ISSN: 1981 - 3031 1 FAZER, APRECIAR E REFLETIR: ASPECTOS

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ISSN: 1981 - 3031 1 FAZER, APRECIAR E REFLETIR: ASPECTOS
ISSN: 1981 - 3031
FAZER, APRECIAR E REFLETIR: ASPECTOS FUNDAMENTAIS PARA A
APRENDIZAGEM EM ARTES VISUAIS E FORMAÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA.
Michelle Pereira de Oliveira
Email: [email protected]
Elisabete Pereira Fernandes
Email: [email protected]
Edenia Silva dos Santos
Email: [email protected]
RESUMO
Este texto tem por objetivo apresentar um relato de experiência com o ensino de Artes Visuais na
Educação Infantil, vivenciado durante o Estágio supervisionado II, do curso de Pedagogia da
Universidade Federal de Alagoas - UFAL. As atividades de intervenção buscaram viabilizar a
formação integral das crianças, contemplando os aspectos estético, cognitivo e social, estimulando,
desta forma, um desenvolvimento pleno, completo e possibilitando aos pequenos a utilização da Arte
como linguagem, ou seja, como forma de se expressar. Do ponto de vista teórico-metodológico,
utilizou-se da pesquisa qualitativa, iniciando com a observação do cotidiano escolar de crianças de
uma escola municipal, de onde se traçou a pesquisa ação (projeto de intervenção) que, para ser
concretizada, foi fundamentada em pesquisadores que debatem sobre Arte-Educação e nas
legislações vigentes. Após um período de 11 sessões de intervenções, chegou-se a resultados
maravilhosos, culminando com a exposição de obras de Arte belíssimas. Estes resultados
proporcionaram a reflexão sobre a prática docente e muitas aprendizagens de como pode ser feito o
trabalho com Artes Visuais na Educação Infantil, modalidade que recebe pouca valorização no que se
refere à produção artística, entretanto, acredita-se, é a que mais está propícia a trabalhos de fato
criativos, já que ainda não está tão afetada com a estereotipação das imagens e com o fazer certo ou
o compreensível do ponto de vista da sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Artes
Visuais. Educação Infantil. Formação integral.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo é resultado das experiências vivenciadas durante o
Estágio Supervisionado II, do curso de Pedagogia da Universidade Federal de
Alagoas - UFAL, realizado em uma escola municipal de Educação Infantil em
Maceió, numa turma do 2° período, composta por 12 crianças na faixa etária de 05
anos, sendo a sequência de intervenções didática voltadas para o trabalho com
Artes Visuais.
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Utilizou-se como base metodológica a pesquisa ação, iniciando com a
observação do cotidiano escolar das crianças, que, por motivo de greve na rede
pública municipal, se deu em apenas dois dias, e a partir de então foi traçado o
projeto de intervenção, organizado em um cronograma de 11 sessões, nas quais
desenvolvemos propostas voltadas para o Ensino das Artes Visuais, tendo como
objetivo contribuir para a formação integral da criança por meio da aprendizagem
das Artes Visuais, promovendo uma aprendizagem verdadeiramente significativa.
O ensino de Artes nas escolas tem sido pauta constante de discussões
entre educadores, pois, apesar das propostas vigentes, tanto de teóricos da área
quanto de documentos legais, proporem um ensino completo, que propicie ao aluno
o desenvolvimento de um pensamento artístico, ampliando sua sensibilidade e
percepção, assim como, favorecendo a sua formação pessoal, é comum ver nas
salas de aula exatamente o contrário. Desta maneira, provoca-se um descompasso
entre propostas de ensino e prática docente.
Contrapondo-se a essa ideia, nas atividades desenvolvidas durante o
estágio, buscou-se levar em conta que as produções das crianças revelam o
contexto social, cultural e histórico e as experiências que vivenciam, abrindo espaço
para suas próprias representações. Intentando ainda incentivar à formação integral e
contemplar os aspectos estético, cognitivo e social, estimulando, desta forma, um
desenvolvimento pleno, completo e possibilitando aos pequenos vivências da Arte
como linguagem, ou seja, como forma de se expressar.
