O Neocolonial Hispano-americano como documentode uma
Transcrição
O Neocolonial Hispano-americano como documentode uma
O NEOCOLONIAL HISPANO-AMERICANO COMO DOCUMENTO DE UMA ARQUITETURA RESIDENCIAL PESSOENSE NO SÉCULO XX DE LUCENA, EMANOEL. (1); CAVALCANTI FILHO, IVAN. (2) 1. Universidade Federal da Paraíba. Departamento de Arquitetura Campus Universitário I, João Pessoa - Paraíba CEP: 58051-900 [email protected] 2. Universidade Federal da Paraíba. Departamento de Arquitetura Campus Universitário I, João Pessoa - Paraíba CEP: 58051-900 [email protected] RESUMO Num contexto de “independência da cultura”, que assolava a América Latina desde finais do século XIX, em razão das comemorações de Centenários da Independência, vai surgir, no Brasil, uma nova corrente arquitetônica, o Neocolonial Luso-brasileiro, caracterizado por edifícios com elementos morfológicos alusivos àqueles utilizados durante o período colonial. Dentro desse mesmo espírito saudosista de escala continental, e de uma política de boa vizinhança, vai ser reproduzido logo em seguida, o Neocolonial hispano-americano, linguagem introduzida no Brasil pelo arquiteto carioca Edgar Vianna, formado pela Universidade da Pennsylvania. Inspirada no revivalismo das missões espanholas no oeste americano, tal linguagem se encaixava bem no contexto de modernidade que se imprimia à arquitetura residencial no Brasil à época. Este trabalho tem por objetivo identificar exemplares significativos desta corrente na cidade de João Pessoa, onde são analisados, além da implantação e consequentes desdobramentos físicos, os elementos morfológicos que lhe são peculiares. Através do levantamento de três edificações residenciais emblemáticas e uma análise da literatura pertinente, o estudo destaca que a adoção da linguagem arquitetônica de origem hispânica se deu principalmente no âmbito formal, não havendo mudanças substanciais de layout e setorização dos edifícios, que deviam obedecer às normas de conforto e salubridade em vigor. Palavras-chave: Neocolonial; João Pessoa; hispano-americano. Introdução Um estilo independente No início do século XX, com a aproximação do primeiro Centenário da Independência do Brasil, em meio à hegemonia da influência europeia na cultura brasileira, surge uma corrente que defende a necessidade de uma produção artística e intelectual calcada em valores nacionais. No âmbito da arquitetura, esse movimento ‘repagina’ uma linguagem caracterizada por elementos do período colonial, traduzida através de edifícios de partidos em sua maioria simétricos, guarnecidos de aberturas em arco abatido, coroados com frontões arrematados por volutas e pináculos e, por vezes, dotados de largos beirais sustentados por cachorros. Introduzido no Brasil pelo engenheiro português Ricardo Severo, esse movimento, conhecido como Neocolonial luso-brasileiro, se difunde por todo o país, enaltecendo o valor simbólico daquela arquitetura aqui fabricada pelos lusos na época da colonização, e resgatando o ideário romântico de uma produção puramente nacional. É oportuno salientar que, não apenas a aproximação da comemoração de centenário da Independência foi responsável pela consolidação desse “espírito nacionalista”. A eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1909 constituiu outro fator de peso, uma vez que, como bem pontua Lemos (1925, p. ) ao discorrer sobre o caso de São Paulo, o conflito mundial contribuiu para a paralização das comunicações com a Europa, o que vem a ocasionar, tanto a redução do número de obras como também das importações de materiais que garantiam o “êxito do ecletismo”, linguagem recorrente nas cidades brasileiras de então. Na verdade essa prática revivalista representa um reflexo de um contexto maior que vinha se desenvolvendo em toda América Latina desde finais do século XIX – o assim chamado Neocolonial hispano-americano, o qual era igualmente animado por comemorações nacionais pela independência dos países de colonização espanhola. Buscava-se, dentro desse contexto, uma “independência da cultura,” no