expo zaragoza 2008 - Trupe Agência Criativa

Transcrição

expo zaragoza 2008 - Trupe Agência Criativa
ISSN 1659-2697
ANO 4 | 2008 | N°6
EDIÇÃO ESPECIAL
EXPO ZARAGOZA 2008:
O MAIOR EVENTO DE ÁGUA DO PLANETA
VOZES DA ÁGUA
ENTREVISTAS EXCLUSIVAS
Rigoberta Menchú e Rajendra Pachaurí
Prêmios Nobel da Paz
UM TRATADO PENDENTE
O desafio da água e do saneamento.
Luis Alberto Moreno, Presidente do BID
PORTFÓLIO DE GRANDES PROJETOS
América Latina aproveita a vitrine
mundial da Expo Zaragoza
Ano 4 | 2008 | Nº6
CONSELHO EDITORIAL
Beneditto Braga / Vice-presidente do Conselho
Mundial da Água (WWC). Diretor Agência Nacional
de Águas (ANA) do Brasil.
Maureen Ballestero / Vice-Presidente da Assembléia
Legislativa da Costa Rica. Presidente da Global
Water Partnership América Central.
Claudio Osorio / Assessor Regional em Redução de
Desastres, Iniciativa Água e Saneamiento UNICEF
TACRO
Eduardo Mestre, Diretor da Tribuna da Água,
Expo Zaragoza 2008
DIRETORA GERAL / Yazmín Trejos
EDITOR CHEFE / Boris Ramírez
EDITORA DE ARTE / Carmen Abdo /
www.carmenabdo.com
JORNALISTAS
Boris Ramírez
Daniel Zueras
Miguel Simón
Yazmín Trejos
COLABORADORES
Luis Alberto Moreno, Presidente do BID
Enrique Iglesias, Secretário Geral Ibero-Americano
Danielle Mitterrand, Presidente Fundação
Frances Libertés
DESIGN GRÁFICO / Toni Pereira / ARETHA STUDIO
FOTO DA CAPA / Carmen Abdo
FOTOGRAFIAS
Carmen Abdo
Carlos Acín
Carlos Luna
Cintia Sarría
David Ruiz
Estefanía Abad
Fabio Rodríguez
María Torres-Solanot
Rubén Rodríguez
Sergio Rodríguez
ADMINISTRAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO /
Luis Alonso Ramírez
TRADUÇÃO E EDIÇÃO EM PORTUGUÊS /
Elisa Homem de Mello e Candeias
FALE CONOSCO / [email protected]
Uma publicação promovida
pelo grupo AMANCO
2 AQUA VITAE
CONTEÚDO
PERSPECTIVA
04
BREVES DO MUNDO
42
ECONOMIA HÍDRICA
54
TECNOLOGIA
58
SITES DE INTERESSE
64
18
54
58
11
35
43
49
63
ÍCONES ARQUITETÔNICOS DA EXPO
Torre da Água. Pavilhão Puente. Cidades do Futuro. Sed.
Oikos… modernidade que se relaciona e fala do recurso hídrico
e dos seres humanos.
UM MECANISMO IBERO-AMERICANO
Os dirigentes da Conferência de Diretores Gerais Ibero-Americanos
da Água (CODIA) marcaram presença em Zaragoza,
assumindo compromissos.
Alto Perfil
EXPO ZARAGOZA DEVE ENTREGAR RESULTADOS CONCRETOS PARA O MUNDO
Eduardo Mestre, Diretor da Tribuna da Água, está convencido
de que tanto o Legado como a Carta de Zaragoza devem ser
instrumentos que promovam mudanças, evolução e alternativas.
Alto Perfil
AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS APORTAM DENÚNCIAS, VITALIDADE E ALTERNATIVAS
Pedro Arrojo foi um dos motores do Pavilhão das Iniciativas
Cidadãs, que reuniu 350 organizações sociais do mundo.
Opinião
UM DIREITO HUMANO E DOS POVOS
Danielle Mitterrand, presidente do Frances Libertés e membro do
Fórum Ético da Água escreve artigo de opinião sobre a América
Latina e os recursos hídricos.
AQUA VITAE 3
PERSPECTIVA
Não apenas luzes e espetáculos ficarão, mas
sim, sem dúvida alguma, o fato de ter-se
atrevido a estabelecer um tema fundamental
para a raça humana: sua relação com a água.
Foto: Carmen Abdo
4 AQUA VITAE
Comunicando a transformação
A
água não tem voz, nem tampouco sabe escrever.
Mas os seres humanos acertaram em cheio ao se transformarem em seus porta-vozes, organizando a exposição
internacional Expo Zaragoza 2008, a primeira do gênero,
dedicada exclusivamente ao tema “Água e Desenvolvimento
Sustentável”.
Em 1798, a cidade de Paris foi a primeira a conjecturar o desejo
humano de se aproximar, conhecer, refletir e debater sobre a
água. Duzentos e setenta e cinco exposições depois , a cidade
espanhola realizou a Expo 2008, dando continuidade a esta
tradição humana.
Ficará marcado, para sempre, que a Expo atreveu-se a estabelecer um tema fundamental para espécie humana: sua
relação com a água, mas não do ponto de vista pessimista, e
sim da oportunidade para a mudança, o que tornou o
encontro a maior festa da água jamais celebrada no planeta.
Durante 93 dias de conferências, exposições, espetáculos,
apresentações e muitas visitas, a Expo esteve voltada no
âmbito da diversidade cultural e setorial, para tudo o que foi
realizado, o que se faz e o que há por fazer em prol da água.
A Expo Zaragoza também foi crucial para marcar o acento forte
e profundo da Aqua Vitae. Desde 2006, a revista estabeleceu
sua ambição em se tornar um canal de comunicação de alta
credibilidade e de peso sobre as decisões em torno ao manejo
dos recursos hídricos, como parte de uma iniciativa única e
eficiente em prol da sociedade, bem como para provocar
melhores níveis de qualidade de vida. Em 2007, a revista foi
reconhecida com o Prêmio Latino-Americano e do Caribe
(PLACA) como sendo uma das melhores iniciativas privadas a
nível latino-americano, por isso, em 2008, inspirada nesse
compromisso e com apoio da companhia Amanco – Mexichem,
marcamos presença ininterrupta durante os três meses de
exposição, nos tornando o único meio de comunicação da
América Latina a enviar todas as informações para a região, por
meio do blog www.aquavitae.com, que desde já é uma base de
dados dos pensamentos e propostas mais atuais em matéria
hídrica em todos os seus aspectos.
Desta experiência, tiramos algumas conclusões:
• falta muito trabalho para que os meios de comunicação
ponham em suas pautas um tema tão abrangente, com visões
sociais, ambientais, culturais, educativas e econômicas;
• falta muito trabalho para que os líderes, governantes e
dirigentes assumam um papel mais ativo no setor;
• falta vencer o medo de se abrir para uma participação coletiva
e multisetorial, na qual as empresas, as pessoas, os grupos
organizados, organizações sociais, governo e cientistas cheguem
a propostas integradas, já que a água não tem dono e, mesmo
com visões divergentes, tem um só objetivo: o ser humano.
De qualquer forma, a principal lição é que a Aqua Vitae se
revigora e fortalece o desafio fundamental de servir como ponte,
de ser encontro, fórum, tribuna, capaz de criar consciência sobre
a importância do desafio latino-americano frente à gestão do
recurso hídrico dentro do contexto global.
A Expo Zaragoza 2008 chegou ao fim, mas trazendo uma
grande transformação já em curso pela água. A América Latina
conquistou muito terreno ao ser a primeira potencia hídrica do
mundo, o que a desafia a ser também a primeira potência em
acesso, distribuição, qualidade, educação e nova cultura. Nós
da Aqua Vitae continuaremos trabalhando para levar a
informação mais atual e precisa e continuaremos comunicando
esta transformação.
YAZMÍN TREJOS
Diretora - Aqua Vitae
AQUA VITAE 5
UM TRATADO
PENDENTE, MAS EM
TRANSFORMAÇÃO
O assunto água e saneamento no
mundo e, em particular na América
Latina, têm grandes desafios, mas
também é um forte aliado do
compromisso com as melhorias
necessárias.
Por: LUIS ALBERTO MORENO
Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
Foto: Carmen Abdo.
6 AQUA VITAE
É preciso garantir qualidade,
quantidade e a contabilidade
do recurso hídrico sendo
necessário fortalecer as
instituições de planejamento,
regulamentação e controle
do setor, além de melhorias
na gestão e transparência
das prestadoras de serviço.
Foto: Sergio Rodríguez
Nos últimos 15 anos, a comunidade internacional tem feito
avanços significativos para transformar o acesso a serviços de
fornecimento de água potável e redes de saneamento em um bem
disponível universal. Entretanto, ainda estamos muito longe de
satisfazer tais necessidades básicas de todos os habitantes do
planeta.
Atualmente, 17% da população mundial não bebe água potável,
cifra que se eleva para 40% quando consideramos o acesso a
serviços de saneamento básico. Como conseqüência destas
carências, a cada ano, morrem mais de 1,5 milhão crianças por
diarréia causada por água contaminada e falta de rede de esgoto.
América Latina e Caribe. Melhorias que precisam ser aprofundadas
A América Latina e o Caribe não escapam desta realidade mundial.
Embora nos últimos 20 anos a região tenha experimentado
importantes melhorias, ainda são necessários grandes esforços
para universalizar o acesso aos serviços básicos com qualidade,
continuidade e sustentabilidade.
Entre 1990 e 2004, a porcentagem de habitantes sem
abastecimento de água na região diminuiu de 17% para 9% e a
falta de acesso ao saneamento decresceu de 32% para 23% da
população total.
Estas melhorias quantitativas ocultam sérias deficiências
qualitativas. No final de 2007, apenas 24% da população urbana
contava com sistemas efetivos de vigilância de qualidade da água
potável, enquanto que menos de 50% desta população contava
com redes de encanamento.
As cifras de acesso escondem importantes desigualdades entre
populações de distintos níveis sociais e entre setores urbanos e
rurais. A população mais carente sofre mais com a falta de água
potável: 70% das pessoas que não têm acesso a estes serviços
encontram-se dentro das 20% mais pobres da região. Quando se
fala em serviços de saneamento, a cifra alcança 84%. As zonas
rurais também são as mais afetadas, cerca de 30% da população
não conta com água potável, enquanto que na região urbana o
índice é de 4%.
Para 2015, as Metas do Milênio (ODM) esperam reduzir pela
metade o número de pessoas que, no final do milênio passado,
não contavam com os serviços de água e saneamento. Atingir este
objetivo na América Latina e no Caribe equivale a estender o
acesso à água para aproximadamente 40 milhões de cidadãos,
além de expandir o acesso à saneamento para cerca de 60 milhões
de pessoas, nos próximos 7 anos.
A região conta, no entanto, com suficiente estrutura física que
torna possível o cumprimento das Metas do Milênio em 2015. Mas
é necessário um investimento adicional de aproximadamente US$
30 bilhões. Se o objetivo fosse alcançar uma cobertura de serviços
a nível universal, o montante passaria para US$ 50 bilhões, e
chegaria a US$ 75 bilhões se incluíssemos o tratamento de águas
residuais.
Os indicadores mencionados dão uma idéia tangível da magnitude
do desafio que enfrentamos, mas também é preciso melhorar a
capacidade de gestão das empresas provedoras de serviços, bem
como o ambiente regulador do setor.
As deficiências nestes campos contribuem, a cada dia, para que mais de
200 milhões de habitantes da região recebam serviços em condições
deficientes de potabilidade e continuidade e, em geral, de baixa qualidade.
AQUA VITAE 7
O desafio da região
É preciso garantir qualidade, quantidade e a confiabilidade
do recurso hídrico, sendo necessário fortalecer as instituições de planejamento, regulamentação e controle do
setor, além de melhorias na gestão e transparência das
prestadoras de serviço.
As ferramentas que darão ao nosso país o êxito esperado nesta
agenda de atividades são a disponibilidade de recursos financeiros
que facilitem o financiamento do investimento e o acesso a
cooperação técnica que permita difundir e coordenar as melhores
práticas internacionais na provisão de serviços de água e
saneamento.
A Espanha é um provedor natural de ambos os recursos. Ao
tradicional apetite espanhol de investir na América Latina, agregase agora o Fundo de Acesso a Água Potável e Saneamento,
anunciado pelo Presidente José Luis Rodríguez Zapatero, durante
a XVII Cúpula Ibero-Americana, realizada no Chile, em 2007. A
Espanha deverá aportar US$ 1,5 bilhão neste Fundo para financiar
projetos ligados à água potável.
Por sua vez, a vasta experiência das empresas espanholas no setor
trará um valor agregado significativo na hora de buscar modelos
de referência na gestão e na transparência de operadores. Estes
modelos poderão ser somados aos casos de comprovada eficácia,
existentes na região.
A gestão das empresas
Na América Latina, coexistem uma variedade de modelos bem
sucedidos com participação ativa do setor público e privado.
Refiro-me, por exemplo, à experiência de Puerto Cortés, uma
pequena cidade na costa Atlântica de Honduras. Há apenas 10
anos, as pessoas daí viviam uma grave crise sanitária. Mas graças
ao compromisso sustentável dos prefeitos, ao longo de quatro
mandatos, foi possível gerar um consenso social sobre a
importância de investir não apenas em água potável como
também em redes de esgoto e tratamento de águas servidas.
No Brasil, temos o caso da SABESP, uma empresa pública que
fornece o serviço de água e esgoto para 22 milhões de pessoas
no Estado de São Paulo. Após uma profunda reforma nos anos
90, a SABESP obteve resultados operacionais tão impressionantes,
que pôde lançar ações na Bolsa de Nova York para financiar
centenas de milhões de dólares em obras de expansão.
Também temos o exemplo de Medellin, onde uma ambiciosa
estratégia sanitária foi elaborada há quase 25 anos, contando com
o respaldo do profissionalismo das Empresas Públicas de Medellin
e com o apoio de sucessivas prefeituras. Em breve, a cidade deverá
construir uma segunda usina com capacidade para tratar 100%
das águas residuais.
No Chile, os investimentos privados nas plantas de tratamento
permitirão que, em poucos anos, o país se converta no único da
região a ter tratamento universal de águas servidas.
O que estes exemplos tão diferentes têm em comum? O fio
condutor são os resultados. Sejam públicas ou parcialmente
privadas, estas entidades funcionam como verdadeiras empresas.
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Ou seja, são autônomas e transparentes, e têm diretórios que
exigem resultados específicos. São empresas que geram lucro
suficiente para cobrir os custos de operação, manutenção e, pelo
menos, parte do serviço da dívida para sua expansão.
Mas o mais importante é que estas empresas estão diminuindo a
lacuna que separa ricos e pobres no que se refere à cobertura dos
serviços básicos. Porque, como aprendemos, só as empresas com
solidez em sua gestão e em seus balanços financeiros são capazes
de executar, de maneira sustentável, as obras de expansão.
No BID estamos convencidos de que estes exemplos bem
sucedidos podem ser reaplicados no resto da América. Hoje,
existem milhares de governos municipais em nossa região que
estão dispostos a explorar novas maneiras de resolver os desafios
do setor. A descentralização, combinada com a estabilidade
econômica dos anos recentes, oferece oportunidades incríveis para
se avançar no cumprimento das Metas do Milênio e nos aproximar
mais rapidamente da universalização dos serviços de qualidade.
A contribuição do BID
Desde sua fundação, o BID teve como uma de suas prioridades
estratégicas os serviços de água e saneamento. O primeiro projeto
do Banco, aprovado em 1960, foi para financiar uma usina de
tratamento de água em Arequipa, no Peru.
O Banco está completando 50 anos em 2009. Ao longo de sua
existência, manteve uma presença ativa nestes setores da América
Latina e do Caribe, por meio de uma carteira ativa de
empréstimos com e sem garantias soberana, além de apoios
que se concretizaram através de produtos financeiros, sob
a forma de assistência técnica a entidades reguladoras ou
empresas do setor.
A Iniciativa Água e Saneamento é
desenvolvida por meio de Planos Setoriais
para cada país. Cada plano se inicia com
uma análise específica sobre a situação do
país, seus desafios e alternativas de solução
para os problemas que impedem o
desenvolvimento do setor e o cumprimento
das Metas do Milênio.
Para consolidar e potencializar esta presença, lançamos durante
nossa Assembléia Anual de Governadores – realizada em 2007,
na Guatemala - a Iniciativa Água e Saneamento.
O objetivo desta Iniciativa é apoiar os países da região para que
alcancem acesso universal aos serviços sanitários, de forma
sustentável, com qualidade, confiabilidade e levando em conta a
capacidade de pagamento da população para cada um deles. Por
meio dela, impusemos a nós mesmos quatro metas para 2012:
Para se atingir os ODM, é preciso estender o acesso à
água para aproximadamente 40 milhões de cidadãos,
além de expandir o acesso ao saneamento para cerca de
60 milhões de pessoas, nos próximos 7 anos. Foto: BID
As ferramentas que darão ao nosso país o êxito esperado nesta agenda de atividades são a
disponibilidade de recursos financeiros que facilitem o financiamento do investimento e o
acesso à cooperação técnica que permita difundir e coordenar as melhores práticas
internacionais na provisão de serviços de água e saneamento.
1)Apoiar 100 cidades de médio porte que queiram estender a
cobertura e melhorar a qualidade de seus serviços de
abastecimento de água e saneamento.
2)Prover financiamento e assistência técnica a, pelo menos, 3 mil
comunidades rurais que tenham os mesmos objetivos.
3)Financiar programas de proteção integral de fontes de água em,
no mínimo, 20 micro bacias hidrográficas prioritárias.
4)Financiar atividades de capacitação e fortalecimento institucional
para operadores do serviço.
Nossa Iniciativa será desenvolvida por meio de Planos Setoriais para
cada país. Cada plano será iniciado com uma análise específica
sobre a situação do país, seus desafios e alternativas de solução
para os problemas que impedem o desenvolvimento do setor, bem
como o cumprimento das Metas do Milênio. Neste momento,
posso informar que, desde seu lançamento, já estamos atuando
em projetos que apóiam 44 das 100 cidades objetivo, com
programas de melhoria de qualidade, cobertura e gestão das
prestadoras de serviços, além de programas que deverão beneficiar
720 das 3 mil comunidades rurais e projetos para 10 das 20 micro
bacias hidrográficas.
Um exemplo emblemático da Iniciativa é o Programa de Água e
Rede de Saneamento da Periferia da Bolívia. O projeto dotará de
infra-estrutura necessária para prestar serviços contínuos e
sustentáveis no setor hídrico e para recolher e tratar as águas
residuais no perímetro urbano de três regiões metropolitanas do
país, beneficiando 1 milhão de novos usuários. Trata-se de um
empreendimento liderado pelo BID, com um custo total de US$
150 milhões e aportes em contrapartida da Bolívia. Empresas como
KFW, CIDA, SIDA e GTZ expressaram seu interesse em participar.
Neste ano, o volume de financiamento que o BID deverá outorgar
ao setor deve alcançar mais de US$ 1 bilhão, quase o triplo da
média de aprovações anuais dos últimos 5 anos. Estamos
AQUA VITAE 9
cooperação entre prestadoras de serviço e melhorar a eficiência
dos mesmos. O programa já conta com três casos pilotos de
cooperação, que estão em andamento: EPM (Colômbia) e
ENACAL (Nicarágua); SABESP (Brasil) e SEDAPAL (Peru) e; Águas
Andinas (Chile).
Levando-se em conta que o consumo de energia nos sistemas de
água, pode sofrer uma redução de, pelo menos, 25% foi
desenvolvido um esquema de assistência técnica para incrementar
a eficiência energética em empresas prestadoras de serviços
sanitários. O objetivo é reduzir o consumo de energia (e a emissão
de gases do efeito estufa) no setor de água e saneamento. O
programa já está sendo executado com excelentes resultados nas
seguintes empresas e organizações: ANDA em El Salvador
www.anda.gob.sv; ENACAL na Nicarágua www.enacal.com.ni;
ANDESCO www.andesco.com e um Ministério do Meio Ambiente
da Colômbia. www.minambiente.gov.co
Estamos na etapa final da preparação de dois fundos:
- AquaFund: um fundo com multi-doadores de Assistência Técnica
voltado para os setores com recursos não reembolsáveis para o
fortalecimento institucional e de prestadoras de serviços, preparação de projetos, financiamento de programas pilotos e
financiamento de expansão em áreas marginalizadas. O AquaFund
se alimenta de contribuições do BID, de doadores bilaterais e do
setor privado. www.iadb.org
- AquaExpress: uma linha de crédito para empresas que cumprem
com certos critérios de eficiência, transparência e solidez
financeira, com acesso desembaraçado e flexibilidade no uso dos
recursos. www.iadb.org
Presença na Expo Zaragoza
Na América Latina,
coexistem uma variedade de
modelos bem sucedidos com
participação ativa do setor
público e privado. Foto: BID
trabalhando com as autoridades de 14 países para levar a cabo
planos setoriais e esperamos concluir na segunda metade de 2008
o processo de seleção e contratação de pessoal, que deverá
duplicar o número de funcionários que atuam diretamente neste
setor, em todos os países da região.
É claro que isto é apenas o começo e que ainda falta muito para
ser fazer. Por isso, demos impulso a um profundo realinhamento
no BID e introduzimos mudanças e novas ferramentas que nos
permitirão oferecer um serviço muito mais ágil e flexível para
nossos clientes em geral e para o setor hídrico e de saneamento,
em específico.
Novos instrumentos
Dentre os novos instrumentos cabe mencionar os empréstimos –
em moeda local - que permitem eliminar o risco de câmbio
existente no endividamento da moeda estrangeira. Tal modalidade
de crédito já foi utilizada em empréstimos de risco soberano para
o setor no México, no Chile e no Peru.
O Programa de Rede de Empresas Irmãs, patrocinado pelo BID e
pela UN-Habitat, foi criado com o objetivo de promover a
10 AQUA VITAE
Este espetacular recinto da Expo Zaragoza, somado ao
profissionalismo de seus organizadores, à sua paixão e ao senso de
solidariedade do povo aragonês, foi o cenário ideal para transmitir
alguns exemplos do trabalho recente do BID neste setor vital para
a região. Por isso, marcamos presença patrocinando a participação
de representantes de 8 países da América Latina e exibindo 6
experiências bem sucedidas, das quais o Banco participou
ativamente, a saber:
- Programa social e ambiental Igarapés de Manaus, Brasil
- Programa de saneamento de Montevidéu, Uruguai
- Estratégia e Plano Nacional para a gestão integrada de recursos
hídricos, Costa Rica
- Projeto de tubulação de Puerto Cortés, Honduras
- Projeto Montero, Cooperativa COSMOL, na Bolívia
- Programa de saneamento do Rio Medellin, Colômbia
Nosso objetivo, durante a visita à Expo, foi ter a oportunidade de falar com o Gover no Espanhol sobre a
situação do setor hídrico na América Latina e nos
colocarmos à disposição para colaborar com o Fundo
Ibero-Americano para o Acesso à Água Potável e Saneamento. O Banco conta com as capacidades técnicas e
financeiras para acompanhar esta excelente iniciativa
que evidencia, mais uma vez, a permanente preocupação
da Espanha em ajudar a América Ibérica e aprofundar os
laços que nos unem há mais de 500 anos.
ÍCONES
ARQUITETÔNICOS DA EXPO
Pavilhão Puente. Cidades do Futuro. Sed. Oikos… modernidade que se relaciona e fala
de água, tendo como símbolo do ser humano a escultura de uma Torre, capaz de
transformar sua convivência com o recurso hídrico.
Por Boris Ramírez
Foto: Carmen Abdo
A Expo Zaragoza foi caracterizada por uma decolagem arquitetônica impressionante. E não se trata de arquitetura posta em
função da estética, e sim de um recurso comunicativo para atrair a mensagem hídrica e o desenvolvimento sustentável em praças
temáticas que formam, em cada material construtivo, em cada linha de desenho e em cada espaço, um plano de confronto entre
o visitante e a realidade da água.
Os ícones arquitetônicos da Expo são verdadeiras peças de uma confecção pensada e construída para serem os oráculos que
convidam as pessoas a ter um espaço onde possam desfrutar de um pouco de prazer e de aprendizagem. Arquitetos renomados
mundialmente fundiram desenho-linha-mensagem em obras.
AQUA VITAE 11
Fotos: Carmen Abdo
A Torre da Água é um edifício-escultura em forma de uma
gota d’água. É a ambiciosa proposta do arquiteto Enrique
de Teresa e do engenheiro Julio Martínez Calzón para se
tornar o símbolo da Expo, com seus 76 metros de altura. A
obra, chamada Splash, reproduz o respingo de uma gota
d’água suspensa no ar, no interior do edifício, medindo 21
metros de altura.