Para concretização da pesquisa, foram utilizados como referencial teórico,
autores trabalhados na disciplina Arte-Educação, tais como: Ferreira (2012); Moreira
(2002); Martins, Picosque e Guerra (2009), bem como, a proposta para o trabalho
com Educação Infantil, presente no Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil (MEC, 1998, vol. 03), e algumas orientações do Projeto Paralapracá, o qual é
trabalhado pela escola campo de pesquisa.
Após as sessões de intervenção, chegou-se a resultados maravilhosos,
culminando com a exposição de obras de Arte belíssimas. Estes resultados
proporcionaram a reflexão sobre a prática docente e muitas aprendizagens de como
pode ser feito o trabalho com Artes Visuais na Educação Infantil, modalidade que
recebe pouca valorização no que se refere à produção artística, entretanto,
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acreditamos ser a que mais está propícia a trabalhos de fato criativos, já que ainda
não está tão afetada com a estereotipação das imagens e com o fazer certo ou o
compreensível do ponto de vista da sociedade.
Em termos de organização do relato, buscaremos apontar, primeiramente, o
que chamaremos Apontamentos teóricos, no qual destacaremos pesquisas já
realizadas em torno do Ensino da Arte na Educação Infantil. Em seguida,
delinearemos As primeiras impressões, isto é, o que foi registrado em nossas
observações
iniciais.
Numa
terceira
sessão
descreveremos
cada
etapa
desenvolvida, apresentando o trabalho realizado e os objetivos propostos para cada
momento, à qual nomearemos de O trabalho com as crianças; finalizando com a
reflexão sobre os resultados obtidos e as aprendizagens conquistadas.
2 APONTAMENTOS TEÓRICOS
As Artes Visuais perpassam a vida infantil, estando presente na forma dela
organizar os brinquedos, de expressar pensamentos, ―ao rabiscar e desenhar no
chão, na areia e nos muros, ao utilizar materiais encontrados ao acaso (gravetos,
pedras, carvão), ao pintar os objetos e até mesmo seu próprio corpo (RECNEI,
1998, volume 3, p. 85)‖. Contudo, mesmo sendo parte integrante da vida dos
pequenos ao analisarmos como tem sido efetivado seu ensino na Educação Infantil,
é possível observar uma dificuldade nos docentes em propor atividades que sejam
de fato significativas, é como se em dado momento perdêssemos nossa capacidade
viver a arte.
Tais propostas consistem em a criança colorir um desenho xerocopiado pelo
professor, cuja execução não lhe dá a mínima possibilidade de criação e reflexão,
pois todos colorem a mesma gravura e, em muitas vezes, todas da mesma cor.
Moreira (2002) reflete sobre esse aspecto descrevendo-o como uma forma de
dominação do professor sobre a criança, segundo a autora, a uniformidade que
encontramos em desenhos de crianças de uma mesma classe é a tradução dessa
relação autoritária,
Todos temos na lembrança, as casinhas, os coelhos e outros modelos que
são repetidos incansavelmente por todas as crianças numa sala de aula;
sejam estes desenhos copiados na lousa, ou mimeografados pelas
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professoras para as crianças colorirem. E ninguém percebe que estas são
atividades puramente mecânicas, que nada contribuem para o
desenvolvimento das crianças (MOREIRA, 2002 p. 84).
De acordo com pressuposto de Moreira (Ibdem) essa ação se dá porque o
professor perdeu, talvez ainda na infância, seu próprio desenho e desta feita o
―desenho pedagógico‖ se torna um recurso, é para ele uma mera cópia, fechando-se
assim, uma cadeia de desenhos que não são expressão de quem desenha.
Por outro lado, também se observa inúmeras tentativas de professores em
oferecer um ensino de Artes Visuais com apreciação de obras de artes consagradas,
propondo a interpretação das mesmas, na tentativa de ampliar o desenvolvimento
artístico da criança. Entretanto, no momento do ―fazer‖ artístico e da ―reflexão‖ sobre
a Arte, acabam propondo uma releitura, ou seja, uma cópia da obra já pronta, sem
deixar a criança livre para produzir sua própria obra de Arte, a partir de sua
interpretação. Não que não seja importante conhecer obras de arte, ao contrário,
este ato amplia a sensibilidade e a percepção artística da criança. Porém, a forma
como o trabalho é realizado é que se torna equivocada, pois a ―releitura‖ acaba se
tornando uma cópia ―culta‖ e mais uma prática arcaica, como afirma Ferreira (2012,
p. 11).