qual cada nação procurava reviver as formas, quando não autóctones, ao menos caldeadas no imaginário do Novo Mundo ao tempo da colonização (Santos,1977,p.96-97). Para tanto, buscou-se nos motivos decorativos da arquitetura religiosa (missioneira) ou mesmo do legado pré-colombiano, as bases para sua consolidação (Amaral, 1994, p.12). Curiosamente tal linguagem teve exemplares arquitetônicos em território nacional, estes inspirados no revivalismo das missões espanholas do oeste americano caracterizando-se por movimentado jogo de cobertas e volumes, beirais curtos, requintados gradis, aberturas em arcos goticizantes, e reboco com diferentes texturas e tipos de chapisco. Tais edifícios, 3º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO Belo Horizonte, de 12 a 14 de novembro de 2013 ISSN 1983-7518 conhecidos sob uma gama de denominações, como “Estilo Missões” (ou Mission-Style), “Estilo Californiano”, “Estilo Mexicano”, tiveram como meios principais de divulgação livros e revistas especializadas, como também o próprio cinema americano, sendo o primeiro exemplar do gênero introduzido no Brasil pelo arquiteto carioca Edgar Vianna, no segundo quartel do século XX, tendo este projetado em 1925, o Pavilhão do Brasil para a Exposição Comemorativa dos 150 anos da Independência dos Estados Unidos, na Filadélfia. O Neocolonial hispano-americano rapidamente se difundiu nas principais cidades brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro, principalmente face às suas propriedades morfológicas, de fácil execução e adaptação aos recursos materiais e logísticos disponíveis à época. Assim como nos centros urbanos supracitados, essa vertente revivalista teve grande repercussão no campo residencial na cidade de João Pessoa, notadamente nos seus novos eixos de expansão, projetados segundo os ideais da modernidade. Este trabalho se dispõe a registrar sua presença como documento de um modo de morar recorrente à época, próprio das classes mais favorecidas economicamente. Segundo tal ótica são documentados exemplares significativos do gênero, onde são analisados os elementos morfológicos que os identificam bem como suas propriedades espaciais e respectivos modos de implantação. Amparado numa cuidadosa revisão da literatura, nos levantamentos empreendidos às edificações, e no correto processamento dos dados obtidos, tanto textuais como iconográficos, o registro desses edifícios alerta para a necessidade de preservação dos mesmos, já que se acham vulneráveis às alterações devido à inexistência de instrumentos legais que os preservem. Como bem pontua Silvia Wolff (2001, p. 226) ao dizer que essa “linguagem hispano-americana” apenas unia um conjunto de elementos decorativos sobre um “arcabouço arquitetônico conhecido”, os resultados obtidos comprovam que, apesar desses edifícios de uso residencial assumirem traços próprios, inspirados naquela arquitetura que os norteou, sua configuração física não é alterada em relação aos modelos europeus consolidados em período imediatamente anterior, nem tampouco em relação a outras vertentes produzidas na mesma época, como o Art Déco ou o próprio luso-brasileiro, que contemplam requisitos de salubridade no tocante a dimensões dos lotes, recuos, áreas mínimas de compartimentos e sua relação com as respectivas aberturas para iluminação e ventilação. Nestes termos, o trabalho afirma que o neocolonial hispano-americano tem implicações meramente formais, não conceituais, de programa arquitetônico, o que fica evidenciado numa relativa padronização geral do layout dessas edificações de uso residencial. Brasil x Estados Unidos O nascimento de uma política de “boa vizinhança”1 No ano de 1876, os Estados Unidos se abrem para o mundo como uma nação “celebradora do progresso”. Tratava-se da Centennial, a feira internacional americana para comemoração do centenário da sua Independência, onde foram expostas as inovações tecnológicas daquela ex-colônia, que então despontava para o mundo como referência de democracia e modernidade. Tendo como convidado de