2006 admitere facultate

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2006 admitere facultate
O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
nº126_novo_cpc.pdf 1 22/04/2015 13:24:05
O NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL
Associação dos Advogados de São Paulo
Rua Álvares Penteado, 151
Centro
cep 01012 905 São Paulo
SP
tel (11) 3291 9200 www.aasp.org.br
126
ISSN-0101-7497
Ano XXXV Nº 126 Maio de 2015
SUMÁRIO
DIRETORIA
Presidente
Vice-Presidente
1º Secretário
2º Secretário
1º Tesoureiro
2º Tesoureiro
Diretora Cultural
Assessor da Diretoria
Leonardo Sica
Luiz Périssé Duarte Junior
Fernando Brandão Whitaker
Renato José Cury
Marcelo Vieira von Adamek
Mário Luiz Oliveira da Costa
Viviane Girardi
Ricardo de Carvalho Aprigliano
5 Ex-Presidentes da AASP: Walfrido Prado Guimarães, Américo
Marco Antonio, Paschoal Imperatriz, Theotonio Negrão,
Roger de Carvalho Mange, Alexandre Thiollier, Luiz Geraldo
Conceição Ferrari, Ruy Homem de Melo Lacerda, Waldemar
Mariz de Oliveira Júnior, Diwaldo Azevedo Sampaio, José de
Castro Bigi, Sérgio Marques da Cruz, Mário Sérgio Duarte
Garcia, Miguel Reale Júnior, Luiz Olavo Baptista, Rubens
Ignácio de Souza Rodrigues, Antônio Cláudio Mariz de
Oliveira, José Roberto Batochio, Biasi Antonio Ruggiero,
Carlos Augusto de Barros e Silva, Antonio de Souza Corrêa
Meyer, Clito Fornaciari Júnior, Renato Luiz de Macedo
Mange, Jayme Queiroz Lopes Filho, José Rogério Cruz e
Tucci, Mário de Barros Duarte Garcia, Eduardo Pizarro
Carnelós, Aloísio Lacerda Medeiros, José Roberto Pinheiro
Franco, José Diogo Bastos Neto, Antonio Ruiz Filho, Sérgio
Pinheiro Marçal, Marcio Kayatt, Fábio Ferreira de Oliveira,
Arystóbulo de Oliveira Freitas e Sérgio Rosenthal
Diretor Responsável: Luiz Périssé Duarte Junior
Jornalista Responsável: Reinaldo Antonio De Maria
(MTb 14.641)
José Rogério Cruz e Tucci
Heitor Vitor Mendonça Sica
9 16 27 33 Tiragem: 97.000 exemplares
A Revista do Advogado é uma publicação da Associação
dos Advogados de São Paulo, registrada no 6º Ofício de
Registro de Títulos e Documentos de São Paulo, sob nº 997,
de 25/3/1980.
39
Solicita-se permuta. Pídese canje. On demande I’échange.
We ask for exchange. Si richiede lo scambio.
Toda correspondência dirigida à Revista do Advogado
deve ser enviada à Rua Álvares Penteado, 151 - Centro cep 01012 905 - São Paulo-SP.
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(In)devido processo legislativo e o Novo Código de Processo
Civil.
Cassio Scarpinella Bueno
47 A colaboração como norma fundamental do Novo Processo
Civil brasileiro.
Daniel Mitidiero
53 A função contrafática do Direito e o Novo CPC.
Dierle Nunes
58 Nota sobre o incidente de conversão em ação coletiva.
Eduardo Talamini
64 Novo CPC: reflexões em torno da imposição e cobrança de
multas.
Fabio Guidi Tabosa Pessoa
76 Negócios jurídicos processuais: uma nova fronteira?
Fábio Peixinho Gomes Corrêa
83 Um novo paradigma para o juízo de admissibilidade dos
recursos cíveis.
Flávio Cheim Jorge
Thiago Ferreira Siqueira
89 Convenção das partes em matéria processual no Novo CPC.
Flávio Luiz Yarshell
95 Estabilização da tutela provisória satisfativa e honorários
advocatícios sucumbenciais.
Fredie Didier Jr.
Paula Sarno Braga
Rafael Alexandria de Oliveira
© Copyright 2015 - AASP
A Revista do Advogado não se responsabiliza pelos
conceitos emitidos em artigos assinados. A reprodução, no
todo ou em parte, de suas matérias só é permitida desde
que citada a fonte.
Legitimidade recursal do amicus curiae no Novo CPC.
Camilo Zufelato
Administração e Redação: Rua Álvares Penteado, 151 Centro - cep 01012 905 - São Paulo-SP
tel (11) 3291 9200 - www.aasp.org.br
Impressão: Rettec, artes gráficas
Os honorários recursais no Novo Código de Processo Civil.
Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes
Revisão: Elza Doring, Luanne Batista, Milena Bechara e
Paulo Nishihara - AASP
Editoração Eletrônica: Altair Cruz - AASP
O art. 3º do Novo Código de Processo Civil e o processo do
trabalho.
Bruno Freire e Silva
Coordenação-Geral: Ana Luiza Távora Campi Barranco Dias
Capa: Aline Vieira Barros - AASP
Citações e intimações por meio eletrônico no Novo CPC.
Augusto Tavares Rosa Marcacini
REVISTA DO ADVOGADO
Conselho Editorial: Eduardo Reale Ferrari, Fátima Cristina
Bonassa Bucker, Fernando Brandão Whitaker, Flávia
Hellmeister Clito Fornaciari Dórea, Juliana Vieira dos Santos,
Leonardo Sica, Luís Carlos Moro, Luiz Périssé Duarte Junior,
Marcelo Vieira von Adamek, Mário Luiz Oliveira da Costa,
Nilton Serson, Paulo Roma, Pedro Ernesto Arruda Proto,
Renato José Cury, Ricardo de Carvalho Aprigliano, Ricardo
Pereira de Freitas Guimarães, Roberto Timoner, Rogério
de Menezes Corigliano, Sérgio Rosenthal, Silvia Rodrigues
Pereira Pachikoski, Viviane Girardi
Nota dos Coordenadores.
101
Partes e terceiros no Novo Código de Processo Civil.
Gláucia Mara Coelho
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Técnicas de uniformização da jurisprudência e o incidente de
resolução de demandas repetitivas.
Guilherme J. Braz de Oliveira
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ISSN-0101-7497
115
Primeiras impressões sobre a “estabilização da tutela
antecipada”.
Heitor Vitor Mendonça Sica
124
A profundidade do efeito devolutivo nos recursos extraordinário
e especial: o que significa a expressão “julgará o processo,
aplicando o direito” (CPC/2015, art. 1.034)?
João Francisco Naves da Fonseca
131
O juiz, a aplicação do Direito e o Novo CPC.
José Carlos Baptista Puoli
137
Tutela provisória.
José Roberto dos Santos Bedaque
143
O regime do precedente judicial no Novo CPC.
José Rogério Cruz e Tucci
152
Novidades em matéria de embargos de declaração no CPC
de 2015.
Luis Guilherme Aidar Bondioli
158
Uma provável ofensa à garantia da inafastabilidade do acesso
à justiça no Novo CPC.
Marcelo José Magalhães Bonicio
162
Da expressa proibição à “decisão-surpresa” no Novo CPC.
Oreste Nestor de Souza Laspro
169
Motivação das decisões jurídicas e o contraditório:
identificação das decisões imotivadas de acordo com o
NCPC.
Paulo Henrique dos Santos Lucon
175
Anotações sobre a prova no Novo CPC.
Ricardo de Barros Leonel
182
A distribuição dinâmica do ônus da prova e o Novo CPC.
Ronnie Preuss Duarte
Mateus Costa Pereira
192
Apontamentos sobre o saneamento e a organização do
processo.
Swarai Cervone de Oliveira
198
O que se espera do Novo CPC?
Teresa Arruda Alvim Wambier
204
A prova pericial no Novo Código de Processo Civil.
William Santos Ferreira
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José Rogério Cruz e Tucci
Nota dos Coordenadores
Advogado. Ex-presidente da AASP. Professor
titular e diretor da Faculdade de Direito da
USP. Coordenador do Conselho da Presidência
do CNJ para a Disseminação Nacional da
Jurisprudência Uniformizada.
Heitor Vitor Mendonça Sica
Professor doutor de Direito Processual Civil
da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo. Advogado.
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E
xaltado quando aprovado, o Código de Processo Civil (CPC) de 1973, nestas
últimas quatro décadas, prestou-se, de um lado, a reger precipuamente o processo
contencioso de forma segura e eficiente, e, de outro, a construir vigorosa doutrina
e sólida jurisprudência acerca de institutos e mecanismos que marcaram a nossa experiência
jurídica.
Com o passar do tempo, no entanto, diante de um número crescente e alarmante
de demandas, devido a vários fatores, o diploma processual em vigor sofreu sucessivas
intervenções legislativas, que acabaram fragmentando demasiadamente a sua estrutura
original. Ressalte-se, outrossim, que, acompanhando as tendências de vanguarda da ciência
processual, diferentes paradigmas foram sendo assimilados e aperfeiçoados pelos operadores
Nota dos Coordenadores
do Direito.
Assim, toda esta natural evolução recomendava, de modo inexorável, a elaboração de um
novel CPC.
Apresentado ao Senado Federal, o Anteprojeto que se transformou no Projeto nº 166/2010,
do novo Codex, caracterizou-se por uma tramitação legislativa cuidadosa e participativa,
imbuída de inequívoco espírito republicano. Na verdade, em reiteradas oportunidades, toda a
É, sem dúvida, empenho hercúleo a construção de nova codificação, qualquer que seja o
seu objeto.
No tocante ao processo civil, colocando em destaque essa evidente dificuldade, Carnelutti
chamava a atenção para a diferença entre a arquitetura científica e a arquitetura legislativa,
sendo certo que esta não deve desprezar os valores conquistados pela dogmática jurídica.
A tal propósito, nota-se, de logo, que o texto legal, finalmente sancionado em 16 de
7
Revista do Advogado
comunidade jurídica foi convidada a oferecer críticas e sugestões à sua respectiva elaboração. março de 2015 – Lei nº 13.105 –, não descurou a moderna linha principiológica que advém
do texto constitucional. Pelo contrário, destacam-se em sua redação inúmeras regras que,
a todo momento, procuram assegurar o devido processo legal aos litigantes. Até porque os
fundamentos de um CPC devem se nortear, em primeiro lugar, pelas diretrizes traçadas pela
Constituição Federal.
E, assim, num primeiro exame de conjunto, é possível afirmar que a legislação processual
recém-sancionada merece os maiores encômios.
Embora passível de críticas pontuais, o novo Código encerra um modelo processual
governado pelas garantias do due process of law.
Saliente-se, por outro lado, que a disciplina legal agora aprovada, em vários dispositivos,
fomenta a solução consensual das controvérsias, em particular, por meio da conciliação e
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da mediação. Não é preciso registrar que, à luz desse novo horizonte que se descortina sob
a égide do novel diploma processual, os aludidos protagonistas do foro não devem medir
esforços no rumo da composição amigável do litígio.
Ademais, o legislador adotou importantes novidades em prol da efetividade do princípio da
duração razoável do processo, inclusive no que se refere à atividade satisfativa.
Há que se lamentar apenas que o novo Código não tenha aproveitado o ensejo para também
dispor sobre a tutela de direitos transindividuais – construída com base nas Leis nº 7.437/1985
e nº 8.078/1990 – ou ao menos se proposto a abrir maior interação com esse microssistema.
Ao contrário, o sistema eleito aposta decisivamente na valorização do precedente judicial e
nos mecanismos de aglutinação de processos repetitivos.
Em cumprimento a mandamento estatutário, nesse sentido, procurando contribuir, como
sempre de forma pioneira, para o aperfeiçoamento dos profissionais do Direito, especialmente
Nota dos Coordenadores
de seus sócios, a Associação dos Advogados de São Paulo oferece a presente coletânea de
estudos, estampada na prestigiosa Revista do Advogado, cujo conteúdo reúne uma análise
preambular, tanto quanto possível de cunho prático, elaborada por inúmeros especialistas
acerca de temas de grande relevância processual, visando à melhor exegese e compreensão
do CPC de 2015.
Revista do Advogado
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C
itações e intimações por meio
eletrônico no Novo CPC.
Sumário
1.Introdução
2.O Novo CPC, a Informática e os atos de comunicação
3.Natureza dos atos de comunicação por meio
eletrônico
4.Citações e intimações eletrônicas no Novo
CPC
5.Considerações finais
1 Introdução
A importância, para o processo, dos chamados
atos de comunicação, a citação e a intimação,
Augusto Tavares Rosa Marcacini certamente é compreendida por todo e qualquer
Advogado em São Paulo. Mestre, doutor e
profissional do Direito que atue no contencioso.
livre-docente em Direito Processual pela Facul-
Tais atos, destinados a dar ciência às partes acer-
dade de Direito da USP. Professor do Programa
de Mestrado em Direito da Sociedade da Infor-
ca da própria existência do processo, no caso da
mação e de Direito Processual Civil da UniFMU.
citação, ou dos seus demais atos, tarefa cumprida
Vice-presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB-SP. Foi presidente da Comis-
pelas intimações, garantem praticamente a obser-
são de Informática Jurídica e da Comissão da
vância do princípio do contraditório. Além disso,
Sociedade Digital da OAB-SP.
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Revi s t a d o A d v o g a d o
Bibliografia
em um cenário em que os litigantes têm prazos
peremptórios para manifestação, prazos esses cuja
inobservância pode lhes acarretar a perda de direitos, é sobremaneira importante que haja transparência e certeza sobre a correta prática dessas
comunicações (leia-se: que o destinatário tenha
tido ciência de seu conteúdo) e sobre qual é o momento preciso em que os prazos se iniciam.
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C i t a ç õ e s e i n t i m a ç õ e s p or meio eletrô n ico n o Novo CPC.
Rev i st a d o A d v o g a d o
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De um lado, pois, são instrumentos que, bem
respeito a outros temas processuais. Entretanto,
realizados, contribuem para um processo justo,
suas disposições sobre o uso das novas tecnolo-
afastando a iniquidade de julgar-se alguém que
gias são quase frustrantes. Pouco se avançou em
não tenha sido adequadamente ouvido. De ou-
relação às normas legais já vigentes, sejam as da
tro lado, os defeitos desses atos de comunicação
Lei nº 11.419/2006, sejam as trazidas por reformas
têm potencial para gerar nulidades que conta-
recentes ao Código de Processo Civil (CPC) de
minam, se não todo o processo, grande extensão
1973. Considerando que o Judiciário de todo o país
de seus atos; assim, até mesmo sob o ângulo da
vem promovendo uma rápida migração para o uso
mera eficiência da máquina processual, é impor-
de autos digitais, era de se esperar que o Novo CPC
tante que citações e intimações não contenham
dedicasse maior atenção a essas questões.
vícios, a fim de se evitar que, com a decretação
Aparentemente, neste campo, o Novo CPC é
da nulidade, tenha-se desperdiçado tempo e es-
mais um produto de uma mesma espécie de sín-
forços das partes e do próprio Poder Judiciário, a
drome que tem afetado o legislador atual. Pensa-
provocar outros meses ou anos de retardamento
-se que basta fazer referências, na lei, ao uso de
da causa.
“meios eletrônicos” e tudo, como mágica, estará
A Informática muito pode contribuir para o
resolvido por si só. Outras leis recentes de nos-
processo, entre outros aspectos, tornando mais
so país já enveredaram nessa mesma trilha,1 e
ágeis e precisos aqueles atos burocráticos internos
imensas lacunas são deixadas em aberto, talvez
ao órgão judicial, evitando que o cansaço gerado
esperando que caiba aos técnicos da computação
pela prática de trabalho humano puramente me-
supri-las, e que eles implementem no sistema in-
cânico e repetitivo induza o funcionário a erros
formático aquilo que o legislador não definiu, não
que provoquem nulidades. Basta lembrar, por
regulou, não deu forma nem conteúdo, tampouco
exemplo, do tempo em que as intimações a pu-
definiu requisitos a serem observados, ou por vezes
blicar no Diário Oficial (em papel) eram, uma a
nem sequer indicou quem é o sujeito que reali-
uma, datilografadas pelo serventuário: quantas in-
zará as tarefas tecnológicas de que fala a lei. É
timações não eram anuladas, em razão dos mais
variados desvios formais, especialmente pela incorreção da grafia do nome de partes e advogados.
Um sistema automatizado, em que as informações constantes das intimações são retiradas automaticamente de uma base de dados digital, reduz
enormemente a chance de erros como esses. Mas,
claro, a Informática não é uma panaceia. Ela tem
um enorme potencial para colaborar com o sistema judicial, mas também introduz novos problemas e dificuldades.
2 O Novo CPC, a Informática e os atos
de comunicação
Reconheça-se, inicialmente, que o Novo
Código contém muitos progressos no que diz
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1. Desde ao menos a Medida Provisória nº 2.200/2001, que ainda
vige “provisoriamente” por força da EC nº 32, inúmeras outras leis,
a pretexto de modernizar o direito e o processo, adequando-os às
novas tecnologias da informação, não mais fizeram do que, de modo
simplista, referir-se ao uso de “meios eletrônicos” ou usar expressões
semelhantes, pouco ou nada colaborando para dar um regramento
jurídico a tal uso, nem apontando soluções para os possíveis problemas práticos dele decorrentes. Cite-se, como exemplos dessa síndrome de simplismo pseudotecnológico, as Leis nº 11.280/2006, que
introduziu parágrafo único ao art. 154, permitindo a prática de atos
por meio eletrônico, sem quaisquer outras considerações de cunho
formal; nº 11.341/2006, que fala em “mídia eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente” usada para fundamentar
recurso especial por dissídio jurisprudencial, sem qualquer menção
explícita a quem a publicou eletronicamente, nem como o fez;
nº 11.382/2006, sobre emprego de meios eletrônicos nos atos de execução, com textos bastante lacônicos; nº 11.419/2006, que regula o
chamado “processo eletrônico” e incluiu no CPC de 1973 diversas
referências, pouco explicadas, a meios eletrônicos; ou nº 12.682/2012,
sobre arquivamento e cópias de documentos em meios eletromagnéticos, um texto legal que em sua inteireza beira a inutilidade e que,
se não tivesse sido vetado em metade de suas disposições, teria chegado à monstruosidade.
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nhecimento da tecnologia utilizada, de como ela
na para a prática dos mesmos atos, quando efetiva-
funciona e, principalmente, de como é operada e
dos pela via postal ou por oficial de Justiça, formas
de quem a controla.
essas que o atual legislador não deve ter julgado
Diga-se, ao menos, que tais problemas, decor-
inúteis, pois as repetiu no novo Código: para a
rentes da má compreensão das novas tecnologias,
citação postal, estão no art. 248 e seus quatro pa-
não são exclusivamente nacionais.
rágrafos; para a citação por oficial, formalidades
2
Assim, de um lado, o novo Código corre o ris-
são previstas nos arts. 250 e 251.4 É incompreensí-
co de se tornar precocemente superado, quando,
vel que o legislador não tenha o mesmo cuidado
dentro de poucos anos, já não existirem autos em
quando se trata de atos praticados eletronicamen-
papel. No que toca especificamente aos atos de
te, deixando lacunas que poderão causar grande
comunicação, que são objeto destas breves linhas,
insegurança jurídica e alimentar novas questões
o uso da forma digital é aplicável a todos os pro-
processuais paralelas.
cessos, mesmo os que ainda correm em autos físicos. Era de se esperar, então, que o Novo CPC
tivesse dado mais atenção ao tema, o que, infelizmente, não ocorreu.
3 Natureza dos atos de comunicação
por meio eletrônico
Comunicações por meios
eletrônicos são intimações
presumidas, não importa o
que diga a lei.
Afirmar simplesmente que a citação ou inti-
Por outro lado, seja lá como esses atos de co-
mação poderão ser feitas por “meio eletrônico”,
municação serão praticados em forma eletrônica,
como o fez várias vezes o novo texto legal em co-
se por essa forma se quer dizer um envio remoto, a
mento, parece ter o mesmo significado de dizer,
distância, da citação ou intimação, sem qualquer
no cenário anterior, que na sua prática seriam
contato direto ou pessoal com o destinatário, isso
utilizadas “folhas de papel”. Ou seja, não se diz
se trata, essencialmente, de uma forma de comu-
nada de juridicamente relevante, pois não descre-
nicação presumida. Presumir é admitir a existên-
ve o modo como se fará a comunicação por “meio
cia de um fato, não por conhecimento direto do
eletrônico”, nem os requisitos a observar. Dúzias
próprio fato, mas pelo conhecimento de um outro
de diferentes “meios eletrônicos” podem, em tese,
fato, a partir do qual, mediante um juízo mental
ser empregados para envio de uma comunicação
(ou por determinação legal), se pode deduzir a
a alguém, com diferentes maneiras de proceder
existência do primeiro. Neste sentido, as intima-
ou variados requisitos de segurança a aplicar, que
ções feitas mediante publicação no Diário Oficial
permitam extrair maior ou menor certeza de que
são essencialmente comunicações presumidas: da
o ato cumpriu sua finalidade. A título de compara-
correta publicação do ato, forrado de seus requi-
3
C i t a ç õ e s e i n t i m a ç õ e s p o r meio eletrô n ico n o Novo CPC.
ção, repare-se nas formalidades que a lei determi-
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Revi s t a d o A d v o g a d o
possível que isso seja fruto de um absoluto desco-
sitos legais, presume-se que seu conteúdo tenha
2.V., a respeito, “The Italian Style of E-Justice in a Comparative
Perspective” e “Information and communication technology for justice:
the Italian experience”, de Marco Fabri.
3.V. arts. 183, § 1º, 231, inciso V, 246, inciso V, 270, 513, § 2º, inciso
III, 535, 876, § 1º, inciso III, todos do Novo CPC.
4.Regras que correspondem às dos arts. 223, 225 e 226 do CPC de
1973.
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chegado ao conhecimento do advogado da causa,
supondo a lei, de forma marginal, um dever profissional de ler tais publicações.
Assim, via de regra, uma comunicação eletrônica é apenas uma forma presumida de dar ciên-
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C i t a ç õ e s e i n t i m a ç õ e s p or meio eletrô n ico n o Novo CPC.
Re v is t a d o A d v o g a d o
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cia do ato ao destinatário. A partir de registros ele-
te insuperável – situação de ter que demonstrar
trônicos gravados pelo sistema, relativos aos passos
que o sistema informático judicial tenha falhado
dados na realização desta comunicação, acredita-
e que aquela suposta comunicação não foi rece-
-se que o destinatário esteja ciente de seu teor.
bida. Imagine-se, a cada alegação de não recebi-
Evidentemente, dada a relevância dos atos de
mento de uma comunicação judicial, ter-se que
comunicação, muita cautela há de ser tomada na
realizar uma perícia sobre o sistema informático
previsão legal ou realização prática destes atos em
utilizado pelo tribunal (isso, claro, se por absurdo
suas formas presumidas. Pode-se até afirmar que
não se criar uma presunção iuris et de iure de que
o excesso na prática de atos de comunicação de
os sistemas informáticos judiciais sejam os únicos
forma presumida constitui violação das garan-
no mundo imunes a erros...). Além disso, sob o
tias constitucionais do contraditório e do devido
ângulo econômico, é muitíssimo improvável que
processo legal. Afinal, tais garantias determinam
se encontre mecanismo tecnológico mais barato e
um modo de ser do processo e suas formas, limi-
menos sujeito a erros do que a feitura automática
tando o poder normativo do legislador. Dissesse
de um “jornal” em arquivo digital e sua corres-
a lei que, mediante o envio de sinais de fumaça,
pondente publicação na internet.
o réu estaria citado, por certo ninguém duvidaria
Qualquer que seja a forma de citar ou intimar
da inconstitucionalidade da norma. Uma mera
mediante o uso de computadores, tal tarefa pressu-
alusão da lei a “meios eletrônicos”, sem quaisquer
põe a existência de regras prévias para estabelecer
outras considerações, apesar do ar de modernida-
que os destinatários mantenham um relaciona-
de que aparenta ter, não faz da norma algo muito
mento constante com o modelo informático a ser
melhor do que o exemplo anterior. Especialmente
utilizado. Obrigar alguém, um qualquer do povo,
porque, a depender dos meios eletrônicos que fo-
a utilizar – e saber utilizar corretamente – um sis-
rem empregados, ou do descuido nas medidas de
tema informático para o fim de receber comuni-
segurança a tomar, estes podem ser tão incertos e
cações judiciais, ao que nos parece, no contexto
efêmeros quanto a fumaça...
atual, seria uma exigência absurda. Pessoas com
De longa data temos sustentado que a melhor
diferentes níveis de conhecimento ou familiarida-
maneira de realizar atos de comunicação por meio
de com a tecnologia não podem ser compelidas a
eletrônico é pela forma editalícia, reproduzindo-
usar computadores para receber tais atos.
-se em arquivos digitais publicamente disponibili-
Daí, citações e intimações eletrônicas devem
zados a experiência do velho e conhecido Diário
ser definidas com muita cautela na lei. Os advoga-
Oficial. O motivo para isso é que a ampla publi-
dos das partes, em nosso país, já são intimados de
cidade e acessibilidade do canal de comunicação
forma presumida há cerca de um século por meio
– levadas ao seu máximo com sua divulgação pela
do Diário Oficial. Aceita-se com naturalidade,
internet – servem para equilibrar a natureza pre-
então, a obrigação desta nossa categoria de acom-
sumida da mensagem, dando maiores possibilida-
panhar o jornal diário, que mais recentemente
des de que tenha chegado a seu destino e, espe-
passou a ser publicado em arquivos digitais, em
cialmente, tornando publicamente demonstráveis
tese, mais fáceis de ler e de encontrar a informação
suas eventuais falhas. É importante que o modelo
que lhe é dirigida. Exigi-lo, de modo constante e
5
eletrônico de comunicação a ser utilizado permita, de modo fácil e rápido, demonstrar a inexistência ou nulidade desses atos, evitando que a parte
se coloque diante da kafkiana – e potencialmen-
Livro_126.indb 12
5.Maiores considerações a respeito foram tecidas no já decenal
artigo “Intimações judiciais por meio eletrônico: riscos e alternativas”,
também disponível on-line em: <http://augustomarcacini.net/index.
php/DireitoInformatica/IntimacoesEletronicas>.
23/04/2015 16:28:43
sa a maior parte de seus dias sem receber qual-
Judiciário com novas questões formais, parece
quer dessas comunicações) parece-nos um grave
desejar levar adiante essa tentativa de amplamente
desrespeito ao seu direito de ser adequadamente
realizar citações por meio eletrônico. É o que se lê
informado e uma restrição desnecessária a sua
nos parágrafos do art. 246:
liberdade individual. Disso resulta a dificuldade
“§ 1º - Com exceção das microempresas e das
que temos em aceitar a constitucionalidade de ci-
empresas de pequeno porte, as empresas públicas
tações por meio eletrônico, exceto em situações
e privadas ficam obrigadas a manter cadastro jun-
peculiares, em que tal meio pode até mesmo ser
to aos sistemas de processo em autos eletrônicos,
mais seguro ao destinatário do que a citação pessoal.
para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente
4 Citações e intimações eletrônicas no
Novo CPC
por esse meio.
§ 2º - O disposto no § 1º aplica-se à União, aos
Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às
Como já mencionado, o novo texto legal ape-
entidades da administração indireta”.
nas faz referências ao uso de meios eletrônicos
Essa má ideia de se fazer esse “cadastro” (algo
na citação e intimação, sem descrever sua forma,
também muito pouco regrado na lei), e para esse
nem seus requisitos mínimos de segurança, que
fim, é objeto de nossas críticas desde o trâmite do
permitam concluir que o ato atingiu sua finalida-
projeto que resultou na Lei nº 11.419/2006.6 Man-
de. No máximo, remete para a “forma da lei”.
ter íntegro e atualizado um cadastro populacional
dessas dimensões é tarefa cujas dificuldades ainda
Exigir da parte acesso a um
sistema informático que nada
lhe transmitirá é uma restrição
de sua liberdade individual.
não foram experimentadas pelo Poder Judiciário,
e soa um tanto quanto arriscada a pretensão do
legislador de se realizar essa experiência na prática de atos processuais tão importantes como as
citações. Por outro lado, não está claro na lei qual
será a consequência de não se cadastrar.
O novo texto também andou mal ao definir
O problema é que a única lei em vigor sobre
por exclusão os sujeitos obrigados a tal cadastro.
o tema, que traz um mero arremedo de previsão
Ao invés de dizer diretamente quem teria obri-
sobre a “forma” desses atos, é a Lei nº 11.419/2006,
gação de se cadastrar, o § 1º, usando categorias
em seus arts. 4º a 7º. O art. 6º autoriza a citação
emprestadas do Direito Empresarial, excepciona
por meio eletrônico segundo a “forma” do art. 5º,
quem não está obrigado. Se, amanhã, a lei socie-
que descreve um meio confuso, falível e especial-
tária criar novas modalidades de pequenas pessoas
mente muito pouco transparente de se realizarem
jurídicas (que, por certo, não deveriam igualmente
intimações. Aquela lei jamais esclareceu como
ser obrigadas ao cadastro), ou transformar estas
adaptar tal proceder às citações que, como dito
que são referidas no parágrafo, isso poderá trazer
acima, exigiriam uma prévia inserção do destina-
novos problemas práticos.
tário do ato – ou seja, a própria parte – no ambiente
informático utilizado.
C i t a ç õ e s e i n t i m a ç õ e s p or meio eletrô n ico n o Novo CPC.
O Novo CPC, correndo o risco de inundar o
13
Revi s t a d o A d v o g a d o
diuturno, de qualquer do povo (alguém que pas-
Mesmo a obrigação de se cadastrar imposta a
todas as empresas de maior porte soa um enorme
despropósito. A experiência sugere que há muitas
6.V. nota nº 5.
Livro_126.indb 13
empresas médias no país que apenas eventual-
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C i t a ç õ e s e i n t i m a ç õ e s p or meio eletrô n ico n o Novo CPC.
Re v is t a d o A d v o g a d o
14
mente tiveram problemas judiciais ao longo de
Em primeiro lugar, no que toca às intimações,
toda a sua existência. Obrigar uma empresa des-
depois que praticamente todo o Poder Judiciário
sas, que foi a juízo umas poucas vezes em déca-
nacional adotou com sucesso o Diário Eletrônico
das, a acompanhar diária ou semanalmente um
da Justiça, meio fácil, rápido, barato e pouco sus-
“meio eletrônico” qualquer, a fim de verificar se
cetível a erros, não há por que se pensar em criar
está sendo citada, é uma imposição desmedida,
na lei outra maneira de praticar tais atos. Evidente-
que atinge sua liberdade desnecessariamente, e
mente, tais intimações eletrônicas só são admissí-
haverá de agregar custos desproporcionais aos que
veis para os casos em que a parte deva ser intimada
diligentemente tentarem se manter atentos à re-
na pessoa de seu advogado, o que ocorre quando
gra; ou servirá para surpreender os mais incautos
os atos a realizar após a intimação tenham a na-
com uma repentina e despercebida citação, após
tureza de atos de postulação (DINAMARCO,
meses ou anos em que nada lhes foi comunicado
2001, p. 431). Para as situações em que se exige
pelo sistema.
intimação pessoal da própria parte, para a prática
Além disso, a forma como tais citações serão
de atos personalíssimos, sua forma, a princípio,
realizadas aos sujeitos assim cadastrados é uma
não pode ser eletrônica (e, não importa o que
absoluta incógnita. Embora a nova lei tenha in-
diga a lei, uma intimação eletrônica não pode ser
cluído a obrigatoriedade de informar no processo
considerada “intimação pessoal”), excetuadas as
o endereço de e-mail das partes, e usá-lo para in-
situações que sugerimos a seguir.
7
timar tenha sido ventilado durante o trâmite do
Se é intenção do legislador agilizar o proces-
projeto, felizmente não restou no texto aprovado
so simplificando a citação, melhor seria citar de
nenhuma referência ao envio de intimações ou
forma editalícia, pelo Diário Eletrônico, somente
citações por correio eletrônico. Agiu bem o legis-
os grandes litigantes; isto é, aqueles que, pelo vo-
lador em retirar tais referências do texto final, eis
lume de processos que mantêm em juízo, já têm
que o e-mail não é uma via confiável para a práti-
o ônus de regularmente acompanhar o diário ele-
ca de comunicações formais e sensíveis como es-
trônico, e certamente o fazem. É muito mais razoá-
sas. A exigência de informar o endereço eletrônico
vel definir que apenas a pessoa jurídica que tenha,
deve ser vista, assim, como uma forma de permitir
digamos, uns 20 ou 30 processos em andamento
um canal auxiliar de comunicação com a parte
em uma mesma Justiça Estadual ou Seção Ju-
(por exemplo, para avisá-la automaticamente da
diciária passe a receber citações pelo próprio DJe
redesignação de uma audiência ou passar-lhe da-
(sendo desnecessário qualquer cadastro!) do que
dos da causa); ademais, ninguém pode ser obri-
obrigar dezenas ou centenas de milhares de em-
gado a ter um endereço eletrônico ou a utilizá-lo
presas a manterem um cadastro atualizado junto
com frequência.
ao Poder Judiciário, tudo isso para serem citadas de
um modo mal explicado na lei. Sem contar, in-
5 Considerações finais
sista-se, com as dificuldades e custos que o Poder
Judiciário haverá de ter com o desenvolvimento
As disposições sobre atos de comunicação por
meio eletrônico mereceriam maior análise, tanto
de sistemas para a criação do próprio cadastro, e a
manutenção de ambos ao longo do tempo.
por parte da comunidade jurídica como por parte
Na medida em que o Poder Judiciário está se
do legislador, sendo aqui sugerido que os artigos
informatizando, um sistema bem desenvolvido
correlatos, constantes do Novo CPC, sejam objeto
de uma revisão.
Livro_126.indb 14
7. V. art. 319, inciso II.
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DJe. De certo modo, até para o destinatário des-
em tempo real, quem são os grandes litigantes
ses atos, uma vez ciente de que passará a ser assim
que superem o mínimo definido pela lei e – seria
citado e intimado, haverá de ser mais simples e
prudente fazê-lo – automaticamente cientificá-los
seguro acompanhar o jornal eletrônico do que as
de que suas futuras citações e intimações pessoais
demais formas de comunicação que são esboçadas
serão substituídas, a partir daí, por publicações no
no Novo CPC e na Lei nº 11.419/2006.
Bibliografia
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito
Perspective. In: MARTINEZ, Agustí Cerrillo i; ABAT,
Processual Civil. v. III. São Paulo: Malheiros, 2001.
Pere Fabra i (Org.). E-Justice – Using Information
FABRI, Marco. Information and communication technology
Communication Technologies in the Court System. Hershey:
for justice: the Italian experience. In: OSKAMP, Anja;
Information Science Reference, 2009. p. 1-19.
LODDER, Arno; APISTOLA, Martin (Org.). IT Support
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Intimações judiciais
of the Judiciary. The Hague: Asser Press, 2004. p. 111-133.
por meio eletrônico: riscos e alternativas. Direito em bits.
______. The Italian Style of E-Justice in a Comparative
São Paulo: Fiuza, 2004. p. 35-61.
C i t a ç õ e s e i n t i m a ç õ e s p or meio eletrô n ico n o Novo CPC.
não teria dificuldades em constatar, até mesmo
Revi s t a d o A d v o g a d o
15
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O
art. 3º do Novo Código de
Processo Civil e o processo do trabalho.
Os meios alternativos de solução de conflitos se aplicam
nessa seara processual?
Sumário
1.Introdução
2.A aplicação do Novo Código de Processo Civil
ao processo do trabalho
3.O art. 3º do Novo Código de Processo Civil e
sua repercussão no processo do trabalho
Revi s t a d o A d v o g a d o
16
3.1.Arbitragem
3.2.Conciliação
3.3.Mediação
4.Conclusão
Bibliografia
Bruno Freire e Silva Advogado em São Paulo, Rio de Janeiro e
1 Introdução
Brasília. Professor adjunto de Teoria Geral do
Processo da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj) e professor titular do Programa
O art. 3º do Novo Código de Processo Civil
de Mestrado da Universidade de Ribeirão Preto
(CPC) trata do acesso à Justiça e das formas de
(Unaerp). Membro da Associação dos Advogados
de São Paulo, do Instituto dos Advogados de
resolução dos conflitos, permitindo a utilização
São Paulo e do Instituto Brasileiro de Direito
da arbitragem (na forma da lei), conciliação, me-
Processual.
diação e outros métodos de solução consensual de
conflitos, que deverão ser estimulados pelos juízes, advogados, defensores públicos e membros do
Ministério Público.
Neste breve e despretensioso trabalho, procuramos realizar a leitura desse dispositivo sob a ótica
do processo do trabalho, tendo em vista a aplicação
subsidiária do Novo CPC nessa seara processual,
Livro_126.indb 16
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solidação das Leis do Trabalho (CLT) e art. 15 do
RIA AO PROCESSO DO TRABALHO. Aplica-se
próprio CPC.
subsidiariamente ao processo do trabalho o art. 557
do Código de Processo Civil”.
2 A aplicação do Novo Código de
Processo Civil ao processo do trabalho
O art. 15 do Novo CPC dispõe que
“na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as
disposições deste Código lhes serão aplicadas
É necessária uma incessante
complementação das regras do
processo do trabalho com os
institutos do processo comum.
supletiva e subsidiariamente”.
O dispositivo enuncia norma já vigente no or-
Diante dessa grande lacuna legislativa proces-
denamento brasileiro, segundo a qual o processo
sual trabalhista, alguns estudiosos chegaram até a
comum é fonte subsidiária dos processos espe-
negar a existência de uma autonomia do Direito
ciais, como o processo do trabalho, objeto deste
Processual do Trabalho. Octávio Bueno Magano
breve estudo.
(1990, p. 78-9) já afirmou que:
O Título X da CLT trata “Do Processo Judi-
“A pertinência do processo à atividade jurisdi-
ciário do Trabalho”. Em suas disposições preli-
cional, e a sua não pertinência ao direito material,
minares, determina o art. 763 que
mostra ser impossível sustentar-se a autonomia de
“o processo da Justiça do Trabalho, no que
um processo trabalhista pela simples circunstância
concerne aos dissídios individuais e coletivos e à
de se estatuírem procedimentos especiais para a
aplicação de penalidade, reger-se-á, em todo o ter-
composição de lides do trabalho. Quanto aos prin-
ritório nacional, pelas normas estabelecidas neste
cípios que estadeariam o seu particularismo, é pre-
Título”.
ciso ter presente, em primeiro lugar, que surgiram
Ocorre que a CLT é omissa em muitos aspec-
quase todos a modo de contraponto aos princípios
tos processuais e, assim, aplica-se a lei processual
e peculiaridades do processo comum, quando este
comum subsidiariamente. Há, inclusive, previsão
possuía feições marcadamente individualistas, o
expressa de aplicação subsidiária do CPC nas hipó-
que não mais ocorre nos dias atuais. A conclusão
teses de omissão da lei trabalhista, como preveem
no sentido de não passar o processo de um ramo
1
os arts. 769 e 889 da CLT.
ou divisão do direito processual civil, desprovido de
A aplicação subsidiária da legislação processual
autonomia, além de lastreada no magistério de re-
civil ao processo do trabalho é, inclusive, objeto de
nomados juristas, constitui, no Brasil, consectário
algumas súmulas do Tribunal Superior do Trabalho
da regra inserta no art. 8º, XVII, b, da Constituição
(TST), a exemplo do Enunciado nº 435:
vigente (art. 22, I, CF/1988), que se refere a um
O a r t . 3 º d o N o v o C ó d i g o d e P ro ces s o Civil e o processo do trabalh o.
“ART. 557 DO CPC. APLICAÇÃO SUBSIDIÁ-
17
Revi s t a d o A d v o g a d o
conforme expressa previsão do art. 769 da Con-
único Direito Processual”.
A despeito da existência ou não da referida au1. Art. 769 da CLT: “Nos casos omissos, o direito processual comum
será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto
naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.
Art. 889 da CLT: “Aos trâmites e incidentes do processo da execução
são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título,
os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a
cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal”.
Livro_126.indb 17
tonomia, enquanto inúmeros projetos de reforma
que poderiam ter o condão de reduzir essas lacunas não se concretizam, é necessária uma incessante complementação das regras do processo do
trabalho com os institutos do processo comum.
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É digno de registro que há duas formas de apli-
O a r t . 3 º d o N o v o C ó d i g o d e P ro ces s o Civil e o processo do trabalh o.
cação subsidiária do processo comum ao proces-
Rev i st a d o A d v o g a d o
18
da reclamação trabalhista.
so do trabalho: 1º) Supletividade expressa – indica
Esse autêntico exercício de heterointegração
pontualmente os dispositivos do processo comum
do direito, de supletividade do processo comum
a serem aplicados no processo do trabalho. 2º) Suple-
ao sistema processual trabalhista, não é exclusivi-
tividade aberta – dispõe genericamente que as
dade do ordenamento jurídico brasileiro.
normas do processo comum são subsidiárias do
processo do trabalho.
Na CLT encontramos dispositivos que indicam
pontualmente os artigos do CPC a serem aplicados
no processo do trabalho, como o 836, que dispõe
sobre a utilização da ação rescisória,2 e o 882, que
estabelece a observância da ordem de gradação legal prevista no art. 655 do CPC,3 os quais deverão
ser atualizados diante do Novo CPC.
Além dessa previsão de supletividade expressa,
com indicação pontual dos dispositivos do CPC a
serem aplicados no processo do trabalho, não se
pode olvidar a previsão de supletividade aberta,
através da previsão genérica de aplicação subsidiária do CPC no já citado art. 769 da CLT, in verbis:
“Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual
do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas desse Título”.
Podemos concluir, pois, que o sistema adotado
pelo legislador brasileiro de aplicação do processo
comum ao processo do trabalho é misto ou eclético, isto é, utiliza tanto os subsídios da supletividade expressa como aberta.
Assim, o Direito Processual Civil é fonte subsidiária do Direito Processual do Trabalho, além
daquelas situações expressamente previstas pelo
legislador, nas hipóteses de omissão desta e compatibilidade daquela, de acordo com os termos já
transcritos do art. 769 da CLT.
Na verdade, de acordo com a leitura do referido dispositivo, podemos extrair os seguintes requisitos para aplicação subsidiária do CPC na supletividade aberta: I) a matéria não esteja regulada de
outro modo na CLT (omissão na lei trabalhista);
II) não viole os princípios do processo do trabalho;
Livro_126.indb 18
III) adapte-se às peculiaridades do procedimento
Em Portugal, o Decreto-Lei nº 480/1999, que
consiste no Código de Processo do Trabalho, estabelece em seu art. 1º que “nos casos omissos,
recorre-se sucessivamente à legislação processual
comum” (NETO, 2002, p. 22).
Na Argentina, o art. 155 da Lei nº 18.345/1969,
consistente na Organización y Procedimiento
Laboral, adota dois critérios para a matéria: a) o
da supletividade expressa, que indica pontualmente os dispositivos do Código Procesal Civil y
Comercial de la Nación que são aplicáveis ao processo; e b) o de supletividade aberta, que é semelhante à regra brasileira: “Las demás disposiciones
del Código Procesal Civil y Comercial de la Nación
serán supletorias en la medida que resulten compatibles con el procedimiento reglado en esta ley”
(PIROLO, 2006, p. 424-5).
Em síntese, portanto, diante da norma do art.
769 da CLT e, agora, do art. 15 do novo Código, tem-se fortalecida a aplicação subsidiária do
processo civil ao processo do trabalho, o que explica a relevância da análise dos novos institutos
processuais numa leitura voltada para os operadores do Direito do Trabalho. Devido às limitações
do presente trabalho, restringimos nossa análise
ao art. 3º do novo diploma, que positiva formas
alternativas de solução de conflitos. Vejamos sua
aplicação ao processo do trabalho.
2. Art. 836: “É vedado aos órgãos da Justiça do Trabalho conhecer
de questões já decididas, excetuados os casos expressamente previstos neste Título e a ação rescisória, que será admitida na forma do
disposto no Capítulo IV do Título IX da Lei 5.869, de 11 de janeiro
de 1973, Código de Processo Civil, dispensando o depósito referido
nos arts. 488, inc. II, e 494 daquele diploma legal”.
3. Art. 882: “O executado que não pagar a importância reclamada
poderá garantir a execução mediante depósito da mesma, atualizada
e acrescida das despesas processuais, ou nomeando bens à penhora,
observada a ordem preferencial estabelecida no art. 655 do Código
de Processo Civil”.
23/04/2015 16:28:44
O art. 3º do Novo CPC estabelece que:
“Não se excluirá da apreciação jurisdicional
ameaça ou lesão a direito.
naquelas entre particular e o Estado, pois sem ela
perdem os cidadãos a possibilidade de viverem em
sociedade sob o império da lei”.
Ao lado da resolução de conflitos pela jurisdição
estatal, o novo Código amplia o âmbito do acesso à
Justiça, consagrando expressamente no texto legal
§ 1º - É permitida a arbitragem, na forma da lei.
meios alternativos de resolução de conflitos. O § 1º
§ 2º - O Estado promoverá, sempre que possí-
trata da arbitragem, e os §§ 2º e 3º dispõem sobre
vel, a solução consensual dos conflitos.
§ 3º - A conciliação, a mediação e outros mé-
a solução consensual, notadamente através da mediação e da conciliação.
todos de solução consensual de conflitos deverão
Os conceitos podem gerar certa confusão. Por
ser estimulados por juízes, advogados, defensores
meio de uma negociação, as partes envolvidas
públicos e membros do Ministério Público, inclu-
num litígio buscam diretamente e sem interve-
sive no curso do processo judicial”.
niência de uma terceira pessoa chegar a uma solução consensual. Frustrada essa tentativa, pode-se
Ao lado da resolução de
conflitos pela jurisdição estatal,
o novo Código amplia o âmbito
do acesso à Justiça.
passar à mediação, por meio da qual se insere a
figura de um terceiro, que irá atuar junto às partes
litigantes para conseguir obter a pacificação do
conflito. Fala-se em modalidade passiva quando
o mediador apenas escuta as versões, tenta apaziguar as partes, mas não introduz o seu ponto de
vista. E, modalidade ativa, quando o mediador
Livro_126.indb 19
O art. 3º do Novo CPC consiste na positivação,
interage com as partes e apresenta propostas para
no Novo CPC, do princípio da inafastabilidade do
solução do conflito. No Direito brasileiro esse úl-
controle jurisdicional, consignado no art. 5º, inciso
timo modelo recebe o nome de conciliação e está
LV, da Constituição Federal (CF): “a lei não ex-
ligado ao Poder Judiciário. E, por fim, na arbitra-
cluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
gem, um terceiro, que não pertence ao Poder Ju-
ameaça a direito”. Trata-se de consequência do
diciário, na hipótese de as partes não conciliarem,
que a doutrina chama de constitucionalização
profere uma decisão para solução da controvérsia,
do processo.
que deverá ser respeitada pelas partes.
O acesso à Justiça pode ser considerado como a
A doutrina fala de meios de autocomposição e
mais importante das garantias processuais constitu-
heterocomposição de solução dos conflitos. Con-
cionais. Conforme aponta Leonardo Greco (2005,
forme esclarece Ana Paula Pellegrina Lockmann
p. 225-6),
(2014, p. 127-128),
“todas as pessoas naturais e jurídicas, indepen-
“a autocomposição é a forma direta de solução
dentemente de qualquer condição, têm o direito de
do conflito, na qual os litigantes, em consenso e
dirigir-se ao Poder Judiciário e deste receber respos-
sem o emprego da força, fazem concessões recípro-
ta sobre qualquer pretensão. Este é um direito que
cas mediante ajustes de vontade, chegando à so-
todos devem ter a possibilidade concreta de exer-
lução pacífica da controvérsia. Pode se dar à mar-
cer, para a tutela de qualquer direito ou posição
gem do processo (extraprocessual) ou no bojo do
de vantagem, inclusive os de natureza coletiva ou
próprio processo (intraprocessual). São exemplos
O a r t . 3 º d o N o v o C ó d i g o d e P ro ces s o Civil e o processo do trabalh o.
Processo Civil e sua repercussão
no processo do trabalho
difusa, tanto nas relações entre particulares como
19
Revi s t a d o A d v o g a d o
3 O art. 3º do Novo Código de
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O a r t . 3 º d o N o v o C ó d i g o d e P ro ces s o Civil e o processo do trabalh o.
Re v is t a d o A d v o g a d o
20
de autocomposição trabalhista a convenção coleti-
tema ainda gera bastante polêmica no processo do
va de trabalho e o acordo coletivo de trabalho (art.
trabalho.
611 e seguintes da CLT), a mediação e a concilia-
A jurisprudência trabalhista majoritária, na
ção, inclusive a celebrada no âmbito da Comissão
verdade quase unânime, não admite a arbitragem
de Conciliação Prévia – CCP (art. 625-E da CLT).
como solução alternativa para solução de lides na
Na heterocomposição, o conflito é solucionado por
seara das relações trabalhistas.5
um terceiro, que decide a lide com força obrigató-
Luciano Athayde Chaves (2012, p. 147) ressal-
ria sobre os litigantes. Observe que, enquanto na
va que “é de se considerar que a legislação traba-
autocomposição o resultado é obtido diretamente
lhista tem viés protetor em relação ao trabalhador,
pelas próprias partes (ainda que haja a participa-
em razão de suas vulnerabilidades (técnica, eco-
ção de um mediador ou conciliador como facilita-
nômica e social), o que implica a necessária inter-
dores), na heterocomposição os litigantes (ou um
venção do Estado ou de entidade delegada para a
deles, no caso de ação judicial) submetem a lide a
realização de atos relacionados com o contrato de
um terceiro em busca de uma solução por ele a ser
trabalho”. E, assim, conclui:
firmada. Podemos citar a jurisdição e a arbitragem
como exemplos de heterocomposição”.
“Parece-me, contudo, que a vedação à arbitragem – salvo situações excepcionais, em que
Acerca desta tendência do Direito Processual
ausentes as vulnerabilidades que, de ordinário, to-
de busca de alternativas para solução dos conflitos,
cam ao sujeito ativo do contrato de trabalho, com
agora adotada no Novo CPC, Cintra, Grinover e
ou sem subordinação – é medida que melhor se
Dinamarco (2012, p. 44) lecionam que “alarga-se
ajusta ao nosso sistema social e jurídico” (CHA-
o conceito de acesso à justiça, compreendendo os
VES, 2012, p. 149).
meios alternativos, que se inserem em um amplo
Na verdade, quanto a esse tema, é necessário
quadro de política judicial”. Vejamos cada um deles
perquirir se o crédito trabalhista é passível de ser
e sua aplicação ao processo do trabalho.
objeto de transação ou não. A mera alegação de
que se trata de direito indisponível não nos parece
3.1. Arbitragem
A arbitragem pode ser definida como
a melhor solução.
A questão merece maior reflexão, uma vez que,
“um meio essencialmente privado e efetivo,
após a extinção da relação de trabalho, desde que
escolhido pelas partes com o objetivo de obter um
haja controvérsia quanto às parcelas objeto do lití-
provimento resolutivo final e vinculante para uma
gio, não vislumbramos impedimento para utiliza-
dada disputa, sem a necessidade de se recorrer à
ção de tal forma de solução de conflitos judiciais,
Corte Estatal” (REDFERN; HUNTER, 2009, p. 2).
No Brasil a arbitragem é regulada pela Lei
nº 9.307/1996, e, diante de anterior polêmica
quanto à natureza do instituto, o Fórum Permanente de Processualistas Civis editou enunciados
que apontam para o seu caráter jurisdicional,4
diante da desnecessidade de posterior validação
da decisão arbitral ou homologação estatal.
Não obstante a opção legislativa do Novo CPC,
que consolida no processo comum a arbitragem
como meio alternativo de solução de conflitos, o
Livro_126.indb 20
4. “1. Art. 3º; Art. 42. O árbitro é dotado de jurisdição para processar
e julgar a controvérsia a ele apresentada, na forma da lei. (Grupo:
Arbitragem – Enunciado aprovado por aclamação)”.
“3. Art. 16; Art. 42; Art. 69, § 2º. O árbitro é juiz de fato e de direito e
como tal exerce jurisdição sempre que investido nessa condição, nos termos
da lei. (Grupo: Arbitragem – Enunciado aprovado por aclamação)”.
5. “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ARBITRAGEM. DIREITO INDIVIDUAL. IMPOSSIBILIDADE. Tendo em vista o caráter de indisponibilidade e irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, é vedada a arbitragem nas relações individuais de trabalho. Inteligência do art. 1º da Lei
n. 9.307/96. Precedentes do C. TST. Recurso ordinário a que se nega
provimento” (TRT-2ª Região, Proc. RO nº 00712001120095020442,
Rel. Juiz Edilson Soares de Lima, 23/9/2011).
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José Abud (2007, p. 13),
Nesse sentido é digno de registro que a arbitra-
“não equivale à desregulamentação, ou seja,
gem é plenamente aceita e aplicada nos dissídios
à eliminação de normas do ordenamento jurídi-
coletivos, conforme previsão do art. 114, §§ 1º e 2º,
co estatal, mas sim à promoção do ajustamento
da CF. Nesse caso, não há que se falar em hipos-
da legislação trabalhista, contratual, à realidade
suficiência econômica em razão da participação
sem atingir seus fundamentos dogmáticos nem
dos sindicatos, conforme entendimento da juris-
modificar sua estrutura normativa. Em outras pa-
prudência laboral.
lavras, significa a busca de novo paradigma para
6
Não são todos os direitos trabalhistas que são
o contrato individual de trabalho, sem abandonar
irrenunciáveis. Há alguns que podem ser objeto
o protecionismo clássico da legislação trabalhista
de transação, como redução de jornada de trabalho
cogente”.
e consequente redução salarial. O art. 7º, inciso VI,
da CF é claro no sentido de que
É conhecido no meio jurídico o caso da
Volkswagen, que, em vez de realizar uma dispen-
“são direitos dos trabalhadores urbanos e ru-
sa em massa, optou por, com a intervenção do
rais, além de outros que visem à melhoria de sua
sindicato, reduzir a carga horária e consequente
condição social: irredutibilidade do salário, salvo
salário de seus operários, para que fosse respeitada
o disposto em convenção ou acordo coletivo”.
a garantia do emprego e um de seus principais
Ora, conforme o texto expresso da CF, desde que
disposto em convenção ou acordo coletivo, é possí-
corolários, a dignidade da pessoa humana. A flexibilização, pois, é um válido caminho a seguir.
vel a redução salarial. Tal disposto visa resguardar o
trabalhador para os momentos de crise financeira.
Pergunta-se: é melhor perder o emprego num momento de crise econômica ou ter o salário reduzido?
Nesse contexto ganha espaço a corrente de flexibilização das normas trabalhistas, que deixam
Não são todos os direitos
trabalhistas que são
irrenunciáveis.
de ser intocáveis, para se adaptarem a novas realidades econômicas. Flexibilizar significa adaptar,
É lógico que existem inúmeras vozes desfavo-
tornar flexível. Permite-se, pois, a atenuação das
ráveis a ela. Algumas mais radicais, conforme o
formas rígidas do Direito do Trabalho em deter-
autor Luiz Souto Maior (2009, p. 27): “É totalmen-
minadas situações econômicas, em oposição a um
te equivocado considerar que os acordos e conven-
Direito inflexível e engessado.
ções coletivas de trabalho possam sem qualquer
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a hipossuficiência econômica.
Conforme ressaltam Fabíola Marques e Cláudia
21
Revi s t a d o A d v o g a d o
especialmente naquelas situações em que inexiste
avaliação de conteúdo reduzir direitos trabalhistas
6. “RECURSO DE REVISTA. ARBITRAGEM. DISSÍDIOS INDIVIDUAIS TRABALHISTAS. INCOMPATIBILIDADE. Nos dissídios coletivos, os sindicatos representativos de determinada classe de
trabalhadores buscam a tutela de interesses gerais e abstratos de uma
categoria profissional, como melhores condições de trabalho e remuneração. Os direitos discutidos são, na maior parte das vezes, disponíveis e passíveis de negociação, a exemplo da redução ou não da jornada de trabalho e de salário. Nessa hipótese, como defende a grande
maioria dos doutrinadores, a arbitragem é viável, pois empregados e
empregadores têm respaldo igualitário de seus sindicatos. [...] Recurso
de revista conhecido e provido” (RR nº 13100-51.2005.5.20.0006, Rel.
Min. José Roberto Freire Pimenta, 14/10/2011).
Livro_126.indb 21
legalmente previstos, simplesmente porque a constituição previu o reconhecimento das convenções
e acordos coletivos de trabalho (inciso XXVI do
art. 7º), redução de salário (inciso VI, art. 7º) e
a modificação dos parâmetros da jornada reduzida para o trabalho em turnos ininterruptos de
revezamento (inciso XIV, art. 7º)”, e outras mais
moderadas, como a do ministro do TST Maurício
Godinho Delgado (2002, p. 212), que defende:
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“Entendo que existem direitos de indisponibilida-
resolução de conflitos e de acesso à Justiça no art.
de absoluta e direitos de indisponibilidade (ou dis-
3º ora examinado, resta consignada a nossa refle-
ponibilidade) relativa”. De toda sorte, repetimos,
xão para que os operadores do Direito Processual
trata-se de um válido caminho a seguir.
do trabalho reflitam e repensem sobre a aplicação do
O a r t . 3 º d o N o v o C ó d i g o d e P ro ces s o Civil e o processo do trabalh o.
7
Re v is t a d o A d v o g a d o
22
Nesse diapasão é a jurisprudência do TST, que
instituto no processo do trabalho, como já o fez o
admite a flexibilização, mas excepciona alguns
atual presidente do TST, Antonio José de Barros
direitos, como aqueles relativos a segurança e medi-
Levenhagem, em julgamento de um recurso de
cina do trabalho:
revista:
“INTERVALO INTRAJORNADA. REDU-
“Desse modo, não se depara, previamente, com
ÇÃO. PREVISÃO DA HORA CORRIDA EM
nenhum óbice intransponível para que ex-empre-
ACORDOS COLETIVOS. A Constituição Fe-
gado e ex-empregador possam eleger a via arbitral
deral de 1988 conferiu maiores poderes aos sin-
para solucionar conflitos trabalhistas, provenientes
dicatos, de modo que essas entidades podem, no
do extinto contrato de trabalho, desde que essa
interesse de seus associados e mediante negociação
opção seja manifestada em clima de ampla liber-
coletiva, restringir certos direitos assegurados aos
dade, reservado o acesso ao judiciário para dirimir
trabalhadores a fim de obter vantagens não pre-
possível controvérsia sobre a higidez da manifesta-
vistas em lei. Não obstante, tal flexibilização não
ção volitiva do ex-trabalhador, na esteira do art. 5º,
autoriza a negociação coletiva que atente contra as
inc. XXXV, da Constituição” (TST, 4ª T., RR nº
normas referentes à segurança e saúde no trabalho.
144300-80.2005.5.02.0040, j. 15/12/2010).
De fato, o estabelecimento do intervalo mínimo de
uma hora para refeição e descanso dentro da jornada de trabalho é fruto da observação e análise de
comportamento humano, e das reações de seu organismo quando exposto a várias horas de trabalho.
Doutrina e jurisprudência evoluíram no sentido da
necessidade desse intervalo mínimo para que o trabalhador possa não apenas ingerir alimento, mas
também digeri-lo de forma adequada, a fim de evitar o estresse dos órgãos que compõem o sistema
digestivo, e possibilitar maior aproveitamento dos
nutrientes pelo organismo, diminuindo também a
fadiga decorrente de horas de trabalho. Se de um
lado a Constituição prevê o reconhecimento das
convenções e acordos coletivos de trabalho como
direitos dos trabalhadores urbanos e rurais (art. 7º,
XXVI da Constituição Federal), de outro estabelece ser a saúde um direito social a ser resguardado
(art. 6º da Carta Política). Recurso de Revista não
reconhecido” (TST, RR nº 619.959.99.7, Rel. Min.
Rider Nogueira de Brito, publ. 14/3/2003).
Diante de tal contexto e do Novo CPC, que
ratifica a arbitragem como meio alternativo de
Livro_126.indb 22
7. É a jurisprudência dos tribunais pátrios: “PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA. FLEXIBILIZAÇÃO DE
DIREITOS DE INDISPONIBILIDADE RELATIVA. O princípio
da adequação setorial negociada, que retrata o alcance da contraposição das normas coletivamente negociadas àquelas de cunho
imperativo, emanadas do Estado, viabiliza que as normas autônomas construídas para incidirem no âmbito de certa comunidade
econômico-profissional possam prevalecer sobre aquelas de origem
heterônoma, desde que transacionem parcelas de indisponibilidade
apenas relativa, como, e.g, as concernentes à manutenção da hora
noturna em sessenta minutos, vez que não caracteriza alteração
em patamar prejudicial à saúde do trabalhador e desde que não
traduza simples renúncia, mas transação de direitos” (TRT-MG,
01512.2001.018.03.00.4, Rel. Designado Juiz Júlio Bernardo do
Campo, publ. 7/6/2002).
“ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. ÍNDICE INFERIOR
AO LEGAL. PACTUAÇÃO EM INSTRUMENTO NORMATIVO. VALIDADE. A Constituição Federal de 1988 trouxe à ordem
jurídica trabalhista brasileira maior possibilidade de flexibilização,
permitindo, inclusive, a redução salarial, desde que por intermédio
da negociação coletiva, como dispõe expressamente o artigo 7º, em
seu inciso VI. O artigo 195, § 1º, da CLT, por sua vez, já permitia
ao sindicato intentar reclamatória visando à apuração da condição
perigosa ou insalubre em ambiente de trabalho. A conjunção dos
dispositivos legais em tela e a natureza salarial do adicional de periculosidade revelam a possibilidade de a empresa e o sindicato dos
trabalhadores pactuarem o pagamento do referido adicional de forma parcial, considerando os parâmetros estabelecidos na transação
havida. Válidos, portanto, os termos do acordo firmado em dissídio
coletivo, onde restou estipulado que o percentual a ser aplicado seria
22,5%” (TRT-SP, 02531-2003-2010-02-00-4, Rel. Designada Juíza
Mércia Tomazinho, publ. 14/10/2008).
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Paralelamente à arbitragem, o dispositivo
de busca de meios alternativos de resolução de
legal examinado também concretiza outras im-
conflitos, pois o art. 331 do vigente CPC já havia
portantes inovações no que tange a métodos de
tornado obrigatória a tentativa judicial de con-
resolução de conflitos, como a conciliação e a me-
ciliação. E o Conselho Nacional de Justiça, por
diação. Tais institutos figuram não apenas como
meio da Resolução nº 125, determinou que cabe
normas fundamentais do processo, mas estão pre-
ao Judiciário estabelecer política pública de
vistos de forma esparsa em todo o Código, tanto
tratamento adequado dos problemas jurídicos
no que se refere aos deveres do juiz, das partes e
e dos conflitos de interesse não somente nos
dos demais sujeitos do processo como na criação
processos judiciais, mas mediante outros meca-
de centros judiciários de mediação e conciliação
nismos de solução de conflitos, em especial dos
(arts. 165 e ss.).
consensuais, como a mediação e a conciliação.
É necessário distingui-los. Conforme esclarece
Humberto Dalla Pinho (2013, p. 920),
É digno de registro que a conciliação é um
dos princípios norteadores do processo do tra-
“a distinção entre mediação e conciliação é
balho. O juiz do trabalho é obrigado a tentar a
tarefa um tanto árdua. Podemos, então, estabe-
conciliação na abertura da audiência e antes de
lecer três critérios fundamentais: quanto à fina-
proferir a sentença, e a decisão que a homologa é
lidade, a mediação visa resolver, da forma mais
irrecorrível, salvo para a Previdência Social quan-
abrangente possível, o conflito entre os envolvi-
to às contribuições que lhe são devidas, como se
dos. Já a conciliação contenta-se em resolver o
observa respectivamente dos arts. 846, 850 e 831,
litígio conforme as posições apresentadas pelos
parágrafo único, da CLT.8
envolvidos. Quanto ao método, o conciliador as-
No dissídio coletivo, a conciliação também é
sume posição mais participativa, podendo sugerir
obrigatória, como se pode constatar do art. 764
às partes os termos em que o acordo poderia ser
da CLT: “os dissídios individuais ou coletivos sub-
realizado, dialogando abertamente a esse respei-
metidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão
to, ao passo que o mediador deve abster-se de to-
sempre sujeitos à conciliação”.
mar qualquer iniciativa de proposição, cabendo a
Nesse diapasão, podemos concluir que o Novo
ele apenas assistir as partes e facilitar sua comuni-
CPC, ao dispor sobre a conciliação no seu art. 3º,
cação, para favorecer a obtenção de um acordo de
como meio alternativo de resolução de conflitos,
recíproca satisfação. Por fim, quanto aos vínculos,
está em total consonância com o processo do tra-
a conciliação é uma atividade inerente ao Poder
balho, que já prioriza essa forma de solução dos
Judiciário, podendo ser realizada por juiz togado,
litígios, com sucesso, há bastante tempo.
por juiz leigo ou por alguém que exerça a função
específica de conciliador”.
O a r t . 3 º d o N o v o C ó d i g o d e P ro ces s o Civil e o processo do trabalh o.
Falamos em concretização dessa tendência
23
Revi s t a d o A d v o g a d o
3.2. Conciliação
Quanto à mediação, não podemos dizer o
mesmo, pois, assim como a arbitragem, sofre muito
preconceito pela grande maioria dos operadores
8. Art. 846 da CLT: “Aberta a audiência, o juiz ou presidente proporá
a conciliação”.
Art. 850 da CLT: “Terminada a instrução, poderão as partes aduzir
razões finais, em prazo não excedente a 10 minutos para cada uma.
Em seguida, o juiz ou presidente renovará a proposta de conciliação,
e não se realizando esta, será proferida a decisão”.
Art. 831, parágrafo único, da CLT: “No caso de conciliação, o termo
que for lavrado valerá como decisão irrecorrível, salvo para a Previdência Social quanto às contribuições que lhe forem devidas”.
Livro_126.indb 23
do processo do trabalho e é rechaçada pela magistratura trabalhista para solução de conflitos
individuais.
