visibilidade étnica dos imigrantes do hunsrück em santa catarina

Transcrição

visibilidade étnica dos imigrantes do hunsrück em santa catarina
VISIBILIDADE ÉTNICA DOS
IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM
SANTA CATARINA – BRASIL
(1829-1889)
Toni Jochem∗
Historiador
Onze famílias (...) partiram certo dia, cantando
alegremente,
do
pequeno
lugarejo
de
Löffelscheid, no Hunsrück, para um novo lar. (...).
O Brasil era lembrado como um paraíso na terra.
1
Henrique Schauffler
Um dos aspectos que muito nos chama a atenção no Estado de Santa
Catarina, Sul do Brasil, é o seu multifacetado perfil étnico. Basta ressaltar que nesse
Estado, há a presença da etnia alemã em muitas cidades; em muitas outras, a
presença marcante é a dos italianos; mas, também marcam presença os holandeses,
em Biguaçu; os austríacos, em Treze Tílias; os suíços, na região de Joinville; e, no
Planalto Serrano, os japoneses. Igualmente, mencionam-se os poloneses, presentes
em diversas regiões; os franceses, no Norte do Estado; os letos, na região Sul; os
açorianos, os madeirenses e os portugueses em muitas cidades, notadamente nas do
litoral. Finalmente e do mesmo modo, merecem destaque os belgas na região de
Ilhota, além de muitas outras etnias2, que compõem o citado perfil dos catarinenses.
∗
Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e Mestre em História pela Universidade
Federal de Santa Catarina. O teor desse artigo, sob o mesmo título, foi apresentado pelo seu autor em forma de
palestra no IX° CAAL – Encontro das Comunidades de Fala Alemã da América Latina, realizado na cidade de
Frutillar, no Chile, em novembro de 2011.
1
SCHAUFFLER, Henrique. Da Vida de um Alemão no Brasil. Crônica de Matthias Schmitz. In: Blumenau em
Cadernos, Blumenau, nº 05, 1987, p. 153 e 154.
2
Entre elas citamos: a grega, a libanesa, a bucovina, a pomerana, a húngara, a ucraniana além dos
afrodescendentes e dos indígenas. Esse caldeirão étnico-cultural catarinense, em estudos mais apurados,
poderá revelar à descoberta da presença de outras etnias não citadas no presente trabalho.
1
A convivência entre os descendentes dos diversos ramos étnicos em território
catarinense, é marcadamente pacífica, ordeira e harmoniosa. Trata-se de um
exemplo de integração, digno de ser imitado em outros países como modelo bem
sucedido.
Há mais de 20 anos, temo-nos aplicado ao estudo do perfil étnico catarinense.
Como, evidentemente, não há possibilidade de se investigar todas as etnias em suas
especificidades, elegemos, assim, para o presente trabalho o tema da VISIBILIDADE
ÉTNICA DOS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK EM SANTA CATARINA – BRASIL
(1829 – 1889).
Tencionamos abordar rápidos aspectos da imigração alemã para o Brasil, as
articulações que antecederam e fundamentaram o estabelecimento de diversas
Colônias em Santa Catarina. Destaca-se a atuação dos imigrantes originários da
região do Hunsrück, num recorte cronológico que compreende o período de 1829 a
1889 e se concentra na região da Grande Florianópolis.
Tal período está posto uma vez que o ponto inicial, 1829, é caracterizado pela
fundação da Colônia Alemã São Pedro de Alcântara – a mais antiga de Santa
Catarina; por outro lado, o instante final, 1889, marca o fim do regime imperial, com a
Proclamação da República. Nesse contexto imigratório, tornam-se relevantes certos
aspectos culturais dos imigrantes do Hunsrück, entre as muitas etnias, que tiveram o
Estado de Santa Catarina como destino.
Além disso, nossa pesquisa se situa frente a questões relacionadas ao
conceito de etnicidade e suas consequentes manifestações, especialmente no que
se refere ao sentimento de pertença dos imigrantes. Assim, sempre que for
pertinente, utilizaremos o conceito de etnicidade, sob o entendimento de que “a
forma toma lugar da substância, os aspectos dinâmicos e racionais substituem os
aspectos estatísticos, onde o processo torna-se mais importante do que a
estrutura”3. Em outras palavras, entende-se etnicidade como:
Aquele do estudo dos processos variáveis e nunca terminados pelos quais os
atores identificam-se e são identificados pelos outros na base de
dicotomizações Nós/Eles, estabelecidas a partir de traços culturais que se
supõem derivados de uma origem comum e realçados nas interações
sociais4.
O presente texto é resultado da documentação consultada na tentativa de
apresentar o objeto a que nos propusemos. Desse modo, entendemos que é um
texto ainda em construção, provisório, incompleto e passível de correções e de
críticas. A possibilidade da localização de novos documentos poderá alterar os níveis
de evidências aqui apresentados. Assim, compulsamos as listas de imigrantes,
considerável bibliografia e documentos oficiais – relatórios e falas – dos governantes
da Província de Santa Catarina, para tentar encontrar, de forma objetiva e clara,
citações da presença de imigrantes do Hunsrück e uso do respectivo dialeto em
terras catarinenses, no recorte cronológico de nossa pesquisa.
3
POUTIGNAT, Philippe e STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade. São Paulo: UNESP, 1988, p.
64.
4
POUTIGNAT, Philippe e STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade. São Paulo: UNESP, 1988, p.
141.
2
IMIGRAÇÃO E NÚCLEOS COLONIAIS ALEMÃES
Segundo Handelmann, “o europeu, o lavrador alemão, quando transpõe o
oceano, quer ser o que era no seu país ou o que debalde procurou ser: senhor livre
no seu próprio pedaço de terra”5. Diégues Júnior afirma: “o desejo do imigrante era
possuir terras que pudesse cultivar em seu proveito e benefício”6. Assim, “não foi de
admirar que muita gente se aprontou para ir ao encontro da felicidade. A maior parte
dessa gente era dos que nada tinham a perder em sua pátria”7, diz em seu diário o
imigrante Matthias Schmitz, que emigrou do Hunsrück para o Brasil em 1846.
Os alemães eram considerados bons agricultores, o que fazia deles pessoas
ideais, aos olhos do governo imperial brasileiro, para povoar vazios demográficos, de
população branca, no regime da pequena propriedade rural. Em Santa Catarina,
essa política imperial resultou na fundação de diversas colônias (veja tabela 1), entre
elas São Pedro de Alcântara, Vargem Grande, Santa Isabel, Piedade, Teresópolis e
Angelina, localizadas na grande Florianópolis.
TABELA 1 – RELAÇÃO DOS PRINCIPAIS NÚCLEOS DE COLONIZAÇÃO ALEMÃ
FUNDADOS NO PERÍODO DE 1829 A 1889 EM SANTA CATARINA
Nº
NOME DA
COLÔNIA
EXTENSÕES
OU SUBDIVISÕES
DA COLÔNIA
REGIÃO
POLARIZADA
FUNDADOR
DATA/ANO
DA
FUNDAÇÃO
CIDADE/MUNICÍPIO
01
São Pedro
de Alcântara
Sede de
Colônia
Grande
Florianópolis
Governo
Provincial/Imperial
01/03/1829
São Pedro de Alcântara
02
São Pedro
de Alcântara
Santa
Filomena
Grande
Florianópolis
Núcleo Espontâneo
1830
São Pedro de Alcântara
03
São Pedro
de Alcântara
Itajaí
Médio Vale do
Itajaí
Governo Provincial
05/05/1835
Gaspar
04
São Pedro
de Alcântara
Vargem
Grande
Grande
Florianópolis
Núcleo Espontâneo
1837
Águas Mornas
05
São Pedro
de Alcântara
Leopoldina
Grande
Florianópolis
Seridan Telghuís
1848
Antônio Carlos
06
Santa Isabel
Sede de
Colônia
Grande
Florianópolis
Governo
Provincial//Imperial
1847
Águas Mornas e Rancho
Queimado
07
Piedade
Sede de
Colônia
Grande
Florianópolis
Governo
Provincial/Imperial
1847
Governador Celso Ramos
08
Blumenau
Sede de
Colônia
Médio Vale do
Itajaí
Hermann Blumenau
02/09/1850
Blumenau e Região
09
Blumenau
Rio do Testo
Médio Vale do
Itajaí
Núcleo Espontâneo
1860?
Pomerode
10
Blumenau
Indaial
Médio Vale do
Itajaí
Núcleo Espontâneo
1866
Indaial
5
HANDELMANN, Heinrich. História do Brasil. São Paulo: Melhoramentos; Brasília: INL, Tomo II, 1978, p. 346.
DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Etnias e Culturas no Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980, p. 128.
Grifo meu.