honra o então imperador do Brasil, D. Pedro II, tal evento teria mais tarde outras oito edições com efetiva participação brasileira, com destaque para a exposição de 1926, quando o Brasil teve seu pavilhão projetado pelo arquiteto Lúcio Costa, sendo este imbuído de leve inspiração hispânica em seus elementos de fachada. A ideia de uma aproximação brasileira com os Estados Unidos tem suas raízes exatamente no século XIX quando da visita do imperador do Brasil, D. Pedro II à Centennial. Esta aproximação diplomática ainda permitiria, não apenas a obtenção de tecnologias e produtos industrializados, mas almejava, sobretudo, a ampliação de nosso mercado externo. Assim, dentro desse contexto sócio-político, tem início a “circulação de pessoas, ideias e produtos” entre os países, a partir do envio de estudantes brasileiros às escolas e universidades americanas. Posteriormente essa aproximação vai ganhar vulto através da introdução de produtos estadunidenses no Brasil, tais como o telefone, o rádio, eletrodomésticos, o próprio cinema americano, além de novidades domésticas no tocante à arquitetura, divulgadas em livros e revistas especializadas (Atique, 2010, p.73). Dentro desse repertório de importações, não se pode esquecer a assimilação de termos advindos da língua inglesa referentes a componentes de arquitetura. Foi a partir deste momento que se difundiu “o bungalow, o hall, em vez do vestíbulo, o living room, em vez da sala de estar, o W.C. em vez da latrina, etc.” (Lemos, 1994, p.150). A recepção das novidades americanas na área de arquitetura Apesar de seu passado ligado aos modelos europeus “beauxartianos”, a Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), no Rio de Janeiro, então capital federal, já em meados do primeiro quartel do século XX, era o centro catalizador das referências americanas no quesito arquitetura. O acervo de sua biblioteca começava a contar, a partir de 1912, com as edições 1 Termo utilizado por Atique (2010) no título de seu ensaio Arquitetando a Boa Vizinhança: Arquitetura, Cidade e Cultura nas Relações Brasil – Estados Unidos 1876 – 1945, que trata da introdução das referências arquitetônicas americanas no Brasil, através de um denso estudo sócio-político da época em questão. 3º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO Belo Horizonte, de 12 a 14 de novembro de 2013 ISSN 1983-7518 de várias revistas e livros americanos, entre os quais podem ser citados a revista Architectural Record, editada em Boston desde 1876, tendo dedicado várias reportagens acerca do Mission Style, e a Architectural Digest, outra revista igualmente difundida, que abordou ao longo dos anos vários projetos com formas hispânicas. Outra obra emblemática foi o livro de Rexford Newcomb, Spanish House for America, que se tornou bastante popular no Brasil entre as décadas de 1920 e 1930, e foi uma das principais referências para os projetos dentro dos “princípios coloniais hispano-americanos em todo o continente” (Atique, 2008, p. ). Tais fatores contribuíram para que a moda das casas “missão espanhola” superasse quantitativamente àquela de inspiração lusa (Bruand, 1987, p.57). Uma das razões que podem justificar esta evidência é que esta última se mostrava muito austera e monumental, para o padrão de habitabilidade brasileiro do segundo quartel do século XX, sendo a linguagem hispânica, com suas maciças arcadas, telhadinhos de barro e reboco grosso, mais próxima da escala residencial, ao que Paulo Santos (1977:102) vem corroborar dizendo que: “O Neocolonial era grave e viril; o Mission-Style gracioso e delicado; [grifo nosso] (...)Na luta pela sobrevivência, seriam as formas hispânicas – talvez por mais leves e menos anacrônicas – as que mais resistiram”. Através do exposto percebe-se a influência da cultura norte-americana não apenas no campo isolado da arquitetura residencial, mas na maneira de pensar e agir do brasileiro, e, sobretudo nos desdobramentos porque passa a configuração urbana das cidades, que começam a se adaptar às exigências da vida moderna