Ação e Movimento 2004 - Faculdade Montenegro

Transcrição

Ação e Movimento 2004 - Faculdade Montenegro
&
movimento
educação física e desportos • vol. 1 • nº 1 • março/abril 2004
Papel do tempo de
reação nas ações
táticas do voleibol
Relação de força entre
membros corporais e
hemisfério cerebral
Significado filosófico
de qualidade de vida na
educação física e esportes
Desporto e humanismo:
o campo do possível
Do jogo com esforço
ao jogo sem esforço
a
tlântica
e d i t o r a
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&
movimento
educação física e desportos • vol. 1 • nº 2 • maio/junho 2004
Desenvolvimento de
escolares em relação
com a classe social
A vontade de poder
no jogo
Envelhecimento e
pesquisas na área da
educação física
Perfil de praticantes de
atividade física na pista
do Maracanã
A experiência do risco
no Alpinismo
a
tlântica
e d i t o r a
www.atlanticaeditora.com.br
&
ISSN 1806-9436
movimento
educação física e desportos • vol. 1 • nº 3 • julho/agosto 2004
EDUCAÇÃO
•
•
Incentivo para atividade
física na escola
Reabilitação cardíaca
e relação aluno-professor
SAÚDE
• Perfil de saúde e aptidão
física da população
de Curitiba
• Nutrição e imunidade
no atleta
CULTURA ESPORTIVA
• Origem da capoeira
•
Qualidades esportivas
do badminton
a
tlântica
e d i t o r a
www.atlanticaeditora.com.br
&
ISSN 1806-9436
movimento
educação física e desportos • vol. 1 • nº 4 • setembro/outubro 2004
EDUCAÇÃO
• Biomecânica no ensino
esportivo
• O imaginário social
e prática do judô
• Educação física
na educação infantil
SAÚDE
• A incidência de lombalgias
no voleibol feminino
CULTURA ESPORTIVA
• Handbol no Brasil
e nos jogos olímpicos
• A escalada e as ciências
do desporto
a
tlântica
e d i t o r a
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ação & movimento - março/abril 2004;1(1)
educação física e desportos
Índice
Volume 1 número 1 - março/abril de 2004
E DITORIAL
O movimento corporal em foco, Luiz Alberto Batista ....................................................................................... 03
A RTIGOS ORIGINAIS
O papel do tempo de reação nas ações táticas do voleibol, Luís Carlos Giúdice de Andrade,
Charli Tortoza, Fabiano de Barros Souza, Rodrigo Alvaro Brandão Lopes-Martins ....................................... 06
A relação de força entre membros corporais e o hemisfério cerebral de preferência de
processamento, Fernando Lins Wanderley Ribeiro, Vernon Furtado da Silva, Geane Pinto O. Delgado,
Andréa Kerckoff Santos, Flávia Villar ......................................................................................................................... 14
Obstáculos à contribuição da biomecânica na prática da descoberta de talentos esportivos,
Luiz Alberto Batista, Flávio Chame.............................................................................................................................. 19
Um significado filosófico de qualidade de vida na educação física e esportes,
Heron Beresford .............................................................................................................................................................. 26
Desporto e humanismo: o campo do possível, Jorge Olímpio Bento .......................................................... 30
Olimpismo: conciliação entre iluminismo e romantismo, Hugo Lovisolo ............................................... 39
Do jogo com esforço ao jogo sem esforço, Rui Proença Garcia .................................................................... 45
O costume e a origem da normatização no desporto,
Eduardo Augusto Viana da Silva .................................................................................................................................. 53
Análise do horário mais adequado para realizar uma atividade aeróbica no município de
Caratinga-MG, Marcus Vinícius de Mello Pinto, Maurício Gonçalves Pereira,
Marcos Pereira Quintão ................................................................................................................................................. 57
RESUMOS ................................................................................................................................................................... 62
NORMAS DE PUBLICAÇÃO ....................................................................................................................... 67
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educação física e desportos
Editor
Luiz Alberto Batista (UERJ)
Conselho editorial
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Christian Pociello (Universidade de Paris XI - França)
Eduardo Augusto Viana da Silva (UERJ)
Fernanda Barroso Beltrão (UFRJ, UCB)
Francisco Sobral (Universidade de Coimbra - Portugal)
Heron Beresford (UERJ, UCB)
Jacques de France (Universidade de Paris X - França)
João Ricardo Moderno (UERJ)
Jorge Olimpo Bento (Universidade do Porto - Portugal)
José Manuel da Costa Soares (Universidade do Porto – Portugal)
José Sérgio Leite Lopes (UFRJ, Museu Nacional)
José Silvio de Oliveira Barbosa (UERJ)
Marco Antonio Guimarães da Silva (UFRRJ, UCB)
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ou endosso da qualidade ou do valor do produto ou das asserções de seu fabricante.
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EDITORIAL
O movimento corporal em foco
Luiz Alberto Batista
Editor científico
Doutor em Ciências do Desporto,
Professor do Programa de
Pós-Graduação do IEFD/UERJ nas
disciplinas Método Científico
e Biomecânica
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A revista está mudando. Felizmente mudança não implica em romper
totalmente com o que estava sendo feito, muito menos colocar em causa
sua qualidade. Mudança significa também evolução e por isso nem sempre
denota um desagravo com o “antes” e sim um compromisso com a qualidade
ampliada do “depois”. Devemos mudar até mesmo por respeito a todos
aqueles que nos legaram um ponto de partida. Entendemos que tocar a
produção de uma revista, visando a uma progressiva expansão da mesma é
uma tarefa para muitos, e, fazendo uma analogia com o revezamento no
atletismo, implica, de tempos em tempos, em uma necessária passagem de
bastão. Cabe-nos agora o transporte do bastão e em respeito àqueles que
nos antecederam, e principalmente a você, leitor, procuraremos fazer o melhor.
Queremos tranqüilizar àqueles que já são assinantes deixando claro que
as mudanças não irão desvirtuar a essência prevista. Continuaremos
veiculando pesquisas de forma democrática, não nos pautando por restrições,
sejam quais forem, e zelando, tão somente, para que sejam respeitados os
elementos que deverão dar rosto e corpo a esse veículo, preservando o
padrão de qualidade científica que a importância do setor nos exige. Neste
número, para não comprometer a periodicidade, serão mantidas grande
parte das estruturas. Futuramente iremos, paulatinamente, promovendo as
alterações e inclusões necessárias ao novo cenário.
No que tange a este novo cenário, um primeiro ponto tocado pelas
mudanças diz respeito à abrangência temática que queríamos e podíamos
abarcar, assim como o público que pretendíamos atender. Assumimos que
a Educação Física não constitui um tema em si mesmo e sim um universo
temático, no qual os elementos constitutivos podem comportar abordagens
inimaginavelmente distintas entre si. Nestas circunstâncias organizar e veicular
conhecimento, produzido a partir das problemáticas instaladas nesse ambiente,
sem adotar um feixe condutor claramente delimitado, implicaria em correr
o risco de conduzir um processo de pura e simples acumulação temporal
de conhecimento. Em outras palavras, caso quiséssemos abarcar todo o
universo, de forma irrestrita, com todas as suas possibilidades, poderíamos
pulverizar o conhecimento com um tal grau de dispersão, que seria inviável
a concretização de qualquer sentido de unidade que fosse, em torno de um
foco comum. Isto não seria producente tendo em vista acreditarmos que
um bom periódico deva ter como uma de suas características a capacidade
de, no curso de sua história, contribuir para a consolidação daquilo que
Gaston Bachelard denominou de Região Epistemológica, acerca de, pelo
menos, um tema central.
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Diante de tão angustiante situação procedemos à busca por um objeto
de conhecimento que nos permitisse centralizar interesses, sem restringir em
excesso. No decurso desta busca tocamos em uma antiga, porém inesgotável,
fonte, o Movimento Corporal.
No nosso caso, há dois fatos importantes acerca do Movimento
Corporal que asseguram sua importância e relevância como objeto de
conhecimento, a saber: a) o profissional de Educação Física lida direta e
intensamente com este elemento e b) o Movimento corporal é de fundamental importância para o ser humano. No tocante a esse segundo fato
acreditamos que aceitá-lo como verdade não constitua uma tarefa de difícil
realização. Vejam-se, por exemplo, as dificuldades com as quais pessoas
com déficit motor se deparam para ter significativa qualidade de vida, não
obstante todo o avanço tecnológico do mundo atual. O caso dessas pessoas
é interessante, pois além de apontar para a relevância de estudos nesse campo,
expõe, de forma evidente e inquestionável, um outro fator de qualificação
de um objeto de estudo, a complexidade. O grau de complexidade que
envolve o universo “Movimento Corporal” encontra-se ali exacerbado, muito
embora não seja sua exclusividade, visto que existirá em qualquer realidade
na qual esteja presente o binômio “ser humano-movimento corporal”, seja
na Educação Física Escolar, na Academia de Ginástica, no Clube Esportivo,
nos atendimentos personalizados e em tantos outros contextos. Tendo em
conta que em cada um destes ambientes encontramos diferentes tipos de
pessoas, cada um desses tipos com características e carências próprias, é
possível imaginar a magnitude dimensional da complexidade final com a
qual lidamos. Ao tomarmos o Movimento Corporal como objeto central
de nosso veículo, o fazemos conscientes de que devemos nos aproximar da
complexidade que o envolve, procurando, entre outras coisas, estimular o
desenvolvimento da capacidade de administrar o relacionamento entre os
componentes que a constituem. Mais que isso, devemos estimular a produção
e veiculação de conhecimento acerca dos mecanismos técnicos de
administração dessa complexidade, nos diferentes níveis de possibilidade.
Nossa proposta é de atuar na construção de uma revista que, seja
multidisciplinar e democrática, que possa contribuir com a efetiva construção
de um pensamento coerente e pragmático acerca de objetos claramente
definidos. Uma revista que mereça veicular a produção de renomados
cientistas e que atenda as expectativas daqueles que precisam suprir suas
necessidades de conhecimento, ajudando-os a melhorar a qualidade técnicocientífica de sua atividade laboral, e abrindo espaço para que possam proceder
à exposição de suas idéias, vivências e necessidades.
Deste modo a revista Ação e Movimento está compromissada com as
possibilidades intencionais e funcionais, assim como com os limites da
Educação do movimento ou Educação pelo movimento, partindo do
princípio que todo o profissional de Educação Física é um Educador,
não importando o contexto em que atue. Ela assume como premissa de
base que o movimento é um dos mais importantes objetos de trabalho
desse profissional e entende que suas ações, envolvendo o ser humano,
devam ser guiadas por um processo intencionalmente planejado e orientado,
englobando um grande número de distintos campos de conhecimento
que precisam ser utilizados de uma maneira inter-transdisciplinar. Pretende
promover a discussão e veicular conhecimento produzido a partir dos
problemas demandados pelas tentativas de estabelecimento da
interdisciplinaridade efetiva no ato de educar o movimento corporal ou
educar pelo movimento corporal.
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Temos, portanto, a expectativa de que este veículo tenha um perfil
específico que valorize as abordagens complexas, marcadas por uma intensa
inter-transdisciplinaridade, e, sendo assim, entendemos que para além do
conhecimento em si ele deva também estar preocupado em estimular e
difundir o debate acerca da forma de construção do mesmo. Em virtude
disto será dedicado um espaço às discussões epistemológicas, como forma
de garantir a concretização de uma saudável e construtiva “recorrência” na
construção do acervo resultante das publicações que se seguirem.
Enfim, queremos construir, a par e passo, um veículo voltado ao
estímulo de produção e veiculação de conhecimento, efetivamente aplicável
ao exercício laboral do profissional de Educação Física, seja no contexto
da pesquisa ou da intervenção, e que para além disso forneça informações
úteis a todos aqueles que, de alguma forma, mantêm algum tipo de relação
com o Movimento Corporal. Essa é a nossa delimitação, conscientes de
nossas limitações. Para alcançar tais objetivos contamos com a colaboração
de todos, autores e leitores, que de alguma for ma se sentem
compromissados com tal tipo de propósito e ação.
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ARTIGO ORIGINAL
O papel do tempo de reação nas ações
táticas do voleibol
The role of reaction time on the tactic actions of volleyball
Luís Carlos Giúdice de Andrade*, Charli Tortoza*, M.Sc., Fabiano de Barros Souza, M.Sc.**,
Rodrigo Alvaro Brandão Lopes-Martins, D.Sc.*
*Grupo de Pesquisas em Fisiologia e Farmacodinâmica, Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento- IP&D,
Universidade do Vale do Paraíba, ** Laboratório de Biodinâmica – FCS- Universidade do Vale do Paraíba
Resumo
Este estudo aborda a modalidade de voleibol em que o tempo de reação (TR) torna-se cada vez menor devido ao constante
aumento da velocidade da bola como de deslocamento dos jogadores. Objetivo do presente trabalho foi verificar o tempo de
reação das jogadoras na modalidade de voleibol feminino que participaram da Superliga Feminina de Voleibol 2002-2003. Foram
analisados 21 indivíduos do sexo feminino, com idade média de 20 anos pertencentes às equipes do Tênis Clube - SJC e ao
Esporte Clube União de Suzano. Para avaliação do tempo de reação foi utilizado o Sistema Computadorizado Cybex Reactor.
Observou-se uma tendência para reagir prontamente aos estímulos propostos no experimento pelos atletas que atuam na
posição de Líbero (0,0543s). As demais jogadoras reagiram ao teste obtendo os seguintes resultados: Oposto (0,2277s), Levantadoras
(0,2478s) e Pontas (0,2747s). Os resultados obtidos pelas jogadoras LB se devem em grande parte as características das funções
exercidas por estas, pois compreendem a capacidade para trocar de posição com qualquer jogadora da linha de defesa a qualquer
momento que se apresente no contexto de jogo. Pudemos constatar que não houve diferenças significativas nas respostas das
atletas para estímulos de ponto que simulavam o momento da emissão do sinal visual luminoso, considerado neste estudo
como sendo o início da movimentação de ataque do oponente.
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Palavras-chave: tempo de reação, voleibol, percepção visual.
Artigo recebido em 2 de abril de 2004; aceito em 15 de abril de 2004.
Endereço para correspondência: Rodrigo Alvaro Brandão Lopes Martins, Grupo de Pesquisas em Fisiologia e
Farmacodinâmica, Instituto de Pesquisa & Desenvolvimento Universidade do Vale do Paraíba, Av. Shishima Hifumi, 2911 –
Urbanova, São José dos Campos – 12244-000 São Paulo, tel: (012) 3947-1106, E-mail: [email protected]
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Abstract
This study makes an approach on the volleyball game where the reaction time (RT) becomes even shorter because of the
continuous increases in ball as well as players velocity. The purpose of the present study was to analyze the RT of professional
female volleyball players of the National Superleague 2002-2003. 21 individuals belonging to Tênis Clube - SJC and Esporte
Clube União de Suzano were analyzed with a mean age of 20 years old. We used the Cybex Reactor System attached to a Pentium
IV PC. Analyzing the data concerning the mean obtained by the players, it was observed a tendency to readly react after
stimulation purpose on the experiment by the athletes that acts on the Líbero position (0,0543). The other players reacted as
follows: oposto (0,2277), Levantador (0,2478) and Ponta (0,2747). Probably the results obtained by Líberos were due to
characteristics of functions exerted by them in game situations. It’s because it comprehends between other actions, the capacity
of change position with any other player of the defense line at any moment or context of the game. Therefore its inferred that
any athlete that acts as Líbero must have an acute perception, technical and emotional control to support the stress motivated by
the constant transitions experimented in this context. Our results demonstrated no significant differences on the reaction time
concerning on point stimuli that simulated the moment of the emittion of visual sign, considered in this study as being the
beginning of the attack movement of the opponent.
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Key-words: Reaction time, volleyball and eye perception.
Introdução
Atualmente, todos os setores da vida humana
inclusive o esporte vem experimentando uma grande
evolução tecnológica propiciando melhores condições
de treinamento, devido ao constante desenvolvimento
de pesquisas científicas. É também cada vez maior o
número de equipamentos computadorizados de
última geração nos laboratórios capazes de processar
e armazenar grande quantidade de dados em uma
fração de segundos. Instrumentos capazes de detectar
as mínimas alterações estruturais e funcionais são
responsáveis pela melhoria da qualidade das pesquisas
científicas [1]. As conseqüências desse avanço são
percebidas no cronômetro, pois o que antes era
medido em segundos, hoje pode ser mensurado em
milésimos de segundos (ms).
Araújo [2] conceitua que dada à complexidade
da natureza humana faz-se necessário analisar esse
fenômeno de forma ampla, levando em consideração
para isso as múltiplas disciplinas que interagem com
este em vários níveis, como por exemplo: holístico,
social, bioquímico, físico, etc. O ser humano pode
ser comparado a um sistema capaz de processar e
armazenar grande número de informações, fato este
que promove a redução do nível de incerteza. Esta
capacidade de processamento dos estímulos
provenientes do ambiente em que ocorre a ação é
limitada no tempo e espaço, pois depende da
velocidade e quantidade de informações a ser
processada e transmitida [2].
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Este estudo aborda a modalidade de voleibol
no qual o tempo de reação torna-se cada vez menor
devido ao constante aumento da velocidade da bola
como de deslocamento dos jogadores. Dessa forma,
devemos levar em consideração no ato da preparação
de uma equipe a capacidade dos indivíduos para
adaptar certos aspectos de seus movimentos às
necessidades e características presentes no meio
ambiente onde as ações do jogo se desenvolvem [3].
Para Pellegrini [1], devido às características que
permeiam o contexto “aberto” no qual se desenrolam
as ações do voleibol, deve-se procurar capacitar os
jogadores de diferentes posições para realizarem
determinadas tarefas que envolvam o aprendizado
de diferentes habilidades, similares àquelas presentes
no jogo, isto é, que simulem um ambiente em constante
mutação, no qual os jogadores se movimentam em
função da trajetória de bola, dos diferentes estímulos
inerentes ao jogo de voleibol e ao tempo disponível
para a tomada de decisão.
Segundo Roure et al. [4], já está bem estabelecido
que a prática da imagem mental é capaz de melhorar
habilidades motoras, mas a eficiência na performance
esportiva depende de muitos fatores, sendo o mais
importante as diferenças individuais.
Freqüentemente dizemos que grandes jogos são
realizados, porque um atleta reagiu mais rápido do
que o outro. É verdade que a habilidade para reagir
rapidamente é uma técnica vital para o sucesso de
um atleta. Entretanto a reação pode ser mais
precisamente descrita como reconhecimento. Em
outras palavras, atletas reagem somente após terem
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reconhecido que precisam reagir. No voleibol, como
em outros esportes há muitas coisas que os atletas
precisam saber para reagirem dentro de uma
determinada seqüência. Três coisas podem estimular
as reações nos atletas que são: cores, sons e movimentos:
ver as cores das camisas da equipe adversária fora do
campo de visão de seus olhos utilizando para isso da
visão periférica; distinguir sons e comandos durante o
decorrer de uma partida; perceber o deslocamento de
outros jogadores ao seu redor. Assim, os jogadores
além de serem capazes de se movimentar dentro da
área na qual o jogo se desenvolve, devem ultimamente
possuir a capacidade de antecipar e reagir rapidamente
para defender a tentativa de jogada quando esta vem
das mãos de seu adversário.
Ao analisarmos os conceitos que normatizam
as ações táticas ofensivas e defensivas no Voleibol,
pode-se constatar, que as habilidades para atacar e
defender são desencadeadas a partir da percepção
dos estímulos relevantes pelos atletas.
Para Schmidt [3] são inúmeros os fatores que
podem incidir e influenciar o Tempo de Reação
(doravante TR), e que variam de acordo com a
natureza da informação, do estímulo apresentado e
da motricidade a ser realizada pelo sujeito.
Outro aspecto relevante observado por Mori
et al. [5] foi a constatação da existência de diferenças
significativas entre os lados de execução da tarefa de
TR. Em toda atividade física que envolve a
performance humana, o TR se apresenta como
indicador da velocidade e eficácia com as quais os
indivíduos são capazes de reagir a um determinado
estímulo, ou conjunto de estímulos.
Segundo Vaghetti et al. [6], durante a tarefa de
TR, os estímulos visuais, auditivos e táteis são
decodificados pelo corpo através de diferentes
processos físico-químicos e mecânicos.
Para Lee et al. [7], o TR no esporte depende da
atuação harmoniosa e simultânea dos sistemas visual
e motor. A partir da percepção do estímulo visual,
rapidamente uma resposta precisa é processada,
levando em conta para isso, o tempo de contato, a
força, distância, velocidade e aceleração da bola, no
caso da modalidade em questão.
O objetivo deste estudo está centrado, na
verificação do tempo de reação e deslocamento de
atletas da modalidade de voleibol participantes da
Super Liga 2002/2003 e de jogadoras pertencentes à
categoria juvenil.
Visamos comparar os dados obtidos nos testes
procurando evidenciar o tempo de reação e de
deslocamento no bloqueio com o nível de
desempenho físico e sua possível relação com o
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fator idade, patamar de condição física e experiência
no ato da predição da ação tática defensiva nas
diferentes categorias.
Material e métodos
O trabalho foi desenvolvido no Laboratório
de Biodinâmica da Faculdade de Ciências da
Saúde, na Universidade do Vale do Paraíba
(UNIVAP – São José dos Campos), após
aprovação pelo comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade do Vale do Paraíba.
Participaram deste estudo 21 atletas voluntárias
(após a leitura e assinatura do ter mo de
consentimento informado) de voleibol do sexo
feminino, com média de idade de 20,5 anos, e altura
de 1,81 cm pertencentes às equipes do Esporte
Clube União de Suzano (ECUS) e do Tênis Clube
de São José dos Campos (TCSJC), ambas da região
do Vale do Paraíba – SP.
Para caracterização da amostra, as jogadoras de
voleibol foram classificadas de acordo com as funções
desempenhadas em Quadra: (PT) ponta, (ME) meio,
(OP) oposto, (LB) líbero e (LV) e levantador.
As atletas foram submetidas ao teste para
avaliação da tarefa de determinação do Tempo de
Reação de Escolha, utilizando para isso o Sistema
Reactor da Cybex. O Reactor da Cybex é um
equipamento computadorizado que fornece uma
variação de sinais visuais luminosos, ao qual o atleta
deve reagir, o mais rápido possível. O equipamento
que compõe o Sistema Reactor da Cybex é
constituído por um microcomputador Pentium 100,
ligado a um monitor de televisão (29 polegadas),
situado na parte dianteira de uma plataforma verde
de borracha (2,60 m x 3,56 m), dotada de oito
círculos sensíveis à pressão dos pés. O atleta vê na
tela do computador um mapa do assoalho com as
plataformas nas quais aparecem os sinais luminosos
programados neste experimento (Figura 1).
O protocolo elaborado para a realização dessa
pesquisa foi programado para ser utilizado em
laboratório e visa proporcionar aos atletas estímulos
luminosos randômicos (luz vermelha, azul e verde)
como indicado na figura 1.
Procedimento experimental
Os voluntários se posicionavam em pé à frente
da plataforma do Reactor da Cybex. Este teste
consiste basicamente em aferir a reação do jogador a
partir da percepção de um estímulo visual pré-
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estipulado pelo Reactor (luz verde). O sinal luminoso
desencadeará uma resposta motora direcionada a
uma das quatro plataformas dispostas de forma
ordenada neste protocolo (um e dois à direita, três e
quatro à esquerda).
Em cada teste, o estímulo de vídeo para a
avaliação da tarefa do TR de escolha inicia com a
apresentação de 3 segundos para fixação de dois
pontos na tela, seguido da apresentação randômica
dos estímulos (pontos) previamente programados
para cada um dos testes que compõem este
protocolo. Os estímulos sucessivos foram
apresentados na razão de 33 ms cada. Foi requisitado
que os atletas participantes escolhessem de forma
rápida e precisa uma direção, ou seja, a plataforma
indicada na tela após o estímulo luminoso. Os testes
propostos neste protocolo foram repetidos de forma
sistemática por seis vezes para cada atleta. A resposta
do jogador tem início, quando o atleta reage ao
perceber o estímulo movimentando um dos pés na
direção da plataforma indicada. Após a realização
de cada teste foi apresentado pelo Sistema Reactor
da Cybex um gráfico contendo informações sobre
o respectivo teste, no caso específico deste estudo, o
TR de escolha do jogador participante.
Foram realizadas três sessões para coleta de
dados. Duas sessões para as equipes do TCSJC e
ECUS, para reconhecimento do equipamento e
validação do protocolo a ser empregado na tarefa
do TR de escolha (resultados descartados) e a segunda
para aquisição de dados.
Em cada sessão, o atleta foi submetido a um
protocolo contendo seis testes programados
randomicamente. Nas sessões para aquisição de
dados foram mensurados 126 testes no total da
amostra. Antes de cada sessão, os participantes
dedicaram toda a atenção às explicações concernentes
à natureza da tarefa e prática do teste até que eles se
familiarizassem com o protocolo.
Análise dos dados
Este protocolo permite a determinação do TR
de escolha dos atletas em cada teste realizado. Os
resultados coletados da amostra foram analisados
estatisticamente a fim de se verificar a média (medida
da tendência das ações apresentadas por todas as
atletas participantes do teste), o desvio padrão, o
coeficiente de variabilidade, e o melhor resultado (MR)
que se caracteriza por ser a melhor resposta aos
estímulos apresentados às jogadoras durante a
realização do teste.
Os dados obtidos pelas atletas na tarefa de TR
foram separados de acordo com as funções
Fig. 1 – Esquema ilustrativo do equipamento Cybex Reactor, utilizado para medida da tarefa de TR de escolha,
mostrando o monitor com o esquema de cores que indica a plataforma que deve ser ocupada pelo voluntário.
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específicas (ME, PT, OP, LB e LV) da modalidade
em questão. A fim de propiciar a visão destes dados
foram elaborados gráficos para cada posição.
Gráfico 3 - Representa o tempo de reação (TR) das
jogadoras de voleibol que atuam na posição de Ponta,
após estímulo visual emitido pelo sistema Cybex Reactor para ambos os lados. Os dados estão
representados como média e erro padrão da média.
Resultados
A análise dos dados referentes ao teste para
mensurar o TR de escolha das jogadoras da posição
de meio (ME, n = 11) mostra uma oscilação nos TR’s
das atletas (mínimo 0,287 ms e máximo 0,438 ms).
Com base nestes resultados pode-se perceber que 27%
das atletas necessitaram de aproximadamente meio
segundo (0,5s) para reagir aos estímulos. O gráfico 01
mostra uma tendência, embora não significativa, das
jogadoras de meio se deslocarem mais rapidamente
para a esquerda (gráfico 1).
Gráfico 1 - Representa o tempo de reação (TR) das
jogadoras de voleibol que atuam na posição de Meio,
após estímulo visual emitido pelo sistema Cybex Reactor para ambos os lados. Os dados estão
representados como média e erro padrão da média.
Gráfico 2 - Representa o tempo de reação (TR) das
jogadoras de voleibol que atuam na posição de
Oposto, após estímulo visual emitido pelo sistema
Cybex Reactor para ambos os lados. Os dados estão
representados como média e erro padrão da média.
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Gráfico 4 - Representa o tempo de reação (TR) das
jogadoras de voleibol que atuam na posição de Líbero,
após estímulo visual emitido pelo sistema Cybex Reactor para ambos os lados. Os dados estão
representados como média e erro padrão da média.
De acordo com os dados apresentados pelas
jogadoras que cumprem com a função de Levantadoras
(LV, n = 05) constatou-se que a capacidade para reagir
rapidamente a estímulos coube a uma jogadora desta
posição (TR = 0,256 ms) (gráfico 2).
Os dados apresentados pelas atletas que atuam
como ponta (PT, n = 09), demonstram que as reações
das participantes oscilaram entre 0,261 ms (a mais
rápida) e 0,471 ms (a mais lenta). As atletas que jogam
na posição de ponta apresentaram uma tendência,
embora não significativa, de se deslocarem mais
rapidamente para o lado direito (gráfico 3). No
entanto, seria necessário um número maior de
voluntários para confirmar este dado.
As atletas que atuam na posição de Líbero (LB,
n = 03) mostraram grande equilíbrio nos TR’s
apresentados (gráfico 4). Constata-se isso ao analisar
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as respostas das jogadoras nos respectivos testes.
Observou-se ainda, que as atletas que atuam na posição
de líbero apresentaram os valores de TR mais baixos
entre todas as que participaram dos testes (0,0543s).
Ao se comparar os dados referentes ao TR das
equipes do TC/Cadsoft e ECUSuzano, constatouse uma tendência entre as jogadoras testadas em reagir
mais rapidamente para o lado esquerdo, ou seja, para
a plataforma 4. Das vinte e uma atletas (n=21) de
ambas equipes que participaram da segunda bateria
de testes, cerca de quatorze (14) reagiram mais
prontamente para o lado esquerdo. Entretanto, apenas
sete (7) foram mais rápidas para o lado direito, ou
seja, cerca de 67% das jogadoras participantes
reagiram em um menor tempo (ms) para o lado
esquerdo e 33% para o lado direito.
Discussão
O presente estudo avaliou a capacidade de
reação das jogadoras da modalidade de voleibol
(ECUS e TCSJC) de diferentes posições nas tarefas
realizadas em laboratório com cenários construídos
não específicos ao voleibol.
O experimento mostrou que não houve
diferenças significativas nas respostas das atletas na
condição de TR de escolha para estímulos de ponto
que simulavam o momento da emissão do sinal visual,
considerado neste estudo como início da
movimentação de ataque do oponente. Em recentes
estudos realizados por Mori et al. [5] na modalidade
de Karatê envolvendo no experimento de TR atletas
experientes e iniciantes, constatou-se, que não houve
diferenças significativas nas respostas dos participantes,
tanto no experimento de TR simples, como quanto
para o de estímulo de ponto, sugerindo que ambos
reagem da mesma maneira no ato da detecção de
estímulos visuais não específicos ao Karatê. Esses
dados corroboram com nosso estudo na medida em
que se constata, mesmo se tratando de modalidades
esportivas diferenciadas a reação dos atletas pode ser
considerada similar, pois estas, estão condicionadas
ao momento da percepção do estímulo e o TR gasto
no processo de tomada de decisão.
Com relação à tarefa de determinação do TR
Mori et al. [5] observaram a existência de uma
diferença significativa entre os lados de execução. Já
Chimura et al. [8] preconizam que o TR não depende
do lado do membro que irá executar a tarefa (direito
ou esquerdo).
Faz-se necessário esclarecer que há um consenso
no âmbito da pesquisa esportiva que atletas
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experientes mostram-se mais capacitados para reagir
nas tarefas envolvendo cenários realistas quando
exigem que estes acessem as habilidades perceptivas
do esporte, enquanto sua vantagem é relativamente
pequena ou quase inexistente em tarefas simples
utilizadas para analisar funções sensoriais básicas [9].
Neste estudo, a análise dos dados foi realizada
com base na comparação de resultados estatísticos.
Através do TR obtido em resposta ao estímulo
proposto pelo Reactor da Cybex foram calculados
a Média, o DP, o CV e o Melhor resultado (MR).
Confrontando os testes das jogadoras de ME com
os das atletas que ocupam as demais posições (PO,
OP, LB e LV) foi realizado o teste da distribuição t de
student não pareado. Analisando-se os dados
concernentes, a Média obtida pelas jogadoras, podese observar uma tendência para reagir prontamente
aos estímulos propostos no experimento pelos atletas
que atuam na posição de Líbero (0,0543). As demais
jogadoras reagiram ao teste obtendo os seguintes
resultados: Oposto (0,2277), Levantador (0,2478) e
Ponta (0,2747). Provavelmente os resultados obtidos
pelas jogadoras Líbero se devam em grande parte
às características da função exercidas por estas, pois
compreendem entre outras ações, a capacidade para
trocar de posição com qualquer jogador da linha de
defesa a qualquer momento e contexto que se
apresente no contexto de jogo. Constata-se, portanto,
que a atleta que atua na posição de Líbero deve
possuir grande capacidade perceptiva, domínio
técnico e emocional para suportar o estresse
motivado pela constante transição vivenciadas
neste contexto.
Com relação aos dados referentes ao desviopadrão apresentado pelas jogadoras neste estudo, estes
revelaram um grande equilíbrio entre os resultados
obtidos. As atletas das diferentes posições obtiveram
os seguintes resultados: Levantador (0,3994), Ponta
(0,4847) e aqueles que atuam como Oposto (0,3878).
Estes dados servem como indicadores do nível de
equilíbrio. Quanto às jogadoras Líbero, estas
apresentaram um baixo nível de variabilidade, ou seja,
uma pequena diferença em seu desvio-padrão (0,0536),
inferior em relação às atletas de outras posições.
Ao avaliarmos os resultados referentes ao
coeficiente de variância constatou-se que houve
novamente similaridade nos índices obtidos. Podese perceber isso ao analisarmos os baixos índices
de variabilidade contidos nas respostas das atletas
das posições Levantador (0,4788), Ponta (0,4900) e
Oposto (0,2341). Observa-se também, que a baixa
variabilidade presente nos resultados apresentados
pelo LB (CV = 0,0772), corrobora com o exposto
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até aqui, reforçando que talvez seja devido às
características da sua posição, estes indivíduos
possuam a capacidade para se manter regulares em
diferentes momentos de uma partida.
Nos dados referentes ao Melhor resultado
(MR), as atletas das posições Oposto (MR = 0,005)
e Ponta (MR = 0,0998), que atuam nas extremidades
da rede, foram as que demonstraram melhor
capacidade para reagir rapidamente aos estímulos
visuais luminosos. As jogadoras das demais posições
obtiveram os seguintes resultados: Levantador (MR
= 0,1351 ms), Líbero (MR = 0,4084 ms). Neste caso,
talvez isso se deva as suas características, pois as
atacantes Oposto e de Ponta foram preparadas para
pensar e escolher rapidamente a opção mais
adequada ao contexto que se apresenta, devido ao
tempo de tomada de decisão ser muito curto nessa
modalidade [10].
Como evidenciado neste trabalho, são muitas
as habilidades motoras necessárias à prática do
voleibol de alto nível. Quanto mais elevado o
padrão tático praticado pelas equipes, mais
complexas serão as ações motoras devido ao
número de escolhas estímulos-respostas envolvidas
no processo decisório em se tratando de atividades
competitivas rápidas.
Constatou-se que os atletas que possuem maior
capacidade para reagir prontamente a estímulos
luminosos na tarefa de tempo de reação (TR) de
escolha são os jogadores que cumprem atualmente
com a função de Libero (LB), em comparação com
os atletas das demais posições (Ponta = PT; Meio =
ME; Oposto = OP e Levantador = LV) na
modalidade de voleibol feminino.
Nesse sentido, ressalta-se que a capacidade de
reação motora a estímulos complexos desponta
como sendo determinante nos esportes de alta
competição. No caso do voleibol, os atrasos
resultantes do número de alternativas estímulosrespostas presentes no contexto da ação podem
deter minar o sucesso por se tratar de uma
modalidade que envolve habilidades rápidas. Outro
aspecto relevante refere-se à estratégia ou tática
(individual e coletiva) aplicada às atividades
competitivas rápidas e sua relação de interdependência do tempo de reação de escolha no ato
da realização do gesto motor. Assim, quanto maior
for o número de escolhas estímulos-respostas a ser
enfrentado pelos atletas, maiores serão os atrasos
de processamento.
Acredita-se que a capacidade pontual
apresentada pelos Líberos para reagir rapidamente
deve-se, em grande parte, às características específicas
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inerentes às funções defensivas as quais estes atletas
são expostos nos treinamentos e jogos. Faz-se
necessário ressaltar que o alto nível de exigência
vivenciado pelos atletas durante a execução das
tarefas supracitadas desponta como sendo um dos
fatores motivadores da habilidade em questão.
Devido às características normativas atuais do
voleibol, os Líberos são levados a vivenciar
constantes alterações de ordem tática (substituições),
ou seja, os atletas são expostos ao estresse físico,
técnico, tático, mental e emocional. Outro fator
específico ao jogador desta posição diz respeito às
características das funções defensivas relacionadas
ao tempo de reação, pois este atua interceptando as
ações ofensivas (ataques) provenientes da quadra
adversária cuja velocidade de vôo da bola é superior
a 100km/h, fato este que requer grande capacidade
de previsão, antecipação, movimentação e
posicionamento em questão de milésimos de
segundo (ms).
Após refletir sobre a relevância do presente
estudo constatou-se que para melhorar o tempo de
reação e assim atingir resultados expressivos no
voleibol, é necessário que se desenvolva um acervo
motor potencialmente variado já na fase de iniciação.
Portanto, para se reagir prontamente aos
estímulos presentes no jogo, é necessário que seja
desenvolvida nos futuros jogadores a devida
habilidade coordenativa, variada, capaz de suplantar
as situações complexas que se apresentam no contexto
do voleibol.
Conclui-se que uma preparação baseada nas
funções altamente técnicas exercidas pelos Líberos,
apresenta-se como uma oportunidade para a
formação de uma geração capaz de contribuir para
que novos patamares de rendimento sejam alcançados
pela Seleção Brasileira de Voleibol Feminino.
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ARTIGO ORIGINAL
A relação de força entre membros corporais
e o hemisfério cerebral de preferência
de processamento
Relationship between corporal body members and cerebral
hemisphere preference processing
Fernando Lins Wanderley Ribeiro *, Vernon Furtado da Silva*, Geane Pinto O. Delgado*,
Andréa Kerckoff Santos*, Flávia Villar**
* Mestrado em Ciência da Motricidade Humana/ PROCIMH/ UCB, Laboratório de Neuromotricidade II/ LABIMH/ UCB-RJ,
** Fundación Educacional Sagrados Corazones de Concepción/Chile
Resumo
O presente estudo investigou a possível relação entre capacidade de produção de força e a preferência de processamento
hemisférico em relação aos membros corporais. Pressupostos teóricos ditam que as eferências neuro-motoras ocorrem de forma
cruzada. Neste estudo esta noção teórica foi abordada através da perspectiva de que indivíduos de preferência de processamento
hemisférico para eventos racionais, analíticos e de fala (hemisfério esquerdo) pudessem ter uma maior produção de força em
membros superiores e inferiores contra-laterais, todavia, traçando-se a possibilidade de que a preferência hemisférica esquerda
pudesse definir uma relação ipsi-lateral dos membros corporais em estudo. Participou do evento, uma amostra de 50 alunos de
ambos os gêneros na faixa etária compreendida entre 14 e 17 anos, estudantes do ensino médio da rede particular de ensino no
Rio de Janeiro. Esta amostra foi submetida ao teste de CLEM para a identificação da preferência de processamento hemisférico.
Após a identificação da hemisfericidade, os mesmos foram distribuídos, de acordo com os resultados, em três grupos hemisféricos
distintos, ou seja, hemisféricos direitos (HD), hemisféricos esquerdos (HE) e Bi-hemisféricos (BH). Posteriormente os grupos
foram ainda submetidos a um teste de força isométrica máxima para os músculos flexores do antebraço e extensores da perna
para o qual foi utilizado um transdutor de força MP 100 A – CE acoplado ao equipamento Biopac systems. Os resultados indicaram
que os mecanismos relacionados à produção de força parecem não ter uma relação exclusiva com o hemisfério esquerdo como foi
hipoteticamente proposto. Embora as análises de variância feitas tanto para os membros superiores quanto para os inferiores
não tenham revelado resultados que pudessem indicar a superioridade de um hemisfério sobre o outro em força isométrica, nos
casos de hemisfericidade direita ou esquerda, foi observada uma relação positiva em produção de força de acordo com a
preferência de processamento hemisférico.
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Palavras chave: hemisfericidade, força, adaptações neurais.
Artigo recebido em 15 de março de 2004; aceito em 15 de abril de 2004.
Endereço para correspondência: Vernon Furtado da Silva, Rua Guernica 100, CEP 22795-210, Edifício Pablo Picasso.
Recreio dos Bandeirantes –RJ. Tel: (21) 8883-1767, E-mail: [email protected]
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Abstract
The present study investigated the possible relationship between force production and the cerebral hemispheres processing
preference as related to the body members. The presupposed theoretical notion was that the neuromotor efference occurs in a
crossed way. That is, the right hemisphere innervating the left side of the body and the left one, the right side. In this study we
looked to the possibility of a direct relationship between the participants preferable processing hemisphere for rational, analytic
and speech events and a larger production of force of the contralateral members, as compared to the same side ones. The
hypothesis was that processing preference of the left hemisphere would prevail upon the crossed version of the body members
applied force. For the study a sample of 50 students of both goods was selected in the age group comprised between 14 and 17
years, students of the net peculiar teaching of Rio de Janeiro. Later the sample group was submitted to the test of CLEM for the
identification of the preference of hemisphere processing. After the identification of these individuals’ hemisphericity, the same
ones were distributed in three different groups; nominated as right hemisphere (HR), left hemisphere (HL) and Bi-hemisphere
(BH) groups. The components of each group were still submitted individually to a test of maximum isometric force for the
flexors of the forearm and extending of the leg. It was used, for both cases, a force transdutor model AP 100 A - CE coupled to
the Biopac systems. The statistics indicated no superiority in force production between the hemisphere groups, in spite of a
considerable tendency for that when related to left and right hemisphere processing preference groups.
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Key-words: hemispherecity, force, neural adaptation.
Introdução
A força é uma qualidade física que está presente
em todos os eventos motores e a luz dessa visão
Sherrington, citado em Bear, Connors e Paradiso [1],
definiu: ¨Mover coisas é tudo que o homem pode
fazer. Para tanto, o único executante é o músculo, tanto
para sussurrar uma sílaba quanto para derrubar uma
floresta¨ entender os mecanismos neurais físicos/
químicos desta se torna fundamental para o
desenvolvimento do individuo seja ele de
aprendizagem, performance motora ou para
manutenção da saúde e melhoria da qualidade de vida.
Dentre as diferentes abordagens quanto ao ganho de
força podemos citar: a hipertrofia (aumento do
diâmetro do músculo), hiperplasia (aumento do
numero de fibras musculares) e as eferêcias/aferências
neurais que Pollock e Wilmore [2] definiu como:
“... à produção de força não se dá somente pelo
aumento do número de fibras musculares ou
aumento da circunferência do músculo, mas se dá
também pela combinação dos seguintes processos:
um aumento no número de unidades motoras
ativadas, grau de ativação ou um aumento da
sincronização do estímulo desencadeador da unidade
motora.”
Outros fatores que podem influenciar no
desenvolvimento da força muscular são: recrutamento
e sincronização de unidades motoras [3], compri-
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mento inicial do músculo ativado, ângulo e velocidade
da ação articular, armazenamento de energia e
mudança no comprimento do músculo [4].
Por ser a força uma das valências presentes em
todos os eventos motrizes ela precisa ser mensurada
sempre que se deseja qualificar e ou quantificar um
músculo ou grupos musculares, quando se propõe
qualquer tipo de treinamento, esta mensuração é útil
no sentido de, tanto prevenir lesões como promover
uma sobrecarga a um determinado trabalho.
O processamento de informações oriundas do
córtex cerebral é quem dita as contrações e/ou
somente intenções de contrações, pensar o
movimento, para se atingir um ganho de força, para
isto uma gama de estruturas se conectam para
elaborar, executar e controlar os eventos motrizes,
estruturas estas que são principalmente: tálamo,
cerebelo, gânglios da base, APM, AM.
É fato, na literatura correspondente, que o
resultado destas elaborações mentais no sistema
somático atua de forma cruzada. Cabe citar que as
fibras axonais que descem do córtex cerebral pelo
braço posterior da cápsula interna e formam a via
córtico-espinhal provenientes das células de Betz são
grandes células piramidais na camada cinco, passam
por um processo de cruzamento no bulbo do tronco
encefálico e vão constituir o trato córtico-espinhal
lateral. Este segue o seu trajeto até o funículo lateral
da medula, transmitindo as ordens que vão controlar
os movimentos voluntários dos músculos que
constituem os vários membros do nosso corpo.
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Como nem todas as fibras cruzam desta forma, uma
minoria das fibras da via córtico-espinhal, que permanece
em seu trajeto inicial, dão origem a via córtico-espinhal
anterior e seguem em direção ao funículo anterior da
medula, sendo, esta via, a responsável pelo controle
voluntário dos músculos axiais e da cintura pélvica. A
configuração anatômica destas fibras que se cruzam
permitem o controle que o cérebro exerce de forma
contralateral. Sendo o hemisfério esquerdo responsável
por eferências motoras do lado direito e, o hemisfério
direito, pelas eferências motoras do lado esquerdo. Além
desta característica indivíduos tendem a ter uma
preferência de processar informações em um dos
hemisférios ou em ambos, além do que cada hemisfério
tem estruturalmente um perfil. O que é confirmado por
Alencar [5]:
“O que tem sido proposto é que cada
hemisfério cerebral teria sua especialidade: o esquerdo
seria mais eficiente nos processos de pensamento
descrito como verbais, lógicos, enquanto o hemisfério
direito seria especializado em padrões de pensamento
lógicos e analíticos que enfatizam percepção, síntese e
o rearranjo geral das idéias”.
Sendo por isso que é tão comum encontrarmos,
no nosso dia-a-dia, indivíduos com hemisfericidade
à esquerda com habilidades motoras mais precisas
confirmando o conceito que se refere à especialização
cerebral. O hemisfério esquerdo produz movimentos
mais precisos da mão e da perna direita do que o
hemisfério direito é capaz de fazer com a mão e a
perna esquerda (na maioria das pessoas).
Pelos estudos de Gardner [6], constata-se que o
estudo do sistema nervoso revelou uma arquitetura
espantosamente bem organizada, com inacreditável
especificidade em aparência e organização. Mesmo
não sendo semelhantes em suas organizações, as
diferenças na organização parecem estar intimamente
ligadas a diferenças nas funções às quais diferentes
partes do cérebro servem.
Bryden [7], desenvolveu um modelo de função
cerebral que aponta para uma dominância dos
hemisférios cerebrais para processar habilidades
específicas, sendo às do hemisfério direito relativas
ao processamento de organizações holísticas e funções
não-verbais e o hemisfério esquerdo, informações
analíticas e verbais.O presente estudo vem tentar focar
os eventos pertinentes à força em ordem estrutural
para isso reproduz Da Silva [8]. As funções biofísicas
estruturais do SN são as de natureza mecânica cuja
geração está implicitamente associada à condição de
gestão do neurônio sobre os músculos do corpo.
Katz [9] evidencia o hemisfério esquerdo como
o responsável pelos processos verbais, lógicos e
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analíticos, enquanto o hemisfério cerebral direito seria
especializado em padrões de pensamento que enfatizam
percepção, síntese e o rearranjo geral de idéias. A
atividade do hemisfério cerebral direito seria
especialmente relevante para a criatividade musical e
artística, facilitando o uso de metáforas, intuição e outros
processos geralmente associados com a criatividade.
Material e método
Amostra
A amostra do presente estudo foi composta por
50 indivíduos dos gêneros masculino e feminino,
escolhidos aleatoriamente, estudantes da rede
particular de ensino do Rio de Janeiro. Os sujeitos da
amostra compreendiam a faixa etária entre 15 e 17
anos e foram divididos em 3 grupos por preferência
de processamento hemisférico: hemisférico direito,
hemisférico esquerdo e bi-hemisférico e ainda sendo
submetidos a um teste isométrico de força dos
músculos flexores do antebraço.
Instrumentos
Os instrumentos utilizados para operacionalização da pesquisa objetivam a identificação da
preferência de processamento hemisférico e o
quantitativo de força dos participantes do estudo. Para
isso foi utilizado o teste de CLEM para a hemisfericidade e o transdutor de força AP100 A–CE
acoplado ao Biopac Systems realizado nos músculos
flexores do antebraço para aferir força.
Teste de Clem
O teste de CLEM (movimento conjugado
lateral dos olhos) é correlacionado por parâmetros
científicos com índices altamente significativos,
comparados aos resultados obtidos através da
eletroencefalografia e a tomografia por emissão de
prótons [10], cujo objetivo é detectar as tendências
de preferência de processamento hemisférico.
Alguns cuidados na aplicação do teste devem
ser tomados, como, por exemplo, aplicá-lo quando
o indivíduo apresentar condições físicas, mentais e
emocionais adequadas aos procedimentos e objetivo
da testagem, evitando desta forma distúrbios visuais,
auditivos e patologias que indisponham o organismo
à testagem e que possam prejudicar a realização das
tarefas mentais solicitadas.
O presente teste foi aplicado com o indivíduo
sentado em uma cadeira a dois metros de distância
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da filmadora, estando este cercado por uma cortina
preta que tem o principal objetivo de isolar o
participante dentro da cabine das influências do meio
externo. Foi reproduzida uma fita de áudio, com
questões pertinentes à natureza de cada hemisfério,
sendo cinco perguntas analíticas e cinco espaciais.
A reação contra-lateral dos olhos foi registrada
pela filmadora e analisada durante o processamento
de sua resposta.
Os resultados foram aferidos através das
imagens registradas na fita de vídeo, assinalando
também o movimento conjugado dos olhos nas fichas
contendo as figuras, do tipo: ¨Face de relógio¨(anexo
V), conforme Borg (1983), citado por Fairweather e
Sidaway [10]. Posteriormente foi feita uma análise
entre os registros das imagens e dos cartões para
garantir a fidedignidade dos resultados.
A cabine de teste, como já descrita, tem uma
dimensão de 2m² fechada por uma cortina, contendo
uma mesa e uma cadeira, uma câmera filmadora VHS,
modelo Sansung, uma cartolina branca, medindo 30
cm X 10 cm e um questionário contendo perguntas
relativas a processamentos pertinentes ao hemisfério
direito e esquerdo.
Teste de força
Para se determinar a força isométrica máxima
destes músculos foi utilizado um transdutor de força
M -100A–CE fixado a uma base rígida (por meio
de uma corrente), situação a qual permitia um perfeito
equilíbrio na execução da força máxima. O outro
lado do transdutor foi fixado também, através de
uma corrente, a uma barra reta ou a uma manopla
padrão utilizada em salas de musculação. O transdutor
foi conectado ao equipamento Biopac systems.
Teste de força isométrica máxima dos flexores
do ante-braço
Para a realização do teste de força o indivíduo
foi posicionado em decúbito dorsal sobre um colchão
metrado no chão com os dois joelhos estendidos,
estando o comprimento da corrente ajustado para
permitir que o cotovelo do indivíduo estivesse numa
posição de 90º determinado por meio de um
goniômetro. Nas execuções a manopla foi utilizada e
o indivíduo foi colocado numa posição em que a sua
cabeça ficasse voltada para a base fixa do transdutor e
a pegada utilizada foi a do tipo supino para evitar a
contração do tríceps braquial. Ao comando, o
indivíduo tinha que realizar a flexão do cotovelo o
máximo que pudesse durante 5 segundos, puxando
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17
a manopla presa a base fixa, realizando assim, uma
contração isométrica dos flexores do antebraço.
Teste de força isométrica máxima dos
extensores da perna
Para a realização do teste de força dos membros
inferiores, o atleta foi colocado na posição sentada,
de maneira que seus pés não pudessem encostar no
chão. O comprimento da corrente foi ajustado para
permitir que o joelho do indivíduo ficasse numa
posição de 90º, determinado através de um
goniômetro. Ao ouvir o comando, o atleta tinha que
realizar extensão do joelho o máximo que pudesse,
puxando a corrente presa por uma cinta ao tornozelo
e também presa à base fixa, realizando assim, uma
contração isométrica dos extensores da perna.
Procedimentos
Após a aplicação do teste de CLEM, o grupo
foi divido em três, por preferência de processamentos
hemisféricos distintos, ou seja, bi-hemisféricos (BH),
hemisféricos direitos (HD) e hemisféricos esquerdos
(HE). Posteriormente, os indivíduos foram testados
para se verificar a quantidade de força máxima na
execução da flexão do antebraço e extensão de perna
em ambos os membros, para isso foi utilizado o
transdutor de força acoplado ao equipamento MP
100A –CE do Biopac Systems.
Os testes de base foram realizados de forma
individual em ordem randômica relativas aos
participantes de cada grupo, a ordem dos testes foi o
teste de CLEM, a seguir o teste de força com o
transdutor de força acoplado ao equipamento M 100A
-CE do Biopac Systems.
Tratamento estatístico
Os dados oriundos dos testes acima
mencionados foram estudados através de estatística
descritiva e inferencial. Na descritiva foram utilizadas
a média e o desvio padrão, enquanto que na inferencial
optou-se por uma Análise de Variância (ANOVA)
para os dados relativos aos membros superiores e
outra, em relação aos membros inferiores como
descrito nos procedimentos. Em ambos os casos foi
previsto um teste posterior para identificação de
possíveis diferenças entre hemisférios dos grupos
testados. O ponto referencial para os testes das
hipóteses foi de alpha < a 0,05. Dados que não
corresponderam ao comportamento normal, não
foram incluídos nos testes.
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&
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Tabela 1 - Dados médios e desvios-padrão dos grupos nos testes de força e os respectivos resultados das ANOVAS
realizadas associativamente aos membros superiores e inferiores.
Grupos
Hemisfério direito
Hemisfério esquerdo
Bi-hemisféricos
Escores MS
Média
1,68
0,59
1,65
DP
4,92
8,05
1,8
Escores MI
Média
-1,948
-3,718
-3,136
DP
9,5
12,71
10,35
Resultados
Referências
Para apresentação das médias e desvios-padrão
nos testes de força em ambas dimensões (membros
inferiores e superiores), foi utilizada a Tabela 1.
Considerando-se a não significância em
diferenças entre os grupos, não foi necessária a
utilização dos testes posteriores previstos.
Em conclusão, portanto, os eventos relacionados
à produção de força parecem não ter uma relação
exclusiva com o hemisfério esquerdo como foi
hipoteticamente proposto. As análises de variância
feitas tanto para os membros superiores, quanto
para os inferiores não revelaram significância
estatística que pudesse indicar a superioridade de um
hemisfério sobre o outro na produção de força
isométrica. Porém o estudo indicou uma relação
positiva com o hemisfério de preferência de
processamento, em cada tipo hemisférico, fato que
torna este resultado um valioso indicativo à
possibilidade de que a hemisfericidade diagnosticada
em um indivíduo possa servir como instrumento para
se identificar membros corporais potencialmente
mais fortes para desportos afins.
1.
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18
Dados Anova
Dados membros superiores
F (2,21)0,756 = 0,482;p>0,05
Dados membros inferiores
F(2,21)0,054=0,947; p>0,05
Bear MF, Connors BW, Paradiso MA. Neurociências.
Desvendando o sistema nervoso. Coordenação de
Tradução: Jorge Alberto Quillfeldt, et al. Porto Alegre:
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ação & movimento - março/abril 2004;1(1)
ARTIGO ORIGINAL
Obstáculos à contribuição da biomecânica na
prática da descoberta de talentos esportivos
Obstacles to the contribution of biomechanics
in search of sport talents
Luiz Alberto Batista*, Flávio Chame**
* Doutor em Ciências do Desporto, Professor do Programa de Pós-Graduação do IEFD/UERJ nas disciplinas Método Científico e
Biomecânica, **Mestrando em Ciências do Desporto do IEFD/UERJ, Professor Auxiliar do IEFD/UERJ
na disciplina Treinamento Desportivo
Resumo
A detecção, seleção, evolução e consumação de talentos esportivos é uma prática comum e freqüente no âmbito do esporte
de rendimento. Acreditamos que os conhecimentos de Biomecânica possam ser utilizados para contribuir com a consistência
cientifica de tal processo. Partindo dessa motivação o presente ensaio expõe e examina o conceito de talento esportivo, pondera
acerca do necessário grau de especificidade relacionado ao tema e desenvolve considerações sobre sua complexidade, a qual decorre
da combinação de múltiplos fatores determinantes. São apresentados diferentes tipos de detecção de talentos, e dentre eles é
apontado aquele que consideramos ser o mais profícuo. Finalmente é visto de que maneira a Biomecânica pode contribuir e os
constrangimentos que dificultam a efetivação dessa colaboração na prática.
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Palavras-chave: talentos esportivos, seleção, evolução.
Abstract
The discovery, selection, evolution and con­summation of sportive talents are common and frequent practices at the
sphere of high-level sports. We believe that Biomechanics knowledge can be used to contribute towards the scientific consistence
of that process. The main object of this essay is to show and examine the concept of sportive talents; ponder about the necessary
degree of speci­ficity related to the theme; and develop considerations concern its complexity. It is shown different ways to detect
talents, and, among them, it is pointed out the one which we con­sider as being the more profitable. Finally, it is shown how
Biomechanics can contribute and the constraints that make difficult to achieve the expected results.
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Key-words: sport talents, selection, evolution.
Artigo recebido em 20 de março de 2004; aceito em 15 de abril de 2004.
Endereço para correspondência: Luiz Alberto Batista, UERJ, Programa de Pós-Graduação do IEFD/UERJ, Rua São
Francisco Xavier 524, 12o andar, bloco A 12016, 20000-000 Maracanã, Rio de Janeiro RJ, (21) 2587-7535
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Introdução
O talento
Em diferentes campos de atividade humana
como, por exemplo, as artes cênicas, a música e os
esportes, freqüentemente deparamo-nos com o uso
da expressão talento, que carreia em si noções como
“aptidão natural, ou habilidade adquirida” [1]. No
geral, ela é utilizada para designar elevada capacidade
individual de realização.
O talento, em termos concretos, é resultado da
interação entre aptidão natural e habilidade adquirida.
Visto desta forma ele depende de fatores individuais
intrínsecos ou endógenos, os quais estão intimamente
ligados à aptidão natural, e de fatores externos ou
exógenos ao individuo, que vão influenciar na
qualidade das habilidades adquiridas. Além disso,
assim como está relacionado com capacidade
individual, o talento também incorpora a idéia de uma
vinculação delimitada, seja a uma área, ou atividade,
ou tarefa, o que nos leva a discuti-lo em termos de
seu grau de especificidade.
No âmbito da educação física e dos esportes, o
termo talento, pela noção implícita em sua essência
conceptual, está intimamente vinculado à perspectiva
do alto rendimento esportivo, visto este último como
meta final de um processo geralmente de médio a
longo prazo.
O trabalho de identificação de talentos esportivos,
por exemplo, é de fundamental importância para o
melhor desenvolvimento de esportes competitivos, pois
o desenvolvimento de jovens atletas significa também
a consolidação de uma massa critica relativa ao setor.
Assim o é, tendo em vista o fato de que o indivíduo
apresentará uma melhor evolução de suas habilidades
desportivas se for encaminhado às práticas para as quais
apresentem potencial [2].
Portanto, neste contexto, a expressão talento é
utilizada tendo em conta a possibilidade evidente da
imediata obtenção de elevados resultados esportivos
ou a suposta capacidade para obtê-los, sendo que
nessa segunda perspectiva faz-se uma estimativa com
base em indicadores possíveis de serem identificados
quando o praticante ainda está nos estágios iniciais de
envolvimento com a prática desportiva.
O esporte de competição é um contexto no qual
se faz necessário o alto rendimento, “...uma área especial
no qual se revelam e comparam unificadamente as
possibilidades humanas (forças físicas, espirituais e a
habilidade de utilizá-las de maneira racional)” [3]. Esse
alto rendimento não pode ser alcançado por qualquer
indivíduo, pois é preciso estar apto para tal desen-
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20
volvimento. Diante disto é compreensível que a
referência a talento seja freqüentemente utilizada no
universo do esporte de competição.
Orientados por estas razões, é possível
diferenciarmos o talento desenvolvido ou consumado,
vinculado a uma modalidade ou disciplina desportiva,
do talento potencial, ou seja, o suposto talento,
prenunciado pela presença de critérios subjetivos, ou
objetivos, ou ambos e ainda inespecífico, por estar
em sua forma latente, posição reforçada, em certa
medida, por alguns autores.
A posição de alguns autores reforça, de certo
modo, as colocações acima aludidas.
Segundo Nadori [4], talento é uma faculdade
ou um grupo de faculdades de certas especificidades,
notavelmente superiores à medida que, sem
obstáculos, devem manifestar-se e que resultam da
interrelação de fatores endógenos e exógenos. Para
Beyer [5], a idéia do talento está vinculada a expressões
como: habilidades otimamente desenvolvidas; atitudes
motoras que podem ser detectadas cedo; experiência
de movimento incluindo alta diferenciação; maestria
de movimento; potencial acima da média para realizar
façanhas atléticas; pré-requisitos específicos para um
tipo de esportes combinados com fatores
psicológicos que habilitam o indivíduo para executar
excelentes performances. Thieb [2], a sua vez, explica
que talentoso é o jovem que apresenta um alto grau
de probabilidade para progredir no treinamento de
uma determinada modalidade, conseguindo atingir
estágios elevados de proficiência.
Marques [6] esclarece que “...um talento é um
indivíduo com determinadas características biopsíquicosociais que, perante determinadas condições,
deixa antever, com segurança, a possibilidade de
obtenção de elevados rendimentos...”.
Para além do item precocidade, advém do
exame dos conceitos de talento desportivo a idéia de
que o mesmo é resultado da ótima combinação de
aspectos diversos, dentre os quais podemos citar os
culturais, os antropológicos, os biomecânicos, os
familiares, os comportamentais ou psicológicos e
motores. A prática da plena descoberta de talento
desportivo, principalmente nos casos de talento
latente, é, portanto complexa. Ela exige a atenção
simultânea e interagente aos vários fatores que
implicam em sua existência, e é preciso não perder
de vista o fato de que ela não finda com a mera
detecção inicial.
Caracteriza-se como sendo uma tarefa que exige
um processo longitudinal organizado e calcado em
bases metodológicas que possibilitem a evolução do
talento latente até que o mesmo se configure e até
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ação & movimento - março/abril 2004;1(1)
que o possamos identificar em sua for ma
manifesta –, o que chamamos de talento consumado.
Para que o processo proporcione resultados
positivos, no fluxo de eventos que compõem a
descoberta de talento desportivo, sucedem-se a
detecção, a seleção, a evolução e a consumação do
talento para uma modalidade desportiva.
Em função do caráter altamente genérico
presente na fase latente, a detecção e seleção devem
ocorrer em uma fase na qual predomine a prática
desportiva variada, ou seja, quando o indivíduo, em
exame, está imerso em um universo prático
multivariado e rico em experiências motoras, sociais,
psicológicas, fisiológicas e outras. Nesta mesma fase,
tendo passado o instante da detecção e seleção
propriamente dita, deve iniciar-se o processo de
evolução do talento. É importante perceber que nesta
fase é intenso o desenvolvimento global do indivíduo,
sendo necessário, a todo o momento, verificar se tem
em conta o equilíbrio entre desenvolvimento e
aprendizado.
À medida que o indivíduo vai avançando, a
prática vai sendo lapidada, consolida-se uma
particularização e o processo culmina nas subseqüentes
etapas de evolução do talento. Nesta seqüência,
chegamos ao instante em que o trabalho deve ser
desenvolvido no contexto de uma determinada
modalidade ou disciplina desportiva. Neste fluxo de
eventos, necessariamente, tem que ser identificada uma
progressiva especialização esportiva.
Em um curso de eventos assim configurado, a
descoberta de talento ocorre com maior segurança,
respeitando, simultaneamente, a lógica do
aperfeiçoamento desportivo imprescindível à
evolução do talento potencial.
Tipos de detecção
Partindo desta reflexão pedagógica e tendo em
conta o fato da evolução de um indivíduo talentoso
ser resultado de um processo que ocorre a longo
prazo, é possível distinguir três momentos e,
conseqüentemente, três formas diferentes em que a
descoberta de talento pode ocorrer, a saber:
descoberta prognóstica, descoberta tardia ou ex post
facto e descoberta como processo.
A descoberta prognóstica é aquela que ocorre
precocemente e se baseia na idéia de que é possível
fazer previsões a partir de valores obtidos em idade
precoce. Pelo seu caráter de precocidade este tipo de
descoberta de talento viabiliza ampla intervenção
sobre os fatores relacionados à otimização da
evolução do talento.
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21
A descoberta tardia ou ex post facto é aquela
que ocorre em momento próximo ao limite final do
processo de evolução do talento, quando várias
características que poderiam ter sido trabalhadas
através de estratégias pedagógicas já se consolidaram.
Devido ser tardia, ela implica menor poder de
intervenção positiva sobre fatores relativos a
otimização da evolução do talento, pois trabalha com
quadros mais próximos do definitivo. Esta
delimitação será tanto mais restritiva quanto mais
tardia ocorrer à detecção.
A descoberta como processo é aquela que
ocorre precocemente e continua acontecendo no
decurso da evolução do talento. Sua principal
característica é a possibilidade de serem arquitetadas estratégias pedagógicas no sentido de
melhor encaminhar a progressão evolutiva do
quadro como um todo e, com isso, obter a consolidação das habilidades especificas, inerentes a
especificidade do momento. Tal encaminhamento torna viável a reorientação periódica do
processo por inter médio de uma ampla
inter venção sobre os fatores relacionados à
otimização da evolução do talento.
Destas breves considerações acerca da prática
da descoberta do talento desportivo emerge a
complexidade de tal evento. Por isto, independente
de qual seja a forma de seleção em curso, somos
levados a elevar a importância da posse de
conhecimentos que desvelem de maneira clara a maior
quantidade possível de aspectos multifacetados que
compõem o talento e sua evolução.
Sendo assim, é possível examinar a possibilidade
de aplicação de um determinado conjunto de
conhecimentos ao trabalho de descoberta de talentos
esportivos a partir de uma dentre as três diferentes
formas acima apresentadas. No entanto, Marques nos
alerta quanto aos riscos presentes na escolha de talentos
para uma especialidade, em função do fraco valor
preditivo de resultados iniciais e em virtude da
precocidade que envolve a ação. É muito arriscado
antecipar, de forma restritiva e definitiva, como uma
criança estará, por exemplo, dez anos depois. São
incontáveis as variáveis em foco.
Concordamos com tal ponto de vista e por isto
é nossa opinião que a descoberta de talentos
esportivos mais segura é aquela que se efetiva no
decorrer de um processo, no qual tal evento vai
acontecendo em estágios consecutivos e o indivíduo
vai sendo orientado em direção ao seu possível melhor
campo de atuação; ou seja, na descoberta de talentos
vista como um processo. Tendo em vista o fato de
confederarmos este modelo como mais adequado,
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ação & movimento - março/abril 2004;1(1)
resolvemos analisar a questão da aplicação da
biomecânica pela ótica que ele determina.
Não temos dúvidas de que a biomecânica é um
dentre os vários ramos das ciências do esporte que
podem colaborar com o processo de descoberta de
talentos esportivos. No entanto, para entendermos
como se dá esta aplicação, é fundamental, em primeiro
lugar, estimar que tipo de contribuição efetiva ela pode
prestar e, para isso, é preciso não perder de vista que
possuir proficiência na prática de um esporte qualquer
significa ser proficiente, também, na execução de
movimentos corporais específicos, ou seja, em técnicas
motoras relativas às modalidades esportivas em foco.
Técnicas motoras
Como se sabe, técnica, de um modo geral, “... é
o modo de fazer de forma mais hábil, mais segura,
mais perfeita algum tipo de atividade, arte ou
ofício...”[7].
No que diz respeito à motricidade do ser
humano, referimo-nos a técnica tomando-a como o
equivalente à habilidade motora [8], a qual apresentase concreta e visivelmente a nós por intermédio das
figuras cinemáticas, possíveis de serem vistas no ato
da execução prática e que são resultantes da
movimentação combinada dos diversos segmentos
corpóreos, ou, dito de outra forma, por cadeias
biocinemáticas [9].
Diante deste conceito vê-se que a presença
da técnica motora pode ser identificada em
diferentes situações. Escrever, abrir uma porta,
tocar piano, pintar um quadro, guiar um
automóvel, subir em um ônibus, comer, respirar,
erguer uma carga do solo e acariciar a pessoa
amada. São alguns dos infinitos exemplos em que
o ato motor é utilizado para realizar uma tarefa,
muito embora na maioria dos casos não seja ele a
totalidade do ato. Em certa medida, para cada uma
destas situações é possível falar da presença de uma
técnica motora adequada, ou seja, uma
configuração motórica que viabiliza a melhor
forma de alcançar o objetivo pretendido.
Evidentemente, como já aludimos
anteriormente, não pretendemos reduzir estas
realizações unicamente ao contexto motor. Tocar
verdadeiramente um instrumento, por exemplo,
depende de muitos outros elementos para além do
ato motor, pois não é esta uma ação puramente
mecânica. O que afirmamos, com certeza, é que um
comportamento motor adequado é um fator que,
aliado a outros tais como os de ordem cognitiva e
psíquica, vai contribuir de forma significativa para a
Artigo 04 - Luis Alberto.pmd
22
boa execução de um instrumento musical, o que
também é verdade para outros tipos de realizações.
Em se tratando de pedagogia do esporte, a
perspectiva de professores é que seus alunos consigam
expressar, após terem vivenciado um certo tempo
de exercitação, formas motrizes pertencentes ao
conjunto tipológico das técnicas motoras. Para isso,
buscam trabalhar especificamente com as formas de
movimento que possibilitem o melhor cumprimento
de tarefas motoras impostas pelas práticas esportivas.
Estas técnicas identificam-se com aves, tais como: o
toque no voleibol, o chute no futebol, o drive no
tênis de mesa, o salto sobre o cavalo na ginástica
olímpica, o salto ornamental e o salto ejambée na
ginástica rítmica esportiva.
Por tudo isso é correto dizer que a expressão
técnica motora tipifica “...um método motor...” utilizado
“...para resolver uma tarefa motora, ou, mais
exatamente, para alcançar um objetivo motor...”[10].
Especificamente no nosso caso, ela nomeia uma
seqüência especifica de movimentos usados na resolução
de tarefas motoras em situações de esporte [11].
Quando observamos um aluno realizando um
nado no estilo crawl – atentos a fase de recuperação
dos membros superiores – e constatamos que ele
arrasta a mão sobre a água ou recupera o segmento
corporal de forma baixa e muito lateralizada,
afirmamos que ele está contrariando a execução
técnica de movimento. Este julgamento é baseado
no fato da expressão motora em observação estar
em desacordo com aquela que certamente levaria a
resultados mais próximos dos melhores esperados
para aquele tipo de atividade. Geralmente, no caso
da natação, o que se quer é cobrir uma distância prédefinida no menor espaço de tempo possível.
No primeiro caso há desperdício de energia,
enquanto que no segundo há a quebra do alinhamento
lateral [12].
Somente somos capazes de exprimir esta
opinião, ou seja, de dizer que o gesto motor realizado
não está de acordo com a melhor movimentação
prevista, porque temos na memória a configuração
da técnica motora correta para este caso. Temos a
posse mental daquilo que Jürgen Weineck chamou
de “...um modelo técnico ideal típico...”[13].
Há, entretanto, que se tomar cuidado e atentar
para a carga de significado incorporada na palavra ideal
utilizada pelo citado autor. A cobrança da perfeição na
execução de uma técnica motora esportiva não precisa
ser levada ao extremo, pois há que se respeitar um
certo grau de individualidade para cada executante.
Donskoi [14], ao tratar do tema padronização
e individualização da técnica motora esportiva, propõe
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que a técnica motórica seja vista segundo dois tipos
diferentes de modelos. Um que admite tolerâncias
consideráveis da execução e outro, muito preciso,
segundo o qual estas diferenças devem ser insignificantes.
Segundo este ponto de vista, a tentativa de
desenvolver um modelo do segundo tipo, ou seja,
um modelo extremamente inflexível, significa tentar
fazer a técnica igual para todo e qualquer tipo de
praticante. Por outro lado, o investimento sobre o
modelo que admite alguma flutuação leva-nos a
conhecer e respeitar a variabilidade da técnica relativa
a adaptação individual. Neste caso, deve ser tomado
o cuidado de que nenhuma regra por exemplo
biomecânica fundamental seja transgredida.
O autor complementa dizendo que
“...individualização consiste em pôr a técnica em
concordância com as particularidades do...” praticante,
“... para garantir uma alta efetividade dos esforços. A
individualização é obtida mediante o reflexo das
capacidades positivas dos desportistas na técnica...” [1].
No caso do processo de descoberta de talentos
a situação é muito mais complexa, pois não interessa
somente saber o quanto a execução de momento está
distante do modelo ideal típico. É muito mais
importante reconhecer no aluno se ele tem em forma
latente os elementos necessários para um dia, no
futuro, executar o melhor gesto técnico daquela
modalidade esportiva ou, até mesmo, de outra que
não se encontra em foco no momento. O que se
espera identificar, no caso dos indivíduos talentosos,
são expressões motoras que indiquem suas melhores
potencialidades, de forma que seja possível estruturar
a orientação para uma progressiva e racional
caminhada a especialização.
Como vimos há alguns parágrafos, estas técnicas
se manifestam por intermédio de indicadores
cinemáticos os quais, juntamente com os dinâmicos,
são amplamente estudados no campo da biomecânica.
A Biomecânica
Os autores e especialistas concordam que entre
as diferentes tarefas da Biomecânica a mais forte talvez
seja aquela que diz respeito ao estudo de técnicas
motoras. Tendo em vista esta competência, que pode
ser definida como uma marca registrada desse ramo
das ciências do esporte, uma das possibilidades é que
ela atue como coadjuvante no processo de detecção
de talentos voltando-se, especificamente, ao
acompanhamento da evolução da técnica motora do
desportista em formação.
Já se pode perceber que este campo de
conhecimento vai atender a alguns poucos dos muitos
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23
aspectos do mosaico factual que é a descoberta de
talentos e, por isso, de antemão, podemos descartar
por completo a possibilidade da biomecânica em si
mesma, em qualquer momento, constituir a totalidade
de um processo de descoberta de talento. Não é
producente acreditar que um ramo da ciência,
qualquer um, vai fazer mais do que aquilo que sua
delimitação epistemológica viabiliza.
Com base nestas considerações, explorar a
relação entre biomecânica e técnica motora parece
ser um bom ponto de partida.
Hochmuth[15], Hegedus[l6], Hay[17],
Whired[18], Baumann[19] e Esparza[20] são alguns
dos autores que estabelecem esta relação. Em linhas
gerais eles argumentam que a biomecânica tem como
uma de suas principais tarefas a investigação da
técnica esportiva. Explicam que durante os anos em
que tal trabalho tem se desenvolvido foram
elaboradas muitas técnicas de pesquisa e que muitos
conhecimentos acerca da mecânica contida nas
habilidades motoras esportivas foram elaborados,
várias alterações foram introduzidas no ambiente
da prática esportiva, equipamentos esportivos foram
produzidos e muitas lesões induzidas pela prática
esportiva foram compreendidas e puderam ser
evitadas pelo uso de estratégias preventivas.
Ao analisar mos a produção mundial em
biomecânica do esporte, entre 1986 e 1996,
constatamos que os autores não estão equivocados.
No período examinado a técnica motora esportiva
foi o objeto de estudo de mais de 50% das
investigações realizadas”.
Do ponto de vista de uma epistemologia histórica,
estes fatos são de fundamental importância, pois, quanto
mais se investiga um determinado fenômeno ou
objeto, mais apuradas se tornam as técnicas utilizadas
para fazê­lo. Por isto, podemos dizer que a biomecânica
do esporte tem depurado sua capacidade de, no
mínimo, examinar e descrever as técnicas motoras
esportivas, o que lhe proporciona uma grande
capacidade de elaborar conhecimentos acerca delas.
Em decorrência destes achados é possível que
se estabeleça uma analogia conclusiva. Como a
biomecânica tem se mostrado cada vez mais qualificada para fazer considerações científicas acerca da
técnica motora esportiva, e tendo em vista o fato de
que o trabalho de detecção de talento pode ser
profundamente enriquecido através de uma
compreensão mais apurada das técnicas motoras em
foco, é lógico supor que a biomecânica é fundamental
para o processo de detecção de talentos.
Muito embora haja um certo grau de verdade
contido nesta analogia, ela deve ser vista com certo
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cuidado, pois há uma diferença fundamental entre o
fato da biomecânica poder ser útil ao processo de
detecção de talentos e o dela estar pronta para sê-lo.
As dificuldades de aplicação
A biomecânica, infelizmente, não produziu
conhecimento significativo a ser utilizado no processo
de detecção de talento, muito embora, como já
dissemos, já seja possível, no atual estado da arte de
tal campo do conhecimento científico, fazê-lo.
Esta inadequação pode ser claramente percebida
através do exame de umas poucas situações.
Tendo em conta que, quanto mais cedo tivermos
a preocupação em orientar o desenvolvimento de
talentos, maiores serão as possibilidades de sucesso
na empreitada, é coerente pensar que a criança será
uma clientela fundamental nesse tipo de trabalho.
Quando falamos em criança é preciso não
perder de vista o fato que nos depararemos com
mudanças no padrão de movimento com a
progressão do tempo. É importante ver que
“...algumas dessas mudanças vão ocorrer em função
do crescimento e desenvolvimento natural do corpo
humano e que outras são aprendidas por intermédio
da prática...” [21]. Também é importante notar que o
gesto motor de um aprendiz em tenra idade está
distante, em termos de qualidade cinemática, da
técnica final pretendida.
No que tange à aplicação da biomecânica, dita
do esporte, no contexto do processo de descoberta
de talentos, a característica de mutabilidade progressiva
e contínua na técnica motora é a chave e ao mesmo
tempo um dos grandes problemas.
Dizemos que é a chave, pois ela nos informa
que o processo em foco deve ser entendido como
uma seqüência de eventos mutáveis e que as mudanças
no comportamento motor do indivíduo, no que diz
respeito à execução de alguma tarefa motora
esportiva, não ocorrem abruptamente. O próximo
gesto, após a primeira execução, certamente ainda
manterá diferenças importantes quando comparado
com o modelo ideal típico previsto.
Nestes casos, o que mais aflige ao administrador
do processo e o desconhecimento do gesto que virá
a seguir. Desta forma, seria importante que a
biomecânica fornecesse informações adequadas à
solução desta inquietação. A apresentação dos
fenômenos inerentes ao processo, para estarem de
acordo com as características mencionadas e serem
informações úteis, deveriam apresentar o que
chamamos de eventos seqüenciais. Em outras
palavras, deveriam esclarecer não a técnica, como um
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24
comportamento pontual final, mas apresentar os
vários gestos de execução motora que irão se
sucedendo desde as primeiras tentativas até a aquisição
mais próxima ao modelo ideal típico.
Exatamente neste ponto é que a característica de
mutabilidade passa a ser o grande problema, pois as
pessoas que têm atuado no campo da investigação
biomecânica não têm se preocupado em gerar este
tipo de conhecimento. As técnicas motoras investigadas
são aquelas apresentadas pelos atletas de alto rendimento.
Acreditamos que este problema poderia ser
minimizado com a geração de modelos informativos.
Denominamos modelo informativo aquele que
propomos para ser utilizado por professores no
processo de ensino de habilidades motoras
desportivas. O nome traduz exatamente o propósito
que esperamos que ele cumpra, ou seja, o de fornecer
ao professor o maior número possível de
informações acerca da biomecânica envolvida na
técnica desportiva objetivada.
Com base nos resultados de nosso trabalho de
investigação sobre o tema [9], somos levados a propor
que o modelo a ser utilizado nos processos de
descoberta de talentos contenha características daquele
que Donskoi tipificou como standard, porque aceitálo como tal significa determinar as bases “...técnicas
que devem manter-se iguais para todos na etapa
contemporânea. Neste caso, obrigatoriamente se
prevê a tolerância das flutuações de adaptação
individuais...”[14].
Não obstante aceitarmos esta característica de
generalização como sendo uma particularidade
necessária, entendemos que o modelo deva ultrapassá-la, apresentando-se como um descritor do
formato de habilidades motoras especificas do
esporte, do metamorfismo contínuo típico do
decurso de um processo o qual, como já aludimos,
envolve ao mesmo tempo aprendizado, crescimento
e desenvolvimento.
Cumprido estes requisitos o modelo poderá ser
utilizado com o propósito de balizar os caminhos a
serem seguidos no trabalho de encaminhamento dos
candidatos à mudança de estado de execução de
habilidades motoras.
Precisar uma configuração de modelo que
atenda ao trabalho de administração do processo de
descoberta de talentos não é o suficiente. Antes de
podermos utilizar este modelo é preciso que ele esteja
disponível, e isso, como já dissemos, constitui um
grande problema no estado da arte da modelação
em biomecânica, pois não existe um repertório de
modelos quantitativa e qualitativamente suficientes
para atender aos propósitos apresentados.
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No entanto, os fatos nos mostram que a
biomecânica tem elaborado modelos que não
atendem a estas perspectivas por diferentes motivos.
Os métodos e procedimentos de investigação
utilizados não são adequados à construção das
informações adequadas; as técnicas motoras
investigadas têm sido demasiadamente fragmentadas,
o que faz com que a complexidade real que cerca o
fenômeno em estudo não apareça nas descrições; a
evolução das habilidades motoras, do ponto de vista
de uma abordagem desenvolvimentista, tem sido
pouco estudada; a grande maioria dos poucos
modelos disponíveis apresenta quadros motores
consolidados de atletas de alto rendimento.
Conclusão
Com certeza o campo de investigação da
biomecânica reúne muitas das condições necessárias
à geração de conhecimentos que podem efetivamente
ser aplicados nos processos de detecção de talentos
esportivos. Uma delas, talvez a mais aparente, é a
capacidade de trabalhar com o objeto técnica motora
esportiva. Porém, também temos a certeza de que o
atual estado da arte deste campo de conhecimento
dificulta em muito esta aplicação.
No entanto, isto não constitui um severo
impedimento por sabermos que é possível atuar
ativamente no contexto da produção de
conhecimento, de forma a elaborarmos informações
adequadas tais como os modelos informativos.
Entendemos que esta produção não pode ser
completada em um curto espaço de tempo, pois a
demanda por informações é muito grande e
diversificada. Por outro lado, é importante que o
processo seja deflagrado e que seja instituída uma nova
lógica de produção em biomecânica, a qual, neste
caso especifico, estará voltada para a melhora do
repertório técnico-científico a ser utilizado nos
processo de detecção de talentos esportivos.
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Referências
20.
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ARTIGO ORIGINAL
Um significado filosófico de qualidade
de vida na educação física e esportes
Philosophical meaning of quality of life
in physical education and sports
Heron Beresford*
*Universidade Castelo Branco, Centro de Ciências Humanas, Programa de Pós-graduação Strictu Sensu em Ciência da
Motricidade Humana- UCB-RJ
Resumo
O presente ensaio apresenta uma reflexão filosófica acerca da expressão “qualidade de vida”, na educação física e esporte.
Para operacionalizar tal reflexão, são apresentadas, primeiramente, algumas considerações iniciais sobre o significado axiológico
e ontológico dos termos “qualidade” de “vida”. Posteriormente é apresentado um significado: axiológico do termo qualidade,
ou o valor como qualidade estrutural; ontológico do termo qualidade, ou as qualidades empíricas dos seres ou objetos do
conhecimento, e de ente/ôntico e existencial do termo de vida, corpo e corporeidade. Na conclusão é apresentada uma possibilidade
de inserção da expressão “qualidade de vida” no contexto da educação física e esportes.
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Palavras-chave: qualidade, vida, axiológico, ontológico, existencial.
Abstract
This essay presents a philosophical reflection on the expression “quality of life”, in physical education and sports. To start
it, the first thing aims at presenting some initial considerations about the axiologic and ontologic meaning of the expression
“quality of life”. Then, significance is presented: the axiology of the word quality or value as a structural quality; the ontology of
the word quality or the empirical qualities of the beings or objects of knowledge; plus the ente/ontic and “corporeity”. The
conclusion presents the possibility of the introjection of the expression “quality of life” into the context of physical education
and sports.
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Key-words: quality, life, axiologic, ontologic, existential.
Artigo recebido em 10 de fevereiro de 2004; aceito em 15 de abril de 2004
Endereço para correspondência: Heron Beresford, Universidade Castelo Branco, Centro de Ciências Humanas, Programa
de Pós-graduação Stricto Sensu em Ciência da Motricidade Humana – UCB-RJ, Av. Santa Cruz 1631, 21710250
Realengo- RJ, Brasil
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Introdução
Atualmente a expressão “qualidade de vida” tem
sido muito utilizada no contexto de diferentes áreas
do conhecimento humano. Se observarmos com
atenção tal expressão veremos que o significado da
mesma gira em torno de uma análise e interpretação
de seus dois termos essenciais, ou seja, qualidade e vida.
Todavia, pode-se perguntar: a) – o que é
qualidade? ; b) – há diferentes tipos de qualidade? ;
c) – se há, a que tipo de qualidade estamos nos
referindo?; d) – onde encontrá-las?; e finalmente,
e) – o que se entende por vida?
O significado de qualidade de vida, no contexto
de educação física e esportes, pode ser abordado
através de diferentes perspectivas e, sem dúvida, todas
elas muito importantes para que obtenhamos uma
compreensão e explicação a mais ampla possível
sobre o tema em questão. Sem desmerecer outras
interpretações possíveis, este artigo objetiva, em
termos gerais, enfocar o tema da qualidade de vida
numa visão eminentemente filosófica.
Para consecução de tal objetivo, são
estabelecidos os alvos específicos de:
- Apresentar uma reflexão sobre o significado
axiológico e ontológico do termo qualidade;
- Expor uma visão sobre o significado existencial
do termo vida e;
- Inserir esses significados dos termos qualidade
e vida no contexto da educação física e esportes.
Uma reflexão sobre o significado axiológico e
ontológico do termo qualidade
O termo qualidade tem sido utilizado, via de
regra, como uma categoria essencial para se
caracterizar ou distinguir muitas teorias, como, por
exemplo, a da “qualidade total”. Como não poderia
ser diferente, nas teorias relativas ao movimento
humano, este fato também tem ocorrido com
freqüência e na grande maioria das vezes, associado
ao termo de vida.
Entretanto, torna-se indispensável que sejam
encontradas algumas referências básicas, para que
possam ser respondidas as perguntas colocadas na
introdução deste trabalho, ou seja:
- O que é qualidade?
- Existem diferentes tipos de qualidade?
- Se existem, a que tipo de qualidade estamos
nos referindo?
- Onde encontrá-las?
Tais indagações podem ser elucidadas, entre outras
teorias, no âmbito da axiologia ou teoria dos valores, e
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também da ontologia estrito senso ou da teoria dos
objetos, através de uma rápida retrospectiva em torno
de alguma questão relacionada com o tema do conhecimento humano, e das problemáticas da gnoseologia
e/ou epistemologia, mais especificamente com as
questões relacionadas com a origem e essência de tal
conhecimento, onde é possível se esclarecer a relação
entre o sujeito cognoscente e o objetivo cognoscível.
Um significado axiológico do termo qualidade
ou o valor como qualidade estrutural
Frondizi [1] define os valores como sendo uma
qualidade estrutural através das seguintes palavras textuais:
“A nosso juízo, a irrealidade do valor deve ser
interpretada como uma qualidade estrutural. Uma
estrutura não equivale a soma de suas partes, ainda
que dependa dos membros que a constituem, tais
membros não são homogêneos. A estrutura não é
abstrata, como são os concertos, senão concreta
individual. Uma orquestra sinfônica é um claro exemplo
de estrutura. Se se interpreta a irrealidade do valor como
qualidade estrutural se explica o seu caráter,
aparentemente contraditório de depender das
qualidades empíricas em que se apóia, porém, ao
mesmo tempo, não poder reduzir-se a tais qualidades”.
Por tudo isso, Frondizi [1] lembra que não
devemos confundir o valor com uma estrutura e sim
considerá-lo com uma qualidade estrutural que surge
da reação ou da relação de um sujeito frente às
propriedades ou às qualidades que se encontram num
objeto. E mais, que essa reação ou relação não ocorre
de forma indeterminada ou no vazio, mas sim numa
situação física e humana determinada.
Portanto a referida situação ou a instância onde
o valor, ou a qualidade axiológica, é conectado às
qualidades empíricas do objeto cognoscível, qualidades
ontológicas, deve ser considerada como um fato
essencial e não simplesmente acessório. Isso porque
tal conexão afeta direta e simultaneamente ambos os
seus integrantes, por conseguinte, o estabelecimento
e a manutenção estrutural, ou de significado, dessa
indispensável e indissolúvel relação entre o sujeito e o
objeto do conhecimento.
Um significado ontológico do termo qualidade
ou as qualidades empíricas dos seres ou
objetos do conhecimento
As qualidades empíricas são relativas aos objetos
físicos ou concretos do conhecimento, que por isso
mesmo são também consideradas como ontológicas:
estrito senso falando, dividem-se, de acordo com suas
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propriedades ou características, em primárias e/ou
secundárias.
As qualidades empíricas ou ontológicas primárias
são aquelas indispensáveis para caracterizarem a
existência concreta de todo e qualquer objeto físico,
sejam estes naturais ou culturais. Estas qualidades são,
basicamente, a extensão em três dimensões, a
impenetrabilidade, e a massa.
Já as qualidades empíricas ou ontológicas
secundárias recebem esta denominação porque não
são comuns a todos os objetos físicos e que por isso
mesmo caracterizam apenas alguns deles. Entre outras
dessas qualidades podem ser citadas: a cor, o sabor,
o cheiro, o sexo e a força.
Um significado de ente/ôntico e existencial do
termo de vida, e também dos termos corpo e
corporeidade
O termo “ente”, com o significado de ser,
provém, respectivamente, da tradução das palavras,
on do grego e ens do latim, assim como também de
siende e sein do alemão.
Também o termo “ente” é utilizado como
tradução da expressão grega to on e da expressão
alemã das seiend, que corresponde ao particípio
presente, função adjetiva, do verbo ser. É por este
motivo que o termo “ente” aparece na filosofia de
Heidegger [2], para designar “o ser que existe” ou “o
ser em concreto”. Desta forma, passa-se a chamar o
ser que existe em sua realidade concreta também pela
dominação de “ente”.
É interessante registrar que na filosofia
Heideggeriana, que corresponde à fase conhecida
como a do primeiro Heidegger, da sua obra “ser e
tempo”. O “ente” ou o das Seiend, a que ele se reporta, é
um ente que corresponde exclusivamente à existência
concreta do ser humano, ou em outras palavras, do
homem em sua existencialidade como um caminho de
acesso ao ser e ao tempo, e que, por seu caráter de
totalidade, se distingue dos demais “entes” existentes na
realidade concreta como, pedras, árvores, animais etc.
Com relação ao termo “ôntico”, que tem sua
origem no termo grego on, ontos significando “o
ser” “aquilo que é”, segue-se na mesma linha do
pensamento Heideggeriano a respeito do termo
“ente”, na medida em que a palavra “ôntico” foi
criada por Heidegger para designar o Dasein ou
“o ser ai”, em sua existência concreta, para distinguilo do ser “ontológico”, que diz respeito ao ser
em geral.
Resumindo estas considerações sobre a ontologia
ou a ciência que estuda o ser, pode-se dizer que o
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adjetivo extraído do ser em geral, ou metafísico, é
conhecido por “ontológico”. Enquanto que o
adjetivo sugado do ser em particular, ou do “ente”
existente com concreto, é denominado por “ôntico”.
Nessa mesma linha do pensamento fenomenológico, de Heidegger, que pode ser considerada como
Transubjetiva, situam-se também as teorias do ser,
de Ortega y Gasset [3] e de Merleau-Ponty [4].
Ortega y Gasset [3] não se refere ao ser como
uma instância repleta de todas as possibilidades do
ser, ou seja, onde tudo é ou pode ser. Pelo contrário,
para ele, tais possibilidades e realidades são baseadas
na plenitude concreta e radical da vida do homem,
onde, no desenrolar de tal vivência ou existência, o
ser é pelo homem nela inserido.
Por outro lado, para Ortega y Gasset [3], a razão,
assim como também a vida, não pode ser
compreendida simplesmente, como uma função física
e abstrata, pois ambos os termos, razão e vida, se
intercomplementam numa expressão por ele
denominada de razão vital ou no Raciovitalismo. O
sentido ou significado de tal expressão deve ser
interpretado que a vida ou o viver do homem é um
comprometer-se com a inteligência e situando-se como
uma realidade radical e como um processo sucessivo
e infinito de autopreencher ou autocompletar, e que,
portanto, não pode ser reduzido ao ser.
Já na “fenomenologia da percepção” [4] surge
a noção ôntica de corporeidade, ou seja, que o
homem por meio do corpo assume sua presença e
lugar na história. Pois para ele, o corpo não é somente
o veículo do ser humano no mundo é seu princípio
estruturante, mas também a condição estruturante da
existência humana. Noutras palavras, nós não estamos
no mundo diante do nosso corpo, estamos no nosso
corpo, ou melhor, nós somos o nosso corpo.
Assim como Ortega y Gasset [3] para quem
a razão e a vida não podem ser vistas somente na
sua dimensão física e abstrata, Merlau-Ponty [4] diz
o mesmo com relação ao corpo do homem ou à
sua corporeidade.
Para Merlau-Ponty [4], portanto, o corpo
humano, ou do ser do homem, também não pode
apenas ser percebido como um ser físico e abstrato,
o que seria a “coisificação” do mesmo, e nem
tampouco como um objeto abstrato ou ideal no
sentido platônico e cartesiano da palavra, ou da
possibilidade de conhecimento dedutivo do mesmo.
Merleau-Ponty [4] apregoa que o corpo humano tem
que ser percebido, fenomenologicamente falando,
como um ser significante e como fonte de sentido,
não de um animal natural, com certeza, mas sim, de
um ser cultural em que possa tornar, ou desenvolver
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esse ser do homem num ser humano através de um
viver ortegano e, até mesmo, num sobreviver ou do
viver num sobre-mundo que é o mundo da cultura e
no mundo dos valores.
Por outro lado, pode-se considerar que essa
fenomenologia existencialista transubjetiva de
Heidegger, Ortega y Gasset e Merleau Ponty
[2,3,4], opõe-se à fenomenologia transubjetiva
de N. Hartman construída na esteira de Husserl
e Scheler.
O critério de tal oposição ou diferenciação, é
que a fenomenologia existencialista, transubjetiva,
coloca o dasein, a vida e a Corporeidade como sendo
anterior ou a priori ao conhecimento do Ser. Enquanto
que a fenomenologia transubjetiva parte do
conhecimento a priori e material do ser para poder
se compreender o homem, a vida e o mundo.
Referências
Conclusão
Concluímos este artigo manifestando o desejo
de que esta reflexão filosófica possa ser considerada,
por muitos pesquisadores interessados pelo tema de
qualidade de vida, como relevante para a área da
educação física e desportos.
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Isso porque, a qualidade de vida do ser do
homem e do seu corpo humano em movimento,
precisa ser compreendida não só numa perspectiva
biológica, muitas vezes “coisificados” por
explicações físicas ou matemáticas pouco abrangentes das qualidades primárias e secundárias deste
objeto de estudo, mas também como corporeidade/
motricidade dotada de significado, ou como fonte
de sentido estrutural de uma qualidade de vida e
existência ôntica em constante estado de carência,
privação ou vacuidade, gerando necessidade
completamente diferentes dos demais Seres da
natureza que fazem com que o Ser do Homem
viva ou se movimente não num mundo natural e
sim num sobre-mundo que é o mundo da cultura
e dos valores.
29
1.
2.
3.
4.
Frondizi R. Que son los valores? 10a Ed. México: Fondo
de cultura económica, 1991.19 p.
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Ernildo Stein. 4. ed. São Paulo: Nova Cultura, 1987.
Ortega y Gasset J. Obras Completas. V.II. Madrid:
Alianza, 1947.
Merleau-Ponty M. Fenomenologie de la perception.
Paris: Gallimard, 1964. ♦
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ARTIGO ORIGINAL
Desporto e humanismo: o campo do possível
Sport and humanism: the possible ground
Jorge Olímpio Bento*
* Professor Catedrático da Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto
Resumo
Conferência cujo tema apresentado foi “Deporte e Humanismo en Clave de Futuro”. Trata-se de uma reflexão filosófica,
axiológica, cultural e poética, que vai as raias da sensibilidade. Dividido em seis pontos. O primeiro – ‘Da vida e da sensibilidade” –
aborda uma visão ontológica do cotidiano do desporto nos estádios, as utopias e herotopias, onde acaba a natureza e começa a
condição humana. O segundo ponto – “Das origens e das razões” – relata passagens e se ocupa da origem do desporto na Grécia
até a Revolução Industrial e das razões religiosas, poéticas e filosóficas, ou seja, das razões culturais como utopia do corpo belo.
O terceiro ponto – “Da razão Cultural” – trata do desporto como oportunidade para instalar no corpo a razão do espírito. O
quarto ponto – “Dimensão ética e estética” – analisa as diferentes formas de exercitação corporal, nos diferentes cenários civilizacionais.
O quinto ponto – ‘Da conjuntura atual“ – oferece uma visão crítica sobre a intelectualidade que se recusa a entender o desporto
como realização e expressão cultural. E, finalmente, chegamos a conclusão. O sexto ponto é um convite e um desafio do possível
no aprimoramento do homem”.
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Palavras-chave: vida, expressão cultural, aprimoramento do homem.
Abstract
This article was introduced in a conference with the topic “The sport and humanism in the future”. It is a philosophical,
axiological, cultural and poetical reflexion, which reaches the limit of sensitivity. It is divided in six points. The first one – “About
life and the sensibility” –, presents an ontological vision of daily sport in the stadiums, the utopias and the heterotopias, where
nature finishes and begins the human condition. The second point – “About origins and the reasons” – , reports the origins of the
sport in Greece until the Industrial Revolution, the religious, poetical and philosophical reasons, that is, the utopia of the body
beauty. The third point – “About the cultural reason” –, comments about the oportunity of installing into the body the spirit
reason. The fourth –”Ethical and aesthetic dimension” –, analyzes different kinds of physical exercises in several civilized universes.
The fifth point – “ About the present conjucture”, presents a critical vision about intellectuality which refuses to include/understand
the sport as an accomplishment and cultural expression. Finally, the sixth point, it is an invitation and a challenge in man´s
improvement.
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Key-words: life, cultural expression, man´s improvement.
Artigo recebido em 20 de março de 2004; aceito em 15 de abril de 2004.
Endereço para correspondência: Jorge Olímpico Bento, Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da
Universidade do Porto, Rua Dr. Plácido Costa 91, 4200-450 Porto, Portugal, E-mail: [email protected]
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Introdução
Não sei bem o que se espera de uma conferência
de encerramento de um congresso dedicado ao tema
“Deporte e Humanismo en Clave de Futuro”. Talvez
esperem alguns que, em nome do seu conceito de
humanismo, eu me torne eco da aspereza das críticas
que constantemente são formuladas contra o desporto.
E que, por via disto, o atire para o caixote do lixo das
coisas humana e culturalmente desprezíveis.
Esperarão outros porventura que eu cumpra
o papel de um praticante extremamente fervoroso
da ciência e que, estribado nesta fé, venha aqui desfiar
um rosário de razões científicas contra ou a favor
do desporto.
Posso garantir, desde já, que uns e outros se
sentirão defraudados e desiludidos. Porquanto, as razões
que me movem são essencialmente de natureza filosófica, axiológica, cultural e – por que não dizê-lo? –
poética. Se preferirem, são da ordem da sensibilidade.
E a esta que procurarei dar voz nas minhas palavras.
E para me justificar atrevo-me a pedir auxílio,
desde já, a Karl Popper: “Pessoalmente julgo que existe
pelo menos um poema... que interessa a todos os
homens que pensam: o problema de compreender o
mundo, nós mesmos e o nosso conhecimento
enquanto parte do mundo”.
É também este empreendimento que me
ocupa no momento presente e é dele que vos quero
dar testemunho.
Da vida e da sensibilidade
Quando me perguntam por que é que vou ao
estádio, o que é que me atrai a um desafio de futebol,
confesso que fico extremamente embaraçado. Não
pela simplicidade da pergunta, pertinente e legítima,
mas, sobretudo, pela complexidade da resposta.
Sinto-me a procura de algo que me foge por
entre os dedos, sem, no entanto, saber defini-lo
concretamente. Sei bem que o mundo é hoje feito de
ciência e tecnologia. E que, por via disto, abundam
nele fórmulas e palavras exatas, cheias de sentido e
razão, mas vazias de sensações e sentimentos. Como
se fossem algarismos digitalizados, imunes ao frio e
ao calor, à alegria e à dor, à duvida e à incerteza.
Mas faltam aventuras para viver e histórias para
contar. Emoções e paixões para exultar e repartir. E
tão carecidos estamos delas! Há, pois, que as recriar
por toda a parte.
Vejo o estádio e o jogo como um dos poucos
locais e momentos que, neste mascarado quotidiano,
nos proporcionam um encontro simples com a nossa
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humanidade, debilidade e humildade. Faço minhas
as palavras e as razões de Miguel Torga, produzidas
noutro contexto, para retorquir aos pensadores,
críticos, homens da ciência, das letras e da cultura que,
na ansiada escondem a vacuidade da sua presunção,
cultivam distanciamento e até exibem um ar de
desdém em relação ao cenário desportivo e aqueles
que o freqüentam: “Intelectualizados da cabeça aos
pés, mal tocam a realidade. São platônicos no amor,
teóricos no desporto, metafísicos no convívio. A
consciência de serem únicos distancia-os do vulgo,
tornando-os incapazes de um contato permanente
com as forças rasteiras da natureza”.
No estádio dou comigo, de quando em vez, a
pensar e a interrogar-me acerca da substância genuína
que está para além das formas que revestem a vida e
o homem. Como me chegar a ela, passando por cima
das barreiras que se atravessam nos caminhos da
existência? E tendo a concordar plenamente com Yves
Simon: “As existências não são feitas de diamantes
nem de pedras raras, mas da terra e dos calhaus, dos
rochedos, do vento..., das línguas intraduzíveis, dos
sentimentos disfarçados, já sem fôlego”.
Claro que me preocupa tanta coisa que acontece
ao redor do estádio, no decurso de um desafio de
futebol. E por isto tento perscrutar e interpretar os
coros de gestos e gritos, de insultos e assobios que
são uma constante no desporto. Seria fácil assumir o
papel de moralista e condená-los, mas não o faço.
Procuro antes, com a lupa das idéias e palavras,
descobrir onde se encontram os possíveis e os
impossíveis da existência. As continuidades e fraturas.
As utopias e heterotopias. Quero saber a que corpos
de iceberg pertencem as cabeças visíveis; ir além da
casca que envolve a realidade da vida das pessoas, e
penetrar nos seus dramas e contradições. E apesar de
possuir parâmetros e inteligência para observar e
entender, não consigo um resultado satisfatório para
tão árduo e ingrato trabalho. O lugar de responder é
ocupado pelo perguntar: Onde acaba a natureza e
começa a condição humana? Quais são as forças que
interessa dominar e sublimar e aquelas que importa
manter e cultivar? Quais as fronteiras de compatibilização
entre a natureza humana e a educação e civilização? Após
a edificação de torres e catedrais na Idade Antiga e Média
e dos arranha-céus e lançamentos de satélites e foguetões
na idade contemporânea, o que é que o homem
continuará a fazer no seu destino de aprumação e
transcendência? Que valor real e simbólico pertence ao
estádio e ao desporto nesta trajetória?
À insuficiência das respostas contraponho a
teimosia em aceitar as fraquezas humanas e a
experiência de que os sonhos demoram a se
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concretizar. Exigem um longo tempo de espera e
persistência. Pelo que não me converto ao poder
impressionante da tecnologia – informática –, por
recear que a perfeição digital possa ser pervertida em
meio de desrealização da vida e de aumento da
pobreza de emoções e do sofrimento dos homens.
É preciso restabelecer a harmonia entre o
sentido e a sensação. Urge retomar o trabalho de
cultivo das sensações, de fabrico desta linguagem que
leva os homens a deixarem-se invadir pela imaginação
e pelo desejo estético de correr e brincar sobre a terra,
de elevar o seu corpo e espírito para além dela. Para
o céu pleno e azul, quase transparente. Mesmo
sabendo que há pessoas para quem o infinito é
irremediavelmente cinzento.
É pela estética das emoções, dos sentimentos,
dos princípios, das imagens, das atitudes, dos
comportamentos, do entusiasmo e da admiração, em
suma, da própria vida, que vou ao estádio.
É por isto e por tanta coisa indizível que eu adoro
o desporto! Este modo de perceber e sentir que os anos
nos mudam, sem nos mudarem. Porque nos tornam
sempre próximos da infância, da adolescência e da
juventude, mesmo que longínquas e perdidas na
memória. Porque nos faz viver intensa e instintivamente
o mundo em que vamos mergulhando, sem cuidarmos
de comprometimentos ou defasamentos dele. E, assim,
vamos envelhecendo lenta e tardiamente, contrariando
as forças que se opõem à liberdade de realização da
nossa vida, resistindo à perda gradual dos nossos
poderes e conservando a irreverência que nos permite
alternar o sagrado e o profano, o protocolar e o
informal, a educação e a falta dela.
É um remédio contra o sofrimento do
anonimato tentar criar à nossa volta um espaço maior
do que o do nosso corpo e do nosso viver quotidiano.
Que nos ajuda a imaginar estados que já há muito
deixamos ou que não lograremos alcançar. Que nos
alimenta a convicção de não sucumbirmos ao tempo
e de brandirmos contra ele a posse de um certificado
de juventude; de o dobrarmos e domesticarmos nas
rugosidades e deformações que provoca. Uma ilusão
de termos fechada a porta de saída e de mantermos
a flutuar a pedra do destino.
O seu forte não é ensinar-nos a elaborar
reflexões ou formulações complexas, lapidares e
definitivas sobre o mundo e a vida, sobre a
contemporaneidade e a futuridade. É modesto... Ficase pela filosofia de Epicuro, agarrada ao gosto e a
arte do savoir vivre, apostada em embelezar, enriquecer
e glorificar o presente, por preferir um pouco de
reconhecimento em vida aos panegíricos a título
póstumo. Por isto com ele navegamos a olho, no hoje
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e no agora, descrentes de que o futuro tenha coisas
melhores e mais belas para viver e receosos de que
este possa acabar no instante imediato, no momento,
na hora, na noite ou no dia que se seguem.
Mas nos permite avançar pela vida afora com
olhos de criança, cheios de curiosidade e sentimento,
alargando-os até caberem neles todas as criações da
imaginação e todos os caminhos que conduzem às
estrelas. Sim, porque no desporto aprendemos a subir,
a cortar os cordiais papagaios de papel e a ir até às
estrelas mais brilhantes, que por isto me dói tanto a
pequenez da crença e do investimento no seu papel!
Se este desporto tivesse voz – e tanta quanta a
que lhe vai na alma – diria coisas admiráveis para
sonhar, agradáveis para ouvir, contagiantes para fazer
e empolgantes para contar.
Falaria de si como instrumento de demopedia, de
aprimoramento do homem como pessoa livre e
criadora e de aperfeiçoamento dos povos, dos
cidadãos, da cidade, da sociedade, da democracia.
Como pedagogia do otimismo humano, da modéstia
e da humildade, das pequenas grandes coisas, do
pouco a pouco, do passo a passo, do renascimento e
crescimento permanentes, da renovação do que se
gasta, da ocupação contínua do nosso lugar no
Universo. Como pedagogia criacionista da liberdade do
corpo e da espiritualização das suas forças, atitudes e
comportamentos. Da edificação do Eu moral.
Recitaria versos extensos e generosos em
estímulos, desafios, mensagens e ideais, convidando
à superação, à transcendência e à afirmação individual
no quadro mais lato da exaltação da humanidade. A
fazer de todo “menos” um “mais”, em cada dia da
nossa existência. A celebrar o humano, o belo, o estético
e o ético. Para configurar o rascunho, o esboço e o
projeto do homem atleta que mora dentro de nós.
E, se tivéssemos vontade e disponibilidade para
o seguir por ruas e vielas, pátios e recreios, campos,
ginásios e piscinas, vê-lo-íamos a distribuir sonho e
ousadia aos adolescentes e segurança aos adultos. E a
semear em idosos e deficientes – heróis de todos os
dias, horas e minutos – a esperança de levar o presente
o mais possível para o futuro.
Veríamos crianças a exibirem nódoas, contusões
e arranhões com orgulho, como troféus e provas do
seu empenhamento sério e da satisfação de necessidades narcisistas próprias da idade. E a meterem gols
na baliza do medo, a nadarem no mar do receio, a
saltar as fasquias da timidez, a caírem nos bravos do
riso, da confiança, do otimismo e do entusiasmo. A
quererem voar alto, correr veloz e fintar a realidade,
para terem direito a nome e cara nos jornais, nas rádios
e na televisão.
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Nele entra em cena a representação do
extraordinário e do dramático. Das possibilidades
humanas conduzidas até o limite. Da realização do
desabituai, contra as restrições de tipo físico, cultural e
social. Da criação a partir da falta. Da necessidade feita
liberdade. Do peso feito vôo. Do obstáculo feito
impulso. Do perigo feito tentação. Da dificuldade feita
gosto. Do cenário coletivo feito aventura individual.
Este desporto dá voz ao suor e deixa à retórica
poucas possibilidades de parasitar a vida. Tem metas
e objetivos que vêm do fundo dos tempos. Leva
pessoas a dedicar-lhe uma parte significativa da sua
vida, a cumprir nele destinos de altruísmo e
solidariedade, a ser nele corredores de uma maratona
que não tem ponto de partida, nem de chegada.
Eu sei que é difícil vê-lo. Não tem mídia a
ocupar-se dele. É assunto demasiado sério e humano
para caber nas bandas do utilitário e servir a estratégias
de audiência e venda. Mas anda por aí, independentemente de haver ou não olhos para o ver e
sensibilidade para o entender. É um romântico de
carne e osso, sangue e oxigênio. E feito por homens
e faz os homens menos arqueados, mais direitos,
menos soturnos, mais alegres e transparentes, de
coração mais potente, de passadas mais amplas e de
abraços mais fortes e apertados.
Este desporto existe por ser necessidade do
homem e da sua aspiração a uma mais perfeita
condição humana. Mesmo que não conste na ementa
de prioridades políticas, o seu lugar é central na vida
e na vontade de viver. Não pode o homem prescindir
dele, já que não consegue sobreviver fora da sua
destinação ética. Está aí, porque a escola e a família
não chegam para fazer o Homem. Precisa de voz
para cumprir cabalmente a sua função, para chegar a
todos os locais e a todas as pessoas. Para renovar a
educação e encher de alegria os dias, rios, praias e
montanhas da nossa vida. Para se mostrar em novas
formas de prática, de organização e associativismo
em todas as idades.
E gostaria de ser respeitado. Sobre ele escrevemse livros e tratados, elaboram-se ensaios e dissertações,
organizam-se simpósios, conferências e congressos,
redigem-se e aprovam-se numerosas proclamações
de orientações e princípios, de normativos e valores.
Ocupa muitos milhares de estudiosos e de instituições
cientificas que, em todo o mundo, procuram esclarecêlo a luz dos mais diversos saberes: desde os mais
gerais, como a filosofia, a sociologia e a antropologia,
passando pelos setoriais como a pedagogia, a
fisiologia e a psicologia, até aos mais específicos,
como a biomecânica e a metodologia do treino
desportivo, etc.
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E será sempre um fenômeno inesgotável, a
espreita do nosso conhecimento e compreensão. Não
se dá bem, por isso, com a ignorância dos atrevidos
que tudo sabem sem nada terem estudado, que sobre
tudo opinam sem estarem informados, que tudo
querem determinar sem nada conhecerem, que nele
querem dirigir e mandar sem nada compreenderem,
que ousam falar da sua política sem dele terem idéias.
Basta ser assaltado!
Das origens e das razões
Mas... de onde vem esse desporto? O que é que
levou os nossos antepassados dos tempos primitivos
a exercitarem habilidades motoras: culto, dança, caça,
luta pela sobrevivência, alegria de viver?
E, na Antiguidade Grega, qual a razão da existência
de Jogos em Olímpia já no ano 764 a.C., isto é, desde
há mais de 2.700 anos até o século IV d.C. ?
E os romanos, mesmo não tendo dado
continuidade aos jogos helênicos, por que é que
cultivaram o exercício físico?
E, na Idade Média, por que é que cavaleiros e
camponeses, burgueses e carrejões se exercitavam em
jogos e torneios?
E, mais tarde, por que a ginástica terá surgido
apenas devido ao fato de o corpo se ter apresentado
como um problema funcional para a sociedade?
E o moderno desporto terá bebido a razão
da sua configuração e expansão apenas na
Revolução Industrial?
O que é que está por detrás do exercitarão, do
treino e da competição? O que é que leva as pessoas
ao desconforto da transpiração, do esforço e do
cansaço, a dor da contração muscular, ao sabor
amargo do débito de oxigênio e do dispêndio de
energias, ao susto do bater do coração, as tensões,
dúvidas e agruras da mobilização das forças e da
vontade na procura de rendimento?
Tenho procurado uma razão cientifica para a
existência do desporto, quer na sua forma atual, quer
em formas anteriores, e não a encontro. Nem vejo
que o ato desportivo seja necessário à existência do
homem e da humanidade. Não brota, pois, da razão
da necessidade, nem pode ser justificado por razões
orgânicas ou biológicas.
O desporto há de ter certamente razões
imanentes aos sentidos e horizontes de resposta as
necessidades que o ditaram. Razões religiosas,
poéticas, filosóficas, ou seja, razões culturais. Em suma,
por ser uma prática exclusiva dos humanos, e como
tal um ato ditado não por leis naturais ou instintos,
mas pela vontade, é expressão e símbolo da aspiração
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do homem que almeja ser livre, transcender-se,
superar-se, emancipar-se e libertar-se dos ditames da
sua natureza. É exemplo do modo como os homens
conseguem configurar e concretizar a razão da
liberdade à luz de padrões culturais, éticos e morais.
Na simplicidade, diversidade e mutabilidade das
suas formas, conteúdos e cenários, os jogos e os
desportos, tanto os do passado como os do presente,
revelam parâmetros norteadores da realização da vida
humana; mostram, em toda a sua nudez e
transparência, os esforços empreendidos na conquista
de um estilo de vida sempre mais humano.
A tese de Ortega y Gasset (da “origem
desportiva do estado”) tal como o postulado de
Schiller (“o homem só é verdadeiramente homem
quando joga...”) são maneiras de dizer que os jogos
fazem os homens.
Quando o homem roubou dos deuses o
privilégio do jogo conferiu simultaneamente uma
forma superior a sua vida: o sentido do divino e do
sublime, da festa e da ultrapassagem da sua reificação
utilitária e servil. O homem libertou a sua vida das
bandas da luta pela sobrevivência e passou a orientála por uma consciência de horizontes mais latos. A
razão da liberdade sobrepunha-se a razão da
necessidade. Começava aí propriamente a vida
humana. Via-se finalmente o homem e a sua condição
a emergirem do animal e da sua natureza.
Pressinto nos jogos gregos a vontade do homem
ordenar o caos lúdico e motor. Vejo neles plantada a
utopia do corpo belo, do corpo ético e estético.
Pintado em vasos e ânforas, com o sentido da
harmonia, da medida justa e do principio aristotélico
da ação correta. Criado na repulsa do corpo bárbaro,
cruel, horrendo, medonho, grosso, possessivo e
assassino, o corpo do homem livre era culto, era atleta.
De onde se infere bem que o desporto, desde
os seus primórdios, filiou-se na preocupação de
esculpir o homem, de instituir na carne, no sangue,
nos ossos e músculos do seu corpo toda uma filosofia
de vida. Assim haja olhos, inteligência, vontade e
humildade para ver, entender e reconhecer. Assim,
haja sensibilidade para descortinar quanta beleza,
quanta mensagem, quanta humanidade estão
codificadas num artefato tão simples!
Da razão cultural
A cultura é a vocação do homem [1], e é também a
sua condição. É nela que o homem cumpre o destino
da transcendência e espiritualização: redimir-se do
animal, sagrar-se de humanidade, respeitando a
incoercível lei da liberdade e da sua libertação.
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Assim é igualmente no desporto. O seu lema
é o da vida e da sua metafísica, convidando o
homem a alcandorar-se ao horizonte da dignidade
máxima, a não dilapidar a existência no chão raso
da dignidade mínima.
Filiado ao mito prometeico e na matriz judaicocristã, inspiradores da nossa cultura, o desporto
apresenta-se como um campo de desempenhos
transbiológicos, situados para além dos imperativos
do quotidiano. Um campo de demonstração da
extraordinária capacidade do homem e do seu corpo,
de que o homem também se cumpre, (e tem que
cumprir!) através de prestações corporais. De que o
corpo oferece um palco privilegiado para enfrentar
o desafio da excelência. Para perseguir a utopia de
tornar possível o impossível.
O desporto é um excesso do corpo, sem que o
espírito seja despromovido. É o corpo que é
promovido, que transcende a realidade carnal e animal
e atinge a dimensão espiritual e humana, indo até onde
é possível e tornando-se assim espírito encarnado. Tratase de libertar o homem dos ditames de um corpo
inculto, inábil e bruto; de dobrar a sua resistência, de
torná-lo ágil, espiritual e moral; de alargar o corpo
instrumental e o protocorpo motor em corpo de
símbolos e sentidos.
Eis, pois, o desporto como oportunidade para
instalar no corpo a razão do espírito, para submeter
à animalidade da nossa natureza a racionalidade –
moral, cultural, ética e/ou estética da condição
humana. Pelos princípios, valores e objetivos, pelos
métodos, regras e conhecimentos que regem o
exercício, o treino e a competição, o desporto é um
ato fundante do Ser do Homem.
Prática de registro e acrescento de humanidade,
de configuração mundana do homem, o desporto
encena exemplarmente a razão cultural de fazer o homem.
O homem das forças e fraquezas, das dignidades e
indignidades; o homem “arqueado” de Kant ou o
“ser intermédio” de Aristóteles, a ascender ao sol da
virtude, saindo da penumbra dos defeitos, sob o
primado da cultura.
Como a música, a arte, a literatura, a ciência enfim,
a pluralidade de formas de ascensão do homem –, o
desporto é agente cultural da proletária condição humana, é
um ato de civilização, de moral e de urbanidade. É parte de
uma metafísica de referência para o sentido e a dignidade
do viver, para dar sentido transfinito à vida de um
ser finito que finito se sabe. É domínio de aplicação
de um código de objetivos, normas e valores,
imanentes a um ser que nos transcende, para nos
apresentar o horizonte e impor o dever da perfeição
como ponto convergente de todos nós.