Nos dias de hoje, oferecer um ensino de Arte que contemple tanto os eixos
propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, que são o ―fazer formas
artísticas, fruir formas artísticas e refletir sobre formas artísticas‖, quanto à formação
pessoal da criança, torna-se necessário. Desta maneira, além incentivar atitudes
espontâneas e autônomas na exploração e no fazer artístico das crianças, deve-se
levar em conta que suas produções denotam o contexto social, cultural e histórico
das mesmas e as experiências que vivenciam nestes, abrindo espaço para suas
próprias representações.
As representações das crianças são formuladas sob a influência do seu
cotidiano, de seu convívio, de suas experiências e, partir daí, suas aprendizagens
tornam-se significativas, sobre esse aspecto o Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil (RCNEI) aponta:
As crianças têm suas próprias impressões, idéias e interpretações sobre a
produção de arte e o fazer artístico. Tais construções são elaboradas a
partir de suas experiências ao longo da vida, que envolvem a relação com a
produção de arte, com o mundo dos objetos e com seu próprio fazer. As
crianças exploram, sentem, agem, refletem e elaboram sentidos de suas
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experiências. A partir daí constroem significações sobre como se faz, o que
é, para que serve e sobre outros conhecimentos a respeito da arte. (1998,
volume 3, p. 89).
Para a arte-educadora americana Rhoda Kellog (apud Ferreira, 2012, p.18):
―a criança não aprende a desenhar apenas por imitação do desenho do adulto, mídia
ou outras crianças, mas também com sua própria experiência, ou seja, a
aprendizagem é ativa‖. Dessa forma através da arte a criança não só se apropria da
cultura, mas também a produz, deixando sua marca, principalmente por meio do
desenho. Sobre esse aspecto Moreira (2002) é enfática em afirmar que ―toda criança
desenha‖, seja para brincar ou para se comunicar, sendo esse um ato natural, uma
necessidade do ser humano.
Tendo um instrumento que deixe sua marca: a varinha na areia, a pedra na
terra, o caco de tijolo no cimento, o carvão nos muros e calçadas, o lápis, o
pincel com tinta no papel, a criança brincando vai deixando sua marca,
criando jogos contando histórias (MOREIRA, 2002 p. 15).
Sendo o trabalho com o ensino da arte algo tão primordial, não deve, de
forma alguma, ser secundarizado nas escolas, de forma que, negar a criança
oportunidades artísticas é como negar-lhe o direito de falar, andar ou desenvolver
qualquer outra habilidade humana. Nesse sentido o Referencial Curricular Nacional
para a Educação Infantil enfatiza que sendo a arte concebida como uma forma de
linguagem ela tem estrutura e características próprias, e desta forma sua
aprendizagem, no âmbito prático e reflexivo se dá por meio de articulações, sendo
elas:
- fazer artístico — centrado na exploração, expressão e comunicação de
produção de trabalhos de arte por meio de práticas artísticas,
propiciando o desenvolvimento de um percurso de criação pessoal.
- apreciação — percepção do sentido que o objeto propõe, articulando-o
tanto aos elementos da linguagem visual quanto aos materiais e
suportes utilizados, visando desenvolver, por meio da observação e da
fruição, a capacidade de construção de sentido, reconhecimento,
análise e identificação de obras de arte e de seus produtores;
- reflexão — considerado tanto no fazer artístico como na apreciação, é
um pensar sobre todos os conteúdos do objeto artístico que se
manifesta em sala, compartilhando perguntas e afirmações que a
criança realiza instigada pelo professor e no contato com suas próprias
produções e as dos artistas (1998, volume 3, p. 89).
O ensino de arte deve, portanto, permitir que o indivíduo seja contemplado
nesses aspectos.
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3 AS PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Durante o período de observação do estágio supervisionado não houve
muito tempo para conhecer de forma mais aprofundada como se dava a rotina das
crianças no que diz respeito às Artes Visuais. Entretanto, nos poucos momentos, foi
possível registrar dois acontecimentos distintos, os quais despertaram nosso
interesse pela temática, levando-nos ao desenvolvimento do projeto.
