A Marcha da Insensatez – As Crises Energética e Econômica no

Transcrição

A Marcha da Insensatez – As Crises Energética e Econômica no
A Marcha da Insensatez – As Crises Energética e Econômica no Mundo
do Capital
Felipe Campos C. Coutinho *
Hoje, o brasileiro que é qualificado pelos porta-vozes do poder midiático como formador
de opinião assiste a crise pelos meios das Organizações Globo e da editora Abril. Com o
objetivo de obter audiência, vender revistas e alienar as consciências é montado mais um
espetáculo, o espetáculo da crise, o “Abalo Global”. O expectador recebe assim as opiniões
que deve passar a repetir. Para que o espetáculo permaneça mais tempo com audiência
elevada o público é levado a sentir emoções variadas. O medo: a bolsa que cai, a inflação, o
desemprego, o pior que ainda não chegou. A esperança: Obama, o Brasil fora da crise. A
felicidade: a bolsa que sobe, o pior que passou. A cada dia, novas emoções para manter o
interesse. Um desfile de “especialistas” a repetir clichês e superficialidades, a explicar o porquê
da subida ou queda ocorrida nas Bolsas de Valores. Assim se refazem da labuta diária estes
brasileiros que vivem como trabalhadores, mas pensam como os patrões. No dia seguinte
acordam cedo para que, depois de engarrafados em seus meios individuais de transporte,
possam começar mais um dia de trabalho.
Longe desta realidade, lendo as noticias nas manchetes dos jornais expostos nas
bancas, trabalhando em dois ou três empregos, nos coletivos por até quatros horas por dia, no
trabalho no campo, a maioria dos brasileiros ainda desorganizados, vivem cada dia e suas
agonias. Não ousam opinar, concordam com o patrão para viver, de bico em bico, de jeitinho
em jeitinho, garantem o pão, o leite e a cachaça de cada dia.
Nos meios alternativos de comunicação encontramos analistas determinados a tentar
desvendar os nossos dias. É dever de todos que estejam comprometidos com o futuro dos
seus filhos e do conjunto da Humanidade entender o que ocorre. É necessário estar à altura do
nosso tempo, para que conscientemente assumamos o papel de sujeitos de nossa História.
Tento contribuir para a compreensão da relação que muitos acreditam existir entre a atual crise
do capitalismo e a crise energética.
O Ciclo Capitalista de Acumulação e Produção
Não é meu objetivo detalhar o funcionamento do sistema capitalista, no entanto passo
a descrever superficialmente como ele se dá para que possamos tentar entender como a
restrição da disponibilidade de energia abundante e barata pode afetá-lo.
* Felipe é engenheiro de processamento, trabalha na Petrobrás e é vice-diretor da Associação dos
Engenheiros da Petrobrás (AEPET), artigo escrito em dezembro de 2008
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Produção de
bens
e
serviços
Acúmulo de
capital
Premissas:
Maximiza o Lucro:
Disponibilidade de:
-
Desvaloriza o trabalho;
–
Trabalho e natureza a explorar;
-
–
Mercados;
Exploração insustentável
dos recursos naturais
–
Energia
Busca novos mercados e
trabalho barato;
Destrói:
Cria mercados:
-
O mercado;
-
Guerras;
-
O meio ambiente;
-
Publicidade (cria necessidades);
-
Parcialmente
acumulado;
Usa o Estado que:
-
Disponibiliza crédito para o consumo
e para a produção por meio de
dívida pública;
-
Garante a propriedade privada dos
meios de produção - opressão;
-
Socializa os prejuízos;
o
capital
Ciclo Capitalista de Acumulação e
Produção
Figura 1: Ciclo capitalista de acumulação e produção (simplificado)
A Acumulação do Capital
A partir da acumulação primária e com o objetivo de reproduzir o capital, os
agentes capitalistas, senhores dos meios de produção materiais e imateriais, impulsionam a
dinâmica da produção capitalista. Origem e destino, a acumulação capitalista é ao mesmo
tempo o início e o fim da ação capitalista.
Produção de Bens e Serviços
Com o objetivo de auferir lucros e se apropriar da riqueza gerada pelo trabalho
de transformação dos recursos naturais ou da prestação de serviços diversos são criados ou
ampliados os meios de produção por meio do capital acumulado.
Maximização dos Lucros
Para maximizar os resultados da ação do capital os gestores dos meios de
produção passam a se dedicar a aumentar a eficiência da apropriação da riqueza gerada. São
objetivos da gestão: a desvalorização do trabalho e a máxima exploração dos recursos
naturais. Os gestores recebem ou se concedem prêmios pelo desempenho. As metas de curto
prazo são normalmente as únicas e a exploração insustentável dos recursos naturais é
praticamente a regra, especialmente na atuação em países da periferia do capitalismo.