12 AQUA VITAE
Fotos: Carmen Abdo
O Pavilhão Puente é um espaço pelo qual ninguém passa
indiferente. Não se trata de um edifício, mas tampouco é apenas
uma ponte. Na verdade, é um artifício da arquiteta iraquiana Zaha
Hadid, a única mulher no mundo a conseguir obter um Prêmio
Pritzker, o mais importante da arquitetura. A ponte foi, sem
dúvida, o acesso peatonal mais importante para a Expo.
Desenhada com uma forma orgânica e curvilínea de 270 metros
de longitude e 7 mil m2, trata-se da única ponte habitável na
Espanha e uma das poucas existentes no mundo.
AQUA VITAE 13
Fotos: Carmen Abdo
Palácio de Congressos. A obra
dos arquitetos Enrique Sobejano e
Fuensanta Nieto é um edifício composto de três partes: um auditório,
um pavilhão multiuso e salas modulares, distribuídas em uma área de
22.850 m2 e nove andares.
14 AQUA VITAE
AS PRAÇAS TEMÁTICAS
Constituem um espaço de reflexão e descanso. Foram desenhadas pelos arquitetos Batlle Roig, Juan Gayarre e
Ricardo Marco e fazem parte de um bulevar ecológico de 370 metros de comprimento e 20 metros de largura.
Fotos: Carmen Abdo
Foto: Carlos Luna
Cidades de Água trata-se de uma
praça aberta sem paredes, simulando
os espaços abertos de uma cidade,
cujo conteúdo principal se refere ao
recurso hídrico como um recurso
urbano. Propõe uma viagem ao longo
de diferentes cidades, relacionadas de
alguma forma com a água.
Água compartilhada. Em uma área
de 900 m2 de superfície, várias
plataformas com diferentes níveis
interconectados por escadas mecânicas alcançam uma altura máxima de
15 metros acima do chão. A idéia foi
conectar o visitante ao desafio de
repensar a gestão de uma bacia
hidrográfica comunitária.
AQUA VITAE 15
Foto: Carlos Luna
Fotos: Carmen Abdo
16 AQUA VITAE
Sed é um gigantesco iglu de sal de 12 metros
de altura, que serviu de espaço para todo o tipo
de soluções tradicionais e de última geração no
combate à sede existe no mundo. Ao caminhar
por ele, podia-se ver o uso desmedido de água
nas cidades, a utilização racionada no deserto,
conhecer as migrações causadas pela busca do
recurso hídrico e os artefatos criados para a
captação de água.
Águas extremas. Por dentro, o espaço simula o momento em que uma
grande onda quebra sobre a praia. Foi
construído com materiais em tons de
azul e texturizados, a fim de dar idéia
da força da água, onde o visitante
podia viver a experiência de um
tsunami e um furacão.
Fotos: Cintia Sarría
Oikos é ambientalmente sustentável, pois
conta com vários dispositivos de captação
de energia, tais como aero-geradores e
placas solares. Um rio percorre o recinto,
que conta com 845 m2 de superfície e com
um pátio central, coberto por um jardim de
aproximadamente 300 metros. O local
tenta provar a possibilidade de transformar
e armazenar energia utilizando tecnologia
de maneira sustentável.
Foto: Carmen Abdo
AQUA VITAE 17
VOZES
DA ÁGUA:
GRANDES
PRESENÇAS
NA EXPO
A Expo Zaragoza foi vitrine ideal para que
muitos líderes, cientistas, intelectuais e
artistas ligados à água aproveitassem para
lançar suas idéias e propostas. Dando
continuidade, registramos um extrato de
muitas destas vozes que, em grande parte,
falaram com exclusividade a Aqua Vitae sob
perspectivas transformadoras.
Rigoberta Menchú. Foto: Sergio Rodríguez
18 AQUA VITAE
CHEIA DE ORGULHO MAIA
RIGOBERTA MENCHÚ está certa de que
parte de sua missão é compartilhar a
cosmovisão de seus antepassados e
continuar em busca do equilíbrio entre
os seres humanos, a Natureza e a água.
por Boris Ramírez
Sobre suas costas está a herança de 5.124
anos de ensinamentos de seu povo. E,
mesmo sendo a mais famosa das vozes
dos atuais netos dos maias, Rigoberta
Menchú caminha devagar e segura, de
seus olhos negros saem olhares que
transmitem sossêgo, de sua boca brotam
palavras que trazem acentos ancestrais do
Livro Sagrado: o Popol Vuh.
Caminhava pelas ruas da cidade de
Huesca (a 70 km de Zaragoza) com a
simplicidade característica de um vencedor de um Prêmio Nobel pela Paz.
Huesca parou para recebê-la e ouvir sua
mensagem, a primeira a constar no
documento Palavras da Água, realizado
no marco da Expo Zaragoza 2008. No
Teatro Olímpia, Menchú apresentou seu
livro “Água e Humanidade - uma
existência recíproca”, o qual dedicou a
ca çã o di reta c om el a, em s uas mai s
variadas manifestações”. Mas esta
re l a ç ã o mudou.
Após uma coletiva para imprensa, realizada no Palácio de Villahermosa, a
ganhadora do Prêmio Nobel pela Paz
conversou com a Equipe Aqua Vitae sobre
os desafios e a urgência de arregaçarmos
as mangas para restaurar o equilíbrio com
a Mãe Natureza.
Como devemos interpretar os ensinamentos dos maias em uma perspectiva atual com relação à água?
Não podemos fazer uma nova interpretação, já que a mensagem de nossos
ancestrais é bastante simples e nos obriga
a viver em equilíbrio. Não pode haver
nenhuma interpretação em relação a isso.
A cosmogonia maia fala sobre respeito e
isso não se trata de uma forma de vida, é
algo que se pratica desde os níveis
espiritual e material.
da água e dos filhos da Mãe Terra.
O que o povo latino-americano deve
aprender e ensinar em relação ao
manejo adequado da água?
Não temos o conhecimento suficiente de
tudo o que devemos fazer, nem sequer
nas comunidades indígenas, onde muitas
práticas e circunstâncias afetam a relação
que devemos ter com a Natureza. O que
sabemos é que é preciso levar em conta
três aspectos importantes:
1- Educação para todos, para se aprender
a conviver com a Natureza.
2- Investimento público para a preservação das bacias hidrográficas na
América Latina, onde há um grande
abuso no uso da água, principalmente na
agricultura.
3- Uso eficiente dos recursos econômicos
que sejam voltados para cuidar e usar o
líquido sagrado.
Quais os ensinamentos que devemos
resgatar desta visão maia para
cuidarmos da água nos dias de hoje?
Por onde começam estas responsabilidades?
O respeito por ela. Sabemos que no seio
da Mãe Terra há um ser líquido que
chamamos Água. Os maias cuidam e
Pelas famílias, que devem aprender como
consumir água; pelas comunidades, que
devem cuidar das fontes d’água; pelos
“Sabemos que no seio da Mãe Terra há um ser líquido chamamos Água.
Os maias cuidam e protegem a água, mas ainda assim existem
muitas ameaças a serem enfrentadas.”
todo o mundo, especialmente ao Continente latino-americano.
“Ser planta, ser vento, ser natureza é ser
água”. Os Povos Primitivos nos ensinam
que a vida, vista da cosmogonia maia, é
prática e simples de se entender. “Ser
natural é ser água”, não há por onde
enredar-se.
Em seu livro, Menchú tenta ser clara com
sua mensagem: “para recordarmos a
grandeza da Mãe Água, o povo maia
criou e transmitiu de geração em geração
uma ampla variedade de práticas
culturais, relatos, histórias, contos e
lendas que cultivam uma relação de
respeito, de alimentação e de comuni-
p ro t e g e m a á g u a , m a s a i n d a a s s i m
e x i s t e m m u i t a s a m e a ç a s a s e re m
e n fre n t adas .
O que é preciso mudar imediatamente
na administração dos recursos hídricos?
As mudanças mais urgentes devem
garantir uma legislação nacional e
internacional que ajude a proteger a
água, nelas deve ficar claro que a água é
um bem universal e geral da Humanidade. Neste ponto, há polêmicas com o
tema da privatização das fontes e dos
aqüíferos, mas ainda bem que existem
espaços como a Expo Zaragoza, para
discutirmos e buscarmos soluções que,
necessariamente, precisam ser em favor
governos, que devem se comprometer
com obras; pelas ONGs, que têm grande
responsabilidade e experiência na luta
pelos valores dos direitos humanos e cuja
missão é buscar melhores condições para
o acesso à água e soluções para os
problemas sanitários.
Qual deve ser o papel das empresas?
Devem aprender a ser responsáveis com
projetos ou com programas que gerem
sensibilidade. Sei que existem muitos
esforços neste sentido, mas deve haver cada
vez mais, porque há outras empresas que
ainda deixam muito a desejar e precisam
aprender a respeitar e a conviver.
AQUA VITAE 19
MARINA SILVA, A POTENTE
VOZ DA AMAZÔNIA
Seringueira, professora do ensino
primário, senadora e ministra do
Meio Ambiente. Uma das mulheres
mais influentes do mundo no compromisso ambiental.
por Yazmín Trejos
À primeira vista, trata-se de uma pessoa
de aparência simples e tímida, mas
quando fala se transforma em uma
potente voz com peculiaridade não para
metralhar e ofender, e sim ensinar e convencer.
Marina Silva conhece profundamente a
natureza. Cresceu na espetacular selva
amazônica do Brasil. Dela se nutriu, com
ela aprendeu, viveu e ainda vive, para
honrá-la. É deste patamar que pede aos
“governos, comunidades e empresas que
trabalhem juntos em temas tão importantes como a água”.
Quando pequena, trabalhava com a extração da borracha. Em sua casa, lhe
contavam muitas histórias e lhe
ensinaram a somar, mas foi aos 16 anos
que entrou na escola. Utilizando o que
havia aprendido, não só com os números
mas também com as letras, tornou-se
professora e, em seguida, ativista ao lado
Chico Mendes e Leonardo Boff. A vida a
levou ao Senado e a ser Ministra do Meio
Ambiente do Brasil.
Até hoje, se julga entregue às causas ambientalistas, não por meio da luta, mas
sim da palavra, garantindo aos que a
ouvem conhecimento e aprendizagem.
“O importante é buscar soluções que
levem a tomar medidas políticas para um
“Este é o recado
para as empresas:
mudem não apenas a
maneira de fazer,
mudem a maneira de ser.
Quando nós mudarmos a
nossa forma de ser,
teremos um novo fazer.
Isso é valido para
políticos, cientistas
e todos nós.”
20 AQUA VITAE
Marina Silva. Foto: Carmen Abdo
país, porque os governos passam, mas os
países ficam”.
O que significa a Expo 2008 para você,
o que a trouxe aqui?
Tem certeza de muitos assuntos, mas
sobretudo de que algo deve ser feito para
resolver a questão da dialética entre
desenvolvimento e proteção ambiental,
levando em conta a natureza e as
comunidades.
Primeiramente porque acredito ser um
espaço privilegiado de divulgação, de
comunicação, de boas práticas, de boas
experiências. Sobretudo um espaço em
que se podem trazer diferentes setores,
diferentes segmentos para um comprometimento, ainda que seja um
comprometimento difuso, com algumas
questões importantes para a proteção dos
recursos hídricos e uso sustentável deles,
mas ainda assim, é um espaço muito
valioso. E outro aspecto é o fato de ser
um terreno privilegiado, pois une investimento com conhecimento, o lúdico
com as denúncias de realidades dramáticas. Acho que esses movimentos
Esteve na Expo Zaragoza 2008 para
entregar seu livro “Novas estratégias para
frear a devastação na Floresta Amazônica” e concedeu uma entrevista exclusiva a Aqua Vitae, ampliando nossos
horizontes sobre um tema que a
apaixona, tanto que se tornou uma das
100 mulheres mais influentes no mundo,
segundo a Revista Times.
colaboram, cada vez mais, para que
pessoas e instituições criem laços. Há de
se ter o cuidado de não nos transformarmos em participadores de eventos,
e sim participadores de processos que
constituem redes que sejam feitas por
laços, que se fazem e desfazem, e não
nós que nos deixam presos. Ter a clareza
de que é possível, em cima de princípios
éticos e valores morais duradouros, fazer
alianças pontuais para se alcançar
determinados objetivos comuns. Isso é
válido para política, empresas e pessoas e é
altamente positivo.
Quais seriam os principais desafios para
a América Latina na questão ambiental?
Primeiro, de continuar buscando um
caminho próprio, pois no nosso desafio
está posta uma equação que é única: não
há como separar meio ambiente de
desenvolvimento e vice-versa. Pois ainda
não atendemos as necessidades básicas e
fundamentais do nosso povo.
Os países que já atenderam estas
necessidades podem estabilizar suas
economias, não é o nosso caso. Fazer isso,
seria condenar milhões de pessoas a viver
em pobreza. Temos que buscar uma nova
forma de caminhar que possibilite crescer,
gerar empregos, inclusão social, sem
repetir os mesmos erros gerados em
outras regiões do mundo. Ou seja: para
eles é “descarbonizar” suas economias,
para nós, é não carbonizar a nossa. E para
isso só existe um caminho: o desenvolvimento sustentável.
Quais seriam os principais atores
desta mudança?
São agentes diversificados. Existe um momento em que os governos ocupam a
posição de arco que impulsiona a flecha,
mas em outros momentos, eles ocupam a
posição de flecha impulsionada pelo arco
da sociedade. Acho que estamos vivendo
um momento em que a sociedade se
colocou na posição de arco, querendo
uma resposta, tencionando os governos
para que induzam processos de gestão
dos recursos naturais, que não comprometam estes recursos para as futuras
gerações, até porque uma parte deles já
está comprometida para as gerações
presentes. E este movimento de arco
também começa a influenciar a vida das
empresas, que começam a pautar determinados assuntos e questões, pois
percebem que seus usuários/clientes
querem ser parceiros na viabilização de
valores, não querem comprar coisas,
querem adquirir valores. Ninguém quer
levar uma mesa para casa que tem
trabalho escravo, injustiça social e
ambiental. Você pode levar uma mesa e
sentar-se em volta dela e imaginar: esta
mesa ajudou as pessoas a melhorarem
suas vidas, ajudou a melhorar as florestas,
a proteger a biodiversidade. Este é o
recado para as empresas: mudem não
apenas a maneira de fazer, mudem a
maneira de ser. Quando nós mudarmos a
nossa forma de ser, teremos um novo
fazer. Isso é valido para políticos,
cientistas e todos nós.
O que você acha que o Brasil pode
fazer para ajudar na mudança em
relação à água na AL? Como o Brasil
pode se tornar um líder para AL
neste sentido?
O Brasil pode manter esse exercício
pelo exemplo e pela liderança frater na. Transferir os conhecimentos
que temos, nossas experiências. Buscar o apoio junto aos países desenvolvidos para que possamos repassar
esta experiência para países em
desenvolvimento. E não entrar na
lógica de levarmos as coisas prontas
para nossos parceiros, pois eles têm de se
tornar auto-suficientes, toda e qualquer
ajuda na agricultura, na gestão das
águas, das florestas, da biodiversidade,
dos conflitos sociais que não possam ser
endogenamente resignificadas por aquela
cultura, por aquela sociedade, são
artificiais. Isso foi o que levou à crise
alimentar que vivemos hoje: toda ajuda
dada para a África, sobretudo, foram
ajudas artificiais dos europeus. Não foi
um processo com os africanos. Nós temos
de deixar de fazer as coisas para as pessoas
e fazermos com as pessoas. Acho que o
Brasil precisa liderar pelo exemplo, inclusive
nesta nova atitude.
Você se julga uma mulher de fé. Qual a
relação entre espiritualidade e água?
Uma das relações mais radicais entre
espiritualidade e água está na Bíblia: “no
princípio o Espírito de Deus pairava por
sobre a água...” Deus disse: “Faça-se a
luz, faça-se as plantas, os animais, faça o
homem”... Mas Ele não disse: “Faça-se a
água”. Logo, se existe uma coisa que não
temos como fazer é a água, pois ela já
estava feita. RISOS
A Revista Times disse que você é uma
das 100 mulheres mais influentes do
milênio. O que acha disso?
Acho que são escolhas simbólicas. Recentemente, foi escolhida uma lista com
cinqüenta pessoas, dentre elas cientistas,
políticos, pessoas do mundo das artes etc.
Isto para mostrar que elas representam
determinados segmentos da sociedade.
Eu sempre digo que o representante não
substitui o representado. Assim, me sinto
honrada de fazer parte deste grupo, mas
sempre com a consciência e o sentido de
que sou representante de algo e não que
substituo aquilo que estou representando.
COMO DAR SUSTENTABILIDADE
HÍDRICA A UMA DAS MAIORES
CIDADES DO MUNDO
JOSÉ LUIS LUEGE, diretor da CONAGUA
México, apresentou o desafio para se
alcançar o equilíbrio para matar a sede
de 20 milhões de pessoas.
por Daniel Zueras
O diretor geral da Comissão Nacional de
Água (CONAGUA) do México, José
Luis Luege, Explicou na Tribuna da
Água a necessidade do “Programa de
sustentabilidade hídrica do Vale do
México”.
O Programa espera trazer segurança
hídrica para a Cidade do México, cuja
população duplicou nas últimas três décadas, chegando a 20 milhões de
habitantes, e com os problemas de infraestrutura resultantes. Este Programa, que
segundo Luege, “é o maior do país e um
dos mais importantes do mundo”, pretende reverter o enfoque atual para uma
visão de sustentabilidade no país, tratando 100% de suas águas residuais.
Um dos objetivos do programa é reutilizar
as águas tratadas “e tornar potável
alguns reservatórios que ainda faltam”.
Todas as águas residuais do Distrito
Federal devem ser tratadas, “pois ainda
não são”, afirmou Luege.
A condição para os próximos quatro
anos é a criação de seis grandes
u s i n as de tratamento. Numa primeira
eta p a , d e v e r ã o s e r e c o n o m i z a d o s
AQUA VITAE 21
15 metros cúbicos por segundo de água
do aqüífero do Vale do México. O investimento
total é de quase US$ 4,5 bilhões. Para isso,
Luege conta com “o apoio técnico, científico e
financeiro do exterior”.
O caso do Vale do México é bastante
especial, já que o Distrito Federal foi
aterrado num local onde, antes, havia um
lago de dois mil km2. A ação do ser
humano, “uma luta fratricida para remover
a água superficial e poder construir nos
melhores terrenos”, fez com que a cidade
passasse a enfrentar uma crise hídrica. E,
embora chova bastante, o ecossistema dos
lagos foi destruído e a água passou a
escorrer de maneira acelerada.
Estima-se que o consumo de água na
capital asteca seja de 80 metros cúbicos
por segundo, dos quais quase 60 metros
cúbicos são extraídos do lençol freático,
“quando a quantidade máxima deveria
ser de 15 metros cúbicos por segundo”.
Para acabar com este problema, a CONAGUA iniciou o “Programa 15”, com o
objetivo de diminuir a extração de 60
metros cúbicos para os 15 metros cúbicos
aceitáveis. Em uma primeira etapa, a
quantidade será de 45 metros cúbicos,
reduzindo, à princípio, 15 m3 de água
por segundo. “Esperávamos alcançar este
objetivos até 2015, mas por exigências do
presidente Calderón, a data fixada foi 2012”.
De todos os rios que abasteciam o vale
antigamente, hoje resta apenas um
pequeno córrego, chamado Magdalena,
“que deve ser cuidado como uma
relíquia”. O restante foi canalizado ou
transformado pelo homem em drenagens.
Desta forma, a reposição dos lençóis
freáticos está quase destruída e sofre uma
exploração brutal, sendo que o mais
explorado do mundo é o lago Texcoco,
cerca de 800% acima de sua capacidade.
Tudo isso provoca um grave problema na
Cidade do México: ela está afundando,
literalmente. Luege assinala: “foram
provocadas inundações catastróficas”. A
cidade afunda 10 centímetros por ano, 10
metros por século, destruindo a infraestrutura civil, pontes, ecossistemas…”.
O México tem uma participação ativa
na Expo Zaragoza. Quais os objetivos
que buscam aqui?
Participar e compartilhar nossas experiências, bem como aprender com a expe22 AQUA VITAE
José Luis Luege. Foto: Carmen Abdo
O consumo de água na capital asteca chega a 80m3/s, dos
quais, cerca de 60 são extraídos do lençol freático,
"quando o máximo deveria ser de 15m3/s"
riência de outros países e empresas.
Nosso programa estratégico, determinado
pelo Plano Nacional Hídrico 2007-2012, é
ambicioso e precisamos de recursos
financeiros e transferência de tecnologias.
Estamos aqui apresentando projetos
federais e estatais que necessitam de
fortes investimentos.
Estão buscando financiamento?
O México tem investimentos em quantidade e os recursos financeiros são
fundamentais. O Presidente do BID, Luis
Alberto Moreno, esteve conosco e
advertiu para o fato de que a AL requer
US$ 150 bilhões em investimentos em
água e saneamento. Mas não buscamos
só financiamento, também queremos que
companhias internacionais se interessem
por nossos projetos, conheçam nosso
Por ser um dos maiores consumidores
de água, o país precisa conseguir
incrementar tecnologicamente o uso da
mesma, pois estaremos assim liberando importantes quantidades de
água para o consumo humano e
deixaríamos de super explorar as fontes.
Se o setor investir em tecnologia, então
haverá água.
Sendo um dos maiores consumidores
de água, será que este setor está
pagando corretamente por ela?
O setor agrícola é quem recebe os
subsídios mais altos, além do setor de
geração de energia, por isso consideramos importante implantar processos
de tecnologia para que consumam menos
água ou que incorporem os processos
produtivos da água.
ESQUECEMOS DA VISÃO
RURAL QUANDO FALAMOS
DE ÁGUA
INÉS RESTREPO, pesquisadora da Universidade do Vale da Colômbia, fez um
amplo estudo dos desafios que os
países da AL têm com relação ao
manejo, uso e aplicação de tecnologias
para aproveitar os recursos hídricos.
por Boris Ramírez
Inés Restrepo. Foto: Carlos Luna
trabalho e participem deles. Nossa meta
é tratar 100% das águas poluídas do Vale
do México, para isso precisamos de US$
2 bilhões.
Quais são as obras mais urgentes?
A construção de seis usinas de tratamento: a de Guadalupe, a de
Berriozábal, Nextlalpan, Chiconauatla,
Zumpango e a de Atotonilc, considerada
uma das maiores do mundo, já que
deverá ter capacidade para despoluir 23
metros cúbicos por segundo.
Este nível de investimento também
requer auxílio técnico e aplicações
tecnológicas?
Os investimentos privados que buscamos
também têm um objetivo de colaboração
internacional no âmbito científico e
tecnológico. Aqui na Espanha existe
muita tecnologia em tratamento de água.
Com o investimento privado, conseguiremos também a construção das
usinas de despoluição.
Um dos principais componentes do
Plano Hídrico é o incremento tecnológico do setor agrícola. Por que isto
tem tanta importância?
“A sustentabilidade hídrica em comunidades rurais: avanços, experiências e
lições”, este é o título do novo livro da
coleção Palavras da Água. Sua apresentação veio acompanhada de uma lição
magistral de Inés Restrepo, do Instituto de
Pesquisas e Desenvolvimentos em Abastecimento de Água, Saneamento Básico e
Conservação do Recurso Hídrico da
Universidade do Vale, na Colômbia.
“A maioria dos tecnocratas que propõem
soluções para as regiões rurais nunca nem
viveram lá”. A própria Restrepo se inclui,
ao indicar que os engenheiros, assim
como ela, buscam soluções que, muitas
vezes, nem ao menos tiveram a opinião
das pessoas que poderiam se beneficiar delas.
A especialista conta que existem muitos
aspectos sobre o uso da água no mundo
AQUA VITAE 23
rural, os agricultores acabam sendo
classificados como desperdiçadores,
quando na realidade, os estudos demonstram totalmente o contrário. “Foram
realizados alguns estudos junto às
famílias que se dedicam a pequenas produções agrícolas na Colômbia. Nestes
estudos, pudemos constatar que uma
família do campo usa cerca de 210 litros
por dia, enquanto que uma pessoa que
vive na cidade chega a usar aproximadamente 300 litros/dia”.
Restrepo apresenta uma realidade diferente. “As pessoas da zona rural sabem
que a água é fundamental, pois são
conscientes de que sem água teriam de
vender a terra”, por isso cuidam da água
e sabem usá-la.
“Na maior parte de nossos países, ser
uma pequena comunidade significa não
existir”. Esta frase faz parte do ensaio de
Restrepo, que a explica: “os órgãos internacionais revisam os indicadores referentes à infra-estrutura construída, sem se
importarem se as obras foram bem feitas
ou se o capital foi bem gasto, sem se importarem com as pessoas. Os indicadores
deveriam incluir mais as pessoas”.
