Vol. 19 | N.º 3 | 2010-ISSN 0871-6099. Revista da Sociedade

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Vol. 19 | N.º 3 | 2010-ISSN 0871-6099. Revista da Sociedade
Vol. 19 | N.º 3 | 2010-ISSN 0871-6099.
Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia
FICHA TÉCNICA
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2º Secretário
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Vol. 19 | N.º 3 | 2010-ISSN 0871-6099.
Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia
ÍNDICE
03
FICHA TÉCNICA
04
EDITORIAL, Dr. José Martins Nunes
06
ERRO MÉDICO E SEGURANÇA, José Fragata
07
EVENTOS CRÍTICOS - TREINO DE EVENTOS NA
EMERGÊNCIA, Humberto Machado
09
BIOGRAFIA DA SIMULAÇÃO BIOMÉDICA NO
MUNDO E EM PORTUGAL, Viana Jorge
12
A SIMULAÇÃO BIOMÉDICA COMO
INSTRUMENTO DE ENSINO, Francisco
Matos, A. Augusto Martins, Mafalda Martins
15
INTEGRAÇÃO CURRICULAR DA SIMULAÇÃO
MÉDICA - EXPERIÊNCIA DINAMARQUESA,
Doris Østergaard, Anne Lippert, Peter Dieckmann
18
GESTÃO DE EVENTOS CRÍTICOS EM ANESTESIA
(ACRM), Luciane Pereira, Joana Carvalhas
20
PODEMOS TREINAR CATÁSTROFES
BIOLÓGICAS, QUÍMICAS E RADIOLÓGICAS COM
SIMULAÇÃO? Ângela Garcia, Carlos Seco
23
PARCERIA ENTRE ESPECIALIDADES, UMA
EXPERIÊNCIA - PROGRAMA EMERGÊNCIAS
OBSTÉTRICAS DO CSB, Joana Carvalhas, Isabel
Santos Silva, Fernando J. Costa
25
ASPECTOS ÉTICOS / MÉDICO-LEGAIS,
Guilherme de Oliveira
27
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
03
EDITORIAL
J. Martins Nunes
( Director do Centro de Simulação Biomédica Hospitais da Universidade de Coimbra )
Segurança do doente
A segurança dos doentes e o prevenir da face
negativa da realidade - o erro em Medicina são hoje, uma e outra, exigências de cidadania
e preocupações dos Governos modernos.
São temas actuais e relevantes, que
preocupam as pessoas e as entidades com
intervenção na Saúde. Foram trazidos para o
centro das preocupações das partes interessadas em políticas e resultados de Saúde,
através de dois relatórios publicados na
década passada pelo Institute of Medicine
(IOM, componente da Academia Nacional de
Ciências dos EUA).
Mais recentemente (2000) foi publicado um
relatório “To Err is Human: Building a safer
Health System” onde se afirma “Health care
in the United States is not as safe as it should
be and can be. At least 44,000 people, and
perhaps as many as 98,000 people, die in
hospitals each year as a result of medical
errors that could have been prevented, according to estimates from two major studies”.
Em Fevereiro de 2009 a União Europeia
recomendou aos países membros um enfoque
muito especial nos programas de Segurança
do Doente, e em Portugal a Direcção Geral
de Saúde criou em 2009 uma Divisão de
Qualidade e Segurança do Doente.
As equipas e as lideranças
O sucesso do trabalho clínico está cada vez,
mais dependente das equipas e da sua
liderança, do que, individualmente, de cada
um dos seus membros. Daí que urge, para
além da formação individual, concentrar o
ensino e o treino nesta nova perspectiva; o
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desempenho das equipas e da sua liderança
são cruciais, suplantando a soma das
competências individuais dos seus membros.
A Simulação Médica é um moderno
instrumento de treino, simultaneamente ético
e compreensivo, que procura nas melhores
práticas e nas melhores atitudes, a linha
condutora desta moderna “alavanca” para o
conhecimento.
A Anestesiologia e a Simulação Médica
Porque a Anestesiologia é a área médica que
mais frequentemente lida com eventos críticos,
e onde o treino de equipa e das lideranças
têm maior exigência, tem sido em todo o
mundo o berço do desenvolvimento do ensino
através da simulação. Os Anestesiologistas
detêm mais do que quaisquer outros
especialistas um intervenção abrangente sobre
eventos críticos, quer estes se situem na
Emergência, na Medicina Perioperatória ou
nos Cuidados Intensivos.
As competências técnicas adquiridas pelos
Anestesiologistas, têm obviamente uma
notável repercussão clínica nas mais
diversificadas áreas de intervenção e a
Simulação Médica é a única ferramenta
pedagógica que possibilita um treino de equipa
inter e pluridisciplinar, incluindo os eventos
críticos raros. A evolução da confiança perante
um evento crítico, o tempo de retenção
cognitiva e as atitudes terapêuticas, são
determinantes no sucesso da intervenção.
A Simulação como Instrumento de ensino
O treino em ambiente de simulação é um
treino ético e sem risco, quer para o formando
quer para o doente.
Países Europeus e Americanos estão a traçar
um caminho seguro e com resultados visíveis,
na utilização da simulação médica nos
programas de internatos médicos e na
certificação de competências.
A experiência dinamarquesa, é um excelente
exemplo de como fazer a integração do treino
através da simulação, no programa de
internatos complementares de Anestesiologia
e na actualização periódica dos especialistas.
No momento em que o acesso a armas de
destruição maciça constitui um risco até para
os pequenos países como Portugal, há que
adaptar a formação contínua aos biodesastres.
Também aqui, a Simulação Biomédica é um
excelente meio de formação de equipas e de
lideranças.
Os cuidados críticos e as emergências em
Obstetrícia, Pneumologia e Cardiologia, entre
outros, conquistaram neste tipo de formação,
um papel muito especial e simultaneamente
uma oportunidade invejável.
A simulação biomédica evolui para outras
áreas de especial interesse - gestão de crises,
gestão de conflitos e gestão de equipas - com
inegável valor acrescentado.
A Anestesiologia, pelas competências que
detém na “Emergência Médica”, nos
“Cuidados Intensivos” e na “Medicina
Perioperatória”, dá um contributo indiscutível
em todo o mundo moderno ao
desenvolvimento de Centros de Simulação
Biomédica.
O Centro de Simulação dos Hospitais da
Universidade de Coimbra
O Centro de Simulação Biomédica dos
Hospitais da Universidade de Coimbra nasceu
por uma iniciativa da Anestesiologia e com
uma particularidade: não tem capitais públicos.
Todo o investimento foi proveniente de
Fundações; inicialmente das Fundações
Calouste Gulbenkian e EDP. Posteriormente
da Fundação Luso-americana para o Desenvolvimento e da Fundação Bissaya Barreto.
Os seus parceiros estratégicos foram
crescendo, sendo hoje o CSB uma unidade
com capacidade formativa nas áreas da
Anestesiologia, Cuidados Intensivos e
Emergência, assim como em cuidados críticos
de Obstetrícia, Pneumologia e Cardiologia.
Os parceiros científicos e a colaboração com
outros Centros de Simulação Europeus e
Americanos têm vindo a aumentar e o CSB
dos Hospitais da Universidade de Coimbra
poderam formar os seus instrutores nas
melhores escolas mundiais, como são os
casos de Harvard Medical School Simulation
Center e do Instituto Dinamarquês de
Simulação Médica.
Isto é uma demonstração clara e inequívoca
de como os hospitais públicos não estão
esgotados na sua capacidade de atrair
investimentos da Sociedade Civil dentro da
sua responsabilidade social e de criar
“Clusters” simultaneamente de excelência e
de dimensão Europeia, como é o caso.
A Sociedade Portuguesa de Anestesiologia e
o Colégio da Especialidade têm estado
presentes com o seu importantíssimo
patrocínio científico, em alguns dos cursos aí
desenvolvidos.
Os Hospitais da Universidade de Coimbra
podem estar orgulhosos do contributo que
estão a dar ao País e ao desenvolvimento da
formação através do conhecimento, pela
simulação médica.
Mas a Anestesiologia Portuguesa também
tem que se orgulhar por ter aqui uma área de
grande inovação e diferenciação técnica, que
pode utilizar aliando as melhores práticas ao
treino ético e à simulação de alta-fidelidade.
Com os cumprimentos
J. Martins Nunes
Coimbra 12.04.10
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05
SEGURANÇA DO DOENTE
“PATIENT SAFETY”
*
*
Fragata, José
Director CRI - CCT - Hospital de Santa Marta. Professor Catedrático de Cirurgia FCM - UNL
A segurança dos doentes que recorrem aos cuidados
médicos entrou na ordem do dia, sendo hoje uma das
facetas da dimensão da Qualidade na Saúde. Herdada
de Hipócrates, no seu “primum non nocere”, a dimensão
da Segurança estaria contudo esquecida numa actividade
que sempre se tomou como benfazeja, atribuindo ao mau
destino da doença e nunca por nunca aos profissionais,
a causa para os desfechos menos felizes.
Uma maior consciência dos direitos dos cidadãos, a par
com a extensão dos cuidados, numa dimensão de massas,
a dimensão industrial da Saúde, agora também negócio,
criaram uma cultura de exigência por parte de doentes
e famílias, dos pagadores e prestadores e, bem entendido,
da Sociedade - os Media e a Justiça passariam a tomar
parte neste universo de actividade, que passava do recato
intimo da cabeceira dos doentes para as primeiras páginas
da opinião, e nem sempre pelos melhores motivos... Tudo
isto enquanto a Medicina evoluía de uma prática a solo,
pouco eficaz, pouco cara e pouco perigosa, para uma
c o m p l e x a a c t i v i d a d e , e x e rc i d a e m e q u i p a s
pluridisciplinares, com elevada eficácia e enorme dispêndio,
mas um enorme potencial para induzir danos colaterais.
Desse risco trata hoje a gestão da Segurança dos Doentes.
A “Patient Safety” está intimamente ligada à redução dos
erros (desvios do resultado esperado) no Sistema de
Saúde, com o intuito de minimizar as consequências
sobre os doentes, melhorar a confiança e a reputação
nos profissionais e nas instituições e, last but not least,
reduzir custos e ineficiências. É que, tratar com
complicações sai muito mais caro... Por todas estas razões
a segurança dos doentes interessa a todos os interventores
na Saúde e deve ser preocupação primeira dos seus
profissionais, a quem a liderança desse controle deverá
caber, como imperativo hipocrático e necessidade absoluta
de controlo de performance.
A ocorrência de danos colaterais ocorre em cerca de 10
em cada 100 internamentos, felizmente a maior parte das
vezes sem consequências sérias, mas estima-se que
cerca de metade dos efeitos adversos em Medicina
poderiam ter sido evitados. A ocorrência de danos é
transversal a todas as especialidades mas mais provável
e potencialmente danosa nas de alto domínio tecnológico.
A ocorrência de eventos adversos em Medicina tem, do
lado do prestador, causas humanas (factores humanos)
em cerca de 60 % dos casos, facilitadas por defeitos da
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organização (factores do sistema) em 30 % dos casos,
e causas indeterminadas, que poderemos atribuir à
natureza incerta da Medicina na sua dimensão de
“Complexidade” e que atribuiremos ao acaso; A dimensão
equipa, ponte entre os factores humanos e a organização,
contribui para a segurança ou insegurança dos cuidados,
num momento em que cada vez mais os resultados se
atribuem ao desempenho das equipas e o treino na Saúde
se vai movendo cada vez mais dos indivíduos para os
grupos actuantes ou equipas.
Na vertente da tarefa, a dificuldade dos doentes (comorbilidades, avanço das doenças), o tipo de intervenção
e as condicionantes locais e do momento (staff, pressões,
etc.) desempenham um papel fundamental para o resultado
final (complicações).