espelhando-se no american way of life. Panorama urbano da capital no século XX Ainda em finais do século XIX, a então cidade da Parahyba “não se inseria dentre as mais importantes e expressivas cidades brasileiras”. Com efeito, apresentando um tecido urbano bastante primitivo, a nossa urbe ainda se mostrava, em linhas gerais, através de ruelas estreitas sem urbanização e bordeadas majoritariamente por modestos edifícios “sem rigor arquitetônico” (Guedes, 2006, p. 97). Em relação aos grandes centros urbanos como Rio de Janeiro e Recife, nos quais “os investimentos em infra-estrutura urbana começaram a esboçar-se desde as primeiras décadas do século XIX”, a nossa cidade só passará por um significativo processo de beneficiamento público quando das ações do presidente da província, Beaurepaire Rohan, que governou a capital de 1857 a 1859. Apesar de uma breve administração, durante seu governo, foram tomadas as primeiras providências no sentido de promover, entre outras ações, “o alargamento, o alinhamento e/ou o nivelamento de algumas ruas existentes (...) medidas estas destinadas a possibilitar um adequado funcionamento da cidade no futuro [grifo nosso] através da melhoria das condições de salubridade e de circulação das áreas afetadas” (Vidal, 2004, p. 9-13). De fato a cidade iniciou o século XX ainda com uma tradição urbana colonial muito forte, começando a se configurar segundo o padrão de modernidade da época a partir dos anos 1910, durante a administração de João Machado, quando da introdução de equipamentos urbanos e serviços públicos representativos do progresso, tais como iluminação elétrica, cinema e abastecimento de água. A abertura da Avenida João Machado representou um importante salto de desenvolvimento. Esta se apresentava, já em finais da primeira década do século XX, como a via mais moderna da capital, através de seus casarões ecléticos que alinhavavam suas bordas e traziam para a cidade o modelo de salubridade e elegância a ser adotado. Assim, uma vez seguidos os novos requisitos urbanos de recuos frontais e laterais, tais imóveis pontuavam seus respectivos lotes trabalhando em conjunto com grandes jardins. Durante as administrações públicas seguintes, este modelo de cidade foi expandido na direção leste, contexto que trouxe a abertura da Praça da Independência em 1922, atrelada ao desenvolvimento (prolongamento) da antiga Rua de Tambiá, agora Monsenhor Walfredo Leal, consolidada desde finais do século XIX como o principal eixo de expansão oriental da capital. Posteriormente, a urbanização da antiga “Lagoa dos Irerês”, convertida em Parque Solon de Lucena em 1937, e seu entorno “(...) possibilitou a abertura ou maior ocupação das avenidas Getúlio Vargas, Coremas, Duarte da Silveira e Maximiano de Figueiredo” (Memória João Pessoa, 2013), como também da atual Avenida Camilo de Holanda em 1940, presente nos mapas da Capital desde 1923 sob o nome de Avenida Central (Sousa e Vidal, 2010, p.75-95). Estas, entre outras vias menores perpendiculares aos eixos citados, representaram as artérias de uma cidade que se expandia trazendo consigo uma nova arquitetura e sinalizando o surgimento de um novo modo de morar. O Neocolonial hispano-americano em João Pessoa Considerando que a vertente hispano-americana do neocolonial se fez sentir nesses novos eixos de expansão e urbanização da cidade, optou-se por analisar, começando pelo anel externo do Parque Solon de Lucena, as principais vias ao longo das quais o modelo residencial teria se difundido. O olhar confirmou a recorrência da linguagem arquitetônica na direção leste da cidade, sendo poucos exemplares registrados no setor mais interno do Centro Histórico, o que vem a corroborar a afirmação de Aracy Amaral que “o neocolonial é o estilo dos bairros novos que apresentam também um urbanismo novo, surgido a partir dos anos 20 em diversos países. É a arquitetura das novas classes altas.” [tradução nossa] (Amaral, 1994, p. 13). As avenidas Tabajaras, Eurípedes Tavares e Camilo de Holanda, Duarte da Silveira e Getúlio Vargas