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Questões de Paisagem e Património
Fernando Pessoa, arquitecto paisagista
RESUMO
Procura definir-se os conceitos de paisagem e de património e a interligação entre ambos como património
paisagístico, fazendo uma breve sequência dos documentos internacionais que foram abordando aqueles
assuntos.
Fala-se da perenidade das paisagens ligada à sua raiz ecológica, e de como uma má gestão, quer por parte
do homem quer das condições climáticas, pode conduzir à morte das paisagens. Realça-se a importância da
biodiversidade e de como a actividade humana é responsável pela existência de paisagens degradadas, o
que não invalida que mesmo assim possam ser belas. As paisagens alentejanas e as de Cabo Verde são
referidas como exemplos.
A conservação da natureza implica a conservação das paisagens, as quais são indispensáveis à defesa da
identidade dos povos.
A gestão correcta das paisagens encontra no conceito de parque natural uma forma excelente de se
concretizar.
PALAVRAS CHAVE - Paisagem, Património, Biodiversidade, Cultura, Beleza
Abstract
It search for a definition of landscape and heritage, and the connection between both as landscape
heritage, doing a concise sequence of the international documents that had looked at this matter.
It write about perpetuity of landscapes attached to its ecological roots and how a bad management ,
directly from the man or from climatic conditions, can lead to the death of the landscape.
It emphasize the importance of the biodiversity and how the human activity it is responsible for the
degradation of landscapes, which do not invalidate that they can be also beautiful. The Alentejo and Cabo
Verde landscapes are good examples.
The Nature Conservation force the conservation of the landscapes, who are indispensable to build the
protection of the peoples identity
The correct management of the landscapes have a good way to be achieved on the idea of the “natural
park”.
KEY WORDS – landscape, heritage, biodiversity, culture, beauty.
O conceito de paisagem tem sido muito discutido nas últimas décadas; é um conceito fruto da
cultura ocidental, embora a estética das paisagens, o respeito pelos seus valores, sejam comuns a todos os
povos e culturas, mesmo aqueles que não possuem, na sua língua, o termo expresso com o sentido que os
ocidentais lhe atribuem; isso não quer dizer que todos os povos não sejam capazes de contemplar, de
exaltar ou até mesmo quase divinizar as paisagens
Entre nós o conceito de paisagem tem variado com a especialização profissional de quem o discute
– puramente da geografia física, ou da ecologia ( em que já se propôs a substituição da palavra pela de
geosistema) ou como conceito apenas cultural, e por isso não susceptível de ser analisado em termos
científicos.
Mas podemos abordá - lo, como faz a arquitectura paisagista, como um conceito global, originado
pela observação do homem sobre trechos do território em que actuaram os elementos da humanização, da
cultura, sobre os elementos naturais ou biofísicos.
Paisagem pressupõe ser vista, ser apreciada pelo homem que a contempla, a sente, a reconhece e
interpreta; quando se fala de paisagens primitivas anteriores à existência do homem estamos no domínio
da ficção, da extrapolação, porque não existe imagem dessas paisagens.
A paisagem no dizer do Prof. Caldeira Cabral, é a figuração da Biosfera, resultando da acção do
homem e de todos os seres vivos sobre os factores ambientais.
Mas para além do carácter intrínseco da paisagem, ligado à composição do espaço geográfico onde
se inscrevem os traços das acções culturais dos seres humanos, existe um carácter extrínseco e que é
relativo à capacidade da paisagem para suscitar no homem sensações e emoções que o fazem reagir
esteticamente. Deste aspecto que a paisagem comporta resulta a inspiração para as artes, seja a pintura, a
musica ou a literatura, ou para o simples prazer da contemplação e até da meditação.
A paisagem dá-nos a essência do território, dá-nos a leitura das relações que os Homens
mantiveram com a Natureza, ao longo do Tempo.
Natureza, Homem, Tempo – os escultores da paisagem.
A perenidade das paisagens depende da matriz ecológica que nelas está subjacente, pelo que a sua
evolução só será mesmo evolução e não regressão se os equilíbrios, os ciclos biogeoquímicos e as energias
naturais puderem ser assegurados.
A Paisagem surge assim como uma noção complexa, que podemos finalmente sintetizar como
sendo um trecho da Biosfera, integrando a realidade biofísica e a realidade cultural da humanização, que
nos rodeia e que suscita sensações estéticas nos seres humanos.
Durante milhares de anos as paisagens evoluíram de aspectos predominantemente naturais, onde
o homem se comportava como mais um simples animal integrado nos ecossistema ( ainda hoje há
populações nas florestas tropicais ou na tundra setentrional a viverem nessa condição), até
progressivamente situações de maior domínio das actividades humanas, traduzidas nas paisagens rurais de
todo o mundo, concluindo nas paisagens totalmente artificiais das cidades.
Ao longo dos milénios aconteceram desastres ecológicos, degradaram-se ecossistemas, perderamse espécies e destruíram-se paisagens; mas na maior parte do planeta os homens aprenderam a viver em
equilíbrio sábio com a Natureza, ganhando conhecimentos empíricos que resultaram das experiências
transmitidas de geração em geração.
Hoje as ameaças de degradação avolumam a sua perigosidade devido à escala em que se praticam
as intervenções insustentáveis do ponto de vista ecológico, por isso se exige uma sabedoria holística para
abordar a gestão das paisagens.
As paisagens são tão identitárias para os povos como a sua linguagem, essa identidade todos a
reconhecem através do seu carácter, dos seus particularismos, da tipologia da sua composição – aquilo a
que na Antiguidade Clássica se designava por genius locci – o espírito do lugar.
O conceito de Património também evoluiu muito nos últimos séculos, desde o significado inicial do
conjunto de bens materiais e económicos que se herdam dos antepassados na família, até uma concepção
mais abrangente do valor atribuído a esses bens já não apenas relativos ao âmbito familiar e privado, mas
ao âmbito nacional, colectivo, de determinada sociedade. A sua evolução pode aferir-se pelas posições
assumidas internacionalmente pelos diversos países e instâncias
Até à 2ª Guerra mundial, só eram reconhecidos como merecedores da atenção do especialistas e
dos Governos, os grandes monumentos de valor histórico, como é traduzido na chamada Carta de Atenas,
de 1931.
A “Convenção para a Protecção dos Bens Culturais em caso de conflito armado”, realizada em Haia
em 1954, enunciou pela primeira vez o termo bem cultural, incluindo aí tudo aquilo a que hoje chamamos
património cultural, para além dos edifícios e conjuntos edificados, também as obras plásticas, manuscritos,
livros e documentos de interesse histórico ou artístico.
Em 1964 na Carta de Veneza, embora se alargasse a necessidade de protecção a obras
arquitectónicas isoladas ou a conjuntos urbanos ou rurais, ainda continua a ser a monumentalidade o
aspecto relevante , nomeadamente quando se diz “a humanidade reconhece-se responsável pela
conservação das obras monumentais dos povos como testemunho vivo das suas tradições seculares...”
Foi só com a Convenção para a Protecção do Património Mundial, 1972, Paris, que se reconheceram
os valores naturais como património em pé de igualdade com o património cultural.
O “Apelo sobre a Arquitectura Rural e Ordenamento do Território”, conhecido por Apelo de
Granada ( 1974) chama a atenção para a herança do mundo rural enquanto herança cultural composta por
conjuntos ligados à exploração da agricultura e das florestas e fez um apelo à conservação e utilização do
património rural ligado ás paisagens humanizadas.
Em 1975 comemorou-se o Ano Europeu do Património Arquitectónico e na “Declaração de
Amesterdão” afirmaram-se os princípios da conservação integrada quer em meio urbano quer rural,
reconhecendo que muitos povoados rurais foram destruídos ou descaracterizados por desconhecimento do
seu valor como património cultural.
Levou uns anos para se obter finalmente o reconhecimento das paisagens culturais, consagradas
pela Convenção de Paris de 1994.
Natureza e Cultura são pela primeira vez consideradas como realidades interligadas e merecedoras
da mesma atenção e protecção.
Mas é preciso ter presente que quando se classifica como património um certo bem cultural, está a
propor-se a sua conservação que pode implicar a interrupção de funções que esse bem desempenhava.
Porém aos seres vivos e às paisagens não se pode pedir que fiquem paradas no tempo, pois não são
objectos de museu, e a sua conservação é a conservação da Vida
Se a perenidade das paisagens depende da matriz ecológica quer dizer que a acção do homem terá
de respeitar as suas condicionantes.
Se não fosse a capacidade de lidar com a Natureza por parte dos grupos humanos, mas também a
capacidade de regeneração que a Natureza possui ( dentro de limites que antecedem a rotura) desde há
muito que o planeta Terra seria um deserto caótico.
A vida que se instala num dado espaço geo-ecológico adapta-se às condições edafo – climáticas e
cria os seus ecossistemas de acordo com as potencialidades do meio.
Os ecossistemas são o resultado da acção biunívoca entre os seres vivos e o meio; quanto maior for
a diversidade biológica maior será a dinâmica e a garantia de perenidade dos sistemas no que se refere ás
condições de vida.
Nas paisagens rurais de todo o mundo – a que vulgarmente chamamos simplesmente de paisagem
e de onde vem o seu conceito vulgarizado - foi onde os homens criaram relações de maior equilíbrio com a
Natureza sem deixarem de imprimir nelas os traços da sua cultura.
Ao alterarem os ecossistemas naturais para obterem produção que alimente e suporte as
comunidades humanas, os homens criaram ecossistemas de substituição, que serão tanto mais duradouros
e equilibrados quanto se revelarem respeitadores das leis e ciclos da Natureza, para cada região.
Foto 1 – Uma paisagem rural bem ordenada significa que cada parcela é
utilizada de acordo com as potencialidades e aptidões do lugar
Uma das principais causas da degradação e morte das paisagens está na simplificação dos seus
valores biológicos, reduzindo a diversidade em favor de monoculturas mais ou menos extensivas.
Encontramos os melhores exemplos desta situação nas paisagens alentejanas.
O montado, de sobreiro ou azinheira, ou misto, é uma das mais perfeitas realizações como
ecossistema de substituição, no qual se utilizam as espécies das formações naturais mas ordenadas por
forma permitirem melhores produções; sistema agro-silvo-pastoril, permite tirar proveito naquelas tres
áreas económicas e simultaneamente, se for bem gerido, manter uma elevada vida selvagem e equilíbrio
ecológico.
Já em vastas extensões sobretudo do Baixo Alentejo, a errada e gananciosa política cerealífera dos
inícios do séc.XX conduziu a uma simplificação dos ecossistemas, empobrecendo as paisagens, pela redução
da biodiversidade; a quase completa ausência de compartimentação e de protecção de encostas contra a
erosão conduziu a um caminho quase inevitável para a desertificação.
Foto 2 – O montado alentejano tem duas origens: a transformação do sobreirais
e dos azinhais, progressivamente, em povoamentos mais ou menos alinhados,
e a sementeira de bolota nos regos de semear trigo, em inícios do séc. XX, que
originaram os povoamentos alinhados .
Nos montados há quase sempre áreas de vegetação não manipulada, formando bosquetes de vida
selvagem, e o próprio arvoredo, mantido ao longo de muitas décadas, favorece a vida de espécies animais
autóctones. O uso do montado pela pastorícia é um benefício, porque mantém a vegetação herbácea
sempre cortada, defendendo-o contra os incêndios, e vai deixando o solo adubado com os excrementos
dos animais; já agricultura tem de ser cuidadosa, não lavrando sob as copas das árvores, já que as
“quercíneas” são muito dependentes das micorrizas e raízes superficiais. Mas desde que praticada fora das
projecções das copas e com fraca profundidade na mobilização do solo, também é favorável ao equilíbrio
geral do ecossistema.
Os grandes desequilíbrios da paisagem alentejana deram-se sobretudo ao longo do séc. XX, com a
extensão das monoculturas e o emprego de maquinaria pesada imprópria para as características
pedológicas da região.
Foto 3 - Esta paisagem alentejana resulta da simplificação dos ecossistemas
numa região de acentuada aridez. É um prenuncio da “morte” da
paisagem.
A biodiversidade foi drasticamente reduzida. A monocultura agrícola, neste caso dos cereais, tal
como a monocultura florestal de que é exemplo o eucaliptal, são formas erradas de exploração dos sistemas
naturais, e que traduzem o desprezo pela sabedoria tradicional do homem rural , em favor de uma
tecnologia mal alicerçada em conhecimentos científicos válidos.
Como resultado das práticas incorrectas do uso do solo e da água no sul de Portugal, vastas áreas
estão em risco de desertificação, e Portugal está abrangido pela Convenção das Nações Unidas de Combate
à Desertificação.
Cabo Verde é também um exemplo infelizmente elucidativo do empobrecimento da paisagem, por
excesso de uso dos recursos vegetais em condições de grande aridez, condições estas que impedem ou
dificultam muito a recuperação dum mínimo de equilíbrio ecológico.
Foto 4 - Nesta paisagem de Santo Antão ainda se aprecia algum uso agrícola dos parcos
recursos hídricos e de solo, numa envolvente de deserto rochoso agreste e desolador.
Esta paisagem de Santo Antão possui um extraordinário valor como património cultural, em que
sobressai a integração das construções e o simbolismo da luta contra a Natureza agreste.
A acção do homem foi, nas ilhas cabo- verdianas, conduzida em primeiro lugar pelos colonos
europeus, desconhecedores das dificuldades de um ambiente de grande aridez, e depois continuada pela
população africana oriunda do continente onde as condições de reacção do meio eram bem diferentes, seja
em Angola ou na Guiné.
Os portugueses já tinham tido uma acção semelhante na Ilha do Porto Santo, tão perto da Madeira
e tão diferente dela, onde o uso indiscriminado da vegetação e do solo levou à desertificação da Ilha,
enquanto na Madeira a exploração das florestas e encostas foi sabiamente organizada, com uma resposta
mais fácil dos ecossistemas, face a condições climáticas muito mais favoráveis.
No seu território do continente europeu os portugueses, com a herança de gerações sucessivas de
pastores e agricultores, construíram, pelo contrário, ecossistemas de substituição muito eficientes, não só
no sul, como vimos, com os montados, como com a sistematização dos cursos de água e o tratamento das
encostas em socalcos, que garantiam a perenidade do seu uso.
Foto 5 - Em S.Vicente a desolação é total, o deserto rochoso domina a ilha,
salvo algumas áreas restritas onde se tenta uma arborização incipiente.
É o exemplo de uma paisagem morta em termos de biodiversidade.
No nosso tempo o conhecimento passou de empírico a científico, e desde que este tome em
consideração o primeiro, não há razão para que a degradação das paisagens continue. O primeiro aspecto a
ter em conta quando se enfrenta uma paisagem, é a sua matriz ecológica que subsiste.
Mas quando nos nossos países se fala de Conservação da Natureza não se pode levar à prática
uma verdadeira politica conservacionista se for esquecida a origem e a evolução das nossas paisagens.
Conservar a Natureza é conservar as nossas paisagens, pois durante séculos, por vezes milénios, as espécies
naturais adaptaram-se à presença e ás actividades do homem, e os sistemas que se foram estabelecendo
traduziram essa adaptação.
Nas regiões fortemente humanizadas, desde há um longo tempo histórico, as designadas
espécies selvagens, quer na fauna quer na flora, foram as que escaparam a uma domesticação directa o
homem, mas a sua existência passou a ser condicionada pela manipulação que sofreram os ecossistemas
naturais. Os excessos conservacionistas ou de ecologismo radical são assim alheios e até contrários à
verdade da realidade biofísica das nossas paisagens.
O outro aspecto quando encaramos as paisagens, que são todas praticamente, mais ou menos
humanizadas, diz respeito ao património cultural nelas inscrito.
Hoje que se fala tanto em identidade cultural, como dizia há tempos o Arqº Gonçalo Ribeiro
Telles, a paisagem é tão necessária a essa identidade como a nossa língua.
Na paisagem estão inscritos os legados das sociedades humanas ao longo do tempo,
constituindo o património paisagístico a memória de gerações anteriores; cada geração “filtra” os traços”
inscritos que têm algum significado e utilidade, apagando os outros – não há a ideia romântica de que se
guardam religiosamente todos os sinais de tempos anteriores, por devoção. Sabemos que mesmo em
termos do sagrado, cada religião que chega utiliza os edifícios e as datas que encontrou, alterando-os para
as suas novas concepções. Por isso, por exemplo em Portugal, numa igreja cristã primitiva do séc. VI ou VII
encontra-se muitas vezes uma base islâmica e, por baixo desta o vestígio de uma ara de uma divindade précristã.
O património cultural inscrito nas paisagens revela não só as construções e a estrutura do
sistema de ocupação do território, mas igualmente a sabedoria que está por trás dessas manifestações; isto
é particularmente evidente na paisagem rural, mas é igualmente detectável nas paisagens urbanas que
conservem elementos estruturais e edificados de várias gerações anteriores. Daí a importância que tem para
qualquer sociedade organizada, a preservação do seu património paisagístico - que não pode significar, já
vimos, qualquer espécie de redoma que proteja a paisagem.
Antes demais a paisagem tem quer ser sustentável, tem que ser perene em termos de
funcionamento, mesmo que isso signifique alterar alguns padrões – foi o que sempre sucedeu ao longo dos
séculos.
As paisagens devem ser correctamente ordenadas, porque disso depende a sua funcionalidade
mas não forçosamente a sua beleza. A máxima de que “o belo é o esplendor da ordem” de Stº Agostinho,
aplica-se em particular às paisagens no que se refere à sua perenidade. De resto, todos nós temos a
sensação, quando estamos a contemplar uma paisagem bela, se ela é equilibrada ou degradada.
A beleza da paisagem, sob o ponto de vista meramente estético, é independente do estado do
seu equilíbrio natural e da sua perenidade como conjunto de sistemas vivos
A estética da paisagem advém de vários factores que entram na sua composição, e que,
consciente ou inconscientemente, nós avaliamos ao apreciarmos um trecho de paisagem.
Uma paisagem degradada, erosionada, empobrecida em termos biológicos, pode ser de grande
beleza e até imponência.
Foto 6 - Uma paisagem de deserto como esta do Sahara é de grande beleza,
mesmo excluindo o carácter subjectivo da apreciação, pois a sua cor, a
sua grandiosidade, o movimento implícito na sucessão de dunas, a luz que
realça os contornos das dunas, são factores da sua composição – e no
entanto é uma paisagem que representa o máximo de degradação a que
um território pode chegar, neste caso não por culpa do homem mas pelas
condições macro climáticas ocorridas há uns milhares de anos.
Diversos elementos da composição das paisagens são decisivos para a apreciação estética que
delas fazemos, e é da conjugação de alguns desses factores que se cria a identidade de cada uma. A cor e a
luz caracterizam de forma diferente uma paisagem mediterrânica ou dos Países Baixos; o céu ou
firmamento é o pano de fundo que envolve todas as paisagens, e influencia-as de forma decisiva; a
grandeza, como definidora da escala e da profundidade – é diferente uma paisagem de horizontes próximos
e contidos de uma paisagem do Minho de outra de horizontes vastos como o Alentejo! Outros elementos
são a forma ( que pode conceber-se como o elo entre a realidade física e a ideia estética), a harmonia e o
contraste entre os objectos , bem como o ritmo que pode marcar a paisagem, são ainda a presença de vida,
que transmite quase inconscientemente
Foto 7 - Os tons de verde são sinónimo de maior biodiversidade e
contribuem para a estética da paisagem através das suas cores; a
presença da água pressente-se no tipo de agricultura, e o rio em
primeiro plano actua como elemento para a estética do lugar.
uma sensação de conforto a quem a observa; o movimento, que se descobre numa seara a ondular, no
balançar das copas das árvores ou na corrente de um regato.
Actuam depois os elementos culturais, que marcam verdadeiramente o espírito do lugar, que
determinam as características que constroiem as diferenças entre as paisagens: os muros de
compartimentação, de calcário, de xisto ou de granito; o terraceamento das encostas; as sebes de
compartimentação ou a sua ausência; os açudes e sistemas de rega; as inúmeras construções rurais que
pontuam as encostas ou as planícies; a tipologia das casas e o tipo de habitat ( concentrado, disperso, linear,
etc); a estrutura da propriedade que nos dá o mosaico ou as grandes manchas – enfim, toda a complexidade
da presença humana que enriquece a beleza das paisagens.
Toda esta riqueza patrimonial das paisagens deve ser gerida como o principal valor de identidade
para as sociedades humanas, e de sobrevivência para muitas delas.
O estado de degradação a que chegaram muitas paisagens torna a sua recuperação quase
inviável, ou pelo menos muito dispendiosa; e é entre as sociedades de maiores carências e que mais esforço
exerceram sobre o território, que o problema atinge maiores proporções.
A gestão das paisagens é um imperativo nacional, e a Europa compreendeu-o ao criar Convenção
Europeia da Paisagem, em 2000; mas, como muitas outras leis e recomendações internacionais, também
esta tem tido pouco ou nenhum reflexo na defesa das paisagens em Portugal. E fora da Europa pouca
atenção é dada à gestão das paisagens.
Cabo Verde é um arquipélago de grandes e belas paisagens, muitas delas erosionadas, mas
quase todas susceptíveis de alguma recuperação, só que muito dispendiosa.
Só por uma interacção estreita entre as comunidades locais e o poder central, distribuindo com
rigor fundos internacionais que é possível cativar para esse fim nos domínios da agricultura sustentável, da
gestão e armazenamento de água, do combate à erosão e ainda do património cultural, será possível
intervir nas paisagens cabo-verdianas.
A gestão das paisagens deve ser uma matéria-chave das politicas de ordenamento do território, e
a classificação das paisagens mais notáveis de cada país ou região deve ser um objectivo prioritário.
As paisagens, como depositárias do património de gerações, podem ser geridas na perspectiva de
um desenvolvimento perene, ou como agora se usa dizer, eufemisticamente, sustentável, porque um
desenvolvimento que não seja sustentável não é desenvolvimento.
A compreensão de que a conservação das paisagens inclui a conservação dos elementos da
Natureza e dos da Cultura, de que o homem é um elemento crucial de qualquer ecossistema e de que a sua
presença no território ficou inscrita no património paisagístico, esteve na origem do conceito europeu de
parque natural, desde os inícios do sec. XX com a criação do Lunerburger Heide Park, na Alemanha, nos
anos 20.
Mas foi já depois da 2ª Guerra Mundial que o conceito ganhou consistência, e os melhores
exemplos de parques naturais são sem dúvida os parques naturais regionais franceses.
Através deles foi possível para muitas regiões degradadas, em franco declínio económico e social,
mas possuidoras de notável património paisagístico, entrar num ciclo de recuperação, sendo hoje em dia
excelentes exemplos de dinamismo económico, de participação activa dos cidadãos, ao mesmo tempo que
se preservaram valores insubstituíveis da Natureza e do património construído e etnográfico.
Em Portugal os parques naturais afastaram-se muito dos objectivos para os quais foram
pensados, e não correspondem ás expectativas que nele se depositaram, por incapacidade política dos
responsáveis nacionais e locais.
Mas o parque natural, na complexa mas aliciante concepção original, podia ser uma
experiência a tentar, com êxito, num país como Cabo Verde. Assim o queiram entender as autoridades
nacionais, regionais e locais.