teses da conferência sobre a américa latina

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teses da conferência sobre a américa latina
TRIBUNA CLASSISTA – AGOSTO DE 2016
PELA UNIDADE SOCIALISTA DA AMÉRICA LATINA
TESES DA CONFERÊNCIA
SOBRE A AMÉRICA LATINA,
CONVOCADA PELO PO DA ARGENTINA E O PT DO URUGUAI
Nos dias 15, 16 e 17 de julho foi realizada em Montevidéu a Conferência Latinoamericana pelo
reagrupamento da esquerda revolucionária e do movimento operário. Analisou-se a bancarrota das
experiências nacionalistas burguesas nos países da região e sob a perspectiva estratégica da Unidade
Socialista da América Latina.
Participaram cerca de trezentos ativistas e militantes dos movimentos sociais, partidos políticos e
sindicatos, que debateram uma saída independente da classe operária e os explorados do continente diante
da crise capitalista que tem um alcance mundial.
O PT do Uruguai e o Partido Obrero da Argentina foram os principais convocantes do evento, que teve a
participação de delegações do Brasil, Chile, Paraguai, Venezuela, Bolívia e México, além da Argentina e do
Uruguai, obviamente.
O Tribuna Classista do Brasil se fez representar por uma delegação que assumiu como sua integralmente as
teses políticas aprovadas nesta alvissareira iniciativa internacionalista, que são o resultado de três dias de
intensos e riquíssimos debates que apontaram uma perspectiva de emancipação política e social do
proletariado latinoamericano e de toda a América Latina do jugo do imperialismo e das suas burguesias
retardatárias.
Nesse sentido, a Conferência Latinoamericana deve ser projetada para a próxima etapa através do estudo e
da discussão das teses aprovadas com todos os agrupamentos e ativistas do movimento operário que
buscam a alternativa da independência de classe.
1.
estão condicionadas pelos seus programas e por suas
políticas precedentes e até pelos compromissos amarrados
na fase que agora está se esgotando.
O aspecto político mais proeminente que
confronta a esquerda da América Latina é o
colapso dos governos nacionalistas ou de
centro-esquerda, do chavismo na Venezuela até o petismo, o
Kirchnerismo e o 'luguismo' no Brasil, Argentina e Paraguai,
respectivamente. Dentro desta tendência aparecem no radar
a “Frente Cidadã”, no Equador, o indianismo na Bolívia e a
Frente Ampla no Uruguai. Outro aspecto crucial é o destino
da Revolução Cubana.
Nacionalismo burguês
2.
O colapso das experiências nacionalistas em
questão é, antes de mais, um resultado político
concreto da bancarrota mundial capitalista, que
assumiu um caráter de conjunto da crise bancária-hipotecária
de meados de 2007. É uma conseqüência política objetiva do
colapso capitalista. Em graus diferentes, a bancarrota
capitalista tem afetado a todos os regimes do mundo inteiro,
desde, por exemplo, as revoluções árabes até o recente
referendo sobre a separação da Grã-Bretanha da União
Européia. Na América Latina, é evidente de Porto Rico e
Cuba até a Colômbia. É retomada com toda força a
atualidade da questão da independência nacional de Porto
A situação política em que se encontra a esquerda
na nova etapa está determinada, em grande medida, por sua
política durante a experiência nacionalista. Por isso, para
lidar com o novo período é necessário um balanço rigoroso
da ação política na fase anterior. O conjunto das forças
políticas presentes, sejam burguesas e principalmente a
esquerda, não entram nesta etapa como um papel em
branco, que estaria aberto abstratamente a todas as
possibilidades oferecidas pelo novo período. Pelo contrário,
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TESES DA CONFERÊNCIA SOBRE A AMÉRICA LATINA
Rico. É necessária a análise materialista deste colapso
político.
Longe de ter se esquivado da bancarrota capitalista
mundial, a gestão política nacionalista (às vezes chamada de
progressista) operou para converter a nações da América
Latina em um despejo de lixo do capital financeiro
internacional - que encontrou nessas gestões o mercado
para seus excedentes de produção, rentabilidade dos
investimentos financeiros e a recuperação de seus créditos
incobráveis. As empreiteiras de obras públicas 'nacionais'
tiveram uma expansão sem precedentes no Brasil (claro!), na
América Central, Venezuela, Cuba, Peru e Argentina,
acompanhadas de um elevado endividamento internacional e
um festival de superfaturamentos.
Empurrado para o poder político por bancarrotas
econômicas extraordinárias, desde o início da década de
1990, o nacionalismo de conteúdo burguês esgota-se agora
como resultado do aumento e aprofundamento daquelas
bancarrotas. O chavismo e o nacionalismo militar
venezuelano emergiram do ajuste criminoso do governo AD,
em 1989, e do caracaço; o kirchnerismo, uma metamorfose
do menemismo como conseqüência do argentinaço; o longo
processo de desenvolvimento do PT culmina no governo de
Frente Popular, em 2003, após a bancarrota brasileira que se
sucedeu à crise asiática, o colapso financeiro da Rússia e
explosão, de alcance sistêmico, do fundo LCTM dos Estados
Unidos. Os ascensos de Evo Morales e Rafael Correa, nesse
mesmo período, 2000/4, foram o resultado retardatário e
distorcido de grandes insurreições das massas, detonadas
pelas crises das privatizações anteriores.
O colapso das experiências nacionalistas vem
acompanhado pelas falências das empresas estatais e
privadas (da Odebrecht e o complexo em volta da Petrobras
até as telecom ou a siderurgia no Brasil, ou a YPF e sistema
energético na Argentina e Pdvsa; déficits fiscais
extraordinários e, finalmente, o defol de fato da dívida
externa, que só é honrada com novas dívidas de taxas
onerosas e a venda de ativos industriais).
Como resposta defensiva à crise mundial, o
nacionalismo burguês encontra seus limites intransponíveis
nesta mesma crise mundial e no declínio histórico do
capitalismo.
4.
As experiências nacionalistas das duas décadas
recentes estão muito aquém das realizações das
que a precederam – como o primeiro peronismo,
o varguismo, o nacionalismo boliviano desde a guerra do
Chaco ou o velazquismo equatoriano. Rafael Correa segue
empenhado ainda em conciliar a proposta nacionalista com a
dolarização e a autonomia econômica com o rentismo
petroleiro. Para isso contraiu, da mesma maneira que a
Venezuela, uma dívida impagável com a República Chinesa,
contra a garantia da entrega do petróleo. Ao “eterno retorno”
do nacionalismo aplica-se aquela frase de Marx em relação à
repetição da história. O sujeito histórico do nacionalismo – a
burguesia nacional -, que, além disso, se faz por movimentos
pequeno burgueses, militares ou inclusive de “trabalhadores”
(PT), é mais impotente que nunca para encarar uma iniciativa
nacional autônoma, no marco da decadência do capitalismo
mundial. As segundas partes não foram, então, melhores; o
nacionalismo é uma proposta historicamente em retrocesso,
inclusive quando assume posições nacionais progressivas de
caráter parcial. O chavismo destacou-se como uma tentativa
de ir mais longe que os que lhes precederam desacreditados
dos adecos, e a distribuição corrupta do aparato do estado
pelo Pacto do Ponto Fixo.
3.
O processo nacionalista burguês das últimas
duas décadas caracteriza-se, além disso, por
uma proposta de desenvolvimento capitalista
fortemente parasitário. Nos meandros da crise mundial, a
América Latina assistiu a dois ciclos de grandes aumentos
dos preços internacionais das matérias-primas. Foram
descritos como o fim da tendência à deterioração dos
resultados negativos do intercambio comercial. Os superávits
comerciais causados por estes aumentos deram origem, por
sua vez, a um novo ciclo do endividamento internacional
(público e privado), promovido pelo apoio oferecido pelo
crescimento das reservas internacionais. O pagamento da
dívida externa herdada foi feito com a emissão de dívida
interna e o esvaziamento dessas reservas. A abundância de
liquidez foi aplicada à expansão sem precedentes do crédito
ao consumo, a taxas de juros excepcionais ou subsidiadas
pelo Estado.