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E se cada homem tem uma linha própria para
o seu aperfeiçoamento, o atleta é a imagem de um
ser que assume, com autenticidade, o projeto
ontológico-existencial em que mais perfeitamente se
realiza. É um homem que cumpre o destino do ser – o
da obrigação da perfeição possível – dentro das
particularidades e limites das suas condições existenciais
e das suas capacidades inatas. Como outro homem
qualquer transporta a cruz do seu aperfeiçoamento,
identificando-se com a perfeição que potencial e
circunstancialmente lhe é possível.
Claro está que este destino pode ou não ser
cumprido, aceito ou recusado, tender para o pólo do
infinito ou para o do nada. Mas isto não pode ser posto
na conta de responsabilidades do desporto. Como
objetivação cultural de valores o desporto é um esforço
de criação do homem, da inteligência do seu corpo, a
imagem e semelhança do absoluto da perfeição.
Neste sentido, os críticos da valia cultural do
desporto assemelham-se aqueles que falam de justiça
sem desejarem ser justos e sem nunca tê-la amado.
Ou aos críticos de pintura que são insensíveis às cores
e as formas.
Uns e outros não entendem que o drama do
desportista é o mesmo do poeta. A vida e o triunfo
não lhes são fáceis, nem dados de graça; acontecem contra
a amargura, a afronta e a incompreensão. Tal como o
descreve Alexandre O’Neil no poema dedicado ao
campeão de boxe Belarmino Fragoso (sic):
Tiveste jeito, como qualquer um de nós,
e forte campeão, como qualquer de nós.
Que é a poesia mais forte que o boxe, não me dizes?
Também na poesia não se janta nada, mas nem
por isso somos infelizes.
Campeões com jeito
e nossa vocação, nosso trejeito...
Esperam de l a 10 que a gente, Oxalá não se levante
e a gente levanta-se, pois pudera, sempre.
Mas do miudame levamos cada soco!
Achas que foi pouco?
Belarmino:
quando ao tapete nos levar a mofina,
tu ficarás sem murro,
eu ficarei sem rima,
pugilista e poeta, campeões com jeito
e amadores da ma vida.
Dimensão Ética e Estética
O desporto só o é por ser idealista, por perseguir
ideais justificados no contexto ético e cultural. Os
jogos e as outras formas de exercitação corporal,
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percursoras do desporto e praticadas nos diferentes
cenários civilizacionais, estão desde o seu início
vinculados a exigências e a valores morais. É antiga a
perspectiva de que não são meros exercícios físicos;
transportam em si cromossomas morais próprios.
Apesar de estas práticas terem se modificado no
decurso dos séculos, manteve-se sempre uma
continuidade da sua problematização moral, como
um bem cultural valioso que deve ser protegido pela
observância de princípios éticos.
Dito de outro modo, os exercícios físicos são atos
de configuração moral, exterior e interior do homem.
Porque a physis não pode crescer incondicionalmente;
requer a supervisão do logos moral [2].
Ser desportista é precisamente ser e ter caráter;
assumir-se como figura e modelo de moralidade em
ação no jogo e na competição.
Acresce que a matriz moral ascética e ética
implica a dimensão estética. O ideal do aperfeiçoamento
inclui o apelo que o desportista seja construtor de si
próprio. Pelo esforço e trabalho em si mesmo. Pela
tentativa de corresponder ao desejo de extrair de si o
máximo possível, de dar e querer o melhor de si, de
se superar e sobrelevar aos outros. Pelo uso legitimado
do corpo e pela expressão correta dos seus gestos e
do seu funcionamento.
O desporto é a oitava arte [3] onde pode cultivarse a beleza das formas de ação livres da pressão
utilitarista do quotidiano.
Feito pelos homens, o desporto está aí para nos
fazer. Para não nos deixar desidratar dos traços, das
emoções, das paixões e sentimentos desmedidos,
intensos e quentes que perfazem o homem. Para
confirmar o homem como um ser de horizontes
(Heidegger), capaz de, para além de si, estar ele ainda,
pelos seus sonhos, desafios e metas. Para convidar o
homem a olhar para si mesmo e escutar a exortação
de Pindaro, repetida por Goethe e Nietzsche: Sê quem
és! Sê o Ser que nunca se é! Sê o atleta que há dentro de cada
um de nos, à espera de ser revelado, de se soltar, exprimir e dar
o melhor de si!
Da conjuntura atual
O desporto contou sempre com críticos que o
entenderam de forma parcial e negativa, como algo
sem valor, separado da vida e da cultura e, por isto
mesmo, separado do homem. Sempre encontrou
intelectuais que se recusaram a entendê-lo como
realização e expressão cultural.
Muitas caricaturas grotescas se têm feito dele,
apresentando-o como símbolo do desmoronamento
da cultura. E, nos estádios e recintos desportivos onde
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há apenas espectadores alienados e atletas com corpos
disformes, encontrou-se sinais inequívocos de ausência
de valores culturais [4].
Mesmo o enaltecimento que Huizinga fez do
homo ludens era e é arremessado contra o desporto.
Acusando este de ter banalizado o jogo, de ter perdido
a sua dignidade e de não ter nada a ver com a cultura
do verdadeiro e real sentido que esta transporta.
Porém, do lado oposto não faltam argumentos,
firmados na tradição e na história da civilização
ocidental, a provar que o desporto faz parte da vida
cultural. Filósofos, poetas, artistas e pedagogos
renomados – da Antiguidade Grega até o presente –
viram sempre nele oportunidades e motivos de
criação artística, de renovação, elevação e formação
do homem. O discóbulo e o lançador de dardo, que
Míron (475 a.C.) e Policleto (440 a.C.) nos legaram,
expressam mais do que um corpo belo, harmonioso
e ágil. São corpos humanos sim, mas precisamente
por figurarem deuses criados pelo homem como
referências para a imortalização da vida dos mortais.
O atleta é, pois, um deus de carne e osso, erigido
em modelo de uma profunda educação humanista e
no nosso século é apresentado pelo poeta J. R. Becher
como símbolo do estilo de vida de uma nova
geração, na qual se consumará o sonho da unidade
de corpo e espírito.
Realmente se a cultura é aquilo que o homem
cria e acrescenta à natureza, como pôr em dúvida o
estatuto cultural do desporto, quando este é uma
prática de configuração mundana do homem? Como
desdenhar do estatuto cultural do desporto ou afirmar
que é uma cultura falsa se a verdadeira cultura é aquela
que nos permite dialogar com o nosso tempo? E o
desporto é um conjunto de sinais ilustradores do
modo como funciona o mundo a ele ligado. Cumpre
uma função de esclarecimento junto do homem alheio
a cultura oficial ou de elite. É pedra fundamental de
uma outra cultura, assentada sobre outros valores,
que este homem entende e que despertam nele a
apetência elementar a ser culto, ou seja, a interrogarse, a arrancar-se progressivamente da coisificação e
aceder a antologia.
O desporto é hoje, sem favor, um fenômeno
sociocultural de pleno direito. Mas, ao informar-se
cultural e socialmente, viu-se também transformado.
Isto é, os efeitos e as influências acontecem nos dois
sentidos, dando lugar a um processo de diluição da
estrutura clássica dos seus valores. Por isto, a afirmação
do seu estatuto cultural impõe reflexões na presente
conjuntura de transformações.
A qualidade e estética das formas, o sentido
lúdico, a tensão, o dramatismo, a dinâmica e o ritmo
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das realizações, a correção das ações, o caminho longo
da exercitação e do treino, a alegria na competência,
a procura de elevados rendimentos, o empenho nos
objetivos, à vontade e disponibilidade para o esforço –
estas dimensões culturais – são constituintes da idéia
do desporto. Mas não estarão em perigo quando o
desporto parece cindir-se numa pluralidade de
modelos, com alguns deles aparentemente
desvinculados daquela idéia tradicional?
Nenhum modelo de desporto dispensa uma
reflexão sobre esta problemática. Muito menos pode
dispensá-la o desporto profissional, sobretudo
porque deve gerar espetáculos capazes de
concorrerem com outras atividades culturais. O
interesse e o investimento econômico não poderão
limitar a qualidade cultural dos rendimentos
desportivos, até porque a idéia de profissão está
associadas às idéias de qualidade, exigência, rigor,
ética, de ontologia e clareza de princípios.
O desporto não pode abdicar de ser um campo
de criação de rendimentos, sob pena de se desvincular
da sua dimensão cultural, de resvalar para uma
brincadeira em tudo idêntica a de qualquer animal.
Os diferentes modelos de desporto
correspondem a motivos específicos da sua procura;
é, porém, falso vê-los em oposição neste domínio.
Em todos eles tem que haver orientação, alegria e
prazer no rendimento e na competência, como sinal
visível de que está a ser cumprida a sua incumbência
pedagógica e educativa.
Conclusão
O campo do possível
Não se nasce com alma. Nem tampouco com
corpo. De resto a arte da criação é ser incompleta e
imperfeita. Quando não, seria um ato de tirania, de
limitação da liberdade de ser e fazer.
O corpo é autobiográfico. E a alma também.
De um esboço de organismo humano – de um
protocorpo – vai emergindo pouco a pouco um
corpo a imagem da história da vida de cada um. E
por isto há tantas formas de corpo e modos de o
fazer. Dito de outra maneira, o corpo é plural,
concretiza a sua unidade essencial numa variedade de
modalidades da sua representação, correspondentes
à diversidade de circunstâncias de existir e viver.
O mesmo sucede com a alma, que é antes de
mais nada uma construção da vida, que desabrocha e
se ergue dentro de nós, se bem que impulsionada e
referenciada por aquilo que nos é extrínseco. E alguns
não são capazes desta construção.
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É paradoxal a alma. É feita do lastro pesado e
duro dos princípios e valores morais, dos normativos
e referenciais éticos e estéticos, dos sentimentos e das
emoções que nos amarram a vida e a tudo o que é
humano. Mas é também leve; e ela que permite ao
homem elevar-se, levantar vôo, levitar e suspenderse acima do nada, das conjunturas e das conveniências
momentâneas. É a alma que possibilita o Ser. Ser
Homem e Pessoa. Exibir dignidade, reclamar respeito e
assumir responsabilidade.
E assim a falta de alma e a mesquinhez. É a
indisponibilidade para exercitar ideais e para trilhar o
caminho do aperfeiçoamento humano. É a resignação
ao comodismo; a recusa da inquietação e do desassossego.
Ora, é precisamente da edificação do corpo e
da alma que o desporto trata. Esta desde a
Antigüidade Grega ligada a arte e a todas as formas
de criação. Voltado para o cultivo da beleza interior e
exterior, segundo as idéias de equilíbrio e harmonia
de Platão e de felicidade e ação correta de Aristóteles,
é feito por mãos ávidas de sublimar a força, a graça
e o encanto. Por pernas apostadas em transpor os
limites impostos a nossa natureza. Por homens e
mulheres orientados pela anulação da impossibilidade,
da sorte, do acaso e do destino, pela procura da
compensação, da transcendência e da superação. Não
é tanto um ato de expressão do que em nós abunda.
É, sobretudo, um ato de criação daquilo que em nós
falta. E nisto encena e concretiza, como em nenhum
outro palco de representação da vida, o sentido
genuíno da cultura.
O ato desportivo constrói e revela o homem
por dentro e por fora. À unilateralidade de outras
expressões da cultura corresponde o desporto com
a mobilização e com o empenho da totalidade da
pessoa. À configuração exterior dos ossos, músculos
e articulações associa-se a arquitetura interior da
consciência e da vontade. Cada um joga como é, no
corpo e na alma. Mais ainda, o controle dificilmente
encontra aqui aplicação. Porque nele predomina a
desmedida; corre-se e transpira-se mais do que seria
necessário. E é mais fácil aos atos do que as palavras
romper constrangimentos e trazer a superfície àquilo
que mora na escuridão dos sentimentos. Pelo que no
desporto ficam à vista tanto as virtuosidades como
as inabilidades, os feitos e os defeitos, as criações e as
deformações, o melhor e o pior da condição humana.
Mas será que continuam a merecer atenção no
desporto os ideais que ele é suposto a perseguir? A
pergunta é pertinente, porquanto o desporto se
assume como a forma predominante da cultura na
nossa época. Logo, como um dos meios mais
poderosos de modelar os corpos e as almas.
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O desporto não é imune ao envolvimento. Por
isto, nem tudo o que nele acontece suscita aprovação.
E assim a crise de credibilidade que o afeta traduz
uma desconfiança nos modelos de corpo e alma que
nele se praticam. Com efeito, medram hoje nele almas
e corpos aleijados, mancos e falhos de verticalidade e
de reta intenção. Proliferam nele criaturas disformes,
sem honorabilidade e sem alma e com corpo de
monstrengo medonho e grosso. Enquanto as almas
e os corpos configurados pelo ideal desportivo
assistem atônitos ao aumento, a arrogância, a má
consciência e a impunidade de figurões que se
afirmam pelos desvios deste caminho.
Há, pois, que acordar. Não acredito na utopia
do homem novo. Parafraseando Octavio Paz, o homem é o
inacabado, ainda que seja cabal em sua própria
inconclusa; e por isto faz poemas, cria metas,
princípios, imagens e ideais nos quais se realiza, sem
se acabar nunca de todo. Ou seja, o homem é um ser
inconcluso e a necessidade de o fazer e de todos os
tempos e lugares e por todos os meios.
Acredito, conseqüentemente, que o edifício mais
alto, o monumento mais proeminente e a estátua mais
bela é o ser humano. É o homem como pessoa. É
nesta construção que vale verdadeiramente a pena
investir e é ela que deve mobilizar os criadores e
arquitetos de vanguarda.
E acredito também que o desporto tem lugar
significativo neste empreendimento. Bem maior do
que aquele que lhe é reconhecido. Por ser um lugar da
revelação e da descoberta. Nele descobrimos que dentro
de nós moram possibilidades infinitas de sermos mais
e melhores e que as coisas grandes são as pequenas e
simples. E descobrimos também os outros e as
diferenças que nos marcam e for mam a
individualidade de cada um de nós; e que nisto somos
todos iguais.
No desporto todos têm lugar. Nós e os outros.
O reconhecimento e o respeito pelas diferenças. A
vivência é a aceitação natural da vitória e da derrota,
do sucesso e do insucesso.
Nele cultivam-se mais deveres e obrigações do
que direitos e permissões. Ouvimos falar de ética e
moral e aprendemos o seu significado e alcance.
Ser desportista é ser e ter alma, força e vontade
para renovar a vida de objetivos e sonhos ainda e
sempre por cumprir. Para driblar os facilitemos que
afastam da vida e do seu sentido. E ter o céu por limite!
Digamos tudo isto as nossas crianças e jovens.
Digamo-lhes que o desporto é uma terra dos vivos,
da alegria, da liberdade, da iniciativa e ousadia.
Digamo-lhes que o mundo é belo, que tem dias de
sol e noites de luar e que a vida é uma aventura
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fascinante quando moldada pela crença, pela afeição,
pelo amor e entusiasmo. Deixemo-los experimentar
que é assim. Que vale a pena participar na criação do
futuro: seu e da humanidade. Ajudemo-los a descobrir
e amar a terra, as coisas, as pessoas, os lugares. Só
assim encontrarão a vida.
E quanta é a vida que jorra no desporto! Nos
jogos e brincadeiras em que as crianças medem e
ganham habilidades e se libertam da dependência da
sua natureza; em que são desafiadas a exercitar-se, a
espiritualizar as forças físicas, a dobrar a sua inaptidão;
a conquistar a liberdade, o sentido da vida e a condição
humana também pelo aprimoramento do corpo; a
prolongar o corpo biológico em corpo cultural e
transcendente.
Quanta vida e cidadania inundam as crianças no
desporto! Porque nele cultivam a identidade e a
assunção progressiva de responsabilidade pelo seu
comportamento e pelo estilo de vida adotado, como
sinal de apreço reconhecimento pela vida oferecida.
Chamemos as crianças e os jovens para o
desporto, porquanto este encerra um confronto
simbólico com os problemas e dilemas humanos. Um
campo de aprendizagem e exercitação de formas
construtivas, autônomas e refletidas de lidar com
regras, de desdobrar a competência moral, de forjar
motivos e perspectivas de vida.
O que convida a valorizar cada vez mais o
desporto na escola, na família e na vida, sob pena de
abdicarmos de um modo vivo de educar, de respeitar
e realizar os direitos inalienáveis das crianças.
O caminho do desporto vai na direção do
homem e da vida, procurando tornar um e outra mais
humanos! Vai na direção descortinada pelo poeta
Eugenio de Andrade [5], na chegada e declínio de cada
dia, frente a sua casa, na Foz do rio Douro no Porto:
[...] a manhã desperta entre as palmeiras, sacode as
crinas, e não tarda a transformar a terra num mar de
cintilações. Começa então a surgir outra gente, essa sim,
iluminada por um pequeno sol interior. Rapazes, mais
raramente alguma rapariga, aos pares ou em pequenos grupos,
em fatos leves, camisola e calção, correm na manhã, numa
cadencia de relógio. Tem um ar lavado e uma beleza terrestre,
simples, palpável, diante do mar. Às vezes fazem exercícios
corporais junto às árvores, depois recomeçam a corrida,
sonhando com triunfos não sei em que maratonas. São
criaturas da minha simpatia, de costas para a febril respiração
da cidade, que me trazem ao espírito outros rapazes, coroados
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pelo esplendor da própria juventude, atletas que os escultores
gregos levaram para os mármores de Poros, ou que Pindaro
imortalizou nas suas odes triunfais, cuja música, no declínio
da tarde, escutamos ainda comovidos:
Não creias, alma querida, na vida eterna:
Mas esgota o campo do possível.
O desporto anda por aí a desafiar-nos a
esgotarmos o campo do possível no aprimoramento
do homem, do seu coração e olhar, dos seus
sentimentos e gestos, princípios e valores. Por isto, é
absurdo depreciá-lo em nome do humanismo ou
atentar contra este em nome do desporto. É antes
legítimo e justo saudá-lo como um pilar do
humanismo e augurar-lhe um longo futuro no
cumprimento dessa missão.
É imbuído desta crença e cheio de esperança
que aqui deixo, como mensagem e como apelo, parte
de um poema de Jose Gomes Ferreira:
Acordai!
Acordai, homens que dormis
A embalar a dor,
A embalar a dor dos silêncios vis!
Vinde no clamor
Das almas viris,
Arrancar a flor
Que dorme na raiz!
Acordai!
Acordai, raios e tufões
Que dormis no ar,
Que dormis no ar e nas multidões!
Vinde incendiar
De astros e canções
As pedras e o mar
O mundo e os corações.
Referências
1.
2.
3.
4.
5.
Ferreira, V. Invocação ao meu corpo. Lisboa: Livraria
Bertrand, 1978.
Meinberg, E. Die Moral im Sport. Edition Sport &
Wissenschaft. Aachen: Meyer & Meyer, 1991.
Lenk, H. Eigenleistung. Phaedoyer für eine leistungskultur.
Zuerich: Interfrom,1983
Grupe Ommo. Sport and culture - the Culture of Sport.
International Journal of Physical Education. Schomdorf:
Karl Hofmann, 2ª. ed., v. 31, 1994.
Andrade, E. O campo do possível. Revista da Corrida de S.
João, Câmara Municipal do Porto, 1994.
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ARTIGO ORIGINAL
Olimpismo: conciliação entre
iluminismo e romantismo
Olympism: conciliation between iluminism and romantism
Hugo Lovisolo, D.Sc
Professor da Universidade Gama Filho (UGF-PPGEF) e da UERJ/FCS
Resumo
A argumentação sobre esporte e em especial sobre o Olimpismo e o futebol nos últimos 30 anos, passou por três viradas
centrais na argumentação: do fundamento no interesse para o da identidade, da função da alienação para o da expressão da
autenticidade e da avaliação moral negativa para a positiva. O autor trabalha suas oposições em termos dos tipos ideais que
denomina de iluminismo crítico e de romantismo. Na primeira parte do trabalho, o autor salienta as características das três viradas em
suas relações com a mudança na posição do observador ou epistemológica. Na segunda, as necessidades crescentes de conciliação
entre ambas posições, e, a partir das mesmas, elaboram suas considerações sobre tendências do Movimento Olímpico.
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Palavras chave: olimpismo, iluminismo e romantismo
Abstract
The argumentation on sport and especially about Olympism and football for the last 30 years passed for three turning
points in the argumentation: from the fundament in interesting to identity, from the alienation function to the authenticity
expression and the negative moral evaluation for the positive. The author works its oppositions in terms of the ideal types that
designate critical iluminism and romantism. In the first part of the work, the author pointed out the characteristics of the three turns
in its relations with the position change of the observer or epistemologic. In the second part, the increasing necessities of
conciliation between both positions, and, from the same ones, elaborate its considerations on the Olympic Movement tendency.
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Key-words: olympism, iluminism and romantism
Artigo recebido em 20 de março de 2004; aceito em 15 de abril de 2004.
Endereço para correspondência: Hugo Lovisolo, UGF, Rua Manoel Vitorino 625, Piedade 20748-900 Rio de Janeiro, RJ.
E-mail: [email protected]
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Introdução
Perspectivas e posições dos observadores
O entendimento dos esportes de rendimento
ou espetáculo pelas ciências sociais, e especialmente
do futebol, essa paixão dominante na América Latina,
passou por transformações significativas nos últimos
20 anos [1]. Até a década dos anos oitenta, grosso
modo, dominava uma perspectiva crítica de base
moral, influenciada pelo marxismo e pela Escola de
Frankfurt que, trocando em miúdos, considerava o
esporte e, em particular o futebol, uma variante do
ópio dos povos, uma poderosa força de alienação
dos dominados e de distanciamento, portanto, de seus
verdadeiros interesses emancipatórios. Os esportes
deslocariam os condenados da emancipação de seus
verdadeiros interesses, concentrando suas energias em
questões distantes daquelas que deveriam dominar seu
cotidiano. Creio que, na América Latina, a obra crítica
e relevante de Sebrelli [2] talvez seja o melhor exemplo
deste entendimento.
Os esportes foram compreendidos a partir das
relações sociais de produção e poder, da dinâmica
das classes sociais, com duas noções chaves
profundamente relacionadas: alienação e controle. O
esporte era visto como um campo de investimentos
que, além de alienar, propiciava oportunidades para
o desenvolvimento dos negócios, do capitalismo. O
próprio Movimento Olímpico não estava distante
destas considerações e foi representado como lugar
de exaltação e alienação nacionalista, especialmente
durante os tempos da “guerra fria”, e como campo
de negócios de um reduzido grupo que participava
do “esquema”, como é corrente dizer no Brasil. O
resultado geral era o domínio de uma forte tendência
a se considerar o esporte, em particular o espetacular,
como funcional para a dominação de classes, quer
sob o prisma da alienação e controle — mediante o
mecanismo básico de ocultamento e/ou
deslocamento dos interesses —, quer sob o menos
freqüente do efeito especular de mobilidade social, a
ilusão da ascensão social mediante o esporte por parte
das camadas populares. A “ilusão” da mobilidade
provocaria o efeito de aburguesamento, a perda do
poder revolucionário da classe operária. O próprio
Robert Michels expôs esse ponto de vista no contexto
de sua teoria das elites, especialmente quando observa
a vontade e oportunidade dos trabalhadores se
tornarem “pequenos burgueses”.
Na formulação dos discursos sobre o esporte,
os analistas pareciam situar-se de forma distanciada
em relação aos efeitos dos fenômenos esportivos. Em
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outros termos, pareciam objetivar os fenômenos e
consideravam que estavam além dos efeitos que
provocavam nas massas ou nos apreciadores dos
esportes. Não sabemos bem por qual razão, os
observadores estariam fora dos efeitos alienantes do
esporte. A única explicação seria a de que o trabalho
teórico, com ou sem ruptura, protegeria dos efeitos
da alienação. O exercício da razão levaria na direção
das luzes. Neste sentido, o intelectual ou teórico
representaria o futuro, o que está por vir, contra as
massas que representariam o que já passou ou está
deixando de ser. Contudo, a força emotiva da crítica
tinha seu suporte no fundamento moral de considerar
o bem da emancipação contra o mal da alienação, da
dominação e do controle. As crenças dos amantes
dos esportes sobre os mesmos eram produtos de
processos de fetichização, mistificação, alienação,
enfim, dos poderes da ideologia e, no fundamental,
radicalmente diferentes das sustentadas pelos analistas.
Denomino ao tipo ideal dessa junção — das
noções chaves da análise com o fundamento do valor
moral e a posição do observador — como
perspectiva iluminista crítica. Diria que o último
grande empreendimento dentro do iluminismo crítico
na América Latina foi o de Sebrelli [2,3]. Creio que
podemos também localizar, casos concretos, de um
iluminismo sem adjetivos que percebe os problemas
morais do futebol, porém enfatiza sua capacidade,
no contexto e intenção educadora, de contribuir com
o dever ser de um mundo moral e pacífico. Talvez
no Barão de Coubertain, embora no seio de uma
construção eclética, podemos encontrar essa posição:
aperfeiçoamento moral gradativo mediante o esporte.
As pretensões do “estar a salvo” dos efeitos
alienantes da dinâmica social e os fundamentos da
“visão iluminada” foram agudamente comentados
por Enzenberger [4], tomando como modelo a crítica
iluminada aos meios de comunicação de massas que,
deve ser dito e, sob o ponto de vista da lógica
argumentativa, a mesma que vigora na crítica aos
efeitos dos esportes espetaculares ou mercantilizados.
Esse “estar a salvo” do analista exige quer a revelação
divina — quer o corte ou ruptura epistemológica,
gerado na fundação mítica e revolucionária da
teoria — que permite atingir a essência ou realidade
dos fenômenos sociais [5,6]. Exige que no plano moral
ou epistemológico exista uma diferença de qualidade
entre as crenças dos atores sociais e a dos analistas.
Observo que as evidências da teoria crítica carecem
de sólidos fundamentos em suas relações com seus
argumentos. A não participação política, por exemplo,
pode tanto ser explicada sob o ponto de vista da
alienação, quanto alternativamente sob o da racionalidade
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do ator na avaliação de custos e benefícios. Em outros
termos, o ator pode considerar que os custos de fazer
a revolução ou de participar da vida política superam
seus benefícios.
Na medida que a filosofia trabalhou a
desconstrução das narrativas fundacionalistas, na
medida que o alivio geral produzido pelo “giro
lingüístico” enfatizou a importância das crenças e suas
justificativas para uma audiência, creio que a
continuidade tradicional entre as crenças dos amantes
e promotores dos esportes e os analistas sociais foram
retomadas e, mesmo, aprofundadas [7]. O restabelecimento de continuidades, entre o conhecimento do
esporte de seus praticantes, torcedores e analistas,
como depois comentarei, reforçou a possibilidade
na preocupação ou esperança comum com o
aperfeiçoamento ou melhoramento do esporte.
Cresceu em oposição ao iluminismo crítico uma
perspectiva metodológica marcada pela antropologia
e pela história que pretendeu entender o fenômeno
esportivo sob a perspectiva dos de dentro, dos
nativos, dos que sentem emoção, identificação,
pertencimento, amor pelo esporte. Esta perspectiva
desenvolveu-se e, podemos afirmar que domina hoje
uma interpretação quase oposta à construída pelo
iluminismo crítico: o futebol e, de modo geral, o
esporte, tornou-se espaço de formação de identidades
e de expressão do nacional ou regional, de
participação e pertencimento, de emoção e prazer,
de recreação, criação e imaginação, embora continuem
em pé a crítica à mercantilização do esporte. Neste
sentido, o futebol passou a ser visto como expressão
identitária e cultural que pode estar ao lado de outras
artes populares, criando-se as afinidades entre tango
e futebol e samba, carnaval e futebol. Um
representante típico, que circula entre o jornalismo e
as ciências sociais, é Galeano [8]. Ele junta o crítico
iluminista radical da mercantilização do futebol com
o não menos admirador romântico do esporte
quando livre das mazelas de sua apropriação pelo
capitalismo. Diria que é um representante típico do
romantismo radical. De modo geral, o esporte passa
a ser considerado como arte, embora com o
qualificativo de popular, “popart”. Temos, portanto,
uma significativa mudança, um conjunto de viradas,
nas interpretações ou teorias postas em jogo para
analisar o esporte.
No caso do Brasil, os trabalhos excitantes de
Roberto DaMatta contribuíram significativamente
para essa mudança, papel semelhante ao
desempenhado por Eduardo Archetti na Argentina,
ambos, vale a pena registrar, são antropólogos
profissionais com experiência profissional
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internacional. O modo de operar de DaMatta é
continuador do fundado por Gilberto Freyre.
Destaca, talvez obsessivamente, a originalidade ou
singularidade da cultura brasileira, tanto no
relacionamento entre as raças (Freyre), os mundos
ou esferas da cultura (DaMatta) quanto no próprio
futebol (Freyre e DaMatta).
A singularidade ou originalidade dos
relacionamentos, práticos e simbólicos, dos brasileiros
ou argentinos com o futebol, passou a ocupar o
centro do cenário. Ao invés de alienação e controle,
as palavras chaves passam a ser singularidade,
identidade, emoção, criatividade, estilo, imaginação e
outras da mesma matriz. A importância que ganhou
a discussão dos estilos nacionais aparece como
exemplar metonímico do conjunto das mudanças. Em
ambos os países, o futebol se tornou um lugar de
recriação, portanto, de criatividade. O futebol passou
a ser exaltado por popular, participativo e enquanto
expressão autêntica da cultura ou ser nacional. Deve
ser destacado que comentaristas, ensaístas, poetas e
artistas adotaram esta forma de tratamento na
consolidação do futebol como esporte nacional no
passado e ainda o fazem, embora não de forma
sistemática, em suas narrativas e produções sobre o
futebol [9,10]. A idéia que transmitem é que o futebol,
imediatamente após ter sido trazido, tornou-se paixão
nacional e não mero fogo de palha como acreditou
no passado Graciliano Ramos [11]. A hipótese que
manejamos é que temos, com o futebol, um efeito
de escala rolante para trás, semelhante ao apresentado
por Raymond Willians [12] em relação às idéias e
sentimentos sobre o campo, mediante o qual os
narradores da paixão do futebol outorgam-lhe um
caráter de já constituída no passado, por vezes perdido
e devendo ser resgatado, eliminando, assim, sua
própria incidência sobre a formação dos gostos pelo
futebol. Os autores que trabalham nesta perspectiva,
se situam dentro de seus efeitos, sobretudo com
sentimentos e emoções positivas em relação ao esporte
que retomam e expressam os sentimentos populares e
nacionais. Denominamos a esta perspectiva de
romântica. Salientamos que sob seu ponto de vista há
uma continuidade entre as crenças dos atores e dos
analistas, embora a dos últimos esteja melhor justificada.
Haveria também uma continuidade moral?
Somos da opinião de que também passamos
do domínio da crítica radical para a que pretende o
aperfeiçoamento ou melhoramento do futebol.
Cremos que há autores, e entre eles o próprio
DaMatta, que tratam de conciliar as perspectivas
iluminista crítica e a romântica. A operação se realiza
mais ou menos da seguinte forma: sobre a base de
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destacar a emoção e o prazer, a participação e o
pertencimento, a criatividade e expressão, relatam-se
efeitos positivos dos esportes sobre a experiência da
ordem social e pessoal, retomando-se, não raro,
elaborações do esporte educacional, em especial o
inglês, que afetaram as formulações do próprio
formulador do olimpismo, o Barão de Coubertain.
Assim, o esporte passa a desempenhar um papel
singular no processo civilizador, como no caso de
Elias, a obra de DaMatta nos preparou para
aceitarmos a influência de Norbert Elias, e seu grupo
de colaboradores, que colocou o esporte dentro do
processo civilizador [13]. Neste caso, destaca-se a
dinâmica e controle das emoções, no seio de
mudanças gerais dos padrões de relacionamento, das
configurações das sociedades que levariam a efeitos
positivos em relação a regras e sua aplicação, e a
valores como a igualdade diante da regra, entre
outros. Creio que a perspectiva de DaMatta realiza
uma conciliação entre a perspectiva iluminista e a
romântica. Embora o entendimento do ser do esporte
seja romântico, não deixam de ser destacados efeitos
que correspondem a um dever ser da proposta de
ordem iluminista de melhorar o mundo, por exemplo,
em relação à universalidade da regra e a igualdade no
jogo. Creio que este tipo de articulação argumentativa
é recorrente e, como procurei demonstrar em outra
parte, resulta tanto de processos de conciliação de
valores inconciliáveis quanto de situarmos dentro e
fora, ao mesmo tempo, do objeto de estudo ou da
intervenção [14].
Observo que há, então, três aspectos em jogo:
de um lado, as categorias de análise de raiz iluminista
ou romântica; do outro, uma mudança na posição
do observador, distanciado ou engajado nas crenças
dos atores e, por último, uma mudança significativa
na avaliação moral do esporte. O tipo ideal do
iluminismo crítico implica a junção de categorias
iluministas com o distanciamento do observador,
entendido como proteção dos efeitos de alienação e
controle, e de seu suporte a emoção, do esporte sobre
o observador que se situa fora de sua atração e efeitos,
Voltaire explicitou claramente esta posição. Formula,
ao mesmo tempo, uma crítica moral a partir dos
efeitos negativos do envolvimento com o esporte,
(mercantilização, utilitarismo, etc.). O tipo ideal
romântico emerge na junção das categorias românticas
(recriação, pertencimento, expressão, autenticidade,
entre outras) com o reconhecimento da paixão e
gostos positivos do observador em relação ao esporte
que fundamentam o entendimento interior que, no
caso da estética romântica, significa usufruir, sentir
prazer com a obra de arte e recriá-la, ou seja, ser
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também o artista enquanto espectador. Há uma
valorização moral positiva, quer quando se considera
o exporte como expressão autêntica, quer quando
em guinada iluminista, se valoriza como formador
ou educador.
A sedução pelo espetáculo esportivo
Destaco, então, que a mudança de tratamento
foi tanto interpretativa como emotiva. Num plano
mais geral podemos relacionar as posições em curso
com os modelos científico e literário ou artístico que
tencionam os modos de entender as tarefas das
ciências sociais. O texto clássico aqui parece que
continua sendo o de Lepenies [15]. Observo que
quando digo “mudança emotiva” não estou
afirmando que passou a existir um tipo de
relacionamento antes inexistente. Estou apenas
afirmando que a emoção positiva e os afetos em
relação ao objeto de conhecimento passaram a ser
reconhecidos e valorizados no processo de produção
de conhecimentos.
Vejamos sinais ao alcance de todos dessa
mudança. Uma atitude cada vez mais generalizada
que ainda me surpreende e, reconheço, também me
diverte, quando participo em reuniões de cientistas
sociais que discutem o esporte, são as declarações de
amor ao mesmo e, sobretudo, ao futebol. Os analistas
aparecem como enamorados, entusiasmados,
seduzidos pelo objeto. Não raro, os cientistas sociais
passam a relatar anedotas e “causos” da mesma forma
que torcedores e jornalistas. Não poucos, lembram
um repertório invejável de dados e “estórias”. Este
domínio do emotivo, esta paixão pelo objeto que se
expressa mediante formas narrativas ficcionais, sugiro
que aproxima, pelo lado popular, o cientista social
do torcedor e do comentador esportivo. Assim, a
ruptura ou corte epistemológico que supõe o modelo
iluminista é abandonada, deixa de ser importante. A
alienação e o controle apenas podem ser apontados
por aquele que, por razões epistemológicas, ocupa
uma posição superior. Quando se abandona a posição
superior, que as noções de corte ou ruptura apontam,
passamos a desenvolver um conhecimento apenas
mais denso, mais rico, mais diferenciado. Enfim, a
continuidade entre o conhecimento popular, no caso
do torcedor, e o científico, no caso do analista social,
se restabelece e temos então apenas diferenças de grau.
Cremos que, no entanto, existe um modelo bem mais
erudito de aproximação ao esporte mediante a
reduplicação, embora com particularidades, do
desempenho do crítico ou comentarista de artes. Diria
que reservamos a denominação de ‘‘crítico’’ para a
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formulação de avaliações argumentativas destinadas
a um público de entendidos –não raro os próprios
críticos e artistas— de obras eruditas, e a de
‘comentarista’ para a avaliação argumentativa
destinadas a um público amplo, de não especialistas,
de obras populares. A distinção, então, implica o tipo
de público, de linguagem e de desenvolvimento
argumentativo. Os críticos devem manifestar sua
paixão e sentimentos positivos pela arte, embora
possam ser negativos diante de obras particulares. Da
mesma forma, podemos afirmar sentimentos
negativos diante de um jogo particular de futebol.
Contudo, podemos fazer isso porque amamos a Arte
ou o Futebol. Assim, a epistemologia da crítica
artística parece demandar como condição de
produção do conhecimento a relação emotiva
positiva com seus objetos. O distanciamento, a falta
de sentimentos, a equanimidade é suspeita na crítica
das artes e, tudo indica, estamos mais perto de
Nietsche, a defesa da paixão, do que de Espinoza, a
defesa da equanimidade.
Assim, o que os torcedores, jornalistas esportivos
e críticos de artes têm em comum é a emoção em
relação ao objeto. Eles gostam um bocado da arte
ou do futebol, também é possível gostar de ambos.
E isto significa que mediante a emoção se situam na
perspectiva dos de dentro, do pertencimento ao
campo de significados das obras que analisam. Mais
ainda, eles afirmam que para falar com autoridade
de arte ou de esportes é necessário amá-los de alguma
forma. É necessário sentir o pertencimento ao campo
de suas práticas e sentidos. A epistemologia que
professam afirma que apenas se pode falar desde
dentro. Acreditam que a perspectiva dos de dentro,
dos que amam ou gostam, é superior àquela dos de
fora, os distanciados ou indiferentes e, também, dos
“teóricos”. Temos, assim, uma reviravolta na relação
com os modelos anteriores nos quais as emoções ou
não “apareciam” ou eram simplesmente negativas no
processo de conhecimento dos fenômenos culturais
e sociais. Conhecer a partir das emoções passou a ser
epistemológica e moralmente correto: a feminista
ardente aparece como a figura mais autorizada para
estudar o feminismo! Em resumo, domina o
sentimento e a idéia de que devemos partir dos
sentimentos positivos para situarmos fora com
conceitos e metodologias do distanciamento.
O aperfeiçoamento desde dentro
Se afirmarmos como fazíamos no passado
recente que o esporte “ é o ópio do povo”, estamos
nos situando fora e, então, deriva-se que não se
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43
pretende manter o esporte nem ajudar a um
desenvolvimento superior, ético ou estético. Da
mesma forma, se afirmarmos que a religião “é o
ópio dos povos” é porque já estamos fora e, portanto,
não temos nenhum compromisso com sua
sobrevivência. Estamos dizendo que é um “vício” e
que passaríamos melhor sem ele. Estaríamos
afirmando que uma cultura nova deve ser uma cultura
sem religião, da mesma forma que poderíamos
afirmar que uma nova economia deveria ser sem
exploração, uma política nova sem líderes políticos e
um novo esporte sem competição. Pessoalmente, me
resulta difícil imaginar uma cultura sem religião, uma
economia sem algum tipo de exploração (apropriação
do trabalho de outro), uma política sem líderes e um
esporte sem competição. Alguma coisa central estaria
sendo mudada na própria definição de cada um desses
campos de atividade. Talvez devêssemos mudar as
palavras, pois estamos afirmando com a qualificação
de ‘nova’ que dimensões centrais dos campos, com
as quais recortamos e participamos de seus
entendimentos, foram eliminadas. Em oposição,
quando nos situamos dentro apenas podemos fazer
duas coisas: deleitar-nos no elogio ou postular
reformas que o aproximem de um ideal melhor.
Deriva, então, a conciliação do iluminismo com o
romantismo. Cremos que esta é a tendência central
do Movimento Olímpico em seu agir a favor do fair
play, contra o uso do dopping e, sobretudo, na escolha
das sedes olímpicas em relação as quais o espírito de
reforma e aperfeiçoamento é evidente, além das
possíveis incidências dos negócios institucionais e talvez
mesmo dos pessoais. Os jornalistas esportivos, por
sua vez, também diariamente realizam esta operação,
manifestam seu amor e reclamam por mudanças que
melhorem o campo do esporte: ética do esporte e,
sobretudo, de seus dirigentes, contra a violência, contra
a corrupção, a favor da regra e a arbitragem limpa,
enfim, os exemplos podem ser multiplicados. Embora
reconheçam a ambigüidade ética do esporte, ele é
aquilo que dele fazemos, acreditam que podem fazer
dele alguma coisa melhor, depurá-lo do lado “negro”
fazendo que, por exemplo, aumentemos o respeito
voluntário pelas regras e diminuamos a violência entre
jogadores e torcedores (processo civilizador).
Uma boa parte dos que falam desde dentro do
esporte, e que se consideram críticos do esporte que
“está ai”, postulam reformas para seu aperfeiçoamento.
Um exemplo notório é a crítica à mercantilização
do esporte ou perda de uma condição originária,
geralmente pura, pelo domínio da exploração
capitalista. Essa crítica já estava na famosa obra de
Huizinga, Homo ludens [16]. Claro exemplo também
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são os professores de educação física críticos do
sistema do esporte do rendimento, amam o esporte
e pretendem reformá-lo para que perda seu caráter
comercial, competitivo impuro ou degradado [17].
Contudo, algumas de suas propostas sobre o esporte
modificam tanto seus aspectos centrais que
dificilmente concordaríamos em chamar o que resulta
de esporte. Por exemplo, quando parecem pretender
eliminar a competição do esporte, talvez motivados
por declarações um tanto fortes dos membros da
escola de Frankfurt. O esporte socialista durante sua
vigência tinha dois traços que o distinguiam do
capitalista: era mais utilizado em benefício do Estado
do que dos particulares e recompensava muito mais
com benefícios não monetários do que monetários,
o resto, isto é, o central, continuou igual. No caso de
alguns dos países socialistas exacerbou-se o
investimento bioquímico na maximização do
desempenho esportivo.
As experiências reais parecem indicar que há um
núcleo duro do esporte que não pode ser modificado.
Defendo o ponto de vista de que a relação emotiva
atual com o esporte no campo das ciências sociais
está levando na direção de teorias ou interpretações
que destacam seus traços positivos, quer enquanto
realidades presentes, quer enquanto aperfeiçoamento
para o futuro se superarmos suas falhas ou
degradações atuais. Da mesma forma que uma nova
religião pode apenas manifestar uma vontade de
superação das falhas da antiga, jamais uma eliminação
dos aspectos centrais da religião, portanto se apresenta
como retomada dos fundamentos puros.
Concluindo, a análise atual das ciências sociais
do esporte baseia-se no estabelecimento de relações
emotivas, de pertencimento, de estar dentro, que leva
apenas na direção do aperfeiçoamento do que está
ai. Assim, também no campo do esporte, se manifesta
o espírito reformista, incrementalista e aperfeiçoador
da época? Cremos que apreendemos muito sobre o
esporte com Ortega y Gasset. Também apreendemos
que há um espírito de cada época. No campo do
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Olimpismo, esse espírito é aperfeiçoador: da gestão
democrática, das práticas que respeitam as regras, da
transparência e igualdade da participação desigual, da
orientação das sedes olímpicas que incida sobre a
melhoria da qualidade de vida dos seus cidadãos, enfim,
o Olimpismo para sobreviver terá que manifestar seus
efeitos civilizatórios dentro e fora do esporte.
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ARTIGO ORIGINAL
Do jogo com esforço ao jogo sem esforço
From the game with effort to the game without effort
Rui Proença Garcia
Professor associado da Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, Universidade do Porto, Portugal
Resumo
Partindo da compreensão que o desporto moderno é uma manifestação lúdica, contendo uma idéia de rendimento em
busca de uma superação expressa pelo corpo em esforço, pretende o autor analisar um paradoxo que atualmente parece surgir na
nossa sociedade: a negação do esforço em atividades lúdicas próximas do desporto. Para tal, analisou a evolução paradigmática do
desporto, tendo verificado que desde a Revolução Industrial a idéia do corpo em esforço foi um valor importante e que
atualmente um grande número de atividades que invocam o estatuto de “desportivas” anulam esta dimensão ética.
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Palavras-chave: jogo, esforço, desporto moderno
Abstract
From the understanding point of view that modern sport is a ludic manifestation, having an idea of searching for an
express overcoming for the body under effort, the author intends to analyze a paradox that currently seems to appear in our
society: the negation of the effort in ludic activities close to sport. For such, the paradigmatic evolution of sport was analyzed,
and found that since the Industrial Revolution the idea of the body in effort was of great value and that actually a large number
of activities that invoke the statute of “sporting” annuls this ethical dimension.
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Key-words: game, effort, modern sport
Artigo recebido em 15 de março de 2004; aceito em 15 de março de 2004.
Endereço para correspondência: Prof. Dr. Rui Proença Garcia, Universidade do Porto, Faculdade de Ciências do
Desporto e de Educação, Rua Dr. Plácido da Costa 91, 4200-450 Porto, Portugal, E-mail:[email protected]
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Introdução
É exatamente a análise deste paradoxo que
queremos aqui equacionar.
Uma das tarefas que a nossa juventude
acadêmica queria resolver era estabelecer uma
inequívoca definição de desporto. Após muitas
consultas, rapidamente percebemos que esta tarefa
seria simples e rápida, tal era a quantidade de dados
carreados pela literatura desportiva. Porém, com o
natural decurso temporal, aquilo que parecia ser uma
tarefa curta e simples tornou-se impossível, pois
concluímos que o conceito “desporto” não resiste
ao imediatismo das definições. A erosão do tempo
rapidamente desgasta as diferentes definições.
Após esta triste conclusão, resolvemos então ir
em busca daquilo que Mircea Eliade entende ser o
mais importante numa mensagem, qual seja o seu
núcleo cristalino [1] . Retiramos do desporto moderno
tudo aquilo que faz parte da evolução da tecnologia
(não esquecer, na esteira de Marcel Mauss [2], que
também existe uma tecnologia corporal) e conseguimos chegar ao tal núcleo cristalino do desporto.
Entendemos que o desporto é uma manifestação
lúdica, provida de uma idéia de rendimento em busca
de uma constante superação, sendo que estas três
categorias se expressam pelo corpo.
Tal como um cientista no seu laboratório fizemos
várias experiências. Estudamos modalidades clássicas,
tal como o futebol. A hipótese confirmou-se. Depois
averiguamos as novas modalidades de tipo recreativo,
como o skate e o surf. A hipótese também foi
confirmada. Não satisfeitos, ainda fomos em busca
dos idosos, embora aqui cheios de dúvidas. Para nosso
espanto, a hipótese ainda resistia a todos os ataques
conceptuais e empíricos. Fomos à escola pública. O
mesmo. Fomos às academias e o resultado foi
novamente idêntico. Tudo o que vimos, retirando
obviamente a especificidade de cada local, foram
manifestações lúdicas, preceituando um constante
rendimento, seja ele qual for, nem que seja apenas
envelhecer menos rapidamente em busca da superação
das tarefas inerentes a atividade, seja uma final olímpica
ou a mobilidade mínima para a afirmação de uma
autonomia. E tudo isto através do corpo em situação
de esforço. Sim, porque há muitas outras atividades
que se desenrolam em busca ou de acordo com os
três princípios anteriormente enunciados, mas sem a
intervenção do corpo esforçado.
É desta forma que entendemos a importância
do corpo para a compreensão do desporto moderno
e de todas aquelas atividades associadas ao movimento
desportivo. Mas o corpo está numa encruzilhada nesta
nossa sociedade. Se por um lado o corpo em esforço
é glorificado, por outro é negado.
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O desporto e o paradigma da
revolução industrial
O desporto moderno assenta as suas bases no
triplo paradigma da Revolução Industrial: a organização,
o rendimento e o triunfo [3]. Com base nestes princípios
o corpo foi olhado como um instrumento do e para
um progresso pretensamente ilimitado.
O desporto moderno, filho como é da tradição
racionalista e desenvolvido nos anos dourados da
Revolução Industrial, mais que espalhar a lógica de
uma sociedade, assume-se como um verdadeiro
microcosmos desta. A idéia do progresso ilimitado,
consubstanciado no desporto pela idéia do recorde, quiçá
o aspecto mais simbólico do desporto moderno,
assenta nas premissas do próprio industrialismo. A idéia
do progresso, base da concepção do recorde,
apareceu na Europa Ocidental Setecentista, como
parte integrante da atitude iluminista e da fé do
triunfo da razão. Previa-se a extensão da sociedade
fundamentada nesta razão a todo os povos deste
mundo. O desporto, constituindo-se como a atividade
lúdica expressiva desta nova maneira de interpretar o
mundo – autêntica mundividência –, racionalizou o jogo,
e intentou em afastar deste a sua dimensão aleatória.
É evidente que o desporto não conseguiu
romper totalmente com aquilo que é denominado
jogo, assumindo-se como um equívoco a visão de
uma descontinuidade entre estes dois fenômenos. O
acaso, característica essencial do jogo, persiste no
desporto moderno – nenhuma ciência ou forma de
pensar conseguiu eliminá-lo por completo. Aliás,
pensamos que quando tal fato for atingido, deixará
de haver desporto. Os novos desportos continuam a
acentuar o elemento aleatório nas suas práticas, uma
vez que estão sujeitos à força da natureza, e esta
continua a não ser totalmente previsível para a ciência
e quase totalmente imprevisível para o praticante.
Frente ao exposto, entendemos o desporto
como sendo o ludismo industrializado, tal era a força
que os princípios determinantes da Revolução
Industrial impregnavam a atividade. A organização,
motor da nova lógica produtiva – a lógica da
massificação e da especialização de funções – que
tem a sua expressão máxima no fordismo com o
famoso modelo T, o rendimento e o triunfo são a
base desta nova concepção de atividade física.
Como seria de esperar, sendo o corpo entendido
como a expressão micro de um cosmos, este
desporto invoca, e ao mesmo tempo produz, um
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determinado tipo de corpo que poderemos
considerar mecânico. A excelência do funcionamento
dos órgãos era, e ainda é, procurada a todo o custo,
não havendo muitas vezes a noção dos limites do
homem, podendo levantar essa busca incessante de
rendimento algumas questões éticas. Aliás, muito
recentemente, num seminário internacional de atletismo, foi afirmado que o “homem não tem limites” e
que, por isto, haverá sempre recordes para bater e
mais velocidade para atingir.
Esta infeliz conclusão nos remete para a profética
e arrepiante declaração de Karl Kraus: “De que serve
a velocidade se pelo caminho se lhe vazou o cérebro?”
[4]. Foi, talvez, este homem progressivamente
descerebralizado que deu origem a inúmeros ataques
ao desporto de competição e ao surgimento de
variados movimentos que defendem outros
entendimentos para a prática física. Em grande pane,
foi o extremismo de uns que levou outros a extremarem
a sua luta contra o desporto. Já Eckhard Meinberg
nos alertou para o fato de grande pane destes inflamados
ataques ao desporto se deve a perdas da dimensão
humanista da competição, em que muitas vezes a
exceção é tomada como o todo [5].
Atualmente uma nova tríade paradigmática
convive com aquela outra anteriormente enunciada
que, como já tivemos oportunidade de apresentar,
justifica, legitimou e legitima o desporto de alto
rendimento: a saúde, a beleza e a juventude. É notória
a evolução conceitual de uma expressão corporal mais
de tipo materialista para uma outra que nos atrevemos
de classificar de espiritual, indo ao encontro de uma
expressão enunciada por Hans Lenk, não interessando
apenas na excelência da máquina, mas determinada
dimensão constitutiva do homem, especialmente
ligada a valores existenciais [6].
Também através desta concepção surge uma
outra visão do corpo. O rendimento “absolutizado”
e único começa a conviver com uma outra dimensão,
na qual “cada qual procura o seu próprio nível de
reivindicação do rendimento”, naquilo que Gervilla
[7] considera ser o pluralismo axiológico da nossa
sociedade. Frente a esta autêntica “balcanização
axiológica”, também o corpo (re?) aparece como um
valor importante neste final de século.
Alain Touraine considera ser este período da
nossa sociedade caracterizado, entre outros aspectos,
pela emergência do corpo que o racionalismo
moderno havia rejeitado, reprimido ou encarcerado,
pensando nós que há razões que justificam este novo
estatuto do corpo na nova hierarquia axiológica [3].
Ao longo de inúmeras gerações, o trabalho
produtivo assumiu-se e ainda se assume em pratica-
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mente todo o mundo, como o tempo mais sério das
nossas vidas, numa clara ruptura com aquilo que era
corrente em sociedades primitivas e mesmo em
sociedades pré-industriais mais recentes. O trabalho
aparece assim como o fator organizativo da nossa
existência, obcecando, como nos lembrou Ortega y
Gasset [8], o homem.
A nossa sociedade incorporou este conceito de tal
forma que se criaram justificações para tudo tendo como
fundamento o próprio trabalho, identificando este a nossa
vida. O trabalho aparece não só como um dever social,
mas também como um fim em si: o homem tem a obrigação de melhorar o seu desempenho, tendo o desporto
servido inúmeras vezes para garantir este objetivo.
O desporto emanado desta sociedade,
denominada por Lipovetsky [9] como sendo “do
dever”, tinha também que corresponder às exigências
de uma certa hierarquização axiológica do tempo. E
o desporto inspirado no esforço, na moral, no dever,
na exaltação do esquecimento da sua pessoa, enfim,
é um desporto no qual o prazer aparece, mas onde
não é propriamente o fundamental.
O novo desporto e o novo paradigma:
Jogo sem esforço
Atualmente assistimos a uma clara mudança dos
valores fundamentais da sociedade. A sociedade do
dever, na perspectiva de Lipovetsky [9], encontra-se
no seu crepúsculo, estando a ser substituída por uma
outra na qual impera uma ética indolor. O mesmo
autor afirma ainda que o esforço deixou de estar na
moda e, por isto, a nossa própria existência não
comporta mais em exclusivo atividades desportivas
centradas no sentimento do dever. Desta forma, não
faz mais sentido um desporto baseado apenas nas
normas rígidas da sociedade industrial – expoente
visual da modernidade –, mas sim um novo desporto
no qual o prazer da atividade se sobreponha à
obediência. O corpo libertou-se da idéia de uma
obrigação interior, podendo finalmente ser devidamente escutado em atividades desenvolvidas longe
das pedagogias austeras da vontade. Como nos
assevera Edgar Morin, o tempo livre agora disponível
possibilitou ao homem o reencontro com os seus
próprios ritmos sacrificados no tempo mecânico,
programado, cronometrado, acelerado, breve, enfim,
submetido à lógica da máquina infernal. Este novo
tempo livre é assim, também, um tempo de reflexão,
de expressão de uma vida interior e, acima de tudo,
um reencontro com a criatividade [10].
A enunciação da trilogia que mencionamos,
saúde, beleza e juventude, tem que ser entendida numa
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dupla perspectiva: das razões expressas ou manifestas
e das razões latentes.
Estudos que temos efetuado mostram que a
saúde e a razão mais apontada para justificar a prática
da atividade física. Se apresentar­mos a tricotomia
saúde, beleza e juventude como opções para escolher
aquela que melhor justifica determinada prática,
indubitavelmente a escolha recairá na saúde. Contudo,
se em vez da apresentação tricotômica falarmos e
convivermos demoradamente com as pessoas,
verificaremos que afinal não é propriamente a saúde
a causa fundamental da prática desportiva. Detectamse facilmente outras razões, nas quais o parecer bem,
o estar na moda e ter um corpo de acordo com os
atuais padrões de beleza imperam de maneira
determinante. A dimensão saúde apresenta-se assim
como um efeito e não propriamente como um
fundamento credível destas práticas das modernas
academias desportivas.
A própria Organização Mundial de Saúde (OMS)
tem consciência da falibilidade da argumentação da
atividade física em prol da saúde. Com efeito, num
estudo publicado em 1991, verificou-se que a razão
expressa pela maioria de jovens para a prática desportiva
era possuir um bom aspecto físico. A saúde, como é
de esperar nestas idades, não é causa determinante para
a prática desportiva.
Os resultados que temos encontrado nos nossos
estudos com pessoas pertencentes a escalões etários
mais avançados estão de acordo com estudos de
outros países europeus, onde – por exemplo, na
Espanha – cerca de metade da população feminina
que habitualmente recorre às academias afirma que o
faz somente por motivos estéticos.
Aliás, é prática corrente a enorme afluência às
academias nos meses imediatamente anteriores ao
verão, não sendo muito perceptível a dimensão saúde
nesta opção. A razão latente nestas atividades é a busca
da beleza física. A esta expressão desportiva,
associam-se outras práticas, notadamente aquelas que
mimetizam a idade, como as cirurgias plásticas e os
produtos para disfarçar os inevitáveis efeitos do
envelhecimento.
Por outro lado, instalou-se um novo comércio,
o dos produtos light e diet, isto é, produtos com
poucas calorias ou mesmo nenhuma. Passe a propaganda: é a coca-cola sem calorias, é a cerveja e mesmo
o vinho sem álcool entre uma lista interminável de
outros produtos. Cada vez mais aparecem propostas
para a construção corporal sem esforço, sem atividade
física e sem sacrifício. São os produtos “adelgaçantes”,
ou os comprimidos que “fazem perder 10 quilos em
30 dias” e que atuam enquanto a pessoa dorme, lê
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um livro ou executa tarefas domésticas; produtos estes
de tal forma eficazes que a empresa devolve o
dinheiro se o emagrecimento não acontecer. E tudo
sem esforço. Tudo sem atividade física e com
resultados imediatos. Note-se ainda que cada vez mais
a procura destes produtos aumenta em populações
jovens, que poderiam conseguir os mesmos resultados
com uma prática física regular. Aquilo que sempre
foi conseguido através do dever é agora conseguido
sem esforço: prazer sem esforço parece ser o lema
do nosso tempo.
Há, no entanto, razões objetivas para que a
procura destes produtos estéticos se dê. Infelizmente
a globalização, processo inicialmente econômico,
afetou de grande modo a sociedade ocidental. A
cultura do shopping center, da fast food, criou novas
necessidades e novas práticas alimentares. O
imobilismo da juventude é um dado incontornável.
Acontece e agora é potenciado por estas novas centrais
do consumo. O corpo, depois, é que sofre as
conseqüências. Sem hábitos desportivos para
contrabalançar as práticas consumistas dos modelos
norte-americanos, o mais fácil é recorrer aos milagres
conseguidos pelos laboratórios.
A sociedade, esteticamente repressiva, pede um
determinado tipo de constituição corporal. Em
contrapartida, o conforto consumista produz um
outro tipo de corpo. Desta dicotomia a auto­imagem
corporal, como é sabido, sai afetada. Um famoso
psiquiatra norte-americano, Harry Sullivan, pensa que
o homem possui um “eu” ideal, por ele aceito, apesar
de não se realizar no dia-a-dia. Talvez aqui se possa
recordar o poema Dispersão, de Mário de Sá-Carneiro.
Com efeito, tal como nos diz o poeta, a imagem
projetada pelo espelho raramente é aquela imaginada
pelo próprio “eu”. O “eu” ideal, neste caso o “eu
corporal” ideal, pode não coincidir com o “eu
corporal” real. Entre a auto-imagem e a imagem
visível para os outros, podem existir diferenças. E a
consciência destas diferenças pode ainda ser obtida
na própria imagem, como nos lembra Paul Feyereband
quando relata a história de alguém que quando caminhava
na direção de uma parede viu um vagabundo com um
aspecto duvidoso avançado na sua direção, sem perceber
de imediato que a parede era um espelho e que, por isto,
o vagabundo era ele próprio. Depois, quando se
apercebeu do equívoco, o “outro” transformou-se
numa bela figura humana [11].
No que concerne a multiplicação da nossa
própria imagem, Unamuno vai ainda um pouco mais
longe que os autores anteriores ao afirmar que “em
cada Tomás existem três Tomases: o que ele crê ser,
o que os demais crêem que ele e o que ele é só mesmo
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Deus conhece” [12]. E são estas diferenças que levam
muitas vezes à dissimulação, a determinado tipo de
sacrifícios e a verdadeiras amputações, isto é, a
preponderância da imagem relativamente ao todo do
ser humano. Baudelaire, noutros tempos, afirmava
que o coração poderia converter-se num espelho de
si mesmo. Agora, parece ser o corpo, no seu limite
exterior, este espelho, mas se possível um espelho não
plano, a fim de evitar que mostre exatamente aquilo
que somos.
Embora conscientes do risco que poderá
acarretar a afirmação que se segue, não cremos que a
aquisição da nossa forma corporal se esgote no
processo biológico denominado morfogênese, o qual
Jacques Monod descreveu tão pormenorizadamente
[13]. Aliás, mesmo a clonagem, a hibridação, a
engenharia genética são intervenções humanas na
morfogênese, mas esta ultrapassa a própria biologia.
A forma corporal do homem é também fruto do
ambiente sociocultural a que o indivíduo pertence.
Lembra-nos o escritor Luís Sepúlveda que “a
vida da floresta temperou-lhe o corpo. Adquiriu
músculos felinos...” [14]. Para além de todos os
processos naturais morfegenéticos, outros há, talvez
mais sutis, mas nem por isso menos importantes, que
contribuem decisivamente para a forma que o nosso
corpo acaba por ter, o que nos leva a pensar que
efetivamente o corpo é tratado como um bocado de
madeira que cada um talhou e arranjou a sua maneira.
Comenius vai ainda mais longe ao ver o corpo
humano como uma construção, afirmando: “com
efeito, quanto ao corpo, construído com arte
admirável...”, remetendo assim a gênese da sua forma
para outra entidade que não o simples desencadear
de reações bio­químicas. Então, todo este processo
de construção da imagem corporal não é somente
uma cópia de um modelo externo, mas como nos
assevera Merleau-Ponty [15], o “interior do exterior
e o exterior do interior”, tanto da própria pessoa
como da sociedade onde está inserida. Parece-nos,
então, ser legítimo falar de um Corpo Humano,
entidade abstrata, e de um corpo humano, ou seja, a
realização espaço-temporal dessa entidade abstrata
que efetivamente o corpo parece ser. Aqui é justo
recordar um grande escritor da lusofonia, Teixeira
de Pascoaes [16], mormente quando nos assegura que
“se o criar é divino, é humano o corrigir”. Cada vez
mais o nosso homem tende a corrigir a criação. E
por isto mesmo é humano.
Como conseqüência daquilo que denomina­mos
de “morfogênese cultural” do corpo humano, este
diferencia-se de sociedade para sociedade, e mesmo
de região para região –, como é o caso de Portugal,
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quando comparamos o corpo alto e esguio
procurado nas regiões urbanas e o corpo mais robusto,
como acontece nas zonas rurais.
A sociedade urbana de hoje persegue um corpo
jovem, magro e belo. É um corpo que cultiva a
dimensão vertical, renunciando aquele que se curva e
se vira para o chão. Tenta negar o corpo vencido
pela inexorabilidade do tempo, numa luta desigual e
condenada a derrota eterna.
O corpo das pessoas expressa a sociedade de
que faz parte. Há autores que ainda vão mais longe
afirmando que se pode ler no corpo a imagem da
sociedade ou do universo. Nesta linha de pensamento
incluímos ainda o jesuíta brasileiro Henrique Vaz,
nomeadamente quando afirma numa das suas obras
que “no aqui e agora do espaço-tempo cultural estão
presentes as técnicas de adestramento ou modelagem
da figura corporal, como a ginástica, bem como as
condutas interpessoais que se exprimem predominantemente através do corpo, como o jogo (...)” [17].
O corpo é assim afetado pelas experiências
sociais, pelas normas e valores do grupo em que se
inclui. Ora, uma vez que esta sociedade cada vez mais
tem necessidade de utilizar o prefixo “pós” para se
caracterizar, o corpo humano progressivamente
também se aproxima de uma idéia de pós-orgânico,
afastando-se pelo menos de um orgânico “natural” e
indo ao encontro de um novo conceito de órgão um órgão mecanizado ou informatizado. A figura
no cinema americano do Robocop, um superpolícia
cuja grande parte do corpo é mecânico e cujo cérebro
se assemelha mais a um computador – e por isto
incapaz de expressar sentimentos –, é um bom
exemplo disto.
No caso do novo homem, o pós-orgânico cujo
nascimento já nem é exclusivamente um assunto
tipicamente feminino, mas da engenharia, onde o
corpo não é mais uma “encarnação do ‘self ’”, podemos falar da “coisa extensa” (o cartesiano res extensa)
tal como os defensores da psicomotricidade apontam.
Mas este homem não é o nosso núcleo de estudo. O
nosso homem, mesmo sujeito à somatização da
sociedade, age e interage com o corpo. Modela-o de
acordo com valores.
Como temos explanado, são várias as razões
explicativas para a incrível importância da imagem
corporal nos dias de hoje. Cremos, baseados em vasta
bibliografia, que isto se deva fundamentalmente à
precariedade dos valores, ao pragmatismo da vida. Na
realidade, o corpo-objeto, entidade anatômica e orgânica,
é uma realidade bem identificada e delimitada. O corposujeito, situado algures numa dimensão relativista e por
isto menos imediata e mais complexa, é algo abstrato,
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distante dos valores prevalecentes da nossa sociedade,
deste nosso tempo, nesta “sociedade da imagem”, como
muito bem caracterizou Marc Auge [18].
Com efeito, vivemos numa sociedade que
privilegiou o sentido da visão em detrimento dos
demais, constuindo-se este aspecto como uma das suas
características mais peculiares. A imagem constitui-se
assim numa qualidade intrínseca das coisas e dos seres,
sendo esta qualidade o nosso cartão-de-visita ou, como
aponta Anthony Giddens, a nossa narrativa de autoidentidade perante a sociedade [19].
Numa época onde a mudança poderia assumirse como a palavra-chave da sociedade, a juventude
aparece como um valor fundamental a ser mantido.
Mas o corpo-objeto jovem é efêmero, e precário.
Para corresponder às necessidades recorreu-se, então,
à dimensão subjetiva do próprio corpo. A sociedade
construiu assim o seu próprio corpo, um corpo
pretensamente jovem, numa clara tentativa de
anulação da coordenada antropológica “tempo”,
tornando-o prisioneiro da essência consumista do
nosso viver quotidiano.
Este consumismo, na miragem do corpo
jovem, passa pelo constante aparecimento de novas
práticas. É a ginástica aeróbia que pode ser de baixo
ou alto impacto, é a localizada, é o step, é o cardio
que pode ser funk ou training. O importante é
diversificar os nomes, apresentá-los em inglês, e
introduzir tecnologias computorizadas apropriadas.
Depois, a imaginação criará a ilusão de uma
juventude corporal retomada.
Eckhard Meinberg [5] já nos alertou para esta
realidade, apontando o sonho da juventude eterna
como algo compreensível para esta sociedade em
que o envelhecimento é entendido como um mal.
O mesmo autor destaca como imperativo supremo
da atualidade a expressão “mantenha-se jovem
durante o maior período de tempo possível”.
Aparece, assim, o bodystyling como prática artificial
da conquista da juventude.
Mas como o exercício físico é desgastante aparecem
por todos os lados novas técnicas ou produtos de
emagrecimento, ou para embelezar, para que sem
esforço – pois estamos numa sociedade onde o dever
está para além da moda – possamos modelar o corpo
de acordo com os padrões socialmente aceitáveis.
Boaventura Sousa Santos considera estas práticas
físicas ou parafísicas como o segundo turno de
trabalho do homem de hoje [20]. Afinal na sua agenda,
cada vez mais, o homem moderno, para além e a par
das suas reuniões executivas, destina parte do dia ao
seu clube desportivo –, muitos deles, agora rebatizados
de “centros de beleza”.
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Portanto, parecer bem, estar de acordo com as
normas estéticas atuais, ter um aspecto saudável, nem
que as práticas para obter este aspecto sejam tudo
menos saudáveis, é uma necessidade do tempo atual
que cada vez mais atinge uma maior população. Se
em outros tempos a beleza era quase exclusiva da
mulher jovem, agora praticamente nenhum setor
populacional escapa a busca deste atributo.
Sendo a imagem do corpo valorizada como é
neste nosso tempo e sociedade, em que a aparência
corporal, o visual, o vigor físico, o vestuário, a maquiagem assumem um estatuto de relevo, e poder-se-á
questionar qual o critério para diferenciar o tempo de
trabalho do tempo livre. Parece-nos ser esta uma questão
de grande interesse, pois a idéia generalizada que atribui
uma “seriedade” ao trabalho produtivo e uma “nãoseriedade” ao tempo não produtivo – onde destacamos
o tempo do desporto, especialmente o denominado de
recreação – não resiste à evidência de que ter um corpo
belo, moldado em função das normas estéticas vigentes,
é muitas vezes uma exigência para o rendimento do
trabalho, tornando assim promíscua a relação do
tempo de produção com a do tempo de lazer.
Nos trabalhos que temos desenvolvido, quer na
cidade quer em zonas rurais submetidas ou não à
lógica industrial, temos observado situações onde o
corpo humano se transforma admiravelmente através
de autênticas técnicas miméticas, sacrificiais, ou através
de verdadeiras mutilações, tentando parecer aquilo
que a própria sociedade exije que ele seja.
Frente a todas estas situações do nosso quotidiano
que revelam esta incessante busca de uma estética
corporal, é relativamente fácil relembrar a história de
Narciso, vendo nestas práticas uma obsessão doentia
pela perfeição. Nós, no entanto, não queremos
acreditar naquilo que parece ser uma evidência.
Entendemos ser este autêntico culto do corpo a
materialização pessoal de dois valores emergentes,
associados à nossa sociedade: a beleza e a juventude.
Este “emergir” de um novo culto pelo corpo,
cuja construção é apresentada como não tendo limites,
obriga-nos a refletir outros aspectos da nossa realidade,
inclusive em nível profissional.
Um dos autores que nos últimos tempos tem
esclarecido algumas das dúvidas surgidas pelo nosso
dia-a-dia profissional tem sido Anthony Giddens [19].
Numa época em que a pensamento temos que
associar o prefixo “pós” para ser atual (passe o
paradoxo), Giddens nos esclarece o que significa a
modernidade e a pós-modernidade. Para o autor, a
nossa sociedade, longe de estabelecer uma ruptura
acentuada com a sociedade industrial, radicaliza alguns
dos princípios fundamentais desta.
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O princípio do progresso ilimitado surgiu, ou
pelo menos foi intensamente vivido, pela Revolução
Industrial. O desporto, contextualizando-o à sua
imagem, levou este princípio a um ponto quase extremo.
Com efeito, o desporto moderno, radicalizando a
constante busca deste ponto ômega pretensamente
inatingível, desviou lenta, mas seguramente grande
parte da sua orientação para fora da sua própria
esfera. Cada vez mais a busca do rendimento foge
aos profissionais clássicos da Educação Física e de
Desporto, indo ao encontro de outras profissões
como a medicina, tal a quantidade de meios
ergogênicos necessários para se obter rendimentos
desportivos de elevado nível.
Admitimos a ingenuidade desta analogia entre
a busca do recorde – assentada no princípio do
progresso ilimitado – e o pensamento do britânico
Anthony Giddens [19] acerca da “classificação” da
nossa sociedade. Mas também no que diz respeito
à construção do corpo – que passa pela dimensão
do corpo somático – assistimos a um fenômeno
quase ou mesmo idêntico.
Desde sempre esta construção esteve associada
a práticas físicas de tipo desportivo. O responsável
por este processo era o profissional de Educação
Física. Atualmente, fruto da importância social da
imagem corporal, grande parte deste processo transferiuse para outras áreas, como, por exemplo, para a área
dos profissionais da estética, totalmente alheios ao
desporto, tanto no que diz respeito a sua prática como
aos valores morais que ele invoca.
Na cidade do Porto, como, aliás, um pouco por
todo lado do nosso mundo, proliferam pequenos
ginásios, academias e outros cetros de prática física
que revelam bem a evolução conceitual que se tem
registrado no grande campo que é o desporto. Uma
destas academias denomina-se Fisical-Instituto de
Beleza, e tem como logotipo duas figuras estilizadas
em posições que sugerem movimentos típicos da
ginástica desportiva. A palavra “fisical” parece ser
um aportuguesamento da palavra inglesa physical
que, segundo qualquer dicionário, invoca a prática
de exercícios físicos. Assim, a palavra físico associada
ao logotipo do ginásio não nos deixa dúvidas acerca
do mundo sugerido: o do desporto. Mas estamos
perante um instituto de beleza e não perante qualquer
clube desportivo típico da cidade. O próprio
conceito de clube, tradicionalmente ligado a
determinados valores – normalmente masculinos –
sofre também uma evolução, expressando outros
valores, quiçá mais de acordo com a nova hierarquia
axiológica do nosso tempo, que neste caso se
aproxima dos valores estéticos.
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Esta evolução do profissional de Educação Física – que invoca esforço – para o(a) esteticista – que não
o invoca – e paradigmática daquilo que temos afirmado.
Reabilitar o esforço para a construção corporal
e também reabilitar uma profissão que nem sempre
consegue marcar com rigor o seu espaço, mesmo
compreendendo a diluição de fronteiras e identidades.
Intimamente ligado a possível indefinição
conceitual do profissional da Educação Física frente
ao valor emergente, também o espaço físico do
ginásio sofre uma evolução. Se antes o espaço da
prática física era um espaço austero, por vezes
demasiadamente frio, agora o novo ginásio
aproxima-se do modelo do próprio instituto de
beleza. E, substituindo austeridade, o novo ginásio
contrapõe uma certa exuberância nas formas e uma
luminosidade evidente. Junto aos aparelhos
clássicos do desporto, também eles austeros, surgem
agora novas máquinas coloridas revelando
preocupações de design. E, substituindo a
decoração clássica dos antigos espaços desportivos,
constituída por fotografias de antigos campeões –
memória dos tempos áureos dos atletas que por ali
passaram e autênticas referencias éticas para que se
treine cada vez mais e melhor –, os novos ginásios
apresentam agora painéis com figuras humanas
muito belas, porém anônimas e que em nada se
relacionam com este espaço ou mesmo com as
atividades ali desenvolvidas.
Conclusões
Embora acreditemos no nosso esquema
conceitual inicial do lúdico, do rendimento e da
superação através do corpo em esforço, percebemos
agora uma encruzilhada. Aquilo que sempre foi uma
característica humana parece agora ser vítima de um
“feroz ataque” motivado pela nova hierarquia
axiológica do nosso tempo, qual seja, a valorização
do não esforço em detrimento do próprio esforço.
Decerto, ainda visualizamos exemplos de
inúmeras atividades da nossa sociedade que mantêm
respaldo nos fundamentos antropológicos do
desporto moderno, mas agora desprovidas da
importante dimensão ética proporcionado pelo
esforço. Inúmeros jogos, como, por exemplo, os de
computador, mantêm intactas as categorias do lúdico,
do rendimento e da superação, mas sem a intervenção
em situação realmente de esforço para o corpo.
Portanto, compete aos profissionais de Educação
Física e de Desporto, especialmente no seu trabalho
cotidiano com os alunos em diferentes níveis de ensino
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e práticas, assegurarem a manutenção do valor
decisivo que o corpo em esforço produz.
Reabilitar o jogo corporal na escola é reabilitar
um importante valor que a roda do tempo parece
tentar esquecer. Reabilitar o jogo corporal na escola
é, no final de tudo, também reabilitar uma dimensão
ética da nossa profissão. Por isto, é também reabilitar
a profissão dos educadores.
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Referências
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ARTIGO ORIGINAL
O costume e a origem da
normatização no desporto
Costume and origin of the normatization in sport
Eduardo Augusto Viana da Silva*
Professor Titular no Mestrado em Ciências dos Desportos e Educação Física da UERJ, na Disciplina Sociologia da Educação Física e dos
Desportos e Administração Desportiva, Professor de Direito Desportivo da Pontifícia Universidade Católica – RJ, Professor de Teorias Geral
do Estado – Ciência Política da Universidade Estácio de Sá – RJ
Resumo
O presente artigo focaliza o esporte como um fato social, sua importante função sociológica no final do Século XX, início
do próximo século; a sociologia como fonte de Direito Desportivo; a correspondência entre a norma de cultura e a norma jurídica
no desporto; a norma consuetudinária no desporto e a universalização do direito desportivo.
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Palavras-chave: Norma consuetudinária no deporto, direito desportivo.
Abstract
The present article focus the sport as a social fact, its important sociological function at the end of the 20th century,
beginning of next century; the sociology as the Sport Law resource; the correspondence between the culture and adjective law in
the sport; the Sports Consuetudinary Law and universality of the Sport Law.
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Key-words: Sports Consuetudinary Law, Sport Law.
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Artigo recebido em 10 de outubro de 2003; aceito em 15 de março de 2003.
Endereço para correspondência: Eduardo Augusto Viana da Silva, Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Instituto de Educação Física e dos Desportos, Mestrado em Ciências dos Desportos, Rua Francisco Xavier 524, sala 9.122,
bloco F, Maracanã 20550-013 Rio de Janeiro RJ, E-mail:[email protected].
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Introdução
Torna-se óbvio que o primeiro passo para uma
compreensão sociológica do esporte é encará-lo
como um fato social, ou seja, como algo socialmente
construído, que existe fora das consciências individuais
de cada um, mas que se impõe como uma força
imperativa capaz de penetrar intensamente no
cotidiano de nossas vidas, influenciando os nossos
hábitos e costumes, até porque, com ele nos
deparamos desde o alvorecer de nossas vidas, de
forma idêntica com o que acontece com a língua, a
religião etc., que nos é herdado pelo nosso meio no
início da infância.
A presença do esporte entre nós é tão impositiva
que, muitas vezes, alguém que mantêm-se alheio ao
esporte de seu grupo social se sente, de certa forma,
como uma pessoa não integrada, que vive à margem
da sociedade.
Já vimos o esporte como um dos mais
importantes fenômenos de massa deste final de século,
que se constitui a nível individual um fator de aptidão
física e mental instrumento de socialização e educação,
meio de encontro do homem com a natureza e que
ainda aproxima o homem de seus semelhantes e do
seu próprio interior.
Por outro lado, a nível coletivo, mobiliza grupos
populacionais; projeta sua importância nos campos
cultural, político, social e econômico; constitui-se ainda:
instrumento diplomático, fator de controle social,
meio de catar-se das multidões, agente de paz,
promotor de exportações, cultura e desenvolvimento,
e, como corolário constitui-se, no mundo de hoje,
numa larga via de reumanização.
Por tais razões, torna-se evidente a função social
do desporto em nossos dias.
Para se avaliar, no campo internacional a
amplitude do desporto, basta lembrar que a FIFA
congrega atualmente 206 países filiados, o que vai
muito além do que o conjunto de países membros
da ONU.
Na vida de hoje, junto com a arte e as chamadas
atividades de expressão cultural, o esporte é, talvez, o
veículo de integração humana que assume a maior
importância.
Na unidimensionalidade, na luta do dia a dia, a
busca da sobrevivência da sociedade hodierna,de
consumo, pós-moderna, como queiram, onde a
pessoa cai no individualismo desagregador, e com
ele chega à solidão, ao alheiamento e ao isolamento,
surge o esporte, em suas diversas formas, inclusive
como lazer passivo dos espectadores do evento
“espetáculo” esportivo, como forma para surgimento
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e consolidação do hoje já tão escasso sentimento
comunitário e de solidariedade.
Por outro lado, como fator de integração social,
age não apenas através do intercâmbio e da
competição interna, mas também através das
participações das representações nacionais, nas pugnas
internacionais, que mobilizam toda a população,
futebol na copa do mundo, por exemplo.
Como fator de integração, de transmissão e
renovação cultural, no esporte se integram e se
identificam pessoas de condições culturais, sociais e
econômicas diversas, além de proporcionar, no seu
âmbito, ao surgimento de lideranças.
Por constituir-se um veículo terapêutico e de
compensação de desajustes pessoais das grandes
concentrações urbanas, o esporte leva à multidimensionalidade, ao rejeitar exclusividade aos fins utilitários
de caráter restrito, facultando o equilíbrio entre:
• espírito e o corpo;
• a afetividade e a energia;
• o indivíduo e o grupo.
A sociologia como fonte do direito desportivo
Em que pese ser a sociologia uma ciência teórica
dos fatos sociais, não se abstrai a possibilidade de
exercer funções práticas na formulação da política
da legislação, para a ciência do direito.
A sociologia como ciência teórica das realidades
sociais, é um dos instrumentos indispensáveis para
abordar o tratamento dos problemas sociais práticos.
O esporte, com as diversas funções sociais que
desempenha, com o direito gerado em suas
manifestações e no seu vasto campo de ação, vai
buscar subsídios no tratamento dos problemas sociais
práticos exercitados pela sociologia.
As normas, os princípios jurídicos, em suma o
direito e a justiça, seus valores, critérios ideais, têm de
ser aplicados, ou pelo menos projetados à realidade
social concreta, em nosso caso, à realidade do esporte,
em um lugar certo, numa certa situação histórica, para
que a aplicação prática desses valores ou princípios
axiológicos a uma realidade social concreta, possa
indicar o programa ideal do direito adequado para a
situação esportiva particular.
Sem dúvida a experiência prática constitui-se
fonte e maneira eficaz de desenvolver as tarefas
concretas da elaboração da lei e da persecução do
direito e da justiça.
São Tomaz de Aquino afirmou a existência de
princípios racionais de valor imutável para toda
conduta humana. Mas, advertiu: “esses princípios têm
o caráter de regras generalíssimas, que, por si mesmas,
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não constituem ainda normas diretamente aplicáveis
à regulamentação de uma sociedade”(Summa
Teológica).
Então, para obter tais normas aplicáveis,
necessário torna-se reportar essas diretrizes genéricas
à realidade concreta que se precisa regulamentar e, aí
então, fabricar a norma específica, resultante da
combinação dos critérios racionais genéricos com os
materiais sociais particulares que se pretende regular.
No caso do direito e da legislação do desporto
há que cogitar-se do duplo conceito de “norma de
direito e norma de cultura”, que, segundo a lição de
Ihering: “O direito não é senão o produto, a fixação
da cultura, preenchendo tais normas de cultura todas
as lacunas em que possa incorrer o direito positivo”.
“A norma de cultura integra-se no conjunto das
regras referentes aos usos sociais, ao estado de
civilização ao convencionalismo, aos costumes, à
norma, à religião, ao equilíbrio da convivência humana,
em suma aos preceitos da vida aceitos pacificamente
e desenvolvidos, porque se harmonizam com as
manifestações de consciência social generalizada na
comunidade” [1]. Nesse mesmo sentido, Max Meyer
asseverou que “a cultura define normas em que se
baseia o direito”.
Como em outro qualquer campo da vida-social,
a norma jurídica no desporto, perde eficácia, quando
não se molda a norma de cultura.
As normas consuetudinárias no desporto
As fontes históricas e os recursos aplicados à
sua realização constituem apanágio do sentimento do
povo e do espírito com que o povo anima as
instituições desportivas.
Assim sendo, a vida do desporto é movimento
popular da vida social, ativada sem interferência estatal
e do seu poder de coerção, sendo na maioria dos
casos, indiferente até à organização política do Estado,
constituindo a soma condensada dos costumes,
tendências, manifestações do instinto, da alma e do
espírito do povo.
As normas do desporto, o direito e a legislação
especializada emanarão naturalmente dos regulamentos, regras e preceitos criados pela própria
instituição do desporto.
O Estado naturalmente incorpora à sua ordem
jurídica o elenco de normas emanadas do esporte,
garantindo o seu cumprimento.
Por tal razão sempre encontramos em nossa
legislação esportiva a consagração do princípio que
impõe:
A adoção do código de regras da entidade
desportiva internacional a que estiver filiada cada
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modalidade desportiva. Consta do teor do D.L. nº
3199/41, da lei nº 6251/75, da lei nº 8672/93 e da
lei 9615/98.
Tal situação leva a concluir também que existe
um direito internacional do desporto, universalização
do direito desportivo.
Assim, as atividades desportivas proporcionam
a auto-regulamentação do desporto, aliás, não destoa
do que acontece, de modo em geral em todo o direito,
que emerge da sociedade, sob pressão dos fatos
sociais, vindo em conseqüência a lei para consagrá-lo,
sistematizá-lo e ordená-lo.
A limitação do direito se dá em função da
utilidade geral e, assim, o costume inaugura a
cristalização do direito, que em suas origens e
desenvolvimento cinge-se numa manifestação natural
e necessária da vida da comunidade, como a língua,
o pensamento, o caráter geral, sendo certo que: “É
da consciência popular que surgem os principais
preceitos da ciência jurídica”.
Nesse sentido aduz João Lyra Filho: “Será
demasia do pensamento acreditar em autonomia
legislativa, sobretudo em matéria de desporto”.
Esta evidência é que se traduz no costume como
fonte do direito, donde podemos concluir que: “O
direito desportivo é constituído pelo conjunto de
normas escritas e consuetudinárias que regulam a
organização e a prática do desporto em geral e das
questões jurídicas que situam a existência do desporto
como fenômeno da vida social” [1].
Em sentido amplo o direito desportivo
acompanha a formação dos direitos civil, penal,
administrativo, do trabalho, financeiro, comercial, etc.
Em sentido restrito é a soma das leis internas,
criadas e formalizadas dentro e por inspiração do
desporto.
Oliveira Viana [2] em “Instituições políticas
brasileiras” asseverou: “Dominados pela preocupação
do direito escrito, não vendo nada além da lei, os nossos
juristas esquecem este vasto sub mundo do direito
costumeiro de nosso povo, de cuja capacidade criadora
o direito desportivo é um dos mais belos exemplos,
porque o sistema de instituições sociais que servem aos
desportos, saídos do seio do povo, da massa urbana,
como emanação sua – traz impressa a sua marca indelével
e oferece uma esplêndida sistematização institucional”.
Universalização do direito desportivo – origens
As raízes brotaram na tradição helênica, que nos
informa sobre as origens do direito desportivo através
dos preceitos e regras dos jogos daquela civilização. Tais
regras eram submetidas a aprovação dos sábios da época,
daí a importância e transcendência pública dos eventos.
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O direito desportivo de então, já continha
características de sanção, necessárias a garantia do cumprimento das regras e normas dos jogos. A transgressão
implicava em penas corporais e pecuniárias.
A aplicação das normas e das penas cabiam aos
juízes , Hellanodice, sem abstrair os encargos do
comissário de polícia , Alitarco. Aí se encontra o
primeiro vestígio da presença da autoridade pública
no desporto, aceita pelo direito desportivo de então,
o que leva a concluir: “O desporto alimenta boa parte
das manifestações da vida social e por isso, requer
organização jurídica apta a prescrever a disciplina de
sua organização institucional”.
O desporto moderno projetou-se com
expressão de amplitude geral, que influência o
comportamento dos homens e renova os marcos da
convivência social.
O desporto resiste às divergências religiosas,
étnicas, políticas, ideológicas, etc., e, talvez por
isso não possa submeter-se ao direito comum de
cada nação, pois, este se define em função de
convicções doutrinárias, religiosas, ideológicas,
econômicas, etc.
Daí a necessidade de um direito próprio para
regular e disciplinar as relações esportivas, que seja
impermeável, principalmente às ideologias e as crenças.
O direito desportivo encontra-se, freqüentemente
em conflito com a positividade das ordenações
jurídicas do direito comum codificado, escapando às
revelações das crenças e as doutrinas e ideologias várias,
além disso, neutraliza até as divergências e ameniza os
ódios e as colidentes posições políticas.
É, portanto, função política do Estado apoiar
os objetivos desportivos, promover o fomento do
desporto e amparar o seu crescimento, e, até reforçar
sua fisionomia independente.
Sendo o desporto alheio aos diversos credos,
políticos e religiosos, o direito desportivo e a legislação
desportiva emanarão naturalmente dos regulamentos, regras e preceitos criados pela própria instituição
do desporto.
Segundo Jean Azema in “La Responsabilité en
Matière de Sports”, “O Direito Desportivo
compreenderá três formas: O Direito Disciplinar, O
Direito Costumeiro e o Direito Estatutário”.
Oriundo das manifestações da vida social, o esporte
e suas manifestações, somente poderão vir a ser reprimidas pelo poder político, que tem o dever de zelar pelas
relações da vida em comunidade, quando vier, o esporte,
a se desviar a ponto de comprometer o bem geral.
Artigo 01 - Eduardo Augusto.pmd
56
Por razões idênticas não são factíveis regras de
jogos privativas de um Estado, nem, legislação comparada, em pontos fundamentalmente contraditórios,
para cotejo do direito desportivo internacional,
construído a maneira de cada país e resultante do
poder arbitrário de homens desviados do sentido
social necessário a vida e à coexistência.
O direito emerge da sociedade, sob pressão dos
fatos sociais, vindo em conseqüência a lei para
consagrá-lo, institucionalizá-lo e ordená-lo.
Conforme já foi explicitado, neste raciocínio, que
as atividades desportivas proporcionam a auto
regulamentação do desporto.
Por último, temos ainda que considerar a
existência de dois fatos no evento desportivo: a
Competição e a Exibição.
A Competição é a prova que apura a capacidade
desportiva. A Exibição é o espetáculo, a manifestação
do interesse que a prova desportiva possa demonstrar.
Quanto maior o apelo, o interesse popular, a
animação, maior a intensidade do espetáculo.
O direito que alcança o espetáculo não apresenta
conteúdo especificamente desportivo, podendo
prevenir incidências no campo do delito e das
contravenções. Por isso já existem normas
disciplinadoras da ação dos espectadores, em razão
principal da preservação de situações que possam
comprometer o desempenho técnico, além das
implicações legais, do hoje existente “esporte
negócio”, do marketing e do merchandising.
Os autores especializados são unânimes: “Direito
Desportivo é um direito autônomo”, o que
colocamos reservas, pois, autonomia no direito, não
é caminho de tão facilitado trajeto.
Autônomo é o ramo jurídico possuidor de
objeto próprio e definido e, por estes parâmetros, o
Direito Desportivo é autônomo. Mas, dentro da
realidade científica do direito, nenhum ramo na
verdade é autônomo, pois todos se entrelaçam a
ponto de chegar a confundir seus princípios, na
perfeita dependência recíproca, pois cada um per se
nada mais representa que os aspectos distintos de uma
só coisa: O Fenômeno Jurídico. A autonomia então é
relativa, atendendo a objetivos específicos.
Referências
1.
2.
Lyra Filho J. Introdução ao direito desportivo. Rio de
Janeiro: Irmãos Pongelti, 1992. p.360.
Melo Filho A. Direito desportivo. Fortaleza: IOCE,
1983. ♦
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ação & movimento - março/abril 2004;1(1)
ARTIGO ORIGINAL
Análise do horário mais adequado
para realizar uma atividade aeróbica
no município de Caratinga-MG
Analysis of the more adjusted schedule to carry out
an aerobic activity in the city of Caratinga – MG
Marcus Vinícius de Mello Pinto*, Maurício Gonçalves Pereira**, Marcos Pereira Quintão**
* Professor Titular de Biofísica da Faculdade de Fisioterapia e Medicina da Fundação Educacional de Caratinga - MG
** Acadêmicos do 10º período de Fisioterapia da Faculdade de Fisioterapia de Caratinga –MG – FAFISC
Resumo
Neste artigo, foi verificado em que período do dia, a variação da pressão arterial e a variação da freqüência cardíaca, foram
mais fisiológicos para o organismo humano, numa caminhada. Foi feito um estudo experimental, no município de CaratingaMG, com uma amostra humana de 13 indivíduos.Todos os participantes caminharam por 1 hora, nos 3 períodos do dia e em
dias alternados. Não foi possível evidenciar uma estatística significativa da variação da pressão arterial e freqüência cardíaca nos
diferentes períodos do dia. Porém quando analisada a preferência subjetiva individual, evidenciamos uma estimada escolha para
o período noturno.
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Palavras-chave: pressão arterial, freqüência cardíaca, caminhada, período do dia
Abstract
In this article, was checked in what period of the day, the variation of the blood pressure and the variation of the cardiac
frequency, were more physiological to the human organism, in a walk. An experimental study was made, at the country of CaratingaMG, with a human sample of thirteen individuals. All participants walked for one hour, on the three periods of the day in different
days. It was not possible to make a significant statistic of blood pressure variation and cardiac frequency on the different periods of
the day. However when analyzed the individual subjective preference, we noticed a choice for the nightly period.
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Key-words: blood pressure, cardiac frequency, walk, period of the day
Artigo recebido em 15 de março de 2004; aceito em 15 de abril de 2004.
Endereço para correspondência: Marcus Vinicius de Mello Pinto, Faculdade de Fisioterapia e Medicina da Fundação
Educacional de Caratinga – MG, E-mail: [email protected] – [email protected]
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ação & movimento - março/abril 2004;1(1)
Introdução
Nos últimos quinze anos, a prática da caminhada,
como modalidade de atividade aeróbica, vem
aumentando muito entre a população brasileira,
tornando-se um fenômeno social inquestionável.
Porém, a maior parte dos participantes desta
modalidade física está desenvolvendo os programas
sem critérios e ao mesmo tempo deixando a deriva
os fundamentos básicos da prática de exercícios
físicos [1,2].
Segundo estatística norte-americana, foi
observado que dentre os programas de atividade física
de resistência aeróbica, a caminhada foi a que teve
maior adesão. Esta atividade pode ser considerada
um esforço físico seguro, pois, os riscos de lesão
cardiovascular são reduzidos quando respeitados os
padrões mínimos de segurança [1].
Por isso, é grande o nosso interesse em
desenvolver um trabalho mais especializado em cima
dessa prática de atividade aeróbica, para que de modo
sistemático e inteligente se maximizem os efeitos
biopositivos e minimizem os efeitos bionegativos, tão
indesejáveis na caminhada.
O sistema cardiovascular proporciona aos
músculos um fluxo contínuo de oxigênio e
nutrientes, de modo que um alto rendimento
energético pode ser mantido por um considerável
período de tempo [3].
Para o coração bombear eficientemente e as
circulações sistêmica e pulmonar operarem em
sincronia deve haver coordenação dos eventos do
ciclo cardíaco, [4] ciclo esse, que é composto por
eventos cardíacos que ocorrem do início de cada
batimento até o início do seguinte. Cada ciclo é
desencadeado pela geração espontânea no nó sinusal
e de um potencial de ação [5].
O sistema cardíaco bombeia de 5 a 6 litros por
minuto de sangue em um indivíduo em repouso [6].
Durante o exercício físico pode-se verificar um
notável desempenho do coração, que chega a
bombear 4 vezes o seu volume de repouso,
aumentando de 5 a 6 litros por minuto até 20 a 25
litros por minuto o seu débito cardíaco [7]. Em geral,
quanto mais freqüente for o batimento cardíaco por
minuto, mais sangue ele poderia bombear,
respeitando certas limitações importantes [5].
A freqüência cardíaca tem uma importância
capital para uma adaptação precisa do desempenho
do coração às condições de esforço.O coração pode
aumentar a sua freqüência cardíaca de 70 batimentos
por minuto em repouso até a 200 batimentos por
minuto sob esforço máximo, triplicando dessa
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58
maneira o “volume-minuto máximo” do não
treinado, que pode alcançar até 20 a 25 litros [7].
A onda de sangue existente com a contração
dos ventrículos e o subseqüente escoamento
observado durante o relaxamento, cria alterações da
pressão dentro das artérias [3]. A pressão mais alta
durante o ciclo cardíaco e que ocorre durante a
contração ventricular é a pressão sistólica e a pressão
mais baixa alcançada antes da próxima contração
ventricular é a pressão diastólica.[3].
Em repouso a pressão sistólica gerada pelo
coração é de aproximadamente de 120 mmHg e de
70 a 80 mmHg durante a diástole, isto, considerando
um indivíduo hígido [3].
Em uma atividade física aeróbica em ritmo
estável como a caminhada, ocorre um aumento do
fluxo sanguíneo e esse maior fluxo sanguíneo
observado durante o exercício moderado e rítmico,
causa uma rápida elevação da pressão sistólica, em
torno de 30%, nos primeiros minutos do exercício.
A seguir a pressão arterial se equilibra em 140 a 160
mmHg. Durante esse tipo de exercício, a pressão
arterial diastólica varia muito pouco, não sendo
comum alterações significativas dos valores obtidos
durante o repouso [3,8].
O produto da freqüência cardíaca pela pressão
sistólica proporciona uma estimativa conveniente da
carga de trabalho imposta ao miocárdio. Esse índice
além de ser utilizado em importantes estudos dos
efeitos dos treinamentos com exercícios sobre o
desempenho cardíaco nos pacientes com cardiopatias
vai ser ponto chave de orientações de fisioterapeutas
e educadores físicos para a prática adequada da
atividade física em indivíduos hígidos, atletas e/ou
cardiopatas [3].
Os fatores ambientais influenciam a taxa
metabólica em repouso. O aumento metabólico em
repouso em um clima mais quente é de 5% a 20%,
o que leva a um maior consumo de oxigênio, em
torno de 5% e conseqüentemente ao aumento da
freqüência cardíaca [3].
Exercício e calor alteram o ciclo cardíaco [9].
Milhões de pessoas realizam exercícios físicos nos
mais diversos locais, como academias, parques
recreativos, praças de forma orientada ou não, contudo,
esses indivíduos estão expostos, durante boa parte do
ano, a uma condição térmica desfavorável, característica
do Brasil, que são temperatura e umidade elevadas.
Esses fatores em conjunto com a prática de atividade
física e a outras condições facilitadoras podem
promover distúrbios termorregulatórios associados ao
calor, que poderão modificar a característica de saúde,
de biopositividade que o exercício deva promover [2].
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ação & movimento - março/abril 2004;1(1)
Portanto, é responsabilidade para fisioterapeutas,
educadores físicos e de outros profissionais que atuam
no meio esportivo aprender a identificar, intermediar
e, melhor ainda, prevenir o aparecimento de um
problema termorregulatório associado ao calor, de
forma a permitir a maior segurança possível ao
praticante de atividade física [2].
O objetivo deste artigo é verificar em qual
período do dia a variação da pressão arterial e a
variação da freqüência cardíaca são mais fisiológicos
para o organismo humano numa atividade aeróbica,
como a caminhada, no município de Caratinga-MG.
Materiais e métodos
Este estudo experimental foi desenvolvido na
praça Cesário Alvim, no turno matutino, vespertino
e noturno, no município de Caratinga-MG, Brasil,
sempre com a supervisão de um profissional
habilitado. Para coleta de dados, foram avaliados 16
indivíduos, porém apenas 13 concluíram a prática
proposta. Dos 13 participantes da nossa pesquisa, 4
são do sexo masculino e 9 do sexo feminino com
idade compreendida entre 20 a 40 anos, média de 25
anos de idade, sendo que todos os indivíduos já
habitam há mais de 4 anos no município e já se
encontram completamente aclimatados. Foram
excluídos os indivíduos que se encontravam com um
tempo de sedentarismo superior a 3 meses e que
tinham uma idade inferior a 20 anos e superior a 40
anos, indivíduos treinados e indivíduos com história
de alterações cardiovascular e respiratório.
Primeiramente, os participantes foram esclarecidos
sobre a pesquisa, sendo que todos assinaram um termo
de consentimento e de permissão para a sua participação.
Cada pessoa submeteu a um questionário de
avaliação cardiovascular e respiratório contendo os
seguintes itens:
• Identificação do paciente
• Dados vitais
• História patológica pregressa
• História social
Foram utilizados para o presente estudo um
esfingmomanômetro aneróide da marca BD e um
estetoscópio da marca BD, um freqüencímetro da
marca Polar, um cronômetro da marca Timex, uma
mesa e uma cadeira.
A aferição da pressão arterial foi realizada na
artéria braquial, no braço direito com o mesmo a
90° e apoiado sobre uma mesa, com o indivíduo na
posição sentado. Foi feita uma aferição antes da
atividade física, certificado que o indivíduo se
Artigo 05 - Marcus Vinícius.pmd
59
encontrava em repouso por pelo menos 5 minutos,
e uma aferição no final da atividade física realizando
a mesma técnica.
A mensuração da freqüência cardíaca foi
realizada automaticamente pelo freqüencímetro. Era
mensurada antes do inicio da atividade física e no
final respeitando os mesmos critérios utilizados na
mensuração da pressão arterial.
Foram colhidas as preferências de cada
participante em relação ao horário em que obteve
melhor e pior desempenho físico.
Todos os dados eram anotados na ficha de
avaliação de cada individuo.
Cada participante realizou uma caminhada
moderada em ritmo estável por 1 hora em um circuito
retangular, nos turnos matutino – no período de 8 às 10
horas-, vespertino – no período de 15 às 17 horas – e
noturno no período de 19 às 21 horas em dias alternados.
Resultados
Os resultados estatísticos foram realizados
utilizando o t-student. O valor t-student calculado é
igual a 1,78 sendo menor que o valor de t-student
tabelado revelando, estatisticamente, que não há
diferença significativa entre as médias das pressões
sistólicas, coletadas no período da manhã, com a parte
da noite, em função do teste ao qual foram
submetidos. O valor de t-student, para pares de
médias de freqüências cardíacas calculadas, é igual a 1, o que é inferior ao t-student tabelado, ocorrendo
aceitação de HO, ou seja, estatisticamente a média da
freqüência cardíaca final de manhã é igual a média da
freqüência cardíaca final da tarde.Os mesmos
resultados acima são válidos para as médias das
freqüências cardíacas do período da tarde e para o
período da noite.Estatisticamente as médias são iguais.
Fig. 1 - Representação gráfica das médias das
pressões arteriais sistólicas e diastólicas iniciaisCaratinga- MG, 2003.
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ação & movimento - março/abril 2004;1(1)
Fig. 2 - Representação gráfica das médias das pressões arteriais sistólicas e diastólicas finais – Caratinga,
MG, 2003.
Fig. 3 - Representação gráfica das médias das freqüências cardíacas iniciais e finais Caratinga-MG, 2003.
A média das freqüências cardíaca inicial
apresentou uma igualdade, sendo que em todos os
períodos do dia analisados foi encontrado 78
batimentos por minuto (bpm). As médias finais foram
de 109 bpm pela manhã, 112 bpm à tarde e 108
bpm à noite.
A variação da freqüência cardíaca foi mais alta à
tarde, em torno de 34 bpm, seguido pelo período
da manhã com uma variação de 31 bpm e o período
da noite com a menor variação, em torno de 30 bpm.
Os resultados das preferências de cada
participantes foram os seguintes: todos os 13 (100%)
escolheram o período da manhã como o pior horário,
20% escolheram o período vespertino como um
horário intermediário e 80 % escolheram o período
noturno como o melhor horário.
Discussão
As figuras 01 e 02 representam as médias
aritméticas da pressão arterial sistólica e diastólica
inicial e final, respectivamente e a figura 03, a média
aritmética das freqüências cardíaca inicial e final de
uma atividade física aeróbica.
A média das pressões arterial sistólica inicial foi
de 96mmHg no período da manhã, 100mmHg no
período da tarde e 104mmHg no período da noite.
A média da pressão arterial diastólica inicial foi de
59mmHg no período da manhã, 60mmHg à tarde e
66mmHg no período da noite.
Em se tratando das médias das pressões artérias
finais foram encontrados os seguintes resultados:
Pressão sistólica de 101mmHg no período da
manhã, 103mmHg no período da tarde e 105mmHg
no período da noite; Pressão diastólica de 56mmHg
no período da manhã, 58mmhg no período da tarde
e 62mmHg no período da noite.
Em relação às variações, foi encontrada uma
diferença de +5mmHg pela manhã, +3mmHg pela
tarde e +1mmHg pela noite quando comparado
os valores das pressões sistólicas. Quando
comparado às pressões diastólicas, foi encontrada
uma variação de -3mmHg no período matutino,
-2mmHg no período vespertino e -4mmHg no
período noturno.
Artigo 05 - Marcus Vinícius.pmd
60
Os resultados da nossa pesquisa não podem ser
considerados como absolutos. Eles podem ajudar a
divulgar experiências profissionais entre fisioterapeutas,
educadores físicos dentre outros profissionais que
atuam utilizando a caminhada como modalidade
terapêutica. Podem gerar hipóteses para serem
investigadas em pesquisas futuras, fornecer material
para o ensino da profissão, motivar a prática
profissional e auxiliar a formular parâmetros e guias
de práticas.
Em análise dos resultados, pode observar-se
que nas variáveis, freqüência cardíaca e pressão
arterial, não houve variações significativas. As
variações da pressão arterial sistólica e pressão arterial
diastólica ficaram dentro do parâmetro fisiológico
para uma atividade física aeróbica moderada. As
mesmas não alteraram mais do que 10 mmHg.
Segundo Lima [10], em um estudo da monitorização
da pressão arterial em normotensos e hipertensos,
encontraram resultados similares, não tendo também
oscilações das pressões arterial sistólica e arterial
diastólica maior que 10 mmHg, quando comparadas
aos níveis de repouso. A freqüência cardíaca não
variou mais do que 34 batimentos por minuto,
ficando também dentro da média fisiológica
permitida para indivíduos normotensos em uma
atividade aeróbica moderada.
Analisando os período matutino, vespertino e
noturno não foi possível determinar, objetivamente o
horário mais apropriado para a prática da caminhada,
observando as variáveis citadas anteriormente. Lima
[1] relata que as caminhadas podem ser realizadas a
qualquer hora do dia ou da noite.
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Em análise às preferências dos indivíduos que
caminharam, em relação ao período do dia, houve
uma porcentagem de 100% de insatisfação para o
período da manhã, como o período de maior
desconforto, ou seja, o período em que ocorreram
elevados efeitos bionegativos. Esses efeitos indesejáveis
da prática da caminhada no período matutino são
justificados por Lima [1], relatando que enquanto
dormimos mantemos nosso organismo trabalhando
numa taxa metabólica muito baixa e ela aumentará
gradativamente em função das solicitações físicas ao
qual o organismo é exposto. Horta [11] reporta ainda
que, tendo a última alimentação ocorrida de 10 ou
12 horas em relação ao despertar, as reservas
energéticas não se encontram máximas. Além disso, a
atividade física reduz mais ainda as reservas energéticas
sanguíneas, podendo com freqüência, instalar quadro
clínico de fadiga, vertigens, cefaléias, dentre outros.
Vários desses sintomas foram relatados pelos
participantes do presente estudo, no período da
manhã.
Apesar dos valores numéricos terem sido
estatisticamente insignificantes, a SBC (Sociedade
Brasileira de Cardiologia) [12] tem demonstrado que
grande parte dos ataques cardíacos ocorrem nas
primeiras horas da manhã, quase sempre durante ou
após um esforço físico.
Fox [13] diz ainda que, os horários de
temperatura extrema devem ser evitados, como por
exemplo, no inverno, em que o ar frio é um agente
agressor à mucosa respiratória. Astrand e Rodahl [14]
reportam que, em situações de extremo calor, os
sintomas como câimbras, sÍncopes, exaustão, podem
tornar-se verdadeiros.
Como o presente estudo foi realizado no
inverno e ainda as mais baixas temperaturas
constatadas no período matutino, a citação anterior
pode vir a justificar a não preferência do período
matutino para a prática da caminhada.
Conclusão
Referências
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
A análise dos dados do presente estudo indicou
que não houve diferença significativa nas variações
da freqüência cardíaca e pressão arterial com a prática
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da caminhada nos 03 períodos do dia. Entretanto,
na análise das preferências individuais, verificou que
o período noturno foi o de maior efeitos
biopositivos, ficando o período matutino o de
elevados efeitos bionegativos, segundo os relatos dos
participantes da pesquisa. Entrementes, não
verificamos inviabilização do estudo pelas limitações
apresentadas, pois, o mesmo forneceu informações
que consideramos preciosas para dar continuidade
em investigações futuras.
61
14.
Lima DF. Caminhada: teoria e prática. Rio de Janeiro:
Sprint, 1998.p. 105.
Marins JCB. Acidentes Termorregulatórios Associados
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Astrand P, Rodahl K. Tratado de Fisiologia do Exercício.
Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. ♦
27/04/04, 16:00
$
ação & movimento - março/abril 2004;1(1)
Resumos
American Institute for Cancer
Research in Washington,
D.C.2004
Pedômetros: inúmeros estudos mostram que eles
podem fazer a diferença
American Institute for Cancer Research recomenda pelo menos uma hora
diária de atividade física moderada como parte de um estilo de vida
saudável para reduzir o risco de câncer. Os pedômetros são dispositivos
eletrônicos que podem ser presos num cinto ou cintura da calça para
medir os passos dados. Profissionais da saúde recomendam atingir o
objetivo de 10.000 passos por dia. Estudos mostram que o uso de
pedômetros, quando usados corretamente, motiva as pessoas a serem
mais ativas, perdem peso, melhoram sua aptidão e pressão sangüínea
Amol Saxena DPM et al, The
American Journal of Sports
Medicine, 11 de março de 2004
Evans NA, Am J Sports Med 2004
Mar-Apr;32(2):534-42
Rompimento da fascia plantar em atletas
Objetivo: Educar os profissionais de medicina dos esportes a estender
o prazo de retorno do atleta a atividade depois de sofrer uma ruptura de
fascia plantar.
Métodos: Pacientes atletas com rupturas de fascia plantar e subseqüente
tratamento foram reavaliados. Os diagnósticos foram baseados em achados
clínicos, e estudos radiográficos foram efetuados. Os pacientes foram
tratados de 2 a 3 semanas com uma bota abaixo do joelho ou bota alta,
sem suporte de peso, e por mais 2 ou 3 semanas com suporte de peso na
bota. Os pacientes eram tratados com fisioterapia.
Resultados: Dezoito atletas, incluindo 6 atletas de elite, foram avaliados.
A idade média foi 40,9 ± 13,2 anos e 12 do sexo masculino e 6 do
feminino. O acompanhamento pós-lesão foi de 42 meses. A duração dos
sintomas antes da fascia plantar variou de 0 a 52 semanas. Apenas duas
rupturas foram medianas. Quatro pacientes tomaram injeção antes da
ruptura. Cinco pacientes usaram ortose antes do ferimento; e 14 usaram
após a lesão. Todos os pacientes retornaram para atividade física após 2 a
26 semanas (média, 9,1 ± 6,0 semanas). Atletas corredores compuseram
predominantemente o coorte; outros jogavam tênis, voleibol e basquetebol.
Conclusão: Usando o protocolo de tratamento, os pacientes com ruptura
da fascia plantar podem conseguir resultados favoráveis com o completo
retorno a atividade. Nenhum dos 18 pacientes teve nova lesão, ou seqüela
pós-ferimento, ou necessidade cirurgia, contrário a outros estudos.
Conceitos atuais em esteróides anabólicos andrógenos
Esteróides anabólicos andrógenos (EAA) são derivativos sintéticos
da testosterona. De acordo com as pesquisas e relatórios, o uso legal ou
ilegal destas drogas está ganhando popularidade. A testosterona restaura
os impulsos sexuais e aumenta a massa muscular, fazendo com que
aumentem na sociedade duas preocupações: aperfeiçoamento do corpo
masculino e sustentação da libido masculina. Os efeitos anabólicos de
Resumos.pmd
62
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ação & movimento - março/abril 2004;1(1)
EAA têm sido questionados por décadas, mas investigações científicas
recentes de doses suprafisiológicas sustentam a eficácia destes regimes. A
testosterona tem potentes efeitos anabólicos no sistema músculoesquelético, incluindo um aumento na massa magra corporal, hipertrofia
das fibras musculares dependendo da dose e aumento da força muscular.
Para os atletas que requerem velocidade e força e o desejo de renovar a
cosmética do músculo, esteróides ilegais são uma poderosa isca, apesar
do risco de efeitos laterais subjetivos. Estudos clínicos recentes descobriram
novos usos terapêuticos para as doses fisiológicas de EAA, sem nenhum
efeito adverso significante a curto prazo. Como conseqüência dos avanços
científicos importantes durante a década passada, os efeitos positivos e
negativos de EAA confirmam uma reavaliação. Diretrizes para uma
avaliação clínica de usuários de AAS serão apresentadas aos profissionais
de medicina esportiva.
Furlanello F et al, Ital Heart J
2003 Dec;4(12):829-37
Efeitos arritmogênicos de drogas ilícitas em atletas
Arritmias cardíacas estão entre as mais importantes causas de nãoelegibilidade para atividades esportivas e pode ser decorrente de
diferentes causas: cardiomiopatias, miocarditis, anormalidades coronárias,
doenças valvulares, distúrbio primário “elétrico”, abuso de drogas ilícitas.
A lista de drogas ilícitas proibidas pelo Comitê Olímpico Internacional
e anualmente atualizadas pela Agência Mundial Anti-Doping inclui as
seguintes classes: estimulantes, narcóticos, agentes anabólicos (esteróides
androgênicos e outros tais como b-2 estimulantes), hormônios peptídeo,
miméticos e análogos, diuréticos, agentes com atividade anti-estrogênica,
agentes mascarados. A maioria das drogas pode causar, direta ou
indiretamente efeito arritmogênico, a curto, médio e longo prazo, uma
grande variedade de arritmias cardíacas (focal ou reentrada,
supraventricular e/ou ventricular), letal ou não, mesmo em sujeitos
saudáveis sem histórico clínico com doenças cardíacas anteriores. Portanto,
deixando o abuso de difusão de drogas ilícitas entre atletas, o cardiologista
que está no gerenciamento de atletas arrítmicos deve sempre levar em
consideração a possibilidade que as arritmias sejam provenientes da
aceitação de drogas ilícitas (ocasionalmente mais de um tipo),
especialmente se não há sinais de doença cardíaca presente. Por outro
lado, na presença de doença cardíaca latente subjacente incluindo
cardiomiopatias hereditárias com risco de morte cardíaca súbita, drogas
ilícitas poderiam induzir a efeitos arrítmicos cardíacos graves.
Maughan RJ et al, School of Sport
and Exercise Sciences,
Loughborough University,
Loughborough LE11 3TU, UK
Resumos.pmd
63
Suplementos dietéticos
Para um treinamento eficiente, o uso de suplementos nutricionais
pelos atletas, torna o treino mais consistente e intensivo e facilitam a
recuperação entre as sessões de treino, reduzindo interrupções no treino
por motivo de doença ou lesão, e melhora a performance competitiva.
Pesquisas mostram que a prevalência do uso de suplementos está distribuída
entre homens e mulheres esportistas, mas o uso de alguns desses produtos
é relatada por uma pesquisa base e muitos podem ser prejudiciais ao
atleta. Alimentos especiais esportivos, incluindo barras e bebidas energéticas,
27/04/04, 16:00
$"
ação & movimento - março/abril 2004;1(1)
têm um papel importante a desenvolver, e alguns suplementos protéicos
e alimentos substitutos podem ser benéficos em algumas circunstâncias.
Onde existe uma deficiência demonstrada de um nutriente essencial, um
consumo alto de alimentos ou suplementos pode ajudar, mas muitos
atletas ignoram a necessidade de precaução no uso de suplementos e
tomar suplementos em doses que não são necessárias ou podem ser
prejudiciais. Muitos suplementos oferecem uma melhoria na
performance; isto inclui creatina, cafeína, bicarbonato e outros. Não existe
evidência que pró-hormônios tais como androstanediona são efetivos
em aumentar a massa muscular ou força, e esses pró-hormônios podem
resultar em conseqüências negativas para a saúde, assim como resultados
positivos no teste antidoping.
Edison Alfredo de Araújo
Marchand, www.efdeportes.com,
julho 2001
A influência da atividade física sobre a saúde mental
de idosos
Muitos estudos apontam a possibilidade de pessoas fisicamente ativas
apresentarem uma melhor saúde mental do que sedentários.
Existem evidências de que idosos internos apresentam maiores índices
de depressão do que os não internos, que a boa saúde física e mental em
idosos tem estreita relação e, de que as atividades sociais refletem de
modo positivo no bem-estar físico e emocional desses indivíduos.
Por este motivo o estudo do processo de envelhecimento é
fundamental para o futuro próximo, criando a possibilidade de prevenir
problemas físicos, mentais e sociais com esta população.
Edisangela Fonseca Alves et al,
www.eddeportes.com, agosto 2001
Proveitos do exercício físico na prevenção e tratamento
da obesidade infanto-juvenil
Nossa pesquisa tem como objetivo verificar se a prática regular de
exercícios físicos contribui na redução do percentual de gordura. Onde
desenvolvemos esta produção científica como uma pesquisa de campo,
com cunho experimental. A qual foi realizada com um grupo constituído
de 14 crianças e adolescentes, com faixa etária entre 9 e 17 anos, previamente
diagnosticados como obesos e com sobrepeso, sendo estes alunos do
Grêmio Escolar Graccho Cardoso localizado na cidade de AracajuSergipe. Dividimos a fase de experimentação em três etapas: pré-teste,
execução de atividades e pós-teste, tendo como variável controle apenas
o exercício físico. Realizamos o pré-teste onde coletamos as medidas de
nove dobras cutâneas, sete circunferências, o peso e a estatura. A segunda
etapa da fase experimental foi realizada com a nossa interferência
pedagógica. E no pós-teste coletamos os mesmos dados do pré-teste. Os
resultados foram estudados de acordo com cinco variáveis: percentual de
gordura médio, peso corporal (kg), gordura corporal (kg), excesso de
gordura (kg) e massa magra corporal (kg). Esses resultados foram
submetidos a cálculos pela inferência estatística do teste t de Student com
nível de significância 5%. O resultado encontrado confirma a hipótese de
que a prática regular de exercícios físicos reduz o percentual de gordura e
conseqüentemente previne a proliferação das células adipócitas durante a
infância e adolescência, assim como trata a obesidade.
Resumos.pmd
64
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ação & movimento - março/abril 2004;1(1)
Diabetes Care, janeiro 2004
A “nova pirâmide alimentar” inclui atividade física para
tratar a obesidade epidêmica
O governo americano pretende renovar as diretrizes da famosa
“pirâmide alimentar” que foi lançada em 1992, em clínicas de saúde e
refeitórios escolares, com ênfase em carboidratos de pães e grãos e
pelo menos 5 refeições por dia incluindo frutas e vegetais. A obesidade
tem aumentado consideravelmente, e hoje em dia aproximadamente
61% dos americanos adultos são obesos e acima do peso. Os centros
de controle e prevenção de doenças recomendam 30 minutos por dia
de exercícios moderados como caminhar, andar de bicicleta. Mais de
60% não conseguem esses níveis. Estudos mostram que os americanos
comem mais gordura e açúcar e muito menos frutas e vegetais do que
o recomendado.
