A política de accountability social na America Latina
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A política de accountability social na America Latina
A POLÍTICA DE ACCOUNTABILITY SOCIAL NA AMÉRICA LATINA1 ENRIQUE PERUZZOTTI Professor, Departamento de Ciência Política e Estudos Internacionais, Universidade Torcuato Di Tella, Buenos Aires, Argentina. [email protected] 1 “La política de Accountability social en América Latina”. Tradução do original em espanhol de Daniela Mateus de Vasconcelos. 1 Nos debates que ocorrem na região acerca dos desafios e obstáculos que confrontam as novas democracias, geralmente encontramos dois importantes corpos de literatura que, apesar da sua complementaridade, raramente se juntam. Por um lado, uma literatura que tende a assumir que a existência de uma imprensa independente e de uma sociedade civil sólida e autônoma são dois elementos que contribuem para moldar e melhorar a qualidade da vida pública e institucional dos regimes representativos. Por outro lado, os trabalhos acerca da qualidade institucional das novas democracias, que tendem a chamar a atenção para os importantes déficits institucionais que afetam a maioria das novas democracias, particularmente no que refere à atuação das agências de prestação de contas. O presente artigo pretende fazer uma ponte entre ambas discussões e analisar o papel que exerce a sociedade civil e a imprensa autônoma enquanto agentes informais de prestação de contas. Nas próximas páginas me concentrarei na análise de uma nova forma de politização que está se desenvolvendo em várias das novas democracias e que tem como objetivo primordial fortalecer e aperfeiçoar o funcionamento dos mecanismos de controle e supervisão das instituições representativas. As primeiras seções descrevem a forma de funcionamento de tal política e ressaltam algumas de suas conquistas, enquanto a última seção adverte acerca de alguns aspectos dos riscos potenciais de tal tipo de iniciativas. I. A redefinição do contrato representativo na América Latina e o surgimento de uma política de accountability social Em vários trabalhos anteriores, Catalina Smulovitz e eu utilizamos o conceito de accountability social para englobar um conjunto diverso de iniciativas levadas a cabo por ONGs, movimentos sociais, associações civis ou a m í d i a independente guiados 2 por uma preocupação comum em melhorar a transparência e a accountability da ação governamental1. Tal conjunto de atores e iniciativas incluem diferentes ações destinadas a supervisionar o comportamento de funcionários ou agências públicas, denunciar e expor casos de violação da lei ou de corrupção por parte das autoridades, e exercer pressão sobre as agências de controle correspondentes para que ativem os mecanismos de investigação e sanção que correspondam. Este conjunto heterogêneo de atores sociais desenvolve novos recursos que se somam ao repertório clássico de instrumentos eleitorais e legais de controle das ações de governo. O surgimento de novas formas de intervenção civil, organizadas em torno de uma política de direitos e de prestação de contas, indica a presença de um salutar processo de renovação política na região, processo este destinado a unificar dois elementos que a tradição democrática populista mantinha separados: a democracia e o constitucionalismo2. No passado, os limites e os freios legais ao poder haviam sido desvalorizados devido ao majoritarianismo democrático populista, que os via como obstáculos para a realização da vontade popular. A mudança política e cultural ocorrida em várias das sociedades latino-americanas para uma forma constitucional de democracia, que deixou para trás os excessos do plesbicitarianismo populista, contribuiu para redefinir os termos do contrato democrático representativo em direção a um modelo de prestação de contas. A renovação da cultura política e das tradições democráticas da região se traduz em uma relação mais complexa e tensa entre os cidadãos e seus representantes políticos. Importantes setores da sociedade se negam a exercer um papel meramente passivo, limitado à delegação eleitoral, e assumem uma atitude ativa de supervisão permanente de seus representantes de maneira a assegurar que os comportamentos dos mesmos se enquadrem dentro das normas de responsabilidade e de responsiveness que dão legitimidade ao vínculo representativo. Semelhante mudança cultural leva inevitavelmente a uma atitude mais crítica do trabalho da classe política: o representado já não permanece como um sujeito passivo e assume um papel de monitoramento ativo. Esta nova interpretação do contrato representativo enfatiza o estabelecimento de mecanismos e recursos para monitorar e disciplinar os representantes políticos. Já não se trata simplesmente de delegar a confiança nas qualidades pessoais de um líder; o que existe é uma preocupação por complementar o ato de autorização política com o fortalecimento de uma rede impessoal de dispositivos institucionais de supervisão e 3 controle do poder. Sob o modelo de prestação de contas, os representantes não recebem um cheque em branco que os autoriza a atuar de forma totalmente discricionária até a próxima eleição. O mandato representativo se encontra agora sob a supervisão de uma combinação de mecanismos formais e informais destinados a fazer com que os representantes atuem responsavelmente e levem em consideração os interesses dos representados. O funcionário eleito é monitorado e controlado institucionalmente pelo que Guillermo O’Donnell denominou de mecanismos de accountability horizontal3, isto é, pelo sistema de separação de poderes, de freios e contrapesos, e do devido processo, e pela função disciplinadora que implica a existência de eleições periódicas e competitivas4. Extrainstitucionalmente, os cidadãos e as organizações da sociedade civil na esfera pública podem questionar determinadas decisões ou políticas públicas, denunciar comportamentos ilegais dos funcionários públicos ou tematizar novos problemas ou assuntos. Os mecanismos de prestação de contas reduzem os riscos que inevitavelmente comporta todo processo de delegação do poder5. Se os cidadãos têm a confiança traída pelos funcionários que utilizam o poder delegado para seu próprio