Seu discurso está voltado para o fato de
que “a opinião das pessoas que vivem nas
regiões rurais deve ser levada em conta,
dado que suas necessidades são diferentes”. Para isso, considera fundamental
responder às seguintes questões: O que é
uma família campestre? Como esta
família usa a água? Para quais atividades
usam a água? Quanto e qual a qualidade
da água que necessitam? Quem são os
mais vulneráveis?
No caso da Colômbia, todas as perguntas
já têm uma resposta, graças a um estudo
feito em 2005, junto às comunidades
rurais: uma família formada por 4 pessoas, 1 cachorro, 10 galinhas, 5 porcos e 5 vacas,
com um espaço de 400 metros quadrados de
terra cultivada e um jardim em volta da casa,
gasta 191 litros de água por pessoa/dia em
usos domésticos e produtivos; nos finais de
semana irrigam a terra e durante a época de
seca, a regam a cada três dias. Quando
consomem café, o consumo de água aumenta
em 58 litros por pessoa/dia e se tiverem um
tanque com peixes, o número sobe para 420
litros d'água por pessoa/dia.
24 AQUA VITAE
Segundo Restrepo, esta informação é
importante, pois ajuda a determinar as
ações que devem ser empreendidas para
o uso e consumo da água em “setores da
população que têm produções em pequena escala que, embora não cheguem a
representar nem 1% do PIB da Colômbia,
representam a vida inteira de uma
família”. Sem isso, esta família teria de se
mudar para a cidade e continuaria
criando círculos de pobreza.
“Foram realizados alguns
estudos junto às famílias que se
dedicam a pequenas produções
agrícolas na Colômbia. Nestes
estudos, pudemos constatar
que uma família do campo usa
cerca de 210 litros de água/dia,
enquanto que uma pessoa
que vive na cidade chega a
usar aproximadamente
300 litros d'água/dia”.
Restrepo foi ampla em vários temas que
se resumem em desafios/ações que
devem ser postos em práticas na AL.
Fazer um melhor uso da água da chuva.
Esta é uma região com alto nível pluviométrico (a costa pacifica da Colômbia é a
segunda mais chuvosa do mundo), mas
muito mal usada. Não sabemos aproveitar, só se desperdiça.
Tratamento de água para reuso. A água
deve ser tratada para que possa ser
reutilizada em sistemas de irrigação, e
com tecnologia adequada, pode servir até
para consumo humano. Os sistemas de
fornecimento de água potável e de irrigação estão mal planejados. Só existem
gestões para a oferta, não para a demanda.
Tecnologia com parâmetros rurais. A
tecnologia não pode ser transferida de
maneira igual de um país para o outro,
deve haver um estudo de investigação
prévio, que permita incorporar, de maneira efetiva, as aplicações tecnológicas.
“É uma pena que milhões de dólares
sejam jogados fora em aplicações que,
em seguida, ficam obsoletas ou que
ninguém sabe usar”.
Produtos contaminados. Muitos setores
com pequenos e médios produtores usam
água para irrigação vinda de fontes de
águas superficiais contaminadas. “Tivemos
um caso na Guatemala, assim como em
outras regiões da América Central, em que
a irrigação era feita com água não potável,
fazendo com que os produtos do Tratado de
Livre Comércio, produzidos com estas águas
fossem impedidos de entrar nos EUA, já que
não cumpriam com os controles de
qualidade fito-sanitários”.
Planejar o uso da água para comunidades rurais. Já que estas representam
unidades econômicas de pequena escala
que são sustento para milhões de
pessoas. “Na Colômbia – relata
Restrepo – o camponês é proibido de
gastar mais de 100 litros de água,
enquanto que nas regiões urbanas o
seu uso é indeterminado”.
Controle de contaminação de fontes.
As grandes contaminações das fontes de
água são causadas por usos indevidos de
pesticidas, fertilizantes e atividades de
mineração. “Há casos comprovados de
contaminação de pessoas por substâncias
químicas, isto é um sinal de alerta”.
A mudança climática e a qualidade da
água. Os fenômenos climatológicos associados ao aquecimento global estão
fazendo com que muitas das fontes
usadas para o consumo humano se
tornem vulneráveis, dado que inundações
depositam nelas grande quantidade de
sedimentos.
Para Restrepo, as soluções devem ser
dadas “em uma nova relação entre
sociedade e natureza, que deve ser
mediada pela tecnologia, em um contexto
que determine a sustentabilidade”. Nesta
nova relação, para a Natureza deve-se
levar em conta a biodiversidade, a energia
e o solo; para a sociedade, o ambiente
humano, cultural e econômico; e para a
tecnologia, a investigação, o desenvolvimento e a inovação.
Apenas desta forma “a gestão integrada
do recurso hídrico verá a água como um
conector e aglutinador, onde aprenderemos
a incluir no ciclo da água a participação dos
seres humanos, para entender qual nosso
papel dentro deste ciclo”.
falhas do sistema antes da catástrofe”.
Fala com conhecimento de causa. “Hoje,
1,5 bilhão de pessoas vivem em regiões
com problemas relacionados à água. Essa
quantidade deverá aumentar para 5,5
bilhões até 2050”. Pachaurí destaca que
a solução está em “envolver o capital
social para proteger a saúde; incrementar
programas de informação e educação,
promover boas ações nos governos, bem
como mudanças nos sistemas de segurança sanitária”.
O ganhador do Prêmio Nobel tem informações suficientes para apresentar cifras,
mas, acima de tudo, para propôr o caminho da segunda opção, que deve ser o
escolhido para que possamos promover
mudanças positivas e mitigar os efeitos
do aquecimento global. No caso de
América Latina (AL), reconhece os esforços positivos realizados na cidade de São
Paulo (Brasil) e na Costa Rica.
Ao ser consultado sobre as tarefas pendentes da AL, no que diz respeito às
mudanças climáticas, ele diz que “há
muito trabalho a ser feito, existem regiões
onde a degradação dos recursos naturais
é crítica”.
Reconhece, entretanto, os esforços importantes realizados na região, como é o
caso de São Paulo. “Encontrei boas iniciativas nesse tema, durante uma viagem
que fiz”, mas deu mais ênfase ao caso
dos países da América Central.
Rajendra Pachaurí. Foto: Carmen Abdo
PRÊMIO NOBEL DA PAZ
RECONHECE ESFORÇOS NA
AMÉRICA LATINA
RAJENDRA PACHAURÍ, O Prêmio Nobel
da Paz 2007 junto com Al Gore, reconhece os esforços positivos empreendidos em São Paulo e na Costa Rica para
enfrentar as mudanças climáticas.
por Boris Ramírez
Seu aspecto taciturno lhe concede uma
áurea especial, que combina muito bem
com seus traços hindus. O Dr. Rajendra
Pachaurí, presidente do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre
Clima e Prêmio Nobel da Paz 2007, o qual
divide com o vice-presidente dos Estados
Unidos, Al Gore, fala de maneira pausada, mas profunda.
“O mundo tem duas opções: ou esperar
por uma catástrofe, proveniente das
falhas do sistema, das dificuldades, da
distorção e da auto-decepção, ou criar
uma cultura que proporcione esquemas e
equilíbrios sociais que possam corrigir as
“A Costa Rica é um bom exemplo de
compromisso para com as mudanças
climáticas, por seus programas ambientais, como é o caso do carbono zero, sobre
o qual todos os países da AL e do mundo
deveriam saber”, comentou Pachaurí.
Convidado para participar da Expo
Zaragoza 2008, Pachaurí deu um amplo
panorama dos efeitos do aquecimento
global, do degelo das regiões polares,
bem como do aumento dos níveis do mar
e seus impactos na água.
Para o especialista, em matéria de água,
é necessário estabelecer regulamentaçõ e s e p a d rõ e s , b u s c a r f o n t e s d e
energi a apropri adas , mu danças nos
estilos, práticas sustentáveis, além de
AQUA VITAE 25
regulamentar e pagar pelas emissões de
carbono na atmosfera.
Insiste no fato de que para acabar com os
impactos nos recursos hídricos são
necessárias ações fundamentais como
produção de fertilizantes, pesticidas que
tenham menos impacto nas fontes de
águas; controle dos impactos nos
ecossistemas a fim de proteger estas
fontes; programas de reflorestamento;
mudanças nos sistemas de irrigação e de
tratamento das águas residuais.
Eis algumas das mudanças apresentadas e compartilhadas pelo Dr. Pachaurí
durante sua conferência:
- De 1900 a 2000, a temperatura
aumentou 0,074°C;
- Nos últimos 50 anos a temperatura
aumentou 0,128°C;
- As emissões de gás carbônico (CO2) sofreram
um incremento de 70% entre 1970 e 2004;
- Caso as emissões de CO2 continuem
causando impacto no aquecimento
global, este poderá atingir uma variação
entre 1,8 a 4°C neste século;
- O mundo está experimentando a mais
intensa e longa seca dos últimos anos, em
várias regiões.
É PRECISO FALAR MAIS DE
ENCANAMENTOS E ESGOTOS
BLANCA MORENO-DODSON, assessora
do Banco Mundial (BIRD) recorda que a
ONU estabelece que “para cada dólar
investido em água e saneamento, nove
dólares são gerados em benefícios
sociais e econômicos.
por Boris Ramírez
O acesso à água e aos serviços de
saneamento básico têm impactos no
crescimento econômico dos países, pois
oferecem condições produtivas, sanitárias, educativas e sociais, que incidem em
indicadores de melhoria na qualidade de
vida das pessoas. Este é o argumento
central exposto por Blanca MorenoDodson, assessora indicada pelo BIRD no
tema relacionado à redução da pobreza e
administração econômica, para a Tribuna
da Água, realizada na Expo Zaragoza 2008.
“Antes de investir em computadores e
26 AQUA VITAE
Blanca Moreno-Dodson. Foto: Carmen Abdo
tecnologia, deveríamos pensar em rede
de esgotos e banheiros nos países em
desenvolvimento, embora seja menos
glamuroso do que falar de fibra ótica,
ainda assim é preciso que haja boas
condições sanitárias para se gerar bemestar social”, afirma a especialista.
Em sua apresentação, Moreno-Dodson
menciona uma frase escrita por Vitor
Hugo, em 1862: “o bem-estar de uma
sociedade é conhecido pelo estado de
seus esgotos”. Com isso quis deixar mais
evidente a necessidade de investimento
no setor sanitário e dos governos
priorizarem programas sociais em função
da água e da rede de saneamento básico.
“A tecnologia é mais bem absorvida em
sociedades que contam com o acesso à
água e ao saneamento”, já que do contrário –
insiste ela – tudo o que for feito neste sentido
não será suficiente se não houver melhoria nas
condições de vida das pessoas.
Desta forma, Moreno-Dodson explica
que, faltando pouco tempo para o
cumprimento das Metas do Milênio
(ODM), uma série de fatores estão
acentuando a pressão sobre a água,
incidindo diretamente no alcance dos
objetivos estabelecidos, quais sejam:
- Maior demanda de água em economias
emergentes como China e Índia.
- Aumento na expectativa de vida.
- Melhorias na qualidade de vida das
pessoas.
- Processos de crescimento urbanístico
acelerados.
- Crise do mercado alimentício.
- Efeitos da mudança climática.
- Aumento no preço do barril de petróleo.
A Equipe Aqua Vitae falou com MorenoDodson sobre a relação da água como
sendo um recurso econômico, social e
sanitário.
Qual a verdadeira importância da
água no setor econômico?
Há quatro efeitos fundamentais, que
medem a água como sendo um valor
econômico, bem como seus impactos
relacionados:
1- Efeito direto na produtividade, receita
e no trabalho. A água possibilita os
setores produtivos gerarem valor
econômico a partir da produtividade.
2- Complemento que se deve dar entre os
capitais públicos e privados para a
geração de projetos. Exemplo: quando o
setor público investe em projetos
voltados para água e saneamento,
propicia investimentos privados que,
por sua vez, geram empregos e atividade produtiva. O setor privado pode
ainda participar de projetos voltados
para estes serviços básicos.
3- Ajustes de custos em épocas de secas
ou escassez, que permitam um controle
efetivo do consumo de água, bem como
do uso da mesma em irrigações,
produções e indústrias.
4- Melhorias fundamentais nos setores de
saúde e educação, produzindo variáveis
sócio-econômicas vitais. Exemplo: se não
há água, de que adianta construir um
hospital?
Por que a água vem sendo mencionada como uma contribuição para
o desenvolvimento econômico?
O tema já vem sendo tratado há muito
tempo, mas agora está mais em voga
porque é preciso deixar claro que
investimentos em água e esgoto são
vitais, já que uma população saudável é
mais produtiva; crianças sãs aprendem
mais e melhor e não abandonam os
estudos. Isto favorece a capacidade
econômica dos países. A ONU já
estabeleceu que para cada dólar investido
em água e esgoto, US$ 9,00 são gerados
em benefícios sócio-econômicos.
"Antes de investir em
computadores e
tecnologia, deveríamos
pensar em rede de esgotos
e banheiros nos países em
desenvolvimento, embora
seja menos glamuroso do
que falar de fibra ótica,
ainda assim é preciso que
haja boas condições
sanitárias para se gerar
bem-estar social", afirma
a especialista.
Quais os países que dão maior relevância
para este assunto, e desde quando?
É difícil estabelecer uma data, mas não
creio que exista algum governo que ache
que o tema não é importante. No entanto, quando analisamos os orçamentos das
Uniões é possível ver que este não é um
assunto prioritário. Os governos devem
ver o tema como sendo um fator de
desenvolvimento sócio-econômico.
Qual sua visão futura com relação ao
tema e o que ainda falta ser feito
dentro deste contexto?
Considero importante continuarmos reforçando o assunto como sendo um bem
público e básico, que deve ser levado em
conta nos investimentos em infraestruturas, já que tudo o que for desenvolvido neste aspecto contribuirá para
o crescimento das pessoas e dos países.
Quando visitei o Pavilhão da América
Latina , pude ver que um dos objetivos da
Expo Zaragoza é conscientizar as pessoas
sobre o bom uso da água e isso é
importante. Todos os países trazem
mensagens neste sentido, mas é
importante também discutir a responsabilidade dos governos de investir em
água e saneamento, para que a
população tenha melhores condições
de vida. Es tes s ão al guns dos as pec tos que devem ser priorizados na AL
e n o m undo.
O que é mais importante: a água
como recurso econômico ou como
recurso social?
A água tem um papel fundamental na
saúde e, portanto, na vida das pessoas.
Sendo assim, acredito que, como bem
público, deva ser algo garantido à
população. A discussão é clara: em
relação à saúde e ao desenvolvimento, a
água é básica, só assim deixaremos de ter
que contabilizar as mortes de milhares de
crianças por consumo de água poluída.
Mas trata-se também de um recurso
econômico, por ser capaz de gerar
bem-estar, quando a sociedade decide
investir no recurso.
ATERCIOPELADOS: MÚSICA
FANTÁSTICA, MENSAGEM
DE COMPROMISSO
“Isto foi só um ensaio, nos vemos daqui
a pouco”, disse, com a maior simplicidade, Andrea Echeverry, enquanto
a platéia ovacionava a presença do
grupo colombiano Aterciopelados.
por Yazmín Trejos e Boris Ramírez
Ela estava plena, cheia de vida… a sua
e a do filho que carregava na barriga.
Héctor Buitrago, em conversa com a
equipe Aqua Vitae, contou-nos sobre
seu compromisso com a causa pela
Água na Colômbia. De fato, estão há
poucos passos de conseguir que um
referendo sobre a água no país se torne
realidade www.aguayreferendo.blogspot.com e
cantam em conjunto com outros artistas para recuperar o Rio Bogotá, um
dos mais contaminados do planeta.
www.encolombia.com/medioambiente/
hume-plantatratamientorio.htm
Este compromisso não é apenas da
boca pra fora, é também uma realidade. A tal ponto de sua nova proposta
musical se chamar “Rio”, lançada entre
setembro e outubro simultaneamente na
América Latina e nos Estados Unidos.
O concerto foi único e intimista com um
calor que já brota em muitos cantos da
América Latina. A platéia não parava de
brincar, gritar e cantar junto com o grupo
que, com sua arte, cobria todos com amor.
Héctor concedeu uma entrevista exclusiva em nome do grupo, onde deixou
claro estarem cantando pela Natureza e
pela água.
AQUA VITAE 27
O que um grupo como o Aterciopelados
pretende passar em prol da natureza e da água?
Mais que denunciar, queremos levar
uma mensagem, sobre tudo aos jovens,
que são nosso público alvo, para que
saibam o que está acontecendo.
Estamos prestes a lançar nosso próximo
CD, que deverá se chamar “Rio”, em
homenagem a esta consciência que
temos desenvolvido.
O que os leva a se comprometerem
com a causa da água?
Nosso compromisso com o meio
ambiente já vem de longe. Em nosso
CD “Caribe Atómico”, estabelecemos
um tema com os oceanos. Existe uma visão
apocalíptica sobre o tema e escrevemos
sobre isso há dez anos. O tema água é um
dos que mexe com todos os cidadãos.
Mas vocês conseguiriam levar mensagens, sem deixar de denunciar,
com uma visão mais positiva do tema?
As guerras pela água já começaram.
Embor a nã o se ja m n e ce s s a ri a me n te
conflitos armados, afetam como um
t i ro a s c o m u n i d a d e s q u e a re i v i n d i c a m , a s o r g a n i z a ç õ e s n ã o g o v e rname nt a is que e x i g e m re s p e i to a o s
di rei tos hum a nos e o s p o l í ti co s i n s ti gad os a a pre se nta re m s o l u çõ e s .
O que fazer para que as pessoas se
envolvam mais?
1- Denunciar para que haja mais consciência. 2- Sensibilizar os jovens. 3- Ter
maior participação política.
O Aterciopelados está vinculado ao
tema do referendo pela água na
Colômbia. O que pretendem com
essa participação?
Necessitamos de 1,5 milhão de assinaturas antes de setembro deste ano,
para que possamos pressionar os
senadores colombianos a reconhecerem
a água como um direito humano.
Temos nos envolvido muito com o
tema, bem como com a campanha pela
recuperação do Rio Bogotá, um dos
mais contaminados do planeta.
O Estado é responsável pelos ecossistemas e por sua recuperação. Houve
avanços em algumas áreas, mas ainda
faltam políticas claras.
28 AQUA VITAE
Aterciopelados. Foto: David Ruiz
O que envolve a recuperação do Rio
Bogotá?
Nossa idéia é incutir, sobre tudo nos
jovens, o pensamento de que rio é vida,
recordar que o rio é a conexão entre as
pessoas e que ele é parte de nossa
existência. Com o lançamento de nosso
novo CD estaremos organizando atividades para criar consciência.
Como o público vê um conjunto musical ser tão ativista em um assunto de
grande conteúdo político?
Com
surpresa
por
parte
das
autoridades, com estranheza para
alguns, mas queremos conectar aqueles
que não têm nenhum tipo de
conhecimento à respeito do tema.
Convidamos outros grupos de artistas
para lançar outro CD chamado “Água,
cantos para que flua”. Doamos uma
canção, assim como os outros grupos,
e o portal foi doado por Benjamín
Jacanamijoy, filho de um famoso Xamã
colombiano.
Como vocês se vêem unidos à Expo
Zaragoza 2008 e qual a mensagem
que trazem?
Nosso representante aqui na Espanha
nos contou sobre o evento e nos
interessamos muito mais quando
soubemos que tudo estava relacionado
com o tema água. Todos nós devemos
trabalhar em prol da água e temos de
estar conectados com este tema.
AMÉRICA LATINA
PORTFÓLIO DE GRANDES PROJETOS
por Boris Ramírez
A América Latina aproveitou a vitrine mundial
da Expo Zaragoza para mostrar seus grandes
planos ligados à água: inovação para conservar
o recurso hídrico; cooperação conjunta para
aproveitar bacias hidrográficas; programa
para reconstruir sustentabilidade hídrica e
o maior projeto hidráulico da região.
Foto: Carmen Abdo
AQUA VITAE 29
O bras são amores e não boas razões,
reza o dito popular. Mas a presença da
América Latina na Expo Zaragoza 2008
tem obras, amores e boas razões. Basta
rever as grandes iniciativas apresentadas
para comprovar que ainda há muito para
ser feito, mas que também há muita
vontade para fazê-lo.
Quando se fala de água é preciso fazê-lo
do ponto de vista da governabilidade,
entendida como o mecanismo que deve
permitir uma visão e participação multisetorial no manejo integral do recurso
hídrico, no qual os governos, as comunidades e as instituições devem debater
de maneira aberta e transparente a
construção de legislações modernas,
sistemas de informação, mecanismos de
transparência na administração de fundos
que sejam usados para os projetos e
iniciativas de cobertura dos serviços de
água e saneamento. Existe governabilidade quando:
1- Existe uma autoridade que regulamente
água no mais alto nível nacional.
Foto: Carmen Abdo
30 AQUA VITAE
2- A formação de uma lei moderna que
permita a participação multi-setorial.
3- Disposição de recursos humanos idôneos para cumprir tarefas.
4- Disposição de recursos financeiros adequados.
5- Informação confiável, de livre acesso e
transparente.
É desta forma que os grandes projetos em
andamento e na agenda da América
Latina respondem a esta incumbência. “No
que se refere à água, devemos pensar em
projetos em longo prazo e sermos
ambiciosos, como pretendemos com nosso
Plano Nacional Hídrico, que nos indicará o
rumo de maneira geral”, afirmou o
Engenheiro Marco Velasco, coordenador
dos Assessores da Comissão Nacional da
Água (CONAGUA) do México.
Maria Emilia Freire, consultora em
finanças e economia do Departamento
Urbano de Desenvolvimento Sustentável
do Banco Mundial (BIRD) tem uma visão
bastante semelhante, indicando que é
preciso reforçar “a coordenação dos
setores públicos e privados, a fim de se
gerar planos responsáveis em gestão
ambiental. O desenvolvimento urbano
requer enfoques multi-setoriais que
permitam uma transformação de políticas
em coordenação com os países, visando a
procura de um sistema integrado que leve
em conta os desafios e também as
necessidades dos setores usuários de
serviços públicos como a água”.
A America Latina, partindo de uma
iniciativa inovadora do Equador, apresentou um projeto para preservar a água
nas regiões com grande riqueza petrolífera, em troca de obter recursos
internacionais; exemplos de manejo de
bacias hidrográficas compartilhadas, que
geram grandes benefícios sociais e
ambientais; o programa de reconstrução
da sustentabilidade hídrica do Vale do
México e o maior projeto hidráulico da
região, no Rio São Francisco (Brasil).
A riqueza de Yasuní
Trata-se de um projeto inovador e considerado prioridade pelo
governo do Equador, por ser um modelo de obtenção de recursos
que vêm da comunidade internacional em troca da conservação do
petróleo localizado abaixo da terra, na bacia de Ishpingo –
Tambococha – Tiputini (ITT), no Parque Nacional Yasuní. Ou seja,
conservar a riqueza natural e as fontes de água aí localizadas.
Segundo dados oficiais, o Equador pode receber US$ 350 milhões
por ano como produto da não exploração petrolífera da bacia ITT,
preservando tal reserva aqüífera, reduzindo as emissões de dióxido
de carbono, conservando a biodiversidade e contribuindo para
com a minimização dos efeitos negativos da mudança climática. O
projeto enquadra-se nas linhas previstas pelo governo do país, de
acordo com o Plano de Desenvolvimento 2007-2010, cujo objetivo
é proteger o meio ambiente e melhorar a qualidade de vida da
população equatoriana.
Além de viável, o projeto é uma inovação na área de captação de
recursos por proteção do recurso hídrico, através das seguintes
formas: substituição da divida, formação do Fundo Yasuní-ITT,
construção do Vale Y-TT, avaliação financeira e econômica dos
lucros alcançados com a preservação das reservas extraíveis de óleo
cru do campo ITT, localizadas abaixo da terra. Existe um
compromisso de preservar a integridade física e cultural das
populações dos tagaeri e dos taromeanani, localizadas dentro da
reserva. O Parque Nacional Yasuní está situado nas províncias de
Orellana e Pastaza e, atualmente, possui 982 mil hectares. Em
julho de 1979, foi nomeado como parque nacional e em 1999, a
UNESCO o declarou Reserva da Biosfera. Em 1999, a parte sul do
parque e a reserva étnica Huaoraní foram declaradas zonas intangíveis.
d
Plano Trifinio
Há 11 anos, El Salvador, Guatemala e Honduras criaram a Comissão
Tri-nacional de Plano Trifinio www.sica.int/trifinio. Este é um dos
exemplos de integração, para administrar bacia hidrográfica trinacional do rio Lempa, cuja extensão é de aproximadamente 7,6
km2, sendo uma unidade ecológica presente em 45 municípios
dos três países.