Desenvolveu-se, dessa forma, um populismo
“bancário”, que engordou os benefícios financeiros em
detrimento de uma hipoteca crescente das famílias. Foi uma
versão latino-americana dos créditos "subprime", que
detonaram a crise nos Estados Unidos. Os chamados planos
sociais, em muitos casos financiados pelo Banco Mundial,
embelezados pelo 'conto' do fomento do consumo,
esconderam a falta de criação de emprego e a quase
nenhuma industrialização, e agora estão ameaçados por
enormes déficits fiscais (que eles obedecem, é claro, a
outras razões, em primeiro lugar o pagamento de juros
usurários da dívida pública e o financiamento público
subsidiado para os capitalistas). O mito da criação de uma
classe média se derrete agora à vista de todos como a neve
às vésperas do verão.
O socialismo do século XXI
5.
O esforço do chavismo por fundamentar sua
experiência em termos bolivarianos (unidade
continental) ficou sem destino - até mesmo as
iniciativas do gasoduto do Sul ou do banco do sul. Estas
propostas não foram levadas em conta quando se aprovou a
entrada da Venezuela no MERCOSUL, ou quando se criou o
Unasul (um veículo de exportação das empreiteiras
brasileiras e da Embraer), ou menos ainda na ocasião da
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criação do Banco de Desenvolvimento proposto pela China.
A questão bolivariana foi reduzida a uma invocação
nacionalista romântica, com a finalidade reacionária de
realçar as forças armadas. Foi usada como um instrumento
de propaganda política contra o colombiano Uribe, que foi
designado como um descendente direto do general
Santander - que dividiu a então Grã - Colômbia.
desde o declínio da Revolução francesa e, em particular, de
Napoleón III e Bismarck - os 'populistas' por excelência
(caracterizados por promover a maior acumulação de capital
no século XIX).
Por outro lado, ignora-se o conteúdo contrarevolucionário que contem o rótulo do socialismo do século
XXI - inventado, além disso, não por Chávez, mas por um
acadêmico diletante, Heinz Dietrich, que já faz tempo deu
marcha à ré e passou a alardear a conciliação com os
esquálidos. Dietrich não foi o único conselheiro que
conseguiu a atenção superficial de Chávez; outros lhe
aconselharam a promover a criação da V Internacional, que
não teve a menor importância. A etiqueta do século XXI é
uma réplica de negativa, não já para a revolução bolchevique
de 1917, mas à revolução cubana, o estágio mais elevado
que atingiu a revolução latino-americana. A revolução cubana
(século XX) começou com uma abordagem democrática e
chegou à expropriação massiva do capital estrangeiro e
nacional. Os simpatizantes mais politizados do chavismo
ignoram o significado estratégico do recuo programático e
estratégico que está contido nesta preferência pelo século
XXI.
Aonde mais se observa o declínio do
nacionalismo de conteúdo burguês é no campo
das nacionalizações. Em geral, a nacionalização
parcial do capital estrangeiro obedece ao propósito de
promover o desenvolvimento das forças produtivas que a
burguesia nacional é incapaz de fazer por causa da pressão
do capital financeiro internacional. Neste sentido, as
nacionalizações procuram melhorar o campo de exploração
social da burguesia nacional e oferecer uma base mais sólida
para o Estado capitalista. No momento oportuno, estas
nacionalizações podem reverter-se em privatizações em
benefício dessa mesma burguesia nativa na medida em que
se está desenvolvendo em forma suficiente para isso. As
nacionalizações mais avançadas do nacionalismo latinoamericano foram a do petróleo mexicano por Lázaro
Cárdenas; a da United Fruit, na Guatemala; a mineração na
Revolução Boliviana de 1952 e a do petróleo em 1970; e as
do petróleo e as fazendas da Costa pelo governo militar
peruano.
A esquerda insiste em confundir as
nacionalizações burguesas com a expropriação do capital
que tem como sujeito o proletariado e o governo dos
trabalhadores. A expropriação sem indenização do capital por
parte da Revolução Cubana constitui uma transição histórica
entre as nacionalizações burguesas mais avançadas e as
nacionalizações que fazem os governos dos trabalhadores
que emergem das revoluções proletárias. O conteúdo
histórico delas está condicionado pelo curso posterior da luta
de classes, nacional e internacional. A esquerda é
responsável pela abertura de uma discussão deste processo,
com base em uma investigação, ao invés de substituí-lo com
simples etiquetas.
Nacionalizações
6.
A atualidade da revolução socialista emana do
ingresso do capitalismo na época do declínio ou decadência
histórica, da época em que o desenvolvimento das forças
produtivas assume um caráter cada vez mais parasitário e
destrutivo, quando a contradição delas com as relações de
produção e as estruturas estatais e nacionais torna-se mais
violenta. O rótulo de Século XXI, que não é usado somente
para banalização ao socialismo, mas é invocado para troco
de nada, não passa de recurso publicitário ou de marketing
político.
O ponto de partida desta decolagem política que,
iniciou de fato, o movimento Sandinista, que, ao contrário da
Revolução Cubana, atolou a revolução vitoriosa de papel
mais importante das massas na história da América Latina
(uma guerra civil de massas que deixou 50 mil mortos em
poucos meses), através de uma política de conciliação com a
burguesia democrática... Fê-lo em total acordo com a antiga
burocracia da URSS e o castrismo, que por essa época já
tinha abandonado o foquismo e buscava essa mesma
conciliação com as burguesias latino-americanas e os EUA.
Anos mais tarde, o movimento Sandinista voltou ao governo
como um gendarme da ordem capitalista, comandado por
Daniel Ortega. O socialismo do século XXI postula uma
mudança social nos marcos do capitalismo, sem revolução,
ou seja, sem a destruição do aparato de estado existente e
sem governo de trabalhadores (ditadura do proletariado). A
roupagem militar e o apoio popular não convertem ao
chavismo em socialismo de qualquer tipo, mas em um
'replay' da demagogia socialista que tem caracterizado todos
os movimentos nacionalistas no mundo. Isso tem sido assim
Em numerosos casos, as nacionalizações burguesas
operam como um resgate do capital estrangeiro cobrado das
finanças públicas. Esta renúncia fiscal conspira contra o
posterior desenvolvimento das forças produtivas proposto
pela nacionalização. Os casos mais conhecidos são o
executado pelo primeiro Peronismo em relação ao capital
britânico que precisava de uma retirada. O caso das ferrovias
é paradigmático, porque eles enfatizaram uma deterioração
que já faz quase um século. Para atingir seus fins, o
imperialismo britânico bloqueou os créditos da Argentina
depositados em Londres. O mesmo pode ser dito da
nacionalização do petróleo da Venezuela, na década de 70,
que serviu para financiar uma especulação imobiliária
enorme e ainda maior corrupção.
Num contexto diferente, o governo de Chávez fez o
mesmo com a nacionalização das telecomunicações
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TESES DA CONFERÊNCIA SOBRE A AMÉRICA LATINA
(Verizon) e siderurgia (Sidor), às custas das enormes
receitas de petróleo. Em um caso às compensou por um
preço elevado da Bolsa (que se estabelece,
especulativamente, pela rentabilidade esperada, em vez do
valor dos ativos), ou seja, com um prêmio sobre o capital. A
nacionalização beneficiou a Verizon em outro aspecto,
porque, em seguida, sua cotação caiu em forma acentuada
como resultado da crise financeira internacional. Em outro,
Sidor, o Estado assumiu todas as dívidas ocultas (passivo
trabalhista) do Grupo Techint, que resultou em uma enorme
indenização. A nacionalização deste tipo constitui uma
transferência de renda dos trabalhadores para os capitalistas
estrangeiros, através da renúncia fiscal. Representam uma
descapitalização e, portanto, uma hipoteca para o
desenvolvimento das forças produtivas. O colapso das
empresas nacionalizadas, na Venezuela, tem levado a um
declínio nas expectativas estatizantes na consciência das
massas, que se utiliza a direita para promover o retorno do
programa privatizador.
capitalista. A doutrina estratégica do indigenismo boliviano é
o desenvolvimento do "Capitalismo andino" (tinha sido
batizado de "Socialismo Andino"), definido como uma aliança
entre o capital estrangeiro, o Estado boliviano e o
precapitalismo agrário. A proposta comete a gafe 'teórica' de
apontar o estado como uma categoria social e de classe, ao
lado de outras classes, ou seja, que não está acima das
classes, porque é uma superestrutura política, refletindo e
protegendo, como tal, a estrutura social dominante (é o
“marxismo do século XXI"). Durante o período recente, a
Bolívia tornou-se um negócio próspero das empreiteiras
brasileiras incluídas na “lava jato”.