foram, dentro do perímetro analisado, palcos importantes desta produção, apesar de, 3º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO Belo Horizonte, de 12 a 14 de novembro de 2013 ISSN 1983-7518 atualmente, muitos exemplares estarem alterados ou mesmo arruinados. Dentro deste quadro foram destacados três imóveis significativos do neocolonial hispano-americano em João Pessoa, onde, baseados na literatura que norteia este trabalho, são evidenciados os principais elementos morfológicos e espaciais que os caracterizam. A eleição dos três imóveis se ancora no potencial que os mesmos detêm para comprovar e documentar a presença desse estilo que foi tão importante no desenvolvimento urbano da capital. Ao mesmo tempo, o destaque para os edifícios alerta para o descaso com que tal patrimônio é tratado por parte das autoridades competentes e da própria academia, o que lhe imputa a constante ameaça de descaracterização e de completo desaparecimento. Afinal não há nenhum instrumento legal específico para proteção e preservação de tais imóveis. Para melhor amparar a análise sobre os três imóveis considerados no presente trabalho, são registradas algumas reflexões feitas por estudiosos que já se debruçaram sobre a morfologia que identifica e distingue o neocolonial hispano-americano de outras escolas arquitetônicas. Ao referir-se à linguagem em questão, Bruand (1987, p. 57) intitula-a de “ecletismo exótico”, e a descreve brevemente como um estilo de “maciças arcadas em arco-pleno, colunas torsas, reboco grosso em relevo com desenhos informais lembrando vagamente a decoração árabe”. Realmente, de uma forma geral, são esses indicadores morfológicos que chamam a atenção para o reconhecimento do gênero num primeiro olhar, como também o define Clara Correia D’Alambert. Citada por Atique (2010, p. 221) ela complementa o exposto ao elencar “alpendres com arcos abatidos ou goticizantes às vezes emoldurado por tijolos ou pedras dispostos aleatoriamente, imitando aduelas [...] e revestimento rústico das fachadas com reboco grosso em relevo, geralmente, na cor branca.” [grifo nosso]. Este último recurso tinha como finalidade evocar os “resíduos deixados pelas brochas das constantes caiações nos prédios originais”. É importante frisar o atendimento, por parte dos projetistas e construtores, e por que não, dos proprietários dos imóveis, às novas exigências funcionais e de salubridade do início do século passado. As residências eram via de regra providas de recuos frontal, laterais e de fundos, permitindo a todos os compartimentos nelas contidas, níveis ideais de iluminação e aeração. Vale também ressaltar, principalmente nas edificações de maior porte, a existência de grandes jardins e a entrada exclusiva para automóveis, com abrigo específico para o mesmo na parte posterior do imóvel. Sobre o assunto, Sílvia Wolff, destaca uma série de elementos compositivos próprios da linguagem, dizendo: Vários elementos integrariam a linguagem neocolonial hispano-americana (...). Destacam-se entre eles frontões curvos de inspiração barroca, telhadinhos de barro interceptando segmentos de fachada, painéis de azulejo, luminárias de gradis de ferro forjado, barras de pedra, balcões, grandes arcos na fachada e grupos conjugados de duas ou três pequenas janelas em arco, muitas vezes separadas por pequenas colunas salomônicas. (Wolff, 2001, p. 228). Complementando o pensamento, a autora ainda afirma que “desses elementos derivavam algumas versões”, das quais ela define duas: uma de partido mais simplificado com um grande arco único no terraço que podia terminar externamente numa base com volutas, “mais um arco para a passagem de carros”, e outra mais elaborada que trazia consigo “portadas barrocas”, gradis atuando em conjunto com portas e janelas, “falsas chaminés e também falsos poços ou chafarizes”. O modelo igualmente podia trazer, junto com seu partido, vasos grandes em forma de ânfora no terraço. Nos trechos analisados em João Pessoa, foram encontrados exemplares pertencentes às duas versões citadas