Julián Muñoz Jiménez, Secretário Executivo Tri-nacional, coloca o
projeto como sendo uma lição para os governos fomentarem estes
processos de integração, além de lhes permitir reconhecer a água
como sendo um bem ambiental, social, econômico e regional, do
qual se valem para combater a pobreza e a degradação ambiental
de regiões sob impacto; proteger a área tri-nacional de
Montecristo, uma região de alto valor ecológico; inovar a cadeia de
valor sustentável na produção eficiente de hortaliças, o que levou
a população a criar uma marca com denominação de origem
Trifinio e, por fim, promover a administração da água como um
bem público regional.
AQUA VITAE 31
Catamayo-Chira
Quando há vontade, há possibilidades. Essa é a lição que o
manejo integrado da bacia hidrográfica Catamayo-Chira
www.catamayochira.org aporta para as bacias binacionais da
América Latina. A Catamayo-Chira passa por territórios do
Equador e Peru, cuja população chega a 600 mil pessoas. O
projeto estabelece formular um “Plano de Acordos para
Gestão Integral e Compartilhada da bacia, que permita um
uso racional dos recursos hídricos e possibilite o
desenvolvimento sócio-econômico e sustentável em beneficio
da população vinculada”, afirmou José Hermoza, assessor
técnico do projeto, que conta ainda com o apoio internacional
da Agência Espanhola de Cooperação Internacional (AECI).
Os responsáveis pela bacia hidrográfica Catamayo-Chira
sustentam que o programa propiciou uma gestão integrada
dos recursos hídricos, que implica num manejo de recursos
naturais, vistos ambos dentro de um ecossistema da bacia
hidrográfica, cuja superfície é de 17 mil km². Do lado
equatoriano, a bacia ocupa 14 dos 16 cantões da província de
Loja, que equivalem a 66,82% do território da província. Já no
lado peruano, ocupa parte das províncias de Sullana, Ayabaca,
Huancabamba, Morropón, Paita, Talara e Piura, ou seja,
27,91% do território da Região Piura. Nesta região, existem
17 zonas de proteção natural. De fato, há um total de 1.479
Km2 oficialmente protegidos, o que representa mais de 8,5%
do território da Bacia Hidrográfica, sendo que quase 60% da
população economicamente ativa (PEA) trabalha no setor
primário: agricultura, pecuária, silvicultura, caça e pesca.
Pilcomayo
Esta bacia une a Argentina, o Paraguai e a Bolívia em
trabalhos conjuntos e sua extensão é de mais de 96mil km2,
abastecendo uma população de 1,3 milhões de pessoas
www.mopc.gov.py/www2004/web_pilcomayo/comision.html.
Arturo Liebers explica que é preciso encontrar balanços
importantes entre os países que compartilham a bacia
hidrográfica, lenvando-se em conta, acima de tudo, as
bacias alta e baixa. O manejo tri-nacional foi iniciado em
1994 e, em fevereiro de 1995, foi criada uma comissão na
província de Formosa (Argentina). O manejo integral da
bacia trabalha com o aproveitamento múltiplo, racional e
harmônico dos recursos da bacia hidrográfica, mediante
um plano de gestão integral. Estudos de impacto
ambiental são realizados e a qualidade da água é
verificada sistematicamente, criando-se um banco de
dados hidrológico, meteorológico e geotécnico.
Para o manejo, foram criados um Conselho de Delegados
e Secretário Geral, um Conselho de Coordenação Trinacional e uma Agência de Bacia Hidrográfica a nível
técnico, estes são os responsáveis pelas decisões, pelos
programas e pela busca de alternativas para o aproveitamento da bacia hidrográfica.
-
32 AQUA VITAE
Reconstruir a sustentabilidade hídrica
O Programa de Sustentabilidade Hídrica da bacia Hidrográfica do
Vale do México é outro dos grandes projetos apresentados pela
América Latina, a cargo da Comissão Nacional da Água do México
(CONAGUA) www.cna.gob.mx. Há mais de 25 anos não são
realizadas obras importantes, por isso algumas decisões estão
suspensas, como a solução para as condições de vulnerabilidade
ocasionadas pelo esgotamento acelerado dos lençóis freáticos do
Vale, de onde se extraem 60 m3 de água/s, enquanto que a reposição
é de apenas 28 m3 de água/s. Outro risco sanitário é a possibilidade
de fraturas sistêmicas na drenagem da Cidade do México. Atualmente, o deslocamento é de 165 m3 de água/s, sendo necessário
deslocar ainda o dobro do fluxo de águas para se evitar inundações.
Outro desafio pendente é a construção de segundo túnel de
drenagem profunda, que seja capaz de conter o volume de águas
na Cidade do México, cujos riscos aumentam com as crescentes
temporadas de chuva. Some-se a isso o fato de apenas 6% das
águas residuais serem tratadas.
O Programa de Sustentabilidade espera:
- Diminuir a super exploração dos lençóis freáticos, mediante a
substituição de água de poços artesianos por água tratada, utilizada
na indústria ou na agricultura. Fortalecer e ampliar o Sistema
Cutzamala e regulamentar novos assentamentos humanitários para
conservar as zonas de reposição.
- Proteger e incrementar, mediante ações integrais, toda a extensão das regiões florestais do Vale do México, além do Bosque
de Água, como é conhecida a confluência do Distrito Federal com
o Estado de Morelos e o Estado do México.
- Ampliar a capacidade do sistema de drenagem da Região
Metropolitana, mediante a construção do Emissário Oriente.
- Tratamento de 100% das águas residuais do Vale do México, por
meio de seis grandes usinas de tratamento.
AQUA VITAE 33
Projeto de gigantes dimensões
Em todo o Brasil se pensa grande e desta forma o Ministro da
Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, apresentou o maior
projeto hidráulico de seu país e da região. O projeto da bacia do
Rio São Francisco www.integracao.gov.br/saofrancisco prevê
abastecer de água cerca de 13 milhões de pessoas, bem como
gerar uma série de obras de recuperação e de usos eficientes da água.
O Projeto é considerado estratégico para que o país ofereça
segurança hídrica às pessoas e para que se possam desenvolver
outros projetos empresariais, cujos impactos sejam positivo na
sociedade. Segundo Vieira Lima, está bem claro quais as
pretensões deste Projeto: “o governo brasileiro considera a água
como sendo um bem e um direito humano fundamental”, e parte
para explicar que o “objetivo número um é abastecer e prover de
água a população da região e os animais, além de dar segurança
às empresas que queiram investir no local”.
A bacia hidrográfica do Rio São Francisco tem quase três mil km de
extensão e irriga 636.920 km2, incluindo os Estados de Minas
Gerais (MG), Bahia (BA), Pernambuco (PE), Sergipe (SE), Alagoas
(AL), Goiás (GO) e o Distrito Federal (DF), ao longo da qual estão
503 municípios, com quase 15 milhões de habitantes. O rio São
Francisco atravessa regiões com condições naturais das mais
diversas. As partes extremas superior e inferior da bacia
apresentam bons índices pluviométricos, enquanto os seus cursos
médio e sub-médio atravessam áreas de clima bastante seco. O
projeto, realizado em conjunto com a coordenação do Ministério
do Meio Ambiente e o Ministério de Integração, conta com os
seguintes programas:
- Revitalização do Rio São Francisco. Visa recuperar a bacia
hidrográfica, afetada por situações de vulnerabilidade e degra34 AQUA VITAE
dação ambiental, a partir de programas de saneamento básico,
reflorestamento, tratamento de resíduos sólidos, controle de
processos erosivos e gestão integrada de micro bacias
hidrográficas, com a participação de comunidades tradicionais,
pescadores, artesãos, agricultores e colonos da reforma agrária.
- Integração das bacias hidrográficas do São Francisco com as
bacias do Nordeste setentrional, a fim de assegurar a oferta de
água, até 2025, para aproximadamente 13 milhões de pessoas
habitantes de pequenas, médias e grandes cidades da região semiárida dos Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do
Norte, que padecem da seca. A água retirada do Rio São Francisco
deverá ser equivalente a 1,4% da água que corre em seu leito e que
desemboca no Oceano Atlântico. Ou seja, de cada 1,1 mil litros das
águas do São Francisco que chegam ao mar, serão retirados apenas 14
litros para as bacias hidrográficas do Nordeste setentrional.
- Hidrovia. Com o objetivo de promover ações de melhoria na
navegabilidade do rio, no trecho de Ibotirama (BA) a Petrolina (PE)
e Juazeiro (BA) a estrutura fluvial está sendo adequada às operações
de modificação do leito do rio dragando, reflorestando e
protegendo as margens do mesmo. Num levantamento de pontos
críticos a serem revitalizados, verificou-se que a extensão é de 12
km, dos quais 100% da margem esquerda já estão concluídos.
- Água para Todos é um programa para implantar sistemas
simplificados de abastecimento de água a população rural,
priorizando as regiões semi-áridas.
UM MECANISMO IBERO-AMERICANO
OS INTEGRANTES DA CONFERÊNCIA DE DIRETORES
GERAIS IBERO-AMERICANOS DA ÁGUA (CODIA)
ESTIVERAM EM ZARAGOZA CONSOLIDANDO
COMPROMISSOS PARA ALCANÇAREM OS
OBJETIVOS DO MILÊNIO.
Foto: Carmen Abdo.
P
POR ENRIQUE IGLESIAS
Secretário Geral Ibero-Americano
ara a comunidade ibero-americana, pensar em água é pensar
nas grandes bacias do Orinoco, do Paraná, do Amazonas; no
grande lago nicaragüense Cocibolca; ou no Aqüífero Guarani,
um imenso rio formado por águas da chuva, que supera as
superfícies da Espanha, França e Portugal juntas. É pensar
também nesse grande Oceano Atlântico que une a América
Latina à Península Ibérica: nossa Comunidade Ibero-Americana.
Esta iniciativa, da qual participam ativamente Chile, Espanha,
Peru e Uruguai, é um plano de trabalho que deverá ter duração
de 36 meses e que se concentrará em programas de formação
e de transferência de tecnologia para melhor administrar os
recursos hídricos da comunidade ibero-americana, além de facilitar
o acesso e o saneamento a milhares de pessoas na região. A
mesma poderá ser aplicada em outros países da região.
Por isso, a idéia central do pavilhão da Secretaria Geral IberoAmericana (SEGIB), na Expo Zaragoza, foi "A água que nos une".
As Nações Unidas, a União Européia e a SEGIB foram as únicas
organizações internacionais que participaram da Expo Zaragoza, a
grande festa da água e uma ocasião única para transmitir o
potencial e as conquistas da região nos temas hídricos.
A gestão da água, um recurso vital em todo o mundo e
particularmente na América Ibérica, é um assunto que os
governos têm assumido com firmeza no marco das Cúpulas
Ibero-Americanas. Tem-se estimulado uma cooperação mais
estreita entre os países, que resulte num melhor aproveitamento e em assegurar o acesso à água potável e ao
saneamento de toda a população.
A gestão da água na América Ibérica
Com este espírito, a SEGIB convocou, no último dia 20 de
junho, a Conferência de Diretores Gerais Ibero-Americanos da
Água (CODIA) - juntamente com o Ministério do Meio
Ambiente, Rural e Marinho da Espanha-, ocorrida no recinto
da Expo Zaragoza e que contou com a participação dos 22
países ibero-americanos que se ocupam, por meio de
instâncias, da gestão hídrica em cada país.
Além de outros temas associados com as diversas facetas da gestão da
água na região, os dirigentes analisaram a evolução da Iniciativa IberoAmericana "Formação e Transferência Tecnológica em matéria de
Gestão Integrada de Recursos Hídricos", aprovada na XVII Cúpula
Ibero-Americana, ocorrida em 2007, na cidade de Santiago do Chile.
Neste sentido, o presidente do Governo espanhol, José Luis
Rodríguez Zapatero, anunciou durante a XVII Cúpula IberoAmericana a criação de um "Fundo para a água" e se comprometeu a realizar um aporte de, no mínimo, US$ 1,5 bilhão
para os próximos quatro anos.
Em sua intervenção ante o plenário da Cúpula, e com a
presença do Rei Juan Carlos de Espanha, o Presidente disse ter
certeza de que outros países e organizações se unirão a este
Fundo, cujo objetivo será o cumprimento das Metas do Milênio
(ODM) na região ibero-americana e reduzir pela metade, até 2015,
o número de pessoas sem acesso à água potável na região.
AQUA VITAE 35
Foto: SEGIB.
Trabalhar pelo bem-estar
A Equipe Aqua Vitae encontrou Enrique
Iglesias caminhando pela Avenida 2008, no
recinto onde ocorreu a Expo Zaragoza.
Apurado, ia para uma das reuniões da
CODIA, mas aproveitamos para conversar
com ele, a fim de aprofundar o tema sobre o
Fundo para a Água e conhecer os caminhos
para se tirar proveito desta iniciativa.
De que maneira os projetos estão sendo
articulados para que os Objetivos do
Milênio na América Ibérica sejam cumpridos?
É importante que espaços como este realizado em Zaragoza nos ajudem a complementar as Cúpulas Ibero-Americanas, já
que ajudam a articular trabalhos e
determinações comuns. O importante é
criar a sinergia necessária para trabalharmos
juntos pelo bem-estar. No caso da Expo
Zaragoza, é fundamental, já que o tema
água e desenvolvimento sustentável está na
agenda da SEGIB e, acima de tudo, da
Conferência de Diretores Gerais IberoAmericanos da Água (CODIA).
Como surgiu a idéia de reunir a CODIA
na Expo Zaragoza?
De maneira natural. Este é um espaço
propício, que soubemos aproveitar para
nos encontrarmos e discutir, refletir e
analisar especificamente o tema água e
saneamento, objetivando o cumprimento
dos Objetivos do Milênio. A Espanha está
muito envolvida com o assunto na América
Latina, motivo pelo qual aproveitamos a
vinda de todos os diretores para apresentarmos conclusões acerca do tema.
36 AQUA VITAE
Quais as conclusões tiradas?
Tiraremos conclusões importantes, que, em
seguida, tornaremos públicas e constarão
de todos os documentos oficiais realizados
dentro da Expo Zaragoza, como parte desta
dinâmica de buscar soluções e ações de
proposta que visem melhorar as condições
de acesso à água potável e saneamento de
milhares de ibero-americanos.
Para que estes resultados sejam alcançados são necessários recursos
econômicos. Além do Fundo para a
Água – compromisso assumido pelo governo espanhol, durante a última Cúpula Ibero-Americana – quais outros recursos a SEGIB está buscando?
O capital nunca é suficiente, principalmente
quando se trata de saúde e bem-estar. O
Fundo para a Água deve destinar US$ 1,5 bilhão
para programas e ações nos próximos quatro
anos. É para isto que servirá esta nova reunião
da CODIA, para conhecer, em primeira
instância, o que tem sido feito pelos diretores,
o que devemos aproveitar qual o próximo
passo. A SEGIB é um órgão técnico e de
acompanhamento das decisões das Cúpulas
Ibero-Americanas, por isso, com entusiasmo e
responsabilidade, participa destes eventos. Mas cabe aos dirigentes articular
todo o trabalho e tirar o melhor proveito
dos mesmos.
Como os países fazem, ou mesmo as comunidades, para terem acesso a estes fundos e dar
continuidade aos projetos? A quem é preciso
recorrer para se encontrar financiamento?
ENRIQUE IGLESIAS
Secretário Geral-Iberoamericano
Foto: David Ruiz
Devem recorrer à CODIA e à própria SEGIB.
O importante é divulgar tais iniciativas para
que as pessoas, a comunidade e os países
possam apresentar projetos e possam ter
acesso aos fundos.
O que mais a SEGIB aporta com relação
a estes temas?
Parte importante de nosso trabalho é
incrementar o conhecimento, a fim de fomentar uma cultura positiva de cooperação,
de transferência de know-how, que permita
aos países e aos governos se vincular a
setores profissionais das áreas de educação,
cultura e coesão social, e nos meios de
comunicação, para que se interem sobre o
que vem sendo feito, sobre os projetos, os
programas e as possibilidades de financiamento. (veja matéria: Iniciativa de Formação de Recursos Hídricos).
Pelo recurso hídrico
A SEGIB, com sede em Madri, atua como
órgão de apoio institucional e técnico na
Conferência Ibero-Americana e na Cúpula de
Chefes de Estado e do Governo. É formada
por 22 países ibero-americanos: 19 na
América Latina e 3 na península Ibérica:
Espanha, Portugal e Andorra.
As reuniões de Cúpula são o ponto máximo da
Conferência Ibero-Americana. Nelas, os chefes de
Estado e de Governo tomam, em conjunto,
decisões políticas, estabelecem prioridades e
traçam as diretrizes para as ações que deverão ser
desenvolvidas pelos Governos durante o ano
seguinte. Os compromissos assumidos nestes
encontros, reunidos nas declarações finais, são
resultantes de ações concretas de cooperação, em
benefício de nossas sociedades.
Parte de nosso trabalho é
incrementar o conhecimento, a
fim de fomentar uma cultura
positiva de cooperação e
transferência de conhecimento,
que permita aos governos
vincular-se a setores profissionais
das áreas de educação, cultura e
coesão social, além dos meios de
comunicação que se refiram
ao tema água.
Como prova inequívoca da confluência de
interesses e como motor político de uma
cooperação dinâmica e crescente, as reuniões de
Cúpula expressam e reforçam a unidade iberoamericana ao mais alto nível.
Os países participantes são Chile, Espanha,
Panamá, Peru e Uruguai. A iniciativa deverá durar
36 meses após seu início, em 2007, com um
investimento de US$ 1,5 milhão e tem as
seguintes linhas de ação:
Uma destas iniciativas é o Programa de
Formação e Transferência Tecnológica em
matéria de Gestão Integrada de Recursos
Hídricos www.segib.org/iniciativas.
1- Oferecer capacitação e formação em matéria
de gestão integral relacionada à água em toda a
América Ibérica, tanto no âmbito político como
gerencial e técnico, a partir do desenvolvimento
de um programa de formação ativo, flexível e
adaptado à época.
2- Dar ênfase especial à área de saneamento e
depuração em pequena escala, mediante
implantação de uma planta experimental, que
deverá ser instalada no Uruguai.
3- Atuar de maneira reforçada junto às
autoridades locais, regionais e nacionais para
facilitar um melhor planejamento e governabilidade hídrica.
Entre os objetivos desta iniciativa estão a
formação, capacitação e transferência
tecnológica em matéria de gestão de
recursos hídricos, com especial ênfase para
a área de abastecimento e saneamento,
para que, desta forma, possa incrementar o
fornecimento de água e o acesso a rede de
esgotos da população mais vulnerável da
América Ibérica.
4- Apoiar a CODIA e os trabalhos de sua
secretaria técnica.
Os destinatários da iniciativa serão os governos
locais das áreas rurais, as comunidades carentes
de serviço básico de saneamento em toda
América Latina, especialmente mulheres e
crianças destas comunidades, bem como os
grupos técnicos e de pesquisa em matéria de
água e saneamento.
AQUA VITAE 37
ÁGUA SAGRADA…
A EXTRAORDINÁRIA VISÃO DAS CULTURAS PRÉ-COLOMBIANAS
Uma mostra de qualidade com artigos de museu deu dimensão especial
ao Pavilhão da América Latina
Chalchiuhtlicue, Deusa da Água
Foto: Carmen Abdo.
38 AQUA VITAE
C
om um imenso espaço verde, o local foi dedicado, com
respeito e devoção, ao reconhecimento do vínculo sagrado
entre os povos pré-colombianos e a água.
O Pavilhão da América Latina não apenas acolheu todos os
desafios, oportunidades e dádivas regaladas pela Mãe Natureza,
como foi também o palco para uma exposição que mostrou a
cosmovisão dos ancestrais dos povos latino-americanos e sua
relação com a água.
“A mostra refletiu a relação dos indígenas com a água, a partir da
visão de seu mundo natural e sobrenatural. No âmbito natural, por
meio da relação com os costumes agrícolas, e no sobrenatural,
pela relação ritualística de vida e morte, na qual a água
representava um papel importante”, contou o arquiteto Francisco
López Guerra, um dos responsáveis pela montagem do Museotec.
A realização do projeto contou com o apoio do Museu da América,
de onde vieram as peças que estiveram na mostra, bem como com
o Ministério da Cultura da Espanha, com a organização da Expo
Zaragoza e com o patrocínio da empresa Amanco - Mexichem.
Ali, imponentes, estavam algumas peças únicas. No cen t ro ,
i r r a d i a n d o f o r ç a e c o m u m o l h a r d e s a f i a d or,
Chalchiuhtlicue dominou toda a cena. A Deusa da Água exerceu
uma espécie de fascínio. “Veja, os detalhes da peça foram
conservados em excelente estado, é uma maravilha!”, exclamou
López Guerra.
“A mostra contou ainda com
objetos das culturas Nazca, Inca
e Chimu (Peru), Chorotegas
(Costa Rica), Coclé e Veraguas
(Panamá), Astecas, Colima e
Maias (México)e Piaroa
(Amazônia Venezuelana)”
Para todos os astecas, Chalchiuhtlicue era a deusa da chuva e da
água. Possuía o dom da purificação e era conhecida também como
a manifestação da ondulação das marés. Juntamente com o
companheiro Tlaloc, deus da água, possuíam poder sobre este
elemento e o controle das chuvas.
A mostra contou ainda com objetos das culturas Nazca, Inca e
Chimu (Peru), Chorotegas (Costa Rica), Coclé e Veraguas
(Panamá), Astecas, Colima e Maias (México) e Piaroa (Amazônia
Venezuelana). E foi baseada em sete conceitos relacionando a
cosmovisão indígena com a água.
• Origem. Em muitas culturas andinas os lagos, lagoas e
mananciais são lugares primitivos. O próprio sol, a lua e as estrelas
emergiram, segundo os incas, das profundezas do Lago
Titicaca. Para os Astecas, no mito da origem dos cinco sóis,
que narra as sucessivas criações e destruições do cosmos, a
água é fundamental. O quarto destes sóis foi iluminado por
Chalchiuhtlicue.
• Sustento. Por ser um elemento escasso, muitas culturas
idealizaram processos tecnológicos para obtenção de água, como
os sistemas de irrigação dos chinampas astecas; ou, como no caso
dos nascas, no Peru - habitantes do deserto -, que acabaram
criando um sistema de canais e galerias subterrâneas para
aproveitar a água dos lençóis freáticos. Esta tecnologia,
denominada “puquios”, foi a base do desenvolvimento agrícola
e, graças a ela, foi possível combater o longos períodos de seca
que assolaram seu espaço vital.
• Busca. Para muitas culturas pré-colombianas, a água foi uma das
vias de locomoção e contato entre culturas. A água foi também a
busca do conhecimento e para os povos andinos da costa, sua
sobrevivência dependeu fundamentalmente da observação das
correntes marinhas e dos ventos do litoral. A análise do
comportamento de determinados animais marinhos, como o
Spondylus, permitiu à elite sacerdotal andina desenvolver
complexos calendários, que reduziam riscos agrícolas graças à
previsão das chuvas ou das secas.
• Equilíbrio. A chuva está vinculada às boas colheitas e a ordem do
cosmos a uma forma de vida, se esta se rompia, poderia ser a
causa de enfermidades, fome ou desgraça. Para voltar a recuperar
o equilíbrio, o homem deveria voltar às boas com a Natureza. O
princípio do equilíbrio mantém-se vigente na cosmovisão de
numerosos grupos indígenas, especialmente das culturas
amazônicas. Para elas, a realidade material é uma máscara que
oculta a verdadeira realidade existente, com mundos invisíveis
habitados por seres espirituais e essências primordiais.
• Morte. Para alguns grupos aborígenes, o destino final dos seres
humanos estava vinculado ao mundo aquático. O local dos
sepultamentos deveria ser úmido e frio, como lagoas, ilhas ou
covas. No caso das culturas meso-americanas, o além-mundo
apresenta também um caráter líquido definido. Os astecas
consideravam que as rãs possuíam poderes mágicos para conjurar
as chuvas e estavam estreitamente ligadas aos deuses da água,
dos quais eram ajudantes.
• Regeneração. Para a maioria das culturas pré-hispânicas, a água
era a essência sagrada, capaz de dar a vida e sustentá-la, mas ao
mesmo tempo, e dentro da visão da qual estas culturas tiveram do
mundo, a água também foi temida, devido sua capacidade
destruidora. Vida e morte - como parte de um mesmo ciclo - se
faziam, desta forma, presentes no mundo por meio da água. A
maioria das culturas pré-colombianas considerava o tempo como
algo recorrente e cíclico, como um movimento carregado de uma
força infinita, na qual se sucediam diferentes etapas. Nas
cosmovisões, o mundo - tal como o conhecemos - foi criado e
destruído várias vezes, pois nada é estático, tudo precisa ser
regenerado e a água era essencial neste processo. De cada
destruição nascia sempre um mundo novo.
