: Falácias Analógicas).
O psiquiatra Carl Jung propôs a noção de sincronia como o processo mental usado para
explicar e dar sentido às coincidências. A sua definição de sincronia consiste no
estabelecimento de conexões não causais entre eventos que não estão relacionados, só
porque eles ocorreram ao mesmo tempo em vez duma sequência temporal.
A Lei do Contágio é a crença em que coisas que estiveram em contacto duma forma
física, ou associadas física e temporalmente com outras coisas, retêm uma ligação mesmo
depois de separadas. Este mecanismo mental aplica-se por exemplo à atribuição de
poderes a relíquias de santos, ou à atribuição da ”essência” do seu possuidor original no
objecto. Por exemplo as pessoas que têm a oportunidade de ver e tocar o piano usado por
um músico famoso, ou uma peça de vestuário usado por um criminoso abominável,
atribuem a essência da pessoa ao objecto. Tocam no piano como se fosse um objecto
mágico, capaz de providenciar inspiração aos músicos aspirantes de fama, ou têm nojo de
tocar a peça de vestuário do criminoso como se tivessem receio de ser contaminados,
mesmo que essa vestimenta tenha sido lavada e desinfectada.
Mais recentemente o psicólogo Matthew Hutson identificou 7 leis que caracterizam o
pensamento mágico.
1. Lei do contágio. Os objectos retêm e carregam a essência do seu dono.
2. Lei da similaridade. Esta lei abrange coisas místicas do tipo feitiços, encantamentos,
cerimónias e comportamentos ritualizados.
3. Poder de acções à distância consiste na adopção de superstições que trazem sorte ou
azar.
4. Percepção extra-sensorial. Crença nos poderes da mente em telepatia, telecinesia,
adivinhação e outras crendices místicas.
91
5. Continuidade da alma. Assumir a existência duma alma que continua para além da
morte física do corpo e que a morte não é o fim de nossa existência, é uma forma de
pensamento mágico que ajuda as pessoas a lidar com a dor da perda dum ente
querido ou da própria cessação da vida.
6. Atribuição de agência a objectos animados e inanimados, assim como a entidades
místicas. Este mecanismo assume que essas entidades têm uma consciência
semelhante à nossa ou são providas de vontades que podem influenciar as nossas
vidas.
7. Atribuição de propósito. Assumir que tudo acontece por uma razão ou que o nosso
destino está escrito em algum lugar entre as estrelas e que não temos liberdade de
tomar decisões ou de controlar os caminhos que seguimos na nossa vida
O pensamento mágico é um dos mecanismos de resposta mais primitivos concebidos pela
mente humana para fazer sentido do mundo que nos rodeia. Os nossos cérebros estão
constantemente a estabelecer associações entre causa e efeito como um processo normal de
aprendizagem, mas em pensamento mágico essas associações são explicadas pela presença
de agentes místicos como forças invisíveis intencionais ou entidades sobrenaturais. Por
exemplo, se você acredita que cruzar os dedos trouxe boa sorte, você associou o acto de
boa-sorte com o evento subsequente (cruzando os dedo) e imputou uma ligação de
causalidade entre os dois.
92
Capítulo 15: RACIOCÍNIO CAUSAL
Como vimos no capítulo anterior, uma das formas de aprender sobre o mundo que nos rodeia
consiste em associar a causa com o efeito. O raciocínio causal surge apenas em animais que
conseguem estabelecer uma relação consciente entre causa e efeito. Este processo chamase aprendizagem associativa. É difícil saber se os animais invertebrados que têm
aprendizagem associativa estão de facto conscientes da relação causa efeito. O mais
provável é que nesses animais, a associação entre causa e efeito não é mais do que um
mecanismo automático do tipo estímulo-resposta sem qualquer necessidade da presença de
um cérebro. Sabe-se no entanto que os polvos podem associar uma determinada pessoa com
a dor que essa pessoa infringiu sobre o animal. Esta foi uma descoberta que derivou da
observação do comportamento duns polvos aos quais foram amputados alguns tentáculos.
Antes da amputação os animais não mostravam medo do experimentador. Depois da
amputação os animais escondiam-se cada vez que o experimentador se aproximava do
aquário. Esta capacidade para associar causa com efeito está na origem de processos mais
complicados em vertebrados superiores, onde se pode confirmar a ocorrência de processos
simples de raciocínio causa-efeito.
Nos humanos, o raciocínio causal é o processo pelo qual se tenta explicar o mecanismo
entre causas e efeitos. Para demonstrar a causa e efeito não basta dizer que os dois eventos
têm uma tendência a ocorrer juntos ou em sequência. É preciso explicar o mecanismo
causal, que estabelece a ligação entre a causa e o efeito.
Tenha cuidado para não confundir as palavras “causal” com “casual”. Causal relaciona-se
com a causa. Casual significa informal, como por exemplo “ A Ana veste-se duma forma
casual quando vai trabalhar, enquanto que a Suzana usa sempre um vestido formal e salto
alto”.
Em homeopatia é frequente dizer-se que a ingestão duma determinada solução A pode curar
uma condição B. No entanto não se sabe qual o mecanismo causal que induz A a ter um
efeito sobre B. Quando não existe uma explicação para um mecanismo causal, o
argumento é muito fraco.
É preciso ter cuidado e não confundir homeopatia com fitoterapia. Muita gente confunde estes
dois tipos de terapias. A fitoterapia consiste no tratamento de doenças usando os princípios
activos de plantas. Existe evidência e trabalhos científicos bem documentados que confirmam
as propriedades terapêuticas dos princípios activos de certas plantas. A diferença essencial é
que em fitoterapia é possível estabelecer hipóteses testáveis que explicam o mecanismo de
acção dos princípios activos enquanto que a homeopatia se baseia em princípios sem
qualquer fundamento científico como a “memória da água”, por exemplo. Os efeitos da
aromaterapia também podem ser testados e os seus mecanismos de acção podem ser
descritos e explicados. Este método baseia-se na inalação de compostos voláteis que
penetram o bolbo olfactivo desencadeando uma sucessão de respostas mensuráveis do
sistema nervoso.
Na astrologia também é difícil, se não impossível, descrever por que mecanismo a conjunção
dos astros pode influenciar as nossas vidas. Como explicar o mecanismo da acção do planeta
Vénus na constelação de Leão na vida das pessoas nascidas sob o signo de Balança? Até tal
mecanismo ser explicado e se oferecerem hipóteses testáveis, essa relação consiste num
argumento muito fraco.
93
15.1. Causa, Relação e Correlação
É preciso ter sempre presente as diferenças entre os conceitos causa, relação e correlação.
Quando existe causalidade um evento A é responsável pela ocorrência dum evento B. A
relação é bem estabelecida. Se eu coloco a chaleira com água no lume, daí a uns minutos o
vapor começa a sair. Este vapor é causado pela acção do calor sobre as moléculas de água,
aumentando o movimento browniano das moléculas à medida que a temperatura aumenta.
Assim o aumento de temperatura é uma causa bem estabelecida para a água ferver e libertar
vapor.
Mas podem existir relações entre eventos sem que necessariamente um cause o outro. A
correlação é um exemplo disso. Existe uma correlação quando um evento A parece ocorrer
ao mesmo tempo que um evento B.
Cada vez que a minha macieira está carregada de maçãs a
minha figueira está carregada de figos. Nenhum evento causa
o outro, mas pode ser que pelo facto de ser Setembro e
ambas as árvores frutificam nesta altura, existe um factor
externo comum que se relaciona com a estação do ano e que
induz à maturação da fruta.
Uma correlação entre duas ocorrências pode ocorrer por causa do seguinte:
• A causou B
• B causou A
• A correlação entre A e B deve-se a um terceiro factor C, não especificado
• É apenas uma coincidência (se não houver mecanismo causal entre A e B)
15.2. Condições necessárias e suficientes
A maior parte das pessoas já ouviu falar no conceito de condições necessárias e suficientes
nas aulas de matemática do ensino secundário.
Na lógica, a necessidade e a suficiência são relações de implicação entre afirmações, isto é;
quando uma afirmação implica outra, as duas afirmações devem ser simultaneamente
verdadeiras ou simultaneamente falsas.
Em linguagem comum indicam relações entre condições ou estados e não proposições. Por
exemplo, ser masculino e ter a mesma mãe são condições necessárias e suficientes para ser
um irmão.
conjunto
dos
mamíferos
humanos
gatos
cães
Ser mamífero é condição necessária para
ser humano.
Ser humano é condição suficiente para ser
mamífero. Ser gato ou cão também é
condição suficiente para ser mamífero. Mas
ser galinha já não é.
Uma condição pode ser necessária e suficiente ao mesmo tempo, mas uma condição pode
ser necessária ou suficiente sem precisar de ser a outra. Por exemplo, ser mamífero (Q) é
94
necessário mas não suficiente para ser humano (P) (não há humanos que não sejam
mamíferos). Para incluir um indivíduo dentro do conjunto dos humanos existem outros
factores que são necessários, por exemplo ter a capacidade de pensar de uma forma
abstracta. Por outro lado, ser humano é suficiente para ser mamífero, visto que esta é uma
das muitas características que são possuídas pelos humanos. Para ajudar na compreensão
faça as seguintes perguntas: O Jonas é humano? Sim. Então é mamífero! O Jonas é
mamífero? Sim. Mas o Jonas pode ser o gato da vizinha, logo ser mamífero não é condição
suficiente para ser humano, mas é necessária.
Condição Necessária
Condição Suficiente
A condição necessária para que S aconteça
é uma condição que deve ser satisfeita para
S ocorrer.
A condição suficiente para que S aconteça é
uma condição que se for satisfeita garante
que S ocorra.
Ser mamífero é condição necessária para ser
humano.
Q é necessário para P
Ser humano é condição suficiente para ser
mamífero.
P não pode ser verdadeiro a menos que Q
seja verdadeiro =se Q é falso então P é
falso=
Sabendo que P é verdadeiro é adequado
concluir que Q é verdadeiro.
Sempre que P seja verdadeiro, Q também é
Sabendo que P não é verdadeiro não
providencia suporte suficiente para concluir
que Q também não é verdadeiro.
Ter pelo menos 30 anos é necessário para
ser membro do Senado= Se tem menos de
30 anos então é impossível ser um
Senador=Se é Senador isso implica que tem
pelo menos 30 anos.
A ocorrência de trovoada é condição
suficiente para a ocorrência de relâmpagos
no sentido de que o barulho do trovão implica
que ocorreu um raio de relâmpago.
Se
P então Q ou P
Q,
P é suficiente para Q ocorrer
Condição Necessária e Suficiente
Dizer que P é condição necessária e suficiente para a ocorrência de Q é dizer duas coisas:
Que P é necessário para Q
e
Que P é suficiente para Q
=
Cada P e Q é necessário para a ocorrência de cada um
P ocorre só e apenas só se Q ocorre
=
P
Q.
Nota: veja de novo os argumentos Modus ponens e Modus Tolens
Teste: Identifique se as frases seguintes são verdadeiras ou falsas:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
Ser mamífero é condição suficiente para ser humano.
Ser humano é condição suficiente para ser mamífero
Estar vivo é condição necessária para se ter direito à vida
Estar vivo é condição suficiente para se ter direito à vida
Se é verdade que P implica Q, então P é condição suficiente para Q.
Se é verdade que P implica Q, então Q é condição necessária para P.
Se é verdade que não P implica não Q, então P é condição necessária para a ocorrência de Q.
Se é verdade que P não sendo o caso implica que Q não é o caso, então P é condição suficiente
para a ocorrência da condição Q
9. É condição necessária e suficiente que para se ser um irmão, se seja macho e filho da mesma
mãe (ou pai).
95
Soluções:
1.Falsa. Existem mamíferos que não são humanos
2.Verdadeira. Ser humano garante ser mamífero.
3.Verdadeira. Nada que seja inanimado tem o direito à vida
4.Falsa. Existem muitos organismos que estão vivos e não têm direito à vida
5.Verdadeira. A verdade de P é suficiente para garantir a verdade de Q
6.Verdadeira. Se Q é falso então P é falso. A falsidade de Q exclui a verdade de P.
7.Verdadeira. A verdade de P é necessária para que Q também seja verdadeiro. Quando P não é
verdadeiro, Q também não é verdadeiro.
8.Falsa. A verdade de P não garante a verdade de Q. A única coisa que sabemos é que a falsidade de
P garante a falsidade de Q. Por exemplo seja P a frase “ um estudante entregou o seu trabalho de fim
de ano” e Q a frase “ o estudante obteve aprovação”
9.Verdadeira. Se a falha em ser macho e ser filho da mesma mãe então não pode ser um irmão. Se for
fêmea é irmã. Se for macho e não filho da mesma mãe (ou pai) não é irmão.
Sumarizando: as relações causais podem ser expressas em termos de necessidade ou
suficiência.
As relações de necessidade requerem que um factor X esteja presente para que o efeito da
causa ocorra.
As relações de suficiência dizem que se o factor X estiver presente é garantido que o efeito
irá ocorrer.
Mas vejamos o seguinte argumento:
Se tu tens um cartão válido da biblioteca então podes levar um livro da biblioteca
Não tens um cartão de biblioteca válido
Logo não podes levar um livro da biblioteca
É o mesmo que dizer:
Se P  Q
~P
~Q
Em lógica formal, e como já se viu acima, esta é a forma inválida do Modus
ponens (veja secção 5.3.1.), no entanto o argumento faz sentido. Só nos
apercebemos que é inválido quando o colocamos na forma simbólica e
sabemos de antemão que este formato é inválido. O argumento dá-nos a
ilusão de que é válido porque é apresentado sob a forma de permissões e
obrigações.
Argumentos deste tipo pertencem a uma área especial da lógica, denominada Lógica
Deôntica. A palavra deôntica deriva do grego deontos que significa aquilo que é obrigatório.
Para resolver este problema, os Lógicos desenvolveram novos tipos de lógica para
complementar situações em que a lógica existente é insuficiente para capturar inferências
legítimas. O exemplo do cartão da biblioteca é uma inferência legítima apesar de ser um
argumento inválido em lógica formal.
A lógica é uma disciplina complexa e em constante evolução. Não cabe no âmbito deste livro
fazer uma discussão detalhada desta disciplina, mas é importante mencionar a sua
importância na construção e avaliação de argumentos da linguagem comum.
96
Parte 2
PENSANDO MAL
Quando o raciocínio
é irracional
Até agora apresentámos definições, regras e
explicações dos vários tipos de raciocínio e
argumentos. Nesta secção vamos analisar
situações onde o raciocínio tem falhas. Na
realidade a racionalidade não é uma qualidade
natural dos seres humanos. No seu estado natural
os seres humanos em geral tomam decisões muito
irracionais e na maioria das vezes baseadas em
emoções.
Como vimos a racionalidade é um processo
aprendido e nem todos foram tocados pela varinha
mágica da racionalidade intuitiva. A nossa intuição
segue mais mecanismos irracionais do que
racionais se bem que exista alguma logicalidade
natural.
Devido ao modo como o nosso cérebro funciona,
precisamos
prestar
atenção
aos
nossos
mecanismos de decisão. Quando nos deixamos
levar pelas nossas intuições, aumentamos a
probabilidade de produzir argumentos imperfeitos
e eventualmente tomar decisões menos correctas.
Nesta secção vamos analisar;
1. A nossa tendência para fazer associações e
analogias.
2. A nossa tendência para fazer generalizações.
3. A nossa tendência para dar mais importância
ao nosso ponto de vista (Bias).
4. A nossa irracionalidade natural (falácias).
97
Capítulo 16: INTRODUÇÃO ÀS FALÁCIAS
Na nossa argumentação podemos cometer muitos erros. Por exemplo, quando erramos na
apresentação dos factos esses erros são chamados factuais. Quando erramos na formulação
do argumento, esses erros são conhecidos como falácias. Se fizemos erros num raciocínio
dedutivo, cometemos uma falácia dedutiva, se o erro foi no raciocínio indutivo, cometemos
uma falácia indutiva.
Falácia Dedutiva
Falácia Indutiva
Quando um argumento dedutivo é inválido
comete uma falácia dedutiva.
Quando argumentos indutivos produzem
conclusões que não têm suporte suficiente
para chegar a essa conclusão.
Um argumento dedutivo inválido pode ter
premissas verdadeiras e produzir uma
conclusão falsa. Isto é; a conclusão não
deriva das premissas.
Neste caso mesmo que todas as premissas
fossem verdadeiras a conclusão não teria
mais probabilidade de ser verdadeira.
Aristóteles identificou 13 tipos de falácias, mas os lógicos modernos identificaram
aproximadamente 150 tipos diferentes. Com tantas falácias, torna-se difícil avaliar um
argumento baseado apenas na lista de falácias existente. Existe um certo número de
problemas ao usar uma lista de falácias para avaliar um argumento.
• Não há limite do número de modos como um argumento pode ser fraco.
• Quanto mais falácias são identificadas, mais difícil se torna memorizá-las todas.
• Podemos facilmente identificar um argumento fraco, mas é difícil atribuir que falácia se
aplica.
• Se bem que seja fácil identificar falhas nos argumentos dos outros, é difícil identificar
falhas nos nossos próprios argumentos.
Classificação das falácias
Assim como categorizámos os diversos tipos de argumentação, também podemos categorizar
as falácias de acordo com o tipo de argumentação que falhou.
Uma falácia dedutiva é uma inferência inválida mas que parece boa porque imita a estrutura
de inferências válidas. Uma falácia indutiva consiste não só em erros de lógica formal, mas
também em falhas de raciocínio que se podem exprimir de vários modos.
Falácias em Argumentos Dedutivos
Falácias em Argumentos Indutivos
Formal
Falácias dedutivas formais
Não seguem as regras da lógica e por
consequência a conclusão não é
verdadeira e o argumento é inválido.
Falácias indutivas formais
Quando aparecem erros de indução na
formulação de hipóteses, teorias, erros
probabilísticos, estatísticos, etc. que levam a
generalizações erróneas.
Informal
Falácias dedutivas informais
A falácia pode ter uma forma lógica
que leva a uma conclusão válida mas é
fraca porque uma das premissas é
falsa.
Falácias indutivas informais
• Verbais
• Relevância
• Associações ilusórias
Como vimos, todos seres humanos fazem inferências seguindo formas de raciocínio que são
comuns na espécie Homo sapiens. Mas curiosamente algumas formas de raciocínio lógico
98
estão presentes em outros animais para além dos humanos. Existem muitos exemplos de
uma forma simples de raciocínio lógico em aves, especialmente corvídeos, e mamíferos.
Tipos de raciocínio
A forma mais primitiva de raciocínio é talvez o raciocínio causal. Humanos e
Causal
animais aprendem que certos eventos são causados por outros eventos
prévios.
Criação de
padrões e
mosaicos
Também é importante detectar padrões que se repetem na natureza e por isso
a nossa mente tem a tendência para ver padrões, ou mosaicos, na informação
percebida pelos nossos sentidos. Mesmo quando essa informação seja
absolutamente caótica, temos sempre uma tendência de fazer sentido dessa
informação tentando encaixá-la em padrões já conhecidos. A criação de
padrões facilita a organização da informação no nosso cérebro. Como seria
impossível conhecer todas as árvores do mundo, o sistema cognitivo
sistematiza a informação em categorias com características comuns e inclui
informação nova numa dessas categorias. É por esta razão que vemos padrões
de figuras conhecidas nas formas irregulares das nuvens.
Estabelecimento Para sobreviver em qualquer em qualquer habitat é necessário aprender que
de associações quando um evento A acontece existe uma probabilidade de que outro evento B
aconteça ao mesmo tempo ou logo a seguir. Por exemplo este é o princípio
usado para treinar animais. Se queremos que o nosso cão faça algo desejável,
convém dar uma recompensa imediatamente a seguir a execução desse
comportamento assim o animal aprende a associar um determinado
comportamento com algo de bom. O mesmo se passa nos seres humanos.
Esta é uma característica da aprendizagem e que se expressa no cérebro da
maioria dos animais. Os seres humanos estão sempre a estabelecer
associações de eventos, mesmo em casos onde não há qualquer associação
real.
Raciocínio
abdutivo
Explicações
Bias ou
raciocínio
enviesado ou
tendencioso
Os seres humanos têm a propriedade, de através da linguagem, passar
informação de uns para os outros sobre conceitos abstractos. Muita desta
informação prende-se com o acto de ensinar. Até ao momento julga-se que
apenas a espécie humana participa em actos de ensino onde um mestre
providencia informação de uma forma intencional a um grupo de alunos. Em
outros grupos animais, a aprendizagem por observação também ocorre, mas
julga-se que este processo seja iniciado pelos juvenis que prestam atenção aos
actos dos membros experientes do seu grupo social em vez de existir uma
iniciação intencional dum demonstrador para ensinar o grupo. Assim, na
espécie humana, o acto voluntário e intencional de ensinar requer o uso de
explicação. Esta explicação pode consistir na transferência de informação sobre
um método, mecanismo, comportamentos ou fenómenos naturais. Por exemplo
quando as crianças se assustam com a trovoada uma explicação sobre o
funcionamento das cargas eléctricas nas nuvens pode ajudar a dissipar esse
medo.
Todos nós temos um referencial, e qualquer informação nova é comparada com
esse referencial que já conhecemos. Apercebemo-nos das semelhanças e
diferenças entre a novidade e o que já é conhecido. Se a novidade for muito
diferente daquilo que achamos comum, a nossa tendência é rejeitar essa
informação. A rejeição vem do facto de que essa nova informação não é
compatível com os princípios que regem o nosso comportamento, ou não nos
sentimos confortáveis com ela porque o conteúdo da informação não é familiar.
O raciocínio enviesado é um tipo de avaliação que usa essa familiaridade como
bitola de comparação com tudo aquilo que é novo ou diferente e exagera a
nossa tendência para aceitarmos só o que nos é familiar.
As falácias que se seguem são exemplos erros que ocorrem nestas áreas definidas de
raciocínio.
99
Capítulo 17: FALÁCIAS CAUSAIS
A selecção natural levou à evolução de sistemas de detecção de informação importante para
a sobrevivência dos seres vivos. A coisa mais importante a apreender do ambiente que nos
rodeia é a compreensão do que causou um evento. Compreender a causa do barulho de
troncos numa floresta pode ser uma questão de vida ou morte. Pode ser um leopardo
esfomeado à procura de presa, o movimento de algum animal que pode servir de alimento, ou
simplesmente a acção do vento sobre os ramos das árvores. Todos os animais aprendem de
alguma forma a associar causa com efeito. A causa pode ter consequências negativas (o
leopardo como predador), positivas (um coelho como alimento) ou neutras (o vento nos
ramos), logo o reconhecimento da natureza da causa é um dos factores mais importantes
factores na sobrevivência.
Não basta procurar a causa, é preciso entender como o agente causal está associado à
consequência. Assim o mecanismo associativo que decorre no cérebro é também um factor
importante para a compreensão do mundo. Ao estabelecer uma nova associação entre causa
e efeito, o cérebro cria novas ligações neuronais. Este é um processo biológico básico que
ocorre em todos os mecanismos que suportam a aprendizagem.
Assim que as associações neuronais forem estabelecidas, o cérebro cria uma base de dados
que é catalogada com apoio em características comuns. Quando uma situação nova
acontece, o cérebro percorre essa base de dados à procura de algo semelhante que tivesse
ocorrido no passado. Se nada ocorreu exactamente como a nova situação, o cérebro cria
uma analogia, entende que a nova situação é semelhante, mas não exactamente igual a
experiências prévias e coloca essa nova experiência na categoria de experiências prévias que
têm maior semelhança.
Há medida que as experiências e as analogias se vão acumulando, o cérebro começa a criar
uma tendência para generalizar. A generalização é importante porque nos permite identificar
eventos com características comuns e ajuda a predizer a probabilidade dum evento particular
no caso dessas características se verificarem. Eu sei que no verão em Portugal quando as
nuvens se acumulam baixas e negras, com um vento quente vindo do sul ou do interior, existe
uma grande probabilidade duma tempestade de verão com relâmpagos e trovões. Eu percebi
os detalhes da tempestade a partir de experiências prévias e sempre que eu vi estes detalhes
a tempestade aconteceu. Eu fiz uma generalização ao inferir que a tempestade vai ocorrer de
novo. Assim, eu posso decidir se vou sair de casa com chapéu-de-chuva e gabardine, ou vou
para a praia de fato de banho. A capacidade de generalização é o que nos ajuda a predizer a
probabilidade de eventos futuros.
Mas existe outro factor importante essencial para a nossa sobrevivência, que reside na nossa
habilidade de detectar padrões. Um padrão neste caso é uma imagem que se pode usar
como modelo para daí se extrapolar informação mais detalhada.
Assim como os azulejos de casa de banho apresentam imagens que se repetem num padrão
geométrico consistente, também podem existir eventos que repetem com uma certa
consistência espacial e temporal. Por exemplo sabemos que acima e abaixo do equador os
dias crescem com a aproximação do verão e decrescem com a aproximação do inverno. Este
100
é um padrão que nos permite programar a nossa vida. Muitos animais baseiam as suas
migrações neste padrão temporal repetitivo. Mas se bem que estas faculdades sejam
importantes para a sobrevivência..
Causas
O nosso cérebro está construído de forma a procurar uma causa para tudo o que acontece, e
quando essa causa não é visível, a mente sente-se incomodada por causa da insegurança
que isso traz. Assim para evitar este desconforto a mente cria agentes que possam explicar a
causa. Durante a evolução do cérebro dos seres humanos desenvolveu-se um sistema que
cria entidades místicas para explicar eventos onde as causas são desconhecidas. Nestas
situações os agentes causais passam a ser os espíritos da floresta, a mágica do feiticeiro, as
energias do universo, os deuses, etc. Deste modo, criou-se um agente causador do evento e
remove-se a ansiedade de lidar com o desconhecido. A mente humana funciona usando o
seguinte regra: qualquer evento tem que ter uma causa e existe sempre um agente que induz
a causa. Esta regra não é necessariamente verdadeira, mas é o mecanismo usado pelo
nosso cérebro para compreender o mundo que nos rodeia.
Esta tendência para pensar em termos causais induz frequentemente a erros de raciocínio
causal. Estes erros são conhecidos com falácias causais. Dentro desta categoria de falácias
encontram-se falácias de argumentos dedutivos e indutivos.
17.1. Falácias causais dedutivas
Como já vimos quando apresentámos a lógica formal dentro do raciocínio dedutivo, existem
formas inválidas do Modus ponens e do Modus tollens.
O Modus ponens na forma válida é uma estrutura que afirma o antecedente. Isto é
expresso pela forma padrão do seguinte modo:
P -> Q
Afirma o antecedente
P
Q
Todos os gatos têm 4 pernas
Eu sou um gato A palavra gato antecede 4 pernas
Eu tenho 4 pernas
Mas a forma inválida afirma o consequente:
P -> Q
Q
Q
Afirma o consequente
Todos os gatos têm 4 pernas
Eu tenho 4 pernas A expressão 4 pernas vem depois de gato
Logo sou um gato
Esta lógica pode parecer correcta à priori, mas existem muitos animais com 4 pernas que não
são gatos tornando este argumento inválido. Eu podia ser um cão que também tem 4 pernas!
O Modus tollens na forma válida é uma estrutura que também afirma o consequente mas
só quando este é uma negação. Isto é expresso pela forma padrão do seguinte modo:
P -> Q
~Q
~P
Todos os gatos têm 4 pernas
Eu não tenho 4 pernas
Logo não sou um gato
101
Se a condição necessária para se ser gato é ter quatro pernas, e se eu as não tenho, então
não posso satisfazer essa condição. Provavelmente é uma aranha, uma centopeia, um ser
humano, um polvo, ou tudo o que existir que tenha tudo menos quatro pernas.
O Modus tollens na forma inválida é uma estrutura que nega o antecedente. Isto é
expresso pela forma padrão do seguinte modo:
P -> Q
~P
~Q
Todos os gatos têm 4 pernas
Eu não sou um gato
Logo não tenho 4 pernas
De novo é fácil de ver que a conclusão não segue das premissas. Eu posso não ser um gato,
mas ainda posso ter 4 pernas. Posso ser um cavalo por exemplo!
Existem muito mais falácias dedutivas formais, mas estas falácias não são frequentes na
apresentação de argumentos utilizados na linguagem comum. Para o leitor interessado neste
assunto sugerimos a leitura de livros especializados em lógica formal.
17.2. Falácias causais indutivas
O nosso dia-a-dia é recheado de argumentos falaciosos indutivos. Estas são falácias que não
dependem da lógica formal mas ocorrem na nossa linguagem comum, como por exemplo
quando oferecemos explicações para um fenómeno. Neste caso estamos em presença dum
tipo de falácias indutivas específicas, conhecidas como falácias da explicação. Eis aqui
alguns exemplos.
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Explicações Ad-hoc
Explicações Post-hoc
Explicações Cum-hoc
Direcção errada (confusão da causa com o efeito)
Efeito conjunto
Causa complexa
Causa insignificante
Ladeira escorregadia
Explicação ou Racionalização Ad-hoc
Como vimos, uma falácia é uma falha de raciocínio num argumento. Uma racionalização ad
hoc é mais uma explicação com erros do que realmente uma falha no processo de raciocínio
dum argumento. Veja esta explicação;
A: Eu tinha cancro e Deus curou-me
B: A sério? Quer isso dizer que Deus vai curar toda a gente com cancro?
A: Não sei... Deus trabalha de formas misteriosas! Racionalização ad-hoc
Este diálogo não é propriamente um argumento mas inclui uma explicação ad-hoc que é
oferecida de tal forma que parece um argumento. A explicação ad-hoc está na conclusão
“Deus trabalha de formas misteriosas”. Esta explicação é também referida como
racionalização ad-hoc e ocorre quando alguém tenta explicar eventos que são disputados ou
quando a evidência oferecida é fraca e não suporta o argumento.
102
Uma racionalização ad-hoc é usada num caso especial e ignorada em casos semelhantes.
Por causa disto esta falácia é também conhecida como Falácia da Excepção ou da Súplica
Especial. Neste caso a expressão “trabalha seguindo formas misteriosas” aplica-se apenas a
Deus e a mais nenhuma entidade. A explicação oferecida para Deus não se aplica a um
médico que curou um paciente de cancro e utilizando os mesmos métodos não curou o outro.
Ninguém diria que este médico “trabalha de formas misteriosas”. De facto o mais provável
seria acusar o pobre do médico de incompetência. A explicação ou racionalização ad-hoc foi
criada num instante para justificar a inconsistência presente apenas no argumento sobre
Deus. As explicações ad-hoc apresentam 3 características identificáveis:
1. Exclusividade
A frase ad-hoc é Latim significa “para este propósito especial” e o termo é usado
quando se refere a qualquer explicação que é dada para favorecer a hipótese
preferida. A explicação só se aplica naquele caso particular. O orador não dá razões
aceitáveis para justificar por que razão a explicação oferecida apenas se aplica aquela
situação particular e não como principio geral. Quando se tenta explicar a ocorrência
de milagres, frequentemente se apresentam explicações ad-hoc.
2. Incoerência e Contradição
A explicação não é muito coerente e na realidade não explica nada, mas se alguém já
está inclinado para acreditar no argumento, aceitará essa explicação.
Esta racionalização ad-hoc contradiz alguma outra premissa no argumento. Essa
premissa que faz parte da explicação original pode ser implícita ou explícita.
Por exemplo: A frase “nem toda a gente é curada por Deus” contradiz a crença comum
de que “Deus ama toda a gente igualmente”. Então a primeira frase precisa duma
explicação para se enquadrar na sequência da afirmação seguinte. Uma explicação
ad-hoc seria, que “Deus precisa de castigar os pecadores por isso não os cura.”
3. Não-testabilidade
A terceira característica é que a explicação não tem consequências testáveis. Isto é
muito importante. Por exemplo como poderemos testar a declaração “Deus trabalha
de modos misteriosos”? Como poderemos dizer quando esses modos estão
acontecendo e quando não estão?
Como poderemos diferenciar entre um sistema onde Deus “actuou de formas
misteriosas” e um outro sistema onde os resultados de devem apenas ao acaso ou a
qualquer outra causa desconhecida?
Como se pode ver esta explicação não oferece nada que seja testável e isso é o que
se espera duma explicação. Logo uma explicação ad-hoc é defeituosa.
Mesmo que a explicação pareça ser válida para aqueles que estão inclinados a acreditar no
argumento a explicação não deixa de ser falaciosa. Vários proponentes da telepatia quando
sujeitos a testes controlados, explicam o falhanço do envio ou recepção das mensagens
telepáticas duma forma ad-hoc dizendo que a telepatia não funciona quando estão cépticos
na sala.
Mas nem todas as explicações ad-hoc precisam de estar erradas. Na ciência também é
frequente assistir-se à produção de explicações ad-hoc. Quando se propõe uma teoria nova
que entra em conflito com as teorias pré-existentes e bem estabelecidas, os defensores da
nova teoria podem criar explicações ad-hoc para compensar o facto de que esta nova teoria
103
não apresenta mecanismos explanatórios adequados ou ainda não existe evidência suficiente
para lhe dar suporte. Assim propõem-se uma hipótese ad-hoc para explicar o que a nova
teoria não pode explicar. Mas a diferença é que após a criação da teoria, os cientistas
procuram evidência que a possa suportar ou refutar. A fim de se obter essa evidência, não se
limitam a colectar dados a partir de observações. Também criam hipótese que possam ser
testadas seguindo métodos que oferecem valores mensuráveis.
Em 1992, Alfred Wegner propôs a teoria da deriva continental, mas a sua teoria foi rejeitada
por falta de explicações adequadas sobre o mecanismo subjacente ao movimento dos
continentes. Um dos problemas com esta teoria estava na identificação da força que teria
acção sobre os continentes. Em 1953 Carey introduziu a teoria da tectónica de placas
oferecendo uma explicação plausível para a deriva dos continentes e mais tarde nos anos
sessenta, evidência obtida a partir dos estudos sismológicos confirmou que a deriva dos
continentes era um facto. No entanto, até se obter esta informação, a teoria original era
suportada por algumas explicações ad-hoc que se baseavam no conceito duma “força que
move continentes”. Foi sugerido que a gravidade era a força por detrás do movimento dos
continentes, mas mais tarde verificou-se que esta força era demasiado fraca para mover
continentes.
Uma explicação ad-hoc foi oferecida para explicar as acções do ópio na mente. Como o
mecanismo era desconhecido, afirmou-se que as pessoas entravam em estados de transe
devido às “virtudes dormitivas” da papoila do ópio.
Quando se questiona os astrólogos por que meio os astros poderiam influenciar a nossa
personalidade, geralmente apresentam explicações baseadas nas “vibrações da conjunção
dos planetas no Universo”. E quando se questiona os defensores da homeopatia sobre o
mecanismo pelo qual a água mantém virtudes curativas, eles apresentam uma explicação adhoc baseada na “memória da água”.
•
Explicações Post-hoc
No caso duma explicação post-hoc, o argumento assume que qualquer evento B que segue
depois de qualquer evento A, é causado por A quando na verdade, existe apenas uma
associação por coincidência. Este tipo de falácias está na origem das superstições. Por
exemplo
•
•
“A última vez que usei estas calças vermelhas fui atropelado por um carro. Estas
calças dão azar!”
“Cada vez que escrevo o exame com esta caneta tenho sempre boas notas! Esta é a
minha caneta da sorte.”
Muitos desportistas são vítimas frequentes desta falácia, tendo tendência a usar roupas ou
amuletos que acreditam que lhes traz sorte. Esta falácia ocorre naturalmente na mente dos
humanos e até dos animais. Por exemplo Skinner notou que os pombos que estudava
também desenvolviam superstições. Os pombos colocados numa caixa de Skinner foram
treinados para esperar a entrega de comida sempre que uma luz se acendia. Mas se por
acaso o pombo executou um certo movimento imediatamente antes da entrega da comida,
por exemplo esticar a asa direita, o pombo criou uma associação mental entre o movimento
da asa e a entrega da comida. Motivado para receber mais comida, o pombo começa a
104
esticar a asa direita com mais frequência na expectativa que este ritual seja a causa pela qual
a comida aparece. Este movimento da asa tornou-se uma superstição porque na realidade a
comida não aparece como consequência deste movimento. Uma superstição é uma crença
que se forma devido a uma associação equivocada entre um fenómeno A e um fenómeno B
que não estão relacionados.
• Falácia da Regressão à Média
A falácia da regressão à média é um caso especial da post hoc pois também atribui causa,
onde ela não existe. Primeiro vamos entender o significado do conceito “regressão à média”.
Por vezes quando se fazem medições de vários objectos ou eventos (como por exemplo
variações climáticas) pode acontecer que a primeira medição nos dê um valor extremo, e
muito longe daquilo que seria de esperar. Nesta falácia se ocorreram valores muito extremos
nas medições iniciais, o experimentador acredita que os valores seguintes sejam mais
aproximados da média. Existem coisas no mundo que têm uma variação aleatória e só
porque o primeiro valor foi extremo isso não implica necessariamente que o segundo valor
seja próximo do valor médio.
• Determinismo Retrospectivo
Semelhante à falácia da explicação post-hoc é a falácia do determinismo retrospectivo. Esta
falácia é baseada na crença de que depois de um evento ter ocorrido a sua ocorrência já era
esperada ou pelo menos não podia ter sido evitada. É a falácia do “estava escrito nas
estrelas!”
Um casal celebra com romantismo o jantar do seu segundo aniversário de namoro. Ambos
entreolhando-se com ternura afirmam que este romance estava escrito nas estrelas e não
poderiam evitar de modo nenhum que um dia estariam ali celebrando aquele aniversário.
Isto é uma forma de determinismo retrospectivo, ou fatalismo, que caracteriza muitas culturas
onde as pessoas aceitam a aleatoriedade do que vida lhes trás como algo que estava prédeterminado e sobre o qual eles não tinham qualquer poder para modificar. É uma atitude
mental que ajuda muita gente a lidar com situações emocionais dolorosas como por exemplo
mortes inesperadas.
Esta é também o tipo de falácia adoptada pelas crenças New Age, profecias e clarividência.
Videntes, profecias e o futuro que já passou
É frequente ouvirem-se histórias de videntes que tinham profetizado um evento dramático.
Geralmente estas histórias só aparecem depois do evento ter acontecido. Ora não é difícil
dizer que se tinha previsto algo depois de isso acontecer. Os videntes fazem muitas profecias,
e considerando a quantidade produzida, algumas por acaso podem acertar, mas para estas
profecias terem relevância é preciso comparar com o número de quantas profecias foram
feitas no total e quantas não se concretizaram. Se em 1000 profecias, uma declarou algo que
mais tarde veio a acontecer, podemos atribuir esse acordo a não mais do que uma
coincidência.
Mas é preciso também ter em conta a forma linguística como a profecia foi expressa. A forma
como se constrói a profecia pode contribuir mais ou menos para a sua precisão. Dizer que no
dia 11 de Novembro de 2002 dois aviões vão se despenhar contra as torres do World Trade
Centre em Nova York, tem muito mais precisão do que dizer que um avião, ou talvez dois vão
105
chocar com algum edifício alto numa cidade muito populosa algures no continente Americano
depois do ano 2000.
A forma como a profecia é expressa permite graus de liberdade suficientes encaixar os
eventos subsequentes na proposta oferecida pela profecia. Considerando o número de aviões
que cruzam os nossos céus e o número de cidades com arranha-céus na América (Norte Sul
e Centro), não é surpresa que algum dia algum avião tenha um acidente desta natureza. Mas
depois do evento acontecer, a memória das pessoas tenta encaixar os detalhes que
coincidem com a profecia e esquecem os outros que não encaixam. Ao se concentrar apenas
na informação que coincide com a profecia e ignorando toda a informação que não coincide, a
pessoa confirmou aquilo em que queria acreditar.
As profecias têm muito poder porque oferecem uma falsa sensação de segurança e previsão
em relação à imprevisibilidade do futuro. As pessoas querem acreditar em profecias, mesmo
que elas sejam catastróficas. Quantas vezes as profecias de datas do fim do mundo foram
provadas falsas? Mas as pessoas que acreditaram nessa profecia, ao verificarem no dia
seguinte que afinal o mundo não acabou, inventam explicações ad-hoc para justificar porque
a profecia falhou. Quando as pessoas que acreditaram na profecia que previa o apocalipse no
22 de Dezembro de 2012, acordaram no dia seguinte vivos e de boa saúde, em vez de
abandonar essa crença, arranjaram uma explicação apressada para justificar porque a
profecia não se realizou, dizendo que Deus estava simplesmente a testar a fé dos crentes e
tinha reconsiderado dar-lhes mais uma oportunidade. Isto é uma explicação post-hoc para
justificar a não ocorrência de algo esperado (para exemplos deste fenómeno veja o livro de
Festinger et. al 2012).