Destruição
A produção não planificada socialmente e a dinâmica anárquica do capital
promove a destruição do mercado consumidor, com a desvalorização do trabalho, e a
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indisponibilidade dos recursos naturais a transformar, pela devastação ambiental. A etapa
destrutiva do ciclo consome parcialmente o capital acumulado até então.
Novos mercados, novos trabalhadores, novos recursos naturais e o Estado
Para iniciar mais um ciclo de recuperação do patrimônio capitalista os agentes
burgueses buscam novos mercados a incorporar a sociedade global do consumo. Sempre e
mais uma vez buscam trabalhadores mais baratos e desorganizados a explorar. Em todo o
globo buscam os recursos naturais ainda disponíveis para predar.
Nos mercados maduros, já incorporados a cultura do consumo, os agentes do
capital buscam a sua renovação incessante por meio do crédito e da publicidade que, com
vultosos montantes de recursos, cria novas necessidades inadiáveis e associa a felicidade ao
consumo até em crianças.
O cenário acalentador da exploração capitalista é a democracia burguesa. O
público, incauto e inconsciente de que em breve tomará parte do espetáculo romanesco como
item do banquete, vê no cenário da democracia burguesa a ilusão de que o povo dita as regras
e está no poder. Vê na sucessão de políticos como gestores do Estado a desejada mudança no
poder. Cegos ao poder econômico que condiciona a política e aliena a todos pelos diversos
meios de entretenimento alienante das massas.
O Estado garante a disponibilidade de crédito ao consumo e a produção
capitalista, por meio de aumento da dívida pública. Garante a propriedade privada dos meios
de produção por meio da repressão dos seus agentes policias e da “Justiça”. Enfim, socializa
os prejuízos, saneia os cofres dos barões do capital e contribui para o início de mais do
mesmo.
Premissas para que o ciclo possa girar
Para que a roda da ação capitalista possa girar são necessários que exista
trabalho e natureza a explorar, novos
necessidades
a
criar
e
energia
infinita, abundante e mais barata
possível.
analisar
Neste
o
artigo
papel
pretendo
que
a
indisponibilidade da energia teve e
continuará a ter na atual crise do
Produ ção de petr óleo
mercados a incorporar ou novas
sistema capitalista de produção em
sua fase global ou imperial.
Tempo
Figura 2: O Ciclo, a produção de petróleo e o tempo
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No passado o sistema capitalista soube superar suas crises, pois sempre
dispôs de novos mercados a agregar, novas necessidades a criar, novos trabalhadores a
explorar, mais recursos naturais a predar, do Estado a garantir a propriedade privada dos
meios de produção e a prover mais crédito, além de energia abundante e barata.
Passo agora a descrever os fenômenos mais específicos de mais esta crise
capitalista que, como as outras, seguem o modelo geral que foi resumidamente descrito
anteriormente. Interessa destacar as características singulares desta crise e esclarecer o
porquê de que, provavelmente, ela seja a mais importante já ocorrida até hoje, visto que
vivemos uma restrição nova, a restrição da disponibilidade de energia.
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Figura 3: Ciclo capitalista referente à crise atual
A Ampliação do Mercado Norte-Americano pelo Crédito: A Bolha Imobiliária
O mercado ianque é composto por uma sociedade cada vez mais desigual e
pauperizada em conseqüência da desvalorização do trabalho e da degradação e privatização
de serviços públicos básicos como a saúde e a educação Com o objetivo de revigorar o maior
mercado do mundo ampliou-se o crédito via o financiamento e re-financiamento dos imóveis. O
aquecimento do mercado imobiliário provocou a valorização dos imóveis e possibilitou que
enormes montantes de recursos financeiros fossem disponibilizados para o consumo pela
prática do re-financiamento. Famílias cujo padrão de consumo não era compatível com suas
rendas encontraram assim a saída para manter o consumo ou mesmo ampliá-lo por meio do
endividamento.
O aumento da disponibilidade de crédito barato foi possível pela maior
disponibilidade de meio circulante, papel moeda, dólares e títulos públicos emitidos pelos
bancos privados que detém tal prerrogativa nos EUA. O aumento da dívida pública norteamericana foi possível pela anuência das principais países do mundo em adotar o dólar como
reserva de valor e meio de comércio sem a necessidade de haver lastro com alguma riqueza
tangível. A China teve papel importante no enchimento da bolha, pois enquanto financia o
governo ianque para viabilizar o crédito e o consumo dos empobrecidos norte-americanos,
produz os bens de consumo e acumula reservas em dólares decorrentes do superávit
comercial com os EUA.
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Tudo acompanhado de muita propaganda, da associação entre felicidade e
consumo, dos mais desenvolvidos meios de persuasão psicológica a impelir a manada atônita
a tomar dívidas e consumir.