benefício ou para delinquir, o sistema representativo aciona um conjunto de dispositivos institucionais destinados a castigar tais comportamentos. Nas democracias em que tais mecanismos funcionam adequadamente, o votante sabe que mesmo se fizer uma escolha desacertada, o sistema assegura-lhe que a rede de controles institucionais se ativará no momento em que determinado representante viole os termos do contrato representativo e incorra em ações indevidas. Os problemas de funcionamento que apresentam os diversos mecanismos de controle do poder político na América Latina têm sido dos temas recorrentes nos atuais debates acerca da qualidade institucional das novas democracias da região. Desde seus primeiros trabalhos sobre democracia delegativa, Guillermo O’Donnell vem chamando a atenção acerca dos notórios déficits institucionais que apresentam algumas das democracias latino-americanas, especialmente 4 no que diz respeito ao funcionamento dos mecanismos de prestação de contas6. Desde sua perspectiva, O’Donnell considera que tais déficits são de uma magnitude tal que é necessário elaborar um subtipo particular de tipologia que dê conta das características distintivas desta forma de poliarquia. As poliarquias que finalmente se instalaram em boa parte do continente, afirma O’Donnell, diferem substancialmente do modelo de democracia representativa baseado na prestação de contas que predomina nos países ocidentais. A característica distintiva das novas poliarquias é que o processo de delegação de autoridade política não está sendo complementado com mecanismos efetivos de accountability. Embora as eleições autorizem os representantes políticos, ainda não existe uma rede de agências capazes de controlar e castigar as ações que possam ser qualificadas como ilegais ou corruptas7. Este déficit é precisamente a lacuna central desta nova geração de ativismo cívico. II. Enfrentando o déficit de accountability na representação política: a política de accountability social. O espaço público de muitas das novas democracias está sendo gradualmente ocupado por uma nova geração de associações civis, ONGs, movimentos sociais e organizações da mídia organizadas em torno de uma política de accountability social8. A política de accountability social representa uma das diversas formas de politização com base na sociedade civil presentes nas novas democracias. Como ressaltamos anteriormente, o conceito de accountability social faz referência a um conjunto diverso de ações e iniciativas civis guiadas por demandas de accountability legal9. Esta nova forma de política que surge no espaço da sociedade civil engloba uma variedade de formas de ação coletiva e de ativismo cívico que compartilham uma comum preocupação em melhorar o funcionamento das instituições representativas através do fortalecimento dos mecanismos de controle da legalidade dos funcionários públicos. Estes atores representam um subgrupo, algumas vezes relativamente minoritário da rede associativa global das sociedades latino-americanas. 5 Dentro deste diverso leque de formas associativas que integram os atores da política de accountability social, se distinguem dois principais atores e formas de intervenção social: a) os movimentos sociais conjunturais de setores sociais diretamente afetados pelas ações estatais discricionárias; e b) as associações civis altamente profissionalizadas e de caráter permanente. Ambos atores, como veremos, são cruciais para a política de accountability social e, cada um deles, cumpre um papel específico na difícil e sinuosa tarefa de melhoria do desempenho institucional das novas democracias. O terceiro ator não se origina no campo associativo civil, mas está representado por um setor do jornalismo independente que, em algumas ocasiões, recebe e dá visibilidade às denúncias ou iniciativas deste setor e, em outras, se converte ele mesmo em um protagonista da política de acountability social ao dar origem às próprias denúncias, sendo estas frutos de suas investigações ou do que recebem como “vazamento” off the record graças ao cultivo de contatos com fontes governamentais. Associativismo Civil Um importante ator da política de accountability social está constituído por uma rede de associações civis e ONGs altamente profissionalizadas e que se localizam no que se poderia denominar os setores de elite das sociedades civis latino-americanas. Geralmente os programas, as iniciativas e as propostas destes grupos estão guiadas por uma visão sistêmica que procura gerar respostas para problemas que são percebidos como estruturais ou de longa data. Neste sentido, e como veremos mais adiante, a perspectiva que adotam estes atores diferem do trato pontual e conjuntural que caracteriza a ação de muitos dos movimentos sociais que constituem o outro lado da política de accountability social. O atual período democrático foi testemunha da consolidação de um extenso grupo de ONGs e de associações civis que compartilham uma preocupação comum de incrementar a transparência dos atos de governo e melhorar a eficiência dos mecanismos de prestação de contas. Nos anos recentes, estas associações lançaram múltiplas iniciativas com o fim de incrementar a transparência no exercício do poder político e de estabelecer mecanismos efetivos de monitoramento cidadão dos organismos do Estado e de seus funcionários.10 As iniciativas incluem, entre muitas outras, campanhas 6 para demandar a apresentação periódica de uma declaração juramentada de bens por parte dos funcionários públicos, monitoramento do processo de formulação e implementação de orçamentos públicos nos diferentes níveis de governo, vigilância dos processos e campanhas eleitorais, supervisão da conduta da instituição policial, etc. Os atores que integram este grupo são setores profissionais, com reconhecidos contatos com a sociedade civil transnacional, e com organismos e governos estrangeiros. Boa parte destes grupos recebe financiamento de fundações estrangeiras e, em alguns casos, representam as filiais locais de organizações transnacionais. Este subgrupo associativo se diferencia de outros partícipes da política de accountability social pelo nível de reflexividade de suas propostas: implicam uma diversidade de think tanks