• Reciprocidade. Os rituais e cerimônias em torno aos deuses da
água tinham como objetivo principal o agradecimento, a oferenda
e os pedidos de chuvas constantes - elemento fecundador e
criador. Era obrigação dos seres humanos satisfazer
constantemente os deuses e espíritos tutelares, que lhes proviam
o princípio da vida. Entre as culturas pré-colombianas,
especialmente a inca, esta visão ficou claramente evidenciada por
meio do princípio de reciprocidade, segundo o qual, todas as
coisas possuem um poder espiritual. A aceitação de qualquer dom
ou presente obriga a devolver algo em troca. Este principio
afetava não apenas as pessoas, como também o mundo
espiritual e a natureza.
AQUA VITAE 39
RESULTADOS EXPO ZARAGOZA
CARTA DE ZARAGOZA
POR: BORIS RAMÍREZ
Como resultado final desta jornada mundial, se lança aos governos do mundo um documento que deverá contribuir para a realização
das propostas que milhares de homens e mulheres, seres da água, fizeram para transformar a relação dos seres humanos com o
recurso hídrico. A Carta de Zaragoza é um instrumento que promove mudanças, evolução e alternativas para enfrentar os desafios
ligados à água e ao saneamento. É a parte mais concreta da herança da Expo Zaragoza 2008 e foi pensada como um instrumento
de políticas públicas, de conceitos e princípios claros, de valores que devem ser colocados sobre a mesa para se entender as
mudanças que devem ser relaizadas em relação à água. Este documento será submetido à Organização das Nações Unidas (ONU),
para que seja uma referência mundial acerca dos compromissos e propostas em matéria hídrica.
A Tribuna da Água RECOMENDA:
A. COM CARÁTER UNIVERSAL
B. AOS PODERES PÚBLICOS, USUÁRIOS DA ÁGUA E CIDADÃOS
A1 Que o desenvolvimento das sociedades se dê a partir de critérios de
sustentabilidade e de maneira respeitosa com a natureza.
A2 Que se estabeleçam prioridades e compromissos de interesse geral para a
humanidade em torno da água, fundados nos princípios éticos de
sustentabilidade, transparência e equidade intra e intergeracional.
A3 Que se incentive uma gestão hídrica participativa, eficiente e solidária, de
modo que fomente a responsabilidade individual e coletiva, mediante o
desenvolvimento compartilhado de conhecimentos e experiências.
A4 Que se estabeleçam compromissos e normas para minimizar os efeitos
negativos causados pela mudança climática e pelos fenômenos extremos, e para
a adaptação dessas situações.
A5 Que as soluções e os modelos de gestão hídrica se adaptem aos níveis de
desenvolvimento, cultura e capacidades sociais e econômicas de cada território
e sociedade.
A6 Que as unidades básicas de gestão dos recursos hídricos sejam a bacia
hidrográfica e o lençol freático, inclusive em casos de caráter supranacional.
A7 Que haja em todo o mundo água potável segura e saneamento eficaz, em
regiões tanto urbanas como rurais, mediante o comprometimento global, o
estabelecimento de metas realistas e a adoção de soluções concretas.
A8 Que o abastecimento de água potável e o armazenamento e tratamento das
águas residuais sejam prioritários. As administrações públicas devem garantilos com tarifas justas e que assegurem a cobertura dos custos.
A9 Que a gestão da demanda seja, no mínimo, tão importante quanto à gestão
da oferta nas decisões políticas, estratégicas, de planos, programas e orçamentos.
A10 Que a pesquisa seja incentivada, assim como o desenvolvimento e a
inovação no que concerne a água e que a transferência dos resultados e
benefícios para a sociedade seja acelerada.
A11 Que seja criada uma Agência Hídrica Mundial, cujas principais missões
sejam:
a Preparar e apresentar diante da Organização da Nações Unidas a
Carta de Direitos e Responsabilidades dos Seres Humanos para com
a Água.
b Articular um marco normativo mundial sobre a água, em um contexto de
desenvolvimento sustentável que seja reconhecido pelos países.
c Em matéria de recursos hídricos, preparar e incentivar o desenvolvimento da
Convenção Internacional sobre Mudança Climática, Fenômenos Climáticos
Extremos e Controle de Riscos.
d Impelir à aprovação do Protocolo Internacional para a Gestão Pacífica e
Produtiva das Bacias Hidrográficas transfonteiriças do mundo.
e Assistir aos países que demandem apoio em relação a gestão integrada da água.
f Impelir à educação, aos princípios e valores que, de acordo com o exposto,
suscitem uma ética hídrica adequada.
g Promover a difusão e o intercâmbio eficaz e global de boas práticas, lições
aprendidas, modelos e processos reproduzíveis, experiências que apresentem
sucesso e recomendações, por meio de um centro próprio de documentação e
transferência de dados sobre a água e o desenvolvimento sustentável.
h Promover alianças público-privadas que permitam unir esforços
para se conseguir que o abastecimento e o saneamento universais
sejam uma realidade.
B1 Que os ecossistemas sejam protegidos de maneira eficaz, por seu
valor intrínseco e para se garantir as fontes de água.
B2 Que seja levada a cabo a provisão de serviços básicos de
saneamento e depuração de águas residuais e seus lodos, de acordo
com as realidades locais, e que se incorporem níveis sanitários de
referência mundial, capazes de assegurar a saúde, a higiene e o bemestar.
B3 Que se adotem medidas que garantam provisões básicas de água
potável no interior das moradias ou tão próximo quanto seja possível.
Em situações de pobreza, os governos devem garantir provisões
mínimas de água.
B4 Que no ordenamento jurídico e no desenvolvimento normativo
sejam considerados os hábitos culturais não prejudiciais e os direitos
da população.
B5 Que a gestão dos serviços públicos de água e saneamento seja
submetida ao controle público.
B6 Que a demanda de água seja ajustada e controlada, recorrendo-se
ao mesmo tempo a critérios educativos, informativos, participativos e
tarifários.
B7 Que sejam reduzidos os atrasos nos sistemas de abastecimento
rurais, mediante intercâmbios de experiências e de modelos de gestão
participativa, adaptados e assumidos pela população usuária.
B8 Que se promova e apliquem tecnologias capazes de permitir o
desenvolvimento, a dessalinização e o aproveitamento das águas do
mar, da captação de nuvens e de chuvas, da depuração, da regeneração
e da reutilização da água, com elevada eficiência no consumo
energético de baixo impacto ambiental, potencializando as energias
sustentáveis.
B9 Que, tendo em vista a previsão do crescimento demográfico, os
países considerem a agricultura não apenas como um setor
econômico, e sim como um setor estratégico.
B10 Que se estimulem e difundam medidas para melhorar os sistemas
de irrigação, gerando maior eficiência hídrica energética.
B11 Que se definam modelos financeiros capazes de satisfazer e de
garantir, entre países e instituições, de forma que permitam captar no
mercado o aporte necessário para investimentos em infra-estruturas
hidráulicas necessárias para a prestação dos serviços públicos de
abastecimento e saneamento, bem como para a capacitação dos
recursos humanos necessários.
B12 Que se apliquem critérios de racionalidade econômica capazes de
promover a eficiência e a sustentabilidade, ao mesmo tempo que
incorporem princípios de justiça social e ambiental na gestão hídrica.
B13 Que se estabeleçam políticas integradas para designar a água em
seus diversos usos, sempre que, com isso, se favoreça a eficiência
econômica e a qualidade ambiental.
B.14 Que os cidadãos participem como co-responsáveis na gestão
integrada da água e da sustentabilidade.
B.15 Que os cidadãos assumam que a água é, mais que um recurso de
uso humano, um patrimônio de todos os seres vivos.
40 AQUA VITAE
ZARAGOZA 2008: UMA EXPO SEM DATA DE VALIDADE
Esta Carta de Zaragoza 2008 será recomendada à Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas, ao Bureau International des Expositions e ao Governo da
Espanha, para que impilam suas recomendações.
A totalidade da documentação na qual esta Carta for baseada - informes, debates, sínteses e conclusões – será recolhida, como acervo a ser compartilhado, em diversos
anexos que formam o Legado e a Caixa Azul, e ficará sob custódia da Espanha, como país anfitrião da Exposição Internacional do ano 2008.
Zaragoza, 14 de Setembro de 2008.
Dia da Conclusão da Exposição Internacional Zaragoza 2008.
CARTA DE ZARAGOZA 2008
A Exposição Internacional Zaragoza 2008 foi a primeira na história a tratar, como tema exclusivo, a Água e o Desenvolvimento
Sustentável. A Expo 2008 constituiu um grande encontro internacional, com a presença de cento e quatro (104) países e três órgãos
internacionais, junto a todas as comunidades e cidades autônomas espanholas.
A Exposição, de acordo com os critérios do Bureau International des Expositions (BIE), operou vinculada, em todas as suas fases, com
o trabalho das Nações Unidas em temas ligados à água.
As Exposições, concebidas segundo o espírito do BIE, constituem, atualmente, os acontecimentos internacionais que obtêm mais
participação direta dos cidadãos e constituem um grande exercício de educação cívica. Na Exposição Internacional de Zaragoza, milhares
de visitantes conheceram, com maior profundidade, os problemas hídricos e de desenvolvimento sustentável existentes no Planeta Terra.
A Tribuna da Água, como suporte científico e técnico da Expo Zaragoza 2008, acolheu e propiciou a transferência de conhecimentos,
debates e elaborações de propostas para resolver os principais desafios hídricos presentes, e futuros, da Humanidade. Ao longo de
seções desenvolvidas durante noventa e três (93) dias, a Tribuna foi o acontecimento internacional mais amplo e global sobre Água e
Desenvolvimento Sustentável já existente.
A Tribuna da Água concluiu sua intensa atividade no dia 12 de setembro de 2008, com a apresentação de suas conclusões. Hoje, dia 14
de setembro do mesmo ano, apresenta nesta conclusão a síntese das mesmas, denominada Carta de Zaragoza 2008.
Preâmbulo. Uma nova visão integrada da água
Os participantes da Tribuna da Água reconhecem que a água é essencial para a
vida no Planeta.
Os novos paradigmas sobre água e sustentabilidade pretendem superar a visão
meramente antropocêntrica por entender que, mediante uma gestão integrada
dos recursos hídricos, se protegem ao mesmo tempo a sobrevivência do ser
humano e do Planeta.
Considerando:
1 Que a água e os ecossistemas da Terra devem ser preservados e protegidos.
2 Que o acesso à água potável e ao saneamento é um direito humano que deve
ser garantindo pelos poderes públicos.
3 Que os povos da Terra assumem, por meio dos Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio (ODM), um sério compromisso em relação à água.
4 Que o acesso à água é um potente vetor de desenvolvimento.
5 Que a água desempenha uma função fundamental na produção e transferência
de energia.
6 Que a demanda de água continuará crescendo, principalmente pelos
incrementos demográfico e da economia, o que pode implicar um aumento da
‘marca hídrica’.
7 Que os prognósticos indicam que a mudança climática é capaz de modificar
a disponibilidade e as necessidades de água em todo o Planeta.
8 Que as tecnologias disponíveis permitem produzir água doce a partir da água
salgada e das nuvens, além de regenerar e reutilizar a água a preços razoáveis e
com menores impactos ambientais.
9 Que sobrevivência e transformação do meio rural estão diretamente ligadas
à disponibilidade e ao uso sustentável da água.
10 Que a sustentabilidade da produção de alimentos está diretamente ligada ao
uso eficiente da água.
11 Que a educação, a cultura, a comunicação e a participação hão de ser eixos
de transformação da gestão dos recursos hídricos em todo o mundo.
12 Que é básico para a gestão integrada da água e da sustentabilidade o
fortalecimento de sua governança em todos os níveis, o que implica a maior
participação e co-responsabilidade da sociedade.
13 Que a unidade de bacia hidrográfica é o âmbito territorial mais eficiente para
aproveitar a água e o que melhor permite resolver os conflitos entre países,
regiões ou usuários.
14 Que assegurar vias de financiamento e formas de compartilhar o risco
econômico, sob critérios de sustentabilidade, são indispensável para o êxito das
iniciativas e atuações no âmbito hídrico.
15 Que o investimento em infra-estruturas hídricas nos países em
desenvolvimento seja indispensável para a redução da pobreza e para o
crescimento econômico, sendo os níveis de investimento atuais insuficientes
para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
16 Que a intervenção pública deve tomar a iniciativa para promover a legislação
e a estruturação adequadas dos direitos hídricos.
17 Que a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação são pilares fundamentais que
sustentam o conhecimento, o encontro de soluções, o bem-estar e a
sustentabilidade em matéria hídrica.
© Expoagua Zaragoza 2008 S.A. “Fica proibida qualquer forma de reprodução, distribuição, comunicação pública e transformação desta obra sem contar com autorização prévia dos titulares da propriedade intelectual da mesma”.
AQUA VITAE 41
BREVES DO MUNDO
O Maior do Mundo
Diamer Basha projetou a maior represa de cimento do
mundo. A mega construção, de 212 metros de altura, é uma
das prioridades do governo paquistanês para solucionar a
carência de água para consumo humano e para uso agrícola e
industrial. Com um custo estimado de US$ 8,5 bilhões, a
represa deverá se alimentar das águas do rio Indú, o mais
volumoso do Paquistão. As autoridades tomaram a decisão de
construir a represa diante da necessidade de sustentar a
nas usinas de dessalinização uma opção. A maior da Europa está
sendo construída em Torrevieja, Alicante (Espanha). Trata-se de
um projeto da empresa espanhola Acciona, cuja conclusão está
prevista para o início de 2009 e deverá ter uma capacidade de
produção
de
240
mil
metros
cúbicos.
Uma
vez
em
funcionamento, a dessalinizadora será a segunda maior do
mundo em capacidade, graças à instalação de 24.416
membranas encarregadas de tirar o sal da água do mar por meio
da tecnologia de osmose inversa, a melhor técnica aplicada nos
últimos tempos, já que gera menos impactos no meio ambiente.
demanda de consumo humano, bem como o abastecimento de
74 mil hectares de zonas férteis que tiveram de ser irrigadas
artificialmente por conta da falta d’água. Grupos de oposição
V Fórum Mundial da Água em Preparação
solicitam que o deslocamento de 27 mil pessoas se dê em
condições de melhorias para a qualidade de vida destes habitantes.
O comitê organizador do V Fórum Mundial da Água e
os representantes do Conselho Mundial da Água aproveitaram a
Expo Zaragoza 2008 para fazer o primeiro anúncio mundial de
Sabedoria e Técnica
O Japão enfrenta os desafios hídricos a partir dos
aspectos mais tradicionais de sua história até a tecnologia de
inovação, que lhe permite apresentar-se como um exemplo
mundial. Os estudos mais atuais sobre a situação do recurso são
convocação para o novo fórum, cujo tema será “Conciliar as
divisões (causadas) pela água”. De 16 a 22 de março de 2009, a
histórica cidade de Istambul (Turquia) será o cenário ideal para
este novo encontro, que já conta com o apoio do governo turco,
que espera a presença de 15 governantes, 196 países e 39
órgãos internacionais.
realizados com imagens e vídeos obtidos através da sonda
Kayuga, adaptada com câmaras de alta definição e que permite
obter melhores informações para os cientistas. Além disso, na
Expo Zaragoza, o país apresentou o Simulador Global, um
sofisticado sistema que permite prever as mudanças que
ocorrerão por conta do aquecimento global. Este mecanismo, criado por pesquisadores, fornece dados das
O vice-secretário geral do V Fórum Mundial da Água,
Ahmet Mete Saatçi, explicou que o encontro tem “algumas
diferenças com relação aos anteriores, entre os quais destaca
uma maior participação de distintos setores, entre eles a
sociedade civil”, que foi chamada durante sua participação no
Farol da Expo Zaragoza a se encarregar deste evento.
mudanças climáticas, bem como dos movimentos telúricos,
uma constante no país.
O V Fórum Mundial da Água será dividido em três
processos: um temático, outro regional e outro político. O
primeiro deverá sentar as bases, o segundo aposta nas soluções
Um Projeto de Envergadura
A busca de novas opções diante da falta d’água ou
como medidas para preservar fontes de água potável encontrou
42 AQUA VITAE
locais e o terceiro, no alto da cúspide, deverá ser um lugar para
a tomada de decisões e para a adoção de medidas concretas.
ALTO PERFIL
A EXPO
ZARAGOZA TEM
QUE ENTREGAR
RESULTADOS
CONCRETOS
PARA O MUNDO
Entrevista Exclusiva com
Eduardo Mestre, Diretor
da Tribuna da Água
EDUARDO MESTRE, DIRETOR
DA TRIBUNA DA ÁGUA, ESTÁ
CONVENCIDO QUE TANTO O
LEGADO COMO A CARTA DE
ZARAGOZA DEVEM SER
INSTRUMENTOS QUE PROMOVAM
MUDANÇAS, EVOLUÇÃO E
ALTERNATIVAS PARA ENFRENTAR
OS DESAFIOS LIGADOS À ÁGUA E
AO SANEAMENTO. ALÉM DISSO,
PRECISAM SER REALIZADOS
JUNTO A UMA AGÊNCIA
MUNDIAL DA ÁGUA E A UMA
FUNDAÇÃO QUE ARTICULEM AS
PROPOSTAS QUE, DURANTE 93
DIAS, SE CONCENTRARAM NA
EXPO DA ÁGUA E DO
DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL.
Por Yazmin Trejos e Boris Ramírez
“Se separarmos água e meio ambiente sai sangue, já que são a mesma coisa”
Foto: Carmen Abdo
“Não é ético descansar enquanto crianças morrem por doenças
causadas pela água”. Com essa frase é possível conhecer Eduardo
Mestre, um ser humano metido até o pescoço com os temas ligados à
água e ao saneamento.
Mas diferentemente de outra pessoa que sentiria a sensação de se
afogar, o Engenheiro mexicano tem a convicção de que este é o
momento de arregaçar as mangas e trabalhar nas propostas, em
soluções, em realidades.
Não é hora de mais diagnósticos e trabalhos elaborados sobre o tema.
Este é o tempo de, literalmente, mergulhar para corrigir, transformar
e criar uma nova consciência humana do recurso hídrico, onde as
fronteiras, as divisões, os diferentes pontos de vista, as opiniões
contrárias, o público e o privado, o nacional e o municipal, o
acadêmico e o pragmático se unam em um só porto: a Humanidade.
Convencido de que esta é a fórmula para se continuar neste processo
de mudança e revolução, aceitou ser o Diretor da Tribuna da Água, o
fórum que reuniu 2.800 especialistas do mundo todo e de todas as
AQUA VITAE 43
A Tribuna da Água se transformou em uma enorme aula para disseminar conhecimentos e experiências. Foto: María Torres-Solanot
correntes em Zaragoza, com um único
propósito: propor soluções concretas e se
comprometerem com o mundo de usar a
riqueza azul a partir da diversidade.
Como surgiu e de quem veio a idéia
de criar a Tribuna da Água como um
fórum de discussão e análise dentro
de uma Expo?
Eduardo Mestre dedicou várias horas a
Aqua Vitae. Primeiro, para conhecer
profundamente este projeto, bem como
para dar uma entrevista exclusiva sobre o
que foi, é e será a Tribuna da Água, um
fórum sem data de vencimento, que se
tornou, sem dúvida alguma, o dínamo da
Expo Zaragoza 2008 devido a seus
conteúdos, discussões e propostas que
daí surgiram.
Essa idéia é de Jerónimo Blasco, diretor de
Operações. Quando levaram a idéia para
a Expo, em Paris - eu não estava aqui, e
nem sonhava que estaria - tinham em
mente um espaço de reflexão. Com o
passar do tempo, transformamos em algo
concreto, algo mais que discutir e falar
sobre água. Foi quando várias coisas à
favor aconteceram: o Bureau Internacional
des Expositions (BIE) achou estupendo
adicionar algo semelhante à fórmula de
uma Expo. Acharam que agregaria algum
valor à exposição internacional, embora
vissem o projeto como um valor marginal,
já que o grosso da operação são as
pessoas que vêm visitar os pavilhões e os
espetáculos. Mas a Tribuna da Água
passou a ter um valor residual ou
marginal ao se tornar o centro das
discussões, pois está claro que o que
“Finalizaremos com três instrumentos
fundamentais: O Legado de Zaragoza,
que terá todos os temas, documentos e
propostas a disposição do mundo; a Carta
de Zaragoza, que é um documento de
políticas públicas para que os políticos
tomem decisões; uma Agência Mundial
para Água e uma Fundação, capazes de
articularem os trabalhos por realizar”.
44 AQUA VITAE
re s t a r á d a E x p o Z a r a g o z a é a Tr i buna da Água.
Quais os objetivos que o senhor estabeleceu quando soube que seria o
diretor da Tribuna da Água?
Cheguei aqui como membro do Comitê
Científico da Expo. Cheguei com uma
visão crítica, sem ser destrutiva, mas
consciente de que todas as atenções
estavam bem mais voltadas para o
supérfluo, para o “chamariz” de um
instante e que, depois, desapareceriam.
Eu continuava achando que o importante
não estava sendo abordado. Como crítico, me puseram para trabalhar nos temas da Tribuna da Água. Eu estava na
China e teria de ficar por mais seis meses,
sem minha família.
Pedi respaldo para fazer uma Tribuna da
Água de acordo com minha maneira de
ver as coisas, nem tanto sob o critério que
prevalecia na Expo – com mais temas
voltados para o meio ambiente e menos
para a água -, embora eu não tenha
problemas com temas ligados ao meio
ambiente, mas se separarmos um do
outro sai sangue, já que são a mesma
coisa. O fato é que eu queria que
houvesse uma atenção maior, mais importante, dedicada, profissional e científica para a água. Não queria que fosse
um espaço de reflexão, mas sim de
propostas, mas não ligadas à “o que
fazer”, e sim à “como fazer”.
Começar a falar de água, de propor algo
mais forte para o mundo, não qualquer
coisa já massificada como salvar a água,
mas conseguir realizar algumas mudanças
que seriam possíveis de serem feitas.
Enfim, algo como o que eu estava
trabalhando antes, com a idéia de criar
uma agência mundial da água, que
servisse de caminho em termos de água
para todo o mundo, eu tinha que aproveitar
o fato de que teríamos 93 dias para falar de
água. Isso não voltará a se repetir.
Foi isso que levou o senhor a organizar a Tribuna da Água em Semanas
Temáticas?
Exato. E de transformar as semanas temáticas, que eram em forma de discursos,
para uma com espaços para reflexão,
debates e propostas. Semanas temáticas
sim, mas que também houvesse eventos
especiais dos países. Hoje vemos que isso
foi um “plus” importantíssimo, pois os
países que têm algo para dizer tiveram
espaço para fazê-lo. Nem todos compareceriam, mas 89 países tiveram a possibilidade de apresentar suas propostas. Também
percebemos que era importante abrir espaço para
organizações ligadas ao tema, por isso criamos os
eventos paralelos. Abrimos espaços para grupos
farmacêuticos, hidrobiologia médica, paisagistas,
até para gastronomia. Os temas dos eventos
paralelos me deixaram boquiaberto. Era
importante também ter uma espécie de Ágora
para as pessoas menos familiarizadas com o tema,
mas que pudessem ter espaço para vir.
Em seguida, surgiu a idéia dos filmes ligados
à água, que também foi uma boa idéia.
Os objetivos iniciais de convocar dois
mil especialistas para falarem sobre
água foi ultrapassado?
espanhóis, o projeto teria ficado bastante
reduzido. Claro que, mesmo só com a
Espanha, seria muito rico também, mas
foi criado um comitê científico de pessoas
de todo o mundo e nos encarregamos de
convidar os mais importantes com muita
antecipação, para que ficassem impossibilitados de declinar. Também nos unimos
a sócios muito fortes, começamos a
selecionar as instituições que poderiam
nos apoiar. Neste âmbito, a parceria entre
Expo e Tribuna com parte do Estado
Espanhol, que conta com recursos como
o Ministério da Economia e da Fazenda,
abriu uma porta importante. Em seguida,
criamos uma parceria com o Ministério
dos Assuntos Exteriores e Cooperação, a
fim de entramos em contato com as
chancelarias; depois fizemos contato com
o Banco Mundial (BIRD), com quem foi
assinado um convênio específico para um
Devemos ultrapassar a fase de
decidir quais são os
problemas, e descobrir como
fazer para resolvê-los, caso
contrário, serão muitas
reuniões e voltaremos para os
diagnósticos e, portanto, não
estaremos avançando. Esta
fase já acabou, agora é preciso
dizer como fazer as coisas, isto
significa uma mudança de
pensamento nas pessoas.
evento com muitos países envolvidos. O
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) percebeu a movimentação e
aderiu ao projeto; a União Européia (UE) e
as Nações Unidas (ONU) também estiveram tão engajadas, que a Expo e a
Tribuna foram três vezes para Nova York
durante a exposição e mais uma (em 17
de setembro) por conta do encerramento da Expo, para lhes prestar
contas. Ter bons sócios foi parte
fundamental e, por isso, tivemos tanto
êxito nas convocatórias.