Brasil
7.
As limitações colossais deste nacionalismo
explicam, por um lado, o escasso
desenvolvimento das forças produtivas na
década e meia passada, assim como o impacto que causou
a bancarrota capitalista mundial, nos dois episódios
principais – a queda de preços internacionais e a fuga de
capitais de 2009 e, com mais severidade, a atual. O sempre
esgrimido crescimento do PIB não capta esse
desenvolvimento. O desenvolvimento das forças produtivas é
medido pela qualidade do investimento reprodutivo, a
aplicação de tecnologia, o nível de capacidade da força de
trabalho, o desenvolvimento da educação, da saúde, o
progresso habitacional e a infraestrutura urbana. Uma
centralização produtiva dos recursos econômicos existentes
deveria operar como uma alavanca industrializadora potente.
A nacionalização de 51% do capital da Repsol-YPF,
por Kirchner, se fez às custas de uma substancial
indenização por uma empresa que tinha esgotado as
reservas de petróleo e gás. O 'conto' nacionalizador
escondeu uma reprivatização do petróleo na Argentina, pois
a YPF se converteu numa empresa mista que cotiza nas
bolsas internacionais. O conto 'nacional e popular' do
Kirchnerismo é, também, particularmente 'curioso', porque
seu principal esforço foi direcionado para preservar, com
subsídios, para eles, as empresas privatizadas do
Menemismo. O resultado tem sido, em geral, um grande
esvaziamento produtivo e industrial na área de energia. Na
onda da demagogia estatizante, a Frente de Esquerda, na
Argentina, desenvolveu uma forte denúncia contra a
reprivatização do petróleo, que foi então confirmada pela
associação secreta da YPF com a americana Chevron.
O governo PT/PMDB do Brasil tentou converter a
Petrobrás, companhia mista majoritariamente estatal, nesta
alavanca industrial: mediante o investimento da maior parte
dos lucros; o monopólio operacional das associações com o
capital estrangeiro; um importante trabalho de tecnologia; e o
desenvolvimento de um entorno de serviços tecnológicos, de
prestadores de serviços e empreiteiras nacionais sem
proceder a nacionalizações, desenvolveu até certo ponto um
nacionalismo burguês e da grande burguesia. Utilizou as
contribuições operárias nos fundos de pensões e
impulsionou a arrecadação fiscal ao banco público de
desenvolvimento – BNDES, com essa mesma finalidade.
Tentou, inclusive, impulsionar a criação de uma burguesia
petroleira nacional, através do apoio ao aventureiro Eike
Batista. O colapso fenomenal desta tentativa estabelece
uma conclusão sucinta, porque terminou na quebra de todos
os setores envolvidos e, golpe de Estado mediante, desde o
próprio oficialismo, na venda acelerada de ativos industriais e
na revogação das principais limitações impostas ao capital
estrangeiro. A queda vertical dos preços internacionais do
petróleo, as pressões provocadas por um elevado
endividamento internacional, a desvalorização do capital
cotizante e, não menos importante, a difusão da enorme
corrupção de toda esta trama política e econômica (por parte
dos setores interessados em derrubá-lo), tudo isto está
O manifesto político apresentado pelo Partido
Obrero à FIT para a campanha eleitoral de 2013, focou-se
em uma crítica marxista das nacionalizações capitalistas,
suas contradições e limitações.
Outra questão que deve ser discutida é a
nacionalização do petróleo na Bolívia, que não é bem assim.
Consiste de uma grande mudança na tributação do capital
internacional de petróleo, que tirou as finanças públicas do
déficit crônico. O indigenismo oficial alcançou, por esta via,
desviar a reivindicação da nacionalização total que fez a
insurreição de outubro de 2003. A mesma coisa aconteceu
com a questão agrária, culminando em um compromisso com
a burguesia sojeira de Santa Cruz e do leste da Bolívia,
materializada em uma nova Carta Constitucional. O
compromisso com as companhias de petróleo foi possível
devido ao enorme aumento dos preços internacionais dos
combustíveis. Numerosos agrupamentos de esquerda e
sociais que apóiam a FIT na Argentina, apóiam o indigenismo
pequeno burguês do Alti-plano sem definir uma posição
programática sobre este pseudo nacionalismo de conteúdo
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metendo o Brasil em uma crise de maior alcance que a dos
anos 30. O ataque ao movimento operário é devastador.
greve e da greve geral. Os observadores políticos prevêem
que a realização de novas eleições daria a vitória a uma das
diversas coalizões direitistas presentes. A palavra de ordem
eleitoral não educa aos trabalhadores em uma política de luta
de classes. Busca-se uma saída imediata à crise política, ou
seja, um compromisso, em lugar da preparação sistemática
da classe operária para lutar por um governo dos
trabalhadores.
8.
A esquerda brasileira, frente à crise de conjunto
do capitalismo, depara-se com a obrigação de
desenvolver um programa operário e socialista,
ou seja, um governo de trabalhadores, a nacionalização sem
pagamento dos bancos e dos monopólios petroleiros, o
mesmo com toda empresa que feche, a escala móvel de
salários e horas de trabalho, a abertura dos livros de todos
os monopólios capitalistas, o controle operário e a
convocação de um plano de ação com toda a esquerda e
setores combativos da América Latina.
No Brasil, a esquerda integrada ao PT impulsionou a
chegada desse partido ao governo em coalizão com o
PMDB. Isto ocorreu inclusive depois que Lula firmou o
acordo com o FMI, na campanha eleitoral de 2002 e nomeou
o atual ministro da Fazenda de Temer para a presidência do
Banco Central, depois de um acordo fechado entre Lula e
William Rhodes, então presidente do Citibank (W. Rhodes,
Financial Times, 24.06.2004). O PSOL reivindica, de
conjunto, o PT “das origens”, ou seja, que segue aderindo à
perspectiva estratégica traçada pela direção fundadora do
PT, inclusive depois da experiência e os resultados políticos
de quase quatro décadas. A partir desta reivindicação do
ponto de partida está seguindo a seu modo o rumo do seu
espelho retrovisor.
Ocorre, no entanto, o contrário: propõe a fórmula da
democracia, ou seja, sem transição revolucionária, nem
governo dos trabalhadores. Quando ainda nem se encerrou a
etapa do golpe de Estado que destituiu Dilma Roussef (longe
disso, o governo golpista reúne uma base parlamentar
precária), a agenda dominante na esquerda brasileira são as
eleições municipais de outubro próximo e a possibilidade de
consagrar prefeita de São Paulo a uma candidata patronal,
Luiza Erundina, que já governou esta cidade em termos
puramente capitalistas. Erundina é uma ex-petista, oriunda
da ala clerical, ministra do governo de Itamar Franco e até há
pouco membro do partido de direita, PSB, e apoiadora do
candidato Eduardo Campos, que morreu em um acidente na
campanha eleitoral do ano passado. A candidata foi lançada
pelo PSOL, uma frente de esquerda e das comunidades de
base que romperam com o PT há mais de uma década. O
grupo ligado ao PTS na Argentina pediu seu ingresso no
PSOL. No entanto, em sua terra natal, sua casa central,
reivindica a independência política da classe operária e a
hostilidade às candidaturas patronais. Esta duplicidade entre
o principismo e o oportunismo, é característica de todas as
correntes centristas. O PSOL, em contraste com a FIT da
Argentina, que chamou o voto em branco contra Scioli e
Macri na Argentina, apoiou no segundo turno eleitoral das
eleições passadas a candidatura de Dilma Roussef.
Em oposição a esta linha estratégica, é necessário
um debate que estabeleça um novo ponto de partida, ou
seja, um programa e uma política realmente socialistas.
A este debate deveria integrar-se o PSTU, o qual
acaba de sofrer uma cisão em torno à questão do recente
golpe de Estado, por um lado, e do caráter das mobilizações
anti-governamentais a partir de 2013. As propostas
democratizantes da esquerda demonstram toda sua
inconsistência frente à derrubada dos processos
nacionalistas e à crise de regime que emergiu como sua
conseqüência. A América Latina ingressa em uma nova etapa
de maiores confrontações sociais e políticas que superam os
limites de seus Estados.