Para uma melhor promoção da segurança parece
fundamental promover uma verdadeira consciência de
risco, nos profissionais e nas instituições, que nos leve
a reportar erros sem a tradicional atmosfera de culpa,
antes como consequências de um mau desenho
organizacional que, numa perspectiva de aprendizagem
e de responsabilidade, todos queremos melhorar. Em
resumo uma Cultura de Segurança (cultura “Just”)
Que aos doentes seja dada total revelação do que com
eles se passa de Bem e, sobretudo, de Mal, com verdade
e responsabilidade, para que a confiança prevaleça no
Sistema e nos Actores. Isto em muito reduziria o
agastamento e litigação que frequentemente rodeia os
insucessos da Medicina.
Se mudarmos a cultura e a prática conduziremos o
exercício da Medicina a uma fiabilidade que existe, por
exemplo, na aviação civil, onde desde cedo a gestão de
erros foi colectivamente assumida como oportunidade
de aprendizagem e mecanismo de promoção de maior
segurança.
Não tenho dúvidas de que a dimensão de Segurança dos
Doentes e a boa gestão do seu Risco se transformará no
grande desafio diferenciador da Qualidade e Eficiência
entre práticas médicas no século XXI - um desafio que
cumpre a nós pessoal de Saúde liderar, interpretando
mais do que o clássico mandato hipocrático, um moderno
dever de Auto-Regulação e a dimensão lata de
Profissionalismo, com que garantiremos os superiores
interesses dos doentes que nos são confiados e, também,
a independência desta nobre profissão de Esculápio.
SEGURANÇA, EVENTOS CRÍTICOS E LIDERANÇA EM
ANESTESIOLOGIA
*
*
Machado, Humberto
Presidente do Colégio de Especialidade de Anestesiologia
A Anestesiologia é provavelmente a especialidade que
mais frequentemente lida com problemas ou potenciais
problemas críticos. Este facto coloca os Anestesiologistas
numa posição tal, que a sua cultura de segurança poderá
fazer a diferença entre a vida e a morte de um doente. A
aquisição de competências na área da segurança técnica
deve ser uma das áreas estruturantes na formação dos
futuros especialistas. A responsabilização durante o
internato de especialidade, e a forma sistemática com
que os médicos internos devem ser instados a pronunciarse e evidenciar as suas aquisições formativas nesta área,
deverá constituir uma prioridade e preocupação constante
para quem tem à sua responsabilidade, médicos em
formação.
A cultura de segurança inerente ao Anestesiologista não
se esgota no cumprimento das normas preconizadas para
encetar determinado acto ou prática. Os conhecimentos
adquiridos, simulados, e praticados devem constituir uma
base para que em novas situações, o especialista em
Anestesiologia possa antever eventuais eventos críticos.
No fundo, não será possível antever que algo poderá
correr mal, se nunca se esteve exposto a uma situação
idêntica ou afim. A capacidade de um médico poder
prever que algo poderá acontecer traduz experiência,
maturidade clínica e acima de tudo cultura de segurança.
Aliar estes conceitos a um especial bom senso configurará
a excelência do desempenho do Anestesiologista.
Será possível enumerar vários exemplos de eventos
críticos que, de forma muito útil, deveriam ser
exaustivamente simulados, treinados e subsequentemente
avaliados do ponto de vista do desempenho por parte do
médico. O facto de a Anestesiologia ser uma especialidade
tão abrangente quanto o efectivamente é, com áreas de
intervenção tão diferentes como o bloco operatório, a
medicina da dor, a emergência médica, a medicina
intensiva e a medicina peri-operatória, fazem dela uma
especialidade com um terreno muito amplo para que
ocorram eventos adversos. Em concreto, poderá ser útil,
por razões de sistematização, pensar em eventos clínicos
(por exemplo seguindo o ABCDE da ressuscitação ou do
trauma), eventos relacionados com fármacos, ou com
equipamentos. Por vezes, no âmbito da grande diversidade
de possibilidades poderia ocorrer uma qualquer dispersão
de atenção sobre o que realmente é essencial. Assim,
considera-se haver lugar a um especial enfoque nestas
áreas, sendo manifesta a mais-valia que se conseguiria
atingir, se fosse possível transmitir aos futuros especialistas
a necessidade de atentarem a eventuais problemas nos
pontos que se enumeraram: via aérea, ventilação,
circulação, disfunção, exposição, problemas com
fármacos, problemas com equipamento.
Apesar do anteriormente referido relativamente ao essencial
dos eventos críticos, parece ser prudente adicionar uma
preocupação acrescida a determinados tipos de doentes.
Do ponto de vista de impacto psicológico sobre o
profissional, apesar do discutível e arbitrário que tem este
conceito (uma vez que todos os doentes são importantes),
a ocorrência de eventos críticos é mais difícil de gerir em
doentes que expectavelmente não deveriam ocorrer; ou
seja, o doente ASA 1, não deverá ter complicações, sendo
que se estas ocorrerem, terão claramente um impacto
quantitativamente mais manifesto, que por si só poderá
agravar o próprio evento. A título de exemplo poderia
colocar-se a seguinte pergunta: Será que vou conseguir
tratar um broncospamo com hipoxémia grave, de forma
tão efectiva e expedita num doente saudável sem qualquer
patologia prévia que está a ser intervencionado a uma
situação cirurgicamente simples, quando comparada com
um evento idêntico num doente com patologia respiratória
conhecida a ser intervencionado a uma patologia
especialmente complicada ou grave? Parece ser
exactamente a aproximação destas práticas que materializa
o que se denomina como cultura de segurança; ou seja,
apesar de em ambos os doentes os meios necessários
à intervenção deverem estar ampla e consistentemente
preparados, o pensamento de que o improvável poderá
sempre acontecer, deve estar presente na mente do
Anestesiologista. Não se trata de não dar um passo com
receio constante do improvável, trata-se apenas acautelar
o espírito para que as surpresas não nos surpreendam.
A formação pós-graduada constitui-se como um período
em que o médico adquire competências, modifica
comportamentos e acima de tudo interioriza uma cultura
inerente à sua especialidade. Para este percurso concorrem
diversos tipos de ensino; em concreto, o médico aprende
muito observando os colegas mais diferenciados, e, por
imitação, replica práticas que vê executadas por outros.
Nas últimas décadas têm crescido os modelos de
aprendizagem que se socorrem da simulação para atingir
os vários objectivos de aprendizagem. Como exemplo
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Segurança, Eventos Críticos e Liderança em Anestesiologia
poderíamos lembrar os cursos de suporte avançado de
vida, de trauma, entre outros. A utilização de manequins
cada vez mais sofisticados e com capacidade para cada
vez mais mimetizar situações reais permite, por um lado,
o treino em situações críticas muito próximas do real,
aliando-o à importância da necessidade de liderança,
dinâmica de equipa e comunicação nestas situações. Por
outro lado, estamos a treinar actuações em situações não
reais, portanto sem causar dano a doentes. De resto, uma
das características mais importantes da aprendizagem
dos adultos é o facto de estes aprenderem e apreenderem
primordialmente aquilo que lhes interessa, ou seja aquilo
que sabem vir a ser-lhes útil.
A simulação de eventos críticos, com características
claramente de emergência médica, incorpora também
um outro factor manifestamente importante para o
Anestesiologista; ou seja, ensina também a gerir a potencial
incapacidade de não conseguir manter a calma, num
evento crítico, com o subsequente desfecho negativo,
neste caso a morte do doente. É claramente mais difícil
coordenar uma equipa de ressuscitação, se em nenhum
momento anterior ao caso real, este papel não foi
cabalmente treinado, desempenhado e ensinado. A gestão
pessoal do stress em caso de ocorrência de um evento
crítico deve ser obrigatoriamente treinada, a formação
dos médicos Anestesiologistas deve incluir formalmente
este ponto. Existe evidência, em vários países europeus,
de que em alguns hospitais, mesmo os Anestesiologistas
mais experientes são consistentemente expostos a
formação que inclui esta vertente. Não deve existir a
tentação de enveredar pelo juízo de valor, perante uma
eventual obrigatoriedade de atender, com uma certa
periodicidade, a uma qualquer acção de
formação/actualização de gestão de eventos críticos; ou
seja, existem claras vantagens em dotar o capital humano
de um determinado serviço ou departamento de
capacidades e atitudes que vão no sentido da excelência
na resolução e abordagem de eventos críticos. Um dos
exemplos que é largamente aceite na Anestesiologia
prende-se com a gestão da via aérea; ou seja, se forem
atendidos os números existentes sobre a causa mais
frequente de mortalidade de causa anestésica (deficiente
gestão global da via aérea), rapidamente se conclui que
é particularmente vantajoso que a maioria ou totalidade
dos Anestesiologistas de um serviço ou departamento
tenham formação, experiência e proficiência com as várias
técnicas actualmente existentes e uma cultura de
abordagem do problema actualizada e segura.
A Anestesiologia, como Especialidade especialmente
abrangente, tanto clínica como de intervenção,
consubstancia o treino para a liderança de equipas
médicas. Este conceito é tanto mais importante quanto
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Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
mais críticos forem os eventos. Em situações de
emergência não existe margem de manobra, nem tempo,
para idealizar uma actuação; as acções devem estar
treinadas e interiorizadas, especialmente as acções de
liderança que devem ser observadas pelo Anestesiologista,
no pleno da sua actividade clínica.
Consensualmente considera-se que um líder é uma pessoa
que tem a preocupação de manter a atenção no resultado
final de uma determinada acção. Tenta reunir os esforços
do grupo para que o desfecho cumpra determinados
objectivos, muitas vezes os objectivos a que se
propuseram. Acresce que na maioria das vezes, o
verdadeiro líder tem a capacidade de antever ocorrências
que o grupo não vislumbra; é uma certa capacidade de
observação de um ângulo mais abrangente, que lhe
possibilita ver mais e ver mais além. O grupo respeita
tanto mais o líder quanto mais este conseguir transmitir
estes conceitos e aptidões. A liderança é uma relação
entre líder e liderados, pelo que existem “papeis” a
desempenhar, com especial importância para aquele que
pugna para que a soma das partes seja superior ao seu
valor individual.
Numa equipa de profissionais de saúde, cuja acção se
destina a um determinado doente/resultado, e que tal
passa por uma intervenção potencialmente adversa,
parece ser claro que deverá haver uma consciência, uma
liderança, alguém com a capacidade de prever um eventual
evento crítico que poderá desembocar num desfecho
adverso. Nas especialidades que habitualmente intervêm
considera-se que a Anestesiologia é a que está melhor
posicionada para assumir esta função. A formação, a
maturidade clínica, a abrangência dos conhecimentos,
das atitudes e dos comportamentos, são dos principais
factores que consubstanciam esta liderança clínica.
O grande objectivo do treino do Anestesiologista é a
integração global dos conhecimentos e actuações perante
situações especialmente adversas, tentado antever e
evitar o erro potencial que poderá sempre surgir; a cultura
de segurança que, de forma inerente, se treina ao longo
do internato constitui uma enorme mais-valia para o
doente, existindo plena consciência do valor que se
acrescenta, ao desfecho de um eventual evento crítico
que possa ocorrer.
Dezembro 2009
UM OLHAR SOBRE A SIMULAÇÃO BIOMÉDICA
*
Jorge, João Huet Viana*
Engenheiro químico (FEUP) Doutor em Psicologia (FPCEUP), membro do CPUP (Centro de Psicologia da UP)
Nascimento na Anestesiologia
A visão que se apresenta é centrada na simulação
dinâmica, geralmente considerada a mais significativa
dos pontos de vista didáctico e cognitivo, entendida como
a representação de um sistema que evolui por si próprio
mas também em função das acções do operador que
sobre ele actua.
Um antecessor precoce (quintain ou quintaine
provavelmente com origem no quintana latino) destes
dispositivos foi usado pelos romanos para treino de guerra:
era um alvo rotativo que quando golpeado erradamente
ou em desacordo com as indicações do instrutor, pela
lança do guerreiro, devolvia a este uma pancada no dorso
(Petit Larousse, 1926).
Foi na aviação (civil e de guerra) que apareceram os
primeiros simuladores (de voo) incluindo essa
funcionalidade dinâmica, no decurso da segunda década
do séc. XX.
No que à Medicina se refere a simulação dinâmica nasceu
na Anestesiologia em 1967, em Los Angeles. O primeiro
simulador médico, (SIM 1) foi desenvolvido e apresentado,
pelos seus criadores (Judson Denson e Stephen
Abrahanson), como auxiliar na aprendizagem na indução
da anestesia e entubação, provavelmente por prevalecer
na altura a convicção de que os incidentes tendiam a
1
ocorrer naquele início. Consistia em um manequim,
construído com tecnologia de ponta para a época e incluia
uma via aérea, a parte superior do torax e braços.
Suportava injecções intravenosas, permitia a medição da
pressão arterial, a auscultação de batimentos e sons
cardíacos, pulso carotídeo e temporal; exibia movimentos
respiratórios, abria e fechava a boca, piscava os olhos,
“respondia” a quatro drogas endovenosas e a dois gases
(O2 e N2O) administrados por entubação ou máscara.
Comandava o manequim um computador de enormes
dimensões, e, como o manequim, de tão elevado custo
que esse conjunto de características limitou fortemente
o seu uso, impediu a difusão e posteriores
2
desenvolvimentos.
Em 1968, na Florida (Miami), foi desenvolvido um simulador
(“Harvey”), destinado à cardiologia com inovações cruciais
para o desenvolvimento posterior desse tipo de
simuladores, pôde ser comercializado e difundido e
despoletou a publicação de trabalhos de investigação
sobre a simulação dinâmica no domínio dos cuidados de
saúde.
Evolução
Na década de 40 do séc. XX as mortes atribuídas ao acto
anestésico cifravam-se, nos EUA, em 1 para 2500
1
operações tendo descido e estabilizado na década de
60 em 1 ou 2 para cada 10000 operações. Estes dados
não impediram um forte incremento dos custos dos
seguros dos anestesistas nem a percepção, por eminentes
e dedicados especialistas, de se estar perante números
injustificadamente elevados. Em virtude dessas
constatações a unidade de bioengenharia do
Massachussets General Hospital contratou em 1972 um
então jovem engenheiro químico (Jeffrey Cooper, hoje
professor de Anestesiologia) com o propósito de criar
máquinas destinadas aos investigadores daquela
especialidade. O trabalho de Cooper, baseado numa
técnica usada na aviação desde os anos 50 e designada
de “análise de incidentes críticos” foi o primeiro olhar
3
aprofundado e científico para o erro em Medicina.
Concluiu, entre outras coisas, que a tendência ao
aparecimento de incidentes anestésicos graves se
acentuava durante a manutenção da anestesia quando
a vigilância tendia a desvanecer-se e que a principal
estratégia para a detecção e protecção de incidentes
consistia na melhor formação complementar dos
anestesistas, o que o levou a procurar dispositivos que
aperfeiçoassem essa formação.
Com o ambiente assim criado e o seu próprio interesse
no desenvolvimento da performance humana, em especial
na “pesquisa sobre a cognição clínica em domínios
dinâmicos” , como é o caso do acto anestésico, Gaba,
professor de Anestesiologia em Stanford, criou em 1986
o primeiro simulador com manequim de alta-fidelidade
que pôde ser difundido. As características físicas do
manequim (Compreensive Anesthesia Simulation
Environnment - CASE) representando um humano em
tamanho natural, incluíam as do SIM 1 e apresentavam
outras novas como anatomia da via aérea podendo simular
vários graus de dificuldade na entubação, pulmões que
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Jorge et al.
imitavam o comportamento na ventilação espontânea e
controlada, olhos a abrir e fechar, movimentos do polegar
tal como usados na monitorização do bloqueio neuro4
muscular durante a anestesia…
Os modelos fisiológicos, entretanto estabelecidos por
Howard Schwid na Universidade da Califórnia - San Diego,
foram introduzidos também em modelos e numa simulação
correndo apenas em ecrã de computador (screen-based),
o Anesthesia Simulator Consultant - ASC - posteriormente
Anesthesia Simulator. Incluíam esses modelos (fisiológicos)
as funções respiratória e cardiovascular, o equilíbrio
ácido/base e a farmacocinética e farmacodinâmica em
diversos estados patológicos.
A utilidade do modelo de simulador de Gaba (e o mérito
do autor) não residiu apenas nas características técnicas
do simulador criado. Baseado nas suas pesquisas em
3
simulador e no real, Gaba estabeleceu um modelo dos
processos cognitivos e das suas ligações, desenvolvido
a partir dos níveis de desempenho SRK (skills, rules,
knowledge) de Rasmussen. Posteriormente, reconhecendo
que, como na aviação, incidentes fatais ocorriam mesmo
com especialistas que dominavam os conhecimentos
adequados para os evitar ou reverter, residindo a falha no
sistema ou na dinâmica de grupo, adaptou o método de
treino em simulador “Crew Resource Management” da
aviação, aos cuidados de saúde, com o nome de “Crisis
Resource Management” - CRM, actualmente em uso em
diversos domínios da medicina e centros de simulação
biomédica; e prosseguiu com o estudo da melhor forma
de explorar o instrumento que criara, incluindo o debriefing
actualmente aceite como uma fase das sessões de
simulação mais produtiva, em termos de aprendizagens,
do que a condução das operações simuladas. Pouco
depois do simulador de Gaba, Michael Good e Joachim
Gravenstein da Universidade da Florida criaram o Gainsville
Anesthesia Simulator (GAS) que veio a originar o bem
conhecido HPS (Human Patient Simulator) da METI Inc.
A partir da invenção ou reinvenção de Gaba, o número
de centros de simulação usando simuladores de alto nível
disparou: contavam-se 9 em 1994, 122 em 1998, 507 em
2005 dos quais 356 nos EUA. Na página do Bristol Medical
Simulation Center podiam contar-se em 2008, 107 na
Europa, 82 criados depois de 2000 e verificar que não há
continentes sem centros de simulação.
É a um cirurgião, já nomeado (Atul Gawande), que se
deve muito do que fica dito no que se considera a mais
impressiva e até comovente descrição do pioneirismo e
liderança dos anestesiologistas na reversão de incidentes
críticos, no estudo do erro médico na perspectiva da sua
prevenção, na criação, desenvolvimento e exploração da
simulação dinâmica com vista a potenciar a formação
individual e colectiva, de modo a reduzir incidentes e ou
1,5
revertê-los.
Em Portugal
Tanto quanto foi possível saber o aparecimento da
simulação dinâmica, quer manequin-based quer screenbased, no país, ocorreu em 1999, via apresentação verbal
ao Serviço de Anestesiologia do H. S. João, do manequim
de alta-fidelidade da METI Inc. por Willem Van Meurs e
da aquisição que fizemos do Anesthesia Simulator version
3.0 que proporcionou que dois internos e dois especialistas
se dispusessem a conduzir, com esse software, anestesias
simuladas.
Até ao início da actividade do Centro de Simulação dos
HUC, se exceptuarmos a ligada à obstetrícia, na qual se
centra muito o CSB da FMUP, as iniciativas envolvendo
a simulação dinâmica mereceram dos anestesistas uma
adesão muito limitada e podem ser assim sumariadas:
Data
Entidade promotora / Local
Actividade
2002 - Fevereiro
H. São Marcos (Braga)
Simulação screen-based para anestesia
2002 - Novembro
FMUP
Seminário “Ensino-Treino-Aprendizagem de Gestos Clínicos dos
fundamentos aos simuladores”
FEUP
Workshop “Mathematical and Mental Models of Human Physiology and
the future of medical educational simulation
2003 - Dezembro
FMUP
Fundado o CSB da FMUP
2004 - Março
Revista CAR, nº 35
Autora - Marta Guinot
6
“Papel dos Simuladores em Anestesia”
2006 - Junho
Porto - CSB da FMUP e INEB da FEUP
XII Encontro Anual da SESAM (Sociedade Europeia de Simulação
2007 - Outubro
Coimbra
X Congresso Nacional de Educação Médica
2008 - Novembro
CSB de Coimbra
“Curso Zero ACRM”
Aplicada à Medicina)
10
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
Um Olhar Sobre a Simulação Biomédica
O Centro de Simulação Biomédica de Coimbra iniciou, a
22 de Novembro de 2008, a actividade, com uma antestreia
designada “Curso Zero ACRM”. Ficou nessa altura patente
que o panorama nacional da simulação biomédica tinha
mudado com um salto de (mais de) 20 anos para a plena
modernidade. Instalações, equipamentos directos e
indirectamente ligados à simulação dinâmica, recursos
técnicos e humanos, indiciavam um projecto de dimensão
única no país, bem estruturado e cuidadosamente seguido
na sua implementação; o funcionamento do curso não
fez mais do que enraizar essa visão, e a abertura e início
oficiais da actividade, logo a seguir, a 9 de Dezembro,
tornou-a ainda mais nítida. No decurso de 2009 o Centro
de Simulação de Coimbra prosseguiu a actividade com
a realização de diversos cursos - (ACRM, Emergências
obstétricas, VAD, Doente respiratório crítico, Cursos de
Instrutores - EUSIM)) - enquanto no H. Pedro Hispano se
realizava, em Junho, a 1ª Conferência Nacional sobre
Simulação Biomédica que incluiu uma palestra sobre
simulação screen-based - revalorização e papel específico
e complementar desses simuladores - e Departamentos
de Hospitais do Porto incluíam no Congresso “O Norte
da Anestesia” um workshop também sobre esse tipo de
simulação em que uma dezena de internos de anestesia
conduziram casos clínicos simulados em ecrã de
computador.
na procura desse consenso o CSB de Coimbra se
empenhar com boa parte das suas capacidades. Seria
bom que as instituições militares que projectam ou
desenvolvem actividade ligada à simulação dinâmica
biomédica pudessem integrar esse objectivo que se
considera de interesse nacional.
Os passos dados nesse sentido aceleram o avanço da
anestesia portuguesa para um novo período da sua
história, que se desenha demarcado pela adopção, estudo
e desenvolvimento da simulação dinâmica com vista à
formação dos seus profissionais e dos de áreas afins, à
prevenção do erro e à salvaguarda do doente crítico,
ganhando a especialidade um novo relevo na história
mais geral da medicina e cuidados de saúde.
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No fim do ano, em Novembro, o CSB de Coimbra reforçou
as suas relações e importância internacionais ao organizar
e acolher o “1st European-Latin American Meeting on
Healthcare Simulation and Patient Safety” que contou
com a participação das organizações transnacionais
SESAM, ALASIC e SSH.
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Um Olhar para a Frente
À visão menos de relance do que pode supor-se a partir
do que sucintamente se expos parece, agora olhando em
frente, natural o surgir de anseios de reproduzir noutros
pontos do país um projecto similar ao do CSB de Coimbra
mas essa mesma visão não o vislumbra nem possível
nem necessário nem mesmo, quando possível, vantajoso.
A capitalidade Coimbrã implica porém, e tanto mais
quanto mais acentuada for, um dever acrescentado, com
contradições difíceis (mas não impossíveis) de superar:
o de potenciar no território nacional as acções alheias,
pessoais ou institucionais, em prol da simulação dinâmica,
mas tentando evitar ao mesmo tempo que recursos
materiais e humanos sejam desperdiçados por socialmente
inúteis. Que isso implique a criação de uma nova entidade,
a integração noutra já existente ainda que com redefinição
de objectivos, que a capitalidade Coimbrã se acentue ou
se dilua pelo estabelecimento de parcerias, parecem
questões que só podem resolver-se por consenso e se
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
11
A SIMULAÇÃO MÉDICA COMO INSTRUMENTO DE ENSINO
Matos, Francisco Maio; Martins, António Augusto; Martins, Mafalda
Segurança em Anestesiologia
A Anestesiologia tem liderado a procura de novas soluções
que permitam elevar a segurança do doente e a qualidade
nos serviços de saúde. Como resultado desse esforço,
e considerando apenas as mortes relacionadas com o
acto anestésico, a Comissão de Qualidade nos Cuidados
de Saúde dos EUA estima uma redução nesta mortalidade
1
de 2/100.000 em 1980 para 1/200.000-300.000 em 2002.
Apesar desta evolução, a frequência de acidentes evitáveis
associados a lesão grave ou mortal do paciente permanece
2,3
elevada, - 29 mortes associadas ao acto anestésico no
4
Reino Unido entre 1996 e 2004. A maioria destes acidentes
não estão relacionados com a experiência ou
conhecimento pessoais, nem são evitados unicamente
pelo esforço individual. São necessárias alterações
sistemáticas que evitem o erro médico, minimizando a
frequência do evento adverso e da gravidade da sua
5
ocorrência. Simultaneamente a este esforço de
implementação de barreiras defensivas e correcção de
6
deficiências de sistemas, torna-se pertinente uma mudança
no ensino da Anestesiologia em Portugal, que possibilite
uma resposta mais preparada e atenta a eventos críticos.
Objectivos da educação médica
Tradicionalmente, o ensino de ciências da saúde destaca
o desempenho individual. No entanto, perante situações
clínicas críticas, o trabalho de equipa é um factor central
7
no sucesso terapêutico.
Em 2003, o Conselho de Acreditação para Ensino Médico
Graduado dos EUA (ACGME), definiu que a competência
médica deve ser avaliada segundo 6 domínios: cuidados
clínicos, conhecimento médico, conceitos práticos,
capacidade comunicativa e de relacionamento interpessoal,
8
profissionalismo e integração no sistema de saúde. Estes
componentes estão compreendidos nos objectivos gerais
da educação médica: aquisição de conhecimento teórico
com evidência científica e de competências técnicas
9
(realização de procedimentos) e comportamentais. Todavia,
o número crescente de internos, a redução de horas de
trabalho semanais e o aumento do volume de trabalho
dos formadores, poderão ter uma repercussão negativa
10
no ganho experiencial adquirido.
No contexto da Anestesiologia, em que a equipa médico-
12
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
cirúrgica é composta por elementos com instrução,
experiência e competências díspares que trabalham em
ambiente com elevada complexidade tecnológica, em
11
muitos casos sem conhecimento mútuo prévio, o trabalho
em equipa adquire particular importância. Neste sentido,
em áreas em que o tratamento médico requer coordenação
e cooperação entre múltiplos elementos, a integração
curricular do treino de equipa é fundamental.
A simulação médica como instrumento
de ensino
A simulação médica - definida como a representação de
situações clínicas com o objectivo de melhorar, testar ou
12
avaliar o conhecimento dos sistemas e acções humanas
- resulta de uma tendência para a educação médica por
aprendizagem interactiva.
O desenvolvimento da simulação médica - com novos
13
modelos educacionais (Figura 1) e a melhoria progressiva
dos simuladores utilizados - possibilita o treino da
componente teórica, técnica e comportamental
(capacidade de avaliação clínica, liderança, decisão e
14
comunicação) sem colocar em risco o paciente.
Simulação em realidade virtual
• Recria tridimensionalmente o ambiente clínico.
Simulação com manequins de alta-fidelidade
• Treino de equipa com recurso a modelos robotizados de tamanho real
que recriam as respostas fisiológicas e patológicas à monitorização,
procedimentos técnicos e administração de terapêutica;
• A simulação in-situ transporta a simulação com manequins de altafidelidade para a realidade clínica, sendo determinante na detecção de
lacunas estruturais.13
Simulação de procedimentos
• Recorre a modelos de regiões anatómicas desenhados para a realização
de gestos técnicos específico (como a cateterização venosa central).
Microsimulação ( simulação screen-based )
• Utiliza uma interface (computador) para interagir com ambiente virtual.
Figura 1. Modalidades de simulação.
Validação da Simulação Médica
Por associar a vertente emotiva ao processo de retenção
cognitiva, a simulação médica possibilita uma melhoria
na curva de aprendizagem com aumento do período de
15
retenção dos objectivos pedagógicos propostos.
A Simulação Médica como Instrumento de Ensino
O treino com simulação é superior aos métodos de treino
tradicionais porque:
- Aumenta a segurança do ensino de procedimentos
potencialmente lesivos;
- Possibilita o treino de equipa e a prática repetida de
situações de elevado risco e baixa incidência;
16
- Permite adaptar o treino ao plano formativo.
Existe evidência que este treino melhora o desempenho
pessoal e de equipa em simuladores, mas poucos estudos
demonstraram métodos eficazes para aferir a sua validação
17
clínica.
Em 2005, Barry Issenberg conclui que a simulação é um
recurso importante da formação médica por complementar
os métodos de ensino tradicionais. Nesta revisão
sistemática, 47% dos trabalhos demonstraram existir
repercussão cognitiva nos participantes e 3% tradução
8
na prática clínica.
Americana de Anestesistas (ASA) está a desenvolver
programas de creditação com simulação, de forma a
assegurar que os anestesistas e os seus pacientes
beneficiam de treino experiencial e inovador que permita
20
elevar os cuidados e aumentar a segurança.
Parece-nos também indispensável iniciar em Portugal, a
exemplo de diversos países europeus14, a integração do
treino com simulação no programa de internato
complementar de Anestesiologia (Portaria nº616/96 de
30 de Outubro) e na actualização periódica para
especialistas. Neste sentido, sugerimos as orientações
gerais de um plano educacional adicional ao programa
referido, que acompanha os quatro anos formativos,
complementando as suas exigências curriculares - Tabela
1.
Ano do internato
Técnicas básicas em Anestesiologia
1º Ano
Abordagem da via aérea
Suporte Avançado de Vida
Em revisão sistemática de 2006, William McGaghie
evidencia de forma clara que a prática repetitiva com
simulação está associada a melhoria do desempenho
dos participantes. Esta associação assemelha-se a uma
18
relação dose-resposta - mais prática, melhores resultados.
Esta evidência é constante para todas as fases formativas
(estudantes, internos, especialistas) e áreas médicas
associadas a eventos críticos (Anestesiologia, Medicina
de Emergência, Medicina Intensiva, Obstetrícia, Pediatria
e Cirurgia).
A melhoria da prática clínica após treino com simulação
é também verificada por Diane Wayne (2007). Neste
trabalho, o treino com simulação melhorou
significativamente o desempenho no decorrer de situações
críticas. Após a formação, o desempenho melhorou 38%
em relação ao grupo controlo, com maior tempo de
retenção. A participação em casos simulados com
recriação do ambiente clínico provou ser um complemento
importante à formação tradicional e experiência clínica,
19
no ensino médico pré e pós-graduado.
Módulos de treino com simulação
Via Aérea Difícil
2º Ano
Técnicas loco-regionais
Anestesia pediátrica
Suporte avançado de vida pediátrico
Anestesiologia obstétrica
3º Ano*
Cuidados Intensivos
Suporte avançado de vida em trauma
4º Ano*
Emergências em Anestesiologia
Gestão de eventos críticos
* Nestes anos, os módulos podem ser clendarizados de acordo com os interesses
curriculares.
Tabela 1.
No que respeita à educação médica após o internato, o
plano que propomos pretende afirmar o papel do
anestesiologista como especialista de medicina peri21
-operatória pela consistência do seu desempenho clínico
no decorrer de eventos críticos - Tabela 2.
Módulos de actualização periódica para especialistas
Via Aérea Difícil
Em 2006, Tim Draycott demonstra que a introdução de
um programa de treino com simulação (regular e
obrigatório) de toda a equipa médica em emergências
obstétricas, está associado uma redução significativa do
número de recém-nascidos com índice de Apgar d 6 aos
5 minutos. Este é o primeiro trabalho que relaciona uma
intervenção educacional com a melhoria significativa da
19
evolução clínica dos pacientes.
Integração do treino com simulação no
ensino da Anestesiologia
Suporte avançado de vida
Emergências em anestesia
Gestão de eventos críticos
Questões éticas e médico-legais
Tabela 2.
No seguimento desta estratégia, a importância da
simulação deve ser enquadrada num plano pedagógico
global que possibilite uma evolução consistente dos
cuidados prestados pela melhoria do desempenho
individual e da equipa.
Apesar da dificuldade em comprovar a eficácia
comparativa deste instrumento de ensino, a Sociedade
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
13
Matos et al.
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Version 14.01.2010
INTEGRATION OF SIMULATION BASED-TRAINING IN
COMPULSORY SPECIALIST PROGRAMS FOR PHYSICIANS
- THE DANISH EXPERIENCE
Østergaard, Doris; Lippert, Anne; Dieckmann, Peter
The Danish Institute for Medical Simulation, Herlev Hospital, Capital Region of Denmark and University of Copenhagen.
Background
The development
In post graduate education the teaching and learning
focus has primarily been on medical expert knowledge
and skills. Recognising that competent treatment of
patients involves more than knowledge, internationally,
several countries have now adapted new models to
describe the role of physicians and learning objectives
within other areas. An analysis of sentinel events indicates
that communication is a major root cause in more than
1
2
70% of the analysis. The Canadian Model consisting of
7 roles was introduced in Denmark in 2001 when a new
curriculum and in-training assessment was introduced
for all specialties. The 7 roles are the medical expert,
communicator, professional, scholar, manager, collaborator
and health advocate. Hence in medical education there
is a tendency to broaden our view of the necessary skills
needed to function as a health professional in the high
risk environment of a hospital.
Nationally, compulsory theoretical courses for all specialties
were introduced in specialist education of physicians in
Denmark in 1967. These courses were mainly based on
lectures and without any evaluation of the effect on
learning. The content of the courses varied and to some
extent depended on the lecturers´ special interest. The
existing programs consisted of up to 30 days over a 4
year period. In anaesthesia, a course in clinical decisionmaking was first introduced in 1999. The main training
method used in the course was full scale simulation, with
a manikin placed in different simulated clinical
environments, the OR, the intensive care ward and the
emergency room. The course was a tremendous success
based on evaluations from the course participants and
the educators references. Based on this experience a
national working group was established with reference to
the Danish Society for Anaesthesia and Intensive Care
Medicine. The working group consisted of simulation
enthusiasts, educators with content expertise and junior
physicians, who had participated in the program. The
purpose was to develop a new course program with focus
on the 7 CanMed roles, based on new knowledge on
7,8,9
learning and evaluation.
3
The IOM (Institute of Medicine) report pointed the focus
on patient safety in 1999. Following studies from all over
the world demonstrated that adverse events happened
to around 3% of all patients and that patients died as
result of human errors. In order to improve safety, domains
such as aviation have implemented strategies to change
working conditions and introduced human factors topics
in the education. One of these strategies is the
implementation of training of teams in crisis resource
4
management Gaba et al were the first to implement this
type of simulation-based training in anaesthesia under
5
the name of anaesthesia crisis resource management
Flin et al have developed a behavioural marker system
6
for what they call non-technical skills. The IOM report
recommends the integration of simulation-based training
in health care.
The overall aim of this paper is to describe the Danish
experiences with the implementation of simulation-based
training in the compulsory post graduate programs for
anaesthesiologists.
The existing courses
10
In a recent review, Issenberg et al. describe the most
important factor for effect of simulation - based training
to be feedback. The paper also stresses the importance
of implementation of training into existing programs and
curricula. Educators using simulation need to change their
role from that of a teacher to that of a facilitator. Many
new facilitators were recruited and trained in establishing
a safe learning environment and to master the different
phases in simulation-based training described by
11
Dieckmann. Many papers describing how to run the
12,13,14,15
debriefing session have been published.
The courses are now based on interactive learning methods
including case-based discussions, skills training and
simulation-based training followed by debriefing. In those
CORRESPONDING AUTHOR
Doris Østergaard • The Danish Institute for Medical Simulation • Herlev Hospital • 2730 Herlev, Denmark • [email protected]
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
15
Østergaard et al.
sessions participants can reflect on the learning experience
from the simulation scenarios and discuss with team
members and the facilitator. To ensure optimal learning,
the physicians prepare themselves by reading papers,
solving cases or bringing interesting cases to the course.
An overview of the courses is seen in table 1. Skills training
or simulations are introduced in the courses, where this
seemed to be useful. The first course is a 3 day long
airway management course developed based on a needs
assessment.
Evaluation forms and oral evaluations are used in all the
courses. The evaluations show that the physicians are
very satisfied with the content of the courses and the
chosen methods. In the first phase, we decided not to
evaluate the effect on learning after the courses as intraining assessment in clinical practice using a log book
(port folio) had been introduced. Several studies describe
16,17,18,19
this development.
At present several pre- and post course initiatives are
being evaluated, such as theoretical tests, questionnaires
and objective structured clinical examinations (OSCE).
The positive experiences with the training program for
anaesthesiologists are being shared by other professions.
Currently, courses for anaesthesia nurses in their specialist
program are implemented in the eastern part of Denmark
and these courses are also compulsory. Also surgeons
and internal medicine physicians are pilot testing the use
of full scale simulation-based training in their programs.
continuously to improve the courses.
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The established national collaboration is essential to
continuously develop and refine the courses. Including
new tools such as e-learning before and after the courses
is necessary to make this type of training more effective
and to overcome the problem of providing the course at
the right time for the individual doctor. Timing of, for
instance, the paediatric anaesthesia course at the time,
when the doctor is actually working in the paediatric clinic
is impossible. Validated tools for assessing the effect on
learning need to be developed and implemented.
Structured educational programs for the facilitators are
needed and the link to the supervisors in the clinical
departments needs to be strengthened. One of the major
challenges is to continuously improve the courses
according to the needs of the patients and implement
new knowledge. Last but not least the biggest challenge
is yet to convince other specialties of the need to establish
inter-professional courses in order to train together, those
who work together.
10. Issenberg, S. B., McGaghie, W. C., Petrusa, E. R., Lee, G. D., &
In conclusion, simulation-based training has successfully
been implemented in existing programs for
anaesthesiologist in Denmark. This has been possible due
to a strong national collaboration and a vision of
of assessment in residency training. An assessment programme for
16
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
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Vleuten CPM. A feasibility study comparing checklists and global
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rating forms to assess resident performance in clinical skills. Medical
2003;47:1196-1203
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of a formal in-training assessment programme in anaesthesiology
of in-training assessment on clinical confidence in postgraduate
education. Medical Education 2004;38:1261-1269.
Name of the course
Length of the course
Educational methods
Introduction to the programme
1 Day
Mini lectures
Group discussions
Team building exercises
Dinner
Airway management
3 Days
Lectures
Case discussions
Educational videos
Skill stations
Full scale simulation and debriefing
OSCE stations
Intensive Care Medicine - module 1 - 2
2 Days
Skill stations
Case discussions
Simulation based training
Patient safety
1 Day
Mini lectures
Inter - professional communication
1 Day
Case discussions
Anaesthesia related patient communication
1 Day
Full scale simulation and debriefing
Educational videos
Simulated patients
Obstetric anaesthesia and the new born
2 Days
Mini lectures
Case discussions
Skill stations
Full scale simulation and debriefing
Pediatric anaesthesia
3 Days
Mini lectures
Case discussions
Full scale simulation and debriefing
Pharmacology
2 Days
Mini lectures
Acute pain
1 Day
Case discussions
Intensive Care Medicine - module 3
4 Days
Mini lectures
Advanced anaesthesia
2 Days
Mini lectures
Chronic pain
1 Day
Case discussions
Neuro anaesthesia, trauma and
3 Days
Mini lectures
Case discussions
prehospital care
Case discussions
Skills station
Clinical decision-making
3 Days
Mini lectures
Case discussions
Full scale simulation and debriefing
Tabela 1. The individual courses in the compulsory training programme for anaesthesiologists in Denmark.
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
17
ACRM - “ANESTHESIA CRISIS RESOURCE MANAGEMENT”
Pereira, Luciane; Carvalhas, Joana
Serviço de Anestesiologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra. Centro de Simulação Biomédica dos Hospitais da Universidade de Coimbra.
CRM - “Crew Resource Management”
O conceito de “cockpit resource management” (CRM)
teve início no complexo mundo da aviação comercial,
onde os pilotos são sujeitos a treinos em simulação desde
os anos 70. Estudos sistemáticos demonstraram que
grande parte dos acidentes aéreos era devido a erro
humano, nomeadamente a falhas na comunicação, troca
1
de informação e inexistência de planos de contingência.
A noção de que os factores humanos são determinantes
para um bom desempenho, fez com que o conceito fosse
transportado do cockpit para a tripulação da cabine e
torre de controlo, dando origem ao termo “crew resource
management”. Actualmente o treino de simulação da
tripulação incide sobre competências não técnicas, com
cenários que testam o trabalho de equipa, comunicação
e tomada de decisões. Com este tipo de prática, os
comportamentos podem ser aprendidos, treinados e
2
posteriormente analisados. A partir dos anos 90, a
administração da Federação Americana de Aviação
começou a exigir a integração regular do CRM nos treinos
de aviação, bem como nos processos de certificação dos
pilotos ao longo das suas carreiras.
A introdução do CRM nas actividades diárias da aviação
comercial surge como resposta a um problema
publicamente visível - a responsabilidade do erro humano
na origem de acidentes.
Evolução do conceito de CRM para
ACRM (Anesthesia Crisis Resource
Management)
O CRM foi introduzido nos sistemas de saúde por David
Gaba e colaboradores no final dos anos 80. Como
anestesista e seguidor dos programas espaciais e de
aviação, rapidamente reconheceu o paralelismo com os
acidentes ocorridos em anestesia. Nos dois casos, os
maus resultados eram devidos a deficiências não técnicas.
A noção de CRM é, deste modo, transportada para uma
área menos visível no domínio público, o bloco operatório.
Surge assim o conceito de segurança do doente e o
aparecimento de instituições como o Anesthesia Patinet
Safety Foundation nos EUA, o Australian Patient Safety
Foundation bem como o Australian Incident Monitoring
Study.
A anestesia, só por si, não oferece benefícios directos ao
doente, acrescentando apenas riscos. Esta aversão ao
risco tornou a Anestesiologia a área ideal para o surgimento
18
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
de estudos sobre erro humano e segurança do doente,
3,4
transformando-a num modelo para Medicina de hoje.
Na introdução do CRM ao exigente ambiente do bloco
operatório, integrando equipas multidisciplinares (anestesia,
cirurgia, enfermagem), o termo “crew” é substituído por
“crisis”. A aplicação desta filosofia baseia-se no treino
de princípios chave que foram adaptados às necessidades
dos clínicos e introduzidos como Anesthesia Crisis
5
Resource Management (ACRM) por Howard e col. Estes
princípios envolvem por um lado aspectos cognitivos e
de capacidade de decisão e por outro, aspectos
relacionados com o trabalho de equipa e com a gestão
de recursos.
Os princípios de CRM foram recentemente actualizados
sendo apresentados na tabela seguinte.
1. Conhecer o ambiente
9. Prevenir erros de fixação
2. Antecipar e planear
10. Verificar e confirmar
3. Pedir ajuda precoce
11. Usar apoios cognitivos
4. Liderança
12. Reavaliar continuamente
5. Distribuir tarefas
13. Bom trabalho de equipa
6. Mobilizar todos os recursos
14. Focar a atenção criteriosamente
7. Comunicar eficazmente
15. Estabelecer prioridades de forma
8. Utilizar toda a informação
dinâmica
(adaptado de Rall M. et al: Human performance and Patient Safety, in Miller7th
edition 2010)6
Treino de ACRM
Cada área profissional dentro dos cuidados de saúde é
formada por um grupo de indivíduos. Frequentemente
quando trabalham lado a lado, os grupos não formam
uma equipa. O treino de ACRM consiste em “treinar
7
grupos para constituírem equipas”. Este treino permite
integrar competências técnicas, cognitivas e
comportamentais, na resolução de eventos críticos, bem
como a avaliação inter-disciplinar sobre o mesmo evento.
A eficácia do treino é maior quando o grupo trabalha
regularmente em conjunto na sua actividade diária.
O ACRM tem sido formalmente adoptado como um ponto
central em várias instituições com carácter formativo, não
só nos primeiros anos da formação em Anestesiologia
bem como na formação pós-graduada. Actualmente nos
EUA existem diferentes taxas de seguros para profissionais
com e sem treino em simulação. Na Dinamarca, por
exemplo, existe um curriculum similar ao ACRM que é
ACRM - “Anesthesia Crisis Resource Management”
obrigatório para todos os anestesistas e enfermeiros de
anestesia que pretendam a certificação. Outras variantes
existem na Bélgica, e no Reino Unido.
O cerne do treino de ACRM consiste em cenários de
simulação que reproduzem, o mais real possível, o
ambiente peri-operatório, recriando situações críticas
com simuladores de alta-fidelidade. Deve também cumprir
8
os seguintes critérios :
• ênfase nos comportamentos/atitudes em ambiente de
crise, em vez de conhecimentos técnicos ou teóricos;
• a formação é baseada em simulações e sessões de
debriefing, que podem ser complementadas com
discussões didácticas;
• as simulações devem ser realistas e requerem interacção
entre os participantes;
• o debriefing deve ser feito por instrutores treinados;
• o treino requer um ratio formador/participante muito
elevado;
• a certificação em ACRM apenas por observação não é
possível. Deve requerer sempre participação activa nos
cenários e no debriefing.
O debriefing surge imediatamente a seguir a um cenário
de simulação. Trata-se de uma discussão estruturada,
onde todos os participantes descrevem a sua experiência,
explicando os seus pontos de vista sobre o caso clínico
vivenciado. Com ajuda do instrutor é criada uma atmosfera
de crítica construtiva, facultando respostas às questões
levantadas, com o máximo envolvimento possível de
todos os participantes. No caso do ACRM pretende-se
discutir quais os princípios que foram aplicados e os que
foram esquecidos. O debriefing, geralmente apontado
como o ponto alto do ACRM, é o momento em que se
faz a aprendizagem.
Actualmente o treino baseado em ACRM tem sido
introduzido em vários domínios para além da anestesiologia. Estas incluem: unidade de cuidados intensivos, sala
de emergência ou trauma, sala de partos, emergência
pré-hospitalar, para além de contextos mais diversos,
nomeadamente o militar.
Embora o treino intra e interdisciplinar em equipa tenha
benefícios óbvios, a sua implementação na área médica
não tem sido mais significativa, dado que, o investimento
económico no treino de equipas não tem um resultado
monetário facilmente mensurável. Por outro lado o treino
de equipas interdisciplinares torna-se um grande desafio,
devido às barreiras tradicionalmente instaladas entre
9
especialidades.
Que futuro?
O Centro de Simulação Biomédica de Coimbra realizou
já vários cursos de ACRM para equipas multidisciplinares.
O curso desenvolve-se de maneira fiel às linhas
anteriormente aqui descritas. É curioso verificar o interesse
nesta área não só de jovens internos, como de
especialistas com reconhecimento à longa data pelos
seus pares.
A avaliação final dos cursos, feita pelos formandos, foca
sempre a vontade de realizar um maior número de cenários
de simulação, pois o treino de situações críticas é uma
necessidade muito presente no âmbito da Anestesiologia.
Por outro lado os participantes percebem que a Simulação
oferece a possibilidade de treinar as competências nãotécnicas, o que não é possível em nenhum outro contexto
ao longo da sua formação.
Desde longa data os profissionais reconhecem que as
lacunas no trabalho de equipa são responsáveis por mau
desempenho. No entanto, as organizações de saúde
continuam a não apostar na formação neste domínio,
provavelmente porque o investimento financeiro não tem
retorno imediato.
É nossa convicção que o treino de ACRM deveria, num
futuro próximo, fazer parte da formação dos profissionais
de saúde, o que contribuiria, também, para promover a
mudança (tão urgente) da “Cultura de Segurança”.
As potencialidades da simulação como ferramenta para
promover a “Segurança do Doente” são tão evidentes
que a comunidade científica não deve ficar à espera de
provas inequívocas dos seus benefícios.
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Acute Care Settings.
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
19
PODEMOS TREINAR CATÁSTROFES BIOLÓGICAS, QUÍMICAS
E RADIOLÓGICAS COM SIMULAÇÃO?
Garcia, Ângela; Seco, Carlos
Até recentemente, a utilização de armas químicas ou
biológicas pelos países, inclusivé nações sob o comando
de ditadores e regimes totalitaristas, estava proibída.
Contudo, acontecimentos recentes aumentaram, de forma
significativa, a nossa preocupação acerca da utilização
de armas de destruição maciça (ADM) porque se verificou
que estas podem ser facilmente usadas por fanáticos e
grupos terroristas.
O conhecimento individual bem como as capacidades de
uma equipa necessárias a uma resposta com sucesso a
uma situação de desastre são passíveis de aprendizagem,
mas ambas tendem a “desaparecer” na ausência de
utilização. Simulações específicas podem ser construídas
e ministradas para ir ao encontro de necessidades únicas
dos diferentes tipos de elementos que respondem a um
biodesastre.
Decorre, assim, a necessidade de adaptar a respectiva
formação curricular e a formação contínua em
biodesastres, o que tem sido sustentado por pareceres
de entidades várias (ex. JCHAO; 2008 Academic
Emergency Medicine Consensus Conference on the
Science of Simulation).
Na última década, e face aos progressos tecnológicos e
informáticos, a simulação médica evidenciou um
crescimento, aplicação e validação inquestionáveis.
Os tipos de simulação e simuladores, com as respectivas
características, permitem aplicações potenciais diversas
(ex., do treino básico individual e de equipa, competências
clínicas e de comunicação, treino de gestão de crise
("CRM"), intervenção em situações planeadas, novas ou
1
não-frequentes.
Assim, e no que respeita à Medicina de Catástrofe, a
simulação tem-se centrado em actividades práticas para
testar e treinar aspectos de organização, coordenação,
comunicação e cooperação. Proporciona um largo
espectro de interacções nomeadamente, vítima-médico,
interfaces de equipas multidisciplinares, interagências e
intersistemas.
Permite treinar os profissionais nos desempenhos
esperados perante um evento real, melhorar individualmente esse desempenho, reconhecer vulnerabilidades
ou déficits relativos a recursos, capacidades ou
comunicações.
Este envolvimento proporciona não só a melhoria dos
20
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
conhecimentos, mas também é de extrema utilidade para
o aprender a lidar com o caos e a frustração que muitas
vezes acompanham a situação de catástrofe. Na
actualidade, várias questões-chave se colocam neste
âmbito e das respectivas áreas de investigação podem
2
salientar-se para a MC : Como pode o treino em simulador
ser usado para identificar o risco de catástrofe e melhorar
a resposta à catástrofe? Como pode a simulação avaliar
e aumentar a capacidade de expansão do hospital? Que
métodos e resultados poderão ser usados para demonstrar
que a simulação de trabalho em equipa melhora a resposta
à catástrofe? Como pode o interface dos sistemas ser
simulado?
Recordar que, o envolvimento e actividades dos formandos
e profissionais na simulação completa a tradicional
abordagem baseada no conhecimento, e deverá ser
conforme o seu nível de formação e competências,
podendo ser optimizada pela aglutinação de diferentes
profissionais (médicos, enfermeiros, administrativos,
bombeiros, etc) permitindo o exercício do pensamento e
tomada de decisões críticas, bem como a vivência do
impacto que a decisão de um grupo tem nos outros.
Preparar um sistema de formação e treino em MC é
complicado pelo cenário, pelas condições físicas e pela
situação médica não-comum. A informação disponível é
muitas vezes limitada, oriunda de relatos na literatura
médica, obtida a partir de ataques terroristas ou de
conflitos/guerras ou de catástrofes naturais ou tecnológicas
prévios, ou de alguns estudos animais.
Os desafios principais são organizar a cena, orientar e
3
tratar as vítimas.
Os tipos de simulação em MC mais utilizados, até à data,
são exercícios à escala, funcional e tabletop.
A "simulação funcional" é mais económica e permite mais
economia de tempo. Esta forma de simulação envolve de
modo interactivo aspectos logísticos e de coordenação
e o pessoal das operações, sem recurso a equipamento,
viaturas ou vítimas. Aos formandos vão sendo reveladas
mensagens de acordo com um guião (tal como poderá
suceder num evento real), solicitando-se a tomada de
decisões, respostas e actuação.
Assim, poderão perceber e treinar onde e quando e porque
é importante o seu papel, bem como conhecer o que se
espera dos outros intervenientes. Como ex. simular a
Podemos Treinar Catástrofes Biológicas, Químicas e Radiológicas com Simulação?
evacuação dos doentes de um sector hospitalar.
Os “tabletop exercises” têm vindo a ser utilizados com
cada vez mais frequência. Estes, dão enfase aos aspectos
cognitivos da preparação. O formato típico envolve um
número limitado de participantes que, liderados por um
facilitador ou moderador, são confrontados com cenários,
e individual ou colectivamente, respondem a questões e
desenvolvem estratégias de reacção. Os “tabletop
exercises” são particularmente úteis no planeamento em
bioterrorismo porque a realidade dos nossos hospitais,
muitas vezes trabalhando no limite das suas capacidades,
obriga a estratégias e actividades educacionais facilmente
acessíveis, ”standardizadas” e validadas. A organização
dos exercícios deverá ser com uma complexidade
crescente, dos tabletop aos exercícios em larga escala.
A simulação em MC com recurso a "Simuladores de AltaFidelidade” (ex. Human Patient Simulator, SimMan, AirMan)
e "Tecnologias de Realidade Virtual" foi já adoptada em
vários centros de formação médica, permitindo aos
formandos gerir situações clínicas complexas e de alto
risco num contexto similar aos eventos reais, bem como
a prática de procedimentos clínicos.
Os "Simuladores de Alta-Fidelidade" apresentam um
acopolamento dinâmico de modelos cardiovasculares,
pulmonares, farmacológicos, e por vezes de interacção
verbal, conjuntamente com o manequim físico, permitindo
a caracterização completa de vítimas reais adultas e
pediátricas.
O uso de "Tecnologias de Realidade Virtual" (simulações
online baseadas em computadores; ambientes virtuais
tridimensionais 3D) permite a participação simultânea de
formandos a partir de localizações várias e/ou distantes
(desempenhando o respectivo papel de avatar). Neste
ambiente os manequins são substituídos por vítimas
virtuais modelados por computador, e os elementos de
cada equipa desempenham o seu papel a partir de
computadores individuais. Esta tecnologia tem como
suporte uma plataforma de sofwtare (ex. Olive®) na qual
é elaborada uma aplicação, e usa a Internet para
comunicação e interface, permitindo a simulação médica
com equipas virtuais.
Podem também ser utilizadas em conjunto com a
simuladores de alta-fidelidade (“cave automatic virtual
environment - CAVE® integarada com HPS®), gerando
uma ilusão de completa “imersão” num mundo
tridimensional elaborado por computador (i.e., “immersive
4
simulation”).
Para além do treino de situações de emergência, esta
metodologia de "mundo virtual" permite a formação e
treino de situações multivítimas e incidentes NRBQ no
5
pré-hospitalar e hospitalar. Como complemento dos
outros métodos, apresenta vantagens distintas de permitir
replicar espaços e recursos disponíveis, conceber uma
variedade de cenários e condições para simular vítimas
individuais ou multivítimas em situações complexas
(perigosas ou infrequentes), repetir cenários permitindo
aos formandos aprender com os seus erros, gravação do
desempenho durante a simulação e posterior apreciação,
e avaliação do desempenho da equipa.
O recurso a tais ferramentas permite que os profissionais
aumentem os seus conhecimentos, reforcem a sua autoconfiança, adoptem as atitudes necessárias e desenvolvam
as suas competências para estes acontecimentos de
elevado-impacto e de baixa-frequência. Os estudos
demonstram que se os profissionais não estão expostos
a eventos críticos de modo regular, o seu conhecimento
e competências na resposta declinam em 6-12 meses
6
após o treino inicial.
Na realidade, os benefícios de "praticar sem risco" tem
conduzido vários autores a considerar o treino com a
7,8
simulação médica um imperativo ético.
A preparação médica deve incluir conhecimento e treino
de todo o espectro de actuação médica, não se limitando
à triagem, logística e abordagem de primeira linha de
3
incidentes de massa.
No âmbito do ensino, acresce que a simulação também
pode recorrer aos "Pacientes-simulados normalizados"
(“Role-playing actors”; inseridos num conjunto de cenários
possíveis, e evidenciando ansiedade extrema, pânico,
falsa injecção de antídotos ou deâmbulando aleatóriamente
pelo cenário) e ser um meio para a Investigação e
Desenvolvimento (I&D).
Assim, na I&D a configuração de vários tipos de manequins
e simuladores para simular vítimas NRBQE, mediante
alterações de parâmetros fisiológicos (respiratórios,
cardiovasculares, neurológicos), ou do aparecimento de
sinais e/ou sintomas (fasciculações, tremores, convulsões,
secreções, vómito), só é possível num Centro de Simulação
dotado de simuladores de alta-fidelidade e/ou as
plataformas virtuais (e também de outro tipo de
simuladores).
Só a existência de um centro de simulação médica,
multimodal e multidisciplinar permitirá promover a
formação médica do tipo “hands-on”, avaliar o
desempenho, promover a segurança da vítima e os
cuidados com qualidade mediante a melhoria de
competências clínicas e de comunicação. Proporciona a
regular exposição pró-activa controlada dos formandos
a cenários complexos e não comuns.
O “evento/ataque químico” é a ocorrência médica que
pelas suas características o torna a escolha natural para
a formação médica baseada na simulação (vítimas nãofrequentes, apresentação clínica complexa e confusa,
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
21
Garcia et al.
3
incluído lesões de trauma e toxicológicas). Protocolos
terapêuticos, a evolução das vítimas, os procedimentos
com equipamento de protecção individual, a gestão e a
interacção dentro de cada equipa e entre equipas são
itens-chave da prestação de cuidados em tais cenários,
que apenas o treino baseado na simulação realística tem
9
demonstrado a sua eficácia.
Para além da avaliação formativa (“debriefing”; feedback
oral e/ou video-assistido), a simulação pode servir de
base para que a uma avaliação de “know-how” se junte
uma avaliação de “show-how”, conforme se considera
10
9
útil em Anestesiologia e em Medicina de Emergência.
A avaliação das competências dos profissionais de saúde
em ambiente de simulação poderão também fundamentar
decisões sobre políticas de formação e treino em MC, ao
ultrapassar algumas das dificuldades assinaladas.
Perante situações de crise e de tomada de decisão os
profissionais de saúde podem evidenciar uma capacidade
limitada de gerir a informação. A simulação médica perrmite
não só o estudo de factores humanos perante esses
eventos, bem como treino e suporte em novas ferramentas
12
(ex. ajudas cognitivas e ajuda electrónica online) capazes
de trazer um grande contributo para a MC.
Embora toda a evidência disponível permita concluir que
a simulação médica pode melhorar o desempenho,
prossegue a investigação na obtenção de evidências de
que melhora a resposta, facilita a comunicação entre os
2
intervenientes e melhora o outcome dos doentes.
Assim, a simulação multi-modal poderá ser uma ferramenta
que melhor permite responder aos desafios da formação
e treino em MC face às ameaças nucleares, radiológicas,
biológicas e químicas.
Sabendo que estes métodos de formação e treino tem
13
um custo económico e de tempo, é de realçar que estas
metodologias, uma vez perspectivadas no tempo, devem
ser consideradas um investimento no ciclo da catástrofe/
situação de excepção visando diminuir o impacto sanitário,
social e económico dessas ocorrências.
Anestesiologia e MC
Nas situações de excepção e catástrofe o papel dos
Anestesiologistas é fundamental, atendendo à sua
formação académica relativa a fisiologia / fisiopatologia,
farmacologia e competências, pelo que também
conhecedores da abordagem das ocorrências NRBQ e
14
trauma. O seu contributo é vital, participando na triagem
(primária ou secudária, e reavaliação), na ressuscitação
inicial e a abordagem da via aérea, na descontaminação,
na terapêutica das vítimas no perioperatório (com lesões
decorrentes do incidente NRBQ ou combinadas), ou no
envolvimento nos cuidados intensivos.
22
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
É então, uma vertente onde a Anestesiologia tem de
apostar na formação e treino, para os quais a simulação
médica é uma metodologia ímpar, de futuro mas disponível
na actualidade.
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SIMULAÇÃO DE ALTA-FIDELIDADE PARA TREINO DE
EMERGÊNCIAS EM OBSTETRÍCIA
Carvalhas, Joana*º; Silva, Isabel Santos; Costa, Fernando Jorge**º
* Serviço de Anestesiologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra
** Serviço de Obstetrícia do Centro Hospitalar de Coimbra - Maternidade Bissaia Barreto
*** Serviço de Obstetrícia dos Hospitais da Universidade de Coimbra - Maternidade Daniel de Matos
º Centro de Simulação Biomédica dos Hospitais da Universidade de Coimbra
Em Obstetrícia, a multidisciplinaridade é constante e os
ambientes podem tornar-se altamente complexos e
exigentes. Frequentemente existem situações que evoluem
de forma grave e repentina pondo em risco a segurança
materno-fetal. Nestas circunstâncias, os comportamentos
individuais e colectivos tornam-se críticos podendo
determinar o outcome perinatal. Para além da preparação
teórica e da experiência clínica individuais, a gestão de
eventos críticos em Obstetrícia, requer aptidões não
clínicas. A capacidade de liderar, a eficácia da
comunicação, a prioritização das acções e das decisões
são competências que, entre outras, as equipas
multidisciplinares devem apresentar. Classicamente, não
se faz formação nestes domínios e os profissionais de
saúde apresentam lacunas no trabalho de equipa, que
têm sido apontadas como responsáveis por morbilidade
1,2
e mortalidade acrescidas.
O Centro de Simulação Biomédica dos Hospitais da
Universidade de Coimbra tem um interesse particular no
treino de gestão de eventos críticos em Obstetrícia,
dedicando especial atenção à preparação da formação
nesta área. Neste âmbito, realizaram-se dois tipos
diferentes de acções formativas.
Desenhámos um curso multidisciplinar designado
Emergências em Obstetrícia, tendo como objectivo o
treino de equipas de cuidados perinatais. Realizámos
dois cursos em 2009.
Em parceria com a empresa Crioestaminal, desenvolvemos
um Programa Nacional de Segurança Periparto, realizando
um curso de Gestão de eventos críticos em Obstetrícia.
Foram englobados neste programa mais de uma centena
de médicos especialistas e internos de Obstetrícia das
maternidades de todo o país. Devido à enorme adesão,
este projecto terá continuidade em 2010, estando já
agendados os próximos cursos.
Para ambas acções de formação identificámos e
seleccionámos situações clínicas de risco (já
tradicionalmente reconhecidas) tais como: distócia de
ombros, parto em pélvica, rotura uterina, pré-eclâmpsia
e eclâmpsia e tromboembolia pulmonar.
Arquitectando uma maternidade virtual com as respectivas
áreas (sala de partos, puerpério, bloco operatório etc.)
recriámos as referidas situações clínicas utilizando
simuladores de alta-fidelidade à escala humana, actores,
equipamento, fármacos e todos os recursos próprios de
cada local.
Os diferentes profissionais foram integrados nestes
ambientes de forma a estarem habilitados a actuarem da
mesma forma que a sua prática clínica real.
Todo o desenrolar do caso clínico é monitorizado e
controlado por dois instrutores - Anestesista e Obstetra,
que com apoio de vídeo orientam seguidamente uma
discussão estruturada (debriefing). Os instrutores são os
facilitadores do debriefing, pois nessa acção pretendese que todos os intervenientes, participem, analisando
as decisões e as actuações individuais e da equipa, de
uma forma construtiva e positiva. Considerada a fase
mais importante da experiência de simulação é, neste
momento, que ocorre a assimilação de conceitos visando
a melhoria efectiva da prática clínica diária.
Previamente e após o curso, os participantes recebem
bibliografia para a preparação e consolidação das matérias
abordadas.
Em cada acção de formação realizaram-se questionários
pré e pós curso com diferentes objectivos: caracterização
da amostra dos formandos; análise dos objectivos
pedagógicos, controlo de qualidade, entre outros.
Um dos itens dos questionários foi a análise da evolução
dos formandos acerca do nível de confiança individual
para a gestão de eventos críticos em Obstetrícia.
Analisando o pré e o pós-teste verificou-se um aumento
significativo do nível de confiança dos participantes.
Perante a pergunta «Como considera a sua experiência
em eventos críticos em Obstetrícia» e com base numa
escala de 1 a 10 os participantes evoluíram de 4,14 ±
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
23
Carvalhas et al.
2,12 no pré teste para 5,21 ± 2,26 no pós-teste (p = 0,01).
Estes e outros dados provenientes das respostas dos
inquéritos, reflectem claramente o reconhecimento, por
parte dos profissionais, da importância da simulação de
alta-fidelidade no processo da formação médica contínua.
Nos últimos anos tem surgido alguma evidência científica
sobre a Simulação na área Obstétrica demonstrando a
evolução positiva das equipas multidisciplinares
3,4
Obstétricas após treino de simulação. Existem estudos
publicados em que se verificou melhoria do outcome
5
perinatal, tornando mensurável a melhoria do desempenho
das equipas obstétricas e provando que o treino através
da simulação é uma técnica de aprendizagem eficaz.
Ainda que não muito vasta, a nossa experiência tem sido
muito gratificante e reveladora. Para além de necessária
é inquestionável o poder da Simulação de alta-fidelidade
como instrumento formativo.
Bibliografia
1. Kohn L, Corrigan J, Donaldson S. To err is human: building a safer
health system. Washington DC: National Academy Press, 1999.
2. Saving Mothers' Lives: Confidential Enquiry into Maternal and Child
Health 2003-5.
3. Crofts J, Ellis D, Draycott T, Winter C, Hunt L, Akande V. Change in
Knowledge of Midwives and Obstetricians Following Obstetric
Emergency Training: A Randomized Controlled Trial of Local Hospital,
Simulation Centre and Teamwork Training. BJOG. 2007; 114:15341541.
4. Draycott T, Sibanda T, Owen L. Does training in obstetric emergencies
improve neonatal outcome? BJOG, 2006; 113:177-82.
5. Draycott T, Crofts J, Ash J. Observations From 450 Shoulder Dystocia
Simulations: Lessons for Skills Training. Obstet Gynecol. 2008;
112:14-20.
24
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
A “SEGURANÇA DO DOENTE” E O PAPEL DO DIREITO
Oliveira, Guilherme de
Director do Centro de Direito Biomédico. Faculdade de Direito UC.
I. A “comunidade jurídica” dos países mais desenvolvidos
começa a tomar consciência da dimensão estatística do
“erro médico” e do movimento no sentido da sua redução.
Na verdade, é possível que o número de mortes e de
incapacidades graves evitáveis seja maior do que alguma
vez se pensou; e já estão em curso experiências de grande
dimensão no sentido de melhorar a qualidade da prestação
1
dos cuidados médicos.
Tanto quanto posso entender esta nova preocupação da
prática médica, creio que ela assenta na consciência de
que o exercício da medicina envolve uma organização
2
complexa, onde os erros podem ser mais induzidos pelo
desenho do sistema do que pela negligência dos agentes;
e creio que se procura organizar um meio de conhecer
totalmente as deficiências, através da notificação
sistemática dos eventos adversos.
A questão que se deve pôr aos juristas é a seguinte: o
Direito pode ficar alheio a este novo movimento global?
Ou deve tomar parte nele? E se puder tomar parte, qual
é o papel que lhe cabe?
Penso que o Direito deve desempenhar um papel essencial
- que, aliás, já está em prática, de uma maneira ou de
3
outra, em alguns países.
Em primeiro lugar, o Direito pode reflectir sobre o sistema
vigente de Responsabilidade Profissional. Talvez possa
vir a concluir-se que o sistema de responsabilidade
profissional exclusivamente baseado na procura de um
culpado foi adequado para um exercício tradicional de
uma Medicina “cara a cara”, mas talvez não se ajuste à
Medicina de técnicas intensivas, em equipas e em grandes
unidades. Sabe-se como é difícil para os tribunais lidar
com a sofisticação dos cuidados, com as hesitações dos
peritos, com o risco próprio das intervenções modernas.
Se assim for, pode pensar-se em desjudicializar a
responsabilização, de modo a conseguir meios
tecnicamente mais capazes de apurar a verdade, mais
rápidos para a compensação dos doentes que sofreram
danos, e mais eficazes para garantir que os erros não se
repitam. Vários países iniciaram a mudança para sistema
chamados de “no fault”, em que o processo de
compensação das vítimas de erros decorre em Comissões
Técnicas, em vez do tradicional recurso aos tribunais.
Em segundo lugar, o Direito pode contribuir para a
organização de sistemas de notificação de eventos
adversos. De um ponto de vista técnico, trata-se de
sistemas informáticos que permitem aos profissionais
comunicar os erros ou quase-erros a uma agência de
controlo da qualidade; esta agência agrupa e estuda os
casos, com o propósito de formular as alterações que
há-de evitá-los no futuro. O Direito pode intervir para
garantir que as comunicações feitas pelos profissionais
não se viram contra eles - não poderão ser usadas contra
eles em processos judiciais. Não é fácil dar este passo,
na medida em que ele comprime o direito fundamental à
utilização de todas as provas para a descoberta da
verdade; e é necessário saber se esta compressão deve
ser aceite em todos os casos. Mas percebe-se facilmente
que os profissionais não vão colaborar se o seu gesto
puder “incriminá-los...”; alguns países já evoluíram neste
sentido e têm leis novas que fomentam a prática da
notificação, para obter reduções significativas do erro
médico.
II. Vejo a Simulação Biomédica como uma prática que se
inscreve no movimento no sentido da segurança do
doente, para melhorar a formação - tanto as aptidões
básicas como as mais diferenciadas.
Na prática médica contemporânea, há certos aspectos
que são “menos técnicos” e que, talvez por isso, têm
sido relativamente menosprezados pelos profissionais e
pelas organizações. Com efeito, há poucos anos,
participando no esforço de acreditação de alguns hospitais,
fui expressamente instigado pelos responsáveis a ocuparme da documentação clínica, que me foi apresentada
como um “ponto negro” da prática hospitalar. Nessa
altura, aproveitei as acções de formação para encarar a
documentação clínica como uma obrigação jurídica cuja
falta de cumprimento pode fundamentar casos de
“negligência médica”. Passados alguns anos, a lei
portuguesa tornou-se mais exigente com os profissionais;
e os documentos estrangeiros confirmam que a “boa
4
documentação” é uma “boa prática médica”. Não há
dúvida de que um processo clínico rigoroso e completo
fomenta a segurança do doente; atrevo-me a sugerir que
a Simulação Biomédica inclua este aspecto na sua
formação de base.
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
25
Oliveira
Um segundo aspecto em que ainda não se atingiu um
nível satisfatório é o do consentimento informado. Na
verdade, um estudo recente da Entidade Reguladora da
Saúde mostra que os progressos neste domínio podem
5
ser ampliados.
O consentimento informado começou por ser
considerado apenas como um modo de respeitar o direito
dos doentes à sua autodeterminação; hoje, porém, começa
a ser visto também como um elemento das boas práticas
técnicas, uma lex artis. A prática do consentimento
informado envolve o doente no processo de diagnóstico
e de terapêutica; e esta participação pode ser decisiva
para a segurança do doente na medida em que o
interessado pode ser o primeiro a dar sinal de qualquer
efeito secundário imprevisto ou de uma dosagem
6
inapropriada.
Talvez possa considerar-se o treino do consentimento
informado na actividade da Simulação Biomédica.
Bibliografia
1. Veja-se, por todos, Linda T Kohn; Janet M. Corrigan; Molla S.
Donaldson, eds., To err is human. Washington, D.C., National
Academy Press, 2000; e José Fragata; Luís Martins, O Erro em
Medicina, Coimbra, Almedina, 2004.
2. Perrow, Normal Accidents. Princeton, Princeton University Press,
1999, p. 62 e segs..
3. Por exemplo nos USA, Austrália, Nova Zelândia, Dinamarca; e , em
parte, na Áustria e França.
4. Incluindo a boa identificação do doente; cfr., para o Reino Unido,
http://www.nrls.npsa.nhs.uk/resources/patient-safety-topics
5. http://www.ers.pt/actividades/estudos/estudo-sobre-oconsentimento-informado
6. Linda T Kohn; Janet M. Corrigan; Molla S. Donaldson, eds., To err
is human.... cit., p. 196.
26
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
A Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia
publica manuscritos considerados de importância para
a Anestesiologia, Cuidados Intensivos, Terapêutica da
Dor e Ciências Básicas, dando prioridade a Artigos
Originais, Artigos de Revisão e Casos Clínicos. Publica
ainda, temas de interesse noutras áreas, tais como:
Ensino, Ética ou História da Anestesia. Os Editoriais
são normalmente reservados aos Editores e à Direcção
da S.P.A., podendo contudo, serem aceites os escritos
de outros sócios, a pedido ou por iniciativa própria.
Os manuscritos enviados para publicação, não devem
ter sido publicados ou simultaneamente presentes
para publicação, em qualquer outra parte (exceptuamse os artigos publicados com a designação de
“Intercâmbio”).
Quando aceites, ficam propriedade da Revista, só
podendo ser reproduzidos com autorização desta. As
opiniões e metodologias neles expressas são da inteira
responsabilidade dos autores, mesmo quando sujeitos
a revisão editorial.
Por artigo original, entende-se todo aquele que,
baseado em material clínico e/ou experimental, pela
sua originalidade, objectivo e qualidade de metodologia,
representa um esforço de contribuição concreto na
esfera do conhecimento científico. Quando
pressuponha uma anterior investigação ou tratamento
dos dados colhidos, para esclarecimento das
conclusões, deve ser referenciado com o subtítulo
“comunicação prévia”. O artigo de revisão é todo
aquele que resulta de uma síntese crítica de informação
contida em publicações existentes, apoiando-se
fundamentalmente as afirmações nele referidas em
citações bibliográficas recentes (últimos cinco anos).
O caso clínico consiste na apresentação de uma
história clínica, cuja evolução apresenta particularidades
dignas de registo.
CONSIDERAÇÕES LEGAIS
Os artigos baseados em investigação clínica no
Homem, devem deixar bem explícito que os ensaios
foram conduzidos de acordo com as normas éticas
da Declaração de Helsínquia. Se se tratar de
investigação animal, os autores devem estar atentos
ao Decreto-lei 129/72, de 6/7/92 e à Portaria 1005/92,
de 23/10/92.
Nos casos clínicos, os autores, devem evitar quaisquer
dados que identifiquem o doente, tais como o nome
ou iniciais deste, fotografias que permitam a sua
identificação (salvo com consentimento expresso) ou
ainda referências hospitalares.
A inclusão de material já publicado, como ilustrações
ou quadros, implica a autorização do seu autor e editor.
Preparação de manuscrito e suporte informático
Devem ser enviadas três cópias de cada, em formato
A4, escritos em língua portuguesa. As folhas devem
ser dactilografadas de um só lado, a dois espaços,
com margens não inferiores a 2,5 cm e paginadas. A
primeira página deve conter o título e uma abreviação
deste, não ultrapassando os 50 caracteres e espaços.
Nesta página, deve ainda constar o nome próprio e o
apelido dos autores, categoria profissional, local de
trabalho, direcção e telefone do autor, a contactar para
troca de correspondência. Na página que se lhe segue
deve constar o resumo e as palavras-chave em
português, seguindo-se-lhe o título, o resumo e as
palavras-chave em inglês. Estas deverão basear-se,
sempre que possível, na terminologia do Index Medicus
e não exceder o número de 10 (os editores, reservamse o direito de revisão destas, quando justificada).
Deverá ser entregue, um CD com a cópia do
manuscrito, em formato de documento Word (Windows
XP ou outra versão anterior) ou de texto (.txt) ambos
para PC.
Os autores devem guardar uma cópia do material
enviado, para a eventualidade da sua revisão ou
extravio.
Os manuscritos dividem-se consoante o tipo:
ARTIGO ORIGINAL
Subdivide-se, regra geral em:
Sumário: Deve conter informação sucinta sobre o
objectivo, metodologia, resultados e conclusões e ser
elaborado de modo a permitir a compreensão do
trabalho, sem necessidade de recorrer ao texto.
Introdução: Não deve ser referenciada com título. Deve
ser concisa e conter as razões e objectivos do trabalho,
podendo incluir referências sucintas e informação
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
27
considerada pertinente para o tema tratado e com
bibliografia devidamente referenciada.
Metodologia: Devem ser descritos os métodos
utilizados, de modo claro e objectivo, de forma a que
a experiência possa ser devidamente interpretada e
reproduzida pelo leitor. Igualmente, no que se refere
a análise estatística, deve ser referido, neste capítulo,
o método usado.
Resultados: A apresentação de resultados deve ser
feita de forma clara, reportando a significância a níveis
de probabilidade e evitando repetições desnecessárias
do texto, quadros e gráficos.
Discussão: Devem ser relacionados e interpretados
os factos
observados, assim como o seu significado em relação
a estudos já publicados. Os dados considerados de
interesse para as conclusões devem também ser
discutidos. Os artigos originais não devem ultrapassar
quinze páginas.
ARTIGO DE REVISÃO
Para além do título, pode subdividir-se em sub-capítulos
e alíneas, segundo o critério dos autores. Os artigos
de revisão não podem ultrapassar quinze páginas.
CASO CLÍNICO
Para além do título e resumo, deve conter uma
introdução sucinta, sem título, focando a razão de ser
do relato clínico, podendo conter referências
bibliográficas pertinentes. A esta introdução, seguese a descrição do caso, sob o título “Caso Clínico”,
em que se relatam os dados relevantes da doença
actual, antecedentes pessoais e familiares, exames
auxiliares, terapêutica e técnicas. Relatando o caso
segue-se a Discussão, em que se analisam as
características especiais do caso e se aprecia o seu
significado, à luz da bibliografia existente. os casos
clínicos não devem ultrapassar as seis páginas.
QUADROS
Os quadros representam uma relação de dados em
linhas horizontais. Se neles figurarem unidades
(referentes aos resultados), devem ser colocadas no
topo das colunas (não as repetindo nas linhas
horizontais). Devem numerar-se com algarismos
romanos, segundo a ordem de citação no texto,
identificados com legendas na parte superior e
apresentados em páginas separadas.
ILUSTRAÇÕES
Por ilustrações, consideram-se os esquemas, gráficos
e fotografias. Numeram-se com algarismos árabes,
pela ordem de citação no texto. Os esquemas e gráficos
devem ser executados em papel branco e a sua
28
Revista SPA ‘ vol. 19 ‘ nº 3 ‘ 2010
identificação, com número de citação, autor e título
do artigo, deve ser feita no reverso, a lápis. As legendas
devem ser apresentadas em páginas separadas.
AGRADECIMENTOS
Se existem, devem ser curtos.
BIBLIOGRAFIA
As referências bibliográficas devem ser numeradas
pela ordem em que são mencionadas no texto e
identificadas neste por algarismos árabes. Os títulos
das revistas ou jornais devem ser abreviados de acordo
com o modelo utilizado no Index Medicus. As
referências de manuscritos ainda não publicados não
devem ser consideradas como fontes bibliográficas.
Exemplos de referências bibliográficas correctas:
Revista: Jaeger MJ, Scheultetus RR. The effect of Brain
circuit on gas exchange. Can J Anaesth 1897; 34:2634.
Livro: Greene NM. Key words in anaesthesiology, 3rd
ed. New York, Elsevier, 1988.
Capítulo de Livro: Hull CJ. Opioid Infusions for the
management of post-operative pain. In: Smith G,
Covino BG, eds. Acute pain. Butterworths, 1985:155179.
CARTAS AO EDITOR
Poderão ou não referir-se a material publicado na
revista. Será, no entanto, dada prioridade de publicação
às relacionadas com material já editado.
NOTA
Estas normas de publicação representam apenas uma
orientação para os Autores que pretendam dar o seu
contibuto para a edição desta Revista. Para informação
mais detalhada do modo de elaboração de um artigo
científico, poderão ser consultados diversos textos
dedicados a este tema, dos quais se destacam:
Bailar JC, Mosteller F. Guidelines for statistical reporting
in articles for medical Journals. Annals of Internal
Medicine 1988: 266-273
Baron DN. Units, symbols and abbreviations: a guide
for biological and medical editors and authors. 4th ed.
London: Royal Society of Medicine Services, 1988:64
Dudley H. The presentation of original work in Medicine
and Biology. Churchill Livingstone, 1977.
Huth EH, Kinning K, Lock SP et al. eds. Uniform
requirements of manuscripts submmited to Biomedical
Journals. Annal of Internal Medicine, 1988; 108: 258265.
Smith G. ed. Extended guide to contributors. British
Journal of Anaesthesia, 1990; 64: 129-136.

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