Por exemplo, uma mulher deveria comer 52% mais frutas para
satisfazer os requisitos nutricionais, enquanto que o homem deveria
comer o dobro de frutas que ele come para estar de acordo com o
que os profissionais recomendam. Os americanos não se interessam
pelos vegetais como espinafre e legumes como a ervilha e o feijão,
dois grupos de comida que deixam uma grande variedade de nutrientes
enquanto possuem baixas calorias. As mulheres, precisam comer 330%
mais vegetais verdes enquanto o homem 406% para satisfazer os
requisitos. Apesar de não poder controlar a obesidade epidêmica, o
governo pretende fazer uma drástica revisão geral da pirâmide
alimentar e tentar reduzir aos poucos o problema da obesidade.
British Medical Journal,
janeiro 2004
Prática de exercícios prolonga a sobrevivência de
pacientes com insuficiência coronária aguda
A prática de exercícios prolonga o tempo de morte e internação
hospitalar de pacientes com insuficiência coronária aguda devido à
disfunção ventricular sistólica de acordo a uma meta-análise publicada
em janeiro de 2004 no British Medical Journal. Um estudo randomizado
que incluiu 801 pacientes estáveis com menos de 50% da fração de ejeção
ventricular esquerda foi realizado. Um programa de 8 semanas foi
administrado a 395 pacientes. Um total de 406 sujeitos atuou como
controle. Durante o acompanhamento no período de 159 a 2284 dias,
houve 88 mortes no grupo de exercício, com tempo médio do evento
de 618 dias. No controle, houve 105 mortes, com uma média de evento
de 421 dias, portanto, mortalidade foi reduzida com o exercício. Morte
e internação hospitalar também foram menores nos pacientes do grupo
de exercício. Este endpoint secundário foi alcançado em 127 pacientes
exercício e 173 no controle. Tempo médio de internação hospitalar 426 e
371 dias respectivamente. Os investigadores concluíram que não há
evidencia que um programa de exercícios supervisionado para pacientes
com insuficiência coronária possa ser arriscado e há uma clara evidência
para a redução na mortalidade.
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65
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ação & movimento - março/abril 2004;1(1)
Diabetes in control,
4 fevereiro de 2004
Crianças de 3 anos de idade levam vida sedentária
Novas descobertas sugerem que mesmo crianças de 3 anos não estão
fazendo exercícios suficientes, aumentando a preocupação com o peso,
risco de futuras doenças, bem estar psicológico, comportamento e
capacidade de compreensão.
No primeiro estudo para avaliar os movimentos dos pré-escolares,
cientistas descobriram que crianças de 3 anos de idade são fisicamente
ativas apenas 20 minutos por dia, muito menos do que o recomendado
por dia para esta idade. No estudo publicado na revista Lancet este mês,
cientistas recrutaram 78 crianças. Cada criança de 3 anos usou um
acelerômetro, um monitor do tamanho de uma caixa de fósforos ajustado
ao cós, durante uma semana. O dispositivo, usado desde que a criança se
levantava até a hora que se deitava, fazia uma leitura minuto por minuto
do modelo de atividade física e número de calorias queimadas. Crianças
menores de 3 anos estavam queimando ± 1,300 calorias por dia – menos
do recomendado, ou seja, 1500 calorias. Existem realmente apenas duas
possibilidades, atividade reduzida ou aumento de consumo alimentar.
Porém, os dados indicam que as crianças de 3 anos estão comendo 25%
menos do que as crianças de 25 anos atrás. Não obstante, os níveis de
atividade física reduziram dramaticamente nos últimos 20 anos. No estudo,
as crianças passavam entre 9 ou 10 horas do seu dia quase sem se
movimentar o suficiente para queimar as calorias necessárias. Os principais
culpados são a televisão e o vídeo, mas fora de casa eles também são
menos ativos do que deveriam ser. A maioria dos trajetos são feitos de
carro e muitas crianças andam em carrinhos quando poderiam estar
andando. Os riscos da criança sedentária vão além da obesidade, crianças
ativas tendem a ser mais comportadas e cientistas suspeitam que aprendem
com mais eficácia, talvez porque a atividade física é um estímulo para o
desenvolvimento do cérebro.
Resumos.pmd
66
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ação & movimento - março/abril 2004;1(1)
Normas de publicação ação & movimento
A revista ação & movimento é uma publicação com periodicidade
bimestral e está aberta para a publicação e divulgação de artigos
científicos das áreas relacionadas à Educação Física.
Os artigos publicados na ação & movimento poderão também ser
publicados na versão eletrônica da revista (Internet) assim como em
outros meios eletrônicos (CD-ROM) ou outros que surjam no futuro,
sendo que pela publicação na revista os autores já aceitem estas condições.
A revista acção & movimento assume o “estilo ABNT” (Associação
Brasileira de Normas Técnicas).
Os autores que desejarem colaborar em alguma das seções
da revista podem enviar sua contribuição (em arquivo eletrônico/
e-mail) para nossa redação, sendo que fica entendido que isto não
implica na aceitação do mesmo, o que será notificado ao autor.
O Comitê Editorial poderá devolver, sugerir trocas ou retorno
de acordo com a circunstância, realizar modificações nos textos
recebidos; neste último caso não se alterará o conteúdo científico,
limitando-se unicamente ao estilo literário.
1. Editorial
Trabalhos escritos por sugestão do Comitê Científico, ou por
um de seus membros.
Extensão: Não devem ultrapassar três páginas formato A4 em
corpo (tamanho) 12 com a fonte Times New Roman com todas as
formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobrescrito, etc; a
bibliografia não deve conter mais que dez referências.
2. Artigos originais
São trabalhos resultantes de pesquisa científica apresentando
dados originais de descobertas com relação a aspectos
experimentais ou observacionais, e inclui análise descritiva e/ou
inferências de dados próprios. Sua estrutura é a convencional
que traz os seguintes itens: Introdução, Métodos, Resultados,
Discussão e Conclusão.
Texto: Recomendamos que não seja superior a 12 páginas,
formato A4, fonte English Times (Times Roman) tamanho 12, com
todas as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobre-escrito,
etc. O total de caracteres não deve ultrapassar 25.000/30.000 caracteres,
inclusos espaçamentos.
Tabelas: No máximo seis tabelas, no formato Excel/Word.
Figuras: No máximo 8 figuras, digitalizadas (formato .tif ou
.gif) ou que possam ser editados em Power-Point, Excel, etc.
Bibliografia: É aconselhável no máximo 50 ref. bibliográficas.
Os critérios que valorizarão a aceitação dos trabalhos serão
o de rigor metodológico científico, novidade, interesse profissional,
concisão da exposição, assim como a qualidade literária do texto.
3. Revisão
São trabalhos que versem sobre alguma das áreas relacionadas à
Educação Física, que têm por objeto resumir, analisar, avaliar ou sintetizar
trabalhos de investigação já publicados em revistas científicas. Quanto
aos limites do trabalho, aconselha-se o mesmo dos artigos originais.
4. Atualização
São trabalhos que relatam informações geralmente atuais sobre
tema de interesse dos profissionais de Educação Física (novas técnicas,
normas-publicacao.pmd
67
legislação, por exemplo) e que têm características distintas de um
artigo de revisão.
5. Relato de caso
São artigos que representan dados descritivos de um ou mais
casos explorando um método ou problema através de exemplo.
Apresenta as características do indivíduo estudado, com indicação
de sexo, idade.
6. Comunicação breve
Esta seção permitirá a publicação de artigos curtos, com maior
rapidez. Isto facilita que os autores apresentem observações, resultados
iniciais de estudos em curso, e inclusive realizar comentários a
trabalhos já editados na revista, com condições de argumentação
mais extensa que na seção de cartas do leitor.
Texto: Recomendamos que não seja superior a três páginas,
formato A4, fonte Times New Roman, tamanho 12, com todas as
formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobre-escrito, etc.
Tabelas e figuras: No máximo quatro tabelas em Excel e figuras
digitalizadas (formato .tif ou .gif) ou que possam ser editados em
Power Point, Excel, etc
Bibliografia: São aconselháveis no máximo 15 referências
bibliográficas.
5. Resumos
Nesta seção serão publicados resumos de trabalhos e artigos
inéditos ou já publicados em outras revistas, ao cargo do Comitê
Científico, inclusive traduções de trabalhos de outros idiomas.
6. Correspondência
Esta seção publicará correspondência recebida, sem que
necessariamente haja relação com artigos publicados, porém
relacionados à linha editorial da revista. Caso estejam relacionados a
artigos anteriormente publicados, será enviada ao autor do artigo ou
trabalho antes de se publicar a carta.
Texto: Com no máximo duas páginas A4, com as especificações
anteriores, bibliografia incluída, sem tabelas ou figuras.
Preparação do original
1. Normas gerais
1.1 Os artigos enviados deverão estar digitados em processador
de texto (Word), em página de formato A4, formatado da seguinte
maneira: fonte Times New Roman, tamanho 12, com todas as
formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobrescrito, etc.
1.2 Numere as tabelas em romano, com as legendas para cada
tabela junto à mesma.
1.3 Numere as figuras em arábico, e envie de acordo com as
especificações anteriores.
27/04/04, 16:00
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ação & movimento - março/abril 2004;1(1)
As imagens devem estar em tons de cinza, jamais coloridas, e
com qualidade ótima (qualidade gráfica – 300 dpi). Fotos e desenhos
devem estar digitalizados e nos formatos .tif ou .gif.
1.4 As seções dos artigos originais são estas: resumo,
introdução, material e métodos, resultados, discussão, conclusão e
bibliografia. O autor deve ser o responsável pela tradução do
resumo para o inglês e também das palavras-chave (key-words). O
envio deve ser efetuado em arquivo, por meio de disquete, zipdrive, CD-ROM ou e-mail. Para os artigos enviados por correio em
mídia magnética (disquetes, etc) anexar uma cópia impressa e
identificar com etiqueta no disquete ou CD-ROM o nome do
artigo, data e autor, incluir informação dos arquivos, tais como o
processador de texto utilizado e outros programas e sistemas.
2. Página de apresentação
A primeira página do artigo apresentará as seguintes
informações:
- Título em português e inglês.
- Nome completo dos autores, com a qualificação curricular
e títulos acadêmicos.
- Local de trabalho dos autores.
- Autor que se responsabiliza pela correspondência, com o
respectivo endereço, telefone e E-mail.
- Título abreviado do artigo, com não mais de 40 toques, para
paginação.
- As fontes de contribuição ao artigo, tais como equipe,
aparelhos, etc.
3. Autoria
Todas as pessoas consignadas como autores devem ter
participado do trabalho o suficiente para assumir a responsabilidade
pública do seu conteúdo.
O crédito como autor se baseará unicamente nas
contribuições essenciais que são: a) a concepção e desenvolvimento,
a análise e interpretação dos dados; b) a redação do artigo ou a
revisão crítica de uma parte importante de seu conteúdo intelectual;
c) a aprovação definitiva da versão que será publicada. Deverão ser
cumpridas simultaneamente as condições a), b) e c). A participação
exclusivamente na obtenção de recursos ou na coleta de dados não
justifica a participação como autor. A supervisão geral do grupo de
pesquisa também não é suficiente.
4. Resumo e palavras-chave (Abstract, Key-words)
Na segunda página deverá conter um resumo (com no máximo
150 palavras para resumos não estruturados e 200 palavras para os
estruturados), seguido da versão em inglês.
O conteúdo do resumo deve conter as seguintes informações:
- Objetivos do estudo.
- Procedimentos básicos empregados (amostragem,
metodologia, análise).
normas-publicacao.pmd
68
- Descobertas principais do estudo (dados concretos e estatísticos).
- Conclusão do estudo, destacando os aspectos de maior
novidade.
Em seguida os autores deverão indicar quatro palavras-chave
para facilitar a indexação do artigo.
5. Agradecimentos
Os agradecimentos de pessoas, colaboradores, auxílio financeiro
e material, incluindo auxílio governamental devem ser inseridos no
final do artigo, antes das referências, em uma secção especial.
6. Referências
As referências bibliográficas devem seguir o estilo ABNT .
As referências bibliográficas devem ser numeradas por numerais
arábicos entre parênteses e relacionadas em ordem na qual aparecem
no texto, seguindo as seguintes normas:
Livros - Número de ordem, sobrenome do autor, letras iniciais
de seu nome, ponto, título do capítulo, ponto, In: autor do livro (se
diferente do capítulo), ponto, título do livro, ponto, local da edição,
dois pontos, editora, vírgula, ano da impressão, ponto, páginas inicial
e final, ponto.
Exemplos:
Livro:
May M. The facial nerve. New-York::Thieme, 1986.
Capítulo ou parte de livro:
Phillips SJ. Hypertension and Stroke. In: Laragh JH, editor.
Hypertension: pathophysiology, diagnosis and management. 2nd ed.
New-York:: Raven press, 1995. p.465-78.
Artigos – Número de ordem, sobrenome do(s) autor(es), letras
iniciais de seus nomes (sem pontos nem espaço), ponto. Título do
trabalho, ponto. Título da revista ano de publicação seguido de vírgula,
número do volume, número do fascículo, páginas inicial e final, data e
ponto. Não utilizar maiúsculas ou itálicos. Devem ser citados todos os
autores até 6 autores. Quando mais de 6, colocar a abreviação latina et al.
Exemplo:
Almeida C, Monteiro M. Descrição de duas novas espécies
(Homoptera). Revista Brasileira de Zoologia, Curitiba, v.9, n.1/2, p.5562, mar./jun.1992.
Os artigos, cartas e resumos devem ser enviados para:
Jean-Louis Peytavin
Atlantica Editora
Rua da Lapa, 180/1103 - Lapa
20021-180 Rio de Janeiro RJ
Tel: (21) 2221 4164
E-mail: [email protected]
27/04/04, 16:00
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ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
educação física e desportos
Índice
Volume 1 número 2 - maio/junho de 2004
E DITORIAL
Pedagogia do movimento como prática integralizadora, Luiz Alberto Batista .....................................
71
A RTIGOS ORIGINAIS
Características da relação da massa corporal, estatura, dobras cutâneas força e
maturação sexual em escolares de dois níveis sócio-econômicos de Uberlândia,
Humberto de Carvalho, Sérgio Pepato ....................................................................................................................
73
Perfil de praticantes de atividade física na pista do Maracanã,
Valdo Vieira, Marcos Santos Ferreira ........................................................................................................................
81
REVISÃO
Que visão sobre velhice norteia as pesquisas na área da educação física?
Rosemary Rauchbach ...................................................................................................................................................
91
Psicomotricidade: um olhar descritivo de suas vertentes, Danielle Mendonça e Silva,
Atos Prinz Falkenbach .................................................................................................................................................. 102
AT UA L I Z A Ç Ã O
A vontade de poder no jogo, Jeferson José Moebus Retondar ...................................................................... 112
A experiência do risco no alpinismo, Ana Luísa Pereira ................................................................................. 124
RESUMOS ................................................................................................................................................................ 129
NORMAS DE PUBLICAÇÃO .................................................................................................................... 134
EVENTOS ................................................................................................................................................................. 136
indice+sumario+editorial.pmd
69
12/07/04, 14:17
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ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
educação física e desportos
Editor
Luiz Alberto Batista (UERJ)
Conselho editorial
Antônio Teixeira Marques (Universidade do Porto - Portugal)
Christian Pociello (Universidade de Paris XI - França)
Eduardo Augusto Viana da Silva (UERJ)
Fernanda Barroso Beltrão (UFRJ, UCB)
Francisco Sobral (Universidade de Coimbra - Portugal)
Heron Beresford (UERJ, UCB)
Jacques de France (Universidade de Paris X - França)
João Ricardo Moderno (UERJ)
Jorge Olimpo Bento (Universidade do Porto - Portugal)
José Manuel da Costa Soares (Universidade do Porto – Portugal)
José Sérgio Leite Lopes (UFRJ, Museu Nacional)
José Silvio de Oliveira Barbosa (UERJ)
Marco Antonio Guimarães da Silva (UFRRJ, UCB)
Martha Lovisaro do Nascimento (UERJ)
Paulo Coelho de Araújo (Universidade de Coimbra - Portugal)
Paulo Farinati (UERJ)
Ricardo Vélez Rodrigues (UFMG)
Vernon Furtado de Silva (UERJ, UCB)
Rio de Janeiro
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São Paulo
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6 números ao ano + 1 CD-ROM
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Representante de Assinatura:
A.Shalon (11) 3361-5595
Colaboradora da redação
Guillermina Arias
Editoração e arte
Andréa Vichi
Administração
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Editor executivo
Dr. Jean-Louis Peytavin
[email protected]
Publicidade e marketing
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Atendimento ao assinante
Ingrid Haig
Redação e administração
(Todo o material a ser publicado deve
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ou endosso da qualidade ou do valor do produto ou das asserções de seu fabricante.
indice+sumario+editorial.pmd
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09/07/04, 15:34
%
ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
EDITORIAL
Pedagogia do movimento
como prática integralizadora
Luiz Alberto Batista
Editor científico
Doutor em Ciências do Desporto, Professor do Programa de Pós-Graduação do IEFD/UERJ
nas disciplinas Método Científico e Biomecânica
O profissional de Educação Física lida, direta e
intensamente, com a cultura do movimento corporal do ser
humano, em todas as suas dimensões, empreendendo ações
educativas diversas. Esta atuação implica em utilizar uma
série de informações e procedimentos, oriundos de diferentes
fontes, promovendo um constante entrosamento entre
ciência, técnica e vivência acumulada, com o propósito genérico
de educar. Neste contexto a quantidade de conhecimentos
que perpassam um simples procedimento profissional pode
ser extremamente variável. Provavelmente, quanto mais
complexa for a ação, na qual estiver o professor envolvido, e
mais intrincados forem os propósitos objetivados, maiores
serão a quantidade e profundidade dos conhecimentos
necessários à configuração estrutural das ações empreendidas.
Estas últimas, consequentemente, também deverão
configurar-se com maior grau de complexidade, de forma a
delinear uma trama de base mais adequada ao suporte que
devem fornecer.
Este quadro de alta complexidade é necessário e
pertinente, tendo em vista as características particulares, que
compõem a totalidade do corpo biofísico, psíquico, social e
histórico com e para o qual trabalhamos. De certa forma é com
o propósito de agir sobre estas características, seja utilizandoas, ou provocando alterações no estado de seu diversificado
rol, ou mesmo procurando fazer estas duas coisas, que
conduzimos nossos processos de intervenção educativa.
Sendo assim, parece ser producente aceitar como fato
concreto, a existência de várias e diversificadas abordagens
indice+sumario+editorial.pmd
71
através das quais é possível, parcialmente, compreender tanto
os pacientes de nossas intervenções profissionais, quanto as
ações que deles emanam.
Dizemos parcialmente, pois é desta forma que o
movimento corporal é abordado quando utilizamos
estratégias diversas tomando como base orientações,
simplesmente, multidisciplinares. Alias este é o único
compromisso possível para uma abordagem assim
configurada, a saber: Propiciar o entendimento das partes de
um todo. Nada para além disso ela se obrigada a alcançar e,
em virtude disto, é o máximo que lhe podemos cobrar.
Com certeza os estudiosos do assunto e os leitores
mais atualizados objetar-nos-ão afirmando que tal tema, o da
multidisciplinaridade, já está ultrapassado e que debate-lo não
significa trabalhar qualquer grau de novidade. Alias o consenso
acerca desse fato parece ser uma realidade já há algum tempo. A
própria constituição das grades curriculares dos cursos de
Educação Física, desde sempre multidisciplinares, é uma
evidência cabal da concretude de tal perspectiva.
Não obstante a precisão de tal objeção, entendemos
que a discussão sobre multidisciplinaridade pode ter sido
superada nos debates calorosos entre doutos, porém seus
efeitos parecem não terem sido ainda superados no contexto
da prática docente concreta, onde tal lógica ainda é dominante.
Infelizmente os fatos têm demonstrado que adotar a premissa
da composição multifatorial, acima mencionada, não significa
promover compreensão dos fenômenos do contexto
educacional na sua completude. Como foi dito a compreensão
12/07/04, 14:17
%
ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
é parcial, o que faz com que, na maioria dos casos, o exame
e a intervenção se façam de maneira fragmentada.
Ao que parece, formar um professor de Educação Física
proficiente em diferentes campos de conhecimento não tem
garantido a concretização de uma abordagem interdisciplinar
no momento em que o mesmo implementa suas ações
técnico-profissionais. O que se vê, na atualidade, é a presença
marcante de uma tendência, segundo a qual o profissional
utiliza, para justificar suas ações, as informações provenientes
do campo de conhecimento que domina com maior
profundidade, deixando de considerar algumas variáveis
intervenientes, talvez, hierarquicamente, mais importantes
em determinadas circunstâncias, pelo fato delas não serem
contempladas pelo setor do qual retiram sua sustentação
epistêmica. O resultado disto é um quadro, comumente
encontrado em nossos dias, no qual o professor fundamenta
suas ações em alguns poucos campos, quando não em um
só, ou em uma única fonte, de conhecimento.
Muito embora não vejamos este fato como um erro
do profissional, dado ser ele pertinente ao estado da arte
dominante no presente momento, é preciso ter claro que
esta, provavelmente, não é a forma mais produtiva de atuação,
o que nos remete à necessidade de promover efetivas
mudanças no quadro atual. Acreditamos que no decurso
desta mudança devemos, obrigatoriamente, passar pela
identificação dos pontos comuns, presentes nos eventos
abordados, evoluir para a promoção das relações entre os
campos de conhecimento existentes, com vistas a um
produto integrado.
Novamente poderão objetar-nos indicando que
mesmo a defesa da necessária interdisciplinaridade não
constitui um tema novo, com o que concordamos
completamente. No entanto, muito embora a discussão acerca
da interdisciplinaridade esteja avançada no campo do debate
teórico, lembramos que no ambiente da efetiva prática
profissional ainda não superamos, em amplitude
significativa, a multidisciplinaridade. As histórias de sucesso,
no sentido dessa superação, ainda são pontuais, muitas vezes
casuais e não generalizáveis.
Parece-nos por demais esgotado o modelo, ainda
predominante no contexto atual, segundo o qual
proporcionamos uma formação multidisciplinar aos futuros
professores de Educação Física na expectativa de que, a partir
da posse dessa base eles evoluam, quase que de forma
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72
espontânea e autônoma, para uma aplicação interdisciplinar
dos conteúdos, no decurso de seu exercício profissional. Sem
dúvida alguma, já há algum tempo debatemos acerca da
interdisciplinaridade e, ao que parece, é chegada a hora de
transcendermos à discussão no campo teórico, fazendo com
que ela se efetive na prática.
Segundo nosso ponto de vista abundam conhecimentos específicos e faltam estratégias de integração, sendo
necessário instrumentalizar os profissionais com equipamentos
pedagógicos que os possibilitem tornar efetiva a trama
interdisciplinar necessária à efetivação de atos educativos
integralizados. Existe, portanto, uma demanda de
conhecimentos necessários à instrução de tais processos e
urge instituirmos a sua elaboração e veiculação, o que nos
leva à obrigação de produzir-se distintos materiais, não
obstante a vasta quantidade de informações já produzidas.
Sendo assim algumas ações podem ser empreendidas
no sentido de contribuir com a construção, com o exame
investigativo e com a veiculação de estratégias pedagógicas
integralmente consolidadas, tais como: inventariar o acervo
de conhecimento existente através de intensos e extensos
trabalhos de revisão, com o propósito de analisarmos o seu
conteúdo e verificarmos em que medida as informações
produzidas atendem à perspectiva da formação de estratégias
pedagógicas, como as acima tipificadas, assim como identificar
quais são as carências gnoseológicas a serem supridas no
sentido de propiciar o alcance de tal meta; formular propostas,
rigorosamente fundamentas, a serem utilizadas na
estruturação de trabalhos de investigação científica acerca de
questões oriundas do contexto da prática pedagógica, assim
como na estruturação das próprias estratégias pedagógicas,
como forma de atualizar o repertório técnico das pessoas
que atuam nesses contextos; relatar casos, oriundos da
vivência empírica de professores de Educação Física, quando
no exercício de sua prática profissional, nos quais estão
presentes contextos problemáticos permeados por fatos
inerentes às discussões pedagógicas acima tipificadas;
apresentar os resultados de pesquisas científicas originais as
quais tenham sido elaboradas para examinar problemas
provenientes do contexto da pedagogia cultural do
movimento humano, de forma que a comunidade de
especialistas possa ratificar ou promover a retificação do
produto de tais investigações, colaborando com a
consolidação e crescimento deste setor.
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ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
ARTIGO ORIGINAL
Características da relação da massa corporal,
estatura, dobras cutâneas força e maturação
sexual em escolares de dois níveis sócioeconômicos de Uberlândia
Characteristics of the relation of the weight body, height,
cutaneous folds and sexual maturation in scholars of two social
and economical levels from Uberlândia
Humberto de Carvalho*, Sérgio Pepato**
*Professor de Cinesiologia do Curso de Educação Física da Faculdade Santa Giulia,
**Coordenador do Curso de Educação Física da Faculdade Santa Giulia
Resumo
O presente estudo teve como objetivos verificar a relação entre massa corporal, estatura, dobras cutâneas, força de preensão
manual e maturação sexual entre escolares de dois níveis sócio-econômicos distintos (nível sócio-econômico baixo e nível sócioeconômico médio-alto). Foram avaliadas aproximadamente 1200 crianças na faixa etária de 6 a 16 anos de idade, de ambos os sexos,
de 3 escolas públicas do ensino fundamental da cidade de Uberlândia – MG. Todos os testes e medidas foram realizados na escola,
com exceção do teste de maturação sexual que foi realizado em casa acompanhado pelos pais ou responsáveis, juntamente com um
questionário para avaliar o nível sócio-econômico. Só participaram da pesquisa aquelas crianças cujos pais ou responsáveis autorizaram
a realização do trabalho assinando uma carta de consentimento. Foi aplicado o teste U de Mann-Whitney, considerando-se o sexo
e a faixa etária dos sujeitos a fim de observar o grau de significância obtido com sujeitos de ambos os níveis sócio-econômicos. O
nível de significância foi estabelecido em 0,05, em uma prova bilateral. Os resultados desse estudo mostraram que nos dois níveis
sócio-econômicos as crianças têm um desenvolvimento similar, portanto o nível sócio-econômico provavelmente não tenha
influenciado decisivamente para o desenvolvimento corporal dessas crianças e desses adolescentes, entretanto as crianças do nível
sócio-econômico médio-alto mostraram maiores valores de dobras cutâneas com relação ao sexo masculino, determinando
provavelmente um possível nível de sobrepeso e obesidade maior que no nível sócio-econômico baixo.
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Palavras chave: escolares, antropometria, composição corporal, crescimento e desenvolvimento.
Artigo recebido em 25 de maio de 2004; aceito em 5 de junho de 2004.
Endereço para correspondência: Humberto de Carvalho, Av. Bélgica 614, Tibery, 38405-030 Uberlândia, MG
Tel: (34) 32136230, E-mail: [email protected]
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ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
Abstract
The objectives of this current research was to verify the relationship among body weight, height, cutaneous folds, manual
catch strength and sexual maturation among elementary school’s students from different social and economical levels (low and
middle-high social and economical level). It was evaluated roughly 1200 children aged 6-16 years old, both sexes, from three
public elementary schools from Uberlândia-MG. All the tests and measures had been carried through in the school with
exception of the test of sexual maturation that was carried through in their house followed by parents or their responsible
together with a questionnaire to evaluate the social and economical level. Those children had only participated of the research
whose responsible or parents had authorized the accomplishment of the work signing an assent letter. It was applied the U
Mann-Whitney test, considering sex and age of the students in order to observe the significance degree obtained in both social
and economical levels. The significance level was established in 0,05, in a bilateral proof. This research has showed that children
have a similar development in both social and economical levels. Therefore, probably the social and economical level haven’t
influenced decidedly in the body development of these children and teenagers. However, the children from middle-high social
and economical level showed larger values of cutaneous folders in relation to male sex, established probably a possible overweight
and obesity higher than in lower social and economical level.
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Key words: Scholars, anthropometry, body composition, growth and development
Introdução
É creditada aos organismos jovens, a atribuição
de crescer e desenvolver, através de um processo
evolutivo desde a concepção até a idade adulta. Larson
[1] cita que o crescimento é o aumento na massa e no
tamanho total do corpo; e o desenvolvimento é a
mutação e diferenciação dos tecidos e órgãos.
Cronologicamente, a adolescência corresponde
ao período de 10 a 19 anos, sendo este dividido em
duas fases: fase 1-10 a 14 anos, e fase 2-15 a 19 anos.
A faixa etária compreendida entre 10 e 14 anos inclui
o início das mudanças puberais. E segundo a
Organização Mundial da Saúde OMS citada por
Albano [2], o término da fase de crescimento e de
desenvolvimento morfológicos ocorre no período
de 15 a 19 anos.
A estatura humana torna-se maior e o
crescimento se dá mais rapidamente, na proporção
em que maior seja a riqueza do país, melhores sejam
as casas, as roupas e a nutrição e menores sejam o
trabalho, a fadiga e a privação durante a infância e a
juventude; em outras palavras, as circunstâncias que
acompanham a pobreza retardam a idade na qual é
atingida a estatura completa e diminuem a estatura
humana [3].
Alguns estudos com crianças e adolescentes,
contudo, mostraram associação entre IMC e gordura
corporal como os de Pietrobelli et al. [4], de Daniels
et al. [5], e de Freedman [6].
Força muscular é definida como o pico ou torque
desenvolvido durante um esforço máximo voluntário,
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74
[7]. Na literatura, existe informação suficiente sobre os
fatores que determinam força e a treinabilidade dessa
capacidade em adultos [8]. Em contrapartida, pouco
se sabe a respeito dos determinantes de força ou sua
treinabilidade em crianças.
Porém o estudo do desenvolvimento da força
no adolescente é de grande importância, pois a força
é a essência do movimento [9]. Durante este período
a força passa a ter um papel fundamental na Educação
Física, que nesta fase deve se caracterizar pelo
refinamento das habilidades motoras aprendidas nas
fases anteriores do desenvolvimento [10]. Para que
este trabalho seja conduzido de forma adequada
torna-se imprescindível o conhecimento do nível de
desenvolvimento em que se encontra o aluno para
que sejam feitos ajustes na intensidade de trabalho,
grupamento de alunos de forma homogênea, visando
assegurar a cada criança ou adolescente a
oportunidade de desenvolver plenamente as suas
capacidades [11].
Malina e Mueller [12] enfatizam a importância
das relações entre dimensões corporais, expressa por
relações de peso e estatura, e de medidas de força.
As modificações somáticas, segundo Parisková [13],
devem-se a mudanças importantes no plano funcional
do organismo as quais fazem desenvolver maior
capacidade para o exercício físico, como resultado
do desenvolvimento muscular que acontece
sobretudo no sexo masculino.
O conjunto de transformações que ocorrem
durante o desenvolvimento varia de indivíduo para
indivíduo, de acordo com as características genético-
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ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
hereditárias e das interferências do próprio meio em
que cada um vive, pois o que define o crescimento e
o desenvolvimento é a interação entre o potencial
genético e as condições ambientais [14].
As disparidades sócio-econômicas existentes no
nosso país nos levam a crer que possa haver diferenças
consideráveis não apenas nas variáveis peso, altura e
gordura subcutânea, mas também nos graus de
maturação sexual de seus habitantes quando
relacionados a cada faixa etária. Acreditamos que tal
afirmação também é verdadeira para uma cidade
como Uberlândia, caracterizada como de porte médio
com aproximadamente 500 mil habitantes, onde
vivem pessoas e diversas classes sociais, coexistindo
um baixo nível sócio-econômico e cultural das
periferias, com a população que vive na região central
da cidade, de maior poder aquisitivo, social e cultural.
Entretanto ao par desta diversidade social
existem poucas pesquisas nacionais correlacionando
simultaneamente as variáveis que aqui foram
enfocadas. Neste sentido, pretendemos realizar um
estudo envolvendo o peso, estatura, força, dobras
cutâneas e o estadiamento dos graus de maturação
sexual através das características da pilosidade pubiana,
relacionando-os com a idade cronológica. Estes
dados serão obtidos de escolares do primeiro grau,
pertencentes a famílias caracterizadas como oriundas
de dois níveis sócio-econômicos.
Material e métodos
O presente estudo teve como objetivos verificar
a relação entre massa corporal, estatura, oito dobras
cutâneas (bíceps, tríceps, sub-escapular, supra-ilíaca,
peitoral, abdominal, coxa, e panturrilha) força de
preensão manual e maturação sexual em escolares em
dois níveis sócio-econômicos distintos (baixo e médioalto), com o intuito de contribuir ao melhor
conhecimento dos aspectos antropométricos e da
aptidão física relacionada à saúde e de analisar o nível
de desenvolvimento em que se encontram os alunos
do ensino fundamental da cidade de Uberlândia – MG.
Para o desenvolvimento do estudo foram
avaliadas aproximadamente 1200 crianças de 6 a 16
anos de idade, de 3 escolas públicas que atendem a
essa faixa etária e aos níveis sócio-econômicos.
As escolas foram previamente notificadas e
agendaram o período para o recebimento da equipe
a fim de explicar o trabalho a ser desenvolvido e
como este seria realizado.
As medidas e os testes realizados na escola foram
feitos em forma de circuito. Foram montadas estações
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75
para cada medida e teste a serem realizados, e as
crianças passaram por cada uma das estações,
findando a avaliação. Este esquema de avaliação
mostrou-se bastante dinâmico e produtivo.
A massa corporal foi medida seguindo a
padronização proposta por Gordon et al. [15] . O
avaliado deve estar em pé, de costas para a escala da
balança, com afastamento lateral dos pés, estando a
plataforma entre os mesmos. Em seguida, ele se
coloca sobre e no centro da plataforma, na posição
anatômica com a massa do corpo igualmente
distribuído entre ambos os pés, ereto e com o olhar
num ponto fixo à sua frente. O avaliado deve usar o
mínimo de roupas possível e a medida é registrada
com uma resolução de 100 g.
A medida da estatura será realizada seguindo a
padronização proposta por Gordon et al. [15]. O
avaliado deve estar descalço ou com meias finas e o
mínimo possível de roupas para que a posição do
corpo possa ser vista. Deve ficar em posição
anatômica, sobre a base do estadiômetro, que deve
formar um ângulo reto com a borda vertical do
aparelho. A massa do avaliado deve ser distribuída
em ambos os pés, e a cabeça posicionada no Plano
Horizontal de Frankfurt. Os braços, livremente soltos
ao longo do tronco, com as palmas voltadas para as
coxas. O avaliado deve manter os calcanhares unidos
e tocando a borda vertical do estadiômetro.
Para o teste de força, de acordo com França e
Vívolo [16], foi utilizado um dinamômetro manual
em que o avaliado na posição ortostática segura o
aparelho com a mão e com o braço estendido ao
longo do corpo, realiza-se a preensão manual. Esse
processo foi realizado três vezes e utiliza-se a maior
das medidas.
A padronização para as medidas de espessura
de dobras cutâneas utilizadas neste estudo foi a mesma
descrita por Costa [17]. As medidas de dobras
cutâneas foram sempre realizadas no hemicorpo
direito do avaliado, utilizando o dedo indicador e o
polegar da mão esquerda para diferenciar o tecido
adiposo subcutâneo do tecido muscular.
Aproximadamente a um centímetro abaixo do ponto
de reparo pinçado pelos dedos introduz-se as pontas
do compasso. Para a execução da leitura aguardouse em torno de dois segundos.
Foi enviado para aos alunos participantes da
pesquisa uma anamnese em que pudemos avaliar o
nível sócio-econômico das crianças. Na anamnese
constou também o teste de maturação sexual pelo
grau de pilosidade pubiana proposto por Tanner
[18]. Uma prancha composta por seis figuras em
vários graus de desenvolvimento. A criança, em casa,
acompanhada dos pais ou responsáveis assinala na
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%$
ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
Maturação sexual; FM – Força de preensão manual;
TR – dobra cutânea do tríceps; SE – dobra cutânea
sub-escapular; PT – dobra cutânea da panturrilha;
PE – dobra cutânea do peitoral; BI – dobra
cutânea do bíceps; SI – dobra cutânea supra-ilíaca;
Ab – dobra cutânea abdominal; CX – dobra
cutânea da coxa.
A seguir veremos as tabelas com médias e desvio
padrões dos dados coletados e também as
probabilidades encontradas através da aplicação do
teste de Mann-Whitney a fim de observarmos o grau
de significância dos dados para meninos e meninas
de seis a dezesseis anos de idade, sendo escolares do
ensino fundamental da cidade de Uberlândia, de dois
níveis sócio-econômicos.
prancha a figura que mais se assemelha com sua
região pubiana.
Os pais receberam uma carta explicando o
propósito das avaliações. Somente participaram do
estudo aquelas crianças cujos pais ou responsáveis
autorizaram por meio da assinatura da mesma
consentindo a realização do estudo.
Resultados e discussões
Os resultados desse estudo foram organizados
em tabelas para facilitar a análise e discussão dos dados.
Para facilitar o entendimento das tabelas a seguir
tem-se: P – Massa corporal; E – Estatura; MS –
Tabela I - Médias das medidas obtidas com sujeitos do sexo feminino, com idades variando entre 6 e 16 anos,
nível sócio-econômico baixo.
Idades
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
P
23,78
23,35
23,78
28,49
30,33
37,67
43,10
49,79
48,55
57,28
54,74
E
119,59
122,68
121,89
131,56
136,86
145,47
151,25
155,22
158,00
158,26
154,22
MS
1,12
1,00
0,98
1,18
1,33
2,05
2,92
3,26
4,43
4,50
3,20
FM
7,56
9,56
9,89
11,92
14,04
15,89
19,02
22,09
23,33
24,56
24,70
TR
10,91
8,59
9,18
10,93
11,28
11,93
13,09
14,77
13,50
18,26
16,88
SE
7,98
6,01
7,13
7,17
7,58
8,98
11,15
12,68
13,07
18,58
15,02
PT
13,73
11,88
12,14
12,96
12,33
14,56
15,92
17,76
15,18
19,36
16,88
PE
8,30
6,62
7,58
7,96
8,17
9,40
11,79
12,39
12,10
15,80
12,66
BI
6,82
5,47
5,68
6,48
6,13
6,82
7,29
8,22
6,70
9,76
9,50
SI
9,01
6,27
7,33
8,89
10,19
11,74
13,86
15,74
13,89
17,82
18,82
Ab
11,55
8,37
9,63
11,83
13,46
16,01
18,27
21,85
20,41
28,78
23,00
CX
14,79
13,45
13,77
12,49
13,10
15,13
13,34
16,33
17,18
18,76
15,48
Tabela II - Valores de desvios padrão, relativos às medidas obtidas com sujeitos do sexo feminino, com idades
variando entre 6 e 16 anos, nível sócio-econômico baixo.
Idades
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
P
6,57
2,83
4,14
6,11
6,16
9,68
10,93
14,09
6,06
7,25
14,71
E
7,69
6,96
6,00
6,41
7,25
7,71
8,18
6,85
4,72
8,38
7,46
MS
0,48
0,00
0,00
0,46
0,56
1,32
1,13
1,32
0,75
1,20
1,30
FM
3,65
2,69
2,16
2,86
3,49
4,12
3,28
4,20
2,94
4,17
7,46
TR
4,91
2,64
2,90
3,76
3,39
4,76
4,87
7,13
3,79
5,30
6,86
SE
6,74
2,53
4,81
3,74
3,10
5,69
6,54
7,96
6,14
7,53
9,29
PT
4,10
3,09
3,15
3,00
3,81
3,88
4,37
5,72
4,46
5,33
6,18
PE
4,71
2,66
4,71
4,21
3,41
4,29
5,18
6,94
3,54
3,44
3,30
BI
2,54
2,05
2,41
3,23
2,44
3,42
3,36
4,54
2,12
3,38
4,42
SI
6,77
3,50
5,45
6,16
6,56
8,26
10,10
10,28
6,06
11,20
9,82
Ab
7,88
3,74
6,31
7,06
7,04
8,80
11,36
11,86
7,09
9,14
11,50
CX
4,70
3,63
6,43
4,35
6,14
6,95
5,90
10,52
6,62
10,56
7,02
Tabela III - Médias das medidas obtidas com sujeitos do sexo feminino, com idades variando entre 6 e 16 anos,
nível sócio-econômico médio-alto.
Idades
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
Artigo 02 - Humberto.pmd
P
21,02
26,88
29,59
29,72
35,00
39,18
42,32
48,97
52,14
50,86
59,03
E
116,12
125,40
130,41
133,14
138,72
147,12
152,72
157,91
157,57
161,88
163,03
76
MS
1,17
1,12
1,05
1,23
1,53
2,12
3,15
4,03
4,48
4,50
5,33
FM
6,67
8,81
11,75
12,45
14,22
16,81
18,67
23,00
36,17
69,64
89,50
TR
8,70
11,80
15,91
11,09
12,02
12,41
12,36
13,10
13,85
12,93
15,47
SE
5,35
7,09
9,50
7,84
8,41
8,69
8,70
10,73
11,99
10,30
14,83
PT
9,6
12,92
14,24
13,79
14,17
14,05
14,29
15,91
15,93
14,88
18,330
PE
5,22
9,78
10,68
9,35
11,04
10,36
10,14
11,04
10,75
11,74
12,6
BI
5,83
8,08
7,44
6,44
7,37
7,63
7,13
7,31
6,95
6,79
7,37
09/07/04, 15:34
SI
4,02
10,41
10,73
9,67
11,98
11,73
12,51
14,58
13,66
13,18
16,37
Ab
7,17
12,74
14,04
12,59
16,02
16,28
17,48
18,48
19,65
19,38
21,87
CX
8,33
12,45
16,15
15,36
14,47
13,11
11,30
12,53
15,56
12,60
16,33
%%
ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
Tabela IV - Valores de desvios padrão, relativos às medidas obtidas com sujeitos do sexo feminino, com idades
variando entre 6 e 16 anos, nível sócio-econômico médio-alto.
Idades
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
P
2,56
7,59
7,36
8,13
9,20
9,20
7,31
11,30
11,31
9,60
10,26
E
6,20
7,30
7,02
6,92
7,40
7,28
6,45
5,95
16,31
4,95
11,33
MS
0,41
0,35
0,23
0,63
0,72
1,00
1,32
0,88
1,05
0,92
1,15
FM
2,32
2,56
2,71
2,90
3,18
4,02
4,10
4,61
46,36
87,94
95,58
TR
2,39
6,34
13,75
4,00
5,02
3,98
4,46
5,52
5,29
2,21
9,50
SE
1,22
3,77
6,35
4,57
5,78
4,90
3,43
5,95
6,79
4,38
10,42
PT
2,24
3,87
3,73
3,72
4,12
3,70
3,48
5,18
5,06
3,92
5,64
PE
1,69
7,63
4,62
3,64
5,26
3,92
3,83
4,69
3,98
4,03
9,32
BI
2,45
4,68
2,93
2,70
3,52
3,59
3,08
3,56
3,18
1,90
6,00
SI
1,91
10,59
7,64
5,62
7,94
7,00
6,77
9,04
8,24
7,72
12,92
Ab
2,89
10,46
8,07
6,17
9,38
7,73
8,00
8,05
8,79
8,02
15,92
CX
2,28
7,31
6,65
5,18
6,27
5,74
6,26
8,61
7,15
5,89
13,00
Tabela V - Médias das medidas obtidas com sujeitos do sexo masculino, com idades variando entre 6 e 16 anos,
nível sócio-econômico baixo.
Idades
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
P
22,16
23,68
25,52
29,38
34,66
34,31
39,58
46,99
52,15
55,60
51,60
E
118,93
121,78
127,20
132,70
138,72
141,38
148,27
157,11
161,61
170,30
169,30
MS
1,50
1,67
1,61
1,95
2,22
2,45
3,04
4,15
4,46
5,00
4,50
FM
9,50
10,56
11,25
14,55
15,98
17,05
21,60
25,21
28,91
36,67
32,38
TR
8,99
7,96
7,65
8,60
10,21
9,06
11,10
9,70
9,75
8,15
6,90
SE
5,37
6,29
6,71
7,42
8,98
7,94
8,89
7,88
9,35
7,21
6,95
PT
11,80
11,48
11,44
12,94
15,14
12,96
14,43
14,18
13,80
13,20
9,88
PE
6,43
6,33
5,71
7,14
8,03
8,50
8,63
7,74
7,83
6,32
5,08
BI
4,98
4,74
4,01
5,28
5,96
5,24
6,77
4,77
5,24
4,20
3,62
SI
5,61
5,81
5,61
7,17
8,83
8,18
8,78
8,06
8,53
7,38
4,70
Ab
7,34
7,62
6,78
10,43
12,20
11,20
13,04
11,95
11,86
12,23
7,62
CX
11,09
11,65
11,60
11,39
14,51
12,90
13,46
13,45
13,14
11,80
10,28
Tabela VI - Valores de desvios padrão, relativos às medidas obtidas com sujeitos do sexo masculino, com idades
variando entre 6 e 16 anos, nível sócio-econômico baixo.
Idades
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
P
4,11
5,33
5,80
6,43
11,16
6,81
9,40
11,16
10,48
7,25
6,91
E
5,28
4,65
6,85
5,44
7,03
6,12
5,40
9,09
9,08
7,90
7,68
MS
0,52
0,92
0,76
0,78
0,80
0,95
0,91
1,19
1,04
0,63
1,29
FM
2,70
2,96
3,00
3,40
4,72
3,29
3,95
7,19
8,77
5,43
5,02
TR
4,34
4,73
3,92
4,37
5,45
4,13
5,73
5,20
3,83
3,54
4,24
SE
2,13
5,13
5,29
6,48
8,84
6,07
6,73
5,17
5,33
1,29
2,85
PT
4,27
4,92
3,44
4,47
4,51
4,60
3,79
4,21
3,95
5,20
4,02
PE
4,67
5,28
3,86
5,79
6,74
5,67
5,87
6,57
4,66
2,69
1,35
BI
3,04
2,69
2,64
4,12
4,47
2,69
5,13
3,08
3,25
1,88
1,88
SI
4,74
6,09
5,52
6,82
9,90
8,79
8,10
7,26
6,07
3,15
2,75
Ab
6,17
7,61
5,81
9,53
10,73
8,52
10,73
9,20
7,23
8,81
3,81
CX
5,77
7,04
5,28
7,22
10,34
6,09
6,20
8,12
5,67
4,62
5,82
Tabela VII - Médias das medidas obtidas com sujeitos do sexo masculino, com idades variando entre 6 e 16 anos,
nível sócio-econômico médio-alto.
Idades
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
Artigo 02 - Humberto.pmd
P
22,65
26,28
32,25
33,31
37,71
41,19
42,95
50,93
53,93
63,12
63,16
E
119,10
122,37
130,53
134,40
140,84
146,78
149,78
158,32
164,24
167,11
172,08
77
MS
FM
1,50
7,38
1,86
10,50
1,53
13,13
1,62
14,09
2,38
16,44
2,47
17,91
3,45
20,16
4,06
30,44
4,66
43,22
4,46
36,50
5,44 100,00
TR
7,95
11,88
12,01
12,25
12,79
12,41
12,07
12,11
10,65
10,71
9,21
SE
5,52
7,93
7,87
10,86
11,31
10,34
9,72
10,76
10,19
10,67
10,62
PT
9,50
11,95
15,47
14,72
13,80
15,14
13,85
14,54
13,74
13,74
13,79
PE
5,98
8,88
9,03
11,37
13,23
12,69
11,88
11,48
10,10
9,53
9,34
09/07/04, 15:34
BI
5,08
7,20
6,61
7,43
8,35
8,15
7,48
6,49
5,63
5,63
4,54
SI
4,30
7,86
9,65
11,88
13,14
12,43
11,24
12,51
10,92
10,10
8,88
Ab
6,00
11,58
13,99
15,85
17,02
16,10
16,05
16,29
14,83
16,12
14,13
CX
9,90
14,28
17,14
17,46
16,79
16,07
14,37
14,01
12,61
12,27
11,50
%&
ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
Tabela VIII - estão demonstrados os valores de desvios padrão, relativos às medidas obtidas com sujeitos do sexo
masculino, com idades variando entre 6 e 16 anos, nível sócio-econômico médio-alto.
Idades
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
P
1,80
4,83
5,35
8,28
9,76
10,98
9,82
13,97
13,48
16,09
12,77
E
5,53
5,36
5,73
4,30
6,89
7,09
7,08
8,32
7,64
10,68
4,56
MS
0,58
0,90
0,64
0,50
0,98
0,90
1,01
1,30
0,85
0,88
0,53
FM
5,25
3,86
2,50
2,32
3,44
4,05
5,38
28,43
50,26
7,56
97,70
TR
2,01
3,99
4,25
6,56
6,22
6,31
5,56
6,69
6,69
5,84
4,53
SE
1,91
5,09
4,86
7,71
7,52
7,66
6,44
8,08
7,72
6,13
6,09
Com o objetivo de verificar a existência ou
não de diferenças significativas entre as medidas
de massa corporal, estatura, maturidade sexual,
força manual, dobras cutâneas (bíceps, tríceps, subescapular, supra-ilíaca, peitoral, abdominal, coxa, e
panturrilha), obtidas com sujeitos de nível sócio-
PT
2,08
3,50
3,72
5,47
4,02
5,59
4,29
4,92
4,62
4,53
3,73
PE
2,18
4,34
3,90
8,06
8,04
7,53
6,64
7,36
7,12
6,52
4,74
BI
1,78
3,64
2,65
4,64
5,24
4,83
4,96
4,72
4,37
4,10
3,14
SI
1,58
5,00
5,77
9,46
8,88
10,40
8,25
10,70
10,49
8,79
7,63
Ab
1,07
7,09
8,07
10,89
10,66
11,46
9,68
11,25
12,36
13,31
10,98
CX
3,17
3,58
6,64
9,14
7,81
9,32
6,77
7,65
7,36
9,03
2,64
econômico baixo e de nível sócio-econômico
médio-alto, foi aplicado o teste U de MannWhitney [19], considerando-se o sexo e a faixa etária
dos sujeitos.
O nível de significância foi estabelecido em 0,05,
em uma prova bilateral.
Tabela IX - Probabilidades encontradas, quando da aplicação do teste de Mann-Whitney às medidas obtidas com
elementos do sexo feminino, pertencentes aos dois níveis sócio-econômicos, com idades variando de seis a
dezesseis anos de idade.
Idades P
E
MS
FM
TR
SE
6
0,4202 0,1612 0,4741 0,1825 0,2931 0,7786
7
0,4462 0,4726 0,0900 0,5701 0,2763 0,4858
8
0,0593 0,0490* 0,2611 0,2348 0,0178* 0,5167
9
0,2004 0,2987 0,8623 0,4757 0,9342 0,5818
10
0,0852 0,4922 0,3131 0,8862 0,7701 0,6698
11
0,2590 0,1933 0,2959 0,3069 0,2521 0,3434
12
0,9050 0,4260 0,4584 0,6124 0,4736 0,2499
13
0,9830 0,2013 0,0219* 0,5738 0,5367 0,2803
14
0,3226 0,2943 0,7290 0,2494 0,9682 0,2912
15
0,2072 0,4623 0,7804 0,5971 0,0208* 0,0238*
16
0,6547 0,1011 0,0685 0,2967 0,6547 0,4561
(*) p < 0,05
PT
0,0227*
0,6476
0,1867
0,2590
0,0401*
0,6685
0,1026
0,2742
0,9943
0,0742
0,6528
De acordo com os resultados demonstrados
na tabela IX, foram encontradas diferenças
significantes entre as variáveis seguintes:
13 anos – Maturidade sexual, sendo que as
medidas mais elevadas foram às relativas ao nível
sócio-econômico médio-alto;
15 anos – Dobras cutâneas dos tríceps, dobras
cutâneas sub-escapulares, dobras cutâneas dos
peitorais e dobras cutâneas dos bíceps, sendo que as
medidas mais elevadas foram às relativas ao nível
sócio-econômico baixo.
Entre sujeitos com 7, 11, 12, 14 e 16 anos
não foram encontradas diferenças significantes entre
as medidas.
6 anos – Dobras cutâneas das panturrilhas e
dobras cutâneas das coxas, sendo que as medidas
mais elevadas foram as relativas ao nível sócioeconômico baixo;
8 anos – Estatura e dobras cutâneas dos tríceps,
sendo que as medidas mais elevadas foram as relativas
ao nível sócio-econômico médio-alto;
9 anos – Dobras cutâneas da coxa, sendo que
as medidas mais elevadas foram às relativas ao nível
sócio-econômico médio-alto;
10 anos – Dobras cutâneas das panturrilhas e
dobras cutâneas dos peitorais, sendo que as medidas
mais elevadas foram as relativas ao nível sócioeconômico médio-alto;
Artigo 02 - Humberto.pmd
78
PE
0,1720
0,5279
0,1063
0,0612
0,0255*
0,1417
0,1970
0,5459
0,1219
0,0460*
0,4561
BI
0,3624
0,1986
0,1062
0,8579
0,1769
0,1040
0,7743
0,5943
0,9788
0,0454*
0,2967
SI
0,0541
0,5567
0,3456
0,2738
0,4532
0,3846
0,5329
0,8203
0,5026
0,4623
0,8815
Ab
0,3269
0,3382
0,2529
0,4615
0,4922
0,5724
0,7381
0,3598
0,5153
0,0519
0,5486
CX
0,0021*
0,4998
0,4578
0,0430*
0,2394
0,1241
0,0745
0,1475
0,2508
0,2030
0,8808
De acordo com os resultados demonstrados
na tabela X, foram encontradas diferenças significantes
entre as variáveis seguintes:
7 anos – Dobras cutâneas dos tríceps, dobras
cutâneas dos bíceps e dobras cutâneas das coxas, sendo
09/07/04, 15:34
%'
ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
Tabela X - Probabilidades encontradas, quando da aplicação do teste de Mann-Whitney às medidas obtidas com
elementos do sexo masculino, pertencentes aos dois níveis sócio-econômicos, com idades variando de seis a
dezesseis anos de idade.
Idades P
6
0,5082
7
0,1091
8
0,0001*
9
0,1463
10
0,1382
11 0,0026*
12
0,0656
13
0,2116
14
0,8526
15
0,3643
16
0,0641
(*) p < 0,05
E
0,9242
0,7086
0,0301*
0,2459
0,3413
0,0007*
0,4010
0,4421
0,1340
0,7415
0,2801
MS
1,0000
0,4929
0,8548
0,1437
0,8205
0,9066
0,0153*
0,7336
0,4698
0,1953
0,1546
FM
0,5325
0,8028
0,0159*
0,8700
0,3232
0,5059
0,7068
0,2949
0,5562
0,6786
0,2139
TR
0,8498
0,0080*
0,0005*
0,0685
0,1995
0,0114*
0,1700
0,2296
0,6530
0,5090
0,1218
SE
0,7403
0,1645
0,3856
0,0652
0,0473*
0,2483
0,1429
0,1294
0,6272
0,5636
0,1649
que as medidas mais elevadas foram as relativas ao
nível sócio-econômico médio-alto;
8 anos – Entre todas as medidas, com exceção
de Maturidade Sexual e de Dobras cutâneas subescapulares, sendo que, nas outras variáveis, as medidas
mais elevadas foram as relativas ao nível sócioeconômico médio-alto;
9 anos – Dobras cutâneas dos bíceps e dobras
cutâneas das coxas, sendo que as medidas mais elevadas
foram as relativas ao nível sócio-econômico médio-alto;
10 anos – Dobras cutâneas sub-escapulares,
Dobras cutâneas dos peitorais e Dobras cutâneas subrailíacas, sendo que as medidas mais elevadas foram as
relativas ao nível sócio-econômico médio-alto;
11 anos – Peso, Estatura, Dobras cutâneas dos
tríceps, Dobras cutâneas dos peitorais, Dobras
cutâneas dos bíceps, Dobras cutâneas supra-ilíacas e
Dobras cutâneas abdominais, sendo que as medidas
mais elevadas foram as relativas ao nível sócioeconômico médio-alto;
12 anos – Maturidade sexual, Dobras cutâneas
dos peitorais, Dobras cutâneas supra-ilíacas e Dobras
cutâneas abdominais, sendo que os valores mais
elevados foram os relativos ao nível sócio-econômico
médio-alto.
Entre sujeitos com 6, 14, 15 e 16 anos não foram
encontradas diferenças significantes entre as medidas.
Conclusão
Conclui-se que as comparações realizadas
durante a pesquisa com relação às variáveis estudadas
para ambos os sexos não demonstraram no geral
diferenças significativas, no entanto tivemos
esporadicamente algumas faixas etárias que revelaram
essas diferenças tais como: massa corporal, estatura,
força de preensão manual e maturação sexual.
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79
PT
0,1561
0,4761
0,0014*
0,2374
0,4113
0,0789
0,5592
0,5428
0,6791
0,8365
0,1228
PE
0,6030
0,0667
0,0020*
0,0972
0,0060*
0,0042*
0,0062*
0,0110*
0,3285
0,3425
0,0505
BI
0,6029
0,0237*
0,0006*
0,0402*
0,0885
0,0039*
0,1506
0,2879
0,6615
0,6493
0,5881
SI
0,8872
0,0778
0,0031*
0,0719
0,0248*
0,0108*
0,0088*
0,0364*
0,9570
0,8044
0,1223
Ab
0,7055
0,0810
0,0002*
0,0772
0,1112
0,0304*
0,0094*
0,0948
0,8573
0,6489
0,1891
CX
0,6366
0,0217*
0,0056*
0,0123*
0,1760
0,1615
0,3810
0,5897
0,3435
0,6798
0,8651
Os resultados do trabalho não permitem afirmar
que essas diferenças tenham acontecido por fatores
exógenos tais como a alimentação, higiene corporal
ou até mesmo cultural.
Essa justificativa ainda esta imbricada no tipo
de pesquisa desenvolvida, uma vez que utilizamos o
método transversal de análise estatística.
Especificamente nas dobras cutâneas, no sexo
feminino não tiveram um comportamento diferente das
variáveis anteriores. Já no sexo masculino, no nível sócioeconômico médio-alto de 7 a 12 anos as médias de
dobras cutâneas foram significativamente maiores,
provavelmente pela qualidade da ingestão calórica e
principalmente pelo tipo de atividade desenvolvida
durante o cotidiano dessas crianças, uma vez que no
nível sócio-econômico médio-alto suas atividades são
desenvolvidas através de diversões eletrônicas e outras
voltadas para o desenvolvimento cognitivo com os jogos
de tabuleiros etc, que ativa a intelectualidade em
contrapartidas o outro nível desenvolve atividades de
lazer em praças, ruas ou nos quintais tendo um dispêndio
energético maior que seu companheiro ¨privilegiado¨.
Notadamente essa pesquisa mostrou que nos
dois níveis sócio-econômicos as crianças têm um nível
de desenvolvimento similar, portanto o nível sócioeconômico não tenha influenciado decisivamente para
o desenvolvimento corporal dessas crianças e desses
adolescentes, no entanto a criança que provavelmente
é mais sedentária (nível sócio-econômico médio-alto)
mostrou dobras cutâneas mais altas, determinando
um possível nível de sobrepeso e obesidade maior
que o nível sócio-econômico baixo.
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&
ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
ARTIGO ORIGINAL
Perfil de praticantes de atividade
física na pista do Maracanã
Profile of individuals who exercise on the running/walking
track around Maracanã Stadium
Valdo Vieira*, Marcos Santos Ferreira**
* LABESPORTE/Universidade Castelo Branco, **Laboratório de Atividade Física e Promoção da Saúde (LABSAU)/
Instituto de Educação Física e Desportos/Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Resumo
A adesão ao exercício físico é um processo complexo e multidimensional. Assim, o conhecimento do perfil dos praticantes
é fundamental para o estabelecimento de ações eficazes de promoção e de manutenção da prática regular de exercícios. Com o
objetivo de identificar o perfil dos praticantes de exercício da Pista do Maracanã, foram aplicados 289 questionários semiestruturados a sujeitos que compuseram uma amostra acidental. As questões abordavam aspectos relativos a dados pessoais,
condicionantes da adesão e hábitos de prática do exercício. Os dados coletados foram analisados à luz da estatística descritiva e de
teorias sobre a adesão ao exercício físico. Dos respondentes, (a) 49,1% são homens e 50,9% mulheres; (b) 71,3% apontaram
como motivo para escolha da pista do Maracanã a proximidade de suas residências; (c) 72,3% praticavam exercícios buscando
melhores condições de saúde; (d) 67,8% apenas caminhavam; (e) 79,8% não fazem aquecimento; (f) entre os que possuíam
orientação para a prática do exercício, 41,9% apontaram o médico como orientador do exercício e 40,2% o professor de Educação
Física. Os resultados revelaram que mulheres e homens utilizaram equilibradamente a pista do Maracanã; a proximidade de
instalações para a prática do exercício exerce papel importante na escolha do local de exercício; a idéia de que a prática regular de
exercícios traz benefícios à saúde parece estar difundida entre os praticantes; a caminhada é a atividade mais praticada; diretrizes
básicas de prática de exercícios parecem não ser respeitadas pelos praticantes; o médico e o professor de educação física dividem a
preferência dos usuários da pista como profissionais orientadores. Porém, para ampliar o poder de generalização desses resultados,
sugerimos a utilização de amostras probabilísticas e mais amplas em futuros estudos.
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Palavras-chave: adesão, atividade física, lazer, promoção da saúde.
Artigo recebido em 29 de junho de 2004; aceito em 1 de julho de 2004
Endereço para correspondência: Marcos Santos Ferreira, Rua São Francisco Xavier, 524 sala 8133 bloco F
Rio de Janeiro RJ, Tel.: (21) 2587-7847, E-mail: [email protected]
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Abstract
Exercise adherence is a complex multidimensional process. Therefore, knowledge of the profile of physically active
individuals is crucial to determine actions that are effective for regular exercise promotion and maintenance. In order to identify
the profile of individuals who exercise on the running/walking track around Maracanã Stadium, 289 semi-structured questionnaires
were applied to an accidental sample. Questions included personal data, adherence determinants and physical exercise habits.
Data analysis was based on descriptive statistics and theories related to physical exercise adherence. Among answerers, (a) 49.1%
were men and 50.9% were women; (b) 71.3% pointed proximity from home as the reason to chose Maracanã track; (c) 72.3%
practiced physical exercise in order to improve their health conditions; (d) 67.8% walked; (e) 79.8% did not warm-up; (f) among
those who had exercise guidance, 41.9% pointed a physician and 40.2% pointed a physical education teacher as the guiding
professional. According to the results, there is a balance between female and male use of Maracanã track; proximity of physical
exercise equipments plays an important role in the choice of a place to exercise; the idea that regular exercise is beneficial for health
is apparently well known; walking is favorite activity; basic principles of physical exercise practice apparently are not followed by
subjects; physicians and physical education teachers share Maracanã track’s users preference as guiding professionals. Nevertheless,
a wider generalization of results presented requires further studies using broader probabilistic samples.
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Key words: adherence, physical activity, leisure, health promotion.
Introdução
A idéia de que o exercício faz bem à saúde
parece estar difundida na sociedade e encontrar
suporte nos inúmeros benefícios da atividade física
relatados na literatura. Parecem estar bem
estabelecidas as relações entre a inatividade física e
vários problemas de saúde, tais como doenças arteriais
coronarianas, hipertensão, obesidade, osteoporose,
alguns tipos de câncer e diabetes [1,2]. Há estudos
ainda que apontam associações entre atividade física
regular e um baixo índice de mortalidade em
diferentes populações [3,1].
Com o cuidado de não se traçar uma relação
causal entre atividade física e saúde, é possível afirmar
que a aptidão física se manifesta como referência
importante para a questão da saúde com base em
duas tendências. A primeira delas – aptidão física
relacionada a habilidades – tem como objetivo viabilizar
desempenhos, de acordo com as necessidades da vida
cotidiana, do mundo do trabalho, dos esportes e das
atividades recreativas. A segunda tendência – aptidão
física relacionada à saúde – preocupa-se mais em difundir
qualidades que precisam ser trabalhadas
constantemente para se obter o nível ideal desejado,
como condicionamento aeróbio, força e resistência
muscular, flexibilidade e composição corporal ideal.
Conquanto a primeira tendência seja importante para
a idéia de aptidão física permanente, observa-se uma
preocupação maior com os componentes da aptidão
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82
física relacionada à saúde, já que essa necessita
de uma manutenção constante pela prática regular
do exercício.
O Colégio Americano de Medicina Desportiva
[4] reconhece que a prática regular e bem orientada
de atividade física pode proporcionar benefícios
relacionados à saúde. No que se refere a benefícios
na esfera biológica, poderíamos citar a redução da
pressão arterial em indivíduos que a têm ligeiramente
elevada; a diminuição de triglicerídios sangüíneos e
de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e o
aumento do bom colesterol (HDL); a redução do
peso e gordura corporais; o aumento da tolerância à
glicose; o aumento da densidade óssea, entre outros.
A possibilidade de a prática regular de
atividades físicas contribuir para o bem-estar
psicológico também é apontado por alguns autores.
Como benefícios, apresentam-se a melhoria da autoestima, do autoconceito, da auto-imagem, do
humor, além da redução da ansiedade, do estresse e
da depressão [5,6].
Para o alcance de todos esses benefícios, porém,
o exercício necessita ser feito com moderação [4]. O
exercício feito de forma vigorosa pode desencorajar a
pessoa a continuar a prática regular, uma vez que
aumenta as possibilidades de dores musculares ou de
lesões. Guedes e Guedes [7] acrescentam que para se
produzirem os efeitos desejados, é necessário combinar
a freqüência, a duração, a intensidade e o tipo de
exercício físico. Esses componentes serão distintos entre
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ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
as pessoas, levando-se em conta, por exemplo, os
objetivos e o nível de aptidão em que a pessoa
se encontra. Tomando por objetivo a promoção da
saúde, trinta minutos é o tempo mínimo preconizado.
Segundo Guedes e Guedes [7], independentemente da duração do exercício, ele deverá
apresentar três momentos distintos: a parte
preparatória, a principal e a final. O objetivo da fase
preparatória (aquecimento) é predispor o organismo
para um esforço mais intenso, de modo a evitar
súbitas alterações fisiológicas e minimizar a
possibilidade de ocorrência de lesões, permitindo
o funcionamento orgânico diante do esforço físico
com maior eficiência. As atividades mais comuns
nessa fase são caminhadas, trotes e exercícios de
flexibilidade. A parte principal teria o objetivo de
desenvolver os componentes aeróbio e muscular,
envolvendo atividades como corrida, caminhada,
ciclismo, natação, exercícios abdominais e de flexão
e extensão de membros superiores e inferiores. A
parte final (‘volta à calma’), que visa proporcionar
ao organismo um retorno gradativo aos níveis de
repouso, inclui, em geral, atividades leves de
relaxamento e exercícios de flexibilidade.
Storchi e Nahas [8] apresentando os resultados
de sua pesquisa com os praticantes de atividade física
nas ruas de Florianópolis, constataram que 73,9% não
realizam aquecimento prévio, 53,0% não realizam a
volta à calma e 61,2% não controlam a intensidade
de esforço. Isso pode significar que um grande
número de praticantes não possui conhecimentos
referentes à prática de atividade física. O ACSM [4]
aconselha a aprender tudo que puder sobre o exercício
a ser realizado, pois compreendendo profundamente
os benefícios de um programa regular de atividade
física, a pessoa estará mais inclinada a segui-lo. E
afirma, que quanto mais informado, mais razões a
pessoa terá para desenvolver um programa de
condicionamento físico seguro e eficiente.
Storchi e Nahas [8] em sua pesquisa com
praticantes de atividade física em Florianópolis
constataram que 73,6% dos homens e 66,0% das
mulheres não eram orientados por profissionais para
a prática de exercícios. A nosso ver, todos os que não
possuem informações suficientes sobre como realizar
os exercícios (duração, freqüência, intensidade),
independentemente de idade, sexo ou fatores de risco,
deveriam passar por uma avaliação profissional. A
questão da segurança, do bem maior do ser humano,
que é a vida, deve ser preservada. Será que um leigo
sabe o que é um exercício moderado? Em conversas
informais com praticantes de exercício, que não
possuem orientação profissional, não é raro presenciar
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83
a disseminação da idéia de que se deve sempre ‘forçar’
(aumentar) a intensidade dos exercícios para se
obterem melhores resultados, o que, como se sabe,
pode provocar danos à saúde.
No que se refere às barreiras para a prática regular
do exercício físico, elas não são poucas, o que acaba
concorrendo para um baixo índice de adesão. Segundo
Nunomura et al. [9], menos de vinte por cento da
população dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha
praticam exercícios regularmente. A falta de tempo é
um dos fatores mais comumente apresentados pelas
pessoas como barreira à prática regular da atividade
física [10,11]. A classe social, o nível de instrução, a
faixa etária, o sexo, entre outros fatores, inclusive os de
ordem cultural, como os estereótipos, são fatores
limitantes do tempo disponível. Segundo Marcellino
[11], todas essas variáveis têm como pano de fundo a
questão econômica.
Nunomura et al. [9] afirmam que a inclusão e a
manutenção da atividade física nos hábitos cotidianos,
aspectos fundamentais para a obtenção dos efeitos
positivos dos exercícios sobre a saúde, associam-se
aos estados socioeconômicos, influências culturais,
idade, estado de saúde e a motivação para a sua
prática. Segundo Storchi e Nahas [8], a prática da
atividade física está sujeita a fatores como a natureza
do trabalho, personalidade, composição corporal,
forma física, quantidade e uso das horas de lazer e
acesso a esportes e à recreação comunitárias.
Certamente, o padrão de vida é fator preponderante
para alguém se envolver na prática de exercícios,
mantê-la ou abandoná-la. Pesquisa realizada por
Storchi e Nahas [8], por exemplo, revela que os
praticantes de exercícios na Avenida Beira-Mar, em
Florianópolis, pertencem principalmente às classes
média e alta.
A história de vida e os aspectos biográficos da
pessoa também são importantes para a escolha da
atividade física como um hábito [12]. Pais que
obrigam seus filhos a praticar atividades que não
desejam, muitas vezes, para se realizar ou para superar
traumas por meio dos filhos, não costumam ter
sucesso em seu intento. Nunomura et al. [9]
complementam que os estágios da vida e o
comprometimento com a família e os filhos podem
ser um fator importante na decisão de manter ou
abandonar a atividade física.
No que concerne ao ambiente, lugares com altos
índices de poluição atmosférica, de difícil acesso, e
ainda com transporte de massa deficiente são aspectos
ambientais inadequados à prática regular da atividade
física [12]. Para Sallis et al. [13], o acesso a instalações
é uma variável que interfere na escolha da pessoa em
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&"
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se exercitar. A proximidade do local para a prática
de exercícios, por exemplo, reduz o tempo de
deslocamento da pessoa e, portanto, concorre para a
adesão ao exercício físico.
Um espaço bastante representativo para a prática
da atividade física é o espaço público como calçadas,
ruas, praças e ciclovias. Segundo Marcellino [11], as
pessoas deveriam ter oportunidades para a prática
da atividade física, de modo que se faz necessária a
criação de condições para que essas pessoas tenham
um espaço adequado para o alcance de seus objetivos.
Bracht [14] acrescenta que a população deve construir
seu lazer, não apenas o consumir, e, com isso, construir
sua cidadania numa perspectiva crítica.
Nesse sentido, a ampliação dos espaços públicos
também deve ser vista como um objetivo a ser
perseguido por todos os cidadãos, fisicamente ativos
ou não, para que seja mais fácil a opção por um
hábito de vida ativa. Além disso, a adaptação de
espaços também deve ser vista como uma ação
importante do poder público, principalmente nos
grandes centros urbanos, como o Rio de Janeiro, em
que os espaços públicos destinados à prática de
atividades físicas sofrem com a especulação imobiliária
e parecem diminuir a cada dia.
Por outro lado, há que se reconhecer que a
ampliação dos espaços não é o bastante se esses não
estiverem adequados à prática, se não houver
disponibilidade de tempo por parte da população e
orientação adequada para o lazer. Segundo Bramante
[15], esses aspectos devem estar contemplados em
toda política no campo do lazer. Segundo o autor, o
que comumente se observa em muitas cidades
brasileiras é o oferecimento à população de um
‘cardápio’ de eventos desconectados entre si, sem o
devido planejamento e a necessária avaliação, tanto
quantitativa como qualitativa de seus resultados, o que
acaba por diluir as ações no campo do lazer.
Portanto, no que se refere ao espaço, ele só será
adequado e, conseqüentemente, poderá haver um
aumento do nível de adesão à prática de atividade
física, ou ainda, uma diminuição do número de
desistências, se conhecer mos as necessidades
individuais, de acordo com as características regionais
e populacionais [16]. Lasco et al. [16] relatam um caso,
ocorrido na cidade de Atlanta, nos Estados Unidos:
através de organizações comunitárias, foram coletadas
opiniões sobre os principais problemas da população,
juntamente com levantamento dos problemas de
saúde. Verificou-se que um dos principais problemas
levantados era a hipertensão arterial. Implantou-se,
então, um programa de atividade física e de reeducação
alimentar. Participaram do projeto 70 mulheres
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84
obesas, com idade entre 18 e 59 anos, residentes numa
região carente da cidade. Mediante estratégias
educativas e ambientais, com monitoração da dieta,
visitas de educadores de saúde pública às casas das
pessoas, participação ativa com comentários e
incorporação de sugestões das pessoas nos
programas, foram obtidos excelentes resultados
como a redução do peso corporal e a diminuição da
pressão arterial das participantes.
Segundo Dishman, Sallis e Orenstein [17], para
se ampliar o número de pessoas fisicamente ativas
em todas as camadas da população é fundamental
um maior conhecimento dos condicionantes
comportamentais da adesão ao exercício. Sendo
assim, para que sejam oferecidas atividades e
oportunidades que venham ao encontro das
necessidades e motivações individuais e
populacionais, torna-se importante conhecer as
expectativas de grupos específicos e seus hábitos,
de forma a estimular a incorporação e a manutenção
de hábitos de vida [15,18].
Com o objetivo de melhor compreender as
variáveis intervenientes na adesão ao exercício físico
e, de certa forma, contribuir para a implementação
de políticas públicas na área de esportes e lazer,
buscamos identificar o perfil dos usuários de um local
do Rio de Janeiro tradicionalmente utilizado para a
prática de exercícios: a Pista do Maracanã.
Materiais e Métodos
Trabalhamos com uma amostra nãoprobabilística, do tipo acidental. Como instrumento
para a coleta dos dados, valemo-nos de um
questionário semi-estruturado. Após passar por um
pré-teste e pelo julgamento de dois expertos,
chegamos à versão final do questionário, cuja
distribuição foi feita por vinte pessoas, espalhadas ao
longo da pista, que, sem interromper o exercício dos
praticantes, explicavam sucintamente o objetivo da
pesquisa e solicitavam a devolução do questionário
num prazo máximo de dois meses. Foram
distribuídos 1000 (mil) questionários da seguinte
maneira: 400 (quatrocentos) na manhã de uma quartafeira; 200 (duzentos) na noite desse mesmo dia; e 400
(quatrocentos) na manhã do domingo subseqüente.
Antes do primeiro dia de distribuição dos
questionários, uma urna lacrada com cadeado, foi
colocada em frente ao portão 18 do Maracanã.
Após dois meses, a urna foi recolhida, contabilizando-se a devolução de 289 (duzentos e oitenta
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ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
e nove) questionários que compuseram a amostra
deste estudo.
Vale ressaltar que o fato de a distribuição dos
questionários ter sido feita em uma quarta-feira e em
um domingo pode ter deixado de fora pessoas que
praticavam atividade física nos demais dias da semana,
o que pode ser considerado uma limitação do estudo.
Vale assinalar ainda a dificuldade que tivemos em
distribuir os questionários para alguns ciclistas que
passavam em grande velocidade. Embora tenhamos
identificado na observação sistemática que os ciclistas
constituíam um percentual menor em relação aos
demais praticantes, reconhecemos a possibilidade
dessa dificuldade na distribuição ter influenciado nos
dados quantitativos obtidos para os ciclistas em nossa
pesquisa. Portanto, uma limitação do estudo.
Apresentação e Discussão dos Resultados
Dos dados obtidos com a aplicação dos
questionários, apresentamos a seguir apenas aqueles
mais relevantes. Sendo assim, dos 289 questionários
devolvidos, 49,1% (n=142) foram respondidos por
homens e 50,9% (n=147) por mulheres. Por
observação, constatamos anteriormente que não havia
a predominância expressiva de um sexo sobre o outro,
o que se reproduziu na amostra investigada (Tabela 1).
Tabela I- Distribuição dos praticantes por sexo e
faixa etária.
Faixa etária
(anos)
Homens
f
(%)
15 – 34
(23) 16,2
35 – 54
(62) 43,7
55 – 74
(50) 35,2
+ 75
(6) 4,2
Não informou
(1) 0,7
Total
(142) 100
Mulheres
f
(%)
Total
f
(%)
(29) 19,7
(78) 53,1
(37) 25,2
(2) 1,3
(1) 0,7
(147) 100
(52) 18,0
(140) 48,4
(87) 30,1
(8) 2,8
(2) 0,7
(289) 100
Storchi e Nahas [8], em seu estudo sobre a
prática espontânea de atividades físicas nas ruas de
Florianópolis, também haviam observado uma
proximidade entre os percentuais de praticantes do
sexo masculino (52,1%) e feminino (47,9%). O
preconceito em relação à prática de exercícios e a
dupla jornada de trabalho já foram considerados
fatores que dificultavam as mulheres a praticar
exercícios. Pelo menos no que diz respeito à Pista do
Maracanã, parece haver um equilíbrio entre praticantes
de ambos os sexos homens. Esse dado, porém, deve
ser analisado com extrema parcimônia uma vez que
em estudos de maior abrangência populacional
identifica-se prevalência de sedentarismo maior ora
em mulheres, ora em homens [19,20].
Artigo 06 - Marcos.pmd
85
A faixa etária de 35 a 54 anos obteve a maior
incidência, com um total de 48,4%, sendo 43,7% de
homens e 53,1% de mulheres. A pesquisa de Storchi
e Nahas [8], embora realizada com pessoas acima
dos trinta e cinco anos, apontou a mesma faixa etária
como a de maior incidência, com 78,4%. Em nossa
pesquisa, o percentual de praticantes com idade
superior a 55 anos foi de 32,9%. Uma incidência
superior à da faixa etária compreendida entre 15 e 34
anos, que registrou 18,0% do total. No entanto, na
Pesquisa sobre Padrões de Vida realizada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
o maior percentual de pessoas fisicamente ativas foi
encontrado na faixa etária de 10 a 19 anos (39,9%)
[21]. Parece que a pista do Maracanã, por se tratar de
um local público, reúne pessoas de mais idade. Os
mais jovens parecem preferir outros espaços para a
prática de exercícios.
Na tabela 2, identificamos a distribuição dos
praticantes de acordo com o número de residentes
na moradia.
Tabela II – Distribuição dos praticantes que moram
sozinhos e acompanhados.
Moram
Homens
f
%
Sozinhos
(13) 9,2
Acompanhados (129) 90,8
Total
(142) 100
Mulheres
Total
f
%
f
%
(15) 10,2 (28) 9,7
(132) 89,8 (261) 90,3
(147) 100 (289) 100
Entre os 129 homens que vivem acompanhados,
3 vivem com o(s) filho(s), 7 marcaram o item ‘outro’,
15 moram com os pais, 37 com a esposa e 67 com a
esposa e filho(s). Das 132 mulheres que moram
acompanhadas, 17 residem com o(s) filho(s), 18 com
os pais, 29 com o esposo, 58 com o esposo e o(s)
filho(s) e 10 com outro(s). No estudo de Storchi e
Nahas [8], 90,8% dos homens e 78,7% das mulheres
praticantes de exercícios em Florianópolis são casados,
dados que, segundo os autores, eram previsíveis, por
se tratarem de indivíduos de meia idade. Em nosso
estudo, verificamos que 90,3% do total de praticantes
moram acompanhados, sendo que, 66,1% do total
moram com o seu cônjuge ou com o seu cônjuge e
o(s) filho(s). Acompanhamos o raciocínio daqueles
autores, quando julgam serem previsíveis esses dados,
devido às faixas etárias predominantes dos praticantes
de exercícios no Maracanã.
Com relação ao grau de instrução,
identificamos bom nível de escolaridade entre os
praticantes do Maracanã, dos quais 83,7% possuem
no mínimo o ensino médio, e 56,7% cursaram, pelo
menos, o ensino superior (Tabela 3). Storchi e Nahas
[8] também encontraram bom nível de escolaridade
09/07/04, 15:34
&$
ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
em seu estudo, uma vez que 68,9% dos homens e
38,3% das mulheres possuíam nível superior
completo. Esse resultado deveu-se, possivelmente, ao
nível sócio-econômico da população estudada, que,
segundo os autores, era constituída pelas classes média
e alta. Em nosso estudo, analisando o grau de
instrução e a atividade profissional, concluímos que
os praticantes do Maracanã pertencem em sua maioria
à classe média.
Tabela III – Grau de instrução dos praticantes.
Grau de
Instrução
Alfabetizado
Ensino
fundamental
Ensino médio
Graduação
Pós-graduação
Não informou
Total
Homens
f
%
(0) 0
(18)
(41)
(63)
(18)
(2)
(142)
12,7
28,8
44,4
12,7
1,4
100
Mulheres
f
%
(1) 0,7
(23)
(37)
(64)
(19)
(3)
(147)
15,7
25,2
43,5
12,9
2,0
100
Total
f
%
(1) 0,4
(41) 14,2
(78) 27,0
(127) 43,9
(37) 12,8
(5) 1,7
(289) 100
Com o objetivo de identificar o(s) motivo(s)
que levou(ram) os usuários a escolher a pista do
Maracanã como local de prática, valemo-nos de uma
questão aberta. As respostas a esse item podem ser
observadas na Tabela 4.
Tabela IV – Motivos apontados pelos praticantes para
a escolha da Pista do Maracanã
Motivos
Homens
Proximidade da residência
108
Espaço adequado
41
Outros praticando exercícios
4
Segurança
5
Condições financeiras
1
Perto do trabalho
1
Acompanhar alguém
1
Fácil acesso
4
Projeto Saúde e Lazer1
0
Não declarou
1
Mulheres
98
38
6
2
5
5
3
0
2
6
Total
206
79
10
7
6
6
4
4
2
7
Embora a resposta fosse aberta, 71,3% dos
praticantes apontaram a proximidade de suas
residências à pista como motivo para escolha do local
para a prática de exercícios. Entendemos que esse
resultado reforça as hipóteses apontadas por Sallis et
al. [13] de que o acesso a instalações é uma variável
que interfere na escolha da pessoa em se exercitar
[13] e de que há uma associação entre a proximidade
de locais e a freqüência na prática de exercícios [22].
Esses autores afirmam que a oferta de instalações para
a prática do exercício serve não só de estímulo visual,
mas chama a atenção das pessoas para a questão da
Artigo 06 - Marcos.pmd
86
prática do exercício, reduzindo barreiras físicas e
psicológicas associadas ao exercício, uma vez que a
proximidade do local para a prática de exercícios
diminui o tempo de deslocamento da pessoa e o
estresse gerado pelo trânsito [13].
Outro motivo apontado por 27,3% dos
praticantes para a escolha da pista do Maracanã foi a
adequabilidade do espaço para a prática de seus
exercícios. Isso reforça a opinião de que se devem
conhecer as características da população local, seus
interesses, diversificando as possibilidades de atividade
física com o intuito de atender a um maior número
de praticantes.
Ainda com relação à tabela 4, vale registrar o
terceiro item mais indicado: ‘outras pessoas praticando
exercícios’. Como vimos, a atividade física pode trazer
benefícios sociais ao indivíduo ao estimular novas
amizades e conhecimentos. Além disso, a presença
de outras pessoas praticando atividade física pode
aumentar a sensação de segurança. Consideramos esse
dado (‘outras pessoas fazendo exercício’) muito
importante para a adesão à prática regular de atividade
física. Não é demais lembrar que o apoio do cônjuge
exerce influência positiva na adesão à prática de
exercícios físicos [23].
Na tabela 5, encontram-se o(s) motivo(s) que
levou(aram) os usuários da pista do Maracanã a
praticar exercícios. Para responder a essa questão
fechada, o respondente podia assinalar mais de uma
alternativa e, ao marcar o item ‘Outros’, pedia-se que
ele especificasse o motivo.
Tabela V – Motivo(s) que levou(aram) os praticantes
a praticar exercícios
Motivos
Saúde
Emagrecimento
Recomendação médica
Lazer
Estética
Outros
Não declarou
Homens
112
45
47
53
25
7
0
Mulheres
97
79
57
36
51
4
1
Total
209
124
104
89
76
11
1
Os resultados da tabela 5 revelam que o principal
motivo que levou os usuários à prática do exercício
físico foi a saúde, com 72,3% de respostas assinaladas.
Percentual próximo ao verificado na pesquisa de
Florianópolis [8], na qual 71,6% dos indivíduos
alegaram praticar atividade física para manter a saúde.
Esses dados tendem a sugerir que a associação entre
aptidão física e saúde pode favorecer a adesão à
prática de exercícios [18].
Por outro lado, há pesquisas muito mais
abrangentes em termos amostrais que apontam que
09/07/04, 15:34
&%
ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
a saúde não é a principal motivação para a prática
de exercícios. A Pesquisa sobre Padrões de Vida
(PPV), por exemplo, realizada pelo IBGE em
convênio com o Banco Mundial, abrangeu cerca de
5000 domicílios em 554 setores nas regiões
Nordeste e Sudeste do país e teve como objetivo
fornecer infor mações adequadas para o
planejamento, acompanhamento e análises de
políticas econômicas e programas sociais em relação
aos seus impactos nas condições de vida domiciliar
[21]. No que se refere ao exercício físico, o estudo
identificou que 19,2% das pessoas declararam
praticá-lo semanalmente. Porém, quando
considerada freqüência igual ou superior a três vezes
por semana e duração igual ou maior que 30
minutos, a proporção de declarantes fisicamente
ativos reduziu-se para 7,9%. Quando indagadas
sobre os principais motivos para a prática do
exercício físico, cerca de 74,5% das pessoas que
declararam praticar exercício semanalmente
apontaram o lazer, a diversão e a estética. Nesse
grupo, apenas 10,4% apontaram a saúde, a
fisioterapia e o aconselhamento médico como
motivos para a prática de exercícios físicos.
Já estudo realizado no final da década de 80,
encomendado pelo Ministério da Saúde, revelou
números um pouco diferentes, embora proporcionalmente similares. Das 2003 pessoas
entrevistadas, 33,0% declararam praticar exercícios
regularmente e somente 10,0% admitiram fazê-lo
com freqüência superior a duas vezes semanais [24].
Diferentemente do estudo anterior, os principais
motivos alegados para a prática do exercício foram
a manutenção da saúde e da resistência física. Ao se
considerarem esses dados, é possível afirmar que,
no que se refere à motivação para a prática de
exercícios, os dados são conflitantes, o que coloca
em dúvida a idéia, razoavelmente aceita pelo senso
comum, de que a saúde é a principal motivação para
a prática de exercícios.
O emagrecimento foi assinalado como motivo
à prática do exercício por 42,9% dos praticantes. A
obesidade, que hoje é tida como um dos maiores
problemas de saúde pública [25,26], está associada a
outros distúrbios como as cardiopatias e a
hipertensão. Até pouco tempo atrás, as pessoas
recorriam apenas a dietas, a maioria delas sem
embasamento científico. Hoje, com a propagação da
informação de que a obesidade é prejudicial à saúde,
a prática regular e adequada da atividade física surge
como alternativa potencial para seu combate.
O tempo de prática de exercícios dos usuários
da pista do Maracanã pode ser observado na tabela 6.
Artigo 06 - Marcos.pmd
87
Tabela VI – Tempo de prática de atividade física
dos respondentes.
Tempo de prática
Menos de 1 mês
1 a 3 meses
3 a 6 meses
6 meses a 1 ano
Mais de 1 ano
Total
Homens
f
%
(12) 8,4
(19) 13,4
(26) 18,3
(39) 27,5
(46) 32,4
(142) 100
Mulheres
f
%
(8) 5,4
(33) 22,5
(32) 21,8
(41) 27,9
(33) 22,4
(147) 100
Total
f
%
(20)
6,9
(52) 18,0
(58) 20,0
(80) 27,8
(79) 27,3
(289) 100
Levando em conta que a pista do Maracanã
existe há 15 anos aproximadamente, consideramos
reduzida a parcela de 27,3% de pessoas que praticam
exercício há mais de um ano. Do total de praticantes,
22,5% (n = 32) dos homens e 18,4% (n = 27) das
mulheres interromperam a rotina de exercícios
durante o período em que praticavam atividades. O
período de interrupção foi de até um mês para 17
homens e 16 mulheres, de um a três meses para 9
homens e 8 mulheres e de mais de três meses para 6
homens e 3 mulheres.
Vale citar que a prática regular de exercícios é
um comportamento complexo (bem diferente do uso
habitual do cinto de segurança, por exemplo). Em
muitos casos, a adesão ao exercício é efêmera; há
aumento na prática de exercícios quando há estímulos
para tal sendo constantemente veiculados. Uma vez
retirados, a adesão tende a voltar aos níveis iniciais
[27]. De acordo com King [28], vistas a abrangência
e a complexidade do problema do sedentarismo, a
alteração desse quadro aponta para a necessidade de
ações nos níveis ambiental, organizacional, institucional,
social e legislativo.
Na tabela 7, é possível identificar as atividades
praticadas na pista do Maracanã.
Tabela VII – Atividades praticadas na pista do Maracanã.
Atividade
Homens
f
%
(94) 66,2
(16) 11,3
Caminhada
Corrida
Caminhada
e Corrida
(9) 6,4
Caminhada
e Ciclismo
(6) 4,2
Ciclismo
(4) 2,8
Corrida e Ciclismo (3) 2,1
As três atividades (2) 1,4
Outro(s)
(8) 5,6
Total
(142) 100
Mulheres
f
%
(102) 69,4
(13) 8,8
(7)
Total
f
%
(196) 67,8
(29) 10,0
4,8
(16) 5,6
(9) 6,1
(6) 4,1
(4) 2,7
(1) 0,7
(5) 3,4
(147) 100
(15) 5,2
(10) 3,5
(7) 2,4
(3) 1,0
(13) 4,5
(289) 100
A caminhada, que aparece como a atividade
física mais praticada na pista do Maracanã, também
o foi na pesquisa de Storchi e Nahas [8]. Nesse estudo,
a caminhada era praticada por 48,3% dos homens e
09/07/04, 15:34
&&
ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
87,2% das mulheres. É possível que o fato de a
caminhada ser menos traumática para o sistema ósteomio-articular que a corrida e requerer menos
equipamentos contribua para a sua preferência pelos
praticantes da pista do Maracanã. Essas suas
peculiaridades fazem com que a caminhada possa ser
praticada por pessoas das mais diversas faixas etárias.
Investigamos ainda se os usuários da pista
praticavam exercícios sob a orientação de algum
profissional. Aos que eram orientados, indagamos que
profissional os atendia; aos que não eram,
perguntamos a que profissional eles recorreriam se
pudessem. Os resultados são apresentados nas tabelas
8, 9 e 10.
Como era de se esperar, a maioria (60,6%) dos
respondentes não possui orientação profissional
(Tabela 8). Por se tratar de um espaço público, onde
as atividades não são supervisionadas diretamente por
um profissional, como em uma academia, nos
surpreendeu o alto percentual encontrado de
praticantes com orientação profissional, que foi de
39,4%.
Tabela VIII – Praticantes orientados por profissionais.
Orientação
profissional
Sim
Não
Total
Homens (%)
40,8
59,2
100
Mulheres (%)
38,1
61,9
100
Total
39,4
60,6
100
Quando indagados a respeito do profissional
orientador, o médico e o profissional de Educação
Física dividiram a preferência dessa parcela de
praticantes (41,9% e 40,1%, respectivamente) (Tabela
9). De certa forma, esse equilíbrio na preferência por
médicos e profissionais de Educação Física se repete
entre os que afirmaram não ter orientação para a
prática do exercício (38,9% e 46,4%, respectivamente)
(Tabela 10). Podemos argumentar que, apesar de o
professor de Educação Física ser o profissional
competente para a orientação da prática de
exercícios, função legalmente estabelecida com a
regulamentação da profissão em 1998, o médico
ainda é considerado por boa parte dos usuários um
profissional competente para a prescrição e orientação
de exercícios físicos.
Outra possibilidade a ser considerada para a
explicação desse fenômeno é a maior acessibilidade
do médico para as pessoas em comparação com o
profissional de Educação Física, que se dá muito em
função da proliferação de planos de saúde que
atendem à classe média. Pelo menos para os
praticantes da pista do Maracanã, parece que os
Artigo 06 - Marcos.pmd
88
médicos vêm sendo considerados como aptos a
orientar sobre a prática do exercício.
Tabela IX – Profissionais orientadores dos praticantes.
Profissional
Homens (%)
Médico
27,4
Ed. Física
52,8
Fisioterapeuta
12,0
Nutricionista
7,8
Outro
0
Total
100
Mulheres (%)
55,8
27,9
8,8
6,1
1,4
100
Total (%)
41,9
40,1
10,4
6,9
0,7
100
Tabela X – Profissionais eventualmente procurados
pelos praticantes sem orientação.
Profissional
Ed. Física
Médico
Fisioterapeuta
Nutricionista
Outro
Total
Homens (%)
44,9
39,0
8,8
7,3
0
100
Mulheres (%)
48,0
38,8
6,2
6,2
0,8
100
Total (%)
46,4
38,9
7,5
6,8
0,4
100
Analisando, porém, a escolha do profissional
orientador tomando por base o sexo do(a) praticante,
constatamos um dado bastante interessante.
Verificamos que 55,8% das mulheres são orientadas
por médicos, enquanto que 52,8% dos homens por
profissionais de Educação Física. Ou seja, o médico
aparece como orientador da maioria das mulheres e
o profissional de Educação Física da maioria dos
homens. Mesmo considerando que as mulheres
possam ter confundido ‘orientação para prática da
atividade física’ com ‘recomendação médica’ (vale
lembrar que foi por recomendação médica que 104
praticantes, sendo 57 mulheres, começaram a praticar
exercícios – vide Tabela 5), julgamos esse dado no
mínimo curioso, e que, portanto, merece ser
investigado mais detalhadamente em estudos futuros.
No que se refere às sessões de exercícios
realizadas na pista do Maracanã, os resultados
demonstram que, na grande maioria dos casos, as
sessões de treinamento não possuem os três
momentos aconselhados: fase preparatória
(aquecimento), parte principal e parte final (volta à
calma) (Tabela 11). Dos praticantes investigados,
apenas 11,7% admitiram incluir esses três momentos
em sua sessão diária de exercícios.
Além disso, 79,8% dos praticantes não fazem
aquecimento pré-atividade (Tabela 11). Como visto,
o objetivo do aquecimento é preparar o organismo
para um esforço mais intenso, de modo a evitar
súbitas alterações fisiológicas e a minimizar a
possibilidade de lesões. Tendo em vista o exposto,
tendemos a concordar com Storchi e Nahas [8]
12/07/04, 17:28
&'
ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
Tabela XI – Descrição da sessão de atividades físicas realizadas.
Atividades
Homens
(%)
Somente
65,9
Aquecimento/atividade principal/alongamentos
8,8
Atividade principal/alongamentos
6,6
Aquecimento/atividade principal
12,1
Atividade principal/exercícios sobrecarga
3,3
Outros
3,3
Total
100
quando afirmam que os praticantes necessitam receber
melhores orientações sobre a prática de exercícios.
Conclusões
Em que pese a limitação da amostra acidental, é
possível afirmar que há um equilíbrio no uso da pista
do Maracanã por mulheres e homens. Em relação à
faixa etária, embora tenhamos encontrado usuários
adolescentes de 15 anos e idosos com 81 anos, não
há uma distribuição uniforme entre as faixas etárias.
A prevalência situa-se entre 35 e 54 anos.
A escolha da pista do Maracanã se deve
principalmente à proximidade das residências dos
usuários. Esse resultado reforça a hipótese de que a
proximidade de locais e a freqüência na prática regular
de exercícios estão diretamente associadas. Esse
resultado leva-nos a encarar a ampliação quantitativa
de espaços adequados como importante ação do
poder público no sentido de ampliar a participação
das pessoas em atividades físicas.
A idéia de que o exercício físico, praticado
regularmente, traz benefícios à saúde parece estar
difundida entre os usuários da pista do Maracanã,
uma vez que a maioria dos usuários apontou a saúde
como motivo que os levou a praticar atividade física.
Isso pode sugerir que a associação entre aptidão física
e saúde esteja disseminada entre aqueles que optam
por praticar exercícios.
A caminhada é a atividade mais praticada na pista
do Maracanã, seguida, embora de longe, pela corrida.
Atribuímos esse resultado ao fato de esse espaço
propiciar essencialmente a realização dessas atividades.
Outro possível motivo para a preponderância da
caminhada é o fato de ela ser uma atividade de fácil
execução e que menos possui contra-indicações e,
portanto, poder ser praticada por pessoas de diferentes
faixas etárias e competências motoras. Ao mesmo
tempo, diretrizes básicas de prática de exercícios
parecem não ser seguidas pelos usuários da pista, haja
vista que o aquecimento ou a “volta à calma” não são
Artigo 06 - Marcos.pmd
89
incluídos pela grande maioria dos
usuários em suas sessões de exercícios.
No que concerne à orientação para
a prática da atividade física, o médico e
o profissional de educação física
dividem a preferência dos usuários da
pista. O médico, embora não habilitado
para a prescrição de exercícios físicos,
ainda é lembrado por praticantes de
atividade física para assumir essa função.
Analisando, porém, a escolha do profissional tomando
por base o sexo do(a) praticante, as mulheres parecem
preferir a orientação dos médicos, enquanto que os
homens do profissional de educação física. Esse
achado, cuja explicação foge ao escopo deste estudo,
é no mínimo curioso e, portanto, merece ser
investigado mais detalhadamente em estudos futuros.
Mulheres
Total
(%)
(%)
62,2
64,0
14,6
11,7
11,0
8,8
4,9
8,5
7,3
5,3
0
1,7
100
100
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20. Matsudo SMM et al. Promoção da saúde mediante o
aumento do nível de atividade física: a proposta do
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REVISÃO
Que visão sobre velhice norteia as pesquisas
na área da educação física?
Which view about old age guides researches in physical activity?
Rosemary Rauchbach, M.Sc.*
*Docente no Curso de Educação Física UNIANDRADE, Coordenadora do Programa Idoso em Movimento, Secretaria Municipal do
Esporte e Lazer – Curitiba, Gerontóloga pela SBGG
Resumo
O objetivo deste estudo foi analisar os pontos de conflito da práxis da pesquisa científica no que diz respeito à avaliação do
idoso na área da atividade física. Os dados foram coletados através da análise documental de periódicos nacionais de expressão
nos meios científicos da Educação Física e Gerontologia, bem como Anais de Congressos Nacionais, abrangendo o período
compreendido entre 1995 a 2001. Observou-se que a partir do Ano Internacional do Idoso, 1999, houve uma mudança no
enfoque das pesquisas sobre o envelhecimento. O foco hoje é o paradigma da capacidade funcional e o que está em jogo é a
autonomia. Com a visão de saúde dentro de uma nova ótica resultante da interação multidimensional entre saúde física, mental,
independência na vida diária, interação social, suporte familiar e independência econômica, há uma preocupação maior em
descrever o perfil sócio-cultural da população estudada, e não só quantificar os resultados, mas embasar as observações, através
de imagens e depoimentos.
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Palavras-chave: avaliação, atividade física, idoso.
Abstract
The purpose of this study was to analyze the scientific research praxis of senior physical activity evaluation. The data was
collected from documental scientific periodicals of physical activity and Gerontology, as well as Annals of National Congresses
from 1995 to 2001. The results showed that the year 1999, when the International Year of Older Persons were created, was the
starting point of a major changing on researches about aging. The methodology moved to focus a multidimensional interaction
among physical and mental health, social interaction, independence in daily life, family support and economic independence. The
results also demonstrated at evidence from the literature that the cultural partner profile was based not only by quantifying the
data but also by using observations, through images and depositions.
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Key-words: evaluation, physical activity, elderly.
Artigo recebido em 20 de maio de 2004; aceito em 25 de maio de 2004.
Endereço para correspondência: Rosemary Rauchbach, Rua Castro Alves, 832 apto 6-B Água Verde 80240-270
Curitiba PR, Tel: (41) 2441242, E-mail: [email protected]
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Introdução
Ao final do século vinte foram grandes as
preocupações da sociedade e seus governos quanto
ao envelhecimento populacional, e aos problemas
decorrentes da falta de políticas públicas que
atendessem o idoso. O governo brasileiro, em
colaboração com o Programa para o Envelhecimento
da Organização Mundial de Saúde, convocou um
encontro internacional em julho de 1996, para
desenvolver uma agenda para o restante do século
20 e mais além.
Participou deste encontro um grupo
multidisciplinar de especialistas de todo o Brasil, assim
como de 21 países. O documento resultante dessa
reunião ficou conhecido como “Declaração de
Brasília”. Esta declaração leva em consideração o
Plano de Ação de Viena para o Envelhecimento, das
Nações Unidas, e é coerente com as convenções
assinadas no Cairo, Copenhaguem e Beijing; com a
Carta de Ottawa sobre Promoção de Saúde e com o
Habitat II. Um dos princípios de ação e
recomendações destacadas foi:
(...) Capacidade de pesquisa deve ser desenvolvida
a fim de avaliar e definir necessidades, desenvolver e
avaliar modelos de intervenção, disseminar melhores
práticas e subsidiar políticas. Treinamento para utilizar
a informação existente e desenvolver novos bancos
de dados é parte da construção da capacidade de
pesquisa. Bancos de dados longitudinais que facilitem
o monitoramento e determinação da pesquisa, incluindo
métodos de pesquisa quantitativos, qualitativos, de
participação e ação. Ênfase deve ser dada à pesquisa
aplicada. (...) [1].
Na mesma época o Governo Federal regulamentou através do Decreto nº 1.948, de 03 de julho
de 1996 a Política Nacional do Idoso (Lei n° 8.842,
de 04/01/94), destinada não apenas aos que estão
velhos, mas também àqueles que vão envelhecer [2,3].
No sentido de colocar em prática as ações
preconizadas nesta política, os órgãos governamentais
propuseram um plano de ação conjunta “Plano
integrado de ação governamental para o
desenvolvimento da política nacional do Idoso” [4],
que trata de ações preventivas, curativas e
promocionais objetivando a melhor qualidade de vida
ao idoso. Tendo como um dos objetivos específicos:
(...) coordenar, financiar e apoiar estudos, pesquisas,
levantamentos e publicações que ampliem os
conhecimentos sobre o idoso na área social; Criar um
banco de dados com vistas a subsidiar os programas
do Governo Federal para esse segmento; (...)
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Da mesma forma destaca a atividade física
como um dos meios de promoção da saúde em
diferentes ações entre as Secretarias. Com todo esse
movimento dos meios políticos e sociais, as
Instituições de Ensino Superior vieram a despertar
para o fato da necessidade de ampliar o número de
pesquisas nas áreas que até então eram feitas em sua
maioria por outros órgãos.
No que diz respeito às pesquisas relacionadas ao
movimento humano e ao envelhecimento, foram
necessários um esforço maior, pois essas até então eram
direcionadas às populações mais jovens assim como
os testes e avaliação da performance motora [5].
Considerando o envelhecimento como um
processo multidimensional e singular, os
pesquisadores depararam-se com a amplitude e
diversidade da pessoa envelhecida, vendo a
necessidade da criação, adaptação e validação dos
instrumentos de avaliação e a determinação de classes
as quais esses instrumentos se prestariam.
A classificação da população idosa, segundo
sua capacidade de realizar as atividades de vida diária,
e a avaliação do desempenho motor vieram ao
encontro das necessidades dos profissionais em avaliar
o impacto da prática sistemática da atividade física
em idosos participantes de programas regulares,
como no diagnóstico das condições iniciais para
prescrição das atividades [6].
No entanto os testes propostos para avaliação
do desempenho motor podem apresentar limitações,
pois quando se atem em só quantificar deixa de avaliar
a forma com que o idoso se adapta às tarefas [6].
Assim como os testes de autopercepção que podem
ser afetados por diferentes fatores: a falta de
compreensão dos questionamentos, diminuição da
memória e outros [5].
Há uma concordância entre os autores [6,7,8,9,5],
que a avaliação do idoso deve abranger múltiplos
aspectos que um só instrumento não é o suficiente
para avaliar o processo de envelhecimento e suas
nuances.
Diante do exposto, é que esse estudo tem como objetivo
analisar a prática da pesquisa científica no campo da Educação
Física, no que se refere à avaliação do idoso, seus resultados e
suas limitações com a visão multidimensional da gerontologia.
Levantando a questão; Qual a extensão do conhecimento
nas diferentes áreas necessário para avaliar a pessoa
em processo de envelhecimento? Sendo que o
envelhecimento se serve de diferentes ramos da ciência para a
sua explicação e compreensão, e seja qual for a abordagem que
se empregue ao se olhar para uma pessoa em envelhecimento
observa-se um contexto de difícil delimitação, pois segundo [10],
esse processo envolve as dimensões biológicas, psíquicas, sociais,
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culturais e estéticas, que transcende a forma de observação
científica e técnica, onde a fragmentação do objeto que o isola ou
arranca do contexto original não explica o fenômeno. Pois, o
velho e o processo do envelhecimento, só pode ser explicado na
integridade de suas características.
Este estudo levou em consideração as pesquisas
publicadas em revistas especializadas no campo da
Educação Física e Gerontologia, como também em
Anais de Congressos Brasileiros de 1995 a 2001. O
estudo foi assim delimitado pela própria evolução
histórica da gerontologia no Brasil. Para Papaléo Netto
[11], a pesquisa em gerontologia teve seu avanço com
a abertura dos cursos de Pós-graduação e
Universidades da Terceira Idade. E na promulgação
de políticas nacionais para o idoso (1996) e para a
saúde do idoso (1999). Segundo Neri [11], o número
de artigos científicos, capítulos e trabalhos
apresentados em congressos tiveram sua maior
expressão a partir de 1996. Justificando dessa forma
a escolha dos periódicos e anais de congressos por
serem elas as fontes primárias encontradas.
Metodologia
Este estudo caracteriza-se por uma pesquisa
de natureza descritiva na linha crítico-dialética da
investigação científica produzida historicamente nesta
área. Essa escolha metodológica tem sua explicação
na própria concepção da Gerontologia como ciência
e seu caráter multidimensional de investigação [11].
Pois a dialética entende a realidade a partir do conflito
e da contradição para que se possa fazer uma
transformação. Sendo os fatores sócio-econômicos
e políticos que condicionam o fenômeno, mas
também é por ele determinado, vê-se nas pesquisas
produzidas por grupos inseridos em Instituições a
sua natureza, enquanto linha de pesquisa e os
resultados por ela perseguidos como um fator
histórico determinante.
Essa investigação propôs-se no primeiro
momento fazer um levantamento das pesquisas que
abordam a avaliação do idoso e a atividade física,
abrangendo periódicos Nacionais de expressão nos
meios científicos da Educação Física e Gerontologia
e Anais de Congressos Nacionais datados de 1995
a 2001. Com o objetivo de investigar a metodologia
e os instrumentos utilizados como também o
propósito a qual a pesquisa se destinou. Esses foram
previamente catalogados e separados por área de
interesse, autor e assuntos relevantes ao longo do
ano de 2001.
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93
Em um segundo momento, as observações
foram descritas e analisadas em uma abordagem
crítica dialética, lembrando que o método dialético
está intrinsecamente voltado para o real e articulado
ao movimento da sociedade. Sociedade essa
entendida aqui como sendo a elite dos profissionais
que estudam e pesquisam o envelhecimento.
Discussão
Na análise inicial dos dados, fez-se necessário
destacar as diferentes formas de intervenção segundo
as linhas de pesquisas utilizadas no Campo da
Educação Física e da Gerontologia que investiga os
efeitos da atividade física.
Lembrando que a postura de investigação
científica na gerontologia é estudar o mesmo objeto
simultaneamente sob várias óticas e ciências distintas,
dando uma visão multidimensional da pessoa
envelhecida. Freqüentemente, fazia parte do estudo
uma equipe interdisciplinar, predominando a
utilização de mais de um instrumento de análise. Um
composto de três fontes de coleta de dados, tais
como: Ficha/ cadastro ou prontuário, questionário
com perguntas abertas e fechadas e uma avaliação
física e/ou exame clínico. Caracterizando as
pesquisas como descritivas e analíticas e de
observação participante. Os dados eram tratados
pela estatística descritiva na caracterização da
população estudada, como também por uma
estatística mais elaborada [12-14].
Nas pesquisas onde o enfoque era predominantemente da Educação Física aplicada ao idoso
[15-18], o que se constatou foi a utilização de no
máximo dois instrumentos de coleta dos dados, uma
ficha/cadastro e/ou um questionário/ entrevista ou
uma bateria de testes de aptidão física e/ou
funcional. Os dados eram tratados por uma
estatística mais elaborada e os resultados
apresentados em tabelas e/ou gráficos explicativos.
O profissional que segue uma das linhas de
pesquisa utilizadas predominantemente na Educação
Física tende a deter-se na interpretação dos dados
pelo viés da análise estatística, deixando os dados
subjetivos/ qualitativos com um breve comentário
na conclusão do trabalho [19,20]. Assim existe uma
clara diferença entre as duas formas de observação
e pesquisa; enquanto a preocupação maior do
gerontólogo é com o processo de adaptação e
construção dos instrumentos adequados à
população estudada e descrição das observações
[6,21,22,23].
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Pontos de conflito
Um dos pontos de maior conflito observado
foi a determinação da população abrangida pelas
pesquisas. Sendo que, os autores ao classificarem seus
estudos, para a “terceira Idade”, “Idosos”, “adultos
maduros”, “acima de 50 anos de idade”, estavam se
referindo a mesma população, mas cuja abordagem
teórica e tratamento metodológico se diferenciaram
no que diz respeito ao entendimento do “ser velho”.
Isso se deve, em grande parte ao fato de os
mecanismos básicos de envelhecimento e a
mensuração da idade biológica serem indefinidos.
Papaléo Netto [24], salienta ainda como causas
de erro, a falta de conhecimento de doenças associadas
ao envelhecimento e a dificuldade de distinção entre
senescência e senilidade, ou seja, entre as manifestações
peculiares do envelhecimento e as decorrentes de
processos mórbidos comuns em pessoas idosas. Não
raramente, alguns idosos apresentam modificações
anatômicas evidentes sem correspondentes funcionais.
Assim como idosos com osteoporose avançada,
diagnosticada através de radiografia e densiometria
óssea, podem não referir qualquer manifestação da
doença ou relatar fraturas em sua história pessoal. É
possível, nesse caso considerá-lo “livre de doença” e,
portanto, selecioná-lo como saudável.
Outro fator de erro, segundo esse mesmo autor
é a utilização da idade cronológica como critério para
estabelecer o limite entre o adulto jovem e o idoso.
Desde que a Organização Mundial da Saúde
estabeleceu como limite divisório entre o adulto e o
idoso, nos países em desenvolvimento, a idade de 60
anos. Esse critério cronológico tem sido adotado na
maioria dos trabalhos científicos. Já que não existem
marcadores biológicos eficazes e confiáveis para a
determinação da idade biológica.
A seguir alguns critérios de seleção da população
encontrados:
(...) ser saudável, ou seja, não apresentar doença
cardíaca coronariana, diabetes mellitus insulinodependente, hipertensão arterial, osteoporose e/ou
outras condições crônicas. (...) não fazer uso regular
de hormônios, diuréticos e/ou estrógenos.(...) [25].
(...) os critérios de inclusão foram ser homens,
possuir idade igual ou superior a 50 anos, estar em
bom estado de saúde não possuindo patologias ou
ingerindo medicamentos (...) [26].
A população investigada compreendeu indivíduos
sadios, de ambos os sexos, com idades entre 50 e 70
anos que não praticaram nenhum tipo de exercício físico
nos 6 meses que antecederam o estudo [15].
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Isto é, a população acima descrita, os fisicamente
saudáveis se classificariam como pertencentes ao nível
IV [9], isto é, realizam trabalho físico moderado,
esportes de resistência e jogos. São capazes de fazer
todas as atividades avançadas da vida diária e têm
aparência física mais jovem em relação às demais
pessoas de sua idade. E todo e qualquer resultado
dessas pesquisas se prestariam apenas a idosos com
as mesmas características físicas e sócias culturais. O
que corresponderia a uma parcela muito pequena do
universo da população idosa brasileira. Papaléo Netto
[24] enfatiza que considerar os resultados obtidos com
essa população, com um envelhecimento bem
sucedido da qual foram excluídos os portadores de
envelhecimento comum, como padrão de referência
nos Programas de Atividades, generalizando assim a
toda uma população envelhecida é um erro. O mesmo
se pode dizer quando a população em questão é
institucionalizada. Onde a heterogeneidade decorrente
dos processos mórbidos comuns do envelhecimento
dificulta a caracterização do grupo estudado.
Deve-se ter em mente a grande variedade entre
as pessoas de um mesmo grupo etário, e
principalmente, entre grupos etários diferentes dentro
do conjunto total de idosos. É necessário estar ciente
de que fatores tais como idade cronológica, raça,
cultura e outros ligados ao estilo de vida, como hábito
de fumar, ingestão de bebidas alcoólicas, sedentarismo
e dieta inadequada são fundamentais e o seu não
reconhecimento ou sua valorização poderão dar
origem a interpretações não válidas.
É importante lembrar que o envelhecimento
comum é determinado pela cultura e nível social.
Matsudo, Matsudo e Araújo [27] comentam que
a manutenção da habilidade física no processo
de envelhecimento está associada a um melhor
nível educacional.
Não são evidenciadas nas pesquisas relacionadas
à Atividade Física, anteriores a 1999, a preocupação
quanto à descrição da população nos seus diferentes
aspectos: sócios culturais, econômicos e de saúde.
Dificultando dessa forma a reprodução do estudo
em um momento posterior.
Tipos de estudos
A escolha da metodologia e dos instrumentos
utilizados está diretamente correlacionada com o tipo
de estudo em questão. Foram encontradas pesquisas
de três tipos, segundo a classificação de Papaléo Netto
[24]: de observação, de intervenção e metodológico.
Um dos estudos é o de observação, aqueles
destinados à coleta de informações para descrição
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de um fenômeno, estabelecer perfil de uma
determinada população e posteriormente formulação
de hipóteses. Podendo ser de caráter retrospectivo,
quando esses dados são obtidos de documentos ou
cadastros já existentes, como também prospectivos;
estudos transversal e longitudinal. Nas pesquisas
avaliadas foram observadas que em sua maioria eram
estudos de intervenção, onde uma determinada
população era submetida a um experimento
(programa de atividades) e posteriormente os dados
tratados por métodos estatísticos.
Os estudos metodológicos tratam da
construção e validação dos instrumentos de medida
e principalmente na tradução e adaptação daqueles
construídos para uma população com uma cultura
diferente da brasileira. Destacaram-se pela sua
relevância em fundamentar a discussão deste estudo.
Quanto aos métodos estatísticos, Papaléo
Netto [24] ressalta como fator de incidência em erro
a qualidade e o tamanho da amostra, isto é: que a
amostra seja extraída de população com distribuição
normal. Lembrando que a variabilidade entre idosos
é seguramente maior do que a observada em adultos
jovens. E quanto maior o tamanho da amostra, mais
as distribuições amostrais aproximam-se da
distribuição normal (N>30).
Alguns exemplos de seleção da amostra:
(...) Para o estudo foram selecionadas 30 idosas
acima de 60 anos que tinham condições de realizar o
programa proposto, 16 constituíram o grupo
experimental e 14 o grupo controle. Completaram o
programa 27 idosas, 12 do grupo controle e 15 idosas
do grupo experimental [28].
A amostra foi constituída por 30 sujeitos com
idade cronológica entre 60 e 79 anos (...), sendo oito
de sexo feminino e 22 do sexo masculino que
participam regularmente de um programa de atividade
física (...). Neste programa os indivíduos são submetidos
a exames clínicos, laboratoriais e teste ergométrico. Os
sujeitos deste estudo não manifestaram qualquer
patologia e, portanto, não faziam uso de medicamentos.
Apesar de estarem familiarizados com ambientes de
laboratório, os indivíduos eram inexperientes em
pesquisas e/ou instrumentos utilizados pela
aprendizagem motora [29].
O estudo foi realizado com 12 indivíduos do
sexo feminino com idade entre 62 e 78 anos, recrutados
nas proximidades da (...) foram submetidos a uma
avaliação médica inicial, que incluiu exames clínico e
bioquímico, (...) Foram adotados como critérios de
exclusão para participar do estudo: indivíduos
engajados em algum tipo de programa de exercício
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físico regular nos 3 meses anteriores ao estudo, graves
insuficiências cardíaca, coronariana, (...) [19].
Analisando os exemplos acima descritos, quanto
ao tamanho da amostra é possível inferir, que os
autores podem considerar esse fator secundário ao
selecionar os idosos. Esse se torna relevante à medida
que os objetivos propostos pela pesquisa demonstrem
a necessidade na comparação de grupos e para tanto
a escolha do método estatístico adequado é que vai
determinar a validade do experimento. Um dos
pontos a salientar seria a dificuldade em ter um grupo
controle fidedigno, devido a grande variabilidade do
processo de envelhecimento individual.