Golpismo
Em oposição ao julgamento político de Dilma
Roussef, o PT e grande parte da esquerda tem se refugiado
na reivindicação de um plebiscito que autorize a antecipação
das eleições para a presidência (que deveria ter lugar em
2018), o qual deve ser votado pelo mesmo parlamento
golpista e de ladrões. A proposta conta até certo ponto, com
a simpatia de uma parte da imprensa golpista, que visualiza
a impossibilidade de um ajuste a fundo da economia sem um
governo eleito desvinculado do pessoal político submetido
aos processos judiciais contra a corrupção. No Brasil existe
uma desintegração expressa da burguesia contratista
(empreiteiras) e o desenvolvimento de uma reconfiguração
capitalista acompanhada por quebras, resgates e
concentração de capitais. A proposta de eleições
presidenciais ou gerais de parte da esquerda, não faz
referência à derrubada do governo Temer por meio de uma
ação direta das massas, que ligue a luta contra as
demissões, a carestia e as privatizações aos métodos da
9.
O impeachment contra a presidenta Dilma
Roussef e sua eventual destituição constituem
um golpe de estado “tout court (curto e grosso)”,
sem acréscimos, porque implicam uma virada política
reacionária nas relações de classe existentes. Substitui a um
governo que revelou sua inconsistência para aplicar a política
de ajuste que reivindica o capital e para resgatar ao pessoal
político e aos grandes capitalistas dos processos judiciais por
corrupção. Inaugura uma nova proposta de ofensiva contra
as massas, sem esperar as novas eleições, nem obter um
novo mandato eleitoral. O governo de Temer não é uma
tentativa de interinato constitucional, mas sim uma nova
coalizão política para uma nova política, que encare o
resgate da quebra capitalista e uma ofensiva mais decidida
contra os trabalhadores. Não existe uma mudança no caráter
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TESES DA CONFERÊNCIA SOBRE A AMÉRICA LATINA
Uruguai e Chile
de classe do governo, mas sim uma tentativa de modificar a
relação pré-existente entre as distintas classes.
10.
Para a esquerda revolucionária, a luta contra o golpe
é uma questão de princípios, porque significa defender as
posições conquistadas pela classe operária frente à ofensiva
capitalista – de nenhum modo apoiar ao governo capitalista
destituído. Não defendemos “o mal menor”, mas sim a
posição conquistada pelo proletariado dentro da sociedade e
o Estado capitalista; por isso não esconde sua hostilidade
com o governo estabelecido. A esquerda democratizante, ao
contrário, atribui um caráter progressivo à gestão ajustadora
de Roussef, inclusive quando muitos, entre essa esquerda
haviam criticado e até enfrentado a política ajustadora dessa
gestão. Por outro lado, aqueles que discordam da
caracterização de um golpe de estado, destacam a
identificação de classes entre ambos os bandos capitalistas,
ignorando que representa um salto de qualidade do ataque
do Estado capitalista contra as massas.
A Frente Ampla do Uruguai passou por um
processo parecido ao do governo da Frente
Brasil Popular. Vasquez chegou ao governo
em 2005 depois de um longo período de colaboração política
com o imperialismo desde sua gestão em Montevidéu e o
respaldo aos ataques patronais ao movimento operário
(greve da construção civil). A FA se constituiu como uma
frente “policlassista”, a princípio com o argumento que era o
veículo das transformações democráticas, agrárias e
antiimperialistas. O balanço é um aumento do submetimento
ao capital financeiro, a primarização maior da economia, a
concentração da terra, a desindustrialização e o avanço da
especulação bancária-imobiliária.
A Frente Ampla leva adiante um ajuste contra o
movimento operário, rebaixando salários e aposentadorias,
aumentando as tarifas e os impostos ao salário, e cortando o
gasto social na saúde e educação. A tentativa de proibição
de greves (medida que já havia aplicado Mujica contra os
municipários) provocou uma rebelião das bases dos
sindicatos na educação, ao mesmo tempo em que reforçou a
integração da burocracia sindical ao Estado (o caso de
Castillo é um dos mais exemplares). Está se processando
um aprofundamento da tendência à ruptura de um setor do
ativismo com o governo. Neste quadro, a direita da FA se
desloca até um governo de “unidade nacional”; de outro lado,
as massas, na busca de um novo pólo político de caráter
anticapitalista. A tese da ala esquerda da FA e em especial
do Partido Comunista, de que os governos frenteamplistas
não são governos do capital, mas sim “governos em disputa”
é uma justificativa para continuar seu trabalho de retaguarda
do imperialismo e neutralizar os protestos populares para um
conflito interno dentro da Frente Ampla e do próprio governo.
Àqueles a quem as formas constitucionais se
identificam com o golpismo é oportuno recordar que o
governo constitucional que iniciou em 1973, na Argentina,
desenvolveu-se por meio de uma sucessão de golpes
“constitucionais”, que primeiro eliminaram ao mandatário
eleito, Câmpora, depois a governadores do mesmo campo
político, inclusive por meios policiais; mais tarde, à criação da
triple A e à militarização do país – um processo que culminou
com a ditadura militar. Naquele momento, o Partido Obrero
advertiu acerca da seqüência de golpes, que foram
escamoteados nas formas parlamentares e na popularidade
de Perón.
Apesar da falácia dos termos do “impeachment”
(pedalada contábil de contas fiscais), Dilma Roussef, o PT e
a burocracia dos sindicatos se recusaram desconhecer o
voto do Congresso e propor um conflito entre poderes. A
razão é que poderia ter aberto uma brecha para a
intervenção das massas, por um lado, e para a intervenção
das forças armadas, por outro, que teria sido em apoio ao
Congresso. O árbitro do golpe de estado são as forças
armadas, ainda que não se trate de um golpe militar. O golpe
de estado no Brasil não é mais que o segundo ato golpista
depois da derrubada de Lugo no Paraguai, o qual também se
constituiu em um “impeachment” de seus próprios aliados de
governo – o partido Liberal. A burguesia brasileira apoiou
com força esse golpe, em uma espécie de ensaio geral do
que se daria depois no Brasil. O movimento operário e
camponês retrocedeu fortemente no Paraguai como
conseqüência da vitória do golpe, enquanto que, por outro
lado, facilitou uma avalanche de compras de empresas e
terras por parte da burguesia brasileira, com a cumplicidade
do governo de Dilma Roussef. A destituição de Lugo e de
Roussef por parte de seus próprios aliados constitui uma
prova contundente da falácia que aposta na colaboração de
classes entre os partidos operários ou pequeno burgueses
populares com a grande burguesia nacional e inclusive o
capital financeiro internacional.
No Uruguai, no entanto, revela-se uma crise
semelhante à que pôs fim ao governo patronal liderado pelo
PT, no Brasil, incluindo a pretensão de Vazquez de
desenvolver, como tentou Dilma Rousseff, um ajuste
econômico e social sem ter que, primeiro, proceder com uma
mudança de alianças e regime político. Em oposição às
correntes frenteamplistas atual ou que já romperam com a FA
(Assembléia Popular) de recompor "a FA das origens" ou
copiar um chavismo a la uruguaio, o PT do Uruguai convoca
os trabalhadores avançados a construir um partido
revolucionário.
O Chile, após o retorno de Bachelet ao governo,
assiste a uma profunda crise política há somente dois anos
que um esgotado concertacionismo tentou reviver a "Unidade
Popular", integrando ao governo o Partido Comunista. A crise
da Nova Maioria enraíza-se na incapacidade de conter aos
diferentes movimentos de lutadores que cortam o país, no
marco de um capitalismo chileno que confiscou de uma
maneira abismal os salários dos trabalhadores e a
dilapidação dos recursos naturais. Trabalhadores
6
TRIBUNA CLASSISTA – AGOSTO DE 2016
terceirizados da mineração, florestais, portuários, do
comércio e o varejo, ao lado de uma luta tenaz do movimento
estudantil por uma educação gratuita, nos últimos dez anos
têm sido a manifestação do estrangulamento das condições
de vida das massas populares nas mãos de uma burguesia
nativa aliada com o capital imperialista internacional. O
resultado de quatro décadas de políticas "neoliberais" de
abertura comercial, privatizações (incluindo o profundo
confisco da poupança dos aposentados pelas AFP) e um
trabalho flexibilizado estendido tem sido a base de um
ataque brutal sobre os trabalhadores, que desenvolvem hoje
respostas de luta em todo o país.
seu programa. Vê agora, tardiamente, os limites de aço de
uma economia rentista, cuja bonança havia calculado para
um século; o povo da Venezuela assiste, não já a
descontinuidade desses planos sociais, mas a incerteza da
preservação do que foi feito e a possibilidade da sua
reversão. Isto é manifestado na disputa aberta da
titularização da propriedade das casas construídas, devido à
insegurança jurídica criada pela crise e a incapacidade do
Estado para garantir toda a infraestrutura de manutenção e
reparos, que estariam nas mãos das famílias beneficiárias.