3.3. Mediação
Na seara dos conflitos coletivos do trabalho,
a mediação já é admitida de forma pacífica, por
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Rev i st a d o A d v o g a d o
24
meio de sucessivas regulamentações legais. Em
mentos que versarem sobre interesses difusos,
28 de julho de 1995, foi publicado o Decreto nº
coletivos e individuais homogêneos, mediados
1.572, que regulamentou a mediação nas nego-
por órgãos do Ministério Público do Trabalho ou
ciações coletivas, atribuindo ao Ministério do
Ministério do Trabalho, ou negociações coletivas
Trabalho e Emprego o exercício da atividade. Os
por meio dos sindicatos. Como sempre, o argu-
principais critérios para participação do mediador
mento é a suposta indisponibilidade que reveste
na negociação de conflitos coletivos foram esta-
os direitos trabalhistas.
belecidos pela Portaria nº 817, de 20 de agosto de
Não vemos razão para excluir de forma absolu-
1995. E o Decreto nº 5.063, de 3 de maio de 2004,
ta, na solução dos conflitos trabalhistas individuais,
definiu como competência da Secretaria de Rela-
a mediação. Será que o trabalhador sempre está
ções do Trabalho a promoção do planejamento,
numa situação de hipossuficiência frente ao seu
coordenação, orientação e promoção da prática
empregador, de forma a estar incapacitado de ne-
de negociação coletiva, mediante arbitragem e
gociar os seus direitos por outros meios alternativos
mediação.
sem intervenção estatal, como ocorre na mediação
Ocorre que, na seara dos conflitos individuais,
e arbitragem? Ora, tudo que foi dito em relação a
ainda há bastante preconceito, especialmente no
esta última, no que tange a essa possibilidade de
seio da magistratura trabalhista. Exemplo deste
solução de conflitos e flexibilização de direitos tra-
consiste na intervenção da Associação Nacional
balhistas, repetimos aqui para a mediação.
dos Magistrados Trabalhistas (Anamatra) no Pro-
É importante voltarmos os olhos para o Direito
jeto de Lei (PL) nº 7.169/2014 (Nova Lei de Me-
Comparado e o que ocorre atualmente em outros
diação Brasileira), que teve o condão de extrair o
países, como exemplos positivos que possamos
termo “trabalhista” do art. 41 da lei, por meio da
adotar e seguir. A experiência com a mediação
incorporação da Emenda nº 5/2014, de autoria do
nos Tribunais do Trabalho do Reino Unido, por
deputado Alessandro Molon, que atendeu o argu-
exemplo, é muito válida. O recente Employment
mento de que “a aplicação da mediação no âmbi-
tribunal claim form está em vigor desde 29 de
to das relações de trabalho é medida que afronta
junho de 2013.
a essência própria do Direito do Trabalho [...]”.
9
(2014, p. 427), ao comentar o novo Employment
Não vemos razão para excluir, na
solução dos conflitos trabalhistas
individuais, a mediação.
O deputado Alessandro Molon apresentou
ainda, recentemente, propostas de emendas aditivas ao substitutivo do PL nº 7.169 (ESB nº 8 e
nº 9), com o objetivo de excluir qualquer possibilidade de realização de mediação privada ou
obrigatória quando envolver direito individual
do trabalho, especialmente durante a vigência do
contrato de trabalho, restringindo-a a procedi-
Livro_126.indb 24
Conforme ressalta Michele Pedrosa Paumgartten
tribunal claim form,
“Entre as inúmeras alterações às regras procedimentais trabalhistas que ocorreram a partir de
9. A nota que consta do site da instituição diz o seguinte: “A pretensão legislativa da aplicação da mediação no âmbito das relações
de trabalho é medida que afronta a essência própria do Direito do
Trabalho, bem como o patamar mínimo de dignidade conferido ao
trabalhador. Tal inviabilidade decorre do fato de que as normas de
direito do trabalho são normas de ordem pública, assim consideradas porque estabelecem os princípios cuja manutenção se considera
indispensável à organização da vida social, segundo os preceitos de
direito, sendo que a ordem pública interna denota a impossibilidade
de disponibilidade pela vontade privada”. Disponível em: <http://
www.anamatra.org.br/index.php/anamatra-na-midia/mediacao-deconflitos-que-inclui-relacoes-trabalhistas-aguarda-parecer-na-ccj>.
Acesso em: 29 out. 2014.
23/04/2015 16:28:45
meio de resolução de conflitos. Os juízes do traba-
lhistas à disposição das partes litigantes, seja em
lho são obrigados, sempre que possível e apropria-
dissídios coletivos, como já é aceito, seja em dissí-
do, a encorajar as partes na utilização da concilia-
dios individuais.
ção, da mediação judicial, extrajudicial ou outros
meios que possam viabilizar a celebração de um
4 Conclusão
acordo entre as partes”.
Merece registro nessa leitura do art. 3º do
O Novo CPC, aprovado pelo Senado em
Novo CPC, sob o viés do processo do trabalho,
dezembro de 2014, com vacacio legis de um ano,
a existência das chamadas comissões de concilia-
é uma realidade para os operadores do Direito e
ção prévia, incluídas na CLT por meio da Lei nº
deve começar a ser discutido e estudado pela dou-
9.958/2000, como exemplo de mediação trabalhista.
trina nacional.
A despeito de o Supremo Tribunal Federal ter
Nesse escopo de interpretá-lo e entendê-lo,
considerado inconstitucional o art. 625-D da CLT
não podem ser olvidados os seus reflexos no pro-
que submete obrigatoriamente qualquer demanda
cesso do trabalho, cuja aplicação subsidiária a essa
trabalhista ao crivo das Comissões de Conciliação
seara processual é obrigatória por força de seu art.
Prévia antes da propositura da ação trabalhista e
15, bem como art. 769 da CLT.
efetivamente na prática as partes não procurarem
O art. 3º do Novo CPC permite a arbitragem,
tais instituições de composição paritária entre em-
determina ao Estado promover, sempre que pos-
presas e sindicatos para solução de seus conflitos,
sível, a solução consensual dos litígios e incita os
se corretamente implantada, seria uma boa alter-
operadores do Direito a estimularem a concilia-
nativa para solução das lides trabalhistas, uma vez
ção e a arbitragem como métodos alternativos de
que a homologação dos acordos pelas comissões
solução dos conflitos.
dá quitação geral para as parcelas objeto da tran-
Qual a repercussão dessa norma no processo
sação (exceto para eventuais ressalvas consignadas
do trabalho? Esses métodos alternativos se apli-
no termo), além de a submissão da lide à comissão
cam para solução de conflitos trabalhistas? Neste
ter o condão de suspender o prazo prescricional
brevíssimo artigo procuramos responder a essa
para a propositura da ação trabalhista, conforme
indagação, feita já no título do trabalho. E nossa
regem os arts. 625-E e 625-G do diploma traba-
resposta é positiva.
lhista. Ou seja, não obtida a composição por meio
A conciliação já é uma realidade há bastante
dessa espécie de mediação, a parte pode recorrer
tempo no processo do trabalho. Em relação aos
ao Poder Judiciário Trabalhista sem qualquer pre-
demais métodos alternativos, mesmo com toda a
juízo processual.
desconfiança e preconceito da magistratura traba-
As comissões de conciliação prévia, apesar de
lhista, diante dos novos conflitos trabalhistas que
constituição distinta, têm a mesma função dos
surgem com a dinâmica das novas relações so-
Centros Judiciários de Solução Consensual de
ciais, e ausente a hipossuficiência do trabalhador,
Conflitos previstos nos arts. 165 e seguintes do
é possível, sim, desde que com ampla liberdade e
Novo CPC, que, por meio de conciliação e me-
sem qualquer vício de consentimento, os litigan-
diação, também buscam uma forma alternativa e
tes se valerem da mediação ou arbitragem.
célere de solucionar os conflitos.
Livro_126.indb 25
O a r t . 3 º d o N o v o C ó d i g o d e P ro ces s o Civil e o processo do trabalh o.
mais uma forma de resolução de conflitos traba-
25
Re vis t a d o A d v o g a d o
2013, está a maior ênfase dada à mediação como
A vulnerabilidade do trabalhador oriunda de
Enfim, a mediação não afronta a essência do
sua hipossuficiência econômico-financeira é miti-
Direito do Trabalho e deve ser incentivada como
gada após a rescisão do contrato de trabalho, pois
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O a r t . 3 º d o N o v o C ó d i g o d e P ro ces s o Civil e o processo do trabalh o.
Rev i st a d o A d v o g a d o
26
não há mais a subordinação inerente ao vínculo
posição as experiências do Direito Comparado,
de emprego. Assim, desde que o trabalhador opte
especialmente a mais recente do uso de mediação
livremente por uma dessas formas alternativas de
nos Tribunais do Trabalho do Reino Unido.
solução de conflito, não vemos por que privá-lo,
Em suma, vivemos uma nova era na solução dos
bem como o seu empregador, de uma solução
conflitos, na qual a jurisdição estatal não é mais o
mais célere e eficaz para a controvérsia.
único caminho a seguir. O Novo CPC entra em vi-
É possível e até mesmo aconselhável que seja
gor já atento e estimulando essas mudanças de para-
obrigatória a participação de advogados e a possi-
digma. O art. 3º do novo diploma aqui examinado é
bilidade de recurso ao Judiciário para as hipóteses
exemplo disso. Como se aplica subsidiariamente ao
em que se comprovar a ausência de liberdade na
processo do trabalho, é necessário que os operadores
escolha do meio alternativo ou vício de consenti-
do Direito laboral acompanhem as mudanças, refli-
mento de qualquer natureza.
tam e repensem suas posições em relação à media-
Em relação a essas formas alternativas de solução dos conflitos trabalhistas, corroboram nossa
adaptações necessárias à tutela dos trabalhadores.
Bibliografia
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Livro_126.indb 26
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23/04/2015 16:28:45
O
s honorários recursais no Novo
Código de Processo Civil.
Sumário
1.Uma relevante novidade do Novo CPC
2.Somente devem ser arbitrados honorários nos
recursos que tenham origem na decisão final da
causa
3.Em todos os recursos?
4.Litisconsórcio
5.Desistência do recurso
6.O arbitramento dos honorários recursais
1 Uma relevante novidade do Novo CPC
De acordo com o art. 20 do Código de Processo
Civil (CPC) de 1973, “a sentença condenará o
vencido a pagar ao vencedor as despesas que an-
27
Revi s t a d o A d v o g a d o
Bibliografia
tecipou e os honorários advocatícios”. A referência
do texto à “sentença” e a inexistência de previsão
específica quanto ao cabimento de uma condenação complementar em honorários em sede recurBruno Vasconcelos Carrilho Lopes sal fizeram com que se consolidasse na doutrina
Mestre e doutor em Direito Processual pela
e na jurisprudência o entendimento de que: i)
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
deve ser arbitrada na sentença a verba honorária
que remunerará o trabalho do advogado no decorrer de toda a fase de conhecimento do processo;
e ii) na hipótese de o vencido interpor recurso e
a sentença ser mantida, é inadmissível o arbitramento de novos honorários para remunerar o trabalho desenvolvido pelo advogado do recorrido na
fase recursal (CAHALI, 1997, p. 467-468).
Livro_126.indb 27
23/04/2015 16:28:45
O s h o n o r á r i o s r e c u r s a i s n o No vo Có d ig o de Processo Civil.
Rev i st a d o A d v o g a d o
28
Esse arbitramento único em sentença foi objeto
exclusivamente para os casos em que é negado
de críticas, pois os honorários servem à remuneração
provimento ao recurso, pois é somente nessa hi-
do trabalho do advogado e todo o trabalho deve ser
pótese que o tribunal “majorará os honorários
remunerado, não apenas o realizado em primeiro
fixados anteriormente”.1
grau de jurisdição. Como os honorários são arbitra-
Quando o recurso é provido, não haverá majo-
dos em consideração à efetiva atuação do advogado
ração dos honorários fixados anteriormente, pois a
e não se sabe no momento da sentença se o proces-
condenação em honorários imposta na decisão re-
so terá continuidade com a interposição de recurso,
corrida beneficiava o advogado do recorrido e será
é inviável considerar no arbitramento um eventual
cassada. Uma condenação em honorários totalmen-
trabalho futuro, que ficará sem remuneração se não
te nova deverá ser imposta pelo tribunal, agora em
for fixada uma nova verba. Diante dessa e de outras
benefício do advogado do recorrente, devendo ser
premissas, já no sistema do CPC de 1973 era impe-
considerado no arbitramento da verba o trabalho
rativo o arbitramento de honorários complementares
realizado pelo advogado no decorrer de todo o pro-
no julgamento do recurso, de modo a remunerar o
cesso, inclusive na fase recursal. Aqui não há novi-
trabalho realizado pelo advogado nessa nova fase do
dade alguma, pois, de forma incoerente com o não
processo (LOPES, 2008, p. 189-190).
arbitramento de honorários complementares para
remunerar o trabalho do advogado do recorrido
O art. 85, § 11, traz verdadeira
novidade exclusivamente para
os casos em que é negado
provimento ao recurso.
quando o recurso não é provido, não se questiona
na aplicação do CPC de 1973 que no novo arbitramento de honorários decorrente do provimento de
recurso o julgador deve considerar todo o trabalho
realizado pelo advogado até o julgamento do tribunal, não apenas a atuação em primeira instância.
Feitos esses esclarecimentos iniciais a respeito
A crítica não surtiu efeito na vigência do CPC
do alcance do art. 85, § 11, do Novo CPC, resta
de 1973, mas as razões que a ampararam impul-
claro de seu texto que o objetivo é remunerar o
sionaram o legislador a prever no Novo CPC o
trabalho desenvolvido pelo advogado na fase re-
arbitramento de uma verba honorária comple-
cursal, não punir o recorrente pelo insucesso de
mentar no julgamento dos recursos. Eis o texto do
seu recurso.2 Entretanto, não se pode ignorar seu
art. 85, § 11:
efeito colateral benéfico de desestimular a inter-
“o tribunal, ao julgar recurso, majorará os ho-
posição de recursos protelatórios, da mesma for-
norários fixados anteriormente levando em conta
ma como a condenação em honorários imposta na
o trabalho adicional realizado em grau recursal,
observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º
a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral
da fixação de honorários devidos ao advogado do
vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento”.
O dispositivo trata de forma genérica do julgamento de recurso pelo tribunal, sem trazer distinções quanto ao resultado do julgamento. No
entanto, o art. 85, § 11, traz verdadeira novidade
Livro_126.indb 28
1. Trata-se de uma verba adicional, que tem o objetivo de remunerar
o trabalho realizado pelo advogado do recorrido na fase recursal.
É, portanto, inadmissível considerar no arbitramento dos honorários
recursais o trabalho realizado pelo advogado antes de interposto o recurso. A revisão dos honorários arbitrados na decisão recorrida para
a fase anterior à sua prolação somente é possível se houver a interposição de recurso que devolva a apreciação da matéria ao tribunal
(LOPES, 2008, p. 196).
2. Para evitar uma inadmissível confusão dos honorários recursais
com uma sanção punitiva, o § 12 do art. 85 do Novo CPC chega a
esclarecer que “os honorários referidos no § 11 são cumuláveis com
multas e outras sanções processuais, inclusive as previstas no art. 77”.
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abusivas (DINAMARCO, 2009a, p. 651; LOPES,
adequada dos §§ 1º e 11 do art. 85. A responsabili-
2008, p. 4-5).
dade por todas as verbas que integram o custo do
É certo que em muitos casos o recurso não pro-
processo deve ser atribuída a quem deu causa ao
vido foi interposto com a melhor das intenções,
processo como um todo, não a cada um dos inci-
amparado em fundamentos que tornam legítimo
dentes que vierem a ser instaurados no decorrer
o ato de recorrer. Não há, no entanto, qualquer
do procedimento. Vale, “a propósito da carga das
afronta ao duplo grau de jurisdição ou à garantia
despesas, a delícia que se desfruta ao ser vencida
de acesso à Justiça ao ser imposta a condenação
não apenas uma simples batalha, mas a guerra”
desse recorrente de boa-fé ao pagamento dos ho-
(CAHALI, 1997, p. 362). O causador do proces-
norários recursais. Aplicam-se aqui os mesmos
so, que na grande maioria dos casos é o vencido,
princípios e regras que legitimam e norteiam a
somente é identificado ao final da causa, no mo-
condenação em honorários em primeira instância.
mento em que a sentença é proferida. É, portanto,
O recorrente que sucumbe é responsável pelos ho-
na sentença que deve haver o arbitramento de ho-
norários recursais por ter dado causa à instauração
norários, e somente faz sentido a fixação da verba
da fase recursal e tornado necessário o trabalho
honorária prevista no § 11 do art. 85 nos recursos
realizado nessa fase pelo advogado do recorrido
que tiverem origem na sentença.
(CARNELUTTI, 1956, p. 223-225; GUALANDI,
Não bastasse ser essa a lógica de todo o sistema
1962, p. 251; LOPES, 2008, p. 38-44). Essa res-
de distribuição do custo do processo entre as par-
ponsabilidade é objetiva e independe de qualquer
tes, idêntica conclusão decorre de uma interpre-
consideração a respeito de sua boa-fé ao recorrer
tação acurada do § 11 do art. 85 do Novo CPC.
(CHIOVENDA, 1935, p. 162-176; GUALANDI,
A norma trata de situação em que o tribunal “ma-
1962, p. 263-265; LOPES, 2008, p. 30-38).
jorará os honorários fixados anteriormente”, do
que se pode concluir que está a disciplinar o julga-
2 Somente devem ser arbitrados
honorários nos recursos que tenham
origem na decisão final da causa
mento de recurso que tem origem em decisão que
já havia arbitrado honorários, ou seja, uma sentença. Além disso, a fixação dos honorários recursais
deve observar “o disposto nos §§ 2º a 6º” do art. 85,
Livro_126.indb 29
O art. 85, § 11, do Novo CPC disciplina a fi-
constando do § 2º que o arbitramento tem como
xação dos honorários recursais pelo “tribunal, ao
referência obrigatória “o valor da condenação, do
julgar recurso”, sem trazer qualquer especificação
proveito econômico obtido ou, não sendo possí-
quanto ao tipo de recurso em que devem ser ar-
vel mensurá-lo”, o “valor atualizado da causa”. A
bitrados honorários ou à relevância para esse fim
utilização desses critérios para o arbitramento de
do conteúdo da decisão impugnada. Uma análise
honorários somente faz sentido quando a fixação
superficial do dispositivo poderia, portanto, levar
da verba ocorra na sentença e nos recursos que
à conclusão de que em todo e qualquer recurso
nela têm origem.
deve haver o arbitramento de honorários, conclusão
Não se desconhece que em algumas situações
que é reforçada pela parte final do § 1º do art. 85:
o litígio ou parte dele é decidido em primeiro grau
“são devidos honorários advocatícios na recon-
de jurisdição em decisão interlocutória. A título
venção, no cumprimento de sentença, provisório
exemplificativo, esse é o caso da decisão que julga
ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos
parte do mérito antecipadamente, que, nos termos
recursos interpostos, cumulativamente”.
dos arts. 203, § 2º, e 356 do Novo CPC, é uma
O s h o n o r á r i o s r e c u r s a i s no No vo Có d ig o de Processo Civil.
Não é essa, no entanto, a interpretação mais
29
Revi s t a d o A d v o g a d o
sentença desestimula a propositura de demandas
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O s h o n o r á r i o s r e c u r s a i s n o No vo Có d ig o de Processo Civil.
Re v is t a d o A d v o g a d o
30
decisão interlocutória. Nessas situações especí-
cursos julgados sem prévia intimação do recorrido
ficas, os honorários pertinentes à causa julgada
para apresentar resposta,3 tal como muitas vezes
devem ser desde logo fixados na decisão interlo-
ocorre com os embargos de declaração, e daque-
cutória (LOPES, 2008, p. 170-172) e, nos recursos
les em que, apesar de o recorrido ser intimado, seu
que a tiverem na origem, devem ser arbitrados ho-
advogado não apresenta resposta nem pratica qual-
norários recursais complementares.
quer ato antes do julgamento do recurso.
3 Em todos os recursos?
Os questionamentos suscitados no início do
item anterior ainda deixam uma dúvida. Devem
ser arbitrados honorários em todos os recursos que
tenham na origem uma sentença? Pensemos em um
Não há razão para diferenciar
um recurso do outro, em todos é
realizado trabalho adicional que
deve ser remunerado.
exemplo hipotético bastante complexo, em que o
vencido interponha praticamente todos os recursos
Dúvidas podem surgir quanto à aplicação
previstos no Novo CPC na tentativa de ver acolhida
do art. 85, § 11, à remessa necessária, discipli-
sua pretensão. É proferida a sentença em primeira
nada no art. 496 do Novo CPC. Mas apesar de
instância. Contra a sentença são opostos embargos
a remessa necessária não ser propriamente um
de declaração. Os embargos são rejeitados e, na
recurso (BUZAID, 1972, p. 259-263), o relevan-
sequência, é interposta a apelação. A apelação não
te para identificar se devem ou não ser fixados
é provida e o acordão proferido é impugnado em
honorários em complemento aos da sentença é
recurso especial. O relator nega provimento ao
a realização de um trabalho pelo advogado do
recurso especial em decisão monocrática, contra
vencedor após o julgamento de primeira ins-
a qual é interposto agravo interno. Negado provi-
tância, trabalho que não será adequadamente
mento ao agravo interno, é interposto recurso extra-
remunerado se não forem arbitrados honorá-
ordinário, que é julgado no mérito e é igualmente
rios complementares. A ratio fundamental do art.
improvido. São então opostos embargos de divergên-
85, § 11, é justamente essa: todo o trabalho reali-
cia, aos quais é negado provimento.
zado pelo advogado no decorrer do processo deve
Respeitados os limites previstos no §§ 2º e 3º
ser remunerado, não apenas o decorrente de sua
do art. 85, devem ser arbitrados honorários recur-
atuação em primeira instância. É irrelevante aqui o
sais no julgamento de todos esses recursos. Não há
fato de o prolongamento do processo pela remessa
razão para diferenciar um recurso do outro, pois
necessária não depender de um ato de vontade do
em todos é realizado um trabalho adicional que
ente público beneficiado.4 A remessa é realizada
deve ser remunerado.
Observe-se, no entanto, que o arbitramento de
honorários recursais complementares aos fixados
nas instâncias anteriores tem por objetivo remunerar o trabalho do advogado do recorrido na fase
recursal. Diante disso, se nenhum trabalho foi realizado, não há o que remunerar e, portanto, não
devem ser fixados novos honorários no julgamento
do recurso (LOPES, 2008, p. 99). É o caso dos re-
Livro_126.indb 30
3. Se, apesar de não intimado, o advogado adianta-se e apresenta a
resposta logo após o recurso ser interposto, são devidos honorários
recursais para remunerar seu trabalho. O recorrente assume o risco
de pagar tais honorários ao interpor recurso e deve ser prestigiada
a atitude do advogado do recorrido, que revela boa-fé, precaução e
prestígio à celeridade na prestação da tutela jurisdicional (LOPES,
2008, p. 96-97).
4. E ainda que tal fator fosse relevante, o ente público pode impedir
o reexame necessário, nos termos do art. 496, § 4º, inciso IV, do
Novo CPC. Portanto, é em realidade a sua vontade que determina a
sujeição da sentença ao reexame necessário.
23/04/2015 16:28:45
em exclusivo benefício do ente público (Superior
confirmação da sentença pelo tribunal), tem-se
Tribunal de Justiça – STJ, Súmula nº 45), a causa
que ele em nada contribuiu para o encarecimento
do prolongamento do processo é a abertura de uma
do processo quando tiver omitido qualquer parti-
oportunidade para o reexame em seu favor de deci-
cipação no procedimento recursal” (DINAMARCO,
são contrária aos seus interesses, e, em decorrência,
2009b, p. 186).
5 Desistência do recurso
forma de remunerar todo o trabalho realizado pelo
advogado da parte vencedora.
Se o recorrente desistir do recurso, a decisão
que homologar a desistência deverá arbitrar ho-
4 Litisconsórcio
norários recursais em benefício do advogado do
recorrido?
No regime do litisconsórcio, o recurso de um
Aplica-se aqui a mesma regra que disciplina a
dos litisconsortes não aproveita ao outro se o li-
responsabilidade pelo custo do processo na hipó-
tisconsórcio for comum. No entanto, o recurso
tese de o autor desistir da ação e, de acordo com o
beneficiará a todos se o litisconsórcio for unitário
disposto no art. 90, caput, do Novo CPC,
ou se os litisconsortes forem devedores solidários,
“proferida sentença com fundamentos em
nesta hipótese apenas se forem comuns as defesas
desistência, em renúncia ou em reconhecimento
opostas ao credor (Novo CPC, art. 1.005; BARBOSA
do pedido, as despesas e os honorários serão pagos
MOREIRA, 2008, p. 380-384).
pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu”.
Não pode haver dúvidas de que, em se tratando
O recorrente deverá, portanto, ser condenado
de litisconsórcio comum, se algum dos litisconsor-
ao pagamento de honorários recursais na decisão
tes não recorrer, a responsabilidade pelos honorá-
que homologa a desistência do recurso. Foi ele
rios recursais deve ser dividida exclusivamente entre
quem deu causa ao prolongamento do processo
os recorrentes, pois o julgamento do recurso nem
com a interposição do recurso e tornou necessária
sequer aproveitará àquele que ficou inerte.
a realização de um trabalho adicional pelo advogado
A regra é a mesma para os casos em que o re-
do recorrido e, em decorrência, deve responder
curso de um dos litisconsortes aproveita aos de-
pela remuneração desse trabalho (CHIOVENDA,
mais. Para definir a responsabilidade por qualquer
1935, p. 318; GUALANDI, 1962, p. 257-258).
parcela do custo do processo não importa a identi-
Lembre-se mais uma vez, no entanto, que os
ficação de quem será beneficiado ou prejudicado
honorários recursais têm por objetivo remunerar o
pela decisão final da causa. O relevante é identi-
trabalho realizado pelo advogado em sede recur-
ficar quem tornou o processo necessário, ou, no
sal. Portanto, se o recorrente desistir do recurso
caso dos honorários recursais, quem provocou o
antes de ser apresentada a resposta ou praticado
prolongamento do processo com a interposição do
qualquer ato pelo advogado do recorrido, não
recurso (GARBAGNATI, 1942, p. 255-257; GUA-
serão devidos honorários recursais.
31
Revi s t a d o A d v o g a d o
plementares no julgamento de segundo grau, única
O s h o n o r á r i o s r e c u r s a i s n o No vo Có d ig o de Processo Civil.
ele deve arcar com o pagamento de honorários com-
LANDI, 1962, p. 96; LOPES, 2008, p. 54 e 74).
É, portanto, o recorrente quem responderá com
exclusividade pelos honorários recursais, ainda
6 O arbitramento dos honorários
recursais
que o recurso aproveite aos demais litisconsortes,
Livro_126.indb 31
pois, “apesar de o litisconsorte que não recorreu
De acordo com o art. 85, § 11, do Novo CPC,
também ser sucumbente na apelação (em caso de
o valor dos honorários recursais deve ser fixado
23/04/2015 16:28:45
O s h o n o r á r i o s r e c u r s a i s n o No vo Có d ig o de Processo Civil.
Re v is t a d o A d v o g a d o
32
“levando em conta o trabalho adicional realizado
em grau recursal”, com referência aos mesmos
critérios e limites instituídos para o arbitramento
dos honorários em sentença, ou seja, os previstos
nos §§ 2º a 6º do art. 85.
Na aplicação desses critérios e limites, merecem
especial atenção as situações em que o recorrente
interpõe recurso parcial, ao não impugnar parte
de um capítulo da sentença ou algum dos capítulos que lhe são desfavoráveis. O recurso parcial
devolverá à apreciação do tribunal apenas parte da
causa, havendo o trânsito em julgado do que não
houver sido impugnado (Novo CPC, arts. 1.002
e 1.013, caput; DINAMARCO, 2014, p. 110-113).
Os honorários recursais deverão em decorrência
ser arbitrados em atenção ao específico proveito
econômico que o recorrente visa a obter com seu
recurso, desconsiderando no arbitramento a parte
do litígio não devolvida à apreciação do tribunal.
Fixar os honorários recursais com referência a uma
base de cálculo que em parte não é mais objeto de
discussão proporcionaria ao advogado beneficiado
um inadmissível enriquecimento sem causa.
Interposto um recurso parcial, o arbitramento
dos honorários recursais guardará outra peculiaridade, relativa à limitação do valor global dos
honorários para a fase de conhecimento a 20%
do benefício econômico obtido pelo vencedor.
Tal limite deverá ser definido com referência à
relevância econômica do específico capítulo de
sentença impugnado no recurso, desconsiderando-se os capítulos não recorridos. Um exemplo
facilitará a compreensão da questão. A sentença
condena o réu a pagar R$ 200,00 e arbitra honorários de R$ 20,00. Se o réu interpuser recurso
impugnando a sentença como um todo, o limite
total da verba honorária para a fase de conhecimento será de R$ 40,00 e, portanto, no decorrer
dos diversos recursos será possível arbitrar honorários recursais de até R$ 20,00. A situação se altera caso o réu impugne a sentença parcialmente,
sustentando que deve R$ 100,00, não R$ 200,00.
Nesta hipótese, a parte não impugnada da sentença transitará em julgado e restará definido de
forma definitiva que o réu deve R$ 100,00 ao autor e R$ 10,00 de honorários ao seu advogado. O
processo prosseguirá em sede de recurso para a
discussão dos R$ 100,00 restantes, e é esse o valor
que deverá ser considerado para a imposição do
limite do valor dos honorários de 20% para a fase
de conhecimento do processo. Considerando que,
com relação a essa parte do litígio, já há uma condenação em honorários na sentença de R$ 10,00,
a soma dos honorários recursais não poderá ultrapassar R$ 10,00. O valor total dos honorários para
a fase de conhecimento poderá, portanto, ser de
no máximo R$ 30,00: R$ 10,00 relativos à parte
da condenação transitada em julgado, R$ 10,00
pertinentes à parte da condenação impugnada no
recurso e R$ 10,00 de honorários recursais.
Bibliografia
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código
de Processo Civil. v. V. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
BUZAID, Alfredo. Da apelação ex-officio no sistema do
Código de Processo Civil. In: Estudos de direito. v. I.
São Paulo: Saraiva, 1972. p. 209-270.
CAHALI, Yussef. Honorários advocatícios. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997.
CARNELUTTI, Francesco. Istituzioni del processo civile
italiano. v. I. 5. ed. Roma: Foro it., 1956.
CHIOVENDA, Giuseppe. La condanna nelle spese giudiziali.
2. ed. Roma: Foro it., 1935.
Livro_126.indb 32
DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença.
São Paulo: Malheiros, 2014.
______. Instituições de direito processual civil. v. II. 6. ed.
São Paulo: Malheiros, 2009a.
______. Litisconsórcio. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2009b.
GARBAGNATI, Edoardo. La sostituzione processuale. Milano:
Giuffrè, 1942.
GUALANDI, Angelo. Spese i danni nel processo civile. Milão:
Giuffrè, 1962.
LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Honorários advocatícios
no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2008.
23/04/2015 16:28:45
L
egitimidade recursal do amicus
curiae no Novo CPC.
Sumário
1.Novo CPC sim; mas novo processo civil?
2.A previsão legal do amicus curiae no Novo CPC
3. A função e a complexidade do terceiro enigmático
e seus reflexos no tema recursal
4.Conclusão
Bibliografia
1 Novo CPC sim; mas novo processo
Com a aprovação, pelo Congresso Nacional,
em dezembro de 2014, de um Novo Código de
Processo Civil (CPC) – o que já era aguardado
ansiosamente pela comunidade jurídica há pelo
33
Revi s t a d o A d v o g a d o
civil?
menos quatro anos –, vislumbra-se um período
frutífero de discussões acadêmicas com vistas ao
aprimoramento da ciência processual brasileiCamilo Zufelato ra em busca de maior efetividade e aderência às
Doutor em Processo Civil pela Faculdade de
questões prementes da Justiça Civil.
Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Professor de Processo Civil da Faculdade de
Direito de Ribeirão Preto da USP.
Certamente há inúmeras melhorias no bojo
do novo Código; contudo, de modo geral, parece
não se estar, ao menos do ponto de vista de texto
legislativo, diante de uma ruptura paradigmática
frente ao Código de 1973. Evidente que há importantes avanços, desde atualizações jurisprudenciais e até mesmo criação de novos institutos –
nesse contexto pode-se citar a previsão expressa
da figura do amicus curiae aqui em debate – po-
Livro_126.indb 33
23/04/2015 16:28:45
rém, grosso modo, quer nos parecer que o Códi-
autorização expressa. A jurisprudência, igualmente,
go é novo, mas o processo civil brasileiro ainda
tem se inclinado no mesmo sentido.
se estrutura nas mesmas balizas fundamentais de
L e g i t i m i d a d e r e c u r s a l d o amicu s cu riae n o Novo CPC.
outrora.
Rev i st a d o A d v o g a d o
34
Em resumo, a ausência de previsão legislativa não seria um impedimento para a admissão
Não obstante isso, a realidade vivida pela
do amicus curiae no processo civil brasileiro para
Justiça Civil brasileira tem demandado soluções
além daquelas hipóteses pontuais de autorização
– especialmente legislativas – mais ousadas e
do legislador.
consentâneas com as diretrizes que o Estado
Um dos pontos inovadores do Novo CPC é exa-
Democrático de Direito impõe; nesse sentido,
tamente a previsão generalizadora do amicus curiae,
no tocante à técnica processual, há certos as-
ao lado de outras formas de intervenção de terceiros,
pectos que mereceriam um tratamento mais
na Parte Geral do Código, o que nos parece bastante
ambicioso do legislador. Um desses temas diz
acertado. Na última versão do CPC de que se tem
respeito exatamente à possibilidade de interpo-
notícia, aquela aprovada pelo Senado em dezembro
sição de recurso pelo amicus curiae, que, embo-
de 2014, o tema vem tratado no art. 138.1
ra tenha sido contemplado no Novo CPC, tem
poderes limitados no campo recursal, como se
verá a seguir.
2 A previsão legal do amicus curiae no
Novo CPC
A doutrina nacional é bastante
favorável à admissão de certos
terceiros.
O amicus curiae tem, há tempos, previsão ex-
É preciso ressaltar que, desde a primeira ver-
pressa no Direito brasileiro no tocante ao processo
são de Projeto de Novo CPC, de autoria da Co-
de controle concentrado de constitucionalidade
missão de Juristas, passando pela primeira versão
e em certas ações relacionadas com dados entes,
aprovada pelo Senado e pela versão aprovada pela
tais como a CVM, o Inpi e o Cade, o que autori-
Câmara dos Deputados, em todas elas a admissão
za a intervenção de tais entes nessas demandas. E
do amicus curiae no processo civil sempre esteve
quanto ao processo civil geral: é possível que um
presente, com certa homogeneidade de conteú-
terceiro intervenha em algumas demandas com
do. O tema de mais evidente dissonância entre as
o escopo de aportar melhores elementos de for-
versões acima apontadas é exatamente a possibi-
mação da convicção do julgador acerca do objeto
lidade de o amicus curiae apresentar recurso na
litigioso em discussão? Não há qualquer previsão
demanda que pretende integrar ou já integra.
legal genérica que autorize essa modalidade de
intervenção, ao mesmo tempo em que não existe,
igualmente, proibição expressa.
Nesse limbo legislativo, a doutrina nacional
é bastante favorável à admissão de certos terceiros – pode-se dizer com características enigmáticas, na feliz expressão de Scarpinella Bueno, à
medida que essa não se confunde com as outras
e tradicionais formas de intervenção de terceiros
contempladas pelo CPC – mesmo que não exista
Livro_126.indb 34
1. Do amicus curiae. “Art. 138 - O juiz ou o relator, considerando a
relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda
ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda
manifestar-se, solicitar ou admitir a manifestação de pessoa natural
ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de quinze dias da sua intimação. § 1º - A
intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos. § 2º - Caberá ao juiz ou
relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os
poderes do amicus curiae. § 3º - O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.”
23/04/2015 16:28:45
em que o tema da possibilidade e legitimidade
com acerto, sustenta que o amicus seja dotado de
recursal do amicus curiae se destaca: i) da deci-
amplos poderes recursais:
são que denega a sua não intervenção no processo
“Essas considerações são suficientes, acredi-
(possibilidade recursal) e ii) da decisão de mérito
tamos, para reconhecer ao amicus curiae legiti-
no processo no qual foi admitida a sua intervenção
midade recursal ampla o suficiente para que ele
(legitimidade recursal). Quanto ao primeiro mo-
tutele, em juízo, adequadamente os interesses e
mento (i), a versão aprovada nega expressamente
os direitos que justificam sua intervenção. Do
a possibilidade de o amicus recorrer da decisão
mesmo modo que acentuamos acima, devem ser
monocrática acerca da sua admissão ao processo,
reconhecidos ao amicus poderes correlatos à sua
e o segundo momento (ii) restringe a possibilidade
atuação em juízo, os ‘poderes recursais’ não po-
de recurso do amicus tão somente quando se tratar de
deriam ser outros ou menores. Assim, mesmo na
incidente de resolução de demandas repetitivas –
qualidade de mero ‘auxiliar da justiça’, no sentido
a contrario sensu, não teria legitimidade recursal
mais tradicional do termo, não há como afastar,
quando a intervenção se desse em demanda de
para o amicus curiae, a incidência do mesmo re-
outra natureza.
gime jurídico que a doutrina reconhece a eles no
Vale frisar que na hipótese (ii) até há um certo
que diz respeito à sua legitimidade recursal. Po-
avanço em relação às duas primeiras versões de
derá o amicus, pois, recorrer na medida em que
Novo CPC, que expressamente excluíam a legi-
a decisão proferida no processo (na causa ou no
timidade recursal do amicus para toda e qualquer
incidente, pouco importa) que interveio ou que
hipótese.
poderia intervir o prejudique ‘em nome próprio’,
É sabido que o tema da legitimidade recursal
do amicus curiae é bastante controvertido.
é dizer, ajustando-se os termos para afiná-los à razão de ser da intervenção do amicus, desde que a
Na legislação especial, a Lei nº 6.385/1976,
decisão afete, em alguma medida, os ‘interesses’
que trata da CVM, prevê ao amicus uma espé-
que justificam a sua intervenção. Para valermo-
cie de legitimidade recursal subsidiária, e a Lei
-nos do nome que nos parece o mais correto para
nº 9.469/1997, que dispõe sobre a intervenção da
designar esse fenômeno, desde que o proferimento
União nas causas em que figurarem, como auto-
da decisão afete, em alguma medida, o interesse
res ou réus, entes da administração indireta, au-
institucional do amicus curiae”.
2
toriza que certos entes recorram na demanda na
qual intervieram.
3
Mas e para além dessas hipóteses?
L e g i t i m i d a d e r e c u r s a l d o amicu s cu riae n o Novo CPC.
Na doutrina, Scarpinella Bueno (2012, p. 513),
35
Revi s t a d o A d v o g a d o
Basicamente, há dois momentos processuais
Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
(STF), é bem verdade que no julgamento da
ADI nº 3.615, em 2008, o STF entendeu, por 6 votos a 2, pela impossibilidade de o amicus recorrer.
2.Art. 31, § 3º: “A comissão é atribuída legitimidade para interpor
recursos, quando as partes não o fizeram”.
3.“Art. 5º - A União poderá intervir nas causas em que figurarem,
como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de
economia mista e empresas públicas federais. Parágrafo único - As
pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão
possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para
esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos
e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer,
hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão
consideradas partes.”
Livro_126.indb 35
Contudo, ainda que sem enfrentar diretamente
o tema aqui em análise, em importante decisão
mais recente, na ADI nº 5.022-MC/RO, de 16
de outubro de 2013, o relator ministro Celso de
Mello aponta a importância da efetiva participação do amicus curiae no processo perante o STF,
e se posiciona francamente favorável à expansão
de poderes processuais, sob pena, em não sendo
assim, de frustrar os objetivos políticos, sociais e
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L e g i t i m i d a d e r e c u r s a l d o amicu s cu riae n o Novo CPC.
Re v is t a d o A d v o g a d o
36
jurídicos visados pelo legislador ao prever a sua
preciso ter presente a excepcionalidade das deci-
admissão.
sões monocráticas na seara do princípio do duplo
E assevera:
grau de jurisdição, de modo que deixar à mercê
“Cumpre permitir, desse modo, ao ‘amicus
de um único julgador a apreciação acerca da via-
curiae’, em extensão maior, o exercício de deter-
bilidade ou não da intervenção do amicus curiae,
minados poderes processuais. Esse entendimento
sob pena de, ao ser incensurável tal decisão, invia-
é perfilhado por autorizado magistério doutriná-
bilizar a participação institucional desse terceiro,
rio, cujas lições acentuam a essencialidade da
é bastante grave.
participação legitimadora do ‘amicus curiae’ nos
processos de fiscalização abstrata de constitucionalidade [...] ou, ainda, a faculdade de solicitar a
realização de exames periciais sobre o objeto ou
sobre questões derivadas do litígio constitucional
ou a prerrogativa de propor a requisição de informações complementares, bem assim a de pedir a
O Novo CPC previu que a decisão
monocrática do juiz ou relator que
aprecia o pedido de intervenção
do amicus é irrecorrível.
convocação de audiências públicas, sem prejuízo,
como esta Corte já o tem afirmado, do direito de
E quanto à legitimidade recursal do amicus
recorrer de decisões que recusam o seu ingresso
para impugnar a decisão que julgar incidente de
formal no processo de controle normativo abs-
resolução de demanda repetitiva, como se verá a
trato. Cabe observar que o Supremo Tribunal
seguir, também merece críticas por ser restritiva.
Federal, em assim agindo, não só garantirá maior
efetividade e atribuirá maior legitimidade às suas
decisões, mas, sobretudo, valorizará, sob uma
perspectiva eminentemente pluralística, o sentido
3 A função e a complexidade do
terceiro enigmático e seus reflexos
no tema recursal
essencialmente democrático dessa participação
processual, enriquecida pelos elementos de infor-
É bem verdade que o tema de legitimidade
mação e pelo acervo de experiências que o ‘ami-
recursal atribuída a terceiro é complexo e polêmi-
cus curiae’ poderá transmitir à Corte Constitucio-
co. O Direito vigente, ao contemplá-lo, se pauta
nal, notadamente em um processo – como o de
exclusivamente na dimensão individual do prejuí-
controle abstrato de constitucionalidade – cujas
zo sofrido pelo terceiro que não participou da de-
implicações políticas, sociais, econômicas, jurídi-
manda, de modo que o recurso de terceiro preju-
cas e culturais são de irrecusável importância, de
dicado tem conotação nitidamente individualista.
indiscutível magnitude e de inquestionável signi-
Nesse sentido, deve ser analisada a expressão nexo
ficação para a vida do País e a de seus cidadãos”.
de interdependência entre o interesse do terceiro
O Novo CPC, contudo, quando regulamentou o tema dos recursos para o amicus curiae, pre-
de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial, do § 1º do art. 499 do CPC.5
viu que a decisão monocrática do juiz ou relator
que aprecia o pedido de intervenção do amicus é
irrecorrível, seguindo idêntica posição do art. 7º,
§ 2º, da Lei nº 9.868/1999. Sobre esse ponto temos
forte divergência, acompanhando doutrina de escol que critica a solução de irrecorribilidade.4 É
Livro_126.indb 36
4.Cfr. BUENO, 2012, p. 183; DEL PRÁ, 2004, p. 72 e ss.; BINENBOJM, 2002, p. 162.
5.“[...] o interesse em intervir é que resulta do ‘nexo de interdependência’ entre a relação jurídica de que seja titular o terceiro e a relação jurídica deduzida no processo, por força do qual, precisamente,
a decisão se torna capaz de causar prejuízo àquele” (BARBOSA
MOREIRA, 2009, p. 294).
23/04/2015 16:28:46
com essa relação de interdependência de natureza
que portanto a sua plena atuação processual, in-
individual com a questão posta na demanda. Sua
clusive na fase recursal, faz-se indispensável.
atuação se dá em função da defesa de um interes-
Um exemplo são as demandas vocacionadas
se institucional discutido na causa, para o qual
à formação de precedentes judiciais vinculantes,
ele é legítimo portador de elementos de formação
outra novidade do Código – art. 924 e ss. Embo-
do convencimento judicial. Ou, nas palavras do
ra não necessariamente estarão revestidas pelo tal
próprio Novo CPC, ele goza de representatividade
incidente, o julgamento dessas ações paradigmá-
adequada na manifestação sobre certos assuntos.
ticas reverberará na esfera jurídica de muitos su-
Ainda que o Novo Código fale que nessa atua-
jeitos, e portanto é condição sine qua non para a
ção se deem assuntos de relevância da matéria
legitimidade democrática da decisão judicial que
discutida, especificidade do tema, ou ainda que
se imporá, tal como lei, que tenha havido a partici-
tenha repercussão social, sem dúvida a questão
pação de entes que aportem ao debate processual
dos reflexos extra-autos que decorrerão daquele
interesses institucionais de todos esses sujeitos
julgamento é o elemento fulcral para legitimar a
atingidos pelo precedente vinculante.
intervenção do amicus.
6
Para a hipótese de recursos especial e extraor-
Não há dúvidas de que o amicus curiae é o ente
dinário repetitivos, é bem verdade que o Novo
apto a permitir a participação, no e pelo processo,
Código permite que, “considerando a relevância
de interesses institucionais indispensáveis para o
da matéria e consoante dispuser o regimento inter-
julgamento da causa, num modelo de contradi-
no, o relator poderá solicitar ou admitir manifesta-
tório cooperativo cuja decisão de mérito ganha
ção de pessoas, órgão ou entidades com interesse
legitimidade democrática em função dessa par-
na controvérsia” (art. 1.035, § 2º), o que pode solu-
ticipação, já que são causas com repercussão ou
cionar o problema da intervenção do amicus em
abrangência sociais consideráveis.
fase recursal, mas, para além desses dois recursos,
O próprio Novo CPC é pródigo em estabelecer
não há a previsão expressa de admissão desses entes
a forte conexão entre processo civil e Constituição
em outras hipóteses, como em casos singulares que
Federal, tais como os arts. 1º, 6º, 7º, 8º, dentre outros,
poderão dar origem à súmula.
nos quais se vê claramente a relevância da coope-
E ainda: não se pode esquecer a modalidade de
ração processual e o contraditório efetivo, todos
processo civil de interesse público, v.g., as ações
elementos que estão no centro da figura do amicus.
que promovem controle judicial de políticas
Para além desse aspecto que destaca a dimen-
públicas, que muito embora não se qualifiquem
são coletiva de certas demandas, para as quais o
como atuação do incidente de resolução de de-
Novo Código criou o incidente de resolução de
mandas repetitivas, são notadamente marcadas
demandas repetitivas, é preciso lembrar que há
por uma relevância social, política, econômica e
várias outras hipóteses que não se subsumem à hi-
jurídica que justificará a intervenção de amicus
pótese de aplicação do referido incidente, mas que
curiae. Para essa hipótese estaria excluída a sua le-
L e g i t i m i d a d e r e c u r s a l d o amicu s cu riae n o Novo CPC.
certamente autorizam a intervenção do amicus, e
37
Revi s t a d o A d v o g a d o
O amicus não intervém em processo alheio
gitimidade recursal por não se tratar de incidente
6.Há mesmo quem critique o Código ao ter inserido a questão da
especificidade do tema: “Portanto, pensamos que a especificidade
do objeto não pode ser requisito genérico, nem autônomo, para a
admissão do amicus curiae no processo, sob pena de se sobreporem
objetivos e hipóteses distintas (intervenção do amicus curiae e poderes instrutórios do juiz) e de se confundir a função do amicus curiae
com a do perito, por exemplo” (DEL PRÁ, 2011, p. 312).
Livro_126.indb 37
de resolução de demandas repetitivas.
Enfim, esses são alguns exemplos de situações
nas quais é indispensável para o processo civil
cooperativo a legitimidade recursal do amicus
curiae.
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Evidente que, caso o tribunal reconheça legi-
cia pedido de intervenção do amicus, e na restri-
timidade recursal ao amicus curiae – o que já é
ção à legitimidade recursal da decisão que julgar
previsto no incidente –, todos os seus consectários
o incidente de resolução de demandas repetitivas,
deverão estar presentes, com destaque para a pos-
há visivelmente um tratamento restritivo, incoe-
sibilidade de sustentação oral.
rente com a visão democrática que o Código se
L e g i t i m i d a d e r e c u r s a l d o amicu s cu riae n o Novo CPC.
Em resumo, a legitimidade recursal é um pon-
Re v is t a d o A d v o g a d o
38
autoatribui.
to importantíssimo nos poderes processuais do
Ambas as soluções, a que exclui a possibilidade
amicus curiae, de modo que limitá-la é, por con-
de recorrer e a que limita a legitimidade recursal
sequência, enfraquecê-lo.
ao tema da demanda, certamente são influenciadas pela já conhecida tônica de restrição ao duplo
4 Conclusão
grau de jurisdição fundada no excesso de recursos
nos tribunais. Ocorre que essa solução não condiz
A partir da função indispensável que o amicus
com a promessa de democratização do processo
curiae desempenha no modelo de contraditório
civil que está na base da existência de um “Novo”
dialético, plural e cooperativo, esteios da dimen-
CPC.
são constitucional do processo civil brasileiro
Com efeito, e a partir do relevante papel que
contemporâneo, e também a partir das inovações
o amicus curiae deve desempenhar no – aí sim –
que o Novo Código aporta, especialmente os
novo processo civil brasileiro, acreditamos que a
precedentes com força obrigatória, as demandas
melhor proposta para o tema da legitimidade re-
repetitivas e o julgamento de demandas de alto
cursal é a ampliação irrestrita para toda e qual-
valor axiológico, em que pese o avanço que pode
quer hipótese de decisão judicial que possa acar-
representar a previsão expressa da admissão geral
retar prejuízo ao interesse institucional defendido
desse terceiro nas demandas civis, no tema recur-
pelo amicus. Qualquer limitação é incompatível
sal o tratamento dado é incompatível com o que
com as premissas estabelecidas pelo próprio CPC.
se espera de um Código vocacionado a estipular
Caberá aos tribunais, concretamente, num
a participação no e pelo processo como se tem
exercício de interpretação constitucional do Novo
propalado.
Código, a tarefa de alargar o cabimento e a legiti-
Nos dois temas recursais que tratou, ou seja, a
inadmissibilidade de recurso da decisão que apre-
midade recursal do amicus, em nome da efetividade
do processo civil atual.
Bibliografia
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código
de Processo Civil. v. V. 15. ed. Rio de Janeiro: 2009.
sobre o amicus curiae na ADIn e sua legitimidade recur-
BINENBOJM, Gustavo. Democratização da jurisdição
sal. In: DIDIER JUNIOR, Fredie; WAMBIER, Teresa
constitucional e o contributo da Lei 9.868/99. In:
Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais sobre
SARMENTO, Daniel (Org.). O controle de constitu-
os terceiros no processo civil e assuntos afins. São Paulo:
cionalidade e a Lei 9.868/99. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2002.
Livro_126.indb 38
DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Breves considerações
Revista dos Tribunais, 2004. p. 59-80.
______. Primeiras impressões sobre a participação do amicus
BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil
curiae segundo o Projeto de Novo Código de Processo Civil
brasileiro: um terceiro enigmático. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
(art. 322). Revista de Processo, São Paulo: Revista dos
2012.
Tribunais, v. 194, p. 307-315, abr. 2011.
23/04/2015 16:28:46
(In)
devido processo legislativo e o
Novo Código de Processo Civil.
O Novo Código de Processo Civil (CPC) foi
aprovado. Foi a notícia que, em 17 de dezembro
de 2014, percorreu o Brasil todo. O que ninguém
sabia àquela altura – e, certamente por isso, foram
tantas as comemorações que, de norte a sul e de
leste a oeste, tomaram o país naquele dia, com
notícias sobre a tal aprovação nos mais variados
veículos de comunicação, inclusive os não jurídiem um verdadeiro limbo destinado à “revisão” de
seu texto. Foram necessários mais de dois meses
para que ela fosse concluída e para que, em 24 de
fevereiro de 2015, o texto final fosse finalmente
Cassio Scarpinella Bueno Advogado, mestre, doutor e livre-docente
enviado à sanção presidencial.
Os quinze dias úteis para sanção presidencial
em Direito Processual Civil. Professor da Facul-
(art. 66, § 3º, da Constituição Federal – CF) fo-
dade de Direito da PUC-SP. Membro e dire-
ram consumidos integralmente e somente em 16
tor de Relações Institucionais do Instituto
Brasileiro de Direito Processual. Membro do
de março de 2015 é que o texto foi sancionado
Instituto Ibero-Americano de Direito Proces-
pela presidente da República, seguindo-se a sua
sual e da Associação Internacional de Direito
Processual. Integrou a Comissão Revisora do
publicação no Diário Oficial da União no dia 17
Anteprojeto de Novo CPC no Senado. Autor
de março de 2015, dia de início da vacatio legis de
de 20 livros e de diversos artigos científicos.
39
Revi s t a d o A d v o g a d o
cos – é que o “Novo CPC” entraria, desde então,
um ano para sua entrada em vigor, previsto no seu
art. 1.045.
Há variadas formas de se lidar com o novo
Código agora que ele está publicado oficialmente.
Para cá, importa destacar faceta pouco explorada, muito pouco, aliás, que se relaciona e se justifica na perspectiva do processo legislativo. Sim,
porque, para aquele que se limita a conhecer o
Livro_126.indb 39
23/04/2015 16:28:46
( I n ) d e v i d o p r o c e s s o l e g i slativo e o No vo Código de Processo Civil.
Rev i st a d o A d v o g a d o
40
Livro_126.indb 40
Novo CPC a partir do que foi publicado no Diá-
ciso por inciso, alínea por alínea e parágrafo por
rio Oficial, não há como verificar a quantidade de
parágrafo, deveria prevalecer. Nada de modifica-
modificações que o seu texto apresenta quando
ções substanciais; nada de estabelecer um terceiro
comparado – como deve ser – com os projetos que
parâmetro normativo que não guardasse relação
lhe antecederam.
com os projetos anteriores, aprovados em cada
Nesse sentido, esse pequeno texto quer estimular a comunidade de estudiosos do Direito Proces-
uma das casas legislativas, com seus erros e acertos, suas virtudes e seus defeitos.
sual Civil a também levar em consideração, nas
Em 17 de dezembro de 2014, foi aprovado e
suas reflexões sobre o Novo CPC, a matéria-prima
votado no plenário do Senado Federal o relatório
que antecedeu a sua promulgação e a sua publi-
apresentado pelo senador Vital do Rêgo, o Parecer
cação no Diário Oficial. Não só porque conhe-
nº 956/2014, cujo anexo representava, é o que se lê
cê-la pode ofertar importantes elementos para a
do relatório, o texto submetido à votação. A apro-
sua mais adequada compreensão – inclusive para
vação foi praticamente total, com exclusão do que
constatar que muitas das novidades do Novo CPC
acabou constando de outro parecer, de número
já tinham sido apresentadas pelo anteprojeto ela-
1.099/2014, identificado como adendo ao Parecer
borado pela Comissão de Juristas –, mas, sobretu-
nº 956/2014.
do – e é isso que cabe relevar aqui e agora –, para
permitir a análise do Novo CPC a partir do indispensável devido processo legislativo que antecedeu aqueles seus momentos culminantes.
Pode parecer desnecessário lembrar, mas é
fundamental que se tenha presente que o antepro-
Qual texto foi efetivamente
aprovado pelo Senado Federal
em 17 de dezembro de 2014?
jeto elaborado pela Comissão de Juristas presidida
pelo ministro Luiz Fux deu início ao processo le-
No Parecer nº 1.099/2014 estão identificadas
gislativo no Senado Federal. O projeto respectivo
algumas correções redacionais e alguns “erros
(PLS nº 166/2010) foi aprovado naquela casa le-
materiais” constantes do Parecer nº 956/2014 e a
gislativa em dezembro de 2010, sendo enviado em
aprovação ou a rejeição dos destaques efetuados
seguida para revisão à Câmara dos Deputados,
pelo Senado na referida sessão do dia 17 de de-
onde passou a tramitar sob o número 8.046/2010.
zembro de 2014.
Em março de 2014, com a votação dos destaques
A leitura do referido Parecer nº 1.099/2014 des-
feitos em dezembro de 2013, quando o texto básico
perta, desde logo, uma indagação: se havia corre-
fora aprovado na Câmara, o projeto foi aprovado
ções redacionais e “erros materiais” a serem sana-
naquela outra casa legislativa. Como se tratava de
dos, bem assim, mera menção ao acolhimento ou
verdadeiro substitutivo de projeto de lei, conside-
à rejeição dos destaques dos senadores na sessão de
rando a quantidade e a qualidade das modifica-
17 de dezembro de 2014, qual texto foi efetivamente
ções aprovadas na Câmara, o projeto retornou ao
aprovado pelo Senado Federal em 17 de dezem-
Senado, casa iniciadora do projeto, por força do
bro de 2014? A resposta parece ser: o texto aprova-
parágrafo único do art. 65 da CF.
do pelo plenário do Senado é o anexo ao Parecer
Na última etapa do processo legislativo, que
nº 956/2014. No entanto, aquele texto precisava
então teve início, a atividade do Senado era limi-
ser lido a partir dos elementos constantes do seu
tada à confrontação dos dois projetos aprovados e
adendo, o Parecer nº 1.099/2014, que, como acabei
à escolha de qual dos dois, artigo por artigo, in-
de escrever, revela, é essa a grande verdade, que
23/04/2015 16:28:46
texto fechado; era um texto a ser fechado. Sim,
Parecer nº 1.099/2014.
um texto a ser fechado, ainda escrito (ou reescri-
Mas não só. Já no texto aprovado pelo Senado
to) em tudo aquilo que o Parecer nº 1.099/2014
Federal em 17 de dezembro de 2014 – aquele que
indicava como apuro redacional ou como erro
acompanhou o Parecer nº 956/2014 –, são varia-
material. E mais ainda para incluir os diversos
dos os dispositivos que não encontram fundamen-
destaques aprovados pelo plenário na sessão de 17
to, claro, explícito ou direto, nos projetos revisados
de dezembro de 2014. Dentre eles, dois institutos
por aquela casa legislativa na derradeira etapa dos
que não constavam do Parecer nº 956/2014: a con-
trabalhos legislativos. Nada, isso é certo, compa-
versão da ação individual em ação coletiva (que
rável com o número de modificações da “revisão
acabou sendo vetado pela presidente da República
final”, mas, mesmo assim, um número considerá-
com base em razões pífias) e o prolongamento do
vel e que não pode passar despercebido pelo estu-
julgamento não unânime em determinadas cir-
dioso do Direito Processual Civil.
cunstâncias, que veio para substituir os embargos
infringentes abolidos do Novo CPC.
trastar artigo por artigo, inciso por inciso, alínea
A circularidade da afirmação, que decorre do
por alínea, parágrafo por parágrafo do que foi
que se lê do próprio Parecer nº 1.099/2014, im-
finalmente publicado como Lei nº 13.105, de 16
pressiona: o texto aprovado no plenário do Senado
de março de 2015, no Diário Oficial da União
Federal era um texto a ser completado. Quem o
de 17 de março de 2015, com o que foi aprovado
faria, contudo, se não havia mais sessões no Senado
no Senado Federal em 17 de março de 2014 (o
Federal em 2014 e o ano legislativo encerrar-se-ia
Parecer nº 956/2014) e com o que saiu daquela
ao fecho daquela legislatura?
casa legislativa em 24 de fevereiro de 2015 rumo
Sem querer ofertar nenhuma resposta a essa
à sanção presidencial (o Parecer nº 956/2014 “re-
pergunta, importa constatar que o trabalho final
visado” pelos elementos do Parecer nº 1.099/2014,
a ser elaborado a partir de então teria que seguir
que deu ensejo ao Parecer nº 1.111/2014, que, em
à risca as “instruções” do Parecer nº 1.099/2014 e
rigor, é o texto da Lei nº 13.105/2015 publicada
que essa observância era (seria) essencial para que
como Código de Processo Civil no DOU de 17
o texto final representasse a vontade do Senado
de março de 2015, excetuados, evidentemente, os
Federal alcançada na sessão do dia 17 de dezem-
vetos presidenciais).
bro de 2014.
Livro_126.indb 41
Tarefa que se põe para todos, agora, é con-
( I n ) d e v i d o p r o c e s s o l e g i s lativo e o No vo Código de Processo Civil.
das (e, nesse sentido, querendo ser justificadas) no
41
Revi s t a d o A d v o g a d o
aquele texto do Parecer nº 956/2014 não era um
Há várias vozes que já se levantaram em re-
Foi esse o instante em que o limbo anuncia-
lação aos questionamentos até agora insinuados,
do de início teve início, um período, isso também
afirmando que as modificações efetuadas foram
já foi evidenciado, que durou pouco mais de dois
“meramente redacionais”. No entanto, não há
meses, findando apenas em 24 de fevereiro de
como deixar de perguntar: quais os limites de
2015.
uma alteração “meramente redacional”? A per-
O que chocou todos aqueles que vinham
gunta é pertinentíssima porque o necessário uso
acompanhando os trabalhos legislativos é que o
da linguagem nos textos jurídicos, substrato escri-
texto que acabou saindo do Senado Federal, na-
to que enseja a extração das normas jurídicas, é
quele dia 24 de fevereiro de 2015, apresentava um
tema fundamental para a Teoria Geral do Direito
sem-número de modificações em relação ao texto
e até para a Filosofia do Direito. Tudo a recomen-
do Parecer nº 956/2014. Alterações que vão muito
dar muito cuidado na realização de quaisquer alte-
além das alterações e das modificações anuncia-
rações redacionais. Um simples pronome ou uma
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( I n ) d e v i d o p r o c e s s o l e g i slativo e o No vo Código de Processo Civil.
Re v is t a d o A d v o g a d o
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Livro_126.indb 42
mera preposição que seja alterada, um tempo ver-
nado em 17 de dezembro de 2014, isto é, o texto
bal modificado, uma palavra substituída, uma vír-
que acompanhou o Parecer nº 956/2014. É aces-
gula a mais ou a menos, tudo isso pode dar ensejo
sar o seguinte endereço eletrônico para lê-lo na
à construção de normas diversas, porque geradas,
íntegra e confirmar como os textos lá destacados
em última análise, a partir de textos diversos. As-
em amarelo evidenciam o acerto do que vim de
sim, reescrever um texto jurídico pode ir, mesmo
escrever: <http://www.senado.gov.br/atividade/
que inconscientemente, além do mero ajustar ou
materia/getDocumento.asp?t=158926>.
aperfeiçoar sua redação. Realocar e desdobrar artigos, idem. Sua nova posição, quando contrastada
com a anterior, sempre dará ensejo a interpretações que poderão levar em consideração, inclusive,
o local em que inserido este ou aquele dispositivo.
Em suma, o Direito depende de textos que, inter-
O Direito depende de textos que,
interpretados, ensejam as normas
jurídicas.
pretados, ensejam as normas jurídicas. Como garantir que alterações, mesmo quando “meramente
É certo que esse quadro não contém a “re-
redacionais”, não darão ensejo à formulação de no-
visão” derivada do Parecer nº 1.099/2014, mas,
vas ou diversas normas jurídicas?
como escrito acima, não havia como aquela re-
O que ocorre, de qualquer sorte, é que a jus-
visão desviar-se dos limites nele indicados, todos
tificativa acima indicada, de que as alterações te-
eles claríssimos. E, não obstante, como aquela
riam sido meramente redacionais, parece supor
revisão foi muito além daqueles limites, a leitura
que ninguém leu o que o Senado aprovou em 17
do texto produzido em seguida, findo o limbo re-
de dezembro de 2014 ou, se leu, não tinha pre-
visional (o Parecer nº 1.111/2014), revela a outra fa-
sente, como deveria ter, o que havia sido aprova-
ceta já enunciada: é o caso de compará-lo com os
do no PLS nº 166/2010 (de dezembro de 2010)
trabalhos legislativos anteriores para constar em
e no PL nº 8.046/2010 (em dezembro de 2013 e
que medida houve exorbitância dos limites impos-
em março de 2014). Trata-se, assim, de assumir
tos àquela derradeira revisão. É ler aqui também
que não havia memória nenhuma dos trabalhos
o que foi divulgado pelo próprio Senado Federal
legislativos anteriores àquele instante do processo
como “autógrafo enviado à sanção” no seguinte
legislativo e, nessa condição, nenhuma resistência
endereço eletrônico: <http://www.senado.gov.br/
poderia ser oposta eficazmente ao que acabou se
atividade/materia/getPDF.asp?t=160811&tp=1>.
transformando, primeiro, no já mencionado Pare-
O fato é que quaisquer diferenças entre aque-
cer nº 956/2014 e, depois, no referido Parecer nº
les textos – e há, sem exagero nenhum, centenas
1.111/2014 e, consequentemente, no Novo CPC.
delas – precisam ser bem analisadas para saber se
A segurança na afirmação do parágrafo an-
são mesmo “meramente redacionais”, se são meros
terior reside em uma leitura que se faça de cada
apuros de técnica legislativa ou se, travestidas disto
um daqueles documentos legislativos. É o próprio
e daquilo, vão além, extravasando dos limites que
Senado Federal, aliás, que publicou na sua pági-
o art. 65 e seu respectivo parágrafo único da CF
na da internet interessantíssimo quadro compa-
impõem ao “devido processo legislativo” quando
rativo com o CPC atual (e ainda em vigor até o
da devolução do projeto da casa revisora (a Câmara
dia 17 de março de 2016), o projeto do Senado
dos Deputados) à casa iniciadora (Senado Federal).
(PLS nº 166/2010), o projeto da Câmara (PL nº
Parece ser possível agrupar tais modificações em
8.046/2010) e a “suma” afinal aprovada pelo Se-
quatro grupos, que servem tanto para o texto final
23/04/2015 16:28:46
do Senado (o Parecer nº 956/2014) como para – e
tos e vírgulas apenas para separar as regras dos
sobretudo – o texto que, findo o limbo, foi enviado
diversos incisos entre si. Sua enumeração seria
à sanção presidencial (o Parecer nº 1.111/2014).
impossível no espaço reservado para esse pequeno
O segundo grupo são modificações que, ao
reuniões de artigos tais quais aprovados pelo Se-
que tudo indica, querem aprimorar a técnica le-
nado Federal em 17 de dezembro de 2014, reúne
gislativa, pelo menos aquela até então empregada
tão vastos quanto interessantes exemplos.
em nove meses de debate no Senado Federal, de
março a dezembro de 2014.