Seleção e aplicação dos instrumentos
A escolha do instrumento de avaliação está
intrinsecamente relacionada à percepção do nível de
envelhecimento da população estudada, para tanto é
necessário ao pesquisador um entendimento profundo
no que diz respeito ao processo de envelhecimento e
suas conseqüências.
Serão detalhados alguns dos instrumentos que
se mostraram conflitantes tanto na sua gênese como
na sua aplicação para população em questão.
O que se tem observado nas pesquisas em
relação à avaliação inicial do idoso é a importância
dada ao índice de massa corporal, composição
corporal e na relação cintura quadril, justificando-se
que essas medidas, são indicativos na predisposição
do indivíduo a certas doenças [30,31,32,20].
Segundo Nahas [33], o índice de massa corporal
(IMC) representa apenas uma estimativa razoável da
composição corporal, adequada para adultos, que não
sejam atletas ou que tenham uma massa muscular
muito desenvolvida. Outros estudos, também
concluíram que esse não é um bom parâmetro de
avaliação antropométrica para idosos, muito menos
se for utilizado isoladamente [34,35].
Sendo assim, considerar essa medida como um
único dado significativo para uma população idosa,
pode incorrer em um grande erro, devido as variáveis
do envelhecimento que desviam ainda mais os
resultados esperados. Lembrando que no processo
de envelhecimento há uma perda geral de massa total
do organismo, variável em velocidade e quantidade
de indivíduo para indivíduo, como perda de massa
óssea de um lado, mas ao mesmo tempo a calcificação
de alguns tecidos ou substituição por tecido fibroso
e adiposo do outro. Salientando ainda, que o idoso
tem uma história de atividades que lhe proporcionou
uma certa estrutura corporal que determinou seu peso
ósseo e massa muscular que podem estar camuflados
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atrás de um envoltório externo envelhecido, e que
dificulta qualquer mensuração.
No que diz respeito a indivíduos com idades
mais avançadas, Bray [20] propôs uma estratégia que
consiste em acrescentar uma unidade aos valores de
IMC para cada década de vida, a partir dos 25 anos
de idade. Os autores comentam ainda que em uma
pesquisa envolvendo vários países nos cinco
continentes, Launer & Harris, apresentaram resultados
que estendem ainda mais a relatividade da
normatização do IMC. Examinaram dados de idosos
de ambos os sexos, estratificados em três grupos
etários (60 a 69, 70 a 79 e acima de 80 anos) e
pertencentes a diferentes grupos étnicos, como parte
de suas conclusões propuseram que a localização
geográfica seja um fator que influencia o IMC de
pessoas idosas, sendo necessário levá-lo em conta
além de aspectos como idade e sexo.
Outras medidas também encontradas nas
diferentes pesquisas em relação à composição corporal
do idoso são: as dobras cutâneas e perímetros, que
também levam como justificativa alguns indicadores
associados ao estado nutricional e aos riscos de saúde
devido ao acúmulo de gordura.
Quanto às dobras cutâneas as mais utilizadas nas
pesquisas com idosos foram: a do tríceps,
subescapular, supra-ilíaca e em alguns casos, axilar
média, coxa e panturrilha medial. Dos perímetros, a
circunferência do braço e perna. Como também:
abdômen, panturrilha e coxa. Independente das
dobras ou perímetros escolhidos o importante a
salientar é o propósito das medidas, tendo em vista a
característica individual de envelhecimento.
Já que as pesquisas utilizam essas medidas para
avaliar o perfil da população estudada como também
em estudos comparativos. Going et al. [31,32], fizeram
uma análise crítica dos resultados disponíveis na
literatura e enfatizaram que a maioria dos estudos
comparativos conclui que os sujeitos idosos
fisicamente ativos ou que treinam apresentam
porcentagens menores de gordura corporal, valores
menores de dobras cutâneas do tronco e menor
circunferência de cintura, embora muitos desses dados
podem ter vindo de estudos com limitações
metodológicas importantes na seleção da amostra.
Independente disso o processo de envelhecimento determina modificações típicas na composição
do corpo, com tendência a ganho de peso devido a
aumento do tecido adiposo e perda de tecido muscular
e ósseo [36].
A relação cintura e quadril é um dos indicadores
mais utilizados no diagnóstico de obesidade central,
por sua relação com as doenças cardiovasculares.
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Sendo que os valores esperados são variáveis
dependendo da técnica da medida, do sexo e da
idade. Considerando ainda que os limites de RCQ
utilizados na definição de aumento de riscos são
baseados em evidências de populações específicas de
brancos e podem não ser apropriada para mulheres,
idosos e algumas etnias. Entre os idosos, valores
habitualmente maiores são encontrados,
impossibilitando uma definição exata do nível
utilizado na conceituação de obesidade central [21].
Lembrando que com o envelhecimento,
ocorrem transformações que particularizam o uso
da antropometria na análise da obesidade. Há uma
perda progressiva da massa magra com aumento da
proporção de gordura corpórea, além da diminuição
da estatura, relaxamento da musculatura abdominal,
cifose e alteração da elasticidade da pele [21].
Em relação ainda às medidas antropométricas,
foi observado que em muitas pesquisas houve uma
preocupação na coleta dos dados IMC para
caracterização da população conjuntamente com
outros dados específicos de cada investigação, mas
nenhuma referência aos mesmos na discussão e
conclusão do estudo. Fica aqui a pergunta: Será que
foi pela variabilidade dos valores e dificuldade de
fazer uma associação com o que a ciência diz ser
verdadeiro? Ou esses dados farão parte de um estudo
posterior?
Quanto aos testes que per mitem medir
indiretamente as variáveis metabólicas, O teste de
caminhada de 6 minutos e o de marcha estacionária
de dois minutos, os testes da milha, de Cooper, a
caminhada de 3 Km e o teste de 800 metros. Nas
pesquisas analisadas, observou-se a necessidade de
adaptação de alguns desses testes, principalmente em
se tratando de populações institucionalizada, onde um
número relativamente expressivo de idosos não foi
capaz de realizar o teste, desafiando a criatividade do
pesquisador e fazendo o que a gerontologia preconiza;
“colocando em questão o método, sem que a
observação científica fosse prejudicada”.
Teste proposto: caminhada de 800 metros,
número de avaliados 16, grupo experimental e
14, grupo controle. Deixaram de realizar o teste,
quatro do grupo experimental e 3 do grupo
controle. Adaptação feita pelos pesquisadores:
Para as idosas que não conseguiram concluir o
teste de resistência, foram anotados a distância
em que conseguiram realizar e o tempo que foi
gasto para o mesmo [28].
Dos testes que avaliam força e resistência
muscular os que claramente não se adaptam a
população em questão e que merecem serem
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discutidos são: testes de impulsão vertical sem auxílio
dos braços por Soares & Sessa, [37] e o teste de uma
repetição máxima (1-RM) e suas variantes (2-RM a
20-RM). Esse último largamente utilizado em
trabalhos de pesquisa internacional com idosos dos
níveis IV e V, mesmo não sendo recomendados para
essa população [38].
No teste de impulsão vertical o avaliado se
coloca em pé, com os calcanhares no solo, pés
paralelos e corpo lateralmente à parede, com os
membros superiores levantados verticalmente.
Considera-se como ponto de referência a
extremidade mais distal das polpas distais da mão
dominante. Após a determinação do ponto de
referência, o avaliado se afasta ligeiramente da parede,
no sentido lateral, para então realizar três saltos
consecutivos, mantendo-se com os braços elevados
verticalmente. Ao comando do avaliador de Atenção!
Já! , o avaliado é orientado a saltar e tocar as polpas
digitais da mão dominante no ponto mais alto.
Durante o movimento, o braço não dominante
deverá se manter constantemente elevado. O salto
será inválido ser for precedido de marcha ou
movimentação dos braços. [37]
Esse é o típico teste que segundo a Ueno [5],
foi construído inicialmente para populações mais
jovens e adaptada para o idoso, sem levar em conta
as diferenças individuais e os fatores motivacionais.
Geralmente empregado a idosos do grupo IV e V,
[9], ou caracterizados como fisicamente saudáveis e
que estejam engajados a algum programa de
atividade. Pois exige um grau de aptidão motora na
execução do mesmo. Papaléo Netto [24] adverte
que muitos idosos não apresentam alterações
funcionais e nem manifestam qualquer queixa
proveniente dos efeitos devastadores da
osteoporose, por exemplo, podendo ser
considerados, aparentemente saudáveis. E em um
teste como esse o impacto produzido pela queda
do corpo após a impulsão pode levar a fratura de
vértebras como também provocar alterações nas
articulações responsáveis pela absorção do impacto.
O teste de uma repetição máxima como já foi
comentado não é indicado para a população idosa
[38]. Justamente pela forma a qual é estimado o
valor da carga, onde por tentativa e erro é
determinada a quantidade máxima possível de peso
que pode ser levantada em uma única execução
completa. O teste exige um maior tempo de
adaptação, o idoso é mais sensível às mudanças
ambientais sejam elas físicas ou emocionais, e
qualquer distração pode levar a uma lesão.
As pesquisas têm salientado a importância do
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trabalho com carga para um aumento da força
muscular e como conseqüência deter ou até mesmo
reverter, o processo da osteoporose. Esse é um
posicionamento largamente difundido pelo
American College of Sports Medicine e World
Health Organization [39]. Mas o que deve ser
levantado é a questão da adaptação do idoso tanto
aos testes como a atividade utilizando como recurso
os equipamentos costumeiramente utilizados para
aquisição de força. Deve-se levar em consideração
que as pesquisas que apontam os benefícios assim
como os testes empregados às mesmas foram
construídos e aplicados a uma população
culturalmente diferente do idoso brasileiro.
Quanto à avaliação da força e resistência da
musculatura abdominal, [17], em um estudo sobre
a influência do treinamento físico no meio aquático
para mulheres na terceira idade. Refere-se a ele
como o mais complicado na execução, devido
dificuldade dos idosos em fazer o movimento
completo exigido, pela falta de força mínima.
Havendo a necessidade de adaptação do mesmo.
Essa dificuldade achada pelos pesquisadores pode
ser explicada pelo próprio processo do envelhecimento estrutural.
Outro instrumento discutível são os que
avaliam a força de membros superiores, os
dinamômetros. Alguns autores [20] preferem esse
tipo de instrumento pela facilidade de aplicação e
obtenção direta dos resultados. Mas em se tratando
de uma população que apresenta um processo
acentuado do envelhecimento, como a
institucionalizada tem-se que levantar algumas
questões. Primeiro, as alterações articulares próprias
que dificultam a apreensão. Segundo a falta de força
na mão pode ser proveniente de contração crônica
nos grupos musculares adjacentes.
Para Monteiro [40], uma prescrição segura e
eficiente do trabalho de força em idades avançadas
deve encontrar seus alicerces na determinação das
cargas de esforço, bem como em seu ritmo de
progressão. Dentro deste contexto, é importante
destacar que as sessões convencionais que envolvem
o trabalho de força podem ser desestimulantes, não
encontrando grande aceitação por parte dos idosos.
Por isto, o treinamento deve ser integrado a outras
atividades que proporcionem uma redução do
caráter monótono que normalmente cerca a rotina
dos exercícios para o desenvolvimento da força.
Outro ponto importante é o conhecimento das
características clínicas e da integridade do aparelho
locomotor do praticante, para a determinação do
repertório de exercícios.
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Questionário/ entrevista - suas limitações
Na análise das pesquisas o que os autores
salientaram quanto aos instrumentos utilizados podese destacar: inadequação e/ou limitação do
instrumento a população em questão, o
envolvimento do entrevistador e entrevistado como
um limitador na objetividade da entrevista, O tempo
de aplicação do questionário e/ou entrevista e a
necessidade de junto aos dados quantitativos
combinar com as informações qualitativas. Optouse por fazer referência apenas a alguns autores, pela
profundidade e detalhamento dos resultados das
pesquisas, servindo as demais como suporte teórico
para futuras discussões.
Uma das questões discutida é a avaliação do
nível de atividade física entre os idosos, pois os
instrumentos encontrados na literatura têm sua
limitação em diferentes pontos, tais como: as versões
traduzidas esbarram nas diferenças culturais e/ou
sociais, necessitando de estudos quanto à
fidedignidade e reprodutibilidade para a população
brasileira [23]. Perguntas que dizem respeito às
atividades ligadas ao trabalho para pessoas
aposentadas e a imprecisão das respostas devido ao
registro de memória. [27].
Para Mânica [41], em idosos a implementação
de instrumentos de relato de atividade física geralmente
utilizadas em adultos jovens pode levar a dados
incompletos e inconsistentes devido a mudanças de
hábitos relacionados à aposentadoria e ao
aparecimento de doenças ou disfunções.
Quanto aos testes de autopercepção, Ueno [5]
salienta, que os mesmos vêm sofrendo críticas quanto
à validade e reprodutibilidade devido à diminuição
da memória, a não compreensão do enunciado das
questões, as respostas podem ser influenciadas por
parentes e amigos.
Faria, Oliveira e Morais [42] observaram que
aspectos cognitivos; tanto o analfabetismo como
pessoas intelectuais interferem na interpretação de
escores de instrumentos simplificados. Como também
alguns autores relataram que as dificuldades visuais e
auditivas dos participantes da pesquisa comprometiam
a interpretação dos questionamentos.
Moreira [43]; Russell [44] refletem sobre o
trabalho de campo e a relação entre entrevistador e o
entrevistado, as implicações éticas e metodológicas sem
perder a objetividade da pesquisa. O envolvimento
entre os interessados, a invasão da intimidade, a
impossibilidade de transcrição de dados como:
expressões de rosto e postura corporal, uma linguagem
não verbal que muitas vezes opõe-se ao verbalizado.
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98
A necessidade da criação de instrumentos mais
adequados que se adaptem tanto à população quanto
ao objetivo em questão está explícito pelo número
de pesquisadores que relatam em seus estudos a
elaboração de questionário com perguntas abertas e
fechadas que contemplem seus questionamentos.
Jacob Filho, Paschoal e Litvoc [45] propõem um
instrumento de avaliação de Qualidade de Vida para
o idoso que une a sensibilidade à simplicidade da
aplicação. É composto por três partes independentes,
mas complementares, a primeira parte composta de
nove itens, destina-se a conhecer os desejos e temores
do idoso, detectando ainda os determinantes de QV
na opinião dos mesmos, as questões são
predominantemente subjetivas. As demais com
formato clássico avaliam o estado de saúde absoluto
e relativo. Em outro estudo, Flores [22] descreve um
instrumento de avaliação que aborda os principais
aspectos da saúde global do idoso (Perfil Pluritemático
Simplificado para Idosos, PPSI), composto por 86
questões, distribuídas em seis módulos. Lembrando
que na maior parte das pesquisas são utilizados fichas/
cadastros ou prontuários com questões específicas
de cada Instituição que de uma maneira ou outra são
registros e fontes de dados para pesquisas.
Interpretação dos resultados / Conclusão
A problemática encontrada em algumas
pesquisas quanto à interpretação dos resultados é:
• Comparação dos resultados com outras
populações, sem levar em consideração a história
social e cultural, as quais determinam a reação do
idoso perante o teste proposto.
• Deterem-se apenas nos dados numéricos.
• Omitir dados. Feitas algumas avaliações que
deixaram de ser comentadas ou citadas na conclusão.
• Fazer a pesquisa com uma população
específica e generalizar os resultados para toda uma
população idosa.
Se a escolha do instrumento de avaliação está
intrinsecamente relacionada à percepção do nível de
envelhecimento e para tanto é necessário ao
pesquisador um entendimento profundo do
processo de envelhecimento. A interpretação dos
resultados depende muito mais da vivência do
pesquisador com o campo. Pois saber observar
como os idosos se comportam e adaptam-se às
dificuldades do envelhecer é fundamental para não
incorrer em erro.
Um outro ponto a salientar é quanto ao período
destinado à aplicação do programa de treinamento,
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12 semanas. Quando as pesquisas são realizadas por
grupos de estudo mantidos por uma instituição, o
tempo destinado ao estudo não ultrapassa os três
meses, entre avaliação inicial, aplicação do programa
e avaliação final.
Em uma abordagem gerontológica dos
resultados, Madureira e Lima [17], declaram:
(...) esperávamos resultados mais satisfatórios nas
variáveis estudadas. Porém por outro lado
constatamos que ocorreram modificações no
cotidiano destes sujeitos. (...) Como pode ser visto o
ganho na esfera psicossomática foi subjetivamente
muito superior que os dados objetivamente coletados
e acompanhados pela nossa equipe. Apesar da falta
de rigor metodológico nas filmagens, foi possível
visualizar melhora qualitativa (...) consideramos a
necessidade de se ter especial atenção na análise dos
dados quando friamente calculados podendo não
apresentar diferenças significativas matematicamente.
Contudo, segundo o relato de cada sujeito
(subjetivamente) a melhora significativa, seja na
diminuição da dor (...) em suas atividades de vida
diária. Talvez os testes aplicados não fossem os mais
indicados para o tipo de estudo que empreendemos,
mas eram os que tínhamos acesso para aplicação,
devido, entre outros fatores, ao instrumento, o tempo
para coleta de todos os dados (...) condição física de
alguns sujeitos era um fator limitante (...) patologias
que dificultavam explorar melhor, as qualidades e
capacidades físicas.
Em outro estudo, Pain et al [13] afirmam:
Portanto quando ouvimos uma senhora de 69
anos de idade dizer: “Nunca pensei que fosse dançar
algum dia na minha vida, muito menos com essa
idade” e visualizar a alegria estampada no rosto de
todas as mulheres durante a atividade física,
percebemos que talvez isso não possa ser mensurado,
mas temos uma certeza; estamos no caminho certo.
Wenger [46] enfatiza a necessidade de combinar
dados qualitativos e quantitativos em estudos
longitudinais sobre o envelhecimento, entendendo que
a forma de adaptação do idoso às situações de vida
auxilia na forma de intervenção do profissional.
Andreotti e Okuma [6] também se referem à
necessidade de observar a forma com que o idoso
se adapta às tarefas e sugerem a utilização da
filmadora como recurso.
Bibliografia utilizada
Sendo a gerontologia uma área interdisciplinar
foram poucas as pesquisas que utilizaram referências
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99
de áreas afins para fundamentar seus estudos. A
bibliografia encontrada baseia-se em estudos
internacionais na área da atividade física e saúde. Os
autores mais citados cujas pesquisas fundamentaram
e orientaram a grande maioria dos estudos nacionais
foram: Fiatarone, Matsudo, Mazzeo, Osness, Okuma,
Pollock, Raso, Rikli, Shephard, Spirduso, entre outros.
Cujos temas versavam exclusivamente sobre a
atividade física e envelhecimento. Há o predomínio
dos artigos científicos de periódicos indexados e são
raros os livros citados.
Conclusões
Levando em conta o objetivo desse estudo,
que foi analisar a prática da pesquisa científica no
campo da Educação Física no que diz respeito à
avaliação da pessoa idosa. Cadastrar os instrumentos,
verificar a aplicação da metodologia, levantar os
resultados e catalogar as sugestões. E considerando
o grande volume de publicações científicas que
surgiram a partir do Ano Internacional do Idoso,
1999, chegamos ao final desse estudo com uma
sensação que ficou muita coisa ainda para analisar.
Apesar de que a tendência que está se apresentando
em algumas pesquisas nesses três últimos anos é bem
diferente do corte inicial, 1995. Hoje podemos
encontrar um enfoque mais amplo sobre as
particularidades do envelhecimento nas pesquisas na
área da atividade física. Uma preocupação maior
em descrever o perfil sócio-cultural da população
estudada. Adaptação tanto dos instrumentos quanto
dos protocolos de treinamento.
Segundo Okuma [47], em uma análise crítica
dos modelos de atividades físicas, antes propostos,
observou a utilização de estratégias de intervenção
cujo estímulo era externo ao indivíduo, numa
tentativa de levá-lo a alcançar aquilo que é
considerado bom pela ciência e pelo meio e não,
necessariamente, por ele. Em outras palavras, esses
modelos vêm estabelecer, a priori, metas a serem
atingidas a partir de padrões preestabelecidos: são
comportamentos motores a serem seguidos, níveis
mensuráveis de saúde, percentual de peso a ser
perdido, eficiência de determinados órgãos e regiões
do corpo, e assim por diante.
Essa postura já está mudando, como mostra a
pesquisa desenvolvida por Zago et al. [18], os quais
mostraram o conhecimento sobre o envelhecimento,
quando oportunizaram durante a realização do
protocolo de treinamento que os participantes
vivenciassem uma variedade de atividades motoras.
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Dessa forma os idosos utilizaram o interesse
individual para uma participação mais prazerosa
nas atividades.
A opção por esta característica de treinamento
foi devido a uma maior abrangência de várias
habilidades e capacidades físicas proporcionando
assim uma maior aproximação com a vida cotidiana
do idoso (...).
A construção e adaptação de testes, que têm
como objetivo avaliar o idoso em todas as suas
dimensões, vêm sendo desenvolvida por
pesquisadores que olham o envelhecimento pela ótica
da gerontologia.
A preocupação em não só quantificar os
resultados, mas embasar as observações,
depoimentos, expressões através de outros
instrumentos mesmo que esses não tenham sido
“validados” como uma filmadora vem enriquecer e
conferir alma às pesquisas.
Para Ramos [48], nos dias de hoje estamos à
frente do paradigma da capacidade funcional e o
que está em jogo é a autonomia. Com a visão de
saúde dentro de uma nova ótica resultante da
interação multidimensional entre saúde física, mental,
independência na vida diária, interação social, suporte
familiar e independência econômica. O bem-estar
na velhice, ou saúde num sentido amplo, seria o
resultado do equilíbrio entre várias dimensões da
capacidade funcional.
Uma das justificativas para essa tomada de
consciência é justamente o número de cursos de pósgraduação na área do envelhecimento nesses últimos
anos. Ampliando o acesso a informações e
oportunidades de vivenciar o trabalho com essa faixa
de população.
Chego à conclusão que está havendo um
despertar por parte dos pesquisadores na área da
Educação Física para o fato do envelhecimento ser
um processo complexo e que necessita uma
abordagem multidimensional. E que são necessárias
novas investigações. Principalmente estudos
longitudinais, nas diferentes regiões do Brasil.
Respeitando seu povo e sua cultura.
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ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
REVISÃO
Psicomotricidade: um olhar
descritivo de suas vertentes
Psychomotricity: a descriptive view of its sources
Danielle Mendonça e Silva *, Atos Prinz Falkenbach, D.Sc.**
*Licenciada em Educação Física pela Faculdade Metodista IPA de Porto Alegre, Professor-Coordenador do Curso de Educação Física da
Univates Centro Universitário e Professor do Curso de Educação Física da Faculdade Metodista IPA
Resumo
O presente ensaio estuda e caracteriza as nuanças da psicomotricidade e a sua trajetória evolutiva como área de conhecimento.
Objetiva precisar de forma sintética os principais fundamentos das vertentes da psicomotricidade, bem como os respectivos
procedimentos didáticos. Estuda e caracteriza as principais vertentes da psicomotricidade que são: a reeducação psicomotora, a
terapia psicomotora e a educação psicomotora, esta última vertente também se desdobrou em psicomotricidade funcional e
psicomotricidade relacional. Para esta finalidade investiga, a partir de autores como Aucouturier, Lapierre, Vayer, Levin, Ajuriaguerra,
Negrine, Le Camus, entre outros, os fundamentos de cada vertente que são: a) finalidade; b) área de base; c) autores de base; d)
principais autores; e) obras e publicações. Também analisa os procedimentos didáticos que são: a) a relação adulto/criança; b) a
composição dos grupos; c) a organização e proposição da prática; d) desenvolvimento das rotinas; e) avaliação; e f) postura
corporal diante da criança. O rebuscamento teórico realizado permitiu o desenvolvimento de dois quadros síntese que organiza
e ilustra em forma de paralelo os fundamentos e os procedimentos didáticos de cada vertente da psicomotricidade.
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Palavras-chaves: psicomotricidade, reeducação psicomotora, terapia psicomotora, educação psicomotora.
Abstract
The present essay studies and characterizes the nuances of psychomotricity and its development as an area of knowledge.
It aims at showing briefly the main supports of the psychomotricity sources, as well as its pedagogical procedures. The main
sources are characterized as: the psychomotor reeducation, the psychomotor therapy, and the psychomotor education, the latter
one is unfolded in functional psychomotricity and relational psychomotricity. The study is based on Aucouturier, Lapierre, Vayer,
Levin, Ajuriaguerra, Negrine, Le Camus, and others, considering the following aspects: a) purpose; b) foundation area; c)
foundation authors; d) main authors; e) works and publications. It also analyses the pedagogical procedures as: a) the relationship
adult/child; b) the organization of the groups; c) the organization and the practical proposition; d) development of the
routines; e) assessment; and f) corporal attitude before the child. The theoretical support permitted the development of two
tables which organize and show parallelly the foundations and pedagogical procedures of each source of psychomotricity.
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Key words: psychomotricity, psychomotor reeducation, psychomotor therapy, psychomotor education.
Artigo recebido em 3 de junho de 2004; aceito em 7 de junho de 2004
Endereço para correspondência: Atos Prinz Falkenbach, Rua Cristiano Grün, 205/404, 95900-000 Lajeado, RS,
Tel: 51-37147000, E-mail:[email protected]
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Introdução
A Psicomotricidade e as suas diversas nuanças
foram tomadas como objeto de reflexão e de estudo
neste ensaio. O presente estudo é produto da
dedicação e envolvimento dos autores desde larga
data em relação ao conhecimento e a práxis da
Psicomotricidade. De um lado como professor
universitário e pesquisador contínuo da área da
Psicomotricidade como prática educativa com
crianças de diferentes níveis de desenvolvimento e,
por outro lado, na posição de acadêmica do Curso
de Educação Física, em exercício intenso de iniciação
científica em nível de graduação.
A dinâmica histórica da Psicomotricidade e as
suas contribuições teóricas para diferentes práticas e
diferentes formações constituíram-se de um
componente instigador para o desenvolvimento de
um estudo que possibilita a análise e a reunião destas
distintas faces da Psicomotricidade e as suas
repercussões ao conhecimento produzido nas
diferentes formações acadêmicas iniciais.
A problematização deste estudo pode ser
iniciada citando Negrine [1] estudioso do tema da
Psicomotricidade, que assinala esta área como um
verdadeiro mosaico de práticas e vertentes teóricas.
Em virtude disso, podemos compreender que é
natural poder ocorrer dificuldades na compreensão
e na exatidão de suas informações e contextualizações
históricas entre os acadêmicos de cursos que se
aproximam desta necessidade teórica e que dão os
seus primeiros passos na formação inicial.
Por compreender que a Educação Física não é
constituída somente por exercícios e gestos esportivos
técnicos, mas também por movimentos que
representam as manifestações do comportamento
humano, buscamos estudar o processo da evolução
histórica da Psicomotricidade, tentando dar conta das
principais correntes, desde o surgimento dos primeiros
estudos biomédicos da Psicomotricidade até as
concepções mais integralizadoras do movimento.
Adotar a Psicomotricidade como tema de
estudo trata-se de uma atividade extremamente
complexa e exaustiva. Não queremos repetir o
exercício denso e minucioso de Le Camus [2] ao
investigar e descrever detalhadamente a história e as
influências da Psicomotricidade nas intervenções
corporais com fins reeducativos e terapêuticos. Porém
desejamos introduzir o presente ensaio com um
sucinto histórico da Psicomotricidade, apresentar as
concepções que originaram o termo Psicomotricidade,
bem como as suas vertentes atuais. Na seqüência, o
estudo procura analisar as características das diferentes
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abordagens da Psicomotricidade a partir de três
grandes vertentes: a Reeducação Psicomotora, a
Terapia Psicomotora e a Educação Psicomotora.
Finalmente nos propomos em organizar uma reunião
de conhecimentos respectivos às três grandes vertentes
citadas, como uma contribuição de síntese nesta
complexa área.
Atualmente coexistem diversas escolas em
distintas vertentes na área da Psicomotricidade. A
história da Psicomotricidade nos conta que, por um
largo tempo, tratou o ser humano de forma
fragmentada, baseada nos princípios fundamentais do
dualismo cartesiano, que consistem em separar o
corpo e a alma. Descartes [3] prediz que o corpo é
apenas uma coisa externa que não pensa, e que a alma,
não participa de nada daquilo que pertence ao corpo.
Posteriormente passou-se a considerá-lo em sua
totalidade, isto é, o corpo começa a ser visto como
uma unidade que expressa sentimentos e emoções
que movem suas ações [4].
A palavra “psicomotor” foi utilizada inicialmente,
por volta de 1870, para nomear as regiões do córtex
cerebral situadas além das áreas propriamente motoras,
onde pode-se operar a junção, ainda misteriosa, entre
imagem mental e movimento. Na atualidade o termo
passa a ser compreendido como a busca entre a reunião
entre as atividades psíquicas e motrizes das crianças [2].
Negrine [5] explica que o termo Psicomotricidade
originou-se na França, no final do século XIX e no
início do século XX. Inicialmente esteve vinculado a
estudos de neuropsiquiatria infantil apresentado por
Dupré. Os estudos deste neuropsiquiatra abordam a
síndrome da debilidade motriz e a síndrome da
debilidade mental. Expondo pela primeira vez o que
se costumou denominar de Psicomotricidade da
criança, verifica-se que, nesta fase, a Psicomotricidade
esteve inserida no eixo biomédico. A prática da
Psicomotricidade seguia o modelo racionalista e
dualista, com ênfase nos aspectos motores do
movimento humano.
Levin [6] explica que a prática psicomotora tem
seu início com Edouard Guilmain em 1935. Este
médico inicia um novo método que chama de
Reeducação Psicomotora. Tal método consistia na
aplicação de baterias de testes psicomotores para a
avaliação do perfil da criança. Estabelece-se, então, um
exame psicomotor padrão e um programa de sessões
de acordo com as características dos distúrbios
motores que o indivíduo apresenta, orientando as
modalidades de intervenção do terapeuta.
Na década de 70, são citados diferentes autores
como: J. Bergès, R. Diatkine, B. Jolivet, C. Launay e
S. Lebovici que definem a Psicomotricidade como
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uma motricidade em relação [2]. Esta concepção
começa a delimitar uma diferença na postura do
psicomotricista em relação às posturas racionalistas.
Inicia-se um abrandamento da técnica instrumentalista - postura reeducativa -, permitindo maior
espaço à relação, à afetividade e ao emocional postura terapêutica. Começa aqui o surgimento da
Terapia Psicomotora.
Os psicomotricistas, agora preocupados com a
vida emotiva de seus pacientes, começam a citar vários
autores da psicanálise, como S. Freud, M. Klein, D.
Winnicott, W. Reich, P. Schilder, J. Lacan, M. Mannoni, F.
Dolto e Sami Ali. Com isso, surgem novas perspectivas
clínicas – teóricas no campo psicomotor [6].
Diante de obstáculos que foram encontrados
por Aucouturier e Lapierre [7], com a prática da
reeducação psicomotora, surge a necessidade de uma
prática educativa que trabalhe e valorize o
desenvolvimento das potencialidades da criança, pois,
para eles, a reeducação psicomotora estava sendo
geradora de insegurança, culpa e ansiedade. Surge aqui
à idéia da Educação Psicomotora.
A Psicomotricidade de cunho educativo deve
estar destinada a crianças em idade pré-escolar, pois
nesta faixa etária, pode-se buscar diferentes formas
de exteriorização corporal, além de explorar
diferentes formas de expressão e de comunicação
(5). Permitindo uma rica vivência simbólica, a ação
psicopedagógica pode favorecer uma diversidade de
estratégias que visam o avanço da comunicação, da
exploração corporal e do vivenciamento simbólico.
Atualmente existem dois eixos pelos quais a
Educação Psicomotora avança: a Psicomotricidade
Funcional e a Psicomotricidade Relacional. A primeira
toma como referência inicial o perfil psicomotriz da
criança avaliada a partir de testes padronizados, e que
se serve de famílias de exercícios como atividademeio. A segunda utiliza como atividade-meio a ação
de brincar, a representação mental que move e que
acompanha a ação da criança, isto é, utiliza-se do jogo
como elemento pedagógico [5].
Baseado nestas premissas e com o objetivo de
aprofundar o conhecimento acerca da Psicomotricidade e das concepções de suas vertentes, o
presente estudo é proposto. Acreditamos que, ao
estudar e refletir sobre sua origem e sobre suas
principais vertentes, uma base de compreensão
sintética sobre esta complexa área de conhecimento
se concretiza. Neste sentido o presente estudo é uma
contribuição com a comunidade acadêmica com os
conhecimentos aqui desenvolvidos.
Desejamos, também, que o estudo possa
contribuir com bases históricas e metodológicas a
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respeito da prática da Psicomotricidade para a
Educação Física, assim como apresentar de forma
didática a descrição, a análise e a categorização das
características das principais vertentes da
Psicomotricidade.
Na seqüência refletimos os tópicos que são
abordados em cada uma das vertentes da
Psicomotricidade: a) finalidade; b) área de base; c)
autores de base; d) principais autores; e) obras e
publicações; f) a relação adulto/criança; g) a
composição dos grupos; h) a organização e
proposição da prática; i) desenvolvimento das rotinas;
j) avaliação/acompanhamento; e h) postura corporal
diante da criança.
As principais vertentes da psicomotricidade
Com o intuito de facilitar a compreensão das
características das principais vertentes da
Psicomotricidade, algumas características são
analisadas e destacadas em cada uma delas. No
desenvolvimento deste exercício de categorização é
necessário um prévio entendimento a respeito do que
cada um destes aspectos possibilita entender e que
são: a) finalidade: procuramos entender o objetivo
principal das distintas vertentes, ou seja, o propósito
de sua prática; b) área de base: compreender qual área
do conhecimento originou seus fundamentos, visto
que a Psicomotricidade busca constantemente um
fundamento teórico em outras áreas do
conhecimento; c) autores de base: são os autores clássicos
que nortearam as bases teóricas de cada vertente; d)
principais autores e obras e publicações: destaca os autores
que foram destaques em suas idéias e pesquisas para as
modificações e contribuições da Psicomotricidade, suas
obras são referências originais para a compreensão da
evolução e da dinâmica da práxis da Psicomotricidade.
Outro pólo de categorias analisa e descreve os aspectos
práticos da Psicomotricidade, caracterizados pela
influência de distintos estudos e fundamentos na
Psicomotricidade que são: a relação adulto/criança; a
composição dos grupos; a organização e proposição
da prática; o desenvolvimento das rotinas; avaliação/
acompanhamento e postura corporal diante da criança.
Reeducação psicomotora
A vertente denominada Reeducação
Psicomotora destina-se a crianças que apresentam
déficit em seu funcionamento motor. Essa abordagem
tem por finalidade ajudar a criança a reaprender como
se executam ou se desenvolvem determinadas
funções motoras. Para isso, avalia-se o perfil
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psicomotor da criança, utilizando métodos que
consistem na aplicação de baterias de testes
psicomotores [8]. Após o diagnóstico, a criança é
submetida a um programa de sessões que tem como
objetivo suprir as dificuldades aparentes [5].
Esta abordagem tem como base estudos da
neuropsiquiatria infantil. Com abordagem centrada
no desenvolvimento motor e entende o ser humano
como um corpo instrumental, isto é, uma “máquina
de movimento”, que, caso não estiver funcionando, deve
ser reparada [6].
Le Camus ao analisar os estudos de Guilmain
explica que a sessão de reeducação psicomotora
destina-se, a três propósitos principais: reeducar a
atividade tônica (com exercícios de atitude, de
equilíbrio e de mímica); melhorar a atividade de
relação (com os exercícios de dissociação e de
coordenação motora com apoio lúdico); desenvolver
o controle motor (com exercícios de inibição para
os instáveis e de desinibição para os emotivos) [2].
Um aspecto importante a destacar é que Guilmain
deu início à tentativa de acoplar a psicologia à educação
física, devido ao fato de ter como base teórica os
estudos de Wallon [9], que relacionam motricidade e
caráter. Com isso, surge um paralelismo entre
fenômenos psicológicos e fenômenos motores [2].
O início da reeducação psicomotora esteve
centrado em uma prática focada no desempenho da
criança frente aos seus métodos. Tratava-se de uma
prática diretiva, mecanicista e dualista, com controles
em relação aos sentimentos e emoções da criança em
suas ações.
Aucouturier, Darrault e Empinet [10], em
conjunto com outros estudiosos do tema, começou
a sentir a necessidade da evolução de seus
ensinamentos e de suas práticas. O grupo estava
preocupado em trabalhar com uma abordagem
relacional. Abordar a globalidade da criança é respeitar
sua senso-motricidade, sua sensorialidade, sua
emocionalidade, sua sexualidade, trata-se de respeitar
a unidade de funcionamento da atividade motora,
da afetividade e dos processos cognitivos; respeitar
o tempo da criança, sua maneira totalmente original
de ser no mundo, de viver, de descobrir, de conhecêlo, tudo simultaneamente.
A principal mudança na evolução da reeducação
psicomotora está na compreensão do corpo como
uma unidade e cujo movimento possui significado.
Com isso a postura do reeducador frente à criança
toma outra direção: ele passa a entendê-la como um
ser de expressividade psicomotora. Sua relação com
a criança passa a ser de empatia, de escuta, de interação
e de ajustamento constante [10].
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Outro aspecto importante que é citado nesta
nova fase da reeducação psicomotora é que a
formação do reeducador é composta por uma
trilogia efetuada simultaneamente: a formação pessoal,
a formação teórica e a formação prática. Ambas
completam-se e enriquecem-se umas às outras [10].
A formação pessoal tem como objetivo melhorar
a disponibilidade corporal do adulto a partir de
vivências corporais. Mobiliza as áreas da afetividade,
da sexualidade e dos “fantasmas”, proporcionando
mudanças de atitude e de tomadas de consciência. A
formação teórica surge da necessidade que o
psicomotricista tem em justificar, analisar e refletir sobre
as principais teorias que baseiam seus procedimentos.
E a formação prática oportuniza a vivência concreta
de seus estudos com as crianças [10].
Esses mesmos autores determinam que a
reeducação psicomotora é destinada a crianças com
idade até oito anos, pois entendem que, após essa
idade, a prática psicomotora passa a ser uma prática
corporal composta de atividades físicas com outras
finalidades e não mais reeducativas.
A evolução que a reeducação psicomotora
passou foi o primeiro passo de uma trajetória que a
Psicomotricidade ainda percorre, isto é, o
desenvolvimento de uma abordagem cada vez mais
preocupada com o ser humano em sua totalidade
inserido em um contexto sócio-cultural.
Terapia psicomotora
A vertente chamada de Terapia Psicomotora é
um desdobramento da vertente da reeducação
psicomotora. Esta vertente se originou da
compreensão de que o movimento é linguagem e,
portanto, expressa os sentimentos, emoções, desejos
e demandas do ser humano. É destinada às crianças
“normais” e com necessidades especiais que
apresentam dificuldades de comunicação, de
expressão corporal e de vivência simbólica [5].
Através da avaliação, diagnóstico e tratamento,
esta abordagem possibilita, por meio da relação
terapêutica, a compreensão das patologias psicomotoras e suas conseqüências relacionais, afetivas e
cognitivas, tendo sempre como referência o
desenvolvimento psicodinâmico da motricidade da
criança [11]. Expoentes desta vertente é o estudo de
caso clássico de Aucouturier e Lapierre com o menino
Bruno, bem como Vecchiatto que descreveu um
processo original da terapia psicomotora com um
menino com síndrome de Down.
A terapia psicomotora utiliza-se das contribuições da teoria psicanalítica. Nesta vertente os
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psicomotricistas estão atentos à vida emotiva de seus
pacientes, delegando importância à emoção, à
expressão e à afetividade. O corpo é considerado
como uma unidade que conjuga a emoção e a
motricidade [6].
Ajuriaguerra [12] explica que a terapia
psicomotora não se restringe somente a modificar o
tônus de base e as habilidades de posição e rapidez,
mas modificar o corpo em seu conjunto, no modo
de perceber e apreender as aferências emocionais.
Para Aucouturier e Lapierre [13], a criança possui
“problemas, deficiências e falhas”. Cabe ao terapeuta
reconhecer suas potencialidades e trabalhar com o
que há de positivo na criança, partindo daquilo que
ela faz espontaneamente, daquilo que sabe fazer, do
que gosta de fazer.
A formação do terapeuta é composta pela
mesma trilogia que foi citada e explicada na
reeducação psicomotora, adicionando-se, ainda,
formação continuada e supervisão permanente, pois
estas é que lhe possibilitam bases para o
desenvolvimento de sua prática [10].
A sessão de terapia psicomotora se desenvolve
de forma individualizada. A relação que o terapeuta
estabelece com a criança é de sintonia, escuta, empatia
e o seu corpo é o depósito das emoções da criança.
Neste caso o tempo da sessão é de acordo com a
disponibilidade da criança [13].
Levin [6] explica que a terapia psicomotora centra
o seu olhar a partir da comunicação e da expressão do
corpo, no intercâmbio e no vínculo corporal, na relação
corporal entre a pessoa do terapeuta e a criança em
diálogo de empatia tônica.
Na forma de pensar de Negrine [5], o trabalho
terapêutico, a partir da perspectiva lúdica, requer
disponibilidade corporal do psicomotricista com a
criança com necessidades especiais, pois através dos
estímulos e intervenções sistemáticos, tem a
possibilidade de criar atitudes comportamentais na
criança. Este nível de intervenção do psicomotricista
é que diferencia a Psicomotricidade terapêutica
da educativa.
Nesta abordagem cabe ao terapeuta uma
constante adaptação à evolução da criança, um
domínio na trilogia da formação, uma forte
capacidade de escuta e o mais importante, não impor
às crianças os seus desejos e sim ajudá-las na evolução
e na criação de seus próprios desejos.
Educação psicomotora
A vertente denominada Educação Psicomotora
surge embalada pela dinâmica evolução das vertentes
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reeducativa e terapêutica. A Educação Psicomotora
vem com a finalidade de ocupar os espaços educativos
com grupos de crianças. Os psicomotricistas
perceberam que esta vertente poderia vir a se constituir
no processo inicial da educação da criança, justamente
por compreender o período da infância como aquele
que constitui e alicerça as bases emocionais e afetivas
do ser humano.
As bases educativas empreendidas pela
Educação Psicomotora são as mais diversas, porém
vamos apresentar duas concepções contemporâneas,
a partir de dois estudiosos da temática, que ilustram
o desdobramento que se seguiu nesta vertente. De
um lado Le Boulch [14] que explica que a Educação
Psicomotora é formadora de uma base indispensável
a toda criança, pois tem como objetivo assegurar o
desenvolvimento funcional, de outro lado Negrine
[5] compreende a Educação Psicomotora como o
meio lúdico-educativo para a criança expressar-se por
intermédio do jogo, do exercício e da comunicação
entre crianças por intermédio da expressividade
motriz.
A Educação Psicomotora atualmente se divide
em dois eixos: a Psicomotricidade Funcional e a
Psicomotricidade Relacional. Negrine define o aspecto
que diferencia as duas práticas, elucidando que o
ponto fundamental da passagem da Psicomotricidade
Funcional à Relacional é a utilização do jogo (brincar
da criança) como elemento pedagógico.
Psicomotricidade funcional
Para Negrine [5], a Psicomotricidade Funcional
compreende o desenvolvimento psicomotriz a partir
de bases teóricas de neuroanatomia funcional. Tal
fundamento se situa na concepção de que o processo
de desenvolvimento humano é decorrente dos
processos de maturação.
Neste prisma as habilidades motrizes seguem
um padrão evolutivo e poderiam ser avaliadas através
de exercícios testes padronizados para as diferentes
idades. Variáveis como sexo, fatores culturais,
experiências vivenciadas, não são levadas em conta.
Na avaliação do perfil psicomotor da criança algumas
variáveis são analisadas, como por exemplo: equilíbrio
estático e dinâmico, coordenação visomanual
(movimentos finos e delicados), sincinesias, paratonias,
lateralidade e orientação espacial [5].
Este mesmo autor explica que a Psicomotricidade Funcional se sustenta em diagnósticos
do perfil psicomotriz e na prescrição de exercícios
para sanar possíveis descompassos do desenvolvimento motriz. A estratégia pedagógica baseia-se na
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repetição de exercícios funcionais, criados e
classificados constituindo as famílias de exercícios para
as finalidades de equilíbrios estáticos e dinâmicos, de
flexibilidade, agilidade, destreza e outras funções
psicomotoras.
Picq e Vayer [8] explicam que, após a análise
dos problemas encontrados, a Psicomotricidade
Funcional tem a finalidade de educar sistematicamente
as diferentes condutas motoras, permitindo assim
uma maior integração escolar e social.
Em suas primeiras obras, Aucouturier e Lapierre
explicam que a organização espaço gráfica, necessária
para a aquisição da leitura e da escrita, necessitava da
prévia organização do espaço de modo geral e
inicialmente corporal [7], com isso determinam como
objeto de sua prática, crianças com algum grau de
dificuldade de aprendizagem (disléxicos, disgráficos,
agitados), traçando o perfil psicomotor da criança
para, depois, apresentar tabelas de exercícios com o
objetivo de sanar os problemas.
Igual como Lapierre e Aucouturier, Negrine
também se dedicou aos estudos e a prática da
Psicomotricidade Funcional. As sessões eram
destinadas a crianças com problemas de
aprendizagem, mais especificamente na leitura, na
escrita e no cálculo matemático.Tal método se sustenta
no discurso de que o desenvolvimento de certas
habilidades motrizes permite a melhora do
desempenho nas aprendizagens cognitivas.
O desenvolvimento da sessão de Psicomotricidade Funcional é estruturado de forma que o
aluno imite os modelos de exercícios préprogramados, que são propostos pelo professor “
(...) A criança não tem escolha, todas ao mesmo
tempo devem realizar os exercícios que são
propostos” [5]. O professor utiliza-se de métodos
diretivos, tornando seu aluno dependente de suas
ações, não dando espaço para que a criança realize
atividades que per mitam explorar o mundo
simbólico, impedindo a exteriorização de sua
expressividade motriz.
Em relação aos métodos diretivos, Negrine [5]
chama a atenção para o fato de que estes estão
relacionados a estratégias pedagógicas voltadas à
correção. O gesto motriz que não é realizado conforme
a solicitação do professor é considerado errado. Deste
modo, criam-se inibições e resistências de exteriorização
corporal, e, devido a isso, a avaliação se torna uma
ação puramente quantitativa, valorizando a correta
execução dos exercícios propostos.
A relação que o psicomotricista funcional tem
com a criança é uma relação de comando é uma
intervenção no corpo de forma mecânica [15], e o
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contato corporal entre eles ou com outras crianças só
ocorre se estiver determinado no exercício proposto.
É importante salientar que existem vários autores
que estudam e aplicam a Psicomotricidade Funcional,
tais como: Le Boulch, Picq, Vayer, Costallat, Velasco
e outros. Este eixo da Educação Psicomotora é
seguido por professores de Educação Física, mas o
desenvolvimento dessa prática se assemelha muito a
forma tradicional de uma aula de ginástica.
Psicomotricidade relacional
Na origem da Psicomotricidade Relacional sua
abordagem se fundamentou particularmente nos
aspectos psicanalíticos da relação do adulto com a
criança. Tal fundamento se baseia na relação primária,
da mãe com a criança, temática tão bem explorada
pelos psicanalistas Winnicott, Dolto, Mahler, Klein,
Spitz para citar aqueles que influenciaram a
Psicomotricidade Relacional. Apesar desta forte
origem Negrine também compreendeu que esta
prática deveria se fundamentar na psicopedagogia,
uma vez que se trata de uma prática educativa.
Lapierre [16] ensina que a Psicomotricidade
Relacional é o inverso da expressão corporal, pois na
expressão corporal o sujeito conhece o tema sobre o
qual interpreta com o corpo. Em psicomotricidade
relacional ocorre o contrário, pois a tarefa do
psicomotricista é de descobrir o tema sobre o qual o
corpo está espontaneamente expressando. Nesse
sentido a psicomotricidade relacional potencia a
comunicação do adulto com as crianças e entre elas,
engloba uma série de estratégias de intervenções e de
ações pedagógicas que servem como meio de ajuda
aos processos de desenvolvimento e de aprendizagem
da criança.
Negrine [5] explica que a psicomotricidade
relacional utiliza-se da ação do brincar como elemento
motivador para provocar a exteriorização corporal
da criança, pois entende que a ação de brincar
impulsiona processos de desenvolvimento e de
aprendizagem. Essas estratégias de intervenções
pedagógicas criam, também, condições favoráveis
para a construção de um vocabulário psicomotor
amplo e diversificado e servem como meio de
melhora das relações da criança com o adulto, com
os iguais, com os objetos e consigo mesma.
A utilização de métodos não-diretivos permite
que a criança manifeste todo seu interesse, atitudes e
valores que retratam as emoções e os sentimentos de
cada momento vivido. Tal atitude pedagógica permite
que o psicomotricista faça interpretações significativas
das ações que a criança experimenta quando se
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exterioriza, seja através da mímica, dos gestos ou das
produções plásticas. Para isso é necessário que tenha
uma atenção maior, pois deve observar e identificar
as crianças que mais necessitam de seu auxílio [5].
No que diz respeito à relação adulto/criança é
fundamental que o psicomotricista ajude a criança a
realizar tudo aquilo que ainda não é capaz de realizar
sozinha; é necessário que ele exerça um papel de
mediador, seja para provocar a sua exteriorização,
seja para dar segurança, seja para determinar limites à
criança. Na relação do psicomotricista com a criança,
o toque corporal é um forte aliado, pois com ele
vínculos afetivos são estabelecidos, dando segurança
e ajuda à criança. O papel do psicomotricista é de
ajuda, entretanto ele também interage, sugere, propõe,
estimula e escuta a criança [5].
É importante ressaltar que existem nuances
dentro da psicomotricidade relacional, e que autores
que tiveram a mesma formação inicial, no decorrer
de seus estudos acabam, seguindo linhas diferentes,
como por exemplo: Aucouturier, Lapierre e Negrine.
Aucouturier determina que, na sessão, o jogo de
pulsão (jogo sensório-motor – classificação de Piaget)
deve ser potencializado, e a prática da psicomotricidade
tem sua função até os oito anos, por outro lado
Lapierre entende que o jogo simbólico é que deve ser
potencializado, e que a Psicomotricidade deve se aplicar
às crianças, aos adolescentes e também aos adultos.
Uma característica importante a respeito da
psicomotricidade relacional de Aucouturier, que é
seguida por diversos psicomotricistas, é que a
organização da sessão segue uma seqüência temporal,
isto é, a criança deve seguir uma determinada ordem
para executar os jogos: momento inicial ou ritual de
entrada; jogos de segurança profunda, jogos de prazer
sensório-motor; jogos simbólicos; narração de
história, atividades de representação e momento final
ou ritual de saída [17].
Outro aspecto importante a ressaltar, que é bem
diferente do contexto escolar brasileiro, é que a sessão
é realizada somente em ambientes fechados, sala de
Psicomotricidade, que possuem materiais fixos
(escadas, barra de equilíbrio, tatames) e diversos
materiais complementares (blocos de espuma, aros,
bola grande bichos de pelúcia, cordas, fantasias). Estes
ambientes possuem também mesa com cadeiras e
material audiovisual e musical, e o grupo de crianças
é em número bem reduzido [17].
Apesar de Negrine obter uma formação na
Escola de Expressão e Psicomotricidade de Barcelona
cujos pressupostos seguem as orientações de Bernard
Aucouturier, a sua linha de pensar a Psicomotricidade
está configurada dentro de uma perspectiva educativa
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108
e preventiva. É importante destacar que este destacado
autor nacional se diferencia dos demais autores devido
a alguns fatores como: a) utilizar referencial teórico
com elementos da antropologia, da psicopedagogia
que contribuem e enriquecem à tradicional visão
psicanalista; b) inovar com a utilização dos referenciais
teóricos de Vygotsky, que contribui para uma mudança
na compreensão psicopedagógica do desenvolvimento e aprendizagem infantil; c) explicar que
em um ambiente lúdico a criança faz uma trajetória
denominada de trajetória lúdica e o seu movimento
flutua entre o movimento técnico e o faz-de-conta,
isto é jogar simbolicamente; d) estruturar a
organização da prática psicomotriz educativa com
grupos de crianças, adequada para o ensino regular e
os diversos contextos que promovem.
Um exercício de síntese das vertentes
da psicomotricidade
Ao longo do estudo das vertentes da
Psicomotricidade percebemos que estas se
desenvolvem e evoluem conforme as concepções de
autores, que modificam suas abordagens em razão
dos processos reflexivos e práticos que levam a cabo.
Trata-se de um processo dinâmico que os autores
realizam em sua ação-reflexão-ação, fato que permite
evoluir de acordo com a forma de pensar a
Psicomotricidade. Este fato demonstra que a
Psicomotricidade não é uma prática estagnada em
um tempo e em um espaço, mas ao contrário, seus
autores refletem, alimentam e exercitam
constantemente as suas práticas, o que possibilita
entender a Psicomotricidade como uma prática
dinâmica e em constante inovação.
Estudamos que cada vertente possui distintas
finalidades. A Reeducação Psicomotora destina-se às
crianças que apresentam déficit em suas funções
psicomotrizes. Tem por finalidade ajudar a criança
em reeducar determinadas funções motoras. A
Terapia Psicomotora tem por finalidade tratar as
patologias psicomotoras de crianças “normais” ou
com necessidades especiais que apresentam
dificuldades de comunicação, de expressão corporal
e de vivência simbólica. Em relação à Educação
Psicomotora, apesar do viés comum na educação,
percebemos finalidades distintas para a
Psicomotricidade Funcional e Relacional. A primeira
tem por finalidade melhorar as aprendizagens
cognitivas e o comportamento da criança com o
auxílio das famílias de exercícios. Atende às
necessidades conteudistas da escola como escrever,
ler e calcular. A segunda utiliza-se do brincar como
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ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
um meio de ajudar na construção da personalidade
integral da criança.
Com relação à área de base e autores de base, a
Reeducação Psicomotora se sustenta na área do
conhecimento biomédico (neuropsiquiatria infantil).
Tem como autores de base Dupré e Wallon, o
primeiro correlacionando o movimento e a
inteligência, o segundo aproximando o movimento
e a construção do caráter da criança. A Terapia
Psicomotora tem suas bases teóricas na psicanálise,
sustentadas pelas obras de Wallon e Rogers. Por outro
lado, a Educação Psicomotora se alicerça na área do
conhecimento da psicopedagogia, sendo Piaget o
autor de base da Psicomotricidade Funcional, enquanto
que, na Psicomotricidade Relacional, o autor que
sustenta sua concepção é Winnicott [18]. Deve-se
destacar que mais adiante, nos anos 90, Negrine
sustenta sua prática com forte contribuição
psicopedagógica de Vygotsky.
No corpo do estudo descrevemos as trajetórias
de cada vertente de acordo com as concepções dos
autores. O exercício de síntese que realizamos neste
momento permite apresentar os autores de referência
em cada uma destas vertentes destacadas nas
descrições anteriores. É importante ressaltar que os
autores são apresentados na perspectiva
contemporânea, ou seja, a forma atual de pensar
destes autores, visto que a trajetória de pensar de
muitos destes veio evoluindo em função da continua
inovação dos seus estudos.
A Psicomotricidade ganhou muito com esta
dinâmica sempre inovadora dos seus autores, o
percurso da Psicomotricidade alterou e modificouse inúmeras vezes, aspecto que contribuiu para o
enriquecimento epistemológico da área. Entre os
principais autores, estudiosos da Reeducação
Psicomotora compreendemos que pode haver
destaque para Guilmain, Darrault, Defontaine e
Empinet, enquanto que na Terapia Psicomotora os
autores Ajuriaguerra e Levin são os mais notáveis. Já
na Psicomotricidade Funcional destacam-se os autores
Le Boulch, Picq, por outro lado Aucouturier, Lapierre
e Negrine são os autores de referência na
Psicomotricidade relacional.
Inúmeras são as obras e publicações que tratam
da psicomotricidade em sua trajetória, mas neste item
descrevo as que desempenharam maior influência
sobre a forma de pensar daquele período. A obra
intitulada “Manual de reeducación psicomotriz 1º, 2º e 3º
año” de Defontaine, é o conjunto histórico destacado
no âmbito da reeducação psicomotora. Na terapia
psicomotora, as obras principais são: La educacion
psicomotriz como terapia “Bruno”, de Aucouturier e
Artigo 03 - Atos.pmd
109
Lapierre, e A clínica psicomotora, de Levin. Na educação
psicomotora funcional, as obras que exerceram maior
influência são: A educação pelo movimento, de Le Boulch,
e Educação psicomotora e retardo mental, de Picq e Vayer.
Por outro lado, a obra Simbologia do movimento, de
Aucouturier e Lapierre foi o impulso inicial para as
reflexões e estudos sobre a Psicomotricidade
Relacional. Não podemos deixar de destacar a trilogia
Aprendizagem e desenvolvimento infantil vols. 1, 2 e 3 que
Negrine publicou a partir da conclusão dos seus
estudos de doutoramento inspirado na temática jogo
e psicomotricidade.
Com a análise dos itens, a relação adulto/criança;
a composição dos grupos; a organização e proposição
da prática; o desenvolvimento das rotinas; avaliação/
acompanhamento e postura corporal diante da
criança, cada vertente apresentou distintas características
no desenvolvimento de sua prática.
Na Reeducação Psicomotora, o adulto utilizase de métodos diretivos na realização de sua prática,
normalmente não interage com a criança, exerce uma
relação de comando. O desenvolvimento das sessões
ocorre de acordo com a necessidade da criança. O
atendimento é feito a grupos pequenos, ou individuais.
A avaliação é determinada a partir de testes que
determinam o perfil psicomotor da criança.
A Terapia Psicomotora permite a criação de
atitudes comportamentais na criança a partir dos
estímulos e intervenções que o psicomotricista faz
constantemente. O trabalho terapêutico, a partir da
perspectiva lúdica, requer escuta, ajuda e
disponibilidade corporal do psicomotricista. Há
interação corporal com a criança, de forma que o
corpo do psicomotricista e os objetos se tornem o
depósito das emoções da criança. A sessão é realizada
de forma individual, utilizando-se de métodos não
diretivos e o psicomotricista avalia a criança conforme
a sua evolução.
Na Psicomotricidade Funcional, o psicomotricista exerce uma relação de comando com a criança,
raramente ocorrem contatos corporais. A criança
deve seguir os modelos que lhe são propostos, há
correção e diretrizes precisas de execução dos
movimentos. O psicomotricista faz uso de métodos
diretivos para a realização das atividades que são préprogramadas, e a sessão é destinada a grupos de
crianças em um mesmo nível de desenvolvimento.
A Psicomotricidade Relacional permite a relação
do psicomotricista com a criança. Favorece uma
relação de ajuda, de escuta, de mediação, de interação
e de provocação a novos desafios. Ocorre o contato
corporal entre ele e as crianças, e entre elas mesmas.
A sessão é destinada a grupos de crianças em
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ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
Tabela I - Características dos fundamentos das vertentes da Psicomotricidade.
Reeducação
psicomotora
Terapia
psicomotora
Psicomotricidade
funcional
Psicomotricidade
relacional
Finalidade
Reeducação das
funções psicomotoras
Tratar patologias
psicomotoras, afetivas, relacionais
e cognitivas
Sanar problemas
motores, melhorar as
aprendizagens cognitivas
e o comportamento
da criança
Desenvolver as
potencialidades
relacionais da
criança utilizando a
ação do brincar
Área de base
Biomédica neuropsiquiatria infantil
Psicanálise
Psicopedagogia
Psicopedagogia
Autores de base
Dupré
Wallon
Rogers
Wallon
Piaget
Winnicott
Vygotsky
Principais
autores
Guilmain,
Defontaine
Ajuriaguerra
Levin
Le Boulch
Picq e Vayer
Aucouturier
Lapierre
Negrine
Obras e publicações
Manual de reeducación
psicomotriz
1º, 2º, 3º año
La educacion
psicomotriz como
terapia “Bruno”
A educação
pelo movimento
Simbologia do
Movimento
Educação psicomotora
e retardo mental
Aprendizagem e
desenvolvimento infantil vols 1, 2 e 3
A clínica
psicomotora
Tabela II - Procedimentos didáticos das vertentes da Psicomotricidade.
Reeducação
psicomotora
Terapia
psicomotora
Psicomotricidade
funcional
Psicomotricidade
relacional
Relação
adulto/criança
Comando, não interage
Escuta, ajuda,
interação e disponibilidade corporal
Comando e direção,
é o modelo da criança
Ajuda, escuta,
estímulo, interação
e intervenção
Composição
dos grupos
Grupos pequenos,
Individual
Individual
Grupos em um mesmo
nível de desenvolvimento
Grupos de diferentes
níveis de
desenvolvimento
Organização
e proposição
da prática
Programa de sessões
de exercícios
conforme a necessidade
da criança
Atividades em que
objetos e o corpo do
terapeuta se tornem
o depósito das
emoções da criança
Atividades pré-programadas,
famílias de exercícios.
Proposição de circuito
sensório motriz
Ritual de entrada;
atividades livres de
expressão, construção
e comunicação;
Ritual de saída
Desenvolvimento
das rotinas
Método diretivo
Método não diretivo
Método diretivo
Método não diretivo
Avaliação/
acompanhamento
Bateria de testes que
determinam o perfil
psicomotor
Avalia conforme a
evolução da criança
Correção do erro, padrão
de movimento certo
e errado
Despertar de zonas
proximais na criança
Postura corporal
diante da criança
Não ocorre
contato corporal
Ocorre contato
corporal
Raramente ocorre
contato corporal
Ocorre contato
corporal
diferentes níveis de desenvolvimento e sua rotina se
organiza em três momentos chaves: 1º) ritual de
entrada, 2º) atividades livres de expressão,
construção e comunicação e 3º) ritual de saída. O
psicomotricista utiliza-se de métodos não diretivos
para a realização de sua prática, na sua avaliação não
emite juízo de valor, mas procura estar atento ao
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110
despertar e o desenvolvimento de novas potencialidades nas crianças.
Conclusão
Antes de finalizar este ensaio sobre a Psicomotricidade realizamos um exercício de síntese em
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forma de quadros, que permite ilustrar a trajetória
percorrida neste estudo que procedemos. Os quadros
que são organizados possuem como objetivo
apresentar de uma forma didática a descrição e a
categorização das principais vertentes da
Psicomotricidade. Acreditamos que, dessa forma, o
leitor possa ter uma visão panorâmica da evolução e
das diferenças que cada uma das vertentes apresenta.
O primeiro quadro trata das características de
fundamento de cada vertente, enquanto o segundo
quadro aborda as repercussões destes fundamentos
nos procedimentos de sua prática.
Referências
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ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
ATUALIZAÇÃO
A vontade de poder no jogo
Wish of power in the play
Jeferson José Moebus Retondar *
*Professor adjunto da UERJ (Instituto de Educação Física), Doutor em Educação Física e Coordenador do curso de
Licenciatura em Educação Física da Universidade Católica de Petrópolis (UCP)
“No mais elevado grau da potência devia encontrar-se o mais ébrio, quer dizer o extático. Há dois pontos de partida da
embriaguês: a excessiva plenitude vital e um estado de nutrição mórbida do cérebro”
Nietzsche
Resumo
O objetivo do estudo é mostrar que o jogo desde a Grécia antiga encontra-se associado a um duplo caráter: o Apolíneo e
o Dionisíaco. Forças antagônicas que se mantêm em harmonia através do permanente movimento de tensão e luta. A revisão de
literatura no campo interdisciplinar do imaginário e algumas observações do cotidiano de práticas de jogos mostraram-nos que
o terreno da luta entre Apolo (agonismo) e Dioniso (ludicidade) acontece sob a regência de Hermes (o mensageiro dos deuses).
Nesse sentido, o jogo apresenta-se como rica realidade simbólica, presente em todas as culturas e instaurador de uma relativa
“abertura” no mundo real através do mundo próprio do imaginário, no qual, o homem projeta-se à frente através do “exercício”
da criação, re-criação, da fantasia, dos desejos, das paixões, dos sonhos e crenças profundas em si enquanto construtor da realidade
e da vida como possibilidade de acontecimento.
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Palavras-chaves: jogo, poder, acaso.
Abstract
The main purpose of this study is to demonstrate that the play, since antique Greece, is associated to a double character: the
apollonian and the Dionysian, antagonist forces that keep their harmony beyond one movement of tension and struggle. The
literature review about the theme and some observations in the everyday life of the play has shown us that the fight arena
between Apollo (agonism) and Dionysius (play) happens under Hermes regency (the god’s messenger). In this sense, the play
can be viewed like an element that makes possible a relative aperture in the real world through its imaginary world, where the man
go on to the top in his exercise of creation and re-creation, fantasy, production of desires and passions, like a constructor of the
reality and the life as a happening possibility.
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Key words: play, power, chance.
Artigo recebido em 18 de maio de 2004; aceito em 7 de junho de 2004.
Endereço para correspondência: Jeferson José Moebus Retondar, Rua Martinho José Santana 157, Castelo São Manoel,
Corrêas – 25720-142 Petrópolis, Rio de Janeiro, E-mail: [email protected]
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Introdução
Uma criança que constrói e destrói seu castelo
de areia pelo simples prazer de construir e destruir;
um adulto que inicia um jogo sem preocupação outra
que não o próprio jogar, e aos poucos vai se
envolvendo de tal maneira que o que antes era puro
deleite passa a ser uma questão de honra, de tensão
profunda, enfim. Será que podemos dizer que há um
jogo puramente lúdico, competitivo, de azar, de
vertigem, tal qual podemos dizer que o sol é o astro
que ilumina e a noite o fenômeno que escurece?
Acredito que o exemplo que irei demonstrar
lance algumas dúvidas face à pureza do sentido que
o jogo pode adquirir para ser explicado em sua
totalidade como sendo desta ou daquela natureza.
Refiro-me a uma experiência da qual, de alguma
forma, muitos já participaram: trata-se daqueles
encontros de amigos que acabam culminando num
jogo de confraternização. No início os ânimos são
contemplativos, alegres, festivos, pois o papel do jogo
parece ser o de mediar a intensa felicidade, o prazer
que todos ali compartilham materializado no singelo
passatempo. Porém, à medida que o jogo vai
avançando, os jogadores estando mais envolvidos nessa
realidade, o que inicialmente tinha o sentido de deleite,
de passatempo, passa a ter no seu bojo elementos de
superação, auto-superação, tensão e incerteza. Em
alguns casos, o que era um despretensioso jogo pode
transformar-se em discussões, bate-bocas com
inúmeros desdobramentos. O fato, entretanto, é que o
sentido inicial do jogo aos poucos foi se modificando,
transformando o que antes era uma brincadeira
descompromissada em luta acirrada de valores, status,
crenças, prestígio, auto-estima, etc. Por que será que o
jogo mudou de sentido? Será que o sentido do jogo é
dado a ele antes deste se realizar, ou melhor, será que o
sentido escolhido para um determinado jogo pode
ser fielmente vivenciado do início ao fim sem qualquer
interferência de outros sentidos?
Tenho para mim que não conseguiremos,
responder tais perguntas de forma conclusiva, mas
certamente iremos nos esforçar para nos aproximarmos de uma verdade sobre tal questão. Pois se a
paixão só pode ser vencida por uma paixão mais
forte; se a felicidade é uma luta permanente com seu
contrário, a infelicidade, da mesma forma que a
consciência existe como superação da alienação; é no
jogo das tensões que provavelmente encontraremos
uma luz que possa justificar sua própria existência a
partir de seu contrário, a escuridão.
O jogo é uma construção humana e, pois,
simbólica. O jogo só existe quando a ação humana
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113
funda no movimento do jogado um lugar social de
sentidos, de significados que escapam na sua
totalidade a uma explicação racional. Assim, pode-se
ficar jogando uma bola repetidas vezes para o alto e
isso não significa que o indivíduo está jogando, pois
pode estar somente se exercitando, remetendo a ação
a uma finalidade prática de manutenção da
musculatura ou coisa do gênero, isto é, agindo com
uma finalidade externa à sua própria realização. Mas,
por outro lado, este mesmo exercício pode se
transformar em jogo quando o indivíduo atribuir
imaginariamente um sentido para a bola que não ela
mesma, isto é, representá-la como objeto de desafio,
de teste, de deleite. E aí, o que era exercício tornouse jogo, podendo transformar-se novamente em
exercício, numa cadeia infinita de construção e desconstrução; num eterno movimento de ir e vir.
Esse ir e vir, a nosso ver, assume o sentido de
tensão, e não o do balançar natural de uma gangorra
que, ao subir, pela necessidade física do peso que a
projeta para baixo tem necessariamente que descer;
ou como o pêndulo do relógio ou o balanço das
ondas do mar, que por uma condição física própria
vão e vêm infinitamente sem trazer qualquer prejuízo
ou transformação para o mundo.
Ao contrário, o movimento de ir e vir do jogo
tomado como produção simbólica é sempre tenso,
contraditório, lutando ao mesmo tempo pela
embriaguês e pela sobriedade, pela aniquilação através
do esquecimento do indivíduo e pela atualização viva
da presença lúcida do mesmo indivíduo.
Nesse sentido é que o jogo se apresenta para nós
como um locus privilegiado de tensão em que emerge
o homem como possibilidade de acontecimento,
como possibilidade de construção de sua realidade,
sempre, apesar de... Ou seja, a produção de alguns
sentidos do ato de jogar, a tomada de partida no interior
do jogo é sempre uma decisão muito séria para quem
joga, pois na medida em que o jogo se abre para o
simbólico a certeza é sempre uma possibilidade frágil
e efêmera. Daí o seu permanente trânsito, a sua
indefinição como marca e o seu repetir-se como busca
incessante de preencher alguma coisa que faltou ser
preenchida, mas que nunca o será totalmente.
Dioniso - Apolo ou Lúdico - Agonístico
O povo grego conheceu e sentiu as angústias de
uma existência que tinha de conviver com os poderes
titânicos das forças da natureza. A criação de seus
mitos explica-se em grande parte pelo sentido de
aproximação e de destruição do mistério que se abatia
sobre eles, mas na medida em que a vitória se impunha
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ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
enquanto impossível, a convivência com a Moira teve
que ser mediada por um mundo estético capaz de
promover, no mínimo, o distanciamento dos homens
com o mistério. Portanto, criam-se os deuses Olímpicos.
Nietzsche [1], em A origem da tragédia, faz duas
perguntas fundamentais: se o espírito dionisíaco (aquele
que cultua as festas, a música ensurdecedora, o transe
através de movimentos contínuos e de mudanças
abruptas, a provocação do estado de embriaguês)
resulta menos de uma expansão da felicidade, do
deleite, do prazer, do que da profunda angústia,
miséria e melancolia, as quais são anestesiadas pelo
estardalhaço e alvoroço da metamorfose; e se o desejo
do horrível, a cultuação dos primeiros Helenos ao
cruel, ao pessimismo, à desgraça, à tragédia, radicaria
menos na necessidade de expressar a vida como uma
sabotagem da felicidade, mas antes estivesse pautada
justamente na força da alegria, da saúde exuberante e
do excesso de vitalidade.
Ou seja, Nietzsche inverte o sentido comumente
tomado de que a tragédia grega é expressão do
pessimismo da vida, enquanto que as festas, o êxtase
proporcionado pelos cultos posteriores à tragédia são
a expressão mais lídima de afirmação da vida, da
felicidade e da força. Em outros termos, questiona
que na época considerada como de declínio da cultura
helênica pode ter acontecido justamente o inverso,
isto é, a elevação da consciência sobre a vitória do
otimismo, e o predomínio da razão utilitária sendo
muito mais uma derrota contemporânea do que uma
vitória da razão humana.
O que nos interessa destacar aqui é que a evolução
progressiva da arte grega está associada a um duplo
caráter: do espírito apolíneo e do espírito dionisíaco,
que, segundo Nietzsche, são instintos impulsivos que
caminham lado a lado, mas constantemente em “pé
de guerra”, desafiando e excitando um ao outro com
intuito de dar origem a novas criações, a emergência
da obra e da experiência estética.
Apolo é o Deus que representa o espírito da
individuação, isto é, que fala de si, de sua aparência
através dos gestos e olhares; que põe ordem no caos
dos sentidos, tornando-os inteligíveis, palpáveis
logicamente. Enquanto que Dioniso é aquele que
através do êxtase destrói a individuação, que faz o
homem se perder de si mesmo momentaneamente
para retornar do mundo imaginário mais aliviado,
mais calmo.
Nietzsche [1] leva a grandes conseqüências suas
reflexões sobre a tragédia grega, a partir do
aprofundamento da tese de que só é possível
compreender os gregos quando se destrinchar
profundamente o sentido do espírito dionisíaco. Para
Artigo 04 - Jeferson.pmd
114
nós, entretanto, a apropriação de Dioniso e Apolo
caminha no sentido de tão somente identificar, já desde
a Grécia Antiga, a tensão entre dois “espíritos” que,
na sua luta incessante, são capazes de fazer emergir a
criação; onde a existência de um necessariamente passa
pela supressão momentânea do outro, numa luta
infinita de contrários.
O que Nietzsche [1] denominou de instintos
dionisíacos e apolíneos, a nosso ver, não remete ao
sentido de fisiologicamente determinado, mas antes
de misteriosamente criado. Não por um deus com
formas e forças, mas por um deus mistério.
Em estado de jogo, o homem enquanto ser
simbólico e enraizando num tempo histórico
determinado, dá forma à sua luta entre “anjos” e
“demônios”; “bem” e “mal”, “certo” e “errado”,
“lúdico” e “agonismo”, com diferentes tinturas.
Ressalta-se que, a introdução do conectivo “e”
apresenta-se muito mais como um artifício didático
para apresentar alguns pares de opostos em
permanente tensão do que uma radical separação
onde cada um desses pares de opostos possuísse uma
identidade definida, independente do outro. Da
mesma forma que Dioniso só pode ser explicado
por Apolo, o contrário também é verdadeiro. Ou
seja, a unidade é a tensão Dioniso-Apolo, e a
materialização, historicamente falando, pode se dar
em determinado momento e em determinada
cultura, ora predominando o espírito apolíneo, ora
predominando o espírito dionisíaco.
Se é infinito esse trânsito, esse movimento de
alternância, pois o absoluto é o próprio sufocar da
vida enquanto experiência criadora, infinita também
é a experiência de criação que emerge dessa luta. Daí
estarmos tentados a crer que o jogo enquanto
possibilidade simbólica não se esgota jamais em seus
sentidos, em suas conexões de imagens, de produção
de desejos, de exploração da vida tomada como em
grande medida fundada no mistério.
Retornar ao jogo é, em outros termos, retornar
para uma nova possibilidade do Ser no seu mundo;
é inventivamente apropriar-se do mundo de forma
simbólica para dar-lhe novas texturas, cores, sons,
ritmos e gostos. O jogo não pára porque a vida exige
misteriosamente o movimento sempre para além
daquilo que está pronto. O resultado do jogo, seu
desfecho, é sempre por demais rápido: ao mesmo
tempo em que proporciona alegria, conjuga
contraditoriamente a tristeza do tempo passado. A
“fotografia” da vitória momentânea de Apolo ou
Dioniso no jogo, profundamente vivida, se dá em
lapsos de segundos: é a pilhéria onde se deveria ser
sério; o drible mágico, o gol arrebatador, longe das
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determinações táticas e prévias do “como” jogar; é
o cair do dado preenchedor da lacuna que faltava; é
a superação das regras fundadoras de um novo jogo
dentro do jogo; enfim, é o momento que misteriosamente acontece em decorrência da luta travada entre
forças antagônicas que, no auge de seu embate,
tendem a sobrepujar uma a outra na direção do
profundamente sentido, porém impossível de ser
dito através das palavras, com tudo aquilo que se
quer significar. É a vitória de Dioniso sobre Apolo,
do êxtase sobre o controle, que a meu ver
fundamenta profundamente aquilo que venho
denominando de jogo.
Jogo enquanto construção simbólica
O jogo não é gratuito, como muitos pensam.
Jogar é sempre se colocar em jogo frente a si ou frente
aos outros. Se a tese nietzschiana sobre o sentido
dionisíaco da existência estiver realmente correta, o jogo,
tomado geralmente como expressão de liberdade, de
alegria, de espontaneidade, de celebração profunda da
vida, pode, no fundo, estar evocando a desgraça do
homem contemporâneo, a sua vida brutalizante, a sua
falta de liberdade, o seu profundo pessimismo diante
da vida, a consciência de sua fragilidade enquanto ser
perecível, não olímpico, não eterno.
Mas, como o jogo não pára, e como não
estamos propondo nestas breves reflexões uma
discussão sociológica sobre jogo e sociedade, mas
antes discutindo o jogo dentro do campo
interdisciplinar do imaginário social como produção
eminentemente humana, pois simbólica, fica apenas
registrado que, muito mais do que catarse social, o
jogo como objeto de estudo pode ser capaz de
desvelar as próprias raízes que sustentam as
sociedades, com suas problemáticas e definições, que
se situam, concomitantemente num tempo
historicamente determinado e em traços
estruturalmente reforçados ao longo das épocas.
Quando se pensa de forma assistemática e
imediata sobre a possível personificação do jogo,
de maneira geral acredito que a imagem de Dioniso
tende a ser predominante em relação à de outros
deuses, principalmente em relação a Apolo. Se
apresentarmos Dioniso e Apolo via Nietzsche a
origem da tragédia grega, cabe-nos agora apresentar
com um pouco mais de rigor o Deus Dioniso e o
Deus Apolo, com todas as suas possíveis
características, a fim de ampliar a discussão acerca
da tensão permanente no jogo enquanto espaço de
luta, enquanto construção humana simbólica.
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Segundo Brandão [2], Apolo nasceu no dia sete
do mês délfico Bísico que em nosso calendário situase entre a segunda metade de março e a primeira
metade de abril. Conta-se que quando nasceu, cisnes
brancos deram sete voltas em torno da ilha de Delfos.
Daí que as festas principais em sua homenagem
aconteciam no dia 7 de cada mês, da mesma forma
que as consultas ao Oráculo de Delfos se davam no
dia 7 do mês Bísio.
O número 7 é o número de Apolo, o número
sagrado, perfeito, pois além de representar a data de
seu nascimento e o número de voltas dadas pelos
cisnes em Delfos, representa também a sua lira com
7 cordas e sua doutrina, resumida em 7 máximas,
atribuídas aos 7 sábios.
Apolo é reconhecido como aquele que realiza a
harmonia entre as partes, o equilíbrio entre as tensões.
É o verdadeiro mediador das paixões humanas: longe
de querer suprimi-las, Apolo tão somente trata de
orientá-las no sentido de uma crescente espiritualização,
ou consciência do homem de si mesmo.
É reconhecido também na literatura como um
deus agrário, isto é, aquele que protege as sementes e as
lavouras das pragas, dos espíritos malignos e dos lobos.
Além das lavouras, Apolo também protege os viajantes,
as casas, os marinheiros e a tripulação que navega.
Apolo é um fiel intérprete da vontade de Zeus.
É um deus oracular, ainda que algumas respostas a
seus consulentes sejam marcadas por forte
ambigüidade. Desde o século VIII a.C. Apolo era
tido como mestre do canto, da música e da poesia,
manifestações através das quais fazia-se revelar em
grande medida as mensagens de Zeus.
Figura bela e majestosa, Apolo é o deus do sol,
do brilho; aquele que ilumina o caminho. Amou e foi
objeto de desejo de diversas ninfas, e com algumas
teve filhos, cada qual trazendo um traço marcante de
sua personalidade. Mas nem todos os seus amores
foram devidamente correspondidos: obteve muitos
sucessos e alguns fracassos. Mas a grande aventura de
Apolo, e que irá transformá-lo no senhor do Oráculo
de Delfos, não foi amorosa, mas a morte do dragão
Píton, o vigilante do oráculo.
Após matar Píton, Apolo ficou um ano no Vale
de Tempe a fim de purificar-se das manchas de
sangue deixadas pelo dragão, as quais deveriam ser
limpas para não contaminar o próprio deus. “Para
perpetuar a memória do triunfo de Apolo sobre Píton
e para se ter o dragão in bono animo, e este é o
sentido dos Jogos Fúnebres, celebravam-se lá nas
alturas do Párnaso, de quatro em quatro anos, os
Jogos Píticos” [2].
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Um detalhe curioso diz respeito ao fato da
premiação dos Jogos Olímpicos ser feita com uma
coroa de louros. Em um dos amores malsucedidos
de Apolo, conta-se que o deus da beleza zomba do
poder divino das flechas de Eros, filho de Afrodite.
Eros, ao se ver humilhado, resolveu flechar Apolo
com a seta do amor; e, por seu turno flechou Dáfne
com a flecha da aversão, da repulsa, da indiferença
frente ao amor. Assim, apesar da beleza encantadora
de Apolo, Dáfne fugiu para as montanhas e, ao se
ver acossada pelo Apolo apaixonado, pediu a seu
pai, Pereu, o deus-rio, que a transformasse em alguma
coisa para se livrar do apaixonado. E foi transformada
em uma árvore de louros (em grego dáphene), que
se tornou a árvore predileta de Apolo.
Mas, continuando: Apolo, o novo senhor do
Oráculo, trouxe idéias novas para conciliar as tensões
existentes entre as pólis gregas, bem como erradicar
a lei de Talião “olho por olho, dente por dente”,
substituindo-a pela justiça dos tribunais. Com isso,
Apolo reforça o seu valor de mediador, de
equilibrador das tensões, a condição por excelência
do auto conhecimento. Em outros termos, Apolo
mostra aos simples mortais o caminho que vai da
adivinhação ao conhecimento. Daí a inteligência, a
ciência, enfim, o uso da razão ser considerado um
modelo divino. Em uma palavra, a serenidade e não
a compulsão pelo conhecimento, enquanto
dominação da razão utilitária apolínea torna-se para
o homem grego o emblema da perfeição espiritual,
do equilíbrio e da verdade.
Dos três filhos de Zeus (Hermes de Trismegisto,
Apolo e Dioniso), foi Apolo que se reservou o direito
de ser o mais fiel intérprete do pai. Hermes
caracteriza-se marcantemente como o mensageiro
predileto dos deuses, aquele que transita com
velocidade e profundo conhecimento entre o céu, a
terra e o inferno. Já Dioniso é o deus da metamorfose,
da transformação, do permanente trânsito, do
movimento encarnado que aproxima, através do
êxtase, da embriaguês, o homem dos imortais.
Nascido da coxa de Zeus por ter sido arrancado
do ventre de sua mãe, Sêmele, por um raio enviado
pelo próprio Zeus, que a fulminou, Dioniso tornou-se
tão poderoso, em função da sua estreita proximidade
com Zeus, que desceu até o fundo do Hades para de
lá arrancar sua mãe e conferir-lhe imortalidade.
Dioniso, tão logo nasce, é levado para o monte
Nise e entregue aos cuidados das Ninfas e Sátiros,
que cuidavam dele numa sombria gruta com intensa
vegetação e parreiras de uva maduras. Certa vez, já
na sua adolescência, Dioniso colhe alguns desses
cachos, espreme as frutas em sua taça de ouro e bebe
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o suco em companhia de seus protetores. Daí nasce o
vinho, que, ao ser bebido repetidas vezes por Dioniso,
as Ninfas e os Sátiros os coloca em estado de profunda
embriaguês, levando-os a dançar vertiginosamente até
caírem semidesfalecidos. Surgem então a cada ano, em
Atenas, a propósito da colheita de uvas, festas com
danças em homenagem a Baco ou Dioniso, onde se
bebia até se cair. Entretanto, este semidesfalecimento
não era causado somente em função do efeito do vinho
no organismo, mas também pelo êxtase e entusiasmo
proporcionados por essas festas. “O sair de si implicava
um mergulho de Dioniso em seu adorador através do
(enthusiasmós), “entusiasmo”. O homem, simples
mortal, (antróphos), em êxtase e entusiasmo,
comungando com a imortalidade, tornava-se (anér),
isto é, herói, um varão que ultrapassa o (métron), a
medida de cada um [2]. Essa ultrapassagem através
do êxtase e do entusiasmo remete ao sentido de ator,
isto é, daquele que emerge sendo capaz de responder
à realidade através do êxtase e do entusiasmo.
Nesse sentido, Dioniso é aquele que provoca a
quebra de um conjunto de valores construídos
socialmente. Na medida em que o êxtase faz o
homem evadir-se da vida real, há uma abolição
momentânea entre ser mortal e imortal. Ou seja, a
distância entre estes se reduz e, em função disso,
Dioniso é exorcizado por Apolo.
O sair de si implica numa integração maior com
o deus, Dioniso, e o entusiasmo é ter um deus dentro
de si, identificar-se com ele, co-participar da
divindade. A possessão dionisíaca é a expressão
máxima do homem com o divino, através da
celebração dos mistérios, a partir das orgias, do transe,
do êxtase, da agitação incontrolável e frenética.
Dito de outra maneira, a mania (a loucura sagrada)
e a orgia fazem emergir com toda força a liberdade
que se segue pela transformação, pela liberação de
energias que, ao serem liberadas purificam-se.
Nesse sentido, pode-se compreender melhor
porque Dioniso, uma divindade tão integrada ao
próprio homem, foi amplamente contido,
repudiado pela pólis de homens e deuses
apolineamente orientados.
Ratificando: Dioniso é o deus da metamorfose
e do movimento que não conhece nem fronteiras
nem culturas. Ao suscitar a embriaguês, o transe, o
erotismo, a fertilidade, universaliza-se através de seus
próprios temas; com isso passa a ser reconhecido
como tal, isto é, um deus universal. Surge com a
mesma velocidade que desaparece: em lapsos,
momentos mágicos e fugidios.
Como deus da vegetação, é tido como o deus
da vida e da morte: o deus do ciclo vital, do perecível
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e do imperecível, dos ritmos sazonais. De qualquer
maneira, Brandão [2] nos diz que antes de Dioniso o
mundo grego era dividido em mundo dos mortais,
de um lado, e de outro, o mundo dos imortais. Com
a metamorfose promovida por Dioniso através do
êxtase e do entusiasmo, o homem tornou-se mais
próximo dos deuses. Ou seja, os mortais, ao se
“alienarem”, acreditavam na possibilidade de
transfiguração, pois Dioniso é o deus que possibilita
o mergulho profundo do homem em si mesmo.
Aprofundando o aspecto do movimento, da
metamorfose, Marcel Detienne [3] nos oferece uma
rica contribuição a respeito de Dioniso, a qual fazemos
questão de apresentar assumindo o risco de nossa
intervenção interpretativa, que, diga-se de passagem,
muito se alinha à compreensão desse mito conforme
discutido por Brandão [2].
Para Detienne [3], Dioniso é o único deus
encontrado nas regiões da Grécia que mais vive
itinerando. Ou seja, é o deus que em parte alguma se
sente definitivamente em casa. Sua casa é o mundo.
O ponto fixo ameaça sua liberdade de vagar por
Argo, Lesbo, Elêuteras, Olímpia, Taso, Delfos,
Orcômero, até as ilhas misteriosas do Atlântico. Em
cada um desses lugares surge inesperadamente,
brincando, saltando, dançando, passando rasteira,
rasgando as coisas e punindo aqueles que o
desrespeitam, levando-os ao delírio ensandecido, à
loucura, à infâmia e até ao homicídio.
O rei Preto, da Argólia, tinha três filhas. Todas
elas se recusavam a prestar culto a Dioniso. De início,
somente essas três foram punidas com a mania da
loucura, mas logo em seguida todas as mulheres de
Argólia foram atacadas pelo mesmo mal e passaram
a matar seus próprios filhos; abandonaram suas casas
e desapareceram nos bosques.
Nessa história Dioniso aparece enquanto força
epidêmica, difundindo o sacrifício coletivo. Daí
Dioniso poder ser considerado também como um
deus epidêmico, de forte proliferação.
Uma outra marca caracterizadora de Dioniso é
sua condição de permanente estrangeiro, não tanto
pela sua vida nômade, mas principalmente por sua
vocação de sempre se revelar para os outros
mascarado. Dioniso não é um deus identificável pela
sua aparência, ao contrário, “Dioniso afirma sua
natureza epifânica de deus que não pára de oscilar
entre a presença e a ausência” [3].
O Dioniso que aparece em Tebas é aquele
pronunciado pelo sábio Tirésias: o que inventou o
néctar dos deuses - a bebida extraída da uva que tem
o poder de acalmar as angústias, evocar com rapidez
o sono, deflagrar a ousadia e a coragem daqueles que
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nunca o foram em sua vida normal, enfim, bebida
mágica criada por Baco.
Na proximidade do culto a Dioniso, quando
este aparece no dia de sua festa nos seus altares e
templos levantados, acontece da vinha crescer várias
vezes, do vinho brotar já preparado da própria terra,
jorrando em abundância e beleza.
Nas festas de Dioniso, o transe provocado pelo
vinho e pelos movimentos frenéticos do dançar, girar,
rodar, pular e saltar têm seu início através dos pés.
Isto é, o salto dado pelos pés é o primeiro movimento
caracterizador do transe; o segundo, não menos
marcante, é praticado por todos os que participam
dessas festas: é o jogo de saltar em um pé só (como
se fossem “sacis” ), ou quando se inicia o jogo de
amarelinha) chamado de askôliasmós, verbo cujo
sentido relaciona-se à ameaça dos andróginos
apresentados por Platão no Banquete: “Essas
estorvantes criaturas de quatro braços e quatro pernas
começam a ser disciplinadas pelos deuses, que se
partem ao meio. Mas se, porventura, elas
perseverassem na arrogância, seriam de novo cortadas
ao meio, de modo que só poderiam caminhar com
uma única perna, como sacis (askôliázein)” [3].
Da mesma forma que nas festas dionisíacas o
vinho jorra da terra e das jarras dos apaixonados pela
bebida, Dioniso apresenta-se saltitante e malicioso
com as suas jogadas de pernas, por exemplo, através
de inúmeras rasteiras dadas nos simples mortais, que
fazem uns serem objeto de riso de outros; é o deus
que traiçoeiramente leva as mulheres até o transe e
aplica-lhes rasteiras impiedosamente.
Poderíamos, diante da nova observação feita
acima, perguntar: Se Dioniso aparece em suas festas
com tanto sarcasmo, brincadeira, trapaça, punições,
errâncias, metamorfoses, não teria ele muitos inimigos?
A resposta é negativa. Isto porque Dioniso escolhe,
seleciona o “palco” onde pode ser reconhecido como
deus, ainda que nas suas várias formas e manifestações
muito de humano ele apresente.
Sua humanidade reside, a nosso ver, no seu
trânsito permanente, na sua metamorfose de
construtor e re-construtor de sua realidade. Seu Ser
é o Transformar-se. Daí não possuir lugar fixo,
destino cego e finalidade a atingir. Sua finalidade é
sempre um novo re-começo, o desesperado mais
uma vez insaciável.
Apolo ponderação - Dionísio desequilíbrio
Se Apolo personifica o ponderado, o equilibrado, o autêntico jogador de xadrez, Dioniso é o
desequilíbrio, a embriaguês, o êxtase apaixonado pelo
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movimento; é aquele que constrói e destrói o castelo
de areia pelo simples fato de brincar de construir e
destruir. Sua responsabilidade radica na idéia de
infinitude e de êxtase pelo processo vivido. Enquanto
que em Apolo a mediação do processo faz-se
necessária para se atingir o fim almejado.
A dimensão lúdico-agonista é a alma do jogo
fundada sobre o solo do acaso. Dioniso-Apolo
formam a unidade daquilo que estamos chamando de
jogo enquanto produção humana. Sua apropriação ao
longo das épocas pode fazê-lo aparecer com mais
predominância para o lúdico ou para o agonismo,
entretanto, acreditamos que esta seja a primeira forma
de apropriação do jogo para se poder compreender,
se assim for o objetivo, o próprio movimento social
em que se vive. Uma sociedade onde há o predomínio
e a proliferação do jogo enquanto produto “lúdico”
muito provavelmente se diferenciará de uma sociedade
onde haja a mesma proliferação do jogo, porém
enquanto produto “competitivo”.
Não significa dizer que o jogo se reduza na sua
compreensão a um reflexo da sociedade, muito pelo
contrário. O que temos discutido até agora é justamente
o oposto, isto é, que os jogos podem ser apropriados
pela cultura e que as suas necessidades sócioorganizacionais de difusão de modelos de ser e de
aparecer são um fato inequívoco sociologicamente
falando. Mas, certamente, tal apropriação social não se
faz suficiente para dizer o que o jogo é, nem para
explicar o profundo significado desse fenômeno como
eficaz instrumento de sedução, de encantamento e
envolvimento dos indivíduos.
Longe de queremos ter a arrogância de responder
a pergunta de tamanha envergadura, isto, entretanto
não nos impede de aventarmos algumas hipóteses de
trabalho, como por exemplo, o fato de que o homem,
por ser um animal simbólico, necessita se relacionar
com a vida para além de uma percepção imediata do
real, isto é, necessita fantasiar, criar um mundo ficcional,
desejante, apaixonante que sempre o remeta à frente.
No movimento do jogado, ao evadir-se da vida real,
o indivíduo cria um mundo imaginário onde o real é
percebido numa outra perspectiva de Ser; isto é, ele
apresenta-se como um Tornar-se que
momentaneamente pode ser “fotografado” devido à
necessidade fundamental de expressão da liberdade
criadora e infinita da condição humana.
Nesse sentido, o jogo apresenta-se como um
estado de tensão entre Apolo-Dioniso, ora um
querendo predominar, ora o outro querendo tomar
as rédeas do jogo. Movimento este embalado pela
necessidade espiritual do homem em “dialogar” com
uma realidade que sempre lhe escapa na totalidade
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de sua razão, mas que, contraditoriamente, pode leválo a perseguir cada vez mais esse mundo, através de
seu fazer enquanto possibilidade de ser no mundo.
Tanto o mito de Apolo quanto o de Dioniso nos
falam de problemas fundamentais que são colocados
até hoje como um desafio para a convivência social: o
limite e a transgressão; a natureza e a cultura; o signo e
o símbolo; o inteligível e o sensível; o corpo e a mente.
A compreensão desse mundo bipartido é uma
necessidade que vem desde a construção do mundo
mítico, na Grécia Antiga, indispensável para a própria
organização da vida na pólis.
O bem e o mal, o justo e o injusto, o verdadeiro
e o falso assumem formas, cores, sons e movimentos.
A apropriação das muitas bipartições assumiu
contornos próprios nas diversas sociedades, seja no
aprofundamento da divisão do trabalho, seja na
divisão sexual dos papéis sociais, entre outros aspectos.
Parece que para nós, ocidentais, é muito penoso
compreender a realidade sem pensarmos, em alguma
medida, de forma dicotômica. E isto, a meu ver,
transcende a condição de classe, pois sagrado e
profano, revolucionário e conservador, trevas e luz,
direita e esquerda são temas que perpassaram as
épocas e os contextos culturais no Ocidente. Acredito
que, de alguma forma, esse traço marcante de
compreensão dicotômica da realidade foi passado
através das gerações, de forma consciente ou
inconsciente, desde a civilização que é tomada como,
se não a primeira, a mais influente do pensamento
ocidental: a civilização greco-romana.
É nesse contexto que, quando se fala sobre jogo,
a idéia de um jogo puramente lúdico ou agonístico
tende a predominar. Muitas vezes o “jogo” se
apresenta como oposto ao “esporte”, da mesma
forma que o lazer se opõe ao trabalho. Ora, essa
divisão é uma construção social da realidade, não é
um dado, uma coisa pronta, natural. Ao contrário, se
Apolo e Dioniso (e faço questão de introduzir o
conectivo “e” de acréscimo e separação) apresentamse como personificação da própria condição humana,
isto não significa dizer que no próprio Apolo não
esteja contido o lado dionisíaco, ou vice-versa. Se para
a organização política da pólis grega a figura de Apolo
se apresentava mais apropriada para legitimar a
necessidade de convivência entre os homens,
certamente que esta sobre valorização só pode existir
porque a figura de Dioniso caminhava no sentido
contrário, como mau exemplo, desagregação.
Entretanto, a nosso ver, isso não significa dizer que
Apolo e Dioniso são realidades separadas que de vez
em quando se comunicam, mas, antes, uma unidade
de forças contrárias em permanente tensão.
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A nossa apropriação dos mitos de Apolo e
Dioniso é no sentido de entendê-los como fazendo
parte de uma mesma unidade que se chama homem.
Afinal, não podemos esquecer que Apolo, Dioniso e
Hermes são gerados por Zeus, isto é, possuem um
mesmo tronco “genético”; são diferentes, mas
familiares; distantes e próximos ao mesmo tempo.
É nesse sentido de unidade de forças contrárias
que neste nosso momento de análise concebemos o
jogo como dimensão que traz consigo em seu interior
a presença de Apolo-Dioniso. Daí uma singela
brincadeira poder transformar-se em luta, em desafio
conflitante, da mesma forma que um jogo
institucionalizado (esporte) poder fazer aparecer em
alguns momentos a pilhéria, a gratuidade, a zombaria.
Pois o jogo não é alguma coisa, mas é sempre uma
possibilidade de tornar-se; é um movimento, não algo
pronto, acabado; é uma construção humana.
Dimensionar o movimento de tensão inerente
ao jogo mais para um sentido em detrimento de
outro significa conduzi-lo para o predomínio de uma
direção, mas isso não significa que essa direção vá se
dar de forma plena, na sua totalidade, do início ao
fim. Na medida em que se apresenta como
movimento, o fundamento maior do jogo não é o
produto de sua realização, ainda que imaginariamente
muitos sentidos o motivem, mas a própria construção
da realização enquanto experiência vivida.
O fato de Zeus, o pai supremo, ter tido Apolo,
Dioniso e Hermes como filhos nos fornece um
importante argumento para ratificar que o jogo,
enquanto movimento de tensão entre Dioniso e
Apolo, também se tensiona com Hermes, formando
então não mais uma díade, mas uma tríade
tensionante: Dioniso-Apolo-Hermes.
A dialética de Heráclito propõe a imagem da lira
como capaz de mostrar a tensão necessária de contrários,
destituída de qualquer juízo moral. Para haver som da
lira é preciso haver diferença das notas musicais. Agora,
o movimento que proponho para a compreensão do
jogo não é mais construção/des-construção, mas,
construção/des-construção/re-construção.
A brincadeira de uma criança que constrói e desconstrói o seu castelo de areia assume um novo
sentido, qual seja, a de que construir e des-construir
implica profundamente numa re-construção
simbólica de si mesmo, ainda que sem qualquer
necessidade moral, exterior ao próprio processo de
criação, mas profundamente ligada à sua necessidade
espiritual de se relacionar com o mundo de forma
simbólica. Tal movimento não pode ser visto mais
como fim em si mesmo, pois ele é, ao mesmo tempo,
fim e meio em si mesmo: fim porque não deseja ser
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reconhecido moralmente; meio porque, ao não desejar
ser reconhecido, se apropria do mundo com a máxima
liberdade e gratuidade, para melhor se reconhecer
simbolicamente nele.
O jogo é o jogar a vida como possibilidade de
acontecimento. Sua tensão Dioníso-Apolo-Hermes
talvez jamais será resolvida ou controlada totalmente.
Seu controle absoluto significa a morte do jogo. Se
Dioniso é o deus do movimento, das paixões, Apolo
é o mediador, o equilibrado, e Hermes o místico, o
mensageiro dos deuses. Daí acreditar que quem joga
aciona ao mesmo tempo a pilhéria, a disputa e a fé.
E, se falamos um pouco sobre a tensão entre DionisoApolo, faz-se mister introduzir neste jogo tenso a
figura um pouco esquecida de Hermes de
Trismesgisto, sob o signo do acaso, com a intenção
de ampliar a tensão, formando uma tríade
indissociável: Dioniso-Apolo-Hermes.
Se Hermes é o mensageiro dos deuses aquele
que conhece o segredo dos três mundos - céu, inferno
e terra -, significa dizer que não há nada que aconteça
que não se torne inteligível a Hermes. Assim, podemos
dizer que no mundo de Hermes não há lugar para o
acaso. Mas será que no mundo dos simples mortais o
acaso não nos ronda como um fantasma que ora nos
atormenta e ora nos felicita, fazendo com que
recorramos aos deuses para nos salvar do imprevisível?
O acaso no jogo
Em entrevista a Emile Noel [4], o lingüista Jean
Claude Milner nos diz que a palavra hasard em francês
dependendo do contexto, tanto pode significa azar
quanto acaso (que, etimologicamente, é uma palavra
de origem árabe que significa “jogo de dados”).
Diferente da palavra arbitrário, porque em alguma
medida sugere alguém que arbitre alguma coisa,
mesmo que seja um legislador fictício.
Esta primeira demarcação entre acaso e arbitrário
torna-se fundamental na medida em que algumas
importantes áreas do conhecimento (como, por
exemplo, psicanálise, artes plásticas, artes sonoras,
literatura, biologia molecular, paleontologia, genética
das populações, física estatística, matemática), quando
solicitadas a discutir sobre a existência ou não do acaso,
o que é e o que representa em cada uma dessas áreas,
não conseguem ir além de algumas observações bem
genéricas: “O acaso não existe”; “É uma maneira de
falar de probabilidade”; “Não é uma palavra
adaptada, prefiro usar contingência” etc. De uma
forma atenuada ou não, alguns representantes das
áreas supracitadas procuram negar a existência do
acaso. Entretanto, a mecânica quântica é uma das
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poucas áreas do conhecimento que afirma
enfaticamente a presença e a necessidade do acaso.
Jean Marc Levy Leblond [4] nos diz que é
possível ver funcionar na teoria quântica uma espécie
de acaso fundamental destituído de qualquer espécie
de mecanismo subjacente a ele. Ocorre que, com o
desenvolvimento da física atômica, abriu-se uma
nova possibilidade de “olhar” diferenciadamente os
mesmos objetos que se via sob a perspectiva
macroscópica. Ou seja, observou-se que não era
mais suficiente identificar a localização de um objeto
e saber sua velocidade para poder dizer aonde se
iria encontrá-lo ulteriormente, já que é impossível,
nessa nova realidade, dizer com precisão onde o
objeto se encontra e qual a sua velocidade exata.
Entretanto, ao se evocar a noção de acaso pode-se
dizer que o objeto que partiu de um ponto
aproximado de A tem probabilidade de se encontrar
neste ou naquele local. Ou seja, o interesse maior
agora não é mais saber o local preciso onde se
encontrará, por exemplo, um elétron, mas sim, de
encontrá-lo neste ou naquele lugar.
A dificuldade na teoria quântica de se precisar o
local do objeto, bem como sua velocidade, quiçá seu
ponto de chegada, está ligada ao fato de que o objeto
nunca fica, mas sempre está em algum ponto. Assim,
cada vez que se tenta definir uma dessas grandezas, por
exemplo, a velocidade do elétron, perde-se com isso a
precisão de sua posição, e, assim reciprocamente. Ao
passo que na física clássica, para se saber qual o estado
de um elétron, basta saber sua posição e velocidade.
Ou seja, para a física clássica a posição de um
elétron é real, possível de ser apreendida. Já na física
quântica a posição real de um objeto não existe, pois
ele permanentemente se movimenta. Logo, como
seria possível dizer onde é que se encontra um objeto,
sem cair em arbitrariedades, se ele vibra de um lado
a outro? Não significa, no entanto, dizer que na teoria
quântica o acaso intervém sempre e em toda parte,
pois não se trata uma teoria totalmente entregue ao
aleatório. Até porque, segundo Leblond [4], o reinado
do aleatório não é destituído de leis, pois há leis que
governam o acaso, cabe apenas descobri-las.
Dito de outra maneira, ainda que a teoria
quântica reconheça e trabalhe com o acaso, ao que
nos parece a idéia é sempre a de que no mundo da
ciência e da vida como um todo o acaso não existe.
Pois no fundo há sempre uma causa ou um conjunto
de causas que o determinam, ainda que isto se
apresente obscuro para nós. O fato é que é
extremamente difícil conceber a realidade, seja a da
ciência seja a da existência cotidiana, sem estar passível
de ser descoberta para que possa ser controlada.
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120
A necessidade imperiosa do controle da realidade
abafa a idéia do conhecimento como descoberta, e da
vida como possibilidade de acontecimento. Mas se há
um esforço enorme para negar o acaso, é porque em
alguma medida seu contrário, a certeza, o controle da
realidade, se tornaram condições necessárias e
exigências da própria vida contemporânea. Em relação
a este aspecto, o que nos interessa apenas é discutir e
reforçar a tese de que o homem busca na crença um
refúgio para não enfrentar a vida como mistério.
No campo da Filosofia, podemos dizer que essa
crença não é somente de ordem mística, mas também
de ordem racional. Ou seja: na contemporaneidade,
a salvação do homem moderno face ao inusitado, ao
incontrolável, ao real acontecido, é a razão. Assim,
entre a razão e o acaso impõe-se a verdade como
elemento de mediação, ou melhor dizendo, de negação
do próprio movimento do acaso.
Se seguirmos o raciocínio de Bornheim [5],
poderemos perceber que o acaso, na
contemporaneidade, é o “diabo” que tem de ser
extirpado a todo custo. Hoje, o sentido daquilo a que
nos referimos acima com o nome de verdade nada
mais é que o resultado de uma adequação. Ou seja, a
verdade hoje é aquilo que se adequa com a
formulação de uma idéia de um determinado
indivíduo face à “realidade” de um dado objeto.
Assim, quando há coincidência entre a idéia e a
funcionalidade do objeto, tem-se a verdade sobre o
objeto. A cadeira é um objeto que serve para os
corpos se acomodarem sentados; portanto, a cadeira
é real, isto é, encerra uma verdade enquanto
cumpridora dessa função, da mesma forma que a
bola é um objeto utilizado no jogo.
Entretanto, essa forma simplória de conceber a
realidade nunca foi tratada a partir de uma lógica
dicotômica entre sujeito e objeto, onde, a partir da
onipotência da razão, formuladora da idéia pelo
sujeito, a verdade das coisas seria concebida como
evidente, “natural”, pois óbvia por demais.
A dicotomia sujeito (aquele que formula a idéia)
e objeto (aquele que possui uma materialidade) é uma
construção social metafísica para conceber a realidade
das coisas no mundo, que, diga-se de passagem, não
garante de fato qualquer autonomia, seja do sujeito,
seja do objeto. Pois se o ato de pensar se apresenta
como ponto de partida seguro do sujeito para
“manipular” o objeto, decompondo-o e recompondoo através de critérios pré-estabelecidos na direção do
desvelamento da natureza do objeto, isto significa dizer
que o meio, o método, passa a ganhar estatuto de
fundamental importância para o domínio, o controle
da realidade.
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Na medida em que há um sujeito que cria a
idéia do objeto e sofistica essa criação e a separação
entre um e outro, o meio, o caminho seguro passa a
ser a formulação mais importante para se chegar ao
conhecimento da verdade. Nesse sentido, a
permanência ainda em nossos tempos de uma visão
dicotômica de mundo, e, conseqüentemente, do
conhecimento, permite cada vez mais a consolidação
e a legitimação do método, do caminho seguro, ou o
mais seguro possível, como traço determinante da
produção do conhecimento sobre o mundo.
Posto isto, a verdade da realidade é sempre
alguma coisa que pode ser conseguida através do
“caminhar” através de caminhos seguros. Com isso,
elimina-se (ou acredita-se eliminar) o acaso enquanto
elemento desviante, desestruturador da ordem
previamente estabelecida. O método se instaura como
a forma mais forte de negação do acaso, do inusitado,
do imprevisível; o inesperado é a própria
materialização do equívoco metodológico, sua
fraqueza. Portanto, a palavra de ordem da
contemporaneidade é sistematizar, racionalizar ao
máximo as ações dos indivíduos e instituições para
se adquirir cada vez mais controle, domínio sobre a
realidade contra as desmedidas do imprevisível, do
acaso, do “destino” acidental.
Tal sistematização percebemo-la cotidianamente,
basta olharmos com um pouco mais de cuidado a
organização de um banco, de um shopping, de uma
fábrica, de um supermercado. Cada vez mais, esforçase (principalmente com o auxílio do computador)
para fazer com que o sistema se realize com a mais
perfeita eficiência, isto é, com velocidade e sem
margem de erro, de imprevistos.
Neste sentido, estou tentado a crer que a sociedade
contemporânea ocidental e a globalidade do capitalismo
são realidades incontestes, necessitando aperfeiçoar-se
cada vez mais com modelos sistêmicos de organização
social. Contando com a legitimação dos sujeitos sociais
que, diante de uma realidade inesperada, imprevisível
ou assistemática, pedem e denunciam a falta de
sistematicidade racional como meio de assegurar-lhes
mais tranqüilidade e domínio sobre o “real”, o
imprevisível, o acaso, é afastado (a duras penas, é claro)
da vida enquanto elemento da realidade.
Entretanto, o pensamento hegemônico de que
a vida é um sistema um bem articulado e “seguro”
não significa imediatamente que seja capaz de atender
e satisfazer à realidade humana em sua totalidade. Ao
contrário, o que podemos perceber no cotidiano é
justamente o crescimento da procura pelo uso de
drogas, os diversos comportamentos compulsivos,
os medos e as crenças desmedidas face aos discos
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121
voadores, a depressão, o estresse, psicoses e neuroses
das mais diversas, a crescente diversidade de esportes
ditos radicais (que remetem o indivíduo a “dialogar”
permanentemente com a morte) que, guardadas as
devidas proporções, podem também ser incluídos
como elementos de negação à concepção de uma
vida fundada no estrito controle racional.
Comunicação e velocidade
Da mesma forma, a sociedade do espetáculo
ou da comunicação necessita aperfeiçoar sempre mais
a comunicação entre os indivíduos e entre indivíduos
e mundo planetário, e com isso aliena a relação
espaço-temporal, fundando a realidade virtual. A
ordem é a velocidade, a mudança cada vez mais
rápida das verdades e da forma como os indivíduos
interagem com estas. Mas, paradoxalmente, se a
sociedade do espetáculo cria o sujeito que velozmente
se comunica (e aí podemos ver o aspecto positivo da
aproximação dos humanos, da infinita possibilidade
de relação entre eles), no interior do mesmo
movimento cria-se o sujeito cada vez mais informado
e, ao mesmo tempo, solitário. Confinado a uma tela,
a um conjunto de fios e de sistemas, o indivíduo social
se atomiza solitariamente em um mundo virtual de
coisas e sentidos apreendidos principalmente pela
visão, que o transpassa passível e docilmente,
enredando-o numa trama imaginária de aparências,
onde o real transforma-se em simulacro e a verdade
torna-se sedução. Cria-se o sujeito comunicativo e,
ao mesmo tempo, o sujeito calado, silencioso: o
espectador por excelência.
Segundo Bornheim, “o planeta passou a ser esse
enorme objeto, atravessado de racionalidade e sempre
mais submisso ao controle humano. E então parece
que, em conseqüência da vitória do racionalismo, o
acaso simplesmente desaparece, e já nem se percebe
em que lugar ele poderia ser acomodado” [5].
Entretanto, podemos perceber, por exemplo, no
cerne dos espetáculos esportivos, das grandes
competições e torneios, uma luta meio que
“neurótica” (permitam-me a profundidade
psicológica do termo) para conjugar a todo custo o
previsível com o imprevisível.
Um espetáculo esportivo obedece a diversas
formas de racionalidade, o tempo de duração, local
determinado, comportamento previsto para os
árbitros, os meios de comunicação, os repórteres, os
textos produzidos com uma “lógica” do resultado a
partir da situação das equipes no torneio, seus ídolos,
o condicionamento físico da equipe, a temperatura
ambiente, altitude, condições do local de jogo...
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Contudo, a vida do jogo, ao estruturar-se
profundamente no acaso, no imprevisível acaba
frustrando a racionalidade previsível que tropeça em
“ardis” produzidos pelo próprio acaso e que,
eufemisticamente assumem as seguintes imagens:
“Zebra”; “Impossível”; “Um lapso”; “Inexplicável”;
“Deu branco no time”; “Amarelou”... Mas, no fundo,
são imagens que, contraditoriamente, são capazes de
tornar o jogo uma realidade menos enfadonha do
que a realidade e suscitar o “mais uma vez”. Ou seja,
é o élan misterioso do jogo que garante a sua qualidade
de evocador do desejo humano enquanto lugar da
liberdade da criação, re-criação... aventura. Longe de
qualquer relação determinística com ele. Pois, se não
for assim, torna-se exercício, realidade enfadonha tal
qual a própria realidade racionalmente exacerbada.
Da mesma forma, Sartre acredita na intuição
enquanto fonte originária do acaso, pois existir para
ele é “estar aí”, na vida. Com isto, ele vê na criatividade
humana enquanto inventora da realidade, ou melhor,
dos sentidos que projetam o homem no mundo;
distante de qualquer comportamento necessário e
condicionante do homem, antecipando a própria ação
realizadora do homem. Isto é, Sartre acredita na vida
enquanto possibilidade de acontecimento; enquanto
mistério que aos poucos vai se descortinando, e não se
desvelando, no processo de construção do próprio
caminhar, no seguir em frente.
No campo específico do jogo ou das teorias
que são apropriadas para discutir, pensar e
operacionalizar o jogo e os múltiplos sentidos que o
enredam, estou convencido de que o acaso é um
componente fundamental para se compreender
melhor o jogo e o jogado.
O acaso é uma realidade no jogo, quer se
apresente sobre a forma mais pura (através dos jogos
ditos de azar) ou das demais categorias de jogos onde
o acaso se apresenta em níveis diferenciados de
apropriação. O fato é que o acaso no jogo não é
uma questão de gênero, mas de nível. Ou seja, em
todo jogo o acaso é aquilo que permite a diferenciação
clássica entre o preestabelecido e a aventura; a certeza
e a incerteza; a razão e o imprevisível; o enfadonho
do motivante.
Portanto, torna-se fundamental discutir o acaso
enquanto componente inerente ao jogo, sem perder
de vista a totalidade da realidade, na qual encontra-se
também inserido e representado. Pois, na medida em
que o jogo se apresenta com relativa autonomia da
realidade, ela é vista como uma espécie de abertura
mágica; ele relativiza o próprio sentido do acaso e de
tantos outros elementos que aparecem na esfera do
jogo, o que não significa que tais elementos não estejam
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122
também atrelados a uma compreensão mais ampla,
isto é, que os sentidos construídos na esfera do jogo
nada têm a ver com a realidade, ao contrário, pois o
que há é uma tensão entre os sentidos produzidos na
esfera do jogo da vida e na esfera dos jogos de lazer.
Se há uma espécie de combate travado entre o
jogo institucional, ou esporte, e o jogo com
predominância lúdica, este embate se dá no sentido
de minimizar o acaso, e não de sofisticação ou não
das regras. É claro que a maior racionalização do jogo
- com seus códigos e as expectativas destes derivadas
- dá-se aparentemente pela necessidade de
aprimoramento para melhor enfrentar o adversário
na esfera competitiva. E aí as regras tornam-se mais
rígidas, porque necessárias na busca de sua legitimação
e na formação de uma identidade do próprio jogo e
do jogado. Entretanto, não são as regras que tornam
os jogos mais ou menos estimulantes, envolventes ou
competitivos, mas sim a força, a presença do acaso
enquanto elemento fundamental no jogo.
Os jogos ditos de azar, ou mesmo aqueles
jogados sem outro compromisso que não a pilhéria,
o gracejo, a zombaria, são fundamentados a partir
da predominância do acaso. Daí sua natureza absoluta
de motivar ou não-motivar, de ganhar ou perder, de
sucesso ou insucesso. Dificilmente há meio termo
quando o jogo vive sob o predomínio do acaso. Pois
Dioniso, como vimos, é o deus do movimento, da
metamorfose; ele muda muito rapidamente de
humor e de lugar, pois não se contenta com meiaemoção, meia-festa, meio-envolvimento: Ou se vive
intensamente o jogo ou não se vive.
Jogo e esporte no Brasil
No Brasil, no campo da educação física, antes
da década de 80, muito pouco ou nada se discutia
sobre o caráter do jogo enquanto fenômeno humano
e simbólico. O jogo já era uma realidade dada, pronta,
acabada, principalmente em suas regras que o
circunscreviam a uma dada classificação e
incorporação no quadro da ação pedagógica. Era
um tema muito óbvio para ser objeto de preocupação,
principalmente por parte dos professores de educação
física. Quando muito, sua relevância e justificativa se
dava sempre como acessório a outros conteúdos, a
outras atividades dentro e fora da sala de aula, como,
por exemplo, o seu papel catártico, que até hoje impera
como uma das justificativas, legitimadas no âmbito
escolar para sua incorporação nos programas
pedagógicos nas escolas de 1a à 8a séries.
Por outro lado, os termos jogo e esporte sempre
se confundiram. E como o esporte, em função de
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ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
sua racionalização, está mais afinado com a sociedade
moderna, não foi à toa que sobressaiu em demasia
em relação ao jogo, que não é institucionalizado. Não
quero dizer que a sociedade conspirativamente criou
o esporte moderno e o utilize como meio de
divulgação de propaganda capitalista ou socialista. Esta
seria uma interpretação muito ingênua e funcionalista
de teorias críticas, como, por exemplo, o marxismo.
Mas também não podemos dizer que o esporte, na
sua formação e estruturação, advindas da luta entre
formações espontâneas de indivíduos (que
tendenciosamente aderiam emocionalmente à prática
do jogo) e a sociedade (que via nele uma importante
forma de controle social e de adequação), esteja isenta
do interesse de interferir na realidade concreta do jogo,
através da racionalização exacerbada, pode cooptálo à luz da lógica estrutural da sociedade moderna.
Essa questão é sociologicamente tão óbvia, que
para nós basta ilustrar os milhões envolvidos nos Jogos
Olímpicos e toda a sua espetacularização em relação
à evidência de marcas, valores, crenças, costumes que
são acionados pela sociedade do consumo. E, de um
modo não tão menor, porém com outro formato,
os milhões que envolvem os grandes torneios e
campeonatos a nível nacional ou regional, explorados
por empresas privadas das mais diversas ordens, onde
o fim último é o retorno financeiro, o lucro. Daí cada
vez mais apostar e exacerbar a racionalidade das ações
do jogo em si, e do próprio movimento do jogado
( táticas, técnicas), com o intuito de superar o outro
para a própria sobrevivência enquanto profissão,
espetáculo e fonte de lucro. Ou seja, o élan de glória,
da competição pelo prazer de representar uma
comunidade, uma nação, ou o espírito aventureiro
de se colocar frente a frente com o desconhecido
subsume-se em signos de distinção social: lucro, status
social, interesse privado.
