Cap33-HemorragiasTAS2016

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Manual de Tripulante de Ambulância de Socorro
S.R.P.C.B.A. - Divisão de Prevenção, Formação e Sensibilização
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Capítulo
Hemorragias
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1. OBJETIVOS
No final da sessão os formandos deverão ser capazes de:
Listar e descrever os mecanismos produtores de traumatismos vasculares;
Descrever a importância da determinação de outras lesões associadas;
Listar descrever os tipos hemorragias;
Listar e descrever os cuidados a ter perante uma hemorragia externa;
Listar e descrever os métodos de controlo de uma hemorragia externa;
Descrever a importância da oxigenação no contexto de lesão vascular;
Descrever a importância da avaliação frequente dos Sinais Vitais no contexto de lesão vascular;
Descrever a importância de hemorragia interna oculta no contexto de traumatismo vascular;
Listar e descrever os passos do exame da vítima, ABCDE, AVDS e caracterização dos sinais vitais;
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Capítulo 33. Hemorragias
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2. INTRODUÇÃO
O sangue é um líquido que circula pelo sistema vascular e que tem como função a manutenção da vida do
organismo. O sangue é constituído por diversos tipos de células; que constituem a parte sólida do sangue e cerca de 45% do
seu volume total. Já os 55% restantes são formados de uma parte líquida chamada de plasma
As células do sangue são de 3 tipos: hemácias (ou eritrócitos ou glóbulos vermelhos), leucócitos (ou glóbulos
brancos) e plaquetas. O plasma, o componente líquido, é formado por 90% de água, 1% de substâncias como potássio,
sódio, ferro e cálcio; 7% de proteínas plasmáticas e 1% de substâncias orgânicas não proteicas como sejam resíduos
resultantes do metabolismo ou hormonas.
Apresenta dissolvidos gases como oxigénio e dióxido carbónico. Devido à presença da molécula da hemoglobina nas
hemácias, o sangue é de cor vermelha. A quantidade total de sangue no Homem representa cerca de 8% de sua massa total.
Sempre que o sangue sai do espaço vascular estamos perante uma hemorragia.
As hemorragias sendo uma emergência necessitam de um socorro rápido e imediato. É imperioso que a equipa de
socorro atue de forma pronta e eficaz.
A perda de grande quantidade de sangue é uma situação perigosa que pode rapidamente causar a morte.
A paragem ventilatória e a paragem cardíaca são as únicas situações que terão prioridade sobre esta. Contudo, a
paragem ventilatória e a existência de uma hemorragia abundante são ambas de tão grande importância que, sempre que
seja possível, um elemento deverá socorrer a paragem ventilatória enquanto outro elemento prestará cuidados à hemorragia.
Regra geral a abordagem na avaliação e tratamento segue a sequência ABCDE.
Um adulto com 75 kg de peso tem cerca de 5,5 litros de sangue. A perda de 1 litro de sangue no adulto, de 0,5 litros
na criança ou de 25 a 30 ml num recém-nascido pode levar rapidamente ao choque.
A gravidade da hemorragia depende de vários fatores, como o tipo de vaso atingido (artéria, veia, capilar), da sua
localização e do seu calibre. O corte do principal vaso sanguíneo do pescoço, braço ou coxa pode causar uma hemorragia
tão abundante que a morte pode surgir dentro dos primeiros três minutos.
É importante também considerar a possibilidade de existir uma situação específica como seja a hemofilia. Esta
representa o nome de diversas doenças genéticas hereditárias que incapacitam o corpo de controlar sangramentos ou
hemorragias. Deficiências genéticas e um distúrbio auto imune raro podem causar a diminuição da atividade dos fatores de
coagulação do plasma sanguíneo, de modo que comprometem a coagulação sanguínea; logo, quando um vaso sanguíneo é
danificado, um coágulo não se forma e o vaso continua a sangrar por um período excessivo de tempo. O sangramento pode
ser externo, se a pele é danificada por um corte ou abrasão, ou pode ser interno, em músculos, articulações ou órgãos.
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3. CLASSIFICAÇÃO DAS HEMORRAGIAS RELATIVAMENTE À ORIGEM
HEMORRAGIAS ARTERIAIS
O sangue é vermelho vivo e sai em jato, em simultâneo com cada contração do coração. É uma hemorragia muito
abundante e de difícil controlo.
HEMORRAGIAS VENOSAS
O sangue é vermelho escuro e sai de uma forma regular e mais ou menos constante.
Não obstante não ser tão dramática como a arterial, a hemorragia venosa poderá ser fatal se não for detetada. De
um modo geral, estas hemorragias são mais fáceis de controlar.