O primeiro deles ocorreu durante a execução de uma atividade proposta
pela professora, na qual, em clima de copa do mundo, a turma teve de pintar a
imagem da camisa da seleção brasileira e, logo abaixo, o nome BRASIL. Todos
tinham de pintar da mesma cor, inclusive, foi distribuído apenas giz de cera nas
cores verde, amarela, azul e branca. As crianças foram orientadas pela docente
sobre quais cores iriam utilizar em cada parte do desenho. Um dos pequenos tentou
colorir o seu de forma diferente, mas foi impedido pela mesma, deixando-o
visivelmente desanimado. Sabemos que as cores que representam o Brasil são as
acima citadas, porém, esta atividade deixou a turma totalmente limitada, sem
nenhuma possibilidade de criação, se contrapondo ao que propõe o RCNEI (1998).
Em outro momento, porém, os pequenos demonstraram ser verdadeiros
artistas, durante a realização de uma atividade sobre a páscoa. A professora havia
faltado neste dia e sua auxiliar resolveu propor uma atividade de arte para ―passar o
tempo‖, pois não tinha planejado nada. A mesma solicitou que desenhassem
livremente sobre o tema sugerido. Desta ―tarefa‖ nasceram lindos desenhos, a
maioria deles sempre trazia um detalhe que revelava o cotidiano das crianças.
Durante estas observações, verificou-se que as crianças apresentavam
bastante dificuldade em compartilhar o material com o próximo – giz de cera, lápis
de cor, tesoura, entre outros. A partir daí então ficou decidido que levaríamos uma
proposta de trabalho com Artes Visuais que buscasse contemplar também estes
aspectos – formação integral da criança.
4 O TRABALHO COM AS CRIANÇAS
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Visando a atingir o objetivo principal do projeto de intervenção, que era
contribuir para a formação integral da criança por meio da aprendizagem das Artes
Visuais, promovendo uma aprendizagem verdadeiramente significativa, propomos,
para o trabalho, seis etapas, cada uma delas foi executada em duas sessões, as
quais estão apresentadas na tabela a seguir:
Tabela 1- Descrição das sessões desenvolvidas nas intervenções
ETAPAS
1ª etapa - Oficinas
2ª etapa - Pintura
3ªetapa - Recorte e
colagem
4ª etapa - Modelagem
5ª etapa - Desenho
6ª
etapa
Culminância
Fonte: As autoras.
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SESSÕES
1ª sessão
2ª sessão
3ª sessão
4ª sessão
5ª sessão
6ª sessão
7ª sessão
8ª sessão
9ª Sessão
10ªSessão
11ª
Sessão
ATIVIDADES
Oficina para fabricação de papel machê
Oficina para fabricação tinta caseira
Arte Rupestre
Arte do Pontilhismo
Arte - Mosaico
Arte - Sobreposição
Produção de uma taça
Pintura da taça
Desenho com diferentes materiais e suportes
Desenho no fundo preto
Exposição das produções das crianças
Durante a execução de cada atividade tentávamos dar conta das três
articulações propostas pelo RCNEI (1998), de forma que eles apreciavam uma
produção de um artista adulto, de uma criança, vídeo ou imagens de um livro com o
qual tínhamos feito a contação e conversávamos sobre a técnica usada, em seguida
as crianças eram convidadas a fazer suas artes e durante o processo refletíamos
sobre o trabalho deles ou sobre a obra do artista em questão. Vale ressaltar que, por
conta do tempo, nem sempre foi possível conduzi-los para a apreciação e reflexão
dos trabalhos executados pela turma, por isso, na medida do possível,
conversávamos com eles, ouvindo os significados dados para cada produção e
expondo-as em locais visíveis para todos, como no varal ou no chão, de forma que a
medida que eles fossem concluindo os trabalhos, pudessem apreciar os dos demais
e conversar sobre o que tinham feito.
Na primeira etapa, realizamos oficinas para explicação e fabricação dos
materiais que seriam utilizados durante as demais etapas/sessões, como o papel
machê para modelagem e a tinta caseira. O objetivo desta etapa foi apontar as
matérias primas necessárias para a confecção/produção destes materiais e como
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fazê-los.