Nas profecias de Nostradamus a interpretação a posteriori confirma aquilo que foi sugerido
pelas suas profecias a priori. Vejamos um exemplo retirado do Dicionário dos Cépticos. O
verso original do livro de Nostradamus reza assim (tradução literal à direita):
Bêtes farouches de faim fleuves trainer;
Plus part du champ encore Hister sera,
En caige de fer le grand sera treisner,
Quand rien enfant de Germain observa.
Bestas ferozes de fome rios formando
A maior parta do campo ainda será Hister
Em gaiolas de ferro o grandioso será arrastado
Quando nada as crianças da Germania
observarão.
É óbvio que isto não faz qualquer sentido, ficando sujeito a qualquer tipo de interpretação.
Duas sugestões interpretativas foram apresentadas por estudiosos das profecias de
Nostradamus do seguinte modo:
Interpretação A
Interpretação B
Feras com fome vão atravessar os rios,
A maior parte da batalha será contra Hitler.
Ele fará com que os grandes homens serão
arrastado numa gaiola de ferro,
Quando o filho da Alemanha obedece a nenhuma
lei.
Bestas loucas de fome vão nadar em rios,
A maior parte do exército irá contra o Baixo
Danúbio.
O grandioso será arrastado numa gaiola de ferro
Quando a criança irmã não vai ver nada
Nenhuma destas traduções e interpretação parecem fazer qualquer sentido. Na interpretação
B assume-se que a palavra Hister se refere a uma região geográfica e não a uma pessoa
como sugerido pela interpretação A. No tempo de Nostradamus a palavra Germania referia-se
a uma região antiga da Europa situada a Norte do rio Danúbio e a Este do Reno.
Provavelmente refere-se a uma parte do Império Romano que hoje corresponde ao Nordeste
da França, parte da Bélgica e Holanda. A palavra Hister é um nome antigo duma região nas
106
margens do Danúbio, perto do lugar onde Hitler viveu a sua infância. Por causa da
similaridade dos nomes, muitos intérpretes acham que o nome se refere a Hitler.
Estas interpretações das profecias de Nostradamus, à posteriori são bons exemplos de
determinismo retrospectivo onde o fraseamento das profecias é interpretado para coincidir
com acontecimentos que ocorreram posteriormente.
“Fazer previsões é muito difícil, principalmente se forem sobre o futuro!”
Niels Bohr, 1885-1962. Físico Dinamarquês que recebeu o Prémio Nobel da Física
em 1922.
•
Cum hoc, ergo propter hoc = Com isso, por causa disso
Na falácia Cum-hoc o argumento assume que, só porque um evento A ocorreu ao mesmo
tempo que um evento B, um deles provoca o outro, isto é; esta falácia assume que duas
coisas que ocorrem ao mesmo tempo estão relacionadas causalmente. Esta falácia é
frequente quando se apresentam estudos que demonstram correlação entre duas
variáveis. Mas o facto de haver correlação não significa que uma variável cause a outra.
Pode ser apenas uma coincidência, como neste exemplo da correlação entre piratas e
variação de temperatura.
Neste exemplo podemos ver que duas
coisas aconteceram desde o século 19;
A: o número de piratas diminuiu
B: temperatura média global aumentou
mas nenhum destes eventos causou ou
outro.
A falácia Cum hoc, ergo propter hoc é muito similar à falácia Post-hoc, só que na primeira
existe uma relação mais formal, geralmente suportada por dados de várias observações.
A Nestlé, a marca que produz o cereal Shredded Wheat, tinha uma
publicidade onde a frase chave era a seguinte:
“As pessoas que comem Shredded Wheat têm tendência a ter corações
saudáveis.” Esta frase foi muito bem estudada porque não diz
directamente que existe uma relação causal entre comer Shredded
Wheat e ter um coração saudável. Apenas faz uma associação. A
relação causal é feita pelo consumidor.
De facto a frase, pode também sugerir que apenas aquelas pessoas que têm um coração
saudável comem Shredded Wheat.
O cuidado na formulação da protege o anunciante de ser acusado a fazer afirmações que não
são verdadeiras e ao mesmo tempo põe o ónus da interpretação da frase na mente do
107
consumidor. Neste exemplo a frase induziu o consumidor a cometer uma falácia causal
assumindo que comer este produto lhe dá um coração saudável.
Comparando “Hocs”: Estas falácias sãos erros de razão porque não estabelecem a que …
1… a ligação entre X e Y seja uma coincidência
2… X e Y sejam ambos o resultado dum terceiro elemento desconhecido (causa subjacente)
3… Y causou X em vez do contrário (confusão da causa com o efeito).
Causalidade é um assunto complicado mas mesmo assim, é possível evitar falácia causais
tomando as devidas precauções. No caso particular de ignorar uma possível causa comum,
ou uma causa que não é imediatamente evidente, deve sempre ter-se em conta o facto de
que podem existir outros factores possíveis de causar os efeitos observados. É sempre boa
ideia perguntar se poderia existir um outro factor responsável por A e B.
•
Falácia da direcção errada ou confusão da causa com o efeito
Como já vimos quando discutimos problemas com indução, a confusão da causa com o efeito
é uma falácia semelhante à explicação Post-hoc, mas no caso da falácia da direcção errada
existe realmente uma relação entre causa e efeito, só que o efeito é erroneamente tomado
como sendo a causa. Por vezes os casos são analisados com uma carga emocional que não
permite uma avaliação objectiva. Muita gente acha que a violência dos filmes mostrados na
TV causa a violência nas ruas. Outras acham que esses filmes apenas retratam a violência
das ruas o que leva à sua produção porque as pessoas gostam de ver violência. O mesmo
argumento é utilizado em relação a jogos violentos de computador. O argumento assume que
as crianças que jogam esses jogos têm mais tendência a ser violentas porque estão a copiar
o que vêm nos jogos. Nestes dois exemplos é preciso uma investigação cuidada para
108
compreender a direcção da causa. Mas existem situações onde é claro que a causa se
confundiu com o efeito.
Luís esqueceu-se dum prato com pão sobre a mesa durante duas semanas. Quando voltou a
casa verificou que o pão estava coberto de bolor. Luiz concluiu que o bolor foi provocado pelo
facto do pão se ter degradado. Na verdade, é o bolor que degrada o pão e não a degradação
do pão que levou ao aparecimento do bolor.
Um turista Americano visitando o Castelo de Windsor em Inglaterra pergunta: Porque
construíram o castelo de tão perto do aeroporto?
Pergunta do turista citadino visitando
Alentejo: Porquê que os alentejanos
põem pedras em volta das oliveiras?
•
Quem pôs esta bicicleta dentro da árvore?
Falácia do efeito conjunto
Esta é uma falácia cometida quando duas coisas ocorrem em conjunto e uma delas é tomada
como sendo a causa da outra. Isto é, dois eventos A e B ocorrem ao mesmo tempo mas não
se procura uma terceira razão C para compreender a associação A+B.
Uma mãe diz ao médico sobre o estado do seu filho: “Esta febre está a cobrir-lhe o corpo em
erupções cutâneas”. De facto essa febre e erupções são ambos consequências do sarampo
ou varicela.
“Estamos com alto nível de desemprego que é causado por uma baixa taxa de consumo!”
Neste caso ambos são causados por outros factores geridos pela economia como por
exemplo altas taxas de juro.
Existem casos onde não é absolutamente claro se esta falácia está a ser cometida. Por
exemplo quando um médico encontra uma grande quantidade de bactérias num dos seus
pacientes e conclui que esta bactéria é a causa da doença, mas na realidade a bactéria é
inofensiva e foi um vírus que enfraqueceu o sistema imunitário da pessoa permitindo a
proliferação de bactérias comensais que normalmente existem no nosso organismo sem
causar dano.
Durante muitas semanas caíram muitas agulhas de pinheiros dentro dum rio. Passados
alguns dias apareceram muitos peixes mortos. Quando a Agência do Ambiente veio
investigar, os donos duma fábrica de produtos químicos a montante do rio disseram que a
causa da morte dos peixes se devia a produtos libertados pelas agulhas dos pinheiros. Muitos
ambientalistas locais acusaram a fábrica de matar os peixes por causa da libertação de
resíduos tóxicos directamente para o rio. Na realidade as agulhas dos pinheiros não tiveram
qualquer impacto na morte dos peixes.
Luísa, uma cristã devotada assegurou-me que o padre da sua aldeia pediu à sua
congregação que rezasse pelas suas melhoras e por milagre a gripe desapareceu só numa
109
semana. Por outro lado um homeopata na loja da esquina assegura os seus clientes que com
o seu remédio uma gripe se cura em 6 dias.
Uma gripe não tratada dura uma semana, mas uma tratada só dura 7 dias.
•
Falácia da causa complexa
Assim que se identifica a causa, é preciso tomar atenção se ela é apenas parte de uma série
de outras causas mais complexas. Nós temos tendência a simplificar as causas dos
fenómenos observados. Por exemplo, é frequente ouvir dizer-se que as pessoas vivem com
medo de sair à rua por causa ao aumento da criminalidade. Sim, isto pode ser verdade, mas
isto pode levar algumas pessoas violar as leis, por exemplo atirando em suspeitos, causando
ainda mais criminalidade.
Pedro teve um acidente de automóvel e queixou-se aos serviços de estradas dizendo que o
acidente foi consequência da pobre visibilidade dado que existia uma árvore na curva. Pode
ser verdade, mas outros factores estavam associados ao acidente; se o condutor não
estivesse bêbado e o peão tivesse olhado antes de atravessar a rua, provavelmente o
acidente poderia ter sido evitado.
Semelhante à falácia da causa complexa, é a falácia da questão complexa. Esta falácia inclui
uma questão que para ser verdadeira precisa que uma nova questão seja também
verdadeira. Por exemplo: “De que cor era o vestido que a Maria usou nessa festa?” A menos
que se saiba que a Maria tinha levado um vestido à festa, esta questão exige que se pergunte
se ela de facto usou um vestido ou umas calças.
•
Falácia do efeito insignificante
Por vezes é preciso evitar a atribuição de consequências a causas insignificantes quando
comparadas com outras. Por exemplo, deixaste o forno aceso a noite toda e por causa disso
contribuíste para o aquecimento global.
Os planos de ordenamento do território requerem que as construções de edifícios cumpram
uma certa formula relativamente à área de construção que impermeabiliza o solo e o terreno
onde se constrói. A regra pode impor que num determinado terreno de grandes dimensões
não se pode construir mais do que uma área coberta de 250 m2. No entanto se construir
260m2 não vai afectar muito a impermeabilização. No entanto esse pequeno excesso é
insignificante mas punido com pesadas multas.
A Teoria do Caos clama que em qualquer sistema dinâmico, pequenas diferenças iniciais
pode, ao longo do tempo ter consequências imprevisíveis. Esta teoria sofre da falácia do
efeito insignificante quando usa o exemplo que o bater de asas duma borboleta na América
pode causar um tufão no Japão.
•
Falácia da regressão céptica (ver: implorando a questão)
O argumento da regressão é um problema que se discute em epistemologia(1) e em muitas
outras situações onde se pede interminavelmente que se justifique a proposição anterior que
deu origem à proposição presente.
(1)
Epistemologia é o ramo da filosofia que se preocupa com a natureza e abrangência do conhecimento. Estuda
como o Conhecimento é adquirido e até que ponto se pode conhecer a verdade sobre um objecto ou evento.
110
Exemplo de regressão céptica:
Quem suporta a Terra no Universo?
A terra é suportada por 4 elefantes
E onde estão os elefantes?
São suportados nas costas duma tartaruga
E quem suporta a tartaruga?
A tartaruga nada na matéria do Universo
E o que suporta o Universo?
....
E assim por diante até ao infinito
•
Falácia da ladeira escorregadia
Esta é uma falácia que deriva de encadeamentos de inferências onde em cada passo a
conclusão do anterior serve de premissa para o seguinte.
Esta falácia é um argumento que apresenta uma sequência dos
operadores “se...então...”
Se A ocorre então B ocorre; e se B ocorre, então C ocorre........
F ocorre
Logo se A ocorre, F irá ocorrer
Exemplo 1:
A associação de estudantes pediu para que se coloquem máquinas de dispensar
preservativos nas casas de banho do campus universitário. Este pedido é ridículo...
A
Se estas máquinas forem instaladas os estudantes fazem mais sexo pré marital
B
Isto levará a uma completa erosão de moralidade...
C
Que vai levar a roubos e mentiras...
D
Que vai levar a violações e assassinatos desenfreados...
E
No final todo o campus cairá em total ruina moral
Pode haver argumentos de ladeira escorregadia que possam dar algum suporte se houver
evidência que cada nível causal é influenciado pelo prévio.
Exemplo 2:
A
Se a qualidade de vida dos animais é pobre leva a um aumento de stress no animal
B
Isto levará a uma diminuição da resposta imunitária...
C
Que vai requerer o aumento do uso de antibióticos...
D
Que vai levar ao aparecimento de muitas doenças...
E
Que vai pôr uma pressão económica considerável no produtor
111
Mas se continuarmos o argumento até I...
F
E o produtor vai para casa chateado e bate na mulher
G E a mulher vai-se embora com os filhos requerendo um divórcio...
H
E o produtor vai à falência...
I
E acaba por se suicidar.
Temos pouca (ou nenhuma) evidência de que isto poderá eventualmente acontecer.
Provavelmente ele até arranja uma nova mulher e começa um novo negócio na plantação de
alfaces, tornando-o muito mais rico do que antes.
Note que no segundo exemplo, existe evidência científica para suportar a relação causal que
vai de A até E, mas de F para I é tudo baseado em especulação.
Mesmo assim de C até E a probabilidade da condição seguinte se realizar vai decrescendo.
Por exemplo, basta mudar as condições de vida do animal para não se requerer o uso de
antibióticos.
•
O Paradoxo de Sorites
Se meio careca tem 500 cabelos, quantos têm um careca inteiro?
Quantos cabelos têm um homem careca? Sem têm dois cabelos deixa de ser careca?
Qual é a semelhança entre um careca e um monte de areia?
Sorites é uma palavra Grega que significa uma pilha de, ou uma quantidade de algo. Este
paradoxo é também conhecido como o “paradoxo do monte de areia”. O paradoxo surge da
seguinte questão; há medida que vou adicionando um grão de areia, a que altura é que essa
colecção de grãos de areia começa a se chamar um monte de areia? Qual é o patamar em
que quando eu removo um simples grão de areia, deixa de ser um monte de areia?
O paradoxo de Sorites é um paradoxo semelhante à falácia da regressão céptica.
112
Capítulo 18: FALÁCIAS GENERALIZAÇÃO (Indução Formal)
As falácias de generalização encontram-se tanto na indução formal quanto na indução
informal.
Falácias de generalização por
indução formal
Quantificação
 Conversão ilícita
 Falácias em inquéritos de opinião pública
 Falácia existencial
 Alguns são, outros não
Probabilísticas
 Falácia do jogador de azar
 Falácia da conjunção
Falácias de generalização por
indução informal
 Generalização precipitada
 Indução indolente
 Generalização de varrimento
 Generalização tendenciosa ou enviesada
 Vivacidade enganosa
 Falácia patética
 Excepção exagerada
 Nenhum verdadeiro escocês
 Acidente
 Falácia das comparações múltiplas
As falácias de indução formal são erros de raciocínio que ocorrem em indução formal que se
refere a formas de indução baseada em cálculos estatísticos e de probabilidades. Vejamos
alguns exemplos onde estas falácias podem ocorrer por erro acidental ou intencional.
18.1.Falácias de Quantificação
•
Falácia da conversão indutiva ilícita
XéY
Logo Y é X
Esta falácia assume que se uma coisa X é Y, então tudo o que é Y
também é X. É óbvio que esta conclusão está errada e não segue da
premissa, logo esta conversão indutiva é ilícita.
Exemplos de conversões indutivas ilícitas
1
A maioria dos terroristas são Islâmicos.
A maioria dos Islâmicos são terroristas.
2
A maioria dos estudantes de Cambridge são inteligentes.
A maioria dos estudantes inteligentes estuda em Cambridge.
3
Grande parte dos comediantes são liberais.
Grande parte dos liberais são comediantes.
4
Uma pequena percentagem de acidentes de trânsito envolve pessoas acima dos 70
anos.
Uma pequena percentagem das pessoas acima dos 70 anos está envolvida em
acidentes de trânsito.
Vejamos que, se bem que os argumentos 1 a 3 sejam óbvios que são uma falácia, o
argumento 4 já não é tão óbvio. Se ele tivesse sido apresentado isoladamente seríamos
tentados a aceitar como um argumento bom. Mas como vimos segue uma forma falaciosa e,
mesmo que pareça ter alguma lógica a priori, na realidade segue a forma falaciosa dos outros
exemplos.
113
Um caso de cancro da mama
A falácia da conversão indutiva ilícita é muito importante especialmente quando se trata de
assuntos de vida ou morte. Vejamos este exemplo apresentado por Sutherland (1992) no seu
livro sobre irracionalidade:
Maria foi fazer um teste para ver se tinha cancro da mama. Duas condições há que ter em
conta:
Seja
Y=Presença de cancro da mama
e
X=Teste positivo de cancro da mama
Sabemos que os testes não são infalíveis e que por vezes podem dar negativo quando na
realidade a pessoa tem cancro, ou positivo se a pessoa não tem. Assim a probabilidade de ter
cancro (Y) se o teste for positivo (X) é diferente da probabilidade de que um teste positivo (X)
indique a presença de cancro (Y).Os resultados são diferentes dependendo de como o
médico aborda a questão.
Probabilidade de Y se X ocorrer
Qual é a probabilidade que uma
mulher com cancro tenha um teste
positivo?
≠
Probabilidade de X se Y ocorrer
Qual é a probabilidade que um teste
positivo indique que uma mulher
tenha cancro?
Imagine que testámos 1000 mulheres e o teste tem 1% de probabilidade de falhar. Então a
probabilidade do teste ser positivo é 99% e a probabilidade do teste ser negativo é também
99%. Não sabemos para que lado vai cair. De momento só sabemos que o teste tem 1% de
probabilidade de falhar. Se ele der positivo, existe 1% de probabilidade que ser um falso
positivo. Se ele der negativo, existe 1% de probabilidade de ser um falso negativo.
Para melhor exemplificar que as duas questões são diferentes vamos analisar um caso com
resultados reais. Primeiro fazemos uma matriz com os resultados dos testes de 1000
mulheres.
Mulher cancerosa
Teste positivo
X
Teste negativo
~X
Total de testes
Y
74
X+Y
6
~X + Y
80
Mulher saudável
~Y
110
X + ~Y
810
~X + ~Y
920
Total
testado
184
816
1000
Na página seguinte explica-se como ler esta matriz.
Mulher cancerosa
Teste positivo
X
Teste negativo
~X
Total de testes
Y
Mulher saudável
~Y
74 mulheres com teste
positivo tinham cancro
X+Y
110 mulheres com teste
positivo eram saudáveis
X + ~Y
6 mulheres com teste
negativo tinham cancro
~X + Y
80
Número total de mulheres
cancerosas
810 mulheres com teste
positivo eram saudáveis
~X + ~Y
920
Número total de
mulheres saudáveis
114
Total
testado
184
Número
total de
testes
positivos
816
1000
Q1: Qual é a probabilidade que uma mulher com cancro tenha um teste positivo?
(leia na direcção da linha vertical)
Das 1000 mulheres testadas, 80 tinham cancro. Mas dentro do valor das mulheres com
cancro apenas 74 deram positivo no teste, isto é 92,5 %
74 testes resultaram em verdadeiros positivos em 80 mulheres afectadas. Isto é, os testes de
6 mulheres não detectaram os seus cancros, logo deram falsos negativos. Isto dá 92,5%
Como se chegou a este resultado? Usando uma regra de três simples
Se 80 ---- é 100%
74 ---- é X
X= (74 x 100)/80= 92,5
Das 1000 mulheres testadas, 80 tinham cancro mas apenas 74 mulheres com testes
positivos tinham de facto cancro, isto é 92,5%
Q2: Qual é a probabilidade que um teste positivo indique uma mulher com cancro?
(leia na direcção da linha horizontal)
Das 1000 mulheres testadas, 184 tinham testes positivos. Mas dentro deste valor apenas 74
tinham de facto cancro, isto é 40,2%
74 testes verdadeiramente positivos (em mulheres com cancro) num total de 184 testes
positivos onde alguns (110) deram falso positivo. Isto dá 40,2%
Como se chegou a este resultado?
Se 184 ---- é 100%
74 ---- é X
X= (74 x 100)/184= 40,2
Das 1000 mulheres testadas, 184 tinham testes positivos. Mas dentro deste valor apenas 74
mulheres tinham de facto cancro, isto é 40,2%.
Respostas:
Q1: Qual é a probabilidade que uma mulher com cancro tenha um teste positivo? 92,5%
Q2: Qual é a probabilidade que um teste positivo indique uma mulher com cancro? 40,2%
De facto este teste não é muito confiável porque em 1000 pessoas analisadas obteve-se 110
falsos positivos e 6 falsos negativos. Um total de 116 erros em 1000. Isto é um total de 11.6%
de infidelidade ou inexactidão.
Mulher cancerosa Y
Teste positivo
X
74 mulheres com teste
positivo tinham cancro
Teste negativo
~X
6 mulheres com teste
negativo tinham cancro
FALSO NEGATIVO
Total de testes
80
Mulher saudável ~Y
110 mulheres com teste
positivo eram saudáveis
FALSO POSITIVO
810 mulheres com teste
positivo eram saudáveis
920
115
Total
testado
184
816
1000
É importante ver que quando alguém testa positivo para uma condição cujo teste não é 100%
confiável, há sempre uma margem de erro e obter falsos positivos.
Quando se diz que um teste tem 99% de precisão, isso significa que 99% das pessoas
testadas e que tinham de facto a doença acusaram positivo. Isto não é o mesmo que dizer
que 99% das pessoas que acusaram positivo tinham a doença.
Uma forma fácil de lembrar a forma desta falácia é pensar no seguinte:
Cada vez que chove levo o
chapéu-de-chuva.
é diferente de
Cada vez que levo o chapéu-de-chuva,
chove.
Talvez seja igual se você morar na Escócia !..
• Entrevistas e Questionários
Questionar a opinião pública é importante para os políticos fazerem prognoses relativamente
ao resultado duma eleição, ou para lóbis e organizações comerciais poderem calcular a
aceitação das suas ideias ou produtos. Estas pesquisas de opinião envolvem muitas
questões, mas a forma como estas questões são colocadas, a sua posição no questionário,
ou o tipo de linguagem utilizada, podem influenciar a opinião pública. Os resultados também
podem ser avaliados com métodos estatístico tendenciosos oferecendo uma informação não
representativa da realidade. Vejamos alguns exemplos de questionários mal formulados.
a). Amostras auto-selecionadas
Não se deve confiar numa pesquisa de opinião se a amostragem é constituída por pessoas
que tomaram a decisão de serem os respondentes do questionário. Ao fazer isso já estamos
a tornar a informação limitada a uma secção especial de opinião e os resultados irão reflectir
apenas as opiniões daquele grupo que se auto-seleccionou.
O exemplo que se segue decorreu nos Estados Unidos numa altura em que apenas algumas
pessoas tinham a capacidade económica de comprar um telefone. Durante o período préeleitoral fizeram-se prospecções da opinião pública através de entrevistas pelo telefone sobre
quais os candidatos em que iriam votar. O resultado sugeriu que o candidato Republicano iria
ganhar. Mas para grande surpresa o candidato Democrata ganhou com uma grande margem.
Porque é que os resultados desse questionário deram informação errada?
O problema estava no método de colheita de informação ou amostragem. Nessa altura,
apenas as pessoas ricas tinham telefones. Essas eram também as pessoas com simpatias
pela direita e o partido Republicano. A amostragem ignorou a maioria da população, que
sendo pobre ou de classe média não tinham a capacidade económica de adquirir um telefone.
Esta foi uma amostragem enviesada, selectiva e não aleatória focando numa pequena parte
da população.
Perguntar aos membros de associações de protecção animal o que eles acham sobre a
legislação em bem-estar animal, vai produzir uma colecção de opiniões favoráveis à produção
de leis proteccionistas. Nenhum membro duma organização de protecção animal é da opinião
que a sociedade não deveria se preocupar com legislação de bem-estar animal. Perguntar a
uma sociedade tauromática o que acham sobre as leis de protecção animal, vai dar
resultados na direcção oposta.
116
b). Questões tendenciosas
As questões tendenciosas são aquelas que contêm no texto da questão, a informação que se
deseja seleccionada. Por exemplo: “Você já parou de bater na sua mulher?” é uma questão
que requer uma resposta sim ou não, mas que assume que você batia na sua mulher, mesmo
que você nunca o tivesse feito. O resultado deste questionário seria “x% dos homens deste
país já deixaram de bater nas mulheres”, implicando que antes eles batiam nelas.
Outra questão tendenciosa seria “ Quão religioso você é?” Muito, pouco ou nada. Esta
questão e as respostas sugeridas não dão informação correcta sobre as preferências
religiosas duma população. De facto questões que proporcionam valores mensuráveis, com
números que possam ser utilizados em cálculos estatísticos são muito melhores. Assim seria
mais adequado perguntar o seguinte:
1. Qua é a sua afiliação religiosa? Esta questão permite quantificar a frequência com
que certas religiões aparecem na população.
2. Quantas vezes atende um serviço religioso? Esta questão permite quantificar a
devoção religiosa da população com números expressos por “quantas vezes” ou
frequência.
As questões tendenciosas (ou enviesadas) são aquelas que levam o respondente a
responder duma forma particular, e por vezes desejada pela empresa ou organização que
encomenda esses estudos de opinião.
Veja como no exemplo seguinte a formulação da questão 2 e colocada logo a seguir à
questão 1 têm influência no modo como se responde à questão 1:
Tipo A
Tipo B
1. Acha que o governo deveria concordar 1. Acha que é razoável que os professores
com as exigências dos professores para um locais peçam um aumento de salário?
aumento de salários?
2. Está consciente que o orçamento para a 2.Está consciente que os professores não
educação vai levar um corte drástico no tiveram um aumento de salários nos últimos
próximo ano?
5 anos, apesar do aumento da inflação?
As perguntas do questionário A levam a A pergunta 2 do questionário B influencia as
mais respostas negativas à pergunta 1, pessoas a dar mais respostas positivas à
porque a pergunta 2 influencia a qualidade pergunta 1.
dessas respostas.
c). Focalismo ou o efeito de âncora
O focalismo ou efeito de âncora que descreve uma tendência comum dos seres humanos de
focar demasiado na primeira informação que lhe foi oferecida (a âncora). Em questões que
oferecem várias opções em pesquisas de opinião pública, existe uma tendência para
seleccionar as opções centrais colocadas numa linha de opções possíveis.
Assim que a mente determina um ponto de âncora, as nossas avaliações, julgamentos e
decisões são ajustados em relação a essa âncora mostrando uma tendência interpretar outra
informação em torno desse ponto.
Por exemplo, o primeiro preço oferecido dum grupo de carros usados, passa a ser o ponto de
referência que funciona como padrão para a avaliação do preço dos outros carros. Deste
117
modo, um preço mais baixo do que o primeiro pode parecer razoável, mesmo que esse preço
seja demasiado alto para o valor real do carro.
Num questionário de opinião pública as pessoas são geralmente influenciadas pelos dois
pontos que determinam a escala e tendem a escolher o ponto mais central. Estas tendências
naturais da mente podem ser exploradas para produzir estatísticas enganosas.
Vejamos estes exemplos:
Q1:Qual a sua opinião sobre este curso?
Insatisfeito
Satisfeito
Muito satisfeito
Extremamente satisfeito
Mais indicadores positivos do que negativos
Q2:Avalie a qualidade do nosso hotel
Não satisfatório
Médio
Bom
Muito bom
Excelente
Ao seleccionar um valor as pessoas têm a tendência a
seleccionar o ponto médio, ou ancorado a qualquer valor
perto do meio.
O efeito de âncora oferece respostas diferentes dependendo dos valores da escala.
Q3:Quantas vezes bebe um copo de água por dia?
Escala A:
0 1
2
3
4
5
Escala B:
0 1 2 3 4 5 6 7 8
6
7
9
8
9
10
10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
As repostas da escala A podem ser diferentes das da escala B por causa do efeito do ponto
de âncora (ou referência).
18.2.Falácias Probabilísticas
• Falácia do jogador de azar
Esta é uma falácia que ocorre frequentemente entre os jogador de azar, isto é, pessoas que
jogam nas slot-machines, cartas, roleta, etc. Estes jogadores acreditam que se pode predizer
a sorte, ou melhor, que se pode controlar o acaso com que acontecem eventos que são por
natureza aleatórios. Muitos acreditam que quando estão em “maré de sorte” não podem
perder.
Eventos que são aleatórios não têm forma de ser previstos e não há maré de sorte ou azar
que os influencie por artes mágicas ou energias universais. Um evento aleatório é por
exemplo o jogo de cara ou coroa. Cada vez que se lança uma moeda ao ar, se a moeda não
for viciada, a probabilidade de cair coroas 5 vezes e em sequência em 10 lançamentos pode
ser pequena, mas poderá acontecer por acaso. Se um jogador apostou em coroas e elas
118
caem 5 vezes de seguida, ele pode pensar que está em maré de sorte e que na jogada
seguinte também vai cair coroas. Se por acaso cair, isso apenas reforça a sua crença na
sorte. Á medida que o seu cérebro é recompensado com a confirmação da expectativa o
jogador começa a acreditar que existem forças místicas que estão trabalhando para a sua
sorte e continua a apostar nas coroas. O problema é decidir quando parar a aposta! Quanto
mais o cérebro for reforçado com a confirmação da expectativa, mais o jogador acredita na
sorte.
• Falácia da conjunção
A falácia da conjunção assume que um conjunto de condições é mais provável do que apenas
uma condição geral. Um exemplo desta falácia frequente apresentado é o seguinte:
Linda tem 31 anos, solteira, honesta, fala sem rodeios, e é intelectualmente brilhante.
Ela fez uma licenciatura em filosofia. Quando era estudante estava muito envolvida com
assuntos de justiça social, contra a descriminação social e participou em muitas
demostrações antinucleares e pelo uso de energias alternativas. De acordo com o perfil e
Linda, quais destas frases acha mais provável?
1. A Linda trabalha como caixa num banco
2. A Linda trabalha como caixa num banco e é activa no movimento feminista.
Qual foi a sua opção? A maioria das pessoas escolhe a opção 2. Mas estatisticamente a
probabilidade de Linda ser apenas uma pessoa que trabalha num banco (PA) é maior do que
ser ambas (caixa e activista) ao mesmo tempo (PA+B).
Note que a probabilidade de duas coisas acontecerem ao mesmo tempo é menor do que
cada coisa acontecer por si só. A probabilidade de A+B é diferente da probabilidade de A
mais a probabilidade de B ou (PA+B) ≠ (PA) + (PB).
• Falácia da proporção de base
O Joel é um moço que gosta de usar maquilhagem preta, pintou os cabelos de preto, tem
piercings espetados na cara, nas orelhas, na língua, e veste-se de preto, só ouve música do
tipo Heavy Metal e usas roupas de inspiração Gótica. Obviamente o Joel é um Gótico! Qual é
a probabilidade de que o Joel seja Cristão ou Satânico?
A tendência das pessoas inquiridas é dizer que é o mais provável é que ele seja Satânico.
Mas estas pessoas estão a ignorar o seguinte; existem mais que 2 bilhões de Cristãos no
mundo e apenas uns poucos milhares de Satânicos. Assim, a probabilidade de pertencer ao
grupo dos Cristãos é maior do que a probabilidade de pertencer ao grupo dos Satânicos. A
diferença entre Cristãos e Satânicos é de grande magnitude numérica. A probabilidade de
pertencer a um grupo com maior número de aderentes é maior do que a probabilidade de
pertencer a um grupo com poucos membros.
Ao fazer o julgamento de que o Joel é Satânico os inquiridos focaram apenas no estereótipo
das roupas e apresentação do Joel e ignoraram a realidade da relação que descreve a
proporção entre Cristãos e Satânicos (2 bilhões / 2 mil). Não existe qualquer razão para que
um Gótico não seja também Cristão. O movimento Gótico é uma moda que surgiu após o
movimento punk e que se prende com um tipo de música e não uma opção religiosa.
119
Capítulo 19: FALÁCIAS DE GENERALIZAÇÃO e EXCEPÇÃO
(INDUÇÃO INFORMAL)
19.1. Falácias de Generalização
Como já vimos, fazer generalizações a partir de observações é um fenómeno fundamental no
processo de aprendizagem e categorização dos fenómenos que nos rodeiam. No entanto,
frequentemente cometemos erros ao fazer generalizações; vemos uma ou um número restrito
de pessoas a fazer algo e atribuímos esse comportamento para o resto do grupo social que
inclui esses indivíduos, ou colhemos amostras tão restritas e seleccionadas, que dificilmente
podemos dizer que essas amostras são representativas da população de onde foram
retiradas. Estes erros classificam-se como generalização precipitada, de varrimento ou
tendenciosa.
Apressada ou Precipitada
Tipos de Generalização
Varrimento
Uma generalização que tira
conclusões sobre um todo a
partir dum só.
Uma generalização que
conclusões sobre um todo a
partir de alguns.
Dar demasiada força a um
argumento baseado numa
amostragem não
representativa da população.
De um para todos
Evidência anedótica
De alguns para todos
Duma amostra não
representativa para todos
Tendenciosa
• Generalização apressada ou precipitada
A generalização precipitada é um tipo de generalização indutiva baseada em evidência
insuficiente, geralmente tirando conclusões rápidas sem considerar todas as alternativas. Este
tipo de falácia é particularmente perigosa em estatística levando à atribuição de certas
conclusões a uma grande número de indivíduos quando a amostragem foi muito pequena e
não é representativa da população. Mas em indução informal, esta falácia ocorre da
apreciação de uns poucos casos conhecidos e sua generalização para a maioria.
Muitas pesquisas em psicologia são executadas através de questionários aos estudantes
destes cursos em Universidades famosas onde existem fundos para pesquisa e os
estudantes vêm de famílias afluentes. Frequentemente estas pesquisas clamam que os
resultados desses testes, por serem estatisticamente significante, oferecem exemplos de
comportamento que caracterizam a natureza humana. Este é um exemplo de generalização
precipitada, onde a população testada não é uma amostra real da população do planeta. A
amostra é demasiado pequena e enviesada.
120
Exemplo 1:
Um repórter dum jornal local exagerou uma história para a tornar mais excitante e outro
repórter do telejornal confundiu os factos. Conclusão já não se pode mais confiar na
informação pública.
Exemplo 2:
Os pitbulls não mordem. Eu tive um pitbull mais que 10 anos e nunca mordeu ninguém!
Evidência Anedótica: Uma anedota é uma história, não é necessariamente para rir. A
evidência anedótica é uma simples história que pode relatar um facto do qual se tenta
extrapolar para o resto da população.
• Indução indolente
O oposto duma generalização precipitada é uma generalização indolente ou preguiçosa onde
se nega uma conclusão dum argumento indutivo que seja relativamente aceitável, refutando
essa conclusão com um criticismo do tipo “ foi só uma coincidência!”. Na indução indolente a
conclusão dum argumento indutivo é refutada mesmo que haja evidência forte que o suporte.
Num teste sobre indução indolente dois grupos A e B foram questionados sobre a
similaridade e diferença entre países. As perguntas foram feitas de modos diferentes para
cada grupo:
Grupo A (foco na semelhança)
Quais destes países são mais semelhantes?
Grupo B (foco na diferença)
Quais destes países são mais diferentes?
[Alemanha e Bélgica]
ou
[Sri Lanka e Nepal]
[Alemanha e Bélgica]
ou
[Sri Lanka e Nepal]
O Grupo A (testados para a semelhança)
afirmou ser a Alemanha e Bélgica.
O Grupo B (testados para a diferença)
afirmou ser o Sri Lanka e Nepal.
A que se deve esta diferença nas respostas? Dado que os grupos testados eram estudantes
Americanos, eles estavam mais familiarizados com os países Ocidentais do que os Orientais.
A Alemanha e a Bélgica eram mais salientes. A saliência representa que algo é diferente do
resto e esse factor levou os estudantes a escolher o factor “diferença” para estes países em
vez do factor “semelhança”.
• Generalização por varrimento
O argumento faz uma generalização de algumas observações para o total da população. Este
argumento é usado frequentemente em estudos comportamentais em psicologia e etologia.
Um exemplo de dois estudos em primatas fez a seguinte afirmação como conclusão da sua
investigação; “um sentido de justiça parece ser um traço comum a todos os primatas”. O
argumento generaliza dois estudos onde se mostra que macacos Prego (Simia apella)
cooperam na aquisição de recursos alimentares, para uma ideia de justiça como algo comum
a todos os primatas. Neste caso a conclusão é demasiado generalizada para o que a
evidência permite.
Avalie a qualidade do suporte oferecido para este argumento publicano numa revista científica
sobre comportamento de primatas:
121
“O sentido de justiça parecer ser um traço instintivo comum a todos os
primatas.”
Conclusão
Os pesquisadores testaram macacos prego para negociar a troca de pequenas Justificações
pedras por recompensas de comida. Colocaram um macaco ao lado do outro e pretendem
suportar a
cada um podia ver a quantidade de comida oferecida ao outro.
conclusão
No início dos testes, os pesquisadores davam pepino por cada pedra oferecida
pelo macaco. Depois começaram a dar ao macaco A uma uva pelas pedras.
Os outros macacos observando esta acção, e não recebendo uvas recusaramse a negociar com o pesquisador.
Noutro teste os macacos prego ajudaram-se um ao outro a puxar uma barra
pesada que escondia comida. Um macaco que tivesse comido uma porção
dessa comida, voltava de novo à barra para ajudar o outro macaco prego a
colher a sua porção, num exemplo de cooperação”
Qual é o problema deste argumento? A frase inicial que oferece a conclusão extrapola para
todos os primatas testes feitos com macacos prego.
•
Generalização tendenciosa ou enviesada
Este é um tipo de generalização que sobrestima a força dum argumento baseado em
informação unilateral ou de amostras não representativas. Um argumento deste tipo diz-se
enviesado. Por exemplo:
1. Algumas pessoas desta religião são fanáticas, logo todas são fanáticas
2. Os homens que gostam de gatos são efeminados
3. Os animais devem ter direitos. O problema deste argumento é que coloca todos os animais
na mesma categoria esquecendo que moscas e outros invertebrados, também são animais.
19.2. Falácias de Excepção
• Excepção exagerada
A falácia da excepção exagerada é de certo modo semelhante à falácia da generalização
apressada. É um tipo de generalização que é correcta e tem precisão, mas elemina tantos
casos, que aquilo que resta é muito menos impressionante do que aquilo que se disse no
início. Vejamos este exemplo tirado do filme do Monty Python, a Vida de Brian onde se
discute o que os Romanos fizeram pelo povo da Palestina:
Exemplos:
1. Os Romanos não fizeram nada por nós...
"...mas tirando o saneamento, a medicina, a educação, o vinho, a ordem pública, a
irrigação, as estradas, o sistema de aquedutos e a saúde pública, o que é que os
Romanos fizeram por nós? “Orador pretende com esta frase dizer que os Romanos
não fizeram nada por eles tentando minimizar a importância de todos as outras
acções.
122
2. “ A nossa política externa foi a de sempre ajudar outros países, excepto quando isso
vai contra os nossos interesses nacionais.” Aqui a implicação falsa é que a política foi
a de sempre ajudar outros países. A palavra sempre associada á palavra excepto
transforma a frase numa contradição.
3. “Bem, eu prometo que a resposta será sempre SIM, a não ser que seja necessário
responder um Não”
Resumindo, uma falácia de excepção exagerada tem a seguinte forma:
Faz-se uma afirmação A
Oferecem-se muitas excepções para essa afirmação
Conclui-se que a afirmação A é correcta
• Acidente (destruindo a excepção)
A falácia do acidente começa com uma afirmação de algum princípio que é verdadeiro como
regra geral, mas erra na aplicação deste princípio num caso específico que é atípico ou
incomum. É uma falácia que ocorre em silogismos dedutivos. É dedutivamente válida mas
não é forte porque não toma em consideração a excepção à regra. A falácia ocorre quando se
tenta aplicar a regra geral a uma situação irrelevante.