E como foi convocá-los?
Com o final da Tribuna da Água, como
está prevista a sistematização de toda
a informação, propostas, documentos
e programas surgidos nas semanas
temáticas?
Este é o ponto mais importante da Tribuna. Se tivéssemos convidado apenas os
Existem três instrumentos muito importantes. Dois foram concluídos no final da
Chegamos a 2,8 mil.
Expo (e estão sendo compilados) e um
terceiro pacote de instrumentos será
entregue após a Expo:
1- Legado de Zaragoza, onde teremos
todos os documentos, apresentações,
conferências, vídeos (por ordem de tema,
subtema e contextualizados em termos
geográficos). O Legado é da Espanha para
o mundo com todas as conclusões. De
que forma são enviados estes documentos? Hoje, quando falamos de documentos, não falamos mais da forma
escrita, mesmo porque, temos horas e
horas de vídeo que se ficarem neste
formato não servirão para nada, por isso,
estamos empacotando este material e o
colocaremos num formato que, embora
perca um pouco de resolução, será
disponibilizado na Internet. Queremos
que esta documentação se difunda por
todo o mundo, bem como os manuscritos,
por meio de arquivos em PDF. Não
queremos que a informação seja vetada do
público, isto é de todos e para todos. Haverá
livros, vídeos, documentos etc. Faremos um
livro para cada semana temática.
2- A Carta de Zaragoza é um documento
necessário para que os tomadores de
decisões saibam o que há para ser feito.
Ficamos impactados com a Reunião de
Dublin porque, em poucas palavras, foi
dito o que fazer. Assim como no II Fórum
Mundial da Água, realizado em Haia,
sucintamente foram ditos os sete desafios
a serem vencidos. Estamos cientes de que
os políticos não dispõem de muito tempo
para ler. (veja Carta de Zaragoza completa
nesta edição).
Sem ofendê-los intelectualmente, mas a
título de facilitar o trabalho, a Carta de
Zaragoza é um instrumento político, de
políticas públicas, de conceitos e
princípios bastante claros, de valores que
queremos pôr sobre a mesa, para
entender as mudanças que devem ser
feitas em matéria de água. Queremos que
seja uma carta curta para poder “vendêla” aos políticos.
3- Como venderemos a Carta aos políticos? Esse é o terceiro instrumento. Tratase de um pacote, que inclui dois órgãos,
que contribuirão para fazer com que as
coisas aconteçam: uma Agência Mundial
da Água que tenha força, sem burocracia,
que não seja mais um órgão da ONU. Não
estou criticando, mas a verdade é que
precisamos que o pensamento plural de
um hindu una-se com o de um brasileiro,
por exemplo. Queremos evitar que seja
AQUA VITAE 45
um pontinho, e sim um grupo plural que
tenha como fortaleza os equilíbrios.
Queremos uma Agência que seja séria e
esteja bem estruturada e na qual os
países confiem que terá capacidade de
realizar as coisas. O outro órgão será uma
espécie de Fundação. Ainda não sabemos
que formato jurídico poderá ter, em
termos espanhóis, mas será espanhola, já
que a Espanha tem muito a oferecer ao
mundo com as coisas que aprendeu com
a história e, no caso da América Ibérica,
está obrigatoriamente ligada por muitas
razões, cada uma com suas distintas
visões. Esperamos que esta estrutura não
precise se preocupar com as divisões
políticas. Como o espírito de Simón
Bolívar, estas idéias, às vezes, parecem
não ter nada de novo, mas sempre dão
certo. Para o bem de todos, precisamos
que estas posturas que dividem – de
maneira nada respeitosa -, mudem. É
preciso um espaço para compartilhar.
Temos que trabalhar muito nesta direção.
“A Tribuna da Água passou a ter
um valor residual ao se tornar o
centro da Exposição, pois está
claro que é o que restará”
Foto: Carmen Abdo
Como tudo isso será levado para a população, que é quem pode ajudar a
concretizar estes processos?
Queremos atingir as bases sociais a partir
de seus brios, há muitas organizações de
base em todo o mundo. Onde não há,
devemos apoiar para haja, como ocorre
em alguns países da África. Onde há uma
manifestação social de uma ONG, é
preciso privilegiá-la, pois atuam como um
meio de transporte muito mais dúctil e
eficaz que o da palavra pública ou de uma
instituição. O governo tem muito para
dizer, mas se a sociedade não tomar para
si o tema hídrico e o transformar em
programa de governo, as coisas não
funcionarão. Precisamos que a sociedade
fale, é isto que falta.
Neste sentido, O Farol, também localizado dentro da Expo, se converte em um
espaço que completa a Tribuna da Água?
Claro. Podemos ter diferenças, mas
trabalhamos em um tema fundamental. O
Farol é dono de uma semente que não
pode se perder, é um acerto enorme por
parte da Expo e das próprias
organizações, que souberam criar um
espaço onde há governabilidade dentro
de sua pluralidade. O Farol é um
importante contendor de assuntos de
grandes conseqüências. (veja entrevista
com Pedro Arrojo).
Em alguns momentos, os participantes da Tribuna coincidiram com os do
46 AQUA VITAE
Tinha que aproveitar o fato de que teríamos 93 dias
para falar de água. Isso não voltará a se repetir.
Farol e vice-versa. Qual o espaço que
será dado ao Farol na Carta de Zaragoza?
Enorme. Todos os temas sociais primeiro, depois as pessoas e, em seguida,
a voz oficial que será a terceira parte da
Carta de Zaragoza, com certeza. Porque
se não apostarmos nisso, ficaremos
capengas. Prefiro apostar no aspecto da
participação social e na mudança da
sociedade para que mude a conduta dos
governos, do que no desenvolvimento
da tecnologia. E estou me expondo com
esta afirmação, pois estou convencido
de que é preciso continuar com a
tecnologia, mas a sociedade vem em
p r i m e i ro l u g a r. N o e n t a n t o , s e n ã o
re s o l v e r m o s e s t e i m p a s s e , s e re m o s
tecnologicamente desenvolvidos e
a tra s a d os s oc i almente e esta fórmula
não funciona.
Parafraseando Blanca Moreno (consultora do BIRD) é preciso falar mais
de esgotos e encanamentos do que de
tecnologia?
Claro que sim. E está muito bem dito,
temos que mudar muito. Inclusive em
países como na Europa, os injustiçados
são a sociedade. Uma coisa é uma sociedade desenvolvida e outra é concretizar
as propostas que a sociedade deseja que
sejam concretizadas…sempre há brechas.
Foi complicado reunir setores tão distintos para virem discutir sobre um
tema como a água?
Ô! E como. Esta casa estava preocupada
com o fato de termos começado, em
junho do ano passado, a montar pacotes
das semanas temáticas, mas nos deu até
PERFIL
EM SOLO AQUÁTICO
Eduardo Mestre Rodríguez nasceu no México. É Engenheiro civil pela
Universidade Nacional Autônoma, com pós-graduação em Engenharia de
sistemas e em Gestão de Recursos Hídricos. Dedicou sua vida a discussões,
mudança de pensamento nas pessoas. Os
conferencistas de alto escalão tinham
dificuldades em proferir soluções para
como fazer as coisas, quando eram
solicitados. É preciso exigir que os órgãos
ligados à água não produzam outro
documento bonito, que nos aculture, mas
que não resolve nada.
propostas e ações em matéria de água e saneamento. Entre seus muitos cargos,
destacam-se:
• Secretário Técnico Permanente da Rede Latino-Americana de Órgãos de
Bacias Hídricas.
• Membro da Associação Mundial da Água.
A segunda lição é que não precisamos falar
de todos os problemas para resolvê-los.
Parece-me mais apropriado estudar os temas hídricos por nichos de oportunidade,
sendo este um tema fundamental diagnosticado na Tribuna da Água.
• Consultor para vários projetos do Banco Mundial, do Banco Interamericano de
Desenvolvimento, da União Européia, do Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente, do Programa das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura
e do Instituto Mexicano de Tecnologia da Água.
• Ocupou cargos de diretoria no Plano Nacional Hidráulico e na Comissão
Nacional da Água no México. É líder técnico e negociador da Lei de Águas
Nacionais do México.
• Presidente da Rede Internacional de Órgãos de Bacias Hidrográficas.
• Membro do Conselho Executivo da Rede Interamericana de Recursos
Hídricos da OEA.
• Secretário do Sistema Aqüífero Guarani.
Há quatro coisas que devem ser muito
bem feitas:
- água potável e saneamento. Pois enquanto estivermos falando de sustentabilidade de rios e crianças estiverem
morrendo por contaminações oriundas de
águas poluídas, estaremos perdendo
tempo e a batalha. Eticamente, não
podemos descansar enquanto crianças
estiverem morrendo. Água e saneamento
são primordiais, sem dúvida.
• Consultor especializado em serviços hídricos e de saneamento para 13 países de
América Latina, quatro da África e três da Ásia.
• Assessor do Projeto Três Gargantas, na China.
• Diretor da Tribuna da Água na Expo Zaragoza 2008.
março deste ano, ordenando temas. Por
que a semana de Água e Sociedade
demorou tanto para ser construída?
Porque é difícil juntar diferentes vozes
discordantes. Foi preciso fazer um
processo de negociação e, como sempre
acontece, se cede um pouco para se
ganhar um pouco.
A Semana de Água e Saneamento foi
complicada, porque foi onde estavam
entronizadas as posições públicoprivadas. Por exemplo, durante a semana
em que se debateu sobre as “bacias
hidrográficas compartilhadas” nos envolvemos com temas geopolíticos: bacias
compartilhadas entre Espanha e Portugal, Argentina e Brasil, Peru e Equador, o Aqüífero
Guarani. Mas no final deu tudo certo.
Como tudo foi resolvido?
Fizemos pactos com todos os grupos.
Tanto que, se prestarem atenção no
cronograma da semana, verão que demos
espaços a todos, com a idéia de que suas
participações seriam muito importantes.
Os empresários receberão a documentação e as incumbências que lhe competem?
Claro que sim, porque eles têm responsabilidades. Se eles não fizerem sua
parte, estamos perdidos. Por isso, a
Fundação deve compreender o setor
empresarial, o acadêmico, as organizações sociais bem representadas e o portavoz oficial. A Agência não deve ser
pública, pois órgãos públicos são governo
e sociedade.
- antes de continuar apostando em
tecnologia, é preciso investir em
educação, cultura e comunicação, porque
é aí que tudo se concentra, precisamos
enfiar isto nas nossas cabeças. Se
investirmos estes US$ 1,5 bilhão
oferecidos pela Espanha a América Ibérica
em educação e cultura, logo teremos
projetos de desenvolvimento na região.
- as instituições estão se tornando velhas
e algumas bem antiquadas; os países
ibero-americanos precisam começar a
discutir o que fazer com instituições tão
arcaicas, pois as economias estão
crescendo e as instituições públicas que
não avançam vão ficando para trás.
Quais as lições que a Tribuna da Água
deixa para as futuras Expos?
- estamos deixando as boas oportunidades passarem. Por exemplo, é fato
que avançamos em fontes não convencionais de energia, mas onde elas estão?
Hoje, vemos uma Espanha que olha para
frente, caso contrário irá patinar. De qualquer forma, ainda há muito há ser feito.
A primeira, é que devemos ultrapassar a
fase de decidir quais são os problemas e
descobrir como fazer para resolvê-los,
caso contrário, serão muitas reuniões e
voltaremos para os diagnósticos e,
portanto, não estaremos avançando. Esta
fase já acabou, agora é preciso dizer
como fazer as coisas, isto significa uma
Roque Gistau (presidente da Expo Água)
fez um comentário duro, mas real: se
resolvermos o problema da água potável e as pessoas continuarem passando fome, não teremos feito nada.
Realizamos estes estudos durante as
semanas temáticas e obtivemos uma
série de resultados.
AQUA VITAE 47
A Carta de Zaragoza é o principal
legado dos aportes de 2.800
especialistas que passaram pela
Tribuna da Água.
Foto: María Torres-Solanot
Não precisamos falar de todos os problemas para resolvê-los. Parece-me mais
apropriado estudar os temas hídricos por nichos de oportunidade, sendo este
um tema fundamental diagnosticado na Tribuna da Água.
De que maneira esta grande discussão
será vinculada ao próximo Fórum
Mundial da Água, que deve ocorrer
em março de 2009, seis meses após a
finalização da Expo Zaragoza?
Estamos tentando dar uma função para a
Tribuna da Água, para que ela seja útil ao
comitê organizador da Turquia e ao
Conselho Mundial da Água. Estaremos a
disposição e oferecendo detalhes que
possam ser usados. Estou preocupado
que pensem que porque os dados foram
concluídos em Zaragoza não poderão
ser usados em Istambul. Isto seria
péssi m o . Te m o s d e c o n t i n u a r c o n struindo o futuro, e juntos.
Como era o Eduardo Mestre antes,
durante e como está agora, depois de
ter sido o diretor da Tribuna da Água?
48 AQUA VITAE
Ah! Foi uma metamorfose. Fazia muito
tempo que não participava de um evento
como este. Estive no Fórum Mundial de
Kyoto e no de Haia, mas atuei em coisas
pontuais. Entretanto, aqui mudei meu
pensamento, estava trabalhando em
projetos e soluções e aqui vim pensar em
pensar, para que tudo isso criasse forma.
Fiquei com a cabeça transformada, pois
agora trago idéias do que devemos fazer
e como. Não foi como fazer funcionar a
represa de Três Gargantas, na China,
onde estive atuando no último ano e meio.
Foram tantas coisas que vi, que minha
mente está profundamente transformada.
O que farei depois? Agora estou frito,
pois tanta coisa mudou em mim, que não
será fácil. Eu gostaria de me dedicar a pôr
em prática tudo o que foi feito aqui para,
em seguida, me dedicar ao projeto.
Deixar passá-lo seria como não fazer
nada, não quero que seja meu, já não
tenho mais idade para tanto egocentrismo, não tenho interesse em encabeçá-lo, nem aparecer no filme. Meu
amigo Mario Alberto Barrios me disse:
“Eduardo, temos que perceber que em
nossa idade já não precisamos provar
mais nada para ninguém, nem para
nós mesmos”.
Não tenho que demonstrar nada. Tenho
é que me dedicar a ir fazendo o que
posso e o que sei. Estou livre para poder fazer o que quiser, só não quero é
me enganar, mas estou mudado para
sempre, com certeza.
ALTO PERFIL
"O mundo dos movimentos
sociais nasce da denúncia, nasce
da dor, nasce do atropelo"
Foto: Carlos Acín
AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS APORTAM
DENÚNCIA, VITALIDADE E ALTERNATIVAS
Entrevista exclusiva com Pedro Arrojo, Coordenador do Fórum Ético da Água
PEDRO ARROJO, COORDENADOR DO FÓRUM ÉTICO DA ÁGUA, FORMADO POR 20 PERSONALIDADES
MUNDIAIS, ESPERA QUE ONU, BIRD E OMC INCORPOREM 12 RECOMENDAÇÕES NO DEBATE E REFLEXÃO QUE
MARCARÃO O MODELO DE GLOBALIZAÇÃO E DO MUNDO QUE AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS
PRETENDEM CONSTRUIR.
“Há dez anos, eu era o professor aficionado pelos noticiários
espanhóis. Hoje, sou o professor Arrojo, Prêmio Goldman
(considerado por muitos como o Prêmio Nobel do Meio
Ambiente) e tal e coisa...”. Assim é Pedro Arrojo, coordenador
do Fórum Ético da Água, um dos fundadores da Fundação Nova
Cultura da Água e uma pessoa em constante transformação,
para si, para os outros e pela água.
Ele é um dos motores das organizações sociais que estão em
constante discussão e denúncia em torno da água e do
saneamento básico. Do total delas, 350 estiveram presentes no
Farol, o pavilhão das Iniciativas Cidadãs da Expo Zaragoza 2008.
Ele tem a ousadia de se vangloriar do trabalho realizado, mas
também de destacar que “muitas vezes nos fechamos em nossos
grupos, em nossas confrarias e o que está de fora não se encaixa
a nós e isso nos limita na capacidade de projeção de nossas idéias”.
Ele sabe que o combustível para os movimentos sociais são as
denúncias, a capacidade de encontrar alternativas também deve
se r m a i s f o r t e , p o i s a l u t a s e r á n a p ro p o rç ã o e m q ue
“estivermos a postos para que as pessoas não morram de sede
ou de algum problema relacionado ao saneamento básico”.
AQUA VITAE 49
Arrojo aproveitou o marco da Exposição e
convocou 20 personalidades mundiais
para que realizassem um manifesto capaz
de chegar aos principais fóruns mundiais
públicos, e que com 12 recomendações
passem a ter realmente incidência mundial nessa busca por soluções.
PERFIL
MESTRE DA ÁGUA
Pedro Arrojo Agudo nasceu em Madri, em 1951. Durante sua juventude viveu
em Granada e, em 1969, se mudou para Zaragoza para seguir os estudos em
Física, no qual se formou em 1973. Há 15 anos, sua pesquisa está centrada na
Convencido de que o Farol iluminou o
caminho de uma nova rede de organizações sociais, que vão em direção da
construção de um novo mundo possível,
não apenas pelas possibilidades de assim
o torná-lo, como também pela necessidade de criá-lo, Arrojo conversou com a
Aqua Vitae, em meio a seu trabalho e
convencido de que, quando o ser
humano é o objetivo primordial da construção da cidadania, estamos todos no
mesmo barco, não importando que tal
construção seja proveniente de um órgão
público, comunitário ou privado.
Refletir vitalidade, diversidade e capacidade de inovação da sociedade
civil para enfrentar os desafios hídricos, com soluções alternativas e promovendo reflexão crítica. Este grande
objetivo, estabelecido dentro do Farol, foi cumprido?
E denúncia… como dissemos num determinado momento, infelizmente – não
porque gostemos – o mundo dos
movimentos sociais nasce da denúncia,
nasce da dor, nasce do atropelo. Mas a
denúncia vem em primeiro lugar, ou seja,
ser capaz de dizer que determinada coisa
não pode ficar como está. Mas também a
vitalidade de denunciar, a coragem, a
valentia para lutar sem meios ou pelo
interesse próprio ou pelos dos outros, em
prol da dignidade, ter a capacidade de
promover alternativas. Essa combinação
entre denúncia, luta e alternativas foi o
que este pavilhão intencionou ser e, em
grande parte, conseguimos. Por aqui
passaram centenas de pessoas que não
tinham muito tempo para parar e ler
nossas mensagens, mas que encontraram
aqui um contraste com o restante da Expo e
isto fará com que eles parem para pensar.
Ficar só na denúncia não pode impedir as soluções?
Insisto no fato de que por detrás de cada
denúncia existem alternativas, algumas já
em prática. Outras ainda como propostas
que não dependem de nós, mas sim dos
governos ou de instituições. Trata-se de
uma norma generalizada entre os movimentos sociais, ecologistas, contrários à
50 AQUA VITAE
economia da água.
• Foi vice-reitor da Faculdade de Econômicas e Empresariais. Vice-reitor e professor
da Universidade de Zaragoza.
• É fundador da Fundação Nova Cultura da Água, cujo objetivo é fomentar a
pesquisa, o desenvolvimento, a educação e a cooperação para o crescimento e
defesa do meio ambiente relacionados à água.
• Em 2003, recebeu o Prêmio Goldman, considerado o Prêmio Nobel do Meio
Ambiente, por ter tido a capacidade de unir seu currículo profissional a seu
compromisso social, a partir da não violência e em favor do meio ambiente e do
desenvolvimento sustentável.
• Atualmente, é coordenador do Fórum Ético da Água.
Ver tantos grupos de tão
distintos aspectos, nível e
maneira de confrontação
política foi interessante.
Estivemos juntos para dizer
as mesmas coisas, isto nos
dá forças, é uma ótima
lição. Quase 350
organizações trabalhando
em comum é uma
experiência pedagógica e
social bastante positiva e
motivadora.
privatização, que amadureceram muito, e
por trás das denúncias existem equipes
técnicas, professores de universidade,
especialistas no assunto que assessoram
estes movimentos e que geram propostas
positivas para encontrar soluções e
saídas. Este pavilhão não foi de queixa
“light e cor-de-rosa”, onde o mundo é
possível e não se sabe como. Foi de
denúncia dura, com alternativas que nos
custam e aí estão e mostram esse outro
mundo possível e necessário.
A sociedade civil está realmente inteirada, motivada e sensibilizada para
enfrentar os desafios e encontrar soluções para os problemas ligados à
água e saneamento?
Esta pergunta tão absoluta, terá uma
resposta nada satisfatória. Como tudo na
vida, é relativo. Se compararmos o nível
de consciência social sobre os problemas
ligados à sociedade, ao meio-ambiente, à
sustentabilidade no mundo, com o que
havia cinco ou dez anos atrás, hoje
teremos um filme onde antes havia uma
foto. Em 2003, havia um movimento de
centenas de milhares de pessoas cujo
nível de consciência era insuficiente, mas
suficiente para sair às ruas e exigirem uma
nova cultura hídrica, para se oporem às
grandes transposições.
Estamos num processo de evolução, mas
para algumas coisas o processo chega
tarde e as pessoas, infelizmente, continuam morrendo, sendo injustiçadas, há
flagrantes de injustiça e covardia política,
mas nunca é tarde quando o destino é
bom... será a tempo para os que vêm
atrás. Não tenho uma visão catastrófica
das crises, acho que a Humanidade é
capaz de viver em piores condições e unirse e tentar, ainda assim, sobreviver e ser
feliz, como puder. Mas no âmbito hídrico,
a convergência das crises de sustentabilidade dos ecossistemas aquáticos, de
pobreza e iniqüidade e a do desgoverno
ou falta de democracia produz alguns
impactos trágicos e impressionantes.
Quando se diz que 1,1 bilhão de pessoas
não tem acesso à água significa que
morrem de sede ou que morrem por falta
de saneamento básico. Para aquele que
Personalidades mundiais fizeram parte do Fórum Ético da Água, cujo principal objetivo é penetrar, com
mensagens em prol dos recursos hídricos, em organismos internacionais. Foto: Carmen Abdo
morreu e seus entes, chegamos tarde,
mas para o que ainda tenta sobreviver,
estamos sempre servindo de respaldo e a
luta sempre terá um sentido.
Qual a força da diversidade das organizações participantes na hora de
criar um espaço crítico e participativo?
Acho que foi imprescindível, deu muita
força e credibilidade. Muitas vezes nos
fechamos em nossos grupos, em nossas
confrarias e o que está de fora não se
encaixa a nós e isso nos limita na
capacidade de projeção de nossas idéias.
Ver tantos grupos de tão distintos
aspectos, nível e maneira de confrontação
política foi interessante. Estivemos juntos
para dizer as mesmas coisas, isto nos dá
forças, é uma ótima lição. Quase 350
organizações trabalhando em comum é
uma experiência pedagógica e social
bastante positiva e motivadora.
Temas como os direitos humanos ligados à água potável e ao saneamento,
conflitos gerados pela água e, acima
de tudo, por grandes represas e infraestruturas resultaram polêmicos. É
suficiente criar polêmica para encontrar resultados?
Estas polêmicas não apenas aconteceram
aqui, elas já estão no mundo e vêm de
muito tempo atrás. Os conflitos hídricos são a
conseqüência da convergência negativa de três
falhas: de insustentabilidade dos ecossistemas,
...pois público corrupto
não vale, público burocrático
não vale, público obscuro
não vale. Uma gestão
pública participativa, com
atores sociais é algo novo,
ninguém sabe como fazer e
aí estão os movimentos
sociais discutindo
como fazer.
iniqüidade e de governabilidade. Tudo
tem nos levado, a partir das grandes
instituições mundiais, a errar no modelo
de globalização. Pensar que atrás do
problema de falta d’água estão as
privatizações não é correto. Tais falhas
soaram o alarme e a luta dos mais
afetados, que são sempre os mais
carentes, atrás das comunidades e as
pessoas mais invisíveis, mas capazes de
entender novos valores e uma nova ética.