cidadãos destinados a pensar e desenvolver políticas e iniciativas a partir de uma ótica societal. Estes atores geram um recurso vital para o exercício da prestação de contas social: produção de fontes de informação autônomas, que servem para suprir vazios informativos estatais ou mesmo para desafiar as cifras ou dados oficiais. Também representam uma força de inovação através da produção de projetos e sugestões de reforma ou melhoria institucional. Devido aos recursos e capacidades requeridas, estas organizações costumam recrutar seus membros nos setores altamente educados da sociedade civil e sua área de influência é geralmente reduzida aos setores de tomada de decisões. Movimentos Sociais Paralelo à ação destas organizações sociais, se observa o surgimento de um leque de movimentos sociais pontuais que aparecem devido à demanda de justiça e esclarecimento fundamentalmente de casos de violações de direitos humanos que ocorrem nas novas democracias. À diferença da ação permanente, altamente reflexiva e menos visível da rede associativa anteriormente mencionada, estes atores estão organizados em torno de uma demanda concreta e particular (geralmente o pedido de justiça e esclarecimento de casos particulares), ou seja, representam reações de setores sociais (em grande parte provenientes de setores populares ou, do que Guillermo O’Donnell denominou, áreas marrons11), que se veem diretamente afetados por práticas estatais discricionárias. Ao captar a atenção dos meios de comunicação, estes atores sociais costumam 7 conseguir um nível de respostas e mobilização social que raramente é alcançado pelas iniciativas cívicas do setor organizado da sociedade civil. O fato de que geralmente surgem como reação a um caso concreto de discricionariedade ou autoritarismo estatal, onde há vítimas e vitimários concretos -- de um lado familiares, amigos e vizinhos mobilizados, do outro lado, funcionários e autoridades sob suspeita -- geralmente garantem a estas denúncias grande efetividade para gerar correntes de opinião pública favoráveis, que em muitos casos se traduzem em uma participação cívica ativa de apoio a tais atores. Na Argentina, por exemplo, se sucederam ao longo da década de noventa, uma série de movimentos sociais locais que compartilhavam características similares: surgiram inicialmente liderados pelos familiares e amigos das vítimas que se organizaram e mobilizaram na demanda por justiça; em muitos casos receber a m a p o i o logístico do setor de ONG mencionado anteriormente12, e, nos casos mais bem sucedidos, conseguiram atrair a atenção dos meios de comunicação nacionais e mobilizar grandes setores da população, que em muitas ocasiões protestaram em milhares em apoio às demandas por justiça e esclarecimento. Dois exemplos notórios foram o assassinato da estudante María Soledad Morales, na província de Catamarca, localizada no noroeste do país e a morte do soldado raso Omar Carrasco em um isolado regimento da província de Neuquén. Em ambos casos existiam fortes suspeitas de envolvimento ou cumplicidade das autoridades, seja no crime, nas manobras de ocultamento ou na manipulação das investigações subsequentes. Os dois assassinatos deram origem a reivindicações de justiça e a extensas mobilizações sociais que demandavam garantias de imparcialidade no desenvolvimento das investigações policiais e nos subsequentes processos judiciais. Em ambos casos, a mobilização original se iniciou localmente, geralmente a partir da organização do círculo próximo de familiares e amigos das vítimas, e depois se estendeu incluindo ONGs nacionais e locais, a mídia e amplos setores da população.13 Jornalismo de denúncia Finalmente, outro ator fundamental deste tipo de ativismo cívico é o jornalismo independente. A participação do mesmo na política de accountability social assume geralmente dois papéis diferenciados: o da mídia como um aliado dos atores sociais que dá visibilidade às suas reivindicações ou como o do jornalismo de 8 denúncia ou investigação propriamente dito, que através do seu trabalho obtém informação confidencial acerca de atos de ilegalidade governamental. No seu primeiro papel, o jornalismo cumpre um papel de apoio similar ao que presta o setor de organizações civis: buscam a notícia, supervisam o desenvolvimento da causa policial e/ou judicial, denunciam irregularidades e, em alguns casos, descobrem novos elementos que contribuem para o esclarecimento do caso. Os meios de comunicação representam um valioso aliado para os atores cívicos que demandam maior transparência governamental. O fato de que a mídia dê visibilidade a uma reivindicação ou que a ignore determinará o sucesso e o impacto público de qualquer iniciativa social. A visibilidade midiática das denúncias e das demandas cívicas é crucial para se conseguir mobilizar convicções na opinião pública de maneira a exercer uma pressão efetiva sobre as autoridades. Em outras ocasiões, os meios de comunicação atuam não como sustentáculo das reivindicações ou denúncias cívicas, mas como próprios geradores de denúncias. Boa parte dos escândalos midiáticos que sacudiram a região tiveram origem em um “vazamento” de informação de insiders nos meios de comunicação ou em uma investigação jornalística que descobriu atos de corrupção ou de ilegalidade governamental. A aparição, na década passada, de um tipo de jornalismo mais inquisitivo na região se traduziu em uma série de escândalos midiáticos que, em vários casos, determinaram o destino dos governos sob suspeita: os Vladivideos, no Peru; o Proceso 8000 contra o presidente Samper, na Colômbia; o Collorgate, no Brasil; e o escândalo do senado durante a gestão de Fernando de la Rúa ilustram o alcance e a dimensão que obtiveram algumas destas denúncias midiáticas. 