por Wolff. Tais versões são destacadas em três imóveis que, pela propriedade de suas características morfológicas, são aqui elencados para efeito de análise. O primeiro deles é o imóvel de nº181 situado à Avenida Monsenhor Walfredo Leal, próximo ao cruzamento com a Avenida Princesa Isabel. Construído no final da década de 1930, pelo industrial de algodão, o Sr. Abílio Dantas, o edifício residencial representa o exemplar mais emblemático do Mission-Style na cidade de João Pessoa, por reunir em seu escopo geral a maior quantidade de elementos formais característicos da linguagem. Recuado dos quatro limites do lote, o que lhe proporciona espaço para um grande jardim, a antiga residência, adquirida pelo Sr. Inácio Pedrosa na década de 1960, chama a atenção por seu terraço descoberto no primeiro pavimento provido de um falso poço – um cenário montado para recriar os grandes pátios dos ranchos californianos. Esta característica se torna bastante sui generis, por dois motivos: o primeiro por ser o único exemplar hispano-americano na cidade a apresentar um poço em sua composição; o segundo pelo fato de tais pátios com poço se situarem, naturalmente, no pavimento térreo. Ademais, há as características compartilhadas com outros imóveis do gênero produzidos na costa oeste americana, como os arcos goticizantes da fachada adornados por falsas aduelas, e o detalhe da grande voluta base na sua porção inferior, além do trabalho rústico com o reboco que reveste sua fachada, os telhadinhos de barro que lhe interceptam, e a presença do nicho que devia abrigar a imagem de santo católico (Figura 2). O jogo de volumes e cobertas também distingue a edificação, que apresenta torreão com seteiras, e painel de azulejos entre os arcos da fachada sul. A presença de chaminé igualmente contextualiza o espírito das Missões norte-americanas, por constituir elemento meramente formal para a realidade de João Pessoa. 3º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO Belo Horizonte, de 12 a 14 de novembro de 2013 ISSN 1983-7518 Num mesmo diapasão arquitetônico da residência analisada acima, porém com caracteres morfológicos ligeiramente distintos, se destaca a residência nº 350, situada no anel externo do Parque Solon de Lucena. Com partido predominantemente horizontal, o imóvel pertencente à família Ayres, data de 1945, tendo como arquiteto e construtor os senhores Paulo Barreto e José Pedro, respectivamente. A edificação se destaca por sua imponência frente a um lote relativamente pequeno, onde se percebe, como na residência Inácio Pedrosa, um belo trabalho paisagístico no jardim (embora com proporções relativamente menores), e o portão exclusivo para entrada de automóvel, cujo abrigo – a garage – não é isolada da casa, mas faz parte de seu corpo construído dando acesso à dependência dos empregados. Esta na verdade compõe um “falso subsolo” criado a partir do desnível natural do terreno, em cima do qual a residência foi construída. O edifício é caracterizado por movimentado jogo de volumes, cobertas com telhas cerâmicas capa-canal e providas de beirais curtos, e acabamentos de peitoris e guarda-corpos com lajotas cerâmicas, remetendo às composições californianas da época. Entre outros elementos morfológicos, pode-se evidenciar os arcos plenos do alpendre, seus pitorescos cobogós florais, além das luminárias de ferro que pendem de sua fachada, características que, aliadas à sua composição volumétrica, evocam as soluções dadas por Lúcio Costa e Fernando Valentim ao projeto da residência Raul Pedrosa no Rio de Janeiro (Figura 3). O outro tipo de edificação residencial de linguagem hispano-americana detectado no circuito visitado foi o bungalow, que neste trabalho se faz representar pelo imóvel nº 87, situado à Avenida Camilo de Holanda, esquina com a Avenida Princesa Isabel – a antiga residência do Sr. José Arnaldo Cabral de Carvalho. Fazendo um rápido comentário sobre esta tipologia residencial, convém destacar que foi introduzida no contexto brasileiro pelas mesmas vias do neocolonial