A Mística Russa - Carlos João Correia

Transcrição

A Mística Russa - Carlos João Correia
A Mística Russa
Introdução à
Filosofia da Religião Ortodoxa
Introdução histórica
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Quando se fala em Igreja Oriental pensamos imediatamente no célebre Cisma, que foi
ocasionado devido a uma série de tensões políticas e culturais que se foram desenvolvendo ao
longo de séculos.
A divisão da Igreja em Ocidental e Oriental estava associada ao facto da capital do Império
Romano, no século IV, ter passado de Roma para Constantinopla.
Formando-se, assim, duas Igrejas:
- A Igreja do Ocidente, ligada a Roma (e onde actualmente reside a Cidade de Vaticano)
- Igreja Oriental, ligada a Constantinopla, que conservou sempre a tradição cristã helenística,
herdeira do mundo clássico, das tradições e dos ritos gregos. Portanto, dizia respeito à tradição
mais antiga.
Introdução histórica
Império do Ocidente e Império do Oriente
Introdução histórica
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A Igreja Ortodoxa na Rússia apareceu mais tarde, já no final da Idade Média, e foi
considerada como a terceira Roma , ou seja, depois de Roma e de Constantinopla começou a
dar-se relevo a Moscovo, porque a Rússia depois de estar livre da ocupação dos Tártaros,
tornou-se uma das mais prometedoras regiões para a difusão do cristianismo.
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Até a revolução bolchevique de 1917, Moscovo tinha mais de mil igrejas, e ainda hoje, não
obstante a provação de 70 anos de regime comunista ateu, a Igreja ortodoxa russa continua a
ser a maior entre as Igrejas orientais.
Catedral de Cristo o Salvador em Moscovo
Ora os Russos tinham sido levados para o cristianismo pela mão de Bizâncio: é natural, pois,
que fiquem sempre desconfiando da autoridade do cristianismo ocidental. As relações da
Rússia com o Ocidente continuam, porém, durante algum tempo, e só a queda de Bizâncio e a
ideia da «Terceira Roma» marcam à Rússia o papel e o dever de porta-estandarte da verdade
ortodoxa. (…)
É com os czares de Moscovo que a Rússia proclama a autocefalia da sua Igreja e refaz, como
«Terceira Roma» o centro da verdadeira fé ortodoxa. (…)
Mas, mais do que a defesa da fé, era o autocratismo czarista, que gerava a grande mística da
Rússia moscovita. Sendo assim, é o autocratismo czarista, que dispõe inteiramente da
ortodoxia, fazendo dos patriarcas, servos obedientes; acabando até, como já vimos, pela
supressão do patriarcado. (…)
A igreja não teve, pois, na Rússia, uma situação feliz, e nada admira que um cristianismo
incompleto, encerrado no conservadorismo da herança bizantina, maltratado pelo
imperialismo dos czares, não tivesse exercido uma doutrinação e apostolado comparáveis,
ainda que de longe, à acção do catolicismo.
Leonardo Coimbra, A Rússia de hoje e o homem de sempre, Porto, Livraria Tavares Martins, 1962, p. 244,
p. 246, p. 247, p. 252.
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Devemos reconhecer que a Igreja
Ortodoxa não possuía, até ao século
XIX, uma doutrina forte e sólida
como a da Igreja Católica Romana.
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No entanto, teologia ortodoxa
começou a ganhar alguma
consistência com o aparecimento dos
primeiros textos dos filósofos
Komyakhov e Vladimir Soloviev,
mas sobretudo com os textos de
Bulgakov, Berdiaev, Florensky e
Vladimir Lossky.
Mikhail Nesterov, Pavel Florensky e Sergei Bulgakov, 1917.
Filósofos ortodoxos russos
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P. Yurkevichh
V. Kudriavtsev
Vladimir Solovyev (1853 - 1900)
O primeiro filósofo a criar uma noção de sistema no pensamento russo e que fez a
síntese da filosofia que se tinha desenvolvido anteriormente.
Vasily Rozanov (1856 - 1919)
Sergei Bulgakov (1871 - 1944)
Pavel Florensky (1882 - 1937)
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Teólogos da Igreja Ortodoxa russa
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Georges Florovsky (1893 - 1979)
Michael Pomazansky (1888 - 1988)
Alexander Schmemann (1921 - 1983)
John Meyendorff (1926-1992)
Vladimir Lossky (1903 – 1958)
A Ortodoxia
Movimento da eslavofilia
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Apesar desta escassez de textos sobre a Igreja Ortodoxa, no século XIX, surgiu um
movimento filosófico na Rússia, ligado à defesa da ortodoxia e de certos ideais de
vida e de ideais políticos que, mais tarde, originaram o comunismo.