Exemplo:
Cortar as pessoas com facas é crime
Os cirurgiões cortam as pessoas com facas
Logo os cirurgiões são criminosos
• Nenhum verdadeiro Escocês
Esta falácia foi baptizada pelo filósofo Britânico Anthony Flew que contou a seguinte história
para a exemplificar:
Imagine que o Sr. McDonald, um escocês, está lendo um jornal escocês e vê um artigo com o
título “O tarado sexual inglês ataca outra vez”. O Sr. McDonald fica chocado com a notícia e
declara que “nenhum escocês faria tal coisa!”. No dia seguinte no mesmo jornal vem uma
notícia sobre um homem de Aberdeen (no norte da Escócia) que exerceu acções tão brutais
sobre a sua esposa, que fez com que o tarado sexual inglês quase parecesse um cavalheiro.
Este facto faz com que a declaração original do Sr. McDonald se torne questionável. Mas será
que ele vai aceitar que errou na sua declaração? Não...ele agora vai emendar a sua
declaração para “nenhum verdadeiro escocês, faria isso”. Ao alterar a sua declaração
adicionando a palavra “verdadeiro” ele exclui da sua frase essa excepção - o criminoso de
Aberdeen-que apesar de ser escocês, não é “um verdadeiro escocês”.
Quando ele diz, nenhum escocês faria isso, ele está a incluir nesse universo, todos os
escoceses. Mas agora verificou que existem alguns escoceses que são excepção e não
podem ser incluídos na frase original, então ele teve que reforçar a frase com um novo
adjectivo (verdadeiro) para poder excluir esses casos especiais de escoceses.
A frase “mudar os paus da baliza” representa uma forma de generalização que apenas se
torna verdadeira quando um contra exemplo é ignorado com base em argumentos fracos e o
orador muda a sua declaração original para a tornar aceitável.
123
Allan: "Nenhum escocês põe açúcar nas suas papas de aveia”
Owen: " Eu sou escocês e ponho açúcar nas minhas papas de aveia!"
Allan: "Bem, o que eu queria dizer era que nenhum verdadeiro escocês põe açúcar nas
suas papas de aveia."
• Mudando os paus da baliza ( mudando as regras do jogo)
Imagine que você está jogando futebol com os amigos na praia e cada vez que tenta um golo
e a bola está quase a entrar na baliza, o seu adversário muda os paus da baliza para evitar
que você consiga marcar. Este exemplo deu o nome a esta falácia que tem uma certa
semelhança com a falácia anterior, mas neste caso ignora-se a evidência que foi apresentada
para suportar uma declaração, e mais evidência é requerida. Isto é vai-se se mudando a
regras do jogo enquanto se joga. O problema com isto é que o significado do resultado
também muda e aquilo que se pretendia obter no início acaba sendo algo totalmente
diferente.
Isto acontece frequentemente em situações de trabalho onde os empregados são assediados
pelo patrão que originalmente os empregou para executar uma série específica de tarefas e à
medida que o tempo passa vai exigindo outras tarefas que não estavam originalmente no
contracto fazendo demandas adicionais arbitrárias assim que mal as demandas originais
estejam perto de ser cumpridas.
Esta falácia é também utilizada frequentemente pelos criacionistas que nunca estão contentes
com a evidência que lhes é oferecida para confirmar a teoria da evolução.
124
Capítulo 20:FALÁCIAS DE EVIDÊNCIA E PROVA
• Selecção de informação (“Escolhendo Cerejas”)
Esta falácia assenta na selecção da informação que apoia o argumento, ignorando inúmeros
exemplos que oferecem um ponto de vista oposto ou que podem derrubar o argumento. Isto
ocorre frequentemente na escrita de artigos científicos onde o autor se concentra apenas em
oferecer informação que suporta o seu ponto de vista ignorando dados publicados que
sugerem o contrário.
Um argumento equilibrado oferece também as opiniões opostas
Quando não conhecemos bem um assunto e estamos no processo de colher informação,
convém consultar uma variedade de peritos e especialistas que possam oferecer várias
opiniões sobre esse assunto. Cada especialista apresentará um argumento que suporta os
seus pontos de vista e eventualmente acabamos com uma lista de opiniões que variam em
concordância entre dois extremos opostos. A decisão de qual caminho escolher depende de
nós e da nossa capacidade de avaliar criticamente os argumentos apresentados. Quanto
mais informação a que temos acesso, melhor podemos compreender o panorama geral.
Quando temos uma quantidade de informação restrita, podemos ser facilmente vítimas da
falácia do falso dilema.
•
Falácia do falso dilema (pensamento a preto e branco)
Um falso dilema é uma forma de raciocínio que oferece apenas duas soluções impondo uma
escolha entre duas opções oferecidas, quando na realidade existem outras opções. Segue o
modelo seguinte.
P1: Ou a proposição X é verdadeira ou a proposição Y é verdadeira ( uma exclui a outra. De
facto X e Y poderiam ser ambas falsas)
P2: A proposição Y é falsa
C: Logo a proposição X é verdadeira
Este tipo de falácia é frequentemente usado em apelos ao patriotismo. Por exemplo “América!
… Ame-a ou deixe-a!”. Ou entre amigos chantagistas; “ ou você é meu amigo ou amigo dela”.
Existem casos onde apenas duas situações são possíveis e por consequência não são
falácias. Por exemplo; “ou o gato está vivo ou morto” logo não pode estar numa situação
intermediária. Quando uma proposição é verdadeira, automaticamente a outra será falsa.
Esta falácia é consequência do modo como funciona a nossa psicologia. Nós temos uma
tendência em pensar sobre as coisas como opostos a “preto ou branco”. Esta tendência é
enfatizada em produções cinematográficas hollywoodescas onde a maioria dos filmes
apresentam mensagens simples para espectadores simples. Nos anos quarenta a dicotomia
era entre os índios e os cowboys. Hollywood promoveu o heroísmo dos colonizadores
Europeus, caucasianos na destruição e chacina do “inimigo”; os pobres os índios que
pretendiam proteger as suas famílias dos ataques dos invasores. Mais tarde com os filmes de
espionagem, os Americanos representantes da liberdade e capitalismo eram os bons e os
Russos ou os comunistas eram os maus. Este ideal foi também expresso em filmes de ficção
científica onde os ideais americanos eram expressos pela Confederação de Planetas contra
os alienígenas com ideias perigosas e intenções de destruir a humanidade por causa dos
seus efeitos nefastos na destruição do Planeta Terra. De facto, em algumas situações as
minhas simpatias estão mais inclinadas em favor dos extraterrestres.
125
Em filmes românticos, onde o pobre do marido era retratado como uma vítima nos braços
tentadores duma mulher fatal, que se tornara sua amante, a esposa é sempre retratada como
a boazinha e a amante a megera interesseira sem sentimentos por outro lado o adúltero é
sempre retratado como a vítima sem qualquer controle sobre si próprio, ou totalmente
desprovido de livre arbítrio devido ao hipnótico efeito da vilã ou da quantidade de testosterona
circulando no seu sistema que o impede de pensar racionalmente. No final o homem é
sempre retratado como o pobre coitado manipulado ou pela mulher ou pela amante. Histórias
típicas de sociedades chauvinistas.
As histórias de fadas contadas às crianças antes de adormecer, têm sempre uma bruxa má e
uma menina boa que é salva à última hora por um príncipe encantado. Ou uma fada boa e um
menino mau.
Esta estampagem cultural forma uma mentalidade onde se constrói o mundo entre duas
opções opostas ignorando as nuances entre estes extremos.
Durante os anos 60 e 70 passava na televisão Portuguesa desenhos animados do
BeepBeep(1) e o Coiote. O pobre do coiote inventava as estratégias mais loucas para apanhar
o BeepBeep. Eu sempre ficava com pena do coiote, que em todos os episódios via a sua
necessidade de se alimentar frustrada pelo funcionamento desastroso das suas engenhocas.
Esta série levou as crianças a pensar que os coites era animais maus. Os contos infantis que
marcaram a nossa infância sempre representam um animal mau (geralmente o lobo) e um
animal bom.
Esta dicotomia apresentando histórias que consistem em dividir o mundo entre dois extremos,
tem repercussões na formação da mente dos adultos e na forma como a informação futura é
avaliada.
• Apelo à ignorância argumentum ad ignorantium (inversão do ónus da prova)
Esta falácia é muito frequente e é muito importante conhecê-la devido à sua extensa
propagação na argumentação mundana e científica. A falácia alega que se uma coisa não
pode ser provada falsa, então deve ser verdadeira.
Exemplo 1:
Deve haver vida inteligente no universo porque que ninguém ainda provou que não há.
Exemplo 2:
A: O meu cão é um espião de Vénus.
B: Como podes provar isso?
A: Eu sei que ele é. Como podes refutar que não é?
Exemplo 3:
Apesar de tudo, nenhum disco voador foi ainda identificado, logo podemos assumir que
discos voadores não existem.
Exemplo 4:
A: Eu sei que Deus existe.
B: Prova que ele existe para eu acreditar.
A: Não, prova tu que ele não existe!
Nestes exemplos a pessoa clama a existência de algo para o qual não há, ou é impossível
obter evidência e pede para o céptico providenciar prova de não-existência. Como já vimos no
exemplo dos cisnes brancos e pretos, tentar provar a não existência de algo é uma falha de
lógica. Só se pode provar que algo existe porque essa prova depende de evidência e a
evidência de nada só pode ser nada. A evidência é algo palpável que se pode detectar e
confirmar objectiva e empiricamente.
126
Em argumentação lógica o ónus da prova cai sobre aquele que oferece a conclusão.
__________________
(1) BeepBeep é um desenho animado do Estúdios da Looney Tunes inspirado na ave Geococcyx
californianus. O nome significa Grande Cuco da Califórnia. Esta ave que pertence à mesma família que
os Cucos tem pouca habilidade para voar e pode correr a velocidades que atingem 32km/h a 42km/h
em casos extremos.
127
Capítulo 21: FALÁCIAS DE ASSOCIAÇÕES E PADRÕES
ILUSÓRIOS
Já vimos que o estabelecimento de associações é uma tendência natural da mente, mas essa
tendência pode resultar em erros de lógica onde se estabelecem associações inadequadas
entre eventos similares. Por exemplo uma rodela de cenoura pode se parecer com um olho e
assume-se que comer cenouras é bom para os olhos. De facto pode ser bom para a visão
mas não por ser similar mas sim porque a presença de carotenos na cenoura induz a
produção de vitamina A que tem efeitos positivos na visão. O facto da rodela de cenoura se
parecer com um olho e fazer bem é pura coincidência mas também é uma vontade muito
grande de ver uma semelhança onde de facto ela não existe. Outras associações que
ocorrem pela Internet clamam que um tomate tem 4 câmaras como o coração, logo comer
tomates faz bem ao coração. De facto comer tomates e outros vegetais faz bem a tudo! As
sementes do figo parecem espermatozóides, logo comer figos ajuda a combater a infertilidade
masculina.
Muitas destas associações ilusórias têm levado a catástrofes ecológicas como se tem visto
pelo exemplo da utilização de partes de animais selvagens em perigo de extinção na
medicina chinesa. Crenças como o corno de rinoceronte promove a potência sexual dos
homens, levaram a uma grave crise ecológica de quase extinção dos rinocerontes.
Outras crenças levam ao abuso e tratamento cruel de animais, como por exemplo a crença de
que a bílis do Urso de Colar cura todas os padecimentos, levando ao encarceramento de
milhares de ursos em gaiolas minúsculas, com um tubo enfiado na bílis para colher esse
líquido e vender no mercado Asiático para fazer remédios de efeitos mágicos.
A homeopatia, é uma forma de medicina alternativa baseada na ideia de que uma substância
que causa os sintomas duma doença em pessoas saudáveis, pode curar essa doença em
pessoas doentes. Esta crença é baseada num princípio que caracteriza o pensamento
mágico, e se chama a “Lei da similaridade”. Esta “lei” estabelece que coisas que causam
sintomas semelhantes curam doenças semelhantes.
Sob o ponto de vista científico a homeopatia é considerada charlatanismo pois não existem
estudos científicos que provem a eficácia de tais tratamentos e os mecanismos de acção
propostos não são plausíveis.
Os criticismos mais fortes aos testes feitos sob a eficácia da homeopatia baseiam-se em:
• Ausência de testes cegos-duplo
• Ausência de testes de controlo
• Tamanho da amostragem demasiado pequeno e não representativo
• Ignorar a proporção de resultados negativos em relação aos positivos
Muitos exemplos de associações ilusórias podem ser encontrados dentro de áreas
supostamente científicas, como a psicologia e essencialmente da psicanálise e interpretação
dos sonhos. Qualquer interpretação destes comportamentos não tem qualquer base científica
nem apresenta teorias falsificáveis.
128
Muitas análises psicológicas ainda usam com frequência
os testes de Rorschach que são um conjunto de quadros
com manchas de tinta-da-china simétricas estes quadros
são apresentados aos sujeito e através da descrição do
que ele vê nessas figuras, estabelece-se o quado
psicológico da pessoa.
Estes testes não têm qualquer validade e não são mais
do que a interpretação e projecção subjectiva do
analista. De facto o teste diz mais sobre o analista do
que sobre o sujeito testado.
A grafologia, ou análise do temperamento duma pessoa
através da sua caligrafia, é mais outro teste sem
qualquer valor científico.
•
Correlações ilusórias
As correlações são uma forma de falácia causal (Cum
Hoc). No anos sessenta houve um aumento de vendas
de televisões per capita no Reino Unido. Também se
verificou um decréscimo acentuado da taxa de natalidade
Conclusão: As pessoas começaram a fazer menos sexo
porque passavam mais tempo a ver mais televisão. Esta
é uma correlação ilusória e não causal. Na realidade foi
também nos anos sessenta que a pílula contraceptiva se
tornou acessível a toda à população.
•
Mosaicos/Padrões Ilusórios
Uma derivação da tendência para fazer associações ilusórias é a tendência para detectar
padrões onde eles não existem. A aleatoriedade é algo que causa ansiedade e insegurança,
assim a fim de reduzir essa incerteza, o cérebro tem tendência para procurar padrões em
toda a informação que chega aos nossos sentidos. Esta tendência ajuda na criação de
algoritmos para prever situações futuras.
O nosso cérebro tem uma grande capacidade de
reconstruir imagens a partir de informação escassa e
mosaicos difusos transformando-os em algo que nos é
conhecido e que faz sentido.
Nesta imagem pode detectar-se um cão dálmata apesar
da informação escassa apresentada na fotografia.
Esta tendência para identificar padrões de informação
aleatória faz com que a gente veja padrões ou imagens
de coisas conhecidas em formas irregulares.
129
Vemos cachorrinhos de peluche nas nuvens, caras de santos nas sombras das torradas, em
troncos de árvores, Jesus no traseiro dum cão, mensagens secretas escondidas em textos de
livros comuns e formas humanas em maciços graníticos.
1. O focinho dum cão
4.
2. A cara de Jesus numa torrada 3. O traseiro de um cão
Formas naturais em troncos de árvore percebidas como imagens da Virgem
5. O livro O Código da Bíblia publicado em 1997, insinua que existe um código secreto escondido no
texto da Bíblia hebraica. Esta é outra forma de padrões ilusórios onde não existem.
6. Cabeça da Velha. Serra da Estrela
130
Capítulo 22: FALÁCIAS ANALÓGICAS
Uma analogia é a comparação entre dois objectos ou eventos que são considerados
semelhantes. O argumento diz que se A tem a propriedade P e sendo B semelhante a A, logo
B também deve ter a propriedade P.
O argumento por analogia é um tipo especial de argumentação indutiva onde as semelhanças
percebidas pelos nossos sentidos são usadas como base para inferir outro tipo de
similaridade que ainda não foi observada. Este é um dos métodos mais comuns usados pelos
seres humanos para tentar compreender o mundo e tomar decisões.
Este é um argumento que se usa muito em zoologia, evolução, ética e bem-estar animal onde
se comparam as estruturas dos cérebros dos humanos com outros primatas e mamíferos e
assume-se que se uma estrutura particular tem uma determinada função no cérebro humano
deve ter a mesma função se for encontrada nos cérebros de outros animais. Não está nada
de errado neste argumento, mas por vezes uma analogia pode falhar quando dois objectos A
e B são também diferentes de tal modo que a analogia não se pode aplicar mesmo que eles
tenham em comum uma certa propriedade P.
Argumento 1:
Golfinhos e vacas são ambos mamíferos, têm placentas e respiram por pulmões
Os golfinhos vivem na água
Logo as vacas também vivem na água
Esta analogia é fraca, porque as diferenças entre estas duas espécies são mais do que as
similaridades. Para uma analogia ser boa, quanto mais características em comum, melhor.
Os defensores de direitos dos animais usam a seguinte analogia
Argumento 2:
O Homem e os grande primatas têm consciência, linguagem, e inteligência
O Homem têm o direito à vida
Logo os grandes primatas também têm direito à vida
O argumento sugere uma premissa subentendida que é a seguinte; tudo o que tem
consciência, linguagem e inteligência tem direito à vida. Esta analogia é problemática porque
se apoia em propriedades vagas e que também podem ser aplicadas a outros mamíferos para
além dos grandes primatas. O contra argumento poderá questionar. Porquê que essas
propriedades são condição para dar direito à vida?
Argumento 3:
O Homem e o chimpanzé têm 97% de similaridade genética
O Homem tem valor moral
Logo o Chimpanzé tem valor moral
De facto a similaridade genética não é o que dá valor moral aos indivíduos. O gato têm 90% e
a mosca da fruta Drosófila tem 60% de similaridade genética com o Homem. É caso para
perguntar porque é que 7% de diferença entre o chimpanzé e o gato é tão importante para dar
valor moral a um e não a outro?
Este argumento é usado como suporte para remover os chimpanzés dos laboratórios de
investigação científica. Mas os gatos e cães continuam nos laboratórios!
131
Como vimos no argumento 2 usam-se as similaridades das capacidades cognitivas dos
animais para lhes dar valor moral e direitos, no argumento 3 usam-se as similaridades do
código genético.
Argumento 4:
Ninguém irá condenar um barista por beber algumas bebidas alcoólicas no trabalho.
Um piloto de avião de passageiros é tão humano como um barista.
Então, ninguém deveria condenar um piloto de avião por beber algumas bebidas alcoólicas no
trabalho.
Aqui a semelhança entre o barista e o piloto é total. São ambos humanos. Mas o problema
deste argumento é que ele falha na selecção da propriedade P que deve ser comparada. A
propriedade neste caso deve ser o tipo de trabalho que eles executam e não a espécie a que
pertencem. Esta é uma analogia falaciosa porque falha na propriedade a ser comparada.
Vários factores afectam a força dum argumento por analogia:
• A relevância das similaridades desconhecidas inferidas na conclusão
• A quantidade de exemplos
• A variedade de exemplos
• O número de características compartilhadas
As analogias falaciosas podem dividir-se em 3 categorias.
• Analogias erróneas
• Analogias falsas
• Analogias questionáveis
22.1. Analogias Erróneas
Uma forma legítima de estabelecer uma analogia num argumento, é identificar uma estrutura
lógica comum. Neste caso não é tanto o conteúdo da analogia que interessa, mas a estrutura
da inferência.
Os pinguins são pretos e brancos
Os programas de TV antigos são pretos e brancos
Logo os pinguins são programas de TV antigos
=
Dedutivo Inválido
22.2. Analogias Falsas
O termo analogia falsa foi cunhado pelo filósofo John Stuart Mill que foi um dos primeiros
filósofos a analisar em detalhe os argumentos por raciocínio analógico.
Argumento 5:
O modelo do sistema solar é semelhante ao modelo do átomo com os planetas orbitando o
sol como os electrões do átomo orbitando o núcleo. Os electrões podem saltar duma órbita
para a outra. Então os planetas também podem saltar duma órbita para a outra
A analogia é falsa porque conhecemos bem as diferenças entre átomos e planetas, mas se o
assunto fosse sobre algo que desconhecemos, poderíamos cair no erro de aceitar a analogia.
132
Argumento 6:
Um rato é branco, tem uma cauda, cabe na mão e deve ser alimentado todos os dias. O rato
do meu computador também é branco, tem cauda e cabe na mão. Então também deve ser
alimentado todos os dias.
22.3. Analogias questionáveis
O uso de animais de laboratório na experimentação e investigação de curas para doenças
humanas é um procedimento que se baseia em analogia. No entanto com o desenvolvimento
da ciência e consciencialização do público sobre o sofrimento animal, o uso de animais em
laboratórios começa a ser questionado com alegações de que os resultados obtidos em
animais, em poucas situações podem ser extrapolados para humanos. O uso de animais
baseia-se na analogia de que as respostas imunitárias e a fisiologia dum rato são
semelhantes às dum humano. Mas quando se questiona o sofrimento desses ratos, gatos,
cães e macacos mantidos em laboratório, o argumento assume que eles são diferentes dos
humanos. Isto é uma contradição. Então esta é uma analogia questionável. Ou bem que são
semelhantes ou não são!
Dois pontos importantes sobre analogias que se deve ter em conta são:
1. Nenhuma analogia é perfeita. Há sempre alguma diferença entre coisas análogas,
senão os objectos não seriam análogos e sim iguais e consequentemente a relação
não seria identificada como uma analogia mas sim uma igualdade.
2. Há sempre alguma similaridade entre os dois objectos comparados na analogia,
mesmo que eles sejam muito diferentes.
133
Capítulo 23: FALÁCIAS DE EXPLICAÇÃO
Quando se apresentou o raciocínio abdutivo, introduziram-se os conceitos de explicação,
clarificação e definição. A explicação faz parte do nosso dia-a-dia e é usada quando alguém
nos pergunta direcções para um lugar, como funciona um determinado aparelho, porque
exibimos determinado comportamento? Uma explicação não é um argumento. A função da
explicação não é tentar convencer o outro da verdade duma proposição. A explicação assume
que os participantes, aquele que explica e aquele que ouve a explicação, assumem de
antemão que a proposição é verdadeira. Se alguém perguntar “porquê que o Sol gira em
torno da Terra?” posso oferecer uma explicação dizendo que “a Terra atrai o Sol numa força
gravitacional com um momento giratório. A pergunta e a explicação são absolutamente
erróneas e incompatíveis com aquilo que sabemos hoje sobre os movimentos da Terra e do
Sol, mas neste exemplo ambos os participantes, o inquiridor e o explicador, assumem e
concordam que a proposição que clama que o Sol gira em volta da Terra é verdadeira e a
explicação é exposta nesse universo.
Claro que, se alguém faz essa pergunta a uma pessoa que conhece a verdade sobre o
fenómeno, ela responderá primeiro corrigindo a pergunta, afirmando que o pressuposto de
que o Sol gira em volta da Terra, está errado e depois oferece uma explicação para
mecanismo real – a Terra girando em torno do Sol. Neste caso, o explicador assume que o
fenómeno “Terra girando em torno do Sol” é uma proposição verdadeira.
Pergunta: “Porque o Sol gira em torno da Terra?”
Argumento: “Você está errado. O Sol não gira em volta da Terra. A Terra em torno
de si própria.”
Explicação que suporta a veracidade do argumento: “O movimento de rotação da
Terra sobre o seu próprio eixo é o que nos dá a impressão de que o Sol gira em
torno da Terra”
Algumas explicações podem incorrer em falácias. Aqui vão alguns exemplos de explicações
falaciosas:
Suporte Subvertido
Quando o fenómeno explicado não existe.
“Todos os Portugueses chegam atrasados a uma reunião porque
saem de casa sempre à última da hora e não contam com os
problemas de tráfico.”
“A Grécia está numa situação económica desastrosa porque os
Gregos não gostam de trabalhar duro.”
Estes dois exemplos oferecem explicações para dois fenómenos
que na realidade não existem. Provavelmente alguns
Portugueses têm uma tendência de chegar atrasados e alguns
Gregos não gostam de trabalhar duro, mas essa explicação não
é suficiente nem serve para extrapolar esse pressuposto para
toda a população dum País. As explicações oferecidas para
justificar porque os Portugueses chegam atrasados e a Grécia
está em crise pretendem elucidar sobre esses pressupostos que
não são necessariamente verdadeiros.
134
Sem suporte
Quando a evidência oferecida é tendenciosa e unilateral.
Nestas explicações apenas se oferece a evidência que serve para
suportar o argumento do orador ocultando informação que não lhe
interessa declarar pois pode abalar o seu ponto de vista.
Intestável
A teoria usada para explicar não pode ser testada
“A homeopatia funciona por causa da memória da água”
“As vacas são bipedais quando ninguém está a olhar”
Pouco abrangente
A teoria usada explica uma coisa limitada dentro do fenómeno
Vejamos este exemplo: “O adultério é mais frequente ente os
políticos do que entre médicos ou advogados. Isto é porque os
poder dos políticos é afrodisíaco e eles passam mais tempo fora de
casa.” De facto, o adultério dos políticos é mais relatado pela
imprensa do que as infidelidades de gente comum. Aqui identificase um efeito de saliência que confunde a realidade.
O problema aqui é que se oferece uma explicação para um
fenómeno que não é real (adultério de políticos mais frequente do
que adultério de médicos e advogados) e mesmo que fosse a
explicação é limitada apenas a duas causas (o poder é afrodisíaco
e eles passam mais tempo fora de casa).
Profundidade
limitada
A teoria não explica as causas subjacentes ao fenómeno.
Racionalização
ad-hoc
Como já vimos na secção 17.3 sobre falácias causais indutivas uma
explicação ad-hoc é uma forma de defender um argumento que é
claramente disputado. Este tipo de racionalização aplica-se apenas
a um caso especial e não se pode generalizar para outros
fenómenos da mesma natureza.
135
Capítulo 24: FALÁCIAS DE DEFINIÇÃO
•
•
•
•
•
•
•
Demasiado ampla
Demasiado restrita
Demasiado vaga
Falha em elucidar
Definição circular
Condições conflituosas
Inconsistência
•
Demasiado ampla
Quando a definição inclui coisas que não deveriam ser incluídas.
“Uma maçã é algo que é vermelho e redondo”. Pois, também o planeta Marte!
“Uma figura geométrica é um quadrado quando têm quatro de igual comprimento”. E um
trapézio também!
“Mamíferos são animais que respiram por pulmões”. Também os lagartos e não são
mamíferos!
•
Demasiado restrita
Quando a definição não inclui coisas que deveriam ser incluídas.
“Uma maçã é algo que é redondo e vermelho.” E as maçãs amarelas não são maçãs?
“Um livro pornográfico é aquele que contém fotos de pessoa nuas”. E os livros de
anatomia humana o que são?
•
Demasiado vaga
Quando a definição não é especifica nem expressa detalhe. Por exemplo “o bem-estar
animal é uma coisa boa para os animais”
O Luís é meio careca! Defina meio careca. Quantos cabelos têm um careca inteiro?
O Manuel é meio parvo! Quanto é um parvo inteiro?
•
Falha em elucidar
1. “Paulo esse vinho é bom?”. “ É um Cabernet “
2. “Jane Goodall diz que os chimpanzés são inteligentes. O que significa inteligente?”.
“Significa que são espertos”.
3.“ Deves ser um menino bom!”, “ e o que significa ser bom?” “Deves fazer o que é
correcto!”
Neste exemplos a pessoa que responde limita-se a dar outra palavra equivalente mas não
explica o significado to termo. Isto é a falácia de explicação por substituição do nome.
136
•
Condições contraditórias
Para se registar na nossa escola de condução deverá obedecer às seguintes condições:
1.Não ter experiência prévia de condução
2.Ter acesso a um veículo
3.Experiência em operar um veículo motorizado
As condições 1 e 3 são contraditórias.
O exemplo seguinte não é bem uma condição contraditória, mas é um erro de lógica.
É frequente ver-se hotéis com o texto seguinte: “Antes de entrar no elevador observe se o
mesmo se encontra parado no andar”. É difícil de ver como se pode entrar no elevador se
ele não está no andar!
•
Inconsistência
O autor afirma mais do que uma proposição de tal modo que não é possível que todas
sejam verdadeiras ao mesmo tempo.
“Montreal fica a 200 km de Otava, enquanto que Toronto fica 400 km de Otava. Toronto
é mais perto de Otava do que Montreal.”
“ Feche a porta antes de entrar!”
Lógica da chaleira
Esta falácia é também conhecida como a lógica da chaleira. Freud
descreve um caso dum homem que foi acusado pelo seu vizinho de
lhe ter retornado a chaleira emprestada com uma mossa.
João: quando lhe emprestei esta chaleira estava nova, agora está com
uma grande mossa.
Pedro: Não. Quando ma emprestaste ela já vinha com essa mossa (1)
João: Isso não é verdade. Eu tinha acabado de a comprar e tirar da
caixa
Pedro: Eu nunca te pedi essa chaleira emprestada (2)
Pedro apresentou dois argumentos. O argumento 2 é inconsistente com o argumento 1.
Teria sido melhor se ele tivesse usado só um argumento.
Identificação de inconsistência é um método usado nos tribunais para identificar se as
testemunhas ou o réu estão a dizer a verdade.
Os Criacionistas apresentam muitos argumentos inconsistentes para rejeitar os princípios
fundamentais da Teoria da Evolução. Uma dessas inconsistências consiste no facto de
que eles aceitam sem problema que o cão e o lobo são parte do mesmo o grupo
taxonómico (Canídeos), e rejeitam que o Homem, os chimpanzés, gorilas e macacos
façam todos parte do grupo dos Primatas, excluído o ser humano desse grupo.
•
Falácias baseadas em raciocínio circular
Como já vimos o raciocínio circular ocorre com frequência em argumentos. O raciocínio
circular é a tentativa de provar uma conclusão através da sua repetição. Este raciocínio tem a
seguinte forma:
P é verdade porque Q é verdade e
Q é verdade porque P é verdade
137
Os componentes dum argumento circular podem ser logicamente válidos porque se as
premissas forem verdadeiras a conclusão tem que ser verdadeira, no entanto este argumento
não é persuasivo porque se existirem dúvidas em relação à conclusão, isso implica que as
premissas também serão duvidosas.
Os argumentos circulares podem aparecer tanto nas definições como nas explicações, mas
existe uma pequena diferença entre estes dois casos.
Definições Circulares
Explicações Circulares
Uma definição é uma explicação dum
termo, uma palavra, ou frase.
Uma explicação é uma série de afirmações que
se oferecem para descrever algo, mas o autor
assume que esse algo existe e é verdadeiro.
Eu posso explicar como um Marciano pode voar
até à Terra. Na minha explicação estou
assumindo que é verdade os Marcianos
existirem e que têm naves voadoras.
O mesmo termo pode ter vários
significados ou sentidos, uma definição
explica esse termo nos seus diferentes
significados.
O termo a ser definido chama-se
definendum
A explicação da sua
definição é o definiens.
Aquilo que precisa de ser explicado é o
explanandum e a explicação é o explanans.
Definições circulares usam explicações
circulares.
1.O Corão é a palavra de Alah!
Como é que sabes?
Porque Alah nos diz isso no Corão.
“Musicalidade é a qualidade ou estado
de ser musical”
2.O ópio faz dormir por causa da virtude
dormitiva da papoila do ópio.
O que é a virtude dormitiva?
É a qualidade do ópio nos fazer dormir.
• Implorando a questão
Implorando a questão é um tipo especial de raciocino circular onde a conclusão do argumento
que se pretende provar, inclui as premissas iniciais. Esta é uma forma indirecta de ocultar um
facto.
Exemplo 1:
“Deus deve existir. Apesar de tudo, toda a gente acredita em Deus”
Exemplo 2:
“Se essas acções fossem ilegais, seriam proibidas pela lei!”
Se algo é ilegal, é proibido pela lei. Isto é uma tautologia.
Exemplo 3:Diálogo
A: “ Deus existe!”
B: “ Como é que sabes?”
A: “ Porque está escrito na Bíblia”
B: “ E porque devo acreditar no que a Bíblia diz?”
A: “ Porque a Bíblia foi escrita por Deus”
138
Exemplo 4:Diálogo
A: “O seu curriculum é impressionante mas preciso duma referência”
B: “João Cunha pode dar-me uma boa referência”
A: “E como é que posso saber se o João Cunha é uma pessoa confiável?”
B: “Eu posso atestar que ele é confiável dando o referência”
Definições circulares versus Argumentos circulares
Note que existe uma diferença entre definições circulares e argumentos circulares. Quando se
pretende definir um conceito representado por uma palavra, precisamos de usar várias outras
palavras para o fazer. As palavras usadas na definição devem ser claras e compreendidas
por todos. Quando se trata de discussões que envolvem jargão técnico, convém que as
palavras usadas na definição sejam também bem definidas, mas é preciso evitar que esta
definição seja composta pelo conceito que queremos definir.
Por exemplo.
“A consciência é o estado mental de estar acordado”.
Mas o que é um estado mental? Se eu disser que um estado mental é o estado de estar
consciente do que existe em meu redor, esta é uma definição que está usando o termo que
eu queria definir em primeiro lugar. Tenho que evitar a circularidade definindo estado mental
com outras palavras. Por exemplo, um estado mental é um estado que pode envolver
sentimentos e pensamentos sobre si próprio ou outras coisas que nos rodeiam.
Um argumento circular é diferente da definição porque ele tenta convencer-nos de algo
baseado em premissas justificativas.
Definir a palavra “Deus” não é o mesmo do que argumentar que Deus existe. Quando um
ateu apresenta um argumento para a não existência de Deus, ele deve definir a palavra Deus
de modo que a definição seja comum e compreensível por todos, crentes e descrentes.
Do mesmo modo, quando um crente oferece um argumento para a existência de Deus, a
definição da palavra deve ser compreendida por todos. O que é “Deus”? existem muitas
formas de definir essa palavra. O Deus dos Teístas assume um conceito diferente do Deus
dos Deístas. Se um ateu está a discutir a existência de Deus com um crente, antes de mais,
para que a discussão seja produtiva, é necessário que ambos concordem que estão usando a
mesma definição da palavra “Deus”.
Vejamos um exemplo duma definição circular tirada da física:
A definição de Aceleração é a Força dividida pela Massa
A= F/M
E o que é a Força? A definição de Força é a Massa vezes a Aceleração
F= M.A
Temos uma definição circular. É fácil de ver que esta definição leva a uma conclusão idiota.
Se substituirmos a Força na equação da Aceleração
A= F/M ou A= M.A /M logo A= M.A / M o que resulta em A =A
139
Capítulo 25: FALÁCIAS DE RELEVÂNCIA
As falácias de relevância são falhas num argumento onde as premissas são logicamente
irrelevantes para a conclusão oferecida. Esta classe de falácias ocorre tanto em argumentos
formais como em informais.
As falácias de relevância podem dividir-se em dois tipos:
Toma em consideração conclusões
irrelevantes
Falha em tomar em consideração
conclusões relevantes
Neste caso defende-se uma conclusão
apelando a justificações e premissas que
são irrelevantes.
Neste caso ignoram-se factos relevantes só
para se defender um ponto de vista que
pode estar errado.
Note que quando não se toma em
consideração um facto relevante, só porque
não conhecíamos a sua existência, neste
caso não se trata duma falácia.
25.1. Quando a premissas que não suportam a conclusão
• Non-sequitur
A falácia non-sequitur apresenta uma conclusão que não segue das premissas. Como vimos
nas falácias da lógica formal, todos os argumentos inválidos são do tipo non-sequitur.
Exemplo dum argumento inválido:
Todos os A são B
YéB
Logo Y é A
Todos os homens são seres humanos
Maria é um ser humano
Logo Maria é um homem
Veja de novo os argumentos formais Modus tolens e Modus ponens.
Em argumentação indutiva ou em linguagem em comum uma falácia non-sequitur ocorre
quando a primeira parte da frase não tem relação com a parte final.
“Preciso de comprar este computador da marca Tangerina para poder escrever ensaios de
qualidade.”
A qualidade do ensaio depende da habilidade do autor e não das características técnicas do
computador.
• Falácia da conclusão irrelevante (ignoratio elenchi)
Este tipo de falácia (ignoratio elenchi) é mais restrita do que a non-sequitur. Cada vez que
uma conclusão não segue das premissas, estamos em presença duma non-sequitur, mas na
conclusão irrelevante, por vezes a conclusão pode seguir das premissas mas não vai
adicionar nada de novo ao argumento.
140
Frequentemente neste tipo de falácia o orador apresenta uma proposição seguida de uma
série de justificações que não suportam essa proposição. Por exemplo o orador insere uma
série de assuntos que nada têm a ver com aquilo que se está a discutir, divertindo a atenção
do assunto inicial para outro totalmente não relacionado. Este é um tipo especial de falácia de
relevância também conhecido como falácia do arenque vermelho.
A certa altura discutiu-se no Congresso Brasileiro o problema do transporte de longa distância
de animais vivos. Uma organização de protecção animal defendia que os animais fossem
abatidos e a carne congelada antes do transporte de modo a reduzir o stress da viagem.
Alguns congressistas opostos a esta proposta argumentaram que o abate de animais antes
da viagem implicava a perda de vários postos de trabalho dos peões que manejam os
animais, levando a muita pobreza o que teria uma repercussão na educação das crianças
desses homens.
Este é um tipo de argumento onde a justificação nada tem que ver com o assunto que estava
a ser discutido; o assunto da discussão refere-se ao bem-estar dos animais durante o
transporte e não o bem-estar das pessoas que lidam com o gado e muito menos com a
educação das suas crianças. De facto ocorrem aqui duas falácias; conclusão irrelevante e
ladeira escorregadia. O problema do bem-estar do peão e da educação de suas crianças é
argumento totalmente diferente e independente.
Outro exemplo prende-se com o argumento que suporta a continuação das touradas em
Portugal como uma tradição que deve ser mantida. Na realidade o argumento das pessoas
que se opõem às touradas não é sobre o problema da tradição, mas sim sobre um problema
moral que foca no sofrimento desnecessário em animais sencientes para divertimento do
povo. Neste caso os aficionados da tauromaquia apresentam um argumento falacioso
baseado no apelo à tradição que também é irrelevante para a discussão dum argumento
moral.
Não confunda a falácia da conclusão irrelevante (ignoratio elenchi) com o apelo à ignorância
(argumentum ad ignorantium) discutida na página 127. Apelo à ignorância é uma falácia de
evidência e prova.
• Falácia da composição
Quando se assume que algo que é verdadeiro para um membro do grupo, também deve ser
verdadeiro para o resto do grupo.
Exemplo:
•
Dois elementos desta equipe de futebol são mesmo muito bons, logo toda a equipa
deve ser boa.
•
O Sódio e o Cloreto são elementos venenos mortais. O sal é composto por cloreto de
sódio, logo também é um veneno mortal.
•
Os átomos que fazem parte do corpo humano são invisíveis. Logo o corpo humano é
invisível.
Esta falácia é frequentemente usada por gurus do New Age que juntam conceitos de
mecânica quântica com conceitos de neurobiologia e de cognição, criando uma mistura de
ideias que tentam explicar os fenómenos de consciência cósmica e outros conceitos vagos e
impossíveis de testar cientificamente. A física quântica só faz sentido no nível quântico e não
no nível macroscópico.
Se bem que toda a matéria seja composta por átomos, as propriedades atribuídas aos
átomos não se aplicam necessariamente aos corpos materiais a nível macroscópico.
Os fotões que compõem a luz podem atravessar um átomo, mas isso não significa que os
nossos corpos sejam translúcidos.
141
Sabemos que a fissão do núcleo de átomos pode levar à produção de grandes quantidades
de energia, mas isto não significa que podemos usar uma pedra, ou uma árvore, que também
são constituídas por átomos, para alimentar uma central nuclear.
A falácia da composição confunde a soma da totalidade, com as partes que entram nessa
operação.
• Falácia da divisão
A falácia da divisão é o oposto da falácia da composição. Esta falácia infere que só porque o
todo apresenta um certo número de características, cada uma das partes apresenta as
mesmas características. É preciso ter em conta que um “todo” pode ser o resultado da adição
de várias partes heterogéneas.
•
O sal não é um veneno, logo devemos esperar que cada um dos seus componentes (o
Sódio e o Cloreto) também não sejam venenos.