hispano-americano, sendo parte integrante através do chamado Mission Style bungalow, o qual reproduzia seus principais elementos morfológicos, porém em residências de pavimento térreo, que é o caso do imóvel em questão. De planta compacta e de fácil apreensão, o imóvel edificado pelo engenheiro-construtor Joaquim Pereira do Nascimento data da década de 1940, mais precisamente 1946. Apesar da descaracterização sofrida, tanto no âmbito formal como de implantação no lote, devido à trajetória de usos incompatíveis impostos ao imóvel ao longo dos anos, que inclusive incorporou ampliações à área total construída, suas características originais podem ser analisadas a partir das plantas obtidas no arquivo público da Prefeitura Municipal de João Pessoa. Situada num terreno de dimensões predominantemente quadradas, a antiga residência era recuada em todos os lados, como mandava o figurino modernizante da época. Apesar de sua composição geométrica predominante, reforçada através da presença da bay-window em sua fachada principal voltada para a Avenida Camilo de Holanda, elementos de inspiração hispânica eram identificados através do trabalho do gradil da janela do primeiro quarto, no adorno de pedras de seu embasamento, como também no trabalho formal das arcadas de seu alpendre (que cobre toda fachada oeste), e nas singelas cerâmicas que pontuam sua platibanda (Figura 4). Considerações finais Através do exposto, percebe-se que a difusão do Neocolonial hispano-americano se deu em João Pessoa não apenas como a ramificação de um movimento que se espraiava pelo país, através da divulgação pela imprensa, pelo cinema e livros e revistas especializadas, mas, como resultado de um processo de transformações urbanas e sociais ligado às novas leis triádicas de salubridade, embelezamento e circulação que passavam a fazer parte do código urbano dos grandes centros. Dentro desse contexto, a análise dos três imóveis eleitos para um estudo detalhado mostrou que a forma de implantação das residências bem como sua setorização acompanhou uma prática recorrente desde o princípio do século passado, quando as leis do circular, embelezar e sanear já compunham o ideário residencial e urbano das cidades em desenvolvimento. Assim, os quatro recuos eram obedecidos à risca, dando as condições para as necessárias aberturas em todos os espaços da casa, o que conferia aos usuários da habitação o conforto térmico e lumínico necessários para uma moradia moderna e salubre. A partir dos levantamentos empreendidos às edificações e de sua comparação com aqueles modelos encontrados nos catálogos de arquitetura da época, verificou-se o mesmo padrão de planta sendo repetido tanto no que diz respeito ao layout como na disposição dos espaços, havendo diferença apenas nos imóveis de dois andares, os quais, via de regra, incluíam os dormitórios no pavimento superior. Finalmente a partir da escolha de três residências representativas da linguagem neocolonial hispano-americana, o trabalho sinalizou para a necessidade de uma conscientização por parte dos órgãos competentes e da própria academia sobre esse patrimônio ameaçado pelo descaso e pela falta de reconhecimento. Os imóveis da Av. Monsenhor Walfredo Leal e da Lagoa, apesar de algumas alterações, ainda apresentam sua morfologia original relativamente intacta, porém o terceiro imóvel foi completamente adulterado, destituído de seus indicadores formais. Esse resultado alerta para que medidas pertinentes sejam tomadas sob pena que, num futuro próximo, nenhum exemplar de uma linguagem arquitetônica que compôs os perfis parietais dos eixos de expansão da capital paraibana subsista à sanha destruidora dos interesses imobiliários. 