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Esse pequeno movimento filosófico liderado por Aleksey Khomyakov, Ivan
Kireevsky e Konstantin Aksakov, intitulava-se de eslavofilia , que representava o
amor ou apreço pela tradição eslava, que se opunha à influência da mentalidade
positivista e materialista do ocidentalismo (zapadnitchestvo), e pretendia, deste
modo, fundar uma identidade nacional do povo russo, defendendo-a e protegendo-a
daquilo que era estrangeiro.
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Esta corrente eslava nacionalista da eslavofilia vai coincidir o com o chamado
romantismo russo através da exaltação da alma do povo, com forte apego à noção
da terra (designada pochvennichestvo).
Sobornost
A alma da ortodoxia é a conciliaridade, a sobornost, segundo a expressão muito
precisa de Khomiakov: nesta palavra, para ele, está contida tão somente toda uma
profissão de fé. A língua eclesiástica russa e a teologia russa empregam este termo
num sentido amplo que não existe em nenhuma outra língua; exprime por si mesmo
o poder e o espírito da Igreja Ortodoxa.
O que é, por conseguinte, a sobornost?
Esta palavra deriva do verbo sobirate, reunir , fazer uma assembleia .
Daqui vem a palavra sobor que, por uma aproximação notável, significa ao mesmo
tempo concílio' e igreja . A sobornost é o estado daquilo que se encontra posto
em conjunto. (…) Para traduzir sobornost, arrisquei a palavra francesa de
conciliarité , que é necessário tomar, ao mesmo tempo, no sentido restrito (Igreja
dos Concílios) e no sentido abrangente (Igreja Católica, Ecuménica). Poder-se-ia
ainda traduzir sobornost por sinfonicidade, unanimidade.
Sergei Boulgakov, L’orthodoxie, Paris, Felix Alcan, 1932, pp. 83 - 84.
O Apofatismo
Pseudo-Dioníso é conhecido geralmente como o filósofo-místico que bifurcou a
teologia em teologia catafática e teologia apofática .
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Teologia catafática ou positiva tenta aproximar o homem da natureza da Deus pela
via positiva da afirmação, realizando afirmações acerca da essência de Deus que se
baseiam nos dados da Revelação e que se fundamentam no testemunho bíblico, por
exemplo, que Deus é o Bem, o Belo, o Uno. A via positiva considera que o homem,
enquanto ser criado, constitui uma imago Dei, isso significa que o Ser divino
imprimiu uma marca especial, um traço da sua natureza, em todas as suas criaturas.
Por outras palavras, existem homens bons e belos, na medida em que o próprio
Deus contém em si o máximo da Beleza e da Bondade. Neste sentido, o ser humano
pode exprimir atributos divinos e remontar um caminho até ao Criador.
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Teologia apofática ou negativa, nega os atributos que, pela via da afirmação
atribuímos a Deus. Na sua obra Teologia mística, Pseudo-Dioniso procede daquilo
que Deus não é para aquilo que Ele é, tendo como principal objectivo encontrar os
atributos que melhor caracterizam a essência divina, e chega à conclusão que os
nomes que atribuímos a Deus são sempre inadequados, visto que o homem analisa a
natureza divina partir da sua perspectiva pessoal que é parcial e insuficiente.
O optimismo das provas da existência de Deus liberta um aborrecimento
substancial e ignora que Deus não é evidente e que o silêncio é uma qualidade de
Deus. (...) É por isso que Deus limita a sua omnipotência, renuncia à sua
omnisciência, retira qualquer sinal e fecha-se no silêncio do seu amor sofredor. (...)
As provas são insuficientes, porque Deus é único critério da sua verdade. Em
qualquer pensamento sobre Deus é Deus que se pensa a si mesmo no espírito
humano, tal é o verdadeiro sentido do argumento ontológico. Isso significa que a fé
não se inventa, que a sua origem não é arbitrária, que é um dom, mas oferecido a
todos para que Deus possa fazer a sua casa em toda a alma humana.
Paul Evdokimov, “I. L’amour fou de Dieu et le mystére de son silence”, L’amour fou de Dieu, Paris, Seuil,
1973, p. 30.