25.2. Falácias Ad hominen
As falácias ad hominen consistem num ataque à pessoa que apresenta o argumento em vez
de atacar o argumento. Existem três tipos de ataque pessoal;
•
•
•
•
Ad hominen Abusivo
Ad hominen Circunstancial (ver também Bulverismo)
Ad hominen tu quoque (tu também)
Ad hominen Abusivo
Este é um tipo de falácia que em vez de se concentrar nas possíveis falhas do argumento,
chama nomes à pessoa que oferece o argumento. Por exemplo, “se você pensa assim, então
você é um idiota”. É claro que quando as pessoas abraçam certas ideias, frequentemente não
as analisaram criticamente e simplesmente adoptam comportamentos e tomam atitudes com
as quais se sentem confortáveis. Se essas atitudes são inaceitáveis, é natural que os críticos
classifiquem as pessoas que as tomam com adjectivos menos desejáveis. É preciso ter em
consideração que o argumento e a pessoa que adopta ou defende o argumento são duas
entidades distintas. Esta diferença é importante porque evita muitas discussões e agressões
desnecessárias. Vejamos a diferença entre estes dois diálogos:
Diálogo A
Diálogo B
José: Eu acredito em fadas. Eu acho que se a
gente fizer oferendas às fadas elas atendem
os nossos desejos.
Tiago: Você tem prova que fadas existem?
José: Não, a prova está dentro de mim, eu
sinto que as fadas me protegem.
Tiago: Se você acredita nisso, você é um
idiota.
José: Você está a ofender-me a mim e às
minhas crenças.
José: Eu acredito em fadas. Eu acho que se a
gente fizer oferendas às fadas elas atendem os
nossos desejos.
Tiago: Você tem prova que fadas existem?
José: Não, a prova está dentro de mim, eu sinto
que as fadas me protegem.
Tiago: Como você pode acreditar num raciocínio
tão idiota?
José: Você está a ofender-me a mim e às minhas
crenças.
Tiago: Não. Eu não estou a ofender você. Eu
respeito a sua integridade pessoal, mas eu não
tenho que respeitar aquilo em que você acredita.
142
Veja a diferença; no diálogo A o Tiago ataca a pessoa do José, declarando que o José é um
idiota. No diálogo B, o Tiago ataca a linha de argumento apresentada pelo José, ainda
respeitando o José como pessoa. O José não tem que se sentir ofendido, porque alguém
disputa a solidez do seu argumento. Um argumento não tem sentimentos.
O Tiago pode tentar explicar ao José, com um argumento bem construído, porquê que
acreditar em fadas é uma posição que não tem qualquer suporte. Ao recusar ouvir as razões
do Tiago, o José pode então tomar uma atitude idiota. Isto é, se ele disser “eu não quero
ouvir”, e tapar os ouvidos com as mãos, então ele não está a construir um contra argumento,
está simplesmente a manifestar um comportamento que é inaceitável. O comportamento pode
então ser classificado de idiota porque a pessoa escolhe manter-se na ignorância quando em
presença de mais informação que poderia elucidar sobre os erros do seu argumento.
É preciso ter presente que atacar uma ideia ou um argumento não e o mesmo que atacar
uma pessoa. Pessoas têm direitos, ideias não! Por exemplo, um grupo de indivíduos pode ter
o direito acreditar nas ideias mais idiotas que se possam imaginar, mas não têm o direito de
impor as suas crenças a outros que não compartilham da mesma opinião. Esses outros têm o
direito de poder atacar essas ideias da forma como intenderem, mas não atacar as pessoas
que professam tais ideias.
•
Ad hominen circunstancial
Este é um argumento semelhante ao anterior mas em vez de atacar a pessoa directamente,
ataca a pessoa pelas circunstâncias em que ela se encontra. Por exemplo, alguém está
falando em favor do tabaco, e alguém comenta, “ele fala assim porque trabalha para a
indústria tabaqueira”. Provavelmente é verdade, mas o que deve ser atacado aqui são as
razões apresentadas no argumento em defesa do tabaco e não onde o orador trabalha.
•
Bulverismo
Bulverismo é um tipo de falácia hibrida semelhante à falácia do homem de palha e da falácia
ad hominen circunstancial. Esta falácia ocorre do seguinte modo.
João apresenta um argumento
Maria assume que o argumento de João está errado e explica porque ele está errado.
Depois explica por que razão o João está usando tal argumento, apresentando os motivos
porque ele adoptou esse ponto de vista.
Maria está cometendo uma falácia porque os motivos que levam uma pessoa a tomar uma
posição não devem interferir na força do argumento. A força dum argumento deve-se à sua
validade e plausibilidade e não das circunstâncias da pessoa que o apresenta.
•
Ad hominen tu quoque (tu também)
Esta falácia baseia-se no princípio do exemplo. Os comportamentos da pessoa que apresenta
um argumento são comparados com aquilo que ela diz. Por exemplo, Carla foi a um médico
que fuma como uma chaminé. O conselho do médico para a Carla é o seguinte: ”Se você
quer curar essa bronquite tem que parar de fumar”. Carla volta-se para ele e responde.
“Como você pode dizer isso? Você fuma como uma chaminé!” O que o médico faz não tem
qualquer consequência para o argumento dele. O que ele disse ainda é aceitável, mesmo que
ele não siga o seu próprio conselho. Carla deveria concentra-se no argumento e não no
comportamento do médico.
Por isso o provérbio “faz o que eu digo e não faças o que eu faço” tem algum valor quando
aquilo que se diz é um argumento valido e forte.
143
25.3. Falácia Genética
Esta falácia ocorre quando alguém classifica uma proposição como verdadeira ou falsa
baseando-se na origem do argumento. Isto é; um argumento pode ser classificado como
sendo bom ou mau por causa da sua origem e não por causa das ideias que contém.
Por exemplo, a ciência da química teve origem na alquimia. Hoje sabemos que a alquimia não
é uma ciência, mas este facto não invalida que a química como é praticada hoje, não seja
uma ciência baseada em métodos analíticos válidos.
Frequentemente em política, boas ideias são ignoradas e rejeitadas apenas porque provêm
dum partido da oposição ou com o qual não nos identificamos.
Diz-se que Hitler era vegetariano. Só porque Hitler foi um terrível ditador, não faz do
vegetarianismo um argumento a ser rejeitado.
Por outro lado, após a publicação das ideias de Darwin sobre selecção natural, alguns
intelectuais usaram essa teoria para justificar diferenças sociais entre ricos e pobres e a
eliminação total de certas raças. Estas teorias são conhecidas como Darwinismo Social e
surgiram nos finais do século 19. Na verdade quando Darwin apresentou a sua proposta para
explicar a evolução dos caracteres dos animais, ele não fez qualquer sugestão que a sua
teoria poderia ser aplicada a sociedades humanas. Essa sugestão foi feita mais tarde por
Herbert Spencer, Thomas Malthus, e Francis Galton sem qualquer interferência de Darwin. O
termo Darwinismo Social foi cunhado mais tarde em 1877 pelo sociólogo Joseph Fisher. As
ideias de Herbert Spencer e Darwinismo Social levaram muitos regimes políticos a abraçar o
conceito de eugenia que levou a resultados catastróficos durante o Nazismo. É preciso ter
presente que mesmo que o Darwinismo Social tenha recebido inspiração das teorias de
selecção natural, Darwin não teve qualquer influência no desenvolvimento e promoção de
ideais eugénicos. A sua teoria foi deturpada e adaptada para servir os propósitos de regimes
políticos totalitários. Logo dizer que o darwinismo é uma teoria eugénica é um exemplo da
falácia genética.
144
Capítulo 26: FALÁCIA DO ARENQUE VERMELHO
Um arenque vermelho é um peixe morto e malcheiroso que era usado pelos caçadores para
treinar os cães a seguir um rasto. Em pensamento crítico, “arenque vermelho” refere-se a um
conceito que se introduz numa discussão mas é irrelevante para a conclusão, levando as
pessoas a discutir o assunto introduzido em vez do assunto a que se refere o argumento.
Todo o tipo de falácias que introduzam pontos irrelevantes, são consideradas “arenques
vermelhos” como por exemplo falácias baseadas em apelos à emoção, à pena, ao medo, etc.
Um “arenque vermelho” introduz um ponto irrelevante no argumento e não oferece qualquer
suporte para a conclusão. A pessoa que o introduz pode pensar, ou levar-nos a pensar que
essa premissa prova o seu ponto. Este tipo de raciocínio tem a seguinte forma:
O tópico A está sob discussão
O tópico B é introduzido sob o disfarce que é relevante para a discussão (quando de facto é
irrelevante)
O tópico A é abandonado
Este tipo de argumentação é falaciosa porque simplesmente muda o tópico da discussão e
nem sequer consiste num argumento contra uma declaração. Este é um tipo de falácia muitas
vezes usado em propaganda e retórica. Existem vários tipos de “arenques vermelhos”.
26.1.Falácia de excepção ou tratamento especial
Esta falácia é uma forma de argumento duvidoso onde se pede excepção à regra geral
seleccionando um caso particular sem justificar a razão dessa excepção. As razões
apresentadas para não submeterem essa excepção à análise crítica podem consistir em
referências ao “senso comum”, ou á aplicação duma dualidade ilegítima. Pior ainda é quando
essa análise crítica é relativamente imune à investigação. Esta imunidade pode tomar as
seguintes formas:
Apelos a dados que são por si só impossíveis de ser verificados ou de ser claramente
definidos
Exemplo 1:
“O uso de cocaína deveria ser legalizado. Como todas as drogas, tem efeitos adversos,
mas a cocaína é diferente de outras drogas. Muita gente tem beneficiado dos efeitos da
cocaína.”
Neste exemplo não se define em que termos a cocaína é diferente das outras drogas ou
como é que beneficiou muita gente e quantas pessoas são muita gente.
Exemplo 2:
A: Comer cão é nojento
B: Estás a comer e porco e porque não comes cão?
A: Um cão é diferente dum porco
145
Exemplo 3:
A: O aborto é inaceitável!
B: É simplesmente a destruição dum amontoado de células!
A: Sim, mas essas células são dum ser humano
B: E a exterminação dum amontado de células do tecido do estomago numa caixa de
Petri. É inaceitável?
A: Não isso são apenas células de cultura. Um embrião é diferente. Um embrião é vida
e é inaceitável destruir a vida.
B: E tu comes bifes de vaca?
A: Sim, porque não?
B: E comes a vaca viva?
26.2.Falácia do homem de palha
Na Idade Média utilizava-se um boneco feito de palha para os
cavaleiros treinarem a sua destreza com as espadas e lanças antes de
irem para a guerra ou confrontarem outros cavaleiros em disputas. O
homem de palha seria então a substituição dum verdadeiro homem, que
seria atacado pelo cavaleiro a ser treinado. Em pensamento critico o
equivalente ao homem de palha é um argumento mais fraco que se faz
a partir do argumento original e que pode ser mais facilmente atacado.
Ao modificar o argumento original duma forma que contenha falhas e erros de lógica, torna-se
mais fácil atacá-lo. Esta falácia é cometida quando aquele que argumenta, ignora por
completo a posição da pessoa que apresentou a ideia e distorce-a para satisfazer as suas
intenções.
Isto acontece frequentemente com os Criacionistas, que pegam nas ideias da teoria da
evolução, distorcem-nas tornando-as susceptíveis a ataques. De facto o ataque não se dirige
ao argumento original, mas sim à versão falseada do contra-argumento.
Este tipo de raciocínio segue o padrão seguinte:
1.
2.
3.
4.
A pessoa
A pessoa
A pessoa
A pessoa
A adopta uma posição X.
B apresenta uma posição Y (que é uma versão distorcida da posição X).
B ataca a posição Y.
B conclui que X é falso, incorrecto ou tem falhas.
Este tipo de raciocínio é falacioso porque ataca uma versão distorcida do argumento original e
não constitui um ataque ao argumento em causa.
O argumento seguinte comete a falácia do homem de palha:
“Se a teoria da evolução fosse verdadeira as mães teriam 3 braços”.
Esta frase resulta duma interpretação errónea da teoria de evolução. O erro está em assumir
que a evolução actua por necessidade e não por acaso.
É frequente assistir-se à falácia do homem de palha nos meios de comunicação de massas
quando jornalistas mal informados tentam comunicar ao público aspectos complicados do
mundo científico. É uma falácia que ocorre com frequência entre políticos que pretendem
defender uma posição particular por motivos políticos e têm pouca compreensão da ciência
que suporta ou não o seu argumento. Discussões desta natureza ocorrem entre os cépticos
do aquecimento global, os defensores da homeopatia, os defensores de métodos de
extracção de combustíveis fósseis.
146
26.3. Falácias de apelo às emoções
Existem várias falácias de apelo. Elas têm em comum o facto de recorrerem à manipulação
dos sentimentos dos ouvintes em vez de oferecer premissas que justifiquem a conclusão do
argumento. Os apelos à emoção são formas argumento que levam o ouvinte a associar as
declarações com estados emocionais e são influenciando a tomar decisões com base nas
suas emoções e não em raciocínio lógico. Podemos identificar várias categorias de apelo às
emoções:
• Apelo ao medo
Esta é uma falácia onde uma pessoa tenta obter suporte para um argumento, usando engano
e propaganda de modo a induzir medo e preconceito. O apelo ao medo é comum na política e
como uma técnica de marketing. Eis aqui alguns exemplos:
•
•
•
•
•
Se continuas a beber vais morrer cedo como o teu pai.
Se não entrares na universidade vais viver em pobreza para o resto da tua vida.
Votar nesse homem é o mesmo que votar em terroristas.
Se disseres uma mentira jamais alguém acreditará em ti.
Se não entrarmos na guerra o nosso país será destruído.
É fácil de ver que estes argumentos são inválidos, porque a conclusão não segue das
premissas. Também são falsos dilemas pois são dadas apenas duas opções, uma das quais
é indesejável.
• Apelo à lisonja
O apelo à lisonja leva o alvo da mensagem a pensar que é melhor do que os outros. Este tipo
de apelo é frequente em técnicas de publicidade e clamam que apenas as pessoas de uma
certa qualidade usam este produto. Por exemplo
•
•
•
•
Nós pensamos que um fumador dos nossos charutos é alguém muito especial
Se o que você fizer é a coisa certa para si, independentemente do que os outros
façam, então esta “bebida” é certa para si.
Você tem orgulho nas suas habilidades de cozinheira.
Mães exigentes preferem Jiff
• Apelo à pena
Apelo à pena é uma estratégia que tenta induzir pena nos oponentes e assim fazer com eles
aceitem o argumento por empatia.
“Espero que aceite o nosso relatório, se bem que a data limite já passou. Eu tive uma dor de
cabeça e passei as últimas duas semanas a trabalhar a todo o vapor e dar tudo o que tinha
para completar o trabalho”.
147
• Apelo ao despeito
Apelo ao despeito é um caso particular de apelo à emoção explorando o rancor ou o ódio
para com o grupo oposto. Este é um tipo de falácia muito frequente em religiões que adoptam
uma forma de envangelização fanática ou em política.
• Apelo ao desejo
O apelo ao desejo é uma falácia que resulta da formação de convicções e crenças sobre
aquilo que poderia ser agradável em vez duma análise da evidência, racionalidade ou
realidade. A falácia tem esta forma:
Eu desejo que P seja verdadeiro (ou falso)
Logo P é verdadeiro (ou falso)
Semelhante a esta falácia é o “pensamento desejoso” descrito mais à frente no exemplo de
falácias cognitivas enviesadas ou bias cognitivos.
• Apelo ao ridículo
Apelo ao ridículo é um argumento que pega no argumento do oponente apresentando-o de
uma forma distorcida e ridicularizada. É uma forma da falácia do homem de palha associada
a “riso de cavalo”.
26.4. Falácias de apelo à mente
Os apelos à mente recorrem ao uso da nossa intuição, ou daquilo que seria instintivo fazer,
sem aplicação de raciocínio lógico. Nem sempre a nossa intuição está correcta! Existem
várias classes de apelos à mente (veja caixa).
Apelo à autoridade
Apelo à autoridade anónima
Apelo à força
Apelo às consequências
Apelo à popularidade
Apelo à crença popular
Apelo à prática comum
Apelo à tradição
Apelo à novidade
Apelo à realização
•
Apelo à igualdade
Apelo aos motivos (ad hominen circunstancial)
Apelo à pobreza
Apelo à riqueza
Apelo ao dinheiro
Apelo à natureza
Apelo à ignorância
Apelo à incredulidade
Apelo à probabilidade
Apelo à autoridade e apelo à autoridade anónima
Apelos à autoridade recorrem a uma figura conhecida para confirmar o que foi afirmado. Não
existe falácia quando essa figura é um perito na área do argumento. Por exemplo eu posso
fazer um apelo à autoridade referindo-me a frases de Einstein se estiver a falar de teoria da
relatividade, mas se eu estiver a discutir a melhor forma de plantar alfaces, a experiência de
Einstein na sua horta é irrelevante.
O apelo à autoridade anónima é frequente nos órgãos de informação com artigos que clamam
que “cientistas no Reino Unido afirmam que...” Quem são esses cientistas? Donde veio essa
informação? São cientistas que estão se pronunciando sobre a sua área de trabalho e têm
conhecimento de causa? O uso da palavra “cientistas” refere-se uma população não
148
identificada e por isso, trata-se duma falácia de apelo à autoridade anónima. Esta falácia é
frequentemente usada com um substituto de prova. Não se dá informação clara sobre quem é
essa autoridade que dá suporte à conclusão do argumento.
O uso da autoridade anónima consiste numa forma sumária que poderá eventualmente ser
útil num resumo de algo interessante. Por exemplo dizer que “estudos apontam para...”, “
investigadores descobriram que...” pode chamar a atenção do leitor, mas não dá muito
suporte substancial ao argumento. Para dar força ao argumento é necessário que se
identifiquem essas fontes e estudos. Essa identificação protege o orador contra a acusação
de ser o originador de informação falsa.
• Apelo à força (argumentum ad baculum)
Apelos à força são facilmente detectados pois baseiam-se em tácticas de intimidação para
persuadir uma audiência a aceitar uma proposição ou a tomar um curso de acção desejado.
Esta falácia é semelhante ao apelo ao medo. Por exemplo, um patrão exige que o empregado
trabalhe fora de horas ou no fim-de-semana ameaçando-o de despedimento se recusar, é um
exemplo de apelo à força. Esta é e uma forma negativa e um caso específico do apelo às
consequências.
O argumento tem a seguinte forma:
Se X aceita que P é verdadeiro, então Q acontece
Q é punição sobre X
Logo P não é verdadeiro
Muitos argumentos ad baculum não são necessariamente falácias. Por exemplo:
Se tu conduzires inebriado, serás posto na prisão
Queres evitar a prisão
Então não deverias conduzir inebriado
Este raciocínio é chamado um argumento ad baculum não falacioso. A inferência é válida
porque a existência da punição é verdadeira e aplicável. Seria uma falácia se por exemplo
este raciocínio continuasse com as premissas de que o inebriamento é imoral ou mau para a
sociedade.
• Apelo às consequências
Esta falácia é uma forma de motivar ou induzir certas crenças apelando para as suas boas ou
más consequências.
Apelo às boas consequências
P1 : Se você acreditar no Monstro do
Esparguete Voador (MEV) , você irá
sentir um tipo de realização e conforto na
vida como nunca sentiu antes.
P2. E quando morrer vai para o Paraíso
da Massa
C: Logo o MEV existe
Apelo às más consequências
P : Se você não acreditar no Monstro do
Esparguete Voador (MEV), você irá sentirmiserável, pensando que a vida não tem
qualquer significado
C: Logo o MEV existe
Agora substituta a palavra MEV com a entidade em que você acredita e verá que a falácia
continua a existir. Por exemplo: “Se você acredita que a evolução é verdade, então nós não
seríamos mais do que macacos”. Este é um argumento que ao apelar para as consequências
149
inaceitáveis (não ser mais que um macaco) ignora a evidência racional apresentada na
discussão inicial sobre evolução.
As falácias seguintes (apelo à popularidade, apelo à crença popular, apelo à pratica comum e
apelo à tradição) são muito semelhantes, mas existem algumas diferenças que vale a pena
comparar.
• Apelo à popularidade
Esta é um tipo de falácia que recorre ao facto de que toda a gente faz, ou toda a gente usa,
então deve ser correcto. A forma da falácia é a seguinte:
P: X é uma acção comum
C: Logo X é verdadeiro
• Apelo à crença popular
Esta falácia é semelhante ao apelo à popularidade mas foca mais nas crenças.
A ideia básica é a aceitação duma premissa como sendo verdadeira, só porque a maioria das
pessoas acredita nela. A forma da falácia é a seguinte:
P: A maioria acredita que X é verdadeiro
C: Logo X é verdadeiro
Só porque uma quantidade de pessoas acredita que uma declaração é verdadeira, não faz
com que essa declaração o seja. Por exemplo, a certa altura quase toda a gente na europa
acreditava que a Terra era o centro do sistema solar. Mas verificou-se que tal crença era
falsa.
No entanto podm existir situações onde a aceitação geral duma declaração deriva do facto de
que tal declaração é provavelmente verdadeira. Por exemplo, se a maior parte das pessoas
na Noruega dizem que não é possível comprar bebidas alcoólicas no supermercado
provavelmente é verdade. De facto, essas bebidas são vendidas por lojas que fazem parte
dum monopólio do estado.
Existem casos onde as crenças das pessoas fazem com que uma declaração se torne
verdadeira. Isto pode ser visto no caso das afirmações que descrevem boas maneiras e
comportamento apropriado à situação. Se a maioria das pessoas duma cultura acharem que
é de bom gosto arrotar alto depois duma boa refeição, como prova de apreço, então o acto de
arrotar torna-se necessário e a afirmação, “arrotar” é indicação de boas maneiras à mesa”
torna-se verdadeira.
Outro exemplo é dado pelos padrões de comunidades. Se uma comunidade clamar que “X é
correcto”, então uma violação de X torna-se obsceno. Este é um valor relativo e não universal.
Porque se aplica apenas à situação dum grupo social bem identificado. Nestes casos ainda é
prudente questionar a universalidade dessas crenças limitadas a um grupo social particular.
Pense por exemplo no costume de comer com as mãos ou descalçar os sapatos quando se
entra em casa de alguém. Dependendo das culturas, estes actos podem ou não ser
considerados correctos.
150
• Apelo à prática comum
Esta falácia é semelhante ao apelo à tradição. Na falácia usa-se como evidência a suposição
de que a maioria das pessoas faz X para defender uma acção ou uma prática.
•
•
P: A maioria das pessoas aprova X
C: Logo X é razoável/moralmente aceite ou justificável
1. O director dum banco encarregado de gerir um determinado programa depara-se com um
certo nível de corrupção. O director diz “ este programa têm alguns problemas, mas nada
diferente do que se passa noutros programas semelhantes noutros bancos!”
2. Sim eu sei que copiar nos testes é errado, mas toda a gente o faz, logo não há problema!
3. De facto essas mulheres que fazem o mesmo trabalho que os homens têm um salário
menor. Se toda a gente o faz, deve ser porque isso é certo!
• Apelo à tradição/antiguidade
Esta falácia é muito usada para justificar actos que são moralmente inaceitáveis. É uma
falácia sempre usada por pessoas adeptas de touradas e outras tradições violentas e que
desrespeitam a integridade duma entidade, seja ela humana, animal ou ecológica.
Exemplo 1:
A: O rio está poluído. Precisamos de parar de deitar os nossos dejectos directamente na
água.
B: Aqui sempre fizemos assim, e nunca houve problema. Não é agora que vamos mudar.
Exemplo 2:
A: Esses cavalos estão sempre fechados na baia, é mau para o seu bem-estar.
B: Há séculos que se fecham os cavalos na baia e nunca foi um problema.
Exemplo 3:
A: Precisamos de mudar o nossos sistema de rega na agricultura para rega por pingo de
modo a poupar água.
B: Na nossa terra sempre regámos com canais e não é agora que vamos mudar.
Exemplo 4:
A: A tourada é parte da nossa identidade e cultura.
B: Tourada é tortura, e tortura não é cultura
A: Sempre foi cultura no passado, e tradição é cultura.
No exemplo 4 ainda se comete a falácia do equívoco (falácias verbais) onde a palavra
tradição é confundida com aspectos culturais. O apelo à tradição não suporta qualquer
argumento lógico.
• Apelo à novidade
Esta falácia assume que algo é melhor, ou mais correcto simplesmente porque é uma
inovação. Tem a seguinte forma:
P: X é novo
C: Logo X é correcto ou melhor
Este tipo de raciocínio é falacioso porque a novidade de
algo não o faz automaticamente correcto.
151
• Apelo aos estrangeirismos
Semelhante ao apelo à novidade e frequente em países que acham que tudo o que vem de
fora ou acontece lá fora é melhor do que aquilo que é produzido dentro do seu país. Esta
falácia é comum em Portugal e no Brasil. Neste caso a palavra “fora” refere-se a países que
são vistos como mais desenvolvidos.
“Este rádio foi feito na Alemnha, então deve ser melhor do que os rádios feitos no nosso
país!”
152
Capítulo 27: FALÁCIAS VERBAIS
•
•
•
•
•
•
•
•
Vivacidade enganosa
Clichés no final do argumento
Citação fora de contexto
Falácias de ambiguidade (equívoco, anfibolia, zeugma, reificação, patética)
Falácia etimológica
Estilo sobre substância
Figuras de estilo
Falácias de acento
• Vivacidade enganosa e o efeito de saliência
Vivacidade enganosa é uma falácia onde um pequeno número de eventos particularmente
dramáticos são usados para contrabalançar uma quantidade significante de evidência
estatística. Geralmente esse evento é expresso com detalhes vigorosos e intensos duma
forma emocional de modo a tentar convencer alguém de que esta excepção é um problema
generalizado.
A evidência anedótica que descreve apenas uma ocorrência com todo o detalhe é um
exemplo de vivacidade enganosa levando a generalizações precipitadas.
Apesar desta vivacidade enganosa não suportar logicamente nenhum argumento, pode ter
um efeito psicológico muito forte em pessoas impressionáveis e também por causa da
disponibilidade heurística.
A disponibilidade heurística é um atalho mental que se baseia nos exemplos que são
relembrados ou que nos vêm à mente quando ouvimos algo que causa o ressurgir dessas
memórias. Assume-se que se a memória foi invocada, então é porque deve ser importante.
Por exemplo as memórias mais recentes são aquelas que tendem a emergir mais
rapidamente.
Este tipo de raciocínio tem a seguinte forma:
1. Um evento dramático X decorre. (Este evento não está de acordo com a maior parte
da evidência estatísticas. É uma excepção)
2. Daqui se conclui, porque esta excepção ocorreu, que é natural que ocorra
frequentemente.
Este raciocínio é falacioso porque só pelo simples facto de que um evento ser particularmente
saliente e dramático, não faz com que esse evento ocorra com frequência em face da
evidência estatística.
Esta falácia é típica do raciocínio de pessoas que têm medo de viajar de avião porque se
lembram da queda dum avião em anos anteriores. A evidência estatística indica que viajar de
avião, em termos de mortes por número de viagens é mais seguro do que viajar de
automóvel.
153
•
Clichés no final do argumento
Um cliché é uma frase ou uma ideia que é frequentemente usada e acabou perdendo o seu
sentido original. Geralmente é uma frase usada para impressionar contendo ou não certas
“palavras caras” que sugerem erudição.
Por vezes estes clichés são usados no fim de argumentos para dar a impressão de sabedoria
popular. Se bem que a frase possa ser válida em alguns contextos, um cliché de finalização é
frequentemente usado com uma forma fácil de fechar um argumento ou de descartar ideias
contrárias. Um cliché deste tipo é uma falácia porque termina o debate com um cliché que
não tem qualquer uso nem sequer é uma conclusão resultante duma linha lógica de
argumentação. O uso destes clichés é uma forma de evitar argumentação lógica.
Exemplos:
Tudo acontece por alguma razão
Quando chegares à minha idade, vais ver que isso não é verdade
Não se tem sempre o que se quer
Quando uns ganham outros perdem
Diz o senso comum...
Faz sentido para mim, é tudo o que importa
A vida é injusta
Não vale a pena discutir
Não há paciência
Lá vem ele outra vez!
Esquece isso!
Não sejas tola!
Tudo é relativo!
O Senhor dá, o Senhor tira!
Deus tem um plano
Deus age de formas misteriosas
• Citações fora de contexto
Uma citação por natureza exclui grande parte do texto donde foi extraída e logo a frase é
citada fora de contexto, mas o que faz isto uma falácia é quando se usa uma citação que
altera, ou destrói a intenção ou significados originais. Um dos usos mais frequentes desta
falácia é na indústria publicitária, onde se usam citações de outros para endorsar um produto
que nada tem a ver com o texto original.
Exemplo duma citação fora de contexto:
Defensores da homeopatia submetem “evidência” de outros artigos científicos para suportar
as suas alegações. Neste caso num documento submetido ao Parlamento no reino Unido, a
Associação Britânica de Homeopatia retirou dum artigo científico a seguinte citação:
“Existe alguma evidência de que os tratamentos homeopáticos são mais eficientes do que
placebo”, mas esta citação foi retirada dum parágrafo que continuava dizendo “...no entanto, a
força desta evidência é fraca por causa da baixa qualidade dos métodos usados nesses
testes. Os estudos aplicando metodologias mais adequadas apresentaram uma probabilidade
muito alta de resultados negativos do que os estudos onde a metodologia aplicada
apresentava falhas”.
154
•
Falácias de Ambiguidade (equivocação e anfibolia)
As falácias de ambiguidade derivam de quando se usam palavras que podem ter mais que
um sentido. Este tipo de ambiguidade divide-se em duas categorias:
Equivocação ou ambiguidade semântica
Anfibolia ou ambiguidade sintáctica
Uma palavra tem mais do que um
significado.
Quando a estrutura da frase permite
diferentes interpretações.
1.
Roubaram um banco!
Levaram muito dinheiro?
Não, um banco do jardim público!
1.Cão para adopção. Muito meigo, bem
treinado come tudo e gosta principalmente
de crianças.
2.
Vou ao aniversário da irmã.
A irmã de quem?
A irmã Maria do convento das Carmelitas
3.
Vou comprar mais drogas
Tu fumas maconha?
Não...vou à farmácia buscar mais aspirinas.
2.Tenho uma orelha só dum lado.
Claro! Se tivesse duas orelhas só dum lado
é que era para ficar admirado!
4.
Uma meia meia feita, outra meia por fazer,
diga lá minha menina quantas meias hão-de
ser?
• Equívoco
“As laranjas, as limas, e os limões ou citrinos têm vitamina C”
Esta frase intende afirmar que as laranjas, as
limas, e os limões são frutas do conjunto dos
citrinos, mas da forma como está escrita sugere
que apenas os limões são citrinos. Neste exemplo
a proposição ou é inclusiva; isto é, inclui todos os
elementos numa denominação de classe.
Conjunto dos Citrinos
que têm vitamina C.
Nesta frase “queres limas ou limões?” a proposição ou é exclusiva, oferendo apenas uma
escolha das duas opções propostas.
A proposição “ou” pode causar confusão na escrita e deve ter-se atenção cuidadosa no seu
uso.
•
Anfibolia
Anfibolia é uma falácia que deriva de erros de construção da frase onde frequentemente o
sujeito é difícil de identificar. As anfibolias ocorrem com mais ou menos frequência
dependendo da língua em que a rase é apresentada. Por vezes, num esforço para evitar a
repetição de palavras, a utilização de pronomes reflexos pode levar a confusão sobre o
sujeito ao qual se aplica uma determinada descrição.
155
Na escrita de artigos científicos é preciso ter muito cuidado com anfibolias. Veja estes
exemplos:
1."O factor THF é um polipeptídeo isolado do timo composto por 30 aminoácidos com um
peso molecular de 3,200”
Não se entende se cada aminoácido tem um peso molecular de 3,200 ou o total dos 30
aminoácidos. Esta frase ficaria melhor se fosse escrita do seguinte modo:
"O factor THF é um polipeptídeo de peso molecular 3,200, isolado do timo e composto por 30
aminoácidos”. O peso refere-se ao factor THF e não a cada aminoácido.
2."Os mutantes de CetB que são tolerantes a colicina, também têm crescimento acelerado...”
Nesta frase não é claro se são apenas as células mutantes que são tolerantes, ou se são
todas as células CetB que são tolerantes à colicina.
• Zeugma
Por vezes a anfibolia pode derivar do uso de zeugmas. Um zeugma é quando se omite uma
palavra de modo a evitar repetição.
•
•
•
•
Ele gosta de história e eu de física.
Na terra dele só havia mato, na minha, só prédios.
Maria conhecia todos os artistas. Eu, quase nenhuns.
Eu leio livros e o meu marido jornais.
Estas frases são zeugmas que fazem sentido, mas a frase seguinte já é mais confusa:
•
•
•
“Sentado no muro o cão ladrou ao gato”. Não é claro que estava no muro, o cão ou o
gato?
“No calor do verão na praia a Maria e a Joana compraram batatas fritas. Elas estavam
bem quentes.” Elas quem? As batatas ou as mulheres?
“O João emprestou o livro do Luís e ele nunca mais o viu”. Nunca mais viu o quê? o
livro, o Luís ou o João?
• Falácia da Reificação
Reificação é o erro de tratar algo que não é real, ou quando se trata uma ideia, como uma
coisa real. A reificação ocorre quando processos naturais ou sociais são mal-entendidos e/ou
simplificados; por exemplo quando a criações humanas são descritas como “factos da
natureza”, “resultados das leis cósmicas” ou “manifestações da vontade divina”.
A reificação também pode ocorrer quando se dá um uso inapropriado duma palavra que
normalmente tem outro uso. Por exemplo dar características mentais que são próprias de
seres humanos a objectos. Este é um caso especial de reificação conhecido como a falácia
patética ou antropomórfica.
“ Se estiveres aberto, o amor te encontrará”
O amor é uma ideia, não um ser animado que anda por aí a procurar pessoas para como um
anjinho com um arco e setas.
156
• Falácia patética ou antropomórfica
Esta é uma falácia engraçada onde se atribui características de objectos animados a objectos
inanimados.
1. “Este computador está sempre a arranjar maneira de destruir os meus documentos antes
de eu os gravar. Faz isto quando está com pouca memória e quer me chatear!“
2.“Olha para aquelas ondas no mar azul. Estão a chamar por mim!”
A palavra patético deriva do Grego pathos que significa empatia ou capacidade de sentir e
não tem um sentido pejorativo. Em literatura a falácia patética é similar à ideia de
personificação. Por exemplo “o dia estava triste e o vento enraivecido!”, mas em ciência há
que ter cuidado com esta falácia pois pode levar à antropomorfização de alvos que não têm
características humanas.
Por exemplo na gíria da química é frequente dizer-se que “a água quer mover-se para a área
com a concentração salina mais alta”. Ora a água não tem “querer”, mas esta imagem ajuda a
compreender o movimento da água por osmose.
O livro de Richard Dawkins publicado nos anos 70 tinha como título, “O gene egoísta” o que
causou grande confusão entre cientistas e filósofos. Na realidade o autor nunca afirmou que
os genes eram literalmente egoístas, e muito menos descreveu a existência de genes para
egoísmo. Com essa metáfora ele pretendeu explicar que a selecção natural actuando sobre
os genes dava a impressão de que aqueles que se propagavam em maior número eram como
se tivessem a actuar duma forma egoísta. Mas muita gente que não leu o livro assumiu que
havia genes que eram de facto responsáveis por fazer as pessoas egoístas.
Os cientistas por vezes fazem uso destas explicações informais para explicar conceitos
complexos numa forma metafórica que não corresponde à realidade. A metáfora é
claramente perceptível entre os especialistas da área mas não para os leigos.
Por exemplo, na ciência de comportamento animal é frequente dizer-se que as fêmeas
procuram machos com características de indicam qualidade, porque elas querem que a sua
prole seja bem-sucedida propagando os seus genes na população. Na verdade o que os
etólogos querem dizer com esta frase é que as fêmeas que escolheram machos com certas
características tiveram mais sucesso na propagação de seus genes e por sua vez as fêmeas
que sobreviveram herdaram estas preferências da mãe. Não existe aqui um “querer”
intencional por parte das fêmeas e os etólogos sabem disso, mas eles usam o verbo “querer”
como um atalho para encurtar a explicação.
A falácia patética é também frequente entre amantes de animais, que têm uma tendência a
atribuir características humanas tais como “crueldade”, “maldade”, “bondade”, “injustiça”,
“vaidade” aos animais não humanos. Este mecanismo mental é conhecido como
antropomorfização do animal.
A construção de robots cada vez mais perfeitos reproduzindo características de seres vivos
leva os humanos a atribuir sentimentos e emoções a essas máquinas. Por exemplo as
bonecas produzidas por uma companhia japonesa que imitam em aparência duma mulher
real levam muitos homens solitários a se apaixonar pela boneca.
• Falácia etimológica
Um argumento comete uma falácia etimológica quando usa uma palavra corrente com a
intenção de dar o significado que essa palavra tinha no passado. Estas falácias assentam
sobre a origem etimológica da palavra assumindo que o significado presente é semelhante ao
significado original ou histórico. É um erro linguístico. Por exemplo a palavra “gay” até aos
157
finais do século 19 significava uma pessoa alegre e sempre bem-disposta. Assim era
frequente ler-se na literatura anglo-saxónica referências aos personagens como sendo muito
“gay”.
A própria palavra etimologia é uma falácia etimológica. A palavra significava na Grécia Antiga
“o estudo dos significados verdadeiros das palavras”, mas hoje entende-se como o estudo da
origem das palavras.
A palavra formidável deriva do latim “formidabilis” que significa terrível, hoje significa algo
admirável. Mesmo a palavra “terrível” é usada frequentemente como algo de bom “ele é
terrivelmente original na sua expressão artística”.
A palavra “ordinário” que significa normal, tornou-se em algo negativo. Quando se chama
alguém de ordinário, não se pretende dizer que a pessoa seja normal ou comum, mas que é
excepcionalmente fora da normalidade em termos de baixaria e má educação. Se eu disser
que “o António é um homem muito ordinário” no sentido de que ele não se faz notar por
nenhuma característica particular, é comum e sem interesse, as pessoas entendem a palavra
“ordinário” como uma pessoa mal-educada. Neste caso eu cometi a falácia etimológica.
•
Estilo em vez de substância
Este é um tipo de falácia retórica onde o modo como o orador se apresenta ou fala é tomado
mais em consideração do que o argumento que ele apresenta levando à aceitação da
conclusão como sendo verdadeira.
1. O General Sousa sabe como mover multidões. Ele deve ter razão!
2. Porque não aceitas o conselho daquele senhor tão bem vestido e bem-falante?
•
Figuras de estilo
O uso de figuras de estilo é frequente na nossa linguagem. “O Wilson é um gato!”, ou “ tu és
uma mulher perigosa” refere-se às qualidades sexy da pessoa.
O Wilson é provavelmente um homem interessante e agradável ao olhar, se esta frase for
expressa no Brasil. A falácia ocorre quando o ouvinte interpreta a frase literalmente. De facto
é possível que alguém tenha um gato chamado Wilson e que a mulher tenha uma arma na
mão e esteja pronta a disparar. Metáforas e hipérboles são exemplos de figuras de estilo.
Exemplos de figuras de estilo:
• A minha vida é um palco iluminado (metáfora)
• Já te disse um milhão de vezes (hipérbole)
•
Falácia do acento
Esta é uma falácia que ocorre quando o enfase é colocado numa palavra de modos
diferentes. Por exemplo:
•
•
•
Estou afogaaaaada (gritando) em tanto trabalho
Sou LOUCA por você
Aquela droga fez com que a Inês ficasse louca
158
Capítulo 28: ARGUMENTOS ENVIÉSADOS (Bias)
Uma das formas mais proeminentes de erro no desempenho do raciocínio, é a introdução de
bias ou tendências que tornam o argumento enviesado. Diz-se que um argumento tem “bias”
ou é enviesado quando apresenta uma tendência para enfatizar mais um ponto de vista do
que outro. É um tipo de raciocínio que é polarizado e não têm neutralidade. O nosso
raciocínio é por natureza, tendencioso. Os factores que influenciam as nossas tendências são
de ordem cognitiva, motivacional e social.
A palavra bias tem origem na língua inglesa e é amplamente usada como significado de algo
enviesado ou com uma tendência mais para um lado do que para o outro. Neste livro usarei a
palavra bias como equivalente de tendência ou enviesamento.
28.1. Bias cognitivos
Os processos cognitivos são formas de avaliar o conhecimento existente e gerar novos
conhecimentos baseados na informação que penetra através dos nossos sentidos. Estes
processos apoiam-se na memória e aprendizagem. Sem memória não há aprendizagem, e à
medida que se aprende algo novo essa nova informação é comparada com informação prévia
e categorizada de acordo com as nossas experiências pessoais anteriores e emoções
induzidas. Só depois podemos fazer julgamentos e avaliações sobre a informação recebida.