14 Os três protagonistas da política de accountability social possuem a tendência de se potencializar quando agem conjuntamente. Embora, em muitos casos, cada um destes atores intervém isoladamente15, é precisamente quando interagem entre si, se alimentando mutuamente com os inputs específicos que cada um deles gera, que alcançam maior efetividade e impacto na opinião pública e, por consequência, geram maiores ameaças de castigo simbólico aos indivíduos e/ou agências sob suspeita. Dado que a esfera pública é o terreno principal onde atua a sociedade civil, existe uma certa dependência estrutural desta última com respeito aos meios de comunicação: se o objetivo é gerar sanções simbólicas contra eventuais transgressores ou contra agências de controle 9 politizadas ou que se mostram reticentes a intervir, certamente um alto grau de exposição e de apoio popular incrementa o grau de ameaça que a denúncia representa para aquelas agências e/ou oficiais involvidos. Embora os meios de comunicação sejam um outlet indispensável para alcançar visibilidade, é também verdade que aqueles escândalos que emergem dos movimentos ou iniciativas sociais tendem a captar mais a atenção do público que os escândalos que se referem exclusivamente aos conflitos entre setores da elite16. Além disso, a presença de atores sociais autônomos representa para o jornalismo uma rica fonte de informação alternativa, que rompe com a marcada dependência do jornalismo da região de fontes ou “vazamentos” oficiais, que torna mais difícil a manipulação das dinâmicas de determinado escândalo por parte das elites políticas17 III. A Contribuição da Política de Accountability Social para o Funcionamento dos Mecanismos de Accountability Horizontal e Vertical Eleitoral A política de accountability social representa um importante complemento subinstitucional que incide diretamente no funcionamento e desempenho dos mecanismos institucionalizados de accountability, tanto verticais como horizontais. A denúncia de casos concretos de corrupção ou de tergiversação da lógica institucional de certas agências governamentais, por parte de funcionários inescrupulosos, implica um importante sinal acerca das deficiências que existem no desempenho institucional dos poderes representativos e/ou das agências horizontais encarregadas de supervisá-los. Neste sentido, a denúncia de fraude eleitoral, de redes de clientelismo político ou de casos de corrupção tornam públicos aspectos problemáticos que conspiram contra um adequado funcionamento das instituições eleitorais, de assistência social ou de controle da legalidade das ações de governo respectivamente. Por outro lado, como destacamos na seção anterior, a contribuição da política de accountability social na agenda de melhoria institucional não se reduz à denúncia e à indicação dos déficits institucionais; também existe uma rede de organizações altamente profissionalizadas que atua como uma fonte alternativa de informação sobre as mesmas e que gera propostas de melhoria e inovação institucional. As iniciativas de accountability social incidem no funcionamento dos mecanismos verticais eleitorais e horizontais de duas maneiras fundamentais: em primeiro lugar, 10 destacamos o déficit ou os aspectos problemáticos no desempenho institucional de diferentes agências e organismos e, em segundo lugar, forçando a ativação de tais agências através da pressão social e midiática. Em primeiro lugar, os mecanismos de accountability social cumprem uma função de indicação de déficits institucionais. Este processo de indicação adota geralmente duas formas principais: a) Mostrando um déficit concreto no funcionamento de determinada agência através da denúncia de casos concretos de corrupção ou de violação da legalidade ou do devido processo por parte de órgãos ou agentes públicos e forçando a accountability horizontal (como ativação o poder de organismos de judiciário ou as comissões legislativas de investigação) que, de outra maneira, seriam reticentes em aplicar sanções aos supostos transgressores. b) Exibindo déficits sistêmicos de funcionamento ou de estrutura. Neste caso, monitorando permanentemente de maneira a proceder a uma avaliação sistemática do desempenho institucional de determinado órgão ou poder governamental. A função de indicação e denúncia de casos específicos de corrupção ou de violação de direitos ou de qualquer outra forma de arbitrariedade por parte das autoridades públicas resulta em uma forma efetiva de mostrar de maneira palpável as deficiências na forma de funcionamento de certas agências públicas, denunciar situações de captura institucional por parte de setores particulares ou por funcionários corruptos. Trata-se de um papel de denúncia e de indicação que fundamentalmente, embora não exclusivamente, é exercido pelos movimentos sociais que se organizam em torno de casos. É através da exposição pública de casos concretos que estes movimentos conseguem captar a atenção da opinião pública, inserir o problema na agenda pública e, eventualmente, gerar mudanças na apreciação social de determinados comportamentos. Assim, ações que no passado eram socialmente toleradas -- como um certo grau de corrupção na administração pública ou o exercício da violência dirigido a determinados setores sociais por parte da instituição policial -- ao ser repetidamente destacadas pela denúncia de diversos movimentos ou atores sociais, conseguem sensibilizar os cidadãos 11 acerca do problema e modificar os índices de tolerância social com relação ao fenômeno. Em vários países da região, por exemplo, se registraram alguns avanços em desnaturalizar certas práticas ilegais por parte da instituição policial e militar, a partir do surgimento de movimentos e organizações que denunciavam casos concretos de violência policial contra jovens de áreas urbanas populares ou de maltrato aos conscritos por parte de seu s superiores. Por exemplo, a morte de dois conscritos no Chile e na Argentina deu origem a um grande protesto e mobilização que, no caso argentino, levou ao fim do serviço militar obrigatório. Da mesma forma, no Peru, a Coordenadoria Nacional de Direitos Humanos, uma rede nacional de organizações de defesa dos direitos humanos, repetidamente questionou a prática militar de recrutamento obrigatório de conscritos em certas áreas rurais do país. Em diferentes ocasiões, se observa a criação de associações ou ONGs destinadas a supervisar, gerar información alternativa à oficial e elaborar propostas de reforma institucional de determinadas agências públicas. Os exemplos vão desde o monitoramento das forças policiais, das autoridades eleitorales, a elaboração e execução dos orçamentos públicos. Por exemplo, uma importante conquista