7
SCHAUFFLER, Henrique. Da Vida de um Alemão no Brasil. Crônica de Matthias Schmitz. In: Blumenau em
Cadernos, Blumenau, Tomo VII, nº 12, 1966, p. 229. Há duas traduções dessa crônica: uma publicada em 1966
e outra em 1987.
6
3
11
Blumenau
Benedito –
Timbó
Médio Vale do
Itajaí
Friedrich Donner
1869
Timbó
12
Dona
Francisca
Sede de
Colônia
Nordeste
Catarinense
Sociedade
Colonizadora de
Hamburgo
09/03/1851
Joinville e Região
13
Dona
Francisca
Jaraguá
Vale do Itapocu
Emílio Carlos Jourdain
1876
Jaraguá do Sul
14
Dona
Francisca
São Bento do
Sul
Alto Rio Negro
Sociedade
Hamburguesa de
Colonização
1873
São Bento do Sul
15
Col. Militar
Santa
Teresa
Sede de
Colônia
Rio do Itajaí do
Sul
Governo
Provincial/Imperial
08/11/1853
Alfredo Wagner
16
Itajahy
(Brusque)
Sede de
Colônia
Vale do Itajaí
Mirim
Governo
Provincial/Imperial
04/08/1860
Brusque e Guabiruba
17
Teresópolis
Sede de
Colônia
Grande
Florianópolis
Governo
Provincial/Imperial
03/06/1860
Águas Mornas e São
Bonifácio
18
Teresópolis
Quadro Braço
do Norte
Vale do Rio
Tubarão
Núcleo Espontâneo
1873
São Ludgero e Região
19
Col. Nacional
Angelina
Sede de
Colônia
Grande
Florianópolis
Governo Provincial
10/12/1860
Angelina
20
Grão-Pará
---------------
Vale do Rio
Tubarão
Joaquim Caetano
Pinto Júnior
02/12/1882
Grão-Pará
A presente relação não esgota o rol dos núcleos, extensões ou subdivisões de Colônias Alemãs fundadas no
período de 1829 a 1889 no Estado de Santa Catarina. Um estudo mais acurado poderá complementar a
presente tabela. Informamos ao leitor que em algumas dessas Colônias (Santa Teresa e Angelina) os
imigrantes alemães eram minoria.
ESTATÍSTICAS DA IMIGRAÇÃO
Não fomos bem sucedidos na localização de dados estatísticos sobre a
imigração no recorte cronológico de nosso objeto de pesquisa: 1829-1889. Assim,
tivemos que nos reportar a outros parâmetros cronológicos para melhor entender o
presente estudo. Deste modo, segundo Viotti da Costa, entre 1819 e 1856, saíram
dos Estados Alemães 1.799.853 emigrantes, dos quais mais de 1.200.000 com
destino aos Estados Unidos da América8. Os demais se fixaram em outros países,
entre eles o Brasil. Obedecendo a uma ordem cronológica, é possível afirmar que, no
período compreendido entre os anos de 1815 e 1914, cerca de 60 milhões de
pessoas se deslocaram pelo mundo. Desse contingente, cinco milhões podiam ser
identificadas como alemães.
A partir do que diz João Klug, pode-se afirmar que o sudoeste da
Alemanha foi uma das regiões que mais disponibilizaram imigrantes, “as condições
econômicas e sociais, a localização às margens do Reno, facilitava o acesso aos
portos transatlânticos”9. No Palatinado e em outras regiões, “de cada colheita má,
(...), a fome forçava milhares de sitiantes alemães a emigrarem”10.
8
COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à Colônia. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1966, p. 77.
KLUG, João. Imigração e Luteranismo em Santa Catarina. Florianópolis: Papa-Livro, 1994, p. 27.
10
WILLEMS, Emílio. A Aculturação dos Alemães no Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1946, p. 55.
9
4
À época, ainda não existia a Alemanha enquanto um Estado moderno.
Portanto, alguém que viesse de Luxemburgo, Áustria, Suíça ou de outros países nas
imediações, os quais faziam uso do idioma alemão, era computado, nessa
estatística, como alemão. Destarte, alemães eram todos aqueles que faziam uso do
idioma alemão ou que integrasse a Confederação dos Estados Alemães11 da Liga
Setentrional Alemã12 (1866-1871), dos Estados Meridionais Alemães (1866-1871),
do Império Austro-Húngaro (1867-1918), do Império Alemão (1871-1918).
O Brasil recebeu cerca de 235 mil13 alemães, ou melhor, 235 mil imigrantes
que faziam uso do idioma alemão. Mas não há consenso em torno desse número.
Em Santa Catarina, eles se estabeleceram exatamente nos pontos demarcados no
mapa (mapa 1), a partir de 1829. Por outro lado, pergunta-se: “Quantos imigrantes o
Estado de Santa Catarina recebeu?” Não há estatística sobre esse aspecto. Para
1870, há a citação de que Santa Catarina havia recebido “mais de 18.000 alemães,
vindos a título de colonos”14. Em 1876, as Colônias de Dona Francisca, Blumenau,
Brusque, Príncipe Dom Pedro, Angelina, Teresópolis e Santa Isabel tinham uma
população que passa dos 20.000 habitantes, “em sua maior parte de origem
germânica”15.
A maioria absoluta dos imigrantes de língua alemã instalados em Santa
Catarina era originária da Confederação dos Estados Alemães, cuja instituição
política tinha atribuições muito limitadas, cabia-lhe apenas decidir sobre os
problemas comuns aos Estados que a compunham, cabendo-lhes a execução das
resoluções tomadas pelo poder central denominado Bundestag16. Diante deste
complexo mosaico político-administrativo-cultural, os imigrantes originários dos
Estados Alemães até 1870, e depois do Reich e do Império Austro-Húngaro eram
denominados, no Brasil, “alemães”.
LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA
11
A composição da Confederação dos Estados Alemães foi estabelecida em 1815 pelo Congresso de Viena,
entre os soberanos dos estados alemães, o imperador da Áustria e os reis da Dinamarca e dos Países Baixos;
vigorou até 1866. Em seus aspectos político-geográficos era muito diversificada. Além da Áustria, dela
participaram os reinos da Prússia, Baviera, Württemberg, Hannover (sob o domínio do rei da Inglaterra) e
Saxônia; os Grão-Ducados Mecklemburg-Schwering-Strelitz, Oldenburg, Hesse-Darmstadt, Saxe-Weimar e
Baden; o eleitorado de Hesse-Kassel; os ducados de Brunswick, Nassau, Anhalt-Dessau-Bernburg-Göthen,
Saxe-Koburg-Gotha, Saxen-Meiningen-Altenburg-Hildburghausen e Holstein (sob o domínio do rei da
Dinamarca); os Países-Baixos (sob a jurisdição do Gran-Duque de Luxemburgo); as quatro cidades-livres de
Frankfurt/Meno, Bremen, Hamburgo e Lübeck, além de um grande número de pequenos principados
independentes. SEYFERTH, Giralda. A Colonização Alemã no Vale do Itajaí Mirim. Porto Alegre: Movimento,
1974, p. 18, e MEYER KONVERSATIONS-LEXIKON. Leipzig u. Wien, Bibliographisches Institut, 1895, p. 829,
apud CUNHA, Jorge Luiz da. Os Colonos Alemães e a Fumicultura. Santa Cruz do Sul: Gráfica Léo Quatke,
1987, p. 18.
12
União política dos Estados Alemães localizados ao norte do Rio Meno, criada com a dissolução da
Confederação dos Estados Alemães, em 1866.
13
Sobre esse tema consulte: CUNHA, Jorge Luiz da. Alemães Emigrantes: As Causas. JOCHEM, Toni Vidal
(Org.). São Pedro de Alcântara – Aspectos de sua História. São Pedro de Alcântara: Coordenação dos
Festejos, 1999, p. 17.
14
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório apresentado pelo segundo vice-presidente da Província de
Santa Catarina ao seu Presidente, em 03 de Janeiro de 1870. Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1870, p. 15.
15
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala com que o Exmo. Sr. Dr. João Capistrano Bandeira de Mello
Filho abriu a 1ª sessão da 21ª legislatura da Assembleia Legislativa da Província de Santa Catarina em 01 de
março de 1876. Cidade do Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1876, p. 81.
16
WEIMER, Günter. Arquitetura da Imigração Alemã. Porto Alegre: Ed. da UFRGS & São Paulo: Nobel, 1983,
p. 22.
5
Abaixo (mapa 1), pode-se visualizar a localização geográfica das colônias
alemãs, fundadas no Estado catarinense, a partir de São Pedro de Alcântara.
MAPA 1 – Localização de colônias alemãs em Santa Catarina. ENTRES, Gottfried. Gedenkbuch zur
Jahrhundert-Feier deutscher Einwanderung in Santa Catharina. Florianópolis: Livraria Central, 1929, p. 104v.