Essa informação associada com as nossa emoções está na base da “maquinaria” mental que
produz decisões que podem ser racionais ou enviesadas. Este enviesamento pode levar a
desvios da racionalidade e indução de julgamentos falaciosos.
A palavra cognição refere-se aos mecanismos que ocorrem no cérebro e às capacidades
mentais de qualquer individuo que tenha um cérebro, incluindo humanos e outros animais. Os
processos cognitivos são formas de avaliar o conhecimento existente e gerar novos
conhecimentos baseados na informação que penetra os nossos sentidos. Essa informação
associada com as nossas emoções está na base da “maquinaria” mental que produz decisões
que podem ser racionais ou enviesadas. Este enviesamento ou bias pode levar a desvios da
racionalidade e à indução de julgamentos falaciosos e derivam da forma como nos
apercebemos do meio que nos rodeia, da percepção que temos de nós próprios, do modo
como percebemos informação quantitativa e os riscos que tomamos, afectando os nossos
julgamentos morais e as nossas decisões.
1.bias derivados da percepção de
informação sobre o meio
2.bias derivados da percepção
pessoal
Factores de
natureza
cognitiva
3.bias derivados da percepção de
informação quantitativa ou
quantificada
Substituição de atributos
Realismo naïve
Atenção selectiva
Erros de percepção pessoal
Dissonância cognitiva
Efeito do excesso de confiança
Pensamento desejoso
Inumeracia
Uso indevido de estatísticas
Regressão à média
Selecção tendenciosa
Efeito de âncora
Preenchendo dados ausentes ou
incompletos
Tendência do risco nulo
As páginas seguintes apresentam alguns exemplos para estas situações.
159
28.1.1. Bias derivados da percepção de informação sobre o meio
•
Substituição de atributos
Em situações em que um individuo tem que fazer julgamentos sobre algo novo que é
demasiado complexo, há uma tendência para substituir os atributos dessa questão, por outros
que lhe são familiares. Por exemplo, quando se faz uma pergunta e a pessoa não sabe
responder, a sua tendência é responder a uma questão semelhante para a qual ela tenha
conhecimentos apropriados. Isto é um comportamento frequentemente observado em
discussões entre políticos que tentam fugir às questões directas dos jornalistas. Quando o
político não tem resposta para uma pergunta incisiva e que possa de certo modo
comprometer as suas convicções, ele oferece respostas tangenciais que nada têm que ver
com a pergunta introduzindo falácias do tipo “arenque vermelho”.
O processo de substituição de atributos ocorre com frequência quando as pessoas raciocinam
sobre assuntos morais, políticos ou legais. Dada a novidade de problemas apresentados
nesta área as pessoas procuram na sua memória outras situações similares mas mais
familiares que servirão como um modelo de comparação, aplicando as soluções previamente
atribuídas a esse modelo, para a nova situação ou para o problema mais complexo.
Quando um individuo não sabe que atitude tomar quando se depara com essa nova situação,
e não têm recurso a exemplos anteriores então pode usar as opiniões de outros em quem ele
confia como autoridades, mas como já vimos, muitas vezes este apelo à autoridade pode
resultar numa falácia quando essa autoridade não é competente para se pronunciar sobre
essas matérias.
Quando se discutem assuntos sensíveis tais como sexualidade, clonagem humana, aborto,
organismos geneticamente modificados, as pessoas frequentemente apelam à emoção em
vez de recorrerem a princípios racionais para analisar o problema em causa. Essas emoções
que causam nojo em relação aos assuntos sob discussão, serão usadas como substituto
duma análise objectiva.
Ilusões ópticas
Esta tendência do cérebro atribuir características duns objectos para outros também se faz
presente nas ilusões de óptica.
Gigantes ou anões?
Na foto aqui representada o nosso cérebro
atribui tamanhos diferentes às figuras das
pessoas, mesmo que essas figuras sejam na
realidade do mesmo tamanho. Pegue numa
régua e meça você mesmo!
Isto é uma ilusão causada pelo facto de que o
cérebro automaticamente corrige para a
perspectiva e espera que as pessoas que estão
mais longe sejam mais pequenas.
160
Na realidade o tamanho das pessoas é o
mesmo como se pode ver pela linha branca 1 e
2 , mas mesmo sabendo isso, continuamos a ver
o grupo 2 como sendo maior que o grupo 1
atribuindo uma imagem de gigante às pessoas
em 2 ou inversamente atribuindo uma imagem
de anão às pessoas em 1.
2
1
2
1
• Realismo naïve
Esta é uma forma de atribuição muito interessante que funciona do seguinte modo:
1. Quando eu vejo os objectos e as entidades que me rodeiam, eu assumo que eles
representam a realidade do mundo e nunca são ilusões de percepção. Veja estas
duas linhas? São do mesmo tamanho? Na verdade são, mas a forma das setas altera
a nossa percepção do seu comprimento. Logo isto prova que a nossa percepção do
mundo nem sempre corresponde à realidade.
A foto desta garrafa pintada neste camião cria uma ilusão de óptica difícil de aceitar
que não é real.
Da mesma forma que somos susceptíveis às ilusões de óptica, também criamos
ilusões relativamente às convicções e opiniões que abraçamos, que achamos serem
racionais e objectivas, quando na realidade são enviesadas.
2.
Frequentemente pensamos que se os outros tiveram acesso ao mesmo tipo de
informação que nós próprios, que eles pensam como nós, compartilham das nossas
opiniões e comportamentos. Isto pode nos colocar em situações embaraçosas, por
exemplo quando começamos a protestar contra a caça num congresso sobre
conservação e de repente apercebemo-nos que estamos entre um grupo de
caçadores que pretendem conservar um pequeno número de espécies cinegéticas
para fomentar as suas actividades lúdicas. Aqui o conceito de “conservação” foi o
elemento que causou confusão.
3. Existe sempre uma tendência de classificar de inteligentes aqueles que pensam e
actuam como nós, e de idiotas os que pensam o contrário. Geralmente assume-se que
a razão por que os outros não compartilham da nossa visão deve-se ao seguinte:
161
•
•
•
O indivíduo ou grupo em causa foi exposto a outro tipo de informação diferente da
minha, donde eu posso assumir que essa pessoa pode ser tão razoável quanto eu
mas simplesmente está mal informada. Se eu compartilhar a minha informação
com ela, existe a possibilidade de chegarmos a um acordo.
O indivíduo ou grupo em questão é provavelmente preguiçoso, irracional, não tem
a capacidade ou não quer adoptar mais conhecimento e aceitar a evidência
oferecida para chegar a conclusões objectivas.
O indivíduo ou grupo em questão deve estar viciado por ideologias, interesses
próprios, ou qualquer outra influência que afecta a interpretação da evidência ou o
processo de raciocínio de forma a chegar a uma conclusão objectiva.
Por exemplo, pessoas que são muito sectárias em relação a um determinado assunto,
podem achar que a imprensa está enviesada de forma contrária ao assunto de seu
interesse, concluindo que a imprensa não dá informação objectiva. Se bem que hoje
em dia os canais de televisão e a imprensa sejam propriedade de grandes
corporações com agendas políticas, é difícil assumir que toda a informação pública
esteja envolvida numa conspiração para renegar as nossas convicções ideológicas
particulares.
Estas pessoas têm tendência a abraçar teorias de conspiração ridículas para
confirmar as suas convicções. Por exemplo depois da queda das Torres Gémeas em
Nova Iorque começaram a surgir teorias de conspiração que sugeriram que o Governo
Americano estava por detrás do atentado para levar as pessoas a concordar e aceitar
a proposta invasão do Iraque.
Outras pessoas que admitem a existência de OVNIS e visitas de extraterrestres
acreditam que existe uma conspiração do estado para manter esta informação
secreta.
Nos anos 90, surgiu um filme a preto e branco que mostrava a suposta autópsia dum
extraterrestre recolhido dum disco voador que teria caído perto de Roswell, no Novo
México em 1947. Em 2006 verificou-se que o filme não era verdadeiro, mas uma
fraude, no entanto as pessoas que acreditam ferventemente na existência de
extraterrestres continuaram a assumir que o filme é verdadeiro e tudo o que os órgãos
de informação disseram sobre a sua falsidade é tendencioso e serve interesses de
outros. Estas são pessoas que têm uma tendência a preferir teorias de conspiratórias.
Identicamente a história das formações
geométricas que apareceram nos anos 70
em campos de cereais na Inglaterra,
acreditadas
terem
sido
feitas
for
extraterrestres, foram de facto feitas por dois
ingleses que gostavam de pregar partidas.
Em 1991, Bower e Chorley disseram à
imprensa que foram eles que fizeram esses
mosaicos geométricos, usando tábuas
presas a uma corda e andando sobre elas
pisando os cereais.
Figuras geométricas produzidas em Milk Hill 2m
2001 no Reino Unido (Foto: Wikipedia)
Outros tipos de substituição de atributos podem ser vistos na formação de estereótipos onde
se faz a atribuição de características que nos são familiares a pessoas ou grupos sociais que
desconhecemos.
162
28.1.2. Bias derivados da percepção pessoal
•
Erros de percepção pessoal
Todos nós temos alguma ideia daquilo que somos e imaginamos que o mundo nos vê da
mesma forma como nos vemos a nós próprios. Muitos pensam que são incapazes e vistos
pelos outros como sendo fracos, quando na realidade as outras pessoas o vêm como um
individuo absolutamente normal. Outros acham-se o “topo do mundo” e são percebidos pelos
outros como sendo extremamente arrogante, rudes ou ignorante. Nem sempre aquilo que os
outros pensam de nós coincide com aquilo que pensamos de nós próprios, esta
incongruência pode criar um tipo de dissonância cognitiva e afectar os nossos julgamentos
tornando-os menos objectivos. Muitas vezes tomamos atitudes para manter a “máscara” da
percepção de nós próprios evitando o uso de raciocínio lógico.
• Efeito de Forer
Este bias tem um interesse especial devido à sua prevalência nos meios de comunicação
social. Este efeito descreve a tendência das pessoas em atribuir uma alta precisão à
descrição que se acredita ter sido especialmente criada para a sua personalidade, quando na
realidade esta descrição é vaga e generalizada a uma gama extensa de pessoas. Este efeito
explica a aceitação generalizada de práticas questionáveis como a análise da personalidade
através da grafologia, astrologia, quiromancia e algumas formas de testes de personalidade
como o teste de Rorschach discutido no capítulo 21 sobre padrões e associações ilusórios.
O nome deste bias deriva do psicólogo Bertram Forer que em 1948 fez um teste de
personalidade aos seus alunos. Forer deu aos seus alunos o seguinte texto:
1. Você tem uma grande necessidade que as outras pessoas gostem de si e o
respeitem.
2. Você tem uma tendência a ser crítico de si mesmo.
3. Você tem uma potencial que ainda não usou em seu favor.
4. Embora tenha algumas fraquezas de personalidade, geralmente é capaz de
compensá-las.
5. Seu ajustamento sexual tem apresentado alguns problemas.
6. Dando uma aparência de ser disciplinado e autocontrolado, tende a se preocupar e a
ter uma certa insegurança.
7. Às vezes você tem sérias dúvidas se tomou a decisão correta ou fez a coisa certa.
8. Você prefere uma certa quantidade de mudança e variedade e fica insatisfeito quando
é cercado por restrições e limitações.
9. Você tem orgulho de ser um pensador independente e não aceita afirmações de
outros sem provas satisfatórias.
10. Você acha recomendável a sinceridade em relação a outros.
11. Às vezes você é extrovertido, afável, sociável, enquanto outras vezes é introvertido,
cauteloso e reservado.
12. Algumas de suas aspirações tendem a ser muito irrealista.
13. A segurança é um dos seus objectivos principais da vida.
163
Quando ele perguntou aos participantes para assinalar numa escala de 0 a 5 o grau de
precisão da descrição relativamente à sua personalidade, os participantes votaram em média
uma precisão de 4.26, uma média muito próxima de 5 (excelente). Mas o truque do teste
estava no facto de que os estudantes não sabiam que esta descrição era igual para todos e o
texto tinha sido extraído dum livro sobre astrologia. Note que o texto contém frases que são
vagas e que se aplicam a quase toda a gente. Quando algumas frases não são reconhecidas,
a tendência é ignorá-las ou trata-las como irrelevantes. Veja só a frase 11; a sua formulação
“às vezes você é isto e aquilo” e “outras vezes, você é o oposto”. Tem uma probabilidade de
50/50 se ser um ou outro em vezes alternadas, logo acertando sempre. Preste atenção nas
frases 12 e 13; quem não tem sonhos irrealistas e deseja segurança?
Este teste foi repetido várias vezes em diversas situações, aplicando signos, onde se oferecia
a mesma descrição para todos, e o sepultado foi muito semelhante. Toda a gente confirmou
que a descrição se adaptava à personalidade do seu signo e que se identificavam com a
descrição.
•
Dissonância Cognitiva
A dissonância cognitiva ocorre quando dentro da nossa mente existem duas (ou mais) ideias,
convicções, crenças ou valores morais que se opõem.
Por exemplo uma pessoa que não tolera a crueldade para com os animais e a forma como
são tratados nas produções industrias, mas não se abstém de comer um bom bife com
batatas fritas sofre de dissonância cognitiva porque para ser consistente ela teria que ser
vegetariana, ou não se incomodar com o tratamento cruel dos animais produzidos para carne.
Quando a pessoa se apercebe, ou é confrontada por outros mostrando que os seus actos não
são consistentes com as suas convicções, começa a sofrer constrangimento intelectual,
sentimento de culpa, ou um desequilíbrio mental que pode levar a frustração e ansiedade.
Então o individuo tenta adoptar posições intelectuais que lhe permitam superar este
sentimento de mau-estar derivado da contradição. Por exemplo pode evitar abrir-se à
informação que lhe dê esse sentido de dissonância com os seus princípios. A teoria da
dissonância assume que as pessoas estão inclinadas a procurar concordância entre as suas
expectativas e a realidade.
Muitos cientistas que trabalham em evolução sofrem dissonância cognitiva porque são
seguidores duma religião que acredita num ser omnipotente que criou o mundo e tem acção
sobre os seres vivos. Muitos religiosos que acreditam na bondade suprema do seu Deus,
sofrem de dissonância cognitiva quando deparam com os desastres e injustiças que
sacrificam e punem tantos inocentes. Geralmente, a percepção desta inconsistência é o
primeiro passo para um caminho que as irá levar ao agnosticismo ou ateísmo.
Mas nem toda a gente se apercebe desta dissonância, e quando se menciona que existe uma
discrepância entre o que eles clamam e o que eles fazem, simplesmente limitam-se a aceitar
que são hipócritas.
• Efeito do excesso de confiança
Este efeito aparece em pessoas que pensam que os seus julgamentos têm mais precisão do
que na realidade. Por exemplo, em alguns questionários pergunta-se ao respondente
“quantas perguntas você acha que acertou?”. As pessoas que sofrem do efeito de excesso de
confiança avaliam que acertaram por exemplo em 90% das perguntas, quando na realidade
só acertaram 40%.
164
• Pensamento Desejoso (compare com a falácia do apelo ao desejo página 148)
Todos temos desejos para o presente e o futuro e frequentemente planeamos a nossa vida de
modo a conseguir alcançar alguns desses desejos. Avaliamos o que é, e o que não é possível
ao decidirmos as nossas acções. Mas por vezes, o desejo sobrepõe-se à realidade, em vez
de tomarmos decisões que sejam compatíveis com a realidade possível, tomamos decisões
em função daquilo que seria desejável. Por exemplo em situações onde existem dois
resultados possíveis, a nossa tendência é prever um resultado positivo, porque esse é o
nosso desejo e não porque avaliamos as condições presentes com objectividade.
Uma jovem pode desejar casar com o moço dos seus sonhos que vive na mansão no fim da
rua. O moço pode ser simpático e levá-la ao café uma ou duas vezes como um gesto de boa
vizinhança. Mas ela desejosa de casar com ele começa a investir num enxoval, querendo
acreditar que essas saídas são uma promessa de namoro sério. Este tipo de pensamento é
expresso do seguinte modo:
Eu desejo que P seja verdadeiro (ou falso)
Logo P é verdadeiro (ou falso)
Como vimos, o pensamento desejoso pode ser reflectido em forma de falácia e como um
estado mental ou psicológico. Como falácia é um argumento onde as premissas expressam
uma conclusão desejada a ser verdadeira. Como estado mental é a expressão dum desejo.
Mas este tipo de pensamento raramente é apresentado na forma de argumento a partir de
premissas que descrevem as convicções do sujeito levando à conclusão que se deseja ser
verdadeira. Se esse pensamento desejoso fosse colocado na forma de argumento, seria
evidente para o sujeito que era um argumento falacioso.
O pensamento de desejo tem sido praticado sob nomes mais comerciais e usados pelos
gurus da psicologia popular e da literatura do “sinta-se bem” como “pensamento positivo”,
“optimismo”, “visualização” e “fé”. O pensamento de desejo tem sido defendido por vários
autores como algo útil e essa defesa pode tomar uma destas formas:
1. Defesas de índole teológica:
A fé religiosa tem sido frequentemente defendida como sendo uma virtude ou um
dever. Acreditar num dogma sem evidência ou desprezar evidência contrária é por
vezes vista como um feito mais admirável do que acreditar em boa evidência.
2. Defesas de índole pragmática:
Os defensores do pensamento desejoso sustêm que se pensar coisas boas e que se
desejam trazem um ganho ao sujeito então isso é razão suficiente para se continuar a
acreditar nessas coisas.
Na verdade existem formas de pensamento positivo que podem trazer bons resultados
e isso é exemplificado pelo efeito placebo. Por outra lado, o efeito nocebo resulta num
decréscimo da qualidade da saúde devido a pensamentos negativos. Pensar
positivamente pode ser um agente motivador. Mas é preciso ter cuidado com o que se
pensa. Por mais que pense que pode voar, não tente testar a hipótese se atirando
duma ponte.
O movimento New Age baseia-se na superstição de que os nossos pensamentos têm
uma energia semelhante às ondas de televisão ou rádio e podem ser enviados para o
Universo para requisitar forças místicas. Não há qualquer evidência da veracidade
desta afirmação e por isso não passa duma falácia de pensamento desejoso que tem
a forma:
165
“Desejo que a energia do universo me venha recarregar as energias do
meu corpo. Logo a energia do universo recarregou-me de energias”
Este tipo de pensamento reflecte-se frequentemente no pedido de milagres e na
execução de mágicas. Quantas mulheres apaixonadas projectaram as suas energias
para o Universo repetindo o mantra “ desejo que fulano de tal se apaixone por mim” ,
esperando milagres.
O provérbio “quem espera sempre alcança” é uma falácia de pensamento desejoso,
incitando as pessoas a não tomar acção para adquirir aquilo que desejam.
Os defensores do pragmatismo clamam que se o pensamento de desejo trás
vantagens e melhoras, então deve-se ter fé nesta forma de pensar e utilizá-la para
melhorar a nossa situação.
O que é preciso ter presente com este tipo de defesa é que ela não clama que
acreditar pela via da fé não tem necessariamente que ser verdadeiro. O argumento
defendido por esta filosofia diz que uma pessoa pode ganhar algo (paz de espirito,
melhoria de saúde, deixar de fumar, etc.) se acreditar que vai conseguir atingir esse
desejo.
Suponha que eu ofereço um prémio de €1000 a quem acreditar que os porcos têm
asas. Não há dúvida que você pode forçar-se a si próprio a acreditar que os porcos
têm asas e isso até lhe pode causar bem-estar. Quando você finalmente acreditou
nisso, ganha os €1000, mas isso não significa que os porcos tenham asas de verdade.
O problema com estes dois tipos de defesa é que elas não mostram que o pensamento de
desejo é um argumento convincente. As formas destas respectivas defesas representam-se
do seguinte modo:
Defesa teológica
P é um artigo de fé
Logo eu devo acreditar em P
Defesa Pragmática
Eu ganho algo acreditando em P
Logo eu devo acreditar em P
Mas das conclusões destas duas formas de argumento não segue que P é verdadeiro. Logo
pensamento de desejo é ainda uma falácia mesmo que tenha algumas vantagens
pragmáticas.
28.1.3. Bias derivados da percepção de informação quantitativa ou quantificada
Muita da informação com que nos deparamos no dia-a-dia contém números, percentagens,
probabilidades e outras estatísticas. A grande maioria das pessoas não foi preparada na sua
educação formal para lidar com este tipo de informação que frequentemente não é
apresentada de forma clara nem simples. Assim muitos dos nossos argumentos podem ser
falaciosos devido a aspectos de inumeracia, uso indevido de estatísticas, o efeito de âncora,
regressão à média. Dentro deste tipo de bias podem ocorrer os seguintes erros:
•
•
Bias na selecção da informação que apoia as nossas opiniões. Numa abordagem
científica esta atitude evita a selecção de amostras de uma forma randomizada.
Preenchimento de dados incompletos ou não representativos ou que não têm
informação suficiente com dados construídos pela nossa mente para colmatar essa
deficiência.
166
28.2. Bias Motivacionais
O raciocínio pode ser influenciado pela nossa motivação. Se a nossa motivação é levar
alguém a acreditar naquilo que nós acreditamos, providenciamos um raciocínio viciado
contendo informação subjectiva, interpretada pelos nossos sentidos e modificada de tal modo
que suporta o nosso ponto de vista. Assim podemos ignorar outra informação relevante que é
contrária àquilo que queremos transmitir e deste modo focamos a nossa atenção apenas
naquilo que queremos ou esperamos ver.
Efeito de enviesamento da crença
Factores de
natureza
motivacional
1.Ver só o que se
quer ver
2. Ver o que se
espera ver
bias
confirmatórios
• Polarização de atitudes
• Persistência de crenças
• Efeito da primacia irracional
• Correlações ilusórias
bias de expectativa
bias de congruência
teorias fatalistas
A informação que recebemos pode ser ambígua ou não. Quando essa informação tem
ambiguidades ela é interpretada de forma a concordar com os nossos preconceitos. Quando
essa informação é clara e não contém ambiguidades, claramente contradizendo as nossas
expectativas, ainda temos uma tendência para declarar tal informação como suportando o
que defendemos. As pessoas ignoram a contradição e prestam atenção só às artes que
suportam as suas convicções, torcendo a evidência para a fazer consistente com os seus
pontos de vista. Por exemplo, depois da descoberta do DNA e a aceitação geral da teoria da
evolução, os Criacionistas adaptaram essa nova evidência às suas crenças dizendo que Deus
tem influência na indução de mutações no DNA.
Existem várias experiências que confirmam estas tendências, uma delas é bem interessante.
Foram seleccionados dois grupos de pessoas com pontos de vista diferente sobre a pena de
morte. O Grupo A suportava a pena de morte enquanto que o Grupo B era contra. Os
pesquisadores deram a cada grupo dois dossiers com informação sobre a pena de morte. Um
dossier continha informação com evidência que suportava e o outro continha evidência que
rejeitava a pena de morte. Depois da análise destes documentos perguntou-se a cada grupo
o que achavam da qualidade do estudo.
Grupo
A
Grupo
B
167
O grupo A a favor da pena de morte achou que a evidência que suportava os seus pontos de
vista era boa enquanto que a evidência em contrário era má. O Grupo B teve uma reacção
oposto. Nenhum grupo se deixou convencer pela evidência que ia contra as suas convicções.
No século 19, o italiano Cesare Lombroso foi um pioneiro da biologia criminal. Ele fez
investigação sobre a capacidade de aguentar a dor e testou homens de raça branca e negra.
As suas conclusões foram as seguintes:
“A insensibilidade à dor entre os criminosos das raças inferiores é um sinal duma
natureza primitiva.
A insensibilidade à dor entre os Europeus brancos é um sinal de coragem e bravura. “
Este é um exemplo de como os preconceitos podem produzir má ciência.
Estes exemplos mostram como as pessoas têm uma tendência para “ver o que se quer ver” e
“ver o que se espera ver “.
Ver só o que se quer ver
A informação que é consistente com as
nossas convicções é prontamente aceite
sem qualquer escrutínio ou análise. Por
exemplo podem concluir prontamente em
sem critica que
• grandes efeitos devem ter grandes
causas
• efeitos complexos têm causas
complexas
Ver o que se espera ver
As pessoas acreditam em coisas que
querem que sejam verdade. Por exemplo
• que há vida depois da morte
• que o os seus falhanços são devidos a
causas exteriores e não à sua própria
incompetência
28.2.1. Confirmação selectiva: Ver só que se quer ver
•
Atenção selectiva
Este é um tipo de bias que ignora informação não relevante quando a nossa mente se
concentra numa actividade particular.
Numa experiência executada por Christopher Chabris e Daniel Simons colocou-se um grupo
de pessoas usando camisolas pretas e camisolas brancas a passar a bola duns para os
outros. Este vídeo foi mostrado ao público e pedia-se que se tomasse atenção quantas vezes
o grupo das camisolas pretas passava a bola para os seus colegas. O público concentrou-se
a contar o número de vezes que a bola foi atirada de uns para os outros. No final do filme
perguntou-se ao público se tinham visto o gorila. A maior parte das pessoas perguntou, “qual
gorila?” A certa altura do filme aparece uma pessoa vestida num fato de gorila a fazer umas
macacadas no meio do jogo, mas as pessoas que observam o vídeo estão tão concentradas
a contar os números de passes da bola, que acabam por ignorar o gorila. A sua atenção
selectiva não detectou a anomalia.
• Efeito tendencioso das convicções enviesadas
Este é um erro que surge quando se avalia a validade da conclusão dum argumento. Essa
avaliação é influenciada por aquilo em que se acredita e a conclusão é aceite ou rejeitada de
acordo com essas crenças pré-existentes. A aceitação da conclusão depende se ela é ou não
consistente com os conhecimentos adquiridos daquilo que se aprendeu durante a vida. Assim
168
a decisão de aceitar a conclusão dum argumento depende do facto dessa conclusão ser ou
não fácil de acreditar mais do que da lógica do argumento.
Aquela história sobre o pessimista que vê o copo meio vazio e para o optimista está meio
cheio, é um bom exemplo de como atitudes mentais podem influenciar a forma como se
interpreta uma afirmação neutra.
Este fenómeno é frequente nos jogadores de azar que têm uma tendência a focar nos
eventos com bons resultados, ignorando os maus. Esta é uma característica da mente
humana que quando é excessiva nalguns indivíduos leva ao vício do jogo.
• Confirmação enviesada
A falácia da confirmação enviesada ou bias confirmatórios é a tendência para se favorecer
informação que confirme as nossas opiniões ou hipóteses. Este bias é exibido quando as
pessoas recolhem ou interpretam informação de uma forma selectiva que favoreça o seu
ponto de vista. Também tendem a interpretar evidência ambígua de modo que suporte a sua
posição.
O efeito é mais forte quando se trata de assuntos emocionalmente carregados e crenças
profundamente enraizadas. Por exemplo, as pessoas geralmente preferem ler sobre assuntos
de actualidade política seleccionam fontes (jornais ou artigos) que confirmam e são
concordantes com as suas atitudes e princípios políticos. Quando se deparam com evidência
pouco clara ou ambígua, tendem a interpretar essa informação como suporte das suas
convicções.
Esta tendência é particularmente importante na ciência. Como já se viu, o método científico
requer a formulação duma teoria, da qual se formulam hipóteses, para as quais procuramos
evidência ou factos que as confirmem ou refutem. A procura de casos estudo e observação
de factos consistentes com a hipótese é um factor importante para dar suporte à indução da
conclusão, mas a constante procura de evidencia que possa refutar a hipótese é ainda mais
importante. No método científico um processo não pode existir sem ou outro. Como já vimos,
o filósofo David Hume foi o primeiro a criticar o método proposto por Francis Bacon que se
baseava essencialmente na procura de confirmação.
Encaixando os factos na teoria
Válido
Inválido
Modus
ponens
A->B
A
B
A->B
~A
~B
Modus
tolens
A->B
~B
~A
A->B
B
A
Muitos cientistas têm a tendência para procurar informação
confirmatória sem se aperceberem que estão esquecendo
a necessidade de procurar refutações. Quando fazem isto
diz-se que estão a tentar “fazer os factos encaixar na
teoria” o que pode ser uma forma de tentar afirmar o
consequente. Como já vimos na secção sobre raciocínio
dedutivo encaixar os factos na teoria é a forma inválida do
argumento Modus tollens.
Este processo de manipular a evidência para se adaptar à teoria ocorre com uma certa
frequência no mundo da investigação. Nem sempre os investigadores notam que são
simplesmente vítimas da forma natural como a mente funciona, mas por vezes esta
manipulação é feita com consciência de desonestidade a fim de provar o seu ponto de vista.
Por exemplo, defensores do criacionismo clamam que a Terra tem 6000 anos e que Deus
colocou todos os animais ao mesmo tempo no planeta na sua forma actual, negando a teoria
da evolução. Os cientistas têm evidência de evolução nos fósseis encontrados nos estratos
geológicos e por métodos de análise de Carbono 14 pode se identificar as datas desses
169
estratos como tendo milhões de anos. Quando se pede aos criacionistas para justificar a
presença destes fósseis nos estratos geológicos (justificar a evidência) eles dizem que esses
fósseis foram lá colocados por Deus para testar a nossa fé. Isto é; eles adaptaram a evidência
à teoria do criacionismo.
Clarividência
Quando uma pessoa vai a uma vidente, já vai com
uma atitude para aceitar o que seja que a vidente
diga e tentará encaixar o que é dito naquilo que é
esperado. A vidente faz um tipo de discurso
conhecido como “leitura fria”, que consiste em fazer
várias afirmações aleatórias ao mesmo tempo que
presta
atenção
aos
pequenos
sinais
comportamentais da cliente para ver se ela expressa
comportamentos afirmativos ou discordantes.
A expressão “leitura fria” é geralmente entendida na gíria como “atirar o barro à parede para
ver se pega”. Por exemplo a vidente poderá dizer, “um parente seu que morreu…”. A maioria
das pessoas vivas tem um parente que morreu. O movimento demonstrado pelo mais minuto
balançar da cabeça e da expressão do rosto, indica se o cliente está a pensar em alguém que
reconhece. Deste modo a vidente baseia-se num tipo de estatística intuitiva de observação de
sinais comportamentais.
Por exemplo uma mulher de meia-idade com uma aliança no dedo, gorda e desleixada vem
consultar a vidente for motivos de relações amorosas. Existe uma grande probabilidade que
esta mulher é casada, tem problemas conjugais, o marido ou ela perdeu o interesse no sexo e
existe outra pessoa afectando a relação. A vidente vai atirando sugestões, acertando em
algumas e errando noutras, mas a cliente apenas presta atenção às sugestões que
acertaram.
Provavelmente a vidente deu mais sugestões erradas do que certas, mas o efeito da
relevância actuando sobre esta consulta, faz com que a cliente não note o número de coisas
erradas. A cliente quer acreditar no que a vidente lhe diz. Não lhe ocorre questionar-se, se a
vidente sabe tudo, porque ela erra umas vezes e acerta outras? Isto é inconsistente para
alguém que clama saber o que se passa.
A “leitura fria” é uma forma de “adivinhação” que através de várias tentativas acaba acertando
nos assuntos que preocupam a cliente. É como atirar dardos a um alvo onde a maioria cai
fora do alvo e alguns caem dentro. Á medida que o atirar das questões recebe confirmação
da cliente, a vidente aproxima-se cada vez mais do fulcro da questão.
Quando as pessoas são cépticas e não reagem aos comentários da vidente evitando
quaisquer sinais de concordância ou discordância com o que ela está a dizer, a vidente,
desprovida de dicas comportamentais não tem como “ler” o cliente tenta arranjar explicações
“ad-hoc” do tipo “ o meu guia não está aqui hoje”, ou acusa a cliente de não acreditar na
clarividência e que isso afecta a sua capacidade de “ouvir as vozes dos espíritos” que com ela
comunicam. O Efeito de Forer, já explicado é também decorrente neste tipo de leitura.
Qualquer frase por mais vaga que seja pode ser encaixada naquilo que o cliente deseja ouvir.
Horóscopos e Astrologia
A astrologia é outra forma de confirmação viciada onde a pessoa lê coisas vagas relativas ao
seu signo e tenta fazer com que esses factos encaixem naquilo que faz sentido para ela.
170
A descrição astrológica de personalidades também se enquadra no já descrito Efeito de
Forer. As pessoas apenas notam as descrições que são mais próximas daquilo que define a
sua personalidade, e ignoram as descrições não adequadas ou que não gostam. A maioria
destas descrições é tão vaga e comum que é difícil pensar que alguém as possa rejeitar.
Ninguém rejeita uma descrição da sua personalidade como sendo “uma pessoa inteligente,
agradável, por vezes um pouco teimosa, gosta de comprar coisas boas e de dar presentes
aos seus amigos...” tudo isto são banalidades que se aplicam a toda a gente. Quem se iria
identificar com uma descrição do tipo; “as pessoas nascidas sob este signo são umas burras
idiotas, que não têm jeito nenhum para coisas práticas, nem sabem pregar um prego e são
duma antipatia tão forte que o melhor é estar longe deles”?
28.2.2. Confirmação da expectativa: Ver o que se espera ver
• Expectativas enviesadas
Este tipo de bias pode ocorrer no seio investigadores que ao realizarem certas experiências,
esperam um certo resultado. Em ciência, este erro é conhecido como bias do investigador e
reflecte uma tendência para publicar e difundir informação que coincide com as suas
convicções ao mesmo tempo que ignora a informação e dados que entram em conflito com as
suas expectativas. Quando as nossas expectativas influenciam a nossa percepção denominase percepção selectiva.
•
Congruência ou Coerência Enviesada
Este é um tipo de erro que deriva da tendência que as pessoas têm para fazer testes directos,
em vez de testar alternativas possíveis. Por exemplo: um sujeito está perante dois botões e é
instruído que o pressionar de apenas um desses botões (mas não o outro) irá abrir uma porta.
O sujeito então cria a hipótese de que apenas o botão da esquerda abre a porta. O teste
directo seria pressionar o botão que concorda com a sua hipótese, neste caso o botão
esquerdo. Um teste indirecto seria, acreditando que apenas o botão da esquerda abre a porta,
o sujeito pressiona o botão da direita para confirmar que ele de facto não abre a porta. O teste
indirecto é tão válido quanto o teste directo, porque se o teste indirecto é negativo (isto é,
pressionar o botão da direita não abre a porta), ele confirma a hipótese original do sujeito que
assumia que o botão do lado esquerdo era aquele que abria a porta.
Sabendo agora o conceito de teste directo e indirecto, podemos dar um exemplo mais
complexo para explicar a ocorrência de congruência enviesada. O exemplo clássico foi
sugerido por Wason (1960, 1968)
O Problemas das Cartas de Wason
Estas cartas foram retiradas dum baralho onde um lado tem
letras e do outro tem números. Wason diz que cada carta
que tenha uma vogal num lado, tem um número par no
outro.
Q1: Qual é o número mínimo de cartas que tenho de virar para ver se o que ele disse é
verdade?
Q2: Quais a cartas que eu tenho que virar para vêr se o que ele disse é falso?
171
Como resolver este problema? Primeiro vamos ver o que diz a regra: “Uma vogal vem
sempre com um número par”. Eu quero ver se esta regra é verdadeira. O senhor Wason pode
estar a mentir.
Se eu virar a carta A posso encontrar um número par ou ímpar. E o mesmo pode acontecer
com a carta B.
Se eu virar o número 4, posso ter uma vogal ou uma consoante. O mesmo acontence com a
carta 7. Eu posso saber a resposta virando apenas 2 cartas! Quais são?
Existe uma tendência para as pessoas virarem a carta par (número 4) e a vogal (A). Isto
acontece porque elas erróneamente assumem que a proposição que estão a testar é a
seguinte: “ se a carta tem um numero par num lado, então não pode ter uma consoante do
outro”, mas esta não é a regra que estamos tentando confirmar. A carta B também pode ter
um número par do outro lado. E a carta A podia ter um número ímpar. Neste estágio não
sabemos. Então virando apenas duas cartas as opções totais são as seguintes:
4
7
A
A&4
A&7
B
B&4
B&7
Mas seu eu escolher as cartas 7 e A esta escolha permite-me falsificar a regra. Isto é; eu não
quero confirmar que atrás da A está um número par! Eu quero ver se existe alguma
circunstância onde eu posso encontrar uma vogal atrás dum número ímpar (7). Se eu
encontrar uma vogal atrás do número 7 falsifiquei a regra e logo posso dizer,que o senhor
Wason disse uma mentira, isto é; a regra é falsa. Mas se eu encontrar uma consoante atrás
do 7 só preciso de confirmar se vou encontrar um número ímpar (7) atrás do A. Se eu
encontrar um número ímpar falsifiquei a regra. O segredo é ver se a regra é falsa e não se é
verdadeira.
A regra diz : “Se par então vogal” então eu devo testar a opção “se par então consoante” é
falsa. As áreas sombreadas e azul são aquelas que testam a falsidade da proposição.
4
7
A
A&4
A&7
B
B&4
B&7
É por isso que no método científico a nossa intenção é falsificar a hipótese nula e não
porcurar a sua confirmação.
O nosso cérebro funciona de modo a procuramos confirmação e não rejeição. Por isso este
exercíco nos parece ser contra-intuitivo. Esta tendência para procurar a confirmação de algo,
chama-se bias confirmatória e é a causa de muitos erros de raciocínio.
172
Mesmo que eu tenha um baralho de 42 cartas , basta
virar apenas duas cartas para testar a regra, mas essas
cartas têm que ser sempre vogal+ímpar
ou
consoante+par.
Neste exemplo qualquer combinação de duas cartas
vogal+ímpar ou consoante+par serve para testar se a
regra é verdadeira ou falsa.
A+7; A+3; E+7; E+3 ou B+4; B+2; C+4; C+2
Outra versão do mesmo problema
Vamos agora ver o mesmo problema mas substituindo as cartas por “cerveja”, “cola”, 16 e 22
anos.
A nova regra diz o seguinte: “se uma pessoa bebe cerveja, então deve ter mais que 19 anos
de idade”
Q: Quantas e quais cartas devo virar para ver se esta regra é verdadeira ou falsa?
Vamos tentar falsificar a regra e não confirmá-la. Virando as cartas 16 mais a carta da cerveja
(ou cola + 22) posso falsificar a regra, mas nunca (a) cola+16 ou (b) cerveja+22 porque a
opção (a) nada me diz sobre o que poderei encontrar atrás da carta 22 e opção (b) nada me
diz do que poderei encontrar atrás da carta 16.A maioria das pessoas consegue ver que
escolhendo as carta 22 e cola é irrelevante.
Reiterando; o objectivo destes dois exercícios é determinar se a proposição é falsa e não
confirmar que é verdadeira.
Wason sugeriu que esta dificuldade dos sujeitos testados em considerar a hipótese alternativa
está na raiz da congruência enviesada. Os sujeitos usaram um tipo de heurística, ou regra
geral, pensando apenas em formas de provar que a hipótese era verdadeira esquecendo que
a alternativa seria provar se a hipótese era falsa.
A fim de se evitar cair na armadilha da congruência enviesada sugere-se que, como regra
geral se pergunte “Qual é a probabilidade de obter uma resposta positiva (um sim) se a minha
hipótese for falsa?”.
Vejamos outro exemplo de congruência enviesada. Um médico ao tentar diagnosticar uma
apendicite mandou o paciente fazer um teste de sangue a fim de avaliar o número de
leucócitos. Mesmo que o teste venha com um alto teor de leucócitos, esta contagem não
contribui com nenhuma informação útil, pois um alto número de leucócitos está associado
com uma série de outras infecções e não serve para confirmar a ocorrência de apendicite.
173
• Teorias fatalistas
Uma teoria fatalista é uma forma de previsão directa ou indirecta que induz que algo aconteça
de forma a confirmar essa previsão. Por exemplo, quando Maria começou a acreditar que o
seu casamento estava à beira da rotura, esse receio causou o insucesso do casamento. Uma
teoria fatalística começa com um pressuposto que é falso no momento da sua formulação
levando à adopção de comportamentos que o tornam verdadeiro. Este erro é perpetuado
porque o profeta cita o estado da situação actual como prova de que ele estava certo desde o
início.
• Ignorar informação relevante
Já vimos que quando uma pessoa já decidiu não acreditar em algo, tem uma tendência para
seleccionar evidência que confirma as sua crenças e opiniões, mas também tenta ignorar e
refutar informação e evidência que ponha em causa os seus pontos de vista.