HEMORRAGIAS CAPILARES
Têm uma cor intermédia (entre o vermelho vivo e o vermelho escuro) e o sangue sai lentamente, devido à rutura dos
minúsculos vasos capilares de uma ferida. Estas hemorragias são de fácil controlo, podendo parar espontaneamente.
AR T ER IAL
C APILAR
VEN OSA
Fig. 33.1. Tipos de hemorragia quanto à origem..
4. CLASSIFICAÇÃO DAS HEMORRAGIAS RELATIVAMENTE À LOCALIZAÇÃO
As hemorragias também são classificadas quanto à sua localização, podendo dividir-se em:
HEMORRAGIAS EXTERNAS
As hemorragias externas podem ser observadas e são facilmente reconhecidas.
HEMORRAGIAS INTERNAS
As hemorragias internas são de difícil reconhecimento e identificação. É necessário pensar na hipótese e despistar a
situação pelos sinais e sintomas indiretos.
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Por vezes as hemorragias internas são divididas em:
Visíveis
Quando o sangue acaba por se exteriorizar por um orifício natural do corpo (boca, nariz, ânus, vagina, ouvido);
Não visíveis
Quando não há saída de sangue para o exterior. Suspeitamos da hemorragia interna em função dos mecanismos de
lesão e dos sinais e sintomas que a vitima apresenta.
De salientar também que estas hemorragias apenas podem ser controladas através de uma cirurgia.
5. CAUSAS DAS HEMORRAGIAS INTERNAS:
Devemos suspeitar de hemorragias internas numa vítima de trauma sempre que:
O mecanismo da lesão possa provocar um impacto forte ao nível do abdómen provocando por exemplo lesões
no fígado e no baço (ex. trauma da base do tórax esquerdo pode indicar fratura de baço, com hemorragia intra
abdominal o que constitui uma emergência cirúrgica
Lesões torácicas, com suspeita de fratura de costelas;
Em queda de altura 2 a 3 vezes superior à altura da vítima;
Feridas penetrantes provocadas por armas de fogo ou por armas brancas (facas, navalhas, etc.);
Politraumatizados graves com suspeita de fraturas.
As hemorragias internas podem ainda acontecer em situação de doença, como é o caso de quando o doente
refere história de úlceras gástricas, duodenais ou esofágicas ou de aneurismas;
Neste caso existem habitualmente sinais como hematemeses, hematoquesias ou melenas.
6. SINAIS E SINTOMAS GERAIS DAS HEMORRAGIAS
Saída evidente de sangue (hemorragias externas);
Ventilação rápida e superficial;
Pulso rápido e fraco;
Hipotensão (sinal tardio, pois inicialmente a pressão arterial é normal);
Pele pálida e suada;
Hipotermia;
Mal-estar geral ou enfraquecimento;
Sede;
Vómitos de sangue;
Dejeções de sangue;
Sensação de “zumbidos” nos ouvidos;
Ansiedade e agitação;
Inconsciência.
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7. CONTROLO DAS HEMORRAGIAS EXTERNAS
Em todas as emergências que envolvam hemorragias devem ser tomadas medidas decisivas e rápidas.
7.1. Métodos para controlar as hemorragias:
1. Pressão direta (no local da hemorragia);
2. Garrote (tratamento de 2ª linha se a pressão direta não funcionar);
3. Métodos 3ª linha (caso os anteriores não resolverem a situação):
- Elevação do membro;
- Pressão indireta (compressão à distância);
- Imobilização;
- Aplicação de frio.
7.1.1. MÉTODO DE 1ª LINHA: PRESSÃO DIRETA
Também designada por compressão manual direta. É o método escolhido para controlo da maioria das hemorragias
externas – cerca de 90%.
NOTA:
A técnica da pressão direta não poderá ser utilizada quando:
A hemorragia está localizada sobre uma fratura;
No local da hemorragia existirem objetos empalados (objetos estranhos como facas, vidros, ferros, etc.).
Neste caso, aplique outros dos métodos de controlo de hemorragias
Como proceder à compressão manual direta (Fig. 33.2):
Comprimir com uma compressa esterilizada;
Nunca retirar a 1ª compressa;
Colocar outras por cima desta;
Manter a compressa segurando a/as compressa com uma ligadura.
Fig. 33.2. Aplicação de pressão direta.
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7.1.2. MÉTODO DE 2ª LINHA: GARROTE (Fig. 33.3)
O garrote só deve ser utilizado em situações extremas, quando todos os outros métodos de controlo das
hemorragias não são eficazes, como nos casos de destruição completa de um membro ou amputação com grave
hemorragia.