Uma significativa parte dos imigrantes estabelecidos em Santa Catarina era
originária da região do Hunsrück (mapa 2) na Alemanha (mapa 3), assim como os
primeiros imigrantes estabelecidos na Colônia Rio Negro, na divisa do Estado do
Paraná com o de Santa Catarina (mapas 4 e 5). Tudo indica que as Colônias Santa
Isabel e Piedade foram fundadas em 1847, com a maioria de seus imigrantes
procedentes do Hunsrück.
6
MAPA 2 – Mapa da Região do Hunsrück, no Estado da Renânia-Palatinado, na Alemanha. Imagem
disponível na Internet – Acesso em 10 nov 2011.
O Hunsrück é uma região geográfica com predominância de montanhas
baixas, localizada no Estado da Renânia-Palatinado, no sudoeste da Alemanha. A
região, situada junto às fronteiras com a França e Luxemburgo, fica bem próxima à
cidade de Frankfurt e é delimitada pelos vales dos rios Mosela, Nahe, Reno e Saar.
Como é uma região cercada de rios podemos, concluir que suas margens oferecem
terras mais férteis e, dessa forma, seriam mais densamente povoadas. Hoje algumas
das cidades mais conhecidas da região serrana do Hunsrück são: Simmern,
Kirchberg, Idar-Oberstein, Kastellaun e Morbach.
7
MAPA 3 – Localização do Estado da Renânia-Palatinado, na Alemanha. Imagem disponível na Internet
– Acesso em 10 nov 2011.
PRESENÇA DOS IMIGRANTES DA
REGIÃO DO HUSRÜCK
Descendentes de imigrantes do Hunsrück estão presente em diversas
colônias de Santa Catarina, notadamente nas localizadas nas imediações da capital,
Desterro, atual Florianópolis, como se pode observar nos mapas 4 e 5 e nos textos
sobre diversas colônias abaixo mencionados:
8
MAPA 4 – Mapa das Colônias na Província de Santa Catarina e do Paraná em 1866. Fonte: GALVÃO, Ignácio da
Cunha. Relatório sobre as Colônias de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Rio de Janeiro: Tipografia de J.
L. da Silva, 1866, anexo.
9
MAPA 5 – Recorte do Mapa das Colônias na Província de Santa Catarina em 1866. Fonte: GALVÃO, Ignácio da
Cunha. Relatório sobre as Colônias de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Rio de Janeiro: Tipografia de J.
L. da Silva, 1866, anexo.
COLÔNIA SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA – Em novembro de 1828,
respectivamente, nos dias 07 e 12, após longa travessia do Atlântico e passagem
pelo Rio de Janeiro, então capital imperial, chegaram à cidade do Desterro – hoje
Florianópolis – o brigue Luiza e o bergantim Marquês de Viana – com 146 famílias.
Estes veleiros traziam a bordo 635 imigrantes, entre agricultores, artesãos e
soldados, em sua maioria provenientes da Região do Hunsrück17 e imediações, hoje
Estado da Renânia-Palatinado, na Alemanha. Piazza afirma que os imigrantes eram
“provenientes de Bremem”18, mas salientamos que esta informação se refere tão
somente à cidade cujo porto de embarque foi utilizado pelos imigrantes. Já para
Wappäus, “a maioria católicos é das regiões do Reno”19. Assim, em 01 de março de
1829, é fundada a Colônia São Pedro de Alcântara, em Santa Catarina, baseada na
concessão de pequena propriedade.
Mas, no ano seguinte, o parlamento brasileiro reagiu contra o interesse do
poder executivo de promover a colonização através da concessão de pequena
propriedade e, com a Lei de Orçamento de 15 de dezembro de 1830, suprimiu as
dotações orçamentárias relativas à colonização estrangeira para o ano seguinte,
paralisando-a. Depois da Lei de Orçamento e sem dotações orçamentárias, a
17
KLUG, João. Imigração e Luteranismo em Santa Catarina. Florianópolis: Papa-Livro, 1994, p. 34.
PIAZZA, Walter Fernando. A Colonização de Santa Catarina. Florianópolis: Lunardelli, 1994, p. 93.
19
WAPPÄUS, Johann Eduard. Santa Catarina Segundo Wappäus. S/l: Comissão Nacional de História, 1958, p.
32.
18
10
Colônia São Pedro de Alcântara ficou sem investimentos por parte do governo
constituído, o que impediu, ou não viabilizou, o desejável desenvolvimento daquele
núcleo colonial. Com a instalação da Regência, após a abdicação de Dom Pedro I, a
colonização não mereceu destaques e a Colônia São Pedro de Alcântara continuou
esquecida pelos órgãos oficiais. Segundo Lallemant, que visitou a Colônia em 1858,
das famílias nela instaladas “nenhuma delas tem a menor razão de ufanar-se
daqueles tempos e condições”20. Segundo Paiva, os imigrantes eram “homens
sumamente francos (...) e estimam a prosperidade do lugar em que habitam”21.
COLÔNIA RIO NEGRO – Em fevereiro de 1829, fundaram a Colônia Rio
Negro, no Estado do Paraná, as 20 primeiras famílias alemãs, vindas de Trier,
cidade do vale do Mosela, contígua à região do Hunsrück. Entres afirma que os
imigrantes eram “naturais de Trier”22. Essas famílias, segundo Fugmann, “falavam o
seu dialeto do Reno”23. Geograficamente, Rio Negro é vizinho da cidade de Mafra,
no Estado de Santa Catarina, por onde se expandiu a referida Colônia que,
inicialmente, foi composta por sessenta pessoas, formando 12 famílias. Em
novembro de 1829, chegam mais 17 famílias com 79 imigrantes24.
COLÔNIA SANTA ISABEL – Fundada em 1847 por imigrantes recémchegados da Alemanha, a Colônia Santa Isabel foi composta, em sua maioria, por
agricultores e provenientes da região do Hunsrück, no atual Estado da RenâniaPalatinado. Segundo Stoer, “em 1847 chegaram 256 imigrantes do Hunsrück” 25 para
fundar a Colônia. Das famílias que fundaram a Colônia, conta Mathias Schmitz:
“onze famílias (...) partiram certo dia, cantando alegremente, do pequeno lugarejo de
Löffelscheid no Hunsrück, para um novo lar”26. Ainda segundo a mesma fonte,
“muitos dos emigrantes derramaram lágrimas amargas ao se despedir de parentes e
amigos, pois era um adeus para sempre”27. É interessante observar que o
mencionado lugarejo de Löffelscheid, no Hunsrück, teve sua denominação
transposta e atribuída a uma das linhas da Colônia Santa Isabel. Esse fato se dá
porque “a maior parte desses imigrantes era originária da região de Löffelscheid, que
naquele tempo não passava de uma pequena aldeia do Hunsrück”28.
Observe-se que o texto acima menciona que “a maior parte” da população era
originária da Löffelscheid; entretanto, não cita quais famílias de lá procedem. Como
20
AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagens pelo Sul do Brasil no ano de 1858. Rio de Janeiro: INL, 1953, p. 133.
PAIVA, Joaquim Gomes de Oliveira. Memória Histórica sobre a Colônia Alemã de São Pedro de Alcântara.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo X. Rio de Janeiro: Tipografia de João Ignácio da
Silva, 1870, p. 515 e 517.
22
ENTRES, Gottfried. Livro de Memórias em Comemoração aos 100 Anos da Imigração Alemã no Estado
de Santa Catarina. Blumenau: Nova Letra, 2009, p. 71.
23
FUGMANN, Wilhelm. Os Alemães no Paraná. Ponta Grossa: Ed. UEPG, 2008, p. 32.
24
Para mais informações confira: CELESTINO, Ayrton Gonçalves. Os Bucovinos do Brasil... e a História de
Rio Negro. Curitiba: Torre de Papel, 2002, p. 105ss. Confira também: PINTO, Divinamir de Oliveira. 175 Anos
da Imigração Alemã para Rio Negro: Os Pioneiros no Paraná. Mafra: Nosde, 2007 e FUGMANN, Wilhelm. Os
Alemães no Paraná. Ponta Grossa: Ed. UEPG, 2008.
25
STOER, Hermann. Chronik der Pfarrgemeinde Santa Isabel der ältesten deutsch-evangelischen Siedlung
in Santa Catarina. S/l. S/d, p. 4.
26
SCHAUFFLER, Henrique. Da Vida de um Alemão no Brasil. Crônica de Matthias Schmitz. In: Blumenau em
Cadernos, Blumenau, nº 05, 1987, p. 153.
27
SCHAUFFLER, Henrique. Da Vida de um Alemão no Brasil. Crônica de Matthias Schmitz. In: Blumenau em
Cadernos, Blumenau, nº 05, 1987, p. 153.