Nesse contexto, então, é impossível falar sobre
o acaso, ou melhor, pensar o acaso como realidade,
ainda que ele esteja presente, um pouco adormecido.
O acaso é a própria desgraça da ordem. É o avesso
da sistematização necessária para a estruturação de
uma equipe espetacular. Ele é a própria desordem.
De qualquer maneira, o acaso desempenha papel
fundamental, porque mesmo sendo adormecido “a
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pauladas” pela racionalidade sistêmica e endêmica da
modernidade, ainda assim é quando ele acorda
momentaneamente que é possível ver o jogo jogado
com toda a sua força, pois destituído de certezas e
de precondições que necessariamente remetem a uma
dada direção.
Mas se há um predomínio visível dos jogos
intitucionalizados em relação aos nãoinstitucionalizados, por conta de uma cooptação da
própria organização social a uma realidade
extremamente significativa para o homem, face a
consolidação e o enraizamento da modernidade
enquanto estilo de vida, isto não significa dizer que o
jogo (movimento com predomínio do lúdico) seja a
antítese do esporte (predomínio do agonismo). Pois
se assim o concebêssemos estaríamos dissociando
Apolo-Dioniso-Hermes.
Nesse sentido, o que há é uma tensão permanente entre o jogo institucionalizado, quando ganha a
forma de não-institucionalizado, nem que seja por
alguns instantes quando emerge o lúdico, e seu
contrário, que também é verdadeiro: o jogo nãoinstitucionalizado ganhando forma de disputa, de
performance, ainda que momentaneamente.
O jogo, tomado genericamente enquanto
fenômeno humano e social que perpassa os esportes,
inscreve-se no seu tempo, pois a predominância ou
tendência para o lúdico (brincadeiras, lazer), para o
agonismo (competições, grandes cerimoniais) ou para
o misticismo (jogos de azar) dialetiza com a sociedade
enquanto produto construído socialmente, ainda que
não explicado de todo pela própria sociedade.
Referências
1.
2.
3.
4.
5.
Nietzsche FW. A origem da tragédia. 2.ed. Lisboa:
Guimarães Editores, 1972
Brandão JS. Mitologia grega. 5. ed. Petrópolis: Vozes,
1992.
Detienne M. Dioniso a céu aberto. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1988.
Noel E. O acaso hoje. Rio de Janeiro: Gryphu, 1993.
Novaes A. (Org). Rede imaginária: Televisão e
democracia. In: Bornheim G. Racionalidade e acaso. São
Paulo: Companhia das Letras, 1991. ♦
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ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
ATUALIZAÇÃO
A experiência do risco no alpinismo
Risk in climbing
Ana Luísa Pereira, M.Sc.*
*Docente de sociologia do desporto na Faculdade de Ciências do
Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto
Resumo
Os alpinistas encontram-se em situação de risco quando partem numa expedição cujo objetivo seja o de realizar uma
atividade em elevada altitude ou uma atividade classificada com elevado grau de dificuldade. O presente trabalho pretendeu
analisar o modo como os alpinistas percebem os riscos inerentes à sua prática através das suas experiências subjetivas e assim
saber se os alpinistas tomam riscos de um modo consciente. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com 20 alpinistas de
alta montanha, em que a sua análise, através da técnica de análise de conteúdo, explorou a forma como a percepção do risco se
constitui como um elemento fundamental no alpinismo. Através das categorias criadas foi possível reconhecer que o risco é
percebido por todos os alpinistas como sendo inerente à sua atividade e que, por conseguinte, eles estão perfeitamente cientes
relativamente à sua existência e com o qual se têm que confrontar. A análise do discurso sugere uma mudança na tomada de risco
ao longo da vida, a qual é promovida não só pela experiência adquirida, mas também pelas alterações decorrentes do ciclo de vida.
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Palavras-chave: alpinismo, percepção de risco.
Abstract
When climbers move out on a high-altitude expedition or other vertical mountain experience, it is almost certain that they
are already in a risk situation. This paper is related to the way climbers perceive the climbing inherent risks through their subjective
experiences and tries to find out if climbers are consciously ‘risk takers’. Our data were collected through twenty in-depth
interviews conducted with climbers, and an analysis explores how perception of risk is constructed as a fundamental element in
climbing. Thus, it seems to be very clear among all climbers of our study that risk is inherent to this activity, therefore they are
perfectly aware of this real existence and they all perceive risk as a fact which they have to deal and confront. The discourse analysis
suggests a differentiation throughout life concerning risk-taking among climbers, which is provided not only with their different
risk perception acquired by experience, but also with changes regarding the different stages of life.
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Key words: climbing, risk perception, risk taking,
Artigo recebido em 20 de maio de 2004; aceito em 15 de junho de 2004.
Endereço para correspondência: Ana Luísa Pereira, Gabinete de Sociologia do Desporto, Faculdade de Ciências do
Desporto e de Educação Física, Universidade do Porto, Rua Dr. Plácido Costa 91, 4200-450 Porto, Portugal,
E-mail: [email protected]
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ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
Introdução
O alpinista permanece, dentro do nosso
imaginário, como uma das figuras de aventureiro da
nossa sociedade, pois os caminhos que tem que
percorrer nas suas conquistas são recheados de
emboscadas e obstáculos naturais [1]. De fato, os
alpinistas encontram-se em situação de risco quando
partem numa expedição cujo objetivo seja o de
realizar uma atividade em elevada altitude ou uma
atividade classificada com elevado grau de
dificuldade. Muito freqüentemente, o alpinismo é
percebido como um jogo que coloca em evidência
um lugar de existência entre o prazer e a vertigem [2],
sendo, talvez, esta a razão pela qual é apontada como
uma das atividades físicas que maior risco envolve
[3]. Quando o objetivo é conquistar os cumes mais
altos ou mais difíceis, como por exemplo o do Everest
ou as Torres del Paine, as condições aí encontradas,
mesmo após aclimatação, são tão adversas, devido
às condições de hipóxia, às reduzidas temperaturas e
aos incidentes imponderados, que mesmo os alpinistas
aclimatados e mais experientes podem chegar aos
limites de sobrevivência [4].
Por ser uma atividade de lazer que encerra em si
um elevado risco durante a sua prática, o alpinismo,
corresponde ao que Stranger [5] considera ser uma
das características emergentes do lazer na sociedade
contemporânea. Neste sentido, vem ao encontro
daquilo que Giddens [6] estabelece como sendo uma
tendência decorrente da própria sociedade atual, uma
sociedade de incerteza com uma cultura de risco,
sendo este um conceito que o mesmo autor considera
de fundamental para o modo como a sociedade se
organiza. A adoção ativa de certos tipos de risco é,
de acordo com Giddens [6], uma parte importante
do clima de risco. O mesmo autor refere ainda que
certos aspectos ou tipos de risco, nos quais incluímos
os riscos subjacentes à prática do alpinismo, podem
ser valorizados em si mesmos.
Material e Métodos
Este trabalho explora a concepção de risco dos
alpinistas e a sua necessidade pelo mesmo,
considerando se a atividade se desenvolve, ou não,
no desejo de risco como auto-expressão e como
forma de tornar as suas vidas distintas, sob a
perspectiva do conceito de distinção [7]. O conceito
de risco será limitado ao modo como é percebido
individualmente e enquanto tomado de modo
voluntário, dado que é um elemento constitutivo da
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escalada e do alpinismo [8]. O objetivo deste estudo
é compreender o modo como os alpinistas percebem
os riscos inerentes à sua prática através das suas
experiências subjetivas e perceber se os alpinistas
tomam o risco conscientemente e porquê. Foram
efetuadas entrevistas semi-estruturadas [9] com 20
alpinistas, 15 portugueses e 5 espanhóis residentes na
Província da Catalunha, com idades compreendidas
entre os 25 e os 43 anos. Dos entrevistados, 5 estiveram
no Everest e apenas um não esteve acima dos 4000m.
As entrevistas, depois de escutadas e transcritas
integralmente, foram sujeitas à técnica de análise de
conteúdo [10,11], emergindo para a discussão as
seguintes categorias relacionadas com o risco,
estabelecidas a posteriori [11]: concepção de risco;
percepção e controle do risco; risco como desafio;
prazer pelo risco e integridade física e risco.
Resultados e discussão
Num cenário que pode ser extremamente hostil,
tal como o que envolve a prática do alpinismo, existem
pelo menos três ordens de fatores que conferem risco
à atividade, designadamente, os fatores inerentes ao
meio, as características das atividades e o próprio
sujeito, enquanto elemento ativo [12]. Os alpinistas
deste estudo referem-se aos fatores inerentes ao meio
como sendo riscos objetivos, i.e., aqueles riscos que
são incontroláveis, tais como “os desprendimentos
de pedras que podem estar sempre a acontecer”, ou
“a falta de oxigênio, a diferente pressão atmosférica
e o frio”. Os riscos relacionados com o indivíduo,
enquanto elemento ativo, são compreendidos como
subjetivos, uma vez que “há uma série de conceitos e
conhecimentos que a pessoa tem, são os chamados
perigos subjetivos, face à análise desse conjunto de
fatores, decidimos!”.
Percepção do risco
No alpinismo existe uma percepção do risco,
porque este é real. Praticar alpinismo é como um jogo
com a própria vida [2]. Como bem expressa um
alpinista, “no alpinismo perder pode-se escrever com
maiúsculas!”. Existe uma concordância generalizada
entre os alpinistas quanto ao fato de que esta é “uma
atividade de risco, com risco real”, demonstrando
uma perfeita consciência quanto à concreta existência
do mesmo, já que “a partir do momento em que
calço os crampons, eu sei que vou encontrar risco”.
Para além disso, consideram que “o risco está
inerente”, sendo muitas vezes vivido como positivo,
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ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
quase como um tempero para melhor apreciar a
atividade [13]. Na realidade, seria inconcebível viver
uma aventura sem o estímulo do risco, na medida
em que representa o triunfo face aos outros [14]. É
de aceitar que os alpinistas percebam o risco como
algo fundamental na sua vida, dado que no seu
quotidiano não podem viver situações tão
“excitantes”. Assim sendo, pensamos que a procura
de risco pode ser explicada através do conceito de
excitação discutido por Elias e Dunning [15]. Quando
nos detemos perante mudanças sociais e culturais da
sociedade contemporânea, verificamos que o lazer é
cada vez mais compreendido como uma forma de
auto-realização e autodesenvolvimento. O alpinismo
configura-se, igualmente, como uma atividade que
representa uma tentativa para alcançar uma certa
liberdade das forças externas compulsivas do
ambiente físico e cultural de cada um [16]. Fato que é
corroborado por Williams e Donnelly [8] ao
sugerirem que através do alpinismo as pessoas
parecem motivadas para procurar lugares nos quais
possam escapar das circunstâncias sufocantes
produzidas na sociedade, procurando, então,
ambientes naturais como a montanha.
Controlo do risco
Lyng [17] propõe o conceito de “edgework” para
classificar o risco tomado de forma voluntária,
estabelecendo como categorias, as qualidades
individuais e as capacidades relevantes para a
experiência de “edgework”. Acima de tudo são
características de natureza cognitiva, uma forma
especial de controlo mental. Similarmente, os
participantes deste estudo enfatizam a questão do
controlo mental, considerando a disciplina
fundamental para conseguirem atingir os seus
objetivos. “Em altitude, o alpinismo é 80%
psicológico e 20% físico. (…) A disciplina, muita
disciplina... há que manter uma passada, não pára,
mesmo que a propensão seja parar para descansar...”;
“Se a mente falha... o corpo pode estar em forma,
mas a força vai-se! Múltiplas situações limites
controlam-se com a cabeça!”.
Quando o alpinista menciona que está sempre
a superar-se a si próprio, revela um desejo por
situações que envolvam mais esforço na sua
performance. Não apenas controlando o risco, mas
também ultrapassando todos os obstáculos, o que
lhe proporciona algumas sensações, nomeadamente,
“uma sensação muito forte de adrenalina”). Existe,
igualmente, uma “tendência para seguir pela via mais
complexa”, até porque “se eu já faço um 8 B com
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corda, agora quero é experimentar um 8 A sem
corda”. Contudo esta emoção ou o prazer subjacente
nem sempre se revela explicitamente como sendo uma
procura de algo mais arriscado por parte dos
alpinistas, na medida em que estes consideram apenas
que “é o desafio da superação... por acaso nunca pensei
em termos de risco”. Para além disso, embora
possam procurar ativamente por situações de risco,
não parecem fazê-lo pelo «gozo» dos resultantes
sentimentos de receio, procuram, sim, controlar essa
sensação [18]. O que de fato parecem apreciar é a
exaltação que se segue ao controle de uma situação, à
partida incontrolável [19]. Assim sendo, a maior
satisfação ou sentimento de competência resulta do
fato de se ser capaz de controlar o, aparentemente,
incontrolável.
O risco como desafio e prazer
Em determinadas atividades como o alpinismo,
o cenário invoca situações de risco que não são
evitadas e que podem providenciar uma situação na
qual a fatalidade é quase criada ativamente [6]. Como
«confessa» um alpinista: “... se não houvesse risco, ou
pelo menos um bocadinho de risco...”. São vários os
autores [8,2] que afirmam que os praticantes não
fariam esta atividade se não houvesse risco. De fato,
Elias e Dunning [15] referem-se ao risco como sendo
essencial para inúmeras atividades de lazer, constituindose, para além disso e freqüentemente, como parte do
prazer. Porém, mesmo que o risco seja percebido
como necessário, não significa que se queira a sua
materialização [2], significa, sim, um desejo de ultrapassar
o que quer que possa suceder. Esta relação entre o
perigo e a superação de dificuldades, promove
sensações de prazer (idem). Conseqüentemente, poderá
dizer-se que o risco assumido voluntariamente está
estreitamente relacionado com o risco assumido como
prazer [20], caso contrário, se o risco fosse sentido como
perigo e não como desafio, a atitude mais comum
seria a de o evitar.
O fato de se aceitar o risco nesta atividade pode
estar relacionado com o significado pessoal e com a
necessidade de risco subjetivo [12], uma vez que
vivemos numa sociedade onde se procura tornar
tudo cada vez mais seguro [14]. Contrariamente às
sociedades tradicionais, onde o risco era
compreendido como algo a evitar, é possível
observar que na sociedade contemporânea ocidental
começa a emergir um novo conceito de aventura,
cujo significado está relacionado com a superação de
situações arriscadas, sendo que o risco é percebido
como um fim em si mesmo [14]. A vivência de
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aventuras plenas de risco, permite, segundo Le Breton
[14], confirmar a existência, uma vez que se desafia a
morte e se tem a oportunidade de certificar a vida.
Neste sentido, pode desvelar-se uma razão ontológica
para a prática do alpinismo, dado que através da mesma,
os alpinistas sentem que realmente estão vivos. Também
é possível entrever que os alpinistas percebem a sua
atividade como forma de tornar a sua vida distinta
quando afirmam que “quando estou na montanha
corto com o quotidiano e quando isso acontece é como
viver uma aventura. É algo que expande o nosso livro
pessoal e temos oportunidade de ser os autores da
nossa vida”, ou, “chegar lá cima, a um sítio que seja o
mais inacessível para todos, aonde só poucos
chegam...”. De acordo com Bourdieu [21], quando
percebidas através de categorias sociais, as diferenças
entre as atividades convertem-se em posições
simbólicas, i.e., em sinais distintos. Assim sendo,
escolhendo o alpinismo como prática diferente e
diferenciadora, os alpinistas diferenciam a sua vida,
tornando-a distinta. Logo, a prática desta atividade pode
ser compreendida como uma forma de tornar a vida
distinta, demonstrando gostos diferentes dos demais.
Risco e ciclo de vida
São os mais jovens que assumem um prazer
aliado às situações de alto risco, sugerindo mesmo
que “quanto mais arriscada for uma atividade que se
realize com sucesso, maior é o prazer”. São, pois, os
mais novos que revelam ser importante viver como
que um flirt com o perigo [22]. Os alpinistas deste
estudo reconhecem a sua atitude face ao risco, estando
conscientes quanto à sua falta de experiência na sua
juventude, a qual poderia ter gerado interpretações
errôneas com conseqüências, eventualmente, graves,
pois “quando se é mais jovem, fazem-se imprudências...
Com 18 anos, sem nunca ter feito um curso de escalada,
fazia vias que não sabia que grau eram”. Parece haver
uma tendência para se ser aventureiro quando se é
jovem [23], até porque este é um período de
descoberta, sendo, portanto, entre os mais novos que
encontramos mais comportamentos de risco [14].
Porém, há mudanças ao longo da vida, porque,
entretanto, “com os anos tornamo-nos mais tranqüilos
“. Adicionalmente, aqueles alpinistas que já são pais (p/
exp.) evitam situações de risco, dado que “tudo
mudou. Compreendi que existe alguém muito frágil
que precisa de mim”.
Risco integridade física
Embora seja difícil precisar estatisticamente o
número de mortes no alpinismo, nas expedições ao
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127
Everest, um em cada oito indivíduos morre [24] e
por cada quatro pessoas que atinjam com sucesso o
cume do Everest, morre uma [25]. São dados que
demonstram o risco real deste tipo de atividade. É
provável, até, que não haja nenhum alpinista
«himalaiano» que não tenha perdido um amigo num
acidente de montanha [24]. Quase todos os alpinistas
que estiveram no Everest têm «histórias» para contar:
“Era uma expedição internacional, éramos quatro
catalães e dois suíços, os dois suíços morreram!”.
Porém esta não é uma razão para que deixem de
continuar a fazer expedições aos Himalaias, pelo
contrário, a morte de companheiros de expedição
parece ser uma justificativa para continuar a investida,
dado que “a melhor homenagem que poderíamos
fazer a duas pessoas como aquelas, que haviam
perdido a vida por algo que não era tangível, era subir
ao cume por elas!”. Seria de esperar que este tipo de
acontecimentos modificasse, ou pelo menos
influenciasse as futuras expedições [26], no entanto,
verifica-se uma contínua participação em determinadas
atividades que possam tornar-se ainda mais perigosas,
particularmente, para aqueles que já sofreram
congelamentos. É como se os alpinistas não se
lembrassem dos momentos penosos pelos quais
passaram, o que, de certa forma, explica o fato de
voltarem para mais “aventura” [25]. Embora os
alpinistas mencionem algumas dificuldades e
desconforto inerentes à sua atividade, tal como outros
participantes em atividades caracterizadas pela existência
de risco [18], a maioria das narrativas realçam antes
as boas experiências, “porque é mais forte a atração
que me oferece a montanha, do que estar no sofá
com o comando à distância (...) temos que buscar o
nosso espírito de liberdade”. Mais do que isso, por
vezes parecem não estar conscientes da sua real
fraqueza, caso contrário não afirmariam que “um
congelado, dificilmente se irá congelar duas vezes!”,
apesar da maior susceptibilidade a congelamentos
mais severos nas expedições posteriores [27].
Conclusão
Sem dúvida que o alpinismo ocorre num
ambiente de risco do qual todos os alpinistas deste
estudo têm perfeita consciência, sendo que
freqüentemente é vivido como um fim em si mesmo,
dado que pode suscitar sensações agradáveis. Para
além disso, o controle do risco parece conferir uma
sensação de poder sobre as circunstâncias e,
conseqüentemente, uma sensação de controle sobre
a própria vida.
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A prática desta atividade pode ser considerada
como uma forma de tornar a vida distinta através
da vivência de situações diferenciadas do quotidiano
e díspares relativamente aos outros. Adicionalmente,
a possibilidade de confronto real com a morte ou
acidente afigura-se como uma forma simbólica de
dar significado à existência. Não obstante, é de
salientar que as sensações de prazer aliadas ao risco
parecem modificar-se ao longo da vida, não apenas
pela experiência adquirida e pelo desejo de outras
sensações, como também pelas responsabilidades
advindas da fase do ciclo de vida, nomeadamente,
tornar-se pai.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
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Resumos
Oehlert K et al., Sportverletz
Sportschaden 2004; 18(2):80-4
Lesões no handebal
Introdução: O objetivo deste estudo foi mostrar, através de um
vídeotape, as lesões ocorridas num time de handebol europeu. Métodos:
Um vídeotape contendo 59 lesões durante um torneio olímpico de
handebol foram analisadas por dois observadores (cientista do esporte,
cirurgião ortopedista). Foram avaliados os seguintes parâmetros: região
corporal, posição no campo, contato/não-contato, ataque/defesa,
jogadores de campo/goleiro. Resultados: O maior número de lesões foram
localizadas na cabeça (N = 20), nos membros inferiores (N = 15), tórax e
abdômen (N = 9) e membros superiores (N = 9). Quanto às posições, as
maiores lesões foram no meio campo (N = 20), seguidas da posição
esquerda (N = 13) e posição direita (N = 9). O maior número de jogadores
com lesões eram atacantes (84%), e na maioria dos casos os jogadores de
campo eram atacados (97%). 86% das lesões foram causadas por contato.
Conclusão: A cabeça tem um alto risco e predominantemente por contato.
As lesões de contato poderiam ser reduzidas pelos árbitros. As lesões que
não são ocasionadas por contato deveriam ser evitadas através de
treinamentos coordenados e especializados.
Kuster M., Sportverletz
Sportschaden 2004; 18 (2):80-4
Efeitos do esporte e da mídia na força da musculatura
do tronco, postura e flexibilidade da coluna vertebral
em adolescentes de 12 a 14 anos
Introdução: Dores na coluna e postura incorreta são cada vez mais comuns
em crianças e adolescentes. Falta de movimento, exercícios físicos insuficientes
e longas horas de TV e PC são conhecidos como fatores de risco para
dores crônicas na coluna na fase adulta. Métodos: Num estudo seccional
cruzado, foi avaliada a força da musculatura do tronco, postura e flexibilidade
da coluna vertebral de 200 crianças em idade escolar que não praticavam
exercícios (117 meninas, 83 meninos). As variáveis independentes foram
conseguidas através de um questionário padronizado: idade, altura, peso,
gênero, horas semanais gastas com TV/PC e esportes. Variáveis dependentes:
parâmetro da coluna vertebral, exame realizado com o Sistema Zebris CMS
e IPN Back Check. Resultados: O tempo gasto diante do PC e TV teve
efeitos negativos no parâmetro da coluna vertebral, enquanto que esportes
foram positivos. Conclusão: As crianças necessitam, no mínimo, 30 minutos
diários de movimento por razões preventivas e de saúde.
Hreljac A, Med Sci Sports Exerc.,
36(5):845-9, 2004
Impacto e lesões por sobrecarga em corredores
A corrida é uma das atividades durante a qual as lesões originadas
por sobrecarga ocorrem com mais freqüência na extremidade inferior. O
objetivo deste artigo é fazer um estudo de revisão relacionado às lesões
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originadas por sobrecarga em corredores, com ênfase no efeito das forças
de impacto. Pesquisas recentes sugerem que corredores que aplicam altas
e rápidas forças de impacto quando estão correndo, têm alto risco de
desenvolver lesões originadas por sobrecarga na extremidade inferior.
Modificações nos programas de treinamento poderiam ajudar aos
corredores com lesões a retornar a corrida num tempo de reabilitação
reduzido, entretanto, seria melhor orientar ao corredor sobre o potencial
da lesão antes de participar de um programa de corrida. Um dos objetivos
de futuras pesquisas deveria concentrar-se na prevenção e intervenção
precoce das lesões na corrida. Este objetivo poderá ser concluído se alguns
testes facilmente administrados forem desenvolvidos e possam
prognosticar o nível de risco que o corredor possa encontrar nos diversos
níveis de intensidade de treino, duração e freqüência. O desenvolvimento
desse processo de avaliação pode orientar o médico na identificação de
corredores com alto risco de desenvolver lesões originadas por sobrecarga.
José Irineu Gorla et al.,
www.eddeportes.com, junho 2004
Estudo da força muscular localizada em lesados
de medula
Nossa pesquisa teve como objetivo principal realizar testes de
resistência muscular localizada de membros superiores, em duas amostras
diferentes. Uma amostra era composta por pessoas paraplégicas, com 05
a 17 anos de lesão em media; outra amostra era composta por pessoas
sem qualquer tipo de adaptação motora, ou seja, pessoas ditas normais.
Os resultados foram obtidos a partir de testes de rosca de biceps, supino
horizontal, extensão de tríceps, e da dinamometria. Testes que foram
escolhidos em função da possibilidade igual de realização em ambas
amostras. Os resultados demonstraram que em todos os testes realizados
a amostra de paraplégicos obteve resultado superior que os ditos normais.
O fato da utilização de cadeiras mecânicas pode ter sido o fator que
determinou este resultado, tendo em vista que todos os avaliados são
praticantes de atividades físicas e não atletas. O objetivo da pesquisa foi
alcançado, confirmando que a resistência muscular localizada de
paraplégicos ativos é superior a resistência muscular localizada de pessoas
dita normais e ativas
Can F., Acta Orthop Traumatol Turc
2004; 38 suppl. 1:151-62
Reabilitação e retorno de crianças aos esportes
Há uma crescente incidência de lesões entre crianças e adolescentes
devido a um aumento na participação de atividades esportivas. Lesões
originadas por sobrecarga, são vistas com freqüência nesta faixa etária devido
às características do esqueleto imaturo, mudanças nas estruturas do músculo
do esqueleto relacionadas com o crescimento, e perfil específico das lesões.
O tratamento consiste na determinação dos fatores predispostos, restauração
biomecânica normal, alívio da dor e inflamação, e implementação de uma
reabilitação ativa. Além disso, deve possibilitar aos pacientes o retorno às
atividades da vida diária, com o conhecimento da possibilidade de
reincidência. Um programa de reabilitação, envolvendo estágios (agudo,
subagudo e último) e o retorno ao esporte, deveriam ser planejados para
melhorar a performance das habilidades motoras e específicas do esporte.
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Kollipara S et al., School Nurse
News 2004;21(3):12-6,
maio de 2004
Diógenes Alves,
www: fisiculturismo.com.br,
setembro de 2002
Resumos.pmd
131
Diabetes e atividade física na escola
Atividade física e exercício são componentes críticos no manejo do
diabetes. Todos podem se beneficiar com exercícios regulares mas cada vez
é mais importante para os estudantes com diabetes. Além disso, para manter
a saúde cardiovascular e controlar o peso, atividade física pode ajudar a
reduzir os níveis de glicose no sangue e aumentar a sensibilidade à insulina.
Com a incidência quase epidêmica da obesidade infantil e diabetes tipo 2 na
juventude, atividade física deveria fazer parte da vida diária das escolas para
todas as crianças. Estudantes com diabetes deveriam participar intensamente
nas aulas de educação física e times esportivos. Para manter os níveis de
glicose no sangue dentro das médias estabelecidas durante os exercícios,
devem ser feitos ajustamentos na insulina e consumo alimentar dos estudantes
com diabetes tipo 1. Para prevenção da hipoglicemia, também se necessita
checar, freqüentemente, os níveis de glicose no sangue enquanto estiverem
engajados na atividade física. Instrutores de educação física e orientadores
do esporte devem estar prontos para reconhecer e ajudar no tratamento da
hipoglicemia. Uma fonte de ação rápida de glicose e um medidor de glicose
deveriam sempre estar disponível, junto com água. Um plano estudantil de
tratamento médico do diabetes, plano de cuidado de enfermagem ou
qualquer outro plano deveria incluir instruções específicas.
O risco do uso de suplementos alimentares
Todo dia, milhões de pessoas, tanto atletas como não atletas,
procuram suplementos alimentares, na busca de produtos para melhorar
sua performance e sua estética, mesmo havendo divergências científicas a
respeito da melhora da performance e o prometido resultado de alguns
produtos. Ainda falta a garantia dos efeitos pelos laboratórios e uma
regulamentação específica sobre os produtos, surgindo dúvidas sobre sua
eficácia, e o mais importante, não se garante a inexistência de efeitos
colaterais adversos à saúde. Os suplementos que estão na lista popular
entre os de maior risco a saúde e que tiveram sua comercialização proibida
pela portaria da vigilância sanitária em nosso país, são os compostos com
efedrina. A efedrina possui a mesma estrutura química das anfetaminas e
seus efeitos são similares: aumento dos batimentos cardíacos, pressão
arterial, tremores e nervosismo. O uso de efedrina objetiva principalmente
a diminuição da gordura corporal através do aumento da taxa metabólica
e diminuição do apetite. Entretanto, seu uso para este fim só é concebível
em pequenas doses para pessoas obesas, e não da forma como é
comumente utilizada por freqüentadores de academia. Mesmo assim, os
resultados para os obesos não permanecem, sendo revertidos com a
interrupção da droga. Outro suplemento de risco é a androstediona. Este
“pró-hormônio” esteróide é convertido em testosterona e, pelas
informações dos laboratórios, esta aumentaria a massa muscular e a força,
mas estes efeitos não foram confirmados em estudos. Entretanto, os
homens que usam androstediona apresentam queda dos níveis de HDLcolesterol, e aumento nos níveis séricos de estrógeno, causando evidências
de conseqüências adversas ao sistema circulatório com o uso prolongado,
ou com altas doses desta suplementação. Outro produto que traz risco a
saúde é a Yoshimbine, que teria o poder de aumentar a produção de
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testosterona sérica, e com este fato, aumentar a massa muscular, perda da
gordura corporal e de ter poder afrodisíacos, entretanto, nenhuns destes
efeitos foram confirmados. Foram reportados efeitos colaterais, desde
dores de cabeça, enxaqueca e nervosismo até a efeitos graves, como:
aumento da pressão arterial, elevação dos batimentos cardíacos, palpitações
cardíacas e alucinações. Existem também os suplementos que são utilizados
para uma melhor qualidade de vida ou desempenho físico (comprovados
cientificamente), entretanto o uso inadequado pode levar a problemas de
saúde grave. Um exemplo clássico é sobre os complementos minerais e
vitaminas, em que dietas pobres podem levar a deficiência e grandes doses
podem ser altamente tóxicas. Um exemplo clássico é a falta de ferro em
que sua deficiência pode levar a perda da performance nos trabalhos de
endurance. Porém, megadoses criam desequilíbrios em outros minerais,
sobretudo na absorção do cobre, e seu uso prolongado pode gerar
problemas cardiovasculares. Outros suplementos que apresentam
resultados científicos, porém sua má administração e uso abusivo a longo
prazo podem gerar efeitos colaterais perigosos á saúde, são: a creatina e a
suplementação de proteínas. Diversos estudos relataram alguns sintomas
gastro intestinais como náuseas vômitos e/ou diarréias com o uso de
creatina. A suplementação de creatina não deveria ser uma prática comum
entre as pessoas que tem alguma propensão a desenvolver doenças renais
e aquelas que já possuem algum tipo de disfunção renal. Apesar dos riscos
da desidratação ainda não serem comprovados, grande parte dos
laboratórios de creatina aconselha uma maior ingestão de água, numa
tentativa de redução das possibilidades do usuário desidratar-se. De acordo
com as evidências encontradas na maioria das pesquisas, a suplementação
de creatina parece ser uma prática clinicamente segura, quando usada em
doses descritas na literatura. A suplementação protéica é uma prática
comum entre praticantes de musculação, e, de fato, o treinamento de força
resulta em uma necessidade diária maior de proteínas. Entretanto seu uso
abusivo, por exemplo, 2,4 g por quilograma de peso por dia já é capaz de
induzir a queima do excesso de aminoácidos, em que níveis elevados de
cetose, acidez e amônia podem levar, a longo prazo, a sobrecarga renal,
desidratação e problemas cardiovasculares. Enfim, um controle maior
das autoridades em saúde para o controle na produção e comercialização
destes produtos se faz necessário, como também uma melhor
conscientização da comunidade sobre o assunto e um controle maior por
parte de agentes de saúde (sejam eles nutricionistas, médicos ou professores
de musculação) no esclarecimento e no uso adequado destes produtos
que devem ser utilizados apenas por recomendação de um nutricionista.
R Braham et al., Br J Sports Med
2003;37:45-9
O efeito do suplemento de glucosamina em pessoas
sofrendo regularmente de dores no joelho
Objetivo : O objetivo deste estudo foi examinar os efeitos do
suplemento oral de glucosamina na habilidade funcional e no grau de dor
experimentada por indivíduos que têm dores no joelho regularmente. A
maioria, devido à perda precoce da cartilagem articular, e possivelmente
osteoartrite. Métodos: Sujeitos receberam um suplemento de glucosamina
(G) (n = 24) ou placebo (P) (lactose) (n = 22) durante 12 semanas com
uma dose de 2000 mg por dia. Neste período, quatro sessões de testes
foram conduzidas, com variação da dor no joelho e função avaliada por
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testes clínicos e funcionais, dois questionários (Escore do resultado de
lesão no joelho e osteoartrite – KOOS) e (Escala de dor no joelho – KPS)
e avaliação subjetiva dos participantes. Resultados: O escore do teste funcional
e clínico melhorou com o tempo (efeitos principais: p < 0,05, p < 0,01)
mas, não houve diferenças significantes entre os dois grupos. Os resultados
do questionário registraram um efeito significativo por tempo (p < 0,05),
mas o grupo glucosamina teve uma melhoria significativa nos escores de
qualidade de vida na 8ª. semana e 12 (p < 0,05), e escores KPS mais
baixos (p < 0,05) do que o grupo placebo. Nas auto-avaliações das
mudanças através do período de 12 semanas de suplemento, 88% (n =
21) do grupo glucosamina relatou um certo grau de melhora nas dores de
joelho vs. apenas 17% (n = 3) do grupo placebo. Conclusões: Os resultados
sugerem que, suplementação com glucosamina pode proporcionar um
certo grau de alívio e melhoria em pessoas que experimentam dores
regulares no joelho, que podem ser originadas por uma perda precoce da
cartilagem lesionada e/ou osteoartrite. As tendências nos resultados também
sugerem que, com uma dosagem de 2000 mg por dia, grandes melhorias
estão presentes depois da 8ª. semana.
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bimestral e está aberta para a publicação e divulgação de artigos
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2. Artigos originais
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Os critérios que valorizarão a aceitação dos trabalhos serão
o de rigor metodológico científico, novidade, interesse profissional,
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3. Revisão
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Educação Física, que têm por objeto resumir, analisar, avaliar ou sintetizar
trabalhos de investigação já publicados em revistas científicas. Quanto
aos limites do trabalho, aconselha-se o mesmo dos artigos originais.
4. Atualização
São trabalhos que relatam informações geralmente atuais sobre
tema de interesse dos profissionais de Educação Física (novas técnicas,
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legislação, por exemplo) e que têm características distintas de um
artigo de revisão.
5. Relato de caso
São artigos que representan dados descritivos de um ou mais
casos explorando um método ou problema através de exemplo.
Apresenta as características do indivíduo estudado, com indicação
de sexo, idade.
6. Comunicação breve
Esta seção permitirá a publicação de artigos curtos, com maior
rapidez. Isto facilita que os autores apresentem observações, resultados
iniciais de estudos em curso, e inclusive realizar comentários a
trabalhos já editados na revista, com condições de argumentação
mais extensa que na seção de cartas do leitor.
Texto: Recomendamos que não seja superior a três páginas,
formato A4, fonte Times New Roman, tamanho 12, com todas as
formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobre-escrito, etc.
Tabelas e figuras: No máximo quatro tabelas em Excel e figuras
digitalizadas (formato .tif ou .gif) ou que possam ser editados em
Power Point, Excel, etc
Bibliografia: São aconselháveis no máximo 15 referências
bibliográficas.
5. Resumos
Nesta seção serão publicados resumos de trabalhos e artigos
inéditos ou já publicados em outras revistas, ao cargo do Comitê
Científico, inclusive traduções de trabalhos de outros idiomas.
6. Correspondência
Esta seção publicará correspondência recebida, sem que
necessariamente haja relação com artigos publicados, porém
relacionados à linha editorial da revista. Caso estejam relacionados a
artigos anteriormente publicados, será enviada ao autor do artigo ou
trabalho antes de se publicar a carta.
Texto: Com no máximo duas páginas A4, com as especificações
anteriores, bibliografia incluída, sem tabelas ou figuras.
Preparação do original
1. Normas gerais
1.1 Os artigos enviados deverão estar digitados em processador
de texto (Word), em página de formato A4, formatado da seguinte
maneira: fonte Times New Roman, tamanho 12, com todas as
formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobrescrito, etc.
1.2 Numere as tabelas em romano, com as legendas para cada
tabela junto à mesma.
1.3 Numere as figuras em arábico, e envie de acordo com as
especificações anteriores.
09/07/04, 15:34
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ação & movimento - maio/junho 2004;1(2)
As imagens devem estar em tons de cinza, jamais coloridas, e
com qualidade ótima (qualidade gráfica – 300 dpi). Fotos e desenhos
devem estar digitalizados e nos formatos .tif ou .gif.
1.4 As seções dos artigos originais são estas: resumo,
introdução, material e métodos, resultados, discussão, conclusão e
bibliografia. O autor deve ser o responsável pela tradução do
resumo para o inglês e também das palavras-chave (key-words). O
envio deve ser efetuado em arquivo, por meio de disquete, zipdrive, CD-ROM ou e-mail. Para os artigos enviados por correio em
mídia magnética (disquetes, etc) anexar uma cópia impressa e
identificar com etiqueta no disquete ou CD-ROM o nome do
artigo, data e autor, incluir informação dos arquivos, tais como o
processador de texto utilizado e outros programas e sistemas.
2. Página de apresentação
A primeira página do artigo apresentará as seguintes informações:
- Título em português e inglês.
- Nome completo dos autores, com a qualificação curricular
e títulos acadêmicos.
- Local de trabalho dos autores.
- Autor que se responsabiliza pela correspondência, com o
respectivo endereço, telefone e E-mail.
- Título abreviado do artigo, com não mais de 40 toques, para
paginação.
- As fontes de contribuição ao artigo, tais como equipe,
aparelhos, etc.
3. Autoria
Todas as pessoas consignadas como autores devem ter
participado do trabalho o suficiente para assumir a responsabilidade
pública do seu conteúdo.
O crédito como autor se baseará unicamente nas contribuições
essenciais que são: a) a concepção e desenvolvimento, a análise e
interpretação dos dados; b) a redação do artigo ou a revisão crítica de
uma parte importante de seu conteúdo intelectual; c) a aprovação
definitiva da versão que será publicada. Deverão ser cumpridas
simultaneamente as condições a), b) e c). A participação exclusivamente
na obtenção de recursos ou na coleta de dados não justifica a
participação como autor. A supervisão geral do grupo de pesquisa
também não é suficiente.
4. Resumo e palavras-chave (Abstract, Key-words)
Na segunda página deverá conter um resumo (com no máximo
150 palavras para resumos não estruturados e 200 palavras para os
estruturados), seguido da versão em inglês.
O conteúdo do resumo deve conter as seguintes informações:
- Objetivos do estudo.
- Procedimentos básicos empregados (amostragem,
metodologia, análise).
normas-publicacao.pmd
135
- Descobertas principais do estudo (dados concretos e estatísticos).
- Conclusão do estudo, destacando os aspectos de maior novidade.
Em seguida os autores deverão indicar quatro palavras-chave
para facilitar a indexação do artigo.
5. Agradecimentos
Os agradecimentos de pessoas, colaboradores, auxílio financeiro
e material, incluindo auxílio governamental devem ser inseridos no
final do artigo, antes das referências, em uma secção especial.
6. Referências
As referências bibliográficas devem seguir o estilo ABNT .
As referências bibliográficas devem ser numeradas por numerais
arábicos entre parênteses e relacionadas em ordem na qual aparecem
no texto, seguindo as seguintes normas:
Livros - Número de ordem, sobrenome do autor, letras iniciais
de seu nome, ponto, título do capítulo, ponto, In: autor do livro (se
diferente do capítulo), ponto, título do livro, ponto, local da edição,
dois pontos, editora, vírgula, ano da impressão, ponto, páginas inicial
e final, ponto.
Exemplos:
Livro:
May M. The facial nerve. New-York:Thieme, 1986.
Capítulo ou parte de livro:
Phillips SJ. Hypertension and Stroke. In: Laragh JH, editor.
Hypertension: pathophysiology, diagnosis and management. 2nd ed.
New-York: Raven press, 1995. p.465-78.
Artigos – Número de ordem, sobrenome do(s) autor(es), letras
iniciais de seus nomes (sem pontos nem espaço), ponto. Título do
trabalho, ponto. Título da revista ano de publicação seguido de vírgula,
número do volume, número do fascículo, páginas inicial e final, data e
ponto. Não utilizar maiúsculas ou itálicos. Devem ser citados todos os
autores até 6 autores. Quando mais de 6, colocar a abreviação latina et al.
Exemplo:
Almeida C, Monteiro M. Descrição de duas novas espécies
(Homoptera). Revista Brasileira de Zoologia, Curitiba, v.9, n.1/2, p.5562, mar./jun.1992.
Os artigos, cartas e resumos devem ser enviados para:
Jean-Louis Peytavin
Atlantica Editora
Rua da Lapa, 180/1103 - Lapa
20021-180 Rio de Janeiro RJ
Tel: (21) 2221 4164
E-mail: [email protected]
09/07/04, 15:34
Calendário de eventos
SOGAPE - Sociedade Gaúcha de
Psicologia do Esporte
Informação: (51) 3315-7036
[email protected]
2004
JULHO
AGOSTO
16 a 18 de julho
ENAF Belo Horizonte
Movimento Assessoria de Eventos
Ltda.
Informação: (35) 3222-2344
[email protected]
21 a 24 de Julho
Congresso Brasileiro de Esporte
e Cidadania
Rio de Janeiro - RJ
Informações: (21) 3974-2035
[email protected]
http://www.congrex.com.br/
esportecidadania
22 a 24 de Julho
II Encontro Brasileiro de
Fisiologia do Exercício
Sociedade Brasileira
de Fisiologia do Exercício
Hotel Glória - RJ
Informações: www.sbfex.com.br/
23 a 25 de Julho
I Seminário Internacional
de Psicologia
do Esporte e do Exercício
Qualificando profissionais
na prática
Vida Centro de Estudos
eventos.pmd
136
7 de Agosto a 12 de Setembro
I Regional de Voleibol Masculino
Incentivo à Prática no Litoral Norte
do RS
Secretaria Municipal de Cultura,
desporto e turismo
Capão da Canoa - RS
Informação: (051)6252112
www.pmcc.com.br
19 a 21 de Agosto
25 de Setembro a 1 de Outubro
X Congresso de Ciências do
Desporto e de E. F. dos Países de
Língua Portuguesa
Os desafios da renovação
Universidade do Porto
Informação:
[email protected]
OUTUBRO
8 a 12 de outubro
37º. ENAF Poços
Movimento Assessoria de Eventos Ltda.
Informação: (35) 3222-2344
[email protected]
9 a 12 de Outubro de 2004
I Fórum Catarinense de Ciências
do Esporte e Saúde
Fundação Municipal do Esporte de
Florianópolis
Florianópolis- SC
Informação: (48) 248-0002
5ª Fitness Brasil Norte-Nordeste
Atividade Física e Bem Estar
Salvador
Informação: (11) 5053-2699
[email protected]
SETEMBRO
NOVEMBRO
23 a 27 de Setembro
III Conferencia Internacional
de Educación Física Terapéutica
y Especial
La Rehabilitación en la Comunidad
y la Atención a la Diversidad
Habana, Cuba
Informação:
[email protected]
7 de Novembro de 2004
2ª Taça Piracicaba de Taekwondo
por Equipes Taekwondo
Associação Piracicaba de Taekwondo
Piracicaba - SP
Informação: (19) 3432-4003
[email protected]
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
educação física e desportos
Índice
Volume 1 número 3 - julho/agosto de 2004
EDITORIAL
Necessária vitalidade da cultura esportiva, Luis Alberto Batista
139
ARTIGOS ORIGINAIS
Os determinantes da aderência à atividade física no contexto escolar,
Cristiano José Martins de Miranda
141
A luta da capoeira: reflexões acerca da sua origem,
Paulo Coelho de Araújo, Ana Rosa Fachardo Jaqueira
148
Culturas populares na formação do profissional de educação física: sentidos
e significados do carnaval, Maria José Alves da Silva Oliveira
157
RELATO DE CASO
Programa Curitibativa – perfil de saúde e aptidão física da população curitibana,
Silvano Kruchelski, Rosemary Rauchbach
167
ATUALIZAÇÃO
Nutrição do atleta e imunidade, Luana Caroline dos Santos, Natascha Toral,
Márcia Daskal Hirschbruch, Isa de Pádua Cintra, Mauro Fisberg
175
Badminton: O esporte e suas qualidades, Rogério Farias de Melo
183
COMUNICAÇÃO BREVE
Considerações a respeito da relação professor-aluno no contexto da reabilitação cardíaca,
Jerusa Mônica de A. Souza
189
RESUMOS
192
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
198
EVENTOS
200
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
ISSN 1806-9436
educação física e desportos
Editor
Luiz Alberto Batista (UERJ)
[email protected]
Conselho editorial
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Alberto Reinaldo Reppold Filho (UFRGS)
Alex Itaboray (INUAF-Lole – Portugal)
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(Universidade de Coimbra – Portugal)
Antônio Carlos Stringhini Guimarães (UFRGS)
Antonio Teixeira Marques
(Universidade do Porto – Portugal)
Artur Manuel Romão Pereira
(Universidade de Coimbra – Portugal)
Astrogildo Vianna (UERJ)
Carlos Adelar Abaide Balbinotti (UFRGS)
Fernanda Barroso Beltrão (UFRJ, UCB)
Francisco Sobral (Universidade de Coimbra – Portugal)
Genni Togun (UERJ)
Guilherme Locks Guimarães (UERJ)
Guilherme Pacheco (UGF)
Heron Beresford (UERJ, UCB)
Jefferson Retondar (UERJ)
João Ricardo Moderno (UERJ)
Jorge Olimpio Bento
(Universidade do Porto – Portugal)
José Manuel da Costa Soares
(Universidade do Porto – Portugal)
José Silvio de Oliveira Barbosa (UERJ)
Marco Antonio Guimarães da Silva (UFRRJ, UCB)
Paulo Coelho de Araújo
(Universidade de Coimbra – Portugal)
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Ricardo Demétrio de Souza Petersen (UFRGS)
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estar em conformidade com os padrões de ética da saúde, sua inserção na revista não é uma garantia
ou endosso da qualidade ou do valor do produto ou das asserções de seu fabricante.
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Editorial
Necessária vitalidade
da cultura esportiva
Luiz Alberto Batista
Editor científico
Doutor em Ciências do Desporto
Coordenador de Pós-graduação do IEFD/
UERJ
Coordenador do Laboratório de Biomecânica
do IEFD/UERJ
[email protected]
No sentido antropológico do termo, Cultura consiste no conjunto
de padrões de comportamento, crenças, conhecimentos, costumes, que
distinguem um grupo social. Em seus ensaios sobre cultura Bronislaw
Malinowski1 estabelece a interessante vinculação entre o conteúdo de uma
cultura e as necessidades imanentes do grupo que a produziu e produz. O
referido pensador propõe que as necessidades humanas constituem fator
fundamental para a geração de conteúdo cultural. Se aceitarmos essa
proposição como premissa verdadeira e admitirmos também que, no
contexto atual, o sentido de necessidade pode ultrapassar o conteúdo
daquilo que é básico para o ser humano garantir sua sobrevivência, visto
que podemos criar a sensação de necessidade sem que ela seja
categoricamente vital, vislumbraremos a dimensão da quantidade de
conteúdo cultural possível de ser elaborado. Em que pese o fato de muito
dele não estar diretamente e obrigatoriamente relacionado com as
necessidades básicas daqueles que o criaram, ou mesmo daqueles que o
consomem e consumirão.
Essa perspectiva parece constituir um interessante ponto de partida,
certamente não o único, no sentido de entendermos o porquê da necessária
diversidade cultural do ser humano. O termo “necessária diversidade” se
aplica, pois que os homens não são iguais em todo o espaço ou todo o
tempo, suas necessidades diferem e, sendo assim, a elaboração cultural
precisa ser por natureza, diversificada no tempo e no espaço.
Assim compreendida, é admissível que a cultura total de uma
sociedade possa, para efeito de estudo, ser decomposta em estruturas
culturais menores, a partir de um grupo de referências que garantam a
unidade funcional das sub-culturas delineadas, oriundas de necessidades
tipicamente específicas.
Desta forma admitimos a existência de um subconjunto cultural que
tenha como referência elementos pertinentes ao universo do Esporte.
Em outras palavras, servindo-nos das premissas propostas por
Malinowski, uma cultura possuidora de um cerne formado pelas respostas
culturais às necessidades relativas a tudo aquilo que o Esporte, como espaço
de elaboração cultural, pode atender.
Sem querer prolongar nessa discussão, visto que isso certamente
ultrapassaria o espaço disponível de momento, assim como o atual estado
da arte de minhas capacidades intelectuais acerca do tema, julgamos ser
interessante considerar o fato de que, seguindo a linha de pensamento
acima exposta, dentro da cultura esportiva que perpassa nossas vidas,
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
existe um núcleo gerado por respostas que virão suprir às necessidades
imanentes à nossa existência como seres biológicos, físicos, sociais,
emocionais, etc... Em outras palavras, existe conteúdo da cultura esportiva
que assume status de vital importância para o ser humano, muito embora,
como já antecipamos, nem todo ele o é.
Um outro ponto interessante, para além dessa evidente essencialidade,
é que o conteúdo cultural é produto de criação, o que eleva o homem a
uma condição de produto/produtor do mesmo e, em mais um ponto, a
uma condição de agente ativo no processo que determina o rumo das
questões implicadas também em sua qualidade de vida.
A intima relação entre cultura esportiva e existência humana, no que
tange ao conjunto total de seus “seres” e “fazeres”, encontra-se ricamente
registrada na história da humanidade. Uma apropriação rica, relativamente
recente e expressiva desse tipo de relação, pode ser obtida através da
apreciação do papel da cultura esportiva na manutenção do regime
soviético2.
Muito embora os profissionais de Educação Física não sejam os
únicos seres humanos produtores de cultura esportiva, é discutível inclusive
que sejam os mais produtivos neste sentido, certamente eles podem interferir
sensivelmente sobre a condição de “saúde” desta, em vários e diferentes
aspectos, faça ele uso ou não desse legado. Quando não faz uso desse
direito corre o sério risco de atuar por omissão.
Isto não seria um problema se o conteúdo cultural fosse perene e a
qualquer momento pudéssemos recuperá-lo e vitaliza-lo. No entanto ele
não o é. A história da humanidade tem demonstrado que toda cultura é
mortal 3 e, nos sabemos, tudo que não é cuidado tem morte precoce.
Diante do exposto parece ser mister que cuidemos de nossa cultura
esportiva, assumindo o papel que nos cabe, de fato e de direito.
Precisamos cuidar da cultura esportiva, não exacerbando as ações
extrativistas depredativas, impedindo que elas se sobreponham às interações
harmônicas construtivas. Orientados por uma perspectiva ecológica, é
fundamental que criemos estratégias de manejo sustentável para lidarmos
com a cultura esportiva.
Examinemos, pois, a cultura consumida, não importando sua fonte,
no sentido de atribuir-lhe seu real valor no contexto de nossa sociedade.
Divulguemos o conteúdo da cultura esportiva mundial, com o propósito
de criar tradições, não pelo seu valor rigidez e sim pela preservação de
uma memória histórica local e universal. Trabalhemos e valorizemos a
cultura esportiva nativa no sentido de fortalecer o senso de origem e
garantir seu espaço no acervo total.
Partindo desse ideário cabe-nos, como veículo de conhecimento,
contribuir com a divulgação, recenseamento, viabilizando um espaço de
crítica sensata e construtiva da cultura esportiva como um todo, de maneira
que fortalecendo-a estejamos, indiretamente, fortalecendo a nós mesmos
e à nossa profissão.
1
MALINOWSKI, B. A Scientific Theory of Culture and other essays. New York: John
Hawkins & Associates, 1976.
2
KUKUSHKIN, G. I. The System of Physical Education in the USSR. Moscow:
Raduga Publishers, 1983.
3
JOKL, Ernst. Cultural Anthropology of Sport and Physical Education. Illinois: Charles
C Thomas, 1964.
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
ARTIGO ORIGINAL
Os determinantes da aderência à atividade
física no contexto escolar
Determinants for physical activity in the school universe
Cristiano José Martins de Miranda, M.Sc.*
* Docente de Ciência do Desporto no Colégio Militar do Rio de Janeiro
Resumo
O estudo tratou do comportamento dos determinantes da aderência à atividade física, no caso específico do adolescente
escolar, tendo como objetivo desvelar e examinar seu ponto de vista acerca da dinâmica estrutural da aderência à atividade física
no contexto escolar. Tratou-se de um estudo de caso com abordagem qualitativa, tomando como caso específico a visão de trinta
adolescentes, alunos de três instituições de ensino. A coleta de dados baseou-se em entrevista não estruturada focalizada, sendo
as informações categorizadas, através de análise temática, em quatro categorias, a saber: prazer, utilidade, suporte e organização.
A interpretação dos resultados aponta que, se o objetivo de levar o adolescente à aderência à atividade física for abraçado pelo
sistema escolar atitudes deverão ser tomadas com o intuito de aumentar a organização para a prática de atividade física nas escolas,
melhorar o suporte dado aos alunos para esta prática, conscientizar os adolescentes de sua utilidade e, impreterivelmente, tornála prazerosa.
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Palavras-chave: atividade física, aderência, adolescência, escola.
Abstract
This study is about the adherence determinants behavior, specifically of school teenagers.The aim of this study is to unveil
and to inspect their point of view about the dynamic structure of the exercise adherence in the school universe. It was a case study
with qualitative approach, having thirty actors, who were students of three schools. The data collected were based in an
unstructured focused interview, whose information was categorized, through the thematic analysis, in four categories: pleasure,
support, utility and organization. The outcomes showed that, if the aim to conduct teenagers to exercise adherence become
important to the school system, some attitudes should be taken. An integral effort should be undertaken to enhance the school
organization for exercise, to improve the support gave to students to become active, to notify the teenagers about exercise
utilities and, imperatively, to make the school physical activity enjoyable.
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Key-words: physical activity, adherence, adolescence, school.
Artigo recebido em 16 de agosto de 2004; aceito em 18 de agosto de 2004.
Endereço para correspondência: Cristiano José Martins de Miranda, Rua Carvalho Alvim, 406/ 501, 20510-100, Rio de
Janeiro, RJ, Tel: 21-25710535, E-mail: [email protected]
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Introdução
Vários benefícios resultantes da prática regular
de atividade física são apontados pela literatura
científica [1]. No entanto os níveis de aderência das
pessoas à prática são inferiores àqueles desejados
pelos profissionais de saúde pública [2], o que
contribui com a instalação e progressão de um
número acentuado de doenças hipocinéticas, que na
população adulta brasileira se apresenta como uma
das principais causas de óbito [3]. Esse fato se torna
ainda mais alarmante, uma vez que o sedentarismo
se apresenta de maneira crescente na infância e na
adolescência [4].
Desta forma, estabelecer estratégias para
despertar no indivíduo o gosto pela atividade física,
o mais cedo possível torna-se necessário e em nossa
opinião, a escola, por suas características, é uma
instituição que pode contribuir, efetivamente, para a
formação de indivíduos praticantes regulares de
atividade física.
No entanto apesar de vários estudos sobre os
determinantes da atividade física terem sido realizados,
estando disponível na literatura uma longa lista destes,
pouco se sabe a respeito da dinâmica destes
determinantes na infância, na adolescência e,
principalmente, no que diz respeito à atividade física
na escola.
Acreditamos que o esclarecimento acerca de
como se processa a dinâmica da aderência à atividade
física na escola traria a tona informações a serem
utilizadas no embasamento adequado para o
planejamento e futura execução de estratégias visando
o aumento da aderência ao estilo de vida ativo por
parte de adolescentes participantes do sistema formal
de ensino.
Em face desses elementos, o problema tratado
por estudo consiste no fato de não conhecermos,
com precisão científica, os determinantes da aderência
à atividade física na adolescência, o que limita a
capacidade de elaboração e realização de estratégias
voltadas a sua efetiva implantação e sedimentação.
Partindo dessa questão de base, nosso objetivo foi
desvelar e examinar o ponto de vista de alunos
adolescentes acerca da dinâmica estrutural da
aderência à atividade física no contexto escolar.
Material e métodos
Muito embora o estudo sobre aderência a
atividade física não seja exatamente uma novidade, a
especificidade de nosso enfoque fez com que a
investigação se localizasse, no ponto de vista da
maturidade científica, em uma fase equivalente à
História Natural de uma ciência [5]. Por isso,
entendemos a necessidade de desenvolver um trabalho
que valorizasse a descrição de contexto. Seguiu-se, então,
para a investigação, a perspectiva do estudo de caso
[6], através de uma abordagem do tipo fenomenológica, tomando como caso específico o dos
adolescentes, alunos de três instituições de ensino.
Dado o nosso interesse de enfoque, buscamos
examinar o objeto de estudo em seu ambiente natural,
isto é, no contexto escolar, através dos significados
que os adolescentes dão as coisas e fatos presentes na
escola em relação à aderência à atividade física.
Da primeira fase deste estudo, fase exploratória,
eclodiram três questões críticas, a saber: 1. De que
maneira o contexto escolar influencia a aderência à
atividade física por adolescentes? 2. Quais são os
determinantes da aderência à atividade física presentes
no contexto escolar? 3. Os determinantes clássicos
da aderência à atividade física são os mesmos
presentes no contexto escolar?
Nesta fase, delimitamos nosso objeto, escolhemos as escolas com as quais trabalhamos,
realizamos o levantamento do referencial teórico para
embasar nosso estudo e depois de havermos definido
as categorias de estudo, estabelecemos um contato
com o discurso dos sujeitos, de forma que
pudéssemos desvelar os indicadores de presença das
categorias nos mesmos. Seguindo a estratégia prevista
para uma abordagem do tipo qualitativa, a exploração
do discurso teve lugar até o momento em que
percebemos um esgotamento significativo dos
possíveis indicadores.
Na segunda fase deste estudo, depois de
identificados os elementos-chave e os contornos
aproximados do problema, retomamos a coleta
sistemática de informações, utilizando a entrevista não
estruturada focalizada.
Os atores foram 30 adolescentes de idade
variando entre 13 e 18 anos (média = 15,07 anos),
sendo 10 moças (33,3 %) e 20 rapazes (66,6 %) alunos
de três escolas da rede municipal, rede particular e
rede federal de ensino, cursando da 7.ª série do ensino
fundamental ao 3.º ano do ensino médio.
As entrevistas foram gravadas em fita cassete,
com a permissão dos entrevistados, sendo-lhes
garantido o sigilo e o anonimato através da utilização
de nomes fictícios.
O cenário foi composto pela quadra de esportes
da escola municipal, a quadra do colégio particular, a
arquibancada do ginásio esportivo e a sala de judô
do colégio federal.
Na terceira fase desse estudo, os dados foram
analisados por meio do método de análise de
conteúdo categorial [7].
"!
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Iniciamos a análise, através da transcrição das
fitas cassetes contendo as entrevistas realizadas e para
a subseqüente análise dos dados, resolvemos
considerar como unidade de registro o tema e como
unidade de contexto o trecho da entrevista que mostra
a presença do tema.
Na fase de exploração do material dividimos
as entrevistas em unidades de contexto, de acordo
com os temas encontrados. Foram encontrados 21
temas, a saber: adequação das atividades, atividades
extra-classe, bem-estar, busca de objetivos, condições
físicas do colégio, disponibilidade material e espacial,
estímulo, habilidade motora, informação de
progresso, opção de escolha, organização do tempo,
organização, prazer, proibições e regras, quantidade
de material, quantidade de aula, suporte do professor,
suporte dos colegas, suporte dos outros funcionários,
valor da profissão, valorização da atividade.
As 21 unidades de código temáticas encontradas
foram reagrupadas em 4 categorias, a saber: prazer,
utilidade, suporte e organização.
Assim, sempre que nas unidades de registro
percebíamos a presença do sentimento de prazer na
atividade física, realizada no contexto escolar,
associávamos isso à categoria prazer. Sendo assim, o
indicador da categoria prazer foi a presença deste
tema nas unidades de contexto selecionadas.
Destarte, as unidades de contexto que tratavam
do gosto pela atividade física, do bem-estar
proveniente desta prática, da alegria, do divertimento,
da satisfação, do contentamento de desejos, da
felicidade, do conforto, entre outros e de sentimentos
antagônicos a estes foram colocadas nesta categoria,
pois esses eram indicadores de prazer.
A idéia de suporte, apresentada neste estudo,
está ligada às atitudes tomadas no contexto escolar
pelo sistema escolar, pelos professores, pelos
funcionários e/ ou pelos colegas do adolescente com
o intuito de estimular, incentivar, orientar, sustentar,
encorajar, manter, apoiar, proteger, amparar, auxiliar,
suportar sua pratica de atividade física, sendo esses
temas os indicadores desta categoria.
A categoria utilidade se refere à percepção do
adolescente de conseqüências positivas advindas da
prática de atividade física. Seus indicadores são a
presença de temas referentes a finalidades, benefícios,
resultados, conseqüências, objetivos, utilidade e/ ou
necessidade de prática de atividade física nas unidades
de contexto selecionadas.
Nesse estudo, organização foi considerada o
conjunto de condições da escola e as estratégias
utilizadas para a prática de atividades físicas, isto é, os
meios que a escola possui e os mecanismos utilizados
por ela para dar condições de prática de atividades
físicas aos adolescentes.
Os indicadores da categoria organização foram
a presença de temas referentes aos meios que a escola
possui ou não, tais como espaço físico e material
didático esportivo, e aos mecanismos utilizados pela
escola para dar condições de prática de atividade física
aos adolescentes, como a organização da grade
horária, a oferta de atividades e material, e as normas
da escola em relação a esta prática.
Conforme poderá ser notado, esses determinantes não se apresentam de maneira isolada. Muitas
vezes, eles operam como determinantes recíprocos,
usando o conceito desenvolvido por Bandura [8].
Nesse caso, o formato de um é, em grande parte das
situações, responsável pela forma de apresentação do
outro. Por isso, quanto maior a presença de cada um
deles no contexto escolar, maior será sua associação
reproduzível ou relação preditiva com a aderência à
atividade física na adolescência.
Ao final deste estudo buscamos, através da
interpretação dos dados estabelecer uma relação entre
nossos achados e o processo de aderência à atividade
física do adolescente no contexto escolar.
Resultados e discussões
Analisando as falas dos adolescentes entrevistados chegamos a quatro categorias, como já mencionamos anteriormente, que se constituem nos
determinantes da aderência à atividade física presentes
no contexto escolar, a saber: o prazer, a utilidade, o
suporte e a organização.
O prazer, que segundo Ferreira Neto [9], é uma
satisfação vivida e experimentada como agradável,
completa e feliz, que deve ser vivenciada em aulas de
educação física no ensino fundamental é um
determinante clássico da aderência à atividade física.
A esse respeito, Dishman & Sallis [10] apresentaram o prazer no exercício com evidência de
associação positiva com a atividade física em revisão
de literatura de trabalhos realizados até 1988. E,
segundo Wenger & Hellerstein [11], o divertimento e
a alegria são fatores positivos que afetam a aderência
a um programa de condicionamento físico.
Os dados provenientes das falas dos adolescentes a respeito da relação do prazer com a aderência
à atividade física revelam o prazer como determinante
da aderência à atividade física:
Olho, eu faço mais atividade física porque eu gosto
(Waldyr).
O prazer torna a obrigatoriedade desnecessária:
eu gosto de esporte, se tiver que fazer ou não, obrigado
ou não, eu faço (Félix).
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Além disso, as falas dos adolescentes mostram
que o prazer supera a necessidade de finalidade
utilitária da atividade física, supera barreiras, se
apresenta nas aulas de educação física, dependendo,
no entanto do tipo de atividade física proposta.
Assim como o prazer o suporte também é um
determinante da aderência à atividade física presente
na literatura.
King [12] apresenta o suporte social como uma
das variáveis que influencia mais freqüentemente a
adoção e a manutenção da prática de atividade física.
Franklin, Bryant, Peterson [13] apontam a falta
de suporte de pessoas importantes, os exercícios
realizados sem companhia, a falta de feedback
positivo e a liderança pobre como fatores determinantes da não aderência à atividade física.
Os dados deste estudo apontam a escola como
incentivadora da aderência à atividade física:
Bem, a escola me incentiva muito a fazer esportes e
outras coisas mais, eu sempre procuro vir à educação
física. E praticar, fazer certo (Fernanda).
E indicam como é importante o incentivo dos
professores no desenvolvimento do gosto pela prática
de atividade física:
E possa até incentivar de uma forma que a gente
possa gostar dessa atividade e possa até praticá-la no
futuro, ou até como profissão (Roberto).
Os adolescentes apontam o professor de
educação física como o mais apto a orientar a prática
de atividade física que deve ser realizada com atenção
e paciência:
A maioria dos colegas meus, que gostam também de
natação, que faziam natação e não fazem mais é porque
os professores deixavam você lá nadando e não queriam
nem saber. Eles não davam, não ficavam olhando ali,
olha, está fazendo braçada errada, está fazendo
pernada errada, você tem que se direcionar, tem que
respirar de determinado modo. E os professores não
têm feito isso (Maria).
Além disso, os dados revelam: a necessidade de
maior atenção aos alunos com dificuldades, a
importância do suporte no momento do sentimento
de insucesso do aluno, a importância do elogio e da
relação professor-aluno amistosa.
O suporte do professor também é considerado
pelo adolescente como um superador de barreiras:
Primeiramente, os técnicos. Eles estimulam muito, né...
mas o estimulo que o professor, o treinador passa pra
gente é legal. Então, sei lá, ele estimula tanto a gente
que a pista assim, pra gente, fica maravilhosa pra
gente correr. E eu também acho legal este estímulo
que eles dão. Porque o atleta, por exemplo, com o
estímulo o atleta passa a querer mais e mais sempre
mais sempre buscar mais e mais (Isabel).
Na fala dos adolescentes, também está presente
a importância do suporte dos colegas:
Ah, os meus colegas sempre me incentivam e tal, eles
procuram ajudar ao máximo, eles gostam também,
então eles vão vir praticar junto comigo, e tudo mais.
Isso é mais um incentivo para você praticar um esporte
com seus amigos, é mais um incentivo. Então, eu acho
que é muito bom você, a influência que os seus amigos
fazem quanto a minha prática de atividade física é
muito importante (Roberto).
Ainda em relação aos colegas, os adolescentes
relatam sua preferência pela pratica de atividade física
em sua companhia, consideram que seu suporte evita
abandonos e dizem se influenciar pelos resultados
obtidos por eles.
Ademais, os adolescentes apontam a importância da prontidão dos funcionários para dar as
condições, ajudar e orientar a prática de atividade física
e indicam como relevante a fala das pessoas importantes da escola:
... diretor também deveria estimular. Em vez dele
falar só de Marechais e etc. e tal. Não que ele pare de
falar disso, mas que ele, sei lá, obtenha um espaço
pequinininho pra falar da educação Física no colégio
entendeu? (Isabel)
Tal como aos determinantes tratados anteriormente, também encontramos referência à percepção
de utilidade advinda da prática de atividade física na
literatura.
Dishman & Sallis [10] apresentam a expectativa
de saúde e outros benefícios advindos da prática de
atividade física com fraca ou confusa evidência de
relação positiva com a atividade física em obras
publicadas até 1991.
Além disso, segundo a teoria da utilidade
particular esperada, o indivíduo escolhe entre um rol
de alternativas a aderência a determinado comportamento de acordo com a avaliação feita por ele
da utilidade ou do valor do resultado associado com
a alternativa e da probabilidade particular de ocorrência
do resultado se a alternativa é escolhida [14].
A cerca deste determinante nossos dados
demonstram a não percepção de utilidade como
motivo da não aderência à atividade física:
Aqueles que não gostam não vêm porque acham que
não serve pra nada é o meu caso também, mas eu sei
que no futuro eu vou ter as conseqüências, porque eu
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
não pratico esporte, não faço nada, com certeza eu vou
ficar mais velho, bem mais rápido (José).
E a percepção de utilidade como motivo da
aderência à atividade física
Não é porque eu aprendi. Eu faço atividade física
porque eu acho importante(...) Importante pro seu...
para a saúde do seu corpo, para saúde mental...
(Teófilo)
A esse respeito os adolescentes apontam como
utilidades provenientes da atividade física: a saúde, a
aptidão física, a prevenção do uso de drogas, a
preparação psicológica, o desenvolvimento das
relações interpessoais e a mobilidade social.
Na literatura científica também encontramos
menção à organização como determinante da
aderência à atividade física.
A esse respeito, por exemplo, Pereira [15]
considera que a exercitação física continuada e
otimizada individualmente somente pode ocorrer de
forma concreta, se para tal houver determinadas
condições.
Franklin, Bryant & Peterson [13] consideram que
um dos passos para aumentar o interesse dos
participantes, entusiasmo e, finalmente, a longa
aderência é prover instalações para o exercício através
de equipamento e ambiente adequado.
Em nosso estudo, encontramos que condições
ligadas à organização do tempo, a oferta de atividades,
a disponibilidade espacial e material da escola são
determinantes da aderência à atividade física de
adolescentes, presentes no contexto escolar:
E apontam como negativa a utilização de espaço
de educação física por outra atividade no horário das
aulas.
Ademais os adolescentes indicam como positiva
a opção de escolha das atividades que podem ser
realizadas:
Bem no caso eu faço a natação assim a relação é que é
bom que aqui no colégio tem várias opções aí eu, a
natação não é qualquer lugar, não é qualquer colégio
que possui uma natação, o colégio é uma boa relação.
Assim Todos os alunos do colégio militar têm uma
boa relação com os esportes, o militar faz questão dos
alunos poderem Ter esporte à vontade tem uma relação
que eu acho muito bom isso Ter várias opções, que não
tem em qualquer colégio (Waldyr).
Conclusão
Após o exame do relato dos alunos, é possível
mostrar como estes determinantes se relacionam neste
contexto e qual a contribuição de cada um no processo
de aderência à atividade física do adolescente.
Pelo que foi visto, a estruturação do processo
de aderência à atividade física na adolescência,
especificamente no contexto escolar no grupo
examinado, pode ser representada por meio do
esquema, a seguir:
Processo de aderência à atividade física do
adolescente, no contexto escolar
O tempo, o tempo, porque pra praticar exercício eu
tenho que ter um tempo, pra poder dividir exercício
com o estudo... (Isabel)
Nas falas dos adolescentes os dados apontam
que: a escola limita a prática externa e proporciona
tempo por meio das aulas de educação física, há
necessidade de aumento na quantidade de aulas de
educação física, deveria ser permitida a utilização dos
tempos vagos entre as disciplinas e das instalações da
escola fora do horário das aulas para a prática de
atividade física
Além disso, os adolescentes consideram importante a disponibilidade de material e espaço físico para
a prática de atividade física:
Você vendo um colégio assim, com boa estrutura, você
logo se empolga para fazer as coisas, está sempre
querendo mais. Agora, assim, se o colégio fosse todo
mal estruturado, tudo quebrado, não ia dar nem ânimo
de fazer (Félix).
O esquema mostra a relação existente entre as
quatro categorias estudadas e a aderência à atividade
física e as setas indicam, além do processo de aderência
à atividade física, a influência entre os determinantes.
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Pelo que foi visto, é condição sine qua non, que o
adolescente pertença a um ambiente que lhe forneça
um mínimo de organização. Dessa maneira adolescentes
que não fazem parte deste tipo de ambiente têm
dificuldade em iniciar o processo de aderência à atividade
física por carência de condições para esta prática.
A interpretação de nossos achados, no entanto,
nos permite acreditar que, adolescentes que possuam
alto conteúdo de prazer e utilidade na prática de
atividade física, além de forte suporte, possam exercer
pressão para que condições para a prática de atividade
física sejam criadas.
Alto conteúdo de prazer na prática de atividade
física está ligado, diretamente, a aderência à atividade
física. No entanto, adolescentes com nível baixo de
prazer, elemento fundamental neste processo,
precisam de algum conteúdo de utilidade para se
manterem ligados a ela.
Adolescentes que apresentam dificuldades em
aderir à atividade física, pela falta de sentimento de
prazer e percepção de utilidade, precisam de algum
conteúdo de suporte. O suporte funciona como um
carreador, que orienta, apóia e incentiva o adolescente
no caminho em direção à aderência à atividade física,
fazendo que ele, supere barreiras e passe a derivar
mais prazer e utilidade da prática desta atividade.
Por tudo isso, o adolescente que provavelmente
atingirá a aderência à atividade física é aquele que além
de pertencer a um ambiente que lhe fornece
organização para a prática de atividade física, apresenta
uma das características abaixo:
a) alto nível de prazer na prática de atividade
física;
b) algum nível de prazer na prática de atividade
física aliado a alto nível de percepção de utilidade
desta prática;
c) algum nível de prazer, utilidade e suporte
para a prática de atividade física.
Nessa estrutura, a organização funciona como
uma base para a aderência à atividade física por ser
ela que dá as condições desta prática ao adolescente,
tais como tempo, espaço e material. Além disso, essas
condições influenciam nos resultados da prática de
atividade física, alterando a percepção de sua utilidade
pelo adolescente. Elas também permitem prática
variada ou restrita de atividade física, assim como
menor ou maior conforto nesta prática, o que
influencia o sentimento de prazer daí proveniente. No
entanto, de nada vale a organização, se o adolescente
não apresentar intenção contínua de realizar atividade
física, aderindo, conseqüentemente, a esta prática.
A intenção de aderir à prática de atividade física
surge no adolescente se ele sente prazer e/ ou percebe
utilidade nela. Desta maneira, algumas vezes, é
necessária a ajuda externa, o suporte, para que o
adolescente perceba esta utilidade ou que pode obter
prazer nessa prática para criar a intenção de aderência
à atividade física.
A intenção de aderência não significa exatamente
que o indivíduo vá aderir a determinando comportamento, no entanto, ela é a chave iniciadora do
processo. Além disso, com o suporte adequado, o
adolescente que inicialmente não vê utilidade na prática
de atividade física, passa a acreditar nela e a objetivála, funcionando este desejo como porta de entrada
do adolescente para o processo de aderência à
atividade física. Contudo, para que esse processo se
complete, é necessário que com o decorrer do tempo,
o adolescente sinta prazer neste comportamento.
Destarte, nossos achados, referentes ao poder
do prazer e da utilidade, de levar os adolescentes à
superação de barreiras à aderência à atividade física,
permitem-nos algumas conclusões.
Se o adolescente apresentar alto sentimento de
prazer na prática de atividade física, no contexto
escolar, a probabilidade dele aderir a esta será muito
grande, uma vez que o prazer nesta prática leva o
adolescente a superar barreiras como a ausência de
suporte e a fraca organização, não importando sua
percepção da utilidade da atividade física que
pretende realizar.
Por outro lado, se o sentimento, do adolescente,
de prazer advindo da prática de atividade física for
insuficiente, ele necessitará perceber alguma utilidade
para se aderir a ela. Na maioria dos casos, para chegar
a essa percepção, o adolescente precisa receber
suporte do ambiente que lhe cerca.
Ao finalizarmos este estudo, acreditamos que nos
aproximamos do conhecimento acerca do processo
de aderência à atividade física por adolescentes e de
seus determinantes presentes no contexto escolar.
De acordo com os dados encontrados,
concluímos que o processo de aderência à atividade
física, no contexto escolar, segue, de uma maneira
geral, a linha deste processo em outros ambientes.
Contudo percebemos que um vasto campo, ainda,
tem que ser percorrido nesta área de conhecimento.
Estudos que comparem o processo de aderência à atividade física e seus determinantes em contextos
escolares de diferentes padrões socioeconômicos e
culturais precisam ser realizados.
Além disso, a manipulação experimental desses
determinantes aliada à observação longitudinal do
processo de aderência à atividade física, em diferentes contextos escolares, pode revelar facetas ainda
não desveladas.
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Como suspeitávamos, nossos achados mostram
a importância do contexto escolar na aderência à
atividade física na adolescência e, desta forma,
julgamos, neste comportamento por toda a vida.
Neste aspecto, a escola pode contribuir tanto
para a formação deste hábito no adolescente, como
oferecendo atividades em suas instalações para a
comunidade, da qual fazem parte seus ex-alunos.
Sendo assim, se o objetivo de levar o adolescente à
aderência à atividade física for, realmente, abraçado pelo
sistema escolar, algumas medidas deverão ser tomadas
com o intuito de melhorar a organização para a prática
de atividade física nas escolas, desenvolver o suporte dado
aos alunos para esta prática, conscientizar os adolescentes
de sua utilidade e, impreterivelmente, torná-la prazerosa.
Entendemos que para o alcance destes objetivos,
um esforço integrado deve ser feito pelos órgãos
dirigentes da educação, pela direção da escola, seus
professores e funcionários.
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"&
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
ARTIGO ORIGINAL
A luta da capoeira:
reflexões acerca da sua origem
Capoeira fight-dance: considerations about its roots
Paulo Coêlho de Araújo, D.Sc. *, Ana Rosa Fachardo Jaqueira, M.Sc.*
* Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade de Coimbra
Resumo
A Capoeira constitui hoje uma prática corporal presente no contexto cultural de vários países, principalmente no continente
europeu. Muito embora sejam os brasileiros os principais difusores dessa atividade, persiste, ainda hoje, mesmo no Brasil, uma
falta de consenso acerca da origem dessa prática, sendo que muitos assumem ser ela africana ou, até mesmo, indígena. O objetivo
desse estudo foi levantar argumentos sobre a origem da Capoeira com base em fatos coletados em um trabalho de investigação
que se iniciou em 1989 e transcorre até os dias de hoje. Concluímos que a Capoeira, como manifestação de cultura corporal, muito
embora seja um produto de sincretismo, é uma atividade genuinamente brasileira.
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Palavra-chave: capoeira, contexto cultural, origem.
Abstract
Nowadays, Capoeira constitute a body work that is present in the cultural context of many countries, mainly in European
continent. In spite of the fact that Brazilian people have been the leading diffusers of this activity, there is a controversy regarding
its origin, as some assume that it is from African and others from indigenous origin. The purpose of this study is to search
about Capoeira‘s origin based on collected data from a research that started in 1989. We conclude that, although Capoeira is a
syncretism product, it’s a authentic Brazilian activity.
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Key-words: capoeira, cultural context, origin.
Artigo recebido em 24 de agosto de 2004; aceito em 30 de agosto de 2004.
Endereço para correspondência: Professor Doutor Paulo Coelho de Araújo,Universidade de Coimbra, Faculdade de
Ciências do Desporto e Educação Física
Estádio Universitário – Pavilhão III – Santa Clara 3040-156 – Coimbra – Portugal
"'
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Introdução
Sendo a Capoeira uma das atividades culturais
relevantes do contexto cultural brasileiro, e após quase
quatro séculos de existência, constatamos que ela
assume atualmente diversos contornos de expressividade que marcam fortemente os campos etnográficos,
desportivos, educacionais e lúdicos da sociedade
brasileira, sendo na atualidade, difundida e conhecida
em muitos países nos diversos continentes, essencialmente, como prática de defesa pessoal.
Entendo ser esta atividade uma expressão de
aspectos plurais, não só evidenciadas através das
emanações anteriormente referidas, mas também nas
suas expressões como matéria de ensino, como
atividade lúdica e, mais recentemente como desporto,
é a Capoeira um fenômeno sociocultural que
certamente recupera o valor e a importância da
comunidade negra transferida e escravizada no Brasil
colonial e imperial e que, trazendo elementos da sua
cultura, proporcionaram conjuntamente com outros
elementos de cultura de outros povos que para o
nosso país acorreram por fatores diversos nos
distintos períodos históricos brasileiros, a formação
da bagagem cultural do povo brasileiro, onde esta
arte apresenta um alto grau de representatividade.
Reconhecendo que aspectos de multiracialidade,
de conjunturas econômicas, sociais e políticas, distintas
nos diversos períodos históricos do Brasil, proporcionaram a criação desta arte enquanto manifestação
guerreira, bem como de igual modo contribuíram para
a ocorrência de modificações estruturais que
possibilitaram transformações na sua forma original
permitindo-lhe afirmar-se com uma gama multivariada
de representações. Face a estas multivariadas
representações, é que numa primeira impressão,
pudemos constatar através de exaustivos levantamentos
bibliográficos, carências quanto a presença de trabalhos
científicos nos campos onde a Capoeira encontra
significado como objeto de estudo e já anteriormente
referenciados, os quais, não possibilitam ainda a
configuração de um perfil adequado desta arte, capaz
de explicitar toda a sua dimensão sociocultural.
Hoje no Brasil, o número mais significativo de
obras sobre a Capoeira concentra-se no campo da
expressão agonística de defesa pessoal e desportiva,
baseando-se fundamentalmente, na descrição do
corpo de movimentos que esta encerra a partir dos
seus estilos, com a tentativa de fazê-la reconhecida
no âmbito das expressões corporais de luta, através
de elementos diversos, onde sobressaem os de caráter
jurídicos e organizacionais, sem contudo deter-se em
interpretações que a justifiquem histórico, social e
antropologicamente em qualquer das suas emanações.
Nos campos histórico-social e antropológico,
verificamos que o estudo mais referenciado sobre a
Capoeira data de 1968, obra esta que serve como
ponto de partida para estudos desta natureza, tendo
sido por outro lado, pouco ou quase nenhuma até a
década de 90, novas interpretações desta atividade
nos mais variados campos já aqui referenciados.
Somente a partir da década referida, verificamos a
produção de novos estudos de cariz históricosociológicos e antropológicos, elaborados ao nível
das formações pós-graduadas de mestrados e
doutoramentos em várias áreas científicas, e com as
mais distintas abordagens sobre a Capoeira, não se
constatando no quadro dos interesses dos pesquisadores, estudos que aprofundassem o conhecimento
sobre a origem da luta brasileira, quiçá por entender
já se ter esgotado as explicações nos trabalhos
apresentados sobre esta temática.
Quanto a não abordagem sobre a temática da
capoeira e em particular sobre a sua origem pelos
estudiosos da área das ciências sociais e humanas, da
Educação Física e Desportos e outras áreas afins, com
o aprofundamento que se faz necessário, levantamse-nos algumas considerações, quando constatamos
da análise bibliográfica efetuada até o momento, não
terem sido ainda esgotadas todas as interpretações
ou explicações que ajudem a clarificar a origem da
luta brasileira, se considerarmos as mais recentes
descobertas documentais, algumas posturas revisionistas de trabalhos anteriores e até mesmo alguns
inovadores e, por conseguinte, o avolumar-se de
novos estudos sobre a luta brasileira, os quais, por si
só justificam a premência da adoção de novas
abordagens quer numa perspectiva macro quer numa
perspectiva micro.
Acreditamos que a falta de abordagens mais
aprofundadas sobre o assunto referido no parágrafo
anterior, decorre não somente da pouca reflexão dos
estudiosos das áreas aludidas mas, fundamentalmente,
condicionados pela aceitação incondicional das
posições presentes na literatura específica que tratou
sobre esta matéria no contexto da luta brasileira, por
serem os seus difusores grandes nomes da historiografia e etnografia brasileira, e por isso, enquadrados como pertença das bibliografias básicas1 que
deram e ainda dão suporte à grande maioria dos
estudos realizados.
Mesmo reconhecendo a importância dos autores
que primeiro retrataram a luta brasileira, facilmente
constatamos serem em número insignificante aqueles
que se aventuraram na abordagem sobre a sua origem,
evidenciando-se tão somente, um claro posicionamento dicotômico dos mesmos sobre a possível
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
origem da luta brasileira, sem quaisquer fundamentos
que as sustentassem cientificamente, o que por si só,
propiciariam dúvidas razoáveis e passíveis de maiores
questionamentos e conseqüentes aprofundamentos
sobre esta matéria. Este não foi o entendimento da
maioria dos estudiosos da Capoeira nos seus mais
variados campos científicos, que preferindo admitir
um dos posicionamentos constantes na literatura,
como indubitável verdade, fundamentalmente por
serem proferidas por grandes ícones da historiografia
brasileira, colocaram-se na cômoda posição da
aceitação incondicional de uma das teorias, uma indígena
outra africana, relegando-se para segundo plano, o
aprofundamento de tais questões, se não relevantes
para os seus estudos, relevantes seriam para o
conhecimento desta expressão corporal essencialmente nacional.
Materiais e métodos
Seguiu-se a estratégia de uma exploração
etnográfica com ênfase na análise documental.
Compuseram o corpus de analisis, para esta primeira
etapa da investigação, documentos e obras bibliográficas que fizessem alusão ao tema origem da
capoeira ou que, em alguma magnitude, oferecessem
informações que pudessem sustentar a formulação
de premissas e hipóteses, assim como estimativas
conclusivas, acerca do assunto em foco.
Resultados e discussão
A origem da capoeira: a perspectiva macro
No que refere-se ao estudo das primeiras
influências e condições que contribuíram para o
aparecimento da Capoeira no Brasil, inicialmente,
enquanto arte guerreira, por certo, somente o período
colonial contenha elementos que clarifiquem esta
questão e, por conseguinte, a origem da Capoeira
em território nacional. Indubitavelmente, é neste
período histórico referido que ocorrem fatores
determinantes para que se promovam interpretações
sobre a origem da expressão foco deste estudo, já
que ocorre um significativo fluxo do tráfico negreiro
das mais distintas regiões africanas, o registro da
presença de outros contingentes populacionais
europeus e não europeus, e as primeiras evidências
da presença da luta da Capoeira em várias cidades
do Brasil colonial, e não exclusivamente nos estados
da Bahia e Rio de Janeiro.
A partir de 1535, dá-se início o processo
continuado do tráfico negreiro para o Brasil, que
segundo Verger2, dividir-se-ia em quatro ciclos bem
distintos entre si, e deveras significativo quanto à
distribuição geográfica dos conjuntos populacionais
africanos traficados, permitindo-nos assim, a
identificação das áreas de tráfico e, conseqüentemente,
dos possíveis grupamentos étnicos, independentemente do quantitativo dos stocks que formaram
ao longo dos tempos a construção do Brasil, que
com seus elementos de cultura, influenciaram
significativamente as matrizes culturais deste país
emergente, onde a Capoeira, inquestionavelmente,
tem um lugar de destaque.
Quanto à influência africana na Capoeira,
consideramo-la ponto assente, visto identificarmos
na sua passada e atual forma de expressividade,
elementos culturais africanos3, que nem por isso,
poderíamos considerá-los exclusivos para o contexto
da luta brasileira, face à escassez de estudos que as
confirmem absolutamente. Os estudos dos autores
referidos, incluindo-se ainda o realizado por Nina
Rodrigues, promovem a aproximação de uma
delimitação geográfica, que não se podendo
considerá-la como a mais rigorosa, poderíamos
considerá-la como aquela possível, em face de
circunstâncias diversas que concorreram para esta
delimitação, e que no caso da luta brasileira, muito
contribuiria para o prosseguimento de novos estudos
que concorressem para a identificação das matrizes
étnicas africanas e respectivos elementos culturais
africanos (música, dança, cânticos, jogos, lutas,
instrumentos musicais e outras emanações) que
permitiram a invenção da Capoeira no Brasil.
Ao analisar a bibliografia referente à luta brasileira
produzida a partir da primeira metade do século XX,
mais especificamente, no que diz respeito ao assunto
foco deste ensaio, constatamos ser a referência de
Manuel Querino4, aquela que primeiro atribui ao
grupamento oriundo de Angola, a matriz da Capoeira,
quiçá influenciado pelas informações prestadas por
Spix e Martius que consideraram o exclusivismo banto
na formação étnica brasileira, os quais influenciaram
igualmente autores como Alceu Maynard Araújo5,
Edison Carneiro6 e Câmara Cascudo7, que admitiram
em seus trabalhos, ser esta prática oriunda do
continente africano, mais especificamente de Angola
e de forma categórica.
As posições apresentadas continuam a repetir-se
em quase todos os estudos sobre a Capoeira e sua
origem elaboradas no contexto do século passado,
onde deduzimos serem estas primeiras, simplistas e
carentes de aprofundamentos, o que se compreende
para aquele momento de cientificidade etnográfica/
etnológica e pela escassez de elementos de natureza
diversas, não se admitindo nos tempos que correm, a
#
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
inexistência de qualquer posição revisionista e de
aprofundamentos sobre este assunto, que evidencie as
matrizes influenciadoras para quaisquer dos elementos
que no passado e na atualidade, concorreram para o
seu aparecimento e posterior consolidação como
expressão verdadeiramente nacional.
Além dos autores brasileiros que fizeram
referência da origem Banto para o contexto da
Capoeira, encontramos apenas um autor americano8
que se estende para além da mera referência a este
stock africano, para deduzir igualmente, serem
procedentes do Kongo a maior parte dos movimentos da capoeira,
enunciando um série destes como constitutivo de
expressões corporais de matrizes diversas, buscando
aproximá-los dos atuais movimentos da luta nacional,
excluindo-se qualquer consideração as inúmeras
expressões dos inúmeros grupos étnicos africanos
traficados para o Brasil, e nunca estudados em
pormenor quer no Brasil quer no exterior, no que
respeita as suas distintas expressões de cariz corporal,
as quais, por certo, para alguns dos movimentos
aludidos, se mostrariam semelhantes na forma e
função, ou mesmo diferente desta última.
Nesta mesma linha de análise promovida pelo
autor americano, poderíamos aludir a uma série de
movimentos oriundos de expressões corporais de outras
matrizes étnicas africanas e distintas das anteriormente
referidas, e pesquisadas em arquivo histórico da cidade
de Lisboa9, bem como por referências constantes de
literaturas sobre os povos africanos produzidas por
autores portugueses10. Todavia, entendemos que uma
mera citação de tais expressões/movimentos sem
quaisquer aprofundamentos sobre as suas funções,
origens, localização em território africano e brasileiro,
contexto histórico, em nada acrescentaria aos estudos
que buscam o aproximar das influências étnicas e
correspondentes matrizes culturais de expressividade
corporal, que concorram para elucidar de uma vez por
todas as discussões em torno da origem da Capoeira,
que ainda hoje pendem para o exclusivismo do
grupamento Banto.
Quer no Brasil quer em outros países onde
existiu o tráfico negreiro, não nos foi possível ainda
detectar estudos consistentes sobre os jogos e entretens
da totalidade dos grupos africanos traficados, inclusive
do grupamento banto, que nos permitissem
promover apreciações entre o original e o derivado
de expressões diversas que concorressem para
aproximações das possíveis influências para a origem
desta luta, bem como de outras expressões brasileiras,
ainda carentes de uma melhor análise.
Ao rever todas as posições que defendem a
origem negra da luta, seja ela como matriz genuína
do continente africano ou como invenção dos
africanos no Brasil, em detrimento das possíveis
influências de outros grupos populacionais do
continente europeu e asiático e dos ameríndios
brasileiros presentes no período colonial, deduzimos
serem ainda tais estudos, incipientes para se adotar
qualquer das colocações aqui referidas como
explicativa para o fato analisado. Entretanto, não
podemos deixar de referenciar que durante todos este
anos, o discurso geral entre os que estudam a
expressão brasileira, é o de que inexiste qualquer
expressão semelhante à Capoeira no continente
africano, levando-nos a concordar com a segunda
posição apresentada nas linhas deste parágrafo,
acrescentando-se ainda influências de outros
contingentes também já referidos, destarte a ausência
de dados que a confirme absolutamente.
Ainda nesta perspectiva da análise macro, sobre
a origem da luta brasileira, encontramos autores que
defendem a posição de ser ela indígena, quer pela
referência de uma dança/luta de guerra quer pela
denominação usada para identificar esta expressão.
Sobre a primeira alusão, são poucos os textos que
elaboram esta abordagem, encontrando apenas um
autor 11 que consubstancia a sua colocação com
algumas indicações bibliográficas, apesar de não
assumi-la como matriz principal da Capoeira, e a qual,
do nosso ponto de vista, carecem ainda de
aprofundamentos que possam confirmá-la como mais
uma das matrizes que influenciaram a invenção desta
expressão de luta no Brasil.
No que respeita à vinculação de um vocábulo,
como elemento indicativo de ser esta expressão de
luta brasileira originária de uma matriz indígena,
parece-me ainda incipiente para que se possa afirmar
categoricamente qualquer relação que se lhe atribua
vínculo de matriz primeira. Nas referências de
Ayrosa12, detectamos a alusão de vários significados
do termo capoeira, do quais depreendemos para o
étimo Tupy, distintos sentidos, um deles imbuído de
incorreção13 lingüística, que não concorrem direta ou
mesmo indiretamente para que se afirme a origem
ou mesmo a influência indígena da luta.
Acerca da influência dos grupamentos oriundos
dos continentes europeu e asiático no contexto da
Capoeira, obviamente nada encontraremos na
literatura sobre este fato, todavia, não podemos
esquecer que muitos foram os autores que retrataram
a presença de cidadãos europeus e chineses14 no
contexto das fazendas para em conjunto com os
grupamentos africanos, realizarem as tarefas que lhes
eram próprias. Quanto aos primeiros, podemos
apenas referir a existência da Savate em território
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
francês e o Box em Inglaterra, e ao segundo, um leque
significativo de expressões seculares de luta, que em
algum momento da história da luta brasileira, poderia
ter concorrido, senão para a sua origem, pelo menos
para o seu dinamismo.
À guisa de conclusão deste bloco, temos a dizer
sobre a origem macro da capoeira, é de que nada
temos a dizer de concreto sobre as várias matrizes
que influenciaram a invenção da Capoeira, entretanto,
urge iniciarmos um estudo o mais abrangente quanto
possível das expressões corporais de todos os grupos
étnicos africanos traficados para o Brasil, e igualmente,
dos povos europeus e orientais naqueles momentos
históricos, de forma a identificar todas as matrizes
culturais que contribuíram para a invenção da Capoeira
no Brasil e os seus conseqüentes dinamismos.
A origem da Capoeira: A perspectiva micro.
Partindo da premissa de que a Capoeira foi uma
invenção das várias matrizes culturais presentes num
momento histórico brasileiro, logo brasileira, e
analisando alguns posicionamentos mais recentes que
contestam a primazia do estado da Bahia como espaço
de eclosão desta expressão de luta, entendemos ser
curial abordarmos o aparecimento desta manifestação
no cenário nacional, de forma a esclarecer aspectos
relevantes sobre a sua estruturação, e quiçá, possíveis
influências formadoras, de modo a contrariar posições
regionalistas, que mais confundem do que esclarecem,
no que tange a alguns aspectos relevantes para o seu
conhecimento. Quanto à delimitação geográfica no
Brasil e considerando a perspectiva micro aludida, o
trabalho centrar-se-á no levantamento das informações referentes à presença da Capoeira nos Estados
da Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, e São Paulo,
por considerar historicamente, serem estes centros os
mais importantes sob a ótica do aparecimento e
desenvolvimento, da difusão e transformação desta
arte guerreira em solo brasileiro.
A história conhecida da Capoeira ao longo dos
tempos, sempre referiu-se ao estado da Bahia e, mais
especificamente à cidade do Salvador e o seu
Recôncavo, como o berço e celeiro de praticantes da
luta brasileira, quer através de inúmeras literaturas
publicadas pelos folcloristas nacionais na primeira
metade do século XX quer pela tradição oral dos
principais expoentes desta expressão corporal, que
apesar da quase inexistência15 de dados, fundamentalmente escritos, que evidenciassem claramente a
presença da Capoeira neste estado, nunca impossibilitaram que esta tradição oral perpassassem
indelevelmente todo o século passado, apesar de
constatarmos na última década do século anteriormente referido, algumas posições que contestam
tal título, em detrimento de um outro estado que ao
longo do século XIX, apresentou um leque bastante
diversificado de elementos documentais.
Em contraposição à escassez documental no
estado da Bahia que faça alusão a luta brasileira,
encontramos para o estado do Rio de Janeiro,
referências documentais de várias ordens que retratam
efetivamente a presença da Capoeira nos períodos
históricos brasileiros, encontrando no início do século
XX quem a defendesse como sendo, expressão por
excelência carioca16, apesar de argüir a sua gênese em dois
pontos diversos: ao Norte de Pernambuco e ao Sul, aqui no Rio.
Na atualidade, encontramos alguns posicionamentos
que buscam enquadrar as afirmações do autor das
sentenças em destaque, associadas ao significativo
acervo documental carioca em contraposição à escassez
documental baiana, e aos movimentos de prédesportivização 17 da luta brasileira, ocorridos
concomitantemente nos estados anteriormente
mencionados, como dados e fatos suficientes para que
se possa deduzir a gênese desta luta para a cidade do
Rio de Janeiro.
Ao defender a gênese da expressão corporal de
luta brasileira para dois contextos espaciais distintos,
por si só, já evidencia a falta de elementos consistentes
do seu autor, para que se pudessem afirmá-la como
carioca, assim como, todas as outras considerações
que foram formuladas no decurso do século passado
em consonância com a afirmação proferida, visto
serem todas estas imbuídas de um bairrismo muitas
vezes visceral e, igualmente, desprovidas de
aprofundamentos científicos que as confirmem
categoricamente. Deste modo, cabe-me elaborar
questões que poderiam concorrer para refletir das
posições assumidas que são:
Que local do norte de Pernambuco a que o autor
se refere? Quais os dados e fatos que concorreram
para o assumir da posição do autor em relação aos
dois estados? Quais fontes foram usadas pelo autor
que concorreram para este posicionamento? Por certo,
muitas outras questões poderiam ser colocadas sobre
que elementos permitem tais colocações, padecendo
as afirmações proferidas, até ao momento, dos
mesmos defeitos que decorrem das tradições orais
que afirmaram sobre a gênese baiana da luta, ou seja,
da falta do rigor científico que se exige nestes casos.
Fundado ainda na colocação de Lima Campos,
de que no norte do estado de Pernambuco poderia
ter ocorrido a gênese desta expressão, levou-nos a
rever os principais autores18 que dedicaram seus
estudos a retratar o cotidiano dos pernambucanos
#!
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
nos seus mais diversos aspectos. Deste retrospecto,
constatamos efetivamente, a presença da capoeira nos
costumes pernambucanos a partir da primeira metade
do século XIX, quando associada ao entrudo, à proteção
dos figurões daquela época, aos processos eleitorais ou no
acompanhamento da guarda que leva música. Estas formas
de expressividades, muito semelhantes àquelas
constatadas em outros estados brasileiros no espaço
de tempo referido, mas não se constatando qualquer
tipo de referência documental que aludisse à luta
estudada, mas que inegavelmente, nos leva a concluir
pela existência de uma forma de expressão com as
características semelhantes àquelas constatadas em
outros rincões nacionais do Brasil colonial.
O comportamento dos capoeiras pernambucanos quando acompanhavam os batalhões do
Quarto e do Espanha, atingiram ao longo dos tempos
proporções de que não há exemplo, levando com
que o governo deste estado viesse a proibir os desfiles
dos indivíduos aludidos à frente dos batalhões
aquartelados no Recife, gerando no decurso deste
século o desaparecimento gradual dos ditos
indivíduos e, por conseqüência, o aparecimento dos
denominados brabos, uma nova espécie de indivíduos
capoeiras, e da expressão de igual denominação para
identificar-se como sendo o passo. Mais uma vez, se
pode concluir pela existência desta expressão de luta
em mais um dos estados brasileiros, sem com que
possamos estabelecer qualquer fundamento concreto
sobre a gênese da Capoeira na sua perspectiva micro.
Durante muito tempo, somente aos estados
anteriormente referidos se atribuíram a presença da
Capoeira nos costumes dos indivíduos coloniais, tenham
sido eles realizados por escravos, forros, libertos, negros,
mestiços, brancos e índios. Todavia, revendo as novas
fontes documentais de arquivos nacionais sobre os
costumes dos indivíduos nas metrópoles e nos diversos
períodos históricos brasileiros, curiosamente,
constatamos igualmente a presença desta luta nos
costumes paulistanos19 por todos os períodos referidos,
concomitantes às emanações da expressão em estudo,
na Bahia, Rio de Janeiro e Recife, donde depreendemos
não ter sido exclusivo de qualquer estado brasileiro esta
forma de emanação corporal, e nem descortinamos os
fatores concorrentes para o seu aparecimento e desenvolvimento nos aludidos locais, isto em face da escassez
de análises pormenorizadas para este fenômeno, a nosso
ver, decorrentes da aceitação incondicional das posições
presentes nas bibliografias básicas deste assunto.
Apesar de não termos ainda evidências de sua
contextualização histórica, como aquelas encontradas
nos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco, onde
são retratados episódios de concreta emanação da
luta brasileira, visto muitos daqueles tratarem
genericamente de indivíduos capoeiras, logo efetivos
marginais, certo é que, ao ser proibida a sua prática
nas praças, ruas, casas públicas ou em qualquer outro lugar
também público, praticar ou exercer o jogo denominado de
capoeira ou qualquer outro gênero de luta20, é incontestável
ter existido nos períodos aludidos esta denominação,
sem contudo deixar-nos quaisquer indícios em
inúmeros documentos históricos.
Vale ressaltar, que mesmo sendo pouco referido
nas literaturas atinentes à Capoeira, e no que respeita
à sua presença como elemento dos costumes nacionais
de indivíduos de distintos estados brasileiros,
encontramos ainda alusão à luta brasileira no
longínquo Maranhão21. Ao reconhecer a existência
desta expressão de luta no período em foco e no
estado mencionado, podemos deduzir do texto
transcrito, que a mesma já se praticasse há algumas
décadas passadas pelos grupamentos marginais da
sociedade maranhense e igualmente reprimidas pelas
forças da lei e da ordem como se faziam em outros
estados brasileiros rotineiramente.
Teria sido esta forma de expressividade mais
uma expressão subsidiária daquilo a que chamamos
Capoeira? Como teria chegado a tão longínqua
paragem? Quais características demarcavam esta
expressão? Quais os grupamentos humanos que estão
na construção do Maranhão? São estas muitas das
questões ainda por responder e que poderiam trazer
luz às influências formadoras da nossa Capoeira nas
perspectivas aqui analisadas.
Ainda no nordeste brasileiro podemos encontrar
algumas outras expressões que nos permitiriam
aproximarmo-nos das principais raízes influenciadoras da invenção da Capoeira no Brasil, e quiçá
compreender os seus dinamismos e difusão por todo
o território nacional, se considerarmos que tais
expressões como o Batuque na Bahia e a dança do
Bate-Coxa (semelhantes a pernada carioca) possam
ter sido as formas primárias da manifestação que hoje
identificamos como a prática de luta brasileira por
excelência, sem desmerecer outras tantas práticas
desenvolvidas ao longo dos períodos colonial,
imperial e republicano e ainda pouco estudadas, onde
citamos a título de exemplo o Maculelê, prática pírrica
de negros nos engenhos de açúcar da Bahia.
Conclusão
Considerando as perspectivas aqui enquadradas
sobre a gênese da Capoeira entendemos que:
Na perspectiva Macro
a) São ainda insuficientes os estudos realizados
sobre quaisquer dos grupamentos humanos que
concorreram para a formação do Brasil, princi-
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
palmente sobre os africanos e indígenas brasileiros,
que nos permitam concluir sobre a gênese africana
ou ameríndia;
b) São inexistentes estudos científicos que
tivessem promovido análises das expressões corporais
de cariz diversos dos grupamentos humanos presentes
nos períodos históricos brasileiros, que nos
permitissem promover aproximações com a luta
brasileira;
c) Os estudos que aludiram a influência de uma
matriz africana para a luta da Capoeira, apresentamse simplistas e desprovidos de quaisquer fundamentos
científicos;
Na perspectiva Micro
a) Os elementos factuais, documentais e orais
sobre a gênese da Capoeira para quaisquer dos
estados brasileiros, não nos permitem ainda elaborar
conclusões efetivas;
b) São superficiais e tendenciosos os estudos que
buscam determinar a origem da capoeira para
quaisquer dos estados brasileiros;
c) A presença da Capoeira simultaneamente em
muitos estados brasileiros, pode indiciar a prática de
distintas formas ou de distintos estágios de
desenvolvimento da luta brasileira nos diversos
períodos históricos brasileiros;
d) Foram pouco estudadas as distintas emanações de lutas registradas nas literaturas ou mesmo
de qualquer outro cariz, que concluísse pela
superioridade de um grupamento humano, seja ele
africano ou não.
Sendo assim, após tecer essas considerações
acerca da gênese da Capoeira, considerando a
inexistência em África de expressão similar in totum, e
acreditando que todos os grupamentos humanos
presentes no Brasil dos tempos idos possam ter
contribuído para a invenção da luta, estamos em crer,
ser esta expressão corporal uma forma de manifestação genuinamente nacional, restando-nos tão
somente, a identificação das matrizes e conseqüentemente dos grupos que em maior ou menor
grau concorreram para a sua estruturação.
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três primeiros quartos do século XVIII; 4º O ciclo da baía
de Benin entre 1770 e 1850, estando incluído aí o período
do tráfico clandestino.
3
Diégues Jr., Manuel. Etnias e culturas no Brasil, p. 106107. De acordo com os estudos realizados por Arthur
Ramos, pode afirmar-se a existência de grupos negros
entrados no Brasil, de conformidade com as culturas que
representavam. (...). a) Culturas Sudanesas, representadas
principalmente pelos povos iorubanos, da Nigéria (nago,
ijechá, eubá,ou egbá, ketu, ibadan, yebu ou ijebu e grupos
menores); b) Culturas Guineanos-sudanesas islamizadas
(...) : peul (fulá, fula etc); mandinga (solinke, bambara etc);
haussa; tapa,borem,gurunsi e outros grupos menores; c)
Culturas Bantas, constituídas por inúmeras tribos dos
seguintes grupos: angola-congolês e contra-costa.
4
Querino, Manuel. A Bahia de outrora, p.67. O Angola era,
em geral, pernóstico, excessivamente loquaz, de gestos
amaneirados, tipo completo e acabado do capadócio e o
introdutor da capoeiragem na Bahia
5
Araújo Maynard, Alceu. Cultura Popular Brasileira, p.102.
O excelente esporte de ataque e defesa, trazido pelos negros
de Angola, foi largamente praticado no Brasil onde
estiveram presentes os escravos daquele estoque racial
africano (...)
6
a) Carneiro, Edison. Negros Bantus, Cap. 2, Capoeira de
Angola, p.147. Divertimento velho no Brasil, a
capoeira.Tão velho, supponho, quanto o tráfico de negros
bantus...; b) Carneiro, Edison. Capoeira, p.3. Dá-se o
nome de capoeira a um jogo de destreza que tem as suas
origens remotas em Angola
7
Cascudo, Câmara. Folclore do Brasil, Capoeira, p.179-189.
“A unanimidade das fontes brasileiras indica a Capoeira como
tendo vindo de Angola”. “Sempre nos faltou a informação
africana sobre as origens da Capoeira no Brasil. Existe em
Angola a nossa Capoeira nas raízes formadoras (...).”
Ressaltamos que a posição de Cascudo foi fundada em
informações prestadas pelo etnógrafo e pintor Albano Neves
e Sousa, que aludiu ser a N’Golo a Capoeira, informação
esta, reconsiderada aquando de entrevista a mim concedida,
que culminou na produção de um novo ensaio.
8
a) Thompson, Robert Farris. Tough Guys do Dance,
p.138/140; Nestes textos o autor cita as seguintes expressões
ou movimentos: Yínama – bandama, tuumba; Knocking
and Kicking; Afro-cubana Maní ou Bombosa; Lagya
9
Na pesquisa em Lisboa, identificamos expressões de cariz
ritual e festivo dos países Costa do Marfim, Nigéria, Sudão,
Tanzânia, em que muitos dos seus movimentos assemelhavam-se aos da atual capoeira.
10
a) Barbosa, Alexandre. Guinéus, p.70-73; b) Quintino,
Fernando R. Lutas corpo-a-corpo e o jogo da “Mantampa;
c) Carreira, António. Mandingas da Guiné Portuguesa, Cap.
VII, Vida Mental – a) Jogos e entretens, p.215-219.; d)
Moreira, José M. Fulas do Gabú, Vida Psíquica, p.217-218.
11
Rocha, Luis C. Krummenauer. Praticando Capoeira. Teses
que comprovam a brasilidade da capoeira, p.10-13.
POSTURA aprovada pelo Conselho Geral em 01/02/1833.
Publicada 14/03 do dito ano.
POSTURA (Novas) Municipais da Cidade de Sorocaba,
aprovadas provisoriamente pelo Govêrno da Província pelo
Exmo. Governo da Província de 07/10/1850, que se acham
afecta a Assembléia Provincial. Título VIII – Sobre jogos, entrudos
e marcos nas ruas de ouro e prata. Art.151º.
POSTURA da Câmara Municipal da Vila de Cabreuva, de
14/09/1859. Art 39º.
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Notas
1
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2
Verger, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre
o golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos: dos séculos
XVII a XIX, p.9. 1º - O ciclo da Guiné durante a segunda
metade do século XVI; 2º - O ciclo de Angola e do Congo
no século XVII; 3º - O ciclo da Costa da Mina durante os
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12
13
Ayrosa, Plínio. Capoeira, p.335-347. a) significado Tupy;
b) significado português; c) Termo de significado popular
Edelweiss, Frederico. Apontamentos de folclore, p.47. As
roças dos tupis eram feitas como as que ainda se fazem.
Derrubavam a mata, queimavam o que podiam, enchendo
as clareiras de sementeiras ou plantações. Era a “co” na
língua deles. Alguns anos depois, cansado o terreno, era
abandonado e o mato ralo começava a tomar conta dele.
Chamavam-no então “co puera”, isto é, roça abandonado,
e que, na boca dos mestiços e civilizados, transformou-se
em “capueira”.
14
a) Freyre, Gilberto. Sobrados e Mucambos, tomo 2, p.455459, b) Avé-Lallemant, Robert. Viagem pelo Norte do
Brasil, v. 2., p.195-238; c) Costa, Maria de Fátima G. O
Brasil de hoje no espelho do século XIX, 2. ed., Rugendas
J.M. Negros em repouso, p.62/63.
15
Quando aludimos a quase inexistência de dados, levamos
em consideração de que a legenda elaborada por Herculano
Gomes Mathias para ilustrar a prancha 27 de Rugendas
denominada São Salvador, decorre de inferência fundamentada em dados que o seu autor possuía para
promover tal colocação e, portanto, seria este um dado a
ser considerado como indicativo da existência da Capoeira
em Salvador no mesmo lapso de tempo do Rio de
Janeiro.
16
Lima Campos. A capoeira, p.192.
17
Lacé Lopes, André L. A capoeiragem no Rio de Janeiro,
primeiro ensaio, p.39.
18
Os autores revistos foram: a) Sette, Mário. Maxabombas e
Maracatus; b) Duarte, Ruy. História Social do Frevo; c) Oliveira,
Valdemar. Frevo,”Capoeira e Passo”; d) Costa, F.A.Pereira da.
FolK-Lore Peranmbucano; Arquivo Público Estadual.
19
a) Bruno, Ernani Silva. História e tradições da Cidade de
São Paulo. v. 2. Atas da Câmara Municipal de São Paulo,
XXXVI, p.59 b) Novas Posturas Municipais da Cidade de
Sorocaba, aprovadas provisoriamente pelo Govêrno da
Província pelo Exmo. Governo da Província de 07/10/
1850, que se acham afecta a Assembléia Provincial. Título
VIII – Art. 151º; b) Postura da Câmara Municipal da Vila
de Cabreuva, de 14 de Setembro de 1859. Art 39º
20
Postura aprovada pelo Conselho Geral em 01 de Fevereiro
de 1833. Publicada em 14/03/1833;
21
Martins, Dejard. Esportes: Um mergulho no tempo,
p.179. Diário do Maranhão – 10/01/1877. “Tem sido
visto, por noites sucessivas, um grupo que, no canto escuro
da rua das Hortas sair para o largo da cadeia, se entretém
em experiências de força, quem melhor dá cabeçada, e de
mais fortes músculos, acompanhando sua inocente
brincadeira de vozarios e bonitos nomes (...)” ♦
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ARTIGO ORIGINAL
Culturas populares na formação
do profissional de educação física:
sentidos e significados do carnaval
Popular culture for qualification in physical education:
carnival aspects and meanings
Maria José Alves da Silva Oliveira, D.Sc.*
* Professora Adjunta da UERJ, Instituto de Educação Física e dos desportos,
Cadeira de Educação Física Folclore e Cultura Popular
Resumo
Os objetivos deste estudo consistem em: identificar os sentidos expressos nos discursos de populares praticantes do
carnaval; identificar, através do discurso veiculado por professores de folclore e cultura popular – em exercício em cursos de
formação de profissionais de Educação Física –, os sentidos referentes à manifestação do Carnaval; e analisar pontos de convergência
e/ou de divergência existentes nos discursos dos docentes e dos praticantes populares do carnaval. A investigação foi de natureza
qualitativa e de caráter exploratório. O instrumento utilizado foi a entrevista semi-estruturada. O corpus do estudo foi constituído
pelos discursos de dez informantes, sendo cinco praticantes do carnaval e cinco professores universitários do Rio de Janeiro.
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Palavras-chave: carnaval, folclore, cultura popular.
Abstract
The aims of this study were as follows: 1) to identify what underlies the Carnival spirit through the words of ordinary
people who take active part in Carnival festivities and professors of Folklore and Popular Culture actively engaged in training
Physical Education instructors; and 2) to analyze if the speech of these two groups appears to be alike or differ. It is a qualitative
and exploratory study and the instrument used is a semi-structured interview. The study corpus consisted of the speech of ten
speakers of which five were Carnival lovers and five were professors of university of Rio de Janeiro.
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Key-words: carnival, folklore, popular culture.
Artigo recebido em 20 de agosto de 2004; aceito em 22 de setembro de 2004.
Endereço para correspondência: Maria José Alves da Silva Oliveira, UERJ, Instituto de Educação Física e dos Desportos,
Rua São Francisco Xavier, 524, 20550-013 Rio de Janeiro, RJ.
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Introdução
Vivemos na atualidade um momento de
mudanças onde cada vez mais à compreensão da
cultura – nos seus diferentes matizes – torna-se
determinante para a compreensão de uma sociedade.
O modelo de pensamento construído em nossa
sociedade levou-nos a subestimar os valores, as crenças,
enfim, todo o aparato simbólico de que se valem as
pessoas para dar conta – de modo eficiente – do seu
cotidiano. Passamos a ignorar que a cultura seja ela
erudita ou espontânea, emerge dos discursos – no
cotidiano – de forma mesclada, misturada e, não raro,
marcada por profundas contradições.
Assim sendo, a cultura, enquanto conjunto
complexo de conhecimentos, crenças, valores e
costumes adquiridos pelos homens em sociedade,
tornou-se opaca; os significados, desligados das suas
raízes, tornaram-se pouco compreensíveis. Esquecemos que os termos indicam não uma divisão real,
mas uma diferença de julgamento.
A cultura popularesca 1, que é o espaço de
referencia entre a cultura erudita e a espontânea, no
modelo racional predominante na nossa sociedade,
tornou-se padronizada, veiculando uma visão de
homogeneidade que nos dá a ilusão de que as
contradições não existem2. As normas, valores e sinais
de pertencimento, que são partilhados de modo
simbólico pelos membros das diferentes comunidades,
perderam seu caráter polissêmico e, por conseguinte,
a capacidade de explicar o modo particular dessa
comunidade pensar, sentir e agir sobre o mundo.
Deixou-se de privilegiar a perspectiva que admite que
os sentidos se organizam num sistema simbólico que
reflete e regula as práticas sociais cotidianas. A propósito,
Ferreira e Eizirik observam que “isso é vivido de tal
forma pelos agentes sociais que passa a representar
para o grupo o sentido de verdadeiro”.
Nesta perspectiva, com a qual concordamos, as
relações sociais apresentam dimensões físicas, materiais
e simbólicas. Segundo Ferreira e Eizirik , isso implica
dizer que “as crenças, os mitos, os tabus se concretizam
em práticas sociais coletivas, expressão de aspirações e
de motivações dos integrantes do grupo”.
O não reconhecimento desta microcultura, que
se constrói no cotidiano de cada comunidade em
particular, implica o desconhecimento dos processos
eleitos em cada uma delas para dar conta da
construção efetiva da cidadania. Ignorar esta cultura,
este caudal de onde emerge a cidadania, e tomá-la
como uma coisa dada, e não como um espaço onde
se opera a passagem da não cidadania para a cidadania.
Urge, portanto, que mergulhemos neste microespaço vivo e efervescente para que possamos
conforme Ferreira “recuperar o sentido do agir humano
nem sempre pilotado pela razão ou consciência”.
Em que pese à forca dos argumentos a favor
da incorporação do estudo deste cotidiano para
compreender a cidadania e, por conseguinte, do
imaginário que lhe dá consistência, esta nem sempre
tem sido a postura da universidade brasileira.
Arroyo admite que os profissionais de educação,
e diríamos particularmente os de Educação Física,
via de regra, tem-se respaldado em referenciais de
cidadania que não a valorizam como produto de uma
construção em que a liberdade é sua referencia básica.
Assim, desvalorizam a visão de cidadania enquanto
cidadania possível3, isto é, a cidadania que se constrói
a partir de condições concretas e objetivas. Ainda neste
sentido, Ferreira observa que “é importante que os
professores conheçam o paradigma liberal de
cidadania para que possam cotejá-lo com a nossa
cidadania efetiva, identificando os desvios e as
contradições”.
Cabe aos profissionais de terceiro grau investir
em estudos que possam resgatar a verdadeira
dimensão de cidadania plena. Segundo Costa, cabe
a eles contribuírem para a organização de um novo
tempo onde o desenvolvimento, a renovação e a
identificação de valores culturais legitimados sejam
a alavanca para a modernização da sociedade como
um todo.