de diversos grupos de protesto que emergiram em distintos países como consequência do enraizado problema da violência e brutalidade policial sobre setores populares, foi o eventual estabelecimento de organizações permanentes de supervisão das forças policiais. Neste caso concreto, movimentos sociais que surgiram com demandas específicas de esclarecimento e justiça para um caso concreto se unificam e estabelecem uma organização que vai adotar uma visão mais ampla e sistêmica do problema. Estas organizações não somente atuam como sistema externo de alarmes de incêndio que se ativam quando se produzem violações aos direitos humanos por parte dos oficiais de polícia. Além desta função, desenvolvem um processo de avaliação sistemática dos problemas institucionais de tais agências e desenvolvem propostas de reforma institucional18. Como destacamos anteriormente, estes vigilantes permanentes representam cruciais think-thanks cidadãos que refletem acerca das maneiras em que se pode melhorar a qualidade e a eficiência das instituições públicas. Em segundo lugar, as iniciativas de accountability social cumprem uma função de ativação de mecanismos de prestação de contas. A política de accountability social não se limita a uma tarefa de alarme ou indicação, mas que também imponhe sanções 12 simbólicas que determinam o destino eleitoral ou laboral dos representantes ou funcionários sob suspeita. A derrota eleitoral, a renúncia ao cargo, sanções judiciais ou o ostracismo público são algumas das consequências que podem acarretar as denúncias cívicas ou jornalísticas. Em certos casos, o castigo simbólico vai além de uma acusação individual e se estende a uma agência, poder ou partido político. Através da pressão social e da exposição pública, estas iniciativas sociais forçam uma rede de agências de controle que, de outra maneira, se mostraria reticente a intervir, a tomar a frente do assunto e iniciar procedimentos judiciais ou administrativos destinados a investigar e castigar os supostos atos de ilegalidade. A ativação de agências de controle pode ocorrer de maneira direta ou indireta. A ativação indireta é produto da pressão social exercida por a l g u m movimento ou organização ou por algum escândalo midiático que, devido aos custos e m t e r m o s d e i m a g e m que a denúncia gera ao governo ou às autoridades envolvidas, as agências ou funcionários públicos interveem na questão, seja forçando a renúncia dos funcionários suspeitos, iniciando um processo administrativo ou judicial, estabelecendo uma comissão parlamentar de investigação, etc. A ativação é direta quando os atores sociais diretamente recorrem diretamente às agências horizontais. Nas últimas décadas, a região observou um aumento significativo da judicialização de conflitos, muitas vezes protagonizada pela sociedade civil e incentivada pela criação de novas ferramentas legais que facilitam o recurso ao poder judiciário por parte dos cidadãos. A ação direta de inconstitucionalidade, as ações de tutelas, os amparos legais, o surgimento de um movimento de direito de interesse público representam algumas novas ferramentas constitucionais na região que contribuíram para melhorar o acesso de certos setores ao poder judiciário para reclamar por seus direitos ou para denunciar casos de arbitrariedade estatal19. Por exemplo, a criação no Brasil do Ministério Público, após a reforma constitucional de 1988, introduziu um ator institucional acessível e aberto às reivindicações cidadãs, fomentando um notável crescimento do uso da estratégia judiciária por parte da sociedade civil20. Outras agências horizontais que foram objeto de interesse da sociedade civil são as Defensorias do Povo estabelecidas, nos últimos anos, em vários países da região e, no caso do Brasil, as comissões de investigação parlamentar.21 13 IV. A política de accountability social: rumo à criação de um círculo virtuoso de melhoria da qualidade institucional das novas democracias A anterior enumeração se revela útil na hora de ressaltar o papel central exercido pelas políticas de accountability social na região. Elas deram lugar às reivindicações relacionadas ao incumprimento do devido processo por parte das autoridades públicas, ao esclarecimento de numerosos casos de corrupção oficial, com o objetivo de estabelecer sanções contra os infratores da lei, e à pressão para estabelecer reformas institucionais que aumentem a efetividade dos mecanismos de desconfiança institucional. Embora o terreno mais propício para o desenvolvimento da accountability social é sob regimes democráticos, esta forma de fazer política cumpriu um papel crucial em certos contextos autoritários. Pensemos, por exemplo, no bem sucedido processo de reforma eleitoral que ocorreu no México sob a liderança da Aliança Cívica,22 ou no papel que o jornalismo autônomo e certos grupos pró-democráticos tiveram no Peru. Também são centrais em contextos democráticos caracterizados pela debilidade de seus mecanismos de accountability horizontal, já que ao exibir de maneira patética muitos desses déficits, contribuem para gerar uma corrente de apoio público a um processo de reformas destinadas a subsaná-los. Entretanto, esta forma de fazer política não deve ser considerada como um fenômeno circunscrito aos regimes delegativos ou às democracias frágeis e não consolidadas. A política de accountability social representa uma forma primordial de politização em qualquer democracia – recente ou longeva, consolidada ou não consolidada –, já que serve para provar se a conduta dos representantes políticos e dos funcionários não eleitos se adequa ou não aos princípios normativos que dão legitimidade ao contrato representativo. Estas “políticas de desconfiança” são essenciais para o fortalecimento da confiança no sistema institucional de qualquer democracia. “A confiança – afirma Claus Offe – é o resíduo que permanece depois que a propensão a desconfiar se demonstra infundada”.23. 