28
SCHADEN, Francisco. Notas Para a História da Localidade de Löffelscheidt. São Bonifácio: S/e, 1946, p.
10. Interessante observar que na grafia da denominação da localidade no Brasil se faz constar a letra “t” no seu
final, o que não ocorre na da Alemanha.
21
11
vimos, há uma localidade denominada de Löffelscheid no Antigo e no Novo Mundo
conforme podemos observar nas placas indicativas abaixo:
Placas indicativas das localidades de Löffelscheid, no Hunsrück, na Alemanha e na Colônia Santa Isabel, em
Santa Catarina, no Brasil. Fotografias, respectivamente, de 1999 e de 2011.
Segundo Tschudi, que escreve em 1861, esses imigrantes “foram
abandonados ao próprio destino. (...). A Colônia nunca teve um diretor. Os colonos
lutaram nos primeiros anos com inefáveis dificuldades e alguns ficaram até
desencorajados”29.
Infelizmente as terras não eram muito férteis; esse fato fez com que alguns
imigrantes optassem pela migração para outros núcleos coloniais ou para cidades
nas imediações.
Inicialmente, além da sede da Colônia, localizada num terreno
excessivamente montanhoso e impróprio para a agricultura, foram fundadas e
povoadas as linhas coloniais de Löffelscheidt e Primeira Linha. Mas, em 1860, o
governo resolveu remeter novos imigrantes para a Colônia, a qual, desde 1851,
crescia apenas pelo desenvolvimento interno de sua população, sem receber novos
imigrantes. Assim, o núcleo foi ampliado e submetido ao regime colonial com a
chegada de novos contingentes, muitos dos quais oriundos da Baviera, Pomerânia,
Holstein, Oldenburgo, Birkenfeld e Hamburgo30 ou, ainda, da Prússia, Saxônia,
29
TSCHUDI, Johann Jakob com. As Colônias de Santa Catarina. Blumenau: Casa Dr. Blumenau, 1988, p. 69.
STOER, Hermann. Chronik der Pfarrgemeinde Santa Isabel der ältesten deutsch-evangelischen Siedlung
in Santa Catarina. S/l. S/d, p. 6.
30
12
Luxemburgo, Hesse e da Holanda31 – resultando na fundação de novas linhas
coloniais, entre elas: Segunda Linha, Terceira Linha, Quarta Linha, Quinta Linha,
Rancho Queimado, Linha Scharf e Taquaras.
COLÔNIA PIEDADE – A Colônia Alemã Piedade foi instalada no local de
uma antiga armação estabelecida para a caça de baleias, no litoral de Santa
Catarina32, em 1847, pelo governo provincial, que, para tal feito, contou com 150
imigrantes alemães muitos dos quais, segundo acreditamos, eram procedentes da
região do Hunsrück. Eram 82 homens e 62 mulheres de diversas idades. Segundo
as autoridades, a Colônia é constituída “de famílias alemãs bem comportadas e
muito trabalhadoras: estão contentes”33. Segundo Mattos, “em fins de 1848 contava
com 120 pessoas; em 1849, com 114; em 1850, com 105; e, em 1854, com 54,
sendo 29 do sexo masculino e 25 do feminino”34. Retiraram-se da Colônia nos
primeiros anos quase todos os imigrantes lá instalados.
A Colônia, sem regulamentação especial e formada por imigrantes católicos
na sua totalidade – não prosperou. Segundo Mattos, à Colônia não foi dada a
possibilidade de desenvolvimento graças, em parte, às suas terras de má qualidade
e muito íngremes. Desse modo, “em 1856 só existiam na colônia 41 pessoas, 29 das
quais ali nascidas. Finalmente o remanescente dispersou-se, como os primeiros,
pelos distritos e colônias próximas, sendo extinta a colônia Piedade”35.
Vale ressaltar que o terreno excessivamente montanhoso e de baixa
fertilidade inviabilizou o desenvolvimento dos núcleos coloniais acima mencionados,
frustanto expectavivas. Entretanto, o relevo da região remetia, em parte, ao da região
do Hunsrück. Essa realidade, aliada à mata virgem a ser explorada, representava um
grande desafio. Era preciso se adaptar e reiniciar a vida. Os desafios precisariam ser
superados. Felizmente, segundo Maria Rohde: “Não é de admirar que a massa dos
hunsrücker, emigrados na metade do século dezenove, se adaptou tão bem à
solidão da mata virgem, pois a floresta pertenceu à paisagem da sua velha
Heimat”36. E descrevendo-a, faz constar certas particularidades do seu modo de ser,
conforme segue:
Cada vez mais se desfalcam as fileiras dos velhos, que ainda puderam
contar, aos netos, da sua Heimat, do seu lar no Hunsrück, da sua
singularidade, seus povoados com telhados de ardósia e sóbrios casarões, de
seus camponeses saudáveis e rijos como cerne, das suas famílias numerosas
que, com o mesmo amor e aflição, cheio de sacrifícios, deveres e afazeres,
são iguais a todas, mas são voltadas para dentro de si, assim como o é a paz
da floresta ao seu redor37.
31
BRASIL, Ministério da Agricultura. Relatório das Terras Públicas e da Colonização apresentado em 28 de
fevereiro de 1862 ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
Rio de Janeiro: Tipografia de João Ignácio da Silva, 1862, p. 45.
32
PIAZZA, Walter Fernando. A Colonização de Santa Catarina. Florianópolis: Lunardelli, 1994, p. 118.
33
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório do Presidente Ferreira de Brito apresentado em 26 de
dezembro de 1848. Desterro: Tipografia Provincial, 1848, p. 6.
34
MATTOS, Jacinto Antônio de. Colonização do Estado de Santa Catarina - Dados históricos e estatísticos
(1640-1916). Florianópolis: O Dia, 1917, p. 63.
35
MATTOS, Jacinto Antônio de. Colonização do Estado de Santa Catarina - Dados históricos e estatísticos
(1640-1916). Florianópolis: O Dia, 1917, p. 64.
36
Apud GROSS, Alfredo. Hunsrücker Mundart in Brasilien. Porto Alegre: Própria, 2001, p. 15.
37
Apud GROSS, Alfredo. Hunsrücker Mundart in Brasilien. Porto Alegre: Própria, 2001, p. 15.
13
MIGRAÇÕES: UM NOVO RECOMEÇO SE FAZ NECESSÁRIO
O futuro desta Província (de Santa Catarina)
38
prende-se intimamente à sorte da colonização .
O Governo da Província de Santa Catarina afirmava que “vitais interesses da
Província ligam-se à colonização”39 e que esse é um “importantíssimo ramo do
serviço público”40. No entanto, apesar dos esforços governamentais, a vida dos
imigrantes nas colônias deixou a desejar e muitos optaram por buscar um novo
destino através da migração. Dessa forma, quem se “aprontou para ir ao encontro da
felicidade”41 e que “nada tinha a perder em sua pátria”42, não encontrou em Santa
Catarina uma situação que lhes fosse favorável.
Assim, de acordo com Matthias Schmitz, podemos concluir que no Brasil, que
“era lembrado como um paraíso na terra”43 por habitantes do Hunsrück, a realidade,
mais especificamente em Santa Catarina, se mostrou menos paradisíaca aos que
optaram pela imigração.
Segundo João Klug, “São Pedro de Alcântara, se não progrediu, teve um
efeito disseminador do elemento germânico”44. A reemigração a partir de São Pedro
de Alcântara já ocorreu cedo, em busca de melhores oportunidades. Aos poucos a
Colônia se ramificou em diversas subdivisões tanto no Vale do Itajaí, ao norte,
quanto no Cubatão, ao sul45. Outros ainda optaram por centros urbanos para
reiniciar, uma vez mais, a existência. O mesmo processo aconteceu com a Colônia
Piedade e com a de Santa Isabel46. Faltam-nos dados a respeito da Colônia Rio
Negro.
Muitos dos imigrantes da Colônia Piedade foram para a Colônia Leopoldina.
Em 1853, seis anos depois de demarcada a concessão da Colônia Lepoldina, foram
colocadas, em 14 lotes coloniais, 38 pessoas belgas e alemãs e quase todas
38
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial de Santa
Catarina pelo presidente, Dr. Carlos Augusto Ferraz de Abreu no ato da abertura da sessão em 02 de abril de
1869. Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1869, p. 18.
39
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório que o presidente da Província de Santa Catharina, Dr. André
Cordeiro de Araújo Lima, dirigiu à Assembleia Legislativa Provincial no ato de abertura de sua sessão ordinária
em 25 de março de 1870. Cidade do Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1870, p. 14.