“Se se oferecerem a um homem factos que vão contra os seus
instintos, ele irá analisá-los com escrutínio cuidadoso e a menos
que haja evidência esmagadora, a sua tendência é rejeitá-los.
Por outro lado, se se oferece algo que lhe dê razoes para actuar
de acordo com os seus instintos, ele irá aceitá-las mesmo na
base da evidência mais dúbia. É assim que se explica a origem
dos mitos” - Bertrand Russel (1872-1970)
•
Raciocínio enviesado devido a erros de memória
O modo como nos lembramos das coisas que nos aconteceram afectam as nossas crenças
e juízos, assim existem vários tipos de falácias que dependem da nossa memória. Dentro da
classe de falácias induzida por factores de memória temos a considerar o efeito de saliência
e o efeito da recência.
Efeito de saliência
A saliência duma coisa é a qualidade pela qual essa coisa se destaca das coisas vizinhas e
porque a coisa se destaca então é mais fácil captar a nossa atenção. Sob o ponto de vista
evolutivo, esta atenção ao destaque é importante para a nossa sobrevivência, porque grava
na nossa memória experiências positivas e negativas; por exemplo coisas que podem ser
particularmente saborosas para comer e nos satisfazem a fome, ou terrivelmente amargas
que poderão ter veneno e nos deixar muito mal. Os comportamentos de outros indivíduos que
se destacam da norma, também são importantes para a nossa memória. Da próxima vez que
encontrarmos esse indivíduo podemos decidir nos afastar ou aproximar pois tais
comportamentos podem resultar em agressão ou cooperação.
A saliência surge do contraste entre coisas e o meio em que elas estão inseridas e porque
atraem a nossa atenção, são mais fáceis de ser lembradas no futuro estando mais
prontamente acessíveis à nossa memória; assim quando defendemos ou refutamos um
argumento, frequentemente nos baseamos em memórias de eventos que foram mais
salientes que outros.
174
Por exemplo, quase toda a gente se lembra da queda das Torres Gémeas em Nova Iorque
quando foram atacadas por aviões pilotados por fanáticos suicidas. Desde então a
impressa têm dado grande atenção às mortes por ataques suicidas, mas de facto essas
mortes são um número insignificante em relação ao numero de mortos por ano causados
por acidentes de automóveis. Esses acidentes, por serem frequentes deixaram de ter um
aspecto saliente e são ignorados pela nossa memória.
Sempre que há ataques de cães que causam acidentes mortais, a imprensa parece ter
uma interesse particular em reportar ataques por pitbulls levando as pessoas a pensar que
só estes cães são perigosos e a ignorar o número de pitbulls que existe e que não
atacaram ninguém. Como esses não são notados pela impressa, ficamos com a impressão
que todos os pitbulls são perigosos. O quadro seguinte mostra uma matriz que sugere
como deveremos pensar em relação ao caso dos pitbulls. Antes de formularmos uma
conclusão sobre os pobres dos pitbull devemos antes de mais ter em consideração o
número real de todos os pitbulls que atacaram pessoas e aqueles que existem e não
atacaram. Depois temos que comparar esta raça com as restantes raças de cães que
atacaram e não atacaram. Só então poderemos formular uma conclusão justa e
equilibrada.
Cães da raça Pitbull
que atacam
que não atacam
Cães
não-Pitbull
que atacam
que não atacam
Facto Saliente
Informação tratada como irrelevante
Efeito de recência
Também é normal que as pessoas se lembrem dos acontecimentos mais recentes. O
efeito de recência é uma forma de bias cognitiva onde damos demasiado importância a
observações que ocorreram recentemente em relação ao registo de todas as observações
passadas.
Por exemplo um chefe está a sofrer do efeito de recência quando avalia o desempenho de
um empregado colocando demasiada atenção no que o empregado fez nas últimas duas
semanas em vez de tomar em conta tudo aquilo que ele fez durante o ano.
O efeito da recência é uma característica bem presente na psique humana e da qual os
políticos tiram vantagem eleitoral. Sabendo que as pessoas se lembram melhor de coisas
recentes, eles guardam a execução de acções com efeitos positivos na opinião pública
para as semanas antes das eleições, levando os eleitores a esquecerem os efeitos
negativos da governação em anos anteriores.
28.3. Bias Sociais
Bias sociais são as tendências que demonstramos nas nossas atitudes e argumentação
influenciadas pelo meio que formou a nossa personalidade. Estes factores sociais incluem
interacções familiares, ideologias religiosas, filosofias, politicas e padrões morais. São ideias
que desde muito cedo penetraram a nossa mente sem nunca terem sido questionadas ou
sujeitas a uma análise crítica e objectiva. Sendo animais sociais, o nosso cérebro é equipado
para receber e armazenar informação proveniente de outros que são vistos como exemplos,
ou representativos de autoridades políticas ou ideológicas. O armazenamento desta
informação começa por ser não selectivo e aceite simplesmente em função da autoridade
175
exercida pelos nossos pais ou os anciãos e por consequência, a necessidade de integração
no grupo, faz com que os indivíduos se conformem com as ideias que definem o grupo. É fácil
de ver que a conformidade ideológica, contribui para a unidade do grupo, mas por outro lado
é um factor que estorva e dificulta a inovação e mudança. Aqueles que demonstram pontos
de conflito com a ideologia directora do grupo, são castigados e forçados a se conformarem,
ou são ostracizados. Inovação e mudança trazem incertezas para o futuro, o que pode
ameaçar a estabilidade do grupo. Os bias sociais podem categorizar-se do seguinte modo;
Acreditar no que os outros
Factores de dizem
natureza
social
Conformidade
Apelo à autoridade
Degradação informacional no processo de
transmissão
Efeito de referência
Acordo imaginário efeito do consenso inexistente
Saltar para o carro da banda
Comportamento de rebanho
Pensamento de grupo
28.3.1. Acreditar no que os outros dizem
Como já vimos mais acima, os apelos à autoridade, à popularidade e crença popular, à
tradição são exemplos de aceitação não crítica das ideias dos outros.
Degradação informacional no processo de transmissão
Quando esta autoridade se baseia em fontes remotas no tempo, existe sempre o perigo da
ocorrência de degradação da informação. Este fenómeno é exemplificado numa jogo
tradicional onde um grupo de pessoas passa informação murmurando muito rapidamente
duma para a outra a partir do originador da frase. Quando a frase inicial chega finalmente á
pessoa que lhe deu origem, frequentemente as suas palavras foram alteradas e numa
tentativa de fazer sentido da frase, o recipiente da mensagem introduz palavras novas. O
resultado final é frequentemente hilariante e quanto mais pessoas estiverem no círculo, mais
são os graus possíveis de alteração da frase inicial. Neste jogo conhecido como “Murmúrios
Chineses” podem identificar-se vários factores que influenciam a alteração da informação
original começando por uma degradação do som da palavra original e uma tentativa de
encontrar uma nova palavra com um som semelhante. Mas eventualmente essa nova palavra
não faz sentido na frase original, então numa tentativa para dar sentido contextual, altera-se
um pouco na frase.
É preciso ter em conta que se nos dispomos a acreditar naquilo que os outros dizem,
devemos tomar em consideração se a fonte de informação é primária ou secundária. Quando
nos baseamos no tipo de informação do “diz que disse”, ou quando existem muitos elementos
na cadeia de transmissão dessa informação, há sempre um risco de degradação do
conteúdo.
Por exemplo imagine que Manuela está relatando algo que ela presenciou à Paula. Paula vai
contar ao primo João que por sua vez vai contar à sua esposa Maria. Neste processo há que
ter em conta vários aspectos da mensagem mas principalmente a entonação e vivacidade
dada por Manuela podem ser alteradas no processo de transmissão entre os diversos
interlocutores ao longo da cadeia terminando com palavras divergentes com uma carga
emocional bem diferente da original.
O ouvinte capta as partes da mensagem que lhe são mais familiares, interpretando-as de
acordo com os seus próprios enviesamentos. Ao transmitir esta mensagem para outrem, ela
176
já vai deturpada pela sua interpretação, por mais esforço que ele faça para se manter fiel ao
original. Como diz o tradicional diz o provérbio; “quem conta um conto, acrescenta um ponto”.
Logo, devemos sempre manter um certo grau de cepticismo proporcional à distância entre o
originador da mensagem e o informante presente.
Antes da invenção dos registos escritos, a informação era passada por via oral, e por
consequência a mensagem foi sujeita a degradações progressivas. Em alguns casos as
palavras mudaram totalmente, mas o sentido da frase continua presente como se pode ver a
partir dos vários provérbios que existem nos países Europeus. Enquanto que em Portugal se
diz “ a galinha da vizinha, é sempre melhor do que a minha”, na Inglaterra e Dinamarca diz-se
que “a erva é sempre mais verde do outro lado da cerca”. O provérbio português “mais vale
um pássaro na mão do que dois a voar” encontra o seu semelhante na Inglaterra que diz
“mais vale um pássaro na mão do que dois em cima do telhado”. Nesta frase a diferença não
é tão pronunciada como no exemplo da galinha. Por outro lado algumas frases foram
modificadas de forma a reflectir o enquadramento ecológico em que são usadas. Na
Inglaterra fala-se em “matar dois pássaros com uma pedra” em Portugal “matam-se dois
coelhos com uma cajadada”. Provavelmente a primeira frase vem de tempos onde ainda não
se tinha inventado o cajado, enquanto que a segunda frase reflecte a existência duma
ferramenta que remonta a tempos pastoris.
Um dos grandes problemas dos bias sociais é a sua aceitação sem criticismo justificada pela
falácia da tradição. Este argumento tem sido causa de muitas injustiças, crueldade e violência
contra humanos, animais e o próprio ecossistema.
• Apelo à autoridade
A avaliação cuidada de cada argumento de acordo com os métodos sugeridos até agora é um
processo moroso que requer muita prática e energia. Nem sempre estamos dispostos a
prestar a nossa atenção a cada detalhe do argumento, por vezes deixamos que os outros
tomem decisões por nós e simplesmente “vamos na onda” porque não estamos dispostos a
pensar ou porque não temos o traquejo necessário para avaliar a validade e consistência
desses argumentos. Assim limitamo-nos a aceitar os outros dizem sem muito escrutínio
crítico. Como já vimos o apelo à autoridade pode ser um factor que nos influencia na nossa
aceitação ou rejeição desses argumentos. Se alguém me tenta convencer que no universo
existem ondas polarizadas que se propagam num éter, eu não posso avaliar a plausibilidade
dessa conclusão porque o assunto não é de meu conhecimento, assim limito-me a aceitar a
proposição se ela vier de alguém que é visto pelo mundo científico e especialmente os seus
pares, como uma autoridade no assunto que se pronuncia sobre algo que sabe. Estas
pessoas são consideradas peritos pela sociedade. Neste caso não há nada de errado em
aceitar o apelo à autoridade, mas se a pessoa que me tenta convencer do mesmo argumento
for um especialista em construção de pontes não tenho muitas razões para acreditar nele e
neste caso se eu aceitar o argumento posso eventualmente estar a ser convencida de algo
que eu não posso avaliar.
177
28.3.2. Conformidade
Quando as pessoas querem pertencer a um grupo e adoptam essas ideias sem qualquer
avaliação analítica, elas cometem o bias da conformidade. As pessoas têm uma tendência
para dar tratamento especial aos elementos de dentro do grupo enquanto excluem desse
tratamento elementos de fora do grupo. A conformidade pode levar a várias formas de
descriminação social. Dentro da classe de falácias de conformidade podemos encontrar o
seguinte:
• Acordo imaginário e o efeito do falso consenso
O que é que você acha que eu estou a pensar?
Aquilo em que acreditamos é fortemente influenciado por aquilo que a gente crê que os outros
acreditam, mas frequentemente exageramos a similaridade entre as nossas crenças e as
crenças dos outros. Esta ilusão leva-nos a pensar que as nossas crenças têm mais suporte
social do que na realidade e isso torna difícil livrarmo-nos de nossas crenças por causa da
nossa dificuldade em estimar o nível de suporte social que elas gozam. Este fenómeno
contribui para a conservação de crenças falsas ou erróneas. A nossa mente acomoda uma
ideia falsa de que existe um consenso entre aquilo em que acreditamos e aquilo em que os
outros acreditam.
Aquilo em que acreditamos é influenciado por aquilo que os outros, que nos são próximos e
nos cercam, acreditam e por causa disto, frequentemente pensamos que as nossas
convicções são também compartilhadas pelos outros levando-nos a pensar que temos mais
suporte do que na realidade existe. Por causa disto as nossas convicções são mais difíceis de
resistir à mudança. Logo, a nossa dificuldade em estimar o que as outras pessoas pensam, é
um factor importante na manutenção de crenças e convicções que podem estar erradas. Este
fenómeno é conhecido como o efeito do consenso inexistente.
Em 2014 David Cameron (o Primeiro Ministro do Reino Unido) afirmou num discurso público
que a Inglaterra era um país cristão. Esta proposição foi imediatamente contestada pela
Associação Humanista Britânica chamando a atenção para o censos do ano anterior onde
constava que 42% da população declarou não ter qualquer afiliação religiosa e os restantes
58% incluíam os Cristãos, Muçulmanos, Hindus, Sikhs e outras religiões de menor
representatividade, logo comprimindo os Cristãos em muito menos de 50%. David Cameron
cometeu a falácia indutiva da generalização precipitada. Esta falácia ocorreu porque ele
assumiu falsamente que havia um consenso sobre afiliação religiosa entre os Britânicos. O
Primeiro-ministro sendo Cristão e Inglês assumiu que a maioria dos Britânicos seriam
Cristãos.
• Comportamento de rebanho
Uma outra tendência comportamental que leva à formação de argumentos enviesados é o
“comportamento de rebanho ou de manada” onde os indivíduos dum grupo agem de forma
uniforme mas sem uma direcção planeada. Este termo é uma analogia com o comportamento
dos animais que vivem em grandes grupos tipo manadas, rebanhos, cardumes, e aplica-se a
condutas dos humanos quando cada um segue o comportamento dos outros sem qualquer
forma de planeamento. Casos destes podem ver-se durante actividades da bolsa, quando o
mercado tem bolhas, do tipo da bolha dos dot.com durante os anos noventa, quando houve
um investimento inflacionado e irrealista nas empresas que tiravam partido da Internet. O
mesmo tipo de comportamento também é visível quando há quedas das acções da bolsa e
toda a gente corre para vender levando a uma crise económica ainda mais aguda.
178
O comportamento de rebanho é prevalente nas manifestações de rua, greves gerais,
ajuntamentos religiosos, eventos desportivos, tumultos, episódios de violência e em tomada
de decisão e formação de opinião.
• Saltar para o carro da banda
O nome deste bias deriva da analogia de quando passa o carro com a banda a tocar toda a
gente quer saltar para o carro e juntar-se à festa. Na prática a metáfora ilustra uma forma
especial de pensamento de grupo e sugere que as pessoas têm uma tendência em acreditar
em certais coisas, porque muita gente acredita no mesmo. Este efeito prediz que, como regra
geral, a tendência individual para abraçar uma crença ou uma opinião aumenta e é
directamente proporcional ao número de indivíduos que já adoptaram esses pontos de vista.
Quanto mais gente acreditar num fenómeno, mais os outros querem “saltar para o carro da
banda” independentemente se há evidência ou não. Esta tendência tem sido demonstrada em
vários testes experimentais, entre os quais o teste de conformidade de Asch é um dos mais
conhecidos.
Experiências de conformidade de Asch
Este teste demonstra quanto as opiniões dum individuo podem ser influenciadas pelas
opiniões do grupo.
Cada pessoa a ser testada (o alvo) foi colocada numa sala com mais 7
participantes sem saber que estas pessoas eram de facto actores.
Cada participante tinha que analisar uma figura com 3 linhas e depois
comparar com um cartão contendo uma só linha. A questão era a
seguinte: Qual das linhas (A, B ou C) é do mesmo comprimento que a
linha não identificada do cartão?
Antes dos testes, os sete actores foram instruídos para dar as respostas duma forma
consistente. A ordem das respostas seguiu um esquema tal, em que o individuo a ser testado
era sempre o último a responder. Nos primeiros dois testes todos os participantes deram a
resposta correcta o que colocou o individuo testado numa posição confortável para responder
o que ele assumia ser correcto, mas no terceiro teste, onde eram dadas novas linhas, os
actores deram consistentemente a resposta errada, colocando o participante do teste numa
posição desconfortável. O objectivo desta experiência era ver se agora o sujeito testado (o
alvo) daria a resposta que ele considerava correcta ou a resposta oferecida pelos outros (os
actores).
De todos os indivíduos testados 75% dos participantes testados deram uma resposta
incorrecta enquanto que 25% nunca deram uma resposta incorrecta. Isto é, aqueles com uma
tendência mais conformista deram a mesma resposta que o resto do grupo ignorando a
evidência providenciada pela sua própria observação. Os sujeitos mais independentes eram
consistentes com a sua opinião e ofereceram as respostas correctas. Este teste sugere que a
força da influência do grupo leva o indivíduo a questionar a correcção das suas convicções
mesmo quando a pressão do grupo o induz a assumir uma posição que é claramente errada.
• Pensamento de grupo
O pensamento de grupo é um fenómeno psicológico que ocorre dentro dum grupo de pessoas
onde o desejo de harmonia ou conformidade resulta em tomadas de decisão com resultados
incorrectos, inconvenientes ou mesmos desastrosos. Os membros do grupo tentam minimizar
conflitos e obter um consenso nas decisões sem avaliação critica ou consideração de ideias
179
alternativas levando o grupo a um isolamento de influências externas. A lealdade ao grupo
requer que os indivíduos evitem levantar assuntos controversos, ou soluções alternativas
resultando numa perda de criatividade, individualidade e pensamento independente. Esta é
uma dinâmica de grupo disfuncional que produz uma ilusão de invulnerabilidade e força que
empresta uma certeza inflacionada sobre a correcção das decisões tomadas. Esta atitude dá
supremacia às opiniões intra-grupo (dentro do grupo) subestimando a força dos grupos
exteriores ou oponentes. Este tipo de pensamento de grupo é uma característica dos cultos
religiosos e sociedades secretas.
• Efeito de Semmelweis
A tendência para rejeitar nova evidência ou informação que contradiz as normas, crenças e
paradigmas estabelecidos.
Este termo tem origem na história do médico Ignaz Semmelweis (1818-1865), que descobriu
que a taxa de mortalidade das mulheres que sofriam de infecções após darem à luz, podia ser
reduzida 10 vezes quando as mãos das parteiras ou médicos assistindo o parto eram lavadas
com uma preparação baseada em lixivia entre cada paciente e especialmente depois duma
autopsia. A decisão de lavar as mãos diminuiu a contaminação entre pacientes, mas a sua
sugestão foi rejeitada pelos seus colegas. As justificações para tal rejeição não tinham
qualquer base médica. Por exemplo alguns médicos acreditavam que as mãos dum
“cavalheiro” não poderiam transmitir doenças. Nesta altura as descobertas de Louis Pasteur
sobre a vacinação e pasteurização ainda não eram conhecidas, mas teorias sobre o papel de
germes na indução de doenças já tinham sido propostas em meados do século 16.
Exemplos desta tendência para rejeitar ideias inovadoras existem em toda a história da
ciência e são ainda frequentes no presente. O filósofo Thomas Kunh no seu livro “ A estrutura
das revoluções científicas” discute em profundidade a resistência que os cientistas oferecem
quando novas teorias são propostas. De acordo com Kuhn essa tendência pode ser
caracterizada por dois opostos. Por um lado os cientistas exercem alguma precaução ao
abraçar ideias novas requisitando mais evidência, mas por outro lado, estão fechados a ideias
que sendo revolucionárias, podem contribuir para uma visão diferente dum problema, levando
à descoberta de soluções que eram impossíveis sob a moldura do conhecimento anterior.
Kuhn diz que quando certas ideias revolucionam totalmente o campo científico duma
determinada área estamos em presença duma “mudança de paradigma”. Essa mudança só
ocorre quando uma nova geração de cientistas abraça essas ideias revolucionárias. Abraçar
um novo paradigma é uma atitude difícil para aqueles que foram treinados dentro de
determinados conceitos. Esses conceitos são interiorizados e tomados como axiomas,
verdades inquestionáveis, fazendo com que esses cientistas se fechem nas suas crenças,
evitando uma dolorosa aceitação de que estavam errados durante todos esses anos. Isto
acontece porque os cientistas são pessoas normais, com cérebros humanos que funcionam
como os cérebros de toda a gente. Quando uma crença é ameaçada de ser derrubada por
novas ideias, o nosso primeiro instinto é proteger essa crença rejeitando a novidade.
28.3.3. Outros bias sociais
A lista seguinte oferece alguns exemplos de bias sociais interessantes:
•
•
Bias de homogeneidade extra-grupo (fora do grupo): A tendência para imaginar que
existe mais variedade dentro do nosso grupo e que os grupos externos são mais
homogéneos.
Bias de projecção: A tendência para assumir que outros que estão perto de nós
compartilham dos nossos estados emocionais presentes.
180
•
•
•
Bias do erro de atribuição: A tendência de imaginar que as pessoas que acabamos de
conhecer compartilham das nossas opiniões e valores.
Bias de superioridade: A tendência de imaginar que o nosso grupo é superior a todos
os outros. Isto é bem expresso nas religiões com raízes Abraâmicas (Judaísmo,
Cristianismo, Islamismo) e em classes sociais que se acham superiores ao resto da
população, como por exemplo a aristocracia ou as pessoas mais ricas. Neste caso o
bias de superioridade é geralmente referido como snobismo.
Bias do auto-interesse: a tendência para clamar mais responsabilidade pelo sucesso
duma empresa do que pelo fracasso. Este bias também se manifesta como a
tendência de algumas pessoas avaliarem informação que é ambígua de forma que
seja sirva os seus próprios interesses.
28.4. A importância do bias nas nossas decisões
A noção de bias cognitivos foi introduzida em 1972 pelos pesquisadores Amos Tversky e
Daniel Kahnemam, que investigaram a influência das nossas tendências nas decisões que
tomamos. Quando tomamos consciência dos truques que a nossa mente nos prega, é mais
fácil protegermo-nos desses instintos e da manipulação mental exercida sobre nós, por outros
especialmente. Essa manipulação tem efeitos importantes nos nossos hábitos como
consumidores. Uma das técnicas de marketing mais usadas consiste no “efeito do engodo”.
Este efeito é melhor compreendido com um exemplo.
Imagine que você quer comprar um mp3 player entra numa loja e vê três modelos das marcas
A, B e C. Cada modelo tem um preço e uma capacidade de memória diferente. Na loja os
modelos são apresentados do seguinte modo:
Modelo A
€400
30 GB
Preço
Capacidade
Modelo B
€300
20 GB
Neste formato alguns consumidores preferem a opção A por causa da capacidade, outros
preferem a opção B por causa do preço. Mas veja o seguinte formato:
Preço
Capacidade
Modelo A
€400
30 GB
Modelo B
€300
20 GB
Modelo C
€450
25 GB
Ao introduzir o modelo C, que é o menos económico, o consumidor é levado a preferir o
modelo A pois por um preço menor pode adquiri mais capacidade, ignorando o modelo B que
é o mais barato de todos. O modelo A passa a ser a opção dominante devido ao efeito da
presença do modelo C que é de facto um truque introduzido, ou um mecanismo de diversão
ou engodo para levar os consumidores a comprar o modelo A.
181
Capítulo 29: PROPAGANDA e RETÓRICA
Até aqui vimos como construir argumentos fortes e como identificar falhas na sua construção.
Esta secção foca nos métodos usados para influenciar opiniões. Frequentemente estes
métodos não se preocupam com o rigor ou validade do argumento, mas simplesmente se
preocupam em utilizar todos os mecanismos possíveis para levar as pessoas a concordar ou
a fazer o que se pretende delas.
29.1. Propaganda
A propagada é uma forma de comunicação direccionada a influenciar a atitude duma
população em favor duma causa ou posição. Este termo começou a ter conotações
pejorativas em meados do século 19 quando começou a ser usado na esfera política. Antes
era apenas um termo neutro que significava propagar informação. Hoje significa que é
informação tendenciosa, parcial, usada especialmente para influenciar uma audiência
apresentando factos cuidadosamente seleccionados e eventualmente mentindo por omissão.
O objectivo da propaganda é produzir respostas emocionais, em vez de racionais e este tipo
de comunicação é frequentemente usado em “guerras ideológicas”. Frequentemente a
propaganda política usa falácias do tipo ad hominen e várias falácias baseadas em apelos.
“Os relatos dum homem estúpido sobre o que um homem inteligente disse nunca
podem ser precisos, porque ele inconscientemente traduz o que ele ouviu em algo
que ele possa entender.” - Bertrand Russel
29.2. Retórica
A palavra retórica deriva do grego rhetor que significa pessoa que fala em público, palestrante
ou orador. Daqui se originou também a palavra reitor.
Retórica refere-se à arte de discursar em público com o intuito de influenciar a opinião dos
ouvintes. Tem como objectivo informar, persuadir ou motivar audiências em situações
específicas. Por exemplo na altura das eleições os políticos usam grandes quantidades de
retórica para motivar o público a votar neles.
Retórica é uma especialidade da filosofia e Aristóteles considerava que era um complemento
da lógica e politica.
Desde a Grécia Antiga até ao século 19, a retórica foi central na educação ocidental, e parte
importante no treino de oradores e escritores para mover audiências a tomar acção com base
nos argumentos apresentados.
Na retórica a principal preocupação é como usar a palavra e linguagem efectivamente e não
se o argumento é forte, válido ou consistente. Por isso a retórica usa de vários mecanismos
persuasivos que são frequentemente falaciosos.
Os instrumentos do discurso retórico apelam às características da mente humana usando
frases e ideias que são fácies de aceitar pelo nosso sistema cognitivo. Deste modo pode
182
influenciar comportamentos ao nível do subconsciente sem nos apercebermos de que
estamos sendo convencidos.
O pensamento crítico ajuda-nos a identificar quando os instrumentos linguísticos retóricos
estão sendo usados e oferece protecção intelectual contra argumentos fracos ou inválidos.
Assim a análise dum discurso retórico com um olhar crítico ajuda a identificar o seguinte:
•
•
Ajuda a identificar se o discurso é persuasivo que não contém um argumento
Ajuda a fiscalizar as nossas convicções “espontâneas” e os nosso impulsos.
Como descreve o filósofo Carlos Naconecy no seu livro sobre ética e animais, “ qualquer
afirmação teórica ou questão de interesse apresentada à discussão se chama “tese”. Em
retórica, o destinatário do discurso (qualquer comunicação linguística, oral ou escrita) é
chamado de “auditório”, que pode ser uma multidão, um grupo, um individuo, ou mesmo um
ser racional ideal ou hipotético. A retórica trata precisamente da eficácia persuasiva sobre
uma plateia em particular.” (Naconecy, 2006)
29.3.Diferença entre propaganda e retórica
Tanto a propaganda como a retórica são estratégias para convencer as pessoas a fazer
aquilo que o orador quer, mas enquanto que a retórica pode usar argumentos recorrendo a
vários estratagemas de linguagem, a propaganda pode levar à promoção de ideias falsas
para desacreditar os argumentos do oponente.
Propaganda
Retórica
Comando viciado
Persuasão
Comandar as pessoas a tomar acções,
dizer-lhes o que fazer.
Persuadir pessoas a pensar o que se
quer e a adoptar crenças e opiniões
com o recurso a uma linguagem
influenciadora e emotiva.
Influenciar a atitude duma comunidade
para adoptar uma determinada posição
apresentando apenas um lado do
argumento e omitindo informação
relevante.
29.4. Estratagemas Retóricos
Um estratagema retórico é uma técnica que um orador, autor ou palestrante utiliza para
persuadir uma audiência com eficiência, usando palavras e frases que têm um efeito
emocional e não apelam à racionalidade nem à lógica. Estes dispositivos podem dividir-se em
categorias:
•
•
•
•
•
Dispositivos sonoros e visuais
Significados alterados
Analogias retóricas e metáforas
Dispositivos verbais
Questões retóricas
183
•
Dispositivos sonoros
Entonação
Aliteração
Assonância
Onomatopeia
•
Variações no som da linguagem falada que causam reacções emocionais.
Uso de várias palavras que começam com o mesmo som, para dar enfase.
Tenho o tempo de todo o tamanho
Odeio, olhos, obsessivos, obesos e obsoletos
Repetição de conjuntos semelhantes de vogais. e.g. Cacofonia de
caracarás.
Uso de palavras que simbolizam sons como, crack, pimba, crash, pum,
bong, ding-dong, trrriim, knock-kncok.
Dispositivos visuais
Dispositivos visuais são expressos por imagens sugestiva associadas a texto que induzem o
observador a tirar as conclusões desejadas pelo orador.
•
Visuais enganosos
Um questionário publico tinha a seguinte questão:“ baseado no que leu e ouviu sobre este
assunto, você concorda com a decisão?” Os resultados desse questionário foram
apresentados no Gráfico 1.
Gráfico 1: Percentagem das respostas afirmativas
Gráfico 2: Percentagem das respostas afirmativas
Mas note que os resultados do gráfico 2 são os mesmos só que a escala do eixo dos X é
apresentada de 0 a 100 enquanto que no gráfico 1 a escala vai de 53 a 63 dando a impressão
que a diferença entre os resultados dos democratas é muito maior em relação aos outros dois
grupos. No gráfico 2 essa diferença não aparenta tão significativa.
A forma como se apresentam visuais pode influenciar significativamente as opiniões das
pessoas.
•
Estatísticas enganosas
“O uso de cocaína em jovens dos 12 aos 17 anos de idade aumentou 166% entre 1992 e
1995”. Este número parece ser alarmante, no entanto a realidade é que em 1992 apenas 0.3
% desse grupo usava cocaína e em 1995 aumentou para 0.8% , ainda um valor muito baixo.
Mas dizer 166% cria mais impacto do que dizer que houve um aumento de uso de 0,3% para
0,8%.
184
O uso de estatísticas questionáveis é frequente na publicidade para dar a impressão de que
existe algum tipo de evidência científica para suportar a afirmação que se faz sobre esse
produto. Frequentemente essas estatísticas aparecem acopladas com o nome de algum
ingrediente misterioso.
Exemplos:
• “O Pão Fantástico ajuda na formação de corpos saudáveis de 12 maneiras”
• “Limpa Fácil tem 33% mais poder de limpeza que qualquer outra marca popular”
• “Certs contém 2% de gotas milagrosas Retsina“
• “Presto, com 50 vezes mais glutões”
• Analogias retóricas e comparações enganosas
Nestas analogias comparam-se duas coisas sem qualquer relação para as fazer parecer
melhor ou pior. Exemplo duma analogia retórica: “Uma mulher precisa dum homem, como um
peixe precisa duma bicicleta”.
Combinação
Equivocação
Combinação é uma forma de reunir dois ou mais
conceitos diferentes e tratá-los como o mesmo.
Equivocação é o uso duma palavra que pode ter
mais do que um significado e o seu uso com
esses diferentes significados dentro do mesmo
argumento pode dar origem a equívocos na
compreensão do argumento.
“A Grã-Bretanha está se tornando infeliz já que o
índice de depressão e alcoolismo estão a
crescer.
A Grã-Bretanha pode ter aumentado o seu nível
de vida nos últimos 40 anos mas não aumentou o
seu índice de felicidade.
Na verdade, medindo indicadores tais como a
depressão, o crime e o alcoolismo indicam que o
país está se tornando cada vez mais triste e
infeliz. “
O autor deste texto trata a infelicidade e a saúdo
mental como sendo o mesmo quando na
realidade são coisas diferentes.
O texto seguinte apresenta um equívoco com o
conceito de direito universal:
“É geralmente reconhecido que ter a liberdade
de escolha para ter ou não um filho, é um direito
universal (1).
É por causa disto que tantos países criticam as
políticas do Governo Chinês que permite apenas
um filho por casal.
Os casais no reino Unido que não podem ter
filhos naturalmente estão a ser privados deste
direito universal de poder escolher se querem ou
não ter filhos a não ser que eles tenham
capacidade económica para poder pagar
inseminação artificial em clinicas privadas.
Logo quando a inseminação artificial é não é
oferecida através do serviço nacional de saúde
está a violar este direito universal (2).“
Neste texto o autor confunde
Direito universal (1)=liberdade para fazer algo
Direito universal (2)=liberdade para receber algo
•
Significados alterados
Quando damos significados diferentes do que é comum para um determinada palavra.
Ironia é frequentemente usada para efeito humorístico onde se diz por palavras o
contrário daquilo que se pensa.
185
Hipérbole é uma forma extravagante de expressão que não tem como objectivo ser
aceite literalmente.
•
•
•
•
•
•
•
•
Esperei uma eternidade por este táxi
Já te disse um milhão de vezes
Estava tão frio que vi os ursos polares a usar cascos de penas
Estou com tanta fome, podia comer um cavalo
Tenho milhões de coisas para fazer
Este carro vai mais rápido que a velocidade da luz
O cérebro dele é do tamanho duma ervilha
Ela é mais velha que as colinas de Devon (que deram o nome ao Devónico, uma era da
paleontologia quando os primeiros vertebrados começaram a colonizar a terra)
Sarcasmo é uma forma de escárnio de opiniões não aceites. O sarcasmo não
apresenta qualquer argumento válido ou lógico para refutar essa opinião. É uma forma
de ataque por pessoas que não sabem usar raciocínio ou formular um argumento
convincente. Quando um opoente apresenta sarcasmo está tentado esconder a sua
ignorância e inabilidade para criar um argumento inteligente.
Ridículo. A ridicularização duma opinião, é simplesmente uma outra forma de refutar
um argumento baseado em ignorância. Tal como o sarcasmo.
Sátira. A sátira é um género literário que tem como factores comuns o uso de ironia,
sarcasmo, paródia, burlesco, exagero, justaposição, comparação, analogia e “double
entendre”. Ao escrever em forma de sátira autor finge aprovar aquilo que está a atacar.
“Riso de cavalo” é uma expressão que descreve alguém que apenas se ri da
argumentação de outrem só porque não tem a capacidade de apresentar um argumento
racional.
•
Dispositivos verbais
Eufemismos e disfemismos são palavras que substituem um termo que pode ser
desagradável de ouvir e o transforma numa coisa mais positiva ou negativa. A língua inglesa
é especialmente rica em eufemismos e os políticos são extremamente astutos na utilização
eficaz destes eufemismos.
Eufemismos
Uso duma expressão neutra ou positiva em
vez de uma que carrega associações
negativas.
•
•
•
•
Disfemismos
Uma palavra ou frase usada com o fim de
provocar efeitos negatives na atitude to
ouvinte.
Combatente da liberdade
Eutanasiar
Carro com um dono
Um jardim fácil de cuidar
•
•
•
•
Terrorista, rebelde
Matar
Carro usado
Um jardim minúsculo
O escritor George Orwell faz uma análise bem crítica desta linguagem no seu panfleto sobre
política e a língua inglesa. Veja na caixa que se segue um extracto desse texto.
A linguagem política consiste essencialmente de eufemismos, petição de princípios (implorando a
questão) e uma verdadeira imprecisão enevoada.
Aldeias indefesas são bombardeadas do ar, os seus habitantes expelidos para o campo, o gado morto
à metralhadora, as casas incendiadas com balas incendiárias: isto chama-se pacificação.
186
Milhões de camponeses são roubados de suas propriedades e enviados marchando pelas estradas
com nada mais do que o que eles podem carregar: isto chama-se transferência de população ou
rectificação de fronteiras.
Pessoas são presas durante anos sem julgamento, ou mortas a tiro no pescoço e enviadas para morrer
de escorbuto em acampamentos precários de madeira no Árctico: isto chama-se eliminação de
elementos não confiáveis.
Orwell, George (1946). Politics and the English Language (Kindle Location 191). Penguin Books Ltd.
Kindle Edition.
•
Discurso ambíguo
O discurso ambíguo ou “doublespeak”, é uma
forma muito usada pelos políticos, rica em
eufemismos, pretensiosa, bombástica e obscura
ou usando jargão esotérico para dar um ar de
prestígio, profundidade ou autoridade ao discurso
de modo a esconder realidades indesejáveis
Discurso ambíguo faz com que
•
•
•
O mau pareça bom
O negativo pareça positivo
O desagradável pareça atraente ou pelo
menos tolerável.
É uma linguagem que esconde o significado real da mensagem (se tem alguma!) e evita o
raciocínio. Veja este exemplo dum texto retirado de um despacho produzido por uma senhora
política portuguesa:
“Nenhum critério densificador do significado gradativo de tal diminuição quantitativa de
dotação e da sua relação causal como início do procedimento de requalificação no concreto e
específico orgão ou serviço resulta de previsão legal, o que abre caminho evidente à
imotivação..."
Desafia-se qualquer pessoa a traduzir isto. O mesmo desafio estende-se à frase por ela
proferida em recente entrevista:
“…Houve um inconseguimento do soft power sagrado da Europa”
Mas o discurso ambíguo também carrega implicações falsas.
Um pacote de batatas fritas tem na frente um rótulo que diz “ Sem
colesterol”, mas os ingredientes listados atrás incluem gorduras saturadas,
que são convertidas em colesterol quando são ingeridas.
De facto ao comer estas batatas não está ingerindo colesterol
directamente mas o corpo está a converter esses ácidos gordos em
colesterol.
187
• Insinuação
Insinuação é uma forma de colocar um ponto de vista, sem se comprometer explicitamente
com ele. É uma insinuação ou intimidação sobre uma pessoa ou coisa, especialmente com
um tom depreciativo ou de natureza depreciativa. Também pode ser uma observação ou uma
pergunta, desacreditando o outro (também chamado de insinuação), que funciona
tangencialmente por alusão. Neste último sentido, a intenção é frequentemente insultar ou
acusar alguém de tal maneira que suas palavras, tomadas literalmente, são inocentes.
Uma insinuação é "uma observação indirecta sobre alguém ou algo, geralmente sugerindo
algo ruim ou rude. Por exemplo, Maria comenta com uma amiga a relação entre Pedro e
Tomé. Maria diz que “Pedro e Tomé nutrem uma amizade mútua nunca antes vista entre
colegas de trabalho”. Se bem que Maria não esteja declarando abertamente que o Pedro e o
Tomé tenham uma relação amorosa secreta, ela insinua que aquela relação sugere algo mais
do que uma simples amizade e camaradagem entre dois homens, como é entendida no
sentido comum do termo. As insinuações podem utilizar palavras ou imagens. Maria insinua a
existência duma possível relação homossexual.
A insinuação pode também ser expresso por meio de imagens.
Em Novembro de 2014 durante uma campanha eleitoral, uma
candidata do Partido Trabalhista publicou no Twitter uma foto
duma casa com várias bandeiras de São Jorge penduradas nas
janelas e uma carrinha branca estacionada em frente da casa
com o seguinte comentário; “Isto é Rochester”.
O secretário do partido ficou muito irritado e demitiu a
candidata. Porquê?
Porque esta bandeira (1) é também um símbolo adoptado por um grupo xenofóbico e racista,
contra a imigração e que apoia o partido de extrema-direita que quer fechar as portas à
imigração e reservar os empregos apenas para cidadãos Britânicos. A publicação desta foto
foi recebida como um sinal de que existem elementos dentro do partido trabalhista que criam
estereótipos de certos tipos de cidadãos, especialmente aqueles que penduram bandeiras de
São Jorge nas janelas de suas casas. O twit da candidata foi percebido como insinuação
negativo pela direcção do partido a que ela pertencia.
(1)
Note que a bandeira com uma cruz vermelha, conhecida como a bandeira de S.Jorge, é o símbolo do país
Inglaterra e não do Reino Unido que inclui a Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte.
•
Questões conducentes (armadilhadas /insinuadoras)
Uma questão insinuadora contém um pressuposto injustificado ou conduzem o respondente a
dar as respostas pretendidas.
• Já deixou de bater na sua esposa?
• Foi com este lenço que você limpou as suas impressões digitais da arma que matou o seu
sócio?
Nestas questões o interrogador assume que o homem batia na mulher ou que cometeu o
crime. Se o acusado responder sim ou não, confirma o pressuposto mesmo que ele nunca
tenha feito o acto. Este é um tipo de questionamento falacioso frequentemente usado por
advogados ou políticos que pretendem levar o interlocutor a cair na armadilha da questão.
188
•
Minimizadores
Minimizadores são palavras que subestimam a importância dum argumento. Usam-se
palavras minimizadoras como uma tentativa de fazer algo, alguma situação ou alguém
parecer menos importante do que realmente é.