Pela via negativa, os Padres ensinam que Deus é incomparável no sentido absoluto,
nenhum nome pode exprimi-lo adequadamente. (...)
A teologia positiva clássica não é desvalorizada mas colocada perante os seus
próprios limites. Esta aplica-se somente aos atributos revelados, manifestações de
Deus no mundo, traduzindo-os num modo inteligível, mas estas traduções
permanecem sempre expressões codificadas, simbólicas, porque a realidade de
Deus é absolutamente original, transcendente e irredutível a todo o sistema de
pensamento. Em torno do abismo abissal de Deus, o coro flamejante de querubins
traçou um círculo incontornável de silêncio."
Paul Evdokimov, L amour fou de Dieu, Paris, Seuil, 1973, p. 26.
É inútil determo-nos nas inúmeras passagens das obras alemãs e latinas de Maistre
Eckhart onde se insiste sobre a inefabilidade divina, declarando que Deus é
«indizível» (unsprechlich), que ninguém pode chegar a falar Dele, porque Ele está
«para além de qualquer nome» (über alle namem), Ele é sem nome (sunder namen,
namelôs). Nós não poderemos encontrar-Lhe um nome que lhe convenha e isso
seria rebaixar Deus de querer dar-lhe um nome. Deus é uma «negação de todos os
nomes» (ein logenung aller namen).
Vladimir Lossky, Théologie Négative et Connaissance de Dieu chez Maître Eckhart, Paris, Vrin, 1973, p.
13.
Mística
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O que resta, então, ao homem?
Quando o homem se sente incapacitado
cego , surdo e mudo perante a
Transcendência surge, finalmente, a
mística. É o único caminho que nos resta
para uma possível aproximação de Deus.
Na sua etimologia, a palavra mística
provém do grego mystikos e da
expressão mu que significa este fechar
os olhos e a boca, um encerramento dos
sentidos exteriores e a procura de um outro
caminho, de uma visão interior que
permita aceder a um outro patamar de
consciência.
Johann Heinrich Füssli, Silêncio, 1799.
Mística Russa
Designamos de mística a experiência interior, que permite atingir o mundo
espiritual, divino; dá-se também este nome à uma concepção interior (e não apenas
exterior) do nosso mundo natural.
Para que a mística seja possível é necessário que o homem tenha uma capacidade
especial de concepção imediatamente supra-racional e supra-sensível, a capacidade
de uma concepção intuitiva, que chamamos precisamente mística . Deve-se
distinguir entre esta concepção e o estado de alma que se limita ao domínio
subjectivo - o psicologismo . Pelo contrário, a experiência mística tem um
carácter objectivo; supõe uma saída de si-mesmo e que haja um contacto ou um
reencontro espiritual .
Sergei Boulgakov, L’orthodoxie, Paris, Felix Alcan, 1932, p. 203.
Teologia Mística
A tradição oriental nunca distinguiu claramente entre mística e teologia, entre a
experiência pessoal dos mistérios divinos e o dogma confessado pela Igreja.
Nunca conheceu nem divórcio entre a teologia e a espiritualidade, nem a devotio
moderna . Se a experiência mística vive o conteúdo da fé comum, a teologia
ordena-o e sistematiza-o. Assim, a vida de todo o fiel é estruturada pelo elemento
dogmático da liturgia e a doutrina relata a experiência íntima da Verdade revelada e
oferecida a todos.
A teologia é mística e a vida mística é teológica, este é o concílio da teologia,
teologia por excelência, contemplação da Trindade.
Paul Evdokimov, “II. L’Expérience mystique”, L’amour fou de Dieu, Paris, Seuil, 1973, p. 41.
A Neopatrística Russa
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Esta questão da Teologia Mística, cujo precursor foi Pseudo-Dioniso, será muito defendida
pelo teólogo russo Vladimir Lossky, que escreveu uma obra intitulada Théologie mystique de
l'église d'orient e também outra obra muito conhecida Théologie Négative et Connaissance de
Dieu chez Maître Eckhart), e ambas realizam uma análise e uma exegese, uma interpretação
aprofundada da tradição ortodoxa, onde se valorizam místicos como Pseudo-Dionisio o
Areopagita, S. Gregório de Nissa, S. Gregório Nanzianzeno e S. Basílio, Maistre Eckhart,
entre outros.
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Segundo Lossky, a tradição ortodoxa aproximava-se mais dos evangelhos cristãos, visto que
na filosofia ocidental alguns dos significados primordiais de conceitos gregos, teriam sido
deturpados ou, pelo menos, mal traduzidos, perdendo, assim, a sua força e significado
originário. Portanto, as principais expressões de significado metafísico e místico tais como
ousia, hypostasis, theosis e theoria, fundamentais na compreensão, por exemplo, da filosofia
de Platão, Aristóteles, do neoplatonismo e dos primeiros evangelhos cristãos, precisam de ser
analisadas em conformidade com a sua verdadeira origem, sem mal-entendidos e erros
hermenêuticos.
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A obra de Lossky irá, assim, constituir-se como uma espécie de neopatrística , na medida em
que vai tentar interpretar o Cristianismo mediante conceitos tirados da filosofia grega, para
assim o ligar à Antiguidade e, por outro lado, reconduzir o significado da filosofia grega ao
próprio Cristianismo. Portanto, uma junção entre o Cristianismo e a herança grega.
Philocalia – O amor da beleza
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É muito difícil falar sobre a mística russa, porque ela se baseia na vida e no
exemplo de vida dos monges e dos chamados Padres do Deserto que, tal como
Cristo, não deixaram nada escrito. O seu testemunho era um testemunho de vida e
restam apenas algumas frases soltas ou pensamentos, um bocado obscuros e difíceis
de compreender por um leigo, mas que provavelmente serão compreendidos por
todo aquele que envereda por um caminho de ascese, de purificação espiritual.
Estes pensamentos não eram da ordem intelectual ou racional, mas funcionavam
como as parábolas bíblicas, pequenos conselhos e orientações para quem deseja ter
um encontro místico com Deus.
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O livro clássico da ortodoxia cristã é a Philocalia, que significa amor pela beleza, e
contém uma colectânea de textos de místicos e ascetas, onde se inclui o chamado
movimento do Hesicasmo e a oração do coração, que será a oração típica da
ortodoxia.
Philocalia – O amor da beleza
Padres e Místicos da Igreja Oriental
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Evágrio Pôntico
Diácono de Fótico
Marcos, o Eremita
Isaac de Nínive
São João Clímaco
Máximo, o Confessor
Simeon, o Novo Teólogo
Santo Atanásio de Alexandria
Clemente de Alexandria
São João Crisóstomo
São Gregório de Palamas
São Gregório Nazianzeno
São Gregório de Nissa
São Basílio de Cesareia
São João Damasceno
Catedral de São Basílio em Moscovo
O Hesicasmo
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São João Clímaco (muitas vezes chamado como São João da Escada) escreveu uma
obra intitulada A Escada Espiritual onde descreve as características do Hesicasmo.
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Tal como a palavra indica hesicasmo provém de hesychia que significa a na procura
da pureza espiritual, na tranquilidade e no silêncio.
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A tradição dos antigos Padres do Deserto, do hesicasmo, dos monges do monte
Athos relata-nos a experiência mística de homens que viviam em ermidas, locais
isolados onde pudessem dedicar-se à meditação, e transmitiam os seus
ensinamentos num regime de mestre e discípulo.
Relatos de um Peregrino Russo ao seu Pai Espiritual
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Surgiu, nesta época, uma obra de monge anónimo do século XIX, intitulada Relatos
de um peregrino russo ao seu pai espiritual que se baseia essencialmente na
chamada oração do coração , exprimindo uma tentativa de encontrar Deus na
simplicidade e na quietude da alma orante.
• 
Esta via espiritual, via do monge, caracteriza-se pelo ascetismo, a procura das
virtudes e de uma purificação e aperfeiçoamento moral, e traduz-se numa vida
contemplativa.
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Um percurso que será tipicamente oriental, na medida em que a grande escolástica
valorizou sobretudo a construção da fides na sua relação com a ratio, um saber que
se constrói intelectualmente e de modo erudito, e que se deve, em parte, ao desejo
de domínio e de controlo das faculdades racionais e ao predomínio da linguagem no
ocidentalismo cristão.
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Faltava ainda explorar, no âmbito da vida mística, o percurso devocional puro que
será cultivado na Igreja Ortodoxa pelos monges, mas que já estava, de algum modo,
presente no estoicismo no seu ideal de ataraxia e no anulamento das paixões.
Monte Athos
O Monte Athos que significa Montanha
Santa fica localizado numa península
grega e é habitada por monges ortodoxos
que levam uma vida de exclusão, afastados
do mundo e dedicados exclusivamente a
uma vida contemplativa de oração.
Esta montanha tem sido habitada por
muitos místicos e mestres espirituais, cujos
ensinamentos ficaram registados na
Philocalia.
São Silvano do Monte Athos
A mística ortodoxa é sem imagens, sem também a via que a leva, ou seja, a oração
e a meditação; essas não devem levar a representar Deus pelos nossos meios
humanos, a menos que Deus em si mesmo provoque as imagens no homem.
Em conformidade com este carácter da mística ortodoxa, o meio mais importante
do caminho de orações é o Nome de Deus, invocado na oração.
Sergei Boulgakov, L’Orthodoxie, p. 205.
Oração do Coração, Oração de Jesus, Invocação Incessante do Nome de Jesus
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A Oração do Coração surgiu na Rússia por volta do século XIV e São Sérgio, o fundador do
monaquismo russo, praticava esta forma de oração, assim como seus discípulos, tais como Niil
da Sora e Paisij Velitchkovsky que a difundiu no século XVIII.
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Esta prática remonta à tradição dos padres bizantinos Gregório Palamas, Simeón o Novo
Teólogo, Máximo o Confessor, e Diadoco de Fotice, assim como os Padres do Deserto dos
primeiros séculos, Macário e Evágrio. Alguns chegam a vincular esta Oração aos próprios
Apóstolos, seguindo a exortação de São Paulo aos cristãos gnósticos de orar sem cessar".
(Tes. I, 1: 17); "Fazei a todo tempo, mediante o Espírito, toda classe de orações..." (Ef. 6:18);
e "... é necessário orar sempre sem descanso" (Luc. 18:1).
• 
Esta tradição espiritual difundiu-se sobretudo nos mosteiros do Sinai a partir do século XV, e
no Monte Athos, especialmente no século XIV. Desde fins do século XVIII expandiu-se fora
dos mosteiros graças à Philocalia, publicada em 1782 por um monge grego, Nicodemo o
Hagiorita, e editada em russo pouco depois, por Velitchkovsky. Outra obra mais recente,
Relatos de um Peregrino Russo, popularizaram esta oração já nos finais do século XIX.
Esse livro está extensamente difundido por toda a Rússia.
•  Como se pratica a Oração do Coração?
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Recitando atentamente e invocando o nome de Jesus, dizendo de modo ininterrupto:
Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim .
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O monge permanece numa postura orante sentado, de pé ou deitado, retendo a
respiração, na medida do possível, para não respirar demasiadamente. Invoca o
Nome de Jesus com um desejo fervoroso e pacientemente, abandonando todo
pensamento...
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A hesychia consiste em buscar Cristo no nosso coração, ou seja, guardar o coração
na oração e purificar-se dos maus espíritos, que estão nos pensamentos, encerrando
o espírito no coração. A invocação de Cristo sem cessar e sem distracções dissipa
os maus pensamentos e os demónios.
A Oração do Coração
A oração de Jesus segundo os testemunhos dos ascetas ( hesicastas ) possui três
aspectos ou graus.
Primeiro, é a oração oral: faz-se, então, um esforço para ter constantemente na boca
e no espírito a oração de Jesus (…) É muito difícil, neste grau, fazer a oração de
Jesus durante muito tempo e, na medida do possível, constantemente; trata-se de um
trabalho penoso, um esforço, que parece sem nenhuma recompensa.
No segundo grau, a oração de Jesus torna-se mental ou psíquica. A inteligência
começa a entrar nesta oração, incessantemente repetida, e concentra-se em Cristo,
que aqui está escondido. Então, a inteligência liberta-se dos seus erros contínuos e
permanece na câmara interior da meditação sobre Deus. Aqui existe já o
pressentimento da doçura do Nome de Jesus.
Por último, o terceiro e supremo grau da acção espiritual (assim se nomeia a
oração de Jesus) que se realiza no espírito ou no coração. A oração penetra no ser
interior do homem que, todo maravilhado, se vê transportado na luz divina.
Sergei Boulgakov, L’Orthodoxie, pp. 206 – 207.
BIBLIOGRAFIA
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A.A.V.V., Ditos e Feitos dos Padres do Deserto, trad. Armando Carvalho, Lisboa, Assírio & Alvim, 2003,
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LOSSKY, Vladimir, Théologie Négative et Connaissance de Dieu chez Maître Eckhart, Paris, Vrin, 1973,
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SPIDLIK, Tomás, L’idea russa - Un’altra visione dell’uomo, Roma, Lipa Edizione, 1995,
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