Os animais e o regime português da propriedade horizontal
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Os animais e o regime português da propriedade horizontal
Home Dr.ª Sandra Passinhas Os animais e o regime português da propriedade horizontal Pela Dra. Sandra Passinhas (1) SUMÁRIO INTRODUÇÃO. 1. O CONDOMÍNIO. 1.1. As partes próprias. 1.2. As partes comuns. 1.3. O estatuto do condomínio. 1.3.1. O título constitutivo. 1.3.2. O regulamento do condomínio. 1.3.3. As deliberações da assembleia de condóminos e as decisões do administrador. 1.3.3.1. A assembleia de condóminos. 1.3.3.2. O administrador. 1.3.4. O acordo dos condóminos. 2. A PROIBIÇÃO DE DETER ANIMAIS NUMA FRACÇÃO AUTÓNOMA. 2. 1. Determinação e interpretação da proibição de deter animais num título constitutivo ou em regulamento inserido no título constitutivo. 2.2. Determinação e interpretação das restrições relativas a animais estabelecidas por deliberação da assembleia de condóminos ou decisão do administrador. 3. DETER UM ANIMAL NUMA FRACÇÃO AUTÓNOMA–EXIGÊNCIAS DE ORDEM PÚBLICA 4. COMO PODE UM CONDÓMINO DEFENDER-SE DOS INCÓMODOS CAUSADOS POR UM ANIMAL DETIDO POR UM CONDÓMINO-VIZINHO? 4.1. O direito público. 4.2. As regras de vizinhança. 4.3. A tutela da personalidade. 4.3.1. Casos especiais de valoração. CONCLUSÃO. 3 INTRODUÇÃO O problema de saber se um condómino pode ou não deter, e em que termos, animais numa fração autónoma de um prédio constituído em propriedade horizontal tem vindo a ganhar novas proporções nos dias que correm, devido ao aumento do número de animais de companhia, em especial cães e gatos, detidos em apartamentos. A resposta do Direito a esta questão há-de ter em conta, em primeiro lugar, o valor social do condomínio e a função do prédio como um dos lugares onde se desenvolve a pessoa humana(2), através da satisfação coletiva das exigências de habitação. A personalidade humana(3), além de uma unidade psicossomática, apresenta uma estrutura mais alargada, de teor relacional, sócia ambientalmente inserida e que abarca dois polos interativos: o eu e o mundo. Enquanto unidade funcional no mundo, a personalidade humana pressupõe um certo espaço ou território e um conjunto de condições ambientais para a sua sobrevivência e desenvolvimento. Esse espaço ou território é preenchido, desde logo, pelo edifício coletivo que, enquanto fonte de estabilidade, constitui um polo que permite o desenvolvimento da personalidade, através da satisfação de vários interesses humanos, de tipo fisiológico, psicológico e cultural, de que são exemplo o convívio, a intimidade familiar, a realização dos afetos ou o repouso. A nossa Constituição adota o direito à habitação como um direito de carácter social; nos termos do artigo 65.º, n.º 1, “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. Para GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA(4), o direito à habitação é não apenas um direito individual mas também um direito das famílias; em segundo lugar, é uma garantia do direito à intimidade da vida privada e familiar; finalmente, engloba um direito aos equipamentos sociais adequados—água, saneamento, eletricidade, transportes e demais equipamento social — que permitam a sua fruição. A habitação é um ponto de referência do indivíduo, um objeto de conteúdo afetivo e constituinte da sua autoidentificação(5). A casa não cumpre só a função social de assegurar um teto ao indivíduo, mas representa também “um templo dos afetos familiares, donde a vida renascendo se perpetua, um refúgio dos sentimentos, uma fonte generosa da força de ânimo necessária para enfrentar a vida”(6). Esta asserção é reconhecida, pacificamente, no nosso ordenamento jurídico(7). Em si, a casa é um abrigo nu, um refúgio contra os elementos naturais; o lar é uma unidade social de espaço articulado à volta da família(8). Habitação e família(9) são, pois, dois termos estreitamente relacionados: a família influencia e é influenciada pela estrutura social a que pertence. O ambiente em que o indivíduo ou a família vivem determina as suas necessidades e o espaço determina o seu modo próprio de viver(10) Tendo por adquirido que o valor social do condomínio se articula axiologicamente com a habitação e com a família, a resposta ao problema da detenção de animais num edifício constituído em propriedade horizontal deve refletir, inevitavelmente, a sedimentação valorativa do crescente reconhecimento do papel dos animais na realização pessoal do indivíduo e da sua importância enquanto membros da coletividade familiar(11) 4 Uma comunidade habitável compreende os animais de companhia que partilham as nossas casas, a vida selvagem que habita nas proximidades e as espécies que migram através dos rios, florestas e montanhas. Todos contribuem para a habitabilidade da nossa comunidade, seja ela urbana ou rural(12). Earl Blumenauer(13) dá-nos a conhecer que, em 2001, 40% das habitações nos Estados Unidos tinham um cão ou um gato—mais de cem milhões no total. E, em 1995, um estudo da American Animal Hospital Association havia concluído que grande parte dos donos de animais de companhia os considerava como membros da família. Os realizadores do estudo mostraram-se impressionados com o alto grau de importância que os donos davam aos seus animais, sendo que 70% dos inquiridos os viam como “their children” ou seja, como filhos. Em Portugal, a situação não é diferente. Muitas pessoas consideram os seus animais membros da família, despendendo tempo, atenção e dinheiro na sua alimentação, nos seus cuidados higieno-sanitários e nos seus tratamentos médicos. O âmbito da nossa indagação está limitado aos animais de companhia, ou seja, aqueles detidos ou destinados a ser detidos pelo homem, designadamente no seu lar, para seu prazer e como companhia(14). Numa altura em que o próprio critério axiológico do Direito Civil está em transformação, em que vários países europeus já qualificam os animais de companhia não como coisas mas como co criaturas(15), pondo fim à dicotomia personarés, a leitura a dar aos nossos textos legais não pode deixar de atender a esta evolução. Desta audaz, mas necessária, hermenêutica constitutiva, o condomínio resultará configurado como um espaço de convivência, em que os animais participam não como coisas mas como legítimos conviventes. A presente exposição está estruturada em quatro partes: começamos por uma análise do regime geral da propriedade horizontal, com particular incidência no que respeita às proibições e restrições respeitantes a animais. Em segundo lugar, teceremos algumas considerações a respeito da interpretação e concretização dessas mesmas proibições e restrições. Em terceiro lugar, analisaremos o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de Dezembro, que aprova o Programa Nacional de Luta e Vigilância Epidemiológica da Raiva Animal e Outras Zoonoses, que estabelece um número máximo de animais a alojar em prédios urbanos, e cuja leitura pode ser equívoca. Por último, veremos como pode um condómino defender-se dos incómodos causados por um animal detido numa fração autónoma vizinha. 1. O condomínio No condomínio temos uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária (o edifício), que pertence a vários contitulares, tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial — daí a expressão condomínio — sobre frações determinadas(16), as partes próprias, e uma comparticipação no direito de propriedade que incide sobre as restantes partes do edifício, as partes ditas comuns. Esta é, se assim a podemos chamar, a noção objetiva de condomínio(17) e aquela que vem expressamente consagrada no artigo 1420, n.º 1, do Código Civil(18): “Cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”. Como vem sintetizado no artigo 1422.º, n.º 1, “os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às frações que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis” 5 1.1. As partes próprias A fração autónoma identifica-se com a parte própria do condómino, ou seja, com a parte do edifício que é objeto da sua propriedade exclusiva, e constitui um todo unitário, que pode, no entanto, ser mais do que o lugar destinado a habitação (ou a outro fim), como por exemplo, “um apartamento com garagem e arrecadação” O condómino tem um verdadeiro direito de propriedade sobre a sua fração autónoma, a que se aplica o regime geral da propriedade; assim, nos termos do artigo 1305.º, goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da fração autónoma que lhe pertence, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas. De forma muito simples, o uso consiste no poder do proprietário se servir da coisa para a satisfação das suas necessidades. A fruição traduz-se no poder de gozar a coisa indiretamente, através de tudo o que ela produz periodicamente (produtos naturais ou civis, de que são exemplo as rendas), sem prejuízo da sua substância. O poder de disposição inclui poderes materiais, como o de transformar a coisa, e poderes jurídicos, como os de a onerar ou alienar. O proprietário goza destes poderes de modo pleno e exclusivo. Em jeito de primeira regra, podemos para já reter a ideia pacífica(19) de que cabe nos poderes de uso do proprietário em geral, e de um condómino em particular, a detenção de animais de companhia num imóvel(20) 1.2. As partes comuns As partes comuns são as elencadas no artigo 1421.º, que distingue entre as partes imperativamente ou necessariamente comuns (n.º 1) e as partes presumidamente comuns (n.º 2). As partes necessárias ou imperativamente comuns(21) são as partes estruturais do edifício, designadamente o solo, os alicerces, as colunas e pilares e as paredes-mestras; os elementos de cobertura, o telhado ou certos terraços; os elos que permitem a circulação, a comunicação, ou a ligação espacial entre as várias frações, e entre estas e as partes comuns do prédio ou as saídas para a rua: entradas, vestíbulos, escadas e corredores — elos ou elementos comunicantes; são ainda partes necessariamente comuns as instalações gerais, que estão funcionalmente afetadas ao uso comum(22) São partes presumidamente comuns(23) os pátios e os jardins anexos ao edifício, os ascensores, as dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro e, por analogia, os locais destinados aos serviços comuns; as garagens e outros lugares de estacionamento. Materialmente estamos perante um critério de serviço comum: presumem-se comuns as coisas destinadas a proporcionar melhor habitabilidade a cada fração autónoma. O artigo 1421.º, n.º 2, alínea e), presume ainda comuns as coisas que não sejam afetadas ao uso exclusivo de um dos condóminos. Neste sentido, a ausência de atribuição privativa da coisa no título constitutivo funciona como presunção da sua titularidade em comunhão. Os condóminos têm, sobre as partes comuns, um direito de compropriedade. Na formulação legal do artigo 1403.º, existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. Por força do artigo 1404.º, as regras gerais da compropriedade são 6 aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão sobre as partes comuns de um edifício constituído em propriedade horizontal. Quanto ao uso das coisas comuns, o artigo 1406.º estabelece que, na falta de acordo, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se da coisa comum, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito. No uso das partes comuns, não são consentidos aos condóminos, nem àqueles que possam vir a ocupar a sua posição, v.g. um arrendatário ou um comodatário, excessos que venham a limitar ou a restringir o igual direito dos outros condóminos, desrespeitando os limites da normalidade e da razoabilidade, de acordo com as circunstâncias do caso concreto(24). O igual direito dos outros condóminos não deve ser entendido como uso idêntico — já que a identidade espacial e temporal de utilizações concorrentes comportaria uma proibição substancial para qualquer condómino de fazer um uso particular da coisa comum —, mas antes deve ser avaliado abstratamente, de acordo com a relação de equilíbrio que deve ser mantida entre todas as possíveis utilizações concorrentes por parte dos participantes no condomínio. Assim, no âmbito dos seus poderes de uso das partes comuns do edifício, cabe ao condómino a faculdade de circular acompanhado dos seus animais de companhia em entradas, vestíbulos ou corredores(25), mas já não pode utilizar um local de passagem comum como local de permanência e de aprisionamento de um cão próprio(26). 