3º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO Belo Horizonte, de 12 a 14 de novembro de 2013 ISSN 1983-7518 ANEXOS Figura 1. Planta do entorno do Parque Solon de Lucena, João Pessoa. Eixos de expansão e localização de edificações neocoloniais. Fonte: PMJP (edição nossa) Figura 2. Residência Inácio Pedrosa. (A) Aspecto geral; (B) Detalhe de seteira e voluta de base; (C) Detalhe das aduelas e nicho; (D) Detalhe do falso poço no primeiro pavimento e da chaminé. Fonte: Arquivo pessoal Figura 3. Residência Ayres. (A) Aspecto Geral; (B) Janela da dependência de empregados; (C) Entrada da garage; (D) Fachada leste -detalhe para o desnível do terreno. Fonte: Arquivo pessoal. (E) Residência Raul Pedrosa. Fonte: Pinheiro, 2011, p. 191 Figura 4. Projeto da Residência José Arnaldo Cabral de Carvalho. (A) Planta de situação; (B) Bay-window na fachada principal; (C) Gradis da janela do primeiro quarto. Fonte: Arquivo da PMJP. 3º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO Belo Horizonte, de 12 a 14 de novembro de 2013 ISSN 1983-7518 Referências AMARAL, Aracy (coord.). Arquitetura Neocolonial: América Latina, Caribe, Estados Unidos. São Paulo: Memorial; Fondo de Cultura Econômica, 1994. ATIQUE, Fernando. ‘A Presença Americana na Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil: Antecedentes e Repercussões’. In: BRASA – International Congress of the Brazilian Studies Association, 10., 2008, Brasília. Anais Eletrônicos. Brasília: BRASA, 2010. Disponível em: <http://www. brasa.org/portuguese/congressos>. Acesso em: 17 abr. 2011. _______. Arquitetando a Boa Vizinhança: Arquitetura, Cidade e Cultura nas Relações Brasil – Estados Unidos 1876 – 1945. São Paulo: Pontes Editores, 2010. BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987. GUEDES, Kaline Abrantes. O ouro branco abre caminhos: o algodão e a modernização do espaço urbano da Cidade da Parahyba (1850-1924). Dissertação (mestrado). Natal, 2006. LEMOS, Carlos A.C. El estilo que nunca existió. In: AMARAL, Aracy. Op., cit., p. 155. McMILLIAN, Elizabeth Jean. California Colonial: The Spanish and Rancho Revival Styles. Schiffer Publishing Ltd., 2002. MEMÓRIA JOÃO PESSOA. O Século XX - Da cidade da Paraíba à cidade de João Pessoa. Disponível em: http://www.memoriajoaopessoa.com.br/formacao/06_seculo_xx/. Acesso em Out. 2013. MI CASITA. Buenos Aires: Editorial Construcciones Sudamericanas. Tomo 1º, 15 Septiembre, 1945. MUZI, Luiz. Arquitetura e Construções: o auxiliar dos arquitetos, construtores, desenhistas, estudantes e todos os que se interessam pela arquitetura., 2ed. São Paulo, 1946. NEWCOMB, Rexford. Spanish Colonial architecture in the United States. New York: Dover Publications, 1990. _______. The Franciscan mission architecture of Alta California. New York: Dover Publications, 1916. _______. The Spanish House for America: its design, furnishing and garden. Philadelphia. J.B. Lippincott, 1927. PINHEIRO, Maria Lucia Bressan. Neocolonial, Modernismo e Preservação do Patrimônio no Debate Cultural dos Anos 1920 no Brasil. São Paulo: Fapesp, 2011. SANTOS, Paulo F., Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro: Fundação Rosimar Pimentel, 1977. SOUSA, Alberto; VIDAL, Wylnna. Sete plantas da capital paraibana: 1858-1940. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2010. TORRE, Susana. En busca de una indentidad regional: evolución de los estilos misionero y neocolonial hispano em California entre 1880 y 1930. In: AMARAL, Aracy. Op. Cit., p. 52. THE ARCHITECTURAL RECORD: an illustrated monthly magazine of architecture and the allied arts and crafts. New York: v. LI, p. 19-20, jan.-july, 1922. VIDAL, Wylnna Carlos Lima. Transformações Urbanas: a modernização da capital paraibana e o desenho da cidade, 1910-1940. Dissertação (mestrado). João Pessoa, 2004. WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Jardim América: o Primeiro Bairro-jardim de São Paulo e sua Arquitetura, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/FAPESP/Imprensa Oficial do Estado, 2001. 3º SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO Belo Horizonte, de 12 a 14 de novembro de 2013 ISSN 1983-7518
Documentos relacionados
artigo completo em PDF
bungalow, o hall, em vez do vestíbulo, o living room, em vez da sala de estar, o W.C. em vez da latrina, etc.” (LEMOS, 1994: 150). Em meados do primeiro quartel do século XX, a Escola Nacional de B...
Leia mais