40
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório do vice-presidente da Província de Santa Catarina, o
comendador Francisco José de Oliveira, apresentado à Assembleia Legislativa Provincial na 1ª sessão da 12ª
Legislatura. Santa Catharina: Tipografia Catarinense de F.V. Ávila & C.a, 1864, p. 14.
41
SCHAUFFLER, Henrique. Da Vida de um Alemão no Brasil. Crônica de Matthias Schmitz. In: Blumenau em
Cadernos, Blumenau, Tomo VII, nº 12, 1966, p. 229.
42
SCHAUFFLER, Henrique. Da Vida de um Alemão no Brasil. Crônica de Matthias Schmitz. In: Blumenau em
Cadernos, Blumenau, Tomo VII, nº 12, 1966, p. 229.
43
SCHAUFFLER, Henrique. Da Vida de um Alemão no Brasil. Crônica de Matthias Schmitz. In: Blumenau em
Cadernos, Blumenau, nº 05, 1987, p. 153 e 154.
44
KLUG, João. Imigração e Luteranismo em Santa Catarina. Florianópolis: Papa-Livro, 1994, p. 35.
45
PIAZZA, Walter Fernando. A Colonização de Santa Catarina. Florianópolis: Lunardelli, 1994, p. 95, 107.
46
GALVÃO, Ignácio da Cunha. Relatório sobre as Colônias de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Rio de
Janeiro: Tipografia de J. L. da Silva, 1866, p. 50.
14
procedentes da Colônia Armação da Piedade, então em franca decadência47.
Ressaltamos ainda que a presença da etnia alemã em Desterro/Florianópolis
necessariamente está ligada à migração das colônias estabelecidas no seu entorno.
Assim, das 146 famílias destinadas à Colônia São Pedro de Alcântara, 14
permaneceram na Ilha (de Santa Catarina) e arredores48. Muitas famílias optaram
pela migração e assim “têm mudado o domicílio para as margens dos rios Biguaçu,
Tijucas e Itajaí, e muitos que hoje residem na Vila de São José e na Capital”49 são
oriundos de São Pedro de Alcântara. Alguns “mais inclinados ao comércio, deixaram
a Colônia e vieram estabelecer-se com negócio”50 na Praia Comprida, em São José.
A localidade de Praia Comprida, segundo Paiva,
é sem dúvida um dos lugares (...) que encerra maior comércio e muito tem
concorrido para o incremento da mesma. Conta já um grande número de
armazéns, oficinas, e a maior parte de seus moradores possui lanchas, botes
ou canoas que diariamente navegam para o porto da Capital, levando os
gêneros dos colonos que descem de São Pedro de Alcântara51.
LISTAS DE IMIGRANTES: INVISIBILIDADE HISTÓRICA
DOS IMIGRANTES DO HUSRÜCK
Estamos tentando delimitar tanto quanto possível a visibilidade dos
imigrantes da região do Hunsrück. Entretanto, constatamos que as autoridades
constituídas no Brasil, com relação aos imigrantes do Hunsrück, raramente os
classificavam de acordo com sua procedência52, de conformidade com o Estado que
lhe fornecia o passaporte ou, ainda, de acordo com o Estado ao qual pertencia o
indivíduo ao nascer. Na Colônia Teresópolis, algumas listas de imigrantes da
Westphália, a que tivemos acesso, elaboradas pelas autoridades brasileiras, os
imigrantes eram classificados pelo respectivo “lugar de nascimento” ou pela
“naturalidade”. No primeiro item da lista, consta a aldeia/cidade de nascimento como,
por exemplo, Assbeck, Maukhausen, Höhscheid, Solingen, Südlohn, Mühlheim etc.;
no segundo item, consta o Estado/reino/ducado/país ou similar, onde o imigrante
nasceu: Prússia, Holanda, Luxemburgo, Baden, Oldemburgo, Bélgica, Baviera,
Suíça, Westfália, Saxônia etc.53. Em Teresópolis, em 1861, havia 200 famílias, das
47
Confira: BESEN, José Artulino; PAULI Evaldo. A Comunidade de Antônio Carlos. Antônio Carlos: Prefeitura
Municipal e Paróquia Sagrado Coração de Jesus, 1983, p. 6. Cf. também REITZ, Raulino. Alto Biguaçu –
Narrativa Cultural Tetrarracial. Florianópolis: Lunardelli e Ed. da UFSC, 1988, p. 46ss. Veja ainda: Doc. 20,
Ofícios 1849-1857, de 22/04/1851, p. 86-7, CM-ALESC. Cf. também KREMER, Rogério. Antônio Carlos – 175
Anos de História – 1830-2005. Biguaçu: Litográfica, 2007, p. 118.
48
PAIVA, Joaquim Gomes de Oliveira. Memória Histórica sobre a Colônia Alemã de São Pedro de Alcântara.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo X. Rio de Janeiro: Tipografia de João Ignácio da
Silva, 1870, p. 505.
49
PAIVA, Joaquim Gomes de Oliveira. Memória Histórica sobre a Colônia Alemã de São Pedro de Alcântara.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo X. Rio de Janeiro: Tipografia de João Ignácio da
Silva, 1870, p. 518 e 519.
50
PAIVA, Joaquim Gomes de Oliveira. Memória Histórica sobre a Colônia Alemã de São Pedro de Alcântara.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo X. Rio de Janeiro: Tipografia de João Ignácio da
Silva, 1870, p. 518.
51
PAIVA, Joaquim Gomes de Oliveira. Memória Histórica sobre a Colônia Alemã de São Pedro de Alcântara.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo X. Rio de Janeiro: Tipografia de João Ignácio da
Silva, 1870, p. 518.
52
DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Etnias e Culturas no Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980, p. 136.
53
Fonte: Coleção Ficker – Colônia Teresópolis, Arquivo Histórico de Joinville – SC.
15
quais “137 eram prussianas, 40 provenientes de Holstein, 13 holandesas e 10 de
Hessen”54. Nas listas de imigrantes de São Pedro de Alcântara – censo de 183055 –
o item “naturalidade” foi genericamente preenchido com o termo “alemão”
(fotografias 1 e 2).
FOTOGRAFIA 1 – Página do Censo da Colônia São Pedro de Alcântara-SC, realizado em 1830. Fonte: Coleção
Ficker, do Arquivo Histórico de Joinville-SC.
54
TSCHUDI, Johann Jakob com. As Colônias de Santa Catarina. Blumenau: Casa Dr. Blumenau, 1988, p. 77.
Censo Geral da População da Colônia São Pedro de Alcântara. Fonte: Coleção Ficker, Arquivo Histórico de
Joinville – SC.
55
16
FOTOGRAFIA 2 – Página do Censo da Colônia São Pedro de Alcântara-SC, realizado em 1830. Fonte: Coleção
Ficker, do Arquivo Histórico de Joinville-SC.
As listas dos que se estabeleceram na colônia Santa Isabel e na da Piedade,
em 1847, não contemplam a cidade de origem dos imigrantes trazendo apenas o seu
nome, sua profissão e a respectiva idade. A ausência do nome das aldeias/cidades
natais configurando “lugar de nascimento” ou a “naturalidade” do imigrante nos
impossibilita, por ora, elaborar uma tabela com as principais cidades de origem dos
imigrantes do Hunsrück que se estabeleceram, no período de 1829 a 1889, em
Santa Catarina.
DOCUMENTAÇÃO OFICIAL DA PROVÍNCIA
DE SANTA CATARINA
Na busca persistente dos nomes das cidades de origem ou mesmo da
região de procedência dos imigrantes, objeto do presente estudo, compulsamos os
Relatórios/Falas Oficiais da Província de Santa Catarina, de 1835 a 1889.
17
Da vasta documentação mencionada, tentamos extrair informações
pertinentes para tentar responder à seguinte pergunta: Há citação em tal
documentação oficial de imigrantes procedentes do Hunsrück nas colônias fundadas
em Santa Catarina? Infelizmente, não fomos felizes nessa empreitada. Nenhuma
citação foi encontrada (tabela 2). As citações sobre a origem dos imigrantes assim se
fez constar:
TABELA 2 – Procedência dos Imigrantes
Colônia
Teresópolis
Santa Isabel
Blumenau
Itajaí
Dona
Francisca
Dona
Francisca
Blumenau
Blumenau
Blumenau
Blumenau
Procedência dos Imigrantes
Fontes56
“população da colônia é toda de origem Relatório de 1863, p. 24.
alemã”
“população da colônia é toda de origem Relatório de 1863, p. 26.
alemã”
“procedentes de Hamburgo”
Relatório de 1873, p. 10
“procedentes de Hamburgo”
Relatório de 1873, p. 10
“procedentes de Hamburgo”
Relatório de 1873, p. 10
“vindos de Hamburgo”
“chegaram da Europa”
“mandados vir da Europa”
“vindos da Europa”
“vindos em direitura de Hamburgo”
Fala 1852, p. 8; Fala 1854,
p. 9; Relatório 1855, p. 9.