Trata-se do último recurso a ser utilizado sendo que, mesmo no caso de amputação, a metodologia preconizada é a
compressão direta desde que seja possível.
Também poderá ser utilizado em situações de múltiplas vítimas, quando existem insuficiência de meios humanos.
Fig. 33.3. Aplicação de um garrote.
Para o aplicar deve:
1. Retirar a roupa do membro amputado não esquecendo que uma vez aplicado, não deve ser aliviado;
2. Por segurança deverá sempre deixar o membro garrotado bem à vista e marcar a hora da garrotagem;
3. O garrote preferencialmente deve ser não elástico e deve ser sempre largo.
7.1.3. MÉTODO DE 3ª LINHA: ELEVAÇÃO DO MEMBRO
Nas feridas ou lesões de um membro, deve aplicar uma compressa sob pressão e elevar o membro, caso não haja
fratura. A força da gravidade contraria a corrente sanguínea, a manutenção do membro elevado auxiliará o controlo da
hemorragia (Fig. 33.4).
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Fig. 33.4. Elevação de um membro superior.
7.1.4. MÉTODO 3ª LINHA: PRESSÃO INDIRETA OU DIGITAL À DISTÂNCIA
Consiste em comprimir uma artéria contra um músculo ou um osso, entre o local da hemorragia e o coração. A
pressão exercida nas artérias contra um músculo ou um osso, na raiz dos membros, levará ao controlo de hemorragias nos
territórios irrigados pela artéria em causa, uma vez que impede a progressão da corrente sanguínea para além do local da
compressão.
Os locais mais frequentes de compressão são a nível da artéria umeral (face interna do braço) ou artéria femoral (ao
nível da virilha) (Fig. 33.5).
Recordamos que este método é usado essencialmente em situações em que haja um objeto estranho empalado ou
suspeita de fratura no local.
Será portanto, um método alternativo à compressão direta, quando esta não puder ser efetuada.
Fig. 33.5. Aplicação da compressão indireta.
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7.1.5. MÉTODO DE 3ª LINHA: IMOBILIZAÇÃO
A completa imobilização do membro ou área afetada, ajuda a diminuir a quantidade de sangue que o organismo
necessita de enviar para manter as funções dessa zona e, por consequência, poderá diminuir a hemorragia.
7.1.6. MÉTODO DE 3ª LINHA: APLICAÇÃO DE FRIO
O uso de compressas frias, sacos de gelo ou gelo químico (Fig. 33.6) protegidos por uma toalha ajuda a diminuir a
perda de sangue, uma vez que provoca a vasoconstrição dos vasos.
Fig. 33.6. Gelo químico.
Nas contusões e outros tipos de lesões traumáticas, as aplicações frias diminuem a dor, o edema e o aparecimento
de processos inflamatórios locais. A aplicação de frio deve ser efetuada durante 10 minutos de cada vez (Fig. 33.7).
O uso prolongado de sacos de gelo não deve ser feito, pois, dificulta a circulação e leva a lesões dos tecidos
(queimaduras pelo frio).
Fig. 33.7. Aplicação de frio a nível abdominal.
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8. HEMORRAGIA INTERNA
Habitualmente a suspeita de hemorragia interna baseia-se no conhecimento do mecanismo de trauma e nos
achados encontrados no exame da vítima.
Não esquecer que as hemorragias internas podem ou não apresentar sinais externos de saída de sangue, isto é,
poderão evidenciar-se por haver saída de sangue pelos orifícios naturais (nariz, boca, ouvidos, ânus, vagina, uretra).
9. ATUAÇÃO PERANTE AS HEMORRAGIAS:
Intervir sempre em função da AVALIAÇÃO PRIMÁRIA: ABCDE;
Abordar a vítima, imobilizando a cabeça destra na posição neutra e assumir sempre a coexistência de TVM;
Administrar oxigénio:
- Garantir oximetria ≥ 95% (se grávida ≥ 97%; Se DPOC entre 88% - 92%);
- Choque com hemorragias graves:10 L/min;
- Outras hemorragias: 3 L/min;
- Se necessário, assistir a ventilação;
Identificar e controlar a hemorragia externa , pela seguinte ordem de atuação:
1. Pressão direta;
2. Garrote;
3. Elevação do membro;
4. Pressão indireta;
Avaliar e registar os sinais vitais;
Despistar sinais de choque;
Suspeitar de eventual hemorragia oculta;
Recolher o máximo de informação possível recorrendo à nomenclatura CHAMU;
Efetuar a observação sistematizada de modo a detetar eventuais lesões associadas;
Não dar nada de beber;
Manter a temperatura corporal;
Identificar e controlar hemorragias;
Considerar o pedido de ajuda diferenciada.
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