Este gigantesco empreendimento social foi realizado
por uma organização paralela ao Estado, as chamadas
"missões". O Chavismo, com uma proposta em princípio
mobilizadora, 'saltou' para o Estado, em vez de destruir o
aparato burocrático desse Estado e transformá-lo em uma
máquina dirigida por órgãos de poder das massas. Salientouse, desta forma, a desqualificação e a precarização dos
trabalhadores e dos serviços públicos desse Estado, o que
explica a oposição gerada na saúde e educação. A mesma
coisa aconteceu com as cooperativas que substituíram as
empresas que aderiram à sabotagem do petróleo de 2002/3.
É também o que fez o kirchnerismo, em versão farsesca com
as cooperativas de trabalho ou de habitação dirigidas pela
camarilha de Shocklender e Milagro Salas, entre outros.
Assinalou-se, em geral, uma cooptação e arregimentação
dos movimentos populares. A empresa capitalista, na
Venezuela, não foi substituída por empreendimentos de
gestão operária sob um plano econômico único e o
desenvolvimento de uma legislação trabalhista mais
avançada. As grandes empresas estatizadas crescem sob a
negligência e a corrupção de uma burocracia oficial. O
resultado da gestão Bolivariana não foi a consolidação do
proletariado, mas uma atomização poderosa. Este é um risco
fundamental da desintegração econômica que tem lugar nos
dias de hoje.
Esta versão ultra reacionária da colaboração de
classe que é a Nova Maioria sofreu desde o início um
retrocesso político, chegando ao governo com 60% de
abstenção. Esta tendência continua se desenvolvendo como
conseqüência de uma profunda crise política que coloca no
centro a todos os partidos tradicionais que têm defendido por
décadas a herança da ditadura. Esta versão degradada da
política frente populista está fadada ao fracasso, já que suas
pretensões de propor um plano de "reformas" sem alterar as
bases sociais nem as instituições criadas sob a ditadura, não
pode representar, sob qualquer termo, a canalização das
aspirações sociais dos trabalhadores e dos setores
populares... Estamos diante de uma política de resgate da
herança deixada por Pinochet. Esta situação se agravará,
produto dos golpes da bancarrota capitalista, donde a queda
dos preços do cobre está diminuindo a arrecadação fiscal,
empurrando uma política de ajuste e limitando um regime de
arbitragem por meio da assistência social. As demissões
começaram a massificarem-se no país, o que está dando
origem a diferentes greves no setor do comércio e a luta dos
trabalhadores do salmão em Porto Montt, que está marcando
um ressurgimento do movimento operário baseado em
piquetes, assembléias de base e greves ilegais.
Neste quadro da situação é colocada a tarefa central
da batalha pela delimitação política da Frente Popular,
baseada na iniciativa de recuperar as organizações operárias
e estudantis para uma alternativa de independência política.
No Chile começa a abrir uma nova etapa política, onde o
esgotamento da experiência da Concertação abre um campo
de ação para a construção de uma alternativa operária e
socialista.
O processo Bolivariano penetrou profundamente na
esquerda da Venezuela, que tornou-se uma cobertura do
chavismo, alegando que isso desenvolvia um processo
revolucionário, por exemplo, o Ccura e Maré Socialista. O
chamado maoísmo tornou-se "minguado" como alguns ex
lambertistas. Durante os eventos eleitorais, a esquerda tem
participado, em locais diferentes, de frentes díspares e sem
princípios determinados pelos cálculos oportunistas
ocasionais.
Chavismo
É com este pano de fundo que entra em uma nova
fase extraordinária, que anuncia mudanças radicais de
regime, em um quadro de crise que envolve todas as classes
sociais e todos os níveis do Estado, incluindo as forças
armadas. Envolve diretamente ao imperialismo ianque, bem
como Cuba e a vizinha Colômbia, para toda a América Latina
e grande parte da União Européia. Os países 'aliados' do
Unasul mudaram sua posição política, passaram ao campo
diplomático que pressiona por uma mudança de regime na
Venezuela, como o ilustrado pela posição do Uruguai. O
macrismo argentino trocou sua violência inicial por uma
11.
Outro elemento que se destaca para o
posicionamento da esquerda nesta nova
etapa é a experiência do nacionalismo
Bolivariano como movimento popular ou de massas. O
Chavismo realizou a maior transferência de renda dos
rendimentos do petróleo em empreendimentos sociais
(habitação, educação, saúde), possivelmente de toda história
da América Latina. Esta agenda foi a menina dos olhos do
7
TESES DA CONFERÊNCIA SOBRE A AMÉRICA LATINA
posição favorável para uma transição acordada, como
reivindica a administração de Obama.
política de conjunto. É a condição para que possa intervir
como protagonista político independente nesta crise; pode
reagrupar aqueles setores que romperam com o Psuv com
propostas progressistas. Deve abrir essa discussão com
máxima urgência. Em oposição ao governo militarizado de
fato por um lado e a uma revogação de conteúdo direitista,
que também parece incompatível com o acelerado ritmo da
crise, a nossa proposta é a chamada para uma Assembléia
Constituinte livre e soberana. A proposta deve servir para
construir as assembléias populares que podem postular-se,
eventualmente, como convocantes da Assembléia
Constituinte. Uma proposta deste tipo iria servir, em qualquer
caso, para que a esquerda apareça como uma candidatura
autônoma para o poder, que permita intervir nas diferentes
fases pelas quais vão passar por esta crise, que promete ser
explosiva e prolongada.
12.
Na Venezuela, um importante retrocesso
político é processado. O regime plebiscitário
de Chávez, que reivindicava para si a solidez
do voto popular, tornou-se um regime de fato, que governa
por decreto, violentando a soberania da Assembléia Nacional
ganhada pela direita esmagadoramente nas recentes
eleições. Este governo por decreto está se sustentando pelo
apoio da cúpula militar, no quadro de uma rejeição majoritária
da população, de acordo como indicam as pesquisas que
não são questionadas. As forças armadas se encarregam da
distribuição dos alimentos. Do lado econômico está em curso
um plano de ajuste e de desvalorização externa do bolívar,
que visa garantir o pagamento da vultosa dívida externa do
Tesouro e da Pdvsa. Circulam propostas, no governo, para
vender ativos estatais para pagar a dívida externa e melhorar
a capacidade de importação do país. O que resta do capital
estrangeiro se retira da Venezuela.
Crise mundial
13.
A crise aberta na América Latina não é uma
simples evidência de limitações políticas
subjetivas, quer dizer de classe, programa e
estratégia da diversidade de governos nacionalistas. É, antes
de tudo, uma crise de conjunto de suas estruturas sociais e
políticas, nos marcos de uma bancarrota capitalista de
caráter mundial. A queda dos fenômenos nacionalistas opera
como um acidente histórico que põe a descoberto o declínio
capitalista e a gravidade da crise em curso. Isto condiciona e
contamina os processos políticos de mudança que encabeça
a direita. A tentativa “restauradora” da direita inaugura uma
etapa de maior potencial revolucionário. Não inaugura uma
etapa de arrefecimento da luta de classes, mas sim de
acentuação desta luta. Parte da ruptura do equilíbrio político
precedente e inicia um período de desequilíbrios políticos
maiores.
A "guerra econômica" que denuncia o chavismo
desenvolve-se no âmbito desta desorganização econômica e
da prioridade ao pagamento da dívida externa. O fechamento
das contas dos bancos privados e do Banco Central, pelo
Citibank, é, por um lado, uma expressão do estado de
suspensão de pagamentos da Venezuela e, por outro lado,
traduz a pressão de um setor do capital financeiro para
acelerar o desfecho da crise política. O capital internacional
se sente encorajado pela vitória do macrismo na Argentina, o
golpe de estado no Brasil e o giro anti-chavista do governo
do Uruguai. Os trabalhadores são chamados a lidar com
fábricas que são esvaziadas ou não tem financiamento. A
militarização crescente do Estado, mesmo que seja uma
militarização 'Bolivariana', não é progressiva, mas
reacionária. Historicamente, esses governos de fato
presidiram as transições entre regimes políticos e até sociais,
mediando entre as forças em disputa. Lembramos do golpe
de estado 'Comunista' de Jaruzelsky, na Polônia, que contou
com o apoio do Vaticano e serviu para a transição a um novo
regime político. Precisamente por esta razão, setores cada
vez mais vociferantes da direita venezuelana reivindicam um
golpe contra Maduro às forças armadas chavistas.