Os caminhos e descaminhos de construção da
cidadania precisam ser visitados e revistados,
compreendidos e explicitados. Segundo Ferreira, isto
implica dizer que a comunidade precisa ser vista de
modo especial, a partir e nas suas ações cotidianas
como produtora cultural de representações. Quer
dizer, não bastam estudos das condições efetivas da
educação, mas também torna-se necessário o
conhecimento do campo simbólico, onde se integra
e se realiza o cotidiano educacional.
É neste contexto que acreditamos que a
Educação Física se inscreva enquanto atividade capaz
de contribuir para a construção da cidadania e,
sobretudo, de um modelo de universidade que,
rompendo com o modelo vigente, privilegie a
construção do saber a partir da montagem de
relações não-verticalizadas com as comunidades
periféricas.
Trata-se de uma perspectiva de Educação Física
que não se conforma mais com os modos tradicionais
de apropriação do saber em que o modus faciendi
do cidadão comum não era considerado relevante.
A visão que nos respalda aqui emerge de uma
concepção de universidade polemizadora, rebelde,
que permanentemente questiona, faz e refaz o seu
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
modo de lidar com a cultura e a ciência. Neste sentido,
concordamos com Buarque quando ele admite que a
universidade tem a missão de organizar a rebeldia
intelectual como forma de revolucionar permanentemente o pensamento nas ciências, nas artes, nas
tecnologias e nas reflexões filosóficas, fortalecendo
as condições de formação dos cidadãos para que
estes possam usar esta rebeldia no processo de criação
material e cultural da sociedade.
A universidade não pode mais organizar a cultura
para a comunidade, mas sim a partir de uma
comunidade. O intelectual que precisamos formar
tende para o perfil do intelectual orgânico, no sentido
de Gramsci. Intelectual que, no seu fazer cotidiano,
confere à Educação Física uma dimensão sóciohistórico-político-cultural que a torna densa e prenhe
dos significados legitimados que emergem da cultura
popular. Intelectual que explora, enfim, a polissemia
do termo cultura, na perspectiva de apreender os
diferentes caminhos de construção da cidadania.
Mas, afinal, em que medida estamos formando
este profissional?
Desde a década de 60, as universidades brasileiras vêm formando profissionais a partir da idéia
de currículo mínimo (Parecer 894/ 69, Resolução 69/
69 do Conselho Federal de Educação – CFE). Esta
idéia, no campo particular da Educação Física,
contribuiu para a produção de profissionais pouco
sensíveis às peculiaridades locais, pouco críticos e,
sobretudo, despreparados para compreender os
traços que compõem a identidade dos diferentes
grupos que convivem em nossa sociedade. Por conta
disto, deixavam estes profissionais de privilegiar em
suas propostas metodológicas as singularidades que
mostram como a cidadania efetivamente se constrói.
Com a emissão da Resolução 03/87 (CFE),
tivemos uma substancial mudança no modo de
conceber a formação dos profissionais de Educação
Física. Esta resolução, a um só tempo, resgatou a
autonomia das universidades, rompeu com a idéia
de currículo mínimo e priorizou o respeito às
peculiaridades locais das diferentes regiões onde se
instaura o curso universitário. Além disso, estabeleceu
eixos articuladores para balizar o curso, o que sugere
uma mudança de atitude diante da Educação Física.
A propósito, o Parecer 215/ 87 do CFE admite que
“mais do que uma mudança de estrutura curricular
impõe-se uma mudança de atitude por parte destes
profissionais e das leis que a forma”.
Isto quer dizer que a reformulação do curso de
formação universitária em Educação Física atende as
condições necessárias, em nível legal, para a formação
de profissionais críticos, engajados e competentes
política e tecnicamente. Entretanto, fica claro também
na Resolução 03/87 que a formação mais adequada
de profissionais depende de uma mudança de atitude
destes educadores, sobretudo dos que atuam na esfera
da docência em cursos de formação nesta área.
Admitimos que, sendo os profissionais
universitários de Educação Física responsáveis pela
interpretação e veiculação dos referenciais, inclusive
os de cidadania, contidos na Resolução 03/87, seriam
eles pessoas que reúnem possibilidades para suscitar
mudanças de atitude em seus alunos.
Consciente de que estas modificações têm mais
possibilidades de ocorrer nas disciplinas que lidam
com a cultura popular e o folclore, optamos por
constituir os objetivos do presente trabalho a partir
de estudo relativo a disciplina Folclore e Cultura
Popular no curso de formação profissional em
Educação Física.
Propomo-nos, pois, a investigar em que medida
os sentidos veiculados no discurso dos professores dos
cursos de graduação em Educação Física se aproximam
dos sentidos veiculados no discurso dos praticantes da
comunidade em relação à festa do carnaval.
Dentre as diferentes manifestações do folclore
e da cultura popular, o carnaval constitui uma fonte
privilegiada para a compreensão dos valores e
costumes da sociedade brasileira – e do modo singular
como esses valores e costumes vem sendo, ao longo
de sua trajetória histórica, percebidos e partilhados.
Estas práticas festivas tornam-se relevantes para a
compreensão da lógica que ordena as relações das forças
simbólicas que aí são expressas na integração do homem,
de seu corpo, de seus sentidos e sentimentos.
Os objetivos do estudo são: a) identificar os
sentidos expressos no discurso de populares
praticantes de carnaval; b) identificar, através de
discurso veiculado por professores de Folclore e
Cultura Popular em exercício, em cursos de formação
de profissionais de Educação Física, os sentidos
referentes à manifestação do carnaval; c) analisar
pontos de convergência e/ou de divergência
existentes nos discursos dos docentes (professores
universitários de Folclore e Cultura Popular) e dos
praticantes populares de carnaval.
Em função dos objetivos, foram formuladas
questões orientadoras para investigação: a) os
professores universitários da disciplina Folclore e
Cultura Popular veiculam em sua pratica profissional
significados legitimados pela cultura popular em relação
ao carnaval? b) que sentidos predominantes (latentes,
emergentes, e instaurados) a manifestação carnaval
podem ser encontrados nos discursos dos professores
universitários de Folclore e Cultura Popular e dos
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praticantes populares de carnaval? c) há convergências
e divergências nos sentidos predominantes veiculados
pelos discursos destes dois segmentos?
Neste contexto, considerando-se que, dentre as
diferentes manifestações populares o carnaval emerge
como uma das expressões mais típicas do folclore
nacional, e considerando-se que esta manifestação
(carnaval) mostra como a cultura popular se constrói
e perpassa as representações que norteiam a vida das
pessoas, optamos por elegê-lo como categoria para
a nossa investigação.
Interessa-nos o estudo do carnaval porque
percebemos que a forma de representá-lo tem
implicado modos variados de conceber o corpo e a
ludicidade, e de trabalhar com a expressão corporal
socialmente aceitável para cada contexto. O carnaval
desvela modos variados de conceber as disciplinas
corporais instituídas pela ordem social e os diferentes
modos de se contrapor a elas.
Como festa caótica que é, ancorada no seu sentido
etimológico polissêmico – festa da carne –, o carnaval
nos sugere re-visitar os processos de constituição das
normas instituídas para o exercício da expressão
corporal durante os folguedos na atualidade.
O estudo desta manifestação cultural, marcado
pelo toque de Midas do negro4, pode revelar ao
mesmo tempo como o negro vem resistindo às
pressões do discurso oficial e como vem negaceando
e negociando sentidos para preservar sua identidade.
Ao sugerir a abolição temporária das margens
do socialmente aceitável, o carnaval permite a
compreensão do corpo em diferentes dimensões.
Permite-nos compreender, por exemplo, como os
membros das comunidades concebem a idéia de
participação nesta festa popular em que o povo
fazedor de carnaval passa a condição de figurante e
o leigo de condição social privilegiada e alçado à
condição de destaque.
O estudo do carnaval do Rio de Janeiro permitenos, sobretudo, mostrar que as comunidades que fazem
o carnaval não aceitam passivamente a disciplina imposta
pelas entidades oficiais organizadoras da festa (Riotur,
Liga das Escolas de Samba, etc.), as quais, ao mesmo
tempo que lhes “inventam” a liberdade, inventam e
exercitam processos de conformação dos corpos,
inscrevendo-os no campo do risível, do caricatural.
Este estudo permite-nos também cotejar o
modo de apropriação desta festa (carnaval) por parte
dos docentes da disciplina Folclore e Cultura Popular,
como a visão desta manifestação na perspectiva dos
populares, reais fazedores de carnaval.
O presente estudo é de natureza qualitativa e de
caráter exploratório. Inscreve-se na esfera dos estudos
descritivos e interpretativos. Pauta-se, sobretudo, na
tentativa de dar conta de uma situação social particular,
utilizando-se de várias fontes de informação. Para a
coleta de dados, utilizamos a entrevista semi­
estruturada. “Referenciais para a Análise do Discurso”.
Na análise dos dados coletados, buscamos
respaldo na Análise do Discurso, com base em
fragmentos discursivos dos autores Orlandi, Bakhtin
e Brandão. Este instrumental metodológico se
organiza a partir de uma matriz teórica de análise,
que visa a dar conta dos sentidos latentes, emergentes
e instaurados, cujas marcas, coexistentes, podem ser
captadas através do intradiscurso5.
Por discurso entendemos o espaço de conflito
permanente onde o outro exerce papel fundamental
na constituição do sentido. Nesta perspectiva, o
dialogismo que marca a identidade do discurso tornase tributário da heterogeneidade.
A relação de um discurso com outros estabelece
uma espécie de jogo em que os sentidos flutuam de
acordo com a influencia que estes exercem sobre o
discurso referencia. Torna-se relevante, neste caso, não
apenas o estudo da homogeneidade, mas, sobretudo,
das características destas interfaces, desta heterogeneidade que passa a condicionar o ritmo dos
movimentos do discurso.
O conceito de formação discursiva passa a ser
visto, então, não como uma linguagem para todos, como
era usual, mas como várias linguagens em uma única.
Torna-se relevante neste tipo de análise a
compreensão da emergência do diferente, do
contraditório, do subjacente. Isto implica a
compreensão da emergência do diferente, do
contraditório, do subjacente. Isto implica a
compreensão da formação discursiva – conceito
nuclear da Análise de Discurso – não como um bloco
compacto e coeso que se opõe a outras formações
discursivas, mas como uma formação que carrega
na sua constituição o heterogêneo sem fronteiras fixas
estabelecidas. Portanto, a formação discursiva e
concebida aqui como uma formação vazada por
várias formações discursivas, o que nos remete
necessariamente as relações interdiscursivas.
Ao se conceber a heterogeneidade, como a
entendemos nesta proposta, a noção de interdiscurso
sofre uma sensível mudança: o ethos 6 (marca
individual do sujeito) ganha a dimensão de mediador
entre o homogêneo e o heterogêneo, entre o um e o
outro, e o outro no um. Assim sendo, ao lado da
polifonia, no sentido de Bakhthin, que antes apenas
dissolvia o sujeito que se desloca na sua ânsia de
completude, salpicando a sua trajetória com marcas
da sua individualidade.
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
A análise do enunciado como unidade autônoma passa a não ser suficiente para a compreensão
do discurso. Torna-se relevante, portanto, compreender os processos dinâmicos que propiciam a
emergência deste discurso, remetendo-o a seu espaço
de origem. Refiro-me ao espaço de enunciação, onde
o discurso sob a forma de intradiscurso ganha
consistência e materialidade7.
Ao nos posicionarmos assim, queremos
demarcar a existência de um conjunto de crenças e
valores que, se por um lado emergem no discurso
enquanto marcas de uma coletividade, por outro
emergem como singularidade na fala dos atores sociais.
Cumpre-nos, portanto, observar que o não­ dito
se esgueira pelos interstícios das palavras, pelos
espaços vazios, pela penumbra, enfim, pelos caminhos
da dissimulação, tal como observou Olivenstein.
Não pode haver teorização causal ou interpretativa do não-dito, sob pena de se cair no folclore. A
teoria do não-dito e a não-teoria: uma seqüência ampla
e flexível que se modifica à vontade. Não existe uma
estruturação do não-dito como existe por exemplo
uma estruturação da libido na teoria freudiana. Há
herança transmitida ao pé do ouvido, no segredo e,
por outro lado, trabalho de construção e destruição
permanente, de adesão e de dúvida, de distância e de
proximidade instantânea.
A referência que fazemos neste estudo ao espaço
do não-dito não é para dizer que dele vamos dar
conta, mas para mostrar que estamos cônscios de
que ele vagabundeia sorrateiro e perspicaz por entre
as palavras, postergando sempre a sua chegada, não
damos contas de marcas, pistas dos desbocamentos
do sujeito, mas jamais do seu posicionamento real.
Em nosso processo de análise, vamos prestar
especial atenção aos deslocamentos do sujeito e a sua
forma singular de enunciar, tentando situar seu
enunciado no seu espaço de enunciação, tentando
compreender o jogo das interfaces discursivas. Vamos
levar em conta que “sem dito não há não-dito, que
sem não-dito não mais dito. Há ordem, morte”
(Olivenstein).
A propósito, Orlandi observa que “o implícito
e o não-dito que se define em relação ao dizer. O
silêncio, ao contrário, não é o não-dito que sustenta o
dizer mas aquilo que é apagado”. A constituição da
nossa matriz teórica de análise baseia-se no
pressuposto de que no discurso coexistem: a) o sentido
latente; b) o sentido emergente; c) o sentido instaurado.
O sentido latente é produto de processos
históricos variados, emerge enquanto reminiscência
discursiva, resquício de memória. Ele nos permite
compreender a instabilidade como elemento cons-
titutivo do discurso. O já-dito, inevitavelmente disperso
pelo discurso em construção, marca sua filiação
mostrando que ele nasce de um discurso anterior
apontando para um outro.
A configuração semântica do discurso muda à
medida que fragmentos dos discursos são incorporados a um discurso novo. Os sentidos latentes
contidos nestes fragmentos tendem, assim, a marcar a
dinâmica de constituição dos discursos, propiciando a
emergência de novos sentidos. Funcionam como o
substrato dos sentidos emergentes e instaurados, sem
pertencer exclusivamente a nenhum deles. Situam-se
na esfera do silêncio constitutivo, encontram-se no
ponto de ruptura entre o sentido apagado e o
privilegiado. Eles apontam para o não-dito enquanto
para excluída, apagada, colocada de lado Diferenciamse do implícito que, no nosso entendimento, está ao
lado do sentido instaurado. Representam, enfim, aquilo
que é preciso não dizer para que o texto se feche, seja
coerente, não-contraditório.
O sentido emergente encontra-se no nível da
dialogicidade ante o discurso hegemônico e o nãohegemônico. Opõe-se ao discurso instaurado e
encontra-se comprometido com os sentidos latentes.
Aponta para a polissemia ampla (sentidos latentes), mas
emerge sob a forma de paráfrase. Não afronta
diretamente discurso hegemônico; atua escamoteando
os sentidos privilegiados por aquele; reapresenta pontos
de resistência. Seus efeitos mostram divergência. A
longo prazo, instituem a ruptura com o discurso
hegemônico e tendem a instalar uma nova ordem.
A emergência deste sentido mostra a todo
instante que, como diz Robert Schwart, apud Orlandi,
“as idéias não têm um lugar, têm muitos”. Isto implica
dizer que os sentidos são sempre relativos, que as
idéias não têm lugar absoluto.
O sentido emergente guarda íntima afinidade
com o sentido latente. Ele possui história, seu processo
de constituição não rompe com os sentidos latentes
que compõem o imaginário social do espaço de onde
emerge, ele apenas desliza seus sentidos. Entretanto,
este processo de deslizamento, que se dá por força
do confronto com o discurso hegemônico, ofusca
sua ligação com uma história de constituição dos
sentidos, isto é, com o lugar onde foram efetivamente
construídos. Em conseqüência, estes sentidos se
mostram com a aparência de deslocados, isto é,
despossuídos de uma carga semiótico-semântica que
os liga efetivamente a um espaço em particular.
Portando, constitui tarefa, através da análise, recolher
pistas, compreender e tentar explicar este processo
de recomposição que se dá a conhecer sob a forma
de deslocamento de sentido.
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O sentido instaurado inscreve-se na esfera do
discurso hegemônico. Sua eficácia se produz a partir da
criação da idéia de deslocamento real. Atua de forma
indiscriminada, criando certeza. Sua força aumenta à
medida que cria a idéia de que os sentidos não emergem
de um processo histórico. Assim sendo, o discurso
instaurado trabalha com a perspectiva de que o sentido
é, ao contrário do emergente, que o admite como
processo onde o sentido está sendo. O silêncio, na
perspectiva do sentido instaurado, coincide com o
implícito. Esta manobra ocorre por conta da ideologia.
O sentido instaurado, no nosso entendimento,
coincide com a interdição, com a censura: o sujeito é
impedido de inscrever-se em formações discursivas
determinadas.
Torna-se importante observar nos movimentos
deste discurso os processos que respondem pelo
recalque, pelos sentidos não­ privilegiados, excluídos
do processo de enunciação. Este discurso nos ajuda
a compreender a interferência da ideologia no
discurso, isto é, o modo como a organização do
sentido é trabalhada pela ideologia. Além disso,
permite compreender os movimentos do discurso
emergente.
Não quereremos dizer com isso que haja
oposição entre ambos. Não se trata de um jogo
posicional mas, sobretudo, de um jogo estratégico.
Ambos, discurso instaurado e discurso emergente,
transitam na esfera do jogo.
O primeiro jogo aposta na possibilidade de
aprisionar o significante, enquanto o segundo negaceia8
negando de forma velada esta possibilidade. É
sobretudo a idéia de movimento que está por trás deste
jogo. Não há limites para cada um deles, não há
margens pré-estabelecidas, apenas a insustentável leveza
dos sentidos que teimam em flutuar, deslocando-se
do parafrástico ao polissêmico sem regras fixas que
lhes possam determinar a emergência neste ou naquele
espaço. Constitui, portanto, tarefa da análise recolher
marcas, pistas que remetem a tentativas de aprisionamento do significante do discurso.
Características do grupo amostral
A parcela do grupo amostral, referente aos cinco
docentes de Folclore e Cultura Popular, atua há mais
de cinco anos em cursos de formação universitária
de profissionais de Educação Física, no Estado do
Rio de Janeiro, e é formada por profissionais que
detêm experiência no meio acadêmico. A outra
parcela do grupo se refere aos cinco praticantes de
carnaval, residentes no Morro da Mangueira, que
atuam há mais de cinco anos como membros da
escola de samba do mesmo nome. Destacam-se entre
estes atores socais: dirigentes da escola de samba
Estação Primeira de Mangueira, membros da ala
velha-guarda, Mestre-Sala e Porta-Bandeira, entre
outros. A metodologia aplicada para seleção das duas
amostras foi a da escolha proposital.
Consideramos satisfatório o grupo amostral
constituído para este estudo, pelas razões enumeradas
a seguir. Em Análise do Discurso parte-se do
pressuposto de que as formações discursivas
moralizam com relativa eficiência os discursos dos
atores sociais. Por esta razão, não necessitamos de uma
grande amostra para verificar marcas homogeneizadoras ou hetero­geneizadoras presentes nos
discursos. Em outras palavras, podemos dizer que o
grupo amostral constituído e suficiente para verificar
as tendências discursivas das populações estudadas.
Além disso, os deslocamentos do sujeito, bem
como os sentidos que emergem do espaço do dito
ou do não-dito, podem ser captados satisfatoriamente
através dos discursos do grupo amostral que
constituímos. Vale frisar que para se aprender os
movimentos do interdiscurso, a relação de um discurso
com outros discursos, não são necessários grandes
grupos amostrais, mas apenas grupos com discursos
qualitativamente diferentes (como é o caso dos grupos
apresentados, de professores e de praticantes de
carnaval), desde que se determinem eixos comuns de
análise, como é o caso apresentado.
As perguntas contidas no roteiro da entrevista
visavam dar conta de sentidos predominantes na
representação do carnaval, presentes nos discursos dos
professores de Folclore e Cultura Popular dos cursos
universitários de Educação Física do Estado do Rio
de Janeiro e nos discursos dos praticantes do carnaval.
O estudo revelou que nos discursos de ambos
os grupos, professores e praticantes, ocorrem
movimentos de aproximação e distanciamento dos
atores sociais em relação a duas idéias, que
convencionamos denominar neste estudo de entrudo
e padronização. O primeiro termo remete a idéia de
polissemia, de abertura, enquanto o segundo remete
a de fechamento, de monossemia.
Os sentidos que se aproximam do entrudo
tendem a coincidir com o carnaval simples e
espontâneo do povo. Predomina neste a idéia de
brincadeira descompromissada, a idéia de caos. Por
outro lado, os sentidos que migram em direção a
padronização tendem a inscrever a festa carnaval nas
proximidades da seriedade. Neste caso, o riso perde
parte de sua plasticidade e fica, via de regra, restrito
aos limites da ironia. Tal movimento restritivo, porém,
não possui a força necessária e suficiente para
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
desequilibrar o discurso e inscrevê-lo de forma
definitiva no espaço do riso reduzido.
Ocorrem, nos discursos dos atores sociais,
movimentos pendulares que fazem o sujeito
constantemente oscilar entre a afirmação e a negação
do riso, no sentido rabelaisiano descrito por Bakhtin.
Podemos dizer que os sentidos da festa carnavalesca,
que se opõe à padronização, mostram que o riso não
se contenta com o lugar que se lhe destina nesta visão
de carnaval. Ele se recusa a permanecer “bem
comportado” nos limites estabelecidos por este
sentido de carnaval marcado pela predominância do
artificialismo e, sobretudo, pela tendência a não
considerar as margens como parte constitutiva da
dinâmica de seu processo de construção. Na prática,
isto significa dizer que o riso verdadeiro, amplo,
transformador, tende a vazar e a emergir dos
discursos, mostrando uma visão de totalidade do
mundo. Neste sentido, ele se opõe – de forma velada
ou ostensiva – ao riso caricatural de sentido reduzido,
restrito, da festa carnavalesca.
O riso não-reduzido questiona a ilusão de
aprisionamento de um sentido do riso contido na
padronização. Nesta perspectiva, o riso carnavalesco
transcende a esfera da ironia, do escárnio, do riso
parcial que não aponta para a totalidade. É portanto
este movimento de oscilação, de vaivém, que o
discurso dos atores sociais revela.
Os fragmentos discursivos analisados neste
trabalho apontam para movimentos irregulares do
sujeito, ora em direção ao riso reduzido (padronização),
onde se dimensiona a festa carnavalesca na perspectiva
do divertimento ligeiro, “ou uma espécie de castigo
útil que a sociedade usa para os seres inferiores e
corrompidos”; segundo Bakhtin, ora em direção ao
riso universal amplo (entrudo), onde, ao contrario,
admite-se que o que é essencial e importante pode
inscrever-se na esfera do cômico. Nesta perspectiva,
explora-se o uso de sentidos positivos associados à
festa do Carnaval. E sobretudo a totalidade que se dá
a conhecer nesta visão, através de sentidos latentes e
emergentes, apontando para uma constituição diferente,
transformadora dos sentidos da festa carnavalesca.
Embora existam fortes indicadores de atitudes
de resistência frente aos sentidos privilegiados pela
padronização, de modo geral o que predomina nas
entrevistas é esta perspectiva. Assim sendo, o carnaval
construído pelo discurso destes atores sociais,
conside­rando-se principalmente os depoimentos dos
professores de Folclore e Cultura Popular, tende a
transitar sobretudo na esfera da ironia, do caricatural,
conferindo ao discurso uma perspectiva estética
aparentemente não coincidente com a visão dos
praticantes do carnavalesco: a festa carnaval reduzida
à dimensão do samba-enredo, o que sufoca e limita
seus sentidos múltiplos, sua polissemia a uma dimensão
quase monossemia, na qual a fluidez e a dinamicidade
errante do carnaval tendem a não ser privilegiadas.
A tendência à monossemia, ao fechamento,
aparece nos discursos de ambos os grupos. Isso quer
dizer que existe uma divergência discursiva que os
torna fortemente afetados pela padronização. Há,
todavia, pontos de divergência significativos entre os
discursos de professores de Folclore e Cultura Popular
e os de praticantes do carnaval, se considerados
separadamente. Ou seja, enquanto no primeiro grupo
(professores) predomina uma forte tendência a
padronização, havendo uma quase homogeneidade
em relação a esta perceptiva, no segundo grupo esta
tendência tornasse mais fraca, o que fortalece os
movimentos em direção ao entrudo, a polissemia, a
abertura de sentidos da festa carnavalesca.
Estas tendências nos sugeriram que o processo
de análise e interpretação dos dados deveria ser
realizado em dois movimentos diferentes. O primeiro,
que denominamos endógeno, preconizava a análise
isolada de cada grupo. Verificamos, assim, movimentos de aproximação e afastamento de cada grupo
em relação ao entrudo e a padronização. O segundo
processo, que denominamos exógeno, visava mostrar
como cada grupo se comportava em relação ao outro.
Verificamos, assim, os pontos de convergência ou
divergência discursiva entre os grupos. Estes foram,
em linhas gerais, os procedimentos que nortearam os
processos de análise das entrevistas.
Os processos discursivos investigados apontaram representações da festa carnavalesca que
implicam emergência de marcas que ora caminham
na direção de convergência de sentidos, ora no
caminho inverso. Este processo oscilante, contraditório, perpassa os discursos de ambos os grupos
pesquisados, mostrando que as mudanças que
aparecem na superfície discursiva podem não
corresponder ao que está silenciado na estrutura
profunda do discurso (não-dito).
As incongruências que afloram à superfície
discursiva têm que ser cautelosamente avaliadas sob
a égide das condições de produção, porquanto são
elas, em última análise, que dão conta dos deslocamentos do sujeito e conferem a logicidade e a
respectiva noção de fechamento aos textos. Nesta
perspectiva, o estudo das contradições remete a
processos de resistência ao discurso hegemônico,
denunciando a existência de fragmentos discursivos
que apontam para dimensões da festa carnavalesca
ainda pouco exploradas.
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Na expectativa de balizar e conferir maior
consistência à análise e a interpretação das informações,
apropriamo-nos das idéias de entrudo e padronização
já referenciadas no texto para dar conta dos pedaços de
memória (latências) dispersas nas produções discursivas
dos atores sociais; e, sobretudo, para a forma como eles
se organizam no discurso sobre o carnaval atual.
O estudo revelou a ocorrência de uma tendência
do grupo de professores de Folclore e Cultura
Popular a convergir na direção da marca lingüística
escola de samba. Nesta perspectiva, os discursos deste
grupo foram influenciados pelo sentido que o discurso
hegemônico privilegia nesta marca, qual seja, o de
“escola” enquanto espaço formal de aprendizagem
e troca de conhecimentos. Tal se verifica apesar da
significância dos discursos que denunciam a pouca
legitimidade do discurso hegemônico, como
podemos observar no recorte que abaixo:
Hoje em dia eu vejo o carnaval na escola de samba e sinto
uma tristeza muito grande eu vejo um poderio, uma
hegemonia cultural muito grande. (Informante 10)
De modo geral, os membros deste grupo
tendem a não questionar de forma intencional e
sistemática esta visão reduzida do carnaval, que tende
assim a ser visto como catarse.
Por outro lado, o grupo de praticantes, de forma
velada ou ostensiva, frontaliza-se com este discurso, como
e exemplificado pelo informante 4, no recorte abaixo:
Hoje, o carnaval sofreu uma influência totalmente
diferente daquela que foi concebida anteriormente; a
pureza, aquela pureza que (... ) vinha assim do fundo
do coração, essa pureza eu creio que existe muito pouco,
porque os sambistas naturais conceberam a idéia de
carnaval como se fosse uma forma de alegria, uma
forma de... sonho... assim como se fosse uma utopia.
E num outro recorte, ao responder a perguntachave ele diz:
Eu faria um efeito todo vindo da alma que [não]
seria nada destas fantasias mirabolantes, destas
fantasias pesadas, essas alegorias que se colocam nada
disso (sic). Isso daí foi uma forma de engodar o povo.
A verdadeira essência [do carnaval] ela acabou.
(Informante 4)
Assim sendo, o grupo de participantes tende a
não se conformar com a visão sustentada pelo
discurso hegemônico, propondo uma visão de
carnaval que transcende a perspectiva visual e de
samba do carnaval atual.
Se eu fosse idealizar um carnaval eu entraria na
avenida fazendo todo o povo sonhar que está vendo
uma coisa mas, que na realidade, o que estava vendo
era outra totalmente diferente. (Informante 4)
Caminha, portanto, o informante na direção do
carnaval de sentido aberto, polissêmico, aproximandose da perspectiva rabelaisiana de carnaval, que investe
na constante e produtiva emergência de sentidos.
Verifica-se assim, comparando-se ambos grupos, certa
divergência, porquanto na mesma marca lingüística
sentidos diferentes são priorizados.
Com relação à marca participação ocorre o mesmo,
pois enquanto nos discursos dos professores de Folclore
e Cultura Popular esta marca remete, sobretudo, ao
divertimento ligeiro, a catarse, no discurso dos praticantes
ela ganha a dimensão de “oportunizadora” da
preservação da identidade do grupo.
Assim sendo, enquanto o professor de Folclore
e Cultura Popular vê o praticante de carnaval como
um integrante de uma Escola apenas, este se vê como
um membro de uma família (a família Mangueirense,
por exemplo), para quem o desfile constitui apenas
um dos muitos momentos de encontro, de interação
desta família. Há, portanto, algo mais forte que os
une. O professor de Folclore e Cultura Popular não
capta o sentido da marca Nação Mangueirense, que,
sob a égide do símbolo da Escola (a bandeira), abriga
um grupo que se singulariza por lutar pela preservação de sua identidade, de sua forma singular de
ver, sentir e realizar o carnaval.
Há também uma certa divergência no que tange a
apreensão dos sentidos desta marca. O estudo nos mostra
que as convergências intra­grupais deslocam os grupos
para espaços diferenciados, favorecendo a captação de
certos sentidos que o outro grupo não privilegia. Isto
provoca movimentos de convergência intragrupal (no
mesmo grupo) que respondem pela ocorrência da
homogeneidade discursiva de cada grupo. Entretanto,
como o discurso de ambos os grupos é caracteristicamente “poroso”, isto é, vazado pela heterogeneidade, o que na prática se verifica é a emergência de
um discurso gingado, contraditório, oscilante.
Assim sendo, embora os discursos tenham
caminhado para o predomínio de uma divergência
discursiva intragrupal, estes pontos de contato
(heterogeneidade), que na verdade representam a
existência de marcas do discurso do “outro”,
favorecem a construção de processos discursivos
diferenciados. Em outros termos, isto quer dizer que
quanto mais integração ocorrer entre os grupos
(professores de folclore e Cultura Popular e praticantes do Carnaval), mais ampla e mais profunda será
a mudança dos discursos de ambos.
Aqui, portanto, está o ponto mais delicado do
processo, porque o discurso acadêmico tem uma
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
tendência universalizante, enquanto os discursos dos
praticantes têm um viés singularizador. Logo, se a
universidade não tiver a sensibilidade necessária para
captar os senti­dos que emergem do discurso do
“outro”, cor­re o risco de captar apenas a literalidade;
e, pior que isto, de impor esta visão como única e
verdadeira. A universidade precisa rever seu
posicionamento e reavaliar seus métodos, para poder
efetivamente transformar sua práxis e oferecer uma
real contribuição àqueles que nela buscam não o
conhecimento apenas, mas, sobretudo, compreender
e se apropriar dos processos que tornam o
conhecimento possível.
Conclusão
É preciso, portanto, que a universidade, exercite
o hábito de ir a comunidade como quem vai a uma
roda de capoeira, com o espírito aberto para jogar
não o jogo das palavras, mas, sobretudo, o das
crenças, dos valores e sentidos privilegiados por
aqueles atores sociais; com os ouvidos aguçados para
ouvir não só a “música” que ela tradicionalmente
admitiu como correta, mas também aquela que os
atores sociais produziam de forma legítima e que
corresponde às notas que se harmonizam com um
modo singular de se expressar; e, finalmente, com os
olhos atentos para não deixar que a beleza da ginga e
das negaças dos atores sociais impeçam-na de
aprender que os movimentos e as evoluções que ali
se apresentam como “produto” são, na verdade, a
parte aparente de um intenso e profundo processo
dialético de continua criação.
A partir das interpretações do estudo, sugerimos
a criação nas instituições universitárias de núcleos
integrados de estudos e preservação do Folclore e
da Cultura Popular.
Visa-se, com isso, construir um espaço onde seja
preservada a memória cultural do País e onde os
estudantes universitários possam desenvolver-se com
atitudes críticas e éticas de investigação, preocupados
com o folclore e a cultura popular nas relações com
a construção da cidadania, a partir e com os construtores do carnaval no Rio de Janeiro.
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Notas
1
O termo cultura popular está sendo utilizado aqui na
perspectiva de Moraes, que o vê como sinônimo do termo
cultura espontânea. Vale ressaltar que o autor opõe o termo
cultura espontânea (ou popular) à cultura erudita.
2
Contradições surgidas no confronto entre o discurso
hegemônico e o não-hegemônico.
3
Este autor discorda da “tese da imaturidade política do
povo” e também da idéia de preparo para a cidadania.
Participação compreende cidadania não como doação mas,
sim como construção. Nesta perspectiva, Arroyo abre
espaço para que a cidadania seja vista não apenas como
algo vinculado à escola, mas sobretudo como algo que se
constrói no cotidiano, seja instrumental (onde a escola se
inscreve), seja no espaço não-escolar, onde os valores e
crenças da comunidade predominam.
4
A expressão “Toque de Midas do negro” busca uma
analogia como o rei Midas, cujo toque transformava tudo
em ouro. Nesta perspectiva, usamos a mesma idéia para
mostrar que a criatividade do negro, o seu “toque
original”, transformou o carnaval europeu no carnaval
brasileiro, cuja organização e movimentação não possui
paralelo no mundo.
5
Com este procedimento e de acordo com Brandão (1994),
afirmamos a nossa concordância com a visão de Maingueneau,
que não admite a formação discursiva como um bloco fechado
(homogêneo). Em contrapartida, opomo-nos à perspectiva
de Foucault, sustentada na Arqueologia do saber, na qual o
autor define formação valorizando apenas a homogeneidade
como elemento constituído do discurso, sem levar em conta
a heterogeneidade.
6
Filhos é entendido neste estudo na perspectiva de Votre,
que observa “o que se caracteriza como ethos de um locutor
seu tom específico, escapa à previsão e denota contradição,
ruptura, negociação, de alguma forma desautorizada a
expectativa, faz-se por razões que cabe investigar, e não
acontece por acaso”.
7
Por materialidade entendemos o espaço que confere sentido
ao intradiscurso. Assim sendo, a materialidade corresponde
à opacidade do discurso, a qual só pode ser transformada
em relativa transparência pela análise do espaço de produção
do discurso.
8
Negacear é um termo usado na acepção de dissimular; o termo,
neste sentido, baseia-se na idéia de subversão onde, sem
afrontar a ordem vigente, silenciosamente, constrói-se uma
outra ordem de sentidos prenhe de legalidade e identificada
com a perspectiva do falante que dela se apropria. ♦
$%
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
RELATO DE CASO
Programa Curitibativa – perfil de saúde
e aptidão física da população curitibana
Curitibativa program – profile of health
and physical aptitude of Curitiba‘s population
Silvano Kruchelski*, Rosemary Rauchbach**
* Especialista em Didática do ensino Superior – PUCPR, Secretaria Municipal do Esporte e Lazer – Curitiba,
Responsável científico pelo protocolo do adulto – Programa Curitibativa, ** Docente no Curso de Educação Física
UNLANDRADE, Coordenadora do Programa Idoso em Movimento, Secretaria Municipal do Esporte e Lazer – Curitiba,
Responsável científico pelo protocolo do idoso – Programa Curitibativa
Resumo
O Programa Curitibativa dentro de uma política de prevenção e qualidade de vida tem como um de seus objetivos a
avaliação da população curitibana que através de instrumentos específicos avalia: o nível de atividade física habitual, a estimativa
de risco cardíaco, o comportamento funcional corporal relacionados à força muscular (abdômen e mãos), flexibilidade, composição
corporal (IMC) e padrão de obesidade (ICQ) e ainda registra dados importantes de saúde como freqüência cardíaca, pressão
arterial, índices glicêmico e de colesterol. Foram avaliadas, 2843 pessoas, sendo: 1.798 mulheres e 1.045 homens. A população foi
classificada: em inativos ou levemente ativos, moderadamente ativos, ativos e muito ativos. Maior parte da população encontrase na faixa de moderadamente ativos (44,49%) e inativos ou levemente ativos (26,22%). A mulher curitibana tem uma prevalência
geral de atividade física habitual menor do que o homem, considerando todas as faixas etárias conjuntamente, mas com o passar
da idade torna-se mais ativa, ao inverso do homem. Índices preocupantes de risco cardíaco estão presentes em 7,96% das
mulheres e 13,34% dos homens. Níveis de força abdominal são significativamente mais altos em pessoas mais ativas em
comparação às pouco ativas, principalmente para os homens. A Relação Cintura-Quadril (RCQ) verificada apresenta mulheres
com maiores médias de risco (acima de 0,85) do que os homens (acima de 0,95), principalmente com o passar da idade e redução
do nível de atividade física habitual. De acordo com o Índice de Massa Corporal (IMC), a prevalência de obesos é de 15,7% dos
homens e 17,9% das mulheres e sobrepesos de 42,1% dos homens e 32,1% das mulheres, faixas de composição corporal que
inspiram cuidados relacionados à saúde, e que são progressivamente menos prevalentes quanto maior o nível de atividade física.
Índices de flexibilidade fraco ou regular estão presentes em 66,5% da população.A população avaliada apresentou índices de
glicemia acima da faixa recomendável (60 a 160 mg/dl) em 3,98% das mulheres e 4,47% dos homens, e prevalência de colesterol
na faixa de risco alto (acima de 240 mg/dl) em 6,35% das mulheres e 6,81% dos homens.
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Palavras-chave: atividade física habitual, saúde, perfil da população curitibana.
Artigo recebido em 22 de junho de 2004; aceito em 16 de agosto de 2004
Endereço para correspondência: Rosemary Rauchbach, Rua Castro Alves, 832 apto 6-B, Água Verde, 80240-270
Curitiba PR, Tel: (41) 2441242, E-mail: [email protected]
$&
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Abstract
The aim of the Curitibativa Program in a political sense of prevention and quality of life is to evaluate the population of
Curitiba. It checks out: the level of habitual physical activity, the estimation of cardiac risk , the corporeal functional behavior
related to muscular strength (abdomen and hand), flexibility, body mass and the obesity standard and also register important
data such as cardiac frequency, arterial pressure, glucose and the cholesterol levels. 2843 people (1798 women and 1045 men) were
evaluated. The population was classified as follows: inactive or slightly active, moderate active, active and much active, from these:
44,49 % are moderate active and 26,22% inactive or slightly active. Cardiac risk factors are present in 7,96 % women and 13,34%
men. Levels of abdominal strength are significant higher in people who are more active, mainly for men. In relation to waist-hip,
women show larger risk averages (over 0,85) than men (over 0,95). According to the Body Mass Index, the prevalence in obese
people is 15,7% men and 17,9% women and overweight people 42,1% men and 32,1% women. Poor and regular flexibility
index is present in 68,3% of the total population . The population evaluated showed glucose above the recommended level (60
a 160 mg/dl) in 3,98% women and 4,47% men and prevalence of cholesterol in risk level (over 240 mg/dl) in 6,35% women and
6,81% men.
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Key-words: habitual physical activity, health, Curitiba population profile.
Introdução
O Programa Curitibativa da Secretaria Municipal
de Esporte e Lazer surgiu em 1997 com o objetivo de
orientar a população do Município, sobre a importância
da atividade física para a qualidade de vida. Em sua
evolução histórica, deixou de só conscientizar e passou
a avaliar, para determinar o perfil de saúde e aptidão
física da população, e oferecer subsídios necessários
para a boa opção de um estilo de vida saudável. Nos
dias atuais abrange diferentes campos, da prática da
atividade a buscas de soluções fundamentadas em
dados cientificamente levantados. Considerando que a
população da cidade de Curitiba é de mais de 1.700.000
habitantes, uma demanda consideravelmente grande,
dentro dos padrões de desenvolvimento urbano, no
que diz respeito aos espaços de lazer e ofertas de
atividades que busquem a qualidade de vida, o
programa cresce como alternativa nas políticas de
Esporte e Lazer e qualidade de vida.
A forte influência da mídia nos últimos tempos,
que constantemente edita matérias relacionadas à saúde
e qualidade de vida, oportuniza às pessoas conhecimento sobre hábitos saudáveis relacionados
principalmente à alimentação e exercícios físicos, e
desta forma divulga e provoca a procura por
atividades que melhorem o bem-estar geral. A
proposta do Programa Curitibativa encaixa-se
perfeitamente neste contexto contemporâneo de
empreender a atividade física, até porque atitudes de
prevenção, promoção e proteção à saúde, prática
almejada na aplicação nas variadas ações do Programa,
traduzem diminuição nos gastos públicos com saúde,
inclusive através da esperada conscientização da
população confirmada pelo aumento da demanda
aos serviços oferecidos nos Centros de Esporte e
Lazer, mais recentemente.
O Programa implantou um protocolo de avaliação
para a população adulta (18 a 59 anos), através do qual
é possível verificar; o nível de atividade física habitual, a
estimativa de risco cardíaco, o comportamento funcional
corporal relacionados à força muscular (abdominal e
MMSS), flexibilidade, composição corporal (IMC) e
padrão de obesidade e ainda registra dados importantes
de saúde como freqüência cardíaca, pressão arterial,
índice glicêmico e de colesterol. No estudo, aqui
apresentado, foram analisadas 2843 pessoas, sendo: 1.798
mulheres e 1.045 homens. E os dados foram organizados
segundo o nível de atividade física habitual, em:
1. Levemente ativos (inativos).
2. Moderadamente ativos.
3. Ativos.
4. Muito ativos.
Atividade física habitual
A distribuição por nível de atividade física
habitual fundamentou-se no questionário de atividades
físicas habituais, desenvolvido originalmente por
Russel R. Pate – University of South Carolina/EUA,
traduzido e modificado por Nahas [1] e adaptado
pelo programa Curitibativa da Secretaria Municipal
de Esporte e Lazer (Curitibativa – SMEL/CuritibaPR (2001)). A escolha deste se deve por permitir
investigar o nível de atividade física habitual, o qual
considera atividades como tarefas domésticas,
locomoção para o trabalho ou a outros locais, o
esforço ocupacional diário, bem como todas as
atividades esportivas ou de lazer, mostrando-se assim
completo e suficientemente esclarecedor sobre o estilo
de vida do avaliado, e quando somado as demais
avaliações possibilita uma orientação segura para a
manutenção ou mudança nos hábitos diários. Como
resultado, obtiveram-se os seguintes dados:
$'
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Tabela I – Prevalência do nível de atividade física habitual na população curitibana 2002/2003.
Atividade física habitual
Inativo (leve)
Moderado
Ativo
Muito ativo
Total
n total
%
n fem
%
n masc
%
745
1264
663
169
2841
26,22
44,49
23,34
5,95
100
482
858
391
67
1798
26,81
47,72
21,75
3,73
100
263
406
272
102
1043
25,22
38,93
26,08
9,78
100
Comparando os dados da tabela observa-se que
o homem curitibano apresenta prevalência maior para
os níveis de ativo e muito ativo em relação à mulher
curitibana. Tais dados não consideram se o homem
apresenta atividade ocupacional mais ativa do que a
mulher, ou se destina tempo maior a atividades
esportivas ou de lazer, mas podem inferir que a
população masculina beneficia-se de uma vida mais
ativa, apresentando indicadores mais saudáveis, o que
não se configura na análise dos dados a seguir:
Gráfico 1 – Prevalência do nível de atividade física
feminina por idade.
relativo a este acontecimento, no sentido de
compreender por que um comportamento diferente
sobre um mesmo assunto (atividade física). A mulher
parece se preocupar mais sobre sua saúde enquanto
envelhece, e o homem parece se preocupar de menos
sobre o mesmo fato? Será que este é um fator
interveniente na maior longevidade feminina?
Também é preocupante verificar que no homem
a prevalência do nível de inativos cresce com o passar
da idade e felizmente apresenta uma ligeira queda na
faixa dos 50-59 anos.
Estes dados sugerem um re-direcionamento das
políticas públicas que envolvam a atividade física
relacionada à saúde, principalmente o esporte e lazer,
estimulando as pessoas à sua prática regular a fim de
evitar o aparecimento das doenças hipocinéticas e
crônico-degenerativas com o passar da idade, em
especial ao homem.
Risco cardíaco
Gráfico 2 – Prevalência do nível de atividade física
masculina por idade.
O questionário de avaliação do risco cardíaco
de Michigan Heart Association [2], adaptado por
Curitibativa – SMEL/Curitiba-PR (2001), é uma
estimativa que enriquece e possibilita orientação
adequada sobre a adoção de hábitos saudáveis, e
possui grande “peso” na avaliação, pois as pessoas
mostram-se preocupadas com a sua saúde e parecem
querer evitar uma morte prematura por “ataque do
coração”.
Gráfico 3 – Prevalência do risco cardíaco em
mulheres de todas as idades.
Os gráficos 1 e 2 apresentam os dados de
atividade física segmentando a amostra por sexo e
faixa etária e, somando-se os percentuais de ativos e
muito ativos, permitem verificar que, a mulher com
o passar da idade, torna-se mais ativa, inversamente
(mas não em números) do que ocorre com os homens.
Tal observação sugere um estudo mais aprofundado
%
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Gráfico 4 – Prevalência do risco cardíaco em
homens de todas as idades.
Analisando-se os gráficos acima, observa-se que
a prevalência de índices de maior probabilidade de
ocorrência de problemas cardíacos (moderado, alto e
muito alto, somando-se os três índices) é de 7,96%
para mulheres curitibanas e de 13,34% para homens
curitibanos. Cada pessoa avaliada recebe a informação
de que: alterando-se o estilo de vida nos aspectos de
alimentação, atividade física e uso do tabaco, tais dados
podem ser convertidos para índices menores de risco.
Através deste instrumento, também pode ser
verificada a prevalência de fumantes: 12,78% entre as
mulheres e 15,36% entre os homens.
Outro dado que consta na avaliação é a freqüência
cardíaca de repouso, verificada com a pessoa sentada,
com o intuito de determinar a zona alvo, através da
fórmula de Carwonem [3], para a realização de
atividades aeróbicas (entre 65% a 85%) direcionadas à
saúde. Este dado permite orientar quanto à intensidade
da atividade física que a pessoa pretende realizar com
a finalidade de melhorar sua saúde.
Força abdominal
Segundo Nahas [1], uma boa condição
muscular proporciona a realização das atividades de
vida diária e esportiva com mais eficiência, menos
fadiga e diminui o risco de lesões, ajuda na
manutenção da postura, proteção das articulações
evitando as dores nas costas (lombalgias) e ajuda a
prevenir quedas a partir da meia idade. Os músculos
abdominais, por sua situação no centro do corpo,
são de vital importância para a manutenção da boa
postura. O nível de força neles encontrado reflete o
estado de força muscular geral. O Protocolo
adotado foi o teste de Força abdominal do Eurofit
para adultos [4] em 3 níveis, em que a pessoa avaliada
deita-se de costas com as pernas flexionadas a 90° e
os pés são apoiados pelo examinador. No primeiro
nível, os braços do avaliado encontram-se estendidos
e as palmas das mãos estão sobre os músculos das
coxas, são executados 5 exercícios saindo da posição
deitada até que as mãos toquem os joelhos. No
segundo nível o avaliado cruza os braços junto ao
peito de forma que as mãos toquem os ombros
contrários, são executados 5 exercícios tocando os
cotovelos no centro das coxas. No terceiro nível, o
avaliado coloca as pontas dos dedos das mãos atrás
das orelhas, e executa 5 exercícios também tocando
os cotovelos nas coxas.
O examinador deve anotar o número de
repetições alcançadas pelo avaliado (0 a 15) e classificar
o desempenho, onde os valores de 0 a 4 são
considerados como fraco, de 5 a 9 regular, de 10 a
14, bom e 15 corresponde ao índice excelente.
Os valores obtidos referentes à população
curitibana apontam um decréscimo no índice
alcançado de força abdominal com o passar da idade
em quase todas as faixas por sexo, confirmando a
relação entre a perda das funções corporais, entre
elas a força, com o avanço da idade.
Gráfico 5 – Prevalência da força abdominal em
mulheres por nível de aptidão física.
Gráfico 6 – Prevalência da força abdominal em
homens por nível de aptidão física.
Analisando os gráficos 5 e 6, pode-se observar
que existe relação direta entre a atividade física e o
aumento dos índices de força abdominal, de tal forma
que as pessoas mais ativas apresentam prevalência para
o nível de força “excelente” sempre maior do que as
pouco ativas, inversamente ao que acontece com a
prevalência para o nível de força “fraco”.
Esta análise possibilita concluir que a mudança
no estilo de vida, baseado no aumento do nível de
atividade física, parece permitir, com relativa
facilidade, ganhos de força muscular.
%
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Índice cintura-quadril (ICQ)
De acordo com Nahas [5], a obesidade (excesso
de gordura corporal) está associada à mortalidade
precoce e a diversas doenças crônicas, como
hipertensão, diabetes e coronariopatias, além de acarretar
repercussões psíquicas e estigma social negativo. Além
disso, também está associada à diminuição da
capacidade de realizar esforço físico, o que aumenta a
probabilidade de dependência para realizar funções
da vida diária. Estas considerações, associadas ao fato
de que o excesso de gordura corporal (sobrepeso e
obesidade) é uma questão de saúde pública,
reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, como
uma “epidemia de proporções mundiais”, sugerem
intervenções severas e imediatas dos órgãos
governamentais com programas de proteção à saúde.
O índice cintura-quadril é obtido através da
mensuração do perímetro da cintura na altura da cicatriz
umbilical e do perímetro do quadril na sua parte mais
protuberante. Divide-se o resultado da circunferência
da cintura pelo quadril e então se obtém o índice. O
valor encontrado é comparado pela tabela de
classificação de Bray & Gray [2], e demonstra o risco a
doenças crônico-degenerativas, onde índices mais altos
indicam a propensão de acumular gordura na região
abdominal, especialmente ao redor das vísceras
(gordura abdominal visceral). Índices superiores a 0,95
para homens e 0,85 para mulheres representam alto
risco para a saúde segundo Nahas [5].
Os gráficos confirmam a importância da atividade
física no controle da obesidade. Quanto melhor é o
nível de atividade física habitual, mais evidente o
decréscimo do ICQ. Observa-se também que o grupo
feminino apresenta maiores médias de risco (acima de
0,85), em relação ao grupo masculino (acima de 0,95),
principalmente com o passar da idade.
Índice de massa corporal (IMC)
Obter uma classificação da população parece
não ser tão simples, principalmente quando o assunto
é composição corporal, e ainda mais se aplicado em
uma população tão heterogênea quanto à de Curitiba,
que apresenta uma miscigenação racial muito grande.
Então, como determinar quem é obeso? A forma
mais aceita internacionalmente que classifica os
diferentes níveis de composição corporal é o índice
de massa corporal (IMC), obtido através do resultado
da divisão do peso em quilogramas pela altura, em
metros, elevada ao quadrado. O IMC é uma estimativa
que não leva em conta a constituição do avaliado,
porém é perfeitamente aplicável em estudos de
grandes populações.
Gráfico 9 – Prevalência do IMC na população
feminina por nível de aptidão física.
Gráfico 7 – Média do ICQ masculino comparativa
por aptidão e idade.
Gráfico 10 – Prevalência do IMC na população
masculina por nível de aptidão física.
Gráfico 8 – Média do ICQ feminino comparativa por
aptidão e idade.
Os gráficos apontam que a atividade física tem
relação direta com a composição corporal, pois a
prevalência de sobrepeso e obesos é relativamente
maior em levemente ativos e moderadamente ativos
do que em ativos ou muito ativos. Com o passar da
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
idade, o IMC aumenta, mas a atividade física assume
grande importância no controle da obesidade, e
parece que para o homem esta proteção é mais
evidente, quando se compara a média encontrada
para o IMC do grupo de ativos de 50 a 59 anos
(IMC = 26,91) com a do grupo de inativos (leve)
de 18 a 29 anos (IMC = 26,15), índices muito
próximos para uma diferença de idade tão
importante. Nas mulheres, a diferença das médias
de IMC entre os níveis de atividade física não se
mostra tão marcante quanto o grupo dos homens,
que permite concluir que o “risco obesidade” é mais
insistente para o sexo feminino, considerando o
IMC concomitantemente com o ICQ, mesmo que
predomine boas diferenças no nível de atividade
física habitual, particularmente para as faixas etárias
mais avançadas.
Gráfico 11 – Prevalência do índice de massa
corporal (IMC) na população de Curitiba.
Estes dados reforçam a preocupação com a
“epidemia de proporção mundial”, anteriormente
citada, principalmente por mais da metade da
população total de Curitiba (51,7%) enquadrar-se
nos índices de sobrepeso e obeso, de acordo com
o gráfico a anterior, fato que evidencia a necessidade
de ações no sentido de promover a mudança na
vida das pessoas nos hábitos de alimentação e
atividade física.
Flexibilidade
A característica física que deter mina a
amplitude dos movimentos das articulações do
corpo é chamada de flexibilidade. Segundo Nahas
[1], pessoas com boa flexibilidade movem-se com
maior facilidade e tendem a sofrer menos problemas
de dores e lesões musculares e articulares, sobretudo
na região lombar, e pessoas com pouca flexibilidade, têm a mobilidade reduzida e implicações
para a saúde, como: problemas de posturas, limitada
participação em atividades esportivas/recreativas,
maiores riscos de lesões musculares e articulares e
dores lombares. A falta de exercícios que promovam
a flexibilidade pode facilitar a instalação lenta e
progressiva de encurtamentos musculares, limitando
a amplitude de movimentação da articulação,
ocasionando má postura, ou ainda problemas mais
sérios, como hérnia de disco (principalmente na
região lombar) e lombo-ciatalgia, entre outros
problemas que podem afetar o andamento normal
da vida, reduzindo a capacidade de trabalho,
elevando o nível de absenteísmo, como também
aumentando os gastos públicos com tratamento de
saúde.
Como protocolo para a avaliação da
flexibilidade, optou-se pelo teste linear de sentar e
alcançar de Wells modificado [6]. O teste é realizado
em um caixote de madeira de 30x30 cm, dotado de
uma régua de medição recuada a 15 cm do local de
apoio dos pés, onde a pessoa descalça, senta-se na
frente do banco com as pernas esticadas e empurra
com as mãos uma peça de madeira móvel sobre a
régua de medição em três tentativas, sendo anotado
o melhor resultado. Presume-se que com este teste
possa-se verificar a incidência de encurtamentos na
região posterior do corpo, principalmente da
musculatura ísquio-tibial.
Gráfico 12 – Prevalência do índice de flexibilidade na população feminina por nível de aptidão física.
%!
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Gráfico 13 – Prevalência do índice de flexibilidade na população masculina por nível de aptidão física.
De acordo com os dados anterior mente
apresentados, é possível observar que apesar da
melhora do índice de flexibilidade em pessoas mais
ativas, a prevalência dos índices fraco e regular
permanece alta para os grupos de ativos e muito
ativos independentemente do sexo. Ao somar estes
dois índices não desejados (fraco e regular), obtémse prevalências muito altas em qualquer uma das
faixas de aptidão. Considere-se ainda que maior
parte da população encontra-se nas faixas de inativos
e moderadamente ativos (70,71%). Justamente as
faixas que apresentam maior prevalência de
flexibilidade fraca ou regular. Encontrou-se também
uma média de flexibilidade para o grupo feminino
de 17,46, e para o grupo masculino de 15,75, valores
enquadrados como regular na classificação da
flexibilidade. Estes dados demonstram um perfil
preocupante da população de Curitiba, confirmando a necessidade de orientação para programas
que estimulem o alongamento, a fim de evitar os
problemas decorrentes de encurtamentos musculares
citados anteriormente.
Força de preensão de mãos (Dinamometria)
As mãos realizam uma multiplicidade de
funções, que ocupa uma representatividade cerebral
muito grande, a maior do córtex sensorial e motor
[7]. As mãos são o sinal de independência das pessoas,
indicam autonomia. A mão fraca ou debilitada pode
obrigar a pessoa a depender de uma ou mais pessoas
para realizar tarefas simples, como se vestir, tomar
banho, cozinhar, escovar os dentes, alimentar-se, entre
outras. Isto pode implicar, que um indivíduo com
debilidade manual pode ter não somente a sua vida
comprometida, mas também comprometer a rotina
de outras pessoas de seu convívio.
A maneira moderna de viver, com um grau cada
vez mais elevado de comodismo, botões espalhados
por todos os lados, basta apertar, mouse, televisão,
Internet entre outros, propiciam o pouco uso de força
manual e a instalação de doenças hipocinéticas, lesões
por esforço repetitivo, ou simplesmente fraqueza das
mãos, que pode ocasionar acidentes de menor ou
maior proporção.
Tabela II – Média da força de preensão de mãos classificada segundo Borba [6].
Dinamometria feminino
idade
leve
18 - 29 anos
30 - 39 anos
40 - 49 anos
50 - 59 anos
moderado
ativo
F
F
F
F
54,02 - R
52,81 - F
51,11 - F
48,14 - F
54,78 - R
55,28 - R
55,58 - R
49,69 - F
57,58
61,81
58,25
50,17
leve
95,33 - R
89,84 - F
87,27 - F
83,17 - F
moderado
95,80 - R
91,24 - F
87,79 - F
85,52 - R
ativo
96,30 - R
94,13 - R
89,53 - F
85,17 - R
Muito ativo
94,55 - R
83,63 - F
94,60 - R
89,43 - R
50,81
50,50
48,20
45,87
-
Muito ativo
-
R
B
B
R
Dinamometria masculino
idade
18 - 29 anos
30 - 39 anos
40 - 49 anos
50 - 59 anos
F = Fraco
R = Regular
B = Bom
MB = Muito Bom
E = Excelente
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
O protocolo utilizado para a avaliação da força
manual é a dinamometria [6], que consiste em apertar
com as mãos, uma de cada vez, o dinamômetro
utilizando a força máxima de cada mão. O avaliado
deve segurar o dinamômetro com o braço direito
flexionado, com a mão na altura do ombro e
cotovelo baixo e então deve apertar o aparelho e
estender o braço ao mesmo tempo. Repete o mesmo
procedimento com o braço esquerdo. O avaliador
anota os resultados e o índice alcançado corresponde
à soma da força das duas mãos.
Os dados permitem concluir que existe uma
melhora significativa na força de mãos, quanto melhor
é o nível de atividade física habitual, sendo mais
constante para o grupo feminino. De maneira geral,
o nível de força aumenta com a melhora da atividade
física e diminui com o avançar da idade.
Pressão arterial, glicemia e colesterol
“Se você quer viver bastante, arranje uma doença
crônica e cuide muito bem dela” [8].
Os indicativos de saúde de pressão arterial,
glicemia e colesterol também fazem parte da avaliação,
são referência importante no processo final de
orientação e prescrição da atividade física, principalmente porque os dados são cruzados e a
incidência de um ou mais indicativos ruins para saúde
é tratada de forma especial, considerando cuidados
na avaliação e indicando acompanhamento médico.
A pressão arterial por ser um dado muito
variável, não foi contemplada neste estudo.
O teste de glicemia, utilizado como indicativo para
o diabetes, apresenta como valores normais para testes
a qualquer hora do dia entre 60 a 160 mg/dl [8]. A
população avaliada apresentou valores acima desta faixa
em 3,98% das mulheres e 4,47% dos homens.
Os índices de colesterol considerados como
normais não devem ultrapassar a 200 mg/dl,
limítrofes entre 201 e 239 mg/dl e alto quando acima
de 240 mg/dl [9]. A amostra estudada apresenta
valores normais para 75,57% da população, sendo
que na faixa limítrofe estão 15,12% dos homens e
19,25% das mulheres, e com risco alto de problemas
cardíacos 6,35% dos homens e 6,81% das mulheres.
Considerações finais
Neste estudo encontram-se vários alertas para
assuntos relacionados à saúde das pessoas. O caminho
percorrido na era da modernidade tem feito muito
mal às pessoas. Os avanços na medicina e a melhoria
nas condições ambientais favorecem o aumento da
expectativa de vida, mas a comodidade, a facilidade
e a excessiva tecnologia deixam incertezas com relação
a um pretendido futuro saudável. Será que o homem
tenderá a viver confortavelmente doente?
O Programa Curitibativa, com o objetivo de
disseminar a prática de atividade física e provocar
mudanças consistentes no hábito de vida das pessoas,
pretende que este quadro seja revertido no futuro
com a adoção de hábitos saudáveis. A conscientização
da população sobre os aspectos da qualidade da vida
ativa favorecerá que as pessoas possuam maior
autonomia, independência, mobilidade, força e
principalmente saúde.
Referências
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
NAHAS, M.V. Atividade física, saúde e qualidade de vida.
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PITANGA, F.J.G. Testes, medidas e avaliação em educação
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POLLOCK, M. L.; WILMORE, J. H. Exercícios na saúde
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reabilitação. Rio de Janeiro: Medsi, 1993.
MINISTERIO DE EDUCACION Y CULTURA.
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con la salud. Tampere/Finlândia: MEC, 1995.
NAHAS, M. V. Obesidade, controle de peso e atividade física.
Londrina: Midiograf, 1999.
BORBA, A. S. S. Método de avaliação física e composição
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MONTAGU, A. Tocar, o significado humano da pele. São
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SILVEIRA NETTO, E. Atividade física para diabéticos.
Rio de Janeiro: Sprint, 2000.
JORGE FILHO, J. P. Em busca da saúde ideal, manual para
uma vida saudável. Belo Horizonte: Leitura, 2001. ♦
%#
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
ATUALIZAÇÃO
Nutrição do atleta e imunidade
Athlete´s nutrition and immunity
Luana Caroline dos Santos *, Natacha Toral *, Márcia Daskal Hirschbruch, M.Sc**,
Isa de Pádua Cintra, D.Sc.***, Mauro Fisberg, D.Sc ****
* Nutricionistas, especialistas em Adolescência pela Universidade Federal de São Paulo, mestrandas em Saúde Pública,
área de concentração Nutrição pela Universidade de São Paulo, ** Nutricionista, Mestre em Ciências Aplicadas
à Pediatria pela UNIFESP, *** Nutricionista, Professora adjunta do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente
do Departamento de Pediatria da UNIFESP, **** Professor Adjunto e Chefe do Centro de Atendimento e Apoio
ao Adolescente do Departamento de Pediatria da UNIFESP – Escola Paulista de Medicina e Diretor do Centro
de Pesquisas Aplicadas a Saúde da Universidade São Marcos
Resumo
O exercício físico pode promover modificações no sistema imune do atleta. Enquanto a atividade moderada ou intensa
controlada pode reduzir a susceptibilidade a infecções virais e bacterianas, sendo associada com a melhora da saúde geral, o
treinamento exaustivo, a competição intensa e o overtraining podem causar imunossupressão temporária e elevar o risco de
doenças. O controle desta imunossupressão tem incentivado a busca por suplementos nutricionais com fins imunomodulatórios
tais como a glutamina, carboidratos, antioxidantes e lipídios. Destes, a suplementação de carboidratos parece ser a mais benéfica
na limitação da imunossupressão, visto que os resultados observados até o momento com os demais suplementos são
limitados e contraditórios. A educação nutricional continua sendo a principal estratégia do nutricionista no atendimento do
atleta, contribuindo tanto para a redução das alterações imunes induzidas pelo exercício, quanto como um forte instrumento de
garantia de saúde e qualidade de vida ao indivíduo.
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Palavras-chave: atleta, nutrição do atleta, imunidade, suplementos imunomoduladores.
Artigo recebido em 01 de setembro de 2004; aceito em 22 de setembro de 2004.
Endereço para correspondência: Luana Caroline dos Santos, Departamento de Nutrição, Faculdade de Saúde Pública,
Universidade de São Paulo. Av. Dr Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo/SP, E-email: [email protected]
%$
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Abstract
Physical exercises may cause changes in immune system of athletes. Moderate activities are associated to the improvement
of general health and can reduce susceptibility to viral and/or bacterial infections, while exhaustive training or intensive competition
and overtraining may cause temporary immunodepression and higher risk of diseases. The control of this immunological decay
has encouraged scientists to search for nutritional supplements with immunomodulatory purposes such as glutamine,
carbohydrates, antioxidants and lipids. Among these, carbohydrates supplementation seems to be the most beneficial means for
limiting imunosupression, since other supplements studies are limited and contradictory. Nutritional education is still the main
strategy for nutritionists on athletes attending, contributing for the reduction of immunological alterations and also serving as
a powerful instrument for ensuring health and quality of life to individuals.
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Key-words: athlete, athlete’s nutrition, immunity, immunomodulatory supplements.
Introdução
A nutrição adequada é fundamental em todos
os tipos de exercícios físicos e, essencial para a redução
do risco de diversas doenças crônico-degenerativas.
A inter-relação entre alimentação saudável e atividade
física afeta a saúde geral, a aptidão física e o
desempenho nos esportes, além de ajudar na
prevenção de lesões [1,2]. Atualmente, porém, muitos
atletas adotam dietas desbalanceadas que os colocam
em risco para deficiências nutricionais graves [3]. Essas
deficiências podem alterar a imunocompetência e
aumentar a ocorrência de infecções, que mesmo
inofensivas à saúde podem interferir de maneira
negativa na performance do atleta [2].
O exercício per si interfere na imunidade,
principalmente os extenuantes e prolongados. Além
do volume e da intensidade do exercício e
treinamento, o estresse físico, ambiental e psicológico
do atleta também devem ser considerados na
avaliação da função imune [4].
Especula-se que além da importância da
alimentação adequada na prevenção de deficiências e
excessos de macro e micronutrientes que poderiam
comprometer o estado nutricional do atleta, alguns
fatores nutricionais poderiam modular as mudanças
imunológicas induzidas pelo exercício [5]. Assim, o
objetivo deste artigo é revisar as alterações imunes
induzidas pelo exercício e a possível influência da
nutrição na imunossupressão do atleta.
Exercício e imunidade
O exercício físico promove várias modificações
no sistema imune, sendo que o tipo, a quantidade e o
tempo dessas dependem da intensidade e duração dos
exercícios e das características individuais do atleta [3,6].
Acredita-se que existam duas possibilidades de
resposta do sistema imune ao treinamento. Por um
lado, a prática regular de atividade física moderada
pode reduzir a susceptibilidade a infecções virais e
bacterianas, sendo associada com melhora da saúde
geral, incluindo redução da pressão sanguínea e
melhora da tolerância da glicose. Por outro lado, o
treinamento exaustivo, a competição intensa e o
overtraining podem causar imunossupressão
temporária e elevar o risco de doenças [4,7,8].
Os mecanismos pelos quais os exercícios
moderados ajudam a reduzir a susceptibilidade às
infecções não são bem descritos na literatura. As
possíveis explicações incluem a atuação do exercício
físico na criação de um ambiente hostil aos patógenos
invasores, como ocorre com a elevação da
temperatura central que acompanha o exercício e a
manutenção de um equilíbrio mais favorável entre o
sistema imune, a resposta orgânica ao estresse e a
liberação de neuro-hormônios/substâncias endócrinas (por exemplo, cortisol e adrenalina) [3].
Já os mecanismos responsáveis pelo aumento
das infecções associadas ao exercício exaustivo
envolvem alterações endócrinas (liberação hormonal
via hipófise), neurais (ativação do eixo simpáticoadrenal) e modificações dos componentes do sistema
imune [9]. As alterações endócrinas e neurais culminam
com a estimulação das glândulas adrenais e
conseqüente liberação de hormônios (como a
adrenalina e cortisol), resultando num aumento da
freqüência cardíaca, elevação da pressão arterial,
aumento da temperatura corporal e do consumo de
oxigênio, diminuição na produção de anticorpos,
liberação de mais eritrócitos pelo baço e aumento da
produção de leucócitos por este órgão [1]. As
modificações do sistema imune são detalhadas a seguir.
Alterações dos componentes do sistema imune
A atividade física pode promover modificações
na concentração, proporção e nas funções das células
brancas do sangue, especialmente dos leucócitos
polimorfonucleares (PMN), nas células natural killer e
nos linfócitos, assim como pode afetar as imuno-
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
globulinas e outros fatores responsáveis pela
imunidade [10].
Durante o exercício
É fato conhecido que o exercício provoca
aumento dos níveis de PMN, sendo a leucocitose
relativamente proporcional à intensidade do exercício
e ao menor preparo físico do atleta [11].
A leucocitose observada é resultante da ação
mecânica devido ao aumento do débito cardíaco e o
efeito da adrenalina, que movimentam os PMNs ao
longo dos vasos sanguíneos e promovem a liberação
destes nos pulmões, baço e fígado. Além disso, esses
dois aspectos também promovem linfocitose,
principalmente da população de células NK [10]. A
função das células também parece estar aumentada,
principalmente dos neutrófilos [6].
Se o exercício intenso exceder 30 minutos, e
principalmente se este for excêntrico (correr em
descida, por exemplo) pode ocorrer uma segunda
elevação nos PMNs, devido principalmente ao cortisol
que estimula a liberação destas células da medula e
retarda sua entrada nos tecidos [10].
Imunoglobulinas
As modificações nas imunoglobulinas séricas
resultantes de atividade física são pequenas e parecem
ser clinicamente normais [12]. Atenção especial vem
sendo dada às imunoglobulinas salivares e, em
particular, à IgA, por integrar a primeira linha de defesa
contra microrganismos que têm como portas de
entrada o nariz e a garganta [11].
No caso de exercícios muito intensos, especulase que os danos musculares são suficientes para
desencadear respostas inflamatórias agudas, que
envolvem uma cascata de complexas reações
moduladoras do sistema imunológico, ativando e
estimulando a liberação de inúmeros elementos, tais
como TNF, interferons, interleucinas ou outras
citocinas [3,11].
Depois do exercício
Após um exercício de baixa intensidade e curta
duração, os níveis de PMNs voltam rapidamente aos
valores normais, porém com exercício extenuante e
prolongado, seu retorno ao nível basal demora
aproximadamente 24 horas [6].
A linfocitose é passageira e a contagem de
linfócitos começa a diminuir dentro dos primeiros
cinco minutos após o término do exercício. Nas duas
horas seguintes, a queda continua e se situa em níveis
abaixo da linha de repouso, até 36%, provavelmente
pelo aumento acentuado da concentração do cortisol
no decorrer da atividade sem a contrapartida da
epinefrina, que diminui logo em seguida ao fim da
atividade física. A contagem dos linfócitos ficará
normalizada entre 6 e 24 horas depois de encerrada
a atividade física [10].
Este período de relativa imunodepressão após a
atividade física é conhecido como “janela imunológica”
e se o período de descanso entre as sessões de
treinamento e competições não forem suficientes para
permitir o reestabelecimento da função imune, um
aumento na sensibilidade para doenças infecciosas
poderá persistir por mais tempo sobretudo das
infecções de vias aéreas superiores [3,12]. Newsholme
também relata maior probabilidade de ocorrência de
transtornos intestinais como diarréia pelos mesmos
fatores apontados anteriormente [7].
A maior predisposição a doenças também pode
ocorrer em virtude de maior exposição dos atletas a
diferentes patógenos e outros “estressores” do sistema
imune como forte estresse psicológico, poucas horas de
sono, estado nutricional deficiente e perda de peso [5,13].
Apesar do explicitado anteriormente nota-se que
são necessários mais trabalhos para conhecer melhor
a relação entre o exercício e a incidência de infecções
[12]. Pyne e Gleeson afirmam que mesmo com
mudanças significantes na concentração e atividade
funcional dos parâmetros imunológicos após o
exercício, estas não se manifestam necessariamente
numa maior incidência de infecções e doenças [14].
Nutrição e imunidade
A disponibilidade de nutrientes tem o potencial
de afetar significativamente o sistema imune, visto que a
maioria das respostas imunitárias envolve replicação
celular e a produção de proteínas com funções
específicas (citocinas e anticorpos, por exemplo). Outros
mecanismos de interação nutrição-imunidade incluem
alteração da imunidade celular, da capacidade bactericida
dos fagócitos, da formação de complemento e da
resposta proliferativa dos linfócitos T [2].
A possibilidade de reduzir a imunossupressão
com o uso de nutrientes e suplementos nutricionais
tem atraído os atletas de diversas modalidades,
sobretudo aquelas que exigem maior resistência (como
natação, maratonas e corridas), pois estes não
conseguem reduzir a intensidade e a duração dos
treinamentos diante da necessidade de competir com
sucesso. Os nutrientes e suplementos mais consumidos
e investigados com finalidade imunomoduladora são:
glutamina, carboidratos e vitaminas e minerais
antioxidantes [12].
%&
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Glutamina
A glutamina é o aminoácido mais abundante no
organismo, sendo considerado não essencial no indivíduo
em condições fisiológicas normais. É primariamente
sintetizado no músculo-esquelético e pulmões, servindo
como combustível para enterócitos e leucócitos e como
precursor da síntese de nucleotídeos e glutationa
(antioxidante); é também responsável pela manutenção
do equilíbrio ácido-básico, entre outros propósitos.
Durante estresse com catabolismo, a avidez dos
enterócitos e leucócitos por glutamina pode exceder a
síntese deste aminoácido, tornando-o condicionalmente
essencial [15; 16]. Esta alteração da homeostase da
glutamina corporal acontece no exercício intenso e
prolongado, podendo repercutir na imunocompetência
do atleta e aumentar a incidência de infecções do trato
respiratório superior [17].
Alguns estudos realizados nos últimos anos têm
verificado diminuição da glutaminemia durante e/
ou após exercício intenso e prolongado. Lehman et al
verificaram em atletas participantes de ultra-triathlon,
que 30 minutos após o término da prova, as
concentrações de glutamina no plasma diminuíram
de 468 µmol/l para 318 µmol/l, o mesmo que o
observado por Rodhe et al. [18,19].
A possibilidade de suplementação com
glutamina para manter a concentração plasmática deste
aminoácido próximo aos níveis basais tem sido
investigada como forma de reduzir as alterações do
sistema imune induzidas pelo exercício [7]. Porém,
diversos estudos demonstram que, apesar da
manutenção da concentração de glutamina próximo
às condições de repouso, a suplementação não
influencia as alterações da resposta imune pósexercício [2,5,7,16,17,20].
Investiga-se também a relação da glutaminemia
com a reposição do glicogênio muscular, pois acreditase que a utilização da glutamina pelo intestino
“pouparia” a metabolização de glicose, que poderia
ser liberada em maior escala para manter adequados
os níveis glicêmicos e ser utilizada para a síntese do
glicogênio muscular. Um baixo nível de glutamina
poderia restringir a utilização de glicose e acarretar
em prejuízo de várias funções dependentes desta,
incluindo a síntese de glicogênio no músculo, de vital
importância para o atleta [6,13].
Krzywkowski et al. realizaram um estudo de
caso-controle para avaliar o papel da suplementação
oral de glutamina no prejuízo da função linfocitária
em atletas do sexo masculino. Os resultados
mostraram menor queda da glutamina pós-exercício
nos atletas suplementados com o aminoácido, mas
nenhum efeito no trânsito de linfócitos, nas atividades
das células NK, na proliferação das células T, nos
níveis de catecolaminas, hormônio do crescimento,
insulina ou glicose [20].
Assim, embora seja possível acreditar que o
exercício induza reduções plasmáticas da glutamina,
a relação deste fato com menor imunidade e proteção
orgânica é ainda discutida [12]. Os resultados dos
estudos são contraditórios exigindo mais investigações
para elucidar o papel da suplementação com
glutamina na manutenção das concentrações
plasmáticas e musculares de glutamina durante o
exercício, e sua correlação com o sistema imune,
turnover protéico e regulação do metabolismo dos
carboidratos [2,5,17].
Carboidratos
A recomendação de ingestão diária de carboidratos em torno de 60 a 70% das suas necessidades
calóricas diárias objetiva principalmente a recuperação
dos estoques de glicogênio muscular e hepático para
garantir a disponibilidade de carboidratos suficientes
para o trabalho muscular dos dias sucessivos de
treinamento [2]. Porém pesquisas recentes têm
demonstrado que a adequação de carboidratos na
dieta é também vital para o funcionamento do sistema
imune; a glicose é uma importante fonte de energia
para linfócitos, neutrófilos e macrófagos e a
diminuição da sua concentração sanguínea relacionase com a ativação do eixo hipotalamo-hipófiseadrenal, aumento do hormônio adrenocorticotrófico
e cortisol, maior concentração plasmática do
hormônio do crescimento, redução da insulina
plasmática e com efeitos variado da concentração
sanguínea de adrenalina [12, 21].
Vários estudos têm sido realizados para testar esta
relação. Em alguns, a ingestão de carboidratos antes,
durante e depois do exercício (2-5 horas) foi associada
com maior concentração de glicose no plasma, cortisol
reduzido, menores perturbações na contagem de células
imunes no sangue, redução da fagocitose dos
monócitos, queda na atividade oxidativa e uma
diminuição das respostas de citocinas pró e antiinflamatórias. Na maioria dos trabalhos, as respostas
imunes e hormonais foram diminuídas após a ingestão
de carboidratos comparadas com placebo [1,5,16].
Mitchell et al. compararam os efeitos de uma
dieta rica em carboidratos (8,0g/kg de massa
corporal) com uma dieta pobre neste macronutriente
(0,5g/kg de massa corporal) em 10 atletas do sexo
masculino, com um estado de depleção de
glicogênio, após um exercício de longa duração. A
concentração de glicose no plasma pós-exercício foi
significativamente maior no primeiro grupo (4,62
%'
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
± 0,26 mM vs. 3,19 ± 0,15 mM), assim como a
concentração de glutamina (0,472 ± 0,036 mM vs.
0,410 ± 0,025mM). Entretanto os níveis de cortisol
foram maiores no grupo com a dieta deficiente em
carboidratos (587 ± 50nM vs. 515 ± 62nM), assim
como o número circulante de leucócitos, neutrófilos
e linfócitos em seguida ao exercício e 2 horas após
o término deste. Não foi observada diminuição da
proliferação de linfócitos induzida pelo exercício em
ambos os grupos [21].
Enquanto algumas variáveis imunes parecem ser
afetadas de maneira discreta pela ingestão de
carboidratos, como a função dos monócitos e
granulócitos, outras são influenciadas fortemente, tais
como as concentrações de citocinas no plasma e a
contagem de células sanguíneas [12].
Assim, pode-se afirmar que os resultados
indicam benefícios da ingestão de carboidratos antes,
durante e depois do exercício na redução do estresse
fisiológico. Investigações mais completas serão
importantes futuramente para a confirmação destes
resultados sobre a imunocompetência de atletas.
Antioxidantes
O exercício físico intenso e contínuo é
acompanhado pela produção de radicais livres, que
podem inibir a atividade bactericida e de locomoção
dos neutrófilos, reduzir a proliferação de linfócitos T
e B, inibir as células NK e aumentar a síntese de
interleucinas pró-inflamatórias [2, 22]. O aumento na
síntese dos radicais livres parece ser devido à elevação
do consumo de oxigênio durante o exercício [23,24]
e ao estímulo das principais vias metabólicas
envolvidas na formação destes, entre elas, respiração
mitocondrial e degradação de bases purínicas seguida
de oxidação pela xantina oxidase citoplasmática [24].
O aumento nos níveis de catecolaminas, a síntese de
ácido lático, a elevada taxa de oxidação de
hemoglobina (durante/depois exercício), o processo
de isquemia – reperfusão e o aumento da temperatura
observados no exercício físico, também contribuem
para o aumento dos radicais livres [25].
Alguns autores indicam, porém, um aumento
do sistema antioxidante de defesa com os exercícios
e treinamento, fato que compensaria o excesso de
radicais livres gerados [5,22]. Não se sabe, entretanto,
se esta adaptação seria suficiente para aqueles atletas
que treinam intensamente.
Assim, a suplementação com antioxidantes na
modulação da função imune e melhora da performance
tem sido investigada, mas como os resultados ainda
são limitados e contraditórios, este tipo de suplemento
não tem se demonstrado vantajoso [5,16,22].
A forma ainda mais segura e eficiente de se obter
nutrientes antioxidantes é por meio da alimentação.
Bacurau aponta que muitos indivíduos consomem
menos desses alimentos (predominantemente frutas
e vegetais) do que seria desejado [25].
Zinco
O zinco é um importante antioxidante e a
diminuição da sua disponibilidade provavelmente
aumenta a síntese de radicais livres [26]. É essencial
para o desenvolvimento do sistema imune, sendo que
mais de 300 metaloenzimas foram identificadas como
dependentes deste mineral, incluindo aquelas
envolvidas na transcrição do DNA e na síntese de
proteínas. Em casos de deficiência observa-se redução
da proliferação de linfócitos, da produção de
anticorpos, dos linfócitos T CD4+ e CD8+, da
atividade do timo e da função fagocitária, além de
prejuízo da atividade das células NK [2].
Como o zinco é perdido principalmente no
suor e na urina e estas perdas estão aumentadas no
exercício, é possível que um treinamento intenso possa
induzir deficiência em atletas [2].
Tsuji et al observaram decréscimo significativo
deste mineral em 14 nadadores, com idade entre 14
a 17 anos, durante o período de treinamento e pósexercício. A média da concentração plasmática de
zinco oscilou de 18,8 mmol/l (antes do aquecimento)
a 17,3 e 14,6 mmol/l, após 60 minutos do treinamento
aquático e 30 minutos após o treinamento, respectivamente. O significado desta diminuição ainda
está insuficientemente definido, podendo ser
conseqüente apenas à redistribuição passageira deste
mineral dentre os compartimentos orgânicos, em
decorrência da atividade muscular intensa [27].
Devido à falta de estudos relacionando a função
imune, exercício e zinco, as megadoses não são
recomendadas. Os atletas devem ser orientados a
incluir alimentos ricos em zinco na dieta (carnes, aves,
peixes, produtos lácteos), enquanto os vegetarianos
devem ser avaliados quanto à necessidade de
suplementação.
Outros nutrientes também devem ser citados,
devido a relação destes com o funcionamento do
sistema imune e possível influência na performance
do atleta.
Lipídios
Os lipídios podem influenciar o sistema imune
tanto de maneira direta, alterando a fluidez das
membranas celulares, por exemplo, quanto indireta,
através dos precursores eicosanóides [5].
&
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Os eicosanóides representam um grupo de ácidos
graxos oxigenados composto por 20 carbonos que têm
como maior precursor o ácido araquidônico. Abrangem
as prostaglandinas, leucotrienos e tromboxanas que
funcionam como mediadores do processo inflamatório
e incluem como alguns dos seus efeitos metabólicos a
vasodilatação, o aumento da permeabilidade vascular e
a quimiotaxia para os neutrófilos [28]. São produzidos
de maneira mais potente pelos ácidos graxos
poliinsaturados ômega-6, podendo interferir na defesa
celular e resposta inflamatória. Os eicosanóides derivados
do ômega-3 pertencem a classes diferentes e são menos
potentes, podendo modular a resposta inflamatória
exacerbada [15].
Especula-se que durante condições de estresse,
como nos exercícios prolongados, a administração
de uma dieta rica em w-3, peixes marinhos e seus
óleos, poderia controlar a imunossupressão e reduzir
a incidência de novas infecções [16].
Até o momento apenas estudos experimentais
foram realizados, sendo evidenciada redução da
imunossupressão ligada a IgM, redução da IL-1 e
TNF em ratas submetidas a dietas ricas em w-3 [16].
Esses dados experimentais porém não podem ser
extrapolados para a população e não justificam uma
suplementação com esses ácidos graxos para os atletas.
Ferro
A deficiência de ferro prejudica vários aspectos
da função imune incluindo a produção de IL-1 pelos
macrófagos, a proliferação de linfócitos em resposta
a mitogênese, a atividade das células NK e a
hipersensibilidade cutânea retardada [2]. Em
contraste, a suplementação excessiva deste mineral
pode predispor o atleta a doenças infecciosas, principalmente porque ele catalisa a produção de radicais
livres e pode comprometer a absorção gastrointestinal de zinco [25]. Deste modo, a orientação
nutricional deve ser realizada no sentido de aumentar
o aporte de ferro para atender as necessidades
individuais de cada atleta. Atenção especial deve ser
dada aos vegetarianos, aos adolescentes e as
mulheres.
Vitaminas B
As vitaminas B6, B12 e folacina são particular mente impor tantes nas respostas imunes
celulares. A Tiamina é necessária para a síntese de
anticorpos [29]. Porém, os estudos envolvendo
estas vitaminas, assim como outros grupos de
micronutrientes e a imunidade do atleta ainda são
escassos e inconclusivos.
Conclusão
Os atletas que praticam esportes intensos ou de
longa duração são mais vulneráveis a infecções do
trato respiratório superior em virtude das alterações
imunológicas, neurais e endócrinas induzidas por este
tipo de exercício. Embora tais infecções possam não
ter importância clínica, elas podem comprometer de
maneira negativa o treinamento e o desempenho em
competições, representando grande fracasso para o
atleta, seu time e/ou treinador.
A imunossupressão pós-exercício é de origem
multifatorial e embora seja impossível controlar os
efeitos de todos os fatores contribuintes, pode ser
possível minimizar alguns deles. Com este intuito
alguns autores sugerem várias estratégias de
intervenção, sendo a principal uma alimentação que
atenda as necessidades nutricionais do atleta. Outras
medidas são: aumento gradual e periódico do volume
e carga de treinamento; empregar variações no
treinamento para evitar monotonia e estresse; descanso
suficiente com horas adequadas de sono, respeitando
a individualidade de cada atleta; implementação de
testes (físicos e psicológicos) para identificar sinais de
deterioração de performance e manifestações de
estresse físico; limitar a exposição, quando possível, a
condições adversas (excesso de calor/frio, umidade,
elevadas altitudes e áreas com excessiva poluição do
ar) [4,12].
Uma nutrição adequada certamente garantirá
uma ingestão adequada de oligoelementos sem a
necessidade de suplementos especiais, salvo ocasiões
especiais, dificuldade do atleta em alcançar as
recomendações dietéticas, falta de disponibilidade de
tempo para ingerir maior volume de refeição e/ou
fracionar mais a dieta, etc. O uso de glutamina,
antioxidantes e lipídios como suplementos revela
resultados limitados e contraditórios, enquanto a
suplementação de carboidratos parece ser a mais
benéfica na limitação da imunossupressão. Pesquisas
futuras permitirão maior certeza e fidedignidade dos
resultados observados.
Portanto, a educação nutricional continua
sendo a principal estratégia do nutricionista no
atendimento do atleta, contribuindo não só para
redução das alterações da imunocompetência
induzidas pelo exercício, mas como um instrumento
relevante para obtenção de saúde e qualidade de
vida do indivíduo.
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&!
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
ATUALIZAÇÃO
Badminton: O esporte e suas qualidades
Badminton: Sport and characteristics
Rogério Farias de Melo, M.Sc.*
* Docente do Curso de Educação Física da UNESA, Presidente da Federação Carioca de Badminton
Resumo
Diante do quase desconhecimento no Brasil do esporte chamado Badminton, o presente estudo pretendeu levantar as
características desse esporte, procurando entender porque ele faz parte da cultura esportiva de vários países em diferentes cantos
do mundo. O estudo exploratório revelou que o Badminton é muito fácil de aprender, o risco de acidentes e lesões é pequeno,
pessoas de quase todas as faixas etárias e com os mais diversos graus de aptidão física podem praticá-lo, não há limitações
climáticas para a sua prática que requer um baixo custo e espaços relativamente pequenos, além da real possibilidade de seu
desenvolvimento no meio escolar. Estes dados sugerem estudos que tentem revelar o porquê do seu estado de arte no Brasil.
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Palavras-chaves: Badminton, cultura esportiva.
Abstract
On the strenght of Badminton be quite unknown in Brazil, the purpose of this study is to find out Badminton’s
characteristics that make this sport be part of the sport culture of many countries all around the world. The exploratory approach
revealed that Badminton is easily learned, accident possibilities and game hazards are minimized, is a sport with great appeal for
all ages, as well as for those of varying skill levels and degrees of physical stamina, can be played in all climate condition, needed
equipment is inexpensive, requires little space and is an ideal activity for schools. These data suggest studies to reveal the reasons
of its state of art in Brazil.
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Key-words: Badminton, sport culture.
Artigo recebido em 23 de agosto de 2004; aceito em 30 de agosto de 2004.
Endereço para correspondência: Rua Teodoro da Silva, 827 casa 7, 20560-000, Vila Isabel, Rio de Janeiro, RJ, Tel:
21-2578-4534
&"
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Introdução
O esporte tem hoje uma função muito
importante na sociedade, sendo indiscutível, no ponto
de vista de praticantes e educadores, seu papel no
desenvolvimento educacional, fisiológico, psicológico
e social daqueles que o praticam.
A cultura esportiva atual é muita rica em conteúdo,
existindo uma variedade muito grande de esportes
praticados nos mais diversos países. Há aqueles comuns
a uma determinada região ou país, outros, entretanto,
são praticados em todos os continentes, gozando de
popularidade mundial e, eventualmente, ascendem à
condição de esporte olímpico.
Apesar de pouco conhecido no Brasil, o Badminton
é uma modalidade que ocupa esse segundo grupo. Esse
fato, por si só, não causa espécie, pois um esporte para
se tornar olímpico não precisa, necessariamente, ser
praticado em todos os países do mundo. Acreditamos
que diferentes fatores podem levar um determinado
esporte a ser mais procurado do que outros, fazendo
parte da cultura esportiva de um povo.
O Badminton é um esporte de raquete, assim
como o tênis, sendo que ao invés de uma bola,
golpeia-se um objeto semelhante a uma peteca de
pequenas dimensões (shuttlecock), podendo ser
disputado por dois jogadores de cada lado ou por
somente um jogador de cada lado.
Um breve estudo sobre o Badminton permitenos perceber que ele apresenta características muito
peculiares, as quais lhe dão uma certa singularidade
em relação aos outros esportes. Acreditamos que essas
características possam revelar os motivos de sua
grande popularidade no resto do mundo, a despeito
do que acontece aqui no Brasil.
Segundo os estudos e relatos disponíveis, a
prática esportiva pode trazer vários benefícios para
o homem. Nessa perspectiva, de acordo com Breen,
o Badminton proporciona uma exercitação de
moderada a vigorosa, que pode contribuir para a
melhora da eficiência do sistema cardiovascular e para
“...o desenvolvimento de várias valências físicas, tais
como: agilidade, flexibilidade, equilíbrio, resistência e
a manutenção do tônus muscular” [1].
Rutledge e Friedrich apresentam como benefícios fisiológicos do badminton o fortalecimento dos
membros superiores e inferiores, o desenvolvimento
do sistema cardiorrespiratório, “...da resistência, da
coordenação neuromuscular e da agilidade...” [2]. Os
autores concordam com a idéia de que o Badminton,
por meio da emoção e alegria, reduz a tensão, satisfaz
o ego e traz a realização pessoal; assim como,
preenche as necessidades psicológicas de jogar, se
divertir e expressar emoções.
Breen [1] argumenta que a esfera de ação do
badminton dá oportunidade a todos de conhecer o
conceito de jogo. Na infância, esse conceito está ligado
às experiências divertidas. Enquanto no adulto, àquelas
que proporcionam momentos de exaltação e orgulho
em oposição à depressão. Para o autor, o Badminton
é tido como uma modalidade esportiva na qual é
possível efetivar a integração social de vários
segmentos da sociedade. Sua prática é adequada a
homens, mulheres, jovens e idosos, tornando muito
popular a participação familiar.
Segundo o autor, a frase “você está muito velho
para fazer isso e aquilo” é comumente ouvida pelos
adultos. Tendo em vista que no badminton um nível
relativamente alto de sucesso pode ser alcançado em
qualquer idade. Esse esporte parece ser ideal para
promover a negação deste tipo de argumento. No
campo psicológico, o autor afirma, que os movimentos vigorosos do Badminton podem contribuir
com a diminuição das tensões emocionais.
Grice acredita que o badminton atrai grupos de
todas as idades e níveis de habilidade, tanto no
homem, quanto na mulher. Para o autor, o jogador
de “...Badminton pode aprender e apreciar benefícios
sociais, recreacionais e psicológicos...” [3].
Além dos benefícios fisiológicos, psicológicos
e sociais, que a prática do Badminton pode proporcionar, é muito comum encontrarmos referência a
uma variedade de elogios apontando outras vantagens
que esse esporte apresenta.
Davis ressalta que uma vantagem do Badminton
reside no fato de que o jogador iniciante rapidamente
se torna bom praticante, o suficiente para sustentar
agradáveis e prolongados rallies [4]. Entende-se por
ralllies o sustento de golpes sucessivos de um lado para
outro pelos jogadores oponentes [5], ou simplesmente
a troca de golpes durante uma jogada [1].
No caso do Badminton, um rally termina quando
a peteca [1] fica fora de jogo, ou seja, quando ela toca o
solo. Peteca é o termo comumente utilizado no Brasil
como tradução de shuttlecock, implemento que é golpeado
por meio da raquete. Davis defende que esta modalidade
esportiva é “...um jogo que qualquer pessoa, mesmo
com um mínimo de noção de bola, pode rapidamente
fazer rallies” [6] e que “...o iniciante pode fazer um jogo
divertido já na primeira vez que joga” [7].
Essas características parecem tipificar essa
modalidade como um instrumento valioso a ser
utilizado em um processo educacional.
Admitimos que embora seja difícil jogá-lo com
maestria, o Badminton é um esporte fácil de aprender
no qual o iniciante sente prazer imediatamente, logo
nos primeiros contatos com a modalidade.
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Samuel acredita que o jogo de Badminton “...é
uma atividade altamente sociabilizadora, pois a maioria
das crianças e adultos pode jogar com sucesso logo
depois de ser introduzido ao jogo. O autor revela
que em um trabalho inédito, Docherty D. comparou
a facilidade de aprendizagem do Tênis com a do
Badminton por meninas de 15 anos nas aulas de
Educação Física. O pesquisador obteve, entre outros,
os seguintes dados: nas aulas de Tênis, em um período
de 40 minutos a maioria das alunas deu somente de
15 a 20 batidas na bola e essa situação não mudou
durante todo o ano, enquanto que nas aulas de
Badminton, as alunas aprenderam a golpear a peteca
na quarta aula e na décima lição já estavam obtendo
bons resultados. Castilho escreveu que “...a principal
vantagem do Badminton é ser muito fácil de aprender.
Enquanto no Tênis são precisos meses até que se
consiga devolver a bola corretamente, no Badminton
a identificação com a raquete é praticamente imediata
“[8] No nosso modo de ver, o autor refere-se não
só à raquete, como a todos os implementos e ao
próprio jogo em si. Ong Sioe Khing, presidente da
Associação Paulista de Badminton, no ano de 1986,
argumenta, com base em sua vivência, que nesta
modalidade esportiva “a técnica e a tática são bem
mais fáceis de assimilar que no Tênis” [9].
A comparação entre o Badminton e o Tênis,
no que tange ao tempo de demora para inserção do
praticante iniciante, tem sido uma constante,
principalmente nos veículos que buscam a popularização da prática de atividades físicas. Talvez isso
aconteça em função da segunda ser uma modalidade
mais conhecida no Brasil.
Reitzfeld acostumado a lidar com o ensino e treino
de esportes de raquete admite que o Badminton “...é o
jogo de raquete mais fácil de se aprender....” [10].
Apesar de acreditarem que os jogadores mais
avançados são os que alcançam a maior satisfação com
o jogo, Vannier e Poindexter concordam com a idéia de
que o “...o iniciante pode aprender rapidamente a golpear
a peteca para cá e para lá através da rede...” [11].
Os autores e práticos são unânimes em afirmar
que o fato deste esporte não possibilitar o contato
físico entre os adversários e ser praticado com um
material muito leve, reduz a probabilidade de
ocorrerem acidentes e lesões durante o jogo. Samuel
ressalta que “...normalmente o Badminton não causa
lesão ou oferece perigo para os participantes...” [8],
sendo este um dos critérios que possibilitam sua
prática em qualquer idade. Rutledge e Friedrich
lembram que o “...Badminton é um dos poucos
esportes que podem ser jogados com razoável
segurança, ainda que se usem óculos...” [2]. Para
Vannier e Poindexter a mínima possibilidade de
ocorrerem acidentes é um dos motivos que tornam
o jogo ideal para qualquer ocasião [11].
Certamente sabemos que há uma certa exacerbação na defesa do Badminton como sendo uma
atividade inócua no que diz respeito à indução de lesões
corporais. Sabemos, principalmente com o atual estado
da arte na compreensão da influência dos aspectos
Biomecânicos na instalação de quadros lesivos em
função de práticas esportivas, que não existe atividade
totalmente não lesiva. Porém, disto não temos dúvidas,
o Badminton apresenta características que o tornam
uma modalidade com muito menor probabilidade de
gerar lesões corporais e, portanto, acessível a um
número grande de tipos de pessoas. Sendo assim, por
ser um jogo muito fácil de aprender, no qual o risco
de acidentes e lesões é pequeno, pode levar-nos a
acreditar que outra importante característica do
Badminton é a de que ele pode ser praticado
regularmente por homens e mulheres de diferentes
idades, condições físicas e mentais.
Breen defende a idéia de que o Badminton
oferece lazer e oportunidade para qualquer pessoa,
podendo ser jogado por crianças, adultos e pessoas
da terceira idade de ambos os sexos, sendo por isso
comumente chamado de esporte familiar. O autor
ressalta que, diferentemente de muitos esportes, um
nível relativamente alto de sucesso pode ser alcançado
pelos idosos. Da mesma forma, o Badminton
também dá oportunidade para a participação de
pessoas com necessidades especiais.
Rutledge e Friedrich esclarecem que o “...Badminton
pode ser jogado quase que por qualquer pessoa: jovem
ou anciã, alta ou baixa, obesa ou magra, homem ou
mulher...”. Complementam dizendo que “...o jogo
constitui um bom exercício para todas as pessoas...”, e
que “...a participação conjunta de jovens e velhos de ambos
os sexos é somente uma de muitas vantagens sociais que
podemos atribuir ao Badminton. Muito poucas atividades
se prestam tão eficazmente para a participação de homens
e mulheres. Um pai e filho, ou toda uma família, podem
desfrutar do jogo, juntos...” [2]
Ao destacar a participação de pessoas da terceira
idade, os autores argumentam que “...muita gente de
idade avançada pratica este jogo com regularidade...”.
Acrescentam ainda que ele “...pode ser praticado por
toda uma vida...” e esclarecem que “...quanto mais se
envelhece, tanto menor é a atividade que se necessita
(...) o Badminton é uma classe de atividade que pode
ser gozada sem que se exija mais participação ativa
do que a desejada pelo jogador...”. No clímax de
suas considerações acerca deste assunto, eles concluem
que “...o Badminton, como entretenimento e como
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
atividade física metódica, pode acrescentar anos a sua
vida e vida a seus anos...”. [2] Neste sentido, Davis
afirma que “...qualquer um, homem ou mulher, de
seis ou sessenta anos, pode jogar...” [3]. O autor
esclarece que a leveza do material utilizado permite
que qualquer pessoa pratique Badminton, sem maiores
problemas, até uma idade avançada.
Para Seidel o “...Badminton é um jogo
apreciado por indivíduos de todas as idades e
habilidades. (...) o custo e as facilidades do jogo ajudam
a torná-lo um esporte que se adapta a indivíduos de
diferentes idades e habilidades...”. O autor lembra
também que o “...desafio fornecido atrai o homem e
a mulher, o jogador recreacional e o ávido
entusiasta...” [12].
De acordo com Paulo Prouvot “...é possível
jogar Badminton em qualquer idade. Isto porque o
ritmo do jogo varia em função do nível dos
jogadores...” [8]
Como o título de Badminton – The lifetime Game
of the Future, Samuel declara em seu texto que o
“...Badminton reúne todos os critérios necessários para
que um esporte seja praticado durante toda uma vida.
O jogo pode ser praticado igualmente por indivíduos
jovens e idosos e por homens e mulheres juntos...”
[8]. O fato de os torneios da Associação de
Badminton dos Estados Unidos, incluindo o
campeonato nacional, acontecerem em nove grupos
de faixas etárias, de 11 até 70, dá uma idéia da
diversidade da idade dos praticantes.
Dentro do debate acerca das facilidades e vantagens
há, em princípio, uma pequena discordância em relação
ao local onde podemos praticar o Badminton. Embora
alguns afirmem que o esporte pode ser praticado nos
formatos indoor e outdoor, eles não deixam claro que, em
nível competitivo, é praticamente impossível praticá-lo
ao ar livre, pois, devido à leveza da peteca, uma simples
brisa desvia a sua trajetória. Em treinamentos profissionais
e competições oficiais, por exemplo, não se recomenda
a prática outdoor.
Do ponto de vista dos conceitos de aprendizagem motora, de acordo com a classificação
proposta por Gentile [13], as habilidades motoras
relativas ao Badminton são abertas, ou seja, as ações
desenrolam-se em um ambiente que muda no tempo
e no espaço. A ação externa do vento agindo sobre a
peteca, não só aproximaria as habilidades motoras
da extremidade desse espaço contínuo, como
influenciaria no resultado do jogo, tornando o
contigencial um fator crucial para o decurso do jogo.
Isto não impede, entretanto, que o Badminton
seja praticado de maneira informal em ambientes
outdoors, como parques, jardins e até mesmo na praia.
Algumas pessoas defendem a prática do
Badminton unicamente em locais fechados e vêem
nisso uma vantagem. Neste sentido, Davis explica que
“...principalmente no inverno, ele proporciona
exercício e diversão a despeito da neve, neblina, chuva
e escuridão do inverno, enquanto outros esportes estão
em paralisação...” [6].
O fato de não existirem limitações climáticas
para a sua prática é um dos fatores que levaram Khing
a afirmar que o Badminton “...é o esporte do povo,
em países como China, Índia e Japão, e faz uma
concorrência tão grande que tem impedido a
expansão do tênis profissional entre chineses e
japoneses...” [13].
Castilho, no entanto, argumenta que o fato de a
modalidade não poder ser praticada ao ar livre parece
ser a sua única desvantagem. [8]
Não há dúvidas de que a prática indoor independe
das condições climáticas, podendo acontecer em
qualquer época e em qualquer região. Em princípio,
esse fato pode não parecer relevante para um país
com as condições climáticas como as do Brasil e até
mesmo representar uma desvantagem, como pensa
Castilho. Mas, se lembrarmos que no verão de
diversas cidades do Brasil o sol escaldante limita e,
por muitas vezes, impede a realização de atividades
físicas e que a chuva leva à interrupção ou
cancelamento de jogos previamente marcados, o fato
de ele ser considerado uma atividade prioritariamente
indoor pode muito bem ser uma vantagem.
Ao traçarmos uma ligação do Badminton com
outros esportes de raquete com o tênis e o squash,
temos a impressão de que se trata de um esporte que
requer altos recursos financeiros. Entretanto esta não
é a realidade. Davis e Seidel concordam com a idéia
de que o equipamento para iniciantes pode ser de
expressivo baixo custo. Breen argumenta que “...um
custo mínimo proporciona a todos a oportunidade
participar...”. [2]
Vannier e Poindexter lembram que “...o
equipamento necessário é barato...” e este é um dos
motivos que tornam a prática do Badminton uma
“...atividade ideal para escolas, campos, organizações
e diversões caseiras e familiares...”. [11]
Assim, o custo relativamente baixo para a prática
do Badminton pode ser apontado como mais uma
vantagem desse esporte.
Existe unanimidade em afirmar que outra grande
vantagem do Badminton é que a modalidade requer
espaços relativamente pequenos. Na área necessária para
uma quadra de futsal, handebol, basquetebol ou tênis
de campo, é possível demarcar quatro quadras de
Badminton. Considerando-se que essas quadras podem
&%
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
ser todas ocupadas por jogos de duplas, teremos 16
pessoas praticando ao mesmo tempo, mais do que
em qualquer dos desportos coletivos citados.
Esse tipo de ocorrência faz com que se
possibilite a prática do Badminton, mesmo se tratando
de um esporte individual, em situações nas quais
encontramos um grande número de pessoas, como
nas turmas escolares. Sendo assim, o fato de ocupar
espaços relativamente pequenos parece ser outra
grande vantagem do Badminton.
Desde a criação da primeira associação nacional
de Badminton, em 1893, na Inglaterra, até os dias
de hoje, o badminton apresenta uma crescente
popularização.
De acordo com Rutledge e Friedrich, o
primeiro campeonato nacional aconteceu em 1893,
em 1910 já havia mais de 300 clubes de Badminton
na Inglaterra. O esporte ganha o mundo, e em 1934
é fundada a Federação Internacional de Badminton.
Para termos idéia do que o Badminton
representa para a Ásia, recorremos ao indonésio Ong
Sioe Khing, que chegou ao Brasil em 1963 e estranhou
o total desconhecimento do esporte, tão tradicional
em seu país natal. Segundo Khing, “...o Badminton
na Ásia é como o futebol na América do Sul...” [10]
Em 1986, como nos revela Dalcim, o
Badminton já era uma das modalidades esportivas
mais populares na Ásia e Europa, atingindo cerca de
180 milhões de praticantes em 70 países. Em países
como China, Índia e Japão, ele já era considerado
um esporte do povo.
Tanese esclarece que em 1986 o Badminton só
era pouco desenvolvido na América do Sul, América
Central e África. [14]
Segundo Samuel, uma reportagem feita pelo
Conselho de Esporte Britânico, em 1979, revelou que
o Badminton tornou-se o esporte com maior número
de participantes nas Ilhas Britânicas. O autor ressalta
também uma reportagem feita pelo colunista
Frederick C. Kein, no Wall Street Journal, em 1987,
que revela que “...na Inglaterra, o Badminton vem
crescendo em uma proporção fantástica com uns
6000 clubes, 250.000 jogadores registrados e outros
2,5 milhões de participantes casuais...” [8].
Lembra o autor que a despeito do status do
badminton nos Estados Unidos, ele é extremamente
popular na Europa e Ásia. O Badminton é o esporte
nacional da Indonésia e da Malásia e extremamente
popular na China, Japão, Dinamarca, Canadá,
Inglaterra, Coréia do Sul e Tailândia. Apesar de não
ser considerado ume esporte muito popular nos
Estados Unidos, o autor esclarece que “...em 1985
havia cerca de 50.000 jogadores de Badminton nos
Estados Unidos...” [2].
Paige, numa publicação de 1985, afirma que “...o
badminton é o maior esporte de raquete no mundo,
nenhum outro está sequer perto. Foram exportados
em Taiwan 70 milhões de raquetes de Badminton
somente em 1984” [2].
O então presidente da Associação de Badminton
dos Estados Unidos, Stanton Hale, afirma na edição
de 18 de agosto de 1987 do Wall Street Journal que
“...somente na Califórnia do Sul mais de 2000
jogadores de Badminton em quase 90 escolas
secundárias competem todas as primaveras em
competições escolares...” e que “...a cada ano a United
States Badminton Association sanciona mais de 150
torneios...”
A popularidade mundial do Badminton foi
confirmada durante os Jogos Olímpicos de 1992,
quando o número estimado em 1.1 bilhão de
espectadores em todo o mundo assistiu pela televisão
aos jogos que marcaram a estréia do referido esporte
no evento.
Grice não deixa dúvidas de que o Badminton
“...é um dos esportes mais populares do mundo...”,
e que na Grã-Bretanha ele continua reinando como o
esporte número um. Segundo o autor, “...o número
de jogadores registrados na Inglaterra é de quase dois
milhões” [2].
Atualmente 131 países são membros da
International Badminton Federation e o Badminton
é considerado o segundo esporte mais praticado no
mundo.
Conclusão
Percebe-se que os benefícios fisiológicos,
psicológicos e sociais adquiridos com a prática do
Badminton; a facilidade em aprendê-lo; o pequeno
risco de acidentes e lesões; a possibilidade de uma
extensa faixa etária de praticantes com diferentes graus
de aptidões físicas ter condições de praticá-lo; o fato
de não existirem limitações climáticas; o baixo custo
e o uso de espaços relativamente pequenos formam
um conjunto de vantagens que pode ser a razão desse
esporte apresentar, em vários lugares do mundo,
números expressivos no que diz respeito à quantidade
de praticantes. Números que superam, em muito, o
de outros esportes mais conhecidos no Brasil.
Esses números, principalmente para nós
brasileiros, podem parecer exagerados e até absurdos,
pois aqui, no nosso país, o referido esporte apresenta
uma realidade totalmente diferente dessas até aqui
apresentadas.
Interessante notar que, apesar das vantagens e
facilidades apresentadas, para além de constituir um
esporte de grande expressão na cultura olímpica, o
&&
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Badminton não faz parte da nossa cultura esportiva,
sendo praticamente desconhecido em grande parte
do Brasil.
Acreditamos que em favor de uma cultura
esportiva diversificada, torna-se mister adquirir e
divulgar conhecimentos que possam explicar o porquê
desse estado da arte.
Procurando estabelecer estratégias para desvelar
possíveis causas para a instalação desse quadro,
dedicamo-nos a desenvolver um estudo, com
enfoque nos processos que levam à formação e
mudança de cultura. Julgamos ser importante
determinar os principais fatores que podem
influenciar, inibindo ou facilitando, a incorporação de
uma determinada modalidade esportiva a uma cultura
já existente, para que possamos, com base nestes
dados, difundir a modalidade e fazer uso de seu
potencial educativo na formação plena das pessoas.
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Athletic Institute, 1983.
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TANESE, I. Badminton. Match Point. São Paulo: n.3,
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&'
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
COMUNICAÇÃO BREVE
Considerações a respeito
da relação professor-aluno
no contexto da reabilitação cardíaca
Consideration about teacher-student relationship
in the cardiac rehabilitation context
Jerusa Mônica de A. Souza, M. Sc.
Instituto de Educação Física e Desportos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Resumo
Este ensaio foi elaborado com o objetivo de apresentar algumas reflexões acerca da relação professor-aluno em aulas de
Educação Física voltadas à reabilitação cardíaca. Uma abordagem de cunho exploratório no Programa de Reabilitação Cardíaca da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro permitiu identificar dados empíricos acerca do que seja o bom professor, na
perspectiva dos alunos. Os dados obtidos nessa fase exploratória indicam ser necessário, e urgente, a realização de investigações
específicas, com o propósito de identificar a precisão e possível grau de inferência das evidências observadas.
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Palavras-chaves: Educação física, intervenção pedagógica, relacionamento inter-pessoal, reabilitação cardíaca.
Abstract
The purpose of this essay was to show some reflection about teacher-student relationship in the cardiac rehabilitation
classroom. Exploratory approach in the University of the State of Rio de Janeiro cardiac Rehabilitation program revealed
empirical data about the good teacher, in the students’ perspective. Evidences obtained in this exploratory phase indicate that is
necessary, and urgent, the realization of more specific research, intending to identify the precision and the inference degree of the
observed evidences.
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Key-words: Physical education, pedagogic intervention, inter-personal relationship, cardiac rehabilitation.
Artigo recebido em 22 de setembro de 2004; aceito em 22 de abril de 2004.
Endereço para correspondência: Jerusa Mônica de A. Souza, UERJ, Instituto de Educação Física e dos Desportos, Rua
São Francisco Xavier, 524, 20550-013 Rio de Janeiro, RJ.
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ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Introdução
Entendo que o processo ensino-aprendizagem
se estabelece na medida em que interagimos distintos
elementos, tais como: conteúdos de ensino, métodos,
objetivos, professor e aluno, os quais Faria Jr 1
identificou como componentes fundamentais do
processo didático e continuam sendo. Neste contexto
a interação professor-aluno, segundo Libãneo2, é um
aspecto importante da trama didática voltada à
concretização, completa ou parcial, dos objetivos
previstos para o processo de ensino. Sendo assim,
proponho-me, neste breve ensaio, tecer algumas
considerações a respeito desta relação, a partir de
indicativos oriundos de duas fontes, a saber: a) na
literatura, os quais tenho procurado examinar, no
decurso de minha prática profissional, na expectativa
de poder estimar o impacto desta relação na mudança
de comportamento do aluno, no que diz respeito à
busca de uma atitude mais positiva do mesmo, com
relação à prática da atividade física voltada à
reabilitação cardíaca; b) da minha vivência como
professora em um programa voltado a reabilitação
cardíaca.
Relação professor-aluno
“O verdadeiro fazer-didático é aquele capaz de refletir
corretamente cada situação de aprendizagem a partir
do exame concreto da realidade onde educador e
educando estão inseridos, envolvendo, cuidadosamente
todos os dados necessários à sua solução que
intrínsicamente será sempre parcial, porém aproximarse-á mais das necessidades.”3
Como professora de Educação Física do
programa de reabilitação cardíaca da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (PRC-UERJ), há
doze anos, pude perceber que os momentos de
interação professor-aluno compartilhados no
cotidiano das aulas, eram instantes vividos de forma
bastante espontânea, alegre e integradora. De
acordo com Haidt4, é justamente no contexto da
sala de aula , no convívio diário com o professor e
com os colegas, que o “...aluno vai paulatinamente
exercitando hábitos, desenvolvendo atitudes e assimilando
valores...”. Estas perspectivas da relação professoraluno, no meu entender, são fundamentais no
trabalho pedagógico, principalmente em contextos
de tão grande especificidade, como é o caso da
reabilitação cardíaca. Deste modo, se
conseguirmos identificar os fatores intervenientes
em sua dinâmica, assim como os mecanismos
pelos quais ela se processa, poderemos desenvolver
ações de intervenção mais precisas e produtivas
no sentido de desencadear mudanças comportamentais em nossos alunos.
Fico ainda mais inclinada a aceitar essa
possibilidade como um fato concreto e significativo
quando constato que vários estudos ressaltam a
importância da mudança de comportamento dos
indivíduos, na busca de hábitos de vida mais
saudáveis, como sendo essa essencial para a melhora
da qualidade de vida da população que padece de
problemas cardíacos. Concluo, portanto, que a
importância do papel interventivo do professor,
junto ao aluno, de forma a orientá-lo nesse processo
de mudança é um fato.
A apreciação de evidências empíricas presentes
no contexto de minha prática docente no PRC-UERJ,
levou-me a identificar indicadores que apontam para
as dimensões da representação da relação professoraluno, a partir das imagens e conceitos formados pelos
sujeitos participantes. Verifiquei, nas falas dos mesmos,
expressões acentuadamente positivas no que diz
respeito à relação professor-aluno, onde o aspecto
afetivo foi sempre muito ressaltado.
Neste sentido, Cunha, destaca que as justificativas
apresentadas pelos alunos ao escolherem o “o bom
professor”, estão muito voltadas para as questões
pertinentes à relação professor-aluno. Estes enfatizam
os aspectos afetivos no momento da escolha embora,
valorizem o professor que é exigente e que cobra as
tarefas. Esta questão do controle das atividades pelo
professor, também foi constatada em nossas
explorações, denotando a atenção, o incentivo e o
cuidado do professor com o aluno.
A competência profissional também é um
aspecto ressaltado, nas falas dos sujeitos, perpassando
a idéia de segurança e confiança no trabalho
desenvolvido. Este fato é corroborado por autores
como Rangel5 e Cunha, quando relatam , que é difícil
o aluno, ao apontar o “bom professor”, não levar em
consideração a competência profissional do mesmo.
A idéia do professor amigo, da relação ser de
igual para igual, ou seja, o lado humano da relação,
também fica evidenciado na fala dos sujeitos. Enricone
e outros compartilham desta visão abrangente da
relação professor-aluno destacando que a prática
educativa, estabelecida a partir dessa interação,
extrapola os limites da sala de aula constituindo-se
também numa prática social.
Finalmente, parece ser dada importância à imagem
do professor como elemento incentivador do processo
ensino-aprendizagem. Seu bom humor, a sua
participação nas atividades propostas e o seu entusiasmo
ao desenvolver o trabalho, características apontadas por
alguns participantes, parecem coadunar gerando um
'
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
mecanismo que age incentivando o processo de
aprendizagem, tornando-o agradável e prazeroso para
o aluno. Neste sentido, Matos e Graça e Haidt6, destacam
a função do professor de transformar o processo ensinoaprendizagem em algo importante e prazeroso para o
aluno. Acreditam, estes autores, que o interesse e o prazer
na tarefa a ser desempenhada é que conduzirão o aluno
ao sucesso da aprendizagem.
Considerações finais
Em síntese, acredito ser pertinente discutirmos
o delineamento de uma didática específica em
Educação Física, não importando qual seja a
especificidade do setor de atuação do professor.
Vislumbro na relação professor-aluno um dos pontos
a serem trabalhados no contexto desta discussão e,
como demonstrei, existem evidências empíricas que
constituem um ponto de partida no sentido de uma
melhor compreensão deste quadro, no que tange à
relação professor-aluno em programas de reabilitação
cardíaca. Evidências essas que encontram respaldo
na literatura relacionada com o quadro problemático
no qual está contido o presente tema.
Ao que parece os aspectos da relação professoraluno, aqui evidenciados, reforçam a necessidade do
professor , buscar informações em diferentes áreas
de conhecimento para fundamentar a sua prática, de
forma a atender as necessidades do aluno, propor-
cionando ao mesmo vivências com a prática da
atividade física, onde a competência técnica e o prazer
estejam presentes.
Porém trata-se de evidências empíricas, não
sendo possível, no presente momento, inferir tais
achados para um grupo maior de sujeitos. Sendo
assim nosso passo consistirá em desenvolver um
processo de investigação devidamente estruturada, no
sentido de precisar os achados acima assim como
determinar a sua abrangência.
Entendemos que resultados de estudos com este
teor possam contribuir, significativamente, com a
concretização de processos pedagógicos que ajam
sobre a totalidade do ser humano, configurando a
Educação Física como ato educativo complexo e pleno.
Referências
1.
2.
3.
4.
5.
6.
FARIA JR, A. G. Introdução à didática de educação física.