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Buscamos trabalhar o ―compartilhar com o próximo‖, na tentativa de
incentivar os alunos a dividirem seu material com os colegas da mesa.
Para a segunda etapa, trabalhou-se com a técnica de pintura, focando na
Pintura Rupestre e Pontilhismo. O objetivo dessa proposta, além de possibilitar a
experiência com as Artes em questão, era fazer com que o aluno percebesse a
importância desta – a Arte Visual – para a história da humanidade, pois a mesma
sempre resgata o contexto histórico do artista, retratando as características de cada
momento e se tornando um registro histórico, isto é, um documento. No que se
refere à arte Rupestre, Martins, Picosque e Guerra (2009) nos levam a refletir sobre
a capacidade do ser humano, desde os primórdios, de se expressar por meio dessa
arte.
Antes mesmo de saber escrever, o homem expressou e interpretou o
mundo em que vivia pela linguagem da arte. A caverna, com sua umidade
rochosa, foi o ateliê do homem pré-histórico [...] Por dias e dias, nela
habitava, desvendando, pelo fazer das mãos e pela força imaginante, o que
não compreendia, mas sonhava compreender. [...] mais do que uma
reprodução dos animais selvagens reais, os desenhos e pinturas da arte
rupestre nos falam da sensibilidade visual e da capacidade de abstração do
homem pré-histórico. (2009, p. 30).
Desta maneira, exibimos um trecho do filme Era do Gelo, que apresenta a
Arte Rupestre, discutimos sobre esse tipo de arte, inclusive algumas crianças já a
conheciam, se referindo a ela como “arte dos homens das cavernas”, o que nos
chamou bastante a atenção, como apontou Sam, de 5 anos: ―Tia, eu já conheço
esses desenhos. Eu já vi no “Doki”‖. A criança informou que assistiu ao desenho
animado no Discovery, TV por assinatura.
No trabalho com o Pontilhismo, destacamos a importância desta técnica
para expressar o sentimento artístico, tendo em vista a delicadeza e a minuciosidade
apresentadas nela. Introduzimos a proposta lendo o livro ―O mundo inteiro‖ e, em
seguida, apresentamos algumas pinturas feitas com essa técnica, falando sobre a
importância da mesma para a expressão do sentimento artístico. Durante a
realização das pinturas, os pequenos procuraram misturar as tintas para obterem
novas cores, demonstrando o que aprenderam no segundo dia do nosso trabalho.
Nas duas sessões dessa etapa, as crianças pintaram a partir de uma reflexão sobre
a técnica e foram convidados a usá-las para expressar o que quisessem.
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A proposta para a terceira etapa foi trabalhar com a técnica de recorte e
colagem. O objetivo foi trabalhar com dois tipos de trabalhos, o mosaico e a
sobreposição. Nesta sessão demos continuidade aos aspectos do fazer, do apreciar
e do refletir. Fizemos leitura de um livro – Clact, Clact, Clact de Liliana Lacocca
(2009), e apresentamos algumas obras realizadas com a técnica do mosaico,
deixando-os observá-las e as tocar, perguntando se já tinham visto esta arte em
algum lugar, como, por exemplo, em calçadas, paredes, quadros ou em outra
situação; em seguida, cada criança fez seu próprio mosaico e cada uma delas foi o
artista naquele dia. Uma criança, porém, apresentou muita dificuldade para
desenvolver seu trabalho, como aponta trecho de uma conversa:
Estagiária: Você vai fazer o quê?
Estagiária: Você não vai fazer o mosaico, não vai colar os papeis
recortados?
Ry: Não! Eu não vou fazer isso, é muito difícil. Se você me der um papel
inteiro eu colo em cima, cortado não, é muito difícil, eu não consigo.
Estagiária: Porque você não tenta?
Ry: Eu vou fazer de giz, me dê giz de cera e eu faço [...].
Após muito incentivo, ele contornou o carro que tinha em mãos, e o cobriu
totalmente com quadrinhos pretos. Quase não percebemos que era um mosaico,
mas ele fez!