Um exemplo eloqüente é o México, onde assistimos
a um início de rebelião contra o governo e a perseguição
exercida contra os trabalhadores e a juventude. Em Oaxaca,
capital de estado, a Coordenação Nacional dos
Trabalhadores da Educação (CNTE) liderou uma
demonstração massiva em repúdio ao massacre de seis
professores e para exigir "punição para os culpados" e o
aparecimento com vida de 22 pessoas desaparecidas. A
demonstração chegou ao Zócalo e ao Instituto Estatal de
Educação Pública. A CNTE, do sindicato dos professores,
rejeita a reforma da educação porque estipula que os postos
de ensinos dos professores devem ser atribuídos pelo
governo e não pelos sindicatos, como ocorria antes, impõe
avaliações dos professores e denunciam a privatização da
educação. Segue ainda não esclarecido o massacre de 43
alunos da Escola Normal Rural de Ayotzinapa em 2014. O
confronto crescente entre os explorados, a juventude e o
governo de Peña Nieto está colocando uma bomba-relógio
nos próprios portões do imperialismo ianque, um país-chave
para o Tratado Trans-Pacífico (TTP). A luta de classes no
Uma parte representativa da oposição esquálida
completou um programa próprio para a crise. Mendoza, o
proprietário da empresa nacional principal, a Polar, levantou
um programa de aguçado caráter 'macrista': eliminação do
controle das mudanças e dos preços regulados, apoiado por
uma 'ajuda' ou socorro financeiro internacional, cujas fontes
não definiu. O impacto deste 'rodrigazo' seria na Venezuela,
consideravelmente mais catastrófico que o do macrismo que, aliás, tem o apoio de todo arco político, especialmente
do peronismo e do PJ. A transição política marcha a toda a
velocidade, embora na superfície prime o imobilismo.
Entendemos que a esquerda venezuelana deve
chegar a um acordo prático em torno a uma reivindicação
8
TRIBUNA CLASSISTA – AGOSTO DE 2016
México articula a América Latina com a revolução no centro
do imperialismo mundial.
A crise mundial tem um desenvolvimento desigual,
bem como acontece com o capitalismo e a história em geral.
A China, por exemplo, rebateu com um enorme gasto público
o impacto da crise mundial em sua economia, o que levou a
um 'boom' dos preços internacionais das matérias-primas. As
derivações destas despesas foram responsáveis por 30% do
PIB dos países produtores destes bens (Martin Wolf, "The
Shifts and the Shocks"). A China enfrenta agora uma
hipoteca da dívida fenomenal e, pela primeira vez, autorizou
os procedimentos de falência. Nos últimos meses, a
acentuação da queda das taxas de juro nos mercados
internacionais de dívida pública, produziu um retorno parcial
dos capitais de curto prazo para a América Latina, por suas
altas taxas de juros. A falência econômica também produz
seus próprios negócios: a venda de ativos da Petrobras lhe
reabriu, embora de forma precária, o mercado da dívida
externa. Esta volatilidade produto da crise não deve
confundir-se com o financiamento de uma expansão
econômica que, por ora, não tem fundamentos. A Argentina
tem expandido sua dívida pública em U$ 25 bilhões, nos
últimos meses, para pagar aos fundos abutres e financiar a
saída de lucros e dividendos. Um novo ciclo de
endividamento internacional tem bases mais restritas que no
passado e as conseqüências mais explosivas.
Esta fase, na América Latina, tem lugar em um
marco internacional concreto. A ruptura da União Européia,
com a saída da Grã-Bretanha, é um salto de qualidade na
bancarrota capitalista. A UE foi o empreendimento contrarevolucionário político mais interessante da burguesia
mundial, após a segunda guerra. É um bloco econômico,
político e militar - neste último como sucursal da OTAN. Foi
um instrumento de disciplinamento do proletariado e a arma
política mais relevante para sustentar a restauração
capitalista na ex União Soviética, encarada pela burocracia
de cunho stalinista. Um quarto de século após a dissolução
da URSS se destaca a desintegração de seu coveiro. As
violentas contradições do capitalismo são impostas acima
dos reveses e derrotas do proletariado.
O chamado Brexit expôs a vulnerabilidade do
mercado internacional dos capitais mais importantes do
mundo. Obriga o estado a operar um segundo resgate
capitalista no centro nervoso do capital financeiro, quando
nem sequer fecharam ainda as fissuras financeiras deixadas
pelo resgate de 2008 – inclusive lhes foram superadas.
Combina com a bancarrota declarada pelos bancos italianos;
a corrida bancária parcial na Espanha; e acima de tudo a
insolvência dos dois principais bancos na Alemanha. Na zona
do euro se desenvolve um processo de desintegração, crises
políticas e luta da classe operária - como é o caso da Grécia
e a França, por um lado, e na Europa central, por outro. A
dívida nacional desses países, à força de salvamentos de
bancos, beira 300% do PIB. Um termômetro enérgico do
impasse econômico é a dívida pública colocada a taxas de
juros negativas, que passou entre janeiro e junho passado de
U$ 1,3 bilhões para U$ 13,5 bilhões. Isso implica em uma
ameaça para o sistema bancário e às companhias de
seguros e um registro inapelável da tendência à deflação
monetária e à depressão econômica. A retirada da GrãBretanha e a crise da zona do euro podem levar,
alternativamente, a uma desintegração desses territórios, ou
sua transformação em um território colonial da Alemanha
seguida pela França. Nos Estados Unidos, a vitória do
Trump na interna republicana revela uma tendência
chauvinista, que responde a um crescimento da rivalidade
econômica e mesmo militar entre as potências capitalistas,
manifestada no mar da China, na Ucrânia e na agressão
imperialista no Oriente Médio e norte da África.
Se a experiência macrista serve de guia de rota para
as tentativas semelhantes que se esboçam na América
Latina, o balanço provisório é claro: um aumento fenomenal
da inflação, um crescimento do elevado déficit fiscal herdado,
uma suba enorme das taxas de juros e uma aguçada
recessão econômica. Os esboços democrático-eleitorais e o
apoio massivo da oposição patronal para as suas medidas
mais decisivas, não foram suficientes para evitar uma
resistência, que já é enorme, ao 'rodrigazo' tarifário. O
macrismo foi posto na defensiva, em seu curto período de
governo por uma revolta popular contra o tarifaço, que
também causou um princípio de fratura no aparato estatal
(amparo judicial a favor dos usuários). Perfila-se, além disso,
um novo ciclo de reivindicações salariais, apesar do apoio da
burocracia sindical à nova gestão. O governo macrista ainda
tem de encontrar os recursos econômicos e políticos para
sua política de ajustes, e então impô-los através de uma
intensa luta de classes. É um regime dividido entre
camarilhas capitalistas, sem base parlamentar própria,
condicionado no governo pela exigência de ganhar as
eleições parlamentares no próximo ano.
Este quadro mundial condiciona os recursos
disponíveis para as burguesias latino-americanas para sair
das experiências nacionalistas em seus próprios termos. A
enorme superprodução de mercadorias e capital explica que
a frente nacionalista internacional dos chamados BRICS
passou para uma vida melhor, pois todos os seus membros
enfrentam ameaças de falência. A aliança do Brasil com a
China abriu caminho para uma reivindicação de ruptura
comercial de parte da indústria siderúrgica instalada no
Brasil.
A esquerda na nova etapa
14.