Rio de Janeiro: Fórum, 1974.
LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
CANDAU, V. M. (Org.). A didática em questão.
Pressupostos teóricos para o ensino da didática.
Petrópolis: Vozes , 1996. p. 38-46.
HAIDT R. C. C. Curso de didática geral. São Paulo: Ática
1994, p. 55.
RANGEL, M. Representações e reflexões sobre o bom
professor. Petrópolis: Vozes, 1994.
HAIDT R. C. C. Curso de didática geral. São Paulo: Ática
1994. ♦
'
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Resumos
Ronald M. Evans, et al., PLoS
Biology, Agosto de 2004
Pesquisadores criam “rato maratonista”
Ao potencializar a função de apenas uma proteína, pesquisadores
do Instituto Médico Howard Hughes, na Califórnia, criaram “um rato
maratonista” geneticamente modificado capaz de correr o dobro do
normal antes de ficar exausto. Segundo os pesquisadores, o descobrimento
oferecerá pistas importantes sobre o mecanismo que ativa o
desenvolvimento muscular e as mudanças fisiológicas produzidas pelo
exercício. Além disso, também sugere uma forma de desenvolver drogas
para melhorar o desenvolvimento muscular e que podem aumentar a
resistência dos atletas. Durante os estudos, os pesquisadores exploraram
os efeitos da alteração do gene para uma proteína chamada PPAR delta –
reguladora principal de muitos genes – para potenciar a atividade dessa
proteína, mas não esperaram os efeitos fisiológicos profundos e de grande
alcance que esta única alteração genética produziria. Em trabalhos anteriores,
os pesquisadores demonstraram que em vários tecidos, particularmente
os tecidos adiposos, a ativação de PPAR delta aumentava com a queima
de gordura e, como resultado, reduzia a massa do tecido adiposo. Ao
realizar este experimento, no entanto, quando foram produzidos ratos
com atividade PPAR delta potencializada, observou-se uma transformação
importante nas fibras do músculo esquelético. Os ratos mostraram um
grande aumento nas fibras musculares do tipo I e uma redução nas fibras
musculares do tipo II. As fibras do tipo I são mais resistentes à fadiga.
Isto se deve a sua grande quantidade de mitocôndrias – centrais elétricas
metabólicas da célula mediante as quais a gordura se converte em energia.
Por outro lado, as fibras tipo II têm menos mitocôndrias e a energia é
obtida a partir da glicose em vez das gorduras. Em conseqüência, estas
fibras musculares se fadigam rapidamente. Antes da criação do rato alterado
geneticamente, a única forma conhecida para aumentar a resistência era o
treinamento físico. Os investigadores achavam que a PPAR delta
potencializada permitiria apenas que o músculo queimasse mais gordura,
mas não esperavam que o fizesse aumentando a população de fibras tipo
I. Para confirmar que o aumento na atividade PPAR delta causava a
transformação do músculo, os investigadores deram a ratos normais uma
droga experimental que ativa a proteína. A droga está sendo desenvolvida
para tratar pessoas com desordem do metabolismo lipídico. Foi observado
que o tratamento com essa droga produz benefícios musculares e
metabólicos similares ao que foi visto com o rato transgênico. Também
foi observado que os ratos alterados geneticamente eram resistentes ao
ganho de peso quando submetidos a uma dieta alta em gorduras e alta em
calorias. “Estes ratos maratonistas” são resistentes ao ganho de peso mesmo
que comam a mesma quantidade de alimentos que o rato normal e têm a
mesma atividade. Logo, sua resistência ao ganho de peso não é
simplesmente devido ao aumento de exercícios. De forma significativa, o
crescente número de fibras musculares que queimam gordura parece por
si mesmo proteger contra uma dieta alta em gorduras. Isso é importante
'!
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
porque indica que a presença de mais mitocôndrias nos músculos destes
animais provavelmente dê lugar a uma maior queima de gorduras e a
liberação de certa energia na forma de calor. Isto faz acreditar que os
corredores de grande distância, por exemplo, possuem um nível de
proteção contra o aumento de peso inclusive quando não estão fazendo
exercício. Portanto, em certo sentido, construíram um tipo de “escudo”
metabólico que evita que ganhem peso.
Além disso, quando os ratos normais receberam a droga que aumenta
a atividade de PPAR delta, mostraram uma proteção virtualmente idêntica
contra o ganho de peso. Os ratos geneticamente produzidos, também tinham
níveis mais baixos de triglicerídeos intramusculares que se associam
freqüentemente a resistência à insulina e ao diabetes em pessoas obesas. Os
ratos maratonistas receberam esse nome quando foi testada a resistência
dos animais numa roda para correr. Os ratos normais podem correr perto
de 900 metros antes de perder a força, enquanto que os ratos com PPAR
delta potencializada podiam correr 1800 metros, ou mais que uma milha,
antes de ficar sem combustível. Além disso, o rato maratonista corre uma
hora a mais do que os 90 minutos que corre um rato normal. A maioria dos
fisiologistas acredita que a melhora do funcionamento por meio de treino é
um processo complicado. O treinamento atlético modifica não só o conteúdo
da fibra muscular como também melhora a circulação e a inervação dos
neurônios motores desses músculos. O treino também re-desenha o coração
para permitir que bombeie um maior volume de sangue.
Portanto, os investigadores não esperavam que a mudança em um
gene no músculo levasse a câmbios coordenados ao longo do corpo, que
vão desde o sistema nervoso até o sistema cardiovascular e ao próprio
músculo. Mas, o mais notável sobre este experimento é que a única mudança
parece reorganizar o sistema inteiro. Isso indica que este complicado sistema
pode modificar trocando-se apenas uma parte. Também demonstra que
pode ser modificado geneticamente, sem o exercício mesmo. Isto significa
que a ativação desta via poderia ser muito proveitosa para os pacientes
que, de outra maneira, não poderiam fazer exercícios devido a seu peso
ou a outros problemas que causem complicações. As drogas que ativam a
via de PPAR delta poderiam aumentar a força muscular, combater a
obesidade e proteger contra o diabetes. Adicionalmente, elas permitiriam
as pessoas, como aos ratos, comer a mesma quantidade, mas aumentaria
seu metabolismo para queimar mais energia. Os atletas poderiam abusar
de tais drogas, já que poderiam tomá-las para melhorar seu rendimento.
Noyes FR et al., Bone Joint Surg
Am. Julho de 2004
Transplante de menisco
Objetivo: O objetivo deste estudo foi avaliar os resultados de transplante
de menisco em pacientes jovens depois de ter realizado uma meniscectomia.
Métodos: Quarenta meniscos criopreservados foram implantados em
38 pacientes. 16 joelhos tiveram também transferências de auto-enxertos
osteocondrais e 9 tiveram a reconstrução do ligamento do joelho. Os
resultados clínicos e o índice de falha de todos os transplantes foram
avaliados 40 semanas pós-operatório. As características de auto-enxerto
do menisco foram determinadas utilizando um sistema que associava
fatores subjetivos, clínicos e ressonância magnética.
Resultados: Trinta e quatro pacientes (89%) disseram que houve uma
melhora significativa no joelho. Antes da cirurgia, trinta pacientes (79%)
sentiam dores exercendo as atividades diárias, mas apenas quatro (11%)
'"
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
sentiam dor no final do acompanhamento médico. Enquanto uma dor
acentuada estava presente na articulação tibiofemural de todos os quarenta
joelhos antes da cirurgia, vinte e sete (68%) não sentiam dor e treze (33%)
sentiam dor moderada na articulação no final do acompanhamento médico.
Vinte e nove pacientes (76%) retornaram a praticar esportes leves de baixo
impacto sem problemas. Concomitante, os procedimentos de transferência
de auto-enxerto osteocondral e reconstrução do ligamento do joelho
melhoraram a função do joelho e não houve aumento no índice de
complicações. As características de auto-enxerto do menisco foram normais
em dezessete joelhos (43%), houve alterações em doze (30%), e fracassaram
em onze (28%).
Conclusões: Os resultados de transplante de menisco são encorajados
em termos de redução da dor e melhora da função do joelho.
David S Ludwig et al., The Lancet
2004;364(9430)
Reduzir o consumo de televisão deveria ser uma
prioridade de saúde pública
Estudo neozelandês confirma que passar mais de duas horas diárias
diante da televisão durante a infância e a adolescência piora a saúde ao
chegar na fase adulta. Os pesquisadores acompanharam um grupo de mil
crianças desde os três anos de idade até os 26, e calcularam em que medida
a “caixa boba” contribui para o agravamento da saúde a médio prazo.
Assim, depois de descartar outros possíveis fatores, a culpam diretamente
dos casos de obesidade (17%), níveis altos de colesterol (15%), tabagismo
e 15% não estão com a forma física adequada. Ainda que os efeitos não
tenham conseqüências clínicas imediatas, os autores enfatizam que estão
reconhecidos claramente como fatores de risco cardiovascular que poderão
trazer problemas no futuro. As razões deste pernicioso efeito radicam,
em sua opinião, que o meio audiovisual oferece um ócio passivo que
rouba o tempo que as crianças deveriam se dedicar a atividades que
implicam mais exercício físico. Os especialistas recomendam não ultrapassar
as duas horas diárias de TV. A tendência ao sedentarismo predispõe a
obesidade. O ganho de peso recebe também a influência da publicidade,
que incita a seguir hábitos pouco saudáveis, caracterizados pelo alto
consumo calórico. Por este motivo, pesquisadores consideram que chegou
o momento de “proibir a publicidade alimentar direcionada as crianças”.
Quanto ao tabagismo, os investigadores apontam que as pessoas continuam
fumando em programas de TV e filmes e vários esportes são patrocinados
pelas empresas de cigarro, o que leva ao consumo.
M Clare Robertson, et al., BMJ
2001;322:1-5
Exercícios em casa reduzem quedas em idosos
Aproximadamente um terço das pessoas acima de 65 anos sofrem
quedas a cada ano, uma porcentagem que aumenta entre 31% e 35%
quando ultrapassam os 85 anos. Apenas com a realização de um programa
de exercícios em casa, supervisionado por enfermeiras preparadas, essas
cifras poderiam ser reduzidas e diminuir assim as lesões produzidas por
escorregões e tropeções. Os investigadores analisaram previamente a
eficácia, em pessoas com 75 anos ou mais, dos programas de exercícios
individuais orientados por uma enfermeira. Um total de 240 mulheres e
homens participou do estudo, dos quais 121 receberam treinamento e
119 fizeram parte do grupo controle. Os exercícios, prescritos por geriatrias
e fisioterapeutas, estavam direcionados para o alongamento e exercícios
'#
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
de equilíbrio, que aos poucos aumentavam a dificuldade, assim como um
programa de caminhadas dirigidas. A intenção era que os participantes
realizassem os exercícios pelo menos três vezes por semana durante sessões
de 30 minutos e que caminhassem duas vezes durante a semana. As
enfermeiras comprovaram a adesão a este treinamento que, posteriormente, foi comprovado através de entrevistas telefônicas. Os dados
demonstram que a incidência de quedas foi reduzida em 46% no grupo
que praticou exercícios em comparação com o grupo controle. Além
disso, enquanto que com os que praticaram esporte não houve nenhuma
hospitalização secundária a uma queda, cinco pessoas do outro grupo
tiveram de ser hospitalizadas por este motivo. Os investigadores insistem
em afirmar que os programas reduzem tanto o número de quedas como
a gravidade das mesmas e o número de internamentos e que existe uma
relação custo-benefício mais favorável entre as pessoas idosas.
Daryl A. Rosenbaum, et al., Phys
Sportsmed 2002;30(5)
Lesões na prática de windsurfing
Apesar de se atingem velocidades superiores aos 50 km por hora e,
em certas ocasiões, saltos de até cinco metros de altura, o windsurfing é
uma atividade pouco perigosa, sempre que o material se encontre em
boas condições. O estudo indica que esta atividade apenas produz em
média uma lesão por cada mil horas de prática. As extremidades inferiores
parecem ser as mais afetadas, com um total de 45% do total de lesões
registradas, na frente das superiores (19%) e as da cabeça e pescoço, que
representam 18%. As entorses de tornozelo parecem ser o problema mais
freqüente. Talvez o caso mais típico de lesão neste esporte, consista em
que o praticante, possa perder o equilíbrio e cair, ainda que mantenha o pé
preso na prancha. Esta situação gera forças que puxam pela articulação
do tornozelo em sentido contrario e, em conseqüência, ocorre uma lesão
do ligamento do tornozelo. Quanto às extremidades superiores, o
traumatismo mais comum normalmente é a luxação do ombro. O
windsurfing também provoca lesões na coluna devido às diferentes forças
que incidem sobre a coluna vertebral, especialmente na região lombar, ao
sustentar e manobrar a vela. Os problemas costumam se tornar crônicos
e, curiosamente, acontecem com maior freqüência com os que têm o
hábito de realizar saídas de longa duração e em zonas de ventos fortes.
Quanto à segurança daquele que pratica esta atividade, o equipamento é a
parte mais importante pois visa a sua proteção. Os fabricantes de material
especializado para este esporte começam a tomar medidas para reduzir as
lesões: a primeira delas consiste em trocar os materiais usados para prender
o pé na prancha. O objetivo é a liberação mais fácil deste membro,
impedindo-o de ficar preso no momento da queda.
R Artal et al, Br J Sports Med
2004;37:6-12
Exercícios durante a gravidez e pós-parto
Gravidez não deveria ser um estado de confinamento, e as mulheres
grávidas sem qualquer tipo de complicação deve ser estimuladas a continuar
ou iniciar atividades físicas.
Atletas de passatempo ou competidoras sem nenhum tipo de
complicação na gravidez podem continuar ativas durante a gestação. Todas
as mulheres grávidas ativas devem fazer exames periódicos para verificar os
efeitos de seus programas de exercícios no desenvolvimento do feto, e
assim fazer os ajustes quando necessários. Mulheres com risco ou problemas
'$
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
obstétricos devem ser avaliadas antes de se recomendar a prática de atividade
física durante a gravidez. Apesar do fato de que a gestação está associada a
mudanças anatômicas e psicológicas, está confirmado que os exercícios trazem
grandes benefícios à maioria das mulheres e os riscos são mínimos.
E A L M Verhagen, Br J Sports Med
2004;38: 477-481
Estudo de coorte sobre lesões no voleibol
Objetivo: Avaliar a incidência total de lesões graves e descrever os
fatores associados com distensão do tornozelo.
Métodos: 486 jogadores da segunda e terceira divisão do voleibol holandês
participaram do estudo e foram acompanhados durante toda a temporada.
Foram avaliados em três ocasiões durante a temporada (linha base,
acompanhamento 1, acompanhamento 2). Todos os jogadores completaram
um questionário (apenas na linha base) sobre as variáveis demográficas,
participação no esporte, uso de medidas preventivas e lesões anteriores. Foi
registrada a exposição de cada jogador durante os treinos e jogos durante
uma semana. No caso de haver alguma lesão, o técnico entregava um
formulário que deveria ser preenchido no período de uma semana.
Resultados: 100 lesões foram relatadas, resultando numa incidência
total de 2,6 lesões/1000 horas. A incidência de lesões graves foi 2,0/1000
horas. As distensões do tornozelo (n=41) foram as lesões mais graves e 31
(75%) de todos os jogadores com distensão do tornozelo relataram ter
distensões anteriores. 25 lesões por esforço repetitivo foram relatadas. A
incidência total de lesões por esforço repetitivo foi 0,6/1000 horas; o
dorso e os ombros foram as partes do corpo mais afetadas.
Conclusões: A distensão do tornozelo é a lesão mais comum no voleibol,
contabilizando 41% das lesões relatadas. Lesões anteriores parecem ser
importantes fatores de risco para a distensão do tornozelo. Os programas
de prevenção de lesões deveriam se focalizar nas distensões de tornozelo
e concentrar-se nos jogadores com distensões anteriores.
de Sant’Anna GR, Simionato MR,
Suzuki ME, Quintessence Int.
2004; 358:649-52
Odontologia desportiva: perfil bucal e salivar de um
time de futebol feminino
Odontologia esportiva tem sido considerada uma área proeminente
da odontologia, já que a saúde dental pode limitar as habilidades dos atletas,
tanto profissionais como não profissionais, em seus treinos e competição. A
cárie dentária é associada ao uso freqüente de carboidratos, recomendados
como uma fonte de energia para o exercício físico. Este estudo avaliou os
perfis salivares (pH, índice de fluxo salivar, estreptococos mutantes do grupo
mutans e lactobacilos) e os dentes cariados, perdidos e obturados de 18
jogadoras de futebol (13 a 19 anos) do Centro Olímpico de Treinamento e
Pesquisa de São Paulo, antes e depois do treino. O índice de fluxo salivar
apresentou uma redução significativa após o treino; no entanto, não houve
alteração significativa no pH. 15% das jogadoras apresentaram 10(5) a 10(6)
estreptococos do grupo mutans, e 66% apresentaram 10(3) lactobacilos.
Muitos componentes salivares protegem contra microorganismos que causam
infecções do trato respiratório superior (comum em atletas), assim como a
participação no mecanismo de remineralização durante os desafios
cariogênicos. Assim, devido ao índice de redução do fluxo salivar nesta
população com um alto número de microorganismos cariogênicos, sugerese a ingestão de alimentos não cariogênicos nos intervalos regulares e manter
os níveis de hidratação durante o treino.
'%
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
A Robertson et al., Br J Sports
Med 2004;38:173-176
Efeitos da massagem na perna para o restabelecimento
das atividades de ciclismo de alta intensidade
Objetivo: O efeito da massagem para se restabelecer de exercícios de
alta intensidade é discutível. O objetivo deste estudo foi examinar os efeitos
da massagem na perna comparada com o restabelecimento passivo da
liberação da lactato, produção da força muscular e fadiga após exercícios
repetidos de alta intensidade no ciclismo.
Métodos: Nove participantes masculinos fizeram parte do estudo.
Foram atendidos no laboratório em duas ocasiões em semanas separadas
e no mesmo horário. O consumo alimentar e a atividade foram repetidos
pelos dois dias precedentes em cada ocasião. Após as medidas na linha
base do ritmo cardíaco e concentrações de lactato no sangue, os sujeitos
realizaram um aquecimento padronizado na bicicleta ergométrica.
Acompanhados por seis exercícios padronizados de 30 segundos de
exercícios de alta intensidade, entremeados com 30 segundos de
restabelecimento ativo. Após cinco minutos de recuperação ativa e 20
minutos de massagem na perna, os sujeitos realizaram um segundo
aquecimento e o teste Wingate de 30 segundos. Amostras de sangue capilar
foram recolhidas nos intervalos e foram registrados: o ritmo cardíaco,
pico de força, média da força e índice de fadiga.
Resultados: Não houve diferença na força média durante o início dos
exercícios de alta intensidade (p=0,92). Não foi observado nenhum efeito
significativo nas concentrações de lactato no sangue (p=0,82) ou ritmo
cardíaco (p=0,81). Não houve diferença na força máxima (p=0,75) ou
força média (p=0,66) no teste Wingate, mas um índice significativamente
baixo foi observado no teste utilizando a massagem (p=0,004); índice
médio de fadiga (DP) 30,2 v. 34,2 (3,3)%.
Conclusões: Não foram observados efeitos fisiológicos mensuráveis
utilizando a massagem na perna quando comparado com a recuperação
passiva de exercícios de alta intensidade, mas o efeito subseqüente no
índice de fadiga justifica outras investigações.
El mundo, suplemento Salud, 17
de julho de 2004
Exercício de alta intensidade danifica o coração
Praticar esporte é uma das medidas mais recomendáveis para cuidar
da saúde cardiovascular. No entanto, nem todos os exercícios físicos são
adequados neste sentido. De acordo com um estudo, realizado com três
grupos de esportistas envolvidos em competições (natação, voleibol e
futebol), as atividades de alta intensidade podem exercer, precisamente,
um efeito nocivo para a saúde coronária, já que elevam os níveis de LDLcolesterol (ruim). Conforme observaram os autores deste estudo
(pertencentes ao Departamento de Fisiologia da Universidade de Granada/
Espanha) os jogadores de voleibol e os jogadores de futebol apresentavam
um perfil lipídico pior do que os nadadores.
'&
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
Normas de publicação ação & movimento
A revista ação & movimento é uma publicação com periodicidade
bimestral e está aberta para a publicação e divulgação de artigos
científicos das áreas relacionadas à Educação Física.
Os artigos publicados na ação & movimento poderão também ser
publicados na versão eletrônica da revista (Internet) assim como em
outros meios eletrônicos (CD-ROM) ou outros que surjam no futuro,
sendo que pela publicação na revista os autores já aceitem estas condições.
A revista ação & movimento assume o “estilo ABNT” (Associação
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da revista podem enviar sua contribuição (em arquivo eletrônico/
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implica na aceitação do mesmo, o que será notificado ao autor.
O Comitê Editorial poderá devolver, sugerir trocas ou retorno
de acordo com a circunstância, realizar modificações nos textos
recebidos; neste último caso não se alterará o conteúdo científico,
limitando-se unicamente ao estilo literário.
1. Editorial
Trabalhos escritos por sugestão do Comitê Científico, ou por
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Extensão: Não devem ultrapassar três páginas formato A4 em
corpo (tamanho) 12 com a fonte Times New Roman com todas as
formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobrescrito, etc; a
bibliografia não deve conter mais que dez referências.
2. Artigos originais
São trabalhos resultantes de pesquisa científica apresentando
dados originais de descobertas com relação a aspectos
experimentais ou observacionais, e inclui análise descritiva e/ou
inferências de dados próprios. Sua estrutura é a convencional
que traz os seguintes itens: Introdução, Métodos, Resultados,
Discussão e Conclusão.
Texto: Recomendamos que não seja superior a 12 páginas,
formato A4, fonte English Times (Times Roman) tamanho 12, com
todas as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobre-escrito,
etc. O total de caracteres não deve ultrapassar 25.000/30.000 caracteres,
inclusos espaçamentos.
Tabelas: No máximo seis tabelas, no formato Excel/Word.
Figuras: No máximo 8 figuras, digitalizadas (formato .tif ou
.gif) ou que possam ser editados em Power-Point, Excel, etc.
Bibliografia: É aconselhável no máximo 50 ref. bibliográficas.
Os critérios que valorizarão a aceitação dos trabalhos serão
o de rigor metodológico científico, novidade, interesse profissional,
concisão da exposição, assim como a qualidade literária do texto.
3. Revisão
São trabalhos que versem sobre alguma das áreas relacionadas à
Educação Física, que têm por objeto resumir, analisar, avaliar ou sintetizar
trabalhos de investigação já publicados em revistas científicas. Quanto
aos limites do trabalho, aconselha-se o mesmo dos artigos originais.
4. Atualização
São trabalhos que relatam informações geralmente atuais sobre
tema de interesse dos profissionais de Educação Física (novas técnicas,
legislação, por exemplo) e que têm características distintas de um
artigo de revisão.
5. Relato de caso
São artigos que representan dados descritivos de um ou mais
casos explorando um método ou problema através de exemplo.
Apresenta as características do indivíduo estudado, com indicação
de sexo, idade.
6. Comunicação breve
Esta seção permitirá a publicação de artigos curtos, com maior
rapidez. Isto facilita que os autores apresentem observações, resultados
iniciais de estudos em curso, e inclusive realizar comentários a
trabalhos já editados na revista, com condições de argumentação
mais extensa que na seção de cartas do leitor.
Texto: Recomendamos que não seja superior a três páginas,
formato A4, fonte Times New Roman, tamanho 12, com todas as
formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobre-escrito, etc.
Tabelas e figuras: No máximo quatro tabelas em Excel e figuras
digitalizadas (formato .tif ou .gif) ou que possam ser editados em
Power Point, Excel, etc
Bibliografia: São aconselháveis no máximo 15 referências
bibliográficas.
7. Resumos
Nesta seção serão publicados resumos de trabalhos e artigos
inéditos ou já publicados em outras revistas, ao cargo do Comitê
Científico, inclusive traduções de trabalhos de outros idiomas.
8. Correspondência
Esta seção publicará correspondência recebida, sem que
necessariamente haja relação com artigos publicados, porém
relacionados à linha editorial da revista. Caso estejam relacionados a
artigos anteriormente publicados, será enviada ao autor do artigo ou
trabalho antes de se publicar a carta.
Texto: Com no máximo duas páginas A4, com as especificações
anteriores, bibliografia incluída, sem tabelas ou figuras.
Preparação do original
1. Normas gerais
1.1 Os artigos enviados deverão estar digitados em processador
de texto (Word), em página de formato A4, formatado da seguinte
maneira: fonte Times New Roman, tamanho 12, com todas as
formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobrescrito, etc.
1.2 Numere as tabelas em romano, com as legendas para cada
tabela junto à mesma.
1.3 Numere as figuras em arábico, e envie de acordo com as
especificações anteriores.
''
ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3)
As imagens devem estar em tons de cinza, jamais coloridas, e
com qualidade ótima (qualidade gráfica – 300 dpi). Fotos e desenhos
devem estar digitalizados e nos formatos .tif ou .gif.
1.4 As seções dos artigos originais são estas: resumo,
introdução, material e métodos, resultados, discussão, conclusão e
bibliografia. O autor deve ser o responsável pela tradução do
resumo para o inglês e também das palavras-chave (key-words). O
envio deve ser efetuado em arquivo, por meio de disquete, zipdrive, CD-ROM ou e-mail. Para os artigos enviados por correio em
mídia magnética (disquetes, etc) anexar uma cópia impressa e
identificar com etiqueta no disquete ou CD-ROM o nome do
artigo, data e autor, incluir informação dos arquivos, tais como o
processador de texto utilizado e outros programas e sistemas.
2. Página de apresentação
A primeira página do artigo apresentará as seguintes informações:
- Título em português e inglês.
- Nome completo dos autores, com a qualificação curricular
e títulos acadêmicos.
- Local de trabalho dos autores.
- Autor que se responsabiliza pela correspondência, com o
respectivo endereço, telefone e E-mail.
- Título abreviado do artigo, com não mais de 40 toques, para
paginação.
- As fontes de contribuição ao artigo, tais como equipe,
aparelhos, etc.
3. Autoria
Todas as pessoas consignadas como autores devem ter
participado do trabalho o suficiente para assumir a responsabilidade
pública do seu conteúdo.
O crédito como autor se baseará unicamente nas contribuições
essenciais que são: a) a concepção e desenvolvimento, a análise e
interpretação dos dados; b) a redação do artigo ou a revisão crítica de
uma parte importante de seu conteúdo intelectual; c) a aprovação
definitiva da versão que será publicada. Deverão ser cumpridas
simultaneamente as condições a), b) e c). A participação exclusivamente
na obtenção de recursos ou na coleta de dados não justifica a
participação como autor. A supervisão geral do grupo de pesquisa
também não é suficiente.
4. Resumo e palavras-chave (Abstract, Key-words)
Na segunda página deverá conter um resumo (com no máximo
150 palavras para resumos não estruturados e 200 palavras para os
estruturados), seguido da versão em inglês.
O conteúdo do resumo deve conter as seguintes informações:
- Objetivos do estudo.
- Procedimentos básicos empregados (amostragem,
metodologia, análise).
- Descobertas principais do estudo (dados concretos e estatísticos).
- Conclusão do estudo, destacando os aspectos de maior novidade.
Em seguida os autores deverão indicar quatro palavras-chave
para facilitar a indexação do artigo.
5. Agradecimentos
Os agradecimentos de pessoas, colaboradores, auxílio financeiro
e material, incluindo auxílio governamental devem ser inseridos no
final do artigo, antes das referências, em uma secção especial.
6. Referências
As referências bibliográficas devem seguir o estilo ABNT .
As referências bibliográficas devem ser numeradas por numerais
arábicos entre parênteses e relacionadas em ordem na qual aparecem
no texto, seguindo as seguintes normas:
Livros - Número de ordem, sobrenome do autor, letras iniciais
de seu nome, ponto, título do capítulo, ponto, In: autor do livro (se
diferente do capítulo), ponto, título do livro, ponto, local da edição,
dois pontos, editora, vírgula, ano da impressão, ponto, páginas inicial
e final, ponto.
Exemplos:
Livro:
MAY, M. The facial nerve. New-York:Thieme, 1986.
Capítulo ou parte de livro:
PHILLIPS, S. J. Hypertension and Stroke. In: LARAGH J. H.,
(Ed.). Hypertension: pathophysiology, diagnosis and management. 2. ed. NewYork: Raven press, 1995. p. 465-78.
Artigos - Número de ordem, sobrenome do(s) autor(es), letras
iniciais de seus nomes (sem pontos nem espaço), ponto. Título do
trabalho, ponto. Título da revista ano de publicação seguido de vírgula,
número do volume, número do fascículo, páginas inicial e final, data e
ponto. Não utilizar maiúsculas ou itálicos. Devem ser citados todos os
autores até 6 autores. Quando mais de 6, colocar a abreviação latina et al.
Exemplo:
ALMEIDA, C.; MONTEIRO, M. Descrição de duas novas
espécies (Homoptera). Revista Brasileira de Zoologia, Curitiba, v. 9, n. 1/
2, p. 55-62, mar./jun. 1992.
Os artigos, cartas e resumos devem ser enviados para:
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Atlantica Editora
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Calendário de eventos
2004
28 a 31 de Outubro
DEZEMBRO
I Encontro Brasileiro de Avaliação Física
OUTUBRO
7 a 9 de Outubro
VIII Semana Científica da Faculdade de
Educação Física da Univ. Federal de
Góias Formação de Professores e
Avaliação física nas academias,
escolas e clínicas de emagrecimento
FUNORTE – Faculdades Unidas do
Norte de Minas
Informação: (38) 3690-3032
[email protected] ou
[email protected]
www.funorte.com.br (em construção)
desafios para o mundo do trabalho
Informação: (64) 441-1511/1500
[email protected]
www.semcientificafefufg.ubbi.com.br
NOVEMBRO
2 a 4 de Dezembro
Congresso Nacional de Educação Física
da FTC
Faculdade de Tecnologia e Ciências de
Salvador – Curso de Educação Física
Informes: (71) 281-8106
[email protected]
7 a 10 de Dezembro
II Congreso Internacional de Luchas y
Juegos tradicionales
8 a 12 de outubro
5 a 7 de Novembro
37º ENAF Poços
VIII Encontro Fluminense de Educação
Informação: (35) 3222-2344
[email protected]
9 a 12 de Outubro
5ª Fitness Brasil Norte-Nordeste
Atividade Física e Bem Estar
Salvador
Informação: (11) 5053-2699
[email protected]
20 de Outubro
V Jornada Preventiva do Curso de
Fisioterapia-UVA
Universidade Veiga de Almeida
Informação: (21) 2574-8882
Profa. Ione Moézia de Lima
Física Escolar
Informação: (21) 2629-2808 / 2809 /
2810
[email protected]
www.uff.br/gef/
7 de Novembro
2ª Taça Piracicaba de Taekwondo por
Cabildo Insular de Fuerteventura / Fed
Insular de Lucha Canaria de
Fuerteventura
Fuerteventura Gran Canaria – Espanha
Informação: Dr. D. Fernando Amador
Ramírez
[email protected];
ponenciasjuegos@luch
www.luchasyjuegos.com;
www.wrestlingandgames.com
Equipes
10 a 12 de Dezembro
Taekwondo
Associação Piracicaba de Taekwondo
Piracicaba – SP
Informação: (19) 3432-4003
[email protected]
I Encontro Nacional de Ensino de Artes e
Educação Física
Linguagens Artísticas e das Práticas
Corporais na Educação
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte – UFRN/DEF
Informação: (84) 215-3451
[email protected]
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
educação física e desportos
Índice
Volume 1 número 4 - setembro/outubro de 2004
EDITORIAL
O profissional de Educação Física e a técnica, Luis Alberto Batista .......................................................258
ARTIGOS ORIGINAIS
A incidência de lombalgias e a relação com os desvios posturais da coluna vertebral
no voleibol feminino, Adriana Moré Pacheco, Joseani Ceccato, Ivan Pacheco,
Rosemary de Oliveira Petcowicz ..............................................................................................................................206
Aplicabilidade da biomecânica no ensino de habilidades motoras esportivas,
Luis Alberto Batista ......................................................................................................................................................211
ATUALIZAÇÃO
O desenvolvimento do handebol no Brasil e nos jogos olímpicos,
Ana Flávia Paes Leme de Almeida ...........................................................................................................................226
A escalada e as ciências do desporto, Alex Itaborahy, Ana Abreu de Medeiro Faro,
Glauber Ribeiro ............................................................................................................................................................232
Educação física na educação infantil – uma prática vivenciada, Atos Prinz Falkenbach,
Greice Drexsler, Verônica Werle ...............................................................................................................................245
O imaginário social e a incerteza na prática do judô, Marco Aurélio da Gama e Silva,
Carlos Augusto de Alcântara Gomes ......................................................................................................................253
RESUMOS ..............................................................................................................................................................258
NORMAS DE PUBLICAÇÃO ...................................................................................................................262
EVENTOS ................................................................................................................................................................264
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
ISSN 1806-9436
educação física e desportos
Editor
Luiz Alberto Batista (UERJ)
[email protected]
Conselho editorial
Adroaldo Cezar Araújo Gaya (UFRGS)
Alberto Reinaldo Reppold Filho (UFRGS)
Alex Itaborahy (INUAF-Loulé – Portugal)
Ana Maria Medeiros de Abreu Faro
(Universidade de Coimbra – Portugal)
Antônio Carlos Stringhini Guimarães (UFRGS)
Antonio Teixeira Marques
(Universidade do Porto – Portugal)
Artur Manuel Romão Pereira
(Universidade de Coimbra – Portugal)
Astrogildo Vianna (UERJ)
Carlos Adelar Abaide Balbinotti (UFRGS)
Fernanda Barroso Beltrão (UFRJ, UCB)
Francisco Sobral (Universidade de Coimbra – Portugal)
Genni Togun (UERJ)
Guilherme Locks Guimarães (UERJ)
Guilherme Pacheco (UGF)
Heron Beresford (UERJ, UCB)
Jefferson Retondar (UERJ)
João Ricardo Moderno (UERJ)
Jorge Olimpio Bento
(Universidade do Porto – Portugal)
José Manuel da Costa Soares
(Universidade do Porto – Portugal)
José Silvio de Oliveira Barbosa (UERJ)
Marco Antonio Guimarães da Silva (UFRRJ, UCB)
Paulo Coelho de Araújo
(Universidade de Coimbra – Portugal)
Paulo Farinati (UERJ)
Ricardo Demétrio de Souza Petersen (UFRGS)
Ricardo Vélez Rodrigues (UFMG)
Vernon Furtado de Silva (UERJ, UCB)
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Editorial
O profissional de Educação Física
e a técnica
Luiz Alberto Batista
Editor científico
Doutor em Ciências do Desporto
Coordenador de Pós-graduação do IEFD/
UERJ
Coordenador do Laboratório de Biomecânica
do IEFD/UERJ
[email protected]
Ao conceito de profissão estão associadas as idéias de preparação
especializada, obtenção de recursos necessários à subsistência, ocupação e
ofício. Em parte, isso implica que em algum momento o futuro profissional
deva ser submetido a um ensino que lhe proporcione o desenvolvimento
das competências técnicas a serem utilizadas no setor escolhido. Em outras
palavras ele deverá ser submetido a um ensino profissionalizante, um ensino
destinado a formar técnicos em determinados ofícios ou profissões.
Para além da aquisição de procedimentos e estratégias de intervenção,
é nosso ponto de vista que, quando referimo-nos à formação profissional
de um indivíduo, devemos considerar o fato de que esse deva ser
preparado também para entender o seu verdadeiro papel no contexto da
sociedade. Ou seja, é preciso, juntamente com a preparação do técnico
especializado contribuir com a formação do cidadão, do ser político, no
sentido que Antonio Gramsci atribui ao termo.
Sendo assim, quando falamos de aquisição de acervo técnico, estamos
tratando meramente de um dos aspectos da formação profissional. Não
se trata, portanto, da defesa do desenvolvimento alienado de competências
técnicas. Muito pelo contrário, acreditamos que qualquer profissional, de
qualquer carreira, deva receber, durante sua formação, informações que o
possibilitem ser crítico e mais atuante em mudanças que promovam a
melhora da sociedade como um todo, visto não entendermos ser esta
uma incumbência somente do professor de Educação Física, ou do
professor de outras matérias, ou de qualquer outro profissional
isoladamente.
Quando levantamos a tese da ação profissional como elemento
coadjuvante na melhora da sociedade, há também que se ter em conta
o relativismo contido nesta última expressão, o que nos leva a formular a
seguinte questão: Qual o melhor modelo de sociedade?
Quando consideramos, por exemplo, o tipo de atuação do indivíduo,
para alguns, o modelo ideal de sociedade é aquele onde reina a paz
permanente em decorrência de uma estrutura formada por uma massa
de sujeitos passivos, submissos, resignados a toda e qualquer ocorrência,
tomando-as por desígnios divinos ou predestinação. Para outros o modelo
ideal de sociedade é aquele no qual, muito embora a paz seja perene, o
conflito é tido como saudável desde que reflita o inconformismo de seres
sociais diante de situações adversas. Vários outros exemplos, acerca dos
possíveis diferentes status do indicador atuação social, poderiam ser dados,
demonstrando quão relativo pode ser o conceito de sociedade ideal.
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Porém, não obstante o tipo considerado, no que diz respeito ao exercício
profissional atuar efetivamente na construção ou manutenção do modelo
social pretendido, seja ele qual for, implica possuir competência técnica.
Se um profissional intervém na dinâmica de uma sociedade, enquanto
sujeito profissional, através do exercício das funções que lhe são pertinentes,
o que acontece se o mesmo não possui sequer a competência técnica para
fazê-lo, ou seja, se ele não é capaz de exercer bem sua profissão? Qual a
sua legitimidade no contexto social? Que credibilidade possui para
contribuir com mudanças mais amplas na sociedade? Qual será o seu real
poder de intervenção?
Um professor, por exemplo, antes de qualquer outra coisa tem que
dominar as técnicas pertinentes ao exercício do magistério, para ter
legitimidade social enquanto professor. Do contrário, sempre haverá
alguém a levantar a tese de que seu permanente estado de luta social é
simplesmente uma forma de camuflar sua incompetência técnicoprofissional. Diante de tal quadro corremos o risco de ver a legitimidade
e relevância das lutas sociais do referido professor serem dilaceradas por
sua manifesta falta de qualidade profissional.
Assim, um profissional adquire legitimidade, no contexto de uma
sociedade, quando atua com competência. Para atuar com competência é
necessário que ele domine um certo número de técnicas referentes às tarefas
a cumprir, fazendo-o da melhor forma possível, ou seja, dentro do mais
alto padrão de qualidade disponível para a situação e para o momento.
Estamos considerando aqui os indivíduos que atuam em um mercado
de trabalho que reclama a qualificação, ou seja, estamos nos referindo
àquelas funções que, excetuando-se raras ocorrências, não têm como ser
exercidas, com resultados satisfatórios, sem que o agente das ações inerentes
tenha passado por um período razoável de aprendizado e treinamento,
seja ele de nível Técnico, Superior ou de pós-graduação.
Este é o caso da Educação Física. Temos defendido perante a
sociedade que o profissional deste setor tem que ser qualificado através
de uma formação específica. O professor, assumimos, deve possuir o
terceiro grau, um dos mais elevados graus de ensino-aprendizado de
formação, ao qual uma fração muito pequena de nossa sociedade tem
acesso. Temos consciência dos riscos possíveis resultantes de ações de
Educação Física que não sejam delineadas e acompanhadas por
profissionais competentes.
Porém, se por um lado defendemos como real e legítimo o princípio
de que um profissional de Educação Física deve possuir uma formação
de terceiro grau, por outro é de fundamental importância que façamos
acontecer, na prática, as conseqüências de tal requisito. Em outras palavras,
é fundamental que haja diferenças de fato, e significativas, entre o trabalho
do indivíduo qualificado e do não qualificado, para que o primeiro possa
ser distinguido e socialmente legitimado como profissional, abrindo
caminho para a efetivação de sua práxis.
Sabemos que a Educação Física passou por um período,
historicamente necessário, de uma intensa e saudável crítica aos modelos
técnico-profissionais. No entanto é preciso não ver Tecnicismo em tudo,
diferenciando, no que diz respeito à Técnica, o uso saudável do abusivo,
com pena de abrirmos mão de tudo aquilo que nos possibilita sermos
profissionalmente capazes.
Além disso, muitos dos elementos técnicos profissionais adquiridos
durante a nossa formação sofrem com um outro tipo de ataque. Não é
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
incomum escutarmos pessoas dizendo que: “Se eu fosse utilizar tudo o
que me ensinaram na faculdade, eu acabaria perdendo alunos” ou ainda
“Se eu for fazer isso no meu local de trabalho o patrão me manda embora”.
Entendemos que algumas das orientações recebidas durante a
formação só serão aplicáveis diante de situações ideais. Porém o grande
problema não esta no fato de não utilizarmos tudo o que aprendemos,
mas de não utilizarmos o que aprendemos quando podemos e de não
lutarmos para que nos seja possibilitado fazer o nosso melhor. É muito
mais fácil simplesmente argumentar que “...a teoria na prática é outra...”, do
que procurar superar as barreiras impostas à aplicação dos pressupostos
que a primeira nos apresenta. Se buscarmos constantemente a superação
dos obstáculos à aplicação do melhor de nosso repertório técnico,
provavelmente nos depararemos com inviabilidades, porém também
verificaremos que muito é possível de ser feito sem comprometer o
atendimento aos nossos “clientes”. Muito pelo contrário, a constância do
exercício de superação resultará, sempre, no melhor possível e,
provavelmente abrirá caminho para que cheguemos mais próximos daquilo
que for o ideal para o momento histórico.
Não temos dúvidas de que aqui estamos diante de um severo
paradoxo, visto que na busca de fazer valer essa qualidade profissional,
através do uso pleno de nossa competência técnica, o tempo é o nosso
pior inimigo assim como nosso melhor aliado.
É o maior inimigo, pois o trabalho bem feito, até mesmo por ser
mais crítico e diligente, implica em demanda de mais tempo para ser
colocado em prática, enquanto que no de menor qualidade não se perde
tempo com questões essências trabalhando-se apenas com as aparências,
ou seja, com as primeiras impressões.
Por outro lado o tempo é o maior aliado daquele que procura fazer
o melhor, pois com o decurso do mesmo as pessoas começam a perceber
os resultados. Se o trabalho não é bem realizado evolui, progressivamente,
um processo de rejeição, e, ao contrário, se o trabalho tem qualidade
instala-se a tão procurada aderência. No entanto para que isso aconteça e
a rejeição não se volte contra a Educação Física, como um todo, é preciso
que as pessoas submetidas aos processos que conduzimos tenham acesso
a atuação profissional bem encaminhada, para que tomando-a como
parâmetro, percebam a pertinência do que é corretamente realizado.
Sendo assim entendemos que a legitimidade e identidade do
profissional de Educação Física, perante a sociedade, são influenciadas
pelo tipo de relação que este mantém com o acervo técnico referente ao
seu ofício. Faz-se necessário, portanto, que, sem sermos tecnicistas, cuidemos
da qualidade deste acervo, mantendo um estado constante de vigilância
para ratificar o que é pertinente, retificar o que precisa ser melhorado e
expurgar tudo aquilo que, efetivamente, não presta.
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
ARTIGO ORIGINAL
A incidência de lombalgias e a relação
com os desvios posturais da coluna
vertebral no voleibol feminino
The incidency of low back pain and the relation of posture
disorders in the vertebrale spine in female volleyball players
Adriana Moré Pacheco, M.Sc.*, Joseani Ceccato** Ivan Pacheco, D.Sc.***
Rosemary de Oliveira Petcowicz, D.Sc.****
* Fisioterapeuta do Clube Grêmio Náutico União – POA / RS, Fisioterapeuta da Clínica SOS Esporte, Ciências do Movimento Humano –
UFRGS, Professora do Curso de Fisioterapia da PUCRS. **Fisioterapeuta do Clube Grêmio Náutico União – POA / RS, Fisioterapeuta
da Clínica SOS Esportes, Especialista em Terapia Manual. ***Ortopedista e Traumatologista do Esporte da Clínica SOS Esportes, Ortopedista
e Traumatologista do Esporte e Coordenador do Centro de Medicina e Reabilitação do Clube Grêmio Náutico União – POA / RS, Ortopedista
e Traumatologista do Esporte Clube São José Futebol, Diretor da Federação Gaúcha de Futevôlei e vice-presidente médico da Federação Gaúcha
de Futebol, Mestre em Ciências do Movimento Humano – UFRGS, Doutor em Ciências do Movimento Humano – UFRGS. ****Médica
pediatra, médica do Clube Grêmio Náutico União – POA / RS, Mestre em Ciências do Movimento Humano – UFRGS
Resumo
Este estudo teve como objetivo pesquisar a incidência de lombalgias e desvios posturais da coluna vertebral no
voleibol feminino, avaliando o índice de dores lombares que apareceram nessas atletas durante o ano de 2002 e se essas
dores estavam ou não relacionadas com os desvios posturais. Foram avaliadas 18 atletas praticantes de voleibol no
mínimo há 05 anos, com idades entre 15 e 19 anos, independentes da cor, raça e categoria esportiva. Todas as atletas foram
encaminhadas para o departamento de fisioterapia do Clube Grêmio Náutico União – POA / RS, onde era realizada a
avaliação postural com o objetivo de se traçar um perfil das jogadoras de voleibol. Porém os dados coletados das atletas
que apresentavam queixas de dor lombar foram separados para a comparação. Os resultados apresentados foram expressos
na forma de gráficos. De acordo com os achados da pesquisa, verificou-se que 13 atletas (72%) referiram dores lombares.
No total das atletas avaliadas, 14 atletas (77%) apresentavam a coluna cervical normal, 5 atletas (27%) apresentavam
escoliose torácica em “C”, 1 atleta (5%) apresentava escoliose torácica em “S”, 9 atletas (50%) apresentavam hiperlordose
lombar e 4 atletas (22%) retificação lombar. Na avaliação geral dos desníveis da cintura escapular, 12 atletas (66%)
estavam enquadradas nessa análise e nos desníveis da cintura pélvica, 13 atletas (72%). Conclui-se, então, que as atletas que
apresentaram desvios posturais, nem sempre tinham queixas de dores lombares. Porém, se a análise for exclusivamente
para a coluna lombar, a relação com as dores lombares são significativas.
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Palavras-chave: lombalgia, desvios posturais da coluna vertebral, voleibol.
Artigo recebido em 5 de maio de 2004; aceito em 19 de outubro de 2004.
Endereço para correspondência: Adriana Moré Pacheco, Rua Comendador Rheingantz, 362 601 B Auxiliadora, Porto
Alegre RS, E-mail: [email protected]
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Abstract
The aim of this paper was to observe the incidence of low back pain and postural abnormality of the spine, in
female volleyball athletes. It was record the pain scale that appear at the athletes during the 2002 year, and if that pain
was related or not with postural abnormalities. It were evaluated 18 female volleyball athletes with 5 years of play, and
age between 15 to 19 years old, independently of race. All of them were reffered to rehabilitation department of
Grêmio Náutico União of Porto Alegre – RS, to postural avaliation. However, data of pain was separated to compare.
According with findings, 13 athletes (72%) had lowback pain. In total of athletes, 14 (77%) had a normal cervical
posture, 5 (27%) had one curve thoracic scoliosis, and 1 athlete (5%) with two curves thoracic scoliosis. Nine athletes
(50%) had lumbar hiperlordosis and 4 athletes (22%) had retification at the lumbar region. On general avaliation of the
scapular girdle, 12 athletes (66%) had side-to-side difference and 13 (72%) at the pelvic girdle. In this way, it conclude
that athletes that had postural deviation, not always have lowback pain. However, with an analysis exclusively to
lumbar region, the relation between back pain and postural abnormalities are significants.
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Key-words: low back pain, posture disorders in the vertebral spine, volleybal.
Introdução
Poucos estudos têm fornecido atenção às dores
lombares em atletas e relacionando-as com desvios
posturais da coluna vertebral. A dor se inicia ou é
induzida por um trauma mecânico [1]. Por ser o
voleibol uma modalidade esportiva que exige saltos,
impulsões e deslocamentos [2], a coluna lombar é
uma estrutura bastante exigida neste esporte. Só perde
para as articulações do tornozelo e joelho, que são,
nessa ordem, as articulações mais exigidas e que mais
sofrem lesões [3].
A coluna inteira compreende quatro curvas
fisiológicas que são determinadas pelo formato do
disco intermediário e formam no segmento cervical
uma lordose, no segmento torácico uma cifose,
no segmento lombar uma lordose e no segmento
sacral uma cifose. Estas quatro curvas atravessam,
transversalmente, a linha vertical da gravidade para
permanecer num estado de equilíbrio [4]. A coluna
vertebral está equilibrada sobre uma base pélvica
ondulante. A coluna cinética, ou coluna de
movimento, flete-se e estende-se em um padrão de
ritmo lombopélvico. Esse movimento uniforme
do ritmo exige boa integração neuromuscular e
flexibilidade adequada dos tecidos. Sendo assim,
qualquer desequilíbrio dessa anatomia, pode
acarretar aparecimento de curvaturas, que por
serem classificadas como alterações fisiológicas,
podem desencadear dor.
A cifose, por exemplo, é um tipo de curvatura
que pode se manifestar, principalmente na região
da coluna torácica ou dorsal. Ela torna-se
patológica, quando ultrapassa a extensão das
oscilações fisiológicas e não pode ser compensada,
gerando dores, principalmente no crescimento [5].
As escolioses são desvios da coluna no sentido
lateral e rotacional. Assim, temos a formação de
gibosidade vertebral na região torácica. As
deformidades são avaliadas nas vistas anterior e
posterior do plano coronal. As lordoses são as
curvaturas fisiológicas observadas no perfil da
coluna vertebral, sendo avaliada a convexidade da
curvatura, que se manifesta na coluna cervical e na
coluna lombar [6]. O aumento dessa curvatura é
denominado de hiperlordose que se caracteriza por
uma acentuação patológica e as atividades que
exigem freqüentemente o arqueamento do dorso,
o que é comum nos movimentos de saque e cortada
do voleibol, podem causar lesões se a musculatura
exigida não estiver bem alongada e fortalecida [4].
As lesões de hiperextensão são, geralmente,
iniciadas pela dor lombar, caracterizando-se por
uma lombalgia [7,2], que aparece comumente entre
homens acima de 40 anos e com maior prevalência
em mulheres entre 50 e 60 anos [8].
Por essa razão, as dores lombares em atletas,
principalmente de voleibol, podem estar relacionadas com o aumento da lordose fisiológica, por
mecanismos de estresse gerado pelas contrações
vigorosas, velocidade do gesto esportivo, número
de repetições e intensidade de treinos [7,2].
Portanto o objetivo do presente estudo é
pesquisar a incidência de lombalgias e desvios
posturais da coluna vertebral no voleibol
feminino, avaliando o índice de dores lombares
que apareceram nessas atletas durante o ano de 2002
e se essas dores estavam ou não relacionadas com
os desvios posturais.
&
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Material e métodos
A pesquisa foi desenvolvida a partir da
elaboração de um questionário, com perguntas
abertas e fechadas, para posteriormente ser
aplicado. O questionário utilizado continha
perguntas relacionadas a queixas de dores das
atletas, manifestadas na coluna lombar. A amostra
analisada foi composta por 18 atletas do voleibol
feminino do Clube Poliesportivo Grêmio Náutico
União de POA/RS, com idades entre 15 e 19 anos,
independentes da cor, raça e categoria esportiva.
As atletas que apresentavam queixas de dor lombar
foram selecionadas pelo questionário aplicado e
foram encaminhadas ao departamento de fisioterapia onde era realizada uma avaliação postural,
em um posturógrafo, onde as atletas permaneciam
na posição ortostática, sendo avaliadas nas vistas
anterior, perfil e posterior, por três examinadores
diferentes. Em cada uma destas vistas, foi observado
as alterações das curvaturas fisiológicas da coluna
vertebral. Após as observações, as avaliações dos
três examinadores eram comparadas e retirava-se
um único consenso de avaliação para cada atleta.
Os dados foram tratados através da análise
descritiva utilizando-se a planilha Excel da Microsoft.
Das 18 atletas avaliadas, 13 (72%) referiram dores
lombares e apenas 5 (28%) não se queixaram de dores
lombares (Figura 3).
Figura 3 – Incidência de dores lombares.
Na avaliação postural, os resultados apresentados para a coluna cervical, apontaram 2 atletas
(11%) com retificação da coluna cervical, 2 atletas
(11%) com hiperlordose cervical e 14 atletas (77%)
com a curvatura da coluna cervical sem alterações
(Figura 4).
Figura 4 – Alterações na coluna cervical.
Resultados
Todas as atletas avaliadas apresentavam entre
3 a 5 anos de prática esportiva. As freqüências de
treinamento foram de 6x/ semana para 1 atleta
(5%), 5x/ semana para 3 atletas (16%), 4x/ semana
para 10 atletas (53%) e 3x/ semana para 5 atletas
(26%) (Figura 1).
Figura 1 – Freqüência de treinos/semana.
Na avaliação da coluna dorsal ou torácica, 3 atletas
(16%) apresentavam retificação da cifose fisiológica; 5
atletas (27%) apresentavam escoliose torácica em “C”;
1 atleta (5%) apresentou escoliose torácica em “S”; 2
atletas (11%) apresentaram retificação mais escoliose; 2
atletas (11%) apresentaram cifose mais escoliose e 5 atletas
(27%) apresentaram as curvaturas torácicas normais
(Figura 5).
Figura 5 – Alterações na coluna torácica ou dorsal.
2).
Todas as atletas treinavam 2 horas por dia (Figura
Figura 2 – Tempo (horas) de treino por dia.
Na avaliação da coluna lombar, 5 atletas (27%)
apresentaram a lordose lombar normal; 9 atletas
(50%) apresentaram aumento dessa curvatura
'
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caracterizada pela hiperlordose lombar e 4 atletas
(22%) apresentaram retificação da lordose fisiológica
(Figura 6).
Figura 6 – Alterações na coluna lombar.
Na análise de alterações gerais da cintura
escapular e da cintura pélvica, 12 atletas (66%)
apresentaram desequilíbrio da cintura escapular e
13 atletas (72%) apresentaram desequilíbrio da
cintura pélvica (Figura 7).
Figura 7 – Alterações gerais da cintura escapular e
da cintura pélvica.
Discussão
Considera-se que a fraqueza muscular é um
dos fatores de risco para lombalgias [9]. Estudos
demonstram que 80% de todos os problemas
lombares são de origem muscular, isto é,
desequilíbrio muscular [2,10]. É muito importante
salientar o papel dos músculos do tronco
protegendo as estruturas espinhais contra cargas
excessivas. Segundo Rowe [11], nos últimos anos,
aumentaram os distúrbios musculoesqueléticos, em
função da utilização incorreta da biomecânica
humana. Sendo assim, o voleibol é uma modalidade
esportiva que pode estar relacionada com o
aumento da lordose fisiológica, por mecanismos
de estresse gerado pelas contrações vigorosas,
velocidade do gesto esportivo, número de
repetições e intensidade de treinos [7,2].
Pollock e Wilmore [10] relatam que a
incidência de dor lombar em atletas de voleibol é
de 11%. Uma das causas para essa incidência pode
ser a má postura que os atletas adotam em suas
atividades, ou seja, segundo Veronesi e Azato [12],
a postura é a posição do corpo no espaço, com
referência especial as suas partes que exija o menor
esforço, evitando fadiga desnecessária.
Os resultados do nosso estudo corroboram
com a literatura, pois as atletas do estudo já eram
praticantes da modalidade há pelo menos 03 anos
e, nesse período, mais da metade exerce os estresses
lombares comentados na literatura, treinando
numa freqüência de 4x/ semana. Ainda a favor do
surgimento de dores lombares durante a prática
esportiva, os nossos resultados concordam quando
72% das atletas avaliadas referiram dores lombares.
Ao compararmos os achados posturais de
cada segmento da coluna vertebral, notamos que a
coluna cervical nada sofre de alterações decorrentes
da prática esportiva do voleibol. O mesmo se
observa na avaliação da coluna dorsal ou torácica,
quando os números percentuais não ultrapassam
os 50% da amostra. Por outro lado, na avaliação
da coluna lombar, 50% das atletas do estudo
apresentaram aumento dessa curvatura caracterizada pela hiperlordose lombar e essas alterações,
de um modo geral, trouxeram um desequilíbrio
entre as cinturas escapulares e pélvicas, apresentando-se alterações em até 72% na musculatura
da cintura pélvica.
Esses achados tornam-se importantes, na
medida em que são provenientes de indivíduos que
constantemente estão submetendo as suas colunas
lombares a alterações biomecânicas advindas dos
estresses causados pelos gestos esportivos que
executam. Para se diminuir ou, talvez, cessar esse
aumento da incidência de lombalgias, deve-se
propor um programa de prevenção para que esses
atletas possam desenvolver um bom treinamento
e, principalmente, um bom desempenho em suas
competições.
Acreditamos que a instituição de um
protocolo de exercícios para a utilização nos treinos
físicos seja de grande relevância. Bons resultados
podem ser obtidos quando se tem uma causa
definida da lombalgia e quando se aplicam métodos
específicos adequadamente. Se a dor lombar é
causada principalmente por um encurtamento das
estruturas posteriores, pode-se instituir então, um
protocolo que vise o alongamento dessa cadeia,
utilizando-se um ou outro método relevante,
baseado em pesquisas da literatura.
Conclusão
As alterações posturais podem se manifestar
com ou sem queixas de dor. Porém, se forças
excedentes forem aplicadas nessas alterações,
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
provavelmente a exacerbação da dor irá acontecer.
Assim, foi possível de se verificar no presente
estudo que as atletas praticantes de voleibol,
apresentam uma tendência de aumentar a curvatura
fisiológica da coluna lombar, devido ao gesto
esportivo que executam. Assim, as queixas de dores
nessa região se manifestam com mais intensidade.
Conclui-se, então, que na análise para a postura da
coluna lombar, a relação com a incidência de
lombalgias é confirmada.
Referências
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2.
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MOONEY, V.; SAAL, J. A.; SAAL, J. S. Evaluation
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
ARTIGO ORIGINAL
Aplicabilidade da biomecânica no ensino
de habilidades motoras esportivas
Biomechanics applicability in the sports motor skills teaching
Luiz Alberto Batista, D. Sc.*
Doutor em Ciências do Desporto Coordenador de Pós-graduação do IEFD/UERJ,
Coordenador do Laboratório de Biomecânica do IEFD/UERJ
Resumo
O objetivo deste estudo foi constatar o nível de aplicabilidade dos conhecimentos produzidos em Biomecânica
do esporte, no período de 1893 a 1980, ao contexto pedagógico do processo de ensino de habilidades motoras esportiva.
Foi desenvolvido e validado um instrumento de análise de conteúdo, com base na proposta de Laurence Bardin, no
qual foram operacionalizados dois critérios, a serem utilizados como parâmetros no exame do conhecimento, a saber:
Propósitos e Tipos de sujeitos. Também foram identificadas as modalidades esportivas mais investigadas e os periódicos
que mais veicularam as informações obtidas. Mil e quatorze (1014) trabalhos foram analisados e verificou-se que as
investigações realizadas no período considerado não abordaram propósitos adequados ao Ensino de Habilidade
Motoras Esportivas, assim como não tiveram como sujeitos de estudo aqueles típicos desse contexto. Sendo assim
concluiu-se que o conhecimento examinado apresenta um baixo nível de aplicabilidade ao processo de ensino de
habilidades motoras e que, muito embora a Biomecânica possa ser útil a este processo, é fundamental que existam
investigações científicas especificamente desenvolvidas para atender à problemática aí presente.
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Palavras-chaves: biomecânica, habilidade motora esportiva.
Artigo recebido em 12 de novembro de 2004; aceito em 16 de novembro de 2004.
Endereço para correspondência: Luiz Alberto Batista, Laboratório de Biomecânica ou Núcleo de Pedagogia do
Movimento Humano. Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Instituto de Educação Física e Desportos. Prédio João Lyra
Filho Bloco F sala 8122, Rua São Francisco Xavier, 524 20550-013 Rio de Janeiro RJ, Tel: (21) 2587-7660, E-mail:
[email protected]
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Abstract
The aim of this study was to establish the level of applicability of the knowledge produced in sports Biomechanics,
in the period from 1893 to 1980, in the pedagogical context of the teaching process of sports motor skills. It was
developed and validated an instrument of content analysis, based in the proposal of Laurence Bardin, which have been
operating with two criteria, to be used as parameters in the examination of the knowledge that are: Intentions and
Types of subjects. The sport modalities more investigated and the periodics which the gotten information were
transmitted more frequently, have also been identified. A thousand and fourteen (1014) studies have been analyzed and
we verified that the inquiries carried through in the considered period did not use adequate questions regarding the
Sport Abilities Motor Learning, and also did not have as study subjects those typical ones of this context. Therefore, we
concluded that the examined knowledge presents a low level of applicability concerning the process of motor skills
education and that, although Biomechanics can be useful to this process, the existence of scientific investigations
specifically developed to take care of this problematic is fundamental.
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Key-words: biomechanics, sports motor skills.
Introdução
Atualmente há um consenso entre estudiosos
dos métodos e técnicas de ensino em Educação Física,
acerca do fato de que, grande parte das informações
utilizadas pelos professores provém de disciplinas
científicas e acadêmicas originariamente ligadas, ou
pertencentes, a outros setores do conhecimento que
não o das Ciências do Esporte, ou mesmo da Educação
Física como um todo. Este é o caso de setores como
a Fisiologia, Psicologia, Aprendizagem, Sociologia,
História e Biomecânica, dentre outros.
Tais campos de conhecimento, por possuírem
material que interessa a uma precisa interpretação
do processo de Ensino do Esporte, passam por
uma dinâmica de emigração epistêmica na qual o
conteúdo é deslocado, inicialmente, para este
último setor. As questões críticas envolvidas nesse
processo de deslocamento ocupam o centro de
nossas atenções neste momento e constituíram o
foco do estudo ora relatado.
O deslocamento de conhecimento não
constitui uma problemática tão recente e de menor
importância, como pode parecer a princípio. Na
dimensão de um contexto cultural mais amplo,
estudos têm desvelado aspectos, tanto positivos
quanto negativos, advindos de tais ocorrências.
Teorias como a de “Cultural Transfer” [1], têm
demonstrado, já há algum tempo, a incontestável
intimidade entre os elementos culturais e o seu
ambiente gerador, o que dá uma orientação precisa
para o tipo de conhecimento formulado, estabelecendo uma relação de pertinência plena entre este
é o seu contexto de gênese.
Do ponto de vista específico da teoria do
“Cultural transfer”, transferir conteúdo cultural, de
qualquer tipo, de um lugar para outro, significa,
entre outras coisas, deslocá-lo mantendo sua
estrutura original, sem buscar nenhum nível de
adaptação, que seja significativa, às características
do ambiente receptor. Sendo assim a expressão
Transferência, aqui, é utilizada para denominar o
que podemos chamar de um processo patogênico
de deslocamento de conteúdo cultural.
Partindo-se desta premissa admite-se que uma
transferência de conhecimento, ou seja, a mera
movimentação de um tipo de conteúdo cultural,
pode resultar em desastrosas conseqüências ao
progresso, tanto da dinâmica cultural que o gerou
assim como a do contexto receptor.
Enganamo-nos, portanto, quando admitirmos
que somente a cultura receptora sofra com a
Transferência. O que acontece, na prática, é que a
cultura geradora precisa ser retro alimentada com os
resultados da aplicação para que, tendo por base as
informações obtidas por esse retorno, possa promover
adaptações na estrutura de seu conhecimento
aumentando seu valor de extensão. Do ponto de vista
epistemológico essa é uma ocorrência extremamente
saudável no que diz respeito ao crescimento qualitativo
de um campo de conhecimento científico, no que
tange ao seu valor Extensão.
A esse fenômeno positivo chamamos Simbiose
Epistêmica, pois que os dois pólos, produtor e
consumidor, relacionam-se com vantagens mútuas.
Quando o conhecimento é apenas transferido o
processo não viabiliza o retorno de informações,
ou o fará de maneira pouco proveitosa, sendo
dificultado o uso das informações na remodelação
do contexto produtor.
Para o setor receptor vários são os indicativos
de prejuízos, um dos quais é o quadro de
dependência cultural possível de resultar do
processo. Ele é um exemplo de como uma apreciação superficial pode ser extremamente ilusória e
perigosamente ingênua. A História da humanidade
tem demonstrado que, geralmente, em um processo
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
de dação e aquisição de conhecimentos há muito
mais coisas em jogo do que um mero ato magnânimo
dos transmissores. É possível constatar esse fato a
partir da apreciação de estudos, como o levado a
efeito pela UNESCO, sobre o assunto. Neste, um
grupo de renomados cientistas, espalhados por todo
o mundo, conclui, após uma rigorosa investigação,
que perdurou durante vários anos, que “...milhares
de seres humanos são subjugados através de formas
opressoras de dominação, tanto encoberta como
clara, porque eles têm pouco acesso ao conhecimento...[2]”. Nessas situações o acesso é direcionado, intencionalmente, por aqueles que têm a
posse das informações, geralmente seus produtores,
e esse direcionamento se faz de acordo com os
interesses de quem fornece.
Há, portanto, fortes indicativos da existência
de uma severa complexidade imanente ao processo
de Transferência de conhecimento, ou seja, da
movimentação acrítica deste. Urge-nos, portanto,
destacar o fato de que tentar compreendê-lo a partir
de uma visão simplificada do fenômeno, ou seja,
como se o mesmo fosse um mero deslocamento,
de um ponto a outro, de alguma quantidade de
qualquer coisa, teria o efeito de fortalecer o
desenvolvimento de possíveis aspectos negativos
aí presentes. Nossa tese é de que isso acontece não
importando se os pólos de referência para a
movimentação são grandes sociedades ou setores
autônomos de conhecimento técnico/científico.
Seja em que contexto for, é preciso compreender que a Transferência, possui forma,
especificidade, objetivos, causas, conseqüências, que
configuram um aspecto multifacetado dificultando
sobremaneira a pesquisa científica em torno dela.
Chamamos a atenção para o fato de que já
foram identificados traços da ocorrência de
transferência no contexto da Educação Física,
especificamente com relação ao conhecimento de
Biomecânica utilizado como conteúdo em cursos
de graduação no Brasil até o ano de 1989 [3].
Muito embora saibamos, como introduzimos há alguns parágrafos acima, que os citados
conhecimentos tenham capacidades latentes de
proporcionar uma quantidade expressiva de
informações as quais, interagindo entre si, podem
aumentar a probabilidade das certezas no ato do
trato pedagógico dos elementos inerentes a um
processo de ensino-aprendizado, a atuação direta
no ensino de variadas habilidades esportivas e o
envolvimento com a pesquisa no campo das
Ciências do Esporte, têm nos levado a considerar
que esse processo de uso não é automático e natural.
O que se percebe, de princípio a partir de
evidências empíricas, é que muito embora os
conhecimentos se mostrem extremamente úteis à
efetivação de nossa práxis pedagógica, a estrutura
com a qual se apresentam hoje pode não ser
plenamente adequada aos propósitos pretendidos
com sua utilização.
O universo causal para tal falta de sincronismo, é, provavelmente, amplo e diversificado.
Pode ser, enquadrando nossa principal questão
crítica, que o ambiente no qual o conteúdo informativo está sendo aplicado não possua características
concordantes com as heranças epistemológicas
herdadas do ambiente gerador deste último, não
havendo, dessa forma, condições adequadas para a
interação positiva e o desenvolvimento de ambos.
Nossa busca se faz no sentido de procurar
estratégias através das quais possamos potencializar
as capacidades de setores de conhecimento no
sentido de que eles possam ser efetivamente
aplicados, ou seja, que sua utilização em contextos
diversos proporcione resultados realmente
positivos para todos os envolvidos. (o que signif
Acreditamos, portanto, que o deslocamento de
conhecimentos é uma problemática relevante e deva
ser explorada, através de investigações científicas, na
maior quantidade possível de detalhes, para que a
importância de cada campo de conhecimento
utilizado possa ser sustentada pelos resultados de um
processo de aplicação eficaz e não pela autoridade de
pessoas, programas, currículos, ou por outra forma
qualquer de valorização do saber, que fuja ao cenário
de uma real valorização epistemológica, no sentido
de sua aplicabilidade plena.
Guiados por essa motivação vimos, já há algum
tempo, investigando certos campos do vasto
repertório de conhecimentos científicos utilizados em
Educação Física. No decurso desta empreitada nosso
principal propósito tem sido estudar as nuances que
se apresentam quando utilizamos conhecimentos
científicos segundo modelo discutido acima.
Neste artigo iremos apresentar uma parte dos
resultados destes estudos, mais especificamente os
resultados de uma pesquisa realizada no sentido
de determinar o status do conhecimento produzido, por um campo científico, em um determinado período histórico.
O material a ser apresentado constitui
produto parcial resultante de inventário analítico
no qual examinamos a produção mundial em
Biomecânica, dita, do Esporte, veiculada em 87
anos, de 1893 até 1980. Buscamos identificar o
possível grau de aplicabilidade do conhecimento
"
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
produzido no período, aos processos de ensino
de habilidades motoras esportivas. O termo
Aplicabilidade é utilizado aqui como Valor, uma
qualidade epistemológica.
Procuramos identificar os estudos cujos
conteúdos, de forma direta, pudessem ser
relacionados com o Ensino do Esporte ou mesmo
que apresentassem evidências de uma preocupação
com esse tipo de utilização para as informações
produzidas.
Para tanto os conhecimentos foram caracterizados com base em distintos critérios. Os Propósitos,
que nortearam a realização das investigações
realizadas na geração dos conhecimentos em exame,
e os Tipos de Sujeitos foram dois dos critérios utilizados
no estudo global e são os dados relativos a eles que
aqui apresentaremos.
Por julgarmos importante esclarecermos os
detalhes do processo metodológico utilizados para
o desenvolvimento da investigação prolongaremos,
para além do habitual, a apresentação deste item.
O propósito de investigação e os sujeitos
investigados
Sabe-se que quando desenvolvemos uma
investigação científica o propósito com o qual
executamos o estudo está diretamente relacionado
com a problemática a partir da qual nos debruçamos
sobre o objeto. Portanto se o objeto é o que
queremos conhecer o critério Propósito refere-se ao
que queremos conhecer acerca do objeto.
Para compreendermos como isto se dá na
Biomecânica começamos por identificar os possíveis
propósitos atrelados aos conceitos admitidos para
esse campo científico no período em que o acervo
de conhecimento, a ser examinado, foi gerado.
No universo científico como um todo a
Biomecânica é considerada como “...o estudo da mecânica
de coisas vivas...’’ [4] . Porém, quando nos inserimos no
contexto específico dessa disciplina científica, podemos
perceber que essa conceituação é, no sentido
operacional, muito pobre. Ela não nós informa, nem
sequer aproximadamente, acerca das características
dinamizadoras desse campo de conhecimento.
Percebe-se que a situação sinaliza à prudência,
levando-nos a desenvolver um exame mais apurado
do item em questão, ou seja, os possíveis
propósitos a partir dos quais uma investigação em
Biomecânica do Esporte é desenvolvida.
Gerhard Hochmuth refere-se à Biomecânica
do movimento corporal desportivo, relacionando
seu desenvolvimento com o crescimento do
interesse no aperfeiçoamento da técnica esportiva,
surgido com a reconstituição dos “...Jogos Olímpicos
de nossos tempos...” [5].
Do ponto de vista do autor, atuando no
contexto esportivo, a Biomecânica abarca para si os
seguintes propósitos: a) Estabelecer de técnicas
esportivas mais eficientes; b) Assentar princípios
Biomecânicos gerais das técnicas esportivas mais
eficientes; c) Desenvolver métodos de investigação; d)
Elaborar bases Biomecânicas para exercícios especiais
voltados ao desenvolvimento da força, velocidade,
agilidade corporal, grau e rapidez de reação.
Doris I. Miller e Richard C. Nelson conceituam Biomecânica como sendo “...a ciência que investiga
os efeitos de forças internas e externas sobre os corpos vivos...[6]”.
Os autores defendem a idéia de que esta disciplina
deve possibilitar, através das estratégias metodológicas que congrega, a realização de precisas
avaliações quantitativas do desempenho humano.
No âmbito da prática desportiva, a performance
mencionada diz respeito à execução de movimentos
que visam a resolução de tarefas motoras inerentes
a esse mesmo ambiente.
Para Wolfang Baumann a
“...biomecânica é uma matéria das ciências naturais
que se preocupa com a análise física dos sistemas
biológicos, examinando, entre outros, os efeitos de forças
mecânicas sobre o corpo humano em movimentos
cotidianos, de trabalho e esporte...” [7].
Ao se referir ao desporto argumenta que essa
especialidade teve ter como propósito pesquisar o
corpo humano e o movimento desportivo baseada
nas leis e métodos mecânicos com a inclusão de
reconhecimentos anatômicos e fisiológicos, podendo
também elevar efeitos de processos de desenvolvimentos de habilidades, especialmente no treinamento técnico, e proceder aos exames de performances próprios para o diagnóstico de elementos
estruturais representativos da Biomecânica.
O autor complementa seus esclarecimentos
citando que, segundo a visão de Gutewort e
Thorhauer, a Biomecânica desportiva tem como
propósito principal a análise e otimização da técnica
desportiva tendo em conta o correlacionamento
entre esta e o nível de força, assim como a influência
das condições físico-mecânicas em termos de
instalações e equipamentos.
Apesar de não apresentarem um conceito
explícito, os escritos de José Luiz Fraccaroli nos
levam a acreditar que, do ponto de vista do autor,
a Biomecânica é uma disciplina através da qual
podemos estudar a “...máquina humana...” através da
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
utilização das “...leis da física...”. Acredita o autor que
essa disciplina possa ser integrada com “...a Fisiologia
e a Técnica....” [8], na expectativa de que tal interação
proporcione aos técnicos mais uma oportunidade
para aprimorar o treinamento de futuros atletas.
Fraccaroli declara que a interpretação mecânica
dos movimentos corporais no campo desportivo
ajuda no processo de obtenção do máximo de
rendimento com um mínimo de dispêndio de
energia. Que a análise mecânica justifica e esclarece
mínimos detalhes acerca dos estilos de execução de
técnicas desportivas e fornece informações para o
condicionamento técnico que implica no aperfeiçoamento dos movimentos. De certo modo, defende
que esse tipo de esclarecimento, acerca dos
movimentos desportivos, deve permitir chegar-se às
formas de movimentos mais corretas as quais, estando
situadas entre determinados limites, não prejudiquem
o organismo e assim, não criem sobrecargas funcionais
ou condições em que, a curto ou longo prazo,
possam originar processos patológicos. Nesse caso,
o esclarecimento Biomecânico das atividades motoras
do corpo humano possibilitaria a escolha de medidas
preventivas mais eficientes, prevenindo os praticantes
contra a ocorrência de acidentes.
Jorge de Hegedus estabelece uma clara relação
entre Biomecânica e técnica ao assumir que o “...o
desporto está composto por uma grande quantidade de especialidades
técnicas, sendo essas determinadas por uma série de ações baseadas
na Física e na Biomecânica...”. Esclarece também que “...as
diferentes combinações de todos esses elementos, que têm uma
utilidade determinada, são designadas como técnicas...” [9].
Apresenta a Biomecânica como uma área de
conhecimento voltada basicamente para a melhoria do
rendimento técnico do desportista. Seja em função da
ação investigatória sobre a estrutura corporal e motora
do atleta, ou do exame das condições físicas (materiais
e equipamentos) presentes no ambiente dentro do qual
ocorre a concretização da prática.
James Hay apresenta uma “...definição...”, na qual
esclarece que a “...biomecânica é a ciência relacionada com as
forças internas e externas atuando sobre o corpo humano e os
efeitos produzidos por essas forças...” [10].
No que diz respeito ao propósito de se
desenvolver uma investigação ele admite que o
conhecimento de Biomecânica instrumenta
professores e técnicos para escolher técnicas
apropriadas e a detectar a origem causal de faltas.
Rolf Wirhed, em um texto intitulado Biomecânica
no esporte, desenvolve um raciocínio que nos permite
estimar que, para ele, este ramo do conhecimento
científico tem como tarefa “...a descrição de exercícios
desportivos com a ajuda de leis Mecânicas...” [11].
Segundo o autor as informações obtidas devem
possuir o propósito de permitir ao professor
entender melhor como e porque um exercício deve
ser executado de uma determinada maneira.
Jürgen Weineck apresenta uma compilação de
um texto de H. Rieder na qual argumenta que a
“...biomecânica contribui bastante para captar objetivamente
os aspectos, sobretudo acerca da dimensão quantitativa dos
caracteres do movimento...”. Diz ainda que ela
“...permite a objetivação da técnica, a descrição dos
caracteres cinemáticos e dinâmicos...” [...] “...a
motivação de variantes técnicas racionais, a
determinação de parâmetros técnicos dominantes - e
assim deduzir as conseqüências que dizem respeito à
escolha dos meios de treinamento...” [12].
Eusebio Esparza endossa a idéia de que a
biomecânica é uma das ciências que surgiram com o
propósito de promover o rendimento dentro da
prática desportiva.
Segundo este autor, nos últimos tempos, a
“...melhora dos resultados na alta competição tem muito que
ver com a melhora da técnica desportiva, e esta, por sua vez,
com o conhecimento Biomecânico aplicado...” [13].
Luiz Irineu Settineri esclarece que a Biomecânica
pode ser considerada como uma disciplina preocupada com o “...estudo anatomofisiológico e mecânico do
movimento do homem e dos seus segmentos corporais...” [14].
Quanto à vertente Biomecânica do esporte, acredita que
os conhecimentos de tal setor têm sido utilizados com
o propósito de desenvolver novas formas de
execução dos movimentos ou de realizar determinados desportos.
Harold Barrow e Janie Brown conceituam
Biomecânica como “...a ciência de movimento humano que
descreve o movimento do corpo humano utilizando os métodos
da Mecânica e Física” [15].
Fernando Vizcaíno argumenta que “...a biomecânica joga um papel fundamental na busca da melhor solução:
a tarefa motora...” e que ela “... se ocupa do estudo dos
movimentos humanos a partir do ponto de vista das leis da
física...”. Assume que, quando o corpo examinado
for o de um desportista, o estudo “...implicará a
efetividade do sistema de movimentos para alcançar o máximo
rendimento...”. Na visão do autor, a Biomecânica tem
como propósito a “....otimização mecânica do corpo
humano do desportista para a realização do máximo
resultado...”. [16].
Donskoi e Zatsiorski esclarecem que “...a tarefa
geral do estudo dos movimentos do homem na Biomecânica do
desporto consiste em avaliar a efetividade da aplicação das
forças para alcançar a execução mais perfeita do objetivo
pretendido...” [17].
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Como tarefas parciais da biomecânica os autores
apresentam o estudo das questões fundamentais
seguintes: a) estrutura, propriedade e funções motoras
do corpo do desportista; b) técnica desportiva
racional e c) aperfeiçoamento técnico do desportista.
Jaune Sariola traz-nos a interessante visão de
um especialista no desporto judô.
Em seu modo de entender a “...importância das
ciências de suporte ao treinamento dos desportos de elite é
indiscutível...”. Esclarece ainda que a “... Biomecânica
ocupa, nesse sentido, um nível destacado, como ajuda ao ensino
da técnica desportiva” [18].
A grande diversidade de propósitos, emergidos
com a dissociação dos conceitos, demonstra a
amplitude de possibilidades, em termos de direções
e sentidos, com as quais podem ser orientados os
estudos em Biomecânica do desporto. Cabe esclarecer
que Dissociação e Remontagem constituem noções
complementares que compõem uma análise [19].
Procedendo a uma sistemática remontagem,
tendo como material este variado conjunto de
informações oriundas da visão de autores e
especialistas acerca dos propósitos da Biomecânica,
é possível, por uma seleção incidental, propor a
formação de grupos, associando elementos com
base na similaridade dos propósitos manifestos.
O importante, neste ponto da nossa exposição,
é que fique registrado que a biomecânica apresenta
evidências de setorização, resultando, possivelmente,
na consolidação de estruturas especializadas no
atendimento particularizado de contextos particulares, dentre os quais o do desporto. Apesar de
parecer redundante enfatizamos este ponto, pois ele
é de fundamental importância para o entendimento
de nossas argumentações posteriores.
Em outras palavras os dados empíricos,
contidos no discurso dos estudiosos e usuários da
Biomecânica, apontam no sentido da existência de
variados interesses a motivar os investigadores.
A eficácia e eficiência da técnica motora no
sentido da resolução da tarefa motora é um deles.
A preocupação com a relação direta entre o
entendimento dos princípios envolvidos na
mecânica corporal e o nível de eficácia na obtenção
dos resultados obtidos a partir dos movimentos
corporais, é anterior a consolidação da própria
Biomecânica [20].
Nesse caso o propósito que esta por trás dos
procedimentos investigatórios, é o entendimento
da relação que se estabelece entre a técnica e o
melhor rendimento desportivo.
Outras vezes o trabalho de investigação está
preocupado em esclarecer o caráter lesivo contido
na execução, o que se identifica com uma outra
motivação, a qual optamos por tipificar como
promoção da saúde.
Nossa opção em estabelecer esse sub-critério
funda-se na proposição de que a prevenção é um
dos comportamentos implicados no complexo
exercício de promoção da saúde [21,22,23].
Como se sabe, existe uma estreita relação entre
mecanismo produtor da lesão e a Biomecânica do
exercício desportivo, o que é uma realidade
reconhecida por médicos especialistas no campo
da traumatologia desportiva [24].
Alguns autores exploram a Biomecânica do
desporto no sentido de verificar os aspectos lesivos
das atividades motoras aí envolvidas. Acredita-se
que, com base nas observações advindas desses
estudos, medidas preventivas possam ser delineadas
e implementadas a fim de se evitar a ocorrência de
agressões à integridade física dos praticantes.
Em outros trabalhos a motivação residiu na
possibilidade de se apresentar descritivamente o
fenômeno investigado. Nesse caso elegemos dois
subcritérios que cobrem os estudos desenvolvidos
com o propósito de descrever a habilidade motora e
descrever uma situação.
Assumimos aqui que: descrever consiste na
ação de expor, da forma mais fidedigna possível, o
que está sendo observado, sem adicionar ou retirar
nada, nem tentar explicar, ou valorar os fenômenos, ou fazer as duas coisas.
Além do fato, de uma forma geral, a descrição
ser uma das fases a ser observada em qualquer
estudo Biomecânico, em alguns casos ela foi a
resposta plena ao problema de investigação posto,
e, em virtude disto, o resultado final de certos
trabalhos consistir na apresentação da mesma. Tal
ocorrência esta perfeitamente de acordo com a
realidade do setor, visto que, segundo Yeadon, as
“...investigações do movimento humano podem ser descritivas,
experimentais e teóricas...” [25].
Sendo assim, o critério descrição Biomecânica
da habilidade refere-se aos estudos que se
preocupam única e exclusivamente com essa ação,
ou seja, com a descrição do próprio movimento
em estudo ou de elementos que estejam, em alguma
medida, relacionados com o mesmo. A diferença
entre os dois tipos de descrição reside na diferença
daquilo que é descrito.
Na descrição da habilidade, como o próprio
nome já diz, o problema é o desconhecimento das
características da técnica motora em foco, ou seja,
dos detalhes dos movimentos corporais propriamente ditos. Ao tomarmos contato com esse tipo
%
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
de descrição a impressão que temos é de estar vendo
o movimento acontecer.
Já o segundo tipo está voltado à exposição
não do movimento, mas sim de certas características
deste ou de um outro quadro Biomecânico
qualquer. No que diz respeito a técnica de
execução corporal do movimento desportivo a
situação pode ser bem singular. Pode-se descrever,
por exemplo, as características cinemáticas
implicadas em uma ação sem, necessariamente, ter
que se expor o movimento explorado.
O exame exploratório nos demonstrou que
estes dois tipos de descrição poderão estar contidos
em um mesmo estudo. Para efeito de classificação,
tendo em vista a importância que a exposição clara
do movimento propriamente dito tem para as
considerações que estabeleceremos no decurso de
nossa avaliação, toda vez que um material apresentou,
em concomitante, os dois tipos de descrição, nos o
classificamos como estudo que apresenta a expressão
observável da habilidade motora.
Como se sabe, qualquer campo científico
necessita possuir todo um conjunto de ferramentas
operatórias especificamente elaboradas, como o são
os equipamentos de estimulação controlada na
fisiologia, instrumentos como o microscópio
utilizado na biologia, procedimentos de exploração de sítios arqueológicos, as técnicas de
entrevista nas ciências sociais e tantos outros.
Nesse sentido, segundo Marconi e Lakatos,
“Técnica é um conjunto de preceitos ou processos de
que se serve uma ciência; é a habilidade para usar
esses preceitos ou normas, a parte prática. A
metodologia científica utiliza inúmeras técnicas na
obtenção de seus propósitos” [26].
Alguns desses instrumentos podem ser
utilizados em vários contextos como é o caso do
Calibre Vernier que tanto pode ser utilizado no
processo de confecção de peças de precisão em
metalurgia, quanto na captura de informações acerca
de determinadas dimensões corporais em cineantropometria, sendo utilizado como instrumento de
mensuração nos dois casos. Há também o caso do
eletrocardiógrafo que geralmente é utilizado para
registrar o traçado do harmônico resultante das
várias ondas geradas pelos potenciais de ação do
coração, mas que pode também ser utilizado como
cronógrafo no registro das características temporais
da marcha humana. Outros tipos de instrumentos,
equipamentos e processos são específicos a cada
setor, sendo os mesmos criados, testados e
retificados naquele mesmo contexto.
Na biomecânica a situação não é diferente. Por
isso é que o desenvolvimento de novos métodos,
necessários a analise de certos parâmetros, deve ser
considerado como uma parte importante do universo
de investigação do desporto [27].
Sendo assim, é compreensível que estudos
sejam realizados com o propósito de elaborar e
validar procedimentos e instrumentos de investigação, constituindo-se, este outro tipo de
trabalho, voltado a outro interesse, ou seja, ao
desenvolvimento de processos.
O ensino de habilidades desportivas é um subcritério
que se diferencia dos anteriores na medida em que
seu estabelecimento não foi fundado exatamente
no fato de que se tenha constatado a existência de
estudos realizados a partir dessa motivação. Em
verdade ele identifica uma motivação que
acreditamos possível de existir.
O processo que consiste no esforço de ajudar
a alguém que pretende adquirir a capacidade de
executar técnicas motoras desportivas é extremamente complexo e específico. Difere, portanto,
em vários aspectos, de outras relações, como aquelas
nas quais a preocupação é com o aprimoramento
de indivíduos que já sabem realizar tais habilidades.
Jorge Bento ajuda-nos a entender tal especificidade ao indicar que neste contexto a preocupação deve transcender a adoção “...de um modelo de
apresentação da técnica, próprio do desporto de alto
rendimento...”, visto que em contextos onde o
aprendizado é o fator mais importante
“...não interessa tanto a forma mais evoluída de uma
modalidade desportiva. A questão do «volume» e do
grau de dificuldade da matéria de exercitação aponta
para um «quantum» de exercícios cor porais,
corretamente doseados sob os aspectos dos objetivos,
da adequabilidade às condições das crianças e jovens e
às condições materiais e temporais realmente
existentes...” [28].
O ensino consiste em efetivar ações intencionalmente dirigidas, que devem respeitar processos
concomitantes, tais como, por exemplo, a maturação no caso de crianças e jovens, mas que não
deve se confundir com os mesmos.
Desta forma os estudos que se voltam a esse
universo devem estar especificamente articulados
com os mesmos. Devem se preocupar com
elementos de processo, de mudança e de desenvolvimento, visto que ações de muito pequeno
curso temporal dificilmente podem ser caracterizadas como de aprendizado.
&
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Note-se que esse critério está diretamente
relacionado com o objetivo de nosso trabalho e
refere-se àqueles estudos que tem como principal
preocupação os aspectos Biomecânicos da habilidade
desportiva, os quais assumem importante papel no
decurso de um processo de aprendizado. Eles devem
retratar a dinâmica de tais processos.
Sintetizando, o critério Propósitos pôde ser, a
partir dos dados compilados, dividido em seis tipos,
segundo os quais, o conhecimento levantado foi
examinado e caracterizado, a saber: Tarefa;
Promoção da Saúde; Promoção da saúde; Descrição
de habilidade; Descrição de situação; Desenvolvimento de processos e Ensino de habilidades
motoras. Além destes foi necessário criar subcritérios
outros em função de estudos que, pela forma como
foram apresentados, inviabilizaram a identificação
clara dos propósitos e também de alguns poucos
estudos que apresentam propósitos completamente
fora do contexto investigado.
Outro critério importante quando tratamos
da aplicabilidade de um conhecimento está
relacionado com os sujeitos investigados. Na
Biomecânica, em alguns casos, o fenômeno
estudado é gerado por estruturas físicas simuladoras e em outros pelo ser humano.
É precisamente quando o corpo humano é
estudado diretamente que o grau de variabilidade
nas formas de abordagens e, consequentemente,
no produto das investigações se vê aumentado. Isso
porque ocorrem flutuações nos aspectos Biomecânicos envolvidos quando comparamos
indivíduos de diferentes graus de experiência na
execução de habilidades motora desportivas [29,30].
Ao reconhecermos que os estudos exploram
o movimento corporal é preciso também reconhecer que os corpos não são idênticos entre si.
Quando muito podemos distribuí-los em grupos
mais ou menos homogêneos e aqui interessa-nos
realizar uma classificação, tomando como
referência o grau de envolvimento com a prática
desportiva.
Para cada grupo de corpos as formas de
abordagem podem ser extremamente diferentes e,
consequentemente, as correções e adequações
feitas, por exemplo, sobre a técnica motora também
o serão.
O primeiro tipo de corpo é aquele que está
no extremo inferior na escala de participação, no
que tange à prática de atividades esportiva, o do
indivíduo sedentário. Neste caso, encontramos todos
os corpos que não estão envolvidos com nenhum
tipo de prática de atividade física, a não ser aquelas
necessárias ao cumprimento de tarefas da vida diária.
Os movimentos gerados retratam a inatividade
esportiva.
Em outro grupo temos os praticantes, que são
aqueles indivíduos que praticam o desporto como
forma de lazer, ou de manutenção de saúde, ou
ambos, sem, no entanto, estarem envolvidos em
competições institucionalizadas e não obedecendo
a planos de treinamento rigorosamente elaborados.
Já os iniciantes caracterizam-se por estarem
iniciando uma prática mais elaborada, obedecendo
a um programa de treinamento mais rigoroso,
podendo mesmo estarem projetando para o futuro
a participação em competições institucionalizadas.
Os indivíduos são, portanto, aprendizes e se
encontram envolvidos com o aprendizado das
técnicas básicas de execução dos esportes, seja para
desfrutarem do prazer de praticá-los ou para
participarem, até mesmo em nível profissional, de
competições da modalidade.
Os atletas iniciantes são indivíduos que já
dominam as habilidades motoras básicas do esporte
e participam de competições de pequeno porte.
Chegamos enfim aos atletas de alto rendimento os
quais se dedicam a prática do esporte em uma
condição de alta performance, possuem excelência
e buscam elevá-la aos limites da capacidade humana.
Estão envolvidos com competições de grande
porte. Em grande parte são indivíduos que atingem
o status de esportistas profissionais, ou estão muito
mais próximos desta condição.
Sintetizando, com possibilidade de estarem
se especializando na investigação de expressões
motórico-esportivas que vão desde as condutas
motoras de baixo ou nenhum valor técnico até
àquelas que se encontram no limiar da capacidade
humana, os estudos em Biomecânica exploram
corpos que podem ser reunidos organizados
segundo os seguintes subcritérios: Sedentários,
Praticantes, Iniciantes, Atletas iniciantes e Atletas
de alto rendimento. Além disso, como antecipamos, há a possibilidade de não termos nenhum
tipo de corpo humano envolvido na produção de
conhecimento e, assim sendo, há que se considerar
a existência de um outro subcritério, a saber:
Nenhum corpo humano.
Estratégia de investigação
No que tange a matriz teórica de base, nosso
estudo fundamentou-se no pensamento epistemológico histórico-construtivista. Os argumentos
contidos nas idéias de Gaston Bachelard [31]
'
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
permitiram-nos ver que, ao adquirir, historicamente,
o estatuto de ciência, um campo passa a conter
características específicas, dentre as quais aquelas que
fazem com que o conhecimento cientificamente
produzido seja prioritariamente adequado ao
contexto no qual foi gerado. Em outras palavras
pode-se dizer que, em termos de aplicabilidade, é
no contexto gerador que o conhecimento científico
tem garantido, de for ma plena, seus valores
epistemológicos. Por isso, o fato de reconhecermos
uma episteme como científica não significa que essa
condição seja perene no espaço e no tempo, ou seja,
que a valoração vigorará quando a mesma é utilizada
em um contexto diferente daquele no qual se deu
sua gênese.
Para desenvolvermos a investigação optamos
por utilizar uma abordagem Qualitativa, de cunho
fenomenológico, em nossas explorações, mormente
pelo fato dela permitir, em primeiro nível, a
descrição de contextos, propiciando a obtenção de
dados para subseqüentes avaliações [32]. Isto
fizemos, por entendermos que na problemática ora
tratada a discussão encontra-se, ainda, na fase
naturalística de exploração científica.
Seguindo diligentemente o fluxo de procedimentos previstos para esse tipo de abordagem,
desenvolvemos uma leitura flutuante, a fim de
estabelecer as questões críticas e levantar elementos
metodológicos pertinentes à situação que se punha.
Posteriormente iniciamos por descrever o contexto
da produção científica em Biomecânica do desporto,
focados em nosso interesse central, de forma a
caracterizarmos o ambiente epistêmico onde foram,
e estão sendo, construídas as estruturas epistemológicas dos conhecimentos em exame.
Utilizando uma proposta de análise de
conteúdo apresentada por Laurence Bardin [33],
elegemos, dentre outros, os critérios Propósitos e
Tipos de sujeitos, os quais se encontram detalhados
na parte inicial deste relato. Estes foram utilizados
na posterior análise e classificação descritiva do
conteúdo epistêmico. Os critérios foram operacionalmente delineados a partir de informações
coletadas durante a leitura flutuante, assim como
no material empírico inerente aos processos de
aprendizado de habilidades motoras esportivas.
O corpus de análise utilizado nessa fase do
estudo foi composto pelos títulos em Biomecânica
levantados por James Hay [34]. Este autor
utilizou como fontes os periódicos, livros,
dissertações de mestrado e doutorado, realizados
e veiculados por todo o mundo no período que
vai de 1893 até 1980.
Para o trabalho prático de análise dos textos
foi elaborado um algoritmo implementado em
Access for Windows. Este sistema de banco de dados
foi escolhido por permitir uma razoável
agilidade na captação das informações, constituir
um software extremamente accessível, possível
de ser programado segundo perspectivas
específicas, sendo dotado dos recursos mínimos
necessários à geração dos relatórios utilizados
neste estudo.
Autenticidade científica dos procedimentos
de caracterização
Os procedimentos de caracterização foram
utilizados por quatro pessoas, que examinaram,
em duas oportunidades distintas, um mesmo
subconjunto do Corpus de Análise, em dois dias
diferentes, com o objetivo de determinarmos os
níveis de confiabilidade e objetividade, tendo sido
utilizados, para, o teste de Wilcoxon e de Kruscalwallis, respectivamente.
O subconjunto do corpus utilizado para o
teste de autenticidade foi formado, intencionalmente, por artigos previamente selecionados,
os quais continham, de forma dispersa, os
elementos básicos da totalidade dos critérios a
serem utilizados no exame.
Após a apresentação dos critérios, organizados em um formulário na tela do computador,
os examinadores sugeriram algumas mudanças na
disposição dos campos do documento, no sentido
de melhorar o processo de inserção de dados. As
sugestões foram acatadas e o desenho do formulário
foi alterado antes mesmo do primeiro teste de
autenticidade.
Para a=0,05 não foram encontradas diferenças
significativas tanto no teste de confiabilidade
quanto no de objetividade.
Achados
Nossa despretensiosa incursão ao passado do
conhecimento biomecânico levou-nos a retroceder ao
final do século XIX, precisamente ao ano de 1893 [35].
Muito embora saibamos que naquela época ainda não
era reconhecido o nome Biomecânica no campo de
conhecimentos que ora tratamos, o trabalho de Tait
[35] apresentou uma configuração perfeitamente de
acordo com os moldes daqueles que hoje são
considerados como produção do referido setor e
certamente por isso foi incluída no levantamento do
professor James Hay [34].
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Desde aquele ano até 1980, em todo o
mundo, não menos que 1731 trabalhos sobre
Biomecânica relativa ao Esporte foram levados
ao conhecimento do público. Cabe ressaltar
também que esse valor correspondia a aproximadamente 25% de um universo de 6789 títulos,
resultante de um levantamento que pretendeu
cobrir a produção mundial no campo da
Biomecânica como um todo.
Digno de nota o fato de que o Esporte foi o
setor que, quando considerado em separado, mais
gerou conhecimentos em Biomecânica, no período
considerado.
Os esportes estudados
Considerando a produção total, ou seja, levando
em conta o que foi veiculado por todos os meios, é
possível verificar que modalidades esportivas foram
mais estudadas. A tabela I nos dá uma idéia dos
esportes a partir dos quais o conhecimento foi gerado
nesse período.
Tabela I – Modalidades Esportivas investigadas.
Modalidades esportivas
QTD
Atletismo
Natação
Ginástica artística
Esqui
Ciclismo
Halterofilismo
Basebol
Saltos ornamentais
Futebol americano
Basquete
Remo
Golfe
Tênis
Voleibol
Hockey
Patinação no gelo
Arqueirismo
Futebol
Judô
Water polo
Lutas
Canoagem
Caratê
Pára-quedismo
Softball
Vela
Cricket
Boxe
Esgrima
Mergulho
Rugby
Boliche
Handebol
615
235
123
73
41
38
37
30
29
26
25
22
19
18
14
14
13
11
9
7
5
4
4
4
4
4
4
2
2
2
2
1
1
Como se vê nos oitenta e sete anos em que o
conhecimento foi produzido, diferentes modalidades
foram estudadas, sendo que de forma assistemática.
Dentro desse conjunto pode-se ver que o Atletismo,
a Natação e a Ginástica Artística, respectivamente,
foram as mais investigadas.
Se a princípio podemos ficar entusiasmados
com a presença de grandes quantidades de
produtos para alguns esportes, como é o caso do
atletismo, é preciso levar em conta que esse é um
caso atípico. Uma exceção, não uma regra. Como
pode ser visto na compilação apresentada na tabela
I, a grande maioria das modalidades foram muito
pouco exploradas. Veja o caso do Handebol, que
além de ser um esporte Olímpico e extremamente
popular, especialmente nos países da Europa e,
apesar disso, só aparece como modalidade estudada
em um artigo. Mesmo no caso do atletismo, se
dividirmos a quantidade de títulos pelo número
de provas da modalidade e se considerarmos
também que cada uma dessas provas suscita,
provavelmente, uma grande quantidade de questões
biomecânicas, concluiremos que, em termos
relativos, o número de publicações é pequeno.
Os periódicos
Neste intervalo de tempo coube aos periódicos e boletins técnicos a maior percentagem de
contribuição com o aumento do acervo. Eles
veicularam não menos que 1014 dos 1731 trabalhos,
o que significa uma participação, aproximada de
58,5%, na produção do período.
Na tabela II, estão aqueles que se destacaram
no registro e divulgação desse tipo de conhecimento.
Tabela II – Periódico que mais veicularam
informações sobre Biomecânica do Esporte.
PERIÓDICOS
Qtd
Research Quartely
178
Track Technique
145
Athletic Journal
100
Scholastic Coach
62
Yessis of Review of Soviet Physical Education
and Sports
57
Leistungssport
47
Track and Field Quartely Review
44
Medicine and Sport
38
Modern Gymmast
29
Journal of Applied Physiology
21
Journal of Biomechanics
21
Ergonomics
17
Journal of Sports Medicine and Physical Fitness 17
Mechanics and Sports
17
Journal of Human Movement Studies
15
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
PERIÓDICOS
Qtd
Research Journal of Physical Education
Swimming Technique
Teoriya I Praktika Fizicheskoi Kulturi
Gymnast
Orthopedic Clinics of North American
American Journal of Sports Medicine
New Zealand Journal of Physical Education
American Journal of Physics
15
13
12
10
12
11
10
9
Vê-se que, do universo conhecido, foi o
Research Quartely o periódico que mais publicou
sobre Biomecânica do Esporte no período anterior
a criação do Journal of Sport Biomechanics (atualmente
Journal of Applied Biomechanics), seguido muito de
perto pelo Track Technique e pelo Athletic Journal.
Quanto ao propósito
Como podemos ver pelo gráfico da figura 1
o exame desse conjunto de publicações, tomando
como parâmetro o critério Propósitos, permitiu-nos
constatar que a tendência foi do subcritério Tarefa
se apresentar em posição de destaque na maioria
dos casos, sendo ele o que predomina em quatorze
dos periódicos considerados.
Gráfico 1 – Quantidade de publicações para cada
propósito.
Isto assegurou aproximadamente 43,7% de
presença no cômputo total de artigos produzidos.
Seguindo na consideração dos mesmos dados vemos
que no outro extremo encontra-se o interesse pelo
Ensino de Habilidades Motoras. Ele aparece em
0,29% dos casos, graças a três trabalhos publicados
em três periódicos distintos, a saber: Research
Quartely, Scholastic Coach e Ergonomics.
Vê-se nitidamente, ainda no gráfico 1, que as
posições intermediárias são ocupadas pelos outros
propósitos. Para este grupo somente o American Journal
of Sports Medicine e o American Journal of Physics não se
preocuparam em nenhuma oportunidade com a
Tarefa. No primeiro o interesse central foi a
Promoção da Saúde e no segundo o Desenvolvimento de Processos.
Quando examinamos os propósitos para cada
periódico, em separado, constatamos que a
distribuição de freqüência daqueles modifica-se de
um caso para outro. Em periódicos como: Research
Quarterly, Medicine and Science in Sport, Research Journal of
Physical Education e New Zealand Journal of Physical
Education, há quase que um equilíbrio entre o
interesse na Tarefa e na Descrição de Situação,
sendo que os dois predominam. Já no caso do
Journal of Biomechanics e do Ergonomics a Descrição de
Situação é superior e no American Journal of Physics
ela é absoluta.
Em outros periódicos, como o American Journal
of Sports Medicine, a Promoção da Saúde apresentase em superioridade, ou mesmo tende a manter-se
em equilíbrio com a Descrição de Situação, que é
o que acontece no Orthopedic Clinics of North America
e no Journal of Sports Medicine and Physical Education.
Um outro grupo de periódicos concentrase maximamente na Tarefa, a saber: Scholastic Coach,
Yessis of Review of Sovietic Physical Education and Sports,
Leistungssport, Track and Field Quarterly Review,
Swimming Technique, Gymnastic, Journal of Applied
Physiology e Medicine and Science and Sport and Exercise.
Alguns periódicos apesar de concentrarem o
interesse na Tarefa combinam com a Descrição
de Habilidade Motora, muito embora esta
combinação não chegue a tender para um
equilíbrio. O Track Technique, Athletic Journal e o
Modern Gymnast são casos assim.
O Journal of Human Movements Studies apresentou
um equilíbrio entre Tarefa, Descrição de Habilidade
Motora e Descrição de Situação. O Mechanics and Sports
apresenta um quadro similar, sendo que vai ainda mais
adiante pois veiculam também estudos voltados à
Promoção da Saúde.
Desta forma o material contido em cada
periódico parece variar em função da diretriz
mestre que este segue. Aqueles que estão ligados,
por exemplo, ao campo prático da medicina
veiculam conhecimentos mais ligado as questões
relativas à saúde, Por outro lado, aqueles cuja
diretriz é atender à técnicos esportivos, veiculam
informações técnicas voltadas ao trabalho destes,
no sentido de ajudá-los, sobretudo, a melhorar
a performance dos atletas pelos quais são
responsáveis.
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
No que tange aos executores constatamos que a
grande maioria dos indivíduos examinados nos estudos
é Atleta de alto rendimento (gráfico 2). Estes estão
presentes em aproximadamente 70,0% do total de
trabalhos examinados, enquanto que os iniciantes e os
Atletas iniciantes aparecem em 0,49% e 0,39%,
respectivamente, dos trabalhos examinados.
Levando em conta os interesses que moveram
os autores desses 17 artigos, vemos que, muito
embora se trate de uma amplitude visivelmente
restritiva de possibilidades o conhecimento
veiculado foi ainda estruturado a partir da
exploração de três temas diferentes, a saber: O
aprendizado de habilidades motoras esportivas. O iniciante
e A Criança. Em alguns casos foram combinadas
essas três temáticas.
Gráfico 2 – Quantidade de publicações por tipo de
sujeito
O aprendizado de habilidades motoras
esportiva
Quanto ao tipo de executores
O exame isolado dos periódicos nos mostrou
que poucos desviam-se desta tendência de
concentração e apresentam executores variados. Os
poucos que o fizeram foram: Medicine and Science in
Sport (alto rendimento 60% e praticantes 40%); o
Ergonomics (alto rendimento 66,6%, praticantes
26,6% e iniciantes 6,6%) e, finalmente, o Orthopedic
Clinics of North America. (praticantes 66,6%,
sedentários e atletas de alto rendimento precisamente com 16,6% cada).
Nos outros casos em que aparecem outros
executores, para além do atleta de alto rendimento,
a quantidade é severamente inexpressiva. Excetuando-se o American Journal of Sports Medicine (atletas de
alto rendimento 83,3% e praticante 16,6%) em
nenhum outro o atleta de alto rendimento ficou
abaixo da marca de 90%.
Produção relativa à criança e ao ensino
Sem dúvida alguma o conjunto de conhecimentos veiculados em 87 anos é possuidor de uma
quantidade respeitável de informações. Outrossim
cabe detalhar que, muito embora os valores
numéricos possam parecer muito elevados, a
produção de conhecimentos voltados à discussão
da criança, ou do aprendizado básico de habilidades
esportivas, ou de ambos, foi encontrada em 17 de
1731 trabalhos, constituindo 0,98% da amostra.
Os autores preocuparam-se, especificamente,
com o fato do indivíduo ter que aprender uma
determinada habilidade motora esportiva.
Discutiram, baseados em conhecimentos da Física
clássica, formas de movimentos corporais
catalisadoras, ou seja, movimentos que levassem a
um aprendizado mais rápido [36,37]; procuraram
verificar em que medida as diferenças antropométricas [38], ou a capacidade de flutuação dos
indivíduos em meio líquido [39], influencia no
sucesso do aprendizado de habilidades motoras da
natação. Também aparece a preocupação em
desenvolver tecnologia que permita ao professor
realizar uma melhor observação dos gestos e,
conseqüentemente, ajude a melhorar a qualidade
do ensino [40].
O iniciante
Começamos por apontar os casos nos quais
o binômio iniciante-aprendizado é textualmente
referido pelos autores. Eles procuram estudar a
correlação entre a conformação antropométrica do
iniciante na natação e a velocidade de seu
aprendizado [41]. Procuram identificar o quadro
das mudanças na mecânica do comportamento
motor de crianças iniciantes no Water polo,
provocadas pelo manuseio de uma bola com
características físicas diferentes daquelas que
normalmente são utilizadas na prática dessa modalidade [42]. Outros trabalhos estão preocupados
em apresentar as melhores técnicas motoras a serem
utilizadas por iniciantes na prática do Esqui [43] e
do atletismo [44], ou mesmo a descrição do quadro
biomecânico que se apresenta quando da execução
de uma habilidade motora por parte de um
iniciante [45].
Em um outro caso o autor procura examinar
as diferenças entre a expressão de uma mesma
técnica motora, quanto executada por um iniciante
e um atleta de alto rendimento [46].
!
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
A criança
Os trabalhos que tiveram a criança como seu
principal objeto de conhecimento estão voltados
para descrição. Seja a descrição de características
extrínsecas, como a flutuabilidade em meio líquido
[47] e as características cinemáticas da corrida [48],
ou características intrínsecas como o comportamento cinematográfico, ou eletromiográfico, ou
ambos, na execução de habilidades motoras da
Natação [49,50].
Trinômio criança-aprendizado-iniciante
Dois estudos nos chamaram a atenção pelo
fato de procurarem trabalhar com a perspectiva
de lidar com a complexidade fenomenológica
típica do mundo real do ensino do esporte. Não
procuraram fugir dela e nem mesmo utilizaramna como argumento para justificar a delimitação
de seu estudo.
Nesses dois estudos o investigador buscou
descrever não só as características dos movimentos
de corridas de crianças em idade pré-escolar [51] e
escolar [52], como também, para além disso,
procurou demonstrar as variações que denotam o
desenvolvimento desses indivíduos ao final de um
determinado período de tempo. Dessa forma o
autor desenvolve um tipo de trabalho que se
aproxima da investigação voltada para o processo
de desenvolvimento da criança e não simplesmente
a um momento desse processo.
Conclusão
A Biomecânica, dentre outras coisas, pode
contribuir de várias e diferentes formas com um
melhor desenvolvimento do processo pedagógico
voltado ao Ensino de Habilidades Motoras
Esportivas (EHME). Ela pode, por exemplo,
orientar e justificar, para algumas situações, a
aplicação do princípio de progressão pedagógica;
fornecer base de conhecimento para o exame crítico
de recursos didáticos (implementos e estratégias)
utilizados em aulas de Esporte; colaborar no
reconhecimento das reais cargas mecânicas impostas
pelo uso de exercícios de aprendizagem e propiciar
tanto o registro quanto o exame, de modelos ideais
de técnicas esportivas que pudessem ser utilizados
no trabalho de ensinar.
Com base nos dados obtidos em nossa
investigação, muito embora tenhamos aumentado
nossa certeza de que a Biomecânica possui
condições de ajudar, de forma substancial, no
encaminhamento de um processo de ensino mais
preciso e consciente, começamos a entender algumas
das razões pelas quais isto não acontece. Talvez a mais
forte delas seja o fato do EHME não fazer parte o
conjunto de interesses que motivaram a produção de
conhecimento.
Além disso, vê-se também que a Biomecânica,
no período analisado, voltou-se ao exame de
sujeitos que estão muito distantes, tipologicamente
falando, do processo EHME. Levando em conta
o grau de domínio e envolvimento das habilidades
esportivas, vimos que a maioria dos indivíduos são
atletas de alto rendimento.
Não se pode esperar que um ambiente
epistemológico formalize estruturas nocionais
adequadas a uma determinada perspectiva, se esta
não faz parte do organismo estrutural deste mesmo
ambiente. Somente casualmente se produzirá para
o ensino, tendo em vista que não se pesquisa o
ensino de forma sistemática e intencional.
Um setor de conhecimentos científicos não
pode servir para instrumentalizar a operacionalização de uma atividade profissional, se as
informações que contém foram elaboradas a partir
de fatos empíricos estranhos a esta atividade ou
aos elementos do ambiente onde ela transcorre.
Se por um lado nós, que atuamos na
investigação em Biomecânica, temos certeza de que
este campo de conhecimento reúne muitas das
condições necessárias à geração de conhecimentos
que podem, efetivamente, ser aplicadas aos
processos de EHME, por outro os dados nos
demonstram que estas informações não foram
elaboradas, a princípio no período investigado.
Diante disso acreditamos ser importante
continuar investigando o processo histórico da gênese
epistêmica da Biomecânica, no sentido de verificar se
a tendência dominante no período investigado
permanece, e, em concomitante, faz necessário que
atuemos ativamente no contexto da produção, com
o propósito de caracterizar mais adequadamente o
ambiente epistemológico, para que, a par e passo,
venhamos a construir uma região favorável a
elaboração de conhecimentos que, efetivamente,
possam ser utilizados nos processos de EHME.
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
ATUALIZAÇÃO
O desenvolvimento do handebol no Brasil
e nos jogos olímpicos
Handball development in Brazil and in the olympic games
Ana Flávia Paes Leme de Almeida*
*Universidade Católica de Petrópolis
Resumo
O handebol, por suas qualidades excepcionais, sob o ponto de vista formativo, educacional e esportivo, é apreciado
por ambos os sexos em diversas idades. É um esporte coletivo que pode ser praticado na quadra e na areia, é dinâmico,
envolvente e, por conseqüência, socializador. Há hoje muitas versões para a origem, criação e desenvolvimento do
handebol. Alguns acreditam que ele tenha surgido da fusão dos elementos que compõem o Basquetebol e o Futebol de
campo, no entanto, com características e regras que o diferenciam. Todavia, desde muito tempo o homem utiliza-se da
bola para práticas esportivas. Provavelmente, o handebol nasceu da reunião de vários esportes da antiguidade,
incorporando progressivamente características que dele fizeram o esporte que conhecemos hoje. O presente estudo
teve por objetivo averiguar a origem e desenvolvimento do Handebol Brasileiro e sua participação nos Jogos Olímpicos.
Em outras palavras, busca-se fazer uma análise da sua trajetória evolutiva e do alcance desse esporte no país, através de
revisão bibliográfica e relatos da história do esporte nos Jogos Olímpicos.
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Palavras-chaves: história, handebol, Jogos Olímpicos.
Abstract
The handball gathers formative, educational and sportive qualities that make of it an activity appreciated by both
genders and different ages. It is a collective sport that can be practiced in squares and in the beach. Furthermore, it’s
dynamic and sociable. There are many versions for the handball origin and development. Some believe that the
handball was created by combining elements from basketball and soccer, but with different characteristics and rules.
However, a lot of civilizations used the ball as an implement for physical activity and leisure and, probably, handball
arised from the combination of different and multiple ancient sport practices. The purpose of this study was to
investigate, in a historical perspective, the beginning and development of the Brazilian handball and it’s participation
in the Olympic Games. In other words, the study aims to analyze the trajectory of the handball in the country, by
reviewing the available literature about the sport.
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Key words: history, handball, Olympic Games.
Artigo recebido em 10 de outubro de 2004; aceito em 19 de outubro de 2004.
Endereço para correspondência: Ana Flávia Paes Leme de Almeida, Av. Rodolfo de Amoedo 135 202 Barra da Tijuca
22620-350 Rio de Janeiro RJ, Tel: (21) 2429-3815 Email: [email protected]
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Introdução
A importância de se conhecer a história de um
desporto, como ele surgiu, onde e como ele progrediu,
ajuda a compreender algumas questões de ordem
desenvolvimentista e esclarece a atual posição deste
no contexto nacional e internacional.
Através de uma busca feita na Internet com
as palavras-chave handebol / história e, em livros de
handebol em português referentes à sua história
no Brasil, pode-se constatar que o material
disponível é escasso e pobre, sendo muitas vezes
até contraditório, sobre a origem e desenvolvimento deste desporto.
Assim sendo, este artigo tem como intuito
principal reunir alguns dados que foram encontrados em diferentes fontes e organizá-los de forma
a traçar um painel que leve a compreender um
pouco melhor a sua história e o rumo do handebol,
desporto tão praticado nas escolas brasileiras.
Nesse contexto, busca-se estabelecer uma relação
do desenvolvimento do desporto no país e a sua
participação nos Jogos Olímpicos.
Histórico do handebol no mundo
O handebol, por suas qualidades excepcionais, sob o ponto de vista formativo, educacional
e esportivo, é apreciado por ambos os sexos e
por diversas idades. Além de oferecer várias qualidades que lhe são específicas, reúne as três fases
atléticas naturais: correr, saltar e arremessar. É
um esporte coletivo que pode ser praticado na
quadra e na areia, é dinâmico, envolvente e, por
conseqüência, socializador.
Há muitas versões para a origem, criação e
desenvolvimento do handebol em sua forma atual.
Desde muito tempo, o homem utiliza-se da bola
para práticas esportivas e, da reunião de vários
esportes da antiguidade, surgiu o handebol
moderno que hoje se conhece. Acredita-se que ele
tenha surgido da fusão dos elementos que
compõem o Basquetebol e o Futebol de Campo,
no entanto, com características e regras que o
diferenciam [1]. O que se sabe é que o handebol é
um dos esportes mais antigos de que se tem notícia,
tendo apresentado uma grande variedade de formas
até a praticada atualmente.
Talvez o registro mais antigo de que se tem
conhecimento, envolvendo uma prática semelhante
ao handebol, seja o Jogo de “Urânia”, descrito por
Homero na Odisséia. A descrição do jogo
encontra-se gravada em uma pedra na cidade de
Atenas, datada de 600 a.C. [2]. Tratava-se de um
jogo praticado com uma bola do tamanho de uma
maçã, usando-se as mãos, mas sem balizas. Ainda
segundo este mesmo autor, os romanos conheciam
um jogo com bola praticado também com as mãos
denominado “Haspartum”, conforme foi encontrado nos escritos do médico romano Cláudio
Galeno (130 –200 d.C.).
Na Idade Média, por volta de 1170 a 1230,
Walther von der Vogelwide descreveu um jogo
praticado como lazer por rapazes e moças, o qual
era fundamentado na troca de passes. Na França,
Rabelais, entre 1494 e 1533, citava uma espécie de
handebol em que os praticantes jogavam bola usando
a palma da mão “esprés jouaiant à balle, à la paume” [3].
Em meados do século XIX, por volta de 1848,
o professor de Educação Física, o alemão Holger
Nielsen, adaptou o “Haanbold-Spiel” (Jogo de
Handebol) para ser jogado em quadras, no
Instituto de Ortrup, remodelando as regras e
método como o jogo deveria ser praticado.
Naturalmente, os alemães desenvolveram o esporte
e finalizaram as regras em 1987, onde atualmente
é baseado tanto o Handebol de Quadra (Indoor)
quanto o Handebol Olímpico. Era composto por
sete jogadores por time, em uma quadra pouco
maior do que a de basquete, com gols de futebol
de 2m de altura por 2,5m de comprimento [5]. Na
mesma época, existia na Tchecoslováquia um jogo
praticado num campo de 45 X 30m e com sete
jogadores, que também era jogado com as mãos.