O terceiro grupo representa desmembramentos ou junções de dispositivos.
Uma situação bem ilustrativa está no dispositivo que disciplinava, ao mesmo tempo, o que vem
sendo chamado “negócio processual” – ou, de forma mais pomposa e mais interessante, “cláusula
O quarto grupo, o último, reúne as hipóteses
geral de negociação processual” – e o calendário
que, não se amoldando em nenhum outro dos três
que as partes e o juiz podem construir em con-
grupos, representa texto novo.
junto. O texto aprovado no projeto da Câmara e
Não é difícil, infelizmente, ilustrar cada um
desses quatro grupos.
Com relação às múltiplas alterações redacionais, basta ler o texto do Novo CPC, tal qual
Livro_126.indb 43
O terceiro grupo, sobre desmembramentos ou
o texto aprovado, na última fase de deliberação
parlamentar, pelo Senado, estavam em um só dispositivo legal: o art. 191 do PL nº 8.046/2010, correspondente ao art. 189 do Parecer nº 956/2014.
publicado no DOU de 17 de março de 2015. Do
Após o limbo revisional, os negócios processuais
primeiro ao último artigo – e, também aqui, não
passaram a ocupar o art. 190; o calendário, o art. 191.
há exagero nenhum na afirmação – há modifi-
O mais interessante dessa separação repousa
cações meramente redacionais. Seja no texto
na sua consequência: uma vez separados os dis-
aprovado no Senado Federal em 17 de dezembro
positivos, tais quais sancionados e publicados no
de 2014; seja – e sobretudo – no texto que, após
Diário Oficial, é possível que o magistrado exerça
o limbo que teve início naquele dia e findou-se
controle sobre o calendário processual com a mes-
apenas em 24 de fevereiro de 2015, foi enviado à
ma intensidade e pelos mesmos fundamentos que
sanção presidencial.
exerce sobre os negócios processuais? A questão
Para ilustrar a afirmação, basta constatar a
é pertinente porque o que era um só § 4º para
substituição do verbo “velar” empregado pelo art.
ambas as figuras passou a ser o parágrafo único
7º do projeto do Senado e pelo art. 7º do projeto
do art. 190 (que só trata dos negócios processuais),
da Câmara por “zelar” no Parecer nº 956/2014 –
silenciando-se, a respeito, o art. 191, que só se ocu-
embora, nos arts. 139, inciso II, e 196, leia-se, ain-
pa com o calendário processual.
da, “velar” – e as inúmeras, cansativas, insistentes
Qualquer justificativa dessa alteração esbar-
e desnecessárias inversões e desinversões de ora-
ra na interpretação daquele dispositivo, tal qual
ções ao longo de todo o texto, artigo após artigo.
redigido, com um caput e quatro parágrafos na
O segundo grupo é bem ilustrado pela elimi-
origem, que, ao menos em tese, poderia se dirigir
nação de todos os pontos e vírgulas que se encon-
a um ou a outro sentido. O desmembramento do
travam em um mesmo artigo, um mesmo inciso,
artigo em dois quer impor uma forma de interpre-
uma mesma alínea ou um mesmo parágrafo. Ao
tar a novel figura e sua forma de controle, precon-
que tudo indica, a técnica legislativa, pelo menos
dicionando o intérprete que, até por desconhecer
a empregada no Novo CPC, manda reservar pon-
a matéria-prima do processo legislativo, natural-
( I n ) d e v i d o p r o c e s s o l e g i slativo e o No vo Código de Processo Civil.
tivamente são meramente redacionais.
trabalho.
43
Revi s t a d o A d v o g a d o
O primeiro grupo é de modificações que obje-
23/04/2015 16:28:46
mente prender-se-á (e limitar-se-á) ao texto que
sos I e II, e 983 do Parecer nº 956/2014 com os arts.
aparece no Diário Oficial.
977, incisos I a III, e 986 do Parecer nº 1.111/2014,
O que importa destacar para cá, contudo, é
( I n ) d e v i d o p r o c e s s o l e g i slativo e o No vo Código de Processo Civil.
que, ainda que o entendimento que venha a pre-
Re v is t a d o A d v o g a d o
44
Livro_126.indb 44
sendo certo que nenhuma instrução a esse respeito
reside no Parecer nº 1.099/2014.
valecer na doutrina e na jurisprudência seja o de
Os exemplos relativos ao que acima chamei
que os calendários estão fora do controle judicial,
de quarto grupo são os mais variados e os mais
porque o juiz participa de sua elaboração (art. 191,
distintos. Há diversos dispositivos, tanto no texto
caput, da redação final do Novo CPC), importa
final aprovado pelo Senado Federal (sempre o Pa-
que ele derivasse do texto efetivamente aprovado
recer nº 956/2014, mesmo quando lido ao lado de
pelo Senado Federal a partir do projeto da Câma-
seu “adendo”, o Parecer nº 1.099/2014) como na
ra, que nunca aprovou o que, agora, está no texto
“revisão” do texto enviado à sanção presidencial (o
do Novo CPC, dividido em dois artigos.
Parecer nº 1.111/2014), que simplesmente não en-
Outra situação interessante de desmembramento de dispositivos está no parágrafo único
do art. 1.030. Ao isolar naquele parágrafo a regra
quanto à inexistência de juízo de admissibilidade
contram correspondência com o que está no PLS
nº 166/2010 e no PL nº 8.046/2010.
Para fins didáticos, cabe distinguir, nesse quarto
grupo, dois blocos de situações.
perante os Tribunais de Justiça e Regionais Fede-
O primeiro são situações objetivamente cons-
rais dos recursos extraordinários e/ou especiais, a
tatáveis em que a colocação dos artigos correspon-
revisão final quis viabilizar um eventual veto pre-
dentes do PLS nº 166/2010 e do PL nº 8.046/2010
sidencial considerando o evidente impacto que a
lado a lado revela com clareza a falta de corres-
nova regra gera aos Tribunais Superiores? A per-
pondência entre eles e o que aparece como texto
gunta, a despeito de ter se mostrado meramente
consolidado (Parecer nº 956/2014) ou como autó-
retórica, porque o dispositivo não foi vetado, mos-
grafo enviado à sanção presidencial (Parecer nº
tra o quão longe se pode chegar ao desmembrar
1.111/2014). Um exemplo, dentre vários, é o § 3º
(ou juntar), ainda que sob as vestes de apuro de
do art. 1.009 do Novo CPC, sobre a recorribilidade
técnica legislativa e/ou redacional, artigos.
por apelação de decisões que, não fossem resolvi-
Longe da especulação, caso concreto de des-
das pela sentença, desafiariam agravo de instru-
dobramento que acarretou alteração (indevida) de
mento. Também há casos em que se alcança a
regra encontra-se nos legitimados ativos para a revi-
mesma conclusão em perspectiva invertida, isto
são da tese fixada no julgamento do novel incidente
é, quando a comparação, lado a lado, dos disposi-
de resolução de demandas repetitivas. O texto final-
tivos projetados e aprovados, revela a ausência de
mente aprovado pelo Senado Federal – que, em si
elemento que, por constar dos projetos ou, ao me-
mesmo considerado, não é imune a críticas sobre
nos de um deles, deveria estar presente na versão
sua elaboração porque difere, em larga escala, dos
final à falta, justamente, de outra correspondência
textos aprovados no PLS nº 166/2010 e no PL
possível. Exemplo seguro dessa hipótese, também
nº 8.046/2010 – previa, clara e inequivocamente,
dentre vários, é a ausência de recorribilidade por
a legitimidade das partes, do Ministério Público e
agravo de instrumento da decisão que indefere limi-
da Defensoria Pública para aquele fim. Por força de
narmente a reconvenção, que era o § 3º do art. 344
um desdobramento do art. 974, efetuado no lim-
do PL nº 8.046/2010 e que não encontra similar
bo revisional, a legitimidade para a revisão acabou
em toda a disciplina dada pelo Novo CPC à re-
sendo limitada ao Ministério Público e à Defenso-
convenção (art. 343) nem nas hipóteses sujeitas a
ria Pública. É contrastar os textos dos arts. 974, inci-
agravo de instrumento (art. 1.015).
23/04/2015 16:28:46
casos em que o apontamento das novas regras de-
reito Processual Civil a se debruçar sobre o Novo
pende de análise conjunta de diversos dispositi-
CPC também nessa perspectiva e para essa mes-
vos e o cuidadoso exame que deve ser feito na sua
ma finalidade.1 Trata-se, assim, de convidar todos
comparação para justificar o texto final à luz dos
a que se voltem ao exame do processo legislativo –
dois projetos, sempre entendidos o que foi apro-
o devido processo legislativo, porque outro não
vado pelo Senado Federal em 2010 e na Câmara
deve haver em terras constitucionais brasileiras –
dos Deputados em dezembro de 2013 e em março
que gerou o Novo CPC. Não há como leis serem
de 2014.
elaboradas sem observância da Constituição, sob
A mais significativa dessas situações, que tam-
pena de inconstitucionalidade formal.
bém, lamentavelmente, não é única, dá-se com
o incidente de resolução de demandas repetitivas.
O parágrafo único do art. 978, que prevê a competência do Tribunal de Justiça e/ou do Tribunal
O devido processo não é só
judicial e não é só administrativo.
Regional Federal para, além de fixar a tese, julgar
o caso concreto, aplicando-a, não encontra ne-
Tanto quanto a correção formal das sentenças
nhum correspondente no PLS nº 166/2010 e no
depende de sua vinculação aos limites subjetivos e
PL nº 8.046/2010, por mais que se queira neles
objetivos da petição inicial, no máximo acrescidos
encontrar algo similar.
por alguma iniciativa do réu ou de algum terceiro
Para quem não conseguir justificar todos os dis-
interveniente e ao desenvolvimento de um “devi-
positivos da “tutela provisória” do Novo CPC (arts.
do processo”, a lei pressupõe que sua versão final
294 a 311) com o que os arts. 269 a 286 do PLS nº
justifique-se nos projetos aprovados nas duas casas
166/2010 chamaram de “tutela de urgência e tute-
legislativas e tramite de acordo com as normas
la da evidência” e que os arts. 295 a 312 do PL nº
aplicáveis ao seu processo.
8.046/2010 chamaram de “tutela antecipada” ou,
Paradoxalmente, é o próprio Novo CPC que
ainda, o disposto nos arts. 926 e 927 do Novo CPC
nos propõe, desde o seu art. 1º, inspirador, o de-
com seus pares naqueles dois projetos (art. 882 e arts.
safio de aplicar invariavelmente a CF para “orde-
520 e 521, respectivamente), esse subgrupo torna-se
ná-lo, discipliná-lo e interpretá-lo”. Quando ele
ainda mais profícuo. E, tomo a liberdade de afirmar,
prescreve que “O processo civil será ordenado,
a conciliação daqueles textos é tarefa dificílima...
disciplinado e interpretado conforme os valores e
As situações aqui narradas não são exaustivas,
as normas fundamentais estabelecidos na Consti-
infelizmente não. Elas são apresentadas na expec-
tuição da República Federativa do Brasil, obser-
( I n ) d e v i d o p r o c e s s o l e g i slativo e o No vo Código de Processo Civil.
tativa de que elas convidem os estudiosos do Di-
45
Revi s t a d o A d v o g a d o
A segunda situação do quarto grupo reside nos
vando-se as disposições deste Código”, é também
1. De minha parte, tomo a liberdade de indicar ao leitor interessado
dois pequenos trabalhos meus sobre o assunto, publicados ainda antes da sanção presidencial: “A ‘revisão’ do texto do novo CPC” (em
<http://portalprocessual.com/a-revisao-do-texto-do-novo-cpc-2/>,
publicado em 19 de fevereiro de 2015) e “Ainda a ‘revisão’ do texto
do novo CPC” (em <http://jota.info/ainda-sobre-a-revisao-do-novocpc>, publicado em 14 de março de 2015). Mais recentemente, no
meu Novo Código de Processo Civil Anotado, publicado pela editora
Saraiva, a tarefa ocupou-me mais intensamente, indicando, naquele
trabalho, todas as incongruências aqui assinaladas ilustrativamente
e apresentando, como não poderia deixar de ser, pautas de superação
dos vícios relativos à inconstitucionalidade formal.
Livro_126.indb 45
à iniciativa acima indicada, de ter ciência e consciência de sua origem legislativa, que ele se refere.
O devido processo não é só judicial e não é só
administrativo; ele é, com a mesma intensidade
constitucional, o legislativo, que precede o exame de qualquer lei e, entre elas, também o Novo
CPC. Por que com ele seria diferente? A higidez
da lei pressupõe, faço questão de frisar, tanto
quanto a sentença, escorreito processo (forma de
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( I n ) d e v i d o p r o c e s s o l e g i s lativo e o No vo Código de Processo Civil.
Rev i st a d o A d v o g a d o
46
Livro_126.indb 46
atuação do Estado, pelo menos daqueles com o
A não se pensar assim, é o caso de formular
modelo instituído ao brasileiro pela Constituição
de maneira expressa questões que estão implícitas
de 1988) a ela anterior. Leis não podem nascer do
nas linhas que abrem este trabalho: o que foi, en-
nada; não, pelo menos, no Brasil constitucional.
fim, aprovado na sessão do Senado Federal de 17
É a contradição do Novo CPC, que quer concre-
de dezembro de 2014: meras diretrizes legislativas
tizar, em última análise, o devido processo legal
a partir de um texto-base? O processo legislativo
no âmbito do Judiciário, mas que descumpre o
encerra-se sem a produção do texto respectivo? E
mesmo devido processo no âmbito do Legislativo.
se o texto contém imperfeições, que vão além das
Sempre haverá a voz de quem quererá, ainda
meramente redacionais – como demonstram os
aqui, justificar as alterações ilustrativamente apon-
poucos exemplos acima destacados –, não é o caso
tadas acima, acentuando ela serem necessárias
de superá-las mediante a forma adequada, isto é, a
para que os problemas acima indicados e tantos
produção de uma nova lei? A experiência de pouco
outros que o espaço presente não permite serem
mais de 40 anos não é, na perspectiva do devido
apresentados fossem solucionados. E que foi as-
processo legislativo, a mais correta? Não seria ela,
sim para que não se repetisse o que ocorreu com
aliás, a mais correta (e republicana) nos ares cons-
o CPC atual, em que, durante a sua vacatio legis,
titucionais pós-1988?
foi promulgada a Lei nº 5.925, de 1º de outubro de
Como não há como fugir dessas questões – é
1973, que “retifica dispositivos da Lei nº 5.869, de
o próprio art. 1º do Novo CPC que assim deter-
11 de janeiro de 1973, que instituiu o Código de
mina, rente, aliás, ao que o art. 1º do anteprojeto
Processo Civil” e que entrou em vigor no mesmo
e o art. 1º do PLS nº 166/2010 já propunham –,
dia dele, perfazendo um todo normativo. Em rigor,
caberá aos processualistas civis debruçarem-se
aliás, o CPC de 1973 nunca entrou em vigor na sua
um pouco mais no processo legislativo, aquele
forma redacional originariamente aprovada. Ele,
devido, nos precisos termos constitucionais, do
ao entrar em vigor, já se apresentou em sua forma
próprio CPC, para, somente após conferida a
revisada pela precitada Lei nº 5.925/1973.
sua conformidade formal e superados e contor-
A rejeição à hipotética crítica, sempre com as vê-
nados todos os problemas que aparecerem nessa
nias de estilo, reside no que acentuei de início e in-
perspectiva, que não são poucos, dar início à sua
sistentemente. Há um modo preestabelecido para se
análise substancial.
fazerem leis no Brasil constitucional. Se a etapa final
Entender diversamente é insistir no paradoxo
dos trabalhos legislativos acabou não se mostrando
acima detectado, desprezando um dos elementos
suficiente para a deliberação e para o fechamento do
nodais do próprio estudo do Direito Processual
texto, que o Código não tivesse sido aprovado “por
Civil em um modelo de Estado constitucional, o
fazer” ou “por completar”, como, infelizmente, aca-
do devido processo legal ou, em palavras mais di-
ba por sugerir o Parecer nº 1.099/2014, adendo ao
retas, mas não menos adequadas: a certeza de que
Parecer nº 956/2014, e também o texto que, findo o
os fins não justificam – e não podem e não devem
limbo revisional, foi enviado à sanção presidencial.
justificar – os meios.
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A
colaboração como norma
fundamental do Novo Processo Civil
brasileiro.
Sumário
1.Introdução
2.A colaboração como modelo
3.A colaboração como princípio
4.Considerações finais
Bibliografia
Daniel Mitidiero Professor de Direito Processual Civil dos cursos
de graduação, especialização, mestrado e
doutorado da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Pós-doutor em Direito pela Università degli
Studi di Pavia. Doutor em Direito pela UFRGS.
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do Instituto Ibero-Americano
de Direito Processual (IIDP) e da International
Association of Procedural Law (IAPL). Advogado.
Se olharmos para a ZPO alemã, de 1877, e
para o Codice di Procedura Civile italiano, de 1942,
perceberemos que em ambos os casos o legislador principia tratando da jurisdição: a ZPO
dedica o seu § 1º à competência material dos
tribunais (sachliche Zuständigkeit), ao passo que
o Codice alude em seu art. 1º à jurisdição (giurisdizione dei giudici ordinari). Se, porém, saltarmos no tempo, veremos que o Nouveau Code de
Procédure Civile francês, de 1975, não inicia da
mesma maneira: ele começa enunciando princípios diretores do processo (principes directeurs
du procès, arts. 1º a 24). Se dermos mais um passo,
a fim de “fecharmos” (RHEE, 2007, p. 623) os
Novecentos em termos de legislação processual
civil, veremos que o legislador inglês de 1997
inicia declinando qual o seu objetivo principal
(“overriding objective”, Rule 1.1).
47
Revi s t a d o A d v o g a d o
1 Introdução
Nosso Novo Código de Processo Civil (CPC)
segue nesse particular esse último caminho: desde
Livro_126.indb 47
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A c o l a b o r a ç ã o c o m o n o r ma fu n d amen tal do Novo Processo Civil brasileiro.
Rev i st a d o A d v o g a d o
48
o início, o legislador entorna normas funda-
brada o trabalho entre todos os seus participantes –
mentais que servem para densificar o direito ao
com um aumento concorrente dos poderes do
processo justo previsto na Constituição (art. 5º,
juiz e das partes no processo civil (SICA, 2008, p.
inciso LIV) e dar as linhas-mestras que o estru-
324). Como modelo, a colaboração rejeita a juris-
turam. Dentre essas normas, consta o art. 6º: “to-
dição como polo metodológico do processo civil,
dos os sujeitos do processo devem cooperar entre
ângulo de visão evidentemente unilateral do fe-
si para que se obtenha, em tempo razoável, de-
nômeno processual, privilegiando em seu lugar a
cisão de mérito justa e efetiva”. Se adotada uma
própria ideia de processo como centro da sua teoria
chave de leitura apropriada, trata-se de norma da
(MITIDIERO, 2011, p. 48-50), concepção mais
mais alta importância que ao mesmo tempo visa
pluralista e consentânea à feição democrática
a caracterizar o processo civil brasileiro a partir
ínsita ao Estado Constitucional (CANOTILHO,
de um modelo e fazê-lo funcionar a partir de um
1999, p. 89).
princípio.
A colaboração é um modelo que se estrutura
a partir de pressupostos culturais que podem
2 A colaboração como modelo
ser enfocados sob o ângulo social, lógico e ético.2 Do ponto de vista social, o Estado Consti-
Problema central do processo está na equilibra-
tucional de modo nenhum pode ser confundi-
da organização das tarefas daqueles que nele to-
do com o Estado-Inimigo. Nessa quadra, assim
mam parte (OLIVEIRA, 2010, p. 28) – vale dizer,
como a sociedade pode ser compreendida como
da “divisão do trabalho” entre os seus participan-
um empreendimento de cooperação entre os seus
tes (MOREIRA, 1989, p. 35-44). Nosso legislador
membros visando à obtenção de proveito mútuo
procurou resolver esse problema com a adoção do
(BOURSIER, 2003, p. 297), também o Estado
modelo cooperativo – pautado pela colaboração
deixa de ter um papel de pura abstenção e passa
do juiz para com as partes. Trata-se de elemento
a ter que prestar positivamente para cumprir com
estruturante do direito ao processo justo (MARI-
seus deveres constitucionais – especialmente, o
NONI; MITIDIERO; SARLET, 2014, p. 711-715;
de organizar um processo justo, capaz de prestar
LANES, 2014, p. 121-129). Como observa a dou-
uma tutela efetiva aos direitos. Do ponto de vista
trina, “le procès équitable implique un principe
lógico, o processo cooperativo pressupõe o reco-
de coóperation efficiente des parties et du juge
nhecimento do caráter problemático do Direito,
dans l´élaboration du jugement vers quoi est ten-
reabilitando-se a sua feição argumentativa. Vale
due toute procédure” (CADIET; NORMAND;
dizer: pressupõe a distinção entre texto e norma e
MEKKI, 2010, p. 385).
o caráter reconstrutivo da interpretação jurídica
1
A colaboração é um modelo que visa a orga-
(ÁVILA, 2014, p. 50-55). Finalmente, do ponto de
nizar o papel das partes e do juiz na conformação
vista ético, o processo pautado pela colaboração é
do processo, estruturando-o como uma verdadei-
um processo orientado pela busca tanto quanto
ra comunidade de trabalho (Arbeitsgemeinschaft)
possível da verdade (TARUFFO, 2002, p. 224) e
(RECHBERGER; SIMOTTA, 2010, p. 399-407),
que, para além de emprestar relevo à boa-fé subje-
em que se privilegia o trabalho processual em
tiva, também exige de todos os seus participantes
conjunto do juiz e das partes (prozessualen
Zusammenarbeit) (WASSERMANN, 1978, p. 97).
Em outras palavras: visa a dar feição ao aspecto
subjetivo do processo, dividindo de forma equili-
Livro_126.indb 48
1. Sobre o assunto, Mitidiero (2011), Oliveira (2003), Didier Júnior
(2010, p. 46), Cabral (2009) e Theodoro Júnior (2011).
2. Com maior vagar, Mitidiero (op. cit., p. 71-115).
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mente seu destinatário o juiz (MITIDIERO, op.
conflito (DIDIER JÚNIOR, 2013, p. 308), apurar
cit., p. 106).
a verdade das alegações das partes a fim de que
se possa bem aplicar o direito e empregar as téc-
A colaboração no processo não
implica colaboração entre as
partes.
nicas executivas adequadas para a realização dos
direitos.
Para que o processo seja organizado de forma
justa, os seus participantes têm de ter posições jurídicas equilibradas ao longo do procedimento.
Portanto, é preciso perceber que a organização do
O modelo de processo pautado pela colabora-
processo cooperativo envolve – antes de qualquer
ção visa a outorgar nova dimensão ao papel do
coisa – a necessidade de um novo dimensiona-
juiz na condução do processo. O juiz do proces-
mento de poderes no processo, o que implica ne-
so cooperativo é um juiz isonômico na sua condução e assimétrico apenas quando impõe suas
decisões. Desempenha duplo papel: é paritário
no diálogo e assimétrico na decisão (MITIDIERO, op. cit., p. 81; DIDIER JÚNIOR, op. cit., p. 48).
Nessa linha, o juiz tem um verdadeiro “dever de
engajamento” (CABRAL, 2009, p. 234) no processo civil.
3 A colaboração como princípio
A colaboração no processo é um princípio jurídico. Ela impõe um estado de coisas que tem de
ser promovido (ÁVILA, op. cit., p. 102-103). O fim
da colaboração está em servir de elemento para
organização de processo justo idôneo a alcançar,
“em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (art. 6º). Isso significa: evitar o desperdício
da atividade processual, preferir decisões de mé-
cessidade de revisão da cota de participação que
se defere a cada um de seus participantes ao longo
do arco processual. Em outras palavras: a colaboração visa a organizar a participação do juiz e
das partes no processo de forma equilibrada.
E aqui importa desde logo deixar claro: a colaboração no processo não implica colaboração
entre as partes. As partes não querem colaborar.
A colaboração no processo que é devida no Estado Constitucional é a colaboração do juiz para
com as partes. Gize-se: não se trata de colaboração entre as partes. As partes não colaboram e não
devem colaborar entre si simplesmente porque
obedecem a diferentes interesses no que tange à
sorte do litígio. E é justamente a partir daí que
A c o l a b o r a ç ã o c o m o n o r ma fu n d amen tal do Novo Processo Civil brasileiro.
rito em detrimento de decisões processuais para o
49
Revi s t a d o A d v o g a d o
a observância da boa-fé objetiva,3 sendo igual-
surge observação de fundamental importância
que deve ser feita em relação ao texto do art. 6º
do novo Código. A colaboração não implica de
modo nenhum cooperação entre “todos os sujeitos do processo”. Como é evidente, as partes não
querem e não devem colaborar entre si. Não há
3. O que implica reconhecer uma série de comportamentos como
vedados aos seus participantes. A boa-fé objetiva revela-se no comportamento merecedor de fé, que não frustre a confiança do outro.
Age com comportamento adequado aquele que não abusa de suas
posições jurídicas. A doutrina aponta que são manifestações da
proteção à boa-fé no Direito a exceptio doli, o venire contra factum
proprium, a inalegabilidade de nulidades formais, a supressio e a
surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício do Direito (na
doutrina em geral, Cordeiro (2001); na doutrina brasileira, Martins-Costa (2000); na doutrina processual civil brasileira, Didier Júnior
(op. cit., p. 79-103); Cabral (2005)).
Livro_126.indb 49
dever de colaboração entre as partes. Portanto, a
colaboração não deve ser vista como fonte de
deveres recíprocos entre as partes nem como um
incentivo ao juiz para impor sanções às partes
por falta de cooperação recíproca (YARSHELL,
2014, p. 111).
A colaboração não implica, pois, revogação
do princípio dispositivo em sentido processual
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A c o l a b o r a ç ã o c o m o n o r ma fu n d amen tal do Novo Processo Civil brasileiro.
Re v is t a d o A d v o g a d o
50
(Verhandlungsmaxime) (GREGER, 2000, p. 77) 4 –
juízo a fim de prestar esclarecimentos sobre os
as partes continuam conduzindo o processo a fim
fatos da causa, “hipótese em que não incidirá a
de ganhar o caso, cada qual exercendo seus direi-
pena de confesso” (art. 139, inciso VIII). O le-
tos, desempenhando seus ônus e cumprindo seus
gislador, ainda, viu a emenda à petição inicial
deveres sob o influxo dessa finalidade. A diferença
como uma hipótese de concretização do dever de
fundamental para as partes é que devem fazê-lo de
esclarecimento judicial, tanto é que determinou
boa-fé (o processo não é, como já se pensou, um
ao juiz que indique “com precisão o que deve ser
ambiente livre da moral – “moralinfrei” ).
corrigido ou completado” (art. 321). Em ambos
5
A colaboração estrutura-se a partir da previsão
os casos, o esclarecimento tem a ver com a me-
de regras que devem ser seguidas pelo juiz na con-
lhor compreensão dos argumentos das partes
dução do processo. O juiz tem os deveres de escla-
pelo juiz – isto é, com a compreensão do sentido
recimento, de diálogo, de prevenção e de auxílio
adequado das alegações fático-jurídicas das partes
para com os litigantes. Esses deveres consubstan-
(GREGER, 2000, p. 79-80). O esclarecimento é
ciam as regras que estão sendo enunciadas quan-
pensado como uma ferramenta que visa a evitar
do se fala em colaboração no processo. A doutrina
mal-entendidos na comunicação processual.
é tranquila a respeito do assunto (SOUSA, 1997,
p. 65-67; MITIDIERO, op. cit., p. 85).
Quanto ao dever de prevenção, o legislador
entendeu que, “antes de proferir decisão sem re-
O dever de esclarecimento constitui “o dever
solução de mérito, o juiz deverá conceder à parte
de o tribunal se esclarecer junto das partes quanto
oportunidade para, se possível, corrigir o vício”
às dúvidas que tenha sobre as suas alegações, pedi-
(art. 317). Na mesma linha, determinou que, “an-
dos ou posições em juízo” (SOUSA, op. cit., p. 65).
tes de considerar inadmissível o recurso, o relator
O de prevenção, o dever de o órgão jurisdicional
concederá o prazo de cinco dias ao recorrente
prevenir as partes do perigo de o êxito de seus pe-
para que seja sanado vício ou complementada a
didos “ser frustrado pelo uso inadequado do pro-
documentação exigível” (art. 932, parágrafo único)
cesso” (SOUSA, op. cit., p. 66). O de consulta, o
(MITIDIERO, op. cit., p. 170-171). Vale dizer:
dever de o órgão judicial consultar as partes antes
tem o juiz de alertar a parte de que o uso equivo-
de decidir sobre qualquer questão, possibilitando
cado do processo – ou o equívoco na forma proces-
antes que essas o influenciem a respeito do rumo
sual – pode obstar ao exame do mérito.
a ser dado à causa (SOUSA, op. cit., p. 66-67).
Quanto ao dever de diálogo, o legislador
O dever de auxílio, “o dever de auxiliar as partes
não só vedou qualquer decisão definitiva sobre
na superação de eventuais dificuldades que im-
a causa sem prévio contraditório (arts. 7º, 9º e
peçam o exercício de direitos ou faculdades ou
10), como também determinou expressamente
o cumprimento de ônus ou deveres processuais”
que a fundamentação da decisão tem de guar-
(SOUSA, op. cit., p. 67).
dar congruência com os argumentos determi-
Em várias oportunidades o legislador estrutu-
nantes formulados pelas partes (art. 489, § 1º,
rou o procedimento a partir desses deveres judi-
inciso IV). Isso não só condiciona a aplicação
ciais. Alguns exemplos podem ilustrar de forma
do brocardo Iura Novit Curia pelo juiz ao pré-
adequada o sentido da colaboração buscada pelo
legislador.
Quanto ao dever de esclarecimento, o legislador deixou claro que o juiz pode, a qualquer
tempo, convocar as partes para comparecer em
Livro_126.indb 50
4. Há tradução de Ronaldo Kochem publicada na RePro, n. 206, 1, 2012.
5. GOLDSCHMIDT, 1925, p. 292, passagem em que refere ainda
ser o processo livre de moralidade como a guerra (Krieg) e a política
(Politik) – em um evidente testemunho da percepção geral de seu
tempo.
23/04/2015 16:28:47
por objeto prestação pecuniária” (art. 139, inciso
as partes (TUCCI, 2009, p. 211), como também
IV), o que obviamente engloba a possibilidade de
veda que a fundamentação seja vista como sim-
o juiz determinar que o executado apresente bens
ples demonstração do raciocínio pelo qual o juiz
suscetíveis de penhora. O mesmo espírito de co-
chegou ao dispositivo, o que muitas vezes é feito
laboração do juiz para com o exequente anima o
sem a devida atenção aos fundamentos arguidos
art. 772, inciso III, em que se prevê o poder de o
pelas partes. Ainda, em homenagem ao diálogo
juiz “determinar que sujeitos indicados pelo exe-
no processo, o legislador permitiu a calendariza-
quente forneçam informações em geral relaciona-
ção do procedimento pelo comum acordo en-
das ao objeto da execução, tais como documentos
tre o juiz e as partes (art. 191) e saneamento em
e dados que tenham em seu poder, assinando-lhes
“cooperação com as partes” nas causas complexas
prazo razoável” (MITIDIERO, op. cit., p. 147).
(art. 357, § 3º).
4 Considerações finais
dor instituiu a dinamização do ônus da prova (art.
373, § 1º), que visa a auxiliar uma das partes a se
Como se pode perceber, seja como modelo,
desincumbir de probatio diabolica, bem como o
seja como princípio, a colaboração foi abraçada
poder de o juiz “determinar todas as medidas in-
pelo legislador brasileiro do Novo CPC. Se, po-
dutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogató-
rém, de fato terá o condão de transformar as rela-
rias necessárias para assegurar o cumprimento de
ções entre o juiz e as partes no processo civil, só o
ordem judicial, inclusive nas ações que tenham
tempo – e o foro – poderão dizer.
51
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vio diálogo da nova visão jurídica da causa com
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Livro_126.indb 52
23/04/2015 16:28:47
A
função contrafática do Direito e o
Novo CPC.
Desde as primeiras aulas de um curso jurídico, o
aluno aprende que uma das funções primárias do
Direito é a de impedir e fiscalizar comportamentos
“inadequados” que as pessoas assumiriam dentro
da busca de seus interesses pessoais.
Com o sistema jurídico se busca coibir comportamentos injurídicos que ordinariamente
seriam desempenhados, salvo, em contraponto,
que os coíba, o que poderíamos nominar de função contrafática.
Esta função pode ser percebida em situações cotidianas como a de se parar o automóvel no semáforo
em um “sinal vermelho” para não colidir com outro
veículo e, obviamente, não ser multado. Tal tendênDierle Nunes Advogado. Doutor em Direito Processual pela
PUC Minas e Universitá degli Studi di Roma La
Sapienza. Professor adjunto na PUC Minas e na
UFMG. Secretário-geral adjunto do IBDP. Membro
cia a parar aumenta exponencialmente se o semáforo for municiado do sistema de “registro de avanço”
em decorrência do acréscimo de fiscalidade.
Mas qual seria a conexão desta função básica
fundador da ABDPConst. Integrou a Comissão
do Direito com o Novo Código de Processo Civil
de Juristas formada na Câmara dos Deputados
(NCPC)? Respondo: toda!
para revisão do CPC/2015.
53
Revi s t a d o A d v o g a d o
quando se adote uma determinação normativa
Ao se perceber uma série de vícios e descumprimentos à normatização (inclusive constitucional), a nova legislação tenta, contrafaticamente,
implementar comportamentos mais consentâneos com as finalidades de implementação de
efetividade e garantia de nosso modelo processual constitucional. Este é um de seus grandes
pressupostos ao se buscar corrigir problemas sistê-
Livro_126.indb 53
23/04/2015 16:28:47
A f u n ç ã o c o n t r a f á t i c a d o Direito e o No vo CPC.
Rev i st a d o A d v o g a d o
54
micos. Adota-se, assim, uma série de “registros de
Tal prática chega ao requinte de promover a
avanço” normativos para uma plêiade de compor-
edição de enunciados de súmula com o objetivo de
tamentos não cooperativos habitualmente ado-
criar ferramentas formais de impedimento do jul-
tados pelos sujeitos processuais.
gamento de mérito das impugnações às decisões.
E para não aparentar se estar procedendo a
Em face do vício manifesto da jurisprudência de-
uma discussão meramente teórica e de fundamen-
fensiva, e em sua função contrafática, desde a parte
tação, nos valeremos de alguns singelos exemplos.
geral (art. 4o do NCPC2), a nova lei impõe premissas
Passemos a eles:
interpretativas e um novo formalismo que induz o
Uma situação recorrente na prática (no mundo
máximo aproveitamento da atividade processual
fático) que vivenciamos é a de o magistrado, no
e a regra da primazia do julgamento do mérito
momento de fixar honorários sucumbenciais em
(THEODORO JR.; NUNES; BAHIA; PEDRON,
causas de grande relevância econômica, especial-
2015; NUNES; CRUZ; DRUMMOND, 2014).
mente em face da Fazenda Pública, estabelecer
um valor irrisório em prol do advogado, que desconsidera todo o empenho, zelo e esforço empreendido pelo profissional ao longo da tramitação
processual. Tal hipótese fomenta o uso de recursos e muitas vezes conduz, ao final, a um resultado indevido com a chancela dos valores anteriormente fixados.
Uma situação recorrente é a de o
magistrado estabelecer um valor
irrisório em prol do advogado.
O NCPC, contrafaticamente, ao constatar tal
fenômeno, cria critérios normativos que limitam a
determinação judicial a parâmetros que atendam
ao grau de trabalho empreendido pelo patrono na
causa, em seu art. 85.1
O dispositivo fixa limites mínimos e máximos
de fixação de honorários, inclusive estabelecendo
critérios precisos, principalmente em relação à
Fazenda Pública.
Outra patologia recorrente na prática que o
Novo Código coíbe é a da criação, pelos Tribunais
Superiores, de entendimentos que patrocinam
um maior rigorismo no juízo de admissibilidade
recursal, de modo a reduzir sua carga de trabalho:
a famigerada jurisprudência defensiva.
Livro_126.indb 54
1. “Art. 85 - A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao
advogado do vencedor.
[...] § 2º - Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de
prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o
trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§ 3º - Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos
honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º
e os seguintes percentuais: I - mínimo de dez e máximo de vinte por
cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido
até duzentos salários mínimos; II - mínimo de oito e máximo de
dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de duzentos salários mínimos até dois mil salários
mínimos; III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o
valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de dois
mil salários mínimos até vinte mil salários mínimos; IV - mínimo de
três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do
proveito econômico obtido acima de vinte mil salários mínimos até
cem mil salários mínimos; V - mínimo de um e máximo de três por
cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido
acima de cem mil salários mínimos.
§ 4º - Em qualquer das hipóteses do § 3º: I - os percentuais previstos
nos incisos I a V devem ser aplicados desde logo quando for líquida
a sentença; II - não sendo líquida a sentença, a definição do percentual, nos termos dos referidos incisos, somente ocorrerá quando
liquidado o julgado; III - não havendo condenação principal ou não
sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, a condenação
em honorários dar-se-á sobre o valor atualizado da causa; IV - será
considerado o salário mínimo vigente quando prolatada sentença
líquida ou o que estiver em vigor na data da decisão de liquidação.
§ 5º - Quando, conforme o caso, a condenação contra a Fazenda
Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor ou o valor
da causa for superior ao valor previsto no inciso I do § 3º, a fixação do
percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que
a exceder, a faixa subsequente, e assim sucessivamente.
§ 6º - Os limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de
improcedência ou extinção do processo sem resolução do mérito. [...]”
2.“Art. 4º - As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.”
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a impossibilidade de o relator dos recursos inad-
jetiva e, ao mesmo tempo, cria mecanismos de
miti-los antes de viabilizar a correção dos vícios,
fiscalidade para as aludidas condutas dos sujeitos
como, por exemplo, de ausência de documen-
processuais.
tação ou de representação. Ainda estabelece,
Aponte-se que não se trata, como alguns in-
em seu art. 218, § 4º, que um recurso praticado
sistem em dizer, de uma concepção utópica, pois
antes do termo inicial do prazo seja considerado
não se defende uma concepção de solidariedade
tempestivo. Ou seja, busca-se limitar o comporta-
no processo, nem se adota mais a visão tradicional
mento não cooperativo dos tribunais de impedir
de colaboração que estabelecia quase uma hie-
atividades processuais por rigorismos formais des-
rarquia entre juiz e partes/advogados, na qual as
providos de fundamento constitucional adequado.
últimas deveriam ajudar o primeiro. Aqui se trata
E, por falar em comportamentos não coope-
de uma concepção normativa contrafática que
rativos, todos sabemos que o ambiente processual
delimita ferramentas de controle de todos os su-
sempre está permeado destes, seja o advogado que
jeitos processuais ao se perceber a interdependên-
se vale de manobras de má-fé com a finalidade
cia entre suas atividades e fazendo com que todas
de atrasar o procedimento quando isto o interessa,
ofertem um importante papel dentro do sistema
sejam os juízes que não auxiliam as partes a supe-
processual (divisão de papéis).
4
5
rarem dificuldades que as impeçam do exercício
Assim, o CPC/2015 traz uma série de preceitos
de faculdades ou ônus processuais, como os pro-
normativos louváveis que viabilizarão um diálogo
batórios (dever de auxílio), as surpreende com
mais proveitoso entre os sujeitos processuais com
decisões trazendo fundamentos não discutidos ao
a adoção, por exemplo, do dever do juiz de levar
longo do processo e não enfrentam todos os argu-
em consideração os argumentos relevantes das par-
mentos relevantes apresentados por elas. E estas
tes (Recht auf Berücksichtigung von Äußerungen),
são apenas algumas situações não cooperativas.
atribuindo ao magistrado não apenas o dever de
Ao se vislumbrar tais hipóteses, o NCPC impõe
tomar conhecimento das razões apresentadas
uma premissa forte (contrafática) ao adotar uma
(Kenntnisnahmepflicht), como também o de con-
teoria normativa da comparticipação (NUNES,
siderá-las séria e detidamente (Erwägungspflicht)
2008) ou cooperação que impõe, mediante vários
em seus arts. 10 e 489, § 1º, inciso IV, do NCPC.
dispositivos, a necessidade de se repreenderem
A f u n ç ã o c o n t r a f á t i c a d o Direito e o No vo CPC.
comportamentos que não atendam a boa-fé ob-
55
Revi s t a d o A d v o g a d o
Determina-se, assim, nos moldes do art. 932,3
Há muito a doutrina percebeu que o contraditório não pode mais ser analisado tão somente
como mera garantia formal de bilateralidade da
3.“Art. 932 - [...] Parágrafo único - Antes de considerar inadmissível
o recurso, o relator concederá o prazo de cinco dias ao recorrente
para que seja sanado vício ou complementada a documentação
exigível.”
4.Este também é o entendimento do Enunciado nº 82 do Fórum
Permanente de Processualistas Civis (FPPC): (art. 932, parágrafo
único; art. 938, § 1º) É dever do relator, e não faculdade, conceder
o prazo ao recorrente para sanar o vício ou complementar a documentação exigível, antes de inadmitir qualquer recurso, inclusive os
excepcionais. (Grupo: Ordem dos Processos no Tribunal, Teoria
Geral dos Recursos, Apelação e Agravo. Salvador, 2013).
5.Conforme o Enunciado nº 83 do FPPC: “Fica superado o enunciado 115 da súmula do STJ após a entrada em vigor do NCPC (‘Na
instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem
procuração nos autos’)”. (Grupo: Ordem dos Processos no Tribunal,
Teoria Geral dos Recursos, Apelação e Agravo. Salvador, 2013)
Livro_126.indb 55
audiência, mas sim como uma possibilidade de
influência (Einwirkungsmöglichkeit) (BAUR, 1954,
p. 403) sobre o desenvolvimento do processo e sobre
a formação de decisões racionais, com inexistentes
ou reduzidas possibilidades de surpresa.
Tal concepção significa que não se pode mais
acreditar que o contraditório se circunscreva ao
dizer e contradizer formal entre as partes, sem
que isso gere uma efetiva ressonância (contribuição) para a fundamentação do provimento, ou
seja, afastando a ideia de que a participação das
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A f u n ç ã o c o n t r a f á t i c a d o Direito e o No vo CPC.
Re v is t a d o A d v o g a d o
56
partes no processo possa ser meramente fictícia,
primento de um contraditório dinâmico e de uma
ou apenas aparente, e mesmo desnecessária no
fundamentação estruturada, reestrutura-se a fase
plano substancial.
de organização e saneamento no art. 357 da Lei nº
No sistema alemão, o princípio, nos termos do
13.105/2015, criando, inclusive, a possibilidade de
art. 103, § 1º, da Grundgezets (Lei Fundamental
negociação processual típica sobre o objeto do pro-
alemã), inclui não só o direito de se expressar, mas
cesso e calendarizando o procedimento mediante
também o direito a que essas declarações sejam
acordo entre os sujeitos processuais (THEODORO
devidamente levadas em consideração.
JR.; NUNES; BAHIA; PEDRON, 2015).
Julgados do Tribunal Constitucional Federal
Os exemplos poderiam aqui se multiplicar à
(por exemplo, BVerfGE 70, 288 NJW 1987, 485)
exaustão, mas creio que fugiriam ao propósito
localizam esse dever como decorrência do contra-
provocativo deste breve ensaio.
ditório (Anspruch auf rechtliches Gehör), apontan-
No entanto, para terminar, há de se perce-
do que ele assegura às partes o direito de ver seus
ber que devemos afastar aqueles argumentos
argumentos considerados.
recorrentes “de que isto não funcionará porque
No entanto, o entendimento inconstitucional e
sempre foi diferente”, uma vez que negam exata-
ilegal corrente no Brasil até o advento do NCPC,
mente o papel corretivo e a função contrafática
por violador do dever constitucional e legal de fun-
do Direito, que se presta a fiscalizar e a imple-
damentação das decisões judiciais, autoriza que o
mentar balizas normativas (correção normativa)
Estado-juiz não enfrente um argumento jurídico
a que os direitos, especialmente fundamentais,
relevante da parte, ou seja, mesmo argumentos que
se prestam.
invoquem uma norma jurídica aplicável ao pro-
Não podemos tolerar um processo judicial não
cesso e que guardem imediata vinculação com os
dialógico e cooptado tão somente por imperativos
pontos controvertidos (questões) são singelamente
de máxima produtividade e de qualidade zero, até
desconsiderados por inúmeras decisões judiciais
pela percepção óbvia de que esta concepção não
que não os acolhem.
vem trazendo bons resultados. Só uma nova racio-
6
E o problema na atualidade é de índole prática,
eis que a ausência de análise de todos os argumentos
nalidade de uso do sistema pode auxiliar na resolução de nossos problemas.
relevantes, em especial pelos Tribunais Superiores,
O NCPC busca, assim, dentro de seus estritos
induz à falta de coerência e estabilidade em sua ju-
limites, por ser tão somente uma lei, e não uma pa-
risprudência, e se abre para uma constante reaber-
naceia, ofertar um balizamento contrafático que
tura a que novos debates e novos argumentos, que
possa otimizar a atividade processual e melhorá-la
já poderiam ter sido analisados desde o primeiro
qualitativamente. Resta-nos agora compreendê-lo
recurso ou procedimento, sejam levados em consi-
e aplicá-lo sempre sob a melhor luz e em confor-
deração, fomentando uma anarquia interpretativa.
midade com sua parte geral, sua unidade e suas
E, em primeiro grau, o desprezo à preparató-
premissas norteadoras.7
ria da cognição amplia a dificuldade de análise
racional dos argumentos relevantes, em decorrência do déficit da filtragem na fase do art. 331 do
CPC de 1973 reformado. Assim, ao exigir o cum-
Livro_126.indb 56
6.Cf. com mais argumentos Nunes (2003; 2004, p. 73-85; 2008);
Nunes; Theodoro Jr. (2009).
7. Para a devida compreensão cf. Theodoro Jr.; Nunes; Bahia;
Pedron (2015).
23/04/2015 16:28:47
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A f u n ç ã o c o n t r a f á t i c a d o Direito e o No vo CPC.
NUNES, Dierle. O princípio do contraditório. Rev. Síntese de
Revi s t a d o A d v o g a d o
57
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N
ota sobre o incidente de conversão
em ação coletiva.
Sumário
1.Introdução
2.Natureza jurídica
3.A configuração do substrato difuso (ou coletivo)
4.A vedação da conversão para a tutela de direitos
individuais homogêneos
5.Outros pressupostos objetivos
6.Legitimados ativos
58
8.Recorribilidade
Revi s t a d o A d v o g a d o
7.A garantia do contraditório
9.O procedimento subsequente à conversão
10. A posição do autor originário após a conversão
1 Introdução
Eduardo Talamini Livre-docente (Universidade de São Paulo).
Doutor e mestre (Universidade de São Paulo).
Professor de Direito Processual Civil, Processo
Constitucional e Arbitragem (Universidade Federal do Paraná). Advogado em Curitiba, São Paulo
e Brasília.
Entre os institutos integralmente novos que
o Código de Processo Civil (CPC) de 2015 veicula, está a possibilidade de conversão de ação
individual em ação coletiva. Tal mecanismo
teve sua presença assegurada no novo diploma
apenas “nos acréscimos da partida”. Ele não
constava do projeto aprovado originalmente
no Senado. Surgiu na versão aprovada pela Câmara. No retorno à casa de origem, não constou
do relatório final levado à votação. Dependeu da
aprovação de um destaque para que fosse incluído
no novo Código – e veio a constar no seu art. 333.
É uma novidade no Direito brasileiro transformar-se uma ação individual em coletiva, quando
a situação conflituosa apresenta, além da preten-
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não se pode deixar de notar – certo parentesco
ção de lei, deva ser necessariamente uniforme, as-
com os mecanismos de objetivação do julgamen-
segurando-se tratamento isonômico para todos os
to de questões repetitivas (julgamentos por amos-
membros do grupo” (art. 333, inciso II).
tragem), já antes previstos entre nós no âmbito
Quanto ao inciso I, imagine-se o caso em
do Supremo Tribunal Federal (STF), Superior
que o proprietário rural promove ação destinada
Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal Superior do
a impedir que uma fábrica continue despejan-
Trabalho (TST), e agora aperfeiçoados e estendi-
do substâncias poluentes em rio que passa por
dos aos tribunais locais pelo novo Código. Mas
sua propriedade e está contaminando o solo. O
são institutos inconfundíveis. Já em outros orde-
proprietário tem uma pretensão individual a essa
namentos, por exemplo, na Inglaterra, o próprio
tutela específica, tanto quanto o tem à tutela res-
modelo-padrão de ação coletiva desenvolve-se
sarcitória dos danos causados: não faria sentido
em termos similares a esses, iniciando-se a ação
afirmar que ele teria o direito de obter indeni-
coletiva a partir de ações individuais.
zação, mas não o de impedir a ocorrência do
2 Natureza jurídica
Tem-se com a conversão uma modalidade de
alteração (ampliação) do objeto processual originário. É exceção à norma da estabilidade da
demanda (CPC/2015, art. 329). A ampliação é
objetiva (acrescenta-se nova demanda) e subjetiva
(ingressa um novo sujeito no polo ativo).
3 A configuração do substrato difuso
(ou coletivo)
Observados outros requisitos a seguir indicados, a conversão será possível desde que o pedido
formulado na ação individual “tenha alcance coletivo, em razão da tutela de bem jurídico difuso
ou coletivo [...] e cuja ofensa afete, a um só tempo,
as esferas jurídicas do indivíduo e da coletividade”
(art. 333, inciso I) ou ainda que o pedido “tenha
por objetivo a solução de conflito de interesse relativo a uma mesma relação jurídica plurilateral,
dano. Mas essa sua pretensão individual à tutela
específica coincide, quanto ao resultado, com a
pretensão coletiva de tutela ao meio ambiente.
São direitos inconfundíveis – o direito individual
de não sofrer lesão e o interesse difuso à incolumidade do meio ambiente –, mas concorrentes.
O inciso II teria criado nova
hipótese de ação coletiva.
A configuração de uma ação coletiva a partir da hipótese do inciso II é mais difícil. A rigor,
trata-se ali de uma relação jurídica única e incin-
N o t a s o b r e o i n c i d e n t e de co n vers ão em ação coletiva.
cuja solução, pela sua natureza ou por disposi-
59
Revi s t a d o A d v o g a d o
são individual, um nítido substrato coletivo. Há –
dível, com uma pluralidade de sujeitos que seriam
litisconsortes facultativos, mas unitários. O exemplo mais evidente é o da pluralidade de sócios que
estão legitimados a impugnar a validade de uma
deliberação assemblear societária. Qualquer um
deles tem legitimidade individual, sem que se faça
necessário o comparecimento dos outros como
litisconsortes. Mas a relação jurídico-material é
única e incindível. Caso se forme o litisconsórcio,
1. Pode-se até conceber hipótese de ação coletiva destinada a desconstituir relação jurídica plurilateral: p. ex., com amparo no art. 1º
da Lei nº 7.913/1989, o MP promove ação civil pública para invalidar
deliberação de assembleia geral societária, a fim de resguardar o interesse difuso à idoneidade do mercado de capitais. Mas a conversão
de uma ação individual anulatória em ação coletiva, nessa hipótese,
seria baseada no inciso I.
Livro_126.indb 59
ele será unitário. Todavia, esse exemplo dificilmente se amolda às hipóteses de direito coletivo
ou difuso.1 A questão está em saber se o mecanismo da conversão estaria criando, no inciso II,
nova hipótese de tutela coletiva.
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Por outro lado, se, além de um pedido enquadrável em alguma das duas hipóteses anteriores, o
autor originário houver cumulativamente formulado outros pleitos, isso não obsta a conversão
(art. 333, § 9º). Há uma solução específica para
N o t a s o b r e o i n c i d e n t e d e co n vers ão em ação coletiva.
essa hipótese (v. adiante, nº 10).
Rev i st a d o A d v o g a d o
60
Livro_126.indb 60
4 A vedação da conversão para
a tutela de direitos individuais
homogêneos
Conforme o § 2º do art. 333, a conversão não
pode ser utilizada para a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos. No exemplo dado
no tópico anterior, não poderia haver conversão
em ação coletiva para a formação de condenação
genérica para ressarcimento dos danos de todos
os demais proprietários ribeirinhos potencialmente afetados. Essa limitação, que foi acrescida
no curso do processo legislativo, teve uma justificativa. Reputou- -se que, diante dos mecanismos
de julgamento de questões e causas repetitivas,
haveria sobreposição de instrumentos com finalidades equivalentes.
No entanto, essa limitação tende a ser inócua na maioria dos casos. O § 3o do art. 103
do Código do Consumidor prevê que também
5 Outros pressupostos objetivos
Há ainda outros requisitos para a conversão
(art. 333, § 3º):
I) há um limite temporal: ela deve ocorrer
antes do início da audiência de instrução e julgamento. Ao que se infere, reputou-se que, depois
disso, a instrução probatória já estaria em estágio
muito avançado, não sendo possível a plena produção de provas a respeito de fatos pertinentes à
dimensão coletiva do conflito. Poder-se-ia argumentar que nem sempre o conflito coletivo envolve controvérsia fática. Muitas vezes, os pontos
controvertidos são fundamentalmente de direito.
Mas dado o caráter excepcional do mecanismo da
conversão, optou-se por solução mais cautelosa;
II) ela também não é admitida quando já
há processo coletivo em curso relativamente
ao mesmo objeto (pedido e causa de pedir). A
litispendência obsta a conversão. A relação de
continência também a impede, em qualquer
caso. Se o processo coletivo preexistente tiver o
objeto maior do que o objeto processual que se
estabeleceria com a conversão, recai-se na litispendência (CPC/2015, art. 57, parte inicial). Se
o objeto do processo preexistente for menor, de
a sentença de procedência nas ações coletivas
modo que estaria contido no objeto do processo
que versem sobre interesses difusos e coletivos
fruto da conversão, ela também não se justifica.
– e não apenas aquelas sobre direitos individuais
Ações em relação de continência não devem tra-
homogêneos – aproveitará aos sujeitos pesso-
mitar separadamente. Essa imposição, presente
almente prejudicados, que a utilizarão como
na disciplina geral do processo (CPC/2015, art.
base para suas ações individuais de reparação
57, parte final), é reforçada no âmbito das ações
de dano. O resultado final será equivalente ao
coletivas (Lei nº 7.347/1985, art. 2º, parágrafo
que se teria com a procedência da ação para
único). As ações teriam de ser reunidas perante
tutela de direitos individuais homogêneos: em
o juízo prevento (art. 58, CPC/2015, art. 2º, pa-
ambos os casos, a partir daí, o interessado indi-
rágrafo único, Lei nº 7.347). Mas, como se vê a
vidual, além de verificar e quantificar os danos,
seguir, outro requisito da conversão é o de que a
terá o ônus de demonstrar o nexo de causalida-
nova ação coletiva possa manter-se sob a compe-
de entre o ato já reconhecido como ilícito pela
tência do juízo perante o qual já tramitava. Se
sentença coletiva e os prejuízos que reputa ter
ela tem de ser remetida para um juízo prevento,
sofrido.
a conversão é inviável;
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III) o juiz deve ser competente para a ação
requer a conversão conduzir a ação coletiva (art.
coletiva que resultaria da conversão. Em outras
333, § 4º) –, e, portanto, o requerente precisa deter
modalidades de cumulação de demandas ou de
a legitimação ativa coletiva. Ao que tudo indica, a
alteração superveniente do objeto do processo
redundância, no que tange ao MP e à Defensoria,
(cumulação de pedidos, reconvenção, extensão da
deriva apenas das vicissitudes do processo legislati-
coisa julgada a questões prejudiciais, etc.), põe-se
vo, não se podendo extrair nada mais disso.
les casos. No mecanismo em exame, não basta a
competência absoluta. É preciso que o juiz seja
também desde logo territorialmente competente
para a ação coletiva resultante da conversão (Có-
Não apenas o autor, mas
também o réu deve ser ouvido a
respeito do pedido de conversão.
digo de Defesa do Consumidor – CDC, art. 93:
foro local, para lesões de extensão local; foro da
O juiz não pode determinar a conversão de
capital do Estado ou DF, para lesões regionais ou
ofício. Mas pode oficiar os legitimados para a ação
nacionais). A competência relativa tem extrema
coletiva para que esses avaliem a oportunidade e
relevância no processo coletivo, a ponto de os atos
conveniência de requerer a conversão – conforme se
decisórios do juiz incompetente terem sua eficá-
extrai de aplicação analógica do art. 139, inciso X,
cia limitada ao âmbito da competência territorial
do CPC/2015.2
do órgão prolator (Lei nº 7.347, art. 16).
7 A garantia do contraditório
6 Legitimados ativos
O caput explicita a necessidade de o juiz dar
A conversão pode ser requerida por qualquer
ao autor originário a oportunidade de manifes-
dos legitimados para promover a ação coletiva. O
tar-se, antes de decidir sobre o pedido de conver-
caput do art. 333 refere-se expressamente apenas ao
são. Essa imposição já derivaria da garantia do
Ministério Público (MP) e à Defensoria Pública.
contraditório, consagrada em norma constitucio-
Mas o seu § 1º alude a qualquer outro legitimado
nal (art. 5º, inciso LV, Constituição Federal – CF)
para a ação coletiva que resultaria da conversão,
e reiterada em normas gerais do novo Código
nos termos da Lei nº 7.347 e do CDC.
(arts. 9º e 10). Aliás, em face dessa garantia, vê-se
A referência em separado ao MP e à Defenso-
que o caput disse menos do que deveria: cumpre
ria – que afinal já estariam abrangidos pela regra
ao juiz ouvir não apenas o autor originário, mas
do § 1º – poderia fazer supor que esses dois entes
também o réu,3 bem como eventuais terceiros
teriam um regime diferenciado, de modo que esta-
intervenientes.
riam legitimados a pleitear a conversão mesmo em
Nenhum desses sujeitos, incluindo o autor
casos em que não estariam legitimados ativamente
originário, tem o direito de oposição imotivada.
para a ação coletiva daí resultante. Mas essa suposi-
A impugnação terá de fundar-se na ausência de
ção não procede. Caberá necessariamente a quem
alguma das condições objetivas ou subjetivas da
61
Revi s t a d o A d v o g a d o
juiz: a competência relativa é prorrogável naque-
N o t a s o b r e o i n c i d e n t e de co n vers ão em ação coletiva.
como requisito apenas a competência absoluta do
conversão.4
2. Nesse sentido é o Enunciado nº 39 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC).
3. Nesse sentido, Enunciado nº 40 do FPPC.
4. Nesse sentido, Enunciado nº 41 do FPPC.
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Quando já não for o próprio autor do requerimento de conversão, o MP deverá ser ouvido também (art. 333, § 10).
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A decisão do juiz deverá ser motivada, enfren-
supervenientemente a ação coletiva, e o réu tem
tando inclusive os argumentos formulados contra-
então a oportunidade de dela defender-se. Ob-
riamente à conversão.
viamente, não há nova citação porque o réu já integra o processo. A intimação faz-se na pessoa de
8 Recorribilidade
seu advogado, em regra. Mas, se for revel, deverá
N o t a s o b r e o i n c i d e n t e d e co n vers ão em ação coletiva.
recebê-la pessoalmente. Aplicam-se as normas
Re v is t a d o A d v o g a d o
62
O novo Código consagra a diretriz de irrecor-
relativas à contestação, mas com as devidas res-
ribilidade das interlocutórias. Mas entre as exce-
salvas do contexto processual: o efeito principal
ções está a decisão que defere a conversão da ação
da revelia é significativamente mitigado, se não
individual em coletiva. Contra ela, caberá agravo
de todo afastado, pelo que já houver sido veicula-
de instrumento (art. 1.015, inciso XII).
do na contestação originária; o mesmo se aplica
A decisão que indefere a conversão é irrecor-
ao descumprimento do ônus da impugnação es-
rível. A disposição acima mencionada, por vei-
pecífica. O prazo de 15 dias para a manifestação
cular uma exceção, não comporta interpretação
(contestação) é dobrado nas hipóteses dos arts.
extensiva. Em princípio, as questões resolvidas
180, 183 e 186 ou 229 do CPC/2015. Além disso,
por interlocutórias irrecorríveis podem tornar a
pode ser ampliado nos termos do art. 139, inciso
ser suscitadas preliminarmente no juízo de apela-
VI.6
ção (art. 1.009, § 1º). Na hipótese ora em exame,
falta interesse jurídico para isso. A conversão nesse
No mais, serão observadas a partir de então as
regras do processo coletivo.
momento não será mais processualmente econômica. Até por isso, não se pode descartar o emprego do mandado de segurança contra a decisão
10 A posição do autor originário após a
conversão
denegatória da conversão (Lei nº 12.016/2009, art. 5º,
inciso II).
O autor originário não pode absolutamente
ser prejudicado pela conversão. Essa diretriz está
9 O procedimento subsequente à
conversão
retratada em regras específicas – e tem de ser considerada, como expressão do princípio do acesso à
justiça, em todas as questões procedimentais que
Deferida a conversão, o juiz fixará prazo para
concretamente se ponham.
aquele que a requereu promover a emenda ou o
Ele “não é responsável por qualquer despesa
aditamento da petição inicial, a fim de “adaptá-la
processual decorrente da conversão do processo
à tutela coletiva” (art. 333, § 4º). Isso significa
individual em coletivo” (art. 333, § 7º).
adicionar os elementos objetivos (pedido e causa
de pedir) próprios da demanda coletiva.
A lei atribui-lhe ainda a condição de litisconsorte “unitário” do autor coletivo. Essa quali-
Se o requerente da conversão não providenciar
ficação é discutível. A rigor, há duas pretensões
a adaptação no prazo fixado pelo juiz, o processo
distintas, ainda que (total ou parcialmente) con-
seguirá como individual.5 Porém, não há o que
correntes. Não se tem uma pretensão unitária,
impeça que outro legitimado para a ação coletiva
mas fundamentos comuns às duas pretensões.
promova a adaptação.
Pelo próprio CPC/2015, há unitariedade quando
Depois dessa adaptação, o réu será intimado
para manifestar-se em 15 dias (art. 333, § 5º). Na
essência, trata-se de uma contestação: formulou-se
Livro_126.indb 62
5. Nesse sentido, Enunciado nº 149 do FPPC.
6. Quanto a esse ponto, Enunciado nº 150 do FPPC.
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tensão individual jamais se identifica propriamen-
me para todos os litisconsortes” (art. 116). Isso
te com a coletiva: o que se põe é uma relação de
não acontece necessariamente na ação convertida
concurso objetivo. Essa pretensão será processada
coletiva. Imagine-se que o juiz reconheça haver
conjuntamente com a pretensão coletiva posta
conduta ilícita do réu lesiva a interesse difuso, mas
após a conversão – ainda que as questões fáticas
negue existir nexo de causalidade entre o ilícito e
e jurídicas para a solução de ambas não sejam de
o dano alegado pelo autor originário. Nessa hipó-
todo coincidentes. Já as demais pretensões postas
tese, a ação coletiva será julgada procedente e a
pelo autor originário serão objeto de autuação e
originária ação individual, não. Possivelmente, a
processamento próprios. Não se trata tão somente
qualificação do litisconsórcio como unitário visa
de autuação apartada nem de mera constituição
a apenas assegurar a incidência da parte final do
de um incidente processual. A pretensão autua-
art. 117 (segundo o qual os atos e omissões de um
da em apartado será objeto, a partir dali, de um
litisconsorte unitário não prejudicam, mas podem
processo próprio e autônomo, ainda que em rela-
beneficiar os outros).
ção de dependência com o outro, de que proveio:
O § 9º do art. 333 estabelece que, se o autor
haverá instrução e sentença próprias. A regra do
originário houver formulado também pedido “de
§ 9º presta-se a realçar os dois aspectos anterior-
natureza estritamente individual”, esse será pro-
mente abordados: i) é especificação de diretriz de
cessado em autos apartados. A redação do disposi-
que o autor originário não pode ser prejudicado
tivo não é perfeita. O pedido do autor originário –
pela conversão; ii) evidencia que a unitariedade
mesmo o próprio pedido que ensejou a conversão –
do litisconsórcio entre o autor coletivo e o autor
sempre será essencialmente “individual”. A pre-
originário não é total e absoluta.
N o t a s o b r e o i n c i d e n t e d e co n vers ão em ação coletiva.
“o juiz tiver de decidir o mérito de modo unifor-
Revi s t a d o A d v o g a d o
63
Livro_126.indb 63
23/04/2015 16:28:48
N
ovo CPC: reflexões em torno da
imposição e cobrança de multas.
Sumário
1.Introdução
2.Condenação pecuniária e multa por falta de
cumprimento
3.Execução do crédito por astreintes
3.1. Decisão que comina a multa e título executivo
3.2.Multa e contraditório
Bibliografia
64
Revi s t a d o A d v o g a d o
1 Introdução
O novo Código de Processo Civil (CPC),
em meio a modificações estruturais de relevo,
preocupou-se também, como é natural, com o
aperfeiçoamento da disciplina de institutos da
legislação vigente, perdendo em contrapartida
importante oportunidade de fazê-lo quanto a outros tantos aspectos que reclamavam, a nosso ver,
Fabio Guidi Tabosa Pessoa Doutor em Direito Processual pela Universi-
maior atenção.
dade de São Paulo (USP). Professor doutor
Pretendemos, neste breve estudo, abordar duas
de Processo Civil na USP. Desembargador do
dessas situações, envolvendo multas ligadas ao
Tribunal de Justiça de São Paulo.
(des)cumprimento de decisões judiciais.
De um lado, no tocante ao acréscimo de 10%
vinculado a sentenças condenatórias ao pagamento de quantia certa, chama a atenção o deslocamento da multa para o âmbito da própria
execução, em aparente tentativa de superar as
inquietações provocadas na doutrina e na jurisprudência desde a introdução desse mecanismo
Livro_126.indb 64
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redação dada pela Lei nº 11.232/2005).