No pavilhão pudemos contribuir para com
certo avanço. No que se refere à privatização, as pessoas conseguiram dar o
primeiro passo, deixando claro que o
modelo fracassou. Até as grandes
empresas reconheceram que fracassaram
na América Latina e voltaram-se aos
mercados confiáveis da antiga União
Soviética, onde não há tecido social que
se oponha… curioso.
Isto deve ser analisado do âmbito positivo, onde os movimentos que lutam contra a privatização estão buscando reorganizar uma administração pública diferente, pois a que tinham não vale mais.
Isto não é apenas público ou privado, pois
público corrupto não vale, público
burocrático não vale, público obscuro não
vale. Uma gestão pública participativa, com
atores sociais é algo novo, ninguém sabe
como fazer e aí estão os movimentos sociais
discutindo como fazer.
O que aconteceu com as grandes represas? “Há dez anos, eu era o professor
aficionado pelos noticiários espanhóis.
Hoje, sou o professor Arrojo, Prêmio
Goldman... no final dos anos 90, esta
discussão levou os grandes motores
destas represas a pedirem um debate
mundial (Comissão Mundial de Represas,
presidida por Kader Asmal, ministro do
governo de Mandela), que entregou a
Londres, em 2000, um relatório pedindo
para que os valores, os direitos em
questão, as populações beneficiadas e
afetadas fossem reconhecidos, propondo
ainda recomendações interessantes.
Existe uma enorme diferença.
A comunidade científica, da qual faço
parte, reconhece que a forma de sair dos
problemas hídricos não é afogando os
rios, nem as pessoas que vivem às suas
margens, em nome de um desenvolvimento para terceiros. Na Espanha, se
reconhece que não se deve inundar os
AQUA VITAE 51
Uma enorme moringa de barro serviu de refúgio para as organizações dentro da Expo Zaragoza 2008.
Foto: Carmen Abdo
povos, sob nenhum tipo de pretexto, são
direitos humanos básicos. Mas isto ainda
não foi conquistado no Brasil, nem na
China e nem na Índia. Já se fala de
governabilidade hídrica por todas as partes
com gestão participativa. Houve avanço
nestas falhas, insuficientes, mas houve.
Após esta enorme participação, como
a informação será sistematizada e
compartilhada com a sociedade civil?
Muitas conclusões serão registradas e
muitas coisas serão armazenadas nos
corações e nas consciências. A possibilidade desta rede – como acontece
ultimamente com as redes, onde o
52 AQUA VITAE
cidadão não é obrigada a nada mais a
não ser estar em contato e ter disponibilidade -, de estar pronta para ser
utilizada ou para entrar em ação é muito
alta, além da enorme flexibilidade das
organizações em rede, onde a internet
contribuirá significativamente. Com o
apoio dos grupos participantes do Farol
nascerá essa exposição itinerante, que
deverá percorrer todo o mundo, durante
cinco anos, sobre Água, Rios e Povoados.
Isto não é exatamente o que fizemos
aqui, mas uma inspiração do que houve
aqui, empurrada por prêmios Nobel da
paz, ex-ministros e intelectuais.
Como fazer, dada a linearidade das
organizações sociais, para se chegar
aos acordos necessários?
A linearidade permite a qualquer um
propôr soluções e a amplitude do
acordo é proporcional ao nível de
entusiasmo e de paixão que se possa
suscitar. Ninguém a imporá, nem
mesmo alguém que não está de acordo
será motivado por um acordo
majoritário. O trabalho em rede faz
com que as iniciativas fluam e cresçam
com maior vigor.
O Farol foi um concorrente da Tribuna
da Água no que se refere aos temas,
conteúdos e participantes?
Não ouvi, em momento algum, nem na
Tribuna, nem no Farol, um comentário
neste sentido. O que talvez tenha
acontecido foi insuficiente colaboração
para aproveitar o que trouxemos, devido
ao stress organizacional, que nos levou,
entre outras coisas, a ter pouco tempo
para organizar, para ter mais possibilidades. Mas não foi por falta de vontade,
houve sinergias positivas e cooperação.
Quais aspectos as organizações sociais querem que sejam incluídos na
Carta de Zaragoza?
Temo que, ao serem tão amplos em cem
propostas, nos deparemos com o ditado
que diz que “aquilo que muito abrange,
pouco constrói”. Na Carta Ética sobre
gestão da água, existem doze propostas
bastante concretas, as quais farão parte
das cem feitas pelas ONGs. Neste
documento do Fórum Ético está o
compêndio essencial do que pensam as
organizações sociais.
O Fórum Ético da Água resultou ser um
luxo ao reunir tantas personalidades
mundiais para incorporar a visão ética
no manejo hídrico.
Outros que não puderam vir, como
Leonardo Boff, Samuel Ruiz, Adolfo Pérez
Esquivel, mas deram suporte à distância e
deverão participar de outros eventos que
venham a ocorrer. Contamos com a
presença de 20 pessoas de um nível
intelectual e de uma moral tremenda.
Será difícil ignorar o que pessoas com
este nível disseram. Isto dará permeabilidade social e política a propostas que
já estão feitas e ditas pelos movimentos
sociais. Muitas vezes, não importa o que foi
dito, mas sim como foi dito e por quem.
Será possível conseguir que as 12
recomendações resultantes do Fórum
Ético sejam incorporadas na agenda
das Nações Unidas?
Federico Mayor Zaragoza, cuja capacidade de chegar a este tipo de
instituição é enorme, as leva como
uma bandeira. Ele deverá se dedicar
to ta lm e nt e a ist o . E s ta re i à s u a d i s p o s i ç ã o p a r a i r e v i r c o m o c o o rden a dor da inic ia ti va . M a s ta m b é m
c o n t a m o s c o m Va n d a n a S h i v a , M a rina Silva, Cristina Carbona, que
t r a b a l h a r ã o e m p ro l d i s t o e e rguerão a bandeira para penetrar
nos órgãos internacionais com as
mensa ge ns da C a rta É ti c a .
Qual o principal objetivo do Fórum Ético?
É disso que nos esquecemos no pragmatismo. Por conta da exuberância deste
tipo de evento, vivemos no circo mediático e nos preocupamos com quem vem e
não com o que dirão. O Fórum Ético, do
ponto de vista dos valores, espera imbuirse de alma social e ambiental. Ser
pragmático com objetivos, para saber
para onde vamos. Nem tudo vale a pena
para se chegar a algum lugar, nem todos
os fins justificam os meios. Falta uma
reflexão ética acerca da água, acerca de
Contamos com a presença
água é o modelo de globalização em
questão. O BIRD não é um banco privado,
é público; a OMC não é privada, é
pública; a ONU é o resultado do que
soubemos fazer entre todos a nível
público. A governabilidade mundial é o
desafio de construir uma cidadania
global, isso corresponde a todos nós.
Talvez tenhamos nos enganado com o
caminho por pressões de interesses de
terceiros. Desta força moral dada pelas
pessoas que participaram do Fórum, aspiro
algo tão ambicioso, mas por sua vez tão
mínimo, que estas recomendações serão
debatidas e serão referência de reflexão. São
fóruns públicos assim que marcarão o
modelo de globalização e de mundo que
queremos construir.
de 20 pessoas de um nível
intelectual e de uma moral
tremenda. Será difícil ignorar
o que pessoas com este nível
disseram. Isto dará
permeabilidade social e
política a propostas que já
estão feitas e ditas pelos
movimentos sociais. Muitas
vezes, não importa o que foi
dito, mas sim como foi
dito e por quem.
onde estamos e para onde vamos. Os
participantes disseram que temos que
fazer uma declaração radical, já que
estamos num momento onde não cabe
mais prazo para o que urge e isso passa
por entender os valores prioritários, no
caso da água: água vida, água cidadã e,
conseqüentemente, água economia. Não
pode ser o contrário.
Quais seriam os resultados ideais esperados do Fórum Ético e que nos
permita dizer que funcionaram?
Em uma primeira fase, me conformaria
com o fato dos grandes fóruns públicos e
políticos, Organização das Nações Unidas
(ONU), Banco Mundial (BIRD) e Organização Mundial do Comércio (OMC)
entrarem em uma agenda de reflexões,
porque o que questionamos por meio da
Como o Farol espera transformar a
participação dos cidadãos no que se
refere à água e ao saneamento?
O Farol como tal, não é um partido, não
tem um programa, nem recursos para
dizer de que maneira as coisas serão
feitas, é um conjunto de grupos. É um
“englobador” e não um programa de
ação; engloba lutas, propostas e alternativas. O Farol irá apoiar os milhares de
programas de ação já em andamento.
Será uma vitrine para aprender com o
melhor e apoiar os que estão pior. Dará
visibilidade e materialidade. Emocionarmos diante da mensagem humana é
muito importante, porque, caso contrário,
viveríamos numa sociedade que não se
espanta. O pavilhão e a atividade dos
grupos s oc i ai s têm função de acerc a r, a p ro x i m a r, t a n t o a s d e n ú n c i a s
c omo as s ol uç ões .
Qual a mensagem para os grupos sociais?
Mensagem prática de dizer que a união
faz a força, unidos jamais serão vencidos
é algo bastante evidente, mas que
esquecemos. Serem capazes de recuperar
o diálogo e a colaboração. Nossa
capacidade é enorme, mas é preciso
romper com os dogmas, principalmente
aquele que diz que se um grupo não está
100% com o outro , então, é um inimigo.
Essa espécie de rigidez dogmática e
sectária precisa ser superada, pois, para
tornar o mundo possível por necessidade,
requer a força de todos os que se
encontram nesta linha de trabalho, mas
com muito res pei to. Para f azer f rent e s de luta, frentes de prática e frente de al ter nati v as .
AQUA VITAE 53
ECONOMIA HÍDRICA
Esta nova seção da Aqua Vitae foi idealizada a
partir da Expo Zaragoza 2008.
Foto: Carmen Abdo
MERCADOS HÍDRICOS:
UM TEMA PARA ENTENDER
E RESOLVER
Por Boris Ramírez
Não se trata apenas de um tema financeiro, muito menos de preços, nem só de meio
ambiente, nem de gestão de bacias hidrográficas, também não é apenas um tema
legal ou de uso durante períodos de seca ou escassez. Os mercados hídricos são
instrumentos que envolvem todos estes aspectos e muito mais.
O tema mercados hídricos gera posições
contrárias, já que os critérios para poder
se entender seu mecanismo são divergentes. Isto porque o debate está sempre
centrado no fato de que ninguém põe em
dúvida que a água é indispensável para a
vida, mas isso não deveria eximir o
cumprimento das regras financeiras,
econômicas, ambientais e legais, que
imprimem à água não apenas um valor,
mas também uma forma de gestão
integral ao recurso hídrico.
Para entender a complexidade do assunto,
nos apropriaremos das variáveis que
definem o que vem a ser um mercado
hídrico, com base em um estudo realizado
por Laura Riesgo e José Gómez-Limón da
Universidade de Valladolid, na Espanha. Elas são:
54 AQUA VITAE
Definição inicial de direitos transferíveis. Estão relacionadas à adequação do sistema de direitos adquiridos,
dos termos dos leilões de água e dos
mecanismos que devem ser levados em
conta no sistema misto de administração (públicas e privadas)
Tratamento da informação de mercado.
Refere-se aos critérios de manejo e
homogeneização da informação, para que
sejam transparentes e eficientes.
Duração dos direitos do uso da água. Para
determinar se são permanentes ou temporárias.
Tratamento de fatores externos. Objetiva
controlar os efeitos sobre o volume de
retorno hídrico, os efeitos sobre o próprio
volume e os efeitos sobre a região de
origem do volume.
Forma de transferência de direitos.
Determina se trata-se de venda, arrendamento,
contrato de opção ou aporte de capital.
Considerações dos custos de transporte
hídrico. Para determinar se é público ou
privado.
Sistemas de fornecimento de água em
períodos de escassez. Para determinar se
deve ser fornecida de maneira prioritária
ou proporcional.
Instrumentos para solucionar as imperfeições de mercado. Para determinar as normas de posse, doutrina do
uso e tarifas.
Num mercado hídrico, não é apenas a
remuneração econômica dos usuários que
deve ser levada em conta, mas também a
compensação de riscos assumidos pelas partes
envolvidas na administração do recurso.
Devido aos diferentes aspectos dos
mercados hídricos, os organizadores da
Tribuna da Água contribuíram com informações para entender tais segmentos como
mecanismos de fornecimento de água,
onde se deve levar em conta:
• As secas e as temporadas de escassez, que
obrigam a pensar em aspectos de inovação
contínua nos instrumentos de gestão,
incluindo este setor, a fim de desenvolver
ferramentas e fazer frente constante à
incerteza provocada pelos efeitos da
mudança climática. Determina-se que os
mercados hídricos são um instrumento para
administrar a água em épocas de secas e
escassez.
• O papel dos mercados hídricos na
melhoria da eficiência do fornecimento de
água, dado que a eficiência no fornecimento por si só não é o único objetivo da política
• Melhoria na transparência e flexibilidade
dos mercados hídricos, por meio de uma
reforma dos direitos sobre a água, contribuindo para facilitar as transações
que costumam envolver temas tão
polêmicos como volume, sazonalidade,
qualidade e prazos.
• Melhoria na qualidade da água por meio dos
intercâmbios da mesma, já que é preciso trabalhar
na redução da contaminação e fomentar o
uso das tecnologias para processos de
limpeza e reutilização.
• O preço da água nas operações de
mercado, já que quando os compradores
em potencial revelam a disponibilidade de
preço a ser pago, bem como o mínimo
necessário de compensação dos vendedores
em potencial, tal valor seria, em uma
transação, um sinal do valor da escassez,
que deveria ser acrescido quando a água
fosse utilizada por estes usuários.
econômica. Trata-se de um bem de serviço
público, que não pode ser comprado nem
vendido”.
O mercado espanhol está bem regulamentado. Para começar, trata-se de um
mercado bastante reduzido, já que as
transações ocorrem sempre entre os
usuários. “Está muito controlado. É preciso
entender o que significou na Espanha a
concepção da água como um bem de
domínio público, submetido a um alto nível
de intervenções administrativas”. Depois, o
mercado é sempre usado para renomear um
uso preferencial, “a legislação é coerente”
e com ela se evita “a água de papel e uma
provável especulação”.
Caminho percorrido
O mito ou a realidade dos mercados
hídricos. O professor de Direito da Universidade
de Villanova (EUA), Joseph Dellapenna, critica o
critério exclusivamente economicista, com o qual
muitos vêm defendendo a água, sem levar em
conta outras considerações que fazem com que
o tema não seja compreendido por muitos.
Espanha, Austrália, Chile e o estado da
Califórnia, nos Estados Unidos, já caminham
Referiu-se, em específico, às diretrizes estabelecidas no Consenso de Washington,
O debate dos mercados hídricos está baseado no fato de que ninguém põe em
dúvida que a água é indispensável para a vida, mas isto não deveria eximir o
cumprimento de regras financeiras, econômicas, ambientais e legais.
de água, que deve atender aspectos tais
como: preservação das atividades rurais e serviços
ambientais proporcionados pelas mesmas.
• O papel do setor público na regulamentação dos mercados hídricos, pois se
considera que a intervenção do governo é necessária para garantir o abastecimento sustentável de água e evitar
práticas de monopólio. Os mercados
hídricos devem se caracterizar por um
monopólio bilateral, que atua em um
marco de concorrência transparente.
• Um marco jurídico e institucional que
facilite outorgar, por meio de acordos
voluntários, garantindo que um intercâmbio de água seja feito dentro de um
marco jurídico, que leve em conta a
natureza complexa deste recurso. Este
marco legal deve incluir cenários de
incerteza e risco.
dentro dos termos e condições dos mercados hídricos. Com retrocessos algumas
vezes, avanços em outras, mas dentro desta
transformação que supõe um tema tão
complexo e atual.
Aspectos jurídicos dos mercados hídricos na
Espanha. O advogado espanhol Antonio
Embid explicou o marco jurídico no mercado
hídrico da Espanha. Tal debate teve início na
década de 90, quando economistas como
Alberto Garrido, postularam a introdução de
fatores econômicos na gestão da água e de
outros recursos.
Com a Lei 46/1999, se instaurou uma nova
forma de se realizar as concessões.
“Atualmente, se fala de direitos particulares,
suscetíveis de serem transmitidos”, afirmou
Embid, deixando claro que “na lei
espanhola não há um mercado hídrico pois
o mesmo não é passível de transação
onde as mesmas são normas provenientes
de órgãos financeiros internacionais na
aplicação de programas econômicos. Para
ele, tais aplicações deixam de lado outros
critérios que devem ser levados em conta na
hora de atribuir um valor econômico à água.
Segundo o professor, é preciso fazer uma
reforma legislativa equilibrada, com uma
maior flexibilidade. Não uma reforma que
tenda exclusivamente a um modelo público
ou privado, mas “com a segurança
necessária e que torne o investimento
possível”. As legislações hídricas, em quase
todos os países, estão ultrapassadas, já que
foram estabelecidas no século XIX e,
portanto, “não visam questões como a
proteção do Meio Ambiente”.
Dellapenna citou o caso do Chile, onde
“dizem que os mercados funcionam, mas
estudos empíricos mostram que o mercado
AQUA VITAE 55
Para se entender os mercados hídricos é
preciso incluir variáveis ambientais,
sociais, financeiras e econômicas.
Foto: Carmen Abdo
hídrico neste país é um mito e não um
sucesso”. Falou também de Cochabamba
(Bolívia), onde um grande número de
empresas privadas, fornecedoras de água,
prometem melhores serviços e preços mais
competitivos, o que nem sempre é obtido,
chegando a desencadear conflitos de
grandes dimensões.
A experiência da Austrália. Os mercados
hídricos são usados de maneira crescente
para resolver conflitos gerados pelos
recursos hídricos - especialmente em
situações de escassez -, para usos
economicamente mais eficientes e também
56 AQUA VITAE
Espanha, Austrália, Chile e
o estado da Califórnia, nos
Estados Unidos, já caminham
dentro dos termos e condições
dos mercados hídricos. Com
retrocessos algumas vezes,
avanços em outras, mas já
dentro desta transformação
que supõe um tema
complexo e atual.
para satisfazer novas demandas. O professor
Henning Bjourding, da Universidade do Sul,
considera que muitos dos mercados hídricos
não surgem por falta de capacidade
institucional, social ou econômica, ou
ainda por conta das preocupações associadas à água, geradas pelas extremidades sociais e ambientais.
No oeste da Austrália, as companhias estão
desenvolvendo um processo de compensação de contribuições, que inclui
pagamentos por novos usos da água e
pagamentos por seu uso nas cidades e nos
campos, que devem financiar trabalhos e
programas compensatórios. Estudos da
Universidade de Adelaida e do professor
Mike Young destacam que tais mercados
ALGUNS POR QUÊS…
OS ESPECIALISTAS REUNIDOS NA TRIBUNA DA ÁGUA APORTARAM RAZÕES PARA AS QUAIS FAZ-SE NECESSÁRIO
ANALISAR OS MERCADOS HÍDRICOS, A PARTIR DOS SEGUINTES PONTOS DE VISTA:
a) Por que falar de mercados hídricos se há escassez de água,
se há seca e cenários futuros?
b) Por que falar de mercados hídricos para melhorar a importância da água?
1.Porque é preciso levar em conta a disponibilidade dos recursos hídricos
que sofrerão impactos com as mudanças de padrões de precipitação e
evaporação dada a mudança climática.
1.Porque, historicamente, a importância dos direitos ligados à água não
foi determinada por critérios de eficiência, motivo pelo qual no novo
cenário de escassez e secas os direitos sob a água devem ser acordos
voluntários, acompanhados de formas de compensação.
2.Porque a mudança climática, assim como um processo de mudança
global, pode aumentar, no futuro, os conflitos causados pela água.
3.Porque é preciso consolidar mecanismos de resolução de conflitos
diante da possibilidade de suas ocorrências.
2.Porque a eficiência na importância do uso da água não é o único
objetivo das políticas hídricas. Devem, além disso, levar em conta temas
como manutenção de balanço hídrico, vínculo de comunidades e
serviços ambientais.
4.Porque a progressiva escassez de água e o aumento das secas em
diferentes regiões do planeta devem gerar maior consciência acerca da
necessidade de planejar, de maneira eficaz, a gestão da falta d’água.
3.Porque se os mercados hídricos se tornarem uma opção real, estas
transações voluntárias podem se converter em um instrumento
importante para melhorar o uso eficiente da água.
5.Porque organizações e programas internacionais proporcionam
mecanismos de coordenação importantes, que advogam pela redução do
risco por meio de um planejamento mais pró-ativo e uma melhor gestão
dos recursos hídricos.
4.Porque os mercados hídricos podem ser desenhados para outorgar
água e também irrigação de maneira eficiente.
5.Porque continua sendo complicado, em termos práticos, implementar
as políticas e mecanismos de mercados hídricos.
6.Porque os novos cenários de mudança climática requerem tecnologia e
inovação, e que sejam experimentados em várias áreas de sua gestão.
deveriam incluir mais a visão ambiental que a econômica, mas que suas
origens servirão para dar um manejo adequado aos recursos hídricos.
As secas impuseram o tema na Califórnia. O sistema de infraestruturas de água neste estado norte-americano inclui represas,
lençóis freáticos e esgotos. Há uma grande variedade na demanda
de água, já que os cultivos permanentes são de alto valor agregado
e os cultivos anuais, de baixo valor agregado. Sem falar das
demandas residenciais, industriais, comerciais e urbanas. Este
complexo sistema é administrado dentro do mercado, por uma
rede de instituições interdependentes, incluindo tanto agências
estatais como federais e locais, que contam com concorrentes em
gestão e controle.
Num mercado hídrico, não é apenas a
remuneração econômica dos usuários
que deve ser levada em conta, mas
também a compensação de riscos
assumidos pelas partes envolvidas na
administração do recurso.
Foto: Carmen Abdo
As agências locais e os fornecedores chegam a aproximadamente
3 mil e seus gerentes são eleitos localmente, bem como os outros
milhares de contratados que trabalham para estas entidades,
coordenando as operações de gestão hídrica. Em regiões dos
Estados Unidos com um crescimento rápido, os gestores hídricos
enfrentam difíceis desafios para conseguirem abastecer as novas
demandas. Ellen Hanak, do Instituto de Políticas Públicas da
Califórnia apresentou o progresso considerável alcançado para
expandir as fontes não convencionais de água, por conta da seca
de 1990 e 1992 ocorridas neste estado, além da série de normas
californianas que restringiam o uso de fontes tradicionais.
AQUA VITAE 57
AVANÇOS TECNOLÓGICOS
A Dinamarca interpretou seus
projetos com círculos para
envolver os visitantes.
Foto: Carmen Abdo.
NOVAS TECNOLOGIAS
TRANSBORDAM DA ÁGUA
“EXISTEM INOVAÇÕES FANTÁSTICAS COMO DESSALINIZAÇÃO,
REGENERAÇÃO, MEMBRANAS, BIOTECNOLOGIAS. EU APOSTO NISSO”,
PAUL REITER, DIRETOR EXECUTIVO DO INSTITUTO INTERNACIONAL DA ÁGUA
Por Boris Ramírez
O tema parece ter o consenso mundial. O atual modelo
energético contamina, é caro e os combustíveis não são
perenes, motivo pelo qual o grande desafio do mundo é
garantir novas opções para o fornecimento de água e geração
de energia que sejam mais baratas e não causem tanto
impacto nas fontes hídricas.
A discussão em relação ao presente e ao futuro da água
transcorreu na Expo Zaragoza 2008 como um rio: por vezes
tranqüilo, por outras como uma torrente urgente e impetuosa.
Mas, talvez, o Diretor Executivo do Instituto Internacional da
Água (IWA por suas siglas em inglês) tenha sido quem melhor
definiu: “Existem tecnologias fantásticas como dessalinização,
regeneração, membranas, biotecnologias. Eu aposto nisso”.
58 AQUA VITAE
A vantagem é que ele não está sozinho. Autoridades como
a ex-ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva,
afirmam que “não é possível pensar na sustentabilidade
de um, sem pensar na do outro”, mostrando que os
desafios mundiais relativos à água não implicam apenas
no manejo das fontes das mesmas, e sim na gestão do
ecossistema total.
Foi por isso que muitos aproveitaram esta exposição
internacional para trazer novas respostas, no âmbito tecnológico, que possam ser incluídas na nova corrente de
pensamento daqueles que se preocupam, de maneira integral, com as novas energias que devem ajudar a proteger os
ecossistemas e resguardar o abastecimento de água.
As possibilidades tecnológicas vão desde
os projetos de dessalinização de grandes
quantidades de água salgada, passando
por investimentos em novas usinas de
tratamento que possibilitem a reutilização
hídrica em sistemas de irrigação, até
grandes obras hidráulicas que permitam
levar água de um lugar a outro, ou ainda,
de novas tecnologias como as da Suécia
ou da Dinamarca, que aproveitam outras energias com menor impacto no meio ambiente.