O gol era feito em balizas de 3 X 2m. Este jogo, o
“Hazena”, segundo a Confederação Brasileira de
Handebol, foi regulamentado pelo professor
Kristof Antonin, porém, somente em 1921 suas
regras foram publicadas e divulgadas por toda a
Europa. Fala-se também de um jogo similar na
Irlanda, e no “Sallon” do uruguaio Gualberto
Valleta, como possíveis precursores do handebol.
Todavia, é bem aceito que o handebol como
se joga hoje foi introduzido na última década do
século XIX por Konard Koch, na Alemanha,
tendo sido denominado de “Raftball”. Quem o
levou para o campo, em 1912, foi o alemão
Hirschmann, então secretário da Federação
Internacional de Futebol [6].
O período da primeira Grande Guerra foi
decisivo para o desenvolvimento do jogo, quando
o professor de ginástica berlinense Max Heiser
criou um jogo ao ar livre para as operárias da
Fábrica Siemens, derivado do “Torball” (bola no
gol). Este desporto, muito praticado por mulheres
em 1915 em um campo de 20 X 40 metros, recebeu
a adesão dos homens poucos anos mais tarde, o
&
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
que obrigou a uma pequena alteração nas regras e ao
aumento das dimensões do campo para as medidas
do futebol [2].
Registros históricos revelam, um professor
de Educação Física e um marinheiro alemão, Karl
Schelenz, teria reformulado, em 1919, o Torball,
alterando seu nome para Handebol [7]. As regras
foram publicadas pela Federação Alemã de
Ginástica para o jogo com 11 jogadores. A
divulgação não foi tão difícil, visto que Karl
Schelenz era professor de uma importante
Universidade (Universidade de Berlim). Seus
alunos, inclusive os estrangeiros, difundiram o
jogo e suas regras para a Áustria e Suíça, além da
própria Alemanha. Um ano mais tarde, o diretor
da Escola de Educação Física da Alemanha, Carl
Diem, tornou o jogo desporto oficial e, em 1925,
Alemanha e Áustria fizeram o primeiro jogo
internacional, com vitória da Alemanha por 6 a 3.
Durante o seu desenvolvimento, o handebol
não era reconhecido como um esporte independente. Assim como o basquete e o vôlei, os
clubes eram representados pelas Associações de
Educação Física e Associações Atléticas Nacionais.
Em nível internacional, o handebol era representado pela Federação Atlética Amadora
Internacional (FAAI). Como crescia o número de
atuantes, foi criado em 1926 um Comitê Especial
no VII Congresso da FAAI na Holanda, para a
uniformização das regras do desporto, visto que
havia discordâncias entre os países praticantes.
Nessa época, foram adotadas como oficiais as
regras vigentes na Alemanha (HandBrasil, s/d). A
FAAI estava preparando e organizando a formação
de uma associação internacional independente e
exclusiva do handebol [5]. Em 1929, o handebol
de campo tornou-se independente e foi fundada a
Federação Internacional de Handebol Amador
(FIHA). Suas regras foram publicadas em três
idiomas, alemão, francês e inglês.
Mesmo durante a segunda Guerra Mundial,
o handebol não deixou de ser praticado, principalmente na Alemanha, a não ser no período
de 1943 a 1946 por força dos bombardeios
aliados. Após a Segunda Guerra Mundial, o jogo
cresceu rapidamente no âmbito internacional e,
em 1946, os dirigentes de handebol reuniram-se
em Copenhague e fundaram a atual Federação
Internacional de Handebol (IFH), com sede na
Suíça, sob a presidência do sueco Costa Bjork
[6]. Ainda que sem a participação dos alemães,
criadores do jogo, os campeonatos mundiais
foram reiniciados no campo em 1948 (para
homens) em 1949 (para mulheres). No salão, já
com os alemães, os certames foram reiniciados
em 1954. O handebol foi praticado na maioria
por jogadores amadores durante as décadas de
50 a 70, porém alguns jogadores mais destacados
eram patrocinados pelos Governos ou por
empresas privadas [5].
Por razões climáticas, falta de espaço para a
prática em virtude da preferência pelo futebol e
pelo reconhecimento de que era mais veloz, o
handebol de salão passou a ter a preferência do
público. Com isso, a modalidade se impôs
progressivamente, a ponto de ser suspensa a
realização de campeonatos mundiais de campo
desde 1966. Hoje, o handebol leva multidões aos
ginásios, principalmente na Europa, onde os
grandes astros são bem pagos e reconhecidos. O
handebol vem realizando a cada quatro anos seus
campeonatos mundiais e olímpicos [8].
História do handebol no Brasil
De acordo com [9], o handebol chegou ao
Brasil após 1930, introduzido pelas colônias
européias, fugitivas da guerra, e que procuraram os
Estados do sul do país pela semelhança climática.
Dessa forma, os brasileiros passaram a ter um maior
contato com a cultura, tradição folclórica e, por
extensão, com as atividades recreativas e desportivas
por eles praticadas, dentre as quais o então handebol
de campo.
Mas foi o Estado de São Paulo o maior centro
de desenvolvimento do esporte. Para se ter uma
idéia, a Federação Paulista de Handebol foi fundada
em 1940, enquanto a Confederação Brasileira de
Handebol só foi fundada em 1979 [2] esclarece que
o esporte, até então, estava restrito a São Paulo.
Em termos nacionais, o marco inicial deve-se ao
professor Auguste Listello que, em 1954, no Curso
Internacional de Santos, ofereceu aos professores
participantes a oportunidade de assistir a várias
aulas de handebol, difundindo assim o jogo para
outros Estados do país.
Apesar da falta de intercâmbio com os
principais centros da Europa, por falta de
recursos, em 1958 o Brasil disputou o Campeonato Mundial na Alemanha e, a partir de
1970, começou a participar da Taça Latina, sendo
vice-campeão em 1981 [8]. Nos Campeonatos SulAmericanos têm tido boa atuação, como se pode
observar na Tabela I – Participação Brasileira em
Campeonatos Sul-Americanos da categoria adulto
de 1990 a 2001:
'
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Tabela I – Participação do handebol brasileiro em Campeonatos Sul-Americanos categoria adulto.
ANO
CAMPEONATO
SEXO
LOCAL
CLASSF
1990
1991
1992
1993
1994
1994
1994
1997
1998
1998
1998
1998
1999
1999
2000
2001
2001
Sul
Sul
Sul
Sul
Sul
Sul
Sul
Sul
Sul
Sul
Sul
Sul
Sul
Sul
Sul
Sul
Sul
Masc.
Fem.
Fem.
Fem.
Fem.
Masc.
Masc.
Masc.
Fem.
Fem.
Masc.
Masc.
Fem.
Masc.
Masc.
Fem.
Masc.
São Paulo (BR)
Maringá (BR)
São Gonçalo (BR)
São Gonçalo (BR)
São Gonçalo (BR)
Sta. Maria (BR)
São Paulo (BR)
São Bernardo do Campo (BR)
Assunção (Paraguai)
Montevidéu (Uruguai)
Recife (BR)
Buenos Aires (Argentina)
Cairú (BR)
São Bernardo do Campo (BR)
Buenos Aires (Argentina)
Brasil
São Bernardo do Campo (BR)
1º
1º
1º
1º
1º
1º
1º
3º
1º
1º
1º
2º
1º
1º
1º
1º
2º
Americano Clubes
Americano
Americano Clubes
Americano Clubes
Americano Clubes
Americano
Americano Clubes
Americano Clubes
Americano Clubes
Americano
Americano Clubes
Americano
Americano Clubes
Americano Clubes
Americano
Americano
Americano
Em 1971, o MEC, em face ao crescimento do
desporto nas escolas, incluiu o handebol entre as
modalidades dos III Jogos Estudantis Brasileiros,
realizados em Belo Horizonte (MG) e, em 1972,
nos Jogos Universitários Brasileiros realizados em
Fortaleza (CE) [7]. Como ilustração, nos JEB’s/72
o Handebol teve a participação de aproximadamente
10 equipes femininas e 12 masculinas. Já em 1973,
nos IV JEB’s em Maceió (AL), inscreveram-se cerca
de 16 equipes femininas e 20 masculinas.
O handebol de salão somente foi oficializado
quando a Federação Paulista de Handebol instituiu
o I Torneio Aberto de Handebol. O torneio foi
disputado em campo improvisado, ao lado de um
campo de futebol do Esporte Clube Pinheiros,
campo este demarcado com cal (40 X 20m) e balizas
com caibro de madeira (3 X 2m), de acordo com a
Confederação Brasileira de Handebol. Em 1973, a
antiga Confederação Brasileira de Desportos
(CBD), órgão que congregava os desportos
amadores a nível nacional, fez disputar, em Niterói,
o primeiro Campeonato Brasileiro Juvenil para
ambos os sexos. No ano seguinte, em Fortaleza,
iniciou-se a competição para adultos [6]. Como
outros Estados, além de São Paulo, passaram a
disputar as competições de handebol, em 1980, um
ano após a criação da Confederação Brasileira de
Handebol, foi disputada a 1a.Taça Brasil de Clubes,
na cidade de São Paulo, então sede da entidade.
A Federação Internacional de Handebol
(IHT) contabiliza 17 milhões de praticantes de
handebol no mundo entre o sexo masculino e
feminino, sendo que estão filiados a esta Federação
180 países e 200 mil equipes. Os países que se
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destacam nesta modalidade são Espanha, com 50 mil
atletas federados, França com 300 mil federados e
Alemanha com um milhão de federados. No Brasil,
segundo a Confederação Brasileira de Handebol –
CBHb (2004), localizada em Aracaju (SE), existiriam
19.602 atletas de handebol cadastrados de ambos os
sexos e em todas as categorias. Acredita-se que esses
números alcancem 25.000, visto que muitos atletas
não são federados. Existem 27 Federações Estaduais
e 256 clubes que praticam esta modalidade esportiva,
o que faz do handebol o terceiro esporte mais
praticado no país, ficando atrás apenas do futebol e
do futsal.
O handebol e os Jogos Olímpicos
A trajetória olímpica do handebol não é tão
recente – o Comitê Olímpico Internacional (COI)
decidiu em 1934 que o desporto seria incluído nos
Jogos de Berlim em 1936, o que realmente
aconteceu, com a participação de 6 dos 26 países
então filiados. O curioso é que o handebol só
voltou aos Jogos Olímpicos em 1972, na mesma
Alemanha, mas desta vez em recinto fechado, com
sete jogadores de cada lado. Só em 1976 é que o
handebol feminino foi admitido nos Jogos e não
saiu mais do calendário olímpico [1]. No entanto,
o Brasil só teve participação nos Jogos, 20 anos
mais tarde, ou seja, em 1992, em Barcelona, e
somente com a seleção masculina. A colocação
obtida pela equipe masculina foi a 12°, último
lugar. Já nos Jogos de Atlanta em 1996, a colocação
subiu para penúltima, com o 11° lugar, também
com a participação masculina. Em Sydney, em
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
2000, a única seleção que participou foi a feminina,
que ficou em 8° lugar entre dez participantes.
Em 2004, pela primeira vez na história do
handebol, o Brasil participou dos Jogos Olímpicos
de Atenas com as seleções masculina e feminina
simultaneamente. Foi também pela primeira vez
que o desporto recebeu incentivo de uma empresa
do porte da Petrobrás. Pela Tabela II pode-se
acompanhar o desempenho do handebol brasileiro
nos diferentes Jogos de que participou.
Tabela II – Participação do handebol brasileiro em
Jogos Olímpicos.
BARCELONA/ 1992
ATLANTA/ 1996
SYDNEY/ 2000
ATENAS/ 2004
Masculino
Masculino
Feminino
Masculino
e Feminino
12°Lugar
11°Lugar
8°Lugar
9° e 7° Lugar
O handebol e o mercado de trabalho
Pelo exposto, pode-se dizer que o handebol
brasileiro vem cada vez mais se aperfeiçoando e
ganhando espaço junto às seleções mundiais. No
entanto, ainda está longe de ser um esporte
profissionalmente rentável. Vale, nestes termos, citar
entrevista realizada com o treinador da equipe de
Handebol do América Futebol Clube. O professor
Luciano, afirma que a maioria dos atletas não vive
somente do Handebol, tendo que trabalhar para
ganhar o seu sustento. Sendo assim, os atletas quando
chegam para o treino já estão cansados e não rendem
o que poderiam. Nesse caso, os atletas não conseguem
chegar a um nível elevado de desempenho, ficando
em colocações sofríveis nos Campeonatos, principalmente os nacionais. Esta é uma realidade não só
do América, mas das equipes do Rio de Janeiro de
forma geral.
Sob esta perspectiva, é importante levar-se em
consideração a história do handebol no Brasil em
relação aos países europeus. O handebol ainda é um
esporte relativamente novo em nosso país e não tem
o apoio de empresas e da mídia, como nos países
europeus. Mesmo assim, o handebol brasileiro assume
posição de destaque no continente americano. É
interessante citar que, no último Pan-Americano, em
Santo Domingo, realizado em 2004, nossos atletas
conquistaram medalhas de ouro, tanto no naipe
masculino quanto no feminino.
De acordo com Olivoto [10], o processo de
desenvolvimento do desporto no Brasil “... sofre,
como sofreu nos países onde este já se desenvolveu,
restrições a seu desenvolvimento talvez por acomodamento, por não conhecer o esporte ou mesmo
por não gostar deste.”
Seguindo estas hipóteses propostas por Olivoto
[10], com relação à mídia, a única competição de
handebol televisionada é o Campeonato Paulista,
ficando assim o desporto com pequenas chances de
divulgação. Por outro lado, seria através da
divulgação pela televisão, o maior meio de
comunicação de massa, que os esportes vêem
aumentadas suas chances de crescer, tanto em
número de praticantes, quanto em amantes do
esporte. Se esta quantidade é elevada, as empresas
começam a ver o esporte como uma boa oportunidade de marketing para seus produtos, já que ele
consegue atingir um número grande de pessoas,
tanto diretamente quanto indiretamente. Olivoto
[10] reforça esse ponto de vista, afirmando:
“...o handebol como conhecemos hoje, ainda
se encontra sujeito a novas elaborações, visto que
este não atinge, dentro das determinações de uma
sociedade capitalista, as formas sistemáticas de
esporte profissional. Ou seja, não leva multidão
aos ginásios, não é divulgado nos meios de
comunicação, não traz dividendos significativos a
seus patrocinadores e sob estas restrições: busca-se
elaborar, muitas vezes, uma outra identidade para
que o handebol supere sua integração à sociedade
de mercadorias.”
Cabe ainda esclarecer que, para que um
desporto se solidifique e atinja uma grande massa
populacional, é importante desenvolver sua base,
ou seja, incentivar e investir na criação de escolinhas
de handebol por todo o país. Com as escolinhas
de handebol, seria possível fazer um trabalho
pedagógico em longo prazo, atingindo um número
grande de pessoas. Nessa linha de orientação me
apoio em [11], que comenta,
“...o papel da escola de esportes é muito
importante por possibilitar a prática esportiva
mais abrangente, fugindo do meio puramente
competitivo. Aborda o esporte como forma de
manifestação cultural e, por isso, mais livre,
consegue captar maior número de praticantes, que
em outra situação não teriam a chance de
aprenderem ou desenvolverem uma ou mais
atividades esportivas.”
Sobre este aspecto, parece que, a Confederação
Brasileira deste desporto já toma algumas medidas
em direção ao desenvolvimento de suas bases. Em
entrevista dada ao site Tlach Notícias na Internet, o
atual presidente da CBHb, Manoel Oliveira, fala
dos projetos do esporte para descobrir novos talentos:
!
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
“E visando o nosso futuro, estaremos dando
início ao Projeto Caça-Talentos, que vai ser jogado
no Brasil inteiro, nas fases municipal, estadual, e
regional. A regional será dividida em oito grupos
para, em seguida, a realização da fase nacional. Em
cada uma das regionais, será criada uma seleção de
cada naipe (masculino e feminino), com atletas de
16 anos este ano, que estarão com 24 nos Jogos
Olímpicos de 2012. Com isso, mais a observação e
o acompanhamento das comissões técnicas,
esperamos dar uma grande movimentada na base
do esporte. O handebol é muito praticado nas
escolas e temos consciência de ter talento pelo
Brasil inteiro.”
É igualmente importante cuidarmos da
formação de profissionais que estarão trabalhando
nesse processo e, produzirmos mais pesquisa sobre
handebol, visto que a produção acadêmica nesta
área é bastante escassa.
Concluindo, para evoluir o handebol
precisaria de uma maior cobertura da mídia e de
um maior investimento na formação de atletas e
profissionais qualificados para com eles lidar. Nesse
último caso, criar especializações na área de
handebol seria uma das possíveis soluções. No
tocante à mídia, é evidente que depende de
patrocinadores, que investem no esporte na medida
em que atinge mais pessoas, nele identificando
potencial para divulgação de sua marca. Alguns
esportes, para entrar na mídia modificaram suas
regras, para se tornarem mais atrativos: é o caso
do voleibol, para mencionar um exemplo. Será que
o handebol terá que mudar suas regras para ganhar
mais espaço na mídia e conseqüentemente ter o
incentivo de empresas? O esporte hoje está vinculado
aos anseios da mídia e de patrocinadores? Essas são
questões que deveriam ser colocadas por aqueles que
militam no desporto, dirigentes, técnicos e atletas.
Referências
1.
DUARTE, O. História dos esportes. 3. ed. São Paulo: Senac,
2004.
2. MELLHEM, A. Brincando e Aprendendo Handebol. Rio de
Janeiro:Sprint, 2002.
3. Confederação Brasileira de Handebol. O handebol no mundo.
Disponível em: <http://www.brasilhandebol.com.br>
Acesso em: set. 2004.
4. Confederação Brasileira de Handebol. O handebol no Brasil.
Disponível em: <http://www.brasilhandebol.com.br>
Acesso em: set. 2004.
5. HandBrasil: História Geral. <http://www.terravista.pt/
fernoronha/5070/HISTOR02.HTML> Acesso em: set.
2004.
6. LIMA, P.S. Fale com Handebol. Consulta em Setembro de
2004. <http://www.falecomhandebol.hpg.ig.com.br/
pagina_historia.htm>
7. TENROLLER, C. Handebol: Teoria e prática. Rio de
Janeiro: Sprint, 2004.
8. NUNES, R.; NUNES, R. Hand campos. <http://
www.handcam.hpg.ig.com.br/historia.htm> Acesso
em: set. 2004.
9. SANTOS, L. R. G. dos (2001). Handebol, 1000 exercícios.
3.ed. Rio de Janeiro: Sprint, 2001.
10. OLIVOTO, R. Handebol: uma visão político-crítica do seu
desenvolvimento como desporto. Revista Digital: Buenos Aires,
v. 9, n. 67, 2003.
11. OLIVEIRA, M de. Desporto de base. São Paulo: Ícone,
1998 ♦
!
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
ATUALIZAÇÃO
A escalada e as ciências do desporto
Climbing and sport science
Alex Itaborahy*, Ana Abreu de Medeiro Faro**, Glauber Ribeiro Pereira***
* Universidade de Loulé, ** Universidade de Loulé, FECDEF, Universidade de Coimbra, *** IEFD/Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Resumo
O objetivo deste trabalho é apresentar a compilação de informações relativas aos diferentes aspectos técnicos pertinentes à
prática da Escalada e investigados no âmbito das Ciências do Desporto. A escassa literatura científica acerca do tema foi levantanda
e analisada de forma a que pudéssemos organizar e concentrar dados sobre diferentes aspectos desta prática de atividade física. Os
resultados obtidos permitiram-nos estimar que a investigação científica, no campo das Ciências do Desporto, acerca da modalidade
Escalada, encontra-se ainda em estágio inicial, com muitas informações ainda inconclusivas e que, por isso mesmo, faz-se
necessário prosseguir nas investigações com o propósito de podermos atuar de forma mais segura e intencional nos processos
de intervenção educativa, nos diferentes níveis de atuação.
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Palavra-chave: escalada, ciências do desporto.
Abstract
The objective of this work is to present the compilation of relative information concerning the different technical aspects
pertinent to the practice of the rock climbing which are investigated technical aspects in the field of the Sport Sciences. The scarce
scientific literature regarding the subject was obtained and analyzed intending to organize and concentrate data about different
aspects of this physical activity practice. The results have allowed us estimate that the scientific research, in the field of Sport
Sciences, concerning the rock climbing is still in initial period of development, with much information still without conclusion
and that, therefore, it is necessary to continue the inquiries intending to proceed with security and intention in the processes of
educative intervention, in different levels of performance.
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Key-words: climbing, sport sciences.
Artigo recebido em 12 de novembro de 2004; aceito em 17 de novembro de 2004.
Endereço para correspondência: E-mail: [email protected]
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Introdução
Muito embora sejam tão antigas quanto outras,
as modalidades de Atividades Físicas na Natureza
vêm, em todo mundo, sendo inseridas no contexto
acadêmico da Educação Física. Neste breve ensaio
nos detemos ao exame do estado da arte da
modalidade denominada Escalada.
A escalada desportiva vem ganhando adeptos
a cada ano e também vem adquirindo uma
identidade que a permite separar-se do montanhismo. Antes, a prática da escalada estava
intimamente relacionada com o montanhismo,
como actividade complementar. Actualmente esta
modalidade adquiriu um carácter de desporto e
conta com praticantes que sequer estão interessados
em expedições de montanha, preferem, antes,
algumas horas ou mesmo minutos a deslocarem-se
em uma parede artificial ou rochosa. É bem aceite
que a prática da escalada desportiva, antes de
adquirir independência do montanhismo, teve seu
início com a necessidade constante de treinar as
habilidades motoras relativa a esta modalidade
independentemente das condições climáticas.
Assim começaram as estratégias de escalada em
ambiente fechado e a implementação de paredes
artificiais em clubes, ginásios e escolas já é uma
realidade cada vez mais comum nos aglomerados
urbanos.
O avanço na tecnologia no que respeita os
equipamentos de segurança instiga o homem a estar
sempre na busca de novos limites. Os calçados
modernos permitem que o escalador obtenha um
atrito necessário para o apoio dos pés em
superfícies onde aparentemente não há ponto de
apoio. O carbonato de magnésio usado nas mãos
evita os efeitos indesejáveis de redução de atrito
entre as mãos e a parede causada pelo suor. Os
instrumentos de ligação são feitos de metal
altamente resistente e de baixo peso. As cordas
absorvem grandes quantidades de impacto. Há
ainda um maior controle sobre a vida útil dos
equipamentos.
O grau de desenvolvimento da escalada
permite a organização de competições em diversos
níveis, designando diferentes modalidades de
competição consoante suas características (escalada
de velocidade, escalada de dificuldade, etc). Neste
contexto as atenções são voltadas para os indivíduos
que se destacam, aqueles que apresentam um
melhor rendimento, surgem os especialistas. Os
desempenhos, muitas vezes denominados atléticos
devido ao grau de destreza exigida, têm chamado
a atenção de estudiosos de diversas áreas de
conhecimento das Ciências do Desporto. O crescente
avanço tecnológico tem permitido a aplicação de
testes em praticantes de modalidades que, outrora
eram impraticáveis em decorrência de factores
limitativos à investigação.
Os parâmetros fisiológicos do esforço
durante a escalada assim como o delineamento do
perfil antropométricos dos praticantes têm sido
frequentemente estudados pelos investigadores.
Do ponto de vista conceitual entende-se por
escalada a atividade física caracterizada pelo risco
controlado, que consiste na progressão quadrúpede
sobre um plano que tende para a vertical e tem
como objectivo “chegar sempre mais alto”. [1]. O
envolvimento físico do praticante é caracterizado
por uma complexidade informal ligada à aleatoriedade de disposição das presas e formação da
parede. A escalada é, portanto, uma atividade que
envolve habilidades motoras abertas[2], visto que
os alunos desta modalidade têm que resolver
continuamente novos problemas impostos pela
situação. È também uma atividade onde a
segurança tem um papel primordial, visto que uma
pequena falha pode traduzir-lhe em lesões graves
ou até mesmo na morte do praticante.
A escalada desportiva: breve retrospectiva
histórica
Ao que tudo indica a prática de escalar em
rochas já com equipamentos de proteção previamente afixados ou mesmo em vias construídas em
paredes artificiais iniciou com a necessidade de
manter o treino para as expedições em alta
montanha mesmo quando as condições climáticas
fossem desfavoráveis. Rapidamente esta actividade
ganhou popularidade e tornou-se uma modalidade
praticada à parte do montanhismo. Atualmente é
a variante de escalada mais procurada inclusive por
crianças e adolescentes, tanto como desporto
popular como de alto rendimento.
“O fundamento intelectual da escalada desportiva é a idéia da escalada livre, que provavelmente foi
formulada pela primeira vez nos anos noventa do
século XIX no âmbito de Eldsandsteingebirge na
Suiça, por pioneiros como Óscar Schuster e Friedrich
Meurer, assim como, ao mesmo tempo, por
Frederick Mummery ao renunciar a uma ascensão
ao Dent du Géant qualificando a montanha de “...absolutly
inaccessible by fair means...” [2].
Cabe esclarecer que escalada livre não significa
escalar sem o uso de equipamentos de segurança, o
que é denominada escalada em solo ou free solo. Escalada
!"
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
livre, isso sim, significa escalar utilizando como apoios
apenas os pontos naturais sendo que as cordas e demais
equipamentos servem apenas para dar segurança ao
escalador e não para auxiliar na progressão.
A escalada desportiva, além de estar adquirindo
uma autonomia própria, podendo ser praticada
isoladamente do Montanhismo, tem ultrapassado os
limites de uma prática com uma componente
exclusivamente lúdica e recreativa. Nos últimos anos,
uma forte componente competitiva vem tomando
corpo no contexto da prática dessa modalidade [1].
Em relação às técnicas disponíveis verifica-se que
existem algumas que, apesar de terem sido eficientes
anteriormente, hoje são pouco utilizadas ou mesmo
não realizadas, provavelmente em função do
equipamento necessário para a sua concretização, aliado
à evolução técnica no seu manuseamento, terem sido
superados por outras estratégias que permitem o
mesmo desempenho com melhor rendimento e maior
segurança. Como antecipamos a corda, a segurança e
os freios se empregam exclusivamente para a segurança,
sendo que os únicos meios artificiais permitidos são
os pés de gato e o magnésio para neutralizar o suor
nas mãos.
Encadear de uma via de escalada significa chegar
ao seu final, constituindo assim a meta desportiva da
escalada. Existem, evidentemente, vias de menor e
maior grau de dificuldade, sendo portanto necessário,
principalmente no que tange ao aspecto competitivo,
que se criasse algum sistema através do qual fosse
possível distingui-las quanto a esse critério. Neste
contexto os graus de dificuldade nasceram da idéia
de poder comparar vias entre si e em qualificar a via
superada mediante a um objectivo mais elevado, e
assim foram criadas as tabelas de dificuldade. Apesar
do carácter subjectivo destas, tem-se verificado um
consenso nas classificações das vias de escalada, ao
que parece devido ao fato das memas serem
efectuadas por praticantes de alto nível. A tabela de
referência internacional mais utilizada para indicar os
níveis de dificuldade na escalada é da União
Internacional das Associações de Alpinismo, a UIAA.
Porém, vários países possuem suas próprias tabelas
de dificuldade. A tabela da UIAA consolidou-se
definitivamente nos anos 60 e foi ampliada em 1979
para além do 7º grau [2]. A tabela I apresenta escalas
de dificuldade adoptadas em diferentes países e suas
equivalências relativamente a tabela da UIAA.
Tabela I – Diferentes escalas de dificuldade para escalada em rocha.
Escala inglesa
Escala francesa
Escala norte-americana
Escala UIAA
D
VD
S
I
2
3
4
5.6
5.2
5.3
5.4
5.5
V-
I
II
III
IV
5
5.7
5.8
V
V+
VIVI
VI+
VII-
HS
VS
HVS
E1
E2
E3
E4
E5
E6
E7
4ª
4b
4c
5a
6b
7a-7a+
7b-7b+
6c
7c-7c+
5.9
5.10a
5.10b
5.10c
5.10d
5.11a
5.11b
5.11c
5.11d
5.12a
5.12b
5.12c
5.12d
5.13a
8a-8a+
8b-8b+
8c
5.13b
5.13.c
5.13d
5.14a
5b
6a-6a+
5c
6b-6b+
6a
6c-6c+
7a
7b
E8
5+
VII
VII+
VIIIVIII
VIII+
IXIX
IX+
XX
X+
XI-
!#
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Prévia da evolução histórica da escala
Os primórdios da escalada
O montanhismo é conceituado como a
atividade de ascensão de montanhas por caminhada
ou escalada. Devido ao fato do montanhismo terse iniciado nos Alpes, recebe também o nome de
alpinismo, denominação que se generalizou,
tornando-se amplamente aceite. A sua evolução
passou por cinco etapas: primórdios, vanguarda,
clássico, 1° período do montanhismo moderno e 2º
período do montanhismo moderno. Por isso a
cordilheira dos Alpes é considerada o berço do
montanhismo.
A primeira ascensão de vulto a um dos seus
picos o Monte Aiguille, em território francês, foi
feita por Antoine de Ville, que realizou uma
verdadeira escalada sobre a rocha. Esse fato ocorreu
em 1492 e causou enorme furor na época, pois
acreditava-se que as altas montanhas eram habitadas
por dragões e seres alienígenas. Tão imenso era esse
temor, que as próximas conquistas alpinas importantes
só ocorreram em 1744 (Monte Titlis), 1770 (Monte
Buet) e 1779 (Monte Velan). Em Agosto de 1786, o
médico Michel Gabriel Paccard e o montanhês,
caçador e garimpeiro de cristais Jacques Balmat
conseguiram atingir o teto da Europa Ocidental: o
Monte Branco (4.807 m), situado nos Alpes francoitalianos. Tal aventura foi motivada por um prêmio
oferecido por um cientista e naturalista suíço chamado
Horace Bénédict de Saussure, que pensava fazer
naquele cume alguns ensaios científicos. Um ano
depois, o próprio Saussure, chegou ao topo do
monte, integrando uma expedição com Balmat e
outros 17 guias, e realizou ali diversas experiências.
Durante os próximos 70 anos, algumas
conquistas notáveis foram feitas na cadeia dos
Alpes, entre elas o Jungfrau (1811), o Finsteraahorn
(1812), o Watterhorn (1854) e o Monte Rosa
(1855). Entretanto, só em 1856, quando um grupo
de montanhistas conseguiu ascender ao cume do
Monte Branco, sem auxílio de um guia experiente,
é que o desporto começou a apresentar um surto
de popularidade na Europa, encerrando desta
maneira, o que podemos denominar como o
período do montanhismo puramente exploratório
e de propósitos científicos.
Período de vanguarda
Em 1857, data de fundação da primeira
associação de montanhismo do mundo – o Clube
Alpino de Londres – consequência natural do fato
de serem os ingleses, senhores quase absolutos das
escaladas alpinas. A seguir ao exemplo inglês, vários
países apareceram com as suas organizações em
toda a Europa, iniciando com a Áustria em 1862 e
um ano depois, na Suiça e Itália. Em 1874, surgia
o Clube Alpino Francês. Antes mesmo que muitos
dos cumes alpinos fossem escalados pela primeira
vez, esforços começaram a ser dirigidos para as
montanhas de outras regiões do mundo. Os
principais picos do Cáucaso foram conquistados
por ingleses em 1868. Nos Andes, o Chimborazo
foi vencido em 1880 e o ponto culminante das
Américas, o Aconcágua (6.959 m) em 1897. Na
África, foi escalado o pico mais alto do continente,
o Kilimanjaro (5.895 m) em 1889, assim como o
Kenya em 1899 e o maciço de Riwenzori em 1906.
A seguir, vieram o Trisul (Himalaia) em 1907 e o
teto da América do Norte o Monte McKinley
(6.194 m), localizado no Alasca em 1913.
Período clássico
Corresponde ao período compreendido entre o
final dos anos 20 e o início da Segunda Grande Guerra
(1940) constitui a época clássica do montanhismo
desportivo. Com o aparecimento das técnicas, foram
vencidos desafios de vulto na cadeia dos Alpes – como
a face norte do Eiger em 1938 e em particular, no
maciço dos Dolomitas e nas agulhas e paredões do
maciço do Monte Branco. No Himalaia, uma
expedição anglo-americana obteve êxito sobre o
Nanda Devi em 1936; no Wyoming (EUA), a Devil
Tower foi escalada no ano seguinte. Outros picos das
montanhas rochosas ao Cáucaso e da Noruega à
Antártica receberam logo as suas ascensões pioneiras.
Registra-se nesta fase o aparecimento de escaladores
habilidosos como o francês Pierre Allain e os italianos
Emílio Comici, Ricardo Cassin e Giusto Gervasutti.
Primeiro período do montanhismo moderno
Este período compreendeu a segunda metade
da década de 40 e toda a década de 50. Novas e
difíceis vitórias foram conseguidas em toda a extensão
da Cordilheira dos Alpes. Escaladores como Jean
Couzy, Lionel Terray, Edourard Frendo, Louis
Lachenal e Gaston Rébuffat deram continuidade às
técnicas de escalada em rocha e gelo iniciais por
Armand Charlet, Couttet, Simond e Pierre Allain.
Nos Estados Unidos, consolidou-se o ataque às
extensas paredes rochosas do vale do Yosemite: Lost
Arrow (1947), Sentinel Rock (1950), Half Dome
(1957) e um paredão de 1.000 metros no El Capitan
(1958). Foi também a época de grandes feitos nas
!$
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
altas montanhas do Himalaia e do Karahoram, tais
como: a primeira ascensão a um pico com mais de
8.000 metros, o Annapurna (8.078 m), em 1950, pelos
franceses Maurice Herzog e Louis Lachenal; o Nanga
Parbat (8.126 m), em 1953, pelo austríaco Hermann
Buhl; o Everest, ponto culminante do planeta (8.872
m, segundo recentes medições por satélite), em maio
de 1953, pelo neozelandês Edmund Hillary e o sherpa
Tensing Norkay; e o K-2, segunda montanha mais alta
do mundo (8.852 m, também aferido por satélite), em
1954, pelos italianos Achille Compagnoni e Lino
Lacedelli.
Segundo período do montanhismo moderno
A partir do término da década de 50, apareceu
o segundo período do montanhismo desportivo
moderno, que se estende até nossos dias. Sucederamse várias conquistas de picos, agulhas e paredes nos
Alpes e nas Dolomitas. No Yosemite, o El Capitan
e o Half Dome receberam novas vias, fruto de
escaladas atléticas de extrema dificuldade. Nos
Andes da Patagónia, foram escalados a Torre Central
del Paine (1963), o Cerro Torre (1974) e a Torre
Eg ger (1975). Nas cadeias do Himalaia e
Karakoram, com a redução do número de
montanhas virgens por conquistar, novas vias de
dificuldade cada vez maior foram abertas em picos
anteriormente atingidos. Destacam-se os feitos de
Reinhold Messner, que além de ter subido o Everest
em 1978 sem recorrer a oxigénio engarrafado, o
Nanga Parbat em 1979, e novamente o Everest em
1980, já escalou todos os picos do planeta com
altitude superior a 8.000 metros.
Tabela II – Cronologia do montanhismo.
Ano
Montanha
Acontecimento
1760
Mont Blanc (4808 m)
1786
Mont Blanc
1808
Everest (8848 m)
1953
Everest (8848 m)
1858
Kinabalu (4095 m)
1871
Kilimanjaro (5895 m)
1883
1888
Aconcágua (6962 m)
Kinabalu (4095 m)
1889
Kilimanjaro (5895 m)
1890
K2 (8616 m)
1896-7
Aconcágua (6962 m)
1902
1924
Mount McKinley (6194 m)
Everest (8848 m)
1966
Vinson Massif (2290 m)
1975
Everest (8848 m)
1979
K2 (8616 m)
H.B. Saussure, cientista de Geneva ofereceu uma soma em dinheiro para
quem descobrisse uma rota para o topo do Mont Blanc, criando uma nova
actividade, o alpinismo.
J. Balmat, um caçador de peles e cortador de vidro e o francês Dr. M.G.
Paccard atingiram o topo do maior pico dos Alpes.
Descoberta por militares britânicos a partir de registros cartográficos da
Índia e Himalaia visando manter o domínio sobre a Índia.
Hillary e Tenzing, da expedição britânica chefiada por J. Hunt, foram os
primeiros a chegar ao topo.
Os britânicos H. Low e S. St. John, este último cônsul em Bornéu,
estiveram a 40 m do topo do pico St. John, acreditando ser este o mais
alto do Kinabalu.
O missionário inglês C. New, realizou a primeira subida registrada à linha
de neve. Segundo um líder local, em conversa com New, outros grupos já
haviam tentado escalar a montanha e retornaram com membros congelados.
P. Güssfeldt, alemão, atingiu 6560 m sobre o cume noroeste
A 3 de Março J. Whitehead, um investigador de história natural inglês,
tornou-se o 1º ocidental a escalar o Low’s Peak.0
O geógrafo alemão Professor H Meyer, L. Purtscheller e Y Louwa (guia da
Tanzânia de 16 anos de idade) atingiram o ponto mais alto de Kibo pelo
glaciar Ratzel.
Acredita-se que a expedição de reconhecimento do italiano R. Lerco tenha
sido a primeira a por os pés no K2
A expedição de E. FitzGerald, britânico, fez a 1ª escalada pela “Rota
Normal”. O guia suíço M. Zurbriggen chegou ao topo sozinho em 14 de
Janeiro de 1897.
Alfred Brooks, do US Geological Survey primeiro a pisar o topo.
Desaparecimento de G. Mallory e A. Irvine durante uma escalada. Não é
possível saber o quão alto chegaram, mas sua história tornou-se lenda do
alpinismo. Mallory participou das 3 expedições britânicas de 1921, 1922
e 1924.
Primeira escalada feita pelos membros da American Antarctic
Mountaineering Expedition.
Junko Tabei, japonesa, foi a 1ª mulher a escalar que chegou ao topo do
Everest (rota South Col).
O italiano R. Messner e M. Dacher atingiram o topo pela rota sudeste
(Abruzzi Spur).
!%
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
A escalada enquanto objeto de estudo das Ciências do
Desporto.
O impulso de conhecer detalhes mais aprofundados acerca de modalidades de atividades de aventura
tem sido fomentado pelo incremento na tecnologia
disponível para investigação e numa tentativa de conhecer
mais acerca dos limites do homem ou das exigências
específicas destas modalidades desportivas, nota-se ainda
uma pequena, mas crescente produção de conhecimento
científico sobre atividades, até então, não convencionais.
Neste contexto Slaugh et al. [3] efetuaram um
estudo com a intenção de identificar indicadores de
predição de performance de praticantes de escalada
desportiva em rocha a partir da avaliação de
características antropométricas, cinemáticas e
cinéticas, colectadas de 52 praticantes (26 do sexo
masculino e 26 do sexo feminino) de nível
moderado para alto. Os sujeitos do sexo feminino
apresentavam idade entre 18 e 41 anos e os do sexo
masculino entre 18 e 45 anos. O nível de habilidade
dos participantes era de 5,7 até 5,13d (escala norteamericana) para as moças e 5,1 até 5,14c para os
rapazes. As variáveis antropométricas estudadas
foram: massa corporal, massa gorda, estatura,
envergadura, flexibilidade (sit and reach) e índice
envergadura-massa corporal. As variáveis de força
foram: pressão manual, puxada alta (lat pull down),
suspensão na barra com cotovelos flectidos e força
de flexão do tronco e o salto vertical. As variáveis
cinemáticas analisadas foram: velocidade máxima e
aceleração do Centro de Gravidade (CG),
deslocamento do tronco (ângulo absoluto),
velocidade máxima do movimento do punho
esquerdo, aceleração angular máxima do antebraço
esquerdo (a partir do ângulo absoluto) e o tempo
gasto para atingir as medidas citadas. Às medidas
em geral foram aplicados os seguintes tratamentos:
média aritmética e desvio padrão para caracterizar
os valores entre gêneros e equações de regressão
múltipla para examinar as relações entre as variáveis
e os critérios de performance para os dois grupos e
para toda a amostra.
Dos resultados obtidos destacamos: a velocidade
vertical do CG foi a mesma para escaladores do sexo
masculino e feminino. A diferença foi observada no
tempo para atingir a velocidade vertical máxima do
CG, a qual ocorreu mais cedo no caso dos sujeitos do
sexo feminino. O mesmo ocorreu com a velocidade
máxima do deslocamento vertical do punho esquerdo,
não houve diferença significativa entre os valores
obtidos pelos sujeitos de ambos os sexos. Porém, os
homens levaram mais tempo para atingirem o pico de
velocidade vertical do punho esquerdo, mas
apresentaram valores de desvio padrão ligeiramente
mais reduzidos. Foram verificados valores mais
elevados de aceleração angular máxima do punho
esquerdo para os indivíduos do sexo masculino. Para
as medidas antropométricas, a maior variabilidade entre
os gêneros foi observada na flexibilidade, com as
moças apresentando valores de 14,7±15,1cm (sit and
reach) enquanto os rapazes marcaram 8,2±9,1cm. para
os valores de força normalizada, as moças apresentaram valores superiores para pressão manual. Ao
contrário, na puxada alta (lat pull down) os valores
normalizados foram superiores para os sujeitos do sexo
masculino. No teste do salto vertical, os rapazes
obtiveram uma média ligeiramente superior à das
moças. A partir destes resultados, Slaugh et al. [3]
consideram que, em geral, as técnicas de escalada
requerem precisão no timing do movimento, o que
indica a necessidade de paciência para escolher o
movimento correto e o rápido movimento decisivo
do suporte dinâmico (aceleração angular do antebraço
esquerdo e velocidade vertical do punho esquerdo),
sendo a hesitação prejudicial ao desempenho.
Estes autores já esperavam que a força de pressão
manual, a suspensão na barra e a puxada alta estivessem
relacionados com o nível de prestação na escalada.
Segundo eles, estes indicadores confirmam a
predominância dos grupos musculares do segmento
superior na escalada.
Tabela III – Correlações e R ajustado na composição de modelos de predição para os critérios de performance na
escalada desportiva [3].
Mulheres
Homens
Global
Variáveis
R
R2 ajustado
-BF+Hang+COGVy
-BF+Hang+LWVy
-BF+Hang+Grip+LFAA+LWVy-timing COGVy
.77
.71
.82
.59
.43
.61
BF= massa corporal gorda; Hang= suspensão na barra com cotovelos flectidos; COGVy= velocidade vertical do centro de gravidade
corporal; LWVy= velocidade vertical do PUNHO esquerdo; Grip= força de pressão manual; LFAA= aceleração angular do antebraço
esquerdo; timing COGVy= tempo para atingir a velocidade vertical máxima do centro de gravidade corporal.
!&
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Foi encontrada também uma relação inversa
entre a prestação motora e a massa corporal gorda.
Dos achados encontrados para as moças destacase a significância da força dos membros inferiores, o
que parece ter ocasionado picos de acelerações e
velocidades, provavelmente. Uma relação negativa com
a estatura foi atribuída a uma menor exibição de força
relativa dos membros superiores.
Os resultados para os rapazes sugerem a
importância da força dos membros superiores,
manifestada nas diferenças na técnica e no timing de
execução. O mesmo conjunto de dados permitiu
incorporar a característica da flexibilidade como
pré-requisito fundamental para a execução de
posições ditas atléticas em escalada desportiva de
dificuldade.
Mais adiante iremos contrastar algumas das
afirmações de Slaugh et al. [3] com os achados de outros
autores. Especialmente no que respeita o papel dos
grupos musculares dos membros superiores. Ao que
parece os resultados apresentados não permitem
explicitar o real papel destes grupos musculares e
interpretações errôneas podem ser feitas a partir da
afirmação sobre a predominância dos membros
superiores na escalada.
Perfil antropométrico do atleta da escalada
É senso comum dizer que para optimizar o
rendimento desportivo o atleta deverá apresentar
algumas características antropométricas específicas,
na mesma medida que determinados constitutivos
fisiológicos dos sistemas bioenergéticos primários
(ATP-CP, glicólise anaeróbia, metabolismo
oxidativo), de despêndio energético, captaçãofixação-utilização do oxigênio, requerimentos de
força e resistência muscular e padrão de recrutamento neuromuscular [4].
Como a prática da escalada desportiva tem
sido intensificada relativamente há pouco tempo e
com os avanços tecnológicos experimentados na
área das Ciências do Desporto e Medicina
Desportiva, vários autores têm realizado estudos
visando caracterizar o perfil do praticante de
escalada a fim de melhor compreender os factores
que influenciam a performance para esta modalidade,
a fim de verificar o nível de veracidade de
afirmativas como as acima descritas.
Watts et al. [5], coletaram dados de 39 atletas
de competição de escalada desportiva em rocha
(21 do sexo masculino e 18 do sexo feminino), os
quais eram semifinalistas em uma competição internacional. As informações obtidas demonstraram
que os atletas de elite da escalada apresentam
estatura relativamente baixa (177,8±6,5cm para
indivíduos do sexo masculino e 165,4±4,0cm para
indivíduos do sexo feminino), bem como os valores
de massa corporal (66,6±5,5kg e 51,5±5,1kg
respectivamente para rapazes e moças). O
somatório de sete dobras cutâneas encontrado foi
de 37,8±6,8mm e 42,5±8,9mm para rapazes e
moças respectivamente. Estes atletas apresentaram
um percentual de gordura corporal extremamente
baixo, sendo o valor médio obtido para rapazes
igual a 4,7±1,3% e para moças 10,7±1,7% . Os
valores obtidos de índice ponderal para os
escaladores aproximam-se aos dos corredores de
distância e bailarinos (43,8±4,8 para rapazes e
44,4±0,9 para moças) [4,5].
É interessante salientar que o nível de prestação
motora para esta modalidade parece estar fortemente
em harmonia com os indicadores antropométricos,
uma vez que os valores de estatura foram ligeiramente
mais baixos para os finalistas (nM=7; nF=6). Para além
disso, as moças finalistas apresentaram um percentual
de gordura ainda mais reduzido (9,6±1,9%) do que as
semifinalistas. Para efeito de informação os níveis de
dificuldade atingidos pelos finalistas foram 5,14a/8c
(escalas norte americana e francesa respectivamente)
para os rapazes e 5,13a/8a para as moças.
Em outro estudo Watts et al. [6] verificaram
dados de um grupo de onze praticantes de escalada
em rocha do sexo masculino com habilidade para
perfazer vias com dificuldade de 5.12a/7b (escala
norte americana/escala francesa respectivamente) até
5,13d/8b. Estes indivíduos apresentaram estatura
média de 175,6±8,9cm e a massa corporal de
65,9±8,6kg, com o somatório de pregas subcutâneas
(protocolo de 7 pregas) igual a 40,8±7,3mm e o
percentual de gordura de 5,4±1,5%.
Grant et al. [7] também publicaram dados
antropométricos recolhidos de 10 escaladores de
elite do sexo masculino com habilidade para
ultrapassar dificuldades de 5,10a/6a. Este grupo
apresentou valores médios ligeiramente mais
elevados de estatura (178,9±8,5cm), de massa
corporal (74,5±9,6kg) e de percentual de gordura
(14,0±3,7%). Os estudiosos comparam estes
indicadores com os de um grupo de não
escaladores e não foram encontradas diferenças
significativas. Estes mesmos autores mediram os
comprimentos dos braços e das pernas dos
praticantes e dos não praticantes de escalada, não
encontrando diferenças significativas entre os dois
grupos, apesar dos não praticantes apresentarem
resultados ligeiramente superiores.
!'
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Parece ser importante ressaltar que, apesar dos
praticantes de escalada envolvidos neste estudo terem
sido denominados escaladores de elite, a graduação
por eles obtida na altura do estudo (5.10a/6a) não é
considerada, atualmente, como sendo deste nível, mas
sim do intermediário. Booth et al. [8] recolheram
dados de 7 praticantes de escalada (6 rapazes e 1
moça) com habilidade ligeiramente superior aquelas
dos examinados no estudo citado anteriormente
(mínimo de 5,10c/6b e máximo de 5,11c/7a). A
estatura média foi de 175,7±2,7cm e massa corporal
igual a 62,6±3,3kg e a média obtida para o somatório
de pregas cutâneas foi de 61,3±3,3mm, tendo sido
utilizado um protocolo de 9 pregas.
Em outro estudo, utilizando 15 praticantes de
alto nível (5.12c/7c até 5.14b/8c) foram encontrados
valores de estatura de 175,1±6,6cm, massa corporal
de 67,2±6,3kg, somatório de 7 pregas cutâneas igual
a 37,9±9,1mm e percentual de gordura igual a
5,2±1,5% [9].
Viviani e Calderan [10] estudaram a constituição
corporal de 31 praticantes de escalada livre em Itália.
Os valores médios encontrados para o somatótipo
indicavam uma predominância do tipo mesomorfoectomorfo (2,0±0,6; 4,0±0,8; 3,7±0,9), perfil obtido
em 54% da amostra. Os atletas desta modalidade
apresentaram valores tão baixos de percentual de
gordura (8,3%) quanto atletas de modalidades que
requerem endurance, diferentemente daqueles atletas de
modalidades que necessitam de potência anaeróbia. Os
autores lembram que uma taxa alta de mesomorfismoectomorfismo implica em massa muscular relativa
maior, característica essencial para arrancar e manter
movimentos em uma parede, uma vez que a massa
gorda torna-se uma carga importante nesse tipo de
desporto.
Um tamanho corporal reduzido e um físico
ectomórfico são vantajosos para o escalador, pois isto
resulta em um reduzido uso da força e do trabalho
absolutos, necessários para sustentar e mover o corpo
durante um evento [5]. Por outro lado, o aumento
excessivo da massa muscular quando associado a
diâmetros ósseos largos poderá ser contraproducente
para o deslocamento em uma parede [10].
Os autores compararam os somatotipos
obtidos dos praticantes de escalada livre com
praticantes de outras modalidades disponíveis na
literatura desportiva. Foi possível verificar que os
escaladores livres apresentam o perfil morfológico
próximo ao dos adolescentes italianos jogadores de
futebol e atletas de salto. Também apresentaram
valores aproximados aos dos corredores olímpicos
juniores, corredores de longa distância australianos
adultos e atletas de corridas de obstáculos. Os autores
chamam ainda a atenção para as similaridades na
forma corporal dos praticantes de escalada livre
comparativamente a dois grupos de sujeitos não
atletas: habitantes de Guiné Bissau e Himalaias. Ainda
que as medidas de peso e altura não tenham
apresentado valores aproximados, as classificações das
componentes do somatótipo são muito próximas
àquelas dos escaladores livre..
Aspectos psicológicos e bioquímicos
Durante a prática de atividades de aventura os
praticantes são submetidos ao stress fisiológico,
proveniente das exigências físicas específicas da
modalidade e ao stress psicológico, principalmente
devido à ansiedade e à exposição a uma situação
ambiental completamente diferente das situações de
rotina. De fato, tentar manter o equilíbrio ou
movimentar-se em um plano inclinado, vertical ou
extra-prumado poderá desencadear respostas
fisiológicas que podem ser confundidas com
respostas às exigências do esforço. Bunting et al. [11]
estudaram a influência do nível de condição física
sobre a produção de catecolaminas e sobre a alteração
da freqüência cardíaca ao comparar respostas
fisiológicas e psicológicas obtidas em indivíduos
diferentes níveis de preparação física, através da
verificação das concentrações de epinefrina e
norepinefrina urinárias e da aplicação de um teste para
avaliar os níveis de ansiedade (Spielberg State Anxiety
Inventory). Os resultados obtidos por Bunting et al.
[11] sugerem que, sob situações de stress físico/
emocional provocado por atividades de aventura, o
nível de condição física parece influenciar a amplitude
da alteração da freqüência cardíaca e a excreção de
noradrenalina.
Força de preensão manual
A maioria dos estudos sobre as características
de força ou resistência muscular de praticantes de
escalada tem utilizado a dinamometria manual como
método de investigação e as interpretações têm sido
feitas a partir do valor máximo de preensão manual.
Os resultados obtidos em diferentes estudos têm sido
similares, com excepção do estudo de Ferguson e
Brown [12], que utilizaram um dinamômetro
especificamente desenhado para o antebraço,
podendo estar nesta modificação a causa dos valores
mais elevados obtidos neste estudo em relação aos
demais. A tabela IV mostra valores de preensão
manual obtidos em diferentes estudos.
"
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Tabela IV – Resumo dos dados de força de pressão manual de praticantes de escalada obtidos em diversos
estudos.
Autor(es)
Watts et al. (1992)(n=21)
Cutts et al. (1993)(n=13)
Watts et al. (1993)(n=18)
Grant et al. (1996)(n=10)
Watts et al. (1996)(n=11)
Ferguson e Brown (1997)(n=5)
Watts et al. (1999a)(n=15)
Nível
Força de preensão manual
Razão força/massa
5.13c / 8b
5.8-5.12a / 5b-7b
5.12c / 7c
5.10 / 6a
5.12a-5.13b / 7b-8b+
5.11c-5.13b / 7a-8a
5.12c-5.14b / 7c-8b+
516±64N
530±58N
342±52N
543± 30N
593±71N
728±50N
517±50N
0.78±0.06
0.75±0.10
0.65±0.06
0.77±0.75
Adaptado de Watts [4]
Os valores absolutos de força de pressão manual
de praticantes de escalada obtidos por Watts et al. [5]
correspondem aos percentis 50 e 75 do North American
age-matched norms (rapazes e moças respectivamente).
Grant et al. [7] não encontraram diferenças
significativas entre os valores de dinamometria manual
entre escaladores de elite, recreativos e não escaladores
para as medições efectuadas com a mão direita. Por outro
lado as provas de dinamometria para a mão esquerda
mostraram que os escaladores de elite apresentam valores
de força significativamente mais elevados, indicando uma
grande simetria entre o membro dominante e o não dominante para a variável força.
Watts et al. [5,6] propuseram que a capacidade de
escalar poderia ser predita a partir de uma equação de
regressão que incluía a razão entre a força e a massa
corporal e o percentual de gordura como variáveis
independentes. Porém, o valor de r2 encontrado foi baixo
(0.33). Russum [13], também aventou a possibilidade
de que a habilidade de escalar ser predita a partir das
correlações entre massa corporal, força dos ombros e
força de pressão manual. Também neste caso o valor
de r2 foi relativamente baixo (0,45), não sendo possível
estabelecer equações de predição adequadas.
A fraca associação entre as medidas de força
de pressão manual e a performance na escalada parece
ser explicada pela natureza das posições básicas
empregadas para o ato de agarrar uma presa durante
a escalada [4], as quais não são especificamente
examinadas pelos testes comuns de prensão manual.
Assim, as medidas de força manual efectuadas através
da dinamometria manual convencional poderão gerar
interpretações errôneas dos resultados devido à
especificidade do gesto.
Grant et al. [7] preocuparam-se com a
especificidade do gesto e sua influência nos resultados
da dinamometria manual e utilizaram metodologia
mais específica para medir a força das mãos e dedos
dos seus voluntários. Com o auxílio de transductores
de força foi possível mensurar as forças produzidas
em duas posições básicas de agarrar. Na posição aberta
os valores de força encontrados foram de 455 ± 31N
e 336 ± 23N para agarre com 4 e com 2 dedos,
respectivamente. Na posição crimp os valores
encontrados foram de 225 ± 16N e 151 ± 26N (para
4 e 2 dedos, respectivamente). Assim mesmo, apesar
de os escaladores de elite apresentarem valores significativamente mais elevados em relação aos não
praticantes, não houve diferenças significativas entre os
praticantes de elite e os recreativos.
Em outro estudo, Donnelly et al. [14] encontraram
diferenças significativas entre os valores de força dos
dedos de praticantes e não praticantes de escalada, porém
não houve diferenças significativas nos valores de
dinamometria manual padrão entre os mesmos grupos.
A partir desses dados é possível estimar que a
forma como os dedos são dispostos na presa
influenciam a capacidade de produção de força e, por
conseqüência a manutenção ou progressão na rocha.
Freqüentemente os escaladores assumem posições nas
quais a força da gravidade ajuda puxando os dedos
no sentido da rocha. Sendo assim, principalmente nessas
condições, a capacidade de resistir à fadiga, mantendo
a posição, parece definir a capacidade do escalador
sustentar-se na rocha.
Os dados parecem indicar que que a resistência
muscular isométrica é um componente importante
para o sucesso na escalada. Contudo tem sido difícil
mensurar resistência muscular de praticantes de
escalada. Cutts e Bollen mediram integrais da curva
força-tempo a 80% da força de pressão manual
máxima e a 50% da força de aperto máxima. Os valores
obtidos indicavam resultados mais elevados para
praticantes de escalada relativamente aos não praticantes
para força de pressão manual da mão esquerda e de
ambas as mãos para força de prensão. Watts et al. [6]
verificaram a resistência muscular isométrica a 70% da
força máxima de pressão manual. O valor médio
obtido por praticantes de elite foi de 34,5±10,2s. No
estudo de Grant et al. [7] os escaladores de elite
mantiveram a suspensão na barra com braços flectidos
durante mais tempo do que os escaladores recreativos
"
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
(53,1±13.2s e 31,4±9,0s respectivamente). O mesmo
aconteceu ao comparar as puxadas na barra (pull-ups).
Os escaladores de elite realizaram 16.2±7.2 repetições
enquanto os recreativos executaram 3.0±9.0 repetições.
Ferguson e Brown [12], que empregaram um
dinamômetro especialmente confeccionado para o
antebraço, compararam valores de pressão manual
obtidos em indivíduos sedentários e praticantes de
escalada. A resistência foi medida de duas formas:
isométrica e isométrica rítmica (5 segundos de contração
e 2 segundos de relaxamento). A carga utilizada no
dinamômetro foi de 40% do valor máximo obtido
em cada modo. A força de pressão manual máxima e
o tempo de resistência isométrica não diferiram
significativamente entre praticantes e sendentários,
contudo, o tempo de resistência isométrica rítmica
obtida pelos praticantes foi quase o dobro daquele
obtido pelos não praticantes (853±76s e 420±69s
respectivamente). Isto indica que escaladores treinados
possuem maior capacidade vasodilatadora nos
antebraços, podendo disponibilizar um maior
suprimento de oxigénio e um maior grau de
recuperação entre as contracções.
Flexibilidade
Freqüentemente os textos e manuais de escalada
abordam a flexibilidade como uma componente
importante da condição física específica para esta
modalidade. Certas posições e movimentos realizados
na atividade parecem requerer uma importante
amplitude de movimento em articulações específicas.
Algumas posturas e movimentos implicam em grande
abdução e rotação externa do quadril. Movimentos
que requerem passos largos, como quando um dos
pés necessita ser colocado em um apoio superior e o
outro mantém a sustentação do peso corporal
requerem grande elasticidade dos músculos posteriores
da coxa e flexibilidade da articulação do quadril. Apesar
disso, pouco foi publicado acerca da flexibilidade em
atletas de escalada. Grant et al. [7] aplicaram o sit-andreach test (flexibilidade dos quadris, posterior da coluna
e extensores do quadril), foot-raise test (similar ao
movimento de subir degrau) e o leg-span test (abdução
do quadril) em praticantes e não praticantes de escalada.
Os resultados para o teste do sit-and-reach foram
considerados médios, sendo que não houve diferenças
significativas entre escaladores de elite, recreativos e não
praticantes. Os valores do teste foot-raise, apesar de mais
elevados para os escaladores, também não apresentaram
diferenças significativas. Por fim, no teste leg-span os
valores foram significativamente mais altos para os
escaladores de elite.
Potência aeróbia
Potência aeróbia é a capacidade de captação,
absorção e utilização de oxigênio durante a realização
de um determinado tipo de esforço corporal. Uma
das formas de ser quantificada é através de um teste
no qual o indivíduo é levado a executar exercícios
físicos até atingir a exaustão. A mensuração
frequentemente é feita através da análise dos gases
respiratórios durante o exercício realizado em um
ergômetro do tipo tapete rolante ou cicloergómetro
estacionário. No caso da escalada, os resultados
obtidos em estudos diversos apresentam-se diferentes,
ao que parece, em função dos diversos tipos de
ergômetros adoptados.
Nos estudos que utilizaram o tapete rolante como
ergômetro, os valores de VO 2 máximo para
escaladores foram similares aos valores obtidos por
atletas de desportos colectivos e ginastas. Este valor
(55 ml.kg-1.min-1) é considerado excelente relativamente às normas de idade para a condição aeróbia
geral, porém está abaixo dos valores normalmente
alcançados por atletas de resistência (entre 65 e 80
ml.kg-1.min-1). Vale a pena lembrar que os resultados
dos testes serão tão mais fiáveis quanto mais o
protocolo deste se aproximar da situação real vivida
na modalidade. A tabela V, apresenta a síntese dos
resultados da medição do VO2 máximo obtidos em
diferentes estudos.
Reforçados por este pensamento, Watts e
Drobish [15] coletaram dados preliminares para gasto
energético durante uma escalada contínua utilizando
uma parede de escalada rolante não motorizada
Treadwall (Brewer‘s Ledge, Inc.). O Treadwall permitia
os ajustes de 80 até 102 graus a partir da horizontal,
variando o nível de dificuldade de uma rota de escalada
Tabela V – Resumo de registos de VO2 máximo em escaladores de rocha.
Autor(es)
Billat et al. (1995)
Billat et al. (1995)
Wilkins et al. (1996)
Watts et al (1998)
Booth et al. (1999)
Nível dos atletas
Ergômetro
VO máx. (ml.kg-1.min-1)
>5.12a/7b
>5.12a/7b
>5.12a/7b
5.8-5.11b/5b-7a
5.10d-5.12d/6b-7a
Tapete rolante
Remo ergómetro
Tapete rolante
Tapete rolante
Escalada em velocidade
54.8±5.0
22.3±2.6
55.2±3.6
52.0±4.7
43.8±2.2
"
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
previamente definida e permitindo que o escalador
progredisse a seu ritmo. A rota definida com apliques
modulares de presas na superfície do Treadwall foi
definida como nível de dificuldade de aproximadamente 5,7/5a ao menor ângulo (inclinação
positiva de 80° com a horizontal). O estudo contou
com a participação de 16 sujeitos (9 rapazes e 7 moças).
Estes escalaram durante 4 minutos para cada inclinação
(80°, 86°, 91°, 96° e 102°) com intervalos de descanso
de seis minutos entre cada vez. Como resultados
observou-se que a distância percorrida (escalada)
reduziu sensivelmente de 80° para 102° graus (passou
de 89,9±21,7 pés para 27,0±13,3 pés respectivamente),
houve um aumento da freqüência cardíaca a partir do
incremento da inclinação, porém o VO2 máximo
manteve-se quase inalterado a aproximadamente
30ml.kg-1.min-1. Os sujeitos deste estudo apresentaram
um VO2 máximo de 52ml.kg-1.min-1 (em média) no
teste do tapete rolante. Assim, a prova de escalada
requereu menos do que 60% da potência aeróbia
mensurada na corrida. Não havendo a variação do
VO2 máximo a partir da alteração angular do Treadwall,
o gasto energético permaneceu entre 10.4 e 11.2
kcal.min-1. Contudo, como a distância de escalada
diminuiu com o incremento do ângulo, o gasto
energético para cada metro de escalada sofreu um
aumento significativo aos 96° e 102° (passando de 1,5
a 2,0 kcal.min-1 aos 80°-90° para 5 kcal.min-1 aos 102°.
Em outro estudo, Billat et al. [16] testaram 4
praticantes de escalada de alto nível utilizando duas rotas
de escalada (ambas com nível de dificuldade 5,12a/
7b). Usaram uma bolsa de Douglas para coletar o ar
expirado a cada 30 segundos durante a última metade
de cada rota. Na via mais complexa, menos íngreme,
mas que oferecia complexidade técnica os valores
obtidos foram: VO2 máximo = 24,9±1,2 ml.kg-1.min1
, freqüência cardíaca = 176±14bpm e concentração
de lactato sanguíneo = 5,75±0,95mmol.l-1. A segunda
rota era mais íngreme, apresentando grande dificuldade
física e os valores obtidos foram: VO2 máximo = 20,5
ml.kg-1.min-1, freqüência cardíaca = 159±15bpm e
concentração de lactato sanguíneo = 4,30±0.77mmol.l1
. A partir de uma análise de movimento foi possível
observar que os sujeitos utilizaram 63,9% do tempo
da escalada com ações dinâmicas enquanto 37,9% do
tempo foi gasto com manutenção de posturas estáticas.
Watts et al. [6] utilizaram um analisador metabólico
portátil (AeroSport TEEM 100) para efectuar a análise
de gases respiratórios durante uma via classificada como
5,12a/7b com duração de 2’20"±0’15". O consumo
de oxigênio registado (média) foi de 20,9±0,8ml.kg1
.min-1 com picos de VO2 de 27,4±1,0 ml.kg-1.min-1.
Estes valores corresponderam a 33 a 38% e 43 a 50%
(respectivamente) do VO2 máximo determinado previamente via tapete rolante. Durante a subida de 3 vias
com diferentes dificuldades (fácil = 5,6/5a, moderada
= 5,9/5c e difícil = 5,11+/7a) realizadas por 14
escaladores experientes, Mermier et al. [17] coletaram
valores de freqüência cardíaca, VO2 (via bolsa de
Douglas no último minuto de cada subida) e
concentração de lactato. Observou-se o aumento dos
valores da freqüência cardíaca com o aumento da
dificuldade (142±19, 155±15 e 163±15 bpm para a via
fácil, moderada e difícil respectivamente). O consumo
médio de oxigênio foi de 20,7±8,1, 21,9±5,3 e 24,9±4,9
ml.kg-1.min-1. A concentração de lactado após o exercício
foi de 1,64±0,63, 2,40±0,68 e 3,20±0,97 mmol.l-1.
Utilizando um sistema portátil de análise metabólica,
Watts et al. [9] analisaram as respostas fisiológicas durante
a escalada desportiva e compararam os efeitos da
recuperação activa e passiva para 15 sujeitos do sexo
masculino com habilidade de escalar níveis de dificuldade
entre 5,12c/7c e 5,14b/8c. A via de escalada escolhida
apresentava o nível de dificuldade de 5,12b/7b em um
muro indoor com duração média da escalada de
2’57±0’41. A análise de gases respiratórios contínua foi
realizada com a média dos dados a cada 20 segundos.
O consumo de oxigênio médio foi de 24,7±4.3ml.kg1
.min-1 e o pico de VO2 registrado foi de 31,9±5,3 ml.kg1
.min-1. Oito dos 15 sujeitos efetuaram a escalada com
um período de recuperação passiva de 30 minutos em
posição de sentado. Os outros sete sujeitos realizaram
recuperação ativa pedalando um cicloergómetro a 25
Watts durante um período de recuperação também de
30 minutos. Os gases respiratórios foram analisados
durante os 10 primeiros minutos de recuperação para
ambos os grupos. O consumo total de oxigênio durante
os 10 primeiros minutos de recuperação foi de
2,809±518 litros. A concentração de lactato aumentou
de 3.2±0.8 mmol.l-1 como resultado da escalada, permanecendo elevado por 20 minutos no período de
recuperação em ambos os grupos. Os níveis pré-escalada
para concentração de lactato foram recuperados por
volta de 30 minutos no grupo com recuperação ativa.
No grupo em que a recuperação foi feita de forma
passiva os níveis permaneceram elevados.
Os autores observaram a ocorrência de um
plateau no VO 2 após aproximadamente 80 a 100
segundos de escalada. Porém, devido a não medição
do VO2 máximo, não foi possível determinar se este
plateau representava um steady state metabólico. A
ocorrência de um plateau de VO2 foi observada
também por Booth et al. [8] durante a escalda de uma
via de nível 5,10 com duração de 7’36"±0’33". O valor
médio do pico de VO2 foi de 32,8ml.kg-1.min-1 durante
a progressão. A partir do registro do consumo de
"!
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
oxigênio durante a escalada em diferentes velocidades
em um ergômetro vertical (Crestville Holings) pode
ser mensurado o possível valor máximo para VO2
específico para escalada. A freqüência cardíaca e o VO2
aumentaram com o incremento da velocidade a
permaneceram nos valores máximos de 190±4 bpm
e 43,8±2,2 ml.kg-1.min-1 (respectivamente) a uma
velocidade de 16 m.min -1. o pico de VO2 durante a
ascensão foi de 75±4% dos valores máximos de VO2
dos sujeitos para a escalada. O mesmo comportamento
foi observado por Watts et al. [18] durante a observação
das respostas de VO2 e gasto energético para escalada
em diferentes velocidades no Treadwall.
Pelo fato de não terem sido feitas tentativas de
chegar a exaustão, não é possível assumir que os
valores obtidos para VO2 sejam o máximo específico
para escalada. Mas, é digno de nota que o VO2 de
43,3±3,5 ml.kg -1 .min -1 a aproximadamente 12
m.min-1 é similar ao valor obtido no estudo de Booth
et al [8]. Isto sugere que os valores máximos de VO2
específicos para escalada podem ser superiores aos
40 ml.kg-1.min-1, sendo superiores aos resultados
obtidos em estudos anteriores.
Aspectos de força e neuromusculares
Os efeitos da escalada contínua sobre a força e a
resistência muscular foram objectos de estudo de Watts
et al. [8]. Os 11 sujeitos deste estudo apresentavam
habilidade de nível entre 5,12a/7b e 5,13d/8b e
escalaram um via contínua até cair. O tempo médio de
escalada foi de 12,9±8,5 minutos. Os autores
reportaram um decréscimo de 22% na força de pressão
manual e de 57% na resistência de pressão manual,
medida como tempo da manutenção do agarre do
dinamômetro a 70% da contração voluntária máxima.
Ambas as variáveis permaneceram baixas por 20
minutos do período de recuperação, sendo que o ritmo
de recuperação da força foi mais rápido. O decréscimo
da força apresentou forte correlação com o tempo de
escalada (r = 0,7), mas com a concentração de lactato a
correlação foi de fraca para moderada (r = 0,56).
Estes dados encontram uma possível explicação
no estudo realizado por Herzog, Leonard & Wu [19],
que sugeriram que a redução da força esta relacionada
com o trabalho produzido pela musculatura e não com
a velocidade de encurtamento da mesma. Desta forma
um tempo maior de escalada representaria um trabalho
mecânico maior da musculatura e conseqüentemente
uma redução mais acentuada da força muscular.
Já o decréscimo da resistência muscular apresentou
forte correlação com o tempo de escalada e com a
concentração de lactato (r = 0,7 e r = 0,76, respecti-
vamente). A concentração de lactato permaneceu elevada
até aproximadamente 20 minutos após a escalada,
contudo, a média de 4,1±1,2 mmol.l-1 aos 10 minutos
de recuperação foi significativamente mais baixa do que
a 1 minuto de recuperação (6,1±1,4 mmol.l-1).
Quanto ao recrutamento neuromuscular Koukobis
et al. [20] investigaram respostas electromiográficas em
4 músculos dos membros superiores de sete experientes
praticantes de escalada durante uma tarefa de escalada
que consistia em realizar 3 movimentos de suspensão na
barra com os dedos, estando os antebraços em
pronação. Foram registrados e normalizados os sinais
electromiográficos dos músculos interósseos, braquiorradial, flexor superficial dos dedos e bíceps braquial.
O EMG registrado de maior intensidade foi o do flexor
superficial dos dedos (69% do EMG para contração
voluntária máxima - CVM), que foi mantida durante a
tarefa. O braquiorradial apresentou picos de 67% do
EMG CVM no início da fase de suspensão. Contudo, é
discutível a aplicabilidade deste estudo na escalada devido
às características dos movimentos executados. Isto
porque a suspensão e o retorno sem o apoio dos pés
não são movimentos muito comuns na escalada
desportiva.
Watts et al. [21] registraram EMG dos flexores
dos dedos durante um movimento específico de
escalada com seis diferentes posições para as mãos.
Os sujeitos realizaram movimentos de subida e
descida em uma parede extra-prumada (45°) com
módulos de presas a 18 polegadas de distância entre
si. Para todas as posições de mãos os sinais EMG
foram superiores aqueles obtidos na contracção
máxima voluntária (CMV) obtida por dinamometria
manual. O menor valor obtido nos movimentos de
subida representou 172±48% da EMG CMV. A
EMG para os movimentos descendentes registrou
valores inferiores aos ascendentes, confirmando o
não paralelismo entre o nível de força produzida e
a amplitude do sinal EMG nas contrações
excêntricas, contrariamente ao que ocorre com as
contrações concêntricas e isométricas [22]. Segundo
Enoka [23], o EMG reduzido durante uma
contração excêntrica máxima sugere uma ativação
incompleta do motoneurônio que inerva o músculo.
Apesar disso, as diferenças entre os sinais EMG das
contrações concêntricas e excêntricas registradas,
respectivamente, nas subidas e nas descidas, não
foram significativas.
De uma forma geral os resultados dos valores
de força manual obtidos para escaladores reforçam
a idéia de que a dinamometria manual apresenta uma
falha no que respeita a especificidade da força de
pressão manual exigida na escalada.
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Conclusão
Como se pode perceber, muito embora a
Escalada possa ser considerada hoje uma modalidade esportiva expressiva, com grande quantidade
de praticantes por todo o mundo, o estado da arte
no campo da investigação científica acerca de
questões que emanam deste contexto ainda não nos
permite fechar conclusões definitivas, na maior parte
dos parâmetros técnicos considerados. É, portanto,
fundamental que os estudos prossigam, em
diferentes setores das Ciências do Desporto, para
que possamos evoluir para um quadro de resultados
mais conclusivos acerca dos aspectos relativos à
realização desta importante modalidade esportiva.
Tendo como base os resultados obtidos neste
processo poderemos, de forma mais eficaz e
eficiente, orientar o envolvimento das pessoas, seja
qual for o propósito da prática, com essa
modalidade, levando-os a executá-la com eficiência
e rendimento.
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
ATUALIZAÇÃO
Educação física na educação infantil –
uma prática vivenciada
Physical education in children education –
an experienced practice
Atos Prinz Falkenbach, Dr.Sc.*, Greice Drexsler**, Verônica Werle**
* Professor Coordenador do Curso de Educação Física da UNIVATES e Professor das Faculdades Metodistas IPA.,
** Acadêmicas do Curso de Educação Física – UNIVATES, Bolsistas de Iniciação Científica
Resumo
O presente artigo descreve, analisa e interpreta um processo pedagógico vivencial da Educação Física na Educação Infantil.
Destaca o desenvolvimento investigativo na modalidade de um estudo de caso no conjunto desta experiência pedagógica.
Através da metodologia da psicomotricidade relacional, o foco da prática de ensino se deu sobre o processo relacional no grupo
e na trajetória lúdica das crianças. O uso dos instrumentos de observação, de entrevistas e do diário de campo permitiram
evidenciar as seguintes repercussões no desenvolvimento da criança protagonista do estudo: a) passou a ser lembrado pelos
colegas nas brincadeiras; b) integrou e envolveu-se em brincadeiras com os meninos e com as meninas; c) desempenhou
participação em jogos simbólicos; d) experimentou situações de afetividade com os colegas e professores; e) ampliou a trajetória
lúdica nas aulas.
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Palavras-chave: psicomotricidade, educação infantil, prática de ensino.
Abstract
The present article describes, analyses and explains a vivid pedagogical process of Physical Education in Children Education.
It points out the investigative development through a case study of this pedagogical experience. The study was carried out based
on the relational psychomotor methodology focusing the teaching practice on the relational process in the group and in the
children entertaining development. The use of the observation tools, interviews, and field comments showed the following
results in the development of the protagonist child of the study: a) the child started to be remembered by the classmates in the
playing activities; b) engaged herself in the playing activities with both boys and girls; c) participated in symbolic games; d)
experienced situations of affectivity with the classmates and teachers; e) extended the entertaining experience in the classes.
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Key-words: psychomotor, children education, teaching practice.
Artigo recebido em 24 de agosto de 2004; aceito em 19 de outubro de 2004
Endereço para correspondência: Atos Prinz Falkenbach, Rua Cristiano Grün 205/404, 95900-000 Lajeado RS, Tel: (51)
3714-7000, E-mail: [email protected]
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Introdução
Pode existir Educação Física na Educação
Infantil? Talvez a pergunta precisaria de outra
formulação, ou de um redirecionamento em sua
composição, uma vez que a primeira vista parece
querer provocar as discussões sobre os espaços
pedagógicos da área da Educação Física. Caso houver
esta primeira impressão devemos informar que não
é o desejo neste momento. Mas como pergunta feita
invocamos a questão de como está a prática da
Educação Física neste nível de ensino, ou melhor, que
relações educativas são efetuadas com a Educação
Física neste ambiente de ensino. Com este ensejo inicial
organizamos o ponto de partida para as reflexões
que serão descritas a partir de uma prática vivenciada
da Educação Física na Educação Infantil.
A experiência pedagógica é fruto de vivências
realizadas por acadêmicas do curso de Educação
Física da UNIVATES – Centro Universitário, na
prática de ensino na Educação Infantil, no primeiro
semestre de 2003, cujo desenvolvimento prático se
deu em uma escola pública do município de Estrela.
É necessário destacar que o exercício da prática de
ensino faz parte da matriz curricular regular do Curso
de Educação Física da UNIVATES e privilegia as
experiências docentes dos acadêmicos com grupos
de crianças na Educação Infantil. A organização do
Curso de Educação Física com práticas regulares na
Educação infantil se deve à necessidade de vivências
relacionais dos acadêmicos, futuros professores de
Educação Física, pois permite ao acadêmico conhecer
e vivenciar a prática da Educação Física neste nível
de ensino. Mais que isso, é importante reconhecer que
quando a prática de ensino sob forma de estágio
supervisionado está localizada no início do Curso1
possibilita aos acadêmicos um diálogo mais intenso
com os professores formadores, neste caso o
acadêmico conectado a uma prática se torna mais
indagador porque vivencia situações problemas em
suas aulas e acaba aproveitando melhor o conhecimento de seus professores.
Ainda como forma de introduzir o leitor na
compreensão das características do processo das
Práticas de Ensino sob forma de Estágio Supervisionado é relevante destacar o fato de envolver a
escolha de uma criança em especial no grupo-classe
da prática. Trata-se do desenvolvimento de um estudo
de caso. Este procedimento favorece o envolvimento
dos futuros professores de educação física em um
exercício de iniciação científica em sua prática
1
pedagógica no grupo de crianças, tal como será
apresentado em pormenores no desenvolvimento
deste artigo.
Neste momento, podemos apresentar o
exercício empreendido na vivência pedagógica de
Educação Física com destaque para os seguintes
aspectos: a) a proposição pedagógica e os seus
fundamentos teóricos, em outras palavras, em que se
fundamenta uma proposta de educação física na
educação infantil; b) a metodologia organizada para
a finalidade do desenvolvimento das aulas de
Educação Física na Educação Infantil; e c) o procedimento de escolha da criança protagonista desta
prática de ensino, bem como as análises e interpretações sobre as repercussões pedagógicas no seu
comportamento relacional com o grupo.
No processo de estudo para confecção desta
proposta pedagógica abordamos temas relevantes
como um pouco da história da Educação Física na
Educação Infantil, os motivos para a definição do
estudo de caso e a sua história prévia, bem como as
influências da psicomotricidade relacional para essa
faixa etária.
Outro ponto fundamental do estudo dá
destaque para alguns exemplos de procedimentos
pedagógicos, sustentados na psicomotricidade e
elaborados durante o processo pedagógico. Os
procedimentos possibilitaram observar repercussões
no desenvolvimento relacional da criança, estudo de
caso, com o grupo e vice-versa. Também avaliamos
os resultados alcançados e as repercussões desta
experiência de ensino na formação de futuras
professoras.
A Educação Física pode estar
na Educação Infantil?
Ao perguntar sobre o espaço da Educação
Física na Educação Infantil queremos refletir suas
possibilidades de contribuição pedagógica nesse
nível de ensino. É importante analisar que historicamente a Educação Física na Educação Infantil é
possuidora de um caráter recreativo, prática que se
ocupa de uma ação lúdica por intermédio da
aplicação de jogos e de brincadeiras temáticas no
coletivo e individual com as crianças. A forma de
organização destes jogos e destas brincadeiras segue
um modelo desenvolvimentista, fator que considera
a maturação das capacidades internas como o
habilitador para a prática de deter minadas
A Prática de Ensino II – Educação Infantil (4 a 6 anos) e a Prática de Ensino I – Educação Infantil (0 a 3 anos) são
desenvolvidas nos semestres 2 e 3 respectivamente no Curso de Educação Física da UNIVATES.
"%
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
brincadeiras. Nesta perspectiva os jogos são
categorizados por faixas etárias, determinados jogos
somente podem ser compreendidos e praticados
com a idade que os habilitam. Outro caráter que a
Educação Física responde historicamente na
Educação Infantil é a idéia de que as correções de
problemas motrizes poderiam ser sanadas através
da prescrição de exercícios baseados em avaliações
com testes que tinham como modelo movimentos
estereotipados que variavam de acordo com a idade,
atribuição da psicomotricidade funcional 2 que
enxerga o desenvolvimento de forma maturacional
e racionalista.3
O desenvolvimento de continuados estudos
sobre a temática da aprendizagem e do desenvolvimento infantil 4 permitem compreender que a
base deste processo é muito mais cultural e
psicoafetiva do que relacionadas ao ato do
movimento correto, determinado por padrões de
movimentos instituídos em testes psicomotores. Para
além da recreação ou da prescrição de exercícios na
forma de famílias de exercícios, a Educação Física
na Educação Infantil pode contribuir com a
compreensão da totalidade da criança por intermédio
de sua atividade principal que é o brincar. Segundo
Santin [1], filósofo que estuda as questões da Educação
Física destaca que o professor de Educação Física e
das práticas desportivas, mais do que saber técnicas e
estratégias, precisará saber brincar. A psicomotricidade relacional utiliza-se do brincar como
instrumento pedagógico sustentado pelos seus
princípios pedagógicos que, segundo Lapierre [2],
repercutem no equilíbrio da personalidade infantil,
bem como na vida social da criança.
Além dos conhecimentos psicanalíticos que
fundamentaram as práticas psicomotoras de André
Lapierre, outros autores comentam da importância
de uma aprendizagem significativa na infância.
Wallon [3] destaca o processo da aprendizagem
por intermédio das relações afetivas, de modo que
há aprendizagem e mobilização de energia em
função do outro. Maturana [4] ensina sobre a
biologia do amor, explica sobre a necessidade
biológica da afetividade e sobre a aceitação do
outro como legítimo outro na relação, ou seja, tratase de aceitar a outra pessoa como ela é e não como
gostaria que fosse. Montagu [5] delega relevância
para o toque corporal, segundo ele, as experiências
táteis satisfatórias, principalmente nos primeiros
anos de vida, favorecem o desenvolvimento físico,
psíquico e social. Negrine [6] estudioso sobre o
tema do jogo e da psicomotricidade analisa que o
brincar é uma forma lúdica de aprendizado. É por
intermédio do brincar que a criança avança em seus
processos mentais elementares (pensamento,
memória, atenção e percepção) para os superiores.
Finalmente, Vygotsky [7] ensina sobre o processo
de convivência entre as diferenças no grupo de
crianças. As relações com os “diferentes” é alavanca
para o despertar de novas zonas de desenvolvimento proximal.
Os ensinamentos dos autores citados constituíram
os subsídios para a caminhada pedagógica no processo
dos encontros em que fomos professoras com o grupo
das crianças. São referenciais que possibilitaram refletir
e indicar rumos e possibilidades na prática com as
crianças. Reconhecemos que o contínuo estudo dos
referenciais desta prática de ensino oportunizou a revisão
processual das estratégias pedagógicas na relação com
o grupo, sempre com a finalidade de estar em coerência
com os objetivos da prática de ensino de Educação
Física. Outro envolvimento acadêmico com os
referenciais estudados foi no processo de construção
do conhecimento para a confecção de uma proposta
pedagógica e que foi chave para o desenvolvimento
das aulas.
A partir destes referenciais, estudados em
conjunto com as observações realizadas do grupo
das crianças, empreendemos a construção de uma
proposta pedagógica para o desenvolvimento da
prática pedagógica da Educação Física com as
crianças. A temática que norteou a ação pedagógica e
também o tema principal desta prática de ensino é o
processo de convivência das crianças deste grupo. Para
essa finalidade organizamos a metodologia de um
estudo de caso, aspecto que será abordado na
composição dos instrumentos e dos procedimentos
levados a cabo na prática pedagógica desta prática
de ensino.
2
Vertente da Educação Psicomotora que se desdobra em Psicomotricidade Relacional e Psicomotricidade Funcional.
3
A base racionalista se justifica na forma de conceber os problemas de aprendizagem conteúdistas da escola (cálculo, escrita e
leitura) relacionados com as habilidades e coordenações motoras. Nesta perspectiva as famílias de exercícios são aplicadas para
auxiliar e mesmo corrigir determinadas dificuldades de aprendizagem.
4
As obras de Winnicott e Mahler na perspectiva psicanalítica, bem como de Vygotsky e Wallon com bases cognitivistas são
exemplos clássicos.
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Organizando a prática com as crianças
Uma das perguntas iniciais que os acadêmicos
do Curso de Educação Física fazem sobre o desenvolvimento das práticas de ensino na Educação Infantil
é de como se podem ministrar aulas para crianças
pequenas. A pergunta tem fundamento, uma vez que
a Educação Física no nível de ensino da Educação
Infantil é inédita para a maioria dos futuros professores
de Educação Física. Pensando nesta fragilidade inicial
do acadêmico, o Curso de Educação Física organizou
em sua composição curricular, disciplinas que
contribuem com a formação deste acadêmico para
a competência relacional com as crianças. O corpo
de conhecimentos das disciplinas iniciais do Curso
favorece os aspectos básicos do desenvolvimento
humano, das noções de aprendizagem, do conhecimento sobre a construção do vocabulário
psicomotor da criança, de formação corporal do
professor 5, fundamentos da psicomotricidade e
práticas vivenciadas com grupos de crianças em
conjunto com o professor da disciplina de Psicomotricidade. Nesse caso, os acadêmicos participam
como auxiliares do professor da disciplina de
Psicomotricidade, aprendendo a prática como
participantes observadores na ação de dar aulas para
as crianças.
O conhecimento sobre os fundamentos da
Psicomotricidade Relacional permitiu o desenvolvimento da prática pedagógica vivenciado com
as crianças. Compreendendo que a Psicomotricidade
Relacional se sustenta na ação do brincar como meio
de manifestação e de aprendizagem e de desenvolvimento infantil, utilizamos experimentos e
estratégias de intervenções e interações diversas com
as crianças. Avaliamos que a ação pedagógica
desempenhada na relação com as crianças é que
permitiu enriquecer o conhecimento sobre a
formação para ser professor. O ato de planejar as
aulas, experimentar estratégias pedagógicas, avaliar os
procedimentos e suas respectivas repercussões com
as crianças, novamente planejar, experimentar e
avaliar foi o que constituiu o verdadeiro processo de
ação-reflexão-ação no processo das aulas 6.
Antes de continuar a dar destaque para o
processo vivencial com as crianças é necessário
abordar as premissas pedagógicas da Psicomotri-
cidade Relacional. De acordo com Negrine [6], há
três finalidades principais, que são:
1- a experimentação corporal múltipla e variada;
2- o estímulo à vivência simbólica;
3- a comunicação como elemento de intervenção pedagógica de socialização e de exteriorização
da criança.
Em relação à finalidade da experimentação
corporal múltipla e variada, Negrine [6] explica que
numa sessão de educação psicomotriz, o facilitador
(psicomotricista) deve atuar como facilitador e
estimular que a criança experimente uma gama variada
de movimentos, seja com o próprio corpo ou
manipulando objetos das mais variadas formas, ou
ainda utilizando disfarces.
Entendemos que a experiência corporal múltipla
e variada contribui para novas aprendizagens, pois
possibilita modificar a forma de uso dos objetos
através da criatividade, sem a obrigatoriedade de
execução de movimentos pré-estabelecidos. A área
da Educação Física constitui-se de um meio facilitador
para estas vivências, visto que tem no corpo, seu mais
completo instrumento de aprendizagem. O que se
deseja explicar é que o movimento que a criança
desempenha não está somente a serviço da sua
atividade mecânica. A totalidade do movimento está
justamente na compreensão de que o mesmo se dá
em função das motivações para essa finalidade.
Vygotsky [8] explica que o movimento está muito
mais a serviço da memória do que da criatividade.
Pensar nessa direção é reconhecer que a criança é
motivada pelas imagens que já são conhecidas. Nesse
prisma, a criança brinca para conhecer e conceituar
suas experiências e relações, abordagem que permite
entender a relação do brincar com os processos
gnósicos da criança.
É nesse sentido que Negrine [6] destaca que a
capacidade que a criança tem de imitar o que está ao
seu redor através da ação do brincar, permite
compreender que os processos mentais elementares
seguem um bom curso e irão se transformar
progressivamente em processos mentais superiores.
A capacidade de designar significado para as
coisas e imitar o que vê é sinal de boa saúde como
ensina Vygotsky [8]. É importante saber interpretar para
identificar possíveis dificuldades e potencialidades e,
assim, intervir de forma adequada.
5
As disciplinas de Desenvolvimento Humano, Psicomotricidade e Formação Pessoal formam uma tríade que se enriquece e
fortalece mutuamente, possibilitando ao acadêmico o desenvolvimento da sua formação teórica, formação pedagógica e
formação corporal do futuro professor de Educação Física na ação docente com a criança.
6
O processo vivencial com as crianças e o desenvolvimento das estratégias pedagógicas é detalhado no tópico “Evidências de um
processo vivencial com as crianças” neste artigo.
"'
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
A terceira finalidade básica da psicomotricidade
relacional trata da comunicação como elemento de
intervenção pedagógica. Negrine [6] explica que o
psicomotricista não apenas utiliza as diferentes
linguagens para fazer a criança evoluir, mas também
se serve de diferentes estratégias de intervenção
pedagógica para fazer a criança comunicar com as
produções. A comunicação das produções é a
valorização do ato de brincar pelo adulto. O adulto
que valoriza o brincar da criança busca ajustamentos
com os processos de conhecimento da criança, uma
vez que o brincar está a serviço dos processos
psicointelectuais desta.
A comunicação é utilizada para socialização e a
exteriorização da criança, além de ser um elemento
de intervenção pedagógica. A comunicação tônica
de qualidade pode ser favorecida tanto pela
massagem nos ritos de saída, como também pelo
contato que pode ser estabelecido no desenvolvimento das aulas.
Sobre o exercício do estudo de caso: uma
iniciação científica na prática de ensino de
Educação Física
No desenvolvimento da prática de ensino, após
a escolha da escola e do grupo de crianças, há um
momento inicial que trata das observações que são
realizadas neste contexto. As observações contribuem
para uma tomada de conhecimento das acadêmicas
sobre o grupo das crianças, bem como a da ação
pedagógica que a professora desempenha. São
diferentes pautas selecionadas para a finalidade de
conhecer o grupo para, posteriormente, iniciar as aulas.
O momento das observações também permite
destacar uma criança do grupo que merecerá uma
atenção maior na prática. Trata-se do estudo de caso,
ou seja, a criança que foi protagonista no processo das
aulas que realizamos nesta prática de ensino.
Gómez, Flores e Jiménez [9] comentam que o
estudo de caso implica num processo de indagações
que se caracteriza por um exame detalhado,
compreensivo, sistemático e profundo do objetivo a
ser alcançado, pois o estudo de caso se centra em um
fenômeno concreto.
Seguindo as orientações dos autores, procedemos às observações do grupo das crianças e
constatamos que um menino salientava-se pela sua
conduta em relação aos pares e também com a
professora. Constatamos que o menino tinha maior
facilidade de se relacionar com as meninas,
principalmente durante a leitura do conto. Senta-se
no círculo com o grupo, mas não vai em direção dos
meninos. A disposição de meninos e meninas no
círculo era evidente: os meninos se colocavam em
um lado e as meninas sentavam no lado oposto dos
meninos. Outra evidência foi de que as relações
mantidas com meninos eram circunstancialmente
verbais e aconteciam na sala em atividades dirigidas,
como de pintar ou de leituras. Outra evidência foi a
dificuldade de aceitação do grupo em relação a ele,
principalmente em atividades livres. O grupo mantinha
pouca relação, não o convidavam e tampouco
dirigiam a atenção para o menino. A iniciativa de
corresponder-se com os colegas era sem sucesso.
Quando a professora solicitava uma composição em
colunas de mãos dadas, era comum observar as
crianças desviarem dele. Nesses casos, ele dava a mão
para a professora.
Observamos ainda que o menino demonstrava
afetividade e cooperação com os colegas e professora.
Seguidas aulas, ao término das mesmas, o menino
nos procurava para dar beijos e abraços. Em situações
de brincadeiras dirigidas pela professora, o menino
fazia questão de ceder seu lugar e se engajava em
auxiliar os colegas para realizá-la com sucesso.
Em relação ao seu brincar, as observações
realizadas puderam evidenciar que permanecia só e
interagindo com o mesmo objeto. O menino pegava
um cavalinho de madeira e o manipulava aparentemente sem maiores propostas e guardando-o em
seguida. A partir destas evidências destacadas no
período de observações, empreendemos uma busca
documental e de organização de entrevistas para
compor um pouco da história prévia da criança
protagonista do estudo.
Nessas análises e entrevistas compreendemos
que se tratava de um menino com pouco relacionamento familiar, talvez devido a sua rotina diária.
As entrevistas contam que pela manhã, o menino
permanecia na instituição infantil onde almoçava e a
tarde era levado diretamente para a escola em conjunto
com sua irmã. Seu pai, agricultor, foi pouco presente
em sua criação, e não ajudava financeiramente a
família. A mãe era empregada doméstica e trabalhava
em turno integral. Em entrevista realizada com a
professora compreendemos que ela ressalta o menino
com um comportamento independente, pois com
freqüência ele a procurava para reclamar dos demais
colegas.
De posse do conteúdo da história prévia da
criança protagonista do estudo mais as observações
realizadas da prática pedagógica do grupo das
crianças, passamos a descrever os procedimentos
organizados com a finalidade de contribuir
pedagogicamente nos avanços relacionais neste grupo
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
por intermédio da metodologia da psicomotricidade
relacional.
O exercício de inclusão do menino na prática
da Educação Física
Exercitar o processo de inclusão do menino
escolhido como o estudo de caso foi o ponto principal
desta vivência pedagógica de Educação Física. Neste
momento do artigo, apresentamos algumas experiências e repercussões pedagógicas desenvolvidas e
organizadas para a finalidade de inclusão no grupo e
da ampliação dos processos coletivos no grupo das
crianças. Para essa finalidade partimos da metodologia
do estudo de caso, bem como das observações e
das entrevistas prévias que foram realizadas na escola,
no grupo das crianças e com a professora. Centramos
os esforços nos seguintes objetivos em relação à
criança protagonista do estudo: a) favorecer
experiências relacionais satisfatórias com os colegas
do grupo; b) potencializar situações concretas de
afetividade no grupo das crianças; c) ampliar a forma
de brincar na aula de educação física, enriquecendo a
sua trajetória lúdica.
A psicomotricidade relacional, como prática
pedagógica, foi abordada em acordo com as
diferentes rotinas organizadas na prática da Educação
Física com as crianças. As ações pedagógicas que
empreendemos de forma coletiva foi de oportunizar
a disposição de materiais diversificados e alternativos,
sem formas pré-definidas. Para algumas crianças
favorecendo práticas mais dinâmicas, como pular,
rolar, arrastar sobre colchões, equilibrar sobre cadeiras
e pendurar e balançar com as cordas. Outras crianças
foram iniciadas em atividades de construção como o
uso de caixas de papelão, os cones, as telas de tecido.
Estes materiais foram bons recursos na criação e
experimentação da montagem de casas, de barcos,
de carros, de motocicletas, de acordo com as
necessidades intrínsecas nas crianças, aprendendo a
fazer uso plástico dos objetos e do próprio corpo.
O desenvolvimento das atividades simbólicas
se deu por meio da caixa de fantasias, elemento
procurado por todas as crianças da turma. Os
incentivos e participação das professoras nestas
atividades também contribuíram para criação e
vivências de novos personagens. Exemplos de
atividades simbólicas foram: imitação de animais, de
personagens do mundo infantil como as bruxas, as
bailarinas, as rainhas, os super heróis, uso do tapete
mágico, os membros da família entre outros. Para a
finalidade de potenciar a vivência simbólica das
crianças, organizamos os ritos de entrada com
diferentes estratégias pedagógicas como: contar
estórias, usar os fantoches para ilustração de
personagens, expressar corporalmente as estórias,
incentivar o pensar em algo diferente para brincar,
apresentar novas fantasias e recursos plásticos para o
uso simbólico das crianças.
A comunicação do grupo das crianças foi
potenciada nos ritos de entrada. Estimulamos a
socialização através da exteriorização ao grupo das
propostas de brincar de cada criança. Como
facilitadores para a comunicação das crianças neste
momento lançamos uso dos desenhos, da modelagem
em argila e das estórias infantis. A proposta de solicitar
a comunicação das crianças no rito de entrada permitiu
perceber que o grupo das crianças vinha para as aulas
com uma postura ativa, ou seja, vinha com proposições
claras sobre o que iriam brincar na aula. Tal
comportamento é bastante distinto do comportamento
que pulula na tradicional prática pedagógica, em que
as crianças vêm para as aulas com um comportamento
passivo, esperando para saber o que vai ser proposto
na aula.
Ainda no rito de entrada organizamos os princípios de convivência no grupo. Neste sentido,
fizemos prevalecer a compreensão de receptividade
aos colegas e da convivência entre eles. Oportunizamos
uma linguagem de escuta e de valorização da
comunicação das crianças. Inicialmente escutar o outro
é a premissa para poder falar, porém as crianças vão
significando esse momento como um novo conhecimento de seus pares, em específico para aquelas
crianças que poucas vezes manifestam-se nas aulas.
Nesta perspectiva, o rito de entrada oportuniza a
comunicação e o exercício desta para todas as crianças.
No momento de brincar, estivemos atentos ao
processo de comunicação que se manifesta pela via
corporal e oral, através de intervenções e estímulos a
brincadeiras por intermédio do toque corporal. No
rito final, o uso da massagem foi o meio de exercitar
e de estabelecer vínculos entre as crianças e os
professores, das crianças entre as crianças, bem como
de estar atentos às manifestações de possíveis
comportamentos de tensão muscular nas crianças.
Entre os procedimentos adotados, também é
importante lembrar da criação de vínculo afetivo entre
a turma, através de massagens em trios escolhidos
pelos professores e no ato de pegar na mão de um
colega para mostrar onde e como brincar. Estes
procedimentos envolvem o toque corporal, cuja
importância é ensinada por Montagu [5]. Favorecemos ainda as atividades coletivas por meio de regras
pré-estabelecidas e pelo constante incentivo no
desenvolvimento das sessões.
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Para ampliar a trajetória lúdica de modo que
esta se tornasse mais rica, em algumas ocasiões foi
necessário retirar algum objeto da aula, ou sua
modificação através das regras estabelecidas no rito
de entrada. As estratégias foram organizadas de
acordo com as repercussões causadas na aula anterior,
com os novos acontecimentos que surgiam e com os
objetivos em uma atitude de ação-reflexão-ação das
acadêmicas.
Evidências da ação pedagógica: repercussões
na ação da criança protagonista do estudo
O exercício empreendido na prática de ensino
da Educação Física com as crianças da Educação
Infantil permite destacar dois aspectos que são interrelacionados: o primeiro aspecto trata do desempenho
pedagógico levado a cabo na prática de ensino, ou
seja, o exercício pedagógico de ser professor de
Educação Física na Educação Infantil e, o segundo
aspecto aborda o desenvolvimento da criança
protagonista do estudo em acordo com os estímulos
e a orientação pedagógica que organizamos com a
finalidade de ajudar no seu processo de aprendizagem
no grupo das crianças.
O desenvolvimento da ação de ser professoras
de Educação Física possibilitou aspectos importantes
de uma qualificação pedagógica. Entendemos que o
processo reflexivo de observar, planejar, acompanhar,
interagir e intervir foi um dos exercícios aprendidos
na ação de ser professoras. Não basta aplicar
atividades, não se trata da busca de repertório de
brincadeiras, menos ainda do desenvolvimento de
características físicas ou do condicionamento e da
aptidão física da criança. O que ficou evidenciado no
processo de ser professoras de Educação Física foi a
necessidade da organização pedagógica das rotinas
das aulas. Trata-se de evidenciar momentos claros para
o real exercício dos pressupostos organizados na
proposta pedagógica da prática de ensino, ou seja,
coerência no processo pedagógico. Como exemplo
disto explicamos que o exercício da afetividade no
grupo era realizado de forma rotineira e sistemática,
privilegiando o real acompanhamento, percepção de
avanços, organização de estratégias para melhorar as
dificuldades e avaliação destes comportamentos
relacionais no grupo das crianças.
Outra percepção sobre a prática pedagógica das
acadêmicas refere-se aos objetivos, que meios utilizar
e como desempenhar uma prática que realmente
repercuta e favoreça na aprendizagem das crianças. Não
basta querer alcançar um objetivo geral com uma única
estratégia, ele só será alcançado depois de se pensar
uma série de pequenos objetivos, porém estes objetivos
precisam estar atrelados a procedimentos e estratégias
que dêem conta deles. Porém, nem sempre tudo
acontece como o planejado; aprendeu-se a lidar com
o desânimo de ter planejado algo que não deu certo,
mas a satisfação de ultrapassar estas pequenas
dificuldades também foi importante para a continuidade dos estudos e dos convencimentos para
acreditar que as coisas são possíveis.
O cumprimento das aulas da prática de ensino
requisitou voltar à atenção para uma cuidadosa
releitura dos diários de campo, instrumento utilizado
no final de cada aula para descrição do que havia se
passado na aula. Este instrumento proporcionou uma
ampla visualização dos resultados alcançados na
prática pedagógica com o menino protagonista do
estudo, conforme destacamos sobre as relações com
as crianças do grupo, o desempenho na trajetória
lúdica das aulas.
O menino passou a manter boas relações com
o grupo, inclusive com os meninos, visto que com o
estímulo destas relações ele passou a ser lembrado
nos momentos dos ritos e passou a participar mais
ativamente das brincadeiras livres. Tal processo se deu
mediante os estudos e as estratégias para estabelecer
vínculos afetivos entre as crianças. Para Falkenbach
[10], as situações de afetividades por si somente
possibilitam aos indivíduos a vontade de estabelecer
trocas. Para Wallon [3], o indivíduo se constrói pelas
suas influências de vínculo e de aproximação.
Quanto a trajetória lúdica, o menino variou entre
as atividades simbólicas e sensório-motoras, dando
preferência as primeiras, quando imitava animais,
super-heróis e participava de brincadeiras de
construção. Os atos lúdicos do menino também
contribuíram para sua inserção no grupo. Winnicott
[11] refere-se ao brincar dizendo que é sinônimo de
saúde e conduz ao relacionamento em grupo. Para
Negrine [6], as atividades simbólicas são meio para a
transformação de processos mentais elementares em
superiores, conforme já visto.
Em relação aos objetivos perseguidos na prática
de ensino, podemos compreender os seguintes
avanços relacionais da criança protagonista do estudo
no grupo: a) passou a ser lembrado pelos colegas
nos projetos que realizavam para brincar; b) integrou
e envolveu-se em atividades concretas com os
meninos e com as meninas; c) permitiu a ampliação
de brincadeiras simbólicas, jogos de faz de conta; d)
experimentou situações de afetividade com os colegas
e professores na rotina das massagens no final das
aulas; e) iniciou-se em um maior número de atividades
diversificada da sua forma de brincar.
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Considerações finais
Referências
As evidências relacionais da criança protagonista do estudo se desenvolveram no processo
pedagógico, cada nova situação-realidade conduzia
as acadêmicas à reflexão e à criação de novas
estratégias pedagógicas. Tal ação se tornou um meio
importante pela qualidade das experiências vividas
pelas professoras investigadoras. Como acadêmicas
de um curso de licenciatura, a prática de ensino
permitiu construir algumas convicções como a
necessidade de educar de forma lúdica através do
corpo, educar para as relações autênticas e de busca
de ajustamentos entre as crianças. Conhecimento que
permite conduzir as futuras professoras para um
comportamento de auto-educação, disciplina e
constante busca de novas alternativas de ensino que
certamente se farão presentes como professoras de
Educação Física.
1.
SANTIN, S. Educação Física: uma abordagem filosófica
da corporeidade. Ijuí:Unijuí, 2003.
2. LAPIERRE, A. A simbologia do movimento:
psicomotricidade e educação. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1988.
3. WALLON, H. As origens do caráter na criança. São Paulo:
Nova Alexandria, 1995.
4. MATURANA, H. Emoção e linguagem na educação e
na política. Belo Horizonte: UFMG, 2002.
5. MONTAGU, A. Tocar: o significado humano da pele.
São Paulo: Summus, 1996.
6. NEGRINE, A. O corpo na educação infantil. Caxias do
Sul: Educs, 2002.
7. VYGOTSKY, L. S. Obras escogidas: fundamentos de
defectología. Madrid: Visor, 1997.
8. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São
Paulo: Martins Fontes, 1989.
9. GOMES, G. R.; FLORES, J. G.; JIMÉNEZ, J.G.
Metodología de la investigación cualititativa.Archidona:
Aljibe, 1986
10. FALKENBACH, A. P. A educação física na escola: uma
experiência como professor. Lajeado: UNIVATES, 2002.
11. WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de
Janeiro: Imago, 1975. ♦
#!
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
ATUALIZAÇÃO
O imaginário social e a incerteza
na prática do judô
Social imaginary and uncertainty in judo practices
Marco Aurélio da Gama e Silva, M.Sc.*, Carlos Augusto de Alcantara Gomes, D.Sc.**
*Professor Auxiliar IV da UFRJ,** Professor Adjunto IV da UFRJ
Resumo
O objetivo do presente trabalho é dissertar acerca do imaginário social e a incerteza dos praticantes de judô, do
qual fazem parte os pais/responsáveis pelos atletas e seus professores, considerando os sentidos produzidos no ambiente
entre o judô para, a partir daí, buscar identificar como nele surgem crenças, fantasias, necessidades e desejos, e como
as formações ideológicas, influenciam seus indivíduos através dos seus comportamento e atitudes.
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Palavras-chave: imaginário social, pratica de judô.
Abstract
The aim of this work is to dissert about the social imaginary and the judo apprentices’ uncertainty, of which participate
parents/responsible for the athletes and their teachers, considering the signs produced in the environment in order to identify
how beliefs, fantasies, needs and desires appear, and how ideological formations influence upon their individuals through their
behavior and attitudes.
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Key-Words: social imaginary, judo practices.
Artigo recebido em 19 de outubro de 2004; aceito em 20 de outubro de 2004.
Endereço para correspondência: Carlos Augusto de Alcântara Gomes, Av. Maracanã 1302 4º Andar 20550-001
Tijuca, Rio de Janeiro RJ, tel: (21) 2258-7399, E-mail: [email protected]
#"
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
Introdução
O imaginário social como representação da
construção coletiva da sociedade tem sua dinâmica
própria, por onde circulam sentidos produzidos das
mais variadas formas, onde se faz presente o
principio da incerteza de Werner Heisenberg e pode
nos levar algumas vezes ao caos determinístico.
A rede de sentidos referenciada no imaginário
social acaba por orientar aspectos da conduta
coletiva quando faz emergir valores normais e
raciocínios como códigos coletivos. Estes são então
internalizados sob a forma de necessidades,
interesses e expectativas dos indivíduos – presentes
em cada cena social, em cada microcosmo, o que
não nos distancia do principio da incerteza.
O imaginário social dos praticantes de judô
não é reflexo dessa realidade, mas sim seu
fragmento; e este não pode ser identificado por
procedimentos imediatos, tendo em vista a forma
pela qual é instituído. Para investigá-lo, é necessário
mergulhar nas formas de linguagem presentes em
seu interior, e admiti-lo como sendo fonte
assinalada/instituída dos sentidos da vida, porém
como diz Jacob Pallis vivemos num mundo de
incertezas.
A tipologia no judô
A tipologia do comportamento do judoca se
apresenta como objeto de estudo, principalmente
quando enfocamos a complexa rede de relacionamentos estabelecidos entre esses sujeitos. A
dinâmica das trocas de informações e valores entre
eles, com as previsíveis situações de harmonia ou
conflito no momento em que se celebra o judô
praticado nesse ambiente como um fato social.
O judô desperta especial interesse, tendo em
vista, as características do esporte como componente básico de análise, além da sua capacidade de
alcance no que diz respeito ao apelo para
recrutamento de novos adeptos como também na
manutenção dos praticantes já existentes, esta
manutenção é o próprio princípio da incerteza,
pelo fato de não conseguirmos a satisfação de
todos, quanto a sua própria realização quando
atleta, visando seu desempenho quer em “Shiais”
dentro ou fora da academia bem como uma
permanência muito longa num mesmo “Obi” além
de visar sua integridade física. Outra perspectiva
importante a ser considerada, trata dos seus
componentes educacionais e formativos presentes
no discurso da maior parte dos seus praticantes,
principalmente dos professores e pais, e da
possibilidade mesmo remota de conquistar, em
algum grau a tão decantada mobilidade social.
Articulação do imaginário com o caos
determinístico
O pensamento herdado pode ser entendido
como o legado das significações anteriores dos
valores e sentidos das redes e sistemas, através dos
quais foi possível a acomodação do caos que se
deu, até então. O caos determinístico de onde,
pouco a pouco emerge a razão. A perspectiva
estrutural deste conceito remete, a um por vir
constante e ressalta a história da humanidade como
sendo a história do ser humano individual com
seus próprios ideais e motivações, também pode
ser entendida como uma emergência progressiva
da racionalidade e dessa forma, uma criação
imaginária, uma criação social-histórica.
O imaginário radical no plano individual é
denominado de imaginação radical, capacidade de
pôr, criar, fazer-se para psique-soma, figuras como
a participação do sentido como sempre figurado representado. Da mesma forma, como o imaginário social, a imaginação radical não existe no
vácuo, mas se apóia, na forma de ser do sujeito
como ser vivo e se encontra sempre numa relação
de recepção/alteração com o que já havia sido
representado por e para a psique.
O imaginário social das crianças e dos jovens
praticantes de Judô é uma representação da
construção coletiva da sociedade e tem sua própria
dinâmica, por onde circulam sentidos produzidos
das mais variadas formas. A rede de sentidos
referenciada no imaginário social acaba por orientar
aspectos de conduta coletiva quando faz emergir
valores, normas e raciocínios como códigos coletivos
estes são então internalizados sob a forma de
necessidades, interesses e expectativas individuais –
presentes em cada cena social, em cada microcosmo.
O imaginário social das crianças e dos jovens
praticantes de Judô não é reflexo dessa realidade,
mais sim de seu fragmento, e este não pode ser
identificado por procedimentos imediatos, tendo
em vista a forma pelo qual é instituída. Para
investigá-lo, foi necessário mergulhar nas formas
de linguagem presentes em seu interior e admitilo como sendo fonte instituinte ou instituída dos
sentidos da vida.
O imaginário social dos praticantes de Judô,
do qual fazem parte os pais e/ou responsáveis e
seus professores, considerando os sentidos
produzidos no âmbito do Judô para, a partir daí,
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ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
buscar identificar como nele surgem crenças,
fantasias, necessidades e desejos e como as formações
ideológicas, influenciam seus indivíduos através dos
seus comportamentos e atitudes.
O imaginário social do Judô muitas vezes
confunde a sua prática como uma luta, que de seu
fruto saem “lutadores de rua” como muitas vezes
pensam os pais, o que é um grande equívoco para
os que nele ingressam, pois o Judô apesar de ter
vindo de uma arte marcial, no lato sensu, na
realidade ele é um esporte e não uma fábrica de
“lutadores de rua”, outrora era até mesmo dito
que ele servia para defesa pessoal, o que não
obstante é uma verdade pois os Katas mais
avançados ensinam a defesas de armas. Mas o Judô
num stricto sensu é visto como uma filosofia, que
quando bem ministrado consegue até mesmo levar
a seus praticantes a paz interior, ou seja, a prática
do auto domínio reprimindo a violência inerente
do ser humano e é esporte pedagógico sob todos
os aspectos filosóficos, e é o que acreditamos que
é a mensagem que Jigoro Kano quis transmitir por
ocasião da criação do Judô.
O determinismo apresenta-se hoje como
sendo um modelo dinâmico tendo como base
regras bem definidas e resultados pré-determinados
apoiando-se em experiências anteriores. O
determinismo sendo associado em intervalos de
médio e longo prazo ao caos determinístico, por
apresentar grande sensibilidade a pequenas
variações, nas condições iniciais, leva-o a quebra
do determinismo absoluto, relativando-o.
As leis Newtonianas, que tem como base a
força aplicada sobre os corpos que agem localmente
que é o caso do judô , e as criações matemáticas
dos séculos XVIII e XIX são discutidas nos
trabalhos de Bernoulli, Euler e Lagrange. No
século passado com o advento da mecânica
quântica, as leis de Isaac Newton não se aplicam,
pois a teoria probabilística, introduzida por Erwin
Schödinger a substitui.
Cabe ainda ressaltar que todos os cálculos dos
físicos e engenheiros aeroespaciais, apesar de terem
um ínfimo grau de flexibilidade, bem como com
todo controle telemétrico não souberam evitar o
desastre do ônibus espacial Challenger. Só após a
realização de estudos foi detectado que o problema
no combustível, dos foguetes propulsores, foi
causado por condições climáticas. Hoje em dia,
ainda, mantendo todos os cálculos, precisos,
aeroespaciais, são lançados foguetes de pequeno
porte, com o intuito de determinar as condições
atmosféricas, e caças para voarem antes e até a hora
do lançamento, avaliando as condições atmosféricas. Ainda assim os lançamentos dos novos
ônibus espaciais têm que contar com a aprovação
do meteorologista aeroespacial.
Astrofísicos de outrora conseguiam prever
quando haveria um eclipse, pois os planetas e todos
os objetos macroscópicos funcionam de acordo
com a física Newtoniana. Mas com advento da
física microscópica, por exemplo, não sabemos
como é a órbita de um elétron, ou seja, estamos
diante de uma incerteza.
Dentre os maiores adeptos do determinismo,
que tivemos no século passado, citamos Albert
Einstein. Em seus estudos, afirmava que tudo na
natureza é relativo, e respondendo a indagação de
Ian Stuart, se “Deus joga dados?” afirmou que não,
ou seja, as leis divinas da natureza são determinísticas.
O pensamento científico e filosófico da
atualidade afasta-se das certezas determinísticas e
mergulham em fundamentos caóticos.
O matemático brasileiro Jacob Pallis salientou
que na década de 60 do século passado, pensava-se
que 90% dos fenômenos podiam ser descritos por
equações diferenciais e só 10% não seriam
representadas por elas. Hoje em dia é aceito que
cerca de 10% tem expressões matemáticas e os
demais 90% se enquadram ou no caos determinístico ou no caos total.
A incerteza
Idéias sobre o tempo surgiram quando Kurt
Gödel, no início da década de 1950 apresentou no
Congresso Internacional de Matemática em
Massachutts, sua teoria para caracterizar a estrutura
métrica do Universo, com base na geometria por
ele escrita em 1949. Embora essa geometria tivesse
legitimada sua contribuição por ter sido obtida
como um caso particular das equações de Albert
Einstein, da gravitação, possuía uma propriedade
que a singularizou dentre as demais soluções, não
só aquelas conhecidas na época, mas mesmo
posteriormente e até os dias de hoje.
A teoria de Gödel possui características novas.
Coloca as questões de fundamento tão difíceis de
serem resolvidas no interior da relatividade geral,
desde então, ela tem alcançado um “status”
extremamente alto dentre todas as possíveis
geometrias.
O princípio da incerteza de Werner
Heisenberg diz, “não existe meio de medir com
precisão as propriedades mais elementares do
comportamento subatômico, ou melhor, quanto
#$
ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4)
mais precisamente for medida uma propriedade –
digamos a velocidade de um elétron – menos
precisamente você pode conhecer outra – nesse
caso sua posição. Mais certeza de uma, mais
incerteza de outra”.
Vivemos hoje, como diz Gailbraith, tempos
de incerteza em todas as áreas do conhecimento e
da vida.
No Judô o principio da incerteza é bastante
visível, pelo fato de que intenta entre dois atletas
em dois eventos distintos e da mesma categoria,
digamos olimpíada e campeonato mundial, um sai
vitorioso numa e o outro na outra, em academias
isto também é notado um dos atletas sempre perde
de outro nos “Handoris” e quando chega em
campeonatos ele ganha. Um outro fato interessante
que pode ocorrer é quando treinamos três atletas
pertencentes a mesma categoria, mesmo “Obi”, e
o primeiro ganha do segundo, que por sua vez
ganha do terceiro, que por sua vez ganha do
primeiro.
Análise do ambiente de incerteza do judô
Estudos qualitativos buscam no ambiente
natural os dados necessários tendo no pesquisador
o seu mais fundamental instrumento. Dessa forma
é através do contato prolongado e direto, entre o
pesquisador e o local da pesquisa que se operam
atividades dessa natureza.
Existe, predominantemente, a coleta e
manipulação de dados, descritivos. Pode haver
nessa hora a utilização inclusive de fotografias,
vídeos e observações in locu..
A investigação quanto ao processo constitui
maior relevância que aquela referente ao produto.
Nessa perspectiva o pesquisador deve patentear seu
interesse relativo às formas através das quais serão
manifestados os comportamentos, nos procedimentos interativos do dia-a-dia. Ainda nesta
perspectiva, constitui para o pesquisador, objeto
de grande interesse, o significado atribuído pelas
pessoas para si mesmas e para as coisas. A visão do
sujeito, ou seja, a maneira pela qual os informantes
externam comportamentos em determinadas
situações.
Especial cuidado é recomendado ao pesquisador quando da revelação dos pontos de vista
dos participantes. Segundo Goldenberg:
“um dos principais problemas a ser enfrentado
na pesquisa

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