1.3. O estatuto do condomínio O estatuto da propriedade horizontal, rectius, de cada edifício constituído em propriedade horizontal, é fixado pela lei (o legislador fixa um conjunto de normas inderrogáveis pelos particulares), pelo título constitutivo da propriedade horizontal, pelo regulamento do condomínio e pelas deliberações da assembleia de condóminos, e é executado pelo administrador. Escolhendo um local, o condómino escolhe um imóvel, mas também um regime jurídico(27). 1.3.1. O título constitutivo Nos termos do artigo 1417.º, n.º 1, são títulos constitutivos da propriedade horizontal o negócio jurídico, a usucapião ou uma decisão judicial proferida em Acão de divisão da coisa comum ou em processo de inventário. O título constitutivo é um ato modelador do estatuto da propriedade horizontal e o seu conteúdo tem natureza real e, portanto, eficácia erga omnes: vincula, desde que registado, os futuros adquirentes das frações, independentemente do seu assentimento(28). Trata-se de um dos poucos casos em que a autonomia da vontade pode intervir na fixação do conteúdo dos direitos reais, o qual, nesta medida, deixa de ser um conteúdo típico(29). O título constitutivo de um regime de propriedade horizontal não pode violar disposições legais imperativas. Mas, no seu domínio de aplicação, é o elemento normativo com força superior, não podendo ser contrariado por qualquer regulação inferior, seja por um regulamento do condomínio, seja por uma deliberação da assembleia de condóminos ou por um ato do administrador. Sendo um ato que, com relativa autonomia, pode fixar ou modelar o conteúdo do direito de condomínio, o título constitutivo pode, licitamente, proibir a detenção de animais de 7 companhia nas frações autónomas. Ao fazê-lo, está a modelar o direito de propriedade de cada condómino, excluindo do círculo dos seus poderes de uso aquele de deter animais. Esta proibição abrange todos os futuros adquirentes de frações autónomas no edifício, e só pode ser alterada por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos, nos termos gerais do artigo 1419.º, n.º 1. O título constitutivo da propriedade horizontal pode estabelecer um número máximo de animais por fração autónoma ou ainda sujeitar a detenção de animais numa fração autónoma a aprovação pelo administrador do condomínio, que no entanto só a poderá recusar com base num razão ponderosa e objetiva. 1.3.2. O regulamento do condomínio Tal como o título constitutivo, também os regulamentos são uma expressão de autonomia privada na definição concreta do estatuto do direito real de propriedade horizontal, completando e adaptando o regime legal, ou substituindo-o naquilo que ele tem de supletivo(30). O regulamento do condomínio é um conjunto de regras gerais e abstratas, destinado a disciplinar a Acão dos condóminos no gozo e administração do edifício (31) e, tal como o título constitutivo, vincula quer os condóminos, quer todos aqueles que exerçam ou venham a exercer poderes de facto sobre uma fração autónoma, v.g., arrendatários (32), promitentes-compradores, comodatários. O nosso Código Civil faz referência ao regulamento do condomínio em duas disposições: no artigo 1418.º, n.º 2, e no artigo 1429.º-A, ambos com a redação que lhes foi dada pelo DL 267/94, de 25 de Outubro. Segundo o artigo 1418.º, n.º 2, alínea b), o título constitutivo pode conter um regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das frações autónomas. Nos termos do artigo 1429.º-A, “havendo mais de quatro condóminos e caso não faça parte do título constitutivo, deve ser elaborado um regulamento do condomínio disciplinando o uso, a fruição e a conservação das partes comuns”. A feitura deste regulamento compete à assembleia de condóminos ou ao administrador, se aquela não o houver elaborado (33). O título constitutivo é, em geral, uma declaração unilateral do proprietário, ou uma sentença do juiz, em que se exprime a vontade ou a decisão de sujeitar o edifício ao regime da propriedade horizontal e em que são estabelecidos os poderes dos condóminos sobre as frações autónomas e sobre as partes comuns, sendo, assim, um ato modelador do estatuto da propriedade horizontal. A assembleia de condóminos e o administrador são, nos termos do artigo 1430.º, n.º 1, os órgãos administrativos a quem cabe a disciplina do uso, fruição e conservação das partes e serviços comuns. O regulamento previsto no artigo 1418.º, n.º 2 e o regulamento previsto no artigo 1429.ºA podem coexistir, porque têm, ou podem ter, conteúdos diferentes. O regulamento a conter no título constitutivo tem, à partida, um conteúdo mais amplo do que o regulamento a elaborar pela assembleia de condóminos ou pelo administrador: pode disciplinar o uso, a fruição e a conservação, quer das partes comuns do edifício, quer das frações autónomas do prédio constituído em propriedade horizontal. O artigo 1429.º-A refere-se ao regulamento do condomínio como aquele que disciplina o uso, fruição e conservação das partes comuns do edifício; este é o regulamento de condomínio propriamente dito, que incide sobre matérias que cabem na competência dos órgãos administrativos, e que têm um âmbito decisório limitado: não alteram a distribuição de poderes entre os condóminos, mas apenas disciplinam o exercício desses mesmos poderes pelos seus titulares (v.g., o regulamento pode incidir sobre a abertura e fecho da porta da 8 rua, dispor regras sobre a utilização do elevador, sobre os cuidados a ter com o jardim comum, sobre a forma de acesso e de utilização das instalações ou espaços comuns, como arrecadações, sótãos, garagens ou piscina). As normas que incidam sobre este núcleo mínimo de matérias — uso, fruição e conservação das partes comuns do edifício — têm carácter regulamentar, e podem ser alteradas por maioria dos condóminos. A disciplina das partes comuns de um edifício constituído em propriedade horizontal resolve problemas e necessidades que variam constantemente e, por isso, foi-lhe fixado um regime decisório expedito, de deliberação maioritária em assembleia, ou por decisão do administrador. Quanto à modificabilidade, o regulamento contido no título constitutivo, formalizado por escritura pública e sujeito a registo segue as regras gerais: nos termos do artigo 1419.º, n.º 1, só pode ser modificado havendo acordo de todos os condóminos, também por escritura pública. O regulamento aprovado pela assembleia ou elaborado pelo administrador é modificável por deliberação simples da assembleia de condóminos, desde que regularmente constituída. Em resumo, segundo o artigo 1418.º, n.º 2, b), o regulamento do condomínio a inserir no título constitutivo pode disciplinar o uso, a fruição e a conservação, quer das partes comuns quer das frações autónomas. Este regulamento participa definitivamente na natureza do título constitutivo, modelando o direito de cada condómino sobre a sua fração autónoma. Por exemplo, o regulamento inserido no título constitutivo pode estabelecer a proibição da colocação de vasos de flores nas varandas, da secagem da roupa em determinados dias ou em determinadas partes do edifício, ou da detenção de animais de companhia nas frações autónomas, definindo assim o direito de propriedade de cada condómino. O regulamento, stricto sensu, é um instrumento de gestão das partes comuns do edifício(34). A assembleia de condóminos ou o administrador não podem decidir sobre o uso das frações autónomas, salvo nos casos especiais previstos na lei (cfr. artigos 1422.º, n.º 2 a 4; 1422.º-A, n.º 3, 1428.º e 1429.º e artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei 268/94, de 25 de Outubro), logo o regulamento elaborado pela assembleia de condóminos não pode proibir a detenção de animais numa fração autónoma (35). 1.3.3. As deliberações da assembleia de condóminos e as decisões do administrador O artigo 1431.º estabelece que a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos e a um administrador. O administrador e a assembleia são os órgãos do condomínio, com carácter obrigatório e necessário, e as suas atribuições estão ligadas à sua função como expressão do grupo condominial. Os órgãos têm o poder de realizar atos jurídicos vinculativos para uma organização coletiva, in casu o condomínio, quer sejam atos prevalentemente internos, como as deliberações da assembleia, ou atos externos, como os contratos concluídos pelo administrador. Todos os condóminos, reunidos em assembleia, formam uma vontade—e o administrador executa essa vontade. Segundo o legislador, esta é a estrutura necessária e adequada para satisfazer as exigências organizativas do condomínio. A assembleia é o órgão 9 deliberativo, o administrador é um órgão executivo e representativo. Este esquema organizatório não pode ser modificado por acordo dos condóminos, nem podem ser criados órgãos especiais. 1.3.3.1. A assembleia de condóminos Chama-se deliberação à expressão da vontade de um órgão plural, que corresponde à proposta que obtiver a maioria dos votos(36). As decisões tomadas pela assembleia de condóminos(37) representam o resultado das várias vontades distintas dos condóminos mas tendentes a um único escopo: a eficiente organização e gestão da vida condominial. Naturalmente, uma vez tomadas as deliberações, a vontade que constitui o seu fundamento assume uma autonomia própria a respeito dos condóminos que formaram a decisão coletiva (38). A deliberação tomada por uma coletividade, como é o caso do condomínio (39), vale como deliberação do colégio e vincula, normativamente, todos os membros da coletividade, mas é imputável a cada um dos condóminos. Os efeitos jurídicos da deliberação produzem-se na esfera jurídica de cada um dos membros da coletividade, porventura em contitularidade. Nos termos do artigo 1432.º, n.º 3, as deliberações são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido(40). Ao contrário do título constitutivo, que está inscrito no registo predial e só pode ser modificado pelo acordo de todos os condóminos, as deliberações não estão sujeitas a registo e a todo o momento poderão ser suprimidas ou alteradas pela assembleia. Na medida em que delimitam o direito de propriedade horizontal, as deliberações da assembleia de condóminos têm natureza real e, por conseguinte, eficácia erga omnes, independentemente de registo; quem exerce poderes sobre a fração autónoma, seja o próprio condómino ou um terceiro, v.g., um arrendatário ou um promitente-comprador, está sujeito à sua observância (41). O nosso Código Civil refere, ainda, as deliberações “tomadas por unanimidade dos condóminos” ou “tomadas sem oposição”: segundo o artigo 1432.º, n.º 2, a convocação da assembleia de condóminos deve informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser tomadas por unanimidade dos votos; nos termos do artigo 1422.º, n.º 2, d), a assembleia pode proibir atos ou atividades por deliberação aprovada sem oposição; o artigo 1422.º-A, n.º 3, estabelece que para a divisão de frações autónomas é necessário autorização da assembleia de condóminos aprovada sem qualquer oposição. Nesta última disposição, a autorização esgota o seu valor no próprio ato. Depois de autorizado a dividir a sua fração autónoma, o condómino pode, por ato unilateral de escritura pública, introduzir a correspondente alteração no título constitutivo (artigo 1422.º-A, 4). Estamos, substancialmente, perante verdadeiras deliberações ou, pelo contrário, o legislador chama “deliberação” a acordos dos condóminos? Em nossa opinião, o legislador adota um critério formal (42): da assembleia (conjunto dos condóminos) e na assembleia (reunião) só resultam deliberações (em sentido amplo) (43). A lei coloca exigências variadas à assembleia, consoante a importância dos assuntos a tratar: maioria representativa de dois terços do capital, qualquer maioria, desde que não haja oposição dos condóminos, maioria de dois terços dos condóminos, desde que não haja oposição e, por último, unanimidade. Quando decida por maioria simples, os poderes da assembleia de condóminos estão circunscritos à esfera das relações respeitantes ao uso e gozo das 10 coisas e serviços comuns. Este é um princípio geral: a assembleia não pode invadir a esfera da propriedade individual(44), em que a regulação está reservada à regulamentação convencional dos condóminos. Os limites gerais da atuação no âmbito condominial, sem invadir a esfera da propriedade exclusiva, requerem necessariamente uma série de marcos, dentro dos quais a assembleia deve conter as suas próprias decisões. Se a assembleia de condóminos tem, tendencialmente, poderes apenas sobre as partes comuns do edifício e não pode afetar o direito de propriedade do condómino sobre a sua parte própria, a assembleia de condóminos não pode proibir a detenção de animais de companhia numa fração autónoma. A maioria não pode emitir normas que limitem os direitos ou faculdades que os condóminos tenham, iure domini, sobre e nas respetivas frações autónomas. Quanto aos seus poderes sobre as partes comuns, a atuação da assembleia de condóminos encontra um limite no direito de compropriedade de cada condómino individual. Nos termos do artigo 1406.º, como vimos supra, a qualquer dos condóminos é lícito servir-se da coisa comum, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito. A assembleia, no âmbito dos seus poderes de administração, pode contemperar o uso da coisa comum, no interesse coletivo do condomínio, mas ao fazê-lo não pode violar o direito de compropriedade de cada condómino, privando-o do uso da coisa. Assim, se a assembleia de condóminos pode estabelecer que o condómino não possa descer no elevador quando acompanhado de animais de companhia (mas ainda aqui a licitude da proibição depende das circunstâncias do caso concreto, por exemplo, se o condómino é uma pessoa idosa ou doente, ou se vive num 4.º andar, porque consubstancia uma verdadeira privação, a proibição tem-se como não válida), já não pode impedir que o condómino circule acompanhado de um animal de companhia nas partes comuns do edifício, porque desse modo estaria a privar o condómino do poder de usar aquilo de que é comproprietário. Reentra, todavia, nos poderes da assembleia a faculdade de disciplinar o uso das partes comuns, impondo deveres especiais de cuidado com a higiene das partes comuns ou com a segurança, quer do edifício, quer das restantes pessoas que nele habitam (impondo a proibição de o animal vir à solta, por exemplo(45)). Se a assembleia proíbe a circulação de animais à solta nas partes comuns de um edifício, e um dos condóminos pura e simplesmente não respeita a proibição, quid iuris? Nos termos do artigo 1434.º, a assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias (46) para a inobservância das suas deliberações e das decisões do administrador, sendo que a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das penas constitui título executivo contra o proprietário, nos termos do artigo 6.º, do DL 268/94, de 25 de Outubro (47). 1.3.3.2. O administrador O administrador, enquanto órgão do condomínio, tem uma competência institucional, um quadro próprio de funções, que não pode ser reduzido pela assembleia de condóminos(48). A demarcação da atividade da assembleia de condóminos e do administrador pode parecer difícil numa perspetiva jurídica, mas surge naturalmente na vida prática. Por um lado, a assembleia de condóminos, enquanto reunião esporádica da coletividade dos condóminos, terá dificuldades em desempenhar a maioria das funções do administrador 11 (elaborar o orçamento das receitas e das despesas relativas a cada ano, cobrar as receitas e efetuar as despesas comuns, assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio, guardar e manter todos os documentos, publicitar as regras de segurança do edifício, entre outras). Por outro lado, seria irreal hipotizar uma predisposição generalizada, minuciosa e contínua pela assembleia dos atos que devam ser realizados pelo administrador. As funções do administrador têm um carácter marcadamente executivo e prático, que não se coaduna com o funcionamento colegial da assembleia de condóminos; os poderes que o administrador tem de regulação da coisa comum exigem-lhe uma atividade autónoma e sustentada. Deve, pois, entender-se que é atribuída ao administrador uma esfera de competências não apenas legalmente pré-determinada, mas ainda tendencialmente exclusiva e não comprimível(49). Esta solução surge reforçada quando se evidencia que a fixação pela assembleia dos atos a compreender nas funções do administrador não exclui, por um lado, a autonomia deste, nem impede, por outro lado, a sua identificação como sujeito da atividade de administração do condomínio considerada no seu todo. Do elenco das funções do administrador, cabe referir o dever de executar as deliberações da assembleia e de assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio (artigo 1436.º, alíneas h) e l), respetivamente). Nos termos da alínea g), do artigo 1436.º, cabe ao administrador o poder autónomo de regular o uso das coisas comuns e a prestação de serviços de interesse comum. Valem aqui as considerações feitas a propósito da assembleia de condóminos: o poder-dever do administrador regular as coisas comuns está limitado pela permissão do artigo 1406.º: não pode violar o direito de compropriedade de cada condómino sobre as partes comuns, maxime, privando-o do seu uso. 1.3.4. O acordo dos condóminos No âmbito da vida condominial, os condóminos podem vincular-se a certos comportamentos. Por exemplo, os condóminos podem, dentro dos limites da sua autonomia contratual, acordar entre si em não deterem animais nas frações autónomas (50). Estes acordos vinculam apenas quem a eles se obrigou, mas já não um ulterior adquirente de uma fração autónoma. Em rigor, não vinculam sequer um futuro arrendatário, salvo se a tanto se obrigou no contrato de arrendamento perante o senhorio(51). Também as deliberações da assembleia tomadas por unanimidade, ainda que exorbitantes das atribuições legais deste órgão, podem assumir relevância contratual nas relações recíprocas entre os condóminos, comprometendo-os a observar o conteúdo das deliberações, quando não faltem os requisitos de substância e de forma(52). Não é raro, nos edifícios condominiais, que os condóminos “votem”, em assembleia, por unanimidade, a não detenção de animais nas frações autónomas. Estas deliberações são ineficazes, porque saem fora do âmbito de competências da assembleia de condóminos, mas podem, licitamente, ser convertidas em acordos condominiais. 2. A proibição de deter animais numa fração autónoma. Em jeito de balanço, façamos uma súmula das conclusões a que chegámos até aqui: a proibição de deter animais de companhia numa fração autónoma pode ser estabelecida no título constitutivo ou no regulamento do condomínio aí inserido, ou pode ser acordada pelos condóminos entre si; a assembleia de condóminos ou o administrador não podem 12 estabelecer, por deliberação maioritária ou por decisão simples, no regulamento do condomínio propriamente dito a proibição de deter animais nas partes próprias; as deliberações da assembleia de condóminos e as decisões do administrador sobre a utilização das partes comuns não podem conter proibições ou restrições que violem o direito de compropriedade de cada condómino sobre as partes comuns do edifício. 2.1. Determinação e interpretação da proibição de deter animais num título constitutivo ou em regulamento inserido no título constitutivo A interpretação de um título constitutivo do condomínio que proíba a detenção de animais de companhia numa fração autónoma tem levantado alguns problemas. Em primeiro lugar, devem seguir-se as regras relativas à interpretação dos negócios jurídicos. Assim, nos termos do artigo 236.º, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. Como o título constitutivo é um negócio formal, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. artigo 238.º, n.º 1); esse sentido só valerá se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da exigência de forma se não opuserem a essa validade (artigo 238.º, n.º 2). Em segundo lugar, a interpretação do título constitutivo do condomínio desenvolve-se na especificação de um condomínio historicamente determinado. O intérprete “deverá ter presentes todas as circunstâncias caracterizadores do condomínio, a situação jurídica, económica e social dos participantes, o ambiente em que se inserem, a estrutura acessória do bairro, e qualquer aspeto que, direta ou indiretamente, incida sobre a individualização da relação condominial. Por exemplo, a proibição de as crianças brincarem nos pátios do edifício, se pode ser justificada num contexto em que existam parques infantis suficientes, não merece tutela num ambiente carente ou em que faltem estruturas essenciais para o desenvolvimento psicológico das crianças” (53). Aos tribunais cabe a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (cfr. artigo 202.º, n.º 2, CRP). Uma das formas de concretização deste dever dos tribunais é através da determinação e direção das decisões jurisdicionais pelos direitos fundamentais materiais (54). A norma jurídica constitucional só adquire verdadeira normatividade quando se transforma em norma de decisão aplicável a casos concretos, cabendo ao juiz como agente do processo de concretização um elemento fundamental. Um dos princípios que devem orientar o juiz é o princípio da máxima efetividade: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê (55). O juiz, ao interpretar um título constitutivo, e ao decidir da sua conformidade com a lei, não pode olvidar a lei constitucional. Uma proibição, validamente estabelecida no título constitutivo da propriedade horizontal, segundo a lei civil, pode apresentar-se, materialmente, como violadora de direitos fundamentais dos condóminos. Imaginemos que, num determinado edifício, o título constitutivo proíbe ter animais nas frações autónomas. Se um dos futuros condóminos tiver um filho autista, para cujo desenvolvimento é essencial a companhia de um cão, ou for um invisual que necessite de ter um cão-guia, esta disposição do título ter-se-á por não aplicável. 13 O referente constitucional não é o único critério a ter em conta na interpretação do título constitutivo; a doutrina e a jurisprudência socorrem-se ainda dos referentes sistemáticos do Direito Civil. Ainda que estabelecida no título, é opinião corrente que a proibição genérica de deter animais não deve ser interpretada à letra (56), antes deve ter em conta o concreto distúrbio provocado, segundo o substrato valorativo e os limites protetores das normas da vizinhança e da tutela da personalidade. A concretização de uma proibição genérica de detenção de animais numa fração autónoma deve ponderar sempre a existência de um concreto prejuízo do interesse coletivo do condomínio, sob o duplo aspeto da perturbação do sossego e higiene públicos (57), ou, no mínimo, levar a uma investigação cuidada dos objetivos a que as partes se propuseram com a cláusula proibitória: se pretenderam evitar tout court a detenção de animais ou se pretenderam evitar os prejuízos que a presença de animais no edifício pode causar. Neste sentido, é pacificamente aceite que as cláusulas gerais que proíbem a detenção de animais não abrangem os pequenos animais, como peixes, ratos, hamsters e pequenas aves (58), porque não são suscetíveis de causar qualquer incómodo aos condóminos vizinhos (59). E no que respeita a animais que possam causar distúrbios, como cães, gatos ou aves, a proibição deverá ter necessariamente em conta o concreto prejuízo a que esses animais dão origem(60). 2.2. Determinação e interpretação das restrições relativas a animais estabelecidas por deliberação da assembleia de condóminos ou decisão do administrador. No condomínio existe um interesse coletivo (61), que não é a mera soma dos interesses dos condóminos individualmente considerados, ou seja, não se apresenta com carácter de identidade e homogeneidade relativamente aos interesses dos sujeitos ligados pela pertença à mesma coletividade. O interesse coletivo reconhece-se por referência a um elemento de carácter subjetivo — o carácter comum a vários condóminos — e a um elemento de carácter objetivo — a capacidade de o edifício ser o ponto de referência, quanto às exigências que pode satisfazer, de uma pluralidade de interesses. Mas a existência de um bem idóneo a satisfazer as exigências comuns de uma coletividade tem aqui um valor secundário; para além da comunhão de interesses dos vários condóminos, é de reconhecer importância determinante à organização em grupo dos condóminos para o surgir do interesse coletivo. Só tal organização, que se revela, por exemplo, na deliberação colegial e no princípio maioritário, na existência de órgãos administrativos e de um regulamento condominial, determina a síntese da pluralidade dos interesses, transformando o interesse comum dos condóminos em interesse coletivo do condomínio, sem todavia excluir que esses interesses possam continuar a ser referidos ainda ao condómino na sua qualidade de membro do grupo. Estruturalmente, o condomínio no edifício é caracterizado por uma particular “organização de grupo” normativamente estruturada e inderrogavelmente imposta, a qual, por um lado, circunscreve e disciplina as relações internas entre os condóminos e, por outro lado, no interesse de terceiros, faz com que o grupo se apresente externamente como tal. Funcionalmente, o condomínio tem subjacente um interesse supra-individual, considerado prevalecente sobre o interesse dos condóminos (62). O interesse do condomínio representa o elemento final e funcional da atividade de administração do edifício, o que justifica e fundamenta que os poderes de gestão sejam subtraídos aos condóminos para serem entregues ao grupo (63), através da atuação conjunta da assembleia de condóminos e do administrador. 14 O reconhecimento de um interesse coletivo do condomínio tem efeitos relevantes no assunto que nos ocupa, enquanto elemento conformador da administração das partes comuns. O interesse coletivo impõe-se como um critério interpretativo das disposições legais atualmente em vigor em matéria de propriedade horizontal, criando um dever especial de justificação dessas mesmas decisões. Ou seja, só serão válidas as deliberações ou as decisões de órgãos administrativos de um edifício constituído em propriedade horizontal que sejam tomadas nos termos da lei e fundamentadas pelo concreto interesse coletivo do condomínio. Nestes termos, a atividade decisória da assembleia de condóminos e do administrador não pode ser arbitrária, antes carece de legitimidade prático-fundamentadora; tem de se justificar, em cada caso concreto, pelo interesse coletivo do condomínio (64). Assim sendo, em cada decisão concreta, o interesse coletivo serve como critério valorativo e limite à atuação da assembleia de condóminos, quer quando ela decida sobre a atividade corrente de administração das partes comuns, quer nos casos em que lhe é permitido agir sobre as frações autónomas. Esta hermenêutica valorativa permite-nos, pois, concluir que a assembleia de condóminos não pode, por exemplo, proibir a passagem de animais pelas partes comuns do edifício, v.g. um elevador (atividade normal de uso da coisa comum), se não se verificar em concreto um dano à segurança, higiene ou sossego do prédio. A valoração das deliberações da assembleia de condóminos ou das decisões do administrador, no âmbito do artigo 1436.º, g), dependerá, assim, sempre das circunstâncias concretas do caso. Note-se que não há uma obrigação formal de fundamentação dos atos por parte destes órgãos. O que o interesse coletivo do condomínio impõe é um critério de valoração da atuação da assembleia e do administrador, que muitas vezes só será relevante em sede litigiosa. Quais serão as consequências de uma decisão tomada pela assembleia contra o interesse coletivo do condomínio? Sendo este resultante do regime legal estabelecido para a propriedade horizontal, a solução segue o regime geral das deliberações da assembleia contrárias à lei e, portanto, será anulável a requerimento de qualquer condómino que a não tenha aprovado, nos termos do artigo 1433.º, n.º 1. 3. Deter um animal numa fração autónoma – exigências de ordem pública O Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro (65), que estabelece as normas tendentes a pôr em aplicação a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, considera animais de companhia aqueles detidos ou destinados a serem detidos pelo homem, designadamente no seu lar, para entretenimento e companhia. Por detentor, o artigo 2.º, alínea v), considera qualquer pessoa, singular ou coletiva, responsável pelos animais de companhia para efeitos de reprodução, criação, manutenção, acomodação ou utilização, com ou sem fins comerciais. Nos termos do artigo 6.º, incumbe ao detentor do animal o dever especial de o cuidar, de forma a não pôr em causa os parâmetros de bem-estar, bem como o de o vigiar, de forma a evitar que este ponha em risco a vida ou a integridade física de outras pessoas e animais. O artigo 8.º estabelece que os animais devem dispor do espaço adequado às suas necessidades fisiológicas e etológicas e o artigo 15.º determina que os alojamentos devem assegurar que as espécies animais neles mantidas não possam causar quaisquer riscos para a saúde e para a segurança de pessoas, outros animais e bens. 15 O Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de Dezembro, que aprova o Programa Nacional de Luta e Vigilância Epidemiológica da Raiva e Outras Zoonoses, estabelece no seu artigo 3.º que: “1. O alojamento de cães e gatos em prédios urbanos, rústicos ou mistos, fica sempre condicionado à existência de boas condições do mesmo e à ausência de riscos higíosanitários relativamente à conspurcação ambiental e doenças transmissíveis ao homem. 2. Nos prédios urbanos podem ser alojados até três cães ou quatro gatos adultos por cada fogo, não podendo no total ser excedido o número de quatro animais, exceto se, a pedido do detentor, e mediante parecer vinculativo do médico veterinário municipal e do delegado de saúde, for autorizado alojamento até ao máximo de seis animais adultos, desde que se verifiquem todos os requisitos higío-sanitários e de bem-estar animal legalmente exigidos. 3. No caso de frações autónomas em regime de propriedade horizontal, o regulamento do condomínio pode estabelecer um limite de animais inferior ao previsto no número inferior”. Os números estabelecidos por este diploma devem ser interpretados de acordo com o âmbito de proteção das normas aí estabelecidas: a luta conta as zoonoses transmissíveis pelos carnívoros domésticos. Este Decreto-Lei não pretende modificar o regime jurídico das relações de vizinhança ou do próprio conteúdo do direito de propriedade sobre uma fração autónoma, estabelecendo, sem mais, a proibição de deter mais de três cães, quatro gatos ou quatro animais por fração autónoma. Em termos de Direito Civil, este número pode pecar por excesso (imagine-se a situação em que um só animal provoca distúrbios intoleráveis na vizinhança) ou por defeito (o proprietário que detém 5 gatos que não causam qualquer transtorno). Este diploma aprova o Programa Nacional de Luta e Vigilância Epidemiológica da Raiva Animal e Outras Zoonoses. Seria no mínimo abusivo pretender retirar daqui uma limitação geral em termos de detenção de animais numa fração autónoma, numa limitação matreira aos poderes conferidos pelo código civil aos proprietários. Estes números só interessam, e mesmo aí não de forma absoluta, para efeito de prevenção das zoonoses — note-se que é admissível a presença de um maior número de animais se houver autorização, mediante parecer vinculativo do veterinário municipal e do delegado de saúde (66). A limitação prevista nesta norma vale para efeito de prevenção de zoonoses. Mal se compreenderia, num diploma desta natureza, uma limitação geral, feita em abstrato (sem qualquer atenção, por exemplo, à dimensão da fração autónoma) aos poderes conferidos ao proprietário pelo Direito Civil. O limite máximo aqui estabelecido releva para efeitos de luta e vigilância epidemiológica, indiciando riscos higío-sanitários, não pretende regular relações de vizinhança, nem tutelar direitos de personalidade dos outros conviventes no prédio. Verificando-se os requisitos hígio-sanitários e de bem-estar animal legalmente exigidos, com a concomitante ausência de riscos de epidemia, reentramos no âmbito normal dos poderes do proprietário, tal como está definido no código civil. 16 4. Como pode um condómino defender-se dos incómodos causados por um animal detido por um condómino-vizinho? A proteção contra um animal de companhia que causa incómodos ou distúrbios pode ser obtida em diversos instrumentos legais, consoante a natureza do incómodo e as circunstâncias do caso concreto: pelo direito público, pelas regras gerais do direito de vizinhança ou pela tutela da personalidade. 4.1. O direito público O Regime Legal Sobre a Poluição Sonora (Regulamento Geral do Ruído), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 292/2000, de 14 de Novembro (67), considera ruído de vizinhança aquele habitualmente associado ao uso habitacional e às atividades que lhe são inerentes, produzido em lugar público ou privado, diretamente por alguém ou por intermédio de outrem ou de coisa à sua guarda, ou de animal colocado sob a sua responsabilidade, que, pela sua duração, repetição ou intensidade, seja suscetível de atentar contra a tranquilidade da vizinhança ou a saúde pública (artigo 3, alínea f). Nos termos do artigo 10.º, quando uma situação seja suscetível de constituir ruído de vizinhança, os interessados têm a faculdade de apresentar queixa às autoridades policiais da área. Sempre que o ruído for produzido no período noturno, das 22 às 7 horas, as autoridades policiais ordenam à pessoa ou pessoas responsáveis pelo animal a adoção das medidas adequadas para fazer cessar, de imediato, a incomodidade do ruído produzido. Se o ruído de vizinhança ocorrer no período diurno, as autoridades policiais notificam a pessoa ou pessoas responsáveis pelo animal para, em prazo determinado, tomar as medidas necessárias para que cesse a incomodidade do ruído produzido. O não acatamento destas medidas pode levar à aplicação de uma coima, nos termos do artigo 22.º deste Regulamento. Realce-se que o ruído tem de ser de modo a atentar contra a tranquilidade da vizinhança ou a saúde pública, através da sua duração, repetição ou intensidade, de acordo, aliás, com a regra geral de convivência em sociedade, segundo a qual cada um tem de (con) viver com as pequenas incomodidades e transtornos provocados pelos outros. 4.2. As regras de vizinhança É pacificamente aceite entre nós que as regras gerais do direito de vizinhança se aplicam não só a prédios independentes, mas também às frações autónomas de um edifício constituído em propriedade horizontal. As restrições de vizinhança são restrições derivadas da necessidade de coexistência (68), que visam regular os conflitos de interesses que surgem entre vizinhos, “em consequência da solidariedade dos seus direitos, ou seja, em vista da impossibilidade de os direitos do proprietário serem exercidos plenamente sem afetação dos direitos de vizinhança” (69). Nos termos do artigo 1346.º, o proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel (sublinhado nosso) ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam. Tal como vimos acima, deter um animal numa fração autónoma cai no âmbito de uma utilização normal desta, logo, o conflito de vizinhança só pode ser concebido como resultante de cheiros ou ruídos 17 provocados por animais que causem um prejuízo substancial para o prédio vizinho. Como diz MANUEL HENRIQUE MESQUITA (70), “o prejuízo deverá ser aferido pelo fim a que esteja afetado o imóvel e não pelas condições especiais em que porventura se encontre o respetivo proprietário”. Assim, o dono de uma casa de habitação não pode opor-se aos ruídos que emanem de outro prédio, se “tais ruídos não prejudicarem substancialmente o uso do prédio e apenas tiverem essa consequência no caso concreto, pelo facto de o respetivo proprietário se encontrar doente”. O âmbito de proteção do artigo 1346.º realizase ou especifica-se naquelas situações em que, por exemplo, o barulho provocado por animais detidos numa fração autónoma impede ou prejudica substancialmente (71) o funcionamento de outra fração, por exemplo, como clínica médica ou como um centro para idosos. Estamos no âmbito da predialidade, do prejuízo causado ao uso de um imóvel vizinho (e não no âmbito da pessoalidade, do prejuízo causado por um prédio a alguém que se encontra num prédio vizinho). 4.3. A tutela da personalidade Como já foi assinalado, muitas vezes a atividade desenvolvida na fração autónoma não afeta outra fração autónoma, mas antes os próprios participantes no condomínio, em aspetos diversificados da sua personalidade. Pode um condómino ouvir música na sua fração autónoma, pela noite dentro, incomodando os vizinhos e perturbando o seu sono e repouso? Será lícito que um condómino coloque o som da televisão no máximo se o seu vizinho está em período de convalescença, após uma intervenção cirúrgica delicada? O direito de vizinhança, como vimos acima, não tutela estes interesses, sendo necessário recorrer à tutela própria da personalidade, em alguns dos seus aspetos, sobretudo o direito à tranquilidade, o direito ao repouso e o direito ao sono (72). O direito ao sono, ao repouso e à tranquilidade são constituintes do direito à integridade física, e a um ambiente de vida humano, em último termo, do direito à saúde na sua vertente negativa, que consiste no direito a exigir do Estado ou de terceiros que se abstenham de qualquer ato que prejudique a saúde. Situações como as acima referidas consubstanciam um conflito entre um direito de propriedade sobre uma fração autónoma e um direito de personalidade do condóminovizinho. O “poder utilizar” de um entra em colisão com o respeito pelo “poder ser” do outro (73), por exemplo na situação em que o condómino tem na sua fração autónoma um cão que ladra constantemente e pela noite dentro, impedindo ou dificultando o repouso e o sono dos restantes condóminos. O direito geral de personalidade, segundo a definição de RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA (74), é “o direito de cada homem ao respeito e à promoção da globalidade dos elementos, potencialidades e expressões da sua personalidade humana bem como da unidade psico-físico-sócio-ambiental dessa mesma personalidade humana (v.g. da sua dignidade humana, da sua individualidade concreta e do seu poder de autodeterminação), com a consequente obrigação por parte dos demais sujeitos de se absterem de praticar ou de deixar de praticar atos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender tais bens jurídicos da personalidade alheia, sem o que incorrerão em responsabilidade civil e/ou na sujeição às providências cíveis adequadas a evitar a consumação da ameaça ou a atenuar os efeitos da ofensa cometida”. O artigo 70.º, n.º 1, estabelece que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. Mais uma vez, nas palavras de RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, o bem da personalidade humana juscivilmente tutelado é definido como “o real e o potencial físico e espiritual de cada 18 homem em concreto (sublinhado nosso), ou seja, o conjunto autónomo, unificado, dinâmico e evolutivo dos bens integrantes da sua materialidade física e do seu espírito reflexivo, sócia ambientalmente integrados”. A nossa lei tutela cada homem em si mesmo, concretizado na sua específica realidade física e na sua particular realidade moral (75). Em consonância com este princípio, a jurisprudência tem entendido (76), pacificamente, que, no julgamento destes casos, o julgador não deve atender a um tipo de pessoa médio, ao cidadão normal e comum, mas a cada pessoa em concreto. O poder-utilizar de cada fração autónoma deve respeitar os que lhe estão próximos, e o poder-ser do outro, com tudo o que este tem de fraqueza ou contingência. Se o ladrar de um cão é suportável por uma pessoa normal, mas no edifício habitam uma pessoa idosa, um doente ou um bebé, a quem o ladrar causa prejuízos intoleráveis (77), então o tribunal deve agir de acordo com esta concreta ofensa à personalidade do vizinho. A fundamentação legal para a prevalência do direito de personalidade do vizinho sobre o direito de propriedade, de carácter patrimonial do detentor do animal, encontra-se no artigo 335.º, n.º 2, segundo o qual, havendo colisão de interesses desiguais ou de espécie diferente (78), prevalece o que deva considerar-se superior (79). Perante um conflito entre um direito de natureza patrimonial (direito à exploração de uma atividade comercial ou industrial incómoda ou à livre utilização de um prédio) e um direito de carácter pessoal ou direito de personalidade de outrem, o conflito deve ser decidido a favor do direito de personalidade. Assim vem acontecendo, desde há longa data, nos nossos tribunais. 4.3.1. Casos especiais de valoração Quando o juiz tem de valorar um caso concreto de conflito entre a faculdade de deter animais numa fração autónoma e o direito de personalidade de outro condómino, não pode deixar de atender ainda ao valor específico que um animal de companhia tem para o seu dono, e que pode ser, inclusive, constituinte da sua personalidade. De facto, os animais, ainda que considerados pelo nosso ordenamento jurídico coisas (nos termos do artigo 202.º, n.º 1), fazem parte daquele tipo de propriedade a que tradicionalmente se chama (80) propriedade pessoal, ou seja, propriedade de certos bens que estão ligados à autoconstrução da personalidade (81). Muitas pessoas detêm objetos que sentem como se fossem quase parte delas próprias; estas coisas estão ligadas profundamente à sua própria personalidade porque são o meio através do qual se constroem continuamente enquanto entidades no mundo. O critério para avaliar o significado da relação de alguém com um objeto é o do tipo de dano ou sofrimento que a sua perda causa. Neste sentido, um objeto está relacionado com a construção da personalidade de uma pessoa se a sua perda causa um dano que não pode ser reparado pela sua substituição. O oposto de ter um objeto que se torna parte da própria pessoa é ter um bem perfeitamente fungível por outro de igual valor de mercado; estes objetos têm um valor meramente instrumental para a Auto constituição pessoal. Neste quadro conceptual, os animais de companhia, enquanto propriedade, são constitutivos da personalidade de cada indivíduo (82). Os animais enriquecem as nossas vidas, têm um efeito positivo no comportamento e na saúde humanos, podem melhorar os ânimos e exercer uma influência importante nas crianças, nos idosos e nos deficientes. As pessoas que, por sofrerem de doenças graves ou pela idade, estão confinadas às suas casas, retiram um benefício terapêutico, mesmo espiritual, da presença de um animal. Àqueles que vivem sozinhos, os animais oferecem consolo e muitas vezes até uma razão para viverem. As crianças aprendem o valor da responsabilidade e da disciplina, 19 desenvolvendo um sentido de proteção e de generosidade. Aos adultos, um animal em casa pode ainda ser uma fonte de segurança. Na sua atividade valorativa e coordenadora, o juiz tem de atender ao valor pessoalmente constitutivo que o animal possa ter para o seu dono (83), por exemplo para uma pessoa que viva sozinha, e ao trauma psicológico que pode causar a perda de um animal. Pode acontecer que um conflito, que começou por ser um conflito entre um direito de propriedade sobre o animal e um direito de personalidade, se transforme, por força das circunstâncias do caso concreto, num conflito entre dois direitos de personalidade. Imaginemos que, num edifício constituído em propriedade horizontal, um dos condóminos é doente e vive sozinho, tendo apenas por companhia um cão que detém na sua fração autónoma, e um vizinho, alérgico a animais, vem requer em tribunal o afastamento do cão do edifício. Ora, nesta situação, o juiz está, mais do que a resolver um conflito entre um direito de propriedade e um direito de personalidade, entre o poderutilizar da fração autónoma e o poder ser do condómino-vizinho, a resolver um conflito entre dois direitos de personalidade: o direito à realização pessoal, à tranquilidade psíquica, à segurança do dono do animal e o direito à saúde do condómino vizinho. Neste caso, a valoração judicial já cabe no âmbito do artigo 335.º, n.º 1: “Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes”. A decisão poderia ser, num caso concreto, estabelecer para um dos condóminos o uso do elevador e para outro o uso das escadas, ou o estabelecimento de horas em que o animal pode circular nas partes comuns. Se existe no edifício um animal que ofenda o condómino no seu direito à tranquilidade, ao repouso ou à saúde, para tutela da sua personalidade, os condóminos podem utilizar variados meios que a lei coloca ao seu dispor (84): a Acão direta, atos de polícia, procedimentos cautelares (85), o processo especial de tutela da personalidade, previsto no artigo 1474.º do Código de Processo Civil (86), que adjetiva o artigo 70.º, n.º 2, do Código Civil, e a sanção pecuniária compulsória (87). Nos termos do artigo 70.º, n.º 2 (tutela geral da personalidade), independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida na sua personalidade física ou moral pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida. A sanção pecuniária compulsória, prevista e regulada no artigo 829.º-A, permite ao tribunal condenar o inadimplente ao pagamento de uma quantia pecuniária, segundo critérios de razoabilidade, por cada dia de atraso no cumprimento, ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso. Nos termos do artigo 2.º, da Lei n.º 231/93, de 26 de Junho, a Guarda Nacional Republicana tem por missão geral: manter e restabelecer a segurança dos cidadãos e da propriedade pública, privada e cooperativa, prevenindo ou reprimindo os atos ilícitos contra eles cometidos (alínea b), e auxiliar e proteger os cidadãos e defender e preservar os bens que se encontrem em situações de perigo, por causas provenientes da Acão humana ou da natureza (alínea g). E nos termos do artigo 2.º da Lei 5/99, de 29 de Janeiro, é competência da Polícia de Segurança Pública garantir a manutenção da ordem, 20 segurança e tranquilidade públicas (alínea b) e garantir a segurança das pessoas e dos seus bens (alínea f). Cabe ainda referir o artigo 336.º, que permite o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, quando a Acão direta for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo. A possibilidade de Acão direta está, todavia, sujeita ao seguinte limite: a Acão direta não é lícita quando sacrifique interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar. CONCLUSÃO Podemos agora reafirmar o que já dissemos em sede de introdução: o condomínio é um espaço de convívio e nesse convívio os animais participam não como coisas mas como conviventes. Como é natural, e de acordo com as regras da sã convivência, entre conviventes é necessário suportar os pequenos incómodos causados pelos outros. Quando esses incómodos ultrapassam o grau de razoabilidade e de tolerabilidade, o legislador coloca à disposição, através de meios de direito público ou de direito privado, uma série de meios e instrumentos adequados e bastantes para a proteção contra danos causados pela detenção de um animal numa fração autónoma. A interpretação das proibições de detenção de animais, constantes do título constitutivo ou resultantes de acordo condominial, deve ser feita de acordo com referentes constitucionais e, tendo em consideração o princípio da unidade do ordenamento jurídico, as valorações feitas em sede de Direito Civil, ao nível do direito de vizinhança e da tutela da personalidade. As deliberações da assembleia de condóminos e as decisões do administrador, que regulem a detenção de animais num prédio em propriedade horizontal, têm de ser justificadas pelo interesse coletivo do condomínio, enquanto elemento conformador da atividade administrativa. Por último, uma palavra quanto à atividade judicativa concreta. Ainda que no atual quadro terminológico do direito português os animais sejam considerados coisas, em sede de valoração concreta, defendemos que o julgador deve ponderar o valor pessoalmente constitutivo que a detenção de um animal de companhia tem para o seu dono, especialmente para efeitos de interpretação do artigo 335.º. Notas: (1) Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. (2) Nas palavras de RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, pág. 156, “a evolução física e a evolução espiritual do homem não se processam em separado mas concomitantemente e com influências recíprocas, sendo certo por isso, nomeadamente, que a personalidade humana não é um mero dado da natureza mas também um ser permanentemente trabalhado”. 21 (3) Cfr. RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, pág. 200. (4) GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1993, pág. 345, II. (5) NICOLO LIPARI, “Svillupo della persona e disciplina condominiale”, Scritti in onere di Salvatore Pugliatti, Vol. I, tomo II, pág. 1159. (6) Cfr. GINO TERZAGO, “Perché sociologia del condominio”, in Sociologia del condomínio, a cura di Gino Terzago e AA. VV., pág. 6. (7) Como se pode ler no Parecer da Câmara Corporativa sobre o Projeto do Decreto-Lei n.º 40 333 (que regulamentou entre nós, pela primeira vez, o regime da propriedade horizontal), “a casa de habitação não representa, apenas, um refúgio material, como o poderia ser um quarto de um hotel ou qualquer inóspito telheiro, que abrigasse o homem das inclemências do tempo e lhe permitisse o descanso estritamente corpóreo. O lar é o quadro da vida da família, que, na sua inviolabilidade, exprime a independência e a intimidade desta; é o local onde o homem encontra as suas alegrias mais profundas, o repouso mais completo e são, o lugar onde ele se sente plenamente senhor, mas senhor intensamente humano, por haurir a sua autonomia na estima e nos afetos que o ligam a todos quantos o rodeiam (...) ”. E o acórdão do STJ, de 13 de Março de 1986, in BMJ, n.º 355, 1986, págs. 356 e ss., definiu que o lar de cada um “é o recatado pequeno mundo onde se procura encontrar o retempero de forças físicas e anímicas desgastadas pela vivência numa comunidade ativa, agitada e esgotada dos tempos presentes, mormente nos grandes centros urbanos” (8) Assim, J. M. MELLOR, Sociologia urbana, Porto, pág. 153. (9) Nas palavras de LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1995, pág. 72: “a família é tratada como a célula social básica em que se desenvolve primariamente a vida dos homens na sociedade moderna; e, se a tomarmos no sentido da chamada pequena família (composta dos pais e filhos), podemos configurá-la como o cadinho onde se forma a mentalidade das gerações que asseguram a continuidade da vida social” (10) Como nos diz YVES GRAFMEYER, Sociologia urbana, E.E.A., 1994, pág. 56, “a composição social da vizinhança e do bairro é fonte de um certo número de efeitos. Embora o espaço residencial não seja propriamente um sistema de interação, suscita, por sua vez, ocasiões de interação ou, pelo menos, situações de coexistência. Quer seja desejada ou inesperada, quer induza sociabilidades, tensões ou condutas evasivas, a proximidade do outro não é nunca completamente indiferente. Mesmo quando se desconhecem praticamente os vizinhos, a maneira como deles se fala traduz categorias de juízo, formas de se situar a si mesmo e de situar os outros (...)” (11) Veja-se STEVEN M. WISE, “Recovery of Common Law for emotional distress, loss 22 of society, and loss of companionship for the wrongful death of a companion animal”, Animal Law, 1998, 46. Em 1994, um juiz norte-americano (Bueckner v. Hamel, 886 S.W. 2d 432) exortava os tribunais a reconhecerem que grande parte das pessoas nos Estados Unidos tratam os seus animais de companhia como membros da família e, em alguns casos, os animais de companhia são mesmo a única família que têm. E em 1997, o Supremo Tribunal de Vermont (Morgan v. Kroupa, 702 A.2d 630) dizia que o valor de um animal é mais afetivo do que económico; o seu valor deriva da relação que tem com os seus companheiros humanos. (12) Cfr. CONGRESSMAN EARL BLUMENAUER, “The role of animals in livable communities”, in Animal Law, 2001, i. (13) Ibidem. (14) Segundo a definição da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro de 1995, sobre a proteção dos animais, são animais de companhia como aqueles detidos ou destinados a ser detidos pelo homem, designadamente no seu lar, para o seu prazer e como companhia. A definição do Decreto-lei n.º 276/2001, de 17 de Outubro, que estabelece as normas tendentes a pôr em aplicação a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia e um regime especial para a detenção de animais potencialmente perigosos, é similar: “qualquer animal detido ou destinado a ser detido pelo homem, designadamente, no seu lar, para seu entretenimento e companhia”. Esta definição manteve-se com o Decreto-Lei n.º 315/2003, de 17 de Setembro. (15) Cfr. o artigo 285a do Código Civil Austríaco, o §90 do Código Civil Alemão e o artigo 614a do Código Civil Suíço. Estas disposições são unânimes em determinar que os animais não são coisas, que são protegidos por leis especiais e que o regime geral do Direito das Coisas só lhes é aplicável na ausência de preceito específico e no que não contrarie o regime especial previsto. (16) Veja-se a título de exemplo, PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, com a colaboração de MANUEL HENRIQUE MESQUITA, Código Civil Anotado, vol. III, anot. ao artigo 1414.º, pág. 398, 9. LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral I, pág. 55, fala em condomínio horizontal. (17) Para LINO SALIS, Il condomínio negli edifici, in Trattato di Diritto Civile Italiano, sob a direção de Filippo Vassali, vol. V, tomo III, Torino, 1950, pág. 158, o condomínio é um direito e não é correcto chamar condomínio ao conjunto dos condóminos, ligados entre si pela existência de interesses comuns. Mas, no nosso ordenamento jurídico, a doutrina, a jurisprudência e a lei utilizam habitualmente a expressão “condomínio” num sentido subjetivo, para designar o conjunto dos condóminos. 23 (18) Todas as disposições legais citadas, sem referência em contrário, pertencem ao Código Civil. (19) Cfr. HERMANN WEITNAUER, Wohnungseigentumsgesetz, 8.ª ed., Franz Vahlen, München, 1995, pág. 295. Nas palavras de LINA BREGANTE, Il regolamento di condomínio, Giuffrè, Milão, 2000, pág. 282, a detenção de animais numa fração autónoma é entendida como especificação do direito dominial de cada condómino sobre a sua fração autónoma. (20) Nos termos do artigo 1422.º, n.º 2, alínea c), é especialmente vedado aos condóminos destinar a sua fração a uso ofensivo dos bons costumes. Cabem aqui situações, como aquela julgada num tribunal alemão em que um condómino detinha em casa 11 serpentes e uma grande quantidade de ratos e ratazanas (OLG Frankfurt, AZ 20 W 149/90, citado por BÄRMANN/PICK/MERLE, Wohnungseigentumsgesetz, 7.ª ed., Beck, München, 1997, pág. 428). Esta decisão é apoiada, unanimemente, pela doutrina. Ver, por todos, KONSTANTIN RIESENBERGER, Alles zum Wohnungseigentum, 4.ª ed., WRS Verlag, München, 1999, pág. 125. (21) HENRIQUE MESQUITA, “A propriedade horizontal no Código Civil Português”, in RDES, ano XXIII, n.º 1-4 (1976), pág. 129, fala a este propósito de compropriedade necessária e permanente. (22) Temos, assim, uma afetação estrutural, uma afetação envolvente ou de cobertura, uma de comunicação e uma funcional. Sendo que a enumeração prevista na lei não é taxativa, estes vetores servirão como critérios orientadores no caso de surgirem dúvidas sobre a natureza comum ou privativa de uma parte. Veja-se o nosso A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, Almedina, Coimbra, 2006. (23) Esta presunção de comunhão do n.º 2, do artigo 1421.º, é uma presunção iuris tantum, logo suscetível de ser ilidida mediante prova em contrário, a realizar no título constitutivo. (24) O acórdão da Corte di Cassazione, secção II, 3.11.2000 n.º 14353, in Giustizia Civile, 2001, pág. 1012, I, (2), decidiu que usar os espaços comuns de um edifício condominial fazendo circular um cão, sem as cautelas exigidas segundo critérios normais de prudência (como açaime ou trela), pode constituir uma limitação não consentida do igual direito que os outros condóminos têm sobre os mesmos espaços, se resultar que a falta de adoção das ditas cautelas impede estes últimos de usarem e gozarem livremente esses espaços comuns. (25) GUIDO VIDIRI, Il condomínio nella dottrina e nella giurisprudenza, Giuffrè, Milano, 1999, pág. 107. 24 (26) Neste sentido, v. o acórdão da Relação do Porto de 19.03.2002, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf. (27) Assim, CHRISTIAN ATIAS, La Copropriété immobilière, Dalloz, Paris, 1995, pág. 29. (28) HENRIQUE MESQUITA, A propriedade horizontal no Código Civil Português, págs. 94 a 102. (29) A propriedade horizontal no Código Civil Português, pág. 94 (30) Como nos diz EDUARDO VÁZQUEZ BOTE, “La propiedad horizontal en Derecho puertorriqueño”, RCDI, LXVIII (Mar-Abril 1992), 609, pág. 379, para a propriedade horizontal existe um conjunto normativo simultaneamente autónomo e heterónomo. (31) Na definição de GIUSEPPE BRANCA, Commentario del Codice Civile de ANTONIO SCIALOJA e GIUSEPPE BRANCA, 2.ª ed., livro III, pág. 479, o regulamento é a lei interna que organiza e articula a vida do grupo; também para NICOLETTI/REDIVO, Il regolamento e l’assemblea nel condomínio degli edifici, 2.ª ed., Cedam, Pádova, 1990, pág. 5, o regulamento constitui a lei interna que organiza e articula a vida de um grupo social, no âmbito de um edifício pertencendo a vários sujeitos jurídicos que têm a propriedade das várias frações, os condóminos. (32) Nos termos do artigo 3.º, alínea f), do Decreto-Lei n.º 160/2006, de 8 de Agosto, o contrato de arrendamento deve mencionar a existência de um regulamento de propriedade horizontal, se o houver. (33) Note-se que a assembleia de condóminos, como órgão deliberativo do condomínio, pode sempre e em qualquer altura deliberar sobre o regulamento de condomínio, alterando-o ou substituindo-o integralmente por outro, ainda que tenha sido elaborado pelo administrador. (34) Como lapidarmente decidiu a Cassação italiana, 4.12.1993, n. 12028 in Arch. Locazioni, 1994, 798, se o regulamento que proíbe ter cães (ou outros animais) no apartamento em edifícios condominiais não tem natureza contratual (muito grosso modo, o regolamento contrattuale italiano corresponde ao nosso regulamento contido no título constitutivo) não pode considerar-se eficaz a proibição nessa matéria aprovada pela maioria dos condóminos, sendo necessário o consenso de todos. (35) É inválida a cláusula que estabelece a obrigatoriedade de consentimento escrito dos outros condóminos para a detenção de animais numa fração autónoma, porque tal obrigação consubstancia, de facto, uma proibição. Assim decidiu o Tribunal de Karlsruhe (OLG Karlsruhe WE 1988, 96, citado por HERMANN WEITNAUER, Wohnungseigentumsgesetz, pág. 306), que considerou inválida a cláusula que estabelece 25 a obrigatoriedade de consentimento escrito dos outros condóminos para a detenção de animais numa fração autónoma, porque tal obrigação consubstancia, de facto, uma proibição, ainda que implícita. (36) Seguimos quase ipsis verbis LUÍS BRITO CORREIA, Os Administradores das Sociedades Anónimas, Almedina, Coimbra, 1993, pág. 425. (37) GIUSEPPE BRANCA, Commentario del Codice Civile, pág. 454, caracteriza a assembleia como o órgão supremo, natural, estrutural, permanente do condomínio. Destarte, não pode dizer-se que seja a mera soma dos condóminos: as suas deliberações são obrigatórias também para aqueles que não as aceitaram. Também VOLKER BIELEFELD, Der Wohnungseigentümer, 5.ª ed., Verlag Deutsche Wohnungswirtschaft GmbH, 1995, pág. 392, considera a assembleia de condóminos como o “oberste” órgão de administração. Para NICOLETTI/REDIVO, Il regolamento e l’assemblea nel condomínio degli edifici, 2.ª ed., Cedam, Pádova, 1990, pág. 100, a assembleia, na medida que pode decidir recursos contra os atos do administrador, é o órgão superior da administração. (38) Cfr. NICOLETTI/REDIVO, Il regolamento e l’assemblea nel condomínio degli edifici, pág. 96. (39) PINTO FURTADO, Deliberações dos sócios, pág. 49, entende como deliberação a declaração juridicamente imputável a uma pessoa coletiva ou simplesmente a um órgão seu, ou ainda, globalmente, a um grupo não dotado de personalidade jurídica, formada mediante o concurso dos sujeitos de direito que a compõem e moldada pela fusão das declarações individuais reptícias por eles emitidas (votos) que, no mínimo, integrem o núcleo mais numeroso de declarações de sentido idêntico. (40) As normas sobre a constituição da assembleia e a validade das suas deliberações não podem ser contrariadas por nenhum ato negocial. Entendemos que os condóminos não podem alterar a maioria legalmente estabelecida; o estabelecimento de uma maioria mais exigente comporta uma correlativa restrição dos poderes que a lei concedeu à assembleia e dificulta a atividade de administração das partes comuns. Neste sentido, o acórdão da Relação de Évora, de 19 de Abril de 1990, in CJ, II, págs. 289 e ss., considerou nula a cláusula que exigia a totalidade dos votos representativos do capital investido para a aprovação das deliberações. “Neste ponto, a lei é imperativa. De resto, até se poderá, com razão, dizer que as cláusulas contratuais, para poderem ser conformes à lei, terão de poder dar um mínimo de funcionalidade às situações a que se destinam. Ora, exigir a unanimidade para toda e qualquer deliberação da assembleia de condóminos, era praticamente o mesmo que tornar ingovernável o condomínio. Tal situação teria necessariamente de ser afastada pelo legislador que, obviamente, não criou um instituto na lei para permitir que ele não funcionasse de modo minimamente aproveitável, ou, mesmo, deixando a possibilidade de situações amiúde verificáveis em que tal instituto ficasse paralisado. Bastaria a vontade de qualquer dos condóminos, desconforme com a dos outros, para que nada na propriedade horizontal e condominial pudesse funcionar”. 26 Na doutrina, v. ARAGÃO SEIA, Propriedade Horizontal, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2002, pág. 177. Esta questão é altamente controversa entre a doutrina italiana. Em sentido concordante com o estabelecimento de uma maioria mais elevada, NOBILE, L’amministratore del condomínio, 4.ª ed. revista e atualizada por Guido Belmonte, Casa Ed. Dott. Eugenio Jovene, Nápoles, 1966, pág. 93, GINO TERZAGO, Il Condominio – Trattato TeoricoPratico, 4.ª ed., Giuffrè, 2000, pág. 545, e LINA BREGANTE, Il regolamento di condomínio, Giuffrè, Milão, 2000, pág. 55. Pelo contrário, LAZZARO/STINCARDINI, L’amministratore del condomínio, pág. 52, e NICOLETTI/REDIVO, Il regolamento e l’assemblea nel condomínio degli edifici, pág. 22, não aceitam a possibilidade de estabelecer uma derrogação à maioria estabelecida ex lege, exigindo uma mais elevada, pois estas disposições visam tutelar interesses fundamentais do condomínio ou de terceiros. Na doutrina alemã, entende-se que o kopfstimmrecht é disponível. Por todos, v. VOLKER BIELEFELD, Der Wohnungseigentümer, pág. 413. (41) Cremos que o transmitente de uma fração autónoma é obrigado a comunicar ao adquirente as deliberações anteriormente aprovadas. Nos termos do artigo 9.º, do DL 268/94, o administrador, ou quem a título provisório desempenhe as funções deste, apenas tem o dever de facultar cópia do regulamento aos terceiros titulares de direitos relativos às frações. Assim, o administrador pode, legitimamente, recusar-se a apresentar o livro de atas a um terceiro que se apresente como eventual adquirente de uma fração autónoma. Por outro lado, a culpa in contrahendo prevê deveres de esclarecimento a cargo das partes em negociação (cfr. MENEZES CORDEIRO, Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 549); a conclusão de um contrato na base de falsas indicações ou na base de falta de informação implica o dever de indemnizar, por culpa na formação dos contratos. Na prática, os futuros adquirentes não procuram o administrador para verificarem as atas, porque acreditam na palavra do condómino-alienante ou entendem o seu silêncio como sinal da ausência de problemas. A dificuldade agrava-se quando o condómino-alienante é o próprio administrador do condomínio. Esta opinião não é, contudo, consensual; v. HENRIQUE MESQUITA, A propriedade horizontal, págs. 134 e 135. (42) No sentido de que a vontade comunitária só pode formar-se na reunião formal da assembleia de condóminos, v. ANTÓNIO VENTURA-TRAVESET, Derecho de Propiedad Horizontal, Bosch, Barcelona, 2000, pág. 490. (43) O legislador refere-se ainda ao acordo de todos os condóminos no artigo 1419.º, n.º 1, para a modificação do título constitutivo. Parece, quanto a este acordo, que ele pode ser obtido fora da assembleia de condóminos. (44) Neste sentido, NICOLETTI/REDIVO, Il regolamento e l’assemblea nel condomínio degli edifici, pág. 97 e BÄRMANN/PICK/MERLE, Wohnungseigentumsgesetz, pág. 428. 27 (45) LUDWIG RÖLL, Handbuch für Wohnungseigentümer und Werwalter, 7.ª ed., Verlag Dr. Otto Schmidt, Köln, 1996, pág. 57, e MARCEL SAUREN, Wohnungseigentumsgesetz, Beck, München, 1995, pág. 145. A proibição de os animais andarem à solta dentro das partes comuns do edifício não só evita a poluição destes locais e outros estorvos, como permite identificar, com facilidade, a permanência aí de animais estranhos ao edifício. (46) PINTO MONTEIRO, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, págs. 139 e ss., trata destas sanções ao lado das sanções de índole disciplinar – pena associativa (“Vereinssstrafe”). São penas impostas pelos órgãos de uma associação, “graças a um poder – sancionatório – inerente ao grupo, para fazer cumprir os deveres associativos pelos respetivos membros”. A pena associativa destina-se “a exortar os sócios a assumirem um comportamento conforme ao que a associação lhes exige, de acordo com os estatutos e segundo os padrões ético-sociais específicos do grupo. Por isso é que a sua imposição passa por um juízo valorativo (Bewertung) ulterior, através de um procedimento algo semelhante ao de um processo judicial (...)”. A pena associativa “tem finalidades intimidativas (Abschreckung) e de expiação (Sühne) (...) de acordo com a sua função essencial: assegurar a disciplina dos membros da associação e o respeito pelos deveres associativos”. Quanto à legitimidade das penas associativas e das penas pecuniárias do condomínio, ela é naturalmente diferente. Continuando a seguir os ensinamentos do Autor, a legitimidade das sanções associativas decorre do princípio da autonomia associativa. Mas há analogia evidente na finalidade a cumprir. As penas associativas visam “assegurar o respeito pelas suas regras internas de funcionamento e a disciplina do respetivo grupo ou coletividade”. As penas da assembleia de condóminos são “sanções estabelecidas por um grupo – a assembleia de condóminos –, a fim de fazer respeitar as suas deliberações, as disposições legais pertinentes ou as decisões do administrador”. Entendemos nós que, ao contrário das associações, em que a legitimidade das penas é interna, decorrente da autonomia associativa dos seus membros, no condomínio existe uma legitimidade de origem externa, decorrente de um elemento objetivo: a convivência, a sociabilidade resultante da unidade estrutural do edifício. (47) Neste sentido decidiu o acórdão da Relação de Coimbra, de 5 de Junho de 2001, in www.dgsi.pt/jtrc.nsf. (48) Considerar que o administrador tem poderes negociais e processuais próprios não significa que exista um campo de atividade reservado ao administrador do condomínio. Onde o administrador se move, também se move a assembleia dos condóminos: na administração das partes comuns do edifício. Assim, não existirá um vício de incompetência nas deliberações da assembleia por esta decidir no campo de atividade eventualmente reservado ao administrador. A assembleia tem competências concorrentes com as do administrador, pelo que não são impugnáveis as deliberações da assembleia de condóminos por invasão da esfera do administrador. (49) Cfr. ROBERTO AMAGLIANI, L’amministratore e la rappresentanza degli interessi condominiali, pág. 158. 28 (50) V. WERNER NIEDENFÜHR/ HANS-JÜRGEN SCHULZE, WEG, Handbuch und Kommentar zum Wohnungseigentumsgesetz, C. F. Müller Verlag, Heidelberg, 1997, pág. 131. (51) No caso de o condómino senhorio não assegurar que o arrendatário se comprometa a não deter animais na fração autónoma, poderá incorrer em responsabilidade perante os outros condóminos. (52) LUDWIG RÖLL, Handbuch für Wohnungseigentümer und Werwalter, 7.ª ed., Verlag Dr. Otto Schmidt, Köln, 1996, pág. 258, chama às deliberações aprovadas por unanimidade pseudoacordos [Pseudovereinbarungen]. Também para GIUSEPPE BRANCA, Commentario del Codice Civile, pág. 418, uma deliberação votada por unanimidade na assembleia pode só aparentemente ser uma deliberação e, inversamente, esconder um acordo; não se trata de um comando do condomínio, mas de um ato dos condóminos individuais enquanto proprietários das frações (é evidente que o administrador não é obrigado, salvo deliberação expressa, a dar execução a esse acordo). Quando a assembleia decide sobre coisas comuns, é o condomínio a pronunciar-se; quando dispõe exclusivamente sobre as frações, sem tocar, direta ou indiretamente, partes ou serviços comuns, é um acordo no qual qualquer condómino dispõe do direito que tem como proprietário da sua fração. (53) Cfr. FRANCESCO RUSCELLO, ob. cit., pág. 149. (54) Cfr. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 408. (55) GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, págs. 1095 e 1097. (56) Para ANTONIO VISCO, “I cani...in regime condominiale”, in Nuovo dir., 1972, pág. 168, é absurda a proibição indiscriminada de ter um cão, ainda quando esta respeite apenas a diversas espécies destes animais. O cão além de ser um amigo que faz companhia e brinca com as crianças, é útil para a guarda. No mesmo sentido, GINO TERZAGO, “Detenzione di animali negli appartamenti di edifici in condomínio”, Nuovo dir., 1969, págs. 415 ss. e LINO SALIS, “Il cani e il...condomínio”, Riv. Giur. Edil., 1971, I, pág. 451. GIVORD/GIVERDON, La Copropriété, 4.ª edição, Dalloz, Paris, 1992, pág. 278, dão-nos notícia de a Cour de Cassation interpretou uma cláusula proibindo ter um cão como limitada aos “cães barulhentos”. E DARCY ARRUDA MIRANDA, JR., Dicionário Jurisprudencial do Condomínio, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1980, pág. 10, considera que improcede a Acão cominatória proposta pelo condomínio contra o proprietário de apartamento visando compeli-lo à retirada de animal doméstico se, não obstante constar de proibição expressa, não se prova qualquer prejuízo para o sossego, a salubridade ou a segurança dos moradores. A jurisprudência e a doutrina alemãs vão no mesmo sentido; cfr., por todos, HERMANN WEITNAUER, Wohnungseigentumsgesetz, pág. 379. 29 (57) Nas palavras de ANTONIO VISCO, “I cani...in regime condominiale”, pág. 170, a cláusula “é proibido deter animais domésticos no apartamento” deve ser entendida não num sentido absoluto, mas antes relativo, devendo ser relacionada com as consequências, ou seja, com o distúrbio provocado pelo animal. Se o cão ou o gato, ou qualquer animal, não é causa de distúrbio para quem vive fora do apartamento, o autor considera que a proibição não tem valor porque constitui uma intolerável limitação à liberdade individual. (58) Cfr. LUDWIG RÖLL, Handbuch für Wohnungseigentümer und Werwalter, pág. 56, e MARCEL SAUREN, Wohnungseigentumsgesetz, pág. 144. (59) HERMANN KAHLEN, Praxiskommentar zum Wohnungseigentumsgesetz, Luchterhand, pág. 176. (60) Esta asserção tem vindo a ganhar força também na jurisprudência. Em Itália, a Pret. de Campobasso (Campopiano c. Mónaco), em 12.5.90, in ALC, 1991, 176, considerou que a simples detenção de um animal não faz o condómino incorrer na violação da proibição de deter animais, sendo necessário que se verifique, efetivamente, um prejuízo à coletividade dos condóminos. Na Alemanha, a BayObLG MDR (citada por MARCEL SAUREN, Wohnungseigentumsgesetz, pág. 144) já decidia neste sentido em 1972. (61) ROBERTO AMAGLIANI, L’amministratore e la rappresentanza degli interessi condominiali, págs. 61 e ss.. CHRISTIAN LARROUMET, Les Biens, pág. 421, fala do interesse do imóvel distinto do interesse de cada um dos condóminos. Refere-se a interesse geral dos condóminos, LUCIO GIARLETA, “L’amministratore diventa datore di lavoro quando assume dei prestatori di lavoro per fare eseguire determinate opere per conto del condomínio?”, in MT, 1974, pág. 600. Segundo MARINA/GIACOBBE, “Condominio negli edifici”, Enciclopedia Del Diritto, VIII, pág. 821, a posição de cada um converge na posição dos outros, em relação à unidade do interesse geral. (62) Cfr. LAZZARO/STINCARDINI, L’amministratore del condomínio, Giuffrè Editore, 1992, pág. 2. (63) Assim M. ZACCAGNINI, “Il potere di convocazione dell’assemblea da parte dell’amministratore e da parte dei condomini”, Nuovo dir., 1970, pág. 809. (64) Também quem entenda que, com base no artigo 1422.º, n.º 2, alínea d, (é especialmente vedado aos condóminos praticar quaisquer atos ou atividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição), a assembleia pode proibir a detenção de animais numa fração autónoma – o que nos parece, cada vez mais, duvidoso, pois a detenção de um animal não se enquadra na expressão “praticar atos ou atividades” tal como vem 30 enunciada nesta disposição normativa – está sujeito, nessa decisão, à necessidade fundamentadora do concreto interesse coletivo do condomínio. (65) Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 315/2003, de 17 de Dezembro. (66) Bem andou a Relação de Lisboa ao decidir o acórdão de 26.06.2001 (in www.dgsi.pt.jtrl.nsf) que prevendo a lei a existência de animais de companhia no lar, tem de se entender que o uso habitacional do arrendado não fica desvirtuado quanto ao seu fim quando eles lá permanecem: “O gato, sendo um animal detido ou destinado a ser detido pelo homem, designadamente no seu lar, considera-se animal de companhia. Inexistindo na Lei qualquer limite quanto ao número de gatos que podem ser alojados em cada fogo e não se provando que estes, embora em número que excede três dezenas, produzam cheiros ou ruídos que importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou incómodo para os vizinhos, não se encontra caracterizado o fundamento do despejo – práticas ilícitas – previsto na al. c) do n.º 1 do art. 64.º do RAU”. A situação não é, aliás, inédita. O Tribunal de Köln (OLG Köln, de 26.09.95, citado por HERMANN KAHLEN, Praxiskommentar zum Wohnungseigentumsgesetz, pág. 119) já havia desenvolvido, em 1995, um raciocínio idêntico a propósito de um condómino que detinha mais de 100 pequenos animais, mas de cuja fração não emanavam quaisquer cheiros ou barulhos e, portanto, não resultava qualquer dano para os condóminos vizinhos. (67) Com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.º 76/2002, de 26 de Março, 259/2002, de 23 de Novembro, e 293/2003, de 19 de Novembro. (68) Cfr. CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Direitos Reais, Lições publicadas por Álvaro Moreira e Carlos Fraga, pol., Coimbra, 1972, pág. 244. (69) PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, com a colaboração de MANUEL HENRIQUE MESQUITA, Código Civil Anotado, anot. ao artigo 1305.º, vol. III, pág. 95, 4. (70) Direitos Reais, págs. 142 e 143. (71) Nas palavras de PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, com a colaboração de MANUEL HENRIQUE MESQUITA, Código Civil Anotado, vol. III, anot. ao artigo 1346.º, pág. 178, 5, exigindo-se prejuízo substancial, põem-se de lado as emissões que produzam um dano não essencial. (72) São três os artigos da CRP a ter aqui em conta: o artigo 25.º, n.º 1, que estabelece a inviolabilidade da integridade física e moral das pessoas; o artigo 64.º, nos termos do qual todos têm direito à proteção da saúde; e o artigo 66.º, n.º 1, que dispõe o direito de todos a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado. Os dois últimos são 31 direitos sociais, mas de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pelo que se aplica o seu regime (artigo 17.º da CRP). O artigo 2.º, da Lei de Bases do Ambiente, concretiza que todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, incumbindo ao Estado, por meio de organismos próprios e por apelo a iniciativas populares e comunitárias, promover a melhoria da qualidade de vida, quer individual, quer coletiva. (73) Segundo MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1990, pág. 206, os direitos de personalidade constituem “um círculo de direitos necessários, um conteúdo mínimo e imprescindível da esfera jurídica de cada pessoa”. (74) O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, pág. 93. (75) Cfr. RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, pág. 116. (76) Cfr. o acórdão da Relação de Lisboa, de 19 de Fevereiro de 1987, in CJ, I, pág. 141: “os ensaios de uma orquestra, quando perturbadores do direito à tranquilidade dos vizinhos violam o direito à saúde e à integridade física e moral das pessoas, como um direito eminentemente pessoal. Nestes casos o julgador, ao aplicar a lei, não deve atender a um tipo humano médio, ao conceito de cidadão normal e comum, mas à especial sensibilidade do lesado, tal como é na realidade”. Esta doutrina foi seguida pelo acórdão da Relação do Porto, de 6 de Fevereiro de 1990, in CJ, I, pág. 92. (77) RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, pág. 232, nota 491, citaHubmann, considerando que “cada um tem de suportar os pequenos aborrecimentos causados ocasionalmente pelos seus vizinhos, mas já não tem de suportar uma chicana sistemática”. A vida em comum seria impossível sem cada um sofrer certas incomodidades, nas palavras de FRANÇOIS CHABAS, Biens, Droit de propriété et ses démembrements, Leçons de Droit Civil por HENRI e LÉON MAZEAUD e FRANÇOIS CHABAS, tomo II, 10.º volume, 8.ª ed., Montchrestien, Paris, 1994, pág. 98. (78) “Os direitos, cujos limites não estão fixados de uma vez por todas, mas que em certa medida são “abertos”, “móveis”, e, mais precisamente esses princípios podem, justamente por esse motivo, entrar facilmente em colisão entre si, porque a sua amplitude não está de antemão fixada. Em caso de conflito, se se quiser que a paz jurídica se restabeleça, um ou outro direito (ou um dos bens jurídicos em causa) tem que ceder até um certo ponto perante o outro ou cada um entre si”. Assim, KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 2.ª ed., tradução de José Lamego, FCG, Lisboa, 1989, pág. 491. (79) “Quando se trata de bens constitucionais, o princípio da concordância prática impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros. (...) Subjacente a este princípio está a ideia do igual 32 valor dos bens constitucionais (e não uma diferença de hierarquia) que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre estes bens”. Assim, GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,1998, pág. 1098. (80) Na doutrina anglo-saxónica, MARGARET JANE RADIN, in Reinterpreting Property, 1993, pág. 35 e ss., chama-lhe propriedade constitutiva, para evitar o equívoco resultante da expressão personal property. (81) O valor preponderante, e muitas vezes exclusivo, de um animal de companhia para o seu dono não é económico. Como considera STEVEN M. WISE, “Recovery of Common Law damages”, i, nota 2, se o valor económico de um animal não é mais que incidental para o seu dono então ele não pode ser definido como um animal de companhia. (82) Cfr. STEVEN M. WISE, “Recovery of Common Law damages”, pág. 67. (83) O acórdão da Relação do Porto, de 2.05.2002, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf, considerou viável o pedido de indemnização, por danos não patrimoniais, relacionados com a morte de um cão, fundado na privação do direito de propriedade do impetrante sobre o animal. O tribunal considerou que o desgosto de perder o animal, pelo qual os autores nutriam grande afeição, não é uma mera incomodidade ou contrariedade, mas antes assume dignidade de reparabilidade por dever ser considerado, à luz do critério acolhido no artigo 496.º, com gravidade tal que o faça merecer a tutela do direito. (84) Para a violação dos direitos de personalidade valem os princípios gerais da responsabilidade civil. O acórdão do STJ, de 13 de Março de 1986, BMJ, n.º 374, 1988, págs. 443 e ss., confirmou o pagamento de uma indemnização de Esc. 100.000$00, para ressarcimento dos prejuízos resultantes do barulho produzido em casa dos vizinhos, provenientes do bater de portas, do arrastamento de móveis, e dos aparelhos de rádio e televisão em funcionamento. A Autora teve de recorrer a tratamentos médicos, tendo sido forçada a pedir a pessoas amigas que lhe facultassem pernoitar em suas casas por não poder suportar os ruídos que a maltratavam na sua habitação. Segundo o acórdão, “nem interessa distinguir se a ofensa é cometida deliberadamente ou não, pois em qualquer hipótese sempre existe a ofensa, e, no caso em análise pelo menos houve negligência dos recorrentes por isso que não empregaram as cautelas devidas e não alteraram seus comportamentos mesmo depois da prevenção que lhes foi dirigida quanto ao estado da demandante e aos cuidados que requeria”. (85) Decidiu o Tribunale di Napoli, 25.10.1990, in Giustizia Civile, 1991, I, 446, que o juiz pode ordenar como procedimento de urgência o afastamento de cães dos apartamentos dos condóminos se causam distúrbios e incómodos, entregando a execução aos órgãos públicos com a obrigação de fechá-los em canil (público ou privado) ou de os 33 ter sob custódia de privados, à escolha do proprietário, com obrigação de não o deixar livre no exterior. (86) Sobre a execução destas ações, v. RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, págs. 481 e 482. (87) V. ainda as normas aplicáveis à detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos, enquanto animais de companhia, estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 312/2003, de 17 de Dezembro. 34
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