14 Em princípio, a política de accountability social aponta para tematizar determinados déficits institucionais e força a encarar processos de reforma ou de melhoria institucional. É neste sentido que argumento que esta forma de politização representa um importante complemento que tende a reforçar os processos de institucionalização e de melhoria institucional ao destacar e castigar atos de captura institucional, de clientelismo ou de corrupção governamental. Em certos casos se observa um desejável círculo virtuoso que tende a melhorar o desempenho das instituções representativas, assim como dos mecanismos de prestação de contas. Ao reforçar os mecanismos institucionalizados de desconfiança, a política de accountability social contribui para fortalecer os laços de confiança entre a classe política e os cidadãos: a existência de mecanismos efetivos de desconfiança institucionalizada sustenta o vínculo representativo ao permitir a generalização da confiança social nas instituções representativas. Estas fornecem ao cidadão uma rede de dispositivos de segurança que fazem que com o sistema ative mecanismos efetivos de sanção nos casos em que sua confiança seja traída. V. Riscos e “Contraindicações” da Política de Accountability Social A política de accountability social não está isenta de riscos e de eventuais “contraindicações.” Existem dois potenciais riscos implícitos neste tipo de política. O primeiro se refere à negativa da classe política e das agências de desconfiança institucionalizada em processar as mencionadas demandas de melhoria institucional. Se os funcionários públicos ignoram sistematicamente as reinvidicações cívicas de maior transparência, o resultado mais provável é um abrupto declínio na confiança dos cidadãos nos representantes políticos. Como defende Stompka, “se a percepção de fracasso se estende, a confiança generalizada é substituída pela desconfiança generalizada”24 O segundo perigo se relaciona com o número de casos revelados de conduta ilegal dos representantes. Para que a confiança prevaleça de forma generalizada, os mecanismos institucionais devem ser ativados esporadicamente. Um contexto público que está caracterizado pela profusão de denúncias e escândalos, e pela hiperatividade das instituições de controle, coloca em evidência que as violações d a confiança social não são episódicas mas fatos generalizados. Tal constatação tende a alimentar uma cultura cívica de desconfiança25. 15 O caso argentino representa uma útil ilustração de alguns dos potenciais riscos de tal política. Na Argentina dos anos noventa coincidiram os dois fatores de risco anteriormente mencionados. Por um lado, houve uma percepção generalizada por parte dos cidadãos de que muitas agências horizontais se mostravam reticentes em cumprir seu papel de monitoramento ou que mesmo seu funcionamento se encontrava distorcido devido a pressões políticas. Por outra parte, durante os dois governos de Carlos Menem (1989-1999) o contexto público argentino esteve repleto de suspeitas de corrupção e ilegalidade no comportamento dos funcionários públicos. Estas denúncias eram sistematicamente desdenhadas pelos funcionários públicos e, somente em poucas ocasiões, os funcionários sob suspeita receberam sanções judiciais. A gravidade e a periodicidade das revelações da i m prensa contribuiram para gerar certa “fadiga de escândalos” entre os argentinos26 e simultaneamente contribuiu para expandir um manto generalizado de suspeita na totalidade do corpo político. Estes sentimentos sociais se traduziram em uma crescente divisão entre a sociedade política e a sociedade civil, distância esta que foi potencializada pela persistente reticência do governo menemista em responder as persistentes vozes que demandavam maior transparência na ação de governo. A eleição do governo de coalizão eleitoral da Aliança (integrada fundamentalmente pela União Cívica Radical e o FREPASO) pareceu abrir uma porta de reconciliação e gerou importantes expectativas de mudanças naqueles setores do eleitorado que se viram cativados pela ênfase do discurso da Aliança na necessidade de mudança fundamental na forma de fazer política e na sua promessa de maior transparência no exercício do poder. Lamentavelmente, tais esperanças tiveram uma vida efêmera. Nos primeiros meses de governo, a administração presidida por Fernando de la Rua se viu involvida em um escândalo de corrupção de grandes dimensões, pois implicava no pagamento de subornos por parte do poder executivo a certos senadores da oposição para que aprovassem determinada legislação no Congresso. Este escândalo não acarretou somente a quebra da coalizão de governo, m a s colocou por terra toda a esperança social de reforma institucional ou m o r a l . A expectativa social de mudança que a renovação eleitoral havia ocasionado se transformou abruptamente rápido em raiva e frustração social com o sistema político. O primeiro indício preocupante do estado de humor social latente com a política foi o impressionante aumento do chamado “voto de protesto” e das obstenções eleitorais nas 16 eleições legislativas que ocorreram no mês de outubro de 2001. No entanto, foi em dezembro de 2001 que o descontentamento se fez patentemente visível; naquele momento milhares de cidadãos se mobilizaram espontaneamente em Buenos Aires e outras cidades do país com a consigna que se vayan todos. Os panelaços e, posteriormente, as assembléias populares que pretendiam rescindir o contrato representativo que ligava os representantes políticos com os cidadãos são um dramático exemplo dos custos envolvidos quando são ignoradas as dem andas sociais por uma reforma institucional e maior transparência na ação do governo.27 *** O surgimento de uma política de accountability social indica a emergência de uma salutar e nova preocupação com a qualidade e o desempenho das instituições democráticas na região. Em um continente que esteve caracterizado pelo predomínio de destrutivas formas de politização que dificultaram, no passado, a estabilidade e consolidação de regimes democráticos e abriram a porta a todo tipo de experiências autoritárias, o surgimento de uma forma de política institucionalizante representa, por si própria, uma significativa novidade. A existência de uma política que tem como objetivo central fortalecer a lógica dos mecanismos representativos e denunciar a captura e tergiversação das mencionadas agências por funcionários ou políticos inescrupulosos, indica que importantes setores da sociedade estão demandando uma profunda mudança das tradições e práticas políticas na região e se mostraram decididos em avançar na complexa, sinuosa e contínua tarefa de consolidação e aperfeiçoamento das instituições das jovens democracias representativas. Torna-se imperativo dar resposta às reivindicações populares de maior transparência, pois o estabelecimento de sólidos mecanismos de prestação de contas é crucial para generalizar e consolidar a confiança social nas instituições representativas. 