Martins, Picosque e Guerra (2009, p.51) afirmam que ―Cada um de nós,
combinando percepção, imaginação, repertório cultural e histórico, lê o mundo e o
apresenta à sua maneira, sob o seu ponto de vista, por meio de formas, cores, sons,
movimentos, rítmo, cenário [...]‖. Nessa perspectiva, ao propormos as técnicas de
mosaico e sobreposição, tínhamos o objetivo de incentivar as crianças a
expressarem aquilo que mais gostavam, podendo ser o lugar preferido, um
brinquedo preferido, enfim, algo que fizesse parte de suas vidas.
Em relação à sobreposição, as crianças foram convidadas a visualizarem as
artes com esta técnica, dispostas na parede (previamente organizada por nós), após
um momento de apreciação, conversamos um pouco sobre cada uma, explicando
como é feita e que desta vez nosso tema seria ―o lugar preferido‖. De volta às
mesas, as crianças fizeram a coleta de materias que usariam para montar a
paisagem do lugar que elas mais gostam de estar. Este momento foi muito rico, pois,
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em suas falas, os pequenos revelaram seus lugares preferidos e produziram suas
obras exatamente nesse sentido, apontando o tapete da casa da avó, a rampa de
skate da praça que tem perto da casa de uma tia, e assim por diante.
Na quarta etapa, trabalhou-se a Arte Visual com a técnica de modelagem,
visando uma produção tridimensional de uma taça representativa da copa de 2014.
Para essa atividade, os principais materiais disponibilizados foram o papel machê e
a tinta, ambos produzidos pela turma na primeira sessão.
A atividade visou a abordar um tema mundial que tem feito parte do dia-a-dia
das crianças (copa do mundo), levando-as a refletirem sobre um objeto que sai das
mãos de um artista e que passa a fazer parte da história de um país, sendo seu
valor simbólico e material muito maior que o artístico na percepção de quem a
recebe. Nessa perspectiva, propomos uma situação imaginária, na qual as crianças
se tornaram os escultores responsáveis por criar uma taça com todo o valor
simbólico que a cerca, tentando pôr o máximo de personalidade e criatividade na
sua construção. Desta proposta, surgiram lindas taças, com corações no topo,
pássaros, chapéu de bruxa, enfim, uma gama de criatividade.
Para a penúltima sessão, trabalhou-se com a técnica do desenho, pois é
neste que a criança entra em contato com a sua primeira escrita. Para tanto, foram
propostos dois tipos de trabalho: o desenho em suportes diversos e o desenho com
fundo preto.
A primeira sessão dessa etapa tinha como proposta o desenho com
diferentes recursos e bases. Nessa perspectiva, disponibilizamos a lixa, o papelão e
a cartolina branca, que deveriam usar como base, e os pilotos, giz de lousa, giz de
cera e canetas, estes seriam usados para fazer os desenhos. Cada criança foi
escolhendo os materiais que iam usar com muita euforia, como sempre, e na hora
do desenho alguns faziam imagens de significado mais compreensível e outros
criavam formas diferentes que possibilitavam várias interpretações. Na lixa, todos
desenharam primeiro com giz de lousa e alguns em seguida, pintaram o interior com
giz de cera. Na cartolina e papelão usaram os pilotos. Vale ressaltar que, de acordo
com a professora, as crianças da escola em momento algum usam o hidrocor, esse
material nem tem na escola, explicando dessa forma o encanto das crianças pelas
linhas feitas com o piloto, principalmente o rosa.
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A atividade discorreu com muita tranquilidade e interesse dos pequenos,
exceto por um dos garotos, novamente o Ry, que demonstrou pouco interesse em
realiza-la, dizendo que não sabia desenhar. Após muita insentivo nosso, ele
resolveu usar a lixa para fazer uma cópia contornando o próprio carro, feito isso ele
queria entregar o desenho. Sugerimos que acrescentasse algo mais, ele desenhou,
então, duas linhas paralelas e traços no meio dizendo ser a pista, em seguida
entregou a produção. Ficamos surpresas com a falta de interesse dele por uma
tarefa que é tão vivenciada pelas crianças nesta faixa etária, nos dando indícios de
que provavelmente as atividades prontas já tenham afetado o seu desenvolvimento
criativo, principalmente porque ele manteve esse comportamento na maioria das
propostas nas quais era convidado a criar. De acordo com Moreira (2002), outro
aspecto que influencia no desenho da criança é a alfabetização precoce.
O que tem acontecido, é que a escola iniciou sua tarefa com as crianças
menores, porém não se equipou para proporcionar às crianças, a expansão
necessária ao seu estágio de desenvolvimento; e a alfabetização se
apresenta como uma saída viável para ocupar as crianças e satisfazer os
pais.
Despreza assim a linguagem natural da criança que se expressa através do
desenho e do jogo e procura equipá-la com uma linguagem ensinada
(MOREIRA, 2002 p. 67-68).
Não seria possível fazer análises mais profundas sobre o comportamento
dessa criança em especial e o que a levou a apresentar essa dificuldade de criar,
mas o fato é que se ―toda criança desenha‖ (MOREIRA, 2002 p. 15), algo estava
bloqueando seu desenho e as propostas apresentadas pela escola em torno da arte
não o ajudaram a avançar.
Pensando também nesse aspecto, na segunda etapa do trabalho com
desenho, mostramos o livro ―Lobo Negro‖ de Antoine Guilloppé (2005) e fizemos a
leitura. Em seguida, observamos com calma as imagens e conversamos um pouco
sobre as mesmas e sobre as cores presentes na história. Explicamos que a proposta
do dia era desenhar no papel preto usando o lápis de giz de cera branco e giz de
quadro. As crianças ficaram um pouco receosas com a técnica do desenho no fundo
preto e os materiais usados, mas como a historia do Lobo Negro já trazia a ideia,
eles tiveram uma referência que os deixou mais seguros. Produziram vários
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desenhos, uns lembravam partes da historia, fazendo lobos, neve e árvores, outros
desenhavam aquilo que vinha a cabeça, muitas vezes sem muita explicação, dentre
essas crianças estava o garoto que apresentava dificuldade de desenhar, o Ry, que
para nossa surpresa, fez o desenho de um belo carro sem fazer cópia, se
surpreendendo com o que era capaz de fazer.
Para finalizar nosso trabalho com as crianças, reservamos a última etapa,
que correspondeu à última sessão, para realizamos uma exposição.
A valorização dos trabalhos realizados é algo fundamental para que as
crianças sejam motivadas a se expressarem cada vez melhor e para que haja
socialização e apreciação dos trabalhos feitos por elas para a comunidade escolar,
nesse sentido Ferreira (2012) argumenta que a exposição das produções das
crianças reverterá positivamente o trabalho criativo da criança.
Cabe ao professor organizar exposições das produções das crianças para
compor o ambiente da sala e outros espaços sem, no entanto solicitar
produções específicas para este fim. As exposições devem mostrar o
processo sem o critério de ―feio-bonito‖, mas com a contribuição de cada
dentro do seu limite (FERREIRA, 2012 p.64).
Partindo dessa ideia, organizamos o dia de exposição das produções das
crianças contando com as mesmas para preparar o espaço, colando com fitas os
desenhos e pinturas nos cavaletes e TNTs, organizando as esculturas e
sobreposições nas mesas. Algumas não se prontificaram a ajudar inicialmente, pelo
contrario passavam de um lado a outro do varal, às vezes correndo, o que causava
muita preocupação e desconforto em nós, que tentávamos organizar o espaço com
um tempo curto. Eles, obviamente, não compreendiam como era importante esse
momento, até pela ausência dessas situações na escola, e poucos demonstraram,
de fato preocupação em manter o que estava sendo feito. Só queriam brincar e levar
para casa o que tinham produzido.
Quando tudo ficou pronto, as crianças saíram da sala para visitar as outras
exposições e outras turmas começaram a visitar e ver os trabalhos produzidos por
elas, era possível perceber o encantamento das crianças e dos professores. À
medida que eles iam passando pelos trabalhos, nós íamos explicando o que era,
que técnica tinha sido utilizada, com qual material tinha sido produzido e na medida
do possível, o significado dado pelas crianças para cada objeto produzido. Esse foi
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um momento muito rico, pois pudemos ver, nas expressões das demais crianças e,
principalmente, das professoras e da gestão da escola, o encantamento pelas obras
ali expostas; o quanto as crianças foram criativas e que de fato eram capazes de
desenvolver trabalhos maravilhosos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho com Artes Visuais, tendo como orientação o fazer criativo da
criança, o apreciar obras relevantes, tendo elas também como artistas, e refletir
sobre o que e porque produziu, são aspectos que sem dúvida concebem a criança
como sujeito capaz e não como um ser sem criatividade, fadado apenas a fazer
cópias ou pinturas de desenhos estereotipados. Nessa perspectiva, tínhamos com o
projeto a expectativa da formação integral das crianças, já que iríamos apenas
mostrar os caminhos para que elas fizessem suas escolhas, partindo do diálogo, do
ouvir o outro, da interação com bens culturais produzidos, a troca de experiências,
ajudando-os a perceber que somos seres sociais e desta feita o outro é
fundamental.
Percebemos que em todas as sessões nas quais os pequenos precisavam
criar, de forma livre, algum trabalho, eles sentiam dificuldade para produzir. Os
mesmos se preocupavam mais em ―seguir o modelo‖, sem utilizar-se da própria
criatividade. Só após muito incentivo é que conseguíamos fazê-los produzir, criar
alguma coisa. E a nossa proposta era exatamente essa, fazer com que eles se
sentissem livres para criar suas próprias artes, apesar de ser de acordo com a
técnica sugerida por nós.
Outra característica marcante foi vivenciar o avanço de algumas delas, que,
acostumadas com as atividades de colorir desenhos xerocopiados, apresentavam
muita dificuldade no momento de criar. Quando nos deparávamos com tais
situações, e foram muitas vezes, buscávamos incentivar os pequenos a fazer aquilo
que mais gostavam, a expressar o que estavam sentindo naquele momento ou
ainda, desenhar ou pintar seu brinquedo favorito.
Nesse aspecto, acreditamos ter conseguido chegar ao nosso objetivo, pois
as crianças, nas ultimas intervenções, não tinham mais receio de usar um material
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novo, de fazer simplesmente sem ter alguém lhe dizendo o que deveria ser feito.
Eles falavam mais sobre suas ideias e também ouviam mais os colegas.
Acreditamos que conseguimos libertá-los um pouco mais do fazer certo ou errado,
algo muito presente na turma e que interferia muito no desenvolvimento deles.
A cada intervenção percebíamos na pratica o que aprendíamos na teoria, o
quanto as crianças estão abertas a aprender, a novos desafios e como a capacidade
delas de criar vai além da nossa compreensão. Elas se posicionaram de fato como
artistas, expressavam-se por meio da pintura, do desenho, do recorte e colagem e
da modelagem com muita espontaneidade e davam significado às produções de
acordo com o que sentiam e não o que pareciam ser.
Para nós, enquanto futuras pedagogas, o trabalho nos proporcionou
momentos de extrema importância para nossa formação, tanto acadêmica quanto
profissional, conseguimos compreender mais um pouco o que pensam e fazem as
crianças e como pode ser feito o trabalho com Artes Visuais na Educação Infantil,
modalidade que recebe pouca valorização no que se refere à produção artística,
mas que, a nosso ver, é a que mais está propícia a trabalhos de fato criativos, já que
ainda não está tão afetada com a estereotiparão das imagens e com o fazer certo ou
o compreensível do ponto de vista da sociedade. Percebemos ainda o quanto a
escola perde fazendo os trabalhos que deveriam ser feitos pelas crianças, frutos das
mãos delas, para que saiam esteticamente belos, quando sabemos que vivemos em
outro momento da Arte e é fundamental trazermos esse olhar para a escola, com o
intuito de garantirmos uma geração de pessoas sensíveis, capazes de expressar-se
por meio da arte sem receio de fazer o novo, mesmo quando à cópia for o mais
aceita.
Referências
A ERA do gelo. Direção: Carlos Saldanha, Chris Wedge. Produção:, Blue Sky
Studius, 20th Century Fox. Roteiro: Doug Compton, Galen T. Chu, James
Bresnahan, Jeff Siergey, Michael Berg, Michael J. Wilson, Mike Thurmeier, Peter
Ackerman, Xeth Feinberg. Intérpretes: Alan Tudyk, Cedric the Entertainer, Chris
Wedge, Denis Leary, Denny Dillon, Diedrich Bader, Goran Visnjic, Jack Black, Jane
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