Mais Dólares, Inflação e Demanda por Energia, com Menos Disponibilidade de
Energia, é Igual a Mais Dívida e Elevação dos Preços do Petróleo
O crescimento econômico turbinado pelo crédito barato resulta em maior
demanda por energia nos mercados maduros e principalmente nos novos mercados, como os
da China e da Índia. A demanda por petróleo não foi acompanhada pelo aumento proporcional
da produção que não dispunha de sobre capacidade instalada e vivia o declínio dos maiores
campos de petróleo.
Os preços internacionais do petróleo também são impulsionados pela
enxurrada de dólares e conseqüente inflação mundial em dólares.
Para manter o crescimento as autoridades norte-americanas promovem mais
do mesmo, mais crédito barato, mais dólares e mais dívida. A China financia, cresce e acumula
reservas em dólares.
Insolvência das famílias endividadas, mais casas no mercado, deflação,
recessão, escassez de crédito: o colapso da Bolha
Com a inflação, decorrente do aumento do preço
do petróleo e da maior disponibilidade de moeda, as taxas
variáveis de juros dos contratos hipotecários são reajustadas. As
famílias cujas rendas provêm de trabalho precário e mal
remunerado e que não dispõe de serviços públicos básicos
(incluindo transporte) vêem sua renda se deteriorar. Maiores
parcelas são necessárias para despesas com energia (transporte
privado e aquecimento) e para pagar a hipoteca. Insolventes
começam a entregar suas casas aos bancos que exercem seus
direitos, defendidos pelo Estado e pela Justiça, de executarem os
despejos por falta de pagamento.
Os bancos, agora proprietários de muitos imóveis, inundam o mercado
imobiliário. Sem novos compradores, os preços despencam, a bolha estoura. Fim do crédito,
fim do consumo, fim do crescimento econômico, início da etapa de destruição. Chamem o
Estado!
Entra o Estado, socializa os prejuízos, mais endividamento público e surra em
quem criticar
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Para minimizar a destruição do capital acumulado, recuperar a economia e
manter a ordem entra o Estado. Como é característico das democracias
burguesas não são raros os discursos de políticos defendendo o interesse
público que estaria intimamente ligado ao interesse das maiores corporações
financeiras e industriais privadas. Os EUA se endividam, o mundo que
comercializa e acumula reservas em dólares financia, o trabalho se torna mais
precário e desvalorizado, o capital se prepara para mais um ciclo de
acumulação.
Para reanimar a economia mais guerras, mais publicidade, mais energia.
As premissas: trabalho, natureza, mercados, crédito e energia
Das premissas requeridas para mais um ciclo de acumulação ainda existe
trabalho, recursos naturais e mercados a explorar. O crédito quem paga é o trabalhador de
todos os continentes cujos impostos sustentam o financiamento internacional ao governo norteamericano.
Quanto à energia, que não deixa de ser um recurso natural, não podemos
afirmar que não vivamos com restrição. O crescimento infinito é inviável e nenhum agente do
capital nega este fato, mas desviam dele e sempre afirmam que não viveremos esta época.
Afirmam: “nossos filhos e netos que se virem”, “a tecnologia vai resolver”.
A restrição energética, a impossibilidade absoluta do crescimento infinito, o
pico da produção do petróleo, a inexistência de sucedâneo para o petróleo são fatos do nosso
tempo. A recuperação do crescimento econômico será, mais uma vez, contida pela restrição
energética.
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O futuro: quem irá escrever a História do novo mundo?
O capitalismo tem se adaptado e utilizado suas crises para se expandir, à custa
de muito sofrimento e destruição é verdade, mas tem sobrevivido. No entanto nunca teve que
lidar com uma restrição desta magnitude.
O mundo que conhecíamos não mais voltará a ser
como antes. As páginas da História estão em branco, não está
definido quem irá preenchê-las. A Humanidade pode viver tempos
sombrios, experiências dramáticas, mais sofrimento e dor do que
aqueles impostos pelo capitalismo no século passado. Mas a
oportunidade para superação do modelo está dada, é necessário que
estejamos à altura do nosso tempo.
Conheçamos as armas dos que nos subjugam: a democracia burguesa, a
publicidade, os meios de manipulação das massas, a competição internacional. Empunhemos
as nossas: o planejamento, a eficiência energética, a racionalidade no consumo, a cooperação,
a socialização dos meios de produção e de comunicação, e a cooperação internacional.
A crise evidencia a verdade que valorosos homens e mulheres nunca deixaram
de tentar revelar: a desumanidade do sistema capitalista de acúmulo e de produção. As
pessoas, com a crise, serão mais sensíveis as teses humanitárias. Conquistemos cada
consciência cotidianamente. Minimizemos o sofrimento utilizando o conhecimento acumulado
pelo Homem para o bem do Homem. Ensinemos e aprendamos com o povo, nos locais de
trabalho, nos sindicatos, nas associações de bairro, nos meios de comunicação populares e
pela internet. Aprendamos com a teoria e com a prática. Não nos iludamos, não será fácil viver
os nossos tempos, que estejamos a sua altura.
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