Na Argentina e na América Latina, esta crise
de conjunto coloca o desafio de que a
esquerda se torne uma alternativa política de
conjunto, desta vez já não sob formas democratizantes,
como na década e meia passada, mas sim operária e
socialista. Faria em confronto com os partidos patronais
históricos em desintegração, burocracias sindicais
9
TESES DA CONFERÊNCIA SOBRE A AMÉRICA LATINA
desprestigiadas e a procedente em menor número das forças
reformistas ou democratizantes. Para isso é necessário um
debate político e uma compreensão adequada da situação
presente.
com a oposição burguesa em defesa incondicional do
governo de Dilma - para pior, com o objetivo posto nos
resultados que poderiam obter para as eleições de
renovação parlamentar de 2017. O pretexto da luta contra o
golpe de estado no Brasil operou como uma cortina de
fumaça contra o desenvolvimento da alternativa política da
FIT ao governo de Macri e seus partidários políticos. O
mesmo sentido teve a votação parlamentar do PTS a favor
do plebiscito proposto pelo Kirchnerismo para um pagamento
dos fundos abutres nos termos da reestruturação regida para
o conjunto da dívida permutada, em oposição à posição
revolucionária do parecer do PO propondo o não-pagamento
da dívida, no que constituiu uma formidável denúncia do
regime como um todo e em particular do kirchnerismo, que
garantiu o pagamento serial da dívida externa com os fundos
dos aposentados. A mídia digital do PTS aponta claramente
nessa direção, porque tornou-se uma tribuna para o
Kirchnerismo, que está oculto com entrevistas jornalísticas
de porta-vozes da direita. As diferenças políticas, como
aconteceu com a posição da IS, devem ser discutidas com
tempo e método e a participação ativa do conjunto dos
militantes. As perspectivas políticas da FIT exigem uma clara
delimitação do centrismo político das forças que a integram.
O Partido Obrero tem se destacado por uma delimitação
rigorosa e uma crítica sem concessões à experiência autoproclamada "nacional e popular" - que é o conteúdo principal
do avanço da esquerda. Isto está em contraste com a
oposição ao Kirchnerismo da chamada "esquerda plural"
(MST, Libres del Sur), que ignorou esta tarefa ao aliar-se à
oligarquia agrária no conflito de 2008 e formar listas eleitorais
com os representantes políticos da indústria automobilística
de Córdoba e também seguidores do macrismo.
Na Argentina, a Frente de Esquerda tornou-se um
canal político desta alternativa, particularmente em 2013,
quando alcançou seu melhor desempenho eleitoral e até
mesmo derrotando o peronismo - governante e opositor - na
capital de Salta. Seguiu se desenvolvendo no movimento
operário, especialmente entre delegados e comissões
internas. Em abril passado, uma lista de esquerda e
classista, encabeçada em todos os sentidos pelo Partido
Obrero, ganhou o sindicato dos pneumáticos (Pirelli,
Firestone, Fate, etc.); com este mesmo caráter foram
conquistadas posições no sindicato dos professores, entre as
estatais, em seções da CTA (Central de centro-esquerda), na
indústria da construção civil, da alimentação, na grande
indústria de alumínio, entre outros. O programa da Frente de
Esquerda propõe o desenvolvimento da independência
política dos trabalhadores e o governo dos trabalhadores.
Em contraste com esta perspectiva é que se
desenvolveu na Frente de Esquerda uma tendência em
direção ao Kirchnerismo, por parte do PTS. É uma repetição
histórica degradada da dissolução dessa mesma corrente no
peronismo, especialmente após o golpe de 55; o suporte
para o retorno de Perón, em 1972; a incorporação de parte
do peronismo à Frente do Povo, em 1985. Em cada
encruzilhada histórica, essa corrente posou seu olhar em
uma frente com o peronismo e na adaptação política à
verborragia nacionalista. Colocou inclusive em marcha uma
revisão histórica favorável ao foquismo montonero; combina
sem pudor o eleitoralismo com uma pose militarista (em 2011
na campanha eleitoral estava reivindicando em particular os
escritos militares de Von Clausewitz; em 2013, o
desenvolvimento da democracia pela igualdade dos salários
dos legisladores com os professores). Esta adaptação é
manifestada também na Bolívia, aonde se abstiveram na
reeleição de Evo Morales, ao invés de rejeitá-la, ou no
pedido de entrada no Psol, que impulsiona a Luiza Erundina
como candidata nas próximas eleições municipais de São
Paulo.
A nova etapa encontra a FIT em uma encruzilhada. A
adaptação ao Kirchnerismo por parte do PTS – o levou a
uma ruptura política, como aconteceu com o boicote ao ato
do 1º de maio (há uma ruptura já faz tempo dos acordos de
co-gestão das representações parlamentares e, portanto,
uma usurpação política das bancadas conquistadas). Em
oposição a esta adaptação e às tendências democratizantes
presentes, o PO caracteriza que a etapa política atual
oferece uma possibilidade consideravelmente maior para que
a esquerda revolucionária se coloque como uma alternativa
política ao colapso capitalista e ao esgotamento e até mesmo
desintegração dos partidos patronais da Argentina. A luta
pela independência de classe do proletariado é o degrau
político para estabelecer um governo socialista da classe
trabalhadora.
Em diversas tentativas de coordenação sindical,
tanto o PTS como a Esquerda Socialista rejeitaram, como
inoportuna, a reivindicação da independência política da
classe trabalhadora, em razão da necessidade de atender a
ideologia de ativistas peronistas. O seguidismo é postulado
como uma tática política. Na lista Negra nos pneumáticos, no
entanto, existem ativistas de primeiro nível que permanecem
romanticamente ligados ao peronismo, que defendem a
independência política dos trabalhadores. A ruptura do PTS
com a FIT, em ocasião do 1 ° de Maio, explica essa linha. O
pretexto infantil, a saber, que a IS não caracterizava como
golpe o movimento contra Dilma Rousseff, obedeceu a uma
orientação de dar um sinal de aproximação ao Kirchnerismo,
que tinha se expressado em uma frente parlamentar do PTS
15.
O balanço geral revela a falência completa e
definitiva do chamado Fórum de São Paulo,
cujos governos ruíram como resultado de
suas limitações políticas e até mesmo sua colaboração com
o imperialismo.
A esquerda latino-americana aborda a nova etapa de
bancarrotas capitalistas e de regimes políticos na América
Latina, delimitada em três blocos. Por um lado, uma direita
10
TRIBUNA CLASSISTA – AGOSTO DE 2016
que reivindica o frentismo 'plural' e democratizante e que se
esforça para apagar qualquer distinção entre a classe
trabalhadora e os explorados, de um lado, e a burguesia de
outro, e que se manifesta no apoio e na promoção de
candidatos patronais. Por outro lado, uma esquerda centrista,
que oscila entre o frentismo democratizante e especialmente
na adaptação ao nacionalismo ou democratismo burguês
(como ocorre na Bolívia, Brasil e Argentina). Finalmente, um
pólo revolucionário, que defende o princípio de acordos
práticos com todas as correntes presentes quando se trata
de promover uma luta de massas, mas combate pela
independência do proletariado como trabalho preparatório
para um governo da classe operária. A estratégia desta
última corrente está resumida na palavra de ordem dos
Estados Unidos Socialistas da América Latina, incluindo
Porto Rico.
mesmo tempo um mecanismo de legitimação do estado e
uma pressão para substituir a luta de classes pela arbitragem
do sufrágio e da representação popular. No campo da
burguesia, as frações democratizantes ou simplesmente
demagógicas, usam o trabalho legislativo para bloquear a
ação direta dos trabalhadores, quase sempre instigadas pela
burocracia dos sindicatos ou com sua colaboração. Na
Argentina, os parlamentares do PTS deram seu apoio aberto
a uma legislação 'anti-demissões' "acordada" por frações de
oposição da burguesia, que visava substituir a luta dos
trabalhadores pela arbitragem da justiça do trabalho e
justificar a inanição dos sindicatos frente as suspensões e
demissões. O Partido Obrero denunciou, desde o primeiro
momento, a "parlamentarização" da reivindicação da
burocracia sindical, usando a tribuna parlamentar durante 50
dias de crise e debate sobre o item, para defender, no seu
projeto, um programa baseado na distribuição das horas de
trabalho sem afetar o salário - escala móvel de horas de
trabalho, em função das greves e ocupações de fábricas
para enfrentar as demissões e da proposta de greve geral
contra o conjunto do ajuste. Curiosamente, o PTS havia
combatido, no início da FIT, propostas de legislação feitas
pela esquerda, como puro eleitoralismo. Ignorava o trabalho
legislativo do PO, no âmbito municipal, que obteve
aprovação parlamentar para a redução das horas de trabalho
dos metroviários e desencadeou uma enorme luta dos
trabalhadores, impulsionando o trabalho na empresa para
derrubar a burocracia sindical e, mais recentemente, um
grande movimento pelas seis horas da enfermagem. Assim
como no parlamento nacional reanimamos um movimento
nacional pela reparação de 36 mil trabalhadores da YPF e
depois para o sindicato dos telefonistas abrindo rotas de
desenvolvimento do classismo.