17 Ver, Catalina Smulovitz e Enrique Peruzzotti, “Societal Accountability in Latin America: 1 Journal of Democracy, volume 11, número 4, 2000; Enrique Peruzzotti e Catalina Smulovitz, “Accountability Social, la otra cara del control” em Enrique Peruzzotti e Catalina Smulovitz (editores) Controlando la política. Ciudadanos y Medios en las Nuevas Democracias Latinoamericanas, Buenos Aires, Editorial Temas, 2002. 2 Analisei os processos de inovação política em Enrique Peruzzotti, “Towards a New Politics. Citizenship and Rights in Contemporary Argentina”, Citizenship Studies, volume 6, número 1, 2002; “Redefiniendo la Representación Política: la sociedad civil y el sistema representativo en los noventa” Política y Gobierno, Vol. XI, Núm. I, I semestre de 2004; e em “La Democratización de la Democracia: Cultura Política, Esfera Pública y Aprendizaje Colectivo en la Argentina Posdictatorial”, em Isidoro Cheresky e Inés Pousadela (editores), Política e Instituciones Editorial, en las Nuevas Democracias Latinoamericanas, Buenos Aires, Paidós 2001, pp. 289-307. Três importantes contribuições coletivas para a análise das mudanças ocorridas nas sociedades civis da região são Alberto J. Olvera (coordinador), Sociedad Civil, Esfera Publica y Democratización en America Latina, Mexico, Mexico, Fondo de Cultura Económica, 2003; Aldo Panfichi (coord.), Sociedad Civil, Esfera Pública y Democratización en America Latina, Andes y Cono Sur, Lima, Pontificia Universidad Católica del Perú y Fondo de Cultura Económica, 2002; Evelina Dagnino (coord.), Sociedad Civil, Esfera Publica y Democratización en America Latina, Brasil, Mexico, Fondo de Cultura Económica, 2003. Também é importante o livro de Leonardo Avritzer, Democracy and the Public Sphere in Latin America, Princeton, Princeton University Press. Para uma análise do conflito entre constitucionalismo e democracia que o populismo introduziu na América Latina, ver Enrique Peruzzotti, “Constitucionalismo, Populismo y Sociedad Civil. Lecciones del Caso Argentino” en Revista Mexicana de Sociología, Vol. 61, número 4, octubre-diciembre, 1999, pp. 149-172. 3 O conceito de accountability horizontal denota o funcionamento de um sistema interestatal de pesos e contrapesos destinado a controlar ou castigar as ações ou omissões por parte dos funcionários ou organismos do Estado que possam ser consideradas ilegais. Com respeito ao tema ver: Guillermo O’Donnell, “Horizontal Accountability en New Democracies,” em Andreas Schedler, L. Diamond, e M. F. Plattner (editores.) The Self-Restraining State. Power and Accountability in New Democracies, Boulder, Colorado, Lynne Rienner, 1999; “Horizontal Accountability: The Legal Institucionalization of Mistrust” em Scott Mainwaring e Christopher Welna (editores), Democratic Accountability in Latin America, Oxford, Oxford University Press, 2003. 4 As eleições representam para O’Donnell um mecanismo institucional de prestação de contas 18 de caráter vertical. 5 Ver O’Donnell, “Horizontal Accountability: The Legal Institutionalization of Mistrust,” op. cit.; Piotr Sztompka, Trust. A Sociological Theory, Cambridge, Cambridge University Press, 1999, capítulo 7; Susan Rose-Ackerman, “Trust, Honesty and Corruption: Reflection on the statebuilding process,” Archives European of Sociology, vol. XLII, número 3 (2001), p. 543. 6 Para um interessante debate acerca de se tal déficit nos mecanismos de prestação de contas é peculiar da região ou representa um problema generalizado de toda democracia, ver: Adam Przeworski, “Accountability Social en America Latina y mas allá” e Guillermo O’Donnell “Acerca de varias accountabilities y sus interrelaciones” ambos em Enrique Peruzzotti e Catalina Smulovitz (Eds.), Controlando la Política. Ciudadanos y Medios en las nuevas democracias, Buenos Aires, Editorial Temas, 2002. 7 Guillermo O’Donnell, “Delegative Democracy,” Journal of Democracy, vol. 5, número 1, 1994; Guillermo O´Donnell, “On the State, Democratization, and Some Conceptual Problems: A Latin American View with Glances at Some Post-communist Countries” em Guillermo O´Donnell, Counterpoints. Selected Essays on Authoritarianism and Democracy, Indiana, Notre Dame, University of Notre Dame Press, 1999. 8 Enrique Peruzzotti e Catalina Smulovitz, “Accountability Social: la otra cara del control” op. cit. 9 A ideia de prestação de contas ou accountability se refere à faculdade de assegurar que os funcionários públicos prestem contas pela sua conduta, entendendo por isto, tanto a obrigação de informar e justificar suas decisões de governo e a possibilidade de ser eventualmente sancionados por elas. A noção de accountability possui uma dimensão legal e uma política. A dimensão legal do conceito de accountability se refere aos mecanismos institucionais desenhados para assegurar que as ações dos funcionários públicos estejam demarcadas legal e constitucionalmente. O conceito de accountability política se refere, ao contrário, à capacidade do eleitorado para fazer com que as políticas governamentais se adequem a suas preferências. Usualmente se assume que as eleições são a instituição por excelência para este tipo de controle. No entanto, existe também uma ampla literatura que destaca as limitações das eleições como mecanismo de accountability política. Ver, por exemplo, Adam Przeworski, Susan Stokes e Bernard Manin (editores) Democracy, Accountability and Representation. Cambridge, Cambridge University Press, 1999; Susan Stokes, Mandates and Democracy. 