ção das formas de intimação conforme diferentes
De outra parte, no tocante às astreintes de que
situações (por publicação pela Imprensa Oficial,
cuidam os arts. 461, § 4º, e 645, do CPC/1973, o
quando houver advogado constituído nos autos, ou
novo diploma processual civil, a despeito de al-
ainda por carta com aviso de recebimento, meio
guns tímidos avanços, acabou por infelizmente
eletrônico ou edital); mais adiante, já no capítulo
repetir no essencial o silêncio do Código vigen-
específico referente ao cumprimento de decisão
te em torno de aspecto que nos parece de crucial
que imponha o pagamento de quantia certa, vol-
importância, e ao qual pouquíssima atenção vem
ta a tratar da necessidade de intimação, indicando
sendo dada pela doutrina e jurisprudência, qual
a fluência, a partir daí, do prazo de 15 dias para
seja a necessidade de uma decisão específica em
pagamento voluntário, sob pena de acréscimo de
torno da incidência e do valor, como requisito à
multa de 10% e sujeição do devedor a honorários
execução do crédito pecuniário assim gerado em
advocatícios (art. 523, caput e § 1º).
favor do credor de obrigação inadimplida de fazer,
não fazer ou dar coisa.
Há, entretanto, uma diferença fundamental
quanto ao sistema vigente: tanto a oportunidade para
cumprimento voluntário, em si mesma, quanto a
2 Condenação pecuniária e multa por
falta de cumprimento
multa decorrente de sua inobservância vêm inseridas pelo novo Código, inequivocamente, como
fenômenos internos à própria execução. Apresen-
Livro_126.indb 65
A intensa controvérsia que se instaurou em tor-
tada pelo credor, em tal sentido, manifestação ins-
no da multa do art. 475-J vem, como se sabe, e ao
truída com demonstrativo discriminado do cré-
menos no plano jurisprudencial, de receber solu-
dito e demais informações exigidas pelo art. 524,
ção uniformizadora. O Superior Tribunal de Jus-
instaurar-se-á a execução (tanto que as partes são
tiça (STJ), em julgado submetido ao regime de re-
desde logo tratadas como exequente e executado),
cursos repetitivos, na forma do art. 543-C do CPC,
no âmbito da qual terá o devedor a possibilidade
acabou por sedimentar tendência que já vinha
de forrar-se à multa e à incidência de honorários
manifestando há algum tempo, dando resposta a
advocatícios, pagando a quantia devida; não o fa-
dois relevantes questionamentos formulados pelos
zendo, a execução prosseguirá desde logo, acresci-
operadores do Direito: a fluência do prazo de 15
do o débito daquelas verbas, com a expedição de
dias para pagamento não é automática, demandan-
mandado de penhora e avaliação, sem a necessi-
do a intimação do devedor para o cumprimento es-
dade de novos cálculos ou mesmo de requerimento
pontâneo do julgado; e a intimação, por seu turno,
expresso do exequente.
pode se realizar por meio do patrono da parte (sem
Como se sabe, a multa do art. 475-J, caput, do
necessidade, portanto, de intimação pessoal), res-
atual Código, é prevista como evento exterior e an-
salvadas as hipóteses especiais como a de ausência
tecedente à execução propriamente dita, estando
de advogado constituído nos autos (Corte Especial,
compreendida no que pode ser considerada fase de
REsp nº 1.262.933-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salo-
cumprimento de sentença em sentido amplo, mas
mão, j. 19/6/2013, DJe de 20/8/2013).
em nicho reservado ao pagamento espontâneo (o
A esse respeito, o CPC de 2015 é expresso,
qual, no sistema anterior à Lei nº 11.232/2005, aca-
mencionando a intimação do devedor para o pa-
bava, quando verificado, situando-se em um limbo
gamento em duas oportunidades: a primeira delas
processual, estranho ao processo de conhecimento
nas disposições gerais sobre o cumprimento de
já findo, mas por outro lado tampouco integrante
N o v o C P C : r e f l e x õ e s e m to rn o d a imp o s ição e cobran ça de mu ltas.
sentença (art. 513, § 2º), de par com a explicita-
65
Revi s t a d o A d v o g a d o
sancionatório pelo art. 475-J do atual CPC (com a
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N o v o C P C : r e f l e x õ e s e m to rn o d a imp o s ição e cobran ça de mu ltas.
Rev i st a d o A d v o g a d o
66
de eventual processo de execução, visto que ainda
da intimação específica, que de outra forma teria
não iniciado). É o que decorre da leitura do dis-
de ter vindo expressamente ressalvada.
positivo legal referido, em que o curso do lapso de
Não se pode deixar de considerar, outrossim,
15 dias vem apontado como consequência direta
que, mesmo para a maior parte da doutrina que
da simples existência de sentença condenatória lí-
sustentou a ideia da necessidade de intimação
quida, apenas após a consumação do prazo e a in-
(pessoal ou por intermédio do advogado), ou ainda
cidência da multa, cogitando o legislador da apre-
para a jurisprudência que acabou por aderir a esse
sentação pelo credor de requerimento de execução,
entendimento, a conclusão não derivou de impe-
instruído com cálculo discriminado já incorporando
rativo técnico ligado à natureza das coisas, senão
o acréscimo legal.
de razões de ordem prática e da alegada preocupação para com a segurança jurídica. Invocaram-
A multa do art. 475-J, caput, do
atual Código, é prevista como
evento exterior e antecedente à
execução propriamente dita.
-se, nessa linha – inclusive no acórdão do recurso
repetitivo do STJ antes mencionado, em que citada a doutrina de José Carlos Barbosa Moreira –,
dúvidas que se poderiam oferecer conforme o
caso no tocante à identificação do momento do
efetivo trânsito em julgado, ou ainda dificuldades
no tocante à ciência desse evento por parte dos
Instituiu-se o que Araken de Assis (2007, p. 112) –
advogados, e finalmente empecilhos materiais à
partidário, como tantos, da ideia de fluência do
realização do pagamento, estando os autos físicos
prazo a partir do momento de eficácia da deci-
ainda nos tribunais.
são condenatória – chamou de tempo de espera,
Chegou-se até mesmo a aludir, com frequência,
voltado a simplesmente evitar a execução e, se-
à necessidade de ser informado o devedor quanto à
gundo esse autor, obstativo inclusive da admis-
memória de cálculo elaborada pelo credor, de
sibilidade do requerimento imediato de início
modo a ter conhecimento do valor exato devido,1
daquela.
como se a multa, na dicção do art. 475-J, caput,
É inevitável considerar, neste ponto, guar-
não pressupusesse obrigação líquida (aliás, a di-
dado o devido respeito à orientação divergente,
fusão dessa prática equivocada, revertida em exi-
que da literalidade do texto legal outra não po-
gência de cálculo voltada ao credor previamente
deria ser a conclusão senão a de que automático
à própria intimação para pagamento, acabou de
o curso desse prazo legal, liberado pela eficácia
toda forma por adiantar a solução que agora vem
natural da decisão condenatória e pela exigibi-
expressamente alvitrada no CPC de 2015, mas
lidade da obrigação por ela encampada – não
com enquadramento adequado).
dependentes, ambas, de qualquer formalidade
Se atendeu, enfim, aos mencionados reclamos
adicional ou de ato de comunicação ao devedor
de segurança, a institucionalização da exigência de
ou seu advogado.
intimação, nos termos em que passou a ser tratada,
O silêncio da Lei nº 11.232/2005 quanto a essa
cobrou entretanto seu preço em termos de coerên-
característica, por muitos criticado – e embora
cia sistemática e de fidelidade à natureza jurídica
tenha o legislador efetivamente abdicado de uma
dos institutos envolvidos, prestando-se a equívocos.
clareza que poderia ter evitado a celeuma formada –, deveria, segundo entendemos, ter sido recebido como autêntica opção pela desnecessidade
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1. P. ex., STJ, 2ª T., AgRg no AREsp nº 353.381-SP, Rel. Min. Humberto
Martins, j. 5/9/2013, DJe de 18/9/2013.
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cia a intimação e subsequente decurso do prazo de
quanto a sentenças declaratórias ou mesmo homo-
15 dias ao descumprimento da obrigação, quando
logatórias de transação, em que inexistente ordem
na verdade o inadimplemento é fenômeno ligado
de pagar, não obstante a lei lhes reconheça exe-
ao plano substancial, e no mais das vezes inclusive
quibilidade em torno da obrigação substancial ali
anterior à própria sentença condenatória, que ape-
representada).
nas o reconhece e agrega à prestação um coman-
Por outro lado, entender que o comando obje-
do judicial tendente à sua satisfação no âmbito do
to de um provimento judicial definitivo, emitido
processo; havendo esse reconhecimento, a decisão
em face do devedor mediante observância do de-
condenatória encampa os efeitos da mora até ali
vido processo legal, não se imponha desde logo
verificados (multa e juros, por exemplo) e permite
e somente seja àquele oponível mediante nova
que sigam se produzindo após sua prolação, sem
intimação, voltada a determinar o próprio cum-
solução de continuidade. Também é do trânsito em
primento, soa de certo modo fragilizador da au-
julgado que recomeça, cessado o estado de litigio-
toridade da decisão. Embora do ponto de vista da
sidade, a fluir o prazo prescricional no tocante à
repercussão prática a figura da multa surja como
obrigação substancial, desde logo exigível.
diferencial relevante, não se pode esquecer que
Mesmo quando o crédito não é anterior ao
nem mesmo no sistema da separação processual
processo, mas fruto dele (como no tocante aos
entre cognição e execução, abandonado em nome
encargos da sucumbência), a exigibilidade é ins-
da celeridade, da efetividade da jurisdição e, se-
tantânea, efeito da sentença que o exprime, e se
gundo se diz, da ampliação da carga executiva da
perfaz com a consolidação dessa. O que tolhe
sentença, se exigia semelhante providência como
eventualmente dita exigibilidade (que, assim
meio de afirmação do comando estatal.
como a certeza e liquidez, é atributo da obriga-
Pesados ao fim e ao cabo os inconvenientes
ção, não do título) é a existência de termo ou a
e pontos sensíveis do sistema em vigor, tal qual
subordinação da obrigação a condição suspensi-
aplicado, e ante o desejo de preservação da multa
va, mas nenhuma das hipóteses corresponde ao
como elemento sancionador, a solução encontrada
formalismo da intimação para cumprimento da
pelo novo CPC se mostra satisfatória. Reconhece-
sentença (a exigibilidade da obrigação substancial
-se de forma implícita que a falta de pagamen-
nela afirmada, de resto, é pressuposto para a exi-
to, tão logo liberada a eficácia da sentença (pelo
gência desse cumprimento, não consequência).
trânsito em julgado ou pendência de recurso sem
É preciso ter em conta, enfim, que o descum-
efeito suspensivo), é bastante para caracterizar seu
primento motivador da multa, tal como atual-
descumprimento e autorizar o pedido de tutela
mente posta, não tem por causa primária o fato
executiva; por outro lado, mantém-se a concessão
do inadimplemento da obrigação substancial,
de uma oportunidade para o pagamento voluntá-
em si considerado, senão o desatendimento do
rio, no âmbito da execução, antes que o executa-
comando judicial emitido em torno daquela; em-
do venha a ser apenado com a multa e onerado
bora a aplicação da multa se reflita em acréscimo
com os honorários advocatícios (a exceção reside
do crédito, trata-se de mecanismo de natureza
na tentativa de pagamento espontâneo precedente
eminentemente processual, e justificado pelo
à execução, por iniciativa do devedor; verificada
descumprimento de um dever processual (o que,
a insuficiência do valor oferecido, a multa incide
aliás, faz com que multa dessa ordem fique restri-
desde logo sobre a diferença, sendo a impugnação
ta, na perspectiva do sistema vigente, a sentenças
ao depósito, pelo credor, recebida como pedido
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condenatórias; não incide, segundo entendemos,
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Passou-se, por exemplo, a associar com frequên-
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de execução, como se extrai do art. 526 do novo
806, § 1º, e 814) e por outro lado ressalta-se, em
Código).
caso de conversão em perdas e danos, a liquidação
Não deixa, contudo, de ser curioso que, pas-
nos mesmos autos (art. 809, § 2º, 816, parágrafo
sados quase dez anos, voltemos, com a ressalva
único, e 821, parágrafo único), mas nada se cogita
da simplificação dos meios de comunicação e da
efetivamente quanto às bases para a cobrança da
qualificação do ato cientificador como intimação,
multa que tenha eventualmente incidido.
ao invés de citação, a um modelo estruturalmente
Se se pode divisar alguma diferença no tocan-
assemelhado ao da execução por processo autôno-
te à lacônica disciplina do CPC de 1973, consiste
mo (mas, em detrimento da almejada celeridade,
no fato de o novo Código chegar a explicitar, no
com a concessão ao executado de um prazo para
art. 537, § 1º, inciso II, fatores (de resto, intuiti-
pagamento voluntário muito superior ao anterior
vos) que podem eventualmente levar à exclusão
lapso de 24 horas e mesmo ao de três dias que
da multa, como o cumprimento parcial superve-
remanesceu para as execuções por quantia certa
niente da obrigação ou a existência de justa causa
fundadas em títulos extrajudiciais).
para o descumprimento. Embora não se tenha, aí,
buscado propriamente abordar os critérios para a
3 Execução do crédito por astreintes
constituição e cobrança do crédito correspondente,
a ressalva legal é útil para o raciocínio que a esse
A se lamentar, por outro lado, que o legislador
respeito se desenvolverá adiante.
tenha deixado de atentar para aspecto fundamental relacionado à multa coercitiva no âmbito de
execuções por obrigações de fazer, não fazer e
dar coisa, vista não como elemento de apoio voltado à efetivação de tutela específica, mas sob a
perspectiva do reflexo patrimonial daí resultante.
Referimo-nos, basicamente, aos pressupostos para
Não deixa de ser curioso
que voltemos a um modelo
assemelhado ao da execução
por processo autônomo.
a cobrança do crédito decorrente da incidência da
multa, bem como ao procedimento destinado à
respectiva apuração.
O fato é que a omissão legal e bem assim o
reduzidíssimo questionamento do tema na dou-
Nota-se, no CPC vigente, o mais completo des-
trina e na jurisprudência derivam, ao que tudo
prezo à matéria, como se na verdade o problema
indica, da equivocada impressão de que a questão
não existisse. Limita-se o Código a tratar da uti-
se resolva em termos de simples cálculo aritméti-
lização da multa como elemento coercitivo (art.
co, mediante a multiplicação do número de dias
461, §§ 4º e 5º, e art. 645), bem como a indicar a
(ou outra fração temporal adotada pela decisão
possibilidade de alteração do valor e da periodi-
cominatória) de descumprimento pelo valor uni-
cidade, estando ainda pendente a obrigação (art.
tário da multa, tudo a fazer com que se tenha va-
461, § 6º). Quando muito, fala-se em liquidação
lor desde logo líquido, a teor do art. 475-B, caput,
no tocante à hipótese de conversão da obrigação
do CPC vigente (arts. 509, § 2º, e 786, parágrafo
descumprida em perdas e danos (arts. 627, § 2º, e
único, do CPC de 2015), a dispensar qualquer ati-
633, parágrafo único), coisa, entretanto, distinta.
vidade complementar de liquidação. Todavia, não
No CPC de 2015, a situação é semelhante:
é e não pode ser assim; a questão não guarda tal
afirma-se a possibilidade de imposição de multa
singeleza e está longe de se resolver em termos de
por tempo de descumprimento (arts. 536, § 1º, 537,
mera liquidez.
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debeatur, é preciso definir o an debeatur, isto é,
satisfazer por meio do processo, não incidindo
se algo é devido; em outras palavras, se há base
pelo mero fato do descumprimento, no plano
para a incidência da multa, somente aplicável
extraprocessual, da obrigação principal. Tem ela
na hipótese de descumprimento injustificado da
origem distinta da obrigação substancial, já que
obrigação. E, neste ponto, é ocioso lembrar que as
é fruto de ferramenta eminentemente processual,
situações concretas podem se revestir de maior ou
e o próprio direito que pode eventualmente ge-
menor complexidade, sendo a hipótese de inércia
rar, de ordem pecuniária, não se confunde com a
pura e simples do obrigado apenas uma das pos-
natureza da obrigação para cuja efetivação busca
sibilidades; em muitos casos, será inevitável uma
contribuir.
atividade valorativa por parte do juiz, quiçá pre-
Mesmo no plano processual, por sua função
cedida inclusive de instrução, como quando di-
coercitiva, e por somente se justificar como ins-
vergirem as partes em torno do adequado cumpri-
trumento de pressão psicológica voltado a induzir
mento, quando houver cumprimento incompleto
o cumprimento pelo obrigado, a incidência não
ou ainda em face da alegação de impedimentos
decorrerá automaticamente do mero desatendi-
objetivos ao cumprimento, esses últimos por si só
mento objetivo de decisão que imponha o cum-
excludentes da aplicação da multa.
primento da outra obrigação; é o caso, por exem-
Mais ainda: a aparente inércia do réu após
plo, de prestação que não mais seja materialmente
determinado tempo não exclui hipóteses como a
possível, ainda que por culpa do obrigado (que,
existência de obstáculo material ainda não decli-
além de ficar sujeito a medidas que levem a re-
nado nos autos, ou mesmo o cumprimento regu-
sultado equivalente, responderá pelo prejuízo que
lar da obrigação, porventura omitido pelo credor
assim tiver causado, mas não poderá arcar com o
(diversamente das obrigações de pagar, demons-
pagamento de multa a pretexto de não ter atendido
tráveis por depósito em conta judicial, o cumpri-
à determinação judicial).
mento de obrigações de fazer ou não fazer, como
É importante recordar, ainda, que a multa não
também de entrega de coisas, normalmente ocorre
se faz devida desde o momento em que é arbitrada
fora dos autos, no âmbito das relações entre as par-
pelo órgão judiciário, nem tampouco no instan-
tes, e necessita, para ser reconhecido nos autos,
te em que feita a comunicação ao obrigado; até
que uma das partes traga a notícia correspondente).
esse instante, existe tão somente uma ferramenta
De qualquer modo, ainda que se tome o silêncio
de ordem processual, a vincular o órgão estatal
como indicativo de descumprimento, quando me-
ao obrigado, com função coercitiva, classificada
nos pelo desatendimento de um pretenso ônus de
por autorizada doutrina como sanção preventiva
demonstrar a efetivação da prestação, não há como
(TALAMINI, 2001, p. 173-176). O efeito jurídico
pretender nessa órbita, em nome da unidade do
que se estabelece não é o de sujeição do obriga-
sistema, a utilização de critérios diversificados, acei-
do ao pagamento do que quer que seja, mas tão
tando-se que a multa tenha incidência automática
somente à possibilidade de vir a responder pela
em casos (aparentemente) singelos, dispensando
multa em caso de desatendimento do objeto da
decisão para a formação do crédito correspondente,
determinação.
e em outros entender que dependa de manifestação
judicial concreta acerca de sua aplicabilidade.
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não é mero acessório da prestação que se busca
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Antes da indagação em torno do quantum
Dita sanção é levada ao obrigado anteriormente à conduta que se pretende ou que se quer evitar,
Faz-se necessária, para a adequada compre-
sob a forma de ameaça de vir a arcar com con-
ensão do problema, a percepção de que a multa
sequência negativa caso não cumpra a obrigação
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que lhe toca. Somente com o descumprimento
a fluir o prazo de cumprimento fixado na decisão
injustificado é que se constituirá eventualmente
judicial e apenas então, havendo renitência do
crédito em favor do credor, com a manifestação,
obrigado, passe a incidir a multa na periodicidade
a partir daí, da faceta punitiva desse instrumento
antes prevista. No instante inicial, quando coloca-
sancionatório híbrido (DIDIER JR., 2007, p. 144),
do o réu ou executado em face da determinação
e o estabelecimento de relação obrigacional de
de cumprir a obrigação sob pena de multa, não
crédito a vincular ambas as partes.
há na verdade cobrança alguma, simplesmente
porque ainda não há crédito algum a ser cobrado.
Enfim, é intuitivo, pela própria natureza, fun-
É intuitivo que a formação
do direito novo decorrente
da multa dependerá de
manifestação judicial.
ção e efeitos da ferramenta assim considerada,
que a formação do direito novo decorrente da
multa dependerá da manifestação judicial em
torno desse aspecto. De toda forma, o problema
se torna definitivamente claro quando analisada a
questão sob dois enfoques processuais essenciais,
A transição, todavia, de um plano ao outro não
pode ser feita de forma automática, ou ficar na de-
o da formação do título executivo correspondente
e o da observância da garantia do contraditório.
pendência de declaração unilateral do credor interessado, demandando valoração judicial quanto
ao fato de ter havido descumprimento injustifica-
3.1. Decisão que comina a multa e título
executivo
do após a cominação da multa; e essa valoração,
As hipóteses de imposição de multa coerciti-
por seu turno, não pode ocorrer sem que se dê
va como instrumento de execução indireta, nos
oportunidade ao obrigado para o contraditório, a
termos em que estruturado o sistema brasileiro (e
que, por evidente, deve se seguir decisão judicial
a disciplina seguirá a mesma no CPC de 2015),
reconhecendo não apenas o direito do credor, em
são variadas, podendo a previsão constar de deci-
termos autônomos, a uma nova prestação (de di-
são definitiva (sentença ou acórdão), de decisão
nheiro), como também os limites dessa prestação
provisória que conceda provimento antecipatório
(sobre as implicações do contraditório em relação
ou ainda resultar de decisão proferida já no curso
à constituição da multa se falará ainda no item
de execução fundada no título judicial ou mesmo
3.2, adiante).
em título extrajudicial. A par disso, a cominação
Vale notar que a Súmula nº 410 do STJ tem
da multa pode constar da própria decisão que tra-
enunciado, com o devido respeito, enganoso, dan-
ta da obrigação principal objeto do processo (fa-
do num primeiro momento a impressão de respal-
zer/não fazer ou entregar coisa) ou vir tratada em
dar a tese ora sustentada, quando diz constituir
separado, de forma isolada.
a prévia intimação pessoal do devedor “condição
necessária para a cobrança da multa pelo descumprimento da obrigação de fazer ou não fazer”. Se,
2
entretanto, tomado o conteúdo dos acórdãos que
lhe serviram de paradigma,3 verifica-se que ali
se trata de coisa diversa, vale dizer, da intimação
quanto à própria cominação; vale dizer, o obrigado deve ser intimado pessoalmente para que passe
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2.Enunciado aprovado pela 2ª Seção daquela corte em 25/11/2009
e publicado no DJe de 16/12/2009.
3.3ª T., AgRg no Ag nº 774.196-RJ, Rel. Min. Barros Monteiro,
j. 19/9/2006, DJ de 9/10/2006, p. 294; 3ª T., REsp nº 629.346-DF,
Rel. Min. Ari Pargendler, j. 28/11/2006, DJ de 19/3/2007, p. 319;
3ª T, AgRg no REsp nº 993209-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi,
j. 18/3/2008, DJe de 4/4/2008; 3ª T., AgRg nos EDecl no REsp
nº 1.067903-RS, Rel. Min. Sidnei Benetti, j. 21/10/2008, DJe de
18/11/2008; e 4ª T., AgRg no Ag nº 1.046.050-RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 6/11/2008, DJe de 24/11/2008.
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questionamento em torno da exequibilidade de
prévia determinação da natureza do direito e de
decisão acerca de multa, caso venha ela fixada em
seu objeto (DINAMARCO, 1994, p. 488), ou a
mera decisão interlocutória, a que não temos dú-
representação completa pelo título de uma norma
vida em responder pela afirmativa. Ainda que, no
jurídica individualizada, “[...] da qual decorra a
Código vigente, não houvesse qualquer menção
obrigação de alguém prestar a outrem uma coisa,
a decisões interlocutórias como títulos executivos
uma quantia, um fato ou uma omissão”, permitindo
judiciais no rol do revogado art. 584, persistindo
“ao juiz que conheça quem deve, o quanto deve e
a omissão, após a Lei nº 11.232/2005, no texto do
quando deve cumprir a obrigação” (ZAVASCKI,
art. 475-N, a doutrina não hesita em reconhecer
1999, p. 144-145).
nessas decisões o atributo de proporcionar subse-
Há, enfim, obrigação certa, como condição ao
quente atividade executiva em torno de seu cum-
reconhecimento em qualquer caso de título execu-
primento, como corolário de sua própria utilidade
tivo, quando nele descrito o objeto da prestação em
e razão de ser. E, dentre os exemplos citados, es-
termos tais que torne possível sua identificação ao
tão justamente as decisões que impõem multa por
mero exame do título. E isso, sem sombra de dúvi-
atraso no cumprimento de obrigação de fazer ou
da, não ocorre com a multa, ou mais precisamente
não fazer (ZAVASCKI, 1999, p. 109).
com o suposto crédito que possa gerar, quando se
O CPC de 2015, a esse respeito, traz redação
lança o olhar sobre a singela decisão que comina
mais flexível, mencionando no art. 515, inciso I,
multa coercitiva; nesse momento inicial, há tão so-
dentre os títulos executivos judiciais, as decisões
mente o reconhecimento (ou o reforço) da existên-
que reconheçam a exigibilidade de obrigações de
cia da obrigação principal, de existência autônoma,
pagar quantia, fazer, não fazer ou entregar coisa.
e a imposição da multa como ameaça destinada a
De todo modo, insista-se, não discutimos a ideia
influir psicologicamente sobre o obrigado.
de decisões interlocutórias executivas, sendo, aliás,
A multa, nesse momento inicial, é mera pos-
justamente dessa natureza (e não, certamente,
sibilidade abstrata, e não há nessa decisão, como
sentença) a decisão que entendemos deva ser pro-
antes dito, a afirmação de crédito algum em favor
ferida pelo juiz declarando o crédito relativo às
do titular da prestação de fazer, não fazer ou en-
astreintes no caso concreto.
tregar coisa. Para que se concretize o crédito, é
O que não se pode aceitar, entretanto, é vislum-
preciso que a multa efetivamente incida, e para
brar título executivo, no tocante à multa, na deci-
tanto a cominação inicial é insuficiente, sendo
são inicial que manda citar ou intimar o obrigado
necessário um evento complementar, o descum-
ao cumprimento da outra obrigação, sob pena de
primento injustificado da determinação em torno
pagamento daquela. Título executivo, judicial ou
da primeira obrigação; esse evento, todavia, sendo
extrajudicial, haverá nesse momento quanto à obri-
posterior ao pretenso título e a ele estranho, bem
gação principal (de fazer, não fazer ou entregar coi-
como dependente de valoração (inclusive quanto
sa), mas não em torno da multa, dependente de su-
a eventuais limites temporais para a incidência da
porte fático autônomo, nascido do próprio processo
multa), não se presta a retroagir e incorporar-se à
e por conta dele (ZAVASCKI, 1999, p. 110; 2000,
decisão cominatória para, num momento seguinte,
p. 508), vale dizer, o descumprimento da decisão
conferir-lhe certeza e exequibilidade em torno do
alusiva à obrigação preexistente.
crédito pecuniário.
Percebe-se inexistir, a respeito da multa, ele-
Decisão que comina multa por descumpri-
mento essencial à constituição de qualquer título
mento, em suma, não é título executivo para a
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executivo, qual seja a certeza, entendida como a
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Essa gama de possibilidades pode levar ao
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Rev i st a d o A d v o g a d o
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cobrança do crédito correspondente. O título
credor de obrigação de fazer, munido de decisão
consistirá na necessária decisão que deverá ser
cominatória de multa, alegar o inadimplemento
proferida pelo juiz, após o decurso do prazo para
da obrigação principal e requerer, mediante essa
cumprimento e denúncia pelo credor da falta de
singela afirmação, a execução da multa, com pos-
satisfação da prestação, afirmando-se em tal deci-
sibilidade de alegação e prova em contrário pelo
são a aplicação em concreto da sanção, bem como
obrigado no âmbito da execução.
delimitando-se o respectivo valor (e isso, destaque-
Ocorre que, em sendo o caso, o único adim-
-se, sem prejuízo de a multa continuar conforme
plemento que comportaria discussão na cobran-
o caso incidindo, vindo a ser objeto de posteriores
ça da multa seria aquele relativo ao próprio cré-
decisões afirmativas de créditos complementares).
dito pecuniário, não quanto à obrigação de fazer.
Isso porque, no tocante à última, o descumpri-
Decisão que comina multa por
descumprimento não é título
executivo para a cobrança do
crédito correspondente.
provocação da tutela executiva, mas como elemento constitutivo do próprio direito (ao crédito
da multa). Em outras palavras, quando o devedor
afirma não ter havido inadimplemento, não nega
o título, mas as condições para a exigência forçada do direito correspondente; em matéria de
Por tais razões, discordamos respeitosamente
multa cominatória, desde que o devedor preten-
de Teori Albino Zavascki (2000, p. 508) quando,
da, executado pela multa, alegar que não inadim-
após destacar a autonomia e independência do
pliu (ou que teve motivos para isso) a obrigação
suporte fático da multa em relação à outra obri-
de fazer principal, na verdade estará questionan-
gação, bem como a necessidade de descrição
do a própria essência do título relativo ao crédito
completa da norma individualizada de modo ao
pecuniário, o que, todavia, não é possível fazer
preenchimento do requisito da certeza, surpreen-
em sede de execução por título judicial (veja-se
dentemente, a nosso ver, alega que o título para
o item subsequente).
a cobrança da multa é formalmente representado
Tampouco cabe invocar, como assemelhada,
pela própria decisão que impõe as astreintes, fixan-
a situação inerente à formação do título executivo
do seu valor e a data de sua incidência.
judicial no âmbito do processo monitório. Nesse
Cabe, por fim, rechaçar a equiparação da situa-
caso, é verdade que, citado o réu para pagar ou
ção examinada no presente trabalho com outras
opor embargos e permanecendo inerte, forma-se
apenas aparentemente análogas e que, eventual-
de pleno direito (sem necessidade, pois, de deci-
mente, poderiam levar a soluções diversas da que
são específica) o título, o que poderia dar margem
propomos.
à consideração de que, em matéria de multa co-
Sabe-se, por exemplo, que o inadimplemento é
elemento externo ao título, não impedindo assim,
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mento já não atuaria como fator de interesse à
minatória, o silêncio também teria efeito constitutivo automático.
ainda quando falsamente alegado, a válida for-
Não é assim. No processo monitório, neces-
mação de processo ou fase executiva em torno de
sariamente parte-se de uma obrigação certa e
obrigações diversas, com possibilidade de argui-
líquida, no sentido de trazer o objeto respectivo
ção do tema pelo devedor como matéria de defesa
perfeitamente identificado e delimitado na prova
(sob a forma de embargos ou impugnação); sob
documental apresentada, desprovida de força exe-
tal perspectiva, da mesma forma seria possível ao
cutiva. O que o silêncio do réu faz, então, é ape-
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gação desde antes passível de reconhecimento.
cio jurídico e, por extensão, a aquisição do direito
Novamente, faz-se a distinção: no tocante ao
a que visa referido negócio. Quando se pensa no
arbitramento de multa, não há obrigação alguma
descumprimento como fato gerador do direito do
desde logo afirmada, no momento da cominação,
credor à multa, não se está pensando em qualquer
em torno do crédito pecuniário, apenas no tocan-
evento externo condicionador da aquisição de um
te à obrigação principal, de outra ordem. Para a
direito já perfeitamente afirmado, mas sim no pró-
formação do crédito pecuniário, o silêncio não
prio elemento constitutivo nuclear desse direito.
produz consequências automáticas, pois precisará
ser valorado e apenas então permitir a afirmação,
inovadora, do direito à cobrança de determinada
quantia.
Por derradeiro, parece-nos importante destacar, também sob a ótica do contraditório, a im-
Finalmente, advirta-se não caber a tentativa
possibilidade de exigência de multa a partir de re-
de identificar na incidência da multa caracterís-
querimento unilateral do credor da obrigação de
ticas de condição suspensiva em relação à decisão
fazer e da referência singela à decisão cominatória
cominatória da multa. Humberto Theodoro Jr.,
da multa.
embora adote posição próxima à nossa no tocan-
Não é novidade que em certa medida se faz
te à inexistência em princípio de título executivo
ele presente também na atividade executiva, po-
tendente ao pagamento de quantia, que somente
dendo eventualmente adquirir maior ou menor
surgirá se o executado deixar de cumprir a obriga-
amplitude conforme a origem do título executivo.
ção, na dependência de adequado reconhecimen-
Em se tratando de título extrajudicial, ainda não
to do fato gerador, a mora (THEDORO JR., 2007,
submetido previamente ao crivo judicial, o con-
p. 557), entende que essa atividade constitua uma
traditório, ainda que diferido em relação ao início
simples liquidação, por artigos, destinada ao acer-
dos atos executivos, se faz de forma ampla, com
tamento daquele fato, entendendo haver na deci-
a mesma amplitude de uma defesa em processo
são cominatória uma sentença genérica (THEO-
de conhecimento, podendo, portanto, abranger o
DORO JR., 2007, p. 222).
questionamento inclusive da existência do direito
Não recusamos a tese de que a liquidação pos-
Livro_126.indb 73
3.2. Multa e contraditório
formalmente estampado no título.
sa se prestar a algo mais do que a definição de
Já no tocante às execuções fundadas em títu-
quantias, eventualmente envolvendo também a
los judiciais, em que a existência do direito (ou a
definição da existência do direito (an debeatur).
norma jurídica singular) vem afirmada no próprio
Mas, quando assim é, faz-se necessário que a deci-
título, a amplitude da resistência admissível no to-
são liquidanda traga em si a afirmação inequívoca
cante ao executado é naturalmente mais restrita.
do reconhecimento do fato gerador necessário à
A cognição, pelos próprios objetivos e pela nature-
formação do direito, ainda que seja necessário
za da atividade aí desenvolvida, não pode se diri-
investigar em complemento a repercussão práti-
gir ao questionamento da existência do direito, se-
ca daquele evento. Sob tal perspectiva, o que se
não a aspectos relacionados à respectiva satisfação
percebe é que a decisão cominatória da multa, no
(a discussão em torno da substância da decisão, se
tocante a essa, não ostenta sequer a característica
ainda possível, deverá se concentrar no âmbito de
de condenação genérica.
eventuais recursos ainda cabíveis contra a mani-
Além do mais, a condição suspensiva, para os
festação judicial). Como se pondera com todo o
fins dos arts. 121 e 125 do Código Civil, é evento
acerto em sede doutrinária, a execução é proces-
N o v o C P C : r e f l e x õ e s e m to rn o d a imp o s ição e cobran ça de mu ltas.
futuro e incerto que condiciona a eficácia do negó-
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nas permitir que se agregue essa força àquela obri-
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so de finalidade eminentemente prática, voltada
desse crédito, eventuais alegações do obrigado
à realização do direito, e não ao acertamento de
negando o descumprimento, total ou parcial, ou
sua natureza ou existência (DINAMARCO, 1994,
ainda apresentando justificativa em torno de sua
p. 482).
impossibilidade material, ou ainda pretendendo
Justamente por isso, o rol de alegações defensivas que se concede ao devedor, ressalvada a discu-
por razões diversas a limitação do valor total exigido a título de multa.
tível exceção derivada do vício de inconstituciona-
Nesse caso, considerando a imperiosa necessi-
lidade (art. 475-L, § 1º, do CPC vigente, e art. 525,
dade de assegurar à parte o contraditório, a alega-
§ 10º, do CPC de 2015), envolve, além de hipóte-
ção terá de ser conhecida, demandando inclusive,
ses relacionadas a vício formal de origem no to-
conforme o caso, cognição aprofundada em torno
cante à citação, situações que envolvam a falta de
de matéria fática, com grave subversão da siste-
requisitos de exequibilidade, o excesso na própria
mática prevista no ordenamento processual, pois
execução e a superveniência de fatos modificati-
a discussão que aí se estabelecerá terá por objeto a
vos, extintivos ou impeditivos do direito (mas não
existência e substância do crédito em execução,
a negação propriamente dita de sua constituição).
o mesmo crédito supostamente presente no títu-
Pois bem, se tomada a cobrança de multa comi-
lo executivo judicial assim defendido. Vale dizer,
natória, desde que se conceda ao obrigado a prévia
estar-se-á permitindo que, fora do âmbito recur-
possibilidade de manifestação quanto à alegação
sal, transporte-se para a execução de títulos exe-
de descumprimento, parece natural que, com ou
cutivos judiciais a discussão em torno da própria
sem intervenção daquele, siga-se, uma vez assegu-
constituição e conteúdo da obrigação.
rado o exercício do contraditório, decisão judicial
E por essas razões que sustentamos, sem em-
valorando a situação apresentada (inclusive com a
bargo do silêncio do código atual e também do
possibilidade de conhecimento de ofício de ques-
vindouro, a necessidade de revisão da conduta
tões que podem eventualmente afastar ou limitar
que a prática parece ter consagrado, preservan-
a multa) e reconhecendo a incidência concreta da
do-se, em nome de garantias fundamentais do
multa, bem como o montante respectivo, com o
processo e da própria coerência do sistema, bem
que estará resolvido o problema (pois aí será essa
como da segurança jurídica, o desenvolvimen-
decisão, como entendemos, o título executivo, não
to de uma fase prévia de acertamento, por vezes
a que anteriormente cominou a multa).
mais singela, por vezes inevitavelmente complexa,
Em contrapartida, se se admite, como é fre-
da qual emerja a afirmação inequívoca do direi-
quente na praxe, que a execução se inicie a partir
to do credor ao recebimento de quantia a título
da mera declaração unilateral do credor de que a
de astreintes, a partir daí não mais suscetível de
obrigação não foi cumprida, e sem qualquer ou-
questionamento no curso da execução respectiva
tra formalidade, o órgão judicial poderá se ver na
(apenas por recursos contra a própria decisão assim
contingência de enfrentar, já em sede executiva
proferida).
23/04/2015 16:28:49
Bibliografia
Janeiro: Forense, 2007.
DIDIER JR., Fredie. Notas sobre a fase inicial do procedimento de cumprimento de sentença (execução de sen-
DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 4. ed. São
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não fazer. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
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ASSIS, Araken de. Cumprimento de sentença. 5. tir. Rio de
Re vis t a d o A d v o g a d o
75
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23/04/2015 16:28:49
N
egócios jurídicos processuais: uma
nova fronteira?
Sumário
1.Introdução
2.Negócios jurídicos processuais no modelo
processual em vigor
3.Inspiração estrangeira do Novo Código de
Processo Civil
4.Novo Código de Processo Civil: entre suas
inspirações e o modelo em vigor
Bibliografia
76
Revi s t a d o A d v o g a d o
1 Introdução
O Congresso Nacional debateu – em cada
casa separadamente e, ao final, as duas casas entre si – e aprovou o primeiro Código de Processo Civil (CPC) brasileiro sancionado em regime
democrático (Lei nº 13.105, de 16 de março de
Fábio Peixinho Gomes Corrêa Mestre e doutor em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Mestre em Direito Norte-Americano pela Regent
2015). Tal processo legislativo durou cerca de cinco anos e produziu norma que, antes de ser aderente a uma ideologia específica, teve em mira o
University. Membro da Associação dos Advogados
combate a diversas mazelas do sistema processual
de São Paulo e da Comissão de Direito Processual
em vigor. De céticos a idealistas, muitas opiniões
Civil da Ordem dos Advogados de São Paulo.
já se formaram e ainda se formarão sobre os alvos
eleitos pelas comissões de juristas que participaram diretamente dessa jornada e sobre as chances
de esse novo regramento acertá-los. Se o resultado
final dessa norma é incerto, o caminho está posto,
cabendo aos operadores do Direito contribuírem
ativamente para a consolidação dessa relevante
conquista da democracia. Esse espírito participativo,
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23/04/2015 16:28:49
aliás, é uma das tônicas do Novo Código de Pro-
apenas retomem trilhas já desbravadas e acabem
cesso Civil (NCPC), sendo emblemática a esse
em expedições infrutíferas.
não é exaurir as alternativas de negócios jurídicos
No regime do CPC atual, o tema dos negócios
processuais, mas sim sobrevoar o tratamento con-
jurídicos processuais teve sua relevância reconhe-
ferido a este instituto i) na legislação processual
cida em trabalhos doutrinários de renomados pro-
em vigor e ii) em dois modelos processuais estran-
cessualistas como o saudoso Tucci (1977, passim)
geiros que inspiraram o NCPC. Ao fim desse so-
e Moreira (1984, passim). No entanto, vozes igual-
brevoo, será possível visualizar iii) o horizonte de
mente relevantes no Brasil controverteram sobre
possibilidades que surgem para os negócios jurídi-
a existência dos negócios jurídicos processuais,
cos processuais no NCPC.
destacando-se a opinião de Dinamarco (2009, p.
484). Em meio a essa controvérsia, as tentativas
de sistematização desse instituto só se tornaram
2 Negócios jurídicos processuais no
modelo processual em vigor
mais frequentes ao tempo da elaboração do pro-
Livro_126.indb 77
jeto do NCPC. Diante da ausência de “bagagem”
Desde a autonomia da ciência processual, é
brasileira sobre o arcabouço legal em vigor, coube
acesa a controvérsia doutrinária sobre o instituto
à experiência estrangeira recente, em especial na
do negócio jurídico processual. No entanto, não
França e na Itália, servir de inspiração à comissão
é objeto deste breve trabalho descrever tal contro-
de juristas que tratou desse tema no substitutivo
vérsia, a qual contribuiu para o pouco desenvolvi-
da Câmara de Deputados, cuja intenção foi inten-
mento do tema na doutrina brasileira. Não pode
sificar a celebração de negócios jurídicos proces-
passar despercebido, porém, que muitos doutri-
suais típicos e atípicos.
nadores reconheceram a relevância do tema para
Um dos alicerces sobre os quais se erigiu essa
a ciência processual (MOREIRA, 1984, p. 182), a
orientação em prol de negócios jurídicos proces-
qual, entretanto, concentrou-se em propagar
suais parece ter sido o redimensionamento do
a visão de que o processo não é “coisa das partes”
princípio do contraditório, estimulando a cola-
(CAPPELLETTI, 1969, p. 194), aprofundando seu
boração das partes para superar obstáculos que se
viés estritamente público. Com a ampliação do
mostravam intransponíveis enquanto estas agiam
princípio do contraditório e a aceitação de que a
isoladamente segundo seus próprios interesses.
decisão judicial é produto de elementos oriundos
Nesse sentido, o novo regramento processual eli-
da participação efetiva das partes (OLIVEIRA,
mina qualquer dúvida de que os negócios jurí-
2003, p. 231), intensificaram-se os estudos voltados a
dicos processuais serão legalmente admitidos
alternativas para as partes otimizarem suas posições
em sua máxima amplitude, ressalvado o juízo de
processuais. Porém, a lentidão dessa conscientiza-
validade. Trata-se de claro incentivo ao exercício
ção fez com que os negócios jurídicos processuais
da autonomia privada que pode levar as partes a
fossem estudados com pouca frequência sob a
desbravarem caminhos novos, tal como “bandei-
égide do CPC em vigor, apesar de seu art. 158 adotar
rantes” penetrando nos diversos rincões do Direi-
redação que favorecia ampla discussão.
to Processual Civil, em busca de melhorar suas
Na realidade, tal dispositivo legal teve sua
posições processuais. No entanto, como não se
aplicação marcada mais por sua vinculação a hi-
trata de instituto propriamente inédito, existe
póteses típicas de negócios jurídicos processuais,
o risco de que essas novas rotas, em verdade,
não galgando tanta notoriedade como cláusula
N e g ó c i o s j u r í d i c o s p r o c e s s u ais : u ma n o va fron teira?
brarem negócios jurídicos processuais (art. 190).
Para servir de guia, o desafio deste trabalho
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Revi s t a d o A d v o g a d o
respeito a ampla autorização para as partes cele-
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Rev i st a d o A d v o g a d o
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geral apta a propiciar outros negócios jurídicos
juízo, b) respeito ao equilíbrio entre as partes e
processuais atípicos, muito em razão do dogma
à paridade de armas e c) observância dos prin-
da irrelevância da vontade das partes no processo
cípios e garantias fundamentais do processo no
(CUNHA, 2014, p. 10). Não obstante, é inegável
Estado Democrático de Direito. A falta de maior
o valor que o CPC em vigor conferiu aos negó-
sistematização do instituto, contudo, continuou a
cios jurídicos processuais típicos, que vão desde a
provocar divergências sobre esse tipo de controle,
renúncia ao direito de recorrer (art. 502) até a con-
por exemplo, no reconhecimento da validade da
venção de arbitragem (arts. 267, inciso VII, e 301,
escolha das partes por uma jurisdição estrangeira,
inciso IX). Ante a autorização para negócios jurí-
a qual tanto pode ser entendida como indevida
dicos processuais típicos e atípicos que implicam
renúncia à jurisdição nacional concorrente (STJ,
constituição, modificação ou extinção de direitos
4ª T., REsp nº 1.168.547-RJ, Rel. Min. Luis Felipe
processuais, existiu durante os últimos 40 anos re-
Salomão, DJ de 7/2/2011) quanto como mero
levante margem de liberdade para que as partes
pacto de não demandar um dos juízes competentes
emitissem declarações unilaterais ou bilaterais de
(MESQUITA, 1988, p. 51).
vontade. Até mesmo situações de inércia da parte
geraram negócios jurídicos processuais com eficácia imediata, como a prorrogação da competência
territorial (art. 114). Assim, com exceção da desistência da ação, todos os demais negócios jurídicos
processuais produziram efeitos imediatos no siste-
É inegável o valor que o CPC
em vigor conferiu aos negócios
jurídicos processuais típicos.
ma processual atual, ficando dispensado o prévio
pronunciamento judicial (TORNAGHI, 1975,
p. 14).
Outras hipóteses de negócios jurídicos processuais foram admitidas sem maiores controvérsias
A confirmar esse estímulo à liberdade, o CPC
na jurisprudência pátria, valendo mencionar a
em vigor pouco dispôs sobre o regime aplicável a
simples suspensão convencional do processo (STJ,
cada negócio jurídico processual, figurando entre
1ª T., REsp nº 617.722-MG, Rel. Min. Luiz Fux,
as exceções a convenção processual sobre a prova,
DJ de 29/11/2004, p. 247) e também o acordo
cuja validade está sujeita à disponibilidade do di-
das partes para que a procedência da demanda
reito objeto do processo e à proibição de tornar a
relativa a título de crédito tivesse seu resultado
prova excessivamente difícil para a parte a quem
atrelado à conclusão da prova técnica ordenada
incumbirá o ônus da prova (art. 333, parágrafo
pelo juiz (TJSP, 12ª Câmara de Direito Privado,
único, incisos I e II). Se, de um lado, a convenção
Apelação nº 906.181-2, Rel. Des. José Reynaldo,
sobre a prova teve poucos avanços em compara-
j. 22/6/2005).
ção ao fortalecimento dos poderes instrutórios do
juiz (BEDAQUE, 2013, p. 112), de outro lado, as
condições de validade de tal convenção lançaram
3 Inspiração estrangeira do Novo
Código de Processo Civil
luzes sobre os meios de controle de validade dos
Livro_126.indb 78
negócios jurídicos processuais, quando há o em-
Diversos modelos processuais estrangeiros so-
bate com normas cogentes. Nesse sentido, Greco
freram modificações no século passado, com o
(2007, p. 10) concebeu três condições de validade
fito de readequar os poderes do juiz para assegurar
para as convenções processuais, a saber a) dispo-
a duração razoável do processo (CORRÊA, 2012,
nibilidade do próprio direito material posto em
p. 149). No início do presente século, essa onda
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Livro_126.indb 79
e o princípio da flexibilização procedimental.
prestação jurisdicional tempestiva e a necessidade
Enquanto o primeiro princípio traduz a substi-
de o julgador basear sua convicção em ampla
tuição da visão tradicional de adjudicação da lide
instrução. Daí por que sobressaem, na França, o
por inovadoras soluções processuais cooperativas
princípio da cooperação e a garantia do contradi-
(CABRAL, 2009, p. 30), o segundo princípio está
tório (CADIET, 2008, p. 71).
relacionado à adaptação do procedimento às pe-
Na Itália, o projeto de lei do ministro da Jus-
culiaridades de cada causa, em contraposição às
tiça Clemente Mastella, apresentado na Reunião
formas procedimentais predefinidas pelo legisla-
do Conselho de Ministros de 16 de março de
dor (ZUFELATO, 2014, p. 229). Sem a preten-
2007, levou à reforma do art. 183 do Codice di
são de fazer transplante de experiências de outros
Procedura Civile, criando a audiência programa
países, o NCPC aparece alinhado com a ten-
(udienza programma), na qual é fixado o calendá-
dência mundial de harmonização de diferentes
rio processual a ser seguido. Em 2009, houve a re-
ordenamentos processuais, que inclui a flexibi-
forma do art. 81-bis do mencionado Codice, para
lização da estrutura procedimental e a coopera-
o fim de atribuir ao juiz os poderes para fixação
ção na produção de provas. Dentre os negócios
do calendário processual. Em 2011, nova reforma
jurídicos processuais que atingiriam tais objetivos,
introduziu a expressa previsão de que a fixação do
destacou-se a fixação de programa processual entre
calendário processual deverá ser orientada pelo
juiz e partes, mediante a adaptação consensual do
princípio da duração razoável do processo. Desta
procedimento.
feita, enquanto o instituto análogo francês enfati-
Na França, a reforma ao Nouveau Code de
za o caráter decisivo da vontade das partes, a legis-
Procédure Civile de 28 de dezembro de 2005 in-
lação processual italiana insere a fixação do calen-
troduziu o contrat de procédure, que consiste em
dário processual entre os poderes instrutórios do
negócio jurídico processual entre juiz e partes vi-
juiz (art. 175). Ao juiz italiano caberá ouvir as par-
sando estabelecer prazos de duração do procedi-
tes (art. 81) sobre a necessidade de instrução para,
mento (art. 764). Tais negócios dividem-se entre
à luz de suas manifestações, decidir se o processo
atinentes à instauração do processo (l’introduction
deve ser remetido diretamente à fase decisória
de l’instance) e atinentes ao desenvolvimento do
ou se demanda a realização dos atos instrutórios.
processo (au déroulament de l’instance). Esse pro-
Nesse último caso, o calendário processual fixará
tagonismo das partes na delimitação do objeto do
antecipadamente todas as fases do processo, o que
processo e na definição das formas e prazos dos
viabilizará a previsão da duração do processo. To-
atos processuais repercutiu na maior valorização
davia, não se encontra no regime italiano a mes-
do juiz de la mise en état, a quem compete zelar
ma carga preclusiva presente no regime francês,
pelo bom e regular desenvolvimento da instrução
haja vista algumas possibilidades excepcionais de
processual (FERRAND, 2005, p. 10). Outro efei-
prorrogação dos prazos de ofício ou a requerimen-
to colateral do calendário processual foi o fortale-
to das partes. Para Caponi (2014, p. 371), os pro-
cimento da preclusão, na medida em que ao jul-
tocolos para fixação do calendário processual têm
gador é dado encerrar a instrução para a parte que
caráter de norma jurídica de eficácia persuasiva.
descumprir o calendário processual (art. 780), o
A despeito das peculiaridades desses dois sis-
que gerou reação contrária de parte da doutrina
temas, ambos consideram que o calendário pro-
que considera essa sanção indevida violação ao
cessual não tem caráter obrigatório. O Direito
contraditório (VILLACEQUE, 2006, p. 539).
francês prevê expressamente que se trata de mera
N e g ó c i o s j u r í d i c o s p r o c e s s u ais : u ma n o va fron teira?
Como se vê, há clara tensão entre o anseio pela
79
Revi s t a d o A d v o g a d o
renovadora fomentou o princípio da cooperação
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“possibilidade” colocada à disposição do juiz de la
aplica-se tanto aos negócios unilaterais quanto aos
mise en état, ao passo que o Direito italiano não
bilaterais, incluindo as convenções processuais
contém previsão similar a respeito do juiz instru-
do art. 191 [190]”. Tal enunciado adota o enten-
tor da causa. Para sanar essa dúvida, a constitucio-
dimento de que a função do art. 190 é estabelecer
nalidade do art. 81-bis do Codice foi posta à prova
hipóteses típicas de negócios jurídicos processuais,
perante a Corte Constituzionale italiana, para que
que gozam da eficácia imediata prevista no art. 200.
esta se pronunciasse se a omissão na fixação do
Essa relação gênero-espécie entre tais artigos serve
calendário processual configuraria ofensa ao de-
como ponto de partida para a análise das duas es-
vido processo legal. A referida corte se posicionou
pécies previstas no caput do art. 190, quais sejam
pela constitucionalidade da aludida norma, por
a) mudanças no procedimento para ajustá-lo às es-
entender que houve apenas maior detalhamento
pecificidades da causa e b) convenções sobre ônus,
dos poderes instrutórios do juiz já conferidos pelo
poderes, faculdades e deveres processuais das partes.
art. 175 do Codice di Procedura Civile. Além disso,
A distinção entre essas espécies de negócios jurídicos
foi considerado que a omissão ou o desrespeito ao
processuais foi exposta no Enunciado nº 257 apro-
calendário fixado pelo juiz representariam meras
vado pelo referido fórum, no intuito de esclarecer
irregularidades procedimentais, passíveis de serem
que as convenções sobre ônus, poderes, faculdades
corrigidas a requerimento da parte ou de ofício,
e deveres processuais não precisam necessariamen-
nos moldes dos arts. 175, § 3º, e 298 do Codice di
te importar em ajustes às especificidades da causa
Procedura Civile. Nesse passo, a aludida corte pon-
(Enunciado nº 258), confirmando a viabilidade de
derou que obrigar a fixação do calendário processual
uma vasta gama de negócios jurídicos processuais
afetaria os poderes de gestão do juiz e contrariaria
firmados antes do processo ou até do conflito.
o escopo da norma, que seria assegurar a duração
razoável do processo por meio da adaptabilidade
suas inspirações e o modelo em vigor
Não se encontra no regime
italiano a mesma carga preclusiva
presente no regime francês.
Encerrado o sobrevoo do modelo processual
Independentemente do momento de celebra-
em vigor e de dois dos sistemas processuais es-
ção do negócio jurídico processual, o art. 190
trangeiros que adotaram o instituto do calendário
ressalva que a causa deverá versar sobre “direitos
processual, pode-se iniciar o voo de aproximação
que admitam autocomposição” e que não deve ter
das inovações relativas aos negócios jurídicos pro-
havido inserção abusiva em contrato de adesão
cessuais, contidas nos arts. 190 e 191 do NCPC.
(parágrafo único). Cuida-se de fórmula análoga
do procedimento (BARROZO, 2014, p. 450).
4 Novo Código de Processo Civil: entre
Desde logo, é digno de nota que os novos dis-
à da Lei nº 9.307/1996, relativa à arbitrabilidade
positivos não implicaram a revogação do texto do
objetiva, sendo possível também encontrar simi-
art. 158 do CPC em vigor, o qual se encontra inte-
laridade quanto ao aspecto subjetivo, visto que,
gralmente reproduzido no art. 200 do NCPC. No
para o novo regramento processual, são vedados
âmbito do Fórum Permanente de Processualistas
os negócios jurídicos processuais com parte
Civis, essa convivência foi objeto do Enunciado
“em manifesta situação de vulnerabilidade”.
nº 261 aprovado durante o encontro ocorrido em
Esse conceito jurídico indeterminado reclamará
Belo Horizonte, para explicitar que “o art. 200
cuidado da jurisprudência, que o definirá em casos
23/04/2015 16:28:49
Livro_126.indb 81
mentos infundados e indiscriminados quanto à va-
sensível avanço por dispensar a realização de in-
lidade do negócio jurídico processual. O dispositivo
timações quanto a prazos e audiências fixados no
em comento também prevê que os negócios jurídi-
calendário processual, evitando que o juiz e seus
cos processuais podem ser estipulados por “partes
auxiliares tenham que praticar mais atos do que
plenamente capazes”, excluindo, por conseguinte,
aqueles efetivamente necessários.
do âmbito do art. 190 os negócios jurídicos proces-
Esse breve voo em direção aos novos disposi-
suais que necessitem da atuação do Ministério Pú-
tivos legais sobre negócios jurídicos processuais
blico como fiscal da lei, em razão de nele figurarem
revela o horizonte de possibilidades para aqueles
partes absoluta ou relativamente incapazes.
que quiserem usufruir da liberdade conferida
No que toca especificamente ao calendário
pelo legislador. Por óbvio, não se descarta o con-
processual, é possível entrever a opção legislativa
trole judicial da validade dos negócios jurídicos
pela neutralidade quanto à responsabilidade por
processuais, que também foi intensificado para
sua fixação, dado que o art. 191 convida o juiz e
fazer frente às iniciativas das partes, tal como se
as partes “de comum acordo”. Ademais, a expres-
deu em relação ao juiz de la mise en état quan-
são “quando for o caso” reforça o caráter facultati-
to ao calendário processual na França. De mais
vo desse calendário processual, tal como se dá na
relevante das experiências estrangeiras que ins-
França e na Itália. No entanto, uma vez fixado o
piraram a referida norma, pode-se extrair que o
calendário processual, o § 1º do art. 191 estabelece
negócio jurídico processual deve se manter ver-
regime preclusivo que não é explícito quanto a suas
dadeiro a suas origens, de tal sorte que não há
consequências como o modelo processual francês,
dever inafastável de adaptação procedimental e
merecendo destaque a referência de vinculação do
não se pode violar princípios e garantias funda-
juiz aos prazos que vierem a ser fixados em con-
mentais do processo no Estado Democrático de
junto com as partes. Considerando que algumas
Direito. Caso venham a se valer dos negócios jurí-
“etapas mortas” do procedimento ocorrem duran-
dicos processuais, caberá às partes e ao juiz cola-
te espera por atos do juiz, o calendário processual
borarem em prol da definição de seu plano de
conseguirá agilizar o trâmite processual se a regu-
voo conjunto no processo civil, tendo em mente
lamentação dessas etapas do processo for cumprida
as coordenadas básicas expostas anteriormente.
N e g ó c i o s j u r í d i c o s p r o c es s u ais : u ma n o va fron teira?
à risca. Nesse ponto, o § 2º do art. 191 representa
81
Revi s t a d o A d v o g a d o
concretos, para que não se torne fonte de questiona-
23/04/2015 16:28:49
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23/04/2015 16:28:49
U
m novo paradigma para o juízo de
admissibilidade dos recursos cíveis.
Primeiras impressões sobre o art. 932, parágrafo único, do
Novo Código de Processo Civil.
Sumário
1.O art. 932, parágrafo único, do NCPC
2.O juízo de admissibilidade dos recursos
3.O estado da questão na vigência do CPC/1973:
a impossibilidade de correção de defeitos formais
dos recursos como regra geral
NCPC
1 O art. 932, parágrafo único, do
NCPC
Inserido no capítulo referente à “ordem dos
Flávio Cheim Jorge Doutor e mestre em Direito Processual Civil pela
processos nos tribunais”, mais especificamente
PUC-SP. Professor nos cursos de graduação e
em dispositivo destinado a tratar dos poderes do
mestrado da Ufes. Advogado. Ex-juiz do TRE-ES –
relator, determina o parágrafo único do art. 932
Classe dos Juristas – Biênios 2004/2008.
do Novo Código de Processo Civil (NCPC) que,
Thiago Ferreira Siqueira “antes de considerar inadmissível o recurso, o rela-
Doutorando em Direito Processual Civil pela USP.
tor concederá o prazo de cinco dias ao recorrente
Mestre em Direito Processual Civil pela Ufes.
83
Revi s t a d o A d v o g a d o
4.A alteração de paradigma no sistema do
para que seja sanado vício ou complementada a
documentação exigível”.
A regra, que não encontra equivalente no
Código hoje vigente (CPC/1973), imprimirá
relevantíssima alteração no sistema processual,
representando, a nosso ver, verdadeira mudança
de paradigma em relação à admissibilidade dos
recursos cíveis.
Livro_126.indb 83
23/04/2015 16:28:49
U m n o v o p a r a d i g m a p a r a o ju ízo d e ad missibilidade dos recu rsos cíveis.
2 O juízo de admissibilidade dos recursos
Rev i st a d o A d v o g a d o
84
Como todo ato postulatório, os recursos estão
sujeitos a um duplo exame: o primeiro destina-se a aferir se estão presentes as condições que a
lei processual coloca para que se possa realizar a
postulação, para admiti-la ou não; já no segundo,
analisa-se o próprio conteúdo da postulação, para
rejeitá-la ou acolhê-la.
de admissibilidade dos recursos são questões de
ordem pública, vez que a análise de sua presença
interessa não apenas às partes, mas sobretudo ao
próprio órgão julgador. Afinal, a este último cabe
o papel de controlar a legitimidade da prestação
jurisdicional, o que, no caso, se faz mediante a
análise das condições que se encontram previstas
na própria lei para que o recurso seja considerado
regular. Consequência desta característica é o fato
de que sua apreciação pode ser feita de ofício, não
Os requisitos de admissibilidade
dos recursos são questões de
ordem pública.
estando sujeita à preclusão.
Sete são os requisitos de admissibilidade dos
recursos – divididos em duas categorias distintas:
os requisitos i) intrínsecos – concernentes à existência do poder de recorrer – são i.1) o cabimento,
Fala-se, assim, em juízo de admissibilidade
e juízo de mérito dos recursos. Naquele, o órgão competente verifica se o recurso preenche
todos os chamados requisitos de admissibilidade
e, portanto, merece ser conhecido; ou, ao contrário, se deve ser inadmitido pela ausência de
alguma daquelas condições. Ultrapassada esta
etapa, é analisado se a pretensão recursal – reforma, anulação, integração ou esclarecimento da
decisão – merece ser provida ou improvida, pela
presença de algum error in judicando ou error in
procedendo.
Livro_126.indb 84
Costuma-se falar, ademais, que os requisitos
i.2) a legitimidade para recorrer, i.3) o interesse
em recorrer e i.4) a inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do poder de recorrer; já os ii)
extrínsecos – relacionados ao modo de exercer o
poder de recorrer – são ii.1) a tempestividade, ii.2)
a regularidade formal e ii.3) o preparo.
3 O estado da questão na vigência
do CPC/1973: a impossibilidade de
correção de defeitos formais dos
recursos como regra geral
No sistema do Código hoje em vigor, a regra,
A análise da admissibilidade dos recursos se
como se sabe, é a de que todos estes requisitos de-
coloca, como parece óbvio, como questão prévia
vam estar presentes já no ato de interposição do
a seu juízo de mérito, vez que, do ponto de vista
recurso. Isto é: não se permite, geralmente, que,
lógico, deve lhe ser antecedente. Dentre as ques-
após ter apresentado seu recurso em juízo, venha
tões prévias, pode-se dizer, ainda, que os requisi-
a parte a corrigir algum defeito que comprometa a
tos de admissibilidade enquadram-se na categoria
admissibilidade daquele.
das questões preliminares, vez que sua presença
Neste sentido, por exemplo, conhecida é a po-
ou ausência torna possível ou não a realização do
sição do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que
juízo de mérito, sem interferir no conteúdo deste.
não permite que o pagamento do preparo (art. 511)
Contrapõem-se, destarte, às chamadas questões
seja comprovado após a interposição do recurso,
prejudiciais, que, sem condicionar a possibilidade
ainda que não tenha se escoado o prazo recursal
de realização do juízo de mérito, interferem no
(STJ, 2ª T., AgRg no REsp nº 1488508-RS, Rel.
que nele será decidido.
Min. Mauro Campbell Marques, j. 2/12/2014,
23/04/2015 16:28:49
o entendimento segundo o qual a falta das peças
te a correção de defeitos no recurso apresentado,
obrigatórias do agravo de instrumento (art. 525,
ou quem permite que seja relevado o descumpri-
inciso I) deve levar, de plano, à inadmissão do re-
mento de algum requisito.
curso, sendo vedada a sua juntada posterior (STJ,
É o que se passa, por exemplo, com os casos em
3ª T., AgRg no AREsp nº 99.576-DF, Rel. Min.
que o preparo é recolhido em valor insuficiente:
Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 16/9/2014, DJe de
nestas situações, o § 2º do art. 511 do CPC/1973
25/9/2014).
outorga à parte a possibilidade de complementar
Apesar de não ser posição unânime no âmbito
o pagamento, tornando, destarte, admissível o seu
doutrinário, sempre entendemos que, não exis-
recurso. Importante notar que tal hipótese não se
tindo no CPC hoje vigente qualquer norma que
confunde com aquela na qual, descumprindo o
contemple tal possibilidade em caráter geral, não
caput do mesmo art. 511, o recorrente deixa de
se deve oportunizar a correção dos vícios formais
comprovar, no ato de interposição do recurso, o
contidos no recurso após a sua interposição, exce-
pagamento das custas, caso em que, em nome da
to quando a própria lei o determinar.
preclusão consumativa, não se permite a compro-
É de se notar, neste ponto, que o sistema recursal é fortemente marcado pelo fenômeno
Ainda sobre o preparo, há que se mencionar
das preclusões. Incide, por exemplo, a preclusão
o art. 519 do CPC/1973, que permite que seja re-
temporal, a inviabilizar o exercício do direito de
levada a pena de deserção e fixado o prazo para
recorrer após o escoamento do prazo que a lei co-
o recolhimento das custas após a interposição do
loca para tanto. Ou, ainda, a preclusão lógica, que
recurso caso o recorrente prove a ocorrência de
impede o conhecimento do recurso de um sujeito
justo impedimento.
que tenha, anteriormente, praticado ato incompa-
Outra hipótese em que o sistema hoje vigente
tível com a vontade de recorrer, como é o caso da
permite desconsiderar a ausência de requisito de
renúncia ao direito de recorrer ou ao direito sobre
admissibilidade é aquela prevista no art. 183, que
o qual se funda a ação, da desistência do recurso
torna admissível o recurso interposto intempesti-
ou da demanda, da aquiescência, do reconheci-
vamente se provada a existência de justa causa.
mento jurídico do pedido, etc.
Afasta-se, com isso, a preclusão temporal que inci-
Nessa mesma linha, entendemos que também
Livro_126.indb 85
vação posterior.