• O João "emprestou" o livro do Luís e ele nunca mais o viu”. Esta frase insinua que o João
roubou o livro do Luís.
• Pedro, que se diz “doutor” em medicina holística.
• O "patriotas" do presente estão apenas à procura de uma maneira de fazer um
dinheirinho rápido no Iraque.
• “Eu entendo que os seus salários sejam baixos, mas em qualquer sociedade moderna é
normal que alguns trabalhadores tenham salários abaixo do mínimo.” (Note como situação
particular do trabalhador é efectivamente subestimada como algo sem muita importância.)
•
Weaselers (Fuinhas)
A palavra “weaseler” é um americanismo derivado da palavra weasel que descreve um grupo
de mamíferos carnívoros da família dos Mustelídeos como martas, visons, fuinhas, etc.
O termo “weaseler” é inspirado nos hábitos alimentares dos mustelídeos ou “weasels”, que ao
comer ovos chupam o conteúdo a partir dum pequeno buraco deixando a casca praticamente
intacta; o ovo parece inteiro, mas na realidade está vazio.
A palavra weaseler é empregue para descrever uma frase que parece cheia de informação
mas na realidade não tem conteúdo. São palavras que se usam para tornar uma declaração
mais aceitável e proteger uma afirmação de criticismo. Também se usa em proposições
exageradas sem de facto estar a mentir. Aqui usaremos o termo “fuinha” como tradução da
palavra inglesa.
•
•
“Três em cada quarto pessoas entrevistadas preferem Red Bull!” Não explica como a
entrevista foi feita.
“48% da população está a favor da decisão” em vez de “52% da população está
contra a decisão.”
Palavras fuinhas comuns:
Virtual/virtualmente
1. “Com uso regular este produto ajuda a controlar os sintomas da
Actua/ funciona
caspa.”
Neste exemplo as fuinhas são: ajuda, controle, sintomas e uso
Controle
Combater
regular. As duas últimas palavras são de facto muito vagas pois
Pode ser
não providenciam nenhuma informação útil.
Até
Note que a afirmação não diz que o produto de facto acaba com a
caspa!
Dá a sensação de…
Parece com…
2. “Deixa os pratos praticamente sem manchas.”
Fortificado/Enriquecido
Esta afirmação tem como intuito levar o consumidor a pensar que
Saudável/Natural
os pratos ficam de facto a brilhar de limpos em vez de virtualmente
limpos.
3.“Apenas metade do preço de muitos televisores a cores”. Aqui a
palavra “muitos” é a fuinha. A afirmação leva o consumidor a
supor que este aparelho não é caro.
4.“Testes confirmam que Listerine combate o mau hálito.” Note a
palavra “combate” em vez da palavra “anular” ou “destruir”.
189
•
Substitutos de prova (apelo à autoridade anónima)
Um substituto prova é quando alguém faz uma declaração como "todo mundo sabe disso",
"estudos mostram" sem realmente dar as estatísticas para alguma coisa
• Fontes anónimas relatam que ...
• Especialistas concordam que ...
• Eu li na internet que ... (se usado como prova)
•
• Estereótipos
Um estereótipo é um pensamento ou preconceito sobre um grupo social com pouca ou
nenhuma evidência.
•
•
•
•
•
•
Os alentejanos são preguiçosos
As mulheres são emocionais
Os escandinavos são insensíveis
As louras são burras
Os motoqueiros são traficantes
Oximoros
Oximoros são expressões que se anulam a si próprias como por exemplo:
Férias de trabalho
Enormemente pequeno
A metade maior
Terrivelmente bom
Definitivamente provável
Guerra civilizada
Crescimento diminuído
•
Paciente ansioso
Grande detalhe
Uma boa desordem
Eficiência burocrática
Grito silencioso
Olhos amplamente fechados
A insustentável leveza do ser
Truísmos /Banalidades/Afirmando o óbvio
Um truísmo é dizer algo que é óbvio. Difere duma tautologia do seguinte modo; enquanto que
uma tautologia não precisa de ser uma declaração verdadeira, um truísmo é um argumento
que é considerado verdadeiro pela grande maioria das pessoas; é um argumento que
realmente não é discutível. Por exemplo, o argumento de que "o genocídio é mau" é um
truísmo; praticamente ninguém vai argumentar que um genocídio é bom. Claramente, um
truísmo é mais complicado do que uma tautologia na medida em que está enraizado naquilo
em que as pessoas acreditam e não no raciocínio lógico.
•
•
•
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•
•
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•
•
•
•
Aquele homem gordo é obeso
As profecias são difíceis especialmente quando são sobre o futuro
O passado terminou
Filho de peixe sabe nadar
A chuva é molhada e o gelo frio
Uma longa caminhada começa com o primeiro passo
Nem tudo o que brilha é ouro
A morte é o assassino número 1 no mundo
A vida humana é transferida sexualmente
Se os meus avós não tivessem nascido eu não teria existido
Não se preocupe com a velhice; não vai durar muito!
190
• Aforismo
Um aforismo é um princípio ou uma máxima enunciada de forma concisa em poucas palavras
como por exemplo “se você faz sempre o que fez no passado, você recebe aquilo que sempre
recebeu no passado”. Este aforismo sugere que quando se repetem certos comportamentos,
não há que esperar resultados diferentes.
Exemplos:
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•
•
•
•
•
•
•
Antes de morrer, todos deveriam tentar aprender do que é que fogem, para onde
correm e porquê!
Cão que ladra não morde.
Burro velho não aprende lições.
Uma pedra rolante não ganha musgo.
Nunca julgue um livro pela capa.
Dá-lhe um azeitona e ele toma uma oliveira.
A ignorância é uma bênção.
Um bocadinho de conhecimento pode ser perigoso.
Questões Retóricas
Perguntar uma questão retórica é uma técnica que exige uma resposta da plateia. A pergunta
é feita à audiência ou ouvinte que deve responder de tal forma a afirmar a aquilo que o orador
quer.
Exemplos:
"Ford! não é isso o tipo de carro América quer?"
"Não acha que a sua família deveria beber Água do Monte?"
"Feno de Prata: quer as suas mãos imersas num milagre?"
• Laconismo
Uma frase lacónica é uma afirmação curta e concisa usando poucas palavras para expressar
uma ideia. A palavra deriva do nome da região da Lacónia em Esparta onde as pessoas
acostumadas a uma educação militar espartana, não falavam muito e por isso também não
desenvolviam muito a capacidade de argumentação crítica, limitando-se a cumprir ordens a
maior parte do tempo. Uma pessoa lacónica é uma pessoa de poucas palavras.
Diz-se que um estudante de física apresentou o seu artigo científico ao físico Austríaco
Wolfang Pauli. Ao ler o artigo os seus comentários resumiram-se ao seguinte: “ Isto é tão mau
que nem sequer está errado!”
Por vezes o uso de certas frases deste tipo, curtas e concisas pode ter um efeito retórico e
persuasivo, mas não dizem nada. Por exemplo um cantor entrevistado na TV clama que “o
fado é a interioridade da música”. Isto é um tipo de laconismo que não contém qualquer tipo
de informação útil. A não ser para o efeito poético, não diz absolutamente nada.
Os provérbios são bons exemplos de laconismos. Por exemplo alguém comentando a crise
económica resultante da falência de bancos aplica o provérbio “quem tudo quer tudo perde” o
que não dá qualquer informação útil ao argumento que analisa as razões complexas pelas
quais a crise financeira aconteceu.
191
Como já vimos no exemplo das falácias verbais, os clichés no final do argumento podem ser
um laconismo, como por exemplo fechar um argumento com a expressão “ É a vida!”, ou “
não há paciência!” quando alguém não tem a capacidade de criar um contra-argumento
inteligente.
• Metáforas, Símiles e Analogias (Reveja a secção 8.1.1.)
O uso da metáfora na retórica destina-se principalmente a transmitir ao público uma nova
ideia ou significado, ligando a uma ideia com algum conceito que o público já esteja
familiarizado. Ao dar a ilusão de que o novo conceito está ligado ao antigo conceito que é
mais familiar, a pessoa que usa a metáfora espera ajudar o público a entender o novo
conceito. Por exemplo uma metáfora que dá a ideia de sentimentos de nervosismo seria
“tenho borboletas no estomago”.
Metáforas e analogias são conceitos diferentes. As metáforas não são representações fiéis da
realidade. É preciso ter cuidado com as metáforas a fim de evitarmos receber a metáfora
como a representação da realidade.
Um símile é uma analogia. O uso de símiles é importante para explicar conceitos abstractos
especialmente em ciência como por exemplo o modelo do átomo com os seus electrões
girando em torno no núcleo pode ser explicado associando com a ideia do sistema solar com
os planetas em torno do sol.
As metáforas são largamente usadas em literatura e poesia. Por exemplo “os teus olhos são
duas esmeraldas brilhantes” ou “pedaços do céu num dia de verão”. Estas duas metáforas
dão a ideia de olhos verdes ou azuis. Uma analogia diria, “ os teus olhos são como duas
esmeraldas brilhantes”. A analogia estabelece uma comparação. Uma metáfora faz uma
substituição da realidade por uma imagem.
metáfora
os teus olhos são duas esmeraldas
brilhantes
Símile/Analogia
os teus olhos são como duas esmeraldas
brilhantes
• Explicações e Definições Retóricas
Enquanto que as definições e explicações “reais” são usadas para clarificar um conceito, as
definições e explicações retóricas usam linguagem emotiva para suscitar uma atitude sobre
algo. O propósito de tais explicações é o de influenciar em vez de clarificar.
Definições retóricas
• Aborto é o assassínio duma criança
não nascida.
• Religião é o ópio do povo.
Explicações retóricas
• Os cientistas fazem experimentação nos
animais porque são uns sádicos cruéis.
• Precisamos de engenharia genética
para matar a fome no mundo.
• “Profundideias” ou ideias “profundidosas”
As palavras “profundideias” ou “ideias profundidosas” não existem no vocabulário da língua
portuguesa. São palavras inventadas como tradução possível da palavra inglesa “deepity”.
Esta palavra também não existe na língua inglesa. É uma criação linguística cunhada pelo
filósofo americano Daniel Dennet num discurso que ele deu numa conferência em 2009. A
192
palavra define frases que soam profundas (deep) mas não têm qualquer significado. Uma
forma mais comum de definição de tais frases na gíria inglesa é a palavra “bullshit” que
poderá ser traduzida para tretas ou besteiras. O movimento New Age é rico nestas frases e
até existem programas de computador que produzem frases inteiras cheias de tretas que
soam profundas e com significando espiritual, veja por exemplo o New Age Bullshit Generator
ou o Corporate Bullshit Generator. Vejamos alguns exemplos de frases “profundidosas” ou
tretas:
“A fé é o acto pelo qual a razão se alcança estaticamente para além de si própria”.
(Tillich, 1957, p.87)
“Somos atraídos para o cosmos através da sua ressonância mórfica para um
estado de consciência universal que uniformiza a essência de todas as formas
de vida“. (Parágrafo produzido pelo software New Age Bullshit Generator)
O filósofo John Searle sumarizou a qualidade da comunicação na seguinte frase; “se não
consegues explicar com clareza, é porque não compreendeste o seu significado”.
Muitas vezes a utilização de frases obscuras e complexas não é mais do que um estratagema
para soar intelectual quando não se tem nada para dizer. Qualquer mensagem por mais
profunda que seja, pode ser transmitida duma forma simples e com clareza. O objectivo da
comunicação é transmitir uma mensagem que seja compreensível por todos ou pelo menos,
entre os especialistas duma determinada área. Se a mensagem é perdida na complexidade
da composição da frase, não há comunicação. Para que a comunicação ocorra é condição
necessária que a mensagem emitida pelo emissor seja compreendida pelo receptor, caso
contrário só temos ruído.
O médico New Age Deepak Chopra é considerado pelos sépticos como o campeão das ideias
“profundidosas” produzindo as frases mais ininteligíveis possíveis de imaginar. Por exemplo
•
•
“O universo existe em autoconsciência por si só”
“Todos os objectos materiais são formas de consciência dentro da consciência.
Sensações, imagens, sentimentos, pensamentos”
Não vale a pena tentar se esforçar para entender pois estas frases não têm compreensão
possível. Não são mais do que palavras colocadas duma forma randomizada sem sentido
para dar um aspecto de profundidade a tais deliberações.
•
Redundâncias
Redundâncias são usos de palavras que soam diferente mas significam o mesmo. Em
literatura o uso de redundâncias pode ser útil na medida em que expressa uma ideia duma
forma artística, mas em textos informativos ou explicativos, o uso de redundância pode
atrapalhar mais do que clarificar. Eis aqui alguns exemplos de redundâncias.
Tautologia: Repetição da mesma ideia com
palavras diferentes
Pleonasmo: Uso de mais palavras do que
necessário
Tautologias
Na retórica, uma tautologia é uma repetição desnecessária ou não essencial (e às vezes
não intencional) do significado, usando palavras diferentes e desiguais que efectivamente
dizer a mesma coisa duas vezes (muitas vezes com etimologias diferentes).
193
A tautologia retórica também pode ser definida como uma série de instruções que
compõem um argumento, segundo o qual as declarações são construídas de tal forma
que a verdade das proposições é garantida ou que a verdade das proposições não pode
ser contestada porque um termo é definido de acordo com um referencial que representa
esse mesmo termo.
Consequentemente, a declaração não transmite qualquer informação útil,
independentemente da sua extensão ou complexidade tornando-se impossível a sua
falsificação.
Uma tautologia pode ser uma maneira de formular uma descrição de tal forma que se
disfarça como uma explicação quando a verdadeira razão para o fenómeno não pode ser
derivada de forma independente.
Pleonasmos
Um pleonasmo é uma figura de linguagem usada para intensificar o significado de um
termo através da repetição da própria palavra ou da ideia contida nela. A palavra
pleonasmo tem origem no latim "pleonasmu" e significa redundância.
Note as frases “subir para cima” e “descer para baixo” deixam de ser pleonasmos quando
se adiciona a descrição de para onde se desce ou sobe. Assim subir para cima da
cadeira, ou descer para baixo da mesa não são pleonasmos. No entanto a frase, “subi
para cima toda aquela ladeira” já é um pleonasmo. Outros exemplos:
Um círculo redondo
Um grande gigante
Um cubo de gelo frio
Um presente grátis
Água molhada
Repete isso outra vez? (A palavra repetir já implica que será outra vez! “outra vez” é
inerente a “repetir”)
• Na nossa loja permanentemente preços baixos para sempre (permanente = para
sempre)
•
•
•
•
•
•
194
Sumário das Falácias mais Comuns
Como se disse no início da parte dois existem para cima de 200 falácias. Para este livro escolhemos
algumas das mais frequentemente presentes na argumentação. Ao ficarmos conscientes destes erros
de raciocínio, torna-se mais fácil decidir se queremos ou não aceitar o argumento que nos está sendo
apresentado.
FALÁCIAS DEDUTIVAS FORMAIS
Falácias
causais
Modus Ponens
Modus Tollens
FALÁCIAS INDUTIVAS
Formais
Informais
 Explicações Ad-hoc
 Explicações Post-hoc
 Regressão à média
 Determinismo retrospectivo
 Explicações Cum-hoc
 Direcção errada (confundir causa com
efeito)
 Efeito conjunto
 Causa complexa
 Efeito Insignificante
 Regressão céptica (pedindo a questão)
 Ladeira escorregadia
Falácias
Causais
Falácias de
Generalização
Quantificação
 Conversão ilícita
 Falácias em inquéritos de opinião
pública
 Falácia Existencial
 Alguns são, outros não
Probabilísticas
 Falácia do jogador de azar
 Falácia da conjunção
 Falácia das comparações
múltiplas
 Generalização precipitada
 Indução indolente
 Generalização de varrimento
 Generalização tendenciosa ou enviesada
 Vivacidade enganosa
 Falácia patética
 Excepção exagerada
 Nenhum verdadeiro escocês
 Acidente
 Mudando os paus da baliza
 Implorando a questão
 Ciclo vicioso ou raciocínio circular
 Selecção de informação
 Distorcendo a evidência
 Erros de interpretação da evidência
 Adaptando a evidência
 Simplificação exagerada
 Conclusão irrelevante
 Efeito de saliência
 Efeito de recência
 Erro de disponibilidade
 Pensamento de desejo
 Ónus da prova/ Provando o impossível
 Correlações ilusórias
 Mosaicos (padrões) ilusórios
 Analogias erróneas
 Analogias falsas
 Analogias questionáveis
Falácias de
evidência e
prova
Associações
Ilusória
Falácias
Analógicas
195
Falácias de
Explicação
 Suporte subvertido
 Ausência de suporte
 Intestabilidade
 Âmbito limitado
 Profundidade limitada
 Racionalização ad-hoc
 Raciocínio abdutivo
 Imprecisão
Falácias de
definição
 Demasiado abrangente
 Demasiado estreita
 Demasiado vaga
 Falta de clareza
 Definição circular
 Condições contraditórias
 Inconsistência
OUTRAS FALÁCIAS
Falácias
Verbais
Clichés no final do argumento
Citações fora de
contexto
•
•
•
•
•
•
•
Falácias do
arenque
vermelho
•
•
Ambiguidade
Equívoco
Anfibolia
Acento
Figuras de estilo
Falácia etimológica
Estilo em vez de conteúdo
Súplica Especial (Falácia Psicogenética)
Falácia do Homem de Palha
Ad hominen
Apelo às emoções
Apelo à mente
•
•
•
•
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•
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•
•
•
•
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•
•
•
•
•
•
•
•
Abusivo
Circunstancial
Bulverismo
Tu quoque (Tu também)
Apelo às consequências
Apelo ao medo
Apelo à lisonja
Apelo à pena
Apelo ao ridículo
Apelo ao despeito
Apelo ao desejo
Apelo à autoridade
Apelo à autoridade anónima
Apelo à força
Apelo à popularidade
Apelo à tradição
Apelo à crença popular
Apelo à prática comum
Apelo à ignorância
Apelo à incredulidade
Apelo à realização
Apelo à igualdade
Apelo aos motivos
Apelo à novidade
Apelo à pobreza
Apelo à riqueza
Apelo ao dinheiro
Apelo à natureza
Apelo à probabilidade
196
Capítulo 30: ANÁLISE DE ARGUMENTOS
Chegámos agora a um ponto onde temos as ferramentas necessárias para analisar a
qualidade dos argumentos em geral, sejam eles dedutivos ou indutivos. Existem padrões que
devem ser seguidos durante essa análise. Há duas vias pelas quais um argumento pode
falhar.
1. A relação entre as premissas e a conclusão tem algo de incorrecto (validade)
2. Uma ou mais premissas podem ser falsas (solidez ou força)
Temos que evitar estes problemas.
Já vimos que a qualidade dos argumentos dedutivos é avaliada de forma diferente dos
argumentos indutivos, mas existem outros pontos que são comuns a ambas as formas de
argumentação; a forma, estrutura, aceitabilidade, relevância e adequacia são propriedades
que classificam o argumento como bom ou mau. Na avaliação dum argumento deveremos
analisar o seguinte: forma, estrutura, aceitabilidade, relevância e adequacia.
Forma
Argumentos
Dedutivos
Argumentos
Indutivos
A primeira coisa a fazer é identificar a forma do
argumento. A forma refere-se ao tipo de
raciocínio se é dedutivo ou indutivo.
Estrutura
• Simples
• Em forma de T
• Em forma de V
• Complexos
Em seguida analisa-se a sua estrutura.
A estrutura refere-se à complexidade do
argumento e o tipo e forma das premissas ou
razões apresentadas para justificar a conclusão.
Aceitabilidade ( sim ou não)
A aceitabilidade dum argumento não tem graus
de aceitação. Só pode ser aceite ou não.
Evidência
• Credibilidade da
fonte
• Credibilidade dos
Pressupostos
Relevância
Relevante
Verificação
• Plausibilidade
• Probabilidade
• Critérios de verdade
Irrelevante
Também não existem graus de relevância. Um
argumento só pode ser relevante ou irrelevante.
Adequacia
• Força da
conclusão
• Força das
premissas
• Consequências
se a conclusão
for falsa
Falácias
• Apelo à autoridade
• Uso de analogias
• Apelo à ignorância
• Ladeira
Escorregadia
• Falácias causais
Um argumento pode variar em graus de
adequacia.
197
30.1. Forma do argumento (validade)
Vamos começar por analisar a relação entre as premissas e a conclusão. Já vimos que no
argumento dedutivo a conclusão segue das premissas.
Recapitulando o exemplo na secção 5.3. sobre lógica formal, vimos o seguinte.
A B
B C
A C
(P1) Todos os porcos podem voar
(P2) Animais que voam usam energia
(Q) Logo todos os porcos usam energia
F na realidade mas V num argumento formal
V na realidade e num argumento formal
V na realidade e num argumento formal
A conclusão segue das premissas e o argumento é válido na sua estrutura lógica. Por acaso
a conclusão resulta num facto verdadeiro na realidade, mas é preciso ter em atenção que a
premissa 1 é falsa no mundo real, o que faz com que o argumento se bem que seja válido na
lógica formal não seja sólido, porque uma das premissas é duvidosa ou falsa.
De acordo com a sua forma, um argumento é bom quando é dedutivamente VÁLIDO,
SÓLIDO e indutivamente FORTE.
Argumento Dedutivo
Inválido
Argumento Indutivo
Válido
Não Sólido
Forte
Fraco
Sólido
BOM
Argumentos Dedutivos
Ambos
Argumentos Indutivos
Válido
Sólido
Forte
Inválido
Não Sólido
Fraco
198
30.2. Estrutura do argumento
Um argumento complexo com uma estrutura confusa pode enfraquecer substancialmente o
argumento. Uma má estruturação pode levar à produção de argumentos indutivos fracos.
Exemplo de análise dum argumento: Uma associação de protecção animal apresentou um
poster com o seguinte:
“Se o homem tivesse a simplicidade e a pureza dos animais, a paz mundial deixaria
de ser um sonho!”
O texto pode ser muito poético e mostra os desejos de quem criou a frase, mas uma análise
mais cuidadosa demonstra que este argumento está cheio de falhas. De facto esta frase inclui
dois argumentos.
Argumento 1: Neste argumento uma das premissas é uma conjunção e as premissas
assumem que os animais (X) gozam de duas características ;Y (simples) e Q (puros). Destas
características se deduz a consequência W (paz).
X: Animais
Y: Simples
Q: Puros
W: paz
Forma dedutiva
P1: Os animais são simples e puros
P2: Simplicidade e pureza levam à paz
C: Logo os animais vivem em paz
X-> (Y + Q)
(Y + Q) ->W
X->W
O que o argumento nos diz é que como consequência de sua simplicidade e pureza, os
animais vivem numa paz bem-aventurada. Esta é uma conclusão intermediária não
declarada, mas implícita na conclusão final do argumento.
Este argumento é dedutivamente válido porque obedece à forma correcta, mas
não é sólido porque a verdade das premissas é questionável.
A->B
B->C
A->C
Argumento 2: Este argumento sugere que: se os homens fossem como os animais, a paz
deixaria de ser um sonho (i.e. premissa assumida e implícita; a paz existiria entre os homens)
H: Homens
X: Animais
W: paz
Forma dedutiva
P1: Se os homens fossem como os animais
P2: E desde que os animais vivem em paz
C : Os homens viveriam em paz
Se H-> X
e X ->W
H->W
Este argumento também é dedutivamente válido mas como a premissa 2 deste argumento é
a conclusão do argumento 1 onde a verdade das premissas é questionável, então o
argumento 2 não é sólido. Juntando os dois argumentos temos:
Conclusão intermediária
P1: Os animais são simples e puros
P2: Simplicidade e pureza levam à paz
Ci: Logo os animais vivem em paz
Conclusão final
P4: Se os homens fossem como os animais
P5: E desde que os animais vivem em paz
Cf: Logo os homens viveriam em paz
A premissa 5 pode ser eliminada pois é a conclusão intermediária. Rearranjando o argumento
fica:
199
X: Animais
Y: Simples
Q: Puros
W: paz
P1: Os animais são simples e puros
P2: Simplicidade e pureza levam à paz
P3: Os animais vivem em paz
P4: Se os homens fossem como os animais
C: Os homens viveriam em paz
X-> (Y + Q)
(Y + Q)W
X->W
H->X
H->W
É fácil de ver que mesmo que o argumento seja dedutivamente válido, ele não é
indutivamente forte porque as premissas 1 e 2 são falsas e não dão suporte à conclusão.
Concluindo o argumento é:
-dedutivamente válido mas não sólido
-indutivamente fraco
-logo não é um argumento bom
30.3. Análise de Contexto, Qualidade e Conteúdo
A primeira coisa a fazer na análise da informação que no rodeia é determinar se estamos em
presença dum argumento. Esta secção concentra-se apenas na análise de argumentos. Se o
seu interlocutor apenas expressa uma opinião do tipo, “ não gosto desta cor”, ou “ hoje está
um nevoeiro de cortar à faca”, não estamos necessariamente a tratar dum argumento.
Se de facto estamos em presença dum argumento, o passo seguinte é verificar se a
conclusão segue das premissas, ou preposições usadas no argumento e se essas premissas
são ou não aceitáveis. Finalmente temos que decidir se vamos ou não aceitar esse
argumento e para isso precisamos de formular as nossas próprias justificações que levam a
uma nova conclusão concordante ou discordante do argumento inicial. Analisemos a
diferença entre estas duas conversas:
Exemplo A
João: Hoje está um frio terrível
Maria: Concordo. Vou buscar um casaco
antes de sair.
Pedro: Não está nada frio! Eu aguento bem
esta temperatura.
Exemplo B
João: Comer carne é moralmente inaceitável
Maria: Concordo, vou comer uma salada
Pedro: Porque é inaceitável? Quase todo o
mundo come carne!
O exemplo A consiste apenas duma opinião, e Maria e Pedro podem ou não concordar
porque o frio é algo pessoal que eles sentem na pele. Mas o exemplo B já é um argumento. O
João faz uma consideração moral que implica muita discussão. Por detrás dessa frase
existem muitas premissas não declaradas que levaram a essa conclusão. O João
simplesmente apresentou a conclusão sem ter oferecido as premissas que o levaram a
200
defender tal posição moral. Maria simplesmente concordou sem qualquer avaliação crítica
das palavras do João. Por outro lado Pedro pede justificações para essa conclusão. Ele quer
que João exponha claramente o processo de raciocínio que o levou a tomar tal decisão, mas
nessa requisição Pedro apresenta um contra-argumento que contém a falácia do apelo à
popularidade. Na sua pergunta está implícito um contra-argumento. Esta é uma pergunta
retórica e não um pedido sincero de explicação.
Os passos a tomar em conta na avaliação dum argumento podem ser sumarizados na
seguinte matriz:
1. Análise do
Contexto:
A análise do contexto pergunta se de facto o argumento se aplica às
circunstâncias.
Um argumento não é produzido num vácuo. Um argumento é produzido para
obedecer a um propósito específico dentro dum determinado contexto de
decisão. Assim, é possível obter argumentos que são impecáveis em termos
de forma e qualidade mas não são adequados porque não se aplicam ao
contexto onde o argumento foi introduzido. Muitos destes argumentos podem
ser vistos como “Arenques Vermelhos”.
2. Análise da
Qualidade:
Verificar se na relação entre as premissas e a conclusão as premissas são
verdadeiras resultando numa conclusão verdadeira.
Verificar se e o raciocínio não contem falácias.
Neste tipo de análise as questões a colocar são:
a) O argumento é dedutivamente válido?
b) O argumento é indutivamente forte?
3.Análise do
Conteúdo:
As premissas e justificações apresentadas para suportar a conclusão, devem
ser verdadeiras. A análise do conteúdo dum argumento deve focar nos
seguintes aspectos:
a) As proposições/justificações apresentadas são coerentes?
b) As proposições/justificações são verdadeiras?
201
30.3.1. Análise do Contexto dum Argumento
A seguinte tabela oferece um sumário dos factores que devemos tomar em consideração na
avaliação do contexto onde se desenrola um argumento.
Trata-se dum argumento?
Posição do autor
Enquadramento
Contexto
Tipo de argumento
A retórica do
argumento
• O argumento serve alguma intenção especial?
• O que é que o autor pretende com o argumento?
• Como é que isso se relaciona com outras coisas que
o autor diz?
• O argumento é consistente ou inconsistente com
outras declarações do autor?
• Sendo consistente, o argumento reforça as outras
declarações, ou trás informação nova?
Politico
Científico
Moral
Discussão
Debate
Persuasão
Questionamento
Opinião
Negociação
Busca
Plano de acção
Educativo
Tipo de Discurso
Ensaio
Parágrafo
Frase
Palavras
Estratagemas retóricos utilizados
Marcadores de argumentação
Marcadores de raciocínio
Marcadores de conclusão
Marcadores de dispositivos retóricos
As proposições
Disjunção/Conjunção
Contraditórias
Inclusão/Exclusão de probabilidades
Condicionais
Estrutura
Forma do
argumento
Estrutura Simples
Estrutura em V
Estrutura em T
Estrutura Complexa
Dedutivo
Indutivo (Formal /Informal)
202
30.3.2. Análise da Qualidade dum Argumento
A seguinte tabela oferece um sumário dos factores que devemos tomar em consideração na
avaliação da qualidade dum argumento.
Validade (dedutivo)
Convincência =
Qualidade
Solidez
Coerência
+ Verdade
Força (indutivo)
Falhas
Consistência lógica
Coerência
Dedutivamente válido e com
premissas metafisicamente
verdadeiras
Evidência
Aceitabilidade
Verificação
Adequacia
Relevância
Falácias
Artefactos retóricos
30.3.3. Análise do Conteúdo dum Argumento
A seguinte tabela oferece um sumário dos factores que devemos tomar em consideração na
avaliação do conteúdo dum argumento.
• Neutralidade
• Bias ou tendências
Motivação do autor
enviesadas
• Interesse em
Interpretação que o autor faz
mentir/dizer a verdade?
dos factos
• Reputação
Clareza do discurso As palavras e frases são claras?
As premissas são implícitas ou explícitas?
Posição do autor
Identificação dos
objectivos do autor
e a sua posição em
relação ao assunto
do argumento.
O significado do argumento é explícito?
Conteúdo
Aprender a ler nas
entrelinhas
Significado
Se o significado é
implícito ou
subentendido é
preciso reconhecer…
• suposições subjacentes
• premissas falsas
• tipos de associações
• tipos de analogias
• presença de estereótipos
• correlações
verdadeiras/falsas
• condições necessárias/
suficientes
Dedutivo
Tipo de raciocínio
usado no
argumento
Indutivo
(Formal / Informal)
203
• Abdutivo
• Hipotético
• Causal
• Associativo /Analógico
• Explicativo
30.4. Desconstrução e Reconstrução de Argumentos
Uma das técnicas muito úteis na sequência da análise dum argumento consiste em separar
as frases importantes num texto e coloca-las em formatos que possam ser analisadas,
reconstruindo o argumento de modo que as premissas e justificações sejam evidentes devido
à sua simplificação e rearranjo. Frequentemente um argumento começa pela conclusão, e o
autor depois passa a dar justificações para suportar aquilo que ele afirmou logo no início da
sua elocução.
Estágios no método da reconstrução:
1. Análise
detalhada
É um argumento?
Quais são os pressupostos.
Identifique os marcadores de argumento, raciocínio, conclusão e
retóricos.
2.Simplificação
Reescrever o argumento de forma que possa ser analisado.
Remover o excesso de verbosidade e palavreado.
Fazer uma lista de todas as premissas e conclusões na forma padrão.
3.Clarificação
Clarificar o sentido das premissas.
Entender as definições, clarificar e explicar cada premissa.
4.Reorganisação
Organizar as premissas numa sequência lógica.
Dividir o argumento nos seus sub-argumentos cujas conclusões
funcionam como premissas.
5.Preenchimento
das lacunas
Identificar se há premissas implícitas e preencher as lacunas com
premissas explícitas.
Determinar se as premissas são implícitas ou explícitas.
Determinar se as premissas são relevantes ou irrelevantes no contexto
do argumento.
Avaliar a validade do raciocínio dedutivo.
Avaliar a solidez e a foça do raciocínio indutivo.
Questionar a evidência das premissas apresentadas e avaliar para a
sua verdade.
6.Avaliação geral
Avaliar o nível de persuasão ou quão convincente é argumento.
Identificar as falácias.
Avaliar se a conclusão é verdadeira.
Decidir se aceitar ou rejeitar a afirmação.
O psicólogo Jon Haidt apresentou a seguinte história a um grupo de participantes num estudo
sobre conceitos de moral.
“Julia e Marco são irmãos. Eles foram fazer uma viagem até à França durante
as férias de verão. Uma noite em que eles estavam sozinhos numa cabana
junto à praia decidiram que seria interessante tentar fazer sexo um com o
outro. Seria uma nova experiência para os dois. Julia já tomava a pílula há
alguns anos e o Marco também usou protecção. Ambos tiraram prazer do
acto, mas decidiram não o repetir. Essa noite foi um segredo especial que fez
com que eles se sentissem ainda mais próximos um do outro.”
204
O que você acha? Foi aceitável esse acto de amor? Antes de continuar a ler construa um
argumento para defender a sua opinião. Você aceita ou rejeita o acto sexual entre os irmãos?
Como pode imaginar, todos os participantes no estudo responderam que tal acto não era
aceitável oferecendo vários argumentos para justificar as suas opiniões.
Alguns participantes usaram justificações do tipo que era um acto imoral pois relações entre
irmãos deveriam ser proibidas a fim de evitar a consanguinidade. Este argumento é
irrelevante para a rejeição da história, já que ambos os participantes usaram contracepção.
Na maioria dos casos as justificações para suportar a conclusão negativa, foram oferecidas
para apoiar uma atitude moral com base em princípios culturais profundamente enraizados na
mente dos participantes. O acto foi visto como desprezível e imoral baseado nesta forma de
impressão social, só depois da estimulação da via emocional, a via racional foi activada.
As atitudes morais que rejeitamos no presente como desprezíveis, foram norma no passado
em ouras culturas. Por exemplo, no Egipto era frequente o casamento entre irmã e irmão a
fim de continuar a linha dos Faraós. Entre os Califas do Império Turco, a regra da sucessão
não era directa. O califa tendo um Harém, impregnava todas as mulheres e esperava-se que
o seu sucessor seria o filho que assassinasse todos os meios-irmãos e pretendentes. A
sucessão dos califas era baseada numa chacina fratricida. Em alguns países Muçulmanos
ainda é aceitável o uso da Lei de Sharia para apedrejar até à morte, mulheres supostamente
adúlteras.
Qualquer pessoa que defenda estes procedimentos deve ter a capacidade de construir um
argumento com justificações que suportam a sua opinião (a conclusão do argumento).
Para esse argumento ser robusto, deverá seguir várias regras. Essencialmente deverá ter
validade lógica, e as premissas que suportam a conclusão deverão ser verdadeiras no sentido
de terem plausibilidade no mundo real. Isto implica que aquele que argumenta justifique por
que as premissas apresentadas são verdadeiras.
Como já vimos, a utilização de certos critérios de verdade são inválidos, especialmente
aqueles baseados em tradição, crença religiosa, revelação, intuição e outras (veja de novo
secção 11.4).
Voltando ao exemplo de Haidt, é difícil construir um argumento moral que rejeite a
legitimidade da história oferecida, a não ser que o contra argumento se baseie em
justificações de fóruns religiosos ou legal. Sem estes pilares, a rejeição de tal acto passa a
ser apenas uma questão subjectiva de preferências. As preferências dum individuo passam a
ter tanto valor como as preferências de outro sem qualquer argumento racional para as
suportar.
Quando ouvimos um argumento com o qual não concordamos, antes de oferecer o nosso
argumento temos que passar por vários estágios explicado no exemplo seguinte.
“ Numa bela manhã de primavera quando a senhora Maria se passeava na calçada da Rua
do Beco, tropeçou numa laje que estava espetada no ar e partiu a perna. Os custos da sua
hospitalização devem ser pagos pela entidade responsável pelo estado da calçada”
205
1. Devemos identificar no texto, quais são as frases que transmitem informação relevante
para a conclusão. Neste caso, o dia ensolarado da primavera não tem qualquer
importância para a conclusão.
2. A conclusão deste argumento diz que a entidade responsável pelo estado da calçada
deveria arcar com as despesas do hospital
3. Este argumento encerra uma premissa implícita que assume que certas entidades, por
lei, devem manter o estado da calçada de tal modo a fim de evitar acidentes.
Esta análise consiste na desconstrução do argumento. Agora vamos colocar essas premissas
numa forma lógica. Vamos assumir que a entidade responsável pelo estado da calçada seria
o Município/Prefeitura.
P1. O Município tem a responsabilidade de manter as calçadas de modo que não causem
acidentes
P2. A calçada estava danificada
P3 Por causa da calçada estar danificada, a Maria tropeçou na laje partindo a perna
P4 A Maria teve despesas com o Hospital para curar a perna
C Logo O Município tem responsabilidade no acidente da Maria
Deste modo reconstruímos o argumento duma forma lógica e fica mais fácil de ver se existem
problemas com toda a sua construção. Poderíamos questionar o pressuposto de que existe
uma lei que obriga a Municipalidade a pagar compensação. Esta premissa seria fácil de
confirmar obtendo evidência.
Exercício:
O argumento seguinte foi apresentado por Andreas Mölzer um Eurodeputado Asutríaco da
estrema direita e candidato às eleições europeias num comício em Viena no. Identifique os
erros do argumento e nomeie as falácias.
“Na União Europeia só os alemães e os austríacos é que trabalham. Todos se riem dos
alemães e dos austríacos, desde os portugueses aos Europeus do Leste, dos suecos aos
sicilianos, mas não se pode levá-los a sério, porque eles têm todos só um metro e sessenta”,
afirmou , eurodeputado austríaco.
Nós, alemães e austríacos, somos os únicos que cumprem horários. Somos os únicos que
começam a trabalhar às nove em vez de às onze. A Europa vai a caminho de se tornar “o
caos total”.
206
Capítulo 31: PRODUÇÃO DE ARGUMENTOS
Agora que sabemos como analisar argumentos já podemos construir os nossos próprios
argumentos evitando os problemas que podem ocorrer. Quando sabemos criticar os
argumentos dos outros torna-se mais fácil criticar os nossos próprios argumentos pois
podemos usar as mesmas ferramentas de análise. Mas é preciso ter sempre presente que
uma análise subjectiva pode ser sempre vítima da nossa interpretação enviesada.
Quando apresentamos um argumento na forma escrita, torna-se mais fácil analisar as suas
falhas. É mais difícil apresentar um argumento na forma oral, especialmente se somos
apanhados de surpresa numa discussão espontânea e não preparámos o argumento de
antemão. Se você se encontrar a defender posições e opiniões que são importantes para si,
será melhor passar algum tempo a analisar as razões que o levaram a adoptar essas opiniões
antes de as expressar publicamente. Quando o seu argumento foi previamente bem pensado,
tem mais probabilidade de ganhar aos argumentos dos seus oponentes. Mas pense também,
porque você aceita facilmente e sem muito comentário ou criticismo dos argumentos daqueles
que concordam consigo. Tenha sempre muita atenção aos ardis da nossa mente. Nós temos
uma tendência natural para o raciocínio enviesado a nosso favor. Faça o policiamento da sua
própria mente e pergunte-se se as suas opiniões são justas, equilibradas ou são carregadas
de preconceito e sofrem de visões unilaterais.
Tão importante quanto formular um argumento, é refutar o argumento dum oponente. A
refutação dum argumento consiste em mostrar que o argumento do nosso oponente não é
bom. É importante relembrar que podemos refutar um argumento sem ter que provar que a
conclusão é falsa. Basta levantar objecções que não podem ser respondidas pelo nosso
oponente e mostrar que o seu argumento não suporta a conclusão.
É fácil refutar argumentos dedutivos. Neste caso a refutação toma duas formas:
1. Podemos mostrar que a conclusão não segue das premissas (non-sequitur)
2. Podemos argumentar que algumas das premissas são duvidosas ou falsas
questionando a veracidade das premissas
Mas para refutar argumentos indutivos não basta determinar que o argumento não é válido,
também é preciso demonstrar que o argumento é fraco sob o ponto de vista dos padrões
indutivos acima discutidos.
Existem outros argumentos que não podem ser refutados seguindo estes métodos, mas
podemos identificar quando existem falácias.