Parlamentarismo, sindicatos
16.
As últimas décadas caracterizaram-se pelo
lugar histórico sem precedentes dos
processos eleitorais, resultado de um
cruzamento de processos históricos latino-americanos e
internacionais. Seja como for, resultou em um protagonismo
eleitoral, também inédito, da esquerda e em particular da
trotskista. Em alguns países levaram a organizações
trotskistas aos Congressos ou Assembléias nacionais. Esta
circunstância pôs à prova a capacidade dessas organizações
para desenvolver uma atividade revolucionária no campo
eleitoral e no Parlamento. Obviamente, a capacidade para
satisfazer este objetivo depende, em primeiro lugar, dos
programas e das estratégias das forças da esquerda
presentes, que são, na sua maioria, democratizantes, ou
seja, eleitoralistas e reformistas. Como tem se denunciado
na imprensa de esquerda do Brasil, o Psol aceitou
contribuições de grandes corporações para suas campanhas
eleitorais e o mesmo Psol justificou esta aceitação. As
oportunidades de reconhecimento político que oferecem os
processos eleitorais para correntes confinadas a uma
atividade sindical ou marginalizadas na luta política, quando
não diretamente sectárias, funcionaram como um poderoso
fator de pressão para a adaptação eleitoral aos prejuízos da
chamada "opinião pública". É o caso já mencionado da
proposta de equiparar o salário dos parlamentares aos
professores para acabar com "a casta política" e "avançar a
democracia". Não é mais do que o charlatanismo do
Podemos da Espanha. Ao igualar com esta “casta política” a
persistência dos dirigentes socialistas mais antigos, o
palavreado democrático se converteu agora em contrarevolucionário.
Os golpes de estado em vários países, embora não
diretamente militar; os massacres no México e a aliança
entre o estado e o narcotráfico; os massacres de
camponeses no Paraguai; os paramilitares na Colômbia; o
assassinato de ativistas de esquerda por capangas patronais
na Venezuela; os assassinatos sistemáticos dos
trabalhadores e líderes sem-terra e indígenas no Brasil; as
mortes dos lutadores na Argentina, por gangues da
burocracia e da polícia e o chamado gatilho fácil; tudo isto
demonstra a fragilidade e a improvisação da tão comentada
etapa democrática na América Latina. A política que tem por
base a perspectiva de durabilidade e aprofundamento dos
processos democratizantes carece de sustentação.
17.
O ascenso da esquerda e das correntes
trotskistas na América Latina manifesta-se
fortemente nos sindicatos. Novos progressos,
no entanto, podem ser bloqueados por um agudo
faccionalismo. Este faccionalismo exacerbado é, por um
lado, o reflexo de um período prolongado de
desenvolvimento marginal e sectário e, por outro lado, de
uma imaturidade que se caracteriza pela substituição da
delimitação política pela briga de aparatos. Isto tem impedido
Para que processos democráticos possam ser
explorados pela esquerda revolucionária é necessário fazer
uma caracterização adequada deles. O mesmo se aplica ao
parlamentarismo: são, por um lado, a oportunidade de levar a
propaganda socialista para as grandes massas, mas ao
11
TESES DA CONFERÊNCIA SOBRE A AMÉRICA LATINA
o desenvolvimento sindical que poderia ter sido mais
enérgico, especialmente no Brasil, Argentina e Venezuela.
Na luta contra este bloqueio, defendemos a frente única de
todas as tendências combativas nos sindicatos.
Cuba continua sendo uma sociedade em transição,
com a particularidade de que está governada por uma
burocracia estatal forte e uma crescente tendência interna,
que favorece a privatização da propriedade pública. Esta
condição dá a proposta de parceria com o capital estrangeiro
uma forte conotação restauracionista. Um regime proletário
procuraria atrair investimentos estrangeiros, em condições de
isolamento e de crise, de acordo com um fortalecimento da
ditadura do proletariado. Os grandes debates no
bolchevismo, na década de 1920, mostram a rejeição do
esquematismo hierárquico. Se o processo da China serve de
exemplo, a perspectiva de uma renovação revolucionária em
Cuba passa pela luta pela organização independente dos
sindicatos, o desenvolvimento da autonomia política da
classe trabalhadora e a perspectiva de um governo dos
trabalhadores.
A Revolução Cubana
18.
Nas últimas décadas, a Revolução Cubana
ficou recolhida como foco de referência para
as massas da América Latina, até mesmo
para o surgimento de novas experiências políticas que
provocaram enormes ilusões políticas nos explorados. A
principal razão pela qual, no entanto, tem sido o impasse
completo que atingiu o regime político da Ilha e sua política
de colaboração com as burguesias nacionais e o próprio
imperialismo. Há uma tendência para desqualificar seu
resultado histórico, no entanto segue representando uma
referência para os trabalhadores da América Latina,
especialmente por sua capacidade de resistência ao maior
imperialismo de todos os tempos - a 90 milhas de suas
costas. Manteve-se, também, sua peculiaridade histórica
frente à restauração capitalista na URSS e seu entorno
geopolítico e à penetração vigorosa do capitalismo na China
e Vietnam. A aceitação, por parte dos EUA, de relações
diplomáticas com Cuba, constitui um recuo político do
imperialismo, após mais de meio século de bloqueio,
independentemente de ter a mesma finalidade de retomar a
colonização capitalista da Ilha. O bloqueio permanece de pé,
embora diminuído, como arma de extorsão para impor ao
país as pretensões do imperialismo.
Os governos de Cuba e dos Estados Unidos são os
principais promotores do processo de paz na Colômbia, que
tem o apoio da União Européia e da ONU. O longo processo
guerrilheiro na Colômbia, há muito tempo, entrou em uma
clara decomposição e sofreu derrotas militares contundentes.
As conversações de paz visam integrá-lo ao regime político e
ao Estado capitalista, o propósito indicado pelas próprias
Farc. O resultado, no entanto, permanece incerto devido ao
rápido crescimento do paramilitarismo e ao agravamento da
questão agrária. Um acordo de paz não vai resolver
nenhuma das contradições explosivas da Colômbia. As
novas condições políticas deveriam ser usadas para
convocar a construção de um partido revolucionário.
Tarefas
Com evidentes ziguezagues, Cuba está encarando
uma solução para a sua estagnação econômica pela via da
colaboração do capital internacional, e por uma política de
ajuste e maior diferenciação social. Não tem a possibilidade,
no entanto, de que se reproduzam as características do
caminho da China na direção do capitalismo, porque não tem
a possibilidade de oferecer um mercado interno ao capital
internacional, mas tornar-se em uma plataforma de
exportação e um paraíso turístico e imobiliário. Em última
análise, que faria de Cuba uma espécie de República
Dominicana, Porto Rico e de Haiti. Porto Rico, a menor ilha
das Antilhas enfrenta agora um defol econômico
generalizado que tem reduzido a nada seu status de estado
associado dos EUA, porque passou a ser governado por um
Comitê de supervisão financeira e fiscal, com o compromisso
de pagar sua dívida externa enorme. O caminho chinês levou
a própria China a uma crise de potencial monumental e ao
mesmo tempo cada vez mais impetuoso desenvolvimento da
luta de classes dos trabalhadores. A bancarrota mundial
capitalista opera, por um lado, como um fator de pressão
para a abertura completa de Cuba ao capital internacional e,
por outro lado, como um limite intransponível de suas
possibilidades, porque isso vai acentuar o impasse do regime
político e a luta dos trabalhadores.
19.
O propósito dessas teses e da Conferência
sobre a América Latina é de servir para o
debate político e a elaboração de um
programa. Não pode haver um partido sem programa, ainda
que seja isto o que está ocorrendo na América Latina. Os
participantes da conferência adotam um plano de trabalho de
difusão das teses e a sua discussão na esquerda, no
movimento operário e na juventude.
ASSINAM:
Partido dos Trabalhadores (Uruguai)
Partido Obrero (Argentina)
Partido Obrero Revolucionário (Chile)
Tribuna Classista (Brasil)
Opção Obrera (Venezuela)
Emigdio Idoyaga (Paraguai)
Osvaldo Coggiola (Brasil)
Contato: [email protected]
Rua Riachuelo 1450/42 - Ed. Garupá - Centro Histórico - Porto Alegre
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