Fala 1853, p. 8.
Relatório 1855, p. 7.
Relatório 1855, p. 8.
Relatório 1864, p. 14;
Relatório 1865, p. 19.
Não houve sucesso, também, na busca, nas documentações, de qual a
designação atribuída aos imigrantes no sentido de adjetivá-la como sendo originária
de uma ou de outra região da Alemanha. Ao se referir ao povoamento das colônias,
a documentação afirma genericamente que elas são habitadas por: “colonos
alemães”, “alemães”, “famílias alemãs”, “colonos importados”, “colonos”, “famílias de
emigrantes”, “famílias de colonos”, “famílias de alemães”, ou ainda, como sendo a
sua maioria de “nacionalidade alemã”.
Sobre as nacionalidades dos imigrantes estabelecidos na Província de
Santa Catarina, observou-se ser bastante diversificada. O Presidente da Província
visita as Colônias Brusque, Angelina, Teresópolis e Santa Isabel, e sobre elas
escreve: “Fiquei satisfeito por ver, nesse agregado de homens de nacionalidades
diversas, uma população mais ou menos industriosa e satisfeita de sua condição”57.
Por outro lado, a partir de nossa investigação sobre as nacionalidades dos
imigrantes estabelecidos nas colônias, elaboramos algumas tabelas que são
apresentadas a seguir (tabelas 3 a 11). Nelas, podemos inferir que, sob as
denominações gerais de “alemães”, de “prussianos” ou de “oldemburgueses”, devem
estar compreendidos os imigrantes procedentes do Hunsrück, pois a maior parte
dessa região, a partir de 1815, passou a integrar o Reino da Prússia através da
56
Trata-se de Falas e Relatórios Oficiais da Província de Santa Catarina.
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala com que o Exmo. Sr. Dr. João Capistrano Bandeira de Mello
Filho abriu a 1ª sessão da 21ª legislatura da Assembleia Legislativa da Província de Santa Catarina em 01 de
março de 1876. Cidade do Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1876, p. 82. Grifo nosso.
57
18
Província do Reno, cuja capital era Koblenz. A menor parte da região do Hunsrück
integra o Grão-Ducado de Oldemburgo. Vejamos no mapa 6, abaixo:
MAPA 6 – Recorte do Mapa da Província Prussiana do Reno, datado de 1818, onde podemos observar a Região
do Hunsrück, e nela a de Birkenfeld, no Grão-Ducado de Oldemburgo. Contíguo a Oldemburgo (cor verde),
temos o Condado de Hessen-Homburg (cor alaranjada) e o Principado Lichtenberg (cor amarela). Fonte:
Geschichtlicher Handatlas der Rheinprovinz: Die Rheinprovinz unter preussischer Verwaltung im Jahre 1818.
Verlag J. P. Bachem, G. m. b. H., Köln & Kartographische Anstalt von F. A. Brockhaus, Leipzig.
19
Sobre as nacionalidades dos imigrantes, vejamos o que a documentação
por nós compulsada nos informa:
TABELA 3 – Colônia Militar Santa Teresa
Nacionalidades
Brasileiros
Portugueses
Hamburgueses
Prussianos
Africanos
Total
Quantidade em 187358
358
01
02
39
02
422
Quantidade em 187459
418
00
06
49
02
475
TABELA 4 – Brusque
Nacionalidades
Alemães
Brasileiros
Portugueses
Franceses
Suíços
Suecos
Saxônicos
Gregos
Hanoverianos
Prussianos
Badenses
Holandeses
Hesses
Holsteinianos
Tirolianos
De Schevarsburgo
De Oldemburgo
De Mecklemburgo
De Nassau
Da Bavária
De Würtembergo
De Lamenburgo
De Brunsvigo
Chegaram em 186460
00
11
11
07
01
02
07
01
13
182
619
11
20
80
12
09
65
02
04
50
05
05
04
58
Quantidade em 187561
2.417
417
00
00
00
00
00
00
00
00
00
00
00
00
00
00
00
00
00
00
00
00
00
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catarina
em 25 de março de 1874 pelo Exmo. Sr. Presidente da Província, Dr. João Thomé da Silva. Cidade do Desterro:
Tipografia de J. J. Lopes, 1874, MAPA 77.
59
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catarina
em 21 de março de 1875 pelo Exmo. Sr. Presidente da Província, Dr. João Thomé da Silva. Cidade do Desterro:
Tipografia de J. J. Lopes, 1875, p. 104-A.
60
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório do Presidente da Província de Santa Catarina, o doutor
Alexandre Rodrigues da Silva Chaves, apresentado à Assembleia Legislativa Provincial na 2ª sessão da 12ª
legislatura em o 1º de março de 1865. Santa Catharina: Tipografia Catarinense de Ávila & Rodrigues, 1865, pp.
24 e 25.
61
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catarina
em 21 de março de 1875 pelo Exmo. Sr. Presidente da Província, Dr. João Thomé da Silva. Cidade do Desterro:
Tipografia de J. J. Lopes, 1875, p. 92.
20
Outras Nações
Total
00
1.121
57
2.891
TABELA 5 – Colônia Itajaí (Brusque) e Príncipe Dom Pedro
Nacionalidades
Alemães
Austríacos
Belgas
Espanhóis
Holandeses
Franceses
Italianos
Ingleses
Portugueses
Brasileiros
Outras Nações
Total
População em 31/12/187562
2.310
1.114
07
25
06
68
18
36
18
996
22
4.620
TABELA 6 – Núcleo Colonial São Bento
Nacionalidades
Alemães
Austríacos
Suíços
Russos
Total
Imigrantes chegados em 187463:
90
73
05
05
173
TABELA 7 – Angelina
Nacionalidades
Brasileiros
Alemães
Total
Posição em 187464
1.124
31
1.155
TABELA 8 – Blumenau
Nacionalidades
Alemães
Austríacos
Belga
Chegados em 187565
306
782
01
62
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala com que o Exmo. Sr. Dr. João Capistrano Bandeira de Mello
Filho abriu a 1ª sessão da 21ª legislatura da Assembleia Legislativa da Província de Santa Catharina em 01 de
março de 1876. Cidade do Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1876, p. 88.
63
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catharina
em 21 de março de 1875 pelo Exmo. Sr. Presidente da Província, Dr. João Thomé da Silva. Cidade do Desterro:
Tipografia de J. J. Lopes, 1875, p. 99.
64
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala dirigida à Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catharina
em 21 de março de 1875 pelo Exmo. Sr. presidente da Província, Dr. João Thomé da Silva. Cidade do Desterro:
Tipografia de J. J. Lopes, 1875, p. 101.
65
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala com que o Exmo. Sr. Dr. João Capistrano Bandeira de Mello
Filho abriu a 1ª sessão da 21ª legislatura da Assembleia Legislativa da Província de Santa Catharina em 1º de
março de 1876. Cidade do Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1876, p. 83.
21
Brasileiros
Franceses
Grego
Espanhóis
Italianos
Suíços
Total
18
02
01
03
25
09
1.147
TABELA 9 – Dona Francisca – Joinville
Posição em 187566
4.345
367
49
53
11
05
3.106
219
8.155
Nacionalidades
Alemães
Austríacos
Belgas
Holandeses
Franceses
Portugueses
Brasileiros
Outras Nações
Total
TABELA 10 – Relação de Imigrantes Recebidos pela Província de
Santa Catarina
Nacionalidades
De junho de 1886
67
A junho de 1887
De julho de 1887
68
A junho de 1888
Em
69
1887
De 01/01/1888
70
A 30/04/1888
De 01/07/1888 a
71
31/01/1889
Italianos
Alemães
Austríacos
Belgas
Portugueses
Franceses
Suecos
Holandeses
Total
333
90
10
00
01
01
02
05
442
472
80
03
04
02
00
00
00
561
549
69
00
04
01
01
00
00
624
185
23
03
00
02
00
00
00
213
437
31
42
90
00
00
00
00
600
66
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Fala com que o Exmo. Sr. Dr. João Capistrano Bandeira de Mello
Filho abriu a 1ª sessão da 21ª legislatura da Assembleia Legislativa da Província de Santa Catharina em 1º de
março de 1876. Cidade do Desterro: Tipografia de J. J. Lopes, 1876, p. 96.
67
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial de Santa
Catharina na 2ª sessão de sua 26ª legislatura, pelo presidente, Francisco José da Rocha, em 11 de outubro de
1887. Rio de Janeiro: Tipografia União de A. M. Coelho da Rocha & C., 1888, p. 298.
68
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório com que o Exmo. Sr. Coronel Dr. Augusto Fausto de Souza
abriu a 1ª sessão da 27ª legislatura da Assembleia Provincial em 1º de setembro de 1888. Santa Catharina:
Tipografia do Conservador, s/d, p. 44.