Numa feira em Portugal, assisti a um homem apregoando os benefícios da banha da cobra. O
produto era bom para a saúde, tinha vitaminas que fazia crescer o cabelo quando massajado
no couro cabeludo, era bom para a artrite nos joelhos e até servia como depilador das pernas.
É difícil ver como um depilador também tem a propriedade oposta para fazer crescer o
cabelo! Esta é uma inconsistência óbvia.
Também é possível oferecer exemplos em contradigam a conclusão dum determinado
argumento. Imagine que um astrólogo fez uma mapa de previsões para José afirmando que
os astros estavam precisamente na conjunção ideal para encontrar um grande amor. José
207
encontrou uma moça e pensou ser esse o seu grande amor. Por outro lado João, o irmão
gémeo de José que nasceu com 1 segundo de diferença perdeu o seu grande amor. De facto
essa moça, foi a mesma que se envolveu com José. Se as previsões fossem verdadeiras o
que foi dito para o exemplo de José, teria que ser verdadeiro para João. O facto de João
perder o seu amor para José é um contra-exemplo.
Os contra-exemplos são frequentemente usados quando se fazem generalizações.
O uso de contra exemplos é importante quando cientistas fazem generalizações apressadas
para o resto da população a partir duma experiência ou observação de uma pequena amostra
dessa população. Isto é particularmente evidente em estudos de psicologia feitos em
universidades com os respectivos alunos como sujeitos do teste, e depois extrapolam estes
comportamentos para o resto dos humanos. A generalização que assume que os seres
humanos são monogâmicos por natureza, pode ser refutada pelos contra-exemplos da
ocorrência de poligenia (um homem casado com várias mulheres) ou poliandria (uma mulher
casada com vários homens, um sistema que ocorre nos Himalaias e algumas regiões da
India).
31.1. Argumentos e Debates
Um debate é uma discussão sobre um assunto particular onde cada participante apresenta
um argumento para defender a sua opinião. Ao debater uma questão empregam-se várias
formas de argumentação que vão muito além do raciocínio dedutivo, da mera apresentação
de factos ou da retórica. O raciocínio dedutivo simplesmente nos diz se a conclusão é valida,
se segue ou não das premissas, a mera apresentação de evidência apenas examina se o
assunto sob discussão tem ou não suporte e a retórica é uma técnica de persuasão que tenta
convencer os outros sem prestar muita atenção à veracidade das premissas. Um debate é
mais estratégico do que estas formas de argumentar e o seu objectivo é chegar a uma
resolução por consenso, mais do que apresentar um argumento válido, consistente e robusto.
Existem regras especiais para debater e as pessoas envolvidas em debates públicos,
geralmente submetem-se a um processo de treino consistindo em aulas teóricas e práticas
que oferecem estrutura e disciplina no debate. As associações de estudantes de
universidades famosas têm clubes especificamente dedicados à prática do debate.
Em teoria as pessoas envolvidas no debate não têm que investir as suas emoções no seu
ponto de vista, mas na prática os debatentes frequentemente apresentam um engajamento
emocional que pode ofuscar o processo de avaliação e julgamento.
31.2. Código de Conduta Intelectual
O autor T.E. Damer (2001) propõe o seguinte código de conduta para ser utilizado em
discussões racionais, baseado nos seguintes 12 princípios:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Princípio da falibilidade
Princípio da procura da verdade
Princípio da claridade
Princípio do ónus da prova
Princípio da caridade
Princípio da relevância
7. Princípio da aceitabilidade
8. Princípio da suficiência
9. Princípio da refutabilidade
10. Princípio da resolução
11. Princípio da supressão de julgamento
12. Princípio da reconsideração
208
1.Princípio da falibilidade: Quando numa disputa existem opiniões alternativas, cada
participante na discussão deve reconhecer a possibilidade de
que nenhuma das propostas merece consideração ou que pelo
menos, apenas uma dessas posições merece ser aceite ou
defensível se for verdadeira.
Exemplo 1: Situações onde nenhuma das posições merece
consideração. A disputa sobre o sexo dos anjos pode oferecer
soluções várias entre elas que os anjos são masculinos, ou que
são femininos, ou assexuados ou hermafroditas. Mas na
realidade, nenhuma destas posições tem a probabilidade de ser
verdadeira pois antes de mais a própria existência de anjos tem
que ser provada verdadeira.
Exemplo 2: Situações onde apenas uma opção pode ser
verdadeira. Uma testemunha afirma que o banco foi assaltado
por um homem. A outra testemunha afirma que foi uma mulher.
Neste caso apenas uma proposição pode ser verdadeira. Se
uma é verdadeira automaticamente exclui a outra opção por ser
falsa.
Uma pessoa honesta deve estar sempre preparado para admitir
que a sua posição pode ser falível.
2.Princípio da procura da verdade: Cada participante deve se comprometer a procurar e
apresentar evidência de que aquilo que afirma é verdadeiro.
Deste modo, cada participante deve estar disposto a avaliar a
sua própria posição e a admitir que as suas fontes de informação
podem ser viciadas ou não absolutamente correctas. Do mesmo
modo deve dar oportunidade aos seus oponentes para
apresentar dúvidas ou oposição àquilo que é apresentado como
verdadeiro.
3. Princípio da claridade: A formulação de argumentos defesas e ataques, deve estar livre
de qualquer tipo de confusão linguística e claramente separada
doutras posições e assuntos não relacionados.
4. Princípio do ónus da prova: A responsabilidade de apresentar prova daquilo que se
afirma como verdadeiro cai sobre a pessoa que faz a afirmação.
Exemplo: João afirma que as fadas existem. Pedro não acredita e
pede evidência da existência de fadas. João responde: “Prova tu
que elas não existem.”
Neste caso o ónus da prova recai sobre o João e não sobre o
pedro. João é aquele que faz a asserção de veracidade da sua
proposição e por isso ele é o sujeito que deve provar essa
veracidade. Pedro não tem que provar que a asserção de João é
falsa.
209
5. Princípio da caridade: A fim de evitar a falácia do homem de palha, quando um oponente
reformula o argumento do primeiro orador, essa reformulação
frásica deve corresponder e ser consistente com o conteúdo
ideológico do orador disse na versão original.
6. Princípio da relevância: Quem apresentar um argumento contra ou a favor duma
proposição, deve se assegurar que a informação contida no seu
argumento é relevante no suporte ou rejeição do argumento sob
discussão.
7. Princípio da aceitabilidade: Quem apresentar um argumento contra ou a favor duma
proposição, deve se assegurar que as razões apresentadas no
suporte ou rejeição do argumento sob discussão sejam aceites
por todos os participantes e devem estar de acordo com os
critérios padrão de aceitabilidade.
8. Princípio da suficiência: Quem apresentar um argumento contra ou a favor duma
proposição, deve apresentar razões suficientes em número, peso,
tipo e espécie para suportar a aceitação da conclusão.
Exemplo: Luís contesta a possibilidade de ser recrutado para o
exército e colocar em risco a sua vida num conflito dentro dum
país distante. Luís questiona: Porque eu devo ir? Se a razão
apresentada simplesmente se baseia no facto de que alguém no
Governo assim o decidiu, este é um argumento falacioso de apelo
à autoridade. Um governo não pode decidir arbitrariamente sobre
a vida dos seus cidadãos, sem primeiro apresentar razões
suficientes para suportar tal decisão. Esta é uma das
características que define uma ditadura.
9. Princípio da refutabilidade: Quem apresentar um argumento contra uma posição, deve
apresentar o tipo de oposição ou refutação esperada não só em
relação à posição que ataca mas também à posição que defende.
Ao apresentar as posições contrárias ao seu próprio argumento, o
orador tem a vantagem de poder explicar porque elas devem ser
rejeitadas ou porque elas surgiram no seio da oposição.
10. Princípio da resolução: Deve se considerar um assunto como resolvido quando o
proponente duma solução a defende com sucesso apresentado
argumentos que usam premissas aceitáveis e relevantes para a
discussão. O argumento não está resolvido enquanto alguém
continuar a apresentar um contra-argumento com premissas
igualmente válidas. Na ausência de concordância entre as duas
partes, somos obrigados a aceitar a posição que apresentou os
melhores argumentos em termos de validade, força e
consistência.
11. Princípio da suspensão de julgamento: Se nenhuma posição apresenta suporte
suficiente ou se ambas parecem ter igual força e suporte, o melhor
é suspender julgamento até que mais informação e evidência
sejam apresentadas. É importante avaliar os prós e os contras de
210
cada opção e avaliar o risco em termos de consequências. Se a
suspensão de julgamento e decisão trouxer consequências piores
do que optar por um curso de acção, então deve-se optar pelo
argumento menos prejudicial.
11. Princípio da reconsideração: Se na conclusão dum argumento bem sucedido se
detectaram falhas na sua formulação que podem levantar novas
dúvidas sobre o mérito de tal posição, deve-se retomar o assunto
para mais consideração e posterior resolução.
31.3. Objectividade
Nunca é de mais enfatizar para qualquer argumento ou debate ser considerado honesto, os
participantes devem fazer um esforço para seguir uma linha de raciocínio que brilhe pela
objectividade considerando todas as possibilidades de resolução. Uma técnica que facilita a
consideração das soluções possíveis consiste em coloca-las sob a forma de matriz. Por
exemplo, Pedro defende o argumento o cancro de pulmão é consequência de muitos anos de
tabagismo. Maria protesta, dizendo que a sua avó faleceu de cancro no pulmão e nunca
fumou um cigarro na sua vida. As companhias tabaqueiras podem também usar o mesmo
argumento para suportar a opinião que o cancro de pulmão não se deve ao tabaco podendo
ainda acrescentar que existem casos de fumadores que não faleceram de cancro de plumão.
Uma forma sistemática de resolução consiste em produzir uma matriz como a que se segue:
Fumador
Não fumador
Cancro Pulmonar
Presente
Ausente
Faleceu devido ao cancro
Faleceu sem cancro
Faleceu devido ao cancro
Faleceu sem cancro
Esta matriz mostra-nos as soluções logicamente possíveis dos argumentos apresentados.
Mas como já vimos, o raciocínio dedutivo baseado em lógica formal não garante uma
conclusão verdadeira na vida real. Para verificar a verdade destas quatro conclusões
precisamos de adicionar dados empíricos que suportam a evidência para cada uma destas
conclusões. Uma simples comparação dos números atribuídos a cada célula da matriz,
poderá então contribuir para uma avaliação mais plausível sobre efeitos do tabaco na indução
do cancro pulmonar.
Tenha cuidado para não confundir os conceitos “objectividade” e “verdade”
Objectividade
Objectividade assume que não existem
quaisquer bias ou tendências nas
afirmações que se fazem. Um argumento
objectivo é desprovido de emoção e
apresenta todas as posições conhecidas
sobre o assunto em discussão.
Verdade
Uma verdade é aquilo que corresponde aos
factos. Mas como já vimos acima, determinar
o que é verdadeiro é um processo muito
difícil e deve seguir os critérios de verdade
acima definidos.
Podemos ser objectivos na apresentação dum argumento sem conhecer a verdade.
211
Capítulo 32: APPLICAÇÕES DA ARTE DE RACIOCINAR
A frase “pensamento crítico” aplica-se a muitas situações, desde da leitura e análise crítica de
textos, à observação de comportamentos, nossos e dos outros. O nosso corpo é um espelho
de mensagens subliminais e nós somos um simples instrumento de comunicação da nossa
mente, sem nos apercebermos das mensagens que transmitimos. Antes das mensagens
verbais, a forma de comunicação mais primitiva é a mensagem corporal. Os sinais do corpo
atraiçoam as nossas palavras. O cérebro é como uma máquina egotística que quer ser
alimentado com a confirmação das suas crenças a fim de evitar dissonância cognitiva. A
informação contraditória destabiliza o nosso balanço mental, assim o cérebro ao receber a
informação do mundo exterior, altera o seu significado, seleccionando e ignorando partes da
mensagem, de modo que encaixe nas nossas preconcepções.
A informação providenciada neste livro sugere que contrariamente ao proposto por muitos
filósofos, ao longo da história, o Homem, não é um animal racional. De facto a forma natural
do nosso raciocínio é bem irracional. A racionalidade é algo que se aprende e melhora com a
prática. A constante aplicação dos métodos de análise crítica da informação que nos chega
aos sentidos passa a ser tão natural como andar ou respirar. As pessoas que praticam a
análise crítica como um hábito têm menos probabilidade de ser enganadas.
Nesta secção apresento definições de algumas palavras geralmente usadas na nossa
linguagem comum, mas sobre as quais não nos debruçamos para analisar o seu significado.
Crença
A palavra crença é usualmente percebida num contexto religioso. No entanto todos nós temos
crenças seculares. Algumas pessoas acreditam que a sua equipa de futebol é o melhor do
mundo. Outras acreditam que aquele produto cosmético é melhor para as rugas do que o
outro. Muitas acreditam em teorias científicas divergentes, este é um fenómeno que se vê
particularmente no mundo da física quântica. Uma crença é quando se acredita em algo e
definida como uma “afirmação que se toma como verdadeira”. Quando eu digo que eu
acredito que os marcianos são verdes e têm um par de antenas que lhes permite comunicar
por telepatia, eu estou aceitando que esta afirmação é verdadeira. Se eu pensasse que esta
afirmação era false, então eu não estaria acreditando nela. Qualquer coisa que nós aceitamos
como verdadeira, é uma crença! Mas a partir do momento que eu começo a ter algumas
dúvidas sobre a sua veracidade, deixa de ser uma crença e passa a ser uma hipótese.
Fé
Frequentemente a palavra crença vem associada à palavra fé. Isto é ainda mais frequente
num contexto religioso. Mas o que queremos dizer quando expressamos a frase “ eu tenho fé”
e de que modo é diferente de crença? A definição diz que é uma crença que não se baseia
em evidência. Assim podemos assumir que existem crenças, que se baseiam em evidência.
Isto pode ser representado numa forma de diagrama de Venn:
Universo
da crença
Crenças cuja veracidade é suportada
por evidência e/ou prova (e.g. ciência)
212
Fé:
Crenças cuja veracidade não têm qualquer
suporte.
Quando alguém acredita que um determinado tratamento pela aplicação de cristais, resulta na
cura duma doença, esta crença é baseada em fé e não em evidência. A fé religiosa é uma
crença baseada no apelo a autoridade de profetas e livros sagrados sem qualquer evidência
de que o é que clamado é realmente verdade. As pessoas limitam-se a aceitar a veracidade
dessas afirmações se questionarem a sua proveniência ou a falta de evidência.
Cada vez que eu viajo de avião, eu acredito que o piloto sabe pilotar um avião e também
tenho fé nele porque não o conheço, não sei se ele pilotou aviões antes ou se ele de facto
sabe pilotar. Cada vez que entro num avião eu tenho fé no piloto. Mas após uma aterragem
segura nada aconteceu, posso então afirmar que possuo evidência de que o piloto sabia
manejar o avião. A minha fé nos pilotos de avião baseia-se no facto de que eu acredito ser
verdadeira a afirmação “todas as pessoas que tenham a seu cargo os comandos dum avião,
sabem pilotar a máquina!” Eu acredito nesta frase porque nos milhões de viagens de avião
que foram efectuadas desde a invenção da aviação comercial, poucos caíram devido a erro
do piloto. Assim eu poderia afirmar que a minha crença nas habilidades do piloto tem uma
certa fundamentação em evidência e a partir desse momento em que tenho evidência para
suportar a minha crença, deixa de ser fé.
Em alguns casos, a fé é uma forma irracional de saltar por cima ou ignorar aquilo que é
provável. Fé é a palavra que se usa para justificar uma crença ou afirmação para a qual não
temos evidência. Quando eu afirmo que existem discos voadores, estou a fazer uma
afirmação baseada em fé.
Fé e Esperança não são conceitos equivalentes
Por vezes a palavra “fé” é confundida com “esperança”. A diferença é a seguinte; enquanto
que fé é uma crença em algo sem qualquer evidência, a esperança é o desejo de que algo
possa acontecer no futuro.
A fé é uma proposição de conhecimento, isto é; faz uma asserção em relação a algo que se
julga saber. A fé frequentemente representa um estado mental onde o indivíduo aparenta ou
imagina ter conhecimento de coisas que na realidade não sabe. A esperança não é uma
atitude de conhecimento. Eu não sei se vou ganhar na lotaria do Euro milhões, mas comprei
um bilhete na esperança de ganhar algum prémio.
A razão por que se discute a fé num livro em pensamento crítico é porque em muitas
circunstâncias a crença em algo baseado apenas em fé causa distorção da informação ou
leva-nos a ignorar os dados empíricos e objectivos, isto é; a fé é um mecanismo que activa o
mecanismo psicológico que produz enviesamento de confirmação levando-nos a ignorar ou
mesmo rejeitar toda a evidência que possa contradizer as nossas crenças.
Note que a palavra fé não se aplica exclusivamente ao fenómeno religioso. Muitos cientistas
quando em presença de várias teorias concorrentes pode simpatizar mais com uma do que
com outra e a sua defesa por vezes baseia-se num estado mental semelhante a ter de fé.
Este fenómeno é particularmente frequente em ciências onde certos princípios ainda não
estão bem estabelecidos ou onde é difícil obter evidência através de observações ou
experimentação, como no caso da física quântica, cosmologia e origem ou do universo, ou
composição da matéria negra que preenche o universo. Quando se cria uma hipótese nesta
área de conhecimento, os criadores da teoria têm fé nela. Mas verdadeiros cientistas estão
abertos a abandonar essa fé se a evidência os provar errados. Muitos têm fé na eficácia dum
determinado aparelho ou modelo matemático que lhes vai dar evidência para suportar as
suas crenças científicas.
213
Em casos onde há evidência suficiente para confirmar uma teoria, como por exemplo na
teoria da evolução, qualquer preferência por uma alternativa a esta teoria, como por exemplo
design inteligente ou criacionismo, é uma escolha baseada em fé e não em evidência.
Existem por aí alguns cientistas que sendo especialistas na sua área da ciência, como o
bioquímico Michael Behe têm fé na teoria do design inteligente. Behe tem fé porque na
realidade não tem evidência da verdade daquilo em que acredita.
Se eu digo que a Lua é feita de queijo, estou a fazer uma afirmação de fé. Eu não tenho
qualquer evidência de que existe queijo na composição da Lua. Neste exemplo eu estou a
fazer uma proposição de conhecimento que pode ser verdadeira ou falsa. Esta afirmação tem
o seguinte formato: “Eu sei que a Lua é feita de queijo”. O verbo saber é o que classifica esta
afirmação como uma proposição de conhecimento. A evidência adquirida através da
exploração da Lua, demonstrou que de facto a Lua não é feita de queijo e logo a minha
afirmação de conhecimento é falsa.
Cepticismo
“Aquele que não quer raciocinar é um fanático.
Aquele que não consegue raciocinar é um idiota.
Aquele que não se atreve a raciocinar, é um escravo.”
–William Drummond
Mas será que ter uma atitude crítica exige de nós um cepticismo cego? Antes de
respondermos a esta questão vamos primeiro entender o que significa cepticismo. Este
conceito refere-se à atitude de questionar assuntos relacionados com o conhecimento ou
opiniões e crenças aceites como verdadeiros.
Esta atitude tem origem na filosofia clássica da Grécia Antiga numa escola de pensamento
conhecida como Pirronismo. Um filósofo de nome Pirro de Elis (360-270 AC) é geralmente
creditado com a criação da escola do cepticismo. Esta filosofia sugere que nada pode ser
tomado com certeza, já que os nossos sentidos podem ser facilmente enganados e o
processo de raciocínio é frequentemente escravo dos nossos desejos.
Na linguagem geral, fora do cenário da filosofia, cepticismo é uma atitude de incredulidade e
precaução relativamente à aceitação imediata de verdades putativas sem qualquer evidência
ou suporte. Cepticismo pode também ser definido como o método de suspender qualquer
julgamento, ou evitar dar opiniões, usando dúvida sistémica até se encontrarem razões ou
justificações difíceis de refutar.
Uma atitude céptica é saudável, mas é preciso usar de uma certa precaução e não deixar que
um cepticismo excessivo nos previna de avançar na procura do conhecimento e da verdade.
Na investigação científica e na criação de conhecimento, por vezes é preciso dar asas a uma
certa criatividade e imaginação, sugerindo hipóteses que possam parecer chocantes, mas
que sugerem novas vias de pesquisa.
Credulidade
“Aqueles que te fazem acreditar em coisas absurdas também te
podem levar a cometer atrocidades.” ― Voltaire
O oposto do cepticismo é a credulidade. Uma pessoa crédula é aquela que acredita em tudo
sem qualquer avaliação crítica da mensagem. A credulidade é perigosa pois faz de nós
vítimas fáceis de indivíduos sem escrúpulos. O pensamento crítico é uma forma de nos
protegermos da credulidade ingénua.
214
A nossa sobrevivência depende da informação que colhemos do mundo que nos rodeia. Essa
informação é processada pelo nosso cérebro que decide o que fazer com ela. O primeiro
passo deste mecanismo de decisão consiste em escolher entre dois pontos opostos numa
linha contínua entre dois extremos. Aceitação total e rejeição total sem qualquer escrutínio
analítico. No meio desta linha encontra-se um ponto de dúvida. Este é um ponto saudável,
onde toda a informação recebida é submetida a uma avaliação crítica.
Aceitação
Dúvida
Rejeição
A dúvida é como uma caixa que contém os mecanismos de análise, e quantos mais
processos operam dentro dessa caixa mais abrangente se torna. No entanto é preciso ter
cuidado com a extensão da aplicação do nosso cepticismo, pois ele pode ser tão extenso que
nos inibe de tomar qualquer decisão.
Em muitas situações da nossa vida é preciso acreditar em algo, e especialmente em nós
próprios, para que tenhamos motivação para continuar em frente. Mas acreditar cegamente
pode nos levar a ilusões de grandeza e descurar detalhes que podem ser importantes para
manter o nosso balanço mental e social. Acreditar cegamente pode levar-nos a um optimismo
irreal, enquanto que rejeição reiterada leva a um estado mental de negatividade e
pessimismo. A dúvida deve ser vista como um processo metódico de análise visando a
objectividade e não como um mecanismo de defesa ou preventivo do nosso progresso. A
dúvida deve ser apenas um processo temporário durante a avaliação de todos os factores
que influenciam as nossas decisões.
Dogmas e Axiomas
A aceitação de dogmas é talvez uma das formas mais extremas de ignorar a nossa
capacidade de raciocinar. Um dogma consiste numa ideia ou numa colecção de princípios
que são indiscutíveis e aceite como verdadeiro. Frequentemente o dogma é imposto por uma
autoridade, seja ela real ou mística. Existem dogmas políticos e religiosos, mas raramente
científicos. A ciência formula teorias explanatórias mas essas teorias nunca se transformam
em dogmas, porque estão sempre abertas a questionamentos e reavaliações na presença de
nova evidência.
Convém não confundir os conceitos dogma e axioma. Um axioma é um postulado, ou uma
premissa que se assume ser verdadeira porque é evidente. Por exemplo “a gravidade atrai os
corpos” é um axioma e não um dogma, porque é evidente que as coisas caem em direcção
ao chão.
Epistemologia: Conhecimento e Sabedoria
Em filosofia existe uma especialidade que se preocupa com o conhecimento. Esta área da
filosofia, denominada Epistemologia, questiona como é que sabemos que de facto estamos
em poder de conhecimento, ou melhor; como é que eu sei que aquilo que eu sei é
verdadeiro?
Imagine um universo feito de afirmações, proposições, enfim as premissas que constituem um
argumento. Neste universo temos premissas que são verdadeiras e outras são falsas. Nós
acreditamos nessas premissas se o nosso sistema mental de avaliação as considera
215
verdadeiras. Se achamos que as premissas são falsas, segue que não acreditamos nelas. O
conhecimento é definido como as crenças que aceitamos e são de facto verdadeiras. Se eu
abraço uma crença cujas premissas são falsas, então eu não estou em poder de
conhecimento.
Assim é importante entender os mecanismos que nos levam a chegar à verdade duma
proposição. Eventualmente chegaremos à verdade através da utilização de métodos
empíricos de aquisição de dados e informação.
Mas nem sempre uma pessoa com muito conhecimento é uma pessoa sábia. O
conhecimento pode ser adquirido através da educação, recolha de informação, acumulação
de dados, mas a sabedoria consiste na utilização desse conhecimento de forma que nos
permite tomar as decisões mais correctas envolvendo emoções e princípios morais.
Um computador pode adquirir conhecimento através de programas de aprendizagem de
máquina. Mas terá sabedoria? Eventualmente com a evolução da informática, poderemos
construir computadores que colectam toda a informação possível e aplicam algoritmos
racionais de tomadas de decisão baseados nessa informação e nas regras de moral duma
determinada sociedade produzindo soluções possíveis, mas o que falta neste computador são
as emoções e intuições que inspiraram tais decisões.
A sabedoria é algo que provém da introspecção, auto-análise e uma propensão para corrigir
os nossos erros, abandonar caminhos errados e abraçar novas trilhas mais correctas.
Sócrates foi um homem com muita sabedoria mesmo não tendo o conhecimento dos factos
que nos foram dados pela ciência de séculos mais recentes. Platão, um discípulo de Sócrates
clamou que “não vale a pena viver uma vida não analisada”. A sabedoria requer uma
capacidade para se ter uma compreensão, discernimento e avaliação crítica do nosso
conhecimento.
Um cão, um cavalo, um primata, um corvo, todos os animais com um cérebro podem adquirir
conhecimentos através do armazenamento de informação na sua memória. É mais difícil
clamar que estes animais tenham sabedoria. Até ao presente os métodos utilizados pelas
ciências cognitivas não podem afirmar que existem animais com sabedoria, mas devemos
sempre deixar uma certa margina para dúvida e assumir que os métodos à nossa disposição
no presente não são adequados para avaliar o que se passa dentro da mente dos animais
não humanos.
Uma pessoa com sabedoria é aquela que usa a razão e o pensamento crítico para examinar
a informação que recebe, evitando bias e erros dade percepção. Uma pessoa sábia é aquela
que está consciente da sua própria ignorância.
Raciocínio enviesado e a comunicação com os espíritos
Quando eu estava no segundo ano da faculdade na véspera do exame de química orgânica,
formamos um grupo de estudo e encontrámo-nos na casa dum colega para fazer a revisão da
matéria. No intervalo do estudo alguém se lembrou de ir buscar um tabuleiro de Ouija e
comunicar com os espíritos. Este tabuleiro tem todas as letras do alfabeto formando uma
circunferência, e as palavras sim e não respectivamente à esquerda e à direita do centro
onde se encontra um copo de vidro ou um pequeno prato com uma seta indicadora. Quem se
216
interessa por estas coisas de espiritismo reconhece que esta é uma forma de “comunicação”
com os espíritos, onde um grupo de pessoas assenta as pontas dos dedos muito levemente
com o copo e sente o seu movimento para cada letra formando palavras que vão responder
às questões colocadas aos espíritos pelos participantes.
A primeira questão começa por “está algum espírito presente?” e com os dedos pressionando
levemente sobre o copo, espera-se que este se mova para cima da palavra sim ou não. Aqui
está o primeiro paradoxo, isto é; se a resposta é não, e o espírito moveu o copo para essa
palavra, então é difícil de explicar como não estando nenhum espírito presente “ele” moveu o
copo. Mas na maioria dos casos o copo move-se para a palavra sim. A sessão segue com a
pergunta do nome do espírito. Assim que o copo se move para a primeira letra, cada
participante começa a pensar em possíveis nomes que começam por essa letra. Á medidas
que o copo se vai movendo sobre a placa, as letras são seleccionadas numa sequência que
começa a fazer sentido. Por exemplo, se a primeira letra foi M, podemos pensar numa série
de nomes como Maria, Mário, Manuela Miguel, Mota, etc. Mas se a segunda letra for um a, já
exclui a possibilidade de Miguel ou Mota. Se a terceira letra for um r, já estamos quase a
adivinhar que será uma Maria, um Mário, um Marco ou um Marcolino, e assim
sucessivamente. Há medida que nos aproximamos dum nome que faz sentido, o copo movese cada vez mais rápido. O que se passa aqui? O espirito de algum Marco está presente na
sala? Talvez Marco Polo?
Na verdade este é um fenómeno criado pelos micromovimentos ideomotores de cada
participante. A palavra ideomotor significa que os nossos músculos são activados por ideias
que se formulam na nossa mente e não temos consciência de que estamos de facto a
controlar esses movimentos. No caso do nome do espírito, no início ninguém sabe o que
pensar, mas há medida que as letras vão aparecendo, a mente do grupo começa a
concentra-se nas soluções prováveis trabalhando em uníssono, e logo todos pressionam o
copo inconscientemente para uma palavra que todos conhecem. Se o grupo fosse constituído
por elementos de diversos países, onde ninguém conhecesse a língua uns dos outros,
decerto seria mais difícil reconhecer um nome que fizesse algum sentido.
Nestes grupos há sempre alguém que é mais crédulo do que outros, e o movimento do copo
será influenciado por esta pessoa, levando todos os outros a seguir esse movimento
acabando por formular as palavras que as pessoas mais susceptíveis estão a imaginar. Cada
pessoa pensa que está apenas seguindo o movimento do copo e não exercendo força para o
copo se mover.
Nessa sessão, perguntámos ao espírito para nos dar alguns exemplos das questões que
supostamente sairiam no exame de química. E claro que neste caso a mensagem foi mais
confusa. Provavelmente Marco, na sua forma etérea e imaterial não tinha acesso aos cofres
da secretaria da Faculdade onde os exames estavam guardados. Mas algumas palavras
como “alcanos” e “anel benzénico” apareceram na sequência de letras da resposta. Isto tem
uma explicação lógica já que estávamos todos supostamente a estudar para um exame de
química orgânica e a matéria óbvia destes exames são os compostos aromáticos baseados
na estrutura do benzeno. Interessante seria se o espírito falasse Latim ou Tailandês!
Curiosamente sempre falam a língua das pessoas que estão no grupo!
217
Escusado será dizer que este exercício não deu muito resultado para o sucesso do exame e
se tivéssemos passado o tempo a ler as trezentas e tal páginas do livro “Introdução à
Química Orgânica” teria sido uma tarde muito mais produtiva.
Moral da história; se tivéssemos sido mais críticos e em vez de passar horas a falar com o
além tivéssemos usado esse tempo na revisão da matéria, talvez alguns de nós poderiam ter
evitado repetir o exame no segundo semestre. A credulidade pode custar caro!
Problemas com o apelo à autoridade
Em 1963, o psicólogo Stanley Migram, intrigado com as atrocidades dos Nazis durante a
Segunda Guerra Mundial, elaborou uma experiência para testar até que ponto uma pessoa
estaria disposta a obedecer a ordens emitidas por uma autoridade.
Nesta experiência ele disse às pessoas testadas que estavam a participar num estudo sobre
aprendizagem. A pessoa teria que administrar choques eléctricos punitivos a outro individuo
cada vez que ele fizesse um erro. O que a pessoa testada não sabia era que o outro era um
actor e cada vez que via o sinal activado pelo individuo do teste, simulava uma reacção de
quem estava a receber um choque. Verificou-se que o individuo testado, sob comando do
psicólogo, administrava choques de intensidade cada vez mais alta, capazes de matar
qualquer humano de ataque de coração. Estas pessoas não questionaram a qualquer
momento a autoridade do pesquisador mesmo que isso causasse dano a outros. Uma das
explicações oferecidas para tal comportamento sugeria que a pessoa executando a acção,
não sentia qualquer responsabilidade nas consequências dos seus actos, pois a acção era
comandada por outrem, que estava ao seu lado com uma bata branca simbolizando
autoridade. Estas pessoas delegaram a sua responsabilidade moral para a autoridade.
A obediência cega à autoridade, mais a tendência do comportamento de rebanho são os
factores com mais peso num comportamento totalmente desprovido de qualquer tipo de
avaliação critica.
A obediência tem um papel importante na estabilidade social e muitos estudos sobre este
assunto têm sido o foco de pesquisa em psicologia. Os psicólogos sociais consideram que
muitas das acções malévolas como obedecer a ordens perniciosas, são consequência de
influências situacionais, mas estudos mais recentes indicam que existem também
características de personalidade que predispõem alguns a indivíduos a serem mais receptivos
a obedecer ordens cegamente. Curiosamente as pessoas que parecem ser as mais
amigáveis num contexto social, pretendendo agradar a todos são as mais perigosas. No seu
desejo de serem apreciadas pelos elementos do grupo, têm uma predisposição para
obedecer a pressões dos seus pares e da autoridade. Por outro lado, características que
definem personalidades com tendências maia desagradáveis ou anti-sociais estavam mais
dispostos a sacrificar a sua popularidade tomado decisões mais justas e moralmente
aceitáveis.
Em tempos recentes temos assistido a exemplos de pessoas que se recusam a obedecer a
essa autoridade quando acham que aquilo que executam vai contra os princípios morais e a
decência. Edward Snowden é um bom exemplo disto. Um técnico de informática que
trabalhava para a CIA, discordante dos métodos utilizados para espirar sobre milhões de
cidadãos comuns, ele revelou essa informação para os meios de comunicação social
iniciando um processo de crise política. Nesta investigação descobriu-se que a Agencia de
Segurança Nacional dos Estados Unidos estava a espiar os telefones privados de alguns
políticos Europeus.
218
Edward Snowden pagou caro pelo seu acto de decência moral. Presentemente está a viver
em exilio porque é procurado pelas autoridades americanas.
Actos morais de desafio da autoridade podem ser caros para o agente do acto, e o processo
mais fácil é atribuir responsabilidade a autoridades desconhecidas. Encolher os ombros e
render-se a uma atitude de que nada vai mudar é uma atitude cobarde e irresponsável.
Fechamos este capítulo com a seguinte pergunta: É esta a sociedade em que queremos
viver?
219
Conclusão
Em 2002 quando se discutia nos Estados Unidos a possível invasão do Iraque, o então
Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld foi questionado pelo Departamento de Defesa sobre
a existência de evidência para suportar essa invasão. Esta foi a resposta que ele deu:
Original:
“Reports that say that something hasn't happened are always interesting to me,
because as we know,
(1) there are known knowns; there are things we know we know.
(2) We also know there are known unknowns; that is to say we know there are some
things we do not know.
(3) But there are also unknown unknowns -- the ones we don't know we don't know.
And if one looks throughout the history of our country and other free countries, it is the
latter category that tends to be the difficult ones.”
Tradução:
Os relatórios que dizem que algo não ocorreu, são sempre interessantes porque
como sabemos,
(1) Existem conhecimentos conhecidos; existem coisas que sabemos que sabemos.
(2) Também sabemos que existem conhecimentos desconhecidos; é o mesmo que
dizer que existem algumas coisas que não sabemos
(3) Mas também existem desconhecidos desconhecidos—aqueles que não
sabemos que não sabemos
E se observarmos a história do nosso país e de outros países livres, a ultima
categoria é aquela que tende a ser a mais difícil.
Esta é uma peça de retórica interessante cuidadosamente planeada para confundir os
questionadores e levar a cabo a invasão do Iraque. Mas se nos debruçarmos com cuidado
sobre o sentido das frases, verificamos que elas encerram uma verdade que pode ser
resumida numa forma simplificada do seguinte modo.
(1) Há coisas que nós temos conhecimento, logo sabemos algo sobre essas coisas.
(2) Existem coisas das quais temos conhecimento de sua existência mas não
sabemos o que são. Por exemplo, sabemos que o Universo existe, mas ainda não
sabemos como se originou. No passado sabia-se que existia algo na atmosfera que
permitia a existência de chamas. Essa coisa era denominada phlogiston, hoje
sabemos que se chama oxigénio, sem o qual as chamas não podem ocorrer.
(3) Existem coisas que não sabemos que existem. Por exemplo até há bem pouco
tempo não sabíamos da existência da partícula de Higgs. Darwin não sabia da
existência do ADN e muitos de vós provavelmente até chegarem ao final deste livro,
não sabiam da existência duma disciplina chamada pensamento crítico e da sua
importância no nosso dia-a-dia.
O ponto 3 é talvez o mais difícil de resolver. Enquanto vivemos na ignorância dum facto não
temos consciência da diferença que esse facto poderia fazer na nossa vida. Por vezes uma
diferença para pior, outras vezes para melhor mas na maior parte das vezes o conhecimento
desses desconhecidos contribui para a nossa aprendizagem, mudança e progresso, porque a
vida é um trilho dinâmico e não uma paragem de autocarro. É minha esperança que este livro
tenha contribuído para os passos que permitem o avanço na trilha da vida.
220
Notas complementares aos capítulos:
Capítulo 5:
Diagramas de Venn e Euler http://blog.visual.ly/euler-and-venn-diagrams/
Capítulo 11:
Rationalism vs. Empiricism. Stanford Encycopedia of Philosophy
http://plato.stanford.edu/entries/rationalism-empiricism/
Capítulo 17:
Sobre as profecias de Nostradamus relatadas no Skeptics Dictionary
http://www.skepdic.com/nostrada.html
Capítulo 22:
Para mais informação sobre número de genes nas diversas espécies visite a página Homologene.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/homologene
Capítulo 25:
Para mais informação sobre Darwinismo Social veja: http://en.wikipedia.org/wiki/Social_Darwinism
Capítulo 27:
Sobre as Bonecas Sexuais Japonesas
http://aidoll.4woods.jp/en/
http://www.dailymail.co.uk/news/article-2722779/Japans-sex-doll-industry-reaches-level-creationperfect-artificial-1-000-Dutch-Wife-comes-realistic-feeling-skin.html
Capítulo 28:
Autópsia do extra terrestre de Roswell ( http://en.wikipedia.org/wiki/Roswell_UFO_incident)
Formações geométricas que apareceram nos anos 70 em plantações de cereais no Reino Unido
(http://en.wikipedia.org/wiki/Crop_circle )
Ilusão de óptica : Fonte da foto do camião
(http://theultralinx.com/2014/01/optical-illusion-game-mind-bendingly-clever-video.html)
Mais falácias sobre o pensamento desejoso http://www.fallacyfiles.org/wishthnk.html
Vídeo da experiência executada por Christopher Chabris e Daniel Simons:
(http://www.theinvisiblegorilla.com/gorilla_experiment.html)
Capítulo 29: Propaganda e Retórica
When Does Rhetoric Become Propaganda? By Joseph H. Boyett, Ph.D.
Won’t Get Fooled Again: http://www.jboyett.com/files/When_Does_Rhetoric_Become_Propaganda.pdf
New Age Bullshit Generator http://sebpearce.com/bullshit/
Corporate Bullshit Generator http://www.atrixnet.com/bs-generator.html
Tillich, P. 1957- Dynamics of faith. Harper Collins Publishers. NY
Capítulo 32: Aplicações da arte de raciocinar
221
Milgram Experiment http://en.wikipedia.org/wiki/Milgram_experiment
Bégue, L., Beauvois, J.-L., Courbet, D., Oberlé, D., Lepage, J. and Duke, A. A. (2014), Personality
Predicts Obedience in a Milgram Paradigm. Journal of Personality. doi: 10.1111/jopy.12104
Michael Behe é um exemplo dum cientista que acredita em design inteligente:
http://en.wikipedia.org/wiki/Michael_Behe
Edward Snowden: http://en.wikipedia.org/wiki/Edward_Snowden
Recursos Online
Bad Science http://www.badscience.net/
Bias and Belief http://biasandbelief.wordpress.com/2009/06/01/attribute-substitution/
Center for Enquiry http://www.centerforinquiry.net/
Critical Thinking Handbook http://www.webpages.uidaho.edu/crit_think/
Comunidade Céptica Portuguesa http://comcept.org/
Guide to Logical Fallacies http://www.pnl-nlp.org/download/propaganda/page2.htm
Glossary of Critical Thinking Terms
http://www.criticalthinking.org/pages/glossary-of-critical-thinking-terms/496
Good Thinking Society http://goodthinkingsociety.org/
Internet Encyclopedia of Philosophy.Fallacieshttp://www.iep.utm.edu/fallacy/
Logical Fallacies http://onegoodmove.org/fallacy/
The Nizcor Project http://www.nizkor.org/features/fallacies/
The Skeptic http://www.skeptic.org.uk/inquirer/
The Skeptic Society http://www.skeptic.com/
Milgram Obedience Study https://www.youtube.com/watch?v=fCVlI-_4GZQ&feature=youtu.be&t=2m43s
Natural Machines https://anabelapinto.wordpress.com
The Fallacy Detective http://www.fallacydetective.com/
The Critical Thinking Community http://www.criticalthinking.org/
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