10 Poder Ciudadano, Associación por los Derechos Civiles, Fundación para el Ambiente e l os Recursos Naturales (FARN), Coordinadora contra la Represión Policial e Institucional 19 (CORREPI), Coordinadora de Familiares de Víctimas Inocentes (COFAVI), Asociación por los Derechos Civiles, e o Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS), e CIPEC, na Argentina; Grupo Propuesta Ciudadana, Foro Democrático, Instituto de Defensa Legal (IDELE), Coordinadora por los Derechos Humanos, Comisión Andina de Juristas, e Transparencia, no Perú; Viva la Ciudadanía, Corporación para la Excelencia de la Justicia, as diversas veedurías ciudadanas, FUNDEPUBLICO, na Colômbia; Auditoria Democrática Andina, Participación Ciudadana, no Equador; Formación Jurídica para la Acción (FORJA), CODEJU, no Chile; Viva Rio, Ouvidorias Policiais de São Paulo, no Brasil, são alguns exemplos desta nova forma de associativismo civil organizado em torno de demandas pela melhoria da qualidade institucional das novas democracias. 11 Ver O’Donnell. “On the State, Democratization” op. cit. p. 12 Este é particularmente o caso da rede de organizações de direitos humanos e organizações contra a violência policial, que devido à sua própria origem e missão, tende a atuar com setores sociais desprotegidos ou sujeitos a discriminação e arbitrariedade por parte das autoridades. 13 Para uma análise específica de estes casos ver: Catalina Smulovitz e Enrique Peruzzotti, "Societal and Horizontal Controls: Two Cases of a Fruitful Relationship" em Scott Mainwaring e Christopher Welna (editores), Democratic Accountability in Latin America, Oxford, Oxford University Press, 2003; Jacqueline Behrend, "Mobilization and Accountability: A Study of Societal Control in the Cabezas Case in Argentina" em Enrique Peruzzotti e Catalina Smulovitz (editores), Enforcing the Rule of Law. The Politics of Social Accountability in the New Latin American Democracias, Pittsburg, Pittsburg University Press, no prelo. 14 Silvio Waisbord, Watchdog Journalism in South America. News, Accountability and Democracy, New Cork, Columbia University Press, 2000; Waisbord “Interpretando los Escandalos. Analisis de su Relación con los Medios y la Ciudadanía en la Argentina Contemporanea” em Enrique Peruzzotti e Catalina Smulovitz (eds.) Controlando la política. Ciudadanos y Medios en las Nuevas Democracias Latinoamericanas, Buenos Aires, Editorial Temas, 2002, pp. 289-325; Nicolas Lynch, “Los usos de los medios en el Perú de Fujimori” em Peruzzotti e Smulovitz, Controlando la Política, op. cit; German Rey, Balsas e Medusas. Visibilidad Comunicativa y Narrativas Políticas Bogotá, Fescol-Fundación Social-Cerec, 1998; Heriberto Muraro, Políticos, Periodistas y Ciudadanos, Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 1997; Enrique Peruzzotti, “Media Scandals and Social Accountability: the Role of the Senate Scandal in Argentina” em Peruzzotti y Smulovitz, Enforcing the Rule of Law, op. cit. 15 Por exemplo, no setor de ONGs profissionalizadas e com numerosos pontos de contatos pessoais e profissionais com os membros do sistema político, a pressão social e a exposição 20 midiática não são geralmente a única ou a via principal para transmitir determinada mensagem ou demanda às respectivas autoridades. Neste sentido, movimentos e atores de base enfrentam maiores dificuldades de serem escutados e, portanto, muitas vezes se veem inevitavelmente obrigados a adotar uma estratégia de mobilização com o fim de captar a atenção dos meios e do público em geral. 16 Ver Waisbord, Watchdog Journalism in South America, op. cit. 17 Ver Peruzzotti, “Media Scandals”, op. cit. 18 Sobre o conceito de “alarmes de incêndio” (Fire Alarms), ver Matthew McCubbins e Thomas Schwartz, “Congressional Oversight Overlooked: Police Patrols versus Fire Alarms,” American Journal of Political Science, vol. 28, número 1, fev. 1984, p. 168. 19 Sobre o fenômeno da crescente judicialização da política na região ver, Rogério Bastos Arantes, Judiciário e política No Brasil, São Paulo, Editora Sumaré, 1997; Rosangela Batista Cavalcanti y Maria Teresa Sadek, “El impacto del Ministerio Publico sobre la democracia brasilena: el redescubrimiento de la ley” em Enrique Peruzzotti e Catalina Smulovitz (eds.), Controlando la política, op. cit., pp.169-191; Luiz Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Cunha Melo e Marcelo Burgos; A judicialização da política e das Relações Sociais no Brasil, Rio de Janeiro, Editora Revan, 1999, pp. 48-70; Catalina Smulovitz, "Ciudadanos, Derechos y Política" em González Morales, Felipe (editor) Las Acciones de Interés Público: Argentina, Chile, Colombia y Perú, Santiago de Chile, Escuela de Derecho de la Universidad Diego Portales, 1997; Catalina Smulovitz, “Judicialization of Protest in Argentina. The Case of Corralito”, em Enrique Peruzzotti e Catalina Smulovitz (eds.), Enforcing the Rule of Law, op. cit. Sobre o uso do direito de interesse público por parte da sociedade civil ver Mary McClymont y Stephen Golub (eds.) Many Roads to Justice (The Ford Foundation: 2000; Felipe Gonzalez y Felipe Viveros Ciudadanía e Interés Público, Santiago: Cuadernos de Análisis JurIdico. Facultad de Derecho Universidad Diego Portales: 1998; Felipe Gonzalez Morales Las Acciones de interés Público, Santiago: Cuadernos de Análisis Jurídico. Facultad de Derecho Universidad Diego Portales, 1997. 20 Sobre a relação Ministério Público – sociedade civil ver Rosangela Batista Cavalcanti e Maria Teresa Sadek, “El impacto del Ministerio Publico”, op. cit. 21 Ana Tereza Lemos-Nelson e Jorge Zaverucha, “Multiple Activation as a Strategy of Citizen Accountability and the Role of the Investigating Legislative Commissions”, em Peruzzotti e Smulovitz, Enforcing the Rule of Law, op. cit. 22 Alberto Olvera, “Movimientos Sociales prodemocráticos, democratización y esfera publica en México: el caso de Alianza Cívica” em Alberto Olvera (Ed.) Sociedad Civil, Esfera Pública y 21 Democratizacion en América Latina: México, op. cit. 23 Claus Offe, “How Can We Trust Our Fellow Citizens?,” en Mark Warren (ed.). Democracy and Trust, Cambridge, England, Cambridge University Press 2001, pag. 76.. 24 Stompka, op. cit. Pág. 145 25 Ibid. Pág. 146. 26 Waisbord, op. cit. 27 Para uma genealogia da crise de representação na Argentina, ver Enrique Peruzzotti, “Redefiniendo la representación Política: la sociedad civil argentina y el sistema representativo en los noventa” em Política y Gobierno, volume XI, número 1, I semestre de 2004. 22