69
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório com que o Exmo. Sr. Coronel Augusto Fausto de Souza,
Presidente da Província de Santa Catarina, passou a administração da mesma Província ao Dr. Francisco José
da Rocha, em 20 de maio de 1888. Desterro: Tipografia do Conservador, s/d, p. 51.
70
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório com que o Exmo. Sr. Coronel Augusto Fausto de Souza,
Presidente da Província de Santa Catarina, passou a administração da mesma Província ao Dr. Francisco José
da Rocha, em 20 de maio de 1888. Desterro: Tipografia do Conservador, s/d, p. 51.
71
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório do Presidente Fausto de Souza, datado de 13 de fevereiro
de 1889. Desterro: Tipografia do Conservador, s/d, p. 25.
22
TABELA 11 - Quadro de Naturalizações em Santa Catarina
Nacionalidades
Alemães
Prussianos
Portugueses
Italianos
Suíços
Boêmios
Saxônicos
Franceses
Suecos
Austríacos
Russos
Total
De 30/10/1882 a junho de 188572
93
07
18
21
01
00
00
03
01
40
01
185
Realizadas em 188573
47
22
08
09
04
02
02
01
01
03
00
99
Interessante observar que o multifacetado perfil étnico do Estado de Santa
Catarina citado no início do presente trabalho, em parte, pode ser verificado nas
tabelas acima (tabelas 3 a 11). Nelas, percebe-se a chegada em terras catarinenses
de imigrantes russos, suecos, franceses, italianos, portugueses, belgas, holandeses,
espanhóis, gregos, ingleses, africanos e outros procedentes de outras nações.
VISIBILIDADE ÉTNICA: OS IMIGRANTES DO HUNSRÜCK
“MARCAM PRESENÇA”
Desde os tempos de Carlos Magno, o termo “alemão”, que originalmente só
se aplicava ao idioma, já não é mais um termo com referência e conotação políticoadministrativa. Em tal sentido, consideram-se alemães os imigrantes que falavam a
língua alemã, através dos conceitos decorrentes do jus sanguinis: direito pelo
sangue, direito pela herança. Por este conceito classifica-se como “alemão” todo
aquele que faz uso das especificidades decorrentes do jus sanguinis, independente
do País/Estado onde tenha nascido74. Provinham dos Estados do Reich, incluindo a
Alsácia-Lorena, Luxemburgo, Suíça, Áustria, Hungria, Romênia, Polônia, Rússia e
suas Províncias Bálticas e das regiões que passaram a integrar o Império AustroHúngaro e imediações. Dessa forma, “a nacionalidade configura uma condição
humana desvinculada da condição de cidadania”75. Se a nacionalidade – que pode
ser denominada de Volkstum ou etnicidade – é um atributo cultural decorrente do
povo, a cidadania decorre das prerrogativas do Estado enquanto unidade políticoadministrativa autônoma e soberana.
72
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório com que ao Exmo. Sr. Coronel Manoel Pinto de Lemos, 1º
vice-presidente, passou a administração da Província de Santa Catharina ao Dr. José Lustosa da Cunha
Paranaguá, em 22 de junho de 1885. Cidade do Desterro: Tipografia do Jornal do Comércio, 1885, p. 37.
73
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório apresentado a Assembleia Legislativa da Província de Santa
Catharina na 1ª sessão de sua 26ª legislatura pelo presidente, Dr. Francisco José da Rocha, em 21 de julho de
1886. Desterro: Tipografia do Conservador, 1886, p. 214.
74
GERTZ, René E. A Construção de uma Nova Cidadania. In: Os Alemães no Sul do Brasil: Cultura, Etnicidade
e História. Canoas: Ed. da ULBRA, 1994, p. 30.
75
RAMBO, Arthur Blasio. Nacionalidade e Cidadania. In: Os Alemães no Sul do Brasil: Cultura, Etnicidade e
História. Canoas: Ed. da ULBRA, 1994, p. 43.
23
As autoridades constituídas usualmente classificavam os imigrantes de
acordo com sua procedência76, de conformidade com o Estado que lhe fornecia o
passaporte ou, ainda, de acordo com o Estado ao qual pertencia o indivíduo ao
nascer77.
Como vimos acima, se todos aqueles que faziam uso do idioma alemão
podem ser considerados alemães, então, há a possibilidade de entendimento de que
os imigrantes do Hunsrück são os que faziam uso do dialeto Hunsrückisch, ainda
que provenham das imediações da região ou de áreas que lhe são contíguas.
Apesar de Mathias Schmitz citar que “onze famílias (...) partiram (...) do
pequeno lugarejo de Löffelscheid, no Hunsrück”78 com destino ao Brasil, não faz
constar, infelizmente, os respectivos nomes. Não obstante, considerando a ausência
de informações na documentação oficial analisada sobre as aldeias de origem dos
imigrantes e as famílias que delas procederam, elaboramos, com base em outras
fontes79, a tabela abaixo (tabela 12). Nela podemos evidenciar os que procediam da
região do Hunsrück e imediações e que, como podemos inferir, faziam uso do
respectivo dialeto:
TABELA 12 – Procedência dos Imigrantes
Nº
Sobrenome
Procedência
Destino
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
Back
Backes
Behrens
Berckhäuser
Grosskloss
Hack
Jochem
Kirchen
Klasen
Kopp
Loffy
Lucas
Mees
Briedel
Löffelscheid
Treis
Hambach
Löffelscheid
Zell
Kommen
Oberemmel
Oberemmel
Hambach
Löffelscheid
Castellaun
Kommen
Santa Isabel
Santa Isabel
São Pedro de Alcântara
Santa Isabel
Santa Isabel
São Pedro de Alcântara
Santa Isabel
São Pedro de Alcântara
São Pedro de Alcântara
Santa Isabel
Santa Isabel
São Pedro de Alcântara
Santa Isabel
76
Chegada
Brasil
ao
1846
1846
1828
1862
1846
1828
1846
1828
1828
1862
1846
1828
1846
DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. Etnias e Culturas no Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980, p. 136.
Nas listas a que tivemos acesso, elaboradas pelas autoridades brasileiras, os imigrantes eram classificados
pelo respectivo “lugar de nascimento” ou pela “naturalidade”. No primeiro item, consta a aldeia/cidade de
nascimento como, por exemplo, Assbeck, Maukhausen, Höhscheid, Solingen, Südlohn, Mühlheim etc.; no
segundo, consta o Estado/reino/ducado/país ou similar, onde o imigrante nasceu: Prússia, Holanda, Luxemburgo,
Baden, Oldemburgo, Bélgica, Baviera, Suíça, Vestfália, Saxônia, etc. Fonte: Coleção Ficker – Colônia
Teresópolis, Arquivo Histórico de Joinville – SC.
78
SCHAUFFLER, Henrique. Da Vida de um Alemão no Brasil. Crônica de Matthias Schmitz. In: Blumenau em
Cadernos, Blumenau, nº 05, 1987, p. 153 e 154.
79
Para elaborar a “Tabela 12”, nos servimos de informações dispersas, muitas delas orais, conseguidas via
telefone ou correio eletrônico dos respectivos familiares. Entretanto, cabe citar as seguintes fontes de consulta:
JOCHEM, Toni Vidal & ALVES, Débora Bendocchi. São Pedro de Alcântara – 170 anos depois. São Pedro de
Alcântara: Coordenação dos Festejos, 1999; REITZ, Raulino. Alto Biguaçu. Florianópolis: Lunardelli, Ed. da
UFSC, 1988; SCHADEN, Francisco. Notas para a História da Localidade de Löffelscheidt. São Bonifácio: Ed.
do Autor, 1946; JOCHEM, Toni (Organizador). História da Família Beckhäuser no Brasil. Florianópolis: Edição
da AFABE, 2006; MEURER, Heinz. Auszüge aus der Geschichte der Gemeinde Peterswald-Löffelscheid.
Apostila inédita datada de 29 de junho de 1999. SCHAUREN, Décio Aloísio. A Busca das Origens – História e
Genealogia da Família Schauren. São Leopoldo: Oikos, 2011.
77
24
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
Orstermann
Petri
Petry
Pütz
Reitz
Roth
Schauren
Schmitz
Schnitzler
Schwarz
Sehnem
Sesterhenn
Steffens
Müden
Farschweiler
Schneppenbach
Oberemmel
Hirschfeld
Löffelscheid
Merl
Löffelscheid
Koblenz
Müden
Briedel
Treis-Karden
Löffelscheid
São Pedro de Alcântara
São Pedro de Alcântara
São Pedro de Alcântara
São Pedro de Alcântara
Santa Isabel
Santa Isabel
Piedade
Santa Isabel
São Pedro de Alcântara
São Pedro de Alcântara
Santa Isabel
São Pedro de Alcântara
Santa Isabel
1828
----------1828
1846
1846
1846
1846
-----1828
1846
1828
1846
Assim, como atributo cultural decorrente do povo, podemos citar o dialeto
utilizado pelos imigrantes, objeto desse estudo: o Hunsrückisch80. O Hunsrückisch
é um dialeto alemão, podendo ser classificado como Moselle Franconian, falado na
região do Hunsrück, na Renânia Central. Com a imigração o dialeto chegou ao Brasil
e, mais especificamente, a Santa Catarina, onde sobrevive até hoje. Segundo
Alfredo Gross, “o dialeto hunsrück também chamado de platt e de hunsbucklich, foi
trazido ao Brasil, a partir de imigrantes vindos dessa região e de suas adjancências:
Palatinado, Eifel e Sarre, com suas variantes locais”81.
Podemos considerar que os remanescentes dos falantes do Hunsrückisch, na
Alemanha, é bilíngue: pratica o dialeto ancestral nos lares e ao ar livre, mas lê e
estuda em hochdeutsch, a língua padrão com gramática formalmente organizada,
que veio a se tornar oficial em toda a Alemanha. No Brasil os imigrantes,
notadamente seus filhos, falavam dialeto em suas casas e aprendiam o alemão
padrão nas escolas. Em São Pedro de Alcântara, segundo Paiva em 1848:
e a maior parte, além de falar sofrivelmente o português, sabe ler, escrever e
contar no seu idioma, tendo consigo o cuidado de possuir sempre consigo
um mestre alemão para a instrução primeira dos filhos82.
Assim, ao utilizar-se do “seu idioma”, agem, de certa forma, em nome de um
sentimento de pertença coletivo, identificam-se e são identificados e acabam por
validar individualmente a sua germanidade. Esse aspecto pode ser observado em
diversos núcleos coloniais.
Robert Christian Barthold Avé-Lallemant foi um médico e viajante alemão. No
final da década de 1850, ele esteve na colônia militar Santa Teresa, onde conversou
com uma criança com apenas sete anos de idade. Sobre o diálogo, Lallemant
escreveu que ficou admirado pelo fato de que a “encantadora pequena me
80
No Brasil, o dialeto Hunsrückisch também é conhecido pelos termos: Hunsrück, Hunsbucklisc,
Hunsbucklerisch, Platt, Deitsch e Plattdeitsch. Na Alemanha, é conhecido também por: Mosel- e Rheinfränkisch e
Pfälzisch.
81
GROSS, Alfredo. Hunsrücker Mundart in Brasilien. Porto Alegre: Própria, 2001, pp. 13-14.
82
PAIVA, Joaquim Gomes de Oliveira. Memória Histórica sobre a Colônia Alemã de São Pedro de Alcântara.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo X. Rio de Janeiro: Tipografia de João Ignácio da
Silva, 1870, p. 515. Grifo nosso.
25
respondesse tão bem em puro dialeto alemão”83. Entretanto, Lallemant não
especifica o que entende por puro dialeto alemão. Seria ele, nesse caso, uma
referência ao dialeto hunsrückisch, vestfaliano, pomerano, bávaro, bucovino, suábio
ou boêmio? Não há resposta certa para essa indagação. Depois, em visita à Colônia
Santa Isabel, Lallemant chegou a Praia Comprida, em São José, nas imediações da
capital, Desterro, um ponto de encontro dos imigrantes da região. Segundo
Lallemant, “eram Colonos do Cubatão, de São Pedro de Alcântara, de Biguaçu e
alguns alemães da própria Praia Comprida; ouviam-se os mais diversos dialetos
alemães, mas predominava o do Palatinado”84.
Nesse último lugar, Lallemant faz referência aos mais diversos dialetos
alemães, e complementa a informação de que “predominava o do Palatinado”.
Mas, qual seria exatamente o dialeto? Nesse caso Palatinado seria sinônimo de
Hunsrückisch? Talvez... Se não o for é uma das formas de expressões referentes
ao uso de um diateto – Mosel- e Rheinfränkisch e Pfälzisch – utilizado na região do
Rio Reno e do Rio Mosela e/ou imediações. Já Francisco Schaden, ao escrever
sobre a localidade de Löffelscheidt, no Brasil, cita a família de Matias Salm, afirma
que “o dialeto que falava parecia ser o da Renânia”85. E aqui se repete a pergunta: o
dialeto da Renânia é o mesmo do Hunsrück? Tudo indica que sim. É preciso
considerar que na região do Hunsrück há diversas variantes do próprio dialeto local.
Assim, ele pode variar entre as mais diversas aldeias em detrimento de uma forma
única e padronizada.
O uso do dialeto comum possibilitou a construção de uma identidade étnica a
partir da diferença e da interação social mediante a ativação de signos culturais. E na
alteridade, a subjetividade do grupo étnico possibilitou a criação ou a visibilidade do
sentimento de pertença. O texto acima afirma que “ouviam-se os mais diversos
dialetos” e a comunicação dessas diferenças fortalecia fronteiras étnicas. Assim,
como vimos no presente texto, os imigrantes do Hunsrück, de certo modo, formavam
uma comunidade de sangue, de cultura e de língua. Tinham traços sócio-culturais
perceptíveis e uma história compartilhada há séculos. Tinham, por fim, a consciência
de pertencer a um grupo. Convém ressaltarmos que também havia o isolamento de
algumas colônias e, nelas, de seus habitantes. Assim, segundo relatório oficial da
Província de Santa Catarina, em 1870: “Algumas colônias são espécie de estados
encravados, conservando os habitantes sua língua, suas tradições, seus usos e
costumes”86.
O sentimento de pertença forjou um processo que moldou destinos, fortaleceu
nações e criou perspectivas diversas. Enfim tornou-se pertinente. Sobretudo no
século XIX, esta pertinência se fez valer em diversos países, entre eles o Brasil. E,
nele, a região Sul tornou-se palco de diversidades étnicas, entre as quais a alemã
em geral e a do Hunsrück em particular.
83
AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagens pelo Sul do Brasil no ano de 1858. Rio de Janeiro: INL, 1953, p. 109.
Grifo nosso.
84
AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagens pelo Sul do Brasil no ano de 1858. Rio de Janeiro: INL, 1953, p. 128.
Grifo nosso.
85
SCHADEN, Francisco. Notas Para a História da Localidade de Löffelscheidt. São Bonifácio: S/e, 1946, p.
31.
86
SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório apresentado pelo 2º vice-presidente da Província de Santa
Catarina ao Presidente o Exmo. Sr. Dr. André Cordeiro de Araújo Lima, em 03 de janeiro de 1870. Desterro:
Tipografia de J. J. Lopes, 1870, p. 15. Grifo nosso.
26
Do mosaico cultural alemão, a região do Hunsrück “exportou” muitos dos seus
para o Estado de Santa Catarina. Trouxeram, como mencionado, o seu modo
peculiar de ver e conceber o mundo, tornando saliente o sentimento de pertença,
principalmente pelo uso do dialeto Hunsrückisch, legado a seus descendentes e
ainda amplamente utilizado. Segundo Alfredo Gross: “É tese pacífica que a herança
cultural dos povos formadores da nação brasileira representa um patrimônio a ser
preservado”87. E essa herança cultural manifestada, sobretudo através do uso do
dialeto, não faz parte apenas do passado de Santa Catarina, mas, através de seus
descendentes, é levado à posteridade enriquecendo, sobremaneira, a dimensão
sócio-cultural dos catarinenses88.
87
GROSS, Alfredo. Hunsrücker Mundart in Brasilien. Porto Alegre: Própria, 2001, p. 14.
Registramos nossos agradecimentos às seguintes pessoas pela colaboração no processo de desenvolvimento
desse artigo: Alexandre Back (São José-SC), Alexis M. V. Cabezas (Jena, Alemanha), Brigitte Brandenburg
(Joinville-SC), Carlos Eduardo Steiner (Campinas-SP), Daniel Silveira (São Pedro de Alcântara-SC), Elisabeth
Egarter (Juiz de Fora-MG), Fernando J. Korndorfer (Curitiba-PR), Fernando Sestrem (Florianópolis-SC), Henry
Fred Ullrich (Blumenau-SC), Izolino Kraus (Águas Mornas-SC), José Semmer (Rio Negro-PR), Lothar Wieser
(Mannheim, Alemanha), Luiz Hames (São José-SC), Luiz Henrique Wissel (Águas Mornas-SC), Osni Antônio
Machado (São José-SC), Renato Weingärtner (Águas Mornas-SC), Waldette Semmer (Rio Negro-PR) e Wandér
Weege (Jaraguá do Sul-SC).
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27