U m n o v o p a r a d i g m a p a r a o ju ízo d e ad missibilidade dos recu rsos cíveis.
quem determina que deva ser oportunizada à par-
85
Revi s t a d o A d v o g a d o
DJe de 10/12/2014). Nesta mesma linha, ainda, é
diria pelo escoamento do prazo recursal.
deve ter plena aplicação ao procedimento recursal
Vale lembrar, outrossim, da regra disposta no
a preclusão consumativa: uma vez exercido o direi-
art. 13 do CPC/1973, que permite que seja sanado
to de recorrer, não pode a parte recorrente praticar
o vício da irregularidade na representação mesmo
novamente tal ato em relação à mesma decisão ju-
após a interposição do recurso, corrigindo, destar-
dicial, ou, ainda, complementar ou aperfeiçoar o
te, a ausência de regularidade formal.
recurso anteriormente interposto. Não vemos razão,
Por fim, não se pode deixar de ressaltar a fun-
neste ponto, para deixar de dar plena aplicação a esta
gibilidade recursal, que, malgrado não esteja ex-
específica modalidade de preclusão, que, longe de
pressa no CPC/1973, tem aceitação pacífica na
constituir mero formalismo estéril, tem papel da
doutrina e na jurisprudência. Trata-se, como se
mais alta relevância no sistema processual, impe-
sabe, de princípio que permite abrandar o requisi-
dindo avanços e retrocessos no procedimento.
to do cabimento, tornando admissível um recurso
Na verdade, é importante perceber que, em
que tenha sido interposto no lugar de outro, que
determinadas situações, é o próprio CPC/1973
seria o correto. Para tanto, é necessário que haja
23/04/2015 16:28:49
alguma dúvida objetiva a respeito do recurso
U m n o v o p a r a d i g m a p a r a o ju ízo d e ad missibilidade dos recu rsos cíveis.
adequado.
Re v is t a d o A d v o g a d o
86
Livro_126.indb 86
A norma – é importante deixar claro – aplica-se
a todo e qualquer recurso, não se devendo fazer
Todos estes exemplos estão a demonstrar, a nosso
restrição a esta ou aquela espécie recursal. Afinal,
ver, que é o próprio sistema processual hoje vigen-
como dito, trata-se de regra prevista em capítulo
te quem, em certas situações e diante de circuns-
do NCPC destinado a regular, indistintamente, a
tâncias que considera relevantes, por vezes afasta a
“ordem dos processos nos tribunais”, mais especi-
preclusão consumativa ou mesmo a necessidade do
ficamente em dispositivo (art. 932) que cuida dos
preenchimento de determinados requisitos de ad-
poderes do relator.
missibilidade. Fora disso, deve ser privilegiada a opção do legislador, sendo vedada a complementação
ou a correção do recurso já interposto.
4 A alteração de paradigma no
sistema do NCPC
Em outras palavras, trata-se de
verdadeira alteração de paradigma
no juízo de admissibilidade dos
recursos.
Estas conclusões nos parecem as mais corretas,
ressalte-se, para o sistema hoje vigente, em que, ao
A dificuldade maior, todavia, é precisar
lado de estatuir requisitos para a admissibilidade
em quais situações concretas o dispositivo terá
dos recursos, o legislador, em situações excepcio-
incidência.
nais, por vezes optou por abrandar o rigor de um
A este respeito, vale dizer que, como parece
ou outro pressuposto, ou por permitir a correção
claro, apenas diante de vícios que sejam sanáveis
de algum defeito no recurso já interposto.
há espaço para a aplicação do dispositivo. Isto é:
É outra, todavia, a premissa da qual se deve
constatando o relator a existência de defeitos que
partir na análise do NCPC: havendo, no texto,
comprometam irremediavelmente a admissão do
norma geral como a do art. 932, parágrafo único,
recurso, não podendo ser corrigidos, não se justifica
a regra é a de que a parte tem direito à correção
a abertura de prazo para o recorrente.
de um determinado vício contido em seu recurso,
sem qualquer ônus, além de fazê-lo no prazo de
Vejamos, então, algumas hipóteses em que a
aplicação da regra pode-se mostrar útil.
cinco dias. Tal regra apenas pode ser afastada nos
Sabe-se que, pelo requisito da regularidade for-
casos em que exista norma específica excepcio-
mal, é necessário que o recurso respeite uma série
nando sua incidência.
de preceitos de forma previstos na lei processual.
Há, com isso, clara inversão em relação ao
Em primeiro lugar, é necessário que qualquer
sistema hoje vigente: se, atualmente, a regra é a
recurso seja interposto por i) petição escrita, ii) as-
de que a preclusão consumativa impede a corre-
sinada por advogado com iii) poderes para repre-
ção de defeitos no recurso já interposto, no novo
sentar a parte recorrente.
Código a ideia será a de que a preclusão nestas
Quanto a estes dois últimos requisitos, parece-
situações deve ser afastada, em prol da possibili-
-nos que o art. 932, parágrafo único, do NCPC
dade de correção do defeito que até então tornava
pode exercer relevante função: é que, como se
inadmissível o recurso.
sabe, a jurisprudência dos tribunais superiores
Em outras palavras, trata-se de verdadeira al-
tem entendido que, enquanto nas instâncias ordi-
teração de paradigma no juízo de admissibilidade
nárias, verificada a falta de assinatura ou a irregu-
dos recursos.
laridade de representação, deve a parte ser intima-
23/04/2015 16:28:50
o vício, em se tratando de recursos excepcionais é
(NCPC, art. 1.017, inciso I).
inviável adotar tal diligência (STJ, 2ª T., AgRg no
Atualmente, como já foi dito, o entendimento
REsp nº 1422681-PE, Rel. Min. Mauro Campbell
jurisprudencial, na linha do que defendemos, é
Marques, j. 20/2/2014, DJe de 28/2/2014).
o de que, ausente algum destes documentos, não
A partir da vigência do novel dispositivo, toda-
há oportunidade para a parte corrigir o defeito
via, tal distinção, hoje já extremamente criticável,
após a interposição do recurso. Com o art. 932,
não mais se sustentará: em se tratando de defeito
parágrafo único, do NCPC, porém, deve o relator
formal, passível de correção, em qualquer dessas
oportunizar ao agravante a juntada posterior da
situações há de ser a parte intimada para suprir a
peça faltante, como, aliás, faz questão de frisar o
falha.
art. 1.017, § 3º, do NCPC.
Prosseguindo, é necessário que todo e qual-
Podemos citar, ainda, o caso do recurso es-
quer recurso contenha iv) pedido de reforma,
pecial fundado em dissídio jurisprudencial, que,
anulação, integração ou esclarecimento da deci-
nos termos do art. 1.029, § 1º, do NCPC, deve ser
são, e v) adequada fundamentação a respeito da
provado
existência de errores in procedendo e/ou errores in
“com a certidão, cópia ou citação do repositó-
judicando, ou seja, os motivos que poderiam levar
rio de jurisprudência, oficial ou credenciado, in-
ao acolhimento da pretensão recursal.
clusive em mídia eletrônica, em que houver sido
Sobre este último ponto, aliás, é hoje assente
publicado o acórdão divergente, ou ainda com a
a necessidade de que seja observado o chamado
reprodução de julgado disponível na rede mun-
princípio da dialeticidade, que diz respeito justa-
dial de computadores, com indicação da respec-
mente à existência de razões que sejam coeren-
tiva fonte”.
tes com o conteúdo da decisão recorrida, sem as
quais o recurso deve ser inadmitido.
que deve o recorrente, em suas razões, “demons-
Aqui, mais uma vez, entendemos que o art. 932,
trar a existência da repercussão geral” (NCPC,
parágrafo único, do NCPC pode exercer interes-
art. 1.035, § 2º). Ainda que não exista no Código
sante papel.
projetado norma semelhante à do atual art. 543-A,
É que, em relação ao sistema hoje vigente, a
§ 2º – que exige que o recurso contenha prelimi-
preclusão consumativa impede que as razões re-
nar específica para tanto –, é certo que a funda-
cursais sejam juntadas ou mesmo complementa-
mentação a respeito se trata de requisito formal do
das após a interposição do recurso. No novo sis-
recurso extraordinário.
tema, todavia, em que a regra será a possibilidade
de correção dos vícios sanáveis, deve o relator, se
os embargos de divergência sejam instruídos
“com certidão, cópia ou citação de repositório
fundamentado, ou mesmo quando inexistente pe-
oficial ou credenciado de jurisprudência, inclusive
dido de reforma ou anulação, intimar o recorrente
em mídia eletrônica, onde foi publicado o acórdão
para suprir a falha.
divergente, ou com a reprodução de julgado dispo-
de forma que dizem respeito especificamente a
certas modalidades recursais.
87
Vale mencionar, por fim, a necessidade de que
entender que o recurso não está adequadamente
Há que se mencionar, ainda, alguns requisitos
Livro_126.indb 87
Ou, mesmo, do recurso extraordinário, em
U m n o v o p a r a d i g m a p a r a o ju ízo d e ad missibilidade dos recu rsos cíveis.
instruído com as chamadas peças obrigatórias
Revi s t a d o A d v o g a d o
da nos termos do art. 13 do CPC/1973 para suprir
nível na rede mundial de computadores, indicando
a respectiva fonte” (NCPC, art. 1.043, § 4º).
Em todos estes e outros casos, em que a lei
Assim, por exemplo, em relação ao agravo de
processual faz alguma exigência formal para o co-
instrumento, há necessidade de que o recurso seja
nhecimento do recurso, pensamos que possa ser
23/04/2015 16:28:50
U m n o v o p a r a d i g m a p a r a o ju ízo d e ad missibilidade dos recu rsos cíveis.
aplicada a diretriz contida no art. 932, parágrafo
recorrer), vez que sua ausência equivale à inexis-
único, do NCPC: verificada a falha na peça utiliza-
tência do poder de recorrer naquela específica si-
da, e sendo tal defeito sanável, deve o relator, antes
tuação. O mesmo se diga, ainda, no que concerne
de inadmitir o recurso, oportunizar ao recorrente a
à tempestividade: uma vez descumprido o prazo
chance de corrigir o vício no prazo de cinco dias.
recursal, opera-se a preclusão temporal e, assim,
O dispositivo, todavia, como dito, apenas tem
deixa de existir o direito de recorrer (NCPC, art.
utilidade na correção de irregularidades que
223). Já em relação ao preparo, há regra que deter-
sejam sanáveis. Dificilmente, assim, terá inci-
mina que, não comprovado o seu pagamento, deve
dência em relação ao descumprimento de al-
o recorrente ser intimado para recolhê-lo em dobro
gum dos requisitos intrínsecos de admissibilidade
(NCPC, art. 1007, § 4º), norma que, por seu caráter
(cabimento, legitimidade, interesse e inexistência
especial, afasta a aplicação do art. 932, parágrafo
de fatos extintivos ou impeditivos do poder de
único.
Re v is t a d o A d v o g a d o
88
Livro_126.indb 88
23/04/2015 16:28:50
C
onvenção das partes em matéria
processual no Novo CPC.
Sumário
1.Objeto e premissas
2.Elementos de existência e requisitos de validade
3.Normas processuais cogentes: temas infensos à
convenção das partes
4.Segue: temas propícios à convenção das partes
5.A título de conclusão
Bibliografia
Dentre as alterações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil (CPC), uma delas, em particular, haverá de desafiar a criatividade dos advogados, de quem, aliás, em boa medida dependerá
o êxito ou a inoperância da novidade. Trata-se da
89
Revi s t a d o A d v o g a d o
1 Objeto e premissas
possibilidade de que, mediante certas condições,
regras processuais sejam estabelecidas pelas partes
Flávio Luiz Yarshell Livre-docente. Doutor e mestre em Direito
pela Faculdade de Direito da Universidade de
(art. 190).
Não se cuida de algo propriamente novo. No
São Paulo. Professor titular de Direito Processual
Direito Positivo, para ilustrar, a disciplina legal da
da Faculdade de Direito da Universidade de
arbitragem ganhou fôlego inegável com a Lei nº
São Paulo. Advogado em Brasília e em São Paulo.
9.307/1996; mas, a rigor, já vigorava antes disso.
Ela já era – e continua a ser – campo relevante
para a autonomia da vontade; quer por permitir
que as partes abram mão da jurisdição estatal,
quer pela prerrogativa de estabelecerem suas próprias regras processuais. Além disso, no CPC de
1973, desde sempre se facultou convenção sobre
competência (eleição de foro) e distribuição do
Livro_126.indb 89
23/04/2015 16:28:50
C o n v e n ç ã o d a s p a r t e s e m matéria p ro ces s u al n o Novo CPC.
Rev i st a d o A d v o g a d o
90
ônus da prova, dentre outros. Também na legis-
as normas convencionais devem “simplificar” o
lação extravagante havia tal possibilidade, aqui
processo, porque o conceito de simplicidade, por
ilustrada pela lembrança ao inciso IV do art. 58
incrível que pareça, envolve boa margem de sub-
da Lei nº 8.245/1991. Tampouco o tema era desco-
jetividade e nem sempre é tão fácil de estabele-
nhecido da doutrina nacional, bastando lembrar –
cer... O que pode ser “simples” aos olhos do juiz
por todos – o trabalho de José Carlos Barbosa
nem sempre o será aos olhos das partes e de seus
Moreira (1984), escrito há mais de 30 anos, com
advogados, cuja visão sobre o litígio e o processo
algo de visionário, ao menos para nós.
há que também ser levada em conta. No limite, a
exigência de “simplicidade” pode, embora de for-
O que pode ser “simples” aos
olhos do juiz nem sempre o
será aos olhos das partes.
para desestímulo à formulação de regras convencionais.
De outro lado, é preciso considerar que, sem
embargo da abertura dada à autonomia da vontade, o processo continua a ser instrumento a ser-
Mas, mesmo à míngua de estatísticas a res-
viço do Estado, isto é, para atingir objetivos que,
paldar a assertiva, parece lícito afirmar que, fora
embora também sejam das partes, são públicos:
do processo arbitral, a autonomia da vontade fa-
atuação do direito objetivo, pacificação social
cultada até aqui foi pouco exercitada pelas par-
(pela eliminação da controvérsia) e afirmação do
tes, por intermédio de seus advogados. Isso talvez
poder estatal. Para os fins do objeto ora estuda-
se explique precisamente pelo fato de que, sendo
do, não parece factível imaginar que juiz estatal
a margem de disposição relativamente pequena,
e árbitro possam ser singelamente colocados em
seria inútil – ou quando menos arriscado – o
idêntico patamar. Uma arbitragem é instituída
esforço para criação de normas processuais con-
para um caso específico e os árbitros são juízes
vencionais que, depois, simplesmente não fos-
dessa particular situação; já o órgão estatal tem a
sem chanceladas pelo órgão jurisdicional estatal.
seu cargo uma plêiade de processos e a instituição
Melhor, nesse contexto, simplesmente aderir às
de diferentes regras processuais – embora não pos-
normas legais, ainda que, em determinados ca-
sa justificar a pura e simples recusa da convenção
sos – por conta das peculiaridades das partes e
das partes pelo juiz – deve levar em conta as ca-
da controvérsia –, elas talvez não fossem as mais
racterísticas e peculiaridades do órgão estatal e da
adequadas ou racionais.
atividade por ele desenvolvida.
Agora, com a vigência do novo diploma, esse
quadro pode mudar.
Livro_126.indb 90
ma patológica, acabar funcionando como pretexto
De todo modo, embora com visão realista e
crítica sobre o limitado alcance do novo regime,
Naturalmente, não se trata apenas de uma
fato é que novos horizontes se abrem para as par-
oportunidade para o exercício da criatividade dos
tes e caberá a seus advogados construir, se for pos-
advogados. Por um lado, regras processuais con-
sível e necessário, o processo adequado a suas ne-
vencionais, que alterem as opções feitas pelo legis-
cessidades. As deliberadamente breves e concisas
lador, devem ser pensadas como forma de trazer
considerações que seguem – menos acadêmicas e
resultados relevantes para racionalização do pro-
mais pragmáticas – não são mais do que um con-
cesso. Por isso é que a lei falou em mudanças no
vite à reflexão: em que medida e de que forma
procedimento para “ajustá-lo às especificidades
será explorada a autonomia da vontade conferida
da causa”. É preferível, a respeito, não falar que
pela lei em matéria processual?
23/04/2015 16:28:50
ponto o órgão judicial pode, ou não, desvincular-se
Há relevante controvérsia na doutrina sobre a
do ato que anteriormente chancelou. A resposta
terminologia a ser empregada nesta seara e, mais
para isso é positiva e, tal como consta do Projeto
do que isso, se efetivamente seria correto falar-se
de Novo Código Comercial que (na data em que
em negócio processual. Aqui, de forma delibera-
escrito o artigo) tramita perante o Senado, o con-
da, essa discussão – conquanto seja das mais re-
teúdo do calendário só pode ser modificado “em
levantes – é deixada de lado. Então, apenas por
casos excepcionais devidamente justificados”
comodidade, o texto empregará a locução “negó-
(art. 950, § 2º).
cio processual” para designar o resultado da convenção das partes em matéria processual.
O negócio também tem um tempo – que pode
ser relevante para, dentre outros, determinar a le-
Esse negócio consiste em declaração de von-
gislação aplicável ao ato – e um lugar, embora não
tade emitida pelas partes. Para que ele tenha
se deva confundir o local da celebração do negó-
existência, deve ter a forma escrita ou, por outras
cio com a base territorial na qual se deve produzir
palavras, deve ser de alguma forma documenta-
a respectiva eficácia.
da. O negócio processual deve resultar de vonta-
A validade do negócio processual, conforme já
de manifestada de forma expressa e não pode ser
preconizara a doutrina precedentemente invoca-
presumido do silêncio – o que não quer dizer que
da, está sujeita a um regime misto. Ela está sub-
esse último seja irrelevante no processo, por força
metida tanto às regras do Código Civil quanto ao
do ônus de alegação que as partes têm. Seu obje-
CPC. Em tentativa de resumir o que parece ser
to são as condutas voluntárias, a serem realizadas
relevante, dados os limites do presente trabalho,
em processo e destinadas a produzir efeitos sobre
tem-se o seguinte:
ele. Regular-se-ão tanto as posições jurídicas que
resultam da relação processual (a lei fala em ônus,
Livro_126.indb 91
balho), o que interessa sobre isso é saber até que
a) a manifestação de vontade deve ser consciente, livre e em ambiente de boa-fé;
poderes, faculdades e deveres) como os atos que
b) deve haver igualdade substancial entre as
compõem o aspecto formal do processo, que é o
partes ou, quando menos, é preciso que o negó-
procedimento. O negócio poderá prever termos e
cio processual assegure essa situação (“paridade
condições, embora seja preciso atentar para a cir-
de armas”), ainda que haja desigualdade no plano
cunstância de que o ato processual normalmente
material;
não se concilia com o caráter condicional. Tam-
c) a convenção é admissível mesmo em pro-
bém é possível, ao menos em tese, que ele conte-
cessos “de Estado”, desde que capazes as partes
nha cláusula penal, dentre outras disposições.
(a lei não falou em direitos patrimoniais, mas em
Sujeitos do negócio são as partes. Poder-se-á
causas que “admitam autocomposição”) – por
discutir se também o juiz (que personifica o Es-
isso, não há impedimento para que dele participe
tado) ocupa essa posição. Embora isso possa ser
a Fazenda Pública;
relevante – basta ver que, no caso de se estabele-
d) a convenção deve se ajustar aos postulados
cer um calendário, a lei diz que o juiz também
do devido processo legal – ou, como mais explíci-
fica vinculado – essa questão sugere debate que,
ta e adequadamente consta da Lei de Arbitragem
embora sem ser estéril, aproxima-se daquele já
(art. 21), à observância dos princípios do contradi-
travado há muitas décadas, sobre se a relação pro-
tório, igualdade, imparcialidade e livre convenci-
cessual teria natureza dúplice ou tríplice. Sob o
mento;
C o n v e n ç ã o d a s p a r t e s e m matéria p ro ces s u al n o Novo CPC.
de validade
ângulo pragmático (escolhido para este curto tra-
91
Revi s t a d o A d v o g a d o
2 Elementos de existência e requisitos
23/04/2015 16:28:50
C o n v e n ç ã o d a s p a r t e s e m matéria p ro ces s u al n o Novo CPC.
Re v is t a d o A d v o g a d o
92
e) os sujeitos devem ser “plenamente capazes”
aproveitar a oportunidade que deu o legislador.
(art. 190, caput); o que exclui a possibilidade de
Antes, a vontade das partes estava limitada essen-
que seja celebrado por relativamente incapazes,
cialmente ao que a lei autorizava (ainda que fosse
mesmo que regularmente assistidos (embora nesse
sustentável a tese de que a autonomia da vonta-
caso não se trate de nulidade, mas de anulabi-
de poderia extrapolar os casos expressos pela lei);
lidade);
doravante, esse raciocínio pode ser invertido: nas
f) a convenção pode ser celebrada pelas entida-
condições e limites que ela traça, a lei processual
des que, embora despidas de personalidade civil,
tolera tudo o que não seja explícita ou implicita-
têm aptidão de estar em juízo (condomínio, espó-
mente por ela vedado. Há aí certa analogia com
lio e outros análogos);
a clássica (quiçá imperfeita) máxima empregada
g) não sendo exigível capacidade postulatória,
para separar o Direito Público e o Privado, sob a
a rigor, a validade não está condicionada à pre-
ótica da legalidade (segundo a qual o particular
sença do advogado, embora tal intervenção seja
poderia fazer tudo o que a lei não vedasse; e o
fundamental pela natureza e pelo conteúdo do
Administrador só poderia fazer o que a lei auto-
negócio;
rizasse).
h) não há forma prevista em lei e, portanto, é
admissível o instrumento particular, independentemente de qual seja a matéria controvertida no
processo correlato;
i) não é possível derrogar normas processuais
cogentes (infra nº 3).
3 Normas processuais cogentes: temas
infensos à convenção das partes
Na busca do que seja cogente em matéria processual, convém lembrar que a lei processual continua a estabelecer que certas matérias podem e
Dentre os requisitos de validade do negócio
devem ser conhecidas de ofício pelo juiz. Contudo,
processual, aquele indicado na letra i do tópico
embora isso possa servir como um parâmetro, tal
precedente é o que parece oferecer maiores difi-
dado não resolve o problema de determinar se real-
culdades.
mente vige o caráter indisponível de certa norma
As normas de Direito Processual integram o
processual. Tampouco é suficiente identificar nor-
Direito Público. Ainda que elas possam agora
ma cogente e devido processo legal: por certo, há
resultar da vontade das partes, continuam a regu-
inúmeras regras que merecem aquela qualificação,
lar uma atividade estatal e o correspondente ins-
mas que não dizem respeito – não ao menos dire-
trumento posto a serviço de escopos que, como já
tamente – aos postulados que integram o conceito
foi realçado anteriormente, são também públicos.
de devido processo legal. Além disso, o Projeto de
Daí a perspectiva tradicional de que somente em
Novo Código Comercial que tramita no Congres-
casos excepcionais tais regras poderiam ser deter-
so oferece também algumas referências, ao discipli-
minadas pelos interessados.
nar o que ali se chamou de “processo empresarial”
Mas, sem que o processo jurisdicional estatal
tenha propriamente perdido tais características, é
Livro_126.indb 92
A lei processual tolera tudo
o que não seja explícita ou
implicitamente por ela vedado.
(arts. 948 e seguintes); mas, ainda assim, não há
clara delimitação do que seja ou não cogente.
preciso considerar a nova opção do ordenamento;
Sem resolver o problema e sem qualquer pre-
e, com equilíbrio, prudência e destreza técnica,
tensão de esgotamento, parece lícito identificar
23/04/2015 16:28:50
limites à convenção das partes no tocante aos se-
pontos – compromisso que também o autor deste
guintes tópicos. Dessa forma, ao menos em pri-
artigo assume.
meira avaliação, não se afigura possível:
a) excluir ou mesmo limitar a intervenção do
Ministério Público;
4 Segue: temas propícios à convenção
das partes
c) dispor sobre organização judiciária;
de disposição pelas partes? Em complemento ao
d) dispensar as partes (mesmo que de forma
que já foi dito, algumas referências podem ajudar;
bilateral) dos deveres inerentes à litigância proba
se não com rigor científico, de forma quiçá prag-
e leal;
mática.
e) ampliar o rol das condutas caracterizadoras
de litigância de má-fé;
Nesse universo, os compromissos arbitrais,
conquanto possam eventualmente se limitar a
f) criar sanções processuais para repressão de
remeter ao regulamento de tal ou qual Câmara,
litigância de má-fé ou de atos atentatórios à digni-
podem ser boa fonte de inspiração para normas
dade da Justiça;
processuais convencionais. Isso quer dizer que
g) criar recursos não previstos em lei;
os profissionais que atuam em processos arbitrais
h) dispensar o atendimento aos requisitos le-
tenderão a ter maior facilidade para celebrar ne-
gais da petição inicial, aí incluída a atribuição de
gócios processuais que sejam úteis e adequados à
valor da causa;
controvérsia com a qual se deparam. Mas, reitere-se
i) criar hipóteses de ação rescisória ou de outras
medidas tendentes a desconstituir a coisa julgada;
j) ampliar ou reduzir os requisitos para concessão da tutela de urgência;
k) criar outras hipóteses de suspensão do pro-
Livro_126.indb 93
Aqui o outro lado da moeda: o que é passível
a advertência: seria um erro colocar o juiz estatal
e o árbitro no mesmo patamar, para a finalidade
aqui tratada. Portanto, é preciso considerar as diferenças que os apartam, sem prejuízo dos aspectos
comuns que os aproximam.
cesso, ressalvado o requerimento comum das par-
Também o Projeto de Novo Código Comercial
tes para tanto, em dado processo (CPC novo, art. 313,
indica campos propícios à autonomia da vontade.
inciso II);
Especial relevância e destaque tem ali a disciplina
l) criar regra que permita superar o limite legal
da prova. Nesse terreno i) é possível estabelecer
de suspensão convencional do processo (salvo
regras sobre ônus de alegação e de prova, inclusive
requerimento feito e justificado em dado processo,
para restringir a atuação oficial em matéria proba-
o que é coisa diversa);
tória (o que não interfere em sua persuasão racio-
m) dispensar a presença de requisitos de validade
nal); ii) convencionar a produção extrajudicial de
da relação jurídica processual (que não se confun-
prova, com ônus de exibição de documentos, com
dem com os requisitos do negócio processual);
consequências preclusivas para eventual inobser-
n) dispensar o requisito do interesse processual.
vância; iii) na mesma toada, é possível estabelecer
As razões que inspiram tais impossibilidades
a oitiva prévia de testemunhas, realizada perante
seguramente não são uniformes, embora possivel-
os advogados e documentada por notário – idem
mente haja aspectos comuns entre elas. Examiná-
para depoimento pessoal (ou, simplesmente, oitiva
-las demandaria aprofundamento incompatível
da parte); iv) regular a prova pericial, com a dis-
com a presente sede. Fica, de qualquer modo, a
pensa de perito oficial ou previsão de intervenção
proposta de melhor reflexão sobre cada um desses
apenas na falta de consenso entre expertos das
93
Revi s t a d o A d v o g a d o
à incompetência absoluta;
C o n v e n ç ã o d a s p a r t e s e m matéria p ro ces s u al n o Novo CPC.
b) alterar regras cuja falta de observância leva
23/04/2015 16:28:50
partes. Naturalmente, todas essas alternativas não
sistemática, na lícita tentativa de se tratar postu-
querem dizer que a prova escape ao controle do
lados teóricos gerais. Está aí mais um convite ao
juiz, a quem compete delimitar o objeto da prova
leitor que tenha se interessado por este trabalho.
e controlar o modo e o tempo em que os atos de
Nesta sede, infelizmente, não é possível prosse-
instrução terão lugar. Aqui, será útil aprender com
guir neste exame.
C o n v e n ç ã o d a s p a r t e s e m matéria p ro ces s u al n o Novo CPC.
a experiência dos sistemas de common law, relati-
Re v is t a d o A d v o g a d o
94
vamente a discovery e institutos análogos.
5 A título de conclusão
Além desses tópicos, e mais uma vez sem caráter exaustivo, arrisca-se a indicar temas em que
Como foi dito no preâmbulo, ao permitir com
a autonomia da vontade pode, com criatividade,
relevante amplitude que as partes convencionem
mas sobretudo com o espírito de racionalizar o
em matéria processual, o legislador abriu um
processo, atuar. Afigura-se possível, portanto:
campo a ser explorado. Nesse mister, será relevan-
I. regular os atos de comunicação processual;
te a contribuição que os advogados possam dar.
II. regular prazos e datas (a lei fala em fixação
Com engenhosidade, mas também com a rigoro-
de calendário), embora sujeitos ao controle do
sa consciência de que as disposições processuais
órgão judicial.
convencionais devem racionalizar a atividade pro-
III. suprimir recursos;
cessual, eles podem conseguir no processo jurisdi-
IV. determinar que recurso de apelação não
cional estatal os avanços e bons resultados obtidos
tenha efeito suspensivo;
V. condicionar o cumprimento de decisão ao
trânsito em julgado;
VI. restringir ou alargar a regra de responsabili-
em processos arbitrais – sem qualquer ilusão de
que isso será, por si só, um remédio para todos os
males decorrentes da morosidade e da sobrecarga
da Justiça.
dade patrimonial (ressalvados direitos de terceiros);
De outro lado, é imperativo que os magistra-
VII. autorizar que o juiz decida por equidade;
dos estejam verdadeiramente abertos a esse novo
VIII. limitar litisconsórcio ou intervenção de
cenário. Poderá haver quem seja cético e pense –
terceiros;
talvez diga – que não há como ter processos
IX. flexibilizar a rigidez do processo, de sorte
particularizados perante órgãos já atarefados.
a afastar a preclusão para atos postulatórios (afas-
Mas, não é essa seguramente a ideia. Ao confe-
tando a estabilização do processo, preservado o
rir espaço para a autonomia da vontade, o que
contraditório);
almejou a lei foi reforçar a cooperação que as
X. restringir a publicidade do processo (tal
como ocorre com a arbitragem).
partes possam dar para o bom andamento dos
processos e para a resolução das controvérsias.
Naturalmente, o terreno do que pode ser ob-
Portanto, depende do esforço e da boa vontade
jeto da convenção é mais extenso do que o das
de todos os envolvidos o sucesso ou o fracasso
vedações. Seria conveniente estudá-los de forma
das novas disposições.
Bibliografia
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Convenção das partes sobre matéria processual. In: Temas de direito processual. Terceira
série. São Paulo: Saraiva, 1984.
Livro_126.indb 94
23/04/2015 16:28:50
E
stabilização da tutela provisória
satisfativa e honorários advocatícios
sucumbenciais.1
Sumário
1.Generalidades sobre a estabilização da tutela
provisória satisfativa
2.A estabilização como técnica de monitorização
do procedimento comum. O microssistema de
Livre-docente (USP). Pós-doutor (Universidade
tutela de direitos pela técnica monitória. O pro-
de Lisboa), doutor (PUC-SP) e mestre (UFBA).
Professor adjunto de Direito Processual Civil da
blema dos honorários advocatícios
Universidade Federal da Bahia. Professor coor-
Bibliografia
denador da Faculdade Baiana de Direito. Membro
dos Institutos Brasileiro e Ibero-Americano de
Direito Processual, da Associação Internacional
de Direito Processual e da Associação Norte e
Nordeste de Professores de Processo. Advogado
1 Generalidades sobre a estabilização
da tutela provisória satisfativa
e consultor jurídico.
Paula Sarno Braga O art. 304, caput e § 1º, do Código de Processo
Mestre e doutoranda (UFBA). Professora de
Civil (CPC) prevê que, concedida a tutela anteci-
Direito Processual Civil da UFBA, da Faculdade
pada em caráter antecedente, se a decisão conces-
Baiana de Direito e da Unifacs. Membro do IBDP.
Advogada e consultora jurídica.
Rafael Alexandria de Oliveira siva não for impugnada pelo réu com a interposição do recurso cabível, ocorrerá a estabilização
Mestre em Direito Público (UFBA). Especialista
da decisão antecipatória e o processo será extinto.
em Direito Processual Civil (Faculdade Jorge
Em que pese o processo seja extinto, a decisão
Amado/JusPodivm). Procurador do município de
Salvador-BA. Advogado.
95
Revi s t a d o A d v o g a d o
Fredie Didier Jr. que concedeu a tutela provisória satisfativa, já
estabilizada, conserva seus efeitos.
1. Nota dos autores: Este ensaio busca resolver apenas um problema: como se dá a fixação de honorários advocatícios sucumbenciais
no caso de estabilização da tutela provisória satisfativa antecedente
(art. 304, CPC). Não se fará, em razão disso, digressões profundas
sobre a estabilização. O propósito é mais humilde e visa compor o
panorama geral que esta coletânea sobre os honorários advocatícios
no Novo CPC pretende apresentar.
Livro_126.indb 95
23/04/2015 16:28:50
E s t a b i l i z a ç ã o d a t u t e l a p ro vis ó ria s atis fativa e h on orários advocatícios
sucumbenciais.
Rev i st a d o A d v o g a d o
96
Os objetivos da estabilização são: i) afastar o
risdicionado se concedidas em definitivo e com
perigo da demora com a tutela de urgência; e ii)
força de coisa julgada – não basta uma separação
oferecer resultados efetivos e imediatos diante da
provisória de corpos, é necessário um divórcio de-
inércia do réu.
finitivo com dissolução do vínculo matrimonial,
para que se realize o direito, permitindo que se
A opção pela tutela
antecedente deve ser declarada
expressamente pelo autor.
cancelamento provisório do protesto de um título,
impõe-se a sua invalidação por decisão definitiva.
A segurança jurídica da coisa julgada pode
revelar-se necessária para a satisfação das partes
envolvidas na causa (TALAMINI, 2012, p. 26-27).
Para que isso ocorra, é preciso que estejam
presentes determinados pressupostos.
Desse modo, se o autor tiver intenção de dar
prosseguimento ao processo, em busca da tutela
a) É preciso que o autor tenha requerido a con-
definitiva, independentemente do comportamen-
cessão de tutela provisória satisfativa (tutela ante-
to do réu frente a eventual decisão concessiva de
cipada) em caráter antecedente. Somente ela tem
tutela antecipada antecedente, ele precisa dizer
aptidão para estabilizar-se nos termos do art. 304
isso expressamente já na sua petição inicial.
do CPC.
Conforme veremos no próximo item, é possível
A opção pela tutela antecedente deve ser de-
vislumbrar uma vantagem para o réu em permane-
clarada expressamente pelo autor (art. 303, § 5º,
cer silente, em não impugnar a decisão que concede
CPC). Um dos desdobramentos disso é a possibi-
a tutela antecipada antecedente, permitindo a sua
lidade de estabilização da tutela antecipada, caso
estabilização: a diminuição do custo do processo.
o réu seja inerte contra decisão que a conceda
Essa interpretação da regra funciona como es-
(art. 304, CPC). Os arts. 303 e 304 formam um
tímulo para o réu não reagir à decisão concessiva
amálgama. Desse modo, ao manifestar a sua op-
da tutela antecipada, já que, ainda que estabili-
ção pela tutela antecipada antecedente (art. 303, § 5º,
zada, poderá ser revista, reformada ou invalidada
CPC), o autor manifesta, por consequência, a sua
por ação autônoma (art. 304, § 2º, CPC). Permite-
intenção de vê-la estabilizada, se preenchido o su-
-se que uma tutela estável acabe sendo oferecida
porte fático do art. 304.
de modo mais rápido e econômico.
b) É preciso que o autor não tenha manifes-
Sendo assim, pode ele, réu, confiando na esta-
tado, na petição inicial, a sua intenção de dar
bilização, simplesmente aceitar a decisão antecipa-
prosseguimento ao processo após a obtenção da
tória, eximindo-se de impugná-la. Mas isso só fará
pretendida tutela antecipada. Trata-se de pressu-
sentido, somente lhe trará a vantagem da diminui-
posto negativo.
ção do custo do processo, se a inércia efetivamente
A estabilização normalmente é algo positivo
Livro_126.indb 96
contraiam novas núpcias; para além da sustação ou
gerar a estabilização de que fala o art. 304.
para o autor. A estabilização da decisão que ante-
O réu precisa, então, saber, de antemão, qual
cipa os efeitos de tutela condenatória, por exem-
a intenção do autor. Se o autor expressamente de-
plo, permite a conservação de efeitos executivos,
clara a sua opção pelo benefício do art. 303 (nos
mostrando-se útil e satisfatória se perenizada.
termos do art. 303, § 5º, CPC), subentende-se que
Mas é possível que o autor tenha interesse em
ele estará satisfeito com a estabilização da tutela
obter mais do que isso. As tutelas declaratória e
antecipada, caso ela ocorra. Se, porém, desde a
constitutiva, por exemplo, podem só servir ao ju-
inicial, o autor já manifesta a sua intenção de dar
23/04/2015 16:28:50
prosseguimento ao processo, o réu ficará sabendo
CPC), para cujo acompanhamento o réu deverá
que a sua inércia não dará ensejo à estabilização
ser citado, tem aptidão para a estabilidade.
Não se pode admitir que a opção pelo prosseguimento seja manifestada na peça de aditamento da ini-
concede a tutela antecipada apenas parcialmente
tem aptidão para a estabilização.
cial (art. 303, § 1º, inciso I, CPC). Isso porque o prazo
Parece-nos que sim: ela tem aptidão para a es-
para aditamento – de 15 dias, no mínimo – pode
tabilização justamente na parte em que atendeu
coincidir, ou mesmo superar, o prazo de recurso (art.
ao pedido provisório do autor. Neste caso, sobre-
1.003, § 2º, c.c. art. 231, CPC). Assim, se se admitis-
vindo a inércia do réu, estabilizam-se os efeitos
se manifestação do autor no prazo para aditamento,
apenas desse capítulo decisório, prosseguindo-se
isso poderia prejudicar o réu que, confiando na pos-
a discussão quanto ao restante.5
2
d) Por fim, é necessária a inércia do réu diante
sibilidade de estabilização, deixara de recorrer.
c) É preciso que haja decisão concessiva da
da decisão que concede tutela antecipada antece-
tutela provisória satisfativa (tutela antecipada) em
dente. Embora o art. 304 do CPC fale apenas em
caráter antecedente.
não interposição de recurso, a inércia que se exige
Somente a decisão positiva pode tornar-se es-
para a estabilização da tutela antecipada vai além
tável. Tem aptidão para a estabilidade do art. 304
disso: é necessário que o réu não se tenha valido
tanto a decisão concessiva proferida pelo juízo de
de recurso nem de nenhum outro meio de impug-
primeiro grau como a decisão (unipessoal ou cole-
nação da decisão (ex.: suspensão de segurança ou
giada) concessiva proferida em recurso de agravo
pedido de reconsideração, desde que apresentados
de instrumento interposto contra decisão singular
no prazo de que dispõe a parte para recorrer).6
denegatória. O que importa é que tudo isso acon-
Há quem diga que, para que se configure a
teça antes de o autor aditar a inicial para com-
inércia do réu, além de não recorrer contra a
plementar a sua causa de pedir e formular o seu
decisão, é preciso que ele não apresente defesa
pedido definitivo (art. 303, § 1º, inciso I, CPC).
(TALAMINI, op. cit., p. 29),7 assumindo a con-
3
Não há necessidade de que a decisão tenha
sido proferida liminarmente. Mesmo a decisão
4
proferida após justificação prévia (art. 300, § 2º,
dição de revel.
Mas não nos parece que a revelia é um pressuposto necessário para a incidência do art. 304.
E s t a b i l i z a ç ã o d a t u t e l a p ro vis ó ria s atis fativa e h on orários advocatícios
sucumbenciais.
Questão interessante é saber se a decisão que
97
Revi s t a d o A d v o g a d o
do art. 304.
O normal é que o prazo de defesa somente
2.“No mínimo”, porque o juiz pode fixar prazo maior (art. 303, § 1º,
inciso I, CPC).
3.Nesse sentido: SICA, Heitor Vitor Mendonça. Doze problemas e
onze soluções quanto à chamada “estabilização da tutela antecipada”. Texto inédito, gentilmente cedido pelo autor.
4.Em sentido contrário: SICA, Heitor Vitor Mendonça. Doze problemas e onze soluções quanto à chamada “estabilização da tutela
antecipada”. Texto inédito, gentilmente cedido pelo autor.
5.Nesse sentido: SICA, Heitor Vitor Mendonça. Doze problemas e
onze soluções quanto à chamada “estabilização da tutela antecipada”.
Texto inédito, gentilmente cedido pelo autor.
6.Conforme lição de Heitor Sica, “se o recurso for interposto tempestivamente, impede-se a estabilização, pouco importando se não
foi posteriormente conhecido” (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Doze
problemas e onze soluções quanto à chamada “estabilização da tutela
antecipada”. Texto inédito, gentilmente cedido pelo autor).
7. Também coloca como pressuposto a ausência de contestação,
Greco (2014, p. 304).
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fluirá a partir da audiência de conciliação ou de mediação (art. 335, inciso I, CPC) ou da data do protocolo do pedido de cancelamento dessa audiência
(art. 335, inciso II, CPC). O art. 303, § 1º, inciso
II, do CPC diz que, concedida a tutela antecipada
antecedente, o réu será citado e intimado para a
audiência de conciliação ou de mediação. O inciso III do art. 303, § 1º, por sua vez, diz que, “não
havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335”.
Se o caso não admite autocomposição, não é
preciso designar audiência de conciliação ou de
mediação (art. 334, § 4º, inciso I, CPC). O prazo
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E s t a b i l i z a ç ã o d a t u t e l a p ro vis ó ria s atis fativa e h on orários advocatícios
sucumbenciais.
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98
de defesa, contudo, somente deve começar a cor-
quem se apresente como assistente simples do
rer a partir da intimação feita ao réu do aditamento
réu ou por litisconsorte cujos fundamentos de
da petição inicial.
defesa aproveitem também o réu inerte (TALAMINI,
Assim, o prazo de defesa, em regra, demora um
pouco para ter início. O art. 304 não exige que se
Quando o réu inerte é a Fazenda Pública,
espere tanto para que se configure a inércia do réu
a discussão pode ser acirrada. A estabilização é,
apta a ensejar a estabilização da tutela antecipada.
como já dissemos, uma generalização da técnica
Se, no prazo de recurso, o réu não o interpõe,
monitória no processo civil brasileiro, e muito já
mas resolve antecipar o protocolo da sua defesa,
se discutia a possibilidade de uso dessa técnica
fica afastada a sua inércia, o que impede a esta-
em face da Fazenda Pública desde o regime do
bilização – afinal, se contesta a tutela antecipada
CPC/1973, embora agora haja regra expressa per-
e a própria tutela definitiva, o juiz terá que dar
mitindo (art. 700, § 6º, CPC).
seguimento ao processo para aprofundar sua cog-
Há que se considerar, ainda, a possibilidade de
nição e decidir se mantém a decisão antecipatória
inércia parcial do réu. Isso se dará quando, con-
ou não. Não se pode negar ao réu o direito a uma
cedida a decisão antecipatória com mais de um
prestação jurisdicional de mérito definitiva, com
capítulo, o réu só impugnar em sede de recurso,
aptidão para a coisa julgada.
contestação ou outra via de questionamento, um
dos capítulos decisórios, caso em que só os outros,
Quando o réu inerte é a
Fazenda Pública, a discussão
pode ser acirrada.
não impugnados, serão alcançados pela estabilização (TALAMINI, op. cit., p. 31).
Outra situação a ser considerada: se o autor não
aditar a petição inicial (art. 303, § 1º, inciso I), o § 2º
do mesmo art. 303 determina a extinção do processo
sem exame do mérito. Pode acontecer de a medida
Em suma, a eventual apresentação da defesa
ser concedida, o autor não aditar e o réu não impug-
no prazo do recurso é um dado relevante, porque
nar. O que acontecerá? Extingue-se o processo, sem
afasta a inércia e, com isso, a estabilização; mas a
estabilização, por força do § 2º do art. 303? Extin-
inércia que enseja a estabilização não depende da
gue-se o processo, com a estabilização da tutela
ocorrência de revelia.
satisfativa antecedente, por força do art. 304?
Observe-se que a estabilização da decisão an-
Deve prevalecer a estabilização da tutela ante-
tecipatória não será possível se o réu inerte foi ci-
cipada – e isso em razão da abertura conferida às
tado/intimado por edital ou por hora certa, se
partes para rever, invalidar ou reformar por meio
estiver preso ou for incapaz sem representante ou
da ação prevista no § 2º do art. 304 do CPC.
em conflito com ele. Nestes casos, será necessária
Feitas essas considerações, pode-se dizer, sin-
a designação de curador especial que terá o dever
teticamente, que os arts. 303 e 304, CPC, estabe-
funcional de promover sua defesa (ainda que ge-
lecem como pressupostos para a estabilização:
nérica), impugnando a tutela de urgência então
concedida (TALAMINI, op. cit., p. 25).
Livro_126.indb 98
op. cit., p. 29).
i) o requerimento do autor, no bojo da petição
inicial, no sentido de valer-se do benefício da tu-
Não há que se falar em estabilização, também,
tela antecipada antecedente (art. 303, § 5º, CPC),
quando, a despeito da inércia do réu, a demanda
que faz presumir o interesse na sua estabilização;
for devidamente respondida e a tutela antecipada
ii) a ausência de requerimento, também no
concedida antecedentemente for questionada por
bojo da petição inicial, no sentido de dar pros-
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iii) a prolação de decisão concessiva da tutela
satisfativa antecedente;
quando ela é concedida em caráter antecedente
e não é impugnada pelo réu, litisconsorte ou assistente simples (por recurso ou outra via de resis-
iv) e a ausência de impugnação do réu, litiscon-
tência cabível). Neste caso, o processo é extinto
sorte passivo ou assistente simples, que: a) tenha sido
e a decisão antecipatória continuará produzindo
citado por via não ficta (real); b) não esteja preso; ou
efeitos, enquanto não for ajuizada ação autônoma
c) sendo incapaz, esteja devidamente representado.
para revisá-la, reformá-la ou invalidá-la.
Mas nada impede que, mesmo na ausência
Representa, assim, uma generalização da téc-
destes pressupostos, as partes selem entre si negó-
nica monitória para situações de urgência e para
cio jurídico, antes ou durante o processo, avençan-
a tutela satisfativa, na medida em que viabiliza a
do a estabilização de tutela antecipada anteceden-
obtenção de resultados práticos, céleres e efetivos
te em outros termos, desde que dentro dos limites
para o autor, quando, configurada a probabilidade
da cláusula geral de negociação do art. 190, CPC.
do seu direito (mediante cognição sumária), é ob-
É a conclusão firmada no Enunciado nº 32 do Fó-
tida uma medida de tutela imediata, em face da
rum Permanente de Processualistas Civis:
qual o réu permanece inerte.
“Além da hipótese prevista no art. 304, é possível
No regime do CPC/1973, havia emprego da
a estabilização expressamente negociada da tutela
técnica monitória em sede de procedimento espe-
antecipada de urgência satisfativa antecedente”.
cial voltado para a tutela de direitos a uma presta-
Por exemplo, as partes podem inserir em sede
ção (de pagar quantia e de entrega de coisa fungí-
de contrato social cláusula no sentido de que
vel ou coisa certa móvel) documentados em prova
eventuais medidas antecipatórias antecedentes
escrita despida de força executiva (art. 1.102-A e ss.,
em causas oriundas dos termos daquele contrato,
CPC/1973) – isto é, direitos prestacionais evidentes.
se concedidas, poderão: i) estabilizar-se indepen-
Devidamente instruída a inicial nestes ter-
dentemente de requerimento expresso do autor na
mos, o juiz, mediante cognição ainda sumária,
petição inicial nesse sentido; ii) admitindo-se que,
poderia expedir mandado determinando que o
diante da revelia e inércia total do réu, o autor te-
réu cumprisse a obrigação em 15 dias ou se de-
nha preservado o direito de pedir o prosseguimen-
fendesse por embargos monitórios. Oferecidos
to do processo para obtenção de uma decisão com
os embargos, prosseguir-se-ia com procedimen-
cognição exauriente e com força de coisa julgada.
to ordinário destinado à formação de cognição
E s t a b i l i z a ç ã o d a t u t e l a p ro vis ó ria s atis fativa e h on orários advocatícios
sucumbenciais.
concessiva de tutela antecipada;
A estabilização da tutela antecipada ocorre
99
Revi s t a d o A d v o g a d o
seguimento ao processo após eventual decisão
exauriente. Não oferecidos os embargos no pra-
2 A estabilização como técnica de
monitorização do procedimento
comum. O microssistema de tutela
de direitos pela técnica monitória. O
problema dos honorários advocatícios
zo (ou sendo eles rejeitados), a decisão que inicialmente ordenara a expedição de mandado de
cumprimento da obrigação se revestiria de força
executiva, assumindo a condição de título executivo judicial.8 Ou seja, inerte o réu diante da
evidência do direito do autor aferida por cogni-
A estabilização da decisão concessiva de tutela
ção sumária, é dado ao autor um título executivo
antecipada é uma técnica de monitorização do
que autoriza a imediata e rápida efetivação do
processo civil brasileiro.
seu direito.
Os arts. 700-702 e ss. do CPC mantêm esse
8.Cf. TALAMINI, 2001, p. 92 e ss.
Livro_126.indb 99
procedimento especial, com alguns ajustes. A ação
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monitória é estendida, por exemplo, aos direitos a
inclusive, pensar em um microssistema de técnica
uma prestação de fazer e não fazer.
monitória, formado pelas regras da ação monitória
E s t a b i l i z a ç ã o d a t u t e l a p ro vis ó ria s atis fativa e h on orários advocatícios
sucumbenciais.
Sucede que, ao mesmo tempo em que man-
Re v is t a d o A d v o g a d o
100
tém e amplia a ação monitória, o legislador vai
complementam reciprocamente.
além e generaliza a técnica monitória, introduzin-
Alguns exemplos demonstram que a técnica
do-a no procedimento comum para todos os direi-
da estabilização da tutela antecipada pode ser útil.
tos prováveis e em perigo que tenham sido objeto
Imagine um caso em que um estudante, que
de tutela satisfativa provisória antecedente.
ainda não havia concluído o Ensino Médio, foi
Isso se dá mediante a previsão de estabilização
aprovado no vestibular para um curso superior. A
da decisão concessiva de tutela satisfativa (ante-
instituição de ensino, seguindo determinação do
cipada) em caráter antecedente. Monitoriza-se a
Ministério da Educação, não realizou a matrícu-
tutela de urgência no rito comum ao garantir-se
la. O estudante foi a juízo e obteve uma tutela
a realização prática e célere do direito do autor,
satisfativa liminar, ordenando a matrícula. Para
quando é provável e antecipadamente tutelado
a instituição de ensino, não havia qualquer inte-
sem que tenha havido qualquer resistência do réu.
resse em contestar a medida – ela somente não
Qual é a vantagem para o réu? Diminuição do
matriculara o aluno porque o Ministério da Edu-
custo do processo: por não opor resistência, não pa-
cação proibia.
gará as custas processuais (aplicação analógica do
Outro exemplo. Imagine, agora, o caso de um
disposto no § 1º do art. 701 do CPC) e pagará ape-
consumidor, que vai a juízo pleiteando a retirada
nas 5% de honorários advocatícios de sucumbência
de seu nome de um cadastro de proteção de crédi-
(art. 701, caput, CPC, também aplicado por analo-
to. Apenas isso. Obteve a liminar. É muito prová-
gia). O modelo da ação monitória (arts. 700-702,
vel que o réu não queira mais discutir o assunto e
CPC) deve ser considerado o geral – é possível,
deixe a decisão estabilizar-se.
Bibliografia
GRECO, Leonardo. A Tutela de Urgência e a Tutela de Evi-
Código de Processo Civil: a estabilização da medida
dência no Código de Processo Civil de 2014/2015. Revista
urgente e a “monitorização” do processo brasileiro. Revista
Eletrônica de Direito Processual. Rio de Janeiro: s/ed., n. 14,
de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 209,
p. 304, 2014. Disponível em: <http:www.redp.com.br>.
Acesso em: 2 jan. 2015.
TALAMINI, Eduardo. Tutela de urgência no Projeto de novo
Livro_126.indb 100
e pelos arts. 304-305 do CPC, cujos dispositivos se
2012.
_____. Tutela Monitória. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001.
23/04/2015 16:28:51
P
artes e terceiros no Novo Código de
Processo Civil.
Sumário
1.Considerações introdutórias
2.Litisconsórcio
3.Intervenções de terceiros
4.Conclusão
1 Considerações introdutórias
Foi com grande honra que aceitei o convite a
São Paulo para dedicar breves reflexões sobre as
modificações que serão trazidas pelo Novo Código
de Processo Civil (NCPC), finalmente aprovado
por meio da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.
Inicio minhas considerações destacando a
preocupação com a alardeada capacidade do NCPC
101
Revi s t a d o A d v o g a d o
mim dirigido pela Associação dos Advogados de
de garantir a celeridade dos processos judiciais. A
morosidade na tramitação dos feitos é um proGláucia Mara Coelho Mestre e doutora em Direito Processual Civil pela
blema crônico e alvo de inúmeras modificações
legislativas ao longo dos anos. Todavia, sem que
Universidade de São Paulo. Especialista lato sensu
essas alterações sejam acompanhadas de mudan-
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
ças estruturais, já tivemos a dura experiência da
e pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo.
frustração trazida pela promessa que não se cumpre. Como é próprio da legislação, sua simples alteração não é capaz de construir um mundo novo.
Discordo, com todo o acatamento aos posicionamentos contrários, que o NCPC não traga avanços para a atual sociedade brasileira, que, diferentemente dos idos da década de 1970, coloca-se em
uma realidade urbana de massificação e tecnologia.
Livro_126.indb 101
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Os desafios trazidos pelas grandes megalópoles,
o avanço do consumo e as inovações velozes que
Com efeito, são conhecidas as críticas dirigidas
à redação dos atuais arts. 46 e 47 do CPC/1973.
advêm das ferramentas tecnológicas não passaram
Versa o art. 46 do CPC/1973 sobre as três hipó-
despercebidos das discussões para redação dos
teses de configuração do litisconsórcio no Direito
novos dispositivos legais.
brasileiro: i) comunhão de direitos ou obrigações
P a r t e s e t e r c e i r o s n o N o vo Có d ig o d e P ro cesso Civil.
(inciso I); ii) conexão estabelecida pelo objeto ou
Rev i st a d o A d v o g a d o
102
No campo da disciplina das partes
e dos terceiros remanesceram
questões que há muito deveriam
ter sido superadas.
pela causa de pedir (incisos II e III); e, finalmente,
iii) afinidade de questões (inciso IV). Logo se nota
a imprecisão do legislador de 1973, por tratar de três
hipóteses em quatro incisos. A conexão entre causas (inciso III) ocorre justamente porque os direitos
ou as obrigações derivam do mesmo fundamento
de fato ou de direito (inciso II). Disse-se duas vezes
Todavia, um exame crítico das alterações propostas não toleraria fechar os olhos para questões
a mesma coisa, o que, ao menos em termos de técnica legislativa, não se mostra apropriado.
igualmente relevantes, que, por razão técnica ou
Do mesmo modo, a redação dada ao art. 47
política, não foram disciplinadas no NCPC. Nes-
do CPC/1973 sempre foi alvo de inúmeras críti-
se sentido, impossível se afirmar que a novel legis-
cas. Trata o referido dispositivo do conceito legal
lação processual poderá assegurar celeridade aos
do litisconsórcio necessário, mas, para tanto, cla-
feitos ou que alterará substancialmente o cenário
ramente, mistura os conceitos de litisconsórcio
processual vigente, não tendo sido dado tratamen-
necessário e litisconsórcio unitário. Ao definir o
to, por exemplo, à matéria dos litígios envolvendo
litisconsórcio necessário como a hipótese em que,
a Fazenda Pública e às demandas decorrentes dos
“por disposição de lei ou pela natureza da relação
direitos individuais homogêneos.
jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uni-
Essa mesma análise, que aponta para pontos
forme para todas as partes”, o art. 47 parece querer
de avanço e para outros de nítida timidez, pode
afirmar que todo litisconsórcio necessário também
ser aplicada para o tema proposto para o presen-
é unitário, o que não se coaduna com a natureza
te artigo. Também no campo da disciplina das
jurídica desses institutos. Daí por que a doutrina
partes e dos terceiros existem alguns ganhos, mas
já sugeria a leitura do art. 47 em duas partes. Na
remanesceram, infelizmente, questões que há
primeira parte, ter-se-ia o conceito do litisconsórcio
muito deveriam ter sido superadas, a bem da tal
necessário, aquele em que, por disposição de lei ou
desejada celeridade processual. São esses pontos
pela natureza da relação jurídica, a eficácia da sen-
de atenção, positivos e negativos, o objeto desta
tença depende da citação de todos que devam ser
análise.
litisconsortes. Já na segunda metade do dispositivo,
revelar-se-ia o conceito do litisconsórcio unitário,
2 Litisconsórcio
que ocorre quando, pela natureza jurídica da relação, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme
Tema árduo e de enorme dificuldade de com-
Livro_126.indb 102
para todos os litisconsortes.
preensão, o litisconsórcio sempre suscitou aponta-
O mesmo dispositivo traz ainda outra impre-
mentos e dúvidas entre os doutrinadores, muitas
cisão, ao mencionar que o juiz tem que decidir
vezes em razão da redação dada pelo CPC/1973
a lide de modo uniforme “para todas as partes”.
aos dispositivos que disciplinam a matéria.
Evidente o equívoco aqui, apontado pela doutri-
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mesma decisão para todas as partes, ele termina-
sofreu expressiva modificação, conferindo trata-
ria empatado...
mento que merecia crítica pela sua pouca clareza.
Em vista dessas imprecisões e incoerências, o
Deixando de lado a desejada separação entre os
legislador reformista propôs algumas alterações.
conceitos, os arts. 114 e 115 do PL nº 8.046/2010,
Assim, no NCPC, o novo art. 113 corrigiu o equí-
com seus parágrafos únicos,4 pareciam transpare-
voco do art. 46 do CPC/1973, eliminando o atual
cer que o litisconsórcio unitário seria gênero, do
inciso II do art. 46 e mantendo tão somente a hi-
qual o litisconsórcio necessário e o facultativo se-
pótese de haver conexão entre as causas (ao lado
riam espécies, o que confrontava com o atual en-
das duas outras hipóteses: comunhão e afinidade).
tendimento da doutrina majoritária sobre o tema.
Quanto ao atual art. 47 do CPC/1973, hou-
Por esse motivo, esses dispositivos também
ve uma mudança importante entre o texto ori-
foram objeto de modificação pela Comissão Es-
ginal que foi elaborado no Senado Federal (PL
pecial Revisora do Senado Federal, a qual propôs
nº 166/2010) e o texto modificado no Projeto
rejeitar a redação dada pelo Projeto Substitutivo
Substitutivo da Câmara dos Deputados (PL nº
da Câmara dos Deputados, mantendo-se, assim,
8.046/2010).
acertadamente, a proposta original do Senado
1
O PL nº 166/2010 atendia aos reclamos da
Federal. Felizmente essa proposta foi acatada na
doutrina e trazia em dois dispositivos legais a
versão final do NCPC, que incorporou a redação
definição dos litisconsórcios necessário (art. 113
mais correta para regulação dos institutos, nos
do PL nº 166/2010 ) e unitário (art. 115 do PL
arts. 1145 e 116 6 da Lei nº 13.105, de 16 de março
nº 166/20103), de maneira ordenada e separada.
de 2015.
2
Ademais, o NCPC furta-se a dar tratamento
1. Art. 113 do NCPC: “Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: I - entre
elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à
lide; II - entre as causas houver conexão pelo pedido ou pela causa de
pedir; III - ocorrer afinidade de questões por ponto comum de fato
ou de direito”.
2.Art. 113 do PL nº 166/2010: “Será necessário o litisconsórcio
quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica
controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos
que devam ser litisconsortes”.
3.Art. 115 do PL nº 166/2010: “Será unitário o litisconsórcio quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de
modo uniforme para todas as partes litisconsorciadas”.
4.Art. 114 do PL nº 8.046/2010: “Será unitário o litisconsórcio
quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o
mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes. Parágrafo único - O litisconsórcio unitário pode ser necessário ou facultativo”.
Art. 115 do PL nº 8.046/2010: “O litisconsórcio unitário passivo será
necessário, ressalvada disposição legal em sentido diverso. Parágrafo
único - O litisconsórcio será necessário, ainda, quando a lei assim
dispuser expressamente”.
5.Art. 114 do NCPC: “O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam
ser litisconsortes”.
6.Art. 116 do NCPC: “O litisconsórcio será unitário quando, pela
natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo
uniforme para todos os litisconsortes”.
Livro_126.indb 103
para hipóteses polêmicas, como o cabimento ou
não do litisconsórcio necessário ativo e do litisconsórcio facultativo unitário, deixando ainda em
aberto as difíceis discussões sobre o tema.
3 Intervenções de terceiros
P a r t e s e t e r c e i r o s n o N o vo Có d ig o d e P ro cesso Civil.
Entretanto, na Câmara dos Deputados, o tema
103
Revi s t a d o A d v o g a d o
na, já que, se o processo se encerrasse com uma
No que toca às intervenções de terceiros, o
NCPC incorpora tímidas modificações e inclui
alterações topográficas dos institutos. Perdeu-se,
portanto, preciosa oportunidade de se modificar
o sistema brasileiro das intervenções de terceiros,
para dar a ele contornos de modernidade que pudessem abandonar de vez as velhas tradições.
Nosso sistema atual é marcado por uma estrita tipicidade, baseada em modalidades de intervenção de terceiros muito escassas, estruturadas
sob fórmulas antigas em que os conflitos estavam
intrinsecamente ligados a questões de posse e
propriedade. Embora o objetivo das intervenções
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P a r t e s e t e r c e i r o s n o N o vo Có d ig o d e P ro cesso Civil.
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104
de terceiros seja permitir a máxima utilização de
CPC/1973), o instituto passou a ser disciplinado
um processo judicial para a superação de todos
dentro do capítulo das intervenções de terceiros,
os conflitos que possam dele advir (portanto, em
o que parece adequado apenas para a figura do
consonância com a necessidade atual de se reti-
assistente simples, dada a natureza jurídica de li-
rar a máxima utilidade do processo judicial e das
tisconsorte que sustento para o assistente litiscon-
questões nele debatidas, provadas e decididas), são
sorcial.7 A par da singela modificação trazida pe-
muito poucas as possibilidades legais para essas in-
los arts. 121 e 122 do NCPC,8 que expressamente
tervenções. A mera leitura dos dispositivos legais
mencionam sua aplicação ao assistente simples (o
atuais atinentes à nomeação à autoria, denuncia-
que já era reconhecido pela doutrina), talvez as
ção da lide, chamamento ao processo e oposição
principais modificações tenham sido trazidas no
(sem falar ainda da assistência) demonstra a rigi-
parágrafo único do art. 121 do NCPC. Tal dispo-
dez de situações estabelecida pelo legislador brasi-
sitivo deixa de lado a figura do gestor de negócios
leiro para o cabimento das intervenções.
do atual parágrafo único do art. 52 do CPC/1973
para adotar a figura do substituto processual para
Perdeu-se preciosa oportunidade
de se modificar o sistema brasileiro
das intervenções de terceiros.
qualificar a atuação do assistente no caso de revelia ou omissão do assistido, do mesmo modo que
adiciona, ao lado da revelia, a situação de qualquer outra omissão. Principalmente com a última
modificação, será superado o debate jurisprudencial em torno da manutenção do recurso inter-
Essa sistemática, contudo, não está em linha
posto pelo assistente, caso o assistido não tenha
com os demais sistemas processuais existentes
recorrido. Mais uma vez, entretanto, controvérsias
(como o português e o italiano), os quais, em vez
importantes não são definidas pelo NCPC, como,
de estabelecerem rígidas fórmulas, estipulam hipó-
por exemplo, se a chamada justiça da decisão,
teses abertas em que a intervenção é permitida de
trazida pelo atual art. 55 do CPC/1973 e repetida
modo principal ou acessório, de forma espontânea
pelo art. 123 do NCPC, abrange, por exemplo, a
ou provocada (inclusive pelo juiz), assumindo o
motivação da sentença.
terceiro, em determinadas hipóteses, a condição
Novidade interessante e que merece ser elo-
de efetivo litisconsorte do autor ou do réu. Não
giada diz respeito à eliminação da figura típica
existem nesses sistemas situações predefinidas para
permitir a intervenção (o que ocorre no Brasil, levando a discussões intermináveis sobre o cabimento ou não da intervenção nas hipóteses concretas).
É verdade que algumas alterações importantes
foram incorporadas e serão brevemente versadas a
seguir. Mas infelizmente não se admitiu um avanço efetivo que permitisse compreender o importantíssimo fenômeno da pluralidade de partes no
processo de uma maneira mais ampla e eficiente.
Quanto à assistência, o NCPC muda a topografia da disciplina legal do instituto. Hoje tratado ao lado do litisconsórcio (nos arts. 50 a 55 do
Livro_126.indb 104
7. Conforme tese de doutoramento defendida perante a Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo, em maio de 2013, intitulada: “Sistematização da assistência litisconsorcial no processo civil
brasileiro: conceituação e qualificação jurídica”. Disponível em:
<http://dedalus.usp.br/F/85PUHGB1KNPKCVT1KS79IA5Y81X
KTU5XI6E8QAGCTEVQ685UJT-04623?func=full-set-set&set_
number=007851&set_entry=000001&format=999>.
8.Art. 121 do NCPC: “O assistente simples atuará como auxiliar
da parte principal, exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos
mesmos ônus processuais que o assistido. Parágrafo único - Sendo
revel ou, de qualquer outro modo, omisso o assistido, o assistente
será considerado seu substituto processual”.
Art. 122 do NCPC: “A assistência simples não obsta a que a parte
principal reconheça a procedência do pedido, desista da ação, renuncie ao direito sobre o que se funda a ação ou transija sobre direitos controvertidos”.
23/04/2015 16:28:51
tese mais ampla trazida pelos arts. 338 e 339 do
do mérito. Embora ainda remanesçam questões
NCPC. Exatamente como ocorre em outros
polêmicas, advindas inclusive do ineditismo da
países (e que teria sido melhor caminho para o
figura em nosso sistema (como, por exemplo, em
tratamento de todas as figuras de intervenção),
que momento será feito o controle judicial dessa
adota-se nesse dispositivo um verdadeiro inciden-
alteração; se o novo réu poderá se valer novamen-
te de substituição da parte, permitindo-se que,
te do mesmo procedimento; se a responsabilidade
em caso de flagrante ilegitimidade passiva alega-
do réu pela indicação do sujeito passivo legítimo é
da pelo réu, possa o autor aceitar a substituição da
subjetiva; dentre outras), sua adoção é um avanço
parte ilegítima pela legítima ou mesmo a inclusão
quanto ao tema das intervenções de terceiros.
9
de ambos (réu originário e terceiro indicado), evi-
Esse mesmo avanço, contudo, não se verifica no
tratamento legal dado ao chamamento ao processo.
9.Art. 338 do NCPC: “Alegando o réu, na contestação, ser parte
ilegítima ou não ser o responsável pelo prejuízo invocado, o juiz
facultará ao autor, em 15 (quinze) dias, a alteração da petição inicial
para substituição do réu. Parágrafo único - Realizada a substituição,
o autor reembolsará as despesas e pagará honorários ao procurador
do réu excluído, que serão fixados entre três e cinco por cento do
valor da causa ou, sendo este irrisório, nos termos do art. 85, § 8º”.
Art. 339 do NCPC: “Quando alegar sua ilegitimidade, incumbe ao
réu indicar o sujeito passivo da relação jurídica discutida sempre que
tiver conhecimento, sob pena de arcar com as despesas processuais
e de indenizar o autor pelos prejuízos decorrentes da falta da indicação. § 1º - O autor, ao aceitar a indicação, procederá, no prazo de
15 (quinze) dias, à alteração da petição inicial para a substituição do
réu, observando-se, ainda, o parágrafo único do art. 338. § 2º - No
prazo de 15 (quinze) dias, o autor pode optar por alterar a petição
inicial para incluir, como litisconsorte passivo, o sujeito indicado
pelo réu”.
10. Art. 319 do PL nº 166/2010: “É admissível o chamamento ao
processo, requerido pelo réu: [...] IV - daqueles que, por lei ou contrato, são também corresponsáveis perante o autor”.
11. Art. 125 do NCPC, § 1º: “O direito regressivo será exercido por
ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar
de ser promovida ou não for permitida”.
Na versão aprovada em 4/12/2014 pela Comissão Especial Revisora
do Senado Federal, o tema é disciplinado no parágrafo único do art.
125.
12. Art. 128 do NCPC, parágrafo único: “Procedente o pedido da
ação principal, pode o autor, se for o caso, requerer o cumprimento
da sentença também contra o denunciado, nos limites da condenação deste na ação regressiva”.
Na versão aprovada em 4/12/2014 pela Comissão Especial Revisora
do Senado Federal, o tema é disciplinado no parágrafo único do art.
128, com um pequeno ajuste redacional.
13. Art. 314 do PL nº 166/2010: “É admissível a denunciação em
garantia, promovida por qualquer das partes: I - do alienante imediato,
ou a qualquer dos anteriores na cadeia dominial, na ação relativa à
coisa cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa
exercer o direito que da evicção lhe resulta; [...]”.
14. Art. 125 do PL nº 8.046/2010: “É admissível a denunciação da
lide, promovida por qualquer das partes: I - ao alienante imediato, no
processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam;
[...]”. Essa é a mesma redação do inciso I do art. 125 do NCPC.
Livro_126.indb 105
Na redação dada pelo Senado Federal, admitia-se,
no inciso IV do art. 319 do PL nº 166/2010,10
hipótese aberta para a participação de terceiros
que, por lei ou contrato, também fossem corresponsáveis perante o autor, permitindo, com isso,
o chamamento ao processo mesmo nos casos de
dívida comum e ampliando a aplicabilidade do
instituto. Infelizmente, tal inovação foi eliminada
no NCPC, provocando um claro retrocesso.
Quanto à denunciação da lide, o NCPC assegura a manutenção do direito de regresso ainda
que não haja a denunciação da lide (art. 125, § 1º,
do NCPC11) e pacifica a possibilidade de se dirigir
o pedido de cumprimento da sentença diretamente contra o denunciado, em caso de procedência
do pedido da ação principal (art. 128, parágrafo
P a r t e s e t e r c e i r o s n o N o vo Có d ig o d e P ro cesso Civil.
tando-se a extinção do processo sem julgamento
105
Revi s t a d o A d v o g a d o
da nomeação à autoria para contemplar hipó-
único, do NCPC12). O tratamento conferido ao
instituto também sofreu importante modificação
entre o Senado Federal e a Câmara dos Deputados. No PL nº 166/2010, o inciso I do art. 31413
admitia a denunciação do alienante imediato e
também de qualquer dos anteriores na cadeia dominial. Já o PL nº 8.046/2010 excluiu tal possibilidade no inciso I do art. 125,14 eliminando, assim,
a possibilidade da denunciação per saltum. Essa
última redação foi a que prevaleceu no NCPC, no
mesmo inciso I do art. 125.
Finalmente, merecem menção o deslocamento topográfico da oposição, que passa a ser
tratada no capítulo dedicado aos procedimentos
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P a r t e s e t e r c e i r o s n o N o vo Có d ig o d e P ro cesso Civil.
especiais, logo após os embargos de terceiro, pelos
arts. 682 a 686 do NCPC; a inclusão do incidente
de desconsideração da personalidade jurídica
no âmbito das figuras de intervenção de terceiros
(embora o instituto seja mais próximo das questões de responsabilidade patrimonial), tratado nos
arts. 133 a 137 do NCPC; e, finalmente, a correta
adoção de disciplina legal específica destinada à
tamento legal conferido pelo NCPC às figuras do
figura do amicus curiae, no art. 138 do NCPC.
no Brasil.
4 Conclusão
Espera-se que essas breves notas acerca do tralitisconsórcio e das intervenções de terceiro possam contribuir para o debate sobre esses temas,
sempre tão áridos e polêmicos entre os estudiosos
Re v is t a d o A d v o g a d o
106
Livro_126.indb 106
23/04/2015 16:28:51
T
écnicas de uniformização da
jurisprudência e o incidente de resolução
de demandas repetitivas.
Foi publicado, no último dia 17 de março, o
Novo Código de Processo Civil (NCPC), após
a aprovação, pelo Senado Federal, do Projeto de
Lei nº 166, de 2010, ocorrida em 17 de dezembro
de 2014. Com pouquíssimos vetos por parte da
Presidência da República – mais precisamente,
a estrutura no novo diploma processual –, teve início, então, o prazo de vacatio legis de um ano, tal
como estabelecido em seu art. 1.045.
Dentre as inúmeras modificações trazidas pelo
NCPC, uma delas ganha notável destaque e tem
chamado a atenção dos operadores do Direito, por
107
Revi s t a d o A d v o g a d o
sete, em pontos que não eram fundamentais para
significar a mais efetiva e importante mudança
para o processo civil brasileiro. Trata-se da criação
do incidente de resolução de demandas repetitivas
Guilherme J. Braz de Oliveira (IRDR), regulamentado pelos arts. 976 a 987.
Mestre e doutor em Direito Processual Civil
Embora, de maneira geral, o NCPC não te-
pela Universidade de São Paulo. Advogado em
nha instituído uma transformação radical, ou uma
São Paulo.
verdadeira “ruptura com o passado”, limitando-se,
em muitos casos, a repisar institutos e conceitos já
consolidados, em sede doutrinária e jurisprudencial (cfr. ARRUDA ALVIM NETTO, 2011, v. 191,
p. 299; e THEODORO JUNIOR, 2010, v. 395,
p. 12), o IRDR representa, como reconhecem os
autores, a maior novidade ou a grande alteração a
ser implementada pelo NCPC.
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Nesse sentido, por exemplo, destacou Fredie
T é c n i c a s d e u n i f o r m i z a ç ão d a ju ris p ru d ên cia e o in ciden te de resolu ção de
demandas repetitivas.
Didier Junior, durante os debates travados no
Rev i st a d o A d v o g a d o
108
Livro_126.indb 108
redação que lhes foi atribuída pela Lei nº 11.418,
de 2006.
Congresso Nacional, que o Projeto do NCPC
Já no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Lei
parece ter sido construído a fim de tornar viável
nº 11.672, de 2006, criou os chamados recursos
esse incidente de coletivização de demandas. Do
especiais repetitivos, por meio da introdução do
mesmo modo, Arthur Mendes Lobo (2010, v. 185,
art. 543-C ao CPC. Nesse caso, destaque-se, a
p. 244) enfatiza que o IRDR “será um dos pon-
mudança decorreu da edição de simples lei ordi-
tos nodais do novo diploma processual”. E, ainda,
nária, tendo em vista que não se instituiu, propria-
Cassio Scarpinella Bueno (2014, p. 467, grifo nos-
mente, um novo pressuposto de admissibilidade
so), ao afirmar que ele representa “a mais profun-
do recurso especial (OLIVEIRA, 2009, p. 332).
da modificação sugerida desde o início dos traba-
O que o legislador fez foi, pura e simplesmente,
lhos relativos a um NCPC”, de modo a “viabilizar
adotar uma nova sistemática para o julgamento
uma verdadeira concentração dos processos”.
de tais impugnações, quando a matéria ali vei-
Não se pode perder de vista, contudo, que
culada não estiver afeta, exclusivamente, a um
o IRDR se abeberou em figuras, ou melhor di-
determinado e específico processo, refletindo-
zendo, técnicas de julgamento preexistentes no
-se em uma série de outros recursos já julgados
CPC de 1973. A principal delas, e que pode ser
ou ainda pendentes de apreciação.
considerada a origem remota do novel instituto, é
Em todas essas hipóteses, nota-se uma clara
o, também, incidente de uniformização da juris-
preocupação do legislador em, de um lado, criar
prudência, previsto nos arts. 476 a 479. Como se
mecanismos processuais que, de modo efeti-
sabe, infelizmente, ele teve pouca utilização prá-
vo, possam dar vazão ao volume, muitas vezes
tica, na medida em que se sedimentou o entendi-
invencível, de processos que o Poder Judiciário
mento de que a uniformização da jurisprudência
brasileiro é obrigado – por força do princípio da
representaria uma mera faculdade do tribunal,
inafastabilidade da jurisdição, presente no art. 5º,
“não vinculando o juiz, sem embargo do prestígio
inciso XXXV, da CF – a enfrentar e julgar, diutur-
e estímulo que se deve dar a esse louvável e belo
namente, e que geram a tão propalada morosida-
instituto” (REsp nº 3.835-PR, Rel. Min. Sálvio de
de da Justiça.
Figueiredo Teixeira, DJ de 29/10/1990).
De outro lado, e ainda mais importante, está
Mais recentemente, pode-se destacar que o
a necessidade de, cada vez mais, se consolidar
IRDR guarda notável similitude com a sistemá-
e uniformizar a jurisprudência dos tribunais
tica de julgamento dos recursos excepcionais
pátrios, de modo a obter não apenas a desejada
de cunho repetitivo, dirigidos aos Tribunais
e necessária segurança jurídica, como também
Superiores.
garantir a isonomia entre os jurisdicionados.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal
Casos idênticos devem ser tratados e decididos
(STF), foi instituído, por meio da Emenda Cons-
de maneira similar, sob pena de violar, em última
titucional nº 45, de 2004, um novo requisito de
instância, o princípio da igualdade, um dos pila-
admissibilidade para os recursos extraordiná-
res do Estado Democrático de Direito, tal como
rios, tal como previsto no art. 102, § 3º, da Consti-
dispõem os arts. 1º, caput, e 5º, caput e inciso I,
tuição do Brasil (CF) (OLIVEIRA, 2009, p. 163).
da CF.
Com efeito, passou a ser necessário demonstrar a
Essa tendência, no sentido de criar e consoli-
repercussão geral da questão constitucional, nos
dar um sistema de precedentes, no Brasil, embora
termos dos arts. 543-A e 543-B do CPC, conforme
ainda estejamos atrelados – e assim deva continuar
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peditiva de recursos, permitindo que o juiz não
Desde o início das reformas do CPC, iniciadas
receba apelação “quando a sentença estiver em
em 1994 (cfr. TUCCI, 2002, p. 4 e ss., e DINA-
conformidade com Súmula do Superior Tribu-
MARCO, 1996, p. 6 e ss.), essa característica já se
nal de Justiça ou do Supremo Tribunal Fede-
mostrava presente. Com a edição da Lei nº 9.756,
ral” (art. 518, § 1º, do CPC, grifo nosso). Nota-se,
de 1998, quebrou-se a tradição dos julgamentos co-
contudo, alguma resistência em dar concretude à
legiados, em segunda instância, de modo a permi-
regra, sobretudo em função da garantia (implícita
tir que o relator possa decidir, monocraticamente,
na CF) ao duplo grau de jurisdição (LASPRO,
os recursos que lhe são distribuídos. Com efeito, o
1995, p. 36).
art. 557 do CPC possibilitou não apenas a negativa
Finalmente, a talvez mais enfática, mas não
de seguimento a recurso “manifestamente inad-
menos polêmica, inovação aportada ao CPC está
missível”, como também o provimento singular
na possibilidade de julgamento liminar de im-
nos casos em que a decisão impugnada estiver em
procedência do pedido. Essa sistemática pode ser
confronto com a “jurisprudência dominante” dos
aplicada aos casos cuja “matéria controvertida for
Tribunais Superiores, ainda que não consolidada
unicamente de direito e no juízo já houver sido
em verbete sumular (§ 1º-A).
proferida sentença de total improcedência em
outros casos idênticos” (grifo nosso). Daí é que
Com a edição da Lei nº 9.756,
de 1998, quebrou-se a tradição
dos julgamentos colegiados.
“poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente
prolatada”, como possibilita o art. 285-A do CPC
(grifo nosso).
O mecanismo, como pontua a doutrina, permite a resolução superantecipada da lide, viabili-
Livro_126.indb 109
Do mesmo modo, a Lei nº 10.352, de 2001, pas-
zando o julgamento imediato, de mérito (ARAÚJO,
sou a dispensar o reexame necessário quando, a teor
2011, p. 312). Em tais hipóteses, a sentença limi-
do art. 475, § 3º, do CPC, “a sentença estiver fun-
nar de rejeição da demanda poderá estar baseada
dada em jurisprudência do Plenário do Supremo
não em verdadeiros precedentes, como estamos
Tribunal Federal ou em Súmula deste Tribunal
acostumados a tratar (isto é, decisões que já te-
ou do tribunal superior competente” (grifo nosso).
nham sido reexaminadas em grau, ou graus su-
Esse mesmo diploma legal criou mecanismo
periores, e que representem, de maneira efetiva,
que, embora bastante importante, também não foi
o entendimento consolidado dos tribunais), mas
utilizado em sua plenitude, ao menos no âmbito
sim em decisões singulares do juízo de primeiro
dos tribunais de segundo grau, embora seja aplica-
grau.
do, com alguma frequência, no STJ, e também no
Ocorreu, como se pode notar, uma gradativa
STF (cfr. BENETI, 2009, v. 171, p. 9). Naqueles
evolução. Por óbvio, o NCPC não poderia estar
casos em que estiver presente “relevante questão
dissociado dessa realidade que, insista-se, vigora
de direito, que faça conveniente prevenir ou
há algum tempo no sistema processual pátrio.
compor divergência entre câmaras ou turmas
Lembre-se, ademais, que já nos idos de 1963, por
do tribunal, poderá o relator propor seja o re-
meio de reforma ao regimento interno do STF,
curso julgado pelo órgão colegiado que o regi-
acatando-se sugestão do ministro Victor Nunes
mento indicar” (grifo nosso).
Leal, o excelso pretório foi autorizado a editar e
T é c n i c a s d e u n i f o r m i z a ç ão d a ju ris p ru d ên cia e o in ciden te de resolu ção de
demandas repetitivas.
nova ou recente no país.
A Lei nº 11.276, de 2006, criou a súmula im-
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Revi s t a d o A d v o g a d o
a ser – à tradição do civil law, não é, porém, tão
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demandas repetitivas.
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Livro_126.indb 110
aplicar súmulas de jurisprudência dominante,
trata de questões processuais envolvendo execu-
de caráter meramente persuasivo.
ções fiscais, com quase 2 milhões de processos
O que tem se buscado, novamente, é uma ten-
sobrestados).
tativa de consolidar a jurisprudência, que agora,
Esse número relevante de demandas, para os
por meio da sanção do NCPC, chegará às instân-
padrões alemães, mas ínfimo em relação ao vo-
cias revisoras, dotadas de amplo poder de análise
lume de causas em tramitação no Brasil, gerou
do caso concreto, inclusive em suas nuances fáti-
o atraso indevido na resolução dessas lides e, por
cas (cfr. art. 1.013 do NCPC).
consequência, fez com que o legislador procurasse
Dessa forma, a sistemática de julgamento de
uma nova forma de tratar esses conflitos de massa
casos repetitivos, antes reservada, como visto, ex-
(NUNES; PATRUS, 2013, p. 478). Inicialmente,
clusivamente, aos Tribunais Superiores, poderá, de
ainda de modo experimental, e com prazo de
maneira bastante sofisticada, ser aplicada também
vigência determinado, embora atualmente já se
perante os Tribunais de Justiça e Regionais Fede-
discuta a sua ampliação, até mesmo para torná-lo
rais. Não é por outra razão que o art. 928 do NCPC
definitivo (CABRAL, 2007, v. 147, p. 132). Vale
prevê: “Para os fins deste Código, considera-se
referir, também, as experiências da Group Litigation
julgamento de casos repetitivos a decisão profe-
Order do Direito britânico, os julgamentos-piloto
rida em: I - incidente de resolução de demandas
da Corte Europeia de Direitos Humanos e, ainda,
repetitivas; II - recursos especial e extraordinário
o sistema de Agregação de Causas do Direito por-
repetitivos” (grifo nosso). E vale ressalvar, tal como
tuguês, que, de igual modo, serviram de fonte ins-
dispõe o parágrafo único desse mesmo dispositivo,
piradora para o legislador brasileiro (BARBOSA;
eles poderão ter “por objeto questão de direito ma-
CANTOARIO, 2011, p. 497).
terial ou processual” (grifo nosso).
Nos termos do art. 976 do NCPC, o cabimento
Antes de examinar alguns pontos fulcrais do
do IRDR está condicionado à presença de dois re-
novel instituto, é necessário ressaltar que o IRDR
quisitos concomitantes: a “efetiva repetição de
foi influenciado, também, como declarado no tex-
processos que contenham controvérsia sobre a
to da Exposição de Motivos, subscrita pelo pre-
mesma questão unicamente de direito” (inciso
sidente da Comissão de Juristas encarregada de
I, grifo nosso), de modo a gerar o “risco de ofensa
elaborar o Anteprojeto do NCPC, ministro Luiz
à isonomia e à segurança jurídica” (inciso II, gri-
Fux (2011, p. 5), pelo procedimento-modelo
fo nosso). Aboliu-se, portanto, a ideia inicial, pre-
(Musterverfahren) do Direito alemão.
sente no Anteprojeto do NCPC, que viabilizaria
O dado curioso que se nota é que essa sistemá-
a instauração do incidente de maneira potencial,
tica peculiar de resolução, ou por que não dizer,
ou seja, mesmo na ausência de controvérsia efetiva,
também, de gerenciamento de demandas repe-
mas quando houvesse a simples possibilidade de
titivas, nasceu em função do congestionamento
instauração de numerosas demandas envolvendo
gerado nos tribunais da Alemanha, decorrente da
a discussão daquela mesma questão.
propositura de pouco mais de 13 mil ações de in-
Também, a priori, restringiu-se o seu cabimen-
vestidores do mercado de capitais, que sofreram
to para as questões de cunho exclusivamente jurí-
prejuízos semelhantes ao adquirirem ações de
dico, excluindo-se as questões fáticas, embora,
uma determinada companhia. No Brasil, estima-se
segundo se entende, os fatos devam ser, necessa-
que a decisão de alguns casos repetitivos pode
riamente, considerados no julgamento, de modo
afetar milhares ou, até mesmo, milhões de pro-
a bem definir qual o objeto do incidente, ou, em
cessos (v. REsp Repetitivo nº 1.340.553-RS, que
termos práticos, o que o tribunal está, efetiva-
23/04/2015 16:28:52
desse precedente aos demais processos sobresta-
Tribunais Superiores.
dos, que guardem similitude, ou para as deman-
É justamente a presença de um relevante e supe-
das futuras, como será examinado logo a seguir
rior interesse público, no sentido de uniformizar
(OLIVEIRA, 2014, p. 257 e ss.).
e, ao mesmo tempo, consolidar a jurisprudência,
Demonstrando a efetiva similitude que guarda
que confere a possibilidade de instauração de ofício
com os recursos excepcionais repetitivos, o § 4º
do IRDR. Daí, também, a obrigatoriedade de in-
do art. 976 do NCPC destaca que o IRDR não
tervenção do Ministério Público, de modo que as
poderá ser admitido “quando um dos tribunais su-
Procuradorias de Justiça atuantes nos tribunais de
periores, no âmbito de sua respectiva competên-
segunda instância deverão, necessariamente, profe-
cia, já tiver afetado recurso para definição de tese
rir parecer em todos esses incidentes, antes de seu
sobre questão de direito material ou processual
julgamento, tal como determina o art. 976, § 2º, do
repetitiva”.
NCPC, o qual prevê, ainda, que o parquet deverá,
Além de outorgar uma ampla legitimidade
para pleitear a instauração do incidente, que po-
de modo obrigatório, assumir a titularidade do
IRDR, em caso de desistência ou abandono.
derá ser solicitado pelas partes, pelo Ministério
Público ou Defensoria Pública, por meio de petição dirigida ao presidente do respectivo tribunal
(cfr. art. 977, incisos II e III), o NCPC também
previu a possibilidade de que ele seja suscitado
ex officio, tanto pelo juiz de primeiro grau como
A desistência ou abandono do
processo não impedirão que ele
seja julgado.
também pelo relator, no tribunal, por meio de ofí-
Livro_126.indb 111
cio dirigido à Presidência da corte (inciso I). Em
Seguindo a orientação fixada pelo STJ (Q.O.
ambos os casos, é necessário instruir esses reque-
no REsp Repetitivo nº 1.063.343-RS, Rel. Min.
rimentos com os documentos que comprovem a
Nancy Andrighi, DJe de 4/6/2009), o § 1º do art.
presença, lembre-se, cumulativa, dos dois requi-
976 é expresso ao determinar que a desistência ou
sitos de admissibilidade do IRDR (cfr. art. 977,
abandono – note-se, do processo (e não do inci-
parágrafo único).
dente) – não impedirão que ele seja julgado, em
A admissão do incidente, porém, não é auto-
seu mérito, de modo a fixar a tese que, segundo se
mática. A teor do quanto dispõe o caput do art.
pretende, irá pacificar o entendimento a respeito
981, ele deverá ser objeto de livre distribuição,
da interpretação de determinado comando legal,
porém, atrelada ao órgão que o regimento interno
de cunho controvertido, de modo a, como ponde-
indicar como competente para o seu julgamento,
ra Eros Grau (2013, p. 38), fixar a norma jurídica
respeitada, nesse passo, a autonomia orgânico-
aplicável à espécie.
-administrativa dos tribunais (cfr. art. 96, inciso
Nesse sentido, vale destacar que a redação fi-
I, da CF). Esse mesmo órgão colegiado deverá
nal do NCPC foi enfática ao ressalvar, no art. 978,
proceder ao juízo de admissibilidade do IRDR.
parágrafo único:
Destarte, não poderá o presidente, ou mesmo o
“O órgão colegiado incumbido de julgar o in-
relator sorteado, decidir, de forma monocrática,
cidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmen-
acerca de seu cabimento, salvo em hipóteses ab-
te o recurso, a remessa necessária ou o processo
solutamente excepcionais, como, por exemplo,
de competência originária de onde se originou o
em caso de deficiência na instrução inicial do pe-
incidente”.
T é c n i c a s d e u n i f o r m i z a ç ão d a ju ris p ru d ên cia e o in ciden te de resolu ção de
demandas repetitivas.
dido ou se a matéria estiver previamente afeta aos
111
Revi s t a d o A d v o g a d o
mente, julgando, até para viabilizar a aplicação
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demandas repetitivas.
Re v is t a d o A d v o g a d o
112
O julgamento do IRDR ocorrerá, portanto,
Caso seja superado esse prazo, o parágrafo úni-
de forma objetiva, i.e., dissociada da demanda
co do mesmo art. 980 ressalva que a suspensão
ou recurso no qual se originou. Após a fixação
dos processos, decorrente da admissão do inci-
da tese é que a ação será efetivamente julgada,
dente, como visto anteriormente, cessará, “salvo
pela corte, para aplicação do precedente aos casos
decisão fundamentada do relator em sentido con-
concretos, de maneira específica. Está-se diante,
trário”. Segundo parece, essa decisão, de manter a
pois, de julgamento subjetivamente complexo,
suspensão de todas as demais demandas similares,
tal como já ocorria na sistemática da uniformi-
somente poderá ser adotada de modo justificado,
zação da jurisprudência (cfr. MARQUES, 1986,
quando, por razões que fogem ao controle do tri-
p. 211; TUCCI, 2007, p. 95; e DIDIER JÚNIOR;
bunal, o incidente não puder ser julgado dentro
CUNHA, 2009, p. 561).
daquele interregno. Por isso, o simples argumento
Como forma de conferir ampla publicidade,
da “pletora” de recursos não será mais suficiente.
não apenas ao julgamento do incidente, para
Até porque espera-se que a corte concentre seus
dar conhecimento a todos os jurisdicionados das
esforços, tal como vem ocorrendo nos Tribunais
questões que serão tratadas nesse âmbito, como
Superiores, na análise e julgamento do incidente,
também viabilizar que os interessados possam,
haja vista o potencial que ele terá de “livrar a pauta”.
de maneira efetiva, intervir nesse julgamento e
A “suspensão dos processos pendentes, indivi-
influenciar, eficazmente, a construção da tese
duais ou coletivos, que tramitam no Estado ou
jurídica (cfr. arts. 983, caput, e 984, inciso II, a e
na região” (grifo nosso) é a medida obrigatória e
b, do NCPC), o art. 979 determina, de maneira
a mais importante a ser decretada pelo relator, a
obrigatória, sob pena, segundo se entende, de nu-
partir da admissão do IRDR, como prevê o art.
lidade do julgamento, seja conferida ampla e es-
982, inciso I, do NCPC. Ela poderá, inclusive, ser
pecífica divulgação dos temas tratados por meio
ampliada, passando a valer, em todo o Brasil, por
dessa nova sistemática de julgamentos. Exige-se
meio de requerimento apresentado por qualquer
o registro eletrônico das “teses jurídicas” em dis-
dos legitimados, arrolados no art. 977, incisos II e
cussão no Conselho Nacional de Justiça (§ 1º),
III, ao Tribunal Superior competente. Deferido o
bem como junto aos tribunais, identificando-se
pedido, que tem por objetivo, como preceitua
“os fundamentos determinantes da decisão e os
o § 4º do art. 982, a “garantia da segurança jurí-
dispositivos normativos a ela relacionados”. Do
dica”, essa suspensão vigorará até o julgamento
mesmo modo, ampliando o dever de fundamenta-
de eventual recurso especial e/ou extraordinário
ção, o § 2º do art. 984 do NCPC prevê:
interposto contra o acórdão do IRDR (cfr. § 5º).
“O conteúdo do acórdão abrangerá a análise
É a suspensão das demandas que viabilizará,
de todos os fundamentos suscitados concernen-
após o julgamento do IRDR, a aplicação da tese
tes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou
jurídica fixada pelo tribunal “a todos os proces-
contrários” (grifo nosso).
sos individuais ou coletivos que versem sobre
Ao contrário do que ocorria, até então, com
idêntica questão de direito e que tramitem na
os recursos excepcionais repetitivos, o art. 980 do
área de jurisdição do respectivo tribunal” (gri-
NCPC determina que o IRDR deverá ser julgado
fo nosso), tal como prevê o art. 985, inciso I, do
no prazo máximo de um ano. Por isso, ele goza de
NCPC, outorgando efeitos expansivos a esse jul-
preferência em relação a todos os demais feitos,
gamento (OLIVEIRA, 2014, p. 239 e ss.).
exceto os processos criminais que envolvam réu
preso e os pedidos de habeas corpus.
Livro_126.indb 112
Embora a parte final de referido dispositivo
mencione, também, a aplicação do precedente
23/04/2015 16:28:52
essa previsão é inconstitucional, tendo em vista a
do as regras dos arts. 995 e 1.029, § 5º, do NCPC,
autonomia prevista no art. 98, inciso I, da CF. Afi-
ambos serão dotados de efeito suspensivo, além
nal, os Juizados Especiais não estão subordinados,
de se presumir a repercussão geral da questão
jurisdicionalmente, aos Tribunais de Justiça ou
constitucional nele debatida (cfr. art. 987, § 1º, do
Regionais Federais (OLIVEIRA, 2014, p. 152 e ss.).
NCPC).
Por óbvio, em se tratando de julgamento ema-
Nesse caso, então, em função dos efeitos que
nado do tribunal de segundo grau, a eficácia do
emanam dos julgamentos proferidos pelo STJ ou
acórdão proferido no incidente estará, necessaria-
STF, a tese jurídica fixada, na instância excepcio-
mente, limitada à área de jurisdição da corte,
nal, deverá ser “aplicada no território nacional
isto é, ao Estado ou à respectiva Região. Note-se,
a todos os processos individuais ou coletivos que
porém, que, para conferir maior abrangência a
versem sobre idêntica questão de direito” (art. 987,
essa tese, não apenas os processos pendentes, e
§ 2º, do NCPC, grifo nosso).
suspensos, ficarão sujeitos ao entendimento veicu-
Em suma, pode-se concluir afirmando que o
lado no precedente. O art. 985, inciso II, ressalva
NCPC implementará, por meio do IRDR, uma
que o julgamento do IRDR deverá ser aplicado
nova técnica de julgamento de casos repetiti-
aos “casos futuros, que versem idêntica questão
vos, voltada, especificamente, para as ditas ações
de direito e que venham a tramitar no território
de massa, que veiculem fundamentalmente a
de competência do tribunal” (grifo nosso), a não
discussão de direitos individuais homogêneos,
ser que, nesse ínterim, tenha ocorrido a revisão da
nos termos do art. 81, parágrafo único, inciso I,
tese, por meio de requerimento apresentado pe-
do Código de Defesa do Consumidor (TUCCI,
los mesmos legitimados a suscitar o incidente, ou,
2010, p. 182-183).
então, solicitada de ofício pelo tribunal, tal como
dispõe o art. 986 do NCPC.
Livro_126.indb 113
Trata-se, por certo, de uma solução audaciosa
e drástica, porém atualmente necessária. O legis-
Segundo especifica o art. 985, § 1º, caso a tese
lador dará, portanto, um importante passo adiante
do IRDR não seja observada, caberá reclamação,
no sentido de ampliar as técnicas de julgamento
por parte do interessado, assim como ocorre em
das demandas massificadas, como forma de con-
caso de descumprimento de súmula de caráter
solidar e uniformizar a jurisprudência, tão logo
vinculante, nos termos do art. 103-A, § 3º, da CF.
quanto possível e desde que o assunto já esteja
Contra o julgamento proferido no IRDR, o
maduro para julgamento, prevenindo, ainda no
qual, repise-se, irá apenas fixar a tese jurídica, sem
estágio inicial, uma nociva dispersão de julgados
julgar a demanda, admitir-se-ão a interposição de
que tratem, de maneira diversa, ações que, ao fim
recurso especial e/ou extraordinário, tal como dis-
e ao cabo, são semelhantes.
T é c n i c a s d e u n i f o r m i z a ç ão d a ju ris p ru d ên cia e o in ciden te de resolu ção de
demandas repetitivas.
põe o caput do art. 987 do NCPC. Excepcionan-
113
Revi s t a d o A d v o g a d o
no âmbito dos Juizados Especiais, entende-se que
23/04/2015 16:28:52
T é c n i c a s d e u n i f o r m i z a ç ão d a ju ris p ru d ên cia e o in ciden te de resolu ção de
demandas repetitivas.
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23/04/2015 16:28:52
P
rimeiras impressões sobre a
“estabilização da tutela antecipada”.
Sumário
1.Introdução
2.Quais são as condições para o cabimento da
técnica de estabilização da tutela provisória?
2.1.Primeira condição: que tenha havido deferimento de tutela provisória de urgência antecipada
(rectius, satisfativa), pedida em caráter antecedente
2.2.Segunda condição: que tenha havido pedido
2.3.Terceira condição: que a decisão tenha sido
proferida liminarmente, inaudita altera parte
2.4.Quarta condição: que o réu não tenha interposto recurso contra a decisão que deferiu a tutela
provisória
115
Revi s t a d o A d v o g a d o
expresso do autor
3.Em que consiste a projetada “estabilidade”?
3.1.Eficácia versus imunidade e estabilidade
3.2.Imunidade versus estabilidade
Heitor Vitor Mendonça Sica Professor doutor de Direito Processual Civil
4.Balanço crítico
Bibliografia
da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo. Advogado.
1 Introdução
Os arts. 294 ao 311 do Novo Código de Processo
Civil (CPC) denominam de “tutela provisória” a
ampla categoria que abrange as chamadas tutelas
de urgência (subdivididas entre cautelar e antecipada) e de evidência, ressistematizando e unificando, do ponto de vista procedimental, o que o CPC
Livro_126.indb 115
23/04/2015 16:28:52
P r i m e i r a s i m p r e s s õ e s s o b re a “ es tab ilização da tu tela an tecipada”.
Rev i st a d o A d v o g a d o
116
Livro_126.indb 116
de 1973 denominaria de tutela antecipada de ur-
A redação desse dispositivo é praticamente
gência (art. 273, inciso I), tutela cautelar (arts. 796
igual àquela aprovada pela Câmara dos Deputa-
ao 888) e tutela antecipada de evidência (art. 273,
dos em 26/3/2014, mas apresenta substanciais di-
inciso II e § 6º).
ferenças em relação ao texto final aprovado pelo
Em linhas gerais, esses instrumentos processuais
Senado em 15/12/2010,2 bem como, principal-
mantêm o postulado, bem vincado pelo CPC de
mente, ao que constava do Anteprojeto original-
1973, segundo o qual tutelas fundadas em cogni-
mente apresentado ao Senado pela Comissão de
ção sumária são, salvo casos excepcionais, precá-
Juristas nomeada por ato da Presidência daquela
rias (podem ser revistas à luz de novos elementos
Casa em 2009.3
fático-probatórios) e provisórias (dependem de
Trata-se de técnica inspirada em disposi-
uma ulterior confirmação por decisão fundada
tivos presentes nos ordenamentos processuais
em cognição exauriente para produzir efeitos de
estrangeiros – em especial do francês e do ita-
forma perene).
liano 4 – e que vem há tempos sendo debatida
Essa diretriz resta, contudo, parcialmente ate-
pela doutrina brasileira, bem como cogitada em
nuada pelo Novo CPC, ao prever, em seu art. 304,
outros anteprojetos ou projetos de lei que não
a chamada “estabilização da tutela antecipada”.
vingaram.5
1. Eis a redação do dispositivo: “Art. 304 - A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a
conceder não for interposto o respectivo recurso. § 1º - No caso previsto no caput, o processo será extinto. § 2º - Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar
a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput. § 3º - A tutela
antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada
ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o
§ 2º. § 4º - Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento
dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição
inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a tutela
antecipada foi concedida. § 5º - O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se
após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o
processo, nos termos do § 1º. § 6º - A decisão que concede a tutela
não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só
será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida
em ação ajuizada por uma das partes nos termos do § 2º deste artigo”.
2.Cumpre transcrever os dispositivos pertinentes daquela versão do
Projeto: “Art. 280 - O requerido será citado para, no prazo de cinco
dias, contestar o pedido e indicar as provas que pretende produzir.
§ 1º - Do mandado de citação constará a advertência de que, não impugnada decisão ou medida liminar eventualmente concedida, esta
continuará a produzir efeitos independentemente da formulação de
um pedido principal pelo autor. [...] Art. 281 - [...] § 2º - Concedida
a medida em caráter liminar e não havendo impugnação, após sua
efetivação integral, o juiz extinguirá o processo, conservando a sua
eficácia. Art. 282 - Impugnada a medida liminar, o pedido principal
deverá ser apresentado pelo requerente no prazo de trinta dias ou em
outro prazo que o juiz fixar. § 1º - O pedido principal será apresentado nos mesmos autos em que tiver sido veiculado o requerimento
da medida de urgência, não dependendo do pagamento de novas
custas processuais quanto ao objeto da medida requerida em caráter
antecedente. § 4º - Na hipótese prevista no § 3º, qualquer das partes
poderá propor ação com o intuito de discutir o direito que tenha sido Ô
Ô acautelado ou cujos efeitos tenham sido antecipados. Art. 283 -
1
[...] § 2º - Nas hipóteses previstas no art. 282, §§ 2º e 3º, as medidas
de urgência conservarão seus efeitos enquanto não revogadas por decisão de mérito proferida em ação ajuizada por qualquer das partes.
Art. 284 - [...] § 2º - A decisão que concede a tutela não fará coisa
julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada
por decisão que a revogar, proferida em ação ajuizada por uma das
partes”.
3.Eis aqui o texto do Anteprojeto nesse particular: “Art. 293 A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a
revogar, proferida em ação ajuizada por uma das partes. Parágrafo
único - Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos
autos em que foi concedida a medida para instruir a petição inicial
da ação referida no caput. [...]”.
4.Aparentemente se inspirou em alguns aspectos do regime geral
das ordonnances de référé (arts. 484 a 492) e em outros das ordonnances
sur requête (arts. 493 a 498). Já quanto ao CPC italiano, parece-me
que alguns elementos foram colhidos dos arts. 186-ter e quarter, com
redação dada pelas Leis n os 353/1990 e 263/2005, e do art. 669octies, com redação dada pelas Leis nos 80/2005 e 69/2009 (destacando semelhanças e diferenças entre os dois ordenamentos, que
aqui não vem ao caso, confira-se Giovanni Bonato, 2012, p. 35-76).
A inspiração é confessada expressamente pela Exposição de Motivos
do Anteprojeto elaborado pela Comissão de Juristas nomeada em
2009 pela Presidência do Senado Federal: “Também visando a essa
finalidade, o novo Código de Processo Civil criou, inspirado no sistema italiano e francês, a estabilização de tutela, a que já se referiu
no item anterior, que permite a manutenção da eficácia da medida
de urgência, ou antecipatória de tutela, até que seja eventualmente
impugnada pela parte contrária”.
5.Ao que me consta, a primeira proposta nesse sentido foi feita, entre nós, por Ada Pellegrini Grinover (1997, p. 191-195). A técnica voltou
a ser estudada pela mesma jurista em outro ensaio, marcado por Ô
23/04/2015 16:28:52
meramente eventual e facultativo o exercício de
cação de tal técnica; c) que a decisão concessiva
cognição exauriente para dirimir o conflito sub-
tenha sido proferida liminarmente, inaudita altera
metido ao Estado-Juiz, desde que tenha havido
parte; e d) que o réu, comunicado da decisão, não
antecipação de tutela (fundada, por óbvio, em
tenha interposto o recurso cabível. Adiante será
cognição sumária) e que o réu não tenha contra
analisada cada uma dessas condições.
ela se insurgido. Sumarizam-se, a um só tempo, a
cognição e o procedimento.6
O objetivo do presente ensaio é analisar criticamente os principais contornos dessa novidade.
Não caberá, contudo, nos exíguos limites deste
estudo, um exame aprofundado da legislação
estrangeira que inspirou o sistema brasileiro.
2.1. Primeira condição: que tenha havido
deferimento de tutela provisória de
urgência antecipada (rectius, satisfativa),
pedida em caráter antecedente
Para adequada compreensão da técnica processual aqui em análise, é preciso, de início, reconhecer que a terminologia adotada pelo Novo CPC
2 Quais são as condições para
para tratar de tutelas sumárias é diversa daquela
o cabimento da técnica de
estabilização da tutela provisória?
atualmente utilizada pelo Código em vigor e pela
doutrina majoritária. O Novo CPC cria a categoria
geral da “tutela provisória”, e a classifica de acordo
A leitura dos arts. 303 e 304 permite identificar
com três critérios: a) primeiramente, em razão da
quatro condições cumulativas a serem observadas
necessidade ou não de demonstração de “perigo
para aplicação da técnica da estabilização: a) que
de demora da prestação da tutela jurisdicional”, a
o juiz haja deferido o pedido de tutela provisória
tutela provisória pode ser “de urgência” ou “de evi-
de urgência antecipada (rectius, satisfativa),
7
dência” (art. 294, caput); b) em segundo lugar, em
requerida em caráter antecedente e autônomo;
função do momento em que é postulada, a tutela
provisória pode ser “antecedente” ou “incidental”
Ô ampla pesquisa de ordenamentos estrangeiros e que culminou na
elaboração de um novo anteprojeto, desta vez com a participação de
José Roberto dos Santos Bedaque, Kazuo Watanabe e Luiz Guilherme
Marinoni (2005, p. 11-37). Esse segundo anteprojeto foi encaminhado
ao Senado, que o discutiu a partir de 2005 (PLS nº 186/2005) e o arquivou em 2007. A proposição voltou à tona na parte final do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, cuja elaboração foi
coordenada, também, por Ada Pellegrini Grinover. Trata-se, pois, de
técnica processual que há muito vem sendo objeto de preocupações
da eminente professora do Largo de São Francisco.
6.A sumarização da cognição sempre implica sumarização procedimental, mas o inverso não é verdadeiro. É corrente a ideia de que
o procedimento sumário e o procedimento dos Juizados Especiais
preservam o exercício de cognição exauriente.
7. Essa era a expressão utilizada pelo Substitutivo da Câmara dos
Deputados.
8.De fato, o art. 304, embora não se refira expressamente à tutela de
urgência, reporta-se ao art. 303, que, aí sim, por sua vez, trata exclusivamente dessa hipótese (“Art. 303 - Nos casos em que a urgência for
contemporânea à propositura da ação [...]”).
9.O caput do art. 304 dispõe sobre a “tutela antecipada satisfativa”,
apenas. E, de fato, não faria sentido cogitar da estabilização de “tutela antecipada cautelar”, como, e.g., o arresto e o sequestro, que não
outorgam ao beneficiário da medida a fruição de qualquer bem da
vida objeto do litígio.
Livro_126.indb 117
(art. 294, parágrafo único); e, por fim, c) levando-se
em conta a aptidão da tutela provisória em permitir
ao beneficiário fruir o bem da vida objeto do litígio
P r i m e i r a s i m p r e s s õ e s s o b re a “ es tab ilização da tu tela an tecipada”.
b) que o autor tenha pedido expressamente a apli-
117
Revi s t a d o A d v o g a d o
O objetivo primordial da técnica é tornar
ou não, ela pode ser “antecipada” (rectius, satisfativa)
ou “cautelar” (art. 294, parágrafo único).
A leitura dos arts. 303 e 304 permite
identificar condições cumulativas
para aplicação da estabilização.
Face a tais constatações, extrai-se da literalidade do dispositivo acima transcrito que a
estabilização não se aplicaria: a) à “tutela provisória de evidência”8 (arts. 294 e 311); b) à “tutela provisória de urgência cautelar”9 (arts. 292,
23/04/2015 16:28:52
parágrafo único, 301, 305 a 310); e, finalmente,
ria violação frontal à garantia da inafastabilidade
c) à tutela provisória requerida em caráter “inci-
da jurisdição, insculpida no art. 5º, inciso XXXV,
dental” (arts. 294, caput, e 295). Resta apenas a
da Constituição Federal.
10
P r i m e i r a s i m p r e s s õ e s s o b re a “ es tab ilização da tu tela an tecipada”.
tutela provisória de urgência satisfativa pedida em
Re v is t a d o A d v o g a d o
118
Livro_126.indb 118
caráter antecedente.
Finalmente, esse entendimento pode ser extraído
da própria interpretação sistemática dos arts. 303 e
304. O primeiro dispositivo prevê a faculdade do
2.2. Segunda condição: que tenha havido
pedido expresso do autor
autor de provocar o Poder Judiciário apenas para
apreciar o pedido de tutela provisória de urgência
Outra interpretação que, penso, deva ser forço-
satisfativa em caráter antecedente, ao passo que
samente extraída dos arts. 303 e 304 é a de que a
o segundo dispõe que a técnica de estabilização
técnica de estabilização só poderia se aplicar se o
se aplica apenas na hipótese de a medida ter sido
autor assim o pleitear expressamente.
deferida “nos termos do art. 303”. Não bastasse,
Isso porque as técnicas previstas nos arts. 303 e
304 constituem “benefícios” ao autor (como deixa
o “benefício” do art. 303 precisa ser pleiteado
expressamente na petição inicial (§ 5º).13
claro o § 5º do art. 303) e jamais poderiam ser a
Em outras palavras: claramente o art. 303 dá duas
ele aplicados contra a sua vontade. O jurisdicio-
alternativas ao autor: a) pleitear, exclusivamente, a tu-
nado tem o direito de se sujeitar aos riscos e cus-
tela provisória urgente satisfativa (e apenas “indicar”
tos inerentes ao prosseguimento do processo para
o pedido de tutela final); ou b) desde logo, pedir,
exercício de cognição exauriente, face ao legítimo
concomitantemente, a tutela provisória urgente satis-
interesse em obter uma tutela final apta a formar
fativa e a tutela final. Apenas na primeira hipótese é
coisa julgada material. Não se pode obrigar o autor
que se cogitaria da aplicação da tese de estabilização.
a se contentar com uma tutela provisória “estabili-
Isso porque o autor que formula desde logo o pedido
zada” apta a ser desafiada por demanda contrária
de tutela final, a meu ver, manifesta inequivocamen-
movida pelo réu do processo original nos termos
te a vontade no sentido de que não se contentará
do art. 304, § 5º. Interpretação diversa representa-
apenas com a tutela provisória estabilizada.14
10. Igualmente o caput não exclui de maneira textual a estabilização de tutela requerida em caráter incidental. Contudo, essa exclusão resulta evidente da interpretação (necessariamente) conjunta
do art. 304 com o art. 303, que trata exclusivamente da hipótese de
tutela antecipada pedida em caráter antecedente.
11. A primeira proposta de Ada Pellegrini Grinover (1997, p. 193)
enaltecia justamente a vontade “das partes” (e não apenas do réu)
como determinante para se dispensar o prosseguimento do processo
rumo à decisão fundada em cognição exauriente.
12. Como adiante se demonstrará, a sentença de mérito passada
em julgado é muito mais firme que a decisão concessiva de tutela
antecipada estabilizada. No primeiro caso, caberá ação rescisória
em hipóteses taxativamente previstas (art. 966). No segundo caso, a
demanda movida em primeiro grau de jurisdição nos termos do art.
304, § 5º, pode versar qualquer matéria.
13. O nosso sistema vigente apresenta situação similar. O autor munido de “prova escrita sem eficácia de título executivo” tem a opção
de manejar ação monitória ou de valer-se do procedimento comum.
Embora o primeiro procedimento tenha a aptidão de se revelar mais
célere, eventualmente não resultará em sentença de mérito fundada
em cognição exauriente, não falta ao autor interesse processual (modalidade adequação) para preferir o segundo.
14. De fato, não faria sentido exigir do autor que pediu logo na peça
inicial que fosse observado o regime dos arts. 303 e 304 que desde
logo formulasse o pedido de tutela final. Tal pedido restará prejudicado caso o réu não interponha recurso contra a decisão concessiva
da tutela antecipada e ela se estabilize. Aliás, sob essa mesma ótica,
não há muito sentido em se exigir do autor que, antes mesmo da
confirmação ou não da estabilização da tutela antecipada, adite a
peça inicial para “complementação de sua argumentação, juntada
de novos documentos e confirmação do pedido de tutela final” no
prazo de 15 dias ou outro assinado pelo juiz. O certo seria que a
complementação houvesse apenas se o réu interpôs recurso contra
a decisão concessiva de tutela e, portanto, evitou sua estabilização,
afastando, a partir de então, o disposto no art. 304. A redação do dispositivo ainda se ressente de outros problemas. Em primeiro lugar,
se o autor optou por formular apenas o pedido de tutela antecipada,
não haverá pedido de tutela final a ser confirmado. Houve apenas
uma mera “indicação do pedido de tutela final” (há alguma semelhança com o art. 801, inciso III, do CPC em vigor, o qual exige que
a peça inicial da ação cautelar traga consigo a indicação “da lide e
seu fundamento” a serem deduzidos no “processo principal”). Nessa
hipótese, há que se interpretar o dispositivo no sentido de que o
autor tem a faculdade de formular o pedido meramente indicado Ô
11
12
23/04/2015 16:28:52
2.3. Terceira condição: que a decisão
tenha sido proferida liminarmente,
inaudita altera parte
recursal (hipótese em que o réu será intimado
da decisão para que se lhe dê oportunidade de
recorrer).
apta à estabilização é aquela concedida liminarmente, inaudita altera parte.
2.4. Quarta condição: que o réu não tenha
interposto recurso contra a decisão que
deferiu a tutela provisória
Se o juiz indeferiu a providência, e o autor
A quarta e última condição é a de que o réu,
emendou a petição inicial com a formulação do
citado e intimado da decisão,15 não tenha inter-
pedido de tutela final (art. 303, § 1º, inciso I),
posto o recurso cabível. Em se tratando de de-
restou descaracterizada a possibilidade de apli-
cisão proferida em primeiro grau de jurisdição, o
cação do art. 304, pelas razões expostas no item
recurso interponível é o agravo de instrumento
anterior.
(art. 1.015, inciso I). Em se tratando de decisão
Restaria saber se a tutela provisória fosse de-
proferida em segundo grau de jurisdição, haveria
ferida em segundo grau de jurisdição, após o
que se pensar no agravo interno contra a decisão
manejo de agravo de instrumento contra a deci-
monocrática (art. 1.021) ou no recurso especial e/
são de primeiro grau que indeferiu a providên-
ou recurso extraordinário, em se tratando de deci-
cia (art. 1.015, inciso I) e antes que tenha havido
são colegiada.
o aditamento da peça inicial (art. 303, § 1º, inciso I). Fiel à premissa aqui acolhida, entendo
que, se ao tempo da decisão do tribunal o autor
não houver ainda promovido a emenda à peça
inicial, com a formulação do pedido de tutela
final (art. 303, § 1º, inciso I), pode-se cogitar da
O recurso tempestivo é apto a
evitar a preclusão da questão
recorrida.
estabilização da decisão (monocrática ou colegiada) que houver deferido a medida em grau
Chama a atenção o fato de que o sistema projetado – que tanto esforço empregou para reduzir
Ô anteriormente. Em segundo lugar, se o autor não tiver argumentos para complementar, tampouco documentos adicionais a jun-
(art. 1.015)16 – passe a compelir o réu a recorrer para
tar, é evidente que o descumprimento desse comando legal não
evitar a estabilização. Sob o império do Código vi-
lhe poderá trazer qualquer consequência. Apesar de o dispositivo
empregar o verbo “deverá”, a interpretação sistemática torna for-
gente o réu pode optar por não recorrer da decisão
çoso o entendimento de que o autor tem uma mera faculdade de
liminar antecipatória de tutela e limitar-se a apre-
complementar argumentos e documentos. O órgão julgador deve
sentar defesa acompanhada de novos fatos e provas,
se contentar com a manifestação de vontade de que o demandante
nada tem a acrescer.
confiando que o juiz, à luz do aprofundamento da
15. O réu pode já ter sido citado anteriormente ou ingressado volun-
cognição, haja por bem revogar a medida.17
tariamente nos autos, hipótese em que a decisão concessiva de tutela
poderia lhe ser comunicada apenas mediante mera intimação.
Outro aspecto a ser enfrentado concerne à
16. A Exposição de Motivos do Anteprojeto de Novo CPC apresenta-
hipótese em que o recurso manejado pelo réu
da ao Senado Federal em 2009 detectou expressamente que o “volu-
contra a decisão concessiva de tutela provisória
me imoderado de [...] recursos” era um dos problemas a ser enfrentado
por meio da “diminuição do número de recursos que devem ser apre-
“estabilizável” não for conhecido, ante a falta de
ciados pelos Tribunais”. Justamente no campo do agravo de instru-
algum dos requisitos de admissibilidade. Para so-
mento é que essa diretriz se manifestou de maneira mais intensa.
17. Não se cogita de preclusão, conforme assentei em outro trabalho
(SICA, 2008, p. 256-262).
Livro_126.indb 119
a recorribilidade direta das decisões interlocutórias
119
Revi s t a d o A d v o g a d o
303 concerne ao fato de que a tutela provisória
P r i m e i r a s i m p r e s s õ e s s o b re a “ es tab ilização da tu tela an tecipada”.
Outra consequência da interpretação do art.
lucionar esse problema, parto do entendimento
já assentado de que o recurso tempestivo, ainda
23/04/2015 16:28:52
que inadmissível em razão de algum outro vício,
eletrônica de aplicações bancárias para efetivação
é apto a evitar a preclusão da questão recorrida.
da tutela provisória (art. 297, parágrafo único).
18
Logo, se o recurso for interposto tempestivamente,
P r i m e i r a s i m p r e s s õ e s s o b re a “ es tab ilização da tu tela an tecipada”.
impede-se a estabilização, pouco importando se
Re v is t a d o A d v o g a d o
120
não foi posteriormente conhecido.
Uma última observação se faz necessária. Há
A segunda dúvida a ser dirimida concerne à
diferença entre imutabilidade e estabilidade.
que se considerar ainda a necessidade de interpre-
De fato, há que se reconhecer que se trata
tação sistemática e extensiva do art. 304, de modo
de fenômenos distintos, sendo o primeiro deles
a considerar que não apenas o manejo de recurso
típico, apenas, da coisa julgada material. Aliás, é
propriamente dito (cujas modalidades são arrola-
sintomático que o Novo CPC atualmente empre-
das pelo art. 994) impediria a estabilização, mas
gue o termo estável, sem jamais falar em imu-
igualmente de outros meios de impugnação às
tabilidade ou, muito menos, de coisa julgada
decisões judiciais (em especial a suspensão de
(como fazia o anteprojeto da lavra de Ada Pelle-
decisão contrária ao Poder Público e entes congê-
grini Grinover em 199721 e aquele elaborado pelo
neres19 e a reclamação20).
IBDP e examinado pelo Senado Federal entre
2005 e 200722).
3 Em que consiste a projetada
“estabilidade”?
3.1. Eficácia versus imunidade e
estabilidade
Primeiramente, baseio-me na ideia de Liebman
(1984, passim) segundo a qual eficácia não se
confunde com imutabilidade. Uma decisão pode
perfeitamente produzir efeitos independentemente de ainda não ter se tornado imune a modificações ou revogações posteriores. Da mesma maneira, eficácia não se confunde com estabilidade.
Sob esse ponto de vista, não há dúvidas de que
a decisão que concede a tutela provisória urgente
satisfativa antecedente é plenamente eficaz mesmo antes de se estabilizar. A diferença é a de que
a tutela ainda não estabilizada enseja execução
provisória (art. 397, parágrafo único), ao passo
que a tutela estabilizada enseja execução definitiva, tão logo extinto o processo nos termos do art.
304, § 1º. Afinal, não faria nenhum sentido criar a
estabilização e ao mesmo tempo impedir o autor
de efetivar medidas irreversíveis face às amarras
do regime do cumprimento provisório de sentença (art. 520 e ss.), agravadas pela restrição (de
duvidosa constitucionalidade) ao uso da penhora
Livro_126.indb 120
3.2. Imunidade versus estabilidade
O Anteprojeto de Novo CPC já havia recusado a formação de coisa julgada material ao dispor
18. Esse entendimento é particularmente reiterado quando se trata
de embargos de declaração tempestivos, mas não conhecidos, para
efeito de interromperem o prazo para outros recursos em face da
decisão embargada (v.g., Corte Especial, AgRg nos EDcl no AgRE
no RE nos EDcl no REsp nº 760.216-PA, Rel. Min. Ari Pargendler e
1ª T., AgRg no REsp nº 1191737-RJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido).
O mesmo raciocínio se aplica às demais modalidades recursais e ao
efeito impeditivo da preclusão que lhes é inerente.
19. Art. 15 da Lei nº 12.016/2009.
20. Observe-se que o art. 988 amplia exponencialmente o cabimento
da reclamação em relação ao sistema atualmente vigente.
21. O anteprojeto elaborado por Ada Pellegrini Grinover em 1997
propunha acrescentar ao art. 273 do CPC em vigor um § 8º, com
a seguinte redação: “Havendo impugnação, o processo prosseguirá
até final julgamento. Não havendo impugnação, ou sendo julgada
inadmissível pelo juiz, o provimento antecipatório converter-se-á em
sentença de mérito, sujeita a apelação se, efeito suspensivo, ficando
o réu isento de custas e honorários advocatícios se não a interpuser”
(1997, p. 191).
22. O PLS nº 186/2005 previa a inserção do art. 273-B, cujos §§ 1º
e 2º eram assim redigidos: “§ 1º - Preclusa a decisão que concedeu
a tutela antecipada, é facultado, no prazo de 60 (sessenta) dias: a)
ao réu, propor demanda que vise à sentença de mérito; b) ao autor,
em caso de antecipação parcial, propor demanda que vise à satisfação integral da pretensão. § 2º - Não intentada a ação, a medida
antecipatória adquirirá força de coisa julgada nos limites da decisão
proferida”. Já o art. 273-C projetado dispunha o seguinte: “Art. 273C - Preclusa a decisão que concedeu a tutela antecipada no curso do
processo, é facultado à parte interessada requerer seu prosseguimento, no prazo de 30 (trinta) dias, objetivando o julgamento de mérito.
Parágrafo único - Não pleiteado o prosseguimento do processo, a
medida antecipatória adquirirá força de coisa julgada nos limites da
decisão proferida” (2005, p. 35-37).
23/04/2015 16:28:52
que concede a tutela não fará coisa julgada,
via na hipótese vertente uma verdadeira hipótese
mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será
de imutabilidade, pela ausência de coisa julgada
afastada por decisão que a revogar, proferida em
material, ainda reservada para as “sentenças de mé-
ação ajuizada por uma das partes”. A redação
rito” (art. 502 do Novo CPC).
permaneceu intacta no texto aprovado pelo Senado Federal em 15/12/2010 (art. 284, § 2º).
Sob tal conformação, a técnica da estabilização
apresentava indisfarçáveis semelhanças com aquela
Via-se claramente que, tal qual redigido pelo
empregada no processo monitório.26 e 27 Nele, o juiz
Senado, o dispositivo aqui em foco criava mais
exerce cognição sumária acerca da prova escrita
uma hipótese de “tutela sumária definitiva”, as-
sem força de título executivo exibida com a peça
sim entendida como aquela que, em contraposição
inicial e, com base nela, determina a expedição de
à “tutela sumária provisória”, tem eficácia plena in-
mandado para pagamento. Se o réu não opõe
dependentemente de ulterior confirmação por sen-
embargos, o mandado inicial se converte em
25
tença proferida com base em cognição exauriente
título executivo judicial, de modo que o autor
(cujo exercício, aliás, passa a ser meramente facul-
poderá iniciar a execução forçada independente-
tativo e eventual, atrelado à provocação do réu, por
mente de ulterior decisão fundada em cognição
24
exauriente que confirme a decisão inicial fundada em cognição sumária. Se, por outro lado,
23. Aqui é evidente a inspiração do art. 488.1 do CPC francês:
“L’ordonnance de référé n’a pas, au principal, l’autorité de la chose
jugée”.
24. Cf., v.g., José Roberto dos Santos Bedaque (2005, p. 663).
25. A essa altura, é ocioso descrever os conceitos de “cognição exauriente” e de “cognição sumária”, bastando referir a obra clássica de
Kazuo Watanabe (2015, p. 120-131).
26. Atualmente regulada pelos arts. 1.102-A a 1.102-C do CPC
vigente, com redação dada pela Lei nº 9.079/1995, e que a redação
do Novo CPC, em linhas gerais, com poucas diferenças, preserva
em seus arts. 698 a 700.
27. A aproximação entre as hipóteses é há tempos exaltada. Basta
destacar que Ada Pellegrini Grinover a invocou ao elaborar seu primeiro anteprojeto, em 1997 (1997, p. 191-195), e, recentemente, foi
ressaltado por Eduardo Talamini (2012, p. 13-34).
28. Cf., v.g., Eduardo Talamini (2001, p. 92-104). O principal
argumento extraído de tal lição doutrinária é o de que a cognição
exercida pelo juiz para conversão do mandado monitório em título
executivo foi meramente superficial. Acrescente-se ainda que, se o
réu move embargos e eles são julgados improcedentes, há decisão de
mérito, fundada em cognição exauriente, passível de coberta pela
coisa julgada material e atacável por ação rescisória. Logo, seria inaceitável que, sem nenhuma decisão fundada em cognição exauriente,
houvesse imutabilidade “total” (isto é, inapta ao ataque via ação
rescisória).
29. Apesar das semelhanças, há três claras diferenças entre a técnica monitória e a técnica da estabilização: a) a desnecessidade de
demonstração de urgência para manejo do processo monitório; b) no
processo monitório, a efetivação da decisão sumária ocorre apenas
após a estabilização, ao passo que na da tutela antecipada sua eficácia é liberada mesmo antes da estabilização; e c) a desnecessidade
de prova escrita de obrigação líquida e certa para pleitear a tutela
antecipada urgente satisfativa em caráter antecedente (embora seja
difícil imaginar que o autor convença o juiz da probabilidade de seu
direito sem qualquer prova escrita).
Livro_126.indb 121
o réu opõe embargos, passa-se a se observar o
procedimento comum, que resultará numa sentença final proferida mediante exercício de cognição exauriente. Segundo a maioria da doutrina
pátria, não se forma coisa julgada no processo
monitório,28 permitindo-se que o réu possa eventualmente discutir em ulterior processo a mesma
relação jurídica.29
Contudo, durante a tramitação do projeto na
Câmara, inseriu-se um novo elemento que precisa
P r i m e i r a s i m p r e s s õ e s s o b re a “ es tab ilização da tu tela an tecipada”.
meio de um processo autônomo). Contudo, não se
23
121
Revi s t a d o A d v o g a d o
expressamente em seu art. 293 que “[a] decisão
ser cuidadosamente analisado. Refiro-me à limitação
temporal para o ajuizamento de ação pleiteando a
revisão da decisão concessiva de tutela provisória
estabilizada (dois anos, ex vi do art. 304, § 5º).
Essa alteração traz uma evidente dificuldade teórica, pois não explica se, após o transcurso do biênio, forma-se ou não coisa julgada
material.
Ainda assim, entendo que não há coisa julgada.
Para se chegar a essa conclusão, constato, primeiramente, que o § 1º do art. 304 preceitua que
a estabilização da tutela provisória produz após a
“extinção do processo”, sem informar se com ou
sem resolução de mérito. O art. 487 (que basica-
23/04/2015 16:28:53
P r i m e i r a s i m p r e s s õ e s s o b re a “ es tab ilização da tu tela an tecipada”.
Rev i st a d o A d v o g a d o
122
mente reproduz as hipóteses do art. 269 do CPC
Ademais, a proposta baseia-se numa suposição
vigente) não inclui essa hipótese, ao passo que o
de que as partes (em especial o autor) se contenta-
art. 485 (equivalente ao atual art. 267) poderia
riam com a tutela sumária estabilizada. Mesmo que
abarcar a situação em seu inciso X (que torna o
houvesse algum levantamento estatístico acerca da
dispositivo meramente exemplificativo ao nele in-
frequência de recursos contra decisões antecipató-
cluir os “demais casos prescritos neste Código”).
rias de tutela – e não me consta haver –, tal dado
Assim, é mais fácil encaixar essa situação nas hipó-
não serviria para justificar a inclusão dessa técnica
teses de sentenças terminativas, o que afastaria o
em nosso ordenamento. Primeiro, porque é possível
art. 502 (que reserva a formação da coisa julgada
que alvitrar que a inserção da técnica incentivaria
material à sentença de mérito).
muitos réus a interpor recurso, para evitar as graves
Em segundo lugar, há que se reconhecer que
consequências hoje não existentes. Segundo, porque
a coisa julgada material não tem apenas uma fun-
não sabemos se as partes se contentarão com uma
ção negativa (que impede que o mesmo litígio seja
tutela sumária “estável”, mas não “imutável”.36
novamente judicializado, como dispõe o art. 304,
§ 5º), mas igualmente uma função positiva (isto é,
a decisão há de ser observada em processos futuros
entre as mesmas partes).30 A decisão estabilizada
não parece ter essa feição positiva.31 Passados os
dois anos da decisão extintiva do feito, produz-se
uma estabilidade qualificada pois, embora não
possa ser alterada, não se confundiria com a imunidade pela inexistência de uma feição positiva.32
No mais, parece mais acertado reconhecer que
a explicação para esse fenômeno repousa no instituto da “decadência” (tal como ocorre quando se
trata da ação rescisória, ex vi do art. 497 do CPC
vigente e art. 975 do novo CPC),33 de modo que
a extemporaneidade da demanda promovida com
base no art. 304, § 2º, levaria à extinção do feito
com fundamento no art. 487, inciso II.
4 Balanço crítico
A técnica ora em exame foi importada de sistemas em que a abreviação do procedimento em face
da inércia do réu se revela excepcional, de tal modo
que se torna necessário criar meios de antecipar o
início da execução.34 O nosso sistema já tem meios
adequados para tanto, em especial o julgamento
antecipado da lide fundado no art. 330, inciso II,
do CPC de 1973 (repetido no art. 355, inciso II, do
Novo CPC).35
Livro_126.indb 122
30. Conforme lição clássica de Barbosa Moreira (1967, p. 64).
31. Para explicar essa afirmação, pode-se recorrer a uma das fontes
de inspiração do projeto, isto é, a comma 9 do art. 669-octies do CPC
italiano, que estabelece que “l’autorità del provvedimento cautelare
non è invocabile in un diverso processo”.
32. A situação em muito se equipararia à chamada preclusão “pro
judicato”, instituto cunhado por Redenti (1938, p. 135) justamente
para explicar alguns fenômenos de imunização semelhantes à coisa
julgada, mas menos intensos que ela.
33. Esse entendimento explica-se à luz da constatação de que a demanda movida com esteio no art. 304, § 2º, terá eficácia desconstitutiva da decisão antecipatória, aproximando-se, por isso, da hipótese de
ação rescisória, cujo prazo para propositura é decadencial (v.g. STJ,
REsp nº 1165735-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão), ainda que se
prorrogue até o primeiro dia útil subsequente caso o termo ad quem
caia em dia sem expediente forense (e.g., AgRg no REsp nº 747.308-DF,
Rel. Min. Humberto Gomes de Barros).
34. De fato, naqueles sistemas, a ausência de defesa do réu não implica
(como nos Códigos brasileiros vigente e novo – arts. 321 e 344, respectivamente) a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor e,
consequentemente, não dispensa o juiz de abrir instrução probatória
(aqueles sistemas não conhecem o julgamento antecipado previsto no
art. 330, inciso II, do CPC vigente e art. 355, inciso II, do novo CPC).
Daí por que italianos e franceses se esmeram em criar meios mais
céleres de formação de título executivo judicial (o que ajuda a explicar
o propalado “sucesso” da tutela monitória naqueles países). No nosso
sistema, não faria muito sentido acolher a mesma solução. A gravidade
dos efeitos da revelia e a possibilidade de julgamento antecipado da
lide – previstos no CPC de 1973 e mantidos no novo CPC – tornam
menos úteis e necessárias técnicas processuais baseadas na inércia do
réu e destinadas a abreviar o iter procedimental a ser percorrido para
que seja possível dar início à execução. Penso não ser outra a razão
de a ação monitória não desempenhar entre nós papel relevante. A
técnica da estabilização vive sob esse mesmo risco de se tornar um
instrumento sem maior utilidade.
35. Penso ter o legislador caído em um dos “mitos” a que alude
Barbosa Moreira em ensaio publicado há dez anos (2004, p. 7-10),
qual seja a “supervalorização de modelos estrangeiros”.
36. Para outras incisivas críticas à técnica, confira-se o já indicado
texto de Eduardo Talamini (2012, p. 31-34).
23/04/2015 16:28:53
uma interpretação restritiva das hipóteses de
sível que os problemas anteriormente noticia-
cabimento da técnica de estabilização, por en-
dos passem despercebidos, e a técnica perma-
tender que é preferível mitigá-la a fim de evitar
necerá no Código como algo inofensivo, mas
maiores problemas de ordem sistemática. Se os
desnecessário.
Bibliografia
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O futuro da justiça: al-
______. Tutela jurisdicional diferenciada: a antecipação e sua
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DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito
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Paulo, Revista dos Tribunais, v. 22, n. 86, p. 191-195, abr./
jun. 1997.
Livro_126.indb 123
1984.
REDENTI, Enrico. Profili pratici del diritto processuale civile.
n. 209, p. 13-34, jul. 2012.
______. Tutela monitória – a ação monitória (Lei 9.079/95).
2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001.
P r i m e i r a s i m p r e s s õ e s s o b re a “ es tab ilização da tu tela an tecipada”.
tribunais vierem a adotar diretriz similar, é pos-
123
Re vis t a d o A d v o g a d o
O presente ensaio, conscientemente, propôs
WATANABE, Kazuo. Cognição no processo civil. 4. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012.
23/04/2015 16:28:53
A
profundidade do efeito devolutivo
nos recursos extraordinário e especial:
o que significa a expressão “julgará
o processo, aplicando o direito”
(CPC/2015, art. 1.034)?
Sumário
1.Introdução
2.O STF e o STJ como cortes de revisão
124
Revi s t a d o A d v o g a d o
3.O julgamento da causa nos recursos extraordinário
e especial
4.Conclusão
Bibliografia
1 Introdução
Sempre houve muita polêmica em torno dos
limites do julgamento da causa nos recursos extraJoão Francisco Naves da Fonseca ordinário e especial, principalmente diante da ve-
Doutor e mestre em Direito Processual pela
dação ao reexame dos fatos na instância de super-
Universidade de São Paulo – Largo São Francisco.
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Pro-
posição (Súmulas nº 279 do STF e nº 7 do STJ).1
cessual. Advogado.
Parte da doutrina defende que, uma vez admitida e provida a impugnação, o tribunal de superposição poderia rever – ilimitadamente – fatos e
provas para julgar a causa subjacente ao recurso.2
1. “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”
(Súmula nº 279 do STF); “a pretensão de simples reexame de prova
não enseja recurso especial” (Súmula nº 7 do STJ).
2. Cf., p. ex., Nery Jr. (2008, p. 967, 968, 973; 2004, n. 3.5.1.5, p. 442).
Livro_126.indb 124
23/04/2015 16:28:53
que o óbice ao exame da prova abrangeria todas as
cesso legislativo,7 empregavam a expressão “julga-
etapas do julgamento do recurso de direito estrito,
rá a causa”, mais adequada, justamente porque é
de modo que o tribunal de superposição somente
a terminologia constante da Constituição Federal
poderia levar em consideração os fatos constantes do
(CF). Foi apenas por ocasião dos chamados “ajus-
acórdão recorrido. Visando a trazer alguma luz a
tes de redação”, realizados no início de 2015, que
essa discussão, o legislador inseriu no Novo Código
a palavra “causa” acabou sendo substituída por
de Processo Civil (CPC) o seguinte dispositivo:
“processo”. Apesar disso, como os tais ajustes não
3
“admitido o recurso extraordinário ou o re-
devem alterar o sentido ou a substância do texto
curso especial, o Supremo Tribunal Federal ou o
aprovado – o qual (repita-se) utilizava corretamen-
Superior Tribunal de Justiça julgará o processo,
te a terminologia da CF –, deve-se entender que o
aplicando o direito” (art. 1.034, caput).
vocábulo “processo” foi empregado como sinôni-
Trata-se de regra decorrente do próprio texto
mo de “causa” no aludido art. 1.034.
constitucional, o qual estabelece a competência
Mas, afinal, o que significa a expressão “jul-
dos tribunais de superposição para julgar as cau-
gará o processo, aplicando o direito”, prevista no
sas em recurso extraordinário e especial (arts. 102,
citado dispositivo legal? Antes de responder a essa
inciso III, e 105, inciso III). Essa disposição, ade-
indagação, convém relembrar algumas caracterís-
mais, já estava prevista no art. 257 do Regimento
ticas dos recursos extraordinário e especial direta-
Interno do STJ e contemplada na Súmula nº 456
mente ligadas às funções institucionais do STF e
do STF.
do STJ.
4
5
Note-se que os projetos aprovados na Câmara
dos Deputados, na condição de casa revisora,6 e
3.Cf., entre outros, Medina (2009, n. 2.4.2-2.4.4, p. 99-105), Azzoni
(2009, p. 171-176) e Costa (2011, n. 8.1.3, p. 223).
4.Regimento Interno do STJ, art. 257: “No julgamento do recurso
especial, verificar-se-á, preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não conhecerá do recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie”.
5.Súmula nº 456 do STF: “O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito
à espécie”. No mesmo sentido, a antiga redação do art. 324 do Regimento Interno do STF dispunha que, “no julgamento do recurso extraordinário, verificar-se-á, preliminarmente, se o recurso é cabível.
Decidida a preliminar pela negativa, a Turma ou o Plenário não conhecerá do mesmo; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o
direito à espécie”. Com a modificação implementada pela Emenda
Regimental nº 21, de 30/4/2007, tal regra deixou de constar expressamente no RISTF. Não obstante isso, nada se alterou na prática da
corte, pois é a Constituição Federal que lhe autoriza julgar a causa.
6.O Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do
Senado nº 166, de 2010 (nº 8.046, de 2010, naquela casa), foi aprovado
em março de 2014.
7. A votação do Novo CPC foi concluída no Senado Federal em
dezembro de 2014.
8.Cf. Dinamarco (2000, p. 784).
9.Com efeito, todas as Constituições do Brasil, desde 1934, conferiram ao STF competência para julgar a causa subjacente ao recurso
extraordinário. Aliás, já a Lei nº 221, de 20 de novembro de 1894,
tinha dispositivo de semelhante teor (art. 24).
Livro_126.indb 125
2 O STF e o STJ como cortes de revisão
Há basicamente dois modelos, diferenciados
pela função, de cortes de superposição no mundo:
as que cassam e substituem (chamadas de cortes
de revisão) e as que cassam sem substituir (daí,
meras cortes de cassação). As primeiras enunciam
A profundidade do efeito devolutivo nos recursos extraordinário e especial: o que significa
a expressão “julgará o processo, aplicando o direito” (CPC/2015, art. 1.034)?
no Senado Federal, já na derradeira fase do pro-
125
Revi s t a d o A d v o g a d o
No outro extremo, há entendimento no sentido de
a tese jurídica correta e, no julgamento da causa,
aplicam-na elas próprias ao caso concreto. As cortes de cassação, por sua vez, após fixarem a solução
jurídica a prevalecer no caso, devolvem os autos à
instância de origem, ou os remetem a outro órgão
judiciário de mesma hierarquia que a sua, para que
a tese fixada seja aplicada concretamente.8
No Brasil, como já dito, a CF determina a natureza de corte de revisão do STF e do STJ, na
medida em que prevê o julgamento da causa, em
recurso extraordinário (art. 102, inciso III) e especial (art. 105, inciso III).9 Por isso, a princípio, se
o tribunal de superposição conhece e dá provimento a um recurso, ele deve a) anular a decisão
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A profundidade do efeito devolutivo nos recursos extraordinário e especial: o que significa
a expressão “julgará o processo, aplicando o direito” (CPC/2015, art. 1.034)?
Rev i st a d o A d v o g a d o
126
impugnada e remeter o caso para a instância de
constantes dos autos, ainda que não mencionados
origem, se verificar vício decorrente de inobser-
no acórdão recorrido, desde que respeite dois
vância de exigência processual (error in procedendo;
limites.
vício de atividade); ou b) julgar a causa, substituindo o acórdão recorrido, se corrigir erro relativo
a norma de direito material (error in iudicando;
vício de juízo).
Todavia, a despeito de não serem meras cortes de cassação, os tribunais de superposição
O primeiro limite consiste na garantia do
brasileiros, no julgamento dos recursos extraor-
direito à prova, assegurado constitucionalmen-
dinário e especial, mesmo nas hipóteses de error
te pela cláusula do devido processo legal, de
in iudicando, não raramente remetem os autos
modo que se o julgamento integral da causa,
ao tribunal local para que este aprecie a matéria
após a fixação da tese jurídica correta, depen-
fática, com base na tese jurídica fixada. Daí por
der de prova ainda não produzida, o tribunal
que a previsão no CPC da regra contida no art.
de superposição deve devolver os autos para que
1.034 é salutar e tem certo caráter didático. Não
o juízo de primeiro grau complete a instrução
obstante, a interpretação meramente literal desse
probatória e profira nova decisão. O segundo li-
dispositivo pode causar a falsa impressão de que,
mite reside nos pontos de fato já decididos pelo
admitido o recurso, os tribunais de superposição
tribunal local, porque este é soberano quanto à
estarão totalmente livres para reexaminar os fa-
matéria fática decidida no acórdão – é vedado o
tos do processo. Na verdade, alguns limites ainda
reexame, não o exame.11 Aliás, tais fatos já foram
deverão ser observados, conforme se verá no tó-
aceitos como verdadeiros pelo tribunal de super-
pico subsequente.
3 O julgamento da causa nos recursos
extraordinário e especial
A rigor, o julgamento dos recursos de direito
estrito pode ser lógica e potencialmente dividido
em três operações: I) verificação da admissibilidade
do recurso; II) exame in concreto da existência do
erro de direito apontado pelo recorrente (iudicium
rescindens); e III) rejulgamento da causa (iudicium
rescissorium).10 À operação seguinte só se passa
após o êxito do recurso na etapa anterior. Ou seja,
o tribunal de superposição deve primeiro investigar se o recurso é ou não admissível. Depois, em
caso afirmativo e já no plano do mérito, decidir se
a impugnação é ou não procedente (i.e., se efetivamente ocorreu a apontada violação à CF ou à
lei federal). Por fim, mas só se for o caso, julgar a
causa com base em todos os elementos de prova
Livro_126.indb 126
A previsão no CPC da regra
contida no art. 1.034 é salutar.
10. Nesse sentido, nas palavras de Barbosa Moreira (2008, n. 226,
p. 402-403), em se tratando “de recurso de fundamentação vinculada,
parece correto, do ponto de vista lógico, discernir uma dualidade de
operações no julgamento do mérito, embora ao ângulo prático, menos
nitidamente perceptível, desde que não ocorra cisão de competência.
Vencido, com efeito, o juízo de admissibilidade, deve o órgão ad quem
verificar previamente se a decisão impugnada contém na realidade o
vício típico cuja alegação tornou cabível o recurso. Caso se responda afirmativamente a essa indagação, já fica certo, só por isso, que a
decisão não pode subsistir: impende cassá-la. Em posterior etapa se
cuidará, então, de substituí-la por outra. Seria, no direito brasileiro,
a hipótese do recurso extraordinário interposto com fundamento na
letra a do art. 102, nº III, da Constituição da República. Supondo-se,
v.g., que o acórdão recorrido contenha ofensa a norma constitucional,
incumbe à Corte Suprema rescindi-lo e, em seguida, proferir outro
que o substitua, acomodado aos ditames da Lei Maior. Praticamente,
vale repetir, tudo isso se faz uno actu, sem descontinuidade apreciável
na dinâmica do julgamento; legitima-se a diferenciação, contudo, em
nível dogmático, permitindo que se fale de um iudicium rescindens
e de um iudicium rescissorium – ambos (e não apenas o segundo) integrantes do julgamento do mérito do recurso extraordinário”. Em
sentido semelhante, cf. Zavascki (2012, p. 19).
11. “Ultrapassado o juízo de admissibilidade, e tendo o Superior Tribunal de Justiça que julgar a causa, ele pode examinar – o que é diferente
de reexaminar – questão de fato ainda não solucionada, e cuja apreciação é indispensável à solução da espécie. Tanto quanto sutil, a diferença
é relevante” (PIMENTEL SOUZA, 2007, n. 16.12, p. 440). No mesmo
sentido, cf. Didier Jr. e Carneiro da Cunha (2008, p. 275-276).
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uma questão de direito que superasse a barreira
da devolução na etapa de julgamento da causa
de admissibilidade, especialmente se o recurso
depende da medida do êxito do recurso no juí-
invocou erro na subsunção do fato à norma (qua-
zo rescindente. Em outras palavras, autoriza-se o
lificação jurídica do fato).
julgamento do feito pelo tribunal de superposi-
No entanto, cabe uma ressalva quanto à cor-
ção apenas no que tange aos capítulos da decisão
reção de vício de atividade: se, em vez de anular
afetados pela correção do erro de direito. Por isso,
a decisão impugnada e devolver os autos para a
o STF ou o STJ “julgará o processo, aplicando o
instância de origem, o tribunal de superposição
direito”, mas dentro dos limites do provimento da
decidir por julgar a causa desde logo, os pontos
impugnação.12
de fato diretamente ligados ao error in proceden-
Para melhor entendimento das ideias aqui
do podem receber outra conclusão na instância
apresentadas, traz-se à colação um caso concreto.
de superposição. Esse é o caso, por exemplo, de
Após ter afastado a única premissa utilizada pelo
acórdão de tribunal local que considerou provado
tribunal local para repelir a existência de união
determinado fato, por meio de prova que o STF
estável, o STJ devolveu os autos ao tribunal de ori-
decidiu ser ilícita; entendendo a Corte Suprema
gem, para que este, abstraído o fato de a recorren-
que o julgamento da causa pode se dar desde logo
te nunca ter coabitado com o de cujus, verificasse
sem prejuízo do devido processo legal, é óbvio
a existência ou inexistência da união estável, a
que tal fato, antes considerado provado, pode ser
partir dos demais elementos de prova constantes
revisto e até considerado inexistente. Consigne-se,
dos autos.13 Nesse caso, como se fosse mera corte
porém, que o julgamento da causa in totum pelo
de cassação, o tribunal superior decidiu, após a
tribunal de superposição, após a correção de error
correção do error in iudicando, devolver os autos
in procedendo, não deve ser a regra, por conta da
ao tribunal local para que este julgasse novamen-
necessidade de se preservarem as garantias do
te a causa, tal como nos sistemas que preveem o
direito à prova, do contraditório e da ampla defesa,
“reenvio”. Coloca-se, então, a dúvida quanto ao
ínsitas ao devido processo legal.
acerto desse procedimento.
Os tribunais brasileiros, ao darem provimento
12. Assim, por exemplo, “a regra do art. 257 do RISTJ só obriga o
julgamento da causa na sua integralidade, em se tratando da letra a,
se a norma legal a ser aplicada ou afastada influenciar a decisão do
mérito da lide. Não teria sentido, por exemplo, que um recurso especial conhecido apenas por violação do art. 21 do CPC devolvesse
ao STJ o exame das demais questões. Hipótese em que a aplicação
do art. 538, § ún., do CPC, teve como cenário o julgamento dos embargos de declaração, sem qualquer repercussão nos temas decididos
no julgamento da apelação” (STJ, Corte Especial, ED no REsp nº
276.231, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 1º/9/2004, rejeitaram os embs.,
v.u., DJ de 1º/2/2006).
13. “O art. 1º da Lei 9.278/96 não enumera a coabitação como
elemento indispensável à caracterização da união estável. Ainda
que seja dado relevante para se determinar a intenção de construir
uma família, não se trata de requisito essencial, devendo a análise
centrar-se na conjunção de fatores presente em cada hipótese, como
a affectio societatis familiar, a participação de esforços, a posse do estado de casado, a fidelidade, a continuidade da união, entre outros,
nos quais se inclui a habitação comum” (STJ, 3ª T., REsp nº 275.839,
Rel. p/ ac. Min. Nancy Andrighi, j. 2/10/2008, deram provimento,
v.u., DJ de 23/10/2008).
Livro_126.indb 127
a recurso voltado contra acórdão contendo vício
A profundidade do efeito devolutivo nos recursos extraordinário e especial: o que significa
a expressão “julgará o processo, aplicando o direito” (CPC/2015, art. 1.034)?
É claro também que a dimensão horizontal
127
Revi s t a d o A d v o g a d o
posição no momento de verificar a existência de
de juízo, devem reformá-lo, substituindo-o, nos
limites em que conhecida a impugnação, pois
não há – no direito positivo pátrio – regra que
autorize expressamente o “reenvio” da causa para
o tribunal de origem. Há, entretanto, princípios
constitucionais, tais como o do direito à prova, o
do contraditório e o da ampla defesa, que devem
sempre ser observados. Por isso, se o julgamento
integral da causa depender de provas ainda não
produzidas, o tribunal deve devolver os autos para
que o juízo de primeiro grau complete a instrução
e profira nova decisão, em atenção à cláusula do
devido processo legal, mesmo em hipótese de error
in iudicando. Portanto, somente nesses casos,
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A profundidade do efeito devolutivo nos recursos extraordinário e especial: o que significa
a expressão “julgará o processo, aplicando o direito” (CPC/2015, art. 1.034)?
Re v is t a d o A d v o g a d o
128
o “reenvio” é permitido e independe de pedido
pronunciado o tribunal local, podendo inclusive
recursal, por se tratar de reforma (e substituição)
manter a procedência da demanda.
parcial do acórdão, porque limitada à matéria de
A primeira solução, segundo a qual o tribunal
direito, de modo que, se o tribunal pode o mais –
de superposição estaria impedido não só de apre-
que é julgar definitivamente a causa in totum­ –,
ciar fundamentos ignorados pelo tribunal de ori-
deve também poder o menos: decidir parcialmente
gem, mas também de remeter os autos para que
o mérito e remeter os autos para providências de
este os aprecie, sugere que o vencedor-recorrido
instrução e julgamento pelas instâncias ordiná-
tenha o ônus de manejar recurso adesivo condi-
rias. Todavia, esse procedimento deve ser adotado
cional, para que não corra o risco de sucumbir no
apenas excepcionalmente pelos tribunais brasi-
processo, exclusivamente por conta da motivação
leiros. Se a instrução estiver completa e a causa
deficiente do acórdão impugnado.18 Todavia, não
madura, o tribunal de superposição deve julgá-la
parece ser essa a melhor solução, primeiro porque
integralmente, em atenção aos princípios consti-
é discutível o interesse recursal do vencedor, uma
tucionais da efetividade e da celeridade do proces-
vez que o dispositivo decisório lhe foi totalmente
so, mas respeitando a soberania do tribunal local
favorável.19 Além disso, tal solução vai de encontro
quanto à matéria fática decidida14 e as garantias
do devido processo legal.15
Se a instrução estiver completa
e a causa madura, o tribunal
de superposição deve julgá-la
integralmente.
Problemas semelhantes podem ocorrer nos
casos em que o tribunal de superposição afasta
a única causa petendi eleita pelo tribunal local para sustentar a procedência da demanda.
Excluído o único fundamento do acórdão recorrido, abrem-se três diferentes soluções sobre
os limites do julgamento da causa na instância
excepcional, quais sejam: o tribunal de superposição deve a) dar provimento ao recurso e
julgar improcedente a demanda, porque estaria
impedido de apreciar as causas de pedir não resolvidas pelo tribunal de origem; 16 b) necessariamente devolver os autos ao tribunal local, para
que este se manifeste sobre as outras causas de
pedir e julgue novamente o feito; 17 c) rejulgar o
feito, apreciando as outras causas de pedir lançadas na inicial, ainda que sobre elas não tenha se
Livro_126.indb 128
14. Nesse sentido, a título ilustrativo, se o tribunal local reformasse
sentença de procedência de reconhecimento e dissolução de união
estável, acolhendo o fundamento da inexistência de coabitação, seria
mais viável – em comparação com o caso narrado – o julgamento integral da demanda pelo STJ. Isso porque, nessa hipótese, presume-se
que o juiz de primeira instância só julga procedente a demanda depois
de ter realizado toda a instrução probatória. Portanto, o referido tribunal superior afastaria o fundamento utilizado para reformar a sentença e, em seguida, ele próprio teria condições de verificar a existência
ou inexistência da união estável, com base nos elementos de prova já
constantes nos autos, mas obviamente levando em consideração o fato
já decidido pelo tribunal local, qual seja a ausência de coabitação.
15. Cf. também Fonseca (2012, passim).
16. Cf. Barioni (2010, n. 7, p. 264-266).
17. Cf. Arruda Alvim Wambier (2009, p. 64).
18. Cf. Barioni (2010, n. 7, p. 265-266). Barbosa Moreira também
defende os recursos extraordinário e especial adesivo ad cautelam
(2008, n. 175, p. 320-321, n. 179, p. 327-330 e n. 324, p. 605-606).
Na Itália, com a alteração no art. 384 do CPC, que deu à corte de
cassação competência para julgar o mérito quando desnecessário
qualquer acertamento de fato, Beatrice Gambineri entende que o
vencedor-recorrido passou a ter o ônus de impugnar a decisão do
tribunal a quo, via recurso condicional adesivo, a fim de impedir a
preclusão de questões que poderiam evitar eventual êxito do recorrente principal em um possível julgamento do mérito pela corte de
cassação (2008, cap. III, esp. p. 204-205).
19. Segundo Eduardo Ribeiro, neste caso, o recurso adesivo sequer
seria conhecido, tendo em vista que o processo visa a um objetivo
prático (2000, p. 56-57). Na jurisprudência: “conhecido o recurso
especial, a ele pode-se negar provimento com base em fundamento,
exposto na causa, mas não considerado no acórdão recorrido, que
teve outro como bastante. Ao litigante que obteve tudo que poderia
obter não será dado recorrer, por falta de interesse. Entretanto, não
se reformará decisão, cuja conclusão é correta, apenas porque acolhido fundamento errado” (STJ, 3ª T., REsp nº 17.646-EDcl, Rel.
Min. Eduardo Ribeiro, j. 9/6/1992, rejeitaram os embargos, v.u., DJ
de 29/6/1992).
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que nega o bem da vida à parte que tem razão,
o processo civil. Não há dúvida de que apenas
simplesmente porque, vencedora na instância or-
questão jurídica prequestionada pode ser objeto
dinária, ela entendeu ser desnecessário recorrer.
de recurso de direito estrito. Mas superada essa
Com efeito, o processo civil instrumental não
barreira, o tribunal não pode ter o seu exercício
pode ter um procedimento com entraves e surpre-
jurisdicional ilegitimamente cerceado,20 razão
sas, que impeçam a efetiva realização do direito
pela qual ele pode e deve examinar as causas de
material em juízo e o acesso à ordem jurídica
pedir e os fundamentos de defesa necessários para
justa.
julgar os capítulos relacionados com o provimento
A segunda posição apresentada (reenvio) ser-
do recurso.21 É, portanto, também de bom alvi-
viria apenas como alternativa subsidiária, mas
tre a regra constante do parágrafo único do art.
reconhecidamente não é a mais satisfatória, por-
1.034 do novo Código, segundo a qual “admitido
que desprestigia os princípios da economia, da
o recurso extraordinário ou o recurso especial por
efetividade e da duração razoável do processo.
um fundamento, devolve-se ao tribunal superior
Nesse cenário, a terceira solução é a que mais
o conhecimento dos demais fundamentos para a
se alinha com a evolução das funções institucio-
solução do capítulo impugnado”. De todo modo,
nais dos tribunais de superposição, bem como
trata-se de mera explicitação de algo que já decorreria – naturalmente e por si só – da regra contida
no caput do mesmo dispositivo legal.
20. Na Alemanha, tal como – de uma forma geral – no direito brasileiro, “a instância de revisão, no acesso à suprema instância, não é
dominada por uma finalidade uniforme; o interesse geral é o mais
preponderante (principalmente pela limitação da admissibilidade);
porém, uma vez admitida a revisão, o procedimento se desenrola de
acordo com os interesses das partes” (PRÜTTING, 1978, p. 155).
21. Nesse sentido: “Se o tribunal local acolheu apenas uma das
causas de pedir declinadas na inicial, declarando procedente o pedido formulado pelo autor, não é lícito ao STJ, no julgamento de
recurso especial do réu, simplesmente declarar ofensa à lei e afastar
o fundamento em que se baseou o acórdão recorrido para julgar improcedente o pedido. Nessa situação, deve o STJ aplicar o direito à
espécie, apreciando as outras causas de pedir lançadas na inicial,
inda que sobre elas não tenha se manifestado a instância precedente,
podendo negar provimento ao recurso especial e manter a procedência do pedido inicial” (STJ, Corte Especial, ED no REsp nº 58.265,
Rel. p/ ac. Min. Barros Monteiro, j. 5/12/2007, deram provimento,
m.v., DJ de 7/8/2008). Ainda no mesmo sentido, Negrão, Gouvêa,
Bondioli e Fonseca (2014, nota 3 ao art. 255 do RISTJ – “Súmula
456 do STF”, p. 2.015) trazem à baila vários precedentes no sentido
de que é possível o julgamento da causa, desde logo, pelo STJ, a
despeito de o acórdão do tribunal local não ter se manifestado sobre
fundamento do pedido ou da defesa.
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4 Conclusão
Em síntese, se o julgamento da causa em recurso extraordinário ou especial depender de prova
ainda não produzida, o tribunal de superposição –
após fixar a tese jurídica correta – deve remeter
os autos à primeira instância para providências
de instrução e novo julgamento. Entretanto, se a
A profundidade do efeito devolutivo nos recursos extraordinário e especial: o que significa
a expressão “julgará o processo, aplicando o direito” (CPC/2015, art. 1.034)?
com os princípios constitucionais que informam
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à visão instrumental do processo, na medida em
causa estiver madura, o tribunal deve julgá-la integralmente – obviamente nos limites horizontais
do provimento da impugnação –, respeitando os
pontos fáticos já decididos pelo tribunal de origem, bem como as garantias do contraditório e da
ampla defesa. Eis o significado e a real extensão
do art. 1.034 do Novo CPC.
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A profundidade do efeito devolutivo nos recursos extraordinário e especial: o que significa
a expressão “julgará o processo, aplicando o direito” (CPC/2015, art. 1.034)?
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23/04/2015 16:28:53
O
juiz, a aplicação do Direito e o
Novo CPC.
Sumário
1.Introdução
2.O art. 5º da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro e os dispositivos semelhantes,
debatidos durante o processo legislativo do Novo
CPC
3.A evolução da proposta legislativa e a ordem
dos elementos incorporados à norma “processual”
de aplicação da lei
Bibliografia
1 Introdução
Em vista da recente aprovação do Novo Código
de Processo Civil (NCPC), Lei nº 13.105/2015,
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Revi s t a d o A d v o g a d o
4.Conclusão
dedica-se agora a doutrina a analisar o texto de
tal relevante diploma, preparando a sociedade e
os operadores do Direito para enfrentar as dificuldades que decorrem deste momento de mudança.
José Carlos Baptista Puoli Em boa hora, e com o protagonismo que lhe é
Professor doutor de Direito Processual Civil da
peculiar, a Associação dos Advogados de São Paulo
Universidade de São Paulo. Advogado.
abre espaço para este debate em sua tradicional
Revista do Advogado, em edição coordenada pelos
ilustres Luiz Périssé Duarte Júnior, José Rogério
Cruz e Tucci e Heitor Vitor Mendonça Sica, colegas a quem agradeço pela oportunidade de colaborar, apresentando artigo que, nos limites propostos pela coordenação, se dedica a verificar se
o NCPC altera o paradigma decisório utilizado
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pelo juiz brasileiro. Para tanto, este estudo se di-
por equidade nos casos previstos em lei”. Tratava-se
reciona à exortação que o legislador faz para que
de salientar, no âmbito da lei ordinária, o comando
o juiz, ao aplicar o ordenamento jurídico, atente
constitucional da legalidade, deixando claro que o
aos “fins sociais e às exigências do bem comum,
Direito Positivo apenas poderia ser posto de lado
resguardando e promovendo a dignidade da pes-
à medida que o próprio legislador excepcionasse a
soa humana e observando a proporcionalidade, a
situação, expressando hipótese em que a equidade
razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a efici-
pudesse ser invocada para solução do caso.2
ência”. Numa primeira leitura, tal assertiva parece
ser de pouca relevância prática, mas a ordem dos
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fatores postos no dispositivo e a iniciativa do le-
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132
gislador processual de criar regra a respeito deste
tema convidam à meditação sobre qual deve ser
a interpretação a ser dada para tal artigo. Este o
objetivo do presente texto.
2 O art. 5º da Lei de Introdução às
“Na aplicação da lei, o juiz
atenderá aos fins sociais a que
ela se dirige e às exigências do
bem comum.”
Pois bem, se a situação era esta, a leitura do
Normas do Direito Brasileiro e os
dispositivos semelhantes, debatidos
durante o processo legislativo do
Novo CPC
NCPC causa inquietação. Primeiramente porque
parece questionável a necessidade de o diploma
processual cuidar deste tema, posto existir norma
semelhante e, s.m.j., editada em mais adequado
“espaço” normativo, qual seja o situado na Lei de
1
Em sua missão de criar regras de “sobredireito”,
Introdução, que, notadamente, a partir da alteração
a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
de sua denominação (em 2010), destina-se expres-
(LINDB) estipula em seu art. 5º que, “na aplicação
samente à missão de servir de guia para interpreta-
da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se di-
ção das normas dos diversos ramos do ordenamen-
rige e às exigências do bem comum”. Esta diretriz
to jurídico brasileiro. Por sua vez, também passa a
se endereça ao campo da interpretação das normas
ser necessário indagar qual o objetivo do legislador
jurídicas, deixando claro que o juiz, ao empreender
ao inovar sua postura quanto ao tema, de forma a
a atividade intelectual de busca pelo sentido efetivo
regular o modo de aplicação do Direito, confinan-
dos textos legais, deve ater-se não apenas à exata ex-
do a norma do art. 127 aos termos do atual parágra-
pressão gramatical, posto que deverá ter em mente,
fo único do art. 140 do NCPC e criando, de outro
também, a finalidade social da norma. Inclusive,
lado, regra generosa, com menção a vários princí-
cabe observar que, no referido art. 5º da LINDB,
pios que se encontram elencados numa “ordem”
parece haver repetição desnecessária de palavras,
que, para leitor desavisado, parece sugerir uma alte-
eis que, s.m.j., a finalidade social da norma se con-
ração da maneira pela qual o julgador deve aplicar
funde com a busca pela realização do bem comum,
a lei ou, nos termos preferidos pelo legislador “mo-
que, no “frigir dos ovos”, corresponde ao objetivo
último do próprio Direito.
Independentemente disto, importante mencionar que, no âmbito do CPC, o legislador de 1973
não havia tratado de tal tema. Quando muito, colhia-se do art. 127 menção a que o “juiz só decidirá
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1. Nas palavras de Maria Helena Diniz (2013, p. 23), a LINDB caracteriza sobredireito porque “contém normas relativas à aplicabilidade
e incidências de outras normas”.
2.Dois, os tradicionais exemplos em que o legislador permite o julgamento por equidade, a saber, no âmbito da jurisdição voluntária
(art. 1.009 do CPC de 1973) e nos casos submetidos à arbitragem
(art. 2º da Lei nº 9.307/1996).
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derno”, o ordenamento jurídico. Para solucionar
a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a
esta inquietação, necessário analisar a evolução da
eficiência”.
proposta do NCPC, bem como a ordem dos termos
utilizados pela regra em comento.
A repetição do texto normativo é aqui feita para
salientar que, s.m.j., o legislador cria confusão ao
incluir menções que, de um lado, mesmo que não
3 A evolução da proposta legislativa
e a ordem dos elementos
incorporados à norma “processual”
de aplicação da lei
estivessem escritas, seriam observáveis (ao menos
nas situações de real necessidade desta utilização),
mas que, por estarem ali expressamente elencadas,
podem ocasionar percepção que, com o devido resÉ que as referências à dignidade da pessoa hu-
positivo de que se ocupa este texto era um pouco
mana, à proporcionalidade e à razoabilidade são
mais extenso, afirmava que o juiz deveria obser-
feitas como se o legislador estivesse a valorar, esca-
var “sempre” os princípios ali elencados, em rol do
lonando, os princípios enumerados neste preceito,
qual também constava a impessoalidade e mora-
de forma que à legalidade estaria reservada ape-
lidade. Tal redação foi contemplada ao tempo da
nas a quarta prioridade na escala a ser considerada
primeira etapa do processo legislativo, sendo certo
pelo juiz no momento de aplicar a lei.
que o Projeto de Lei nº 166/2010, tal como apro-
Dir-se-á que esta graduação estaria adequada a
vado pelo Senado Federal em dezembro de 2010,
um momento metodológico que, nas palavras do
manteve o art. 6º com esta redação mais ampla.
ministro Roberto Barroso, caracteriza-se como sendo
Em boa medida, a Câmara dos Deputados extir-
o da constitucionalização do Direito, marcado pelo
pou a menção a que o juiz, na busca por aplicação
“efeito expansivo das normas constitucionais, cujo
da lei alinhada com o bem comum, “sempre” tenha
conteúdo material e axiológico se irradia com força
de observar os princípios ali enumerados. Também
normativa por todo o sistema jurídico”.
foram retiradas as referências à impessoalidade e à
Ocorre que este fenômeno não permite que o
moralidade. Mas diga-se, desde já, que isto não será
legislador ordinário possa escolher, ele, qual prin-
permissivo a que o juiz seja parcial (proferindo deci-
cípio deva ser privilegiado, sem que haja expressa
sões com o deliberado desejo de atender interesse de
norma constitucional permitindo a preferência
determinadas pessoas) e/ou que o juiz possa proferir
contida na lei. Ademais, causa perplexidade o fato
decisões que não sejam probas.
de o NCPC ter deixado de lado, ao redigir este
Dito isto, cumpre analisar o texto “restante”
art. 8º, um dos mais relevantes princípios informa-
que, ao longo da etapa legislativa havida na Câma-
dores de nosso ordenamento, qual seja o da segu-
ra dos Deputados, foi renumerado e, como art. 8º,
rança jurídica, entendida aqui, resumidamente,
tem a redação anteriormente já mencionada, mas
como a necessidade de haver regulação jurídica
que, para facilidade do leitor, ora vai reiterada:
suficientemente objetiva que permita haver estabili-
“Ao aplicar o ordenamento jurídico o juiz
dade nas relações sociais e respectiva previsibilidade
atenderá aos fins sociais e às exigências do bem co-
sobre qual o conteúdo da norma, de modo que
mum, resguardando e promovendo a dignidade da
cada sujeito possa se conduzir com vistas a buscar
pessoa humana e observando a proporcionalidade,
determinados resultados. E esta omissão parece se
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No art. 6º do Anteprojeto de Novo CPC, o dis-
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peito, deve ser desde logo repelida.
3
agravar, na medida em que nosso ordenamento
3.Texto elaborado pela Comissão de Juristas nomeada pela Presidência do Senado Federal e finalizado em 8/6/2010.
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continua filiado à família da “civil law”, na qual
a fonte preponderante do Direito é a lei. E isto
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vai traduzido pelo papel de destaque que o art. 5º
que toca à dignidade humana, cabe referir que ela
da Constituição Federal de 1988 (CF/1988) dá ao
tem intrínseca ligação com os ideais de proporcio-
princípio da legalidade, mencionando-o logo em
nalidade e razoabilidade, eis que uma norma que
seguida ao caput, que trata da inviolabilidade do
não atenda a estes postulados tende a conduzir a re-
“direito à vida, à liberdade, à igualdade, à seguran-
sultados indignos para o ser humano destinatário da
ça e à propriedade”. Diz-se isto, posto que o inciso
regra. Poder-se-ia dizer, mesmo, que a lei que fere a
I “apenas” reitera a referência ao valor igualdade,
dignidade humana já seria, em si, desproporcional
passando o constituinte a tratar, “logo em segui-
e/ou desarrazoada, de modo que novamente parece
da”, da legalidade, enfatizando-a, ao mencionar
haver, aqui, repetição desnecessária de termos.
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no inciso II que “ninguém será obrigado a fazer
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ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”.
Rememorado isto, parece certo que a escala de
prioridades da Constituição não aceita a proposição do NCPC de “relegar” a legalidade a uma leitura submissa à dignidade humana, razoabilidade
e proporcionalidade. Note-se, não se advoga a validade de leis desumanas e/ou que contemplem
medidas irracionais e/ou desmedidas.
Insista-se, de todo modo, que dignidade hu-
Defende-se, isto sim, que, a despeito da ordem
mana, proporcionalidade e razoabilidade devem
de fatores posta no texto, seja o art. 8º (em comen-
ocupar papel de destaque nas considerações do
to) lido com a necessária parcimônia, eis que o
juiz moderno, mas não podem servir de pretexto
ideal da segurança jurídica não permite haja o
para corriqueira afronta à lei positiva, posto que
escalonamento contido, ao menos, na leitura ex-
tais vetores, de nítida similaridade, são muito
pressa do texto de tal artigo do NCPC.
genéricos e devem, por isto, continuar a desem-
Afirma-se isto sem medo de erro, eis que os
penhar papel de critério de solução apenas para
valores da dignidade humana, da proporcionali-
casos “excepcionais”, sob pena de se espraiar ilegí-
dade e da razoabilidade, por sua pouca densida-
tima arbitrariedade judicial.
de normativa, não podem servir de pretexto para
que, em todo e/ou qualquer caso, possa ser des-
Neste sentido, Leonardo Greco (2013, p. 12)
adverte que
considerada a lei. Se isto fosse permitido, haveria
“a hermenêutica da modernidade, que reduz a
aniquilação do valor segurança, posto que o uso
autoridade e a observância da lei, favorece o arbí-
indiscriminado de tais princípios levaria a inúme-
trio, gera insegurança jurídica e estimula o juiz a
ros julgamentos subjetivos que, sem a devida legi-
realizar justiça à sua moda, criando a lei do caso
timidade, retirariam validade das escolhas feitas
concreto e substituindo-se aos demais poderes.
pelos canais políticos de deliberação, a respeito
Esse caminho é incompatível com o Estado De-
das condutas que devem ser prestigiadas e/ou repri-
mocrático de Direito”.
midas em nossa sociedade. Deste modo propugnase que, como já tem sido ensinado, continuem tais
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Dignidade humana,
proporcionalidade e razoabilidade
não podem servir de pretexto para
corriqueira afronta à lei positiva.
De seu lado, José Ignácio Botelho de Mesquita
(2005, p. 281) mencionava que
valores a ser invocados como normas de conten-
“atribuir à sentença outros fins que o de atuar a
ção, aplicáveis apenas em situações “limite”, nas
lei, fins que o juiz vá buscar alhures, é desnaturar
quais a norma positivada estiver levando a verda-
a sentença e o juiz [...] e submeter o povo a uma
deiros absurdos não tolerados pelo sistema. E, no
vontade que não é a sua”.
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Na mesma esteira, já tive a oportunidade de
tinua o juiz sujeito à lei. Aquele que, a pretexto
mencionar que o juiz deve resolver os casos con-
de dar a esta interpretação evolutiva, pretender
cretos aplicando a lei, sem fazer preponderar seus
impor crenças soluções suas personalíssimas,
valores pessoais em detrimento daqueles contidos
decorrentes de suas opções políticas, crenças
no texto legal, eis que a diretriz legítima para so-
religiosas, preconceitos, preferências etc. estará
lução dos litígios
cometendo ilegalidade e sua decisão não será le-
da própria lei, na medida em que ela [...] é resul-
Citem-se, ainda, as palavras de Eros Roberto
tado da vontade do povo [...] expressada por inter-
Grau (2014, p. 138-139), que, em recente obra, na
médio de seus representantes políticos” (PUOLI,
qual faz importante e surpreendente revisão de
2002, p. 69).
aspectos de seus escritos anteriores, afirma que o
Enfim, e à vista do anteriormente exposto,
endeusar dos princípios “encanta” e “fascina”, mas
necessário reiterar que para solução de casos do
adverte que talvez esta tendência “acabe quando
dia a dia não será possível recorrer a princípios
começar a comprometer a fluência da circulação
de expressão tão genérica, que tão pouco dizem
mercantil, a calculabilidade e a previsibilidade indis-
para guiar o juiz e permitir haja razoável uniformi-
pensáveis ao funcionamento do mercado”, mencio-
dade nas decisões proferidas. Necessário repetir:
nando ainda que, até o momento em que houver o
a rotineira referência à dignidade humana, à pro-
abandono deste modelo de aplicação da lei, ele, mi-
porcionalidade e/ou à razoabilidade para decidir
nistro Eros, terá “medo dos juízes”, “medo do direito
conflitos corresponderia a privilegiar de maneira
alternativo”, “medo do direito achado na rua”.
descabida o subjetivismo do juiz, que, mesmo tendo a atribuição de decidir, não ostenta poder para
4 Conclusão
se posicionar “sempre” em detrimento das esco-
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lhas feitas pelos canais políticos de representação
Como toda obra humana, o NCPC contém
popular. Em outras palavras, que não se leia o art. 8º
aspectos positivos e negativos. Uma escolha que
do NCPC como norma que promove revolução de
causa preocupação materializa-se na ideia de que-
nosso sistema jurídico.
rer enfatizar princípios que iluminam nosso siste-
Não se veja, pois, na retórica redação de tal
ma, mas não são dotados da densidade necessária
regra autorização para que, ao contrário do que
a garantir haja segurança jurídica. Neste contexto,
consta da CF/1988, se queira libertar o juiz da
insere-se o art. 8º do NCPC, que, para manter-se
submissão à lei em qualquer caso no qual, e mes-
íntegro, deverá ser, s.m.j., “lido” com a parcimô-
mo sem efetiva densidade normativa, ele queira
nia sugerida neste texto, mantida a lei como o
prestigiar escolhas pessoais, feitas em nome de
critério básico de decisão a ser seguido pelo juiz,
um suposto prestígio à dignidade humana, à razoa-
reservando-se a necessidade de elucubrações re-
bilidade e/ou à proporcionalidade.
lativas à dignidade humana, à razoabilidade e/ou
Neste sentido, calha mencionar lição de Cân-
à proporcionalidade para casos excepcionais, eis
dido Dinamarco quando instiga o aplicador da
que, como leciona Rosa Maria de Andrade Nery
lei a buscar a justiça das decisões, mas igualmente
(2006, p. 426), o risco de trocar a “certeza do
fala que desta busca não deve
direito pelo resultado da ‘genialidade inventiva’
“emanar a ideia de uma carga excessiva e pe-
do jurista nos obriga a um exame de consciência”.
rigosa de poderes entregues ao juiz. Legislador
É o que se põe para debate perante a comunidade
ele não é e, com as ressalvas postas, sempre con-
jurídica.
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gítima” (DINAMARCO, 2009, p. 349).
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“no mais das vezes será encontrada na dicção
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Bibliografia
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PUOLI, José Carlos Baptista. Os poderes do juiz e as reformas
do processo civil. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
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T
utela provisória.
Sumário
1.Critérios de classificação e terminologia adotada
no CPC de 1973 e no anteprojeto
2.Tutela provisória e técnica processual
Bibliografia
1 Critérios de classificação e
terminologia adotada no CPC
de 1973 e no anteprojeto
A comissão constituída pela Presidência
jeto do Código de Processo Civil (CPC) houve
por bem sugerir a criação de um título próprio
para regular a tutela de urgência e a tutela da
evidência.
Essa iniciativa, aprovada pelo Senado, visava a
eliminar discussões acadêmicas sobre a natureza
José Roberto dos Santos
Bedaque Professor titular de Direito Processual Civil da
Faculdade de Direito da USP. Desembargador
aposentado do TJSP. Membro da Comissão de
da antecipação provisória de efeitos da tutela jurisdicional, hoje prevista no art. 273 do Código.
Ao lado dessa providência, existe a possibilidade
de o juiz conceder à parte, também em caráter
Juristas encarregada de elaborar o Anteprojeto
provisório, a tutela cautelar, regulada pelos arts.
do NCPC e de rever o Substitutivo apresentado
797 e seguintes do estatuto processual.
ao Senado pela Câmara dos Deputados.
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Revi s t a d o A d v o g a d o
do Senado Federal para elaboração de Antepro-
Ambas as modalidades de tutela jurisdicional
acima apontadas caracterizam-se, segundo o critério adotado pelo legislador brasileiro, por não ser a
proteção final, concedida ao titular de determinada pretensão deduzida em juízo. Nas hipóteses em
que autorizadas, essas espécies de tutela, sempre
precedidas de cognição sumária, visam simplesmente a assegurar a efetividade prática da tutela
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definitiva, esta precedida, ao menos em princípio,
de cognição exauriente e juízo de certeza.
Possível, então, denominar as tutelas sumárias
e provisórias com as seguintes expressões: tutelas
de urgência e tutelas da evidência.
As tutelas sumárias e provisórias
podem, ou não, depender da
demonstração de perigo de dano.
Além disso, é preciso compreender que as tutelas sumárias também comportam outra classificação. Se considerados seu conteúdo e suas consequências, verificamos que elas podem implicar
simples conservação de bens, pessoas ou provas,
bem como a antecipação de efeitos da tutela final.
Podemos então apontar os critérios levados
Tutela provisória.
em conta pelo legislador para classificar as tu-
Rev i st a d o A d v o g a d o
138
Em ambos os casos, visando sempre a assegurar a
efetividade prática desta última.
telas por força das quais se assegura a utilidade
Elas estão reguladas na legislação brasileira,
prática do resultado final do processo. Elas
porém de forma tecnicamente imprecisa. A ante-
são informadas por cognição sumária, apta a
cipação de efeitos da tutela definitiva está prevista
revelar a verossimilhança, a plausibilidade do
no art. 273, que mistura hipóteses em que há o
direito afirmado. Além disso, são provisórias,
requisito da urgência com outras nas quais é sufi-
visto que sua existência e eficácia estão condi-
ciente a verossimilhança. Nos arts. 796 e seguin-
cionadas a evento futuro e certo: a tutela final
tes, encontram-se tutelas urgentes meramente
e definitiva.
conservativas, mas também algumas de conteúdo
As tutelas sumárias e provisórias, todavia,
antecipatório e, pois, satisfativas.
comportam outra classificação. Podem, ou não,
Essa dicotomia não contribui para a compreen-
depender da demonstração de outro requisito: o
são da modalidade de tutela jurisdicional, cujas
perigo de dano. Em determinadas situações, a tu-
características mais importantes são o escopo e
tela sumária e provisória só é admissível se quem
a provisoriedade.1 Como já procurei destacar em
a requer conseguir convencer o juiz da existência
outra oportunidade, ao lado das tutelas definiti-
de determinado acontecimento, cuja ocorrência
vas, destinadas a eliminar as crises verificadas no
pode impedir ou comprometer a utilidade práti-
plano do direito material e aptas à imutabilidade,
ca da tutela final. Nesses casos, a característica da
existem outras, cuja função no sistema é simples-
urgência é fundamental.
mente assegurar a utilidade prática daquelas. Essa
Em outros, todavia, o legislador contenta-se
característica é comum às cautelares conservati-
simplesmente com o alto grau de verossimilhança
vas e às antecipatórias satisfativas. Nenhuma delas
do direito afirmado. Após descrever as hipóteses
em que o fenômeno se verifica, autoriza a concessão da tutela sumária e provisória.
Em síntese, essa modalidade de tutela, informada sempre por cognição não exauriente, fundada, portanto, no juízo de verossimilhança, não
de certeza, em princípio provisória, destinada a
assegurar o resultado útil do processo, comporta
duas espécies: as urgentes e as não urgentes. Estas
caracterizam-se tão somente pelo grau de evidência do direito afirmado.
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1. A característica da provisoriedade significa a inaptidão dessa modalidade de tutela para alcançar a estabilidade inerente às tutelas
definitivas. Transitada em julgado a decisão de mérito, a regulação
da situação de direito material torna-se inalterável. Evidentemente,
eventual modificação de elementos constitutivos do direito tutelado
pode justificar a necessidade de nova tutela. O exemplo clássico é
a mudança das circunstâncias em função das quais fixou-se o valor
de pensão alimentícia. Nesse caso, a existência de nova situação jurídica autoriza outra intervenção judicial. Não é o que ocorre com
a tutela cautelar, cuja instabilidade permite seja alterada a qualquer
tempo, por força do mero surgimento de novas provas, sem que tenha havido qualquer alteração fática. Daí por que não parece correta
a conclusão de Mitidiero. A tutela cautelar não é definitiva, inclusive
em relação à eficácia (cfr. MITIDIERO, 2012, p. 41, esp. nota 137).
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pretendem alguns. Mesmo a tutela antecipada
consideração pela comissão de especialistas cons-
proporciona tão somente a possibilidade de frui-
tituída pelo Senado Federal: reunir todas as es-
ção de efeitos do possível direito, cujo reconheci-
pécies de tutelas provisórias sob o mesmo título,
mento depende da cognição exauriente a ser reali-
classificar as respectivas espécies segundo critério
zada durante o devido processo legal. Em síntese,
homogêneo e não ignorar a terminologia já consa-
antecipar a fruição do eventual direito não signi-
grada na doutrina. Pretendeu-se, com isso, elimi-
fica antecipar o reconhecimento do direito, mas
nar as discussões teóricas a respeito do tema, cuja
permitir que, se reconhecido no momento opor-
compreensão vem sendo dificultada por constru-
tuno, a tutela jurisdicional tenha utilidade ao ti-
ções muito caras aos nefelibatas.
tular. É exatamente o que a cautelar conservativa
Assim, com fundamento em respeitadíssima
assegura, mas mediante outras medidas, destina-
corrente doutrinária, regulou-se a tutela de urgên-
das apenas a preservar a efetividade do resultado,
cia, cuja concessão pressupõe, além da plausibi-
sem permitir a imediata fruição de seus efeitos,
lidade do direito, o risco de que algum aconteci-
porque desnecessária essa antecipação para o es-
mento, concretamente descrito pelo interessado,
copo pretendido.
possa comprometer a eficácia prática da tutela
A solução do litígio, mediante a atuação das
final. Essa espécie de tutela provisória pode impli-
regras extraídas do plano do direito material, de-
car a mera conservação de bens, como a antecipa-
pende do regular desenvolvimento do devido pro-
ção de efeitos da tutela final. Tudo vai depender
cesso legal. Isso demanda tempo, tendo em vista
das exigências da situação apresentada. A partir
a necessidade das garantias constitucionais do
dela, define-se a medida apta a preservar a utilidade
processo e da formação do juízo de certeza pelo
do resultado final.
julgador.
O elemento comum nessas modalidades de
Nesse ínterim, fatores podem comprometer a
tutela é a urgência, decorrente do risco de que al-
efetividade prática da respectiva tutela jurisdicio-
gum acontecimento, concretamente identificado,
nal. Também circunstâncias verificadas no próprio
possa comprometer a efetividade prática da tutela
processo muitas vezes tornam aconselhável a ante-
definitiva.
cipação de determinados efeitos da tutela final.
Ao lado dessa modalidade de tutela provisória,
Nesses casos, e desde que verossímeis os fun-
o anteprojeto previu outra, cuja característica é
damentos fáticos e jurídicos da pretensão, pode
a desnecessidade do perigo de dano. Em alguns
o juiz adotar providências protetivas da utilidade
casos, tipificados pelo legislador, poderá o juiz
prática da tutela final. Consistem essas providên-
antecipar determinados efeitos da provável tutela
cias na conservação de bens, pessoas ou mesmo
definitiva, com fundamento apenas na verossimi-
provas, bem como na antecipação de efeitos da
lhança do direito. A lei descreve minuciosamente
tutela final. A adoção de uma ou outra depende-
em que circunstâncias isso ocorre.
rá das circunstâncias do caso concreto. Deve ser
Por não estar presente a característica da ur-
concedida aquela que mais se adequar ao objetivo
gência, adotou-se a expressão “tutela da evidên-
pretendido, qual seja assegurar a efetividade da
cia”, que identifica o aspecto essencial a essa
tutela definitiva.
modalidade de tutela provisória, qual seja o alto
Tutela provisória.
Três aspectos importantes foram levados em
2
139
Revi s t a d o A d v o g a d o
implica a “imediata realização do direito”, como
grau de plausibilidade do direito afirmado. Os
2.Cfr. Mitidiero (2012, p. 38) em apoio à conhecida lição de Ovídio
Baptista da Silva.
Livro_126.indb 139
elementos apresentados pelo autor justificam a
proteção pretendida, pois permitem vislumbrar
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na pretensão do autor a clareza necessária ao res-
técnicas processuais destinadas à adoção de de-
pectivo acolhimento, não admissível naquele mo-
terminadas medidas, cuja finalidade outra não é
mento em razão da necessidade do contraditório.
senão conferir maior efetividade à tutela final, na
Esse juízo de certeza provisório pode revelar-se
maioria das vezes sem solucionar a crise de direito
equivocado após a apresentação da defesa pelo
material. Provisórias, portanto. Opto por denomi-
réu. Exatamente por isso, ele não pode ainda ser
ná-la “cautelar”.6 Para não ser acusado de filiação
definitivo. Mas, como é enorme a possibilidade de
a ideias ultrapassadas, como as de Calamandrei
que isso venha a ocorrer, o legislador possibilita a
(???), invoco um dos maiores processualistas ita-
antecipação provisória dos efeitos da decisão final.
lianos da atualidade, para quem não só a técnica
Essa opção terminológica foi mantida no projeto
conservativa, mas também a antecipatória servem
aprovado pelo Senado Federal.
aos fins da tutela cautelar, qual seja assegurar a
priori a definitiva fruttuosità da tutela final, em
2 Tutela provisória e técnica processual
consonância com o significado da palavra “cautela”
(prudência, proteção, garantia) (COMOGLIO;
Técnica processual: essa expressão deve ser
FERRI; TARUFFO, 1995, p. 158).
Tutela provisória.
compreendida como o conjunto de soluções ado-
Re v is t a d o A d v o g a d o
140
tadas pelo legislador processual para regular o
método de trabalho denominado processo. Daí a
necessidade, na construção do modelo adequado
de instrumento, de se levarem em consideração
as especificidades do direito material submetido
A doutrina brasileira reserva a
denominação “cautelar” para as
tutelas sumárias conservativas.
ao processo.3
A tutela cautelar, a meu ver, cumpre a função
Aliás, segundo os dicionaristas, cautela é defi-
de assegurar a utilidade do processo mediante
nida como cuidado para evitar um mal (Aurélio).
duas técnicas: conservativa e antecipatória. Am-
Esse cuidado, no processo, consiste na conserva-
bas são informadas por cognição sumária, pela
ção ou na antecipação de efeitos da tutela final,
plausibilidade e pela urgência, o que implica, nor-
com o que se evita o mal representado pela falta
malmente, a provisoriedade. Tudo isso é técnica
de efetividade desta última.
4
adotada pelo legislador processual para regular a
Mas não faço questão dessa expressão e jamais
tutela cautelar. Trata-se de técnicas empregadas
tentaria transformar em lei minha preferência
para solucionar o problema da urgência, destinadas a evitar que a demora do processo comprometa
a utilidade da tutela jurisdicional final.5
A doutrina brasileira, todavia, reserva a denominação “cautelar” para as tutelas sumárias meramente conservativas. Mas tanto elas quanto as medidas
com conteúdo antecipatório são urgentes. Ao lado
delas, temos as sumárias não urgentes, fundadas
apenas na cognição não exauriente e na plausibilidade. Estas podem ser provisórias ou definitivas.
Assim, tanto urgência quanto evidência são aspectos considerados pelo legislador para construir
Livro_126.indb 140
3.Por isso, as soluções adotadas pelos arts. 461 e 461-A, do CPC,
são consideradas técnicas processuais adequadas à tutela dos direitos
correspondentes às obrigações de fazer, não fazer e dar (cfr. MARINONI, 2004, p. 28-29). O autor, com razão, insiste na necessidade
de as técnicas processuais identificarem-se com as tutelas dos direitos, “para adequação do processo ao direito material” (op. cit., p. 31).
Nessa linha, o processo adota técnicas próprias à tutela específica
de determinadas obrigações, visando a atender as especificidades do
direito material. Cfr. ainda Oliveira (2009, p. 147-152; 2006, p. 291-293).
4.Que também constitui aspecto relacionado à técnica processual
(cfr. MOREIRA, 2004, p. 92).
5.Cfr. MOREIRA, 2004, p. 91.
6. Justificativa mais aprofundada dessa opção metodológica encontra-se
em Bedaque (2006, p. 123 e ss.).
23/04/2015 16:28:54
nossa vaidade. Nessa medida, prefiro deixar aos
a verossimilhança do direito afirmado mostra-se
doutos a missão de atribuir nomes aos fenômenos
elevada, concede-se à parte a “tutela da evidên-
jurídico-processuais. Embora respeite o entendi-
cia”. Mediante tais técnicas, busca-se assegurar a
mento contrário, todavia, não me parece adequa-
efetividade do processo.
do incluir a tutela sumária conservativa (a “legíti-
No exame do projeto do Novo CPC elabora-
ma” cautelar para muitos) como espécie de tutela
do pela Câmara dos Deputados, a nova comissão
antecipada, pois ela visa a assegurar o resultado
nomeada pelo Senado houve por bem adotar no-
útil do processo, mediante a técnica da conser-
menclatura pouco diversa daquela acolhida no
vação, não da antecipação de efeitos, esta sim, a
anteprojeto. Trata-se de simples adequação termi-
verdadeira e já consagrada pela doutrina “tutela
nológica, visto que não implica alteração do con-
antecipada”. Se fundadas no perigo de dano, am-
teúdo e do significado das regras.
7
bas são “tutelas de urgência”. O alto grau de plau-
O Livro V passou a denominar-se “Da tutela
sibilidade do direito, muitas vezes revelado pelo
provisória”, visto que trata deste gênero de tutela
comportamento da própria parte contrária (abuso
jurisdicional, cujas espécies são as tutelas urgentes
do direito de defesa) ou pela adoção de determina-
e as não urgentes. Aquelas – tutelas de urgência –
da tese, fundada em fatos comprovados documen-
podem ser cautelares (conservativas) ou antecipa-
talmente, por súmula vinculante ou julgamento
das (satisfativas),9 e são reguladas no Título II do
de casos repetitivos, pode justificar a antecipação
Livro V (o Título I trata das disposições gerais so-
de efeitos da tutela final, independentemente da
bre as tutelas provisórias). Nesse Título II há dois
urgência. Surge então a figura da “tutela da evi-
capítulos. O primeiro versa sobre o procedimento
dência”.
da tutela antecipada requerida antes da propositu-
A classificação adotada no anteprojeto, ao re-
ra da demanda principal. O segundo contém re-
gular a técnica processual destinada a assegurar
gras sobre a tutela cautelar pleiteada também em
a efetividade da tutela final, levou em considera-
caráter antecedente.
ção, portanto, os requisitos necessários à adoção
Já as tutelas não urgentes recebem a denomi-
das providências a ela inerentes. Se presente o
nação de tutela da evidência. Todas têm em co-
perigo de dano, temos a “tutela de urgência”. Ve-
mum, ao menos em princípio, natureza provisó-
8
Tutela provisória.
rificadas as situações em que, ao ver do legislador,
141
Revi s t a d o A d v o g a d o
terminológica. Temos o dever de impor limites à
ria. E constituem técnicas destinadas a assegurar
7. Essa proposta constava da redação dada ao projeto pela Câmara
dos Deputados.
8.Tal como ocorre, aliás, na legislação italiana (CPC, seção quinta,
art. 700).
9. Barbosa Moreira (2004, p. 92) trata expressamente da técnica consistente na sumarização da cognição, visando a assegurar o resultado
final mediante providências de natureza cautelar e/ou antecipatórias. Opta pela formulação alternativa em razão das incertezas classificatórias em relação a tais medidas.
Livro_126.indb 141
a efetividade da tutela jurisdicional. Encontram-se
previstas no Título III do Livro V.
Essas providências, todas aprovadas pelo Senado Federal, têm por objetivo facilitar a compreensão do instituto e, principalmente, afastar
interpretações formalistas, que acabam comprometendo sua finalidade.
23/04/2015 16:28:54
Bibliografia
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela
antecipada. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO,
MOREIRA, Barbosa. Tutela de urgência e efetividade do
direito. In: ______. Temas de direito processual. Oitava
série. São Paulo: Saraiva, 2004.
Michele. Lezione sul processo civile. Bologna: Il Mulino, 1995.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Direito material, pro-
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela
cesso e tutela jurisdicional. In: Polêmicas sobre a ação.
dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
MITIDIERO, Daniel. Antecipação da tutela. São Paulo:
2009.
Tutela provisória.
Revista dos Tribunais, 2012.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
______. Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva,
Re v is t a d o A d v o g a d o
142
Livro_126.indb 142
23/04/2015 16:28:54
O
regime do precedente judicial no
Novo CPC.
“O juiz não pode ser um escravo do passado
e um déspota do futuro” (Arthur Goodhart,
Precedent in English and Continental
Law and Case Law: a Short Replication,
Law Quarterly Review, 50, 1934).
1.Premissas
2.CF de 1988 e a crescente relevância dos tribunais superiores
3.Relevância, estabilidade e superação dos
precedentes judiciais
4.Técnicas de unificação da jurisprudência e de
143
Revi s t a d o A d v o g a d o
Sumário
observância do precedente
5.O problema da eficácia retroativa do precedente
José Rogério Cruz e Tucci 6.O precedente judicial no Novo CPC
Advogado. Ex-presidente da AASP. Professor
7.À guisa de conclusão: esboço de uma teoria
titular e diretor da Faculdade de Direito da
USP. Coordenador do Conselho da Presidência
geral do precedente judicial
do CNJ para a Disseminação Nacional da
Bibliografia
Jurisprudência Uniformizada.
1 Premissas
O presente artigo parte de duas premissas
básicas, extraídas da atual experiência jurídica
brasileira: a) o reconhecido protagonismo dos tribunais superiores; e b) a ausência de uma dogmática
consolidada sobre precedente judicial.
Livro_126.indb 143
23/04/2015 16:28:54
2 CF de 1988 e a crescente relevância
dos tribunais superiores
Com a promulgação da Constituição Federal
(CF) de 1988 e dos inúmeros textos legais que lhe
seguiram (v.g.: Código de Defesa do Consumidor,
reforma da Lei de Ação Civil Pública, etc.), infundiu-se em cada brasileiro um verdadeiro “espírito
O r e g i m e d o p r e c e d e n t e ju d icial n o No vo CPC.
de cidadania”. Os cidadãos passaram a ser senho-
Rev i st a d o A d v o g a d o
144
res de seus respectivos direitos, com a expectativa
de verem cumpridas as garantias que lhes foram
então asseguradas.
Observe-se ainda que também foram incrementados, a partir do início dos anos 1990, mecanismos
processuais adequados a recorrer aos tribunais com
maior efetividade, como, por exemplo, a ampliação
do rol dos legitimados ativos a manejar as ações diretas de inconstitucionalidade, a ajuizar ações coleti-
ciência das agências reguladoras de serviços que
também contribuem para a intervenção judicial.
O recurso aos tribunais para garantir o acesso a
medicamentos e tratamentos médicos é constante. Não é crível que nos dias de hoje muitos brasileiros tenham de ir à Justiça para obter indenização por atraso de voo e extravio de bagagem, ou,
ainda, para forçar adequada prestação de serviço
em várias atividades. O Poder Judiciário está se
tornando um verdadeiro Serviço de Atendimento
ao Consumidor (SAC).
Nestes últimos anos, os
nossos tribunais superiores
passaram a desempenhar
papel relevantíssimo.
vas em prol dos interesses difusos, a consagração da
autonomia e independência do Ministério Público e
a opção determinada por um modelo de assistência
judiciária e de promoção de acesso à Justiça.
Na visão insuspeita do sociólogo e jurista
Boaventura de Sousa Santos (2014, p. 23 e ss.), a
redemocratização e o novo marco constitucional,
no Brasil, geraram maior credibilidade à utilização da vertente judicial como alternativa válida
para conquistar direitos. De forma natural, os
instrumentos jurídicos que já existiam no período
Livro_126.indb 144
Tem-se outrossim clara percepção da inefi-
O sistema judicial passa, assim, a suplantar o
sistema da Administração Pública, a quem, por
óbvio, compete sancionar as referidas falhas.
Chega-se mesmo ao que poderíamos denominar de “banalização de demandas”, sem esquecer o papel de exator dos tribunais, na função
substitutiva de ser o principal palco da cobrança
de tributos, diante dos milhares de executivos fiscais que abarrotam os escaninhos dos cartórios
forenses.
autoritário, como a ação popular e a ação civil pú-
Ressalte-se, a propósito, que, nestes últimos
blica, passaram a ser amplamente colocados em
anos, os nossos tribunais superiores passaram a
evidência no foro brasileiro.
desempenhar papel relevantíssimo, por duas di-
Diante desse importante fenômeno, houve,
ferentes razões. Em primeiro lugar, pela necessi-
como era notório, um vertiginoso crescimento da
dade de uniformizar a jurisprudência, diante das
demanda perante o Poder Judiciário. Os núme-
incertezas e divergências de julgados, que conspi-
ros alarmantes são de conhecimento geral. E isso
ram contra a segurança jurídica. São mais de 50
tudo agravado pela circunstância de que a consti-
tribunais de segundo grau, espalhados nos diver-
tucionalização de um conjunto tão ousado de ga-
sos Estados brasileiros.
rantias, sem a consecução consistente de políticas
Em segundo lugar, pela “nova” tarefa, que
públicas e sociais correlatas, tem propiciado, sem
passa também a ser carreada ao Judiciário e que o
dúvida, maior judicialização dos conflitos.
coloca em destaque nos noticiários, referente
23/04/2015 16:28:54
aos julgamentos sobre crimes de viés político, no
Nenhum operador do Direito, de época con-
combate à corrupção de agentes estatais e de gran-
temporânea, pode negar a utilidade e eficiência
des empresários.
dos precedentes judiciais acerca das várias teses
Há alguns anos, a população de um modo
que deve sustentar na defesa de um caso ou para
geral não conhecia o nome de nenhum ministro
fundamentar uma decisão; qualquer acadêmico
do Supremo Tribunal Federal (STF). Atualmen-
sabe da importância do conhecimento da juris-
te, são conhecidíssimos. Há de fato um controle
prudência como um dos mais poderosos instru-
social externo muito saliente da atividade jurisdi-
mentos de persuasão.
Não é possível analisar, nos dias de hoje, o
cio profissional, a consulta em repertórios de jul-
papel dos tribunais sem considerar as interações
gados e em coletâneas de jurisprudência selecio-
entre eles e os meios de comunicação. Assevera, a
nadas por matérias tópicas e/ou anotadas; estas,
respeito, Sousa Santos (2014, p. 142) que o
aliás, com sucessivas edições atualizadas.
“novo protagonismo judiciário decorrente de
Os próprios tribunais de um modo geral, ze-
uma judicialização dos conflitos políticos não
losos em difundir os seus respectivos preceden-
pode deixar de traduzir-se na politização dos con-
tes, disseminam-nos pela rede mundial de com-
flitos judiciários. Mas é óbvio que nenhuma destas
putadores, e até mesmo interagem e “dialogam”,
transformações sociais teria retirado os tribunais da
on-line, com os usuários, chegando a “responder
obscuridade e do silêncio a que desde sempre esti-
consultas” pontuais sobre determinada questão.
veram remetidos se, entretanto, não tivessem ocor-
Diante da desmedida pletora de recursos que
rido mudanças profundas, tanto técnicas, como po-
pendem de julgamento em nossas cortes de Justi-
líticas, no domínio das tecnologias, de informação
ça, a experiência tem demonstrado que os acór-
e de comunicação. Foi no bojo da expansão desta
dãos, via de regra, são fundamentados na jurispru-
indústria que os tribunais se transformaram, qua-
dência, em particular, dos tribunais superiores,
se de repente, num conteúdo apetecível. A plácida
fator esse que aumenta em muito a previsibilidade
obscuridade dos processos judiciais deu lugar à
do resultado do processo.
trepidante ribalta dos dramas judiciais”.
Na verdade, a exigência de interpretação e apli-
Nota-se, pois, enorme influência dos tribunais
cação, tanto quanto possível, homogênea do ius
superiores – inclusive do Superior Tribunal de
positum tem efetivamente ocupado a atenção do
Justiça (STJ) e do Tribunal Superior Eleitoral
legislador pátrio, inclusive, por certo, como meio
(TSE) – nos outros poderes, seja na Adminis-
de minimizar o afluxo exagerado de demandas.
tração, seja no Legislativo.
O r e g i m e d o p r e c e d e n t e ju d icial n o No vo CPC.
É simplesmente indispensável, para o exercí-
145
Revi s t a d o A d v o g a d o
cional.
Ocorre que, com o passar do tempo, a mudança dos paradigmas sociais implica saudável evolu-
3 Relevância, estabilidade e superação
dos precedentes judiciais
ção das teses jurídicas e, consequentemente, do
posicionamento dos tribunais. Isso significa que
os precedentes judiciais do passado, sobre inúme-
Nos horizontes do Direito brasileiro, não há
dúvida de que, ao longo da história, a atividade
Livro_126.indb 145
ras questões, vão sendo superados por novas orientações que decorrem da dinâmica do Direito.
judicial sempre desempenhou importantíssimo
Seja como for, é certo que tais alterações nor-
mister, tanto no exercício da prática forense quanto
malmente não são abruptas, até porque a uni-
no próprio aperfeiçoamento dogmático de institutos
formidade da jurisprudência garante a certeza e
jurídicos.
a previsibilidade do direito. Os cidadãos de um
23/04/2015 16:28:54
modo geral, informados por seus advogados, ba-
rido no Agravo Regimental no Recurso Especial
seiam as suas opções não apenas nos textos legais
terada, em tom de exortação, pelo ministro Hum-
nº 228.432-RS, julgado pela Corte Especial:
“O Superior Tribunal de Justiça foi concebido
para um escopo especial: orientar a aplicação da
lei federal e unificar-lhe a interpretação, em todo
o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se manter firme
e coerente. Assim sempre ocorreu em relação ao
Supremo Tribunal Federal, de quem o Superior
Tribunal de Justiça é sucessor, nesse mister. Em
verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor das
convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se nós – os integrantes
da Corte – não observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando sinal para que os
demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou
certo de que, em acontecendo isso, perde sentido a
existência de nossa Corte. Melhor será extingui-la”.
Todavia, a despeito dessa premissa notória, o
exercício profissional revela que, acerca de inúmeras
questões importantes, há flagrante e indesejada
instabilidade nos precedentes dos tribunais superiores. E isso ocorre – o que é pior – num mesmo
momento temporal e sem qualquer justificação
plausível!
É indiscutível que o juiz não pode ser escravo
do precedente judicial, porque certamente haveria aí uma abdicação da independência da livre
persuasão racional, assegurada pelo art. 131 do
Código de Processo Civil (CPC).
Contudo, se o tribunal resolver desprezar o
precedente judicial, cabe-lhe o ônus do argumento contrário. Gino Gorla (1990, p. 11-12), em um
de seus últimos ensaios, pondera, acerca desse
verdadeiro dever, que seria até temerário permitir,
sem uma argumentação consistente, que um posicionamento jurisprudencial sedimentado deixasse
de ser aplicado em hipótese similar.
A tutela do cidadão, que confiou no Judiciário,
não pode jamais ser relegada a pretexto do poder
berto Gomes de Barros, em conhecido voto profe-
discricionário da magistratura!
vigentes, mas, também, na tendência dos precedentes dos tribunais, que proporcionam àqueles,
na medida do possível, o conhecimento de seus
respectivos direitos. Na verdade, a harmonia pretoriana integra o cálculo de natureza econômica, sendo a previsibilidade que daquela decorre
O r e g i m e d o p r e c e d e n t e ju d icial n o No vo CPC.
pressuposto inafastável para o seguro desenvol-
Re v is t a d o A d v o g a d o
146
vimento do tráfico jurídico-comercial: uma mudança abrupta e não suficientemente justificada
da posição dos tribunais solapa a estabilidade dos
negócios.
Ademais, a jurisprudência consolidada garante
a igualdade dos cidadãos perante a distribuição da
justiça, porque situações análogas devem ser julgadas do mesmo modo, sobretudo no Brasil, em que
há grande número de tribunais. O tratamento desigual é forte indício de injustiça em pelo menos
um dos casos.
A jurisprudência consolidada
garante a igualdade dos cidadãos
perante a distribuição da justiça.
Em suma, ao preservar a estabilidade, orientando-se pelo precedente judicial em situações
sucessivas assemelhadas, os tribunais contribuem,
a um só tempo, para a certeza do direito e para a
proteção da confiança na escolha do caminho trilhado pela decisão judicial.
Em nosso país, na órbita da tutela jurisdicional, avulta, a respeito dessa relevante temática,
a importância do STJ, como corte federal, cuja
vocação precípua é a de uniformizar a interpretação e aplicação do Direito nacional infraconstitucional.
E tal inequívoca função nomofilácica foi rei-
Livro_126.indb 146
23/04/2015 16:28:54
O expressivo número de tribunais e a ausência
de uma dogmática consistente sobre precedente
judicial acarretam evidente insegurança jurídica,
diante da divergência jurisprudencial acerca de
inúmeras teses importantes.
Atento a este significativo problema, de todo
indesejado, o legislador pátrio estabeleceu – e
continua legislando acerca da questão – inúmeras
técnicas tendentes à uniformização da jurisprudência, visando sobretudo a assegurar a harmonia
de julgamentos.
Os arts. 476 a 479 do CPC regram o instituto
da uniformização da jurisprudência, cuja instauração não constitui faculdade, mas, sim, dever do
juiz.
O escopo desse incidente processual, suscitável, em segundo grau, por qualquer juiz da turma
julgadora ou por um dos litigantes, é o de provocar o prévio pronunciamento do tribunal acerca
da interpretação de determinada tese ou norma
jurídica, quando a seu respeito ocorre divergência.
Visando à mesma finalidade, destacam-se os
embargos de divergência, que constituem um
meio de impugnar acórdão proferido, no âmbito
de recurso extraordinário ou especial, por uma das
de direito federal, a missão constitucional que
lhes foi confiada não estará sendo cumprida.
Assim, exatamente para reforçar a previsibilidade e harmonia dos julgamentos e, até mesmo, a
segurança jurídica, é que os embargos de divergência se tornam um importante instrumento
para resolver as inexoráveis divergências intra
muros, ou seja, nos quadrantes das respectivas
cortes de Justiça.
Como bem escreve José Carlos Barbosa
Moreira (2009, p. 641),
“os embargos de divergência visam afastar interpretação divergente do sentido das normas positivas, em tese, nos órgãos do Supremo Tribunal
Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Essa é
a razão maior da sua existência em nosso sistema
processual”.
Acrescente-se que, no STJ, em consonância
com a regra do art. 546, inciso I, do CPC, somente é admissível a interposição de embargos
de divergência quando um acórdão, proferido por
uma das turmas, “em recurso especial, divergir do
julgamento de outra turma, da seção ou do órgão
especial”.
Ademais, no modelo brasileiro vigente, tão eficaz é o precedente judicial sumulado, ou até mes(art. 38), reiterada, sucessivamente, pelas Leis nº
9.139/1995 e nº 9.756/1998, que deram nova re-
496, inciso VIII, do CPC: “São cabíveis os seguin-
dação ao art. 557 do mesmo diploma processual,
tes recursos: [...] VIII - embargos de divergência em
qualquer recurso poderá ser liminarmente indefe-
recurso especial e em recurso extraordinário”).
rido, pelo relator, quando o fundamento da irresig-
Enfatiza, de forma precisa, o ministro Humberto
nação colidir “com súmula ou com jurisprudência
Gomes de Barros, ao relatar os Embargos de Diver-
dominante do respectivo tribunal, do Supremo
gência no Recurso Especial nº 222.524-MA, que:
Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior”.
dos no escopo de preservar – mais que o interesse
147
mo “dominante”, que, a partir da Lei nº 8.038/1990
turmas, respectivamente, do STF ou do STJ (art.
“Os embargos de divergência foram concebi-
Livro_126.indb 147
bunais superiores dissentirem sobre questões
O r e g i m e d o p r e c e d e n t e ju d icial n o No vo CPC.
jurisprudência e de observância
do precedente
Se os órgãos fracionários dos aludidos tri-
Revi s t a d o A d v o g a d o
4 Técnicas de unificação da
Incide, nesse caso, a denominada súmula
impeditiva de recurso.
tópico de cada um dos litigantes – a necessidade
O § 1º-A do mesmo art. 557 dispõe que se por-
de que o Tribunal mantenha coerência entre seus
ventura “a decisão recorrida estiver em confronto
julgados”.
com súmula ou com jurisprudência dominante
23/04/2015 16:28:55
do Superior Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso”.
Importa notar, por outro lado, que o § 2º do
art. 102 da CF determina que:
O r e g i m e d o p r e c e d e n t e ju d icial n o No vo CPC.
“As decisões definitivas de mérito, proferidas
Re v is t a d o A d v o g a d o
148
Livro_126.indb 148
Trata-se de precedente judicial com eficácia
vertical obrigatória.
A desobediência enseja o ajuizamento de reclamação ao STF, contra o órgão que desrespeitou
o princípio sumulado.
pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas
Até hoje foram editadas quase 40 súmulas vin-
de inconstitucionalidade e nas declaratórias de
culantes e, ainda, persistem mais de 700 enuncia-
constitucionalidade produzirão eficácia contra to-
dos sumulados, fixados sob a égide do antigo sis-
dos e efeito vinculante, relativamente aos demais
tema, que não foram revistos e que detêm apenas
órgãos do Poder Judiciário e à administração pú-
eficácia persuasiva.
blica direta e indireta, nas esferas federal, estadual
e municipal”.
A indigitada Lei nº 11.417 introduziu ainda um
importante mecanismo democrático de participa-
Observa-se assim que a primordial razão po-
ção popular, na forma de amicus curiae, no processo
lítica inspiradora do Legislativo federal foi, sem
de elaboração, revisão e cancelamento da súmula
dúvida, a de instituir um mecanismo destinado a
vinculante. Dispõe o § 2º do art. 3º que:
subordinar, com eficácia vinculante, o desfecho
“No procedimento de edição, revisão ou cance-
de demandas perante juízos inferiores – monocrá-
lamento de enunciado da súmula vinculante, o re-
ticos e colegiados – à decisão soberana do STF.
lator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a ma-
A Emenda Constitucional nº 45, de 2004, a
nifestação de terceiros na questão, nos termos do
seu turno, voltou a instituir, no sistema jurídico
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal”.
brasileiro, de forma generalizada, a denominada
“súmula vinculante”, ao adicionar no texto da CF
o art. 103-A, com a seguinte redação:
“O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois
terços dos seus membros, após reiteradas decisões
sobre matéria constitucional, aprovar súmula que,
Até hoje foram editadas quase
40 súmulas vinculantes e, ainda,
persistem mais de 700 enunciados
sumulados.
a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá
efeito vinculante em relação aos demais órgãos do
Acrescente-se que, mais recentemente, foi cria-
Poder Judiciário e à administração pública direta
do um interessante expediente, com a introdução
e indireta, nas esferas federal, estadual e munici-
dos arts. 543-B e 543-C no CPC, pelo qual, diante
pal, bem como proceder à sua revisão ou cancela-
de recursos repetidos, com fundamento em idên-
mento, na forma estabelecida em lei”.
tica controvérsia, os tribunais de origem deverão
O enunciado da súmula, a teor do § 1º do art.
escolher um ou mais dentre eles e encaminhá-los
2º da Lei nº 11.417/2006, que regulamentou o ins-
à corte superior, sendo que os demais terão o seu
tituto em apreço, deve ter por “objeto a validade,
respectivo processamento sobrestado.
a interpretação e a eficácia de normas determina-
A tese fixada pelo tribunal superior servirá de
das, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários
paradigma para o julgamento dos demais recursos.
ou entre esses e a administração pública, contro-
O inconveniente desta técnica é que, a rigor,
vérsia atual que acarrete grave insegurança jurí-
fere a garantia do devido processo legal, porque a
dica e relevante multiplicação de processos sobre
parte em um recurso é atingida por decisão pro-
idêntica questão”.
ferida em outro processo, sem a sua participação.
23/04/2015 16:28:55
A despeito de todas estas técnicas de unifor-
quando as partes de um acordo partiram em con-
mização e de observância do precedente judicial,
sonância com a situação jurídica que resultava da
ainda remanescem graves problemas atinentes a
jurisprudência anterior”.1
esta questão, inclusive no âmago de um mesmo
tribunal.
No entanto, sem embargo da possibilidade de
ocorrência dessa inevitável situação, tanto o Supremo quanto a Corte Constitucional Federal
5 O problema da eficácia retroativa do
precedente
alemães consideram que as regras que proíbem a
retroatividade das leis não poderiam estender-se
“conduziria a que os tribunais houvessem de
outro problema que ainda se encontra em aberto,
estar vinculados a uma jurisprudência outrora
uma vez que nem pelo prisma da história e tam-
consolidada, mesmo quando esta se revela insus-
pouco pela dogmática moderna obteve solução
tentável à luz do conhecimento apurado ou em
satisfatória.
vista da mudança das relações sociais, políticas ou
Referimo-nos à árdua questão da eficácia retroativa do “novo” precedente judicial.
econômicas” (LARENZ, 1997, p. 618).
Diante do interesse da coletividade, a modu-
Na verdade, a incerteza que nasce do advento
lação dos efeitos pretéritos, a critério do tribunal,
de um novo precedente em substituição à orien-
constitui técnica oportuna e deveras significativa,
tação consolidada acarreta um custo social e eco-
a evitar injustiça.
nômico elevadíssimo, mesmo nos sistemas que
não conhecem força vinculante da jurisprudên-
6 O precedente judicial no Novo CPC
cia, uma vez que a situação de insegurança gerada pela mudança somente poderá ser eliminada
Na incessante busca de reafirmar a importân-
depois de um período relativamente considerável
cia das decisões dos tribunais superiores, o nosso
para que seja consolidada a nova regula.
Novo CPC (Lei nº 13.105/2015) valoriza os pre-
Estipulada a “regra do jogo”, deve ser evitada,
com efeito, a perversa retroatividade de novel po-
cedentes judiciais, embora sem critério científico
algum.
sicionamento pretoriano, circunstância que impe-
O art. 926 insere uma regra, de cunho pedagó-
de a perpetração de qualquer emboscada aos ad-
gico, totalmente desnecessária e inócua: “Os tri-
vogados, preservando-se, como precípuo escopo
bunais devem uniformizar sua jurisprudência e
da jurisdição, o direito material dos litigantes.
mantê-la estável, íntegra e coerente”.
Decorre desse importante comportamento a
149
Revi s t a d o A d v o g a d o
Cumpre destacar, já sob diferente enfoque,
O r e g i m e d o p r e c e d e n t e ju d icial n o No vo CPC.
às decisões dos tribunais. Se tal fosse possível,
É o mínimo que se espera!
consciência de lealdade que deve fluir da função
O art. 927 dispensa idêntico tratamento às
judicante, ao infundir confiança e segurança jurídi-
diversas espécies de precedente, sem qualquer
ca à sociedade e, em particular, aos jurisdicionados.
distinção ontológica, ao determinar que:
Esse problema foi enfrentado pelo Supre-
“Os juízes e os tribunais observarão: I - as deci-
mo Tribunal Federal da Alemanha, que revelou
sões do Supremo Tribunal Federal em controle
grande perplexidade com o fato de que a mudança
concentrado de constitucionalidade; II - os enun-
de rumo dos precedentes judiciais pode mesmo
ciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em
ensejar o “desaparecimento da base do negócio,
incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento
1. Cf. LARENZ, 1997, p. 617.
Livro_126.indb 149
de recursos extraordinário e especial repetitivos;
23/04/2015 16:28:55
O r e g i m e d o p r e c e d e n t e ju d icial n o No vo CPC.
Rev i st a d o A d v o g a d o
150
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tri-
alteração de jurisprudência dominante do Supre-
bunal Federal em matéria constitucional e do Su-
mo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou
perior Tribunal de Justiça em matéria infraconsti-
daquela oriunda de julgamento de casos repetiti-
tucional; V - a orientação do plenário ou do órgão
vos, pode haver modulação dos efeitos da alteração
especial aos quais estiverem vinculados”.
no interesse social e no da segurança jurídica”; e
Salta aos olhos o lamentável equívoco constante
“§ 4º - A modificação de enunciado de súmula, de
desse dispositivo, uma vez que impõe aos magistra-
jurisprudência pacificada ou de tese adotada em
dos, de forma cogente – “os tribunais observarão” –,
julgamento de casos repetitivos observará a neces-
os mencionados precedentes, como se todos aqueles
sidade de fundamentação adequada e específica,
arrolados tivessem a mesma força vinculante vertical.
considerando os princípios da segurança jurídica,
da proteção da confiança e da isonomia”.
O regime do precedente judicial
opera em todo sistema jurídico a
partir da interação de vários fatores.
determina que:
“Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede
mundial de computadores”.
Daí, em princípio, a inconstitucionalidade da
Torna-se realmente imperioso que os tribunais
regra, visto que a CF, como anteriormente referi-
divulguem as suas decisões, sobretudo aquelas
do, reserva efeito vinculante apenas e tão somente
referentes às teses mais polêmicas, a nortear as
às súmulas fixadas pelo Supremo, mediante devi-
demais cortes de Justiça, evitando com isso inde-
do processo e, ainda, aos julgados originados de
sejada divergência pretoriana.
controle direto de constitucionalidade.
À míngua de uma dogmática própria, o legislador pátrio perdeu uma excelente oportunidade
7 À guisa de conclusão: esboço de uma
teoria geral do precedente judicial
para regulamentar um regime adequado da jurisprudência de nossos tribunais, entre as várias
Seja como for, para bem compreender e inter-
espécies de precedente judicial, a partir de sua
pretar as regras do Novo CPC sobre esta temática,
natureza, considerando a sua respectiva origem.
necessário se torna traçar algumas linhas mestras
Todavia, a despeito desse aspecto negativo,
que coloca em xeque a principal regra sobre tal
Livro_126.indb 150
Ademais, o subsequente § 5º do mesmo art. 927
que podem ser consideradas comuns à dinâmica
das decisões judiciais.
importante matéria, merece destaque o alvitre
Na verdade, uma teoria sobre os precedentes
cuidadoso e democrático que disciplina o supe-
que aspire a ser geral, e portanto desfrutar de algu-
ramento do precedente, inclusive no que se refere
ma utilidade heurística, deve, segundo entendo,
ao tormentoso problema de sua eficácia retroativa.
partir da premissa de que o precedente é uma rea-
Com efeito, preceituam os sucessivos pará-
lidade em sistemas jurídicos histórica e estrutural-
grafos do art. 927 que: “§ 2º - A alteração de tese
mente heterogêneos, e que apresenta característi-
jurídica adotada em enunciado de súmula ou em
cas próprias em diferentes legislações.
julgamento de casos repetitivos poderá ser prece-
O regime do precedente judicial opera em
dida de audiências públicas e da participação de
todo sistema jurídico a partir da interação de vá-
pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir
rios fatores, que podem ser classificados, segundo
para a rediscussão da tese”; “§ 3º - Na hipótese de
esquema traçado por Michele Taruffo (1994,
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O r e g i m e d o p r e c e d e n t e ju d icial n o No vo CPC.
malmente, um número considerável de decisões
similares, para chegar-se à concepção de “jurisprudência consolidada”, “dominante” ou “unânime”.
Assinale-se que, nessa hipótese, o fator temporal também é importante, porque uma orientação
pretoriana sedimentada reclama, normalmente,
um longo período.
Precedentes contraditórios, em qualquer sistema jurídico, também geram um problema que
deve ser resolvido pelo tribunal que está incumbido de decidir o caso sucessivo.
Finalmente, a dimensão da eficácia deriva do
grau de influência que o precedente exerce sobre
a futura decisão em um caso análogo, ou ainda
da técnica instituída pela legislação, quanto à sua
respectiva eficácia (vinculante ou simplesmente
persuasiva).
Aduza-se que, sob tal perspectiva, as técnicas
do overruling (common law) e do revirement (civil
law) representam situações específicas e excepcionais com o escopo de excluir do ordenamento
jurídico determinado precedente, ultrapassado,
para substituí-lo por outro que melhor se ajuste à
hipótese então examinada, à luz da realidade do
momento em que a decisão é proferida.
Não é preciso dizer, a esse respeito, que a preservação, na medida do possível, das correntes
predominantes da jurisprudência constitui obra
de boa política judiciária, porque infunde na sociedade confiança no Poder Judiciário.
Mas é evidente, por outro lado, que a jurisprudência deve evoluir, dando resposta, realista
e tempestiva, às exigências sociais em constante
transformação.
151
Re vis t a d o A d v o g a d o
p. 387-388), pelos seguintes vetores: 1) a dimensão
institucional; 2) a dimensão objetiva; 3) a dimensão estrutural; e 4) a dimensão da eficácia.
A primeira delas – a dimensão institucional –
deve ser analisada à luz da organização judiciária
e a forma pela qual a relação de subordinação hierárquica entre os tribunais é escalonada. Entram
aqui em cena as espécies de precedente vertical,
horizontal e autoprecedente (precedente no âmbito do mesmo tribunal).
Desde que exista uma estrutura burocrática de
sobreposição de tribunais, é natural que o precedente de tribunal superior, com eficácia vinculante ou não, exerça um grau de influência maior no
âmbito das cortes e juízos inferiores.
É claro que o denominado autoprecedente, via
de regra, também se impõe, interna corporis, como
medida de coerência, além, é claro, da segurança
jurídica que deve ser preservada pelos tribunais.
Pelo contrário, os precedentes horizontais, provenientes de órgãos postados no mesmo patamar
hierárquico, possuem relativa eficácia persuasiva. Ressalte-se que, nessa hipótese, a autoridade
intrínseca do julgado, sobretudo quando estiver
enfrentando matéria nova, poderá realmente ser
seguida por outros tribunais.
A dimensão objetiva do precedente, por outro
lado, diz respeito à determinação de sua influência
na decisão de casos futuros. Tem aqui relevância
a distinção entre ratio decidendi e obiter dictum,
tendo-se em vista que o predicado formal de precedente é atribuído apenas à ratio decidendi.
Já no tocante à dimensão estrutural, ou seja, ao
conceito substancial de precedente, exige-se, nor-
Bibliografia
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de
Processo Civil. v. 5. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
GORLA, Gino. Precedente giudiziale. In: Enciclopedia
giuridica treccani. v. 23. Roma: Treccani, 1990.
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Trad.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. Coimbra: Almedina, 2014.
TARUFFO, Michele. Dimensioni del precedente giudiziario.
Studi in memoria di Gino Gorla. t. 1. Milano: Giuffrè,
1994.
port. de José Lamego. Lisboa: Fund. C. Gulbenkian, 1997.
Livro_126.indb 151
23/04/2015 16:28:55
N
ovidades em matéria de embargos
de declaração no CPC de 2015.1
Sumário
1.Hipóteses de cabimento
2.Contraditório
3.Julgamento monocrático no tribunal
4.Conversão em agravo interno
5.Recurso previamente interposto
6.Prequestionamento
7.Sem efeito suspensivo
8.Sanções para a manifesta protelação
Bibliografia
Revi s t a d o A d v o g a d o
152
1 Hipóteses de cabimento
O Novo Código de Processo Civil (CPC)
trouxe para o texto legal a ideia de que todo pronunciamento judicial é embargável. Ao estabelecer que “qualquer decisão judicial” é passível de
embargos de declaração, o caput do art. 1.022 do
CPC de 2015 expõe desde os despachos até os
acórdãos a esse recurso específico. Não há mais
Luis Guilherme Aidar Bondioli menção apenas a “sentença” ou “acórdão”, tal
Mestre e doutor em Direito Processual pela Facul-
qual faz o inciso I do art. 535 do CPC de 1973.
dade de Direito da Universidade de São Paulo.
Procura-se, assim, eliminar de uma vez por todas
posturas restritivas diante dos embargos declaratórios, tendentes a excluir da sua alça de mira
1. As ideias que serviram de ponto de partida para este estudo estão
desenvolvidas de forma mais aprofundada e com referências bibliográficas no trabalho Embargos de declaração, em especial nos seus
itens 13, 23, 24, 34, 38, 39, 41, 46, 52 e 56 (BONDIOLI, 2005, p. 74-80,
135-153, 176-179, 195-210, 214-216, 237-242, 268-272 e 288-297).
Livro_126.indb 152
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quer fala do órgão julgador é embargável. Aliás,
declaração.
teria andado melhor o legislador se houvesse usado
O Novo CPC não chegou ao ponto de inserir no
no caput do art. 1.022 do CPC de 2015 a expressão
rol legal de vícios embargáveis os chamados “erros
“pronunciamento judicial”, de índole mais ampla,
evidentes”, que consistem em manifestos equívo-
em vez de “decisão judicial”.
cos na análise dos fatos ou na aplicação do direito.
O art. 1.022 do CPC de 2015 amplia o rol
Todavia, a sanação desses erros em sede de embar-
legal de vícios embargáveis em comparação com
gos tem sido permitida e deve continuar a sê-lo no
o art. 535 do CPC de 1973, ao incluir nele o “erro
regime do Novo CPC, com o devido cuidado. Os
material” (inciso III). Faz tempo que a sanação
embargos de declaração não são instrumento para
do erro material por meio dos embargos de declara-
simples revisão do julgado nem sede para novas re-
ção tem sido aceita, malgrado a ausência de pre-
flexões em torno de assuntos que já receberam uma
visão legal explícita a respeito. O Novo CPC acer-
resposta suficiente do julgador. Porém, quando
tadamente referenda essa aceitação e assim traz
houver escancarado engano no pronunciamento do
segurança para as partes. Passa a ser indiscutível
julgador, que tomou a decisão ignorando determi-
a pertinência dos embargos de declaração para a
nada circunstância ou tomando por base premissa
veiculação do erro material. Aliás, os embargos
equivocada, e um simples alerta for suficiente para
declaratórios são o melhor veículo para postular
a reformulação do seu entendimento, os embargos
a correção de inexatidões materiais, pois inter-
de declaração devem ser admitidos. Deve-se estar
rompem o prazo para a interposição de recursos
diante de um choque intenso entre a vontade ex-
e proporcionam a aplicação da fungibilidade en-
ternada pelo julgador e os fatos ou o direito. São
tre as hipóteses de cabimento dos embargos (por
exemplos de erros evidentes sanáveis via embargos
exemplo, invocada pelo embargante a existência
de declaração o julgamento sem amparo em pedido
de erro material, mas entendendo o juiz que se
(sentenças ultra e extra petita), o erro de fato que
está diante de contradição, o vício pode ser sa-
autoriza a propositura de ação rescisória (art. 966,
nado). Lembre-se de que inexatidões materiais
inciso VIII e § 1º, do CPC de 2015), a aplicação de
continuam a ser sanáveis mediante simples re-
uma lei revogada na apreciação da causa, etc.
querimento da parte (art. 494, inciso I, do CPC
de 2015), mas sem a garantia da interrupção do
N o v i d a d e s e m m a t é r i a d e emb arg o s d e d eclaração n o CPC de 2015.
facilitar sua eliminação em sede de embargos de
153
Revi s t a d o A d v o g a d o
determinados pronunciamentos judiciais. Qual-
2 Contraditório
prazo recursal e sem o benefício da fungibilidade, próprios dos embargos.
Livro_126.indb 153
Agora, existe na lei previsão expressa sobre o
O erro material consiste na dissonância fla-
contraditório em sede de embargos de declaração,
grante entre a vontade do julgador e a sua exterio-
com determinação para que o julgador abra prazo
rização; num defeito mínimo de expressão, que
de cinco dias para manifestação do embargado,
não interfere no julgamento da causa e na ideia
sempre que “eventual acolhimento [dos embargos]
nele veiculada (por exemplo, 2 + 2 = 5). Não se
implique a modificação da decisão embargada”
enquadram nessa categoria a inobservância de re-
(art. 1.023, § 2º, do CPC de 2015). Trata-se de
gras processuais (error in procedendo) e os erros
fórmula equilibrada. A abertura de oportunidade
de julgamentos (error in judicando). Todavia, é
para resposta do embargado não é obrigatória,
comum na prática o baralhamento de conceitos,
mas não se tolera que se modifique ou se façam
com a indevida rotulação de vícios de atividade
acréscimos substanciais à decisão embargada sem
ou de juízo como erro material, inclusive para
que se franqueie oportunidade para reação diante
23/04/2015 16:28:55
N o v i d a d e s e m m a t é r i a d e emb arg o s d e d eclaração n o CPC de 2015.
Rev i st a d o A d v o g a d o
154
dos embargos. Assim, para inadmitir os embargos
faz sentido convidar para sanar omissões, con-
de declaração, rejeitá-los ou até mesmo acolhê-los
tradições, obscuridades, erros materiais ou erros
em situações nas quais não se altere a decisão (por
evidentes quem não participou da confecção da
exemplo, no caso de eliminação de erro verdadei-
decisão embargada.
ramente material), o juiz fica liberado de intimar
O § 2º do art. 1.024 do CPC de 2015 fecha
o embargado previamente ao julgamento. Porém,
assim as portas para prática comum nos tribunais,
toda vez que os embargos forem dotados de poten-
consistente no julgamento por órgão colegiado de
cial para alterar ou ampliar o julgado, é preciso
embargos de declaração opostos contra decisão
antes ouvir o embargado.
monocrática. Tal prática cria percalços para o esgotamento da instância e a ulterior admissão de
A abertura de oportunidade para
resposta do embargado não é
obrigatória.
recurso especial ou extraordinário, pois obriga a
parte a interpor agravo interno contra um conjunto de decisões formado já com a participação do
órgão colegiado.
Malgrado não haja espaço para julgamento
dos embargos de declaração pelo órgão colegiado
Perceba-se que a intimação do embargado para
quando a decisão embargada é monocrática, há
responder aos embargos não é prenúncio de aco-
brecha para a apreciação isolada pelo relator dos
lhimento destes nem de modificação da decisão
embargos opostos contra acórdão. Estando pre-
embargada. A palavra “eventual” deixa claro que
sente causa de inadmissão ou rejeição de recurso
é a possibilidade de modificação ou acréscimo
arrolada nos incisos III e IV do art. 932 do CPC
substancial, e não a certeza destes, o discrímen
de 2015, os embargos de declaração, como recur-
para que se convide o embargado a se manifestar
so que são, podem ser isoladamente julgados pelo
(art. 1.023, § 2º, do CPC de 2015).
relator. Porém, quando os embargos de declaração
O prazo de cinco dias para resposta do em-
levarem à reabertura do julgamento colegiado, é
bargado coincide com o prazo estabelecido para
intolerável que isso aconteça com a participação
a oposição dos embargos de declaração (art. 1.023,
apenas do relator. Por isso, não se autoriza que o
caput e § 2º, do CPC de 2015), o que denota iso-
relator sozinho acolha os embargos opostos contra
nomia na sua disciplina.
acórdão, até para que ele não sobreponha a sua
vontade à dos demais julgadores.
3 Julgamento monocrático no tribunal
4 Conversão em agravo interno
Conhecida diretriz em matéria de embargos
Livro_126.indb 154
de declaração conduz ao julgamento destes pelo
Outra prática comum nos tribunais levada em
próprio prolator da decisão embargada, pessoa
conta pelo legislador na edição do Novo CPC
mais indicada para a sanação dos vícios tipica-
consiste na conversão dos embargos de declara-
mente embargáveis. Inspirado por essa diretriz,
ção em agravo interno. De acordo com o § 3º do
o legislador passa a prever que, sendo monocrá-
art. 1.024 do CPC de 2015, “o órgão julgador co-
tico o pronunciamento judicial no âmbito do tri-
nhecerá dos embargos de declaração como agra-
bunal, “o órgão prolator da decisão embargada
vo interno se entender ser este o recurso cabível,
decidi-los-á (os embargos) monocraticamente”
desde que determine previamente a intimação do
(art. 1.024, § 2º, do CPC de 2015). De fato, não
recorrente para, no prazo de 5 (cinco) dias, com-
23/04/2015 16:28:55
-las às exigências do art. 1.021, § 1º”.
mente excepcional a autorizar a medida e abrir
A rigor, não tem muito sentido falar da fungibi-
oportunidade para adaptação da peça recursal.
lidade dos embargos de declaração com outras fi-
Não se pode ignorar que, como todo pronuncia-
guras recursais. Sendo os embargos de declaração
mento judicial, a determinação para o embargan-
cabíveis contra todo e qualquer pronunciamento
te adaptar o recurso expõe-se a novos embargos
judicial, eles devem ser ordinariamente recebidos
de declaração... E o acolhimento desses segundos
e julgados como tal, sem que lhes seja emprestado
embargos pode até levar ao seguimento dos pri-
outro rótulo. A aplicação do princípio da fungi-
meiros, sem conversão, conforme o vício existente.
bilidade somente teria alguma pertinência se a
petição de embargos não invocasse nenhum vício
5 Recurso previamente interposto
passível de sanação por essa via e fosse necessário
Livro_126.indb 155
lançar mão de alguma ferramenta para viabilizar
Os §§ 4º e 5º do art. 1.024 do CPC de 2015
o cabimento e o consequente conhecimento da
passam a regular a relação entre os embargos
irresignação do embargante. Todavia, havendo na
de declaração e o outro recurso cabível contra o
petição do embargante alusão a qualquer imper-
pronunciamento judicial embargado. De acordo
feição extirpável por meio de embargos, não tem
com o § 4º, “caso o acolhimento dos embargos
lugar sua conversão em outro recurso, ainda que
de declaração implique modificação da decisão
tal imperfeição na verdade inexista. A ausência do
embargada, o embargado que já tiver interposto
vício alegado é causa de mera rejeição dos embar-
outro recurso contra a decisão originária tem o
gos, e não de sua transformação em agravo.
direito de complementar ou alterar suas razões,
Não obstante, os tribunais reiterada e indis-
nos exatos limites da modificação, no prazo de
criminadamente julgam embargos de declaração
15 (quinze) dias, contado da intimação da deci-
como se agravo interno fossem e o fazem de for-
são dos embargos de declaração”. Nada mais na-
ma surpreendente, sem qualquer alerta prévio ao
tural. A parte pode já no primeiro dia do prazo
embargante, com o intuito de encurtar o proces-
interpor o recurso talhado para a impugnação de
so. Ocorre que isso pode ser extremamente pre-
determinada decisão e não pode ser prejudicada
judicial ao embargante. Sendo restrito o rol de
pelos ulteriores embargos de declaração do seu ad-
matérias dedutíveis em sede de embargos, estes
versário. Isso justifica a abertura de oportunidade
muitas vezes não trazem todos os argumentos que
para a adaptação do recurso já interposto à nova
a parte tem para impugnar a decisão embargada,
realidade emergente desses embargos, na precisa
legitimamente reservados para o futuro agravo. E
medida desta. Complementos ou alterações sem
o mero recebimento dos embargos como agravo
suporte em modificação acontecida em sede de
retira da parte a oportunidade esperada para vei-
embargos de declaração não são autorizados, em
cular tais argumentos. Daí a inspiração para a ino-
respeito à preclusão consumativa formada com a
vação legislativa no sentido de somente autorizar a
interposição do recurso.
conversão dos embargos em agravo mediante pré-
Conforme o § 5º do art. 1.024 do CPC de
via oportunidade para que o embargante adapte o
2015, “se os embargos de declaração forem rejeita-
recurso já interposto.
dos ou não alterarem a conclusão do julgamento
Assim, com o advento do Novo CPC, dois cui-
anterior, o recurso interposto pela outra parte, an-
dados deve ter o julgador antes de efetivamente
tes da publicação do julgamento dos embargos de
converter os embargos de declaração em agravo
declaração, será processado e julgado independen-
N o v i d a d e s e m m a t é r i a d e emb arg o s d e d eclaração n o CPC de 2015.
interno: verificar se está diante de situação real-
155
Revi s t a d o A d v o g a d o
plementar as razões recursais, de modo a ajustá-
23/04/2015 16:28:55
N o v i d a d e s e m m a t é r i a d e emb arg o s d e d eclaração n o CPC de 2015.
Re v is t a d o A d v o g a d o
156
temente de ratificação”. Em boa hora, o legislador
existentes erro, omissão, contradição ou obscu-
edita regra para esvaziar a execrável Súmula nº 418
ridade”. Como se vê, o legislador acentua o pa-
do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (“é inadmis-
pel do embargante e do tribunal superior para a
sível o recurso especial interposto antes da publica-
caracterização do prequestionamento, a ponto de
ção do acórdão dos embargos de declaração, sem
passar por cima das falhas do tribunal local no
posterior ratificação”), figura perfeita e acabada da
julgamento dos embargos e abrir as portas para
jurisprudência defensiva e aplicada até em matéria
a direta admissão dos recursos excepcionais, sem
de apelação. Quem já disse com todas as letras que
necessidade de devolução do processo para a com-
impugna determinada decisão não deve ser obriga-
plementação dos debates em torno das questões
do a reiterar a impugnação após o julgamento dos
federais ou constitucionais veiculadas nesses re-
embargos de declaração. Eis, em outras palavras, o
cursos.
que determina o legislador no referido § 5º.
Nesse contexto, não mais subsiste a Súmula nº
211 do STJ (“inadmissível recurso especial quanto
Quem já disse que impugna decisão
não deve ser obrigado a reiterar a
impugnação após o julgamento
dos embargos de declaração.
à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal
a quo”). E ganha corpo entendimento firmado
a partir da Súmula nº 356 do Supremo Tribunal
Federal (STF) (“o ponto omisso da decisão, sobre
o qual não foram opostos embargos declaratórios,
não pode ser objeto de recurso extraordinário, por
Registre-se que, nas situações de acolhimento
faltar o requisito do prequestionamento”), no sen-
dos embargos de declaração com efeitos modifi-
tido de que para a caracterização do prequestio-
cativos, o silêncio do recorrente precoce após o
namento e a consequente abertura da instância
julgamento dos embargos não deve ser causa, per
extraordinária pode ser suficiente o diligente com-
se, de inadmissão do recurso previamente inter-
portamento da parte no debate da matéria trazida
posto. Logicamente, tudo o que ficou prejudicado
ao tribunal superior.
pelo acolhimento dos embargos cai por terra e isso
pode afetar toda a peça recursal. Porém, havendo
7 Sem efeito suspensivo
parcela do recurso prévio não afetada pelo julgamento dos embargos, subsiste, ao menos parcial-
Considerando que o efeito suspensivo do re-
mente, a admissibilidade da pretensão recursal,
curso tem mais a ver com a recorribilidade da de-
que deve ser enfrentada independentemente da
cisão do que com a sua efetiva interposição e que
reiteração do recurso.
todo pronunciamento é embargável, a atribuição
de eficácia suspensiva automática aos embargos, a
6 Prequestionamento
rigor, implicaria a ineficácia de todas as decisões
judiciais num primeiro momento, ao menos até o
Livro_126.indb 156
Salutar inovação legislativa vem expressa no
transcurso do prazo assinado para a oposição da-
art. 1.025 do CPC de 2015: “consideram-se incluí-
queles. Ademais, é de se esperar que a clareza, a
dos no acórdão os elementos que o embargante
coerência, a completeza e a afinidade entre ideia
suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda
e expressão sejam o ordinário em matéria de deci-
que os embargos de declaração sejam inadmitidos
são judicial; a obscuridade, a contradição, a omis-
ou rejeitados, caso o tribunal superior considere
são e o erro material devem ser vistos como algo
23/04/2015 16:28:55
imediata aos pronunciamentos judiciais. Aliás, o
festamente protelatórios saltou para “dois por cento
legislador deixa claro que determinadas decisões
sobre o valor atualizado da causa” (art. 1.026, § 2º,
devem ser imediatamente eficazes; tanto assim é
do CPC de 2015).
que não prevê efeito suspensivo para certos recur-
A exigência do depósito prévio da multa para
sos. E seria um contrassenso atribuir automatica-
o conhecimento do ulterior recurso permanece
mente aos embargos de declaração poder que nem
vinculada apenas aos segundos embargos de de-
mesmo tem o recurso pensado para impugnar com
claração manifestamente protelatórios, mas são
toda a força a decisão judicial em questão.
agora liberados dessa exigência a “Fazenda Pú-
Atento a essa realidade, o legislador passou a
blica” e o “beneficiário de gratuidade da justiça”,
prever expressamente que “os embargos de decla-
“que a recolherão ao final” (art. 1.026, § 3º, do
ração não possuem efeito suspensivo” (art. 1.026,
CPC de 2015). É absolutamente criticável essa
caput, do CPC de 2015). E disciplinou que “a
liberação de determinadas pessoas do depósito
eficácia da decisão monocrática ou colegiada po-
prévio, sobretudo no que diz respeito à Fazen-
derá ser suspensa pelo respectivo juiz ou relator
da Pública, dotada de capacidade econômico-
se demonstrada a probabilidade de provimento do
-financeira para desembolsar desde logo o valor
recurso ou, sendo relevante a fundamentação, se
da multa.
houver risco de dano grave ou de difícil reparação” (art. 1.026, § 1º, do CPC de 2015).
Por fim, prevê-se que “não serão admitidos
novos embargos de declaração se os 2 (dois)
Perceba-se que, nas hipóteses em que o recurso
anteriores houverem sido considerados prote-
ulteriormente cabível contra a decisão for dotado
latórios” (art. 1.026, § 4º, do CPC de 2015). A
de efeito suspensivo (por exemplo, apelação – art.
inadmissão de embargos manifestamente prote-
1.012, caput, do CPC de 2015), a contenção da
latórios, acompanhada até de atestado do trânsi-
eficácia da decisão embargada já acontece natural-
to em julgado e de ordem para a devolução dos
mente, em razão do alongamento da sua recorribi-
autos a instância inferior, é mais uma prática
lidade por aquele recurso, graças ao efeito interrup-
comum nos tribunais, nas situações de múlti-
tivo produzido pelos embargos de declaração (art.
plos embargos de declaração manifestamente
1.026, caput, do CPC de 2015). É nas situações em
protelatórios, em que a multa não é suficiente
que o futuro recurso não contar ordinariamente
para desestimular o improbus litigator. O Novo
com efeito suspensivo que o embargante deve lan-
CPC traz agora para o texto da lei essa sanção
çar mão do § 1º do art. 1.026 do CPC de 2015.
mais drástica, que não pode ser aplicada de
N o v i d a d e s e m m a t é r i a d e emb arg o s d e d eclaração n o CPC de 2015.
para os primeiros embargos de declaração mani-
157
Revi s t a d o A d v o g a d o
excepcional, o que aconselha a outorga de eficácia
plano nem em sede de segundos embargos ma-
8 Sanções para a manifesta protelação
nifestamente protelatórios: é preciso que haja
duas prévias e imediatamente subsequentes
Neste tópico de encerramento, trata-se da nova
protelações manifestas para que tenha lugar a
disciplina das sanções em desfavor do embargante
inadmissão dos embargos, inclusive com a cas-
protelador. O teto do valor da multa estabelecida
sação do seu efeito interruptivo.
Bibliografia
BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. Embargos de declaração. São Paulo: Saraiva, 2005.
Livro_126.indb 157
23/04/2015 16:28:55
U
ma provável ofensa à garantia da
inafastabilidade do acesso à justiça no
Novo CPC.
Nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser subtraída da apreciação do Poder Judiciário, é o que proclama, solenemente, a regra que está no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, que traz
em seu bojo também a garantia de acesso à justiça.
Há, no entanto, uma situação em que o Novo
Código de Processo Civil (CPC) parece se afastar
158
Revi s t a d o A d v o g a d o
dessa garantia, ao possibilitar que ocorra a arrematação do bem do executado mesmo nos casos
de vícios materiais ou processuais evidentes, em
virtude do simples fato de esses vícios terem sido
reconhecidos somente após a assinatura do auto
de arrematação.
Segundo o art. 903 do Novo CPC:
“Qualquer que seja a modalidade de leilão,
assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo
Marcelo José Magalhães Bonicio leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita,
Professor doutor da Universidade de São Paulo.
acabada e irretratável, ainda que venham a ser jul-
Pós-doutor pela Universidade de Lisboa. Procurador
gados procedentes os embargos do executado ou
do Estado de São Paulo.
a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo,
ressalvada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos”.
A regra que estava no CPC de 1973 também
dispunha que a assinatura do auto tornaria inútil o
julgamento dos embargos do executado para o fim
de restituição do bem arrematado, mas, em ambas
as situações, a incompatibilidade com a inafastabi-
Livro_126.indb 158
23/04/2015 16:28:55
sinatura do auto de arrematação não pode frustrar
não faz sentido que o juiz venha a assinar o auto
a expectativa do executado de proteger seus bens.
de arrematação se a procedência desses embargos
Se a regra que está no caput do art. 903 for in-
vai invalidar essa arrematação, isto é, ou a regra
terpretada de modo isolado, quando forem julga-
do caput existe para dizer que toda arrematação
dos procedentes os embargos em que o executado
é definitiva, ainda que venham a ser julgados pro-
afirmou, por exemplo, que o leilão teria ocorrido
cedentes os embargos, ou para determinar que
por preço vil, a arrematação simplesmente não
nenhuma arrematação é definitiva se houver vícios
seria atingida pelos efeitos desse julgamento, de
que possam comprometê-la (como se alguma regra
maneira que a pretensão do executado de reaver
precisasse afirmar isso).
o bem arrematado ficaria frustrada de forma fla-
Essa incoerência – que quase parece proposi-
grantemente inconstitucional, ou seja, o execu-
tal – não é motivo para afastar a inconstituciona-
tado ficaria privado de seus bens sem o devido
lidade da regra que está no caput do art. 903, pois
processo legal.
sempre há o risco de alguém interpretá-la isoladamente, como se o § 1º não estivesse se referindo
A assinatura do auto de
arrematação não pode frustrar
a expectativa do executado de
proteger seus bens.
ao mesmo ato de arrematação que está no caput
desse dispositivo.
Não se trata, aqui, de desvalorizar a intenção
do legislador que, muito provavelmente, é a de
conferir segurança ao arrematante e agilizar a
execução civil em nosso país, mas sim de criticar a
forma pela qual o legislador tratou disso no Novo
A inconstitucionalidade apontada só não produz (ou não produziu) efeitos mais desastrosos
CPC, que não representa nenhuma evolução em
relação ao CPC de 1973.
porque a regra atual, assim como aquela que es-
Nesse ponto, o Novo CPC perdeu uma precio-
tava no CPC de 1973, é muito incoerente, posto
sa oportunidade de resolver a inconstitucionalida-
que a arrematação não pode ser considerada “per-
de apontada e também de eliminar a contradição
feita, acabada e irretratável, ainda que venham a
que estava no CPC de 1973, com a criação de
ser julgados procedentes os embargos do execu-
uma regra mais elaborada que a atual, que bem
tado ou a ação autônoma”, se, ao mesmo tempo,
poderia determinar simplesmente o seguinte:
a “arrematação poderá ser tornada sem efeito: I -
“o juiz avaliará os fundamentos dos embargos
por vício de nulidade”, conforme dispunha o
(ou da impugnação ou, ainda, da ação autônoma)
CPC de 1973 (art. 694, § 1º) ou “quando realiza-
para permitir, conforme o caso, que a arremata-
da por preço vil ou com outro vício” (art. 903, § 1º,
ção se dê de forma definitiva ou para determinar
do CPC atual).
que o arrematante terá apenas uma expectativa de
U m a p r o v á v e l o f e n s a à garan tia d a in afas tabilidade do acesso à
justiça no Novo CPC.
De fato, se os embargos versam sobre preço vil,
159
Revi s t a d o A d v o g a d o
lidade da jurisdição parece evidente, posto que a as-
direito quanto à aquisição do bem, ou, ainda, para
1. No CPC de 1939 a regra do art. 976 era clara ao dispor que “assinado o auto, a arrematação considerar-se-á perfeita e acabada e,
salvo disposição legal em contrário, não mais se retratará”, para, logo
em seguida, no capítulo destinado à defesa do executado, permitir
a interposição de “embargos de nulidade da execução”, desde que
dentro dos cinco dias seguintes à arrematação. Nada mais parece ser
necessário para resolver o problema do executado que deseja proteger seus bens da arrematação.
Livro_126.indb 159
conceder efeito suspensivo a esses embargos”.1
No primeiro caso, o executado teria direito a
uma indenização, pelo valor de mercado do bem,
enquanto que, no segundo caso, haveria direito
à restituição do bem arrematado, tudo em harmonia com a chamada “tutela da evidência” que
23/04/2015 16:28:55
o Novo CPC parece valorizar e com a promessa
se o vício simplesmente desaparecesse, hipótese
constitucional de acesso à justiça.
em que o executado ficaria apenas com o direito a
U m a p r o v á v e l o f e n s a à g aran tia d a in afas tabilidade do acesso à
justiça no Novo CPC.
Essa opção é muito mais segura e harmônica
Rev i st a d o A d v o g a d o
160
do que aquela apontada pelo Novo CPC, que, ao
O mesmo pode ocorrer nas hipóteses de preço
mesmo tempo em que afirma que a arrematação
vil ou de falhas na avaliação ou do próprio leilão,
é inatingível pelo resultado do julgamento dos
ou, ainda, de extinção da execução por qualquer
embargos do executado, possui regra no sentido
motivo, pois, assim como ocorria antes, para o
de que a arrematação pode ser invalidada por ví-
Novo CPC a simples assinatura do auto de arre-
cios em geral, materiais ou processuais, e permite,
matação torna impossível o retorno do bem ao
inclusive, que o executado venha a suscitar esses
patrimônio do executado, sejam quais forem os
vícios no prazo de dez dias contados da arremata-
fundamentos do julgamento dessa impugnação.
ção (§ 2º do art. 903).
Isso significa que a pretensão do executado,
É claro que as chances de sucesso do leilão,
que é o autor dessa impugnação, de proteger a pro-
na segunda hipótese, seriam bem reduzidas, por-
priedade de seus bens, está fadada, na melhor das
que o arrematante teria de aguardar o desfecho
hipóteses, a se transformar em mera indenização
do processo para ver consolidada a propriedade
(art. 903, última parte) se ocorrer a assinatura do
em seu nome, mas é melhor correr esse risco em
auto de arrematação antes do julgamento de sua
relação ao arrematante, que nada mais faz do que um
pretensão, como se o sistema brasileiro não tivesse
investimento na aquisição de um bem, do que em
erguido, há tempos, a bandeira da instrumentalida-
relação ao executado, que pode ter seus bens defini-
de do processo, elegendo a máxima chiovendiana
tivamente alienados, mesmo no caso de flagrantes
de que “processo precisa dar, a quem tem razão,
injustiças.
tudo aquilo e exatamente aquilo a que o autor tem
De fato, se houve algum vício que possa com-
direito” como uma de suas colunas centrais.
prometer a validade desses atos processuais, não é
Não há dúvida de que essa nova regra, que nem
a simples assinatura da carta de arrematação, pelo
é tão nova assim, poderá conferir maior segurança
juiz da execução e por outras pessoas, que vai sa-
aos arrematantes em geral, mas o preço pago por
nar esse vício ou – pior ainda – que vai impedir
essa segurança parece ser alto demais, especial-
que esse bem retorne ao patrimônio do executado.
mente porque enfraquece o acesso à justiça, uma
É nesse ponto que o Novo CPC incorre em
das mais importantes garantias constitucionais que
violação ao acesso à justiça, porque o executado
conhecemos, ante a flagrante inconstitucionalida-
perde o direito à restituição do bem independen-
de da expressão “ainda que venham a ser julgados
temente do julgamento de sua pretensão, que,
procedentes os embargos do executado ou a ação
aliás, foi formulada em juízo justamente com a
autônoma” contida no art. 903 do Novo CPC.
intenção de impedir a alienação desse bem.
Livro_126.indb 160
uma indenização (art. 903, última parte).
Em outras palavras, é evidente que o autor dos
No caso da penhora de bem de família, ape-
embargos, da impugnação ou da ação anulatória
nas para citar exemplo corriqueiro, na linha do
tem direito à preservação da integridade de seu
que propõe o Novo CPC, se o executado se opôs
patrimônio, aí incluída a ideia de que a conversão
a isso mediante impugnação, embargos ou ação
em indenização jamais substituirá a devolução do
autônoma, caso a execução tenha seguimento e
bem ilegalmente arrematado, salvo se esse autor
as pessoas indicadas na lei cheguem a assinar o
assim desejar.
auto de arrematação, nada impedirá que ocorra
Nessa linha de pensamento, pouco importa o
a transferência do bem para o arrematante, como
momento em que o auto de arrematação é assi-
23/04/2015 16:28:56
rantias constitucionais de que dispomos, preferiu
de qualquer outro instrumento que o executado
manter a equivocada e contraditória redação do
tenha utilizado para proteger seu patrimônio.
CPC de 1973, ao dispor, no caput do art. 903,
Apenas para ficar com os exemplos mais co-
que a arrematação é impossível de ser invalidada,
muns, a perda de determinada quantidade de
embora, ao mesmo tempo, tenha afirmado que
ações de uma empresa criada pela família do au-
essa arrematação pode ser invalidada se houver
tor dos embargos ou a perda de uma propriedade
um “vício” (material ou processual) com força
que foi duramente conquistada por ele são exem-
suficiente para isso.
plos evidentes de que a simples conversão em
Assim, ainda que se consiga extrair dessas re-
indenização jamais substituirá o valor (inclusive
gras contraditórias que a efetiva vontade do legis-
sentimental) do bem ilegalmente arrematado.
lador estaria na impossibilidade de restituição do
O Estado não pode quebrar a promessa de
bem arrematado, seja qual for o resultado dos em-
prestar jurisdição a quem dela necessita em vir-
bargos ou de outro instrumento, restaria evidente
tude de um – lamentável – equívoco do legis-
a inconstitucionalidade de um sistema processual
lador, repetido no Novo CPC, que parece ter
que fecha os olhos às pretensões do executado,
preferido não enfrentar esse tema abertamente,
apenas para obter mais eficiência na venda do
posto que, inexplicavelmente, em vez de promo-
bem penhorado, mesmo que isso se dê às custas
ver a compatibilização dessas regras com as ga-
de graves violações à Constituição.
U m a p r o v á v e l o f e n s a à garan tia d a in afas tabilidade do acesso à
justiça no Novo CPC.
nado, mas sim os fundamentos dos embargos ou
Revi s t a d o A d v o g a d o
161
Livro_126.indb 161
23/04/2015 16:28:56
D
a expressa proibição à “decisão-surpresa” no Novo CPC.
Sumário
1.Introdução
2.A disciplina do Novo CPC relacionada à vedação da “decisão-surpresa”
3.Alcance do art. 10 do Novo CPC às questões
cognoscíveis de ofício
4.Consagração da visão contemporânea do princípio do contraditório
5.Previsões semelhantes no Direito estrangeiro
6.Repercussões da expressa vedação à “decisão-
162
Revi s t a d o A d v o g a d o
-surpresa”
7.Considerações finais
Bibliografia
1 Introdução
Era mesmo de se esperar que o Novo Código
de Processo Civil (NCPC) brasileiro expressamente contemplasse o direito de os litigantes não
serem surpreendidos, na decisão judicial, por funOreste Nestor de Souza Laspro damento que não foi por eles anteriormente venti-
Advogado. Professor de Direito Processual Civil
lado, ou, ainda, de que não lhes foi dado conheci-
da Faculdade de Direito da USP.
mento prévio para se manifestarem.
Além de se tratar de uma orientação alinhada
a avançados ordenamentos estrangeiros, é consentânea com o princípio do contraditório (um
dos pilares do processo civil brasileiro). Ademais,
numa época em que ainda muito se preconiza a
efetividade do processo, a previsibilidade da decisão judicial assume destaque, inclusive, pelo seu
Livro_126.indb 162
23/04/2015 16:28:56
entrelaçamento com a segurança jurídica e pelo seu
do qual não se tenha dado às partes oportunidade
fundamental papel quanto à própria credibilidade do
de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre
Poder Judiciário (OLIVEIRA, 2003, p. 194).
a qual deva decidir de ofício”.
A regra em comento veda o que doutrinaria-
a processualística italiana (GRADI, 2010, p. 827).
Não se tolera um pronunciamento judicial que
adota premissas não alvitradas no processo e a respeito das quais os litigantes não tomaram conhe-
É nesse contexto que o presente ensaio se de-
cimento para viabilizar o debate. A regra, que se
bruça: com o escopo de elucidar a sistemática do
aplica também em âmbito recursal (a lei fala em
assunto pelo NCPC, quer-se avaliar o alcance e
“grau algum de jurisdição”), alcança as hipóteses
a conveniência da disciplina ali contemplada,
em que a decisão se alicerça sobre questões cog-
além de apontar algumas de suas repercussões no
noscíveis de ofício pelo julgador.
cenário jurídico atual – mas tudo sem pretensão
Com efeito, os fundamentos sobre os quais a
exaustiva, diante dos estreitos limites propostos
“decisão-surpresa” se ampara podem correspon-
para este trabalho.
der a questões de fato ou de direito (SOUZA,
2014, p. 136), envolvendo matéria de direito pro-
2 A disciplina do Novo CPC relacionada
cessual ou de direito material. Ilustram isso: a
à vedação da “decisão-surpresa”
declaração incidental de inconstitucionalidade
de uma norma,3 o reconhecimento de ofício da
O art. 10 do NCPC1 estabelece:
prescrição, o reconhecimento de matérias relati-
“O juiz não pode decidir, em grau algum de
vas a ausência das condições da ação, nulidades
jurisdição, com base em fundamento a respeito
ou de pressupostos processuais. Desse modo, vislumbrando qualquer uma dessas hipóteses antes
1. Ao longo deste trabalho, as referências aos dispositivos do NCPC
levam em conta a numeração do texto consolidado com os ajustes
promovidos pela Comissão Temporária do Código de Processo Civil e aprovada pelo Senado Federal em 17/12/2014. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_
mate=116731>. Acesso em: 23 jan. 2015.
2. Em obra específica sobre o tema, conceitua-se: “decisão-surpresa
é uma decisão fundada em premissas que não foram objeto de prévio
debate ou a respeito das quais não se tomou prévio conhecimento
no processo em que é proferida” (SOUZA, 2014, p. 136). Ademais,
“Tudo o que o juiz decidir fora do debate ensejado pelas partes
corresponde a surpreendê-las” (THEODORO JÚNIOR; NUNES,
2009, p. 125).
3. Reconhecendo que a declaração incidental de inconstitucionalidade pode se dar ex officio, no controle concreto, vide: SILVA, 2004,
p. 15-16.
4. Tal dispositivo prevê expressamente a possibilidade de o magistrado julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde
logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.
5. A exemplo do teor do art. 40, § 4º, da Lei de Execuções Fiscais,
pelo qual o juiz poderá reconhecer de ofício a prescrição intercorrente somente após ouvir a Fazenda Pública.
Livro_126.indb 163
de prolatar sua decisão, o juiz deve propiciar a
oportunidade para as partes se manifestarem.
D a e x p r e s s a p r o i b i ç ã o à “ d ecis ão -s u rp res a” n o Novo CPC.
de terceira via” – como mais usualmente se refere
163
Revi s t a d o A d v o g a d o
A regra em comento veda o que
doutrinariamente se chama de
“decisão-surpresa”.
mente se chama de “decisão-surpresa”2 ou “decisão
À proibição de uma “decisão-surpresa” se harmonizam, ainda, outras disposições do NCPC,
tais como: o art. 9º, caput (“Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida”); o parágrafo único do art. 484 (“a
prescrição e a decadência não serão reconhecidas
sem que antes seja dada às partes oportunidade
de manifestar-se”, ressalvada a hipótese do § 1º do
art. 3304); o parágrafo único do art. 490 (“Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes
sobre ele antes de decidir”); o § 4º do art. 919 (que
condiciona extinção da execução pela pronúncia
da prescrição intercorrente à prévia oitiva das partes).5 Além disso, o art. 7º assegura aos litigantes a
23/04/2015 16:28:56
D a e x p r e s s a p r o i b i ç ã o à “ d ecis ão -s u rp res a” n o Novo CPC.
Rev i st a d o A d v o g a d o
164
paridade de tratamento no processo, “competindo
do advento do novo Código6 – efetivamente não
ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”.
se sustenta à luz do mencionado art. 10. Com
Advirta-se, ainda, que a vedação constante do
efeito, o exercício do contraditório e a cognição
art. 10 não é absoluta. Nada obstante tal dispo-
oficiosa do magistrado não se excluem: o juiz age
sitivo não contemple expressa exceção, uma in-
sem o prévio requerimento da parte, mas o con-
terpretação sistemática orientada pelas garantias
traditório prévio não pode ser desprezado,7 seja
constitucionais do processo (como a do art. 5º,
por se tratar de inafastável garantia constitucional
inciso XXXV) autoriza a conclusão de que situa-
(Constituição Federal – CF, art. 5º, inciso LV),
ções de urgência com risco de dano irreparável
seja porque a coleta de informações pelo juiz ou
ou de difícil reparação excepcionam a vedação
tribunal pode ser proveitosa, convencendo-o – por
à decisão judicial baseada em fundamento não
exemplo – da desnecessidade, inadequação ou im-
submetido ao debate das partes (ALMEIDA;
procedência da decisão que iria tomar (OLIVEIRA,
GOMES JUNIOR, 2012, p. 163); não há aí qual-
1993, p. 35).
quer vulneração ao contraditório e à ampla defe-
Somente após efetivo contraditório, portanto,
sa até mesmo porque não se exclui do litigante a
a matéria de ordem pública (ou a questão apreciá-
possibilidade de se alterar posteriormente aquela
vel sem o requerimento da parte) pode ser adotada
decisão (o exercício do contraditório é postergado
como motivo da decisão judicial. Essa providên-
ou diferido).
cia deve ser observada pelo magistrado, inclusive,
Ademais, a própria sistemática do NCPC re-
na hipótese de embargos de declaração recebidos
força a ideia de que a proibição da decisão-sur-
excepcionalmente com efeito modificativo
presa tem ressalvas, eis que, no art. 9º, parágrafo
(BEDAQUE, 2011).
único, incisos I a III, se estabelece que nenhuma
decisão judicial será proferida contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida, exceto
4 Consagração da visão contemporânea
do princípio do contraditório
nas hipóteses de tutela de urgência e de tutela de
evidência ali previstas.
A concepção moderna que a ciência processual
tem do princípio do contraditório vai além do bi-
3 Alcance do art. 10 do Novo CPC às
nômio “informação e reação” – explorado por La
questões cognoscíveis de ofício
China (1970, p. 394); agrega-se também a ideia de
que a participação dos litigantes deve ser incenti-
A vedação contida no art. 10 do NCPC se tra-
vada pelo juiz, o qual, de sua vez, deve zelar para
duz na necessidade de oitiva prévia dos litigantes
que haja um diálogo entre ele e as partes, a influir
sobre aquelas questões inferidas pelo julgador
no resultado do julgamento (e a culminar, inclusi-
como possíveis argumentos da decisão, ainda que
ve, no que parte da doutrina processual referencia
sejam apreciáveis de ofício ou ainda que se trate
como um modelo de “cooperação” ou “colabora-
de matéria de ordem pública.
ção” no processo) (BUENO, 2008, p. 55).
Apesar de a prática forense revelar que as questões de ordem pública são usualmente decididas
sem a prévia oitiva das partes, a pretexto de serem
matérias apreciáveis de ofício (e, por isso, prescindirem da manifestação dos litigantes), tal orientação – já repudiada pela doutrina antes mesmo
Livro_126.indb 164
6. Cf. NERY JUNIOR, 2009, p. 227; OLIVEIRA, 1993, p. 35, entre
outros.
7. A propósito, a Exposição de Motivos da comissão de juristas encarregada da redação do Anteprojeto do Novo Código já explicitava tal
ordem de ideias: “Está expressamente formulada a regra no sentido
de que o fato de o juiz estar diante de matéria de ordem pública não
dispensa a obediência ao princípio do contraditório”.
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os litigantes têