Relatório - PDBFF - Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos

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Relatório - PDBFF - Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos
Sinais químicos de predadores interferem na permanência de R.
compressus (Cyprindontiformes: Rivulidae) em poças
Camila Vieira
natural pode atuar em favor de presas
Introdução
Predação é uma interação biótica
que desenvolvem táticas evasivas anti-
em que o indivíduo de uma espécie
predatórias
consome totalmente um organismo de
energético possível (Ball & Robert
outra espécie ou uma fração significante
1996).
com
o
menor
custo
de sua biomassa (Abrams 2000). A
O risco de predação pode ser
decisão de forrageio da presa frente ao
detectado pela presa por meio do
risco de predação é uma demanda
reconhecimento do predador (Stoks et
conflitante (Abrams 2000, Lima 1998).
al. 2003). Este reconhecimento pode ser
Animais famintos expõem-se mais ao
através
risco de predação quando comparados a
(Freitas & Oliveira 1996, Stoks et al.
animais saciados. Assim, os efeitos da
2003),
pressão de predação são dependentes do
agressividade (Ness 2006), da coloração
contexto ecológico em que as presas
ou de sinais químicos deixados pelo
estão inseridas (Abrams 2000, Lima
predador (Dicke & Grostal 2001).
1998).
de
do
caracteres
morfológicos
comportamento
de
Em riachos na Amazônia Central
Os efeitos da predação podem
(chamados localmente de igarapés) há
ser de dois tipos: letais e não letais. Os
formação de poças decorrentes de
efeitos letais resultam no consumo da
inundações irregulares provocadas pelas
presa, enquanto que os efeitos não letais
chuvas (Junk et al. 1989). Essas poças
possibilitam a fuga da presa, que pode
podem ser ocupadas por diversos
ocorrer por meio da alteração do
predadores de pequenos peixes, como
comportamento
a
anfíbios, peixes de outras espécies e
imagem de procura, detecção e captura
invertebrados aquáticos (Assis et al.
(Abrams 2000, Lima 1998). Efeitos não
2007, Wilbur 1997). Insetos da família
letais
Belostomatidae são predadores que
podem
migração
de
para
dificultar
também
induzir
a
presas
provocando
demarcam
seu
território
com
diminuição local da densidade destas
feromônios e uma série de compostos
(Lima 1998). Dessa forma, a seleção
químicos que podem ser identificados
1
pelas suas presas (Borror et al. 1976).
poças com sinais da presença de
Dessa forma, a maior acuidade da presa
indivíduos de Belostomatidae do que
para detectar sinais de predação, mesmo
poças sem sinais da presença desse
que o predador já tenha abandonado o
predador.
local, é uma característica que pode
permitir a ocorrência de pequenos
Métodos
peixes nesses ambientes instáveis.
Rivulus
compressus
Área de estudo
(Cyprindontiformes: Rivulidae) é a
Realizei este estudo na ARIE do
abundante
Km 41 (2ο24’ S-59o44’ O) administrada
encontrada em poças temporárias na
pelo Projeto Dinâmica Biológica de
Amazônia Central (Leitão 2004). Sua
Fragmentos Florestais (INPA), cerca de
dieta
que
80 km ao norte de Manaus. A vegetação
exclusivamente de insetos terrestres e
desta área e caracterizada como floresta
aquáticos (Dias 2007). Indivíduos do
ombrófila densa. A pluviosidade é de
gênero
o
1.900 a 2.500 mm por ano, com uma
comportamento de saltar para fora dos
estação seca pronunciada entre os meses
riachos e poças e locomover-se alguns
de julho a outubro quando as médias de
metros entre elas (Dias, M.S. com.
pluviosidade mensal não ultrapassam
pess., Pazin et al. 2006). No entanto, os
100 mm (RadamBrasil 1978). Os
motivos que levam a esse deslocamento
igarapés localizam-se em baixios, que
ainda são desconhecidos. Um estudo
são áreas com inundações irregulares
conduzido por Dias (2007) com poças
que geram poças em suas margens.
artificiais
Indivíduos de R. compressus e de
espécie
de
é
peixe
mais
baseada
Rivulus
quase
apresentam
demonstrou
que
a
disponibilidade de alimento não é um
Belostomatidae
fator de seleção de poças. Portanto,
experimento foram coletados ao longo
neste estudo avaliei se a presença do
de 1 km na beira de um igarapé.
predador
é
o
fator
indutor
utilizados
no
do
deslocamento de indivíduos de R.
Experimento: efeito da presença do
compressus. Minha hipótese é que a
predador na escolha de poças por
seleção de poças por R. compressus está
Rivulus compressus
associada à detecção de sinais químicos
Para testar se indivíduos de R.
emitidos por seus predadores. Assim,
compressus abandonam poças com
espero R. compressus abandonem mais
sinais
da
presença
do
predador,
2
desenvolvi um experimento em campo
horas verifiquei o abandono ou não da
usando a metodologia de Dias (2007).
poça por R. compressus. Considerei
Simulei poças artificiais em bandejas
abandono a saída de pelo menos um
plásticas (n=20) com dimensões de 28 x
indivíduo de R. compressus das poças
42 x 8 cm. Inseri folhiço previamente
artificiais e realizei um teste de qui-
lavado em cada poça de modo a simular
quadrado.
poças
naturais
e
evitar
qualquer
interferência do substrato na seleção de
Resultados
sítios por R. compressus. Em cada poça
Das 10 poças com sinal da
artificial coloquei dois indivíduos de R.
presença de Belostomatidae, 70% foram
compressus e submeti aos seguintes
abandonadas por apenas um indivíduo
tratamentos (1) poças com água do
de R. compressus, enquanto que 20%
igarapé sem Belostomatidae (controle;
delas foram abandonadas pelos dois
n=10), (2) poças com água do igarapé
indivíduos e apenas 10% não foram
em
predador
abandonadas. Já no controle, 50% das
Belostomatidae antes do experimento
poças foram abandonadas por apenas
(tratamento; n=10). No tratamento,
um
utilizei a água onde o predador foi
indivíduos,
encontrado e havia permanecido nela
indivíduos
durante 12 horas antes do experimento.
permaneceram com o número inicial de
As bandejas controle e tratamento
peixes. Poças com sinal da presença de
foram intercaladas em cinco fileiras de
Belostomatidae
quatro bandejas no baixio da floresta de
abandonadas por R. compressus quando
modo
comparados às poças controle (χ2 =3,80;
que
a
foi
inserido
constituir
o
um
desenho
semelhante a um tabuleiro de xadrez.
indivíduo,
20%
10%
e
tiveram
tiveram
20%
três
quatro
restantes
foram
mais
df=1; p=0,050).
As poças foram enterradas distantes 20
cm umas das outras e estavam dispostas
Discussão
a uma distância mínima de 8 m do leito
O maior abandono de poças com
do igarapé. O baixio onde realizei o
pistas de predação por R. compressus
experimento foi escolhido por não
indica que esses peixes são capazes de
possuir poças naturais ao redor evitando
reconhecer e responder aos sinais de
assim à possível influencia da migração
predadores
entre poças naturais e artificiais. Iniciei
eventualmente ocupadas por insetos da
o experimento às 10:00 e ao final de 24
família
evitando
Belostomatidae.
poças
Este
fato
3
corrobora a hipótese de Dias (2007), de
detectados pela presa como potencial
que esses peixes permanecem em poças
risco de predação gerando uma resposta
com menor pressão de predação. O
de fuga.
comportamento de migração entre poças
pode
representar
uma
demanda
É provável que o efeito de
predação
observado
possa
ser
conflitante, visto que há um alto gasto
extrapolado para o reconhecimento e
energético associado ao deslocamento
evitação
(Berk et al. 2005). Assim, o custo da
encontrados comumente em poças. Em
migração tem que ser compensador e
sistemas espacialmente limitados, o
menor que o custo da exposição a
efeito da predação por Belostomatidae
condições de alto risco, como a
pode ter grande impacto na dinâmica
dificuldade de movimentar-se no solo, a
espacial
exposição prolongada a predadores e o
compressus podendo levar à diminuição
dessecamento. Portanto, no caso de R.
da densidade desses peixes nas poças
compressus a fuga do predador deve
(Lima 1998). Dessa forma, o risco de
compensar o risco de migração entre
predação não letal de Belostomatidae é
poças.
um fator determinante que afeta o
Insetos
da
família
Belostomatidae podem representar bons
predadores
de
pequenos
de
e
outros
temporal
predadores
de
Rivulus
comportamento de permanência em
poças da população de R. compressus.
peixes
associados ao folhiço, uma vez que o
Agradecimentos
comportamento de forrageio destes
Não
tenho
palavras
para
insetos consiste em vasculhar substratos
agradecer esta imensa oportunidade de
bentônicos (Clutton-Brock 1988, Resh
poder participar do EFA 2010. Acredito
&
Belostomatidae
que não poderia passar por esta vida
ocorrem em alta frequencia nas poças e
sem ter vivido essa experiência única.
no mesmo habitat ocupado por R.
Agradeço aos coordenadores (Paulo
compressus. Esse conjunto de fatores
Enrique, Paulo Estefano e Zé) e aos
pode ter resultado em grande pressão de
professores por todo ensinamento e
seleção
compressus
dedicação para que tudo ocorresse da
reconheça esses predadores. Os sinais
melhor forma possível durante todo o
de
intra-específica
curso. Agradeço os corretores deste
emitidos por esses insetos (Clutton-
projeto, Paulinho Enrique, Catá e Dany
Brock
por
Cardé
2003).
para
que
comunicação
1988)
R.
possivelmente
são
toda
crítica
e
paciência
que
4
contribui muito na melhora do trabalho.
feito
Agradeço em especial, o privilégio de
transformar meus 30 dias aqui muito
ter convivido 30 agradáveis dias com o
mais incríveis. À Glaucia, Mônica,
nosso “Master rainbow”, uma pessoa
João, Thiago “preto”, Deco e Thallita
fascinante e apaixonante em todos os
por todo companherismo e indiscutível
sentidos. Sua simplicidade e facilidade
parceria durante esta etapa. Ao Bruno
de lidar com os problemas só o faz
Cid por ser uma pessoa de coração
merecedor de todo reconhecimento.
enorme que esteve sempre por perto. À
Todos deveriam ter a sorte de conhecê-
Fer pela amizade e por “agüentar” meu
lo!
sonambulismo
Agradeço ao Murilo Dias pela
parte
do
meu
sempre
cotidiano
com
e
toda
literatura e importantes dicas no projeto.
paciência e carinho. Agradeço a galera
À
fundamental
do Igarafest: Bruno B., Demétrius,
colaboração neste trabalho desde o
Pedro, Ricardo, Rodrigo, Sara por
inicio da idéia e por ser exemplo de
noites de muita descontração e de boa
como estar de bem com a vida em todos
conversa. Certamente teremos muitas
os momentos, Aos monitores Fabrício e
historias para contar. Tenho certeza que
Claudinha
nada
Dany
ameba)
por
toda
(minha
por
terem
companheira
sido
de
substituirá
os
valores
e
exemplos
aprendizado que adquiri com este
monitoria e atenção com os alunos. À
mágico “universo paralelo” que é o
dona Eduarda, Júnior e João por todo
curso do EFA.
apoio logístico que facilitou muito
nossa estadia. E finalmente aos novos
Referências
amigos que o EFA proporcionou “Viver
Abrams, P.A. 2000. The evolution of
não vale a pena para que não têm um
predator-prey
bom amigo” (Demócrito, 460 – 317
theory and evidence. Annual
aC). Agradeço a todos por me monstrar
Review
que a amizade pode ser real e livre de
Systematic, 31:79-105.
of
interactions:
Ecology
and
interesses independente do lugar em que
Assis, R., A.G. Nazareno, F. Oliveira &
nos encontramos: Alêny, meu primeiro
L.V. Graf. 2007. Sobrevivendo
contato em Manaus, obrigada por ser
ao
minha principal guardiã e companheira
semelhança entre tipos de poças,
desde o inicio. Ao trio pernambucano
girinos e predadores. In: Livro
(Laura, Kátia e Gaby) mais Thiago
do curso de campo “Ecologia da
“branco”, agradeço por vocês terem
Floresta Amazônica” (Camargo,
Serengeti
das
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7

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