Research, investiga a criação artificial de
tormentas na região de Queensland (Austrália)
e explica que “não é uma resposta à
mudança climática, mas sim uma técnica
iniciada no país”, conhecida como
semeação de nuvens e que ainda está em
fase experimental: “é uma pesquisa nova,
ainda não temos conclusões definitivas”.
(www.usq.edu.au/newsevents/news/cloudsee
d.htm, www.bom.gov.au/bmrc/basic/events/
cloudseeding).
DO MAR
Como uma nova forma de obtenção de
água, a chamada dessalinização apresenta-se como sendo uma alternativa
para setores que não contam com
recursos de água doce. Trata-se de um
processo de tratamento, no qual são
extraídos os sais dissolvidos na água do
mar ou das águas salobras produzindo-se
água potável. Desta forma, foram
desenvolvidas tecnologias que permitem,
de maneira eficiente, baixar de 38 mil
mg/l (água salobra) dos sais dissolvidos
para menos de 500 mg/l (água potável).
• Antonio Rodríguez Perea, especialista
em estratigrafia pela Universidade das
Ilhas Baleares (Espanha), considera que os
sistemas naturais foram degredados e
confiados à tecnologia, “nos fazendo
viver um espelhismo no século XX, para o
qual apenas despertamos no século XXI”.
Perea aposta ainda na mudança de
hábitos da sociedade, aplicando ao
máximo "a tecnologia de dessalinização
ou transposição, evitando fugas futuras,
que só transferem o problema para a
energia e a mudança climática, ou seja,
coloca o problema debaixo do tapete”.
(www.uib.es/es).
Exi s t e m n o m u n d o 7 . 5 0 0 u s i n a s d e
dessalinização, segundo a Associação
Internacional de Dessalinização, das quais
dois terços estão no Oriente Médio. No
caso da América Latina, as plantas
lo c a l i z a m - s e n o C h i l e e n o M é x i c o.
(www.idadesal.org)
•Inés Restrepo, pesquisadora do CINARA
pela Universidade do Valle, na Colômbia,
defende os testes antes das aplicações de
soluções tecnológicas, para que não haja
perda de recursos valiosos. “Por que
usamos água potável na privada, quando,
na realidade, utilizamos apenas cerca de
A empresa espanhola Acciona, com projetos nos Estados Unidos e no Chile,
apresentou nesta exposição suas linhas de
pesquisa sobre despoluição da água do
mar, mediante novas técnicas alternativas
frente aos tratamentos convencionais que
utilizam compostos clorados. A Acciona
mostrou ainda seu sistema Sepafloc,
voltado para os pré-tratamentos de dessalinização e tratamentos de reaproveitamento hídrico. Para demonstrar todo
esse trabalho, a companhia entregou aos
visitantes garrafas com água potável
proveniente do mar. (www.acciona.es)
seis litros de água potável por dia? Além
disso, o caso concreto dos assentos
sanitários são um exemplo de tecnologia
que não funcionaram na América Latina.
As tecnologias têm o DNA das sociedades
que as criam e não o DNA de onde são
aplicadas”. (www.cinara.univalle.edu.co)
• Dilma Pena, secretária de Saneamento e
Energia do Estado de São Paulo (Brasil),
apresentou o projeto PRODES levado a cabo
pela Agência Nacional de Águas deste país, que
consiste em investir nas empresas provedoras de
recursos hídricos a fim de “incentivar o
tratamento de água e o abandono do costume
de vertê-la nos rios sem nenhum tipo de
purificação”. (www.ana.gov.br/prodes).
• Rafael Mujeriego, presidente da Associação
Espanhola de Reutilização Sustentável da
Água estabeleceu a possibilidade da água
regenerada, reciclando a água proveniente
da cidade, ou das próprias indústrias, para
outros usos, tais como: limpeza de vias e
calçadas, vasos sanitários, em torres de
refrigeração de ar condicionado de indústrias,
lavagem de automóveis e trens, entre outros.
(www.canagua.com/es/pdf/reutilizacion.pdf)
COM SELO NÓRDICO
No entanto, os países do norte da Europa
estão integralmente voltados para os temas
relacionados à energia limpa, com o objetivo de
evitar impactos nos recursos naturais.
Houve de tudo na mostra. A Suécia trouxe carros
com baixo impacto para o meio ambiente.
Foto: Carmen Abdo
APLICAÇÕES FRENTE ÀS SECAS
As secas extremas, cada vez mais freqüentes, são algumas das conseqüências
das mudanças climáticas, o que leva a
buscar, por sua vez, novas aplicações
tecnológicas para que o recurso hídrico
não falte. Estes são alguns dos pensamentos atuais frente ao tema.
• Roger Stone, presidente do National
Task Group for Precipitation Enhancement
AQUA VITAE 59
A água potável
dessalinilizada é
uma das
respostas para os
países que
padecem da falta
de água doce.
Especialistas
insistem que a
tecnologia deve ser
aplicada em prol
das pessoas.
Fotos: Carmen Abdo
O hidrogênio tem
sido considerado
uma fonte de
abastecimento de
energia de baixo
uso dos recursos
hídricos.
Foto: David Ruiz
A Suécia acompanhou um importante
número de empresas no país, as quais
passaram a ser classificadas como “comprometidas com a água e a natureza”.
Dentre elas estão:
• Volvo. Seu automóvel recarregável utiliza uma bateria capaz de se recarregar com
corrente elétrica normal. Quando a bateria
acaba, o carro passa a funcionar com um
motor “flexfuel” de 1,6 litros e 4 cilindros.
• A ClimateWell apresenta um sistema
capaz de garantir uma temperatura
constante durante todo o ano com energia
solar térmica. A tecnologia “Frio Solar”
armazena energia em sais minerais que, ao
serem dissolvidos com água, transformam60 AQUA VITAE
se em ar frio ou quente. Entre os benefícios,
está uma economia de 85% no consumo
energético de uma casa, além da redução
das emissões de CO2 (Gás Carbônico) em
até 15 toneladas por moradia e funciona
com energia solar, renovável e infinita.
• Galluvare PhotoVoltgaic. A companhia cria
módulos com células solares que podem
ser usados em casas, prédios, fachadas ou
telhados. Por meio destes módulos é
possível transformar a luz do sol em
energia elétrica.
• Centro Sueco para a Conversão Elétrica
de Energias Renováveis. Localizado em
Uppsala, especialistas desenvolveram uma
tecnologia para produzir energia elétrica a
partir das ondas, já que os estudos
determinam que esta energia tem
capacidade de disposição de até 4 mil
horas por ano, em contraposição às 2,2 mil
horas de sol. Esta eletricidade produzida
pelas ondas não produz emissões, nem
deixa resíduos nocivos na atmosfera.
Durante a Expo Zaragoza, o pavilhão da
Dinamarca, chamado de “Círculos de
Água”, mostrou as possibilidades do uso da
energia eólica, da iluminação natural e dos
biocombustíveis. Tudo isso em função da
busca por novas energias que deixem de
causar impacto nas fontes hídricas.
LEGISLAÇÃO
A ÁGUA CABE SIM
DENTRO DE UM MARCO
A experiência do Conselho Marco da Água, não é
apenas ambiciosa, mas também acorda
responsabilidades, gera compromissos e abre portas
para a transformação da legislação hídrica.
POR BORIS RAMÍREZ
Foi um presente de natal adiantado. Alguns
o esperavam com certa ansiedade, outros
nem tanto e outros ainda nem esperavam.
O fato é que no dia 22 de dezembro de
2000, foram publicadas as Diretrizes
2000/60/CE do Parlamento Europeu, conhecidas como Conselho Marco da Água (DMA,
por suas siglas em espanhol) http://europa.eu/
scadplus/leg/es/lvb/l28002b.htm.
O pacote é valioso. A DMA estabelece um
marco comunitário para a proteção das
águas superficiais continentais, de
transição, costeiras e subterrâneas, a fim
de prevenir ou reduzir sua contaminação,
promover seu uso sustentável, proteger o
meio ambiente, melhorar o estado dos
ecossistemas aquáticos e atenuar os
efeitos das inundações e das secas.
de que se trata de um bem público e de que
a relação entre Direito e Água é um
instrumento para garantir nosso futuro”.
Desta forma, a DMA busca essa segurança
jurídica que, pressupõe-se, a água deva ter,
mas não apenas como sendo um recurso
natural, e sim como um fator fundamental
para o desenvolvimento que deve abordar
os problemas com clareza e contribuir com
a conservação destes recursos para as
futuras gerações.
Para isso, o estatuto foi ampliado também
para a proteção de todas as águas,
estabelecendo o objetivo claro de que, em
2015, é preciso atingir um “bom estado
ecológico” para todas as águas européias,
bem como o uso sustentável do recurso.
“Desde que a grande discussão sobre água
começou a ser organizada na Europa estava
claro que era preciso fazê-la do ponto de
vista de um plano integral, não por partes,
mas sim como sendo um recurso que, além
de valioso, tem total relação com a Natureza”, afirmou Domingo Jiménez Beltrán,
ex-diretor da Agência Européia da União
Européia (UE), hoje membro do Fórum Ético da
Água, formado por personalidades mundiais.
O conjunto de normas representa “um
planejamento ambicioso e inovador, de olho
na gestão hídrica”, disse Pedro Arrojo,
economista e fundador da Fundação Nova
Cultura Hídrica, indicando que “o importante do Conselho Marco da Água está
no fato de reunir e priorizar a água a partir
da discussão agregadora”.
A discussão dos europeus teve início devido
às numerosas pressões em cima dos
recursos hídricos comunitários, motivo pelo
qual era importante criar “instrumentos
legislativos efetivos”, disse Antonio Garrigues, jurista espanhol, explicando que “o
papel do (sistema) jurídico, no que se refere
ao tema água, deve partir do pressuposto
Com um marco de discussão bastante claro,
aqueles que aprovaram a DMA incluíram
aquilo que consideram a coluna vertebral da
normativa:
MÃOS À ÁGUA
• Proteção de todas as águas: rios, lagos,
mares e lençóis freáticos.
• Restauração do bom estado ecológico de
todas as águas para 2015.
• Estabelecimento de programas de cooperação trans-fronteiriços.
• Participação ativa de todos os interessados, incluindo ONGs e comunidades, em
atividades para a gestão hídrica.
•Políticas de fixação de preços da água e
garantias de responsabilidades em caso de
contaminações.
• Equilíbrio entre os interesses do meio ambiente e dos que dependem dele.
A DMA é de grande complexidade jurídica e
técnica, tanto em sua concepção quanto em
seu conteúdo, aplicação e desenvolvimento.
Mas o Velho Continente entendeu que
tinha que trabalhar em prol deste elemento
fundamental para a vida humana. “As
situações em torno da água serão de suma
importância para a maioria da humanidade
num futuro bastante próximo”, comentou
Joseph Borrell, presidente da Comissão de
Desenvolvimento do Parlamento Europeu.
Para adiantar o processo e dada a formação
política, social e econômica européia, a
DMA fixou um caminho bastante claro de
atuação: estabelecer um marco para a
proteção das águas continentais, de
transição, marítimas e subterrâneas.
Tal estrutura - para muitos ambiciosa, para
outros revolucionária – marca uma nova
etapa da legislação mundial em prol da
água e do processo de transformação.
Pedro Arrojo sustenta que a importância e
o aporte do Conselho Marco da Água da
União Européia incorporam idéias revolucionárias sobre o tema. De acordo com sua
AQUA VITAE 61
PROTEGER TUDO
COMO O LEITO DE UM RIO
A DMA afirma em seu conteúdo que é preciso entender todas as
águas que estão dentro do conjunto de normas e, para que não reste
dúvida, define:
O Conselho Marco da Água europeu é como o leito de um rio:
já passou por regiões com grandes torrentes de idéias e
discussões, já enfrentou cataratas e obstáculos e encontrou
caminhos tranqüilos também. Este é o calendário do que já foi
feito e do que ainda falta fazer.
Águas continentais: são as águas que correm ou se acumulam na
superfície da Terra, desde a linha que serve de base para medir a
largura das águas territoriais.
Águas superficiais: são as águas continentais - com exceção das
águas subterrâneas –, as águas de transição e as águas costeiras,
e, no que se refere ao estado químico, são também as águas
territoriais.
ANO
AÇÕES
2000
Aprovação e vigência do Conselho Marco da Água
Águas subterrâneas: todas as águas que correm abaixo da
superfície da Terra, na região de saturação e em contato direto
com o solo ou com o subsolo.
2003
Transposição à legislação dos estados membros
2004
Demarcações Hidrográficas de acordo com o art. 5: análise
das características, pressões e impactos.
2005
Revisão dos informes de demarcações (art. 5)
Início da definição de objetivos para os planos de medidas.
2006
Estabelecimento da rede de controle (art. 8).
Identificação de partes interessadas (atores), apresentação do
calendário para a consulta pública e o programa para a redação
dos planos de gestão das bacias hidrográficas (art. 14).
2007
Informe provisório sobre aspectos chave da gestão
hídrica em cada demarcação (art. 14).
2008
Consulta pública sobre os rascunhos dos planos
de gestão.
2009
Aprovação dos planos de gestão (art. 13).
2010
Aplicação dos valores que introduzirão incentivos
para o uso eficiente da água (art. 9)
2012
Os planos de gestão já devem estar funcionando (art. 11)
2015
Alcance do bom estado ecológico de todas as águas (art. 4)
Águas de transição: massas de água superficiais próximas à foz
dos rios. Porquê estão próximas às águas da costa são
parcialmente salinas, mas recebem notável influência de fluxos de
água doce.
Águas costeiras: são as águas superficiais situadas sobre a Terra, a
partir de uma linha cuja totalidade de pontos encontra-se a uma
distância de uma milha náutica (mar adentro) do ponto mais
próximo da linha de base, que serve para medir a largura das
águas territoriais e que se estendem, conforme o caso, até o limite
exterior das águas de transição.
Bacias hidrográficas: é a superfície de terreno, cuja escorrentía
superficial flui em sua totalidade através de uma série de correntes,
rios e, eventualmente, lagos em direção ao mar, por uma única foz,
estuário ou delta.
Demarcação hidrográfica: trata-se da região marinha e terrestre
formada por uma ou várias bacias hidrográficas vizinhas e as águas
subterrâneas e costeiras associadas, designada como principal
unidade para efeito de legislação da gestão das bacias hidrográficas.
Fonte: Informe da Interwies e Dworak para as Jornadas sobre Conselho
Fonte: Conselho Marco da Água da União Européia.
análise, trata-se do bloco legal mais completo
do mundo. O mais importante, segundo ele, é
que “muda o conceito (dentre outras coisas),
passando de uma gestão de um recurso para
uma gestão ecossistêmica. Entendemos que
para se ter água no futuro devemos cuidar da
fábrica da água”.
Arrojo encontra embasamento para tal
pensamento ecológico no pragmatismo
economicista anglo-saxão, refletido na legislação, ao entender que “é preciso cuidar
dos recursos não apenas para cuidar do
meio ambiente, mas também por causa do
desenvolvimento econômico. É um mau
negócio contaminar lençóis freáticos ou
destruir rios”.
62 AQUA VITAE
Marco da Água e multifuncionalidade da agricultura - 2006.
A visão integral leva os países europeus a
trabalharem na prevenção do deterioramento
adicional, bem como na proteção e melhoria
dos ecossistemas aquáticos e terrestres, na
promoção dos usos sustentáveis da água, na
proteção e na melhoria do meio aquático, na
redução da contaminação hídrica subterrânea
e nos mecanismos para minimizar os efeitos de
inundações e secas.
A experiência pode ser aplicada em outros
lugares, como no caso da América Latina. Os
especialistas estão bem certos disso, como o
argentino Víctor Pochat, consultor da
Organização das Nações Unidas, que considera
“iniciativas como o Conselho Marco da Água
da União Européia um exemplo notável de
como vários países com diversidades tão
amplas na cultura, por exemplo, podem
chegar a acordos positivos”.
O êxito do esforço comunitário está em
resolver, de maneira homogênea e
coordenada, os obstáculos que possam
vir a surgir aos estados membros da UE
deste desafio tão complexo, de forma
que os estados membros e a própria UE
interpretem da mesma forma seus
conceitos. Só assim será possível dizer
que a água cabem sim dentro de um
marco, mas um marco amplo, claro,
agregador e transformador.
OPINIÃO
DANIELLE MITTERRAND
É ativista social. Foi fundadora e, atualmente, preside a Fundação France
Libertés. De 1981 a 1995, foi Primeira Dama da França, cargo para o qual
impôs um papel diferente, trabalhando mais em causas sociais, tanto a nível
nacional como mundial. Danielle também é membro do Fórum Ético da Água
Um Direito Humano e dos Cidadãos:
Foto: Carmen Abdo
Uma missão me levou a viajar para Argentina, Chile, Bolívia,
Brasil e Uruguai. Estive com chefes de Estado, trabalhadores,
sindicatos e associações mobilizadas em torno à situação da
água, tanto local como mundial.
D
urante várias décadas, a France Libertés, fundação que presido, vem denunciando as violações dos direitos humanos, as
opressões dos povos marginalizados e aporta sua contribuição
para as iniciativas em prol das populações em risco a fim de dar
uma vida melhor para suas crianças e suas famílias.
Durante todos estes anos, os membros da France Libertés também
percorreram o mundo, recolhendo testemunhos, exibindo
incoerências e enganos causados por um sistema econômico
absoluto, inspirador das políticas de nossos governantes.
Isto significa que continuaremos sofrendo as conseqüências desta
política, apesar de denunciarmos estes estragos há muitos anos. A
France Libertés, assim como milhares de homens e mulheres, vê e
ouve os testemunhos das vítimas destes atores privilegiados de
uma classe política que busca o “benefício financeiro”.
firmado desta maneira, sem contemplar aspectos de saneamento.
Durante esta viagem, conhecemos e apoiamos a decisão do
Uruguai de rechaçar a privatização da água, que foi conquistada
por meio de um referendo.
Na Bolívia, participamos dos trabalhos em busca da nova gestão
pública hídrica em Cochabamba, na região de El Alto. Mais tarde,
aplaudimos e apoiamos a política social do presidente.
Este ano, no Congresso Nacional Brasileiro, atendendo à
solicitação dos defensores da Lei de saneamento, nos associamos
à Associação das Empresas Públicas Municipais (ASSEMAE) e a sua
rede de mais de 200 organizações sociais, a fim de reforçar a voz
dos brasileiros. Desta forma, os partidários da privatização se
depararam com uma verdadeira oposição democrática.
O Fórum Ético da Água
Em defesa do elemento líquido
A France Libertés se posicionou pela defesa do estatuto da água e
pela defesa do mesmo como um direito humano e dos cidadãos.
Hoje posso evocar para seus leitores a longa e instrutiva viagem
que fiz em 2005, pela América Latina, acompanhada de franceses
e militantes associados a nossa organização.
Foi uma missão que me levou ao Brasil, à Argentina, terminando
no Uruguai e na Bolívia. Nestes locais, me reuni não apenas com
chefes de Estado, como também com trabalhadores, sindicalistas
e associações interessadas na situação da água, tanto a nível local
como mundial. Afinal, somos todos solidários!
Na ocasião, fui convidada a ir a casa de uma mulher. Quando
entrei em sua linda casa – construída com o esforço de longos anos
de trabalho -, instintivamente tampei meu nariz com as mãos. A
mulher, aflita, pediu desculpas, explicando que durante a maior
parte do tempo ela também vivia com uma máscara, tal era a
agressão dos cheiros nauseantes, que não haviam sido eliminados
pela multinacional do setor hídrico que ali atuava.
Tudo isso acontecia, simplesmente, porque o contrato não previa
os trabalhos necessários para o escoamento e o saneamento, pela
simples razão de que os mesmos não eram rentáveis e de que a
companhia privada (com ações na Bolsa) necessitava “criar valor
agregado ao acionista”. Informaram que o contrato havia sido
Neste ano ainda, participei da formação do Fórum Ético da Água,
em Zaragoza (Espanha). Durante longas jornadas em volta de uma
mesa, organizada por Pedro Arrrojo, trabalhamos na obtenção de
um acordo entre nossos diferentes pontos de vista, com o objetivo
de redigir um “Chamado de Zaragoza”.
Logo percebi que nem todos os participantes falavam a mesma
língua. A água não é uma mercadoria, não deve responder a esses
mesmos imperativos. A noção ética e moral da água deve ser a de
uma riqueza fora do comércio, mesmo quando se considera que
o serviço tem um custo.
Então, propus aos participantes um desafio pela mudança da
sociedade. Desafio este desejado por todos aqueles que
entendem: considerar os elementos constitutivos da vida, ou seja,
a água, o ar, a terra e o fogo são bens comuns da Humanidade e do ser
humano, à parte de toda e qualquer forma de comercialização.
Iniciamos com a água. E tudo o que pretendemos é defender a
causa hídrica e reafirmar seu estatuto vital, contribuindo para com
uma aproximação da realização de nosso desafio.
Tradução: Myriam Hoffmann.
A Aqua Vitae não emite opinião sobre os critérios expressados nesta seção de opinião,
mas estamos abertos a diferentes perspectivas em torno do manejo do recurso hídrico.
AQUA VITAE 63
SITES DE INTERESSE
www.aquavitae.com
blog latino-americano especializado no tema água
Foto: Carlos Acín
A
qua Vitae, cumprindo com seu objetivo de se consolidar
como uma tribuna relevante e especializada no tema hídrico,
decidiu marcar presença no maior evento ligado à água do
planeta: a Expo Zaragoza 2008, convicta de estar respondendo ao imperativo de levar para a América Latina tudo
o que aconteceu durante a exposição e resgatar todo o
conteúdo para, em seguida, dispô-lo a serviço de nossa
sociedade latino-americana.
O blog www.aquavitae.com foi o único meio de comunicação presente durante todos os 93 dias da Expo Zaragoza
2008, com um enfoque 100% latino-americano e assegurando a visão multisetorial.
No site, é possível encontrar os aportes realizados durante os
93 dias de Expo, com informações relevantes para nossa
região, que eram escritas diariamente e em tempo real, além
de fotografias e imagens belíssimas, disponibilizadas
gratuitamente para a imprensa e o público em geral de toda
América Latina.
Dentro do blog estão registrados pensamentos de prêmios
Nobel da Paz como Mikhail Gorbachev, Rajendra Pachurí e
Rigoberta Menchú, além das propostas de vários humanistas
entre eles Vandana Shiva, Danielle Mitterrnad, Susan George,
Federico Mayor Zaragoza, Ban Ki-moon, Jeremy Rifkin, Javier
Solana, Ricardo Petrella e Antonio Garrigues.
Estão registrados também o pensamento latino-americano de
Marina da Silva, Inés Restrepo, Víctor Pochat, Raymundo
Garrido, José Luis Luege, Luis Alberto Moreno, Enrique Iglesias,
Dilma Pena, entre muitos outros. O leitor poderá entrar em
contato com iniciativas de todos os países da América Latina e
do mundo, bem como com a visão de muitas das 350
organizações sociais que participaram da Expo Zaragoza.
Os jogos interativos,
instalados pelas empresas
Amanco-Mexichem
durante a Expo, prenderam
a atenção do público em
geral, especialmente
das crianças.
Foto: Carmen Abdo
64 AQUA VITAE
Trata-se de uma fonte de informação atual que reúne as vozes
de cidadãos, políticos, empresários, instituições internacionais,
órgãos da sociedade civil, pesquisadores, cientistas e
pensadores ligados aos temas hídricos.
Tudo isto, torna o blog uma resposta oportuna ao chamado
mundial, lançado pela Organização das Nações Unidas
(ONU), de difundir e sensibilizar um tema de fundamental
importância para a humanidade.
fe Tacvba
Ca
foto: Cintia Sarría
A água também
foi homenageada
pela música, pela
dança, pelo teatro...
lanis Morissette
A
foto: Carmen Abdo
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Cirtqo: Carm
Hombre Vertiente
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foto: David Ruiz
M
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foto: ªRR
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riguez ezes, G. Gil, G.
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del Norte
Tigres
foto: David Ruiz
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Fabio
Rubén Blades
foto: Rubén Rodriguez
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Gieco
León
foto: Carmen Abdo
Horacio Franco
foto: Rubén Rodríguez
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foto: Rubén Rod
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Dav erviches Kindi
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foto:
e Toumani Diabate
Bjork
foto: Cintia Sarría
aría Dolores
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foto: David Ruiz
Pradera
Luis Guerra
Juan
foto: Rubén Rodríguez
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foto: CacermdeensASbdosa
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AQUA VITAE 65
www.aquavitae.com

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