Portugal e EUA estudam criação de base espacial no aeroporto das

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Portugal e EUA estudam criação de base espacial no aeroporto das
ID: 65021939
25-06-2016
Tiragem: 94600
Pág: 19
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 28,20 x 44,50 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 1
CIÊNCIA
Portugal e EUA estudam criação
de base espacial no aeroporto das Lajes
Centro internacional de investigação para o clima, energia, espaço e oceanos vai nascer nos Açores em 2017
QUATRO PERGUNTAS A
Manuel Heitor
FOTO TIAGO MIRANDA
Ministro da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior
A criação de uma base espacial
no Aeroporto Internacional das
Lajes, na ilha Terceira, onde
possam ser feitos lançamentos low cost de foguetões com
microsatélites e grandes constelações de satélites, está a ser
estudada pelo Ministério da
Ciência, governo regional dos
Açores, NASA, agência americana de meteorologia e oceanos (NOAA), Departamento de
Energia dos EUA, dez universidades portuguesas e americanas e várias empresas.
A base espacial é a principal
componente do projeto de instalação de um grande centro
de investigação internacional
nos Açores, que começou a
ser publicamente discutido a
10 de junho nas celebrações
do Dia de Portugal em Nova
Iorque, numa conferência que
reuniu responsáveis de todas
estas instituições e empresas.
E que vai continuar com novas
conferências a 27 de junho na
Universidade dos Açores, em
Ponta Delgada, a 4 de julho em
Lisboa, a 19 de setembro em
Bruxelas e em novembro e dezembro em três universidades
americanas que têm parcerias
com Portugal: o MIT (Instituto
de Tecnologia de Massachusetts) e as universidades do Texas
em Austin e Carnegie Mellon.
O centro de investigação vai
chamar-se AIR Center (Azores
International Research Center)
e o objetivo é desenvolvê-lo em
infraestruturas já existentes
no arquipélago dos Açores,
como o aeroporto das Lajes, as
instalações de medição da radiação atmosférica do Departamento de Energia do Governo
dos EUA na ilha Graciosa ou o
Departamento de Oceanografia e Pesca (DOP) da Universidade dos Açores na ilha do
Faial. Note-se que os Açores
acolhem também estações da
Rede Atlântica de Estações Geodinâmicas Espaciais nas ilhas
das Flores e de Santa Maria, a
Estação de Rastreio de Satélites da Agência Espacial Europeia (ESA) e a Estação Sensor
Galileu (o GPS europeu), igualmente em Santa Maria.
“A evolução da tecnologia
tem sido muito rápida e permitiu democratizar o acesso ao
espaço”, afirma ao Expresso
o ministro da Ciência. Manuel
Heitor (ver entrevista) recorda que “há cinco anos o lançamento de um satélite custava
no mínimo quatro milhões de
euros e hoje custa apenas 150
mil, enquanto os satélites mais
pequenos pesavam 50kg e hoje
pesam 1kg”. A tendência na indústria é colocar constelações
de satélites no espaço, pelo que
“ter uma base espacial no meio
do Atlântico, numa localização
muito favorável para esse tipo
de lançamentos, é uma grande
vantagem. E o aeroporto das
Lajes tem todas as infraestruturas adequadas e espaço aéreo
livre para acolher uma base de
acesso low cost ao espaço”.
Sete projetos em discussão
Além da base espacial, que
poderá ter o nome de Atlantic
Spaceport, estão em discussão
mais seis projetos (ver caixa).
Um deles é o ASORES, Plano
de Ação para a Sustentabilidade, Proteção Operacional e
Resiliência da Terra e dos Sistemas Espaciais, promovido
pela Fundação para a Ciência
e Tecnologia (FCT), NASA,
ESA, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento
(FLAD) e consórcio empresarial C3P. O outro é a instalação
em São Miguel do centro de
dados da grande antena parabólica de 32 metros do futuro
radiotelescópio SKA, que vai
ser construída na ilha. O SKA,
um projeto global que envolve
mais de 100 instituições de 21
países, incluindo Portugal, terá
uma rede de centenas de milhares de antenas concentradas
principalmente na África do
Sul e na Austrália, e começará
a funcionar em 2023.
PROJETOS AMBICIOSOS
ASORES
Plano de ação para a energia
sustentável, indústrias verdes,
monitorização do ambiente e
da atividade humana no mar
FOTO SPACEX
Virgílio Azevedo
Uma base espacial nas Lajes poderá atrair lançamentos
de satélites por foguetões privados, como o Falcon 9 da
empresa Space X, aqui lançado na Florida (EUA)
Nesta área há ainda um terceiro projeto, a construção de
um radar de rastreio e vigilância do lixo espacial. O boom dos
satélites comerciais, governamentais e militares em todo
o mundo fez crescer para um
milhão o número de objetos em
órbita à volta da Terra, fragmentos de satélites desativados
e de foguetões. Estes objetos
podem chocar com os satélites
ativos, a Estação Espacial Internacional ou qualquer nave
lançada da Terra. E se decaírem
das suas órbitas atuais, muitos
deles não se vão desintegrar
totalmente ao atravessarem a
atmosfera, devido à sua dimensão, podendo atingir qualquer
zona habitada do planeta. Uma
síntese da FCT sobre os sete
projetos sublinha que “os Açores podem tirar partido do seu
reduzido tráfego aéreo e localização geográfica única para
acolherem um radar de rastreio
e vigilância espacial e assegurar
a cobertura permanente sobre
o Atlântico”.
Mas não é só ao espaço que
o futuro AIR Center se poderá
dedicar. Um laboratório no Departamento de Oceanografia
e Pesca da Universidade dos
Açores na cidade da Horta, na
ilha do Faial — o Lab-Horta@
DOP & Cold Water Coral Lab
—, com infraestruturas que per-
mitam a recriação artificial das
condições naturais do ambiente do mar profundo, irá abrir
oportunidades de investigação
nas fontes hidrotermais, ecossistemas, biologia marinha, geologia e oceanografia. Depois,
o modelo de incubação de empresas da ESA que já existe em
Portugal (incubadora em rede
em Coimbra, Porto e Cascais)
pode ser replicado nos Açores,
atraindo capitais privados da
UE e EUA. O documento da
FCT propõe a instalação de um
campus que acolha empresas
inovadoras “de elevado risco e
elevado retorno” (startup).
Fausto Brito e Abreu, secretário do Mar, Ciência e Tecnologia
do governo regional dos Açores,
admite ao Expresso que “a ligação do AIR Center com as
negociações entre Portugal e os
EUA sobre o futuro da Base das
Lajes será óbvia quando se acordarem as compensações para
os Açores, embora os processos
sejam paralelos”. Nesta fase de
discussão do projeto do centro
de investigação internacional no
arquipélago “estamos a tentar
que todo o processo chegue a
um nível de maturação tal, que
se torne irreversível quando
chegar a nova Administração
americana saída das eleições
presidenciais de novembro”.
[email protected]
SUPERTELESCÓPIO SKA
Centro de dados da antena em
São Miguel do futuro
radiotelescópio SKA, que vai
ter centenas de milhares de
antenas, em especial na África
do Sul e Austrália
LIXO ESPACIAL
Radar de rastreio dos detritos
(um milhão) deixados no
espaço por satélites
desativados e foguetões, que
podem danificar satélites
ativos e a Estação Espacial
ATLANTIC SPACEPORT
Base espacial para
lançamentos low cost de
satélites no Aeroporto
Internacional das Lajes, que
tem uma pista de 4000 metros,
infraestruturas adequadas e
espaço aéreo livre
LAB-HORTA@DOP
Laboratório para recriar as
condições naturais do
ambiente do mar profundo
INCUBADORA DA ESA/NASA
Incubadora de empresas
inovadoras seguindo o modelo
das incubadoras da Agência
Espacial Europeia (ESA)
COPERNICUS
Centro de dados do Programa
Europeu de Observação da
Terra provenientes de
sensores, flutuadores, navios e
campanhas oceanográficas
P O projeto de criação de um
grande centro internacional de
investigação nos Açores cruza-se com as negociações entre
Portugal e os EUA sobre o futuro da Base das Lajes?
R É um projeto independente
das negociações da Base das Lajes, que ainda estão a decorrer.
O aeroporto das Lajes pode ser
usado para fins civis sem estar
dependente da agenda do Pentágono, que nós obviamente não
controlamos. A nossa ambição é
interessar os governos dos EUA,
dos Estados-membros da União
Europeia, da Noruega, África do
Sul, Marrocos e outros países que
compreendam o interesse estratégico dos Açores.
P Em todo o caso, o que está
combinado com as autoridades
americanas relativamente às
discussões que vão decorrer
até ao fim do ano sobre o projeto do AIR Center?
R Combinámos com o Governo americano desenvolver um
processo participativo, de baixo
para cima, na discussão e preparação de todo o projeto. Por
isso começámos a realizar uma
série de workshops que envolvem representantes do Departamento de Energia do Governo
dos EUA, da NASA, das universidades que têm parcerias com
Portugal (MIT, Universidade do
Texas em Austin e Universidade
de Carnegie Mellon) e da NOAA
(Administração Nacional dos
Oceanos e Atmosfera), a par dos
representantes de instituições
portuguesas ou europeias. O
primeiro workshop aconteceu
em Nova Iorque a 10 de junho
e estão previstos mais seis: em
Ponta Delgada, Lisboa, Bruxelas
e, depois das eleições presidenciais americanas de novembro,
naquelas três universidades que
têm parcerias com o nosso país.
O objetivo é discutir a cooperação científica multilateral através de uma abordagem integrada que beneficie do ambiente
único oferecido pelos Açores e
pelo oceano Atlântico em termos
de investigação científica.
P Quando vai avançar então o
AIR Center?
R A ideia é montar todo o processo de modo a podermos avançar em 2017 negociando com a
nova Administração americana
saída das eleições presidenciais.
P Mas há um empenhamento
da atual Administração?
R Sim. O secretário da Energia
da Administração americana,
Ernest Moniz, de origem açoriana, tem estado empenhado neste
projeto, que é sólido e sustentável
em termos científicos e económicos. O acesso ao espaço através de
lançadores de satélites de várias
dimensões, a partir de uma base
espacial no aeroporto das Lajes, é
o projeto que tem mais interesse
para as empresas e que pode atrair mais investimento estrangeiro.
Depois, na oceanografia, há toda
a área empresarial da economia
azul, onde podem surgir novas
atividades.

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