A IMPORTÂNCIA DAS COISAS
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A IMPORTÂNCIA DAS COISAS
A IMPORTÂNCIA DAS COISAS História para crianças Escrito por Hugo CML Maranha 2006 Edição exclusiva por: www.hugomaranha.com www.facebook.com/HMConsultoriodePsicologia Conto ode Hugo CML Maranha, “a importância das coisas” A IMPORTÂNCIA DAS COISAS Era uma vez uma pedrinha que vivia junto de um mar de água limpa e transparente, numa praia de areia branca, fina e muito leve. Tinha vindo de longe, apanhara boleia de um rio. Chegou ao mar depois de muitas voltas, mas não ficou por aí, viajou de barco, depois de avião, de carro, de comboio e nunca mais parou. Também ela teve uma mãe, a rocha-mãe. Um dia separou-se dela, pode-se dizer que era tempo de sair de casa. Não foi uma mudança fácil mas lá aconteceu, Querem saber como foi? Foi num dia de muita chuva e frio, mas tanto, tanto frio, que a água que se infiltrou nas rochas congelou e ficou em gelo. Ora, acontece que, a força provocada por este gelo faz quebrar as rochas-mãe e as fendas que elas têm alargam de tal forma que, num certo dia, por causa do frio ou do calor, da chuva ou do sol, dá-se um “catrapum”, e uma parte daquelas rochas solta-se e transforma-se em pedras, pedrinhas e areias. Pois foi exatamente assim, num desses dias, que a pedrinha da nossa história se separou da sua mãe-rocha. Como estava sobre as águas de um rio, numa espécie de precipício, caiu em queda livre e mergulhou nas águas frescas de uma paisagem. Aquele era um momento difícil. Estava por sua conta. Sozinha, sentia-se pequena. No fundo do rio estava escuro e às vezes sentia movimentos estranhos e desconhecidos, bem diferentes dos que conhecia fora de água, e como não via, ficava assustada. Estava numa outra etapa da sua vida e sabia que dali em diante já nada seria como dantes, agarrada à sua mãe, onde se sentia enorme e protegida. Agora os tempos eram outros, havia as aventuras, o movimento que nunca tinha tido nem imaginado sequer, os mistérios dos novos ambientes e um grande e longo caminho para percorrer. À sua volta via muitas outras companheiras, mas não as conhecia. Eram milhares naquele fundo que não via, mas ouvia-as a tilintarem uma nas outras, em conversas segredadas, onde as palavras eram sons que se faziam ouvir por vibrações aquáticas, um mundo totalmente novo do qual nem a língua decifrava. Sem saber, também ela soltou um grito, isto porque numa onda mais arrojada que a elevou, deu um salto que a fez cair sobre uma e outra e mais outra e ainda outra pedra que provocou o som do choque. Estavam a comunicar, assim não se sentiam sós 1/6 Conto ode Hugo CML Maranha, “a importância das coisas” e entre amigas e companheiras o contacto é natural. Enquanto próximas umas das outras podiamse proteger para o que desse e viesse. O salto foi de tal forma que só parou em cima de uma alga esverdeada e muito macia. A pedra acabada de chegar a este novo mundo aquático, o rio, ainda não se tinha habituado à sua nova forma, tinha as pontas aguçadas e sentia-se descoordenada sempre que a água oscilava e a fazia mover. Durante algum tempo não sabia para onde era empurrada mas de uma coisa estava certa, o sentido era sempre o mesmo, para ela e para todas as outras. Um dia, sem saber onde estava, fez um movimento rápido numa queda de água e, como tal, rodopiou em várias piruetas que, por momentos, chegou a tocar no ar e viu a lua bem lá em cima. Tinha sido uma noite atribulada e não sabia onde e como estava. Quando amanheceu conseguiu espreitar para fora do leito e a surpresa não podia ter sido maior, montes e serras se avistavam, eram verdes, o sol brilhava, as flores davam o resto das cores aos campos e, de repente, “glup”, para o fundo, uma pequena oscilação e um desequilíbrio numa espreitadela mais arrojada fê-la descer novamente por tempo indeterminado. A sua forma ia-se modificando ao longo do tempo, estava a “crescer”, era a erosão. Agora, com todos aqueles movimentos, quedas, toques, danças e apalpadelas, parecia outra, a transformação fazia-a mais brilhante, menos agressiva mas determinada, a sua forma era mais arredondada, aprendeu a dominar a língua das rochas, o “tilintes”, e já entendia o que se dizia pelas redondezas. Sentia-se completamente adaptada ao seu novo mundo. Normalmente, as conversas que ouvia eram sobre peixes, algas, lixo, barcos, mas, por vezes, ouviam-se boatos de coisas assustadoras como aquela que tinha ouvido na cascata, onde uma velha pedra dizia: “depois desta regata iremos dar ao mar, o mundo dos oceanos, aí somos aos milhares e não teremos importância alguma. Dizem que a água é salgada e que há peixes que nos comem…., e claro, as mais pequenas chegam lá primeiro”. Esta frase não lhe saía da cabeça, “…as mais pequenas chegam lá primeiro”, “…as mais pequenas chegam lá primeiro”, “…as mais pequenas chegam lá primeiro”, será que esse era o seu destino, tanto tempo de viagem, tantas aventuras, para ir parar à barriga de um glutão? Vivia com receio, mas isso não a fazia menos valente. Ali, onde ela estava, a água era doce por isso ainda estava longe. Sentia-se feliz, adaptara-se completamente àquele novo mundo da água onde a vida era bem mais agitada e com surpresas constantes. Só nos dias em que o tempo amainava e tudo ficava mais tranquilo é que era possível descansar. Com sorte, pernoitava numa zona de areia, onde voltava a 2/6 Conto ode Hugo CML Maranha, “a importância das coisas” ver a lua e as estrelas, que tanto adorava e, ao amanhecer, o sol, a espreitar as margens do rio. Esses eram os momentos em que pensava na mãe e no tempo. Durante esses momentos de puras e leves memórias, lembrava-se sempre da frase da velha pedra “…as mais pequenas chegam lá primeiro”. Em consequência dessa imagem assustadora, o seu pensamento dizia: “gostava tanto de ser importante e estar segura como a minha mãe”. A mãe tinha sido uma daquelas rochas que sustentavam uma montanha inteira, nunca saíra do mesmo sítio, os únicos movimentos eram provocados pelos sismos, os abalos terrestres. A pedrinha era muito diferente da mãe, mais pequena, dinâmica e veloz, ela viajava tão depressa que parecia um peixe, tinha aprendido a nadar, sabia como aproveitar as ondas e as correntes, era divertida e deixava amigos por toda a parte. Em determinado momento reparou que a água estava a modificar-se, era menos turbulenta, mais temperada e menos agressiva, a sua viagem tornava-se cada vez mais calma, havia tempo para reparar nos detalhes dos locais por onde passava. Certo dia, quando junto à margem, descansou pela noite e esperou o nascer do sol. Estava fora da água, o leito do rio tinha descido mais que o habitual. Já era costume, estar fora de água, isso não a surpreendia, mas, desta vez, o sol estava quente e ela queimou-se, isto é, quando uma onda lhe deitava umas gotas para cima, uma espécie de fumo branco, acompanhado de um som esquisito, saía do seu corpo. A sua cor estava cada vez mais esbranquiçada e brilhante. Aí ficou algumas horas. Subitamente, chegaram uns homens, traziam uns paus, assentaram pés dali a uns metros e poucos minutos depois estavam a lançar coisas para a água com umas linhas agarradas. A pedrinha estava intrigada com tamanho acontecimento. O silêncio ia aumentando e pouco depois…”zás”, um puxão num daqueles paus compridos, e… peixe na linha. “São pescadores”, pensou a pedrinha, “só podem ser”. Já tinha ouvido falar deles, mas nunca os tinha visto. Aí ficou mais umas horas a observar e a ouvir o que diziam. Numa dessas conversas percebeu que falavam do mar e prestou mais atenção ao que um deles dizia: “…esta zona já tem influência da maré, o mar é a poucos km daqui”e dizia o outro “…a foz fica precisamente a 17 km, nem mais nem menos…”, e, quando o silêncio se fazia ouvir, “zás”, outro puxão e mais uma presa na linha. Isto foi-se repetindo até que, inesperadamente, “glup” a água cobriu-a novamente e ela arrefeceu. Quando anoiteceu o vento levantou e as águas agitaram-se o suficiente para que a pedrinha se afastasse da margem, apanhasse a corrente e continuasse o seu caminho. “Para onde irá toda esta água?”, pensava ela, “irá mesmo para a tal foz?” 3/6 Conto ode Hugo CML Maranha, “a importância das coisas” A viagem estava comprida, tinha-se passado muito tempo desde o dia da queda livre. A pedrinha começava a perder algumas das suas memórias mais antigas. Da mãe, nunca esquecera a importância na sua vida e a admiração que sentia por ela. Recordava os verões quentes escaldantes em seus corpos. A duas debaixo do sol a brilhar nas águas do manto aquático que agora eram o seu caminho. Tirando esse conforto apenas se lembrava do dia da separação. Tinha sido uma queda estrondosa. Aconteceu tudo muito depressa, foi sem aviso, e isso tornava-se violento, pois não deu tempo para um último abraço ou um agradecimento convicto. As coisas importantes têm de acontecer e às vezes não sabemos que já estamos preparados para enfrentar novos desafios, faltanos a coragem, e com um pequeno empurrão aceleramos o passo e tudo fica diferente, novas vidas e aventuras capazes de nos transformar e ensinar. Um fenómeno vulgar mas inesperado. Aquela água era diferente, era uma água dura com zonas muito profundas. Os peixes eram outros, havia grandes, muito grandes, enormes, pequenos e médios. As algas que ali viviam eram estranhas, mais fortes e compridas, de várias cores e pareciam nadar como os peixes, que compridas que elas eram! A pedrinha percebia que estava a entrar num outro mundo, diferente do ainda novo mundo aquático que tinha conhecido, pois aí, dentro desse, havia ainda um outro. Seria aquele o mundo do mar? Anoitecia e ela estava ansiosa, porque todos os dias via coisas novas, e isso fazia-a acreditar em algo. Não sabia bem o que era, desconhecia, mas estava optimista. Ter tido aquela experiência tão rica e entusiasta era maravilhoso, contudo, achava que nunca iria ter grande importância, pois o seu tamanho não era o suficiente para mudar ou sustentar coisa alguma como era o da mãe. Isso fazia-a um pouco triste, mas tinha de aprender a ser o que era. A sua cor era brilhante e a sua forma era curva e muito macia. Estava elegante. Com o sol a pedrinha brilhava e luzia. Um dia, quando estava junto a uma daquelas praias fluviais sentiu alguém a aproximar-se. A sua luz tinha atraído alguém a agarrou. Fora d’água ouviu dizer “é só uma pedra, pensei que fosse um anel ou qualquer coisa valiosa” e a pedrinha foi atirada em saltos de sapo para o meio da água. Lentamente foi afundando como que pairando sobre a corrente e lá estava ela no fundo do rio novamente. Sentiu-se desvalorizada e estava infeliz por ser tão pequenina mas a agitação da corrente rapidamente a fez mudar de humor obrigando-a a largar um ou dois gritos de energia impostos pelos saltos. De repente ouviu um barulho que aumentava muito depressa. Era tão forte que ensurdecia. Pouco depois desapareceu sem perceber o que era. Talvez um barco ou uma máquina, daquelas que limpam o fundo, como tinha ouvido falar. Isto fê-la pensar… pois se ela fazia parte do fundo, tinha 4/6 Conto ode Hugo CML Maranha, “a importância das coisas” medo de ser varrida. Mas isso não aconteceu. Os sons eram diferentes e a corrente não parava. A água era remexida e a agitação daquele fundo era de tamanha intensidade como nunca tinha visto. “Será isto o mar…?! “ Os peixes corriam, as algas dançavam, as lagostas conversavam, os camarões passeavam, as lapas dormiam, os caranguejos comiam, que tremenda agitação, “o mar é grande”, pensou ela. Havia todo o tipo de animais marinhos, percebeu então que aquele lugar era a foz e ouvia ao longe o rebentar das ondas. Aquele barulho não era novo, mas com tal intensidade como nunca ouvira antes. Estava ansiosa por espreitar. Ma a seria aquilo o mar tal como tinham dito… ou ainda faltava…??? Em descida, já na foz, a velocidade aumentava. A corrente oscilava e as ondas crispadas do movimento condensavam a ansiedade. Ver e conhecer a tão grande e assustadora montanha aquática por onde se escondiam as temíveis imaginações da pedrinha era o que estava prestes a acontecer. Diante de algas e desperdícios que inevitavelmente descem os rios como numa largada aquática até à foz, a pedrinha via ao fundo do corredor que separava o rio do mar, uma enorme mancha de luz azul escura e uma agitação demasiado forte para estar tranquila com o aproximar. A corrente empurrava-a e a vontade de lá chegar aumentava depressa. Em cambalhotas e voltas, saltos e corridas, a pedrinha engoliu uma bolha de ar, o que provocou um soluço tão forte que, sem dar por isso, fechou os olhos. Perdida em cantos ou espaços incertos ficou sem pé, o mesmo que dizer, deixou de sentir a terra, e estava a cair para um sítio mais profundo. Assustada, abriu os olhos e… ali estava ela, no mar, onde tudo é grande e cheio de vida. O mar é o oceano que tem as cores do mundo inteiro. Esta bola a que chamam Terra, que gira e roda suspensa no ar celeste capaz de transportar tanta vida num corpo que se chama a água do mar. Eram momentos de total admiração. Estupefacta com a diversidade, ficou a olhar para o tudo e para o nada. Se vinha um peixe, levava com a barbatana, se aparecia um camarão, eram os bigodes que lhe faziam cócegas, quando avistava um caranguejo, todos fugiam, as algas eram suaves, bonitas e macias, eram como o colo de alguém muito bom. Neste mar a água era forte, mexia-se em todas as direcções e quase nunca se estava parado. Sempre em movimento, a pedrinha não sabia para onde ia, mas lá que andava, isso andava. Um dia, sem dar por ela, sentiu que se estava a aproximar de um sítio onde se ouvia um barulho cíclico, isto é, ouvia-se sempre o mesmo, mas com pequenos intervalos. Estava tão concentrada 5/6 Conto ode Hugo CML Maranha, “a importância das coisas” nesse barulho que, sem dar por ela, “zuca”, foi apanhada por uma corrente. Eram as ondas do mar a chocar com a areia que a enrolara e a fez dar umas cambalhotas e reviravoltas antes de aterrar numa praia lisa de areia branca e muito fina. Perdia-se de vista o corredor de areia. Esteve ali dias, parada, sem que nada acontecesse. Um dia, quando uma pessoa se aproximava, “glup”, outra vez apanhada pela água. Mais uma voltinha, uma enroladela, uma bolha de ar que se atravessava na garganta, os soluços que a aliviavam, a marota da areia que não a largava e ali estava outra vez a dar um trambolhão, só que agora mais forte que a fez ir parar mais longe, naquela praia colossal que parecia não ter fim, mesmo aos pés da mesma pessoa que tinha visto e que, sem demora, se baixou para a apanhar. A pedrinha foi elevada no ar e ouviu - “tão linda, nunca vi nenhuma pedrinha assim, é suave, bela, macia, brilhante, tem uma cor diferente, um branco claro. LINDA!”, e assim, enquanto ouvia estas palavras, sentiu que outra pessoa se aproximava. “Sim, é linda, de facto é única, é como o nosso amor, esse também é único”. Foi então que percebeu que estas eram pessoas diferentes das que tinha encontrado, ainda em viagem pelo rio, estas falavam de cores, formas e amor. “O que será isto?”, perguntou-se ela. Aquele que tinha a pedra na mão, disse: “quero dar-ta, quero que ela seja dura e impossível de quebrar como o amor que sinto por ti, vou levá-la e transformá-la-ei num belíssimo colar para que o uses enquanto nos amarmos e, se for como a sua dureza, isso será para sempre!” e deram um beijo. A pedrinha sentiu-se a ficar vermelha, o que seria aquilo, sentiu-se esquisita, envergonhada, porquê? E assim foi, aquele jovem levou-a para casa, mas para isso, tiveram de apanhar um barco, depois viajaram de carro, ficaram num hotel e no dia seguinte apanharam um avião. Finalmente chegavam a casa. Alguns dias depois do primeiro contacto, a transformação começara. Um bonito colar com um fio azul suspendia, agora, a bonita pedrinha, sobre o peito da menina. A pedrinha percebeu, então, que tinha uma enorme importância naquele jovem casal e, de certeza, que não era pelo seu tamanho. Ela sustentava o amor dos dois e a sua beleza tinha despertado uma enorme felicidade. O tamanho daquele sentimento era infinito, não se media, não tinha forma, mas fazia calor e, às vezes, fazia corar. Afinal, o seu desejo de ser importante estava realizado. Sentia-se muito feliz, pois passou a ser uma pedrinha muito especial e, sem saber bem que mundo novo era aquele, foi espreitando novos horizontes e continuando a viajar, mas agora, acompanhada pelo amor. FIM. 6/6 Conto ode Hugo CML Maranha, “a importância das coisas” Conto ode Hugo CML Maranha, “a importância das coisas” Mantenha-se informado acerca da ciência psicológica em crianças e adultos. Visite: www.hugomaranha.com www.facebook.com/HMConsultoriodePsicologia História para crianças “A IMPORTÂNCIA DAS COISAS” Escrito por Hugo CML Maranha 2006 Conto escrito em português www.hugomaranha.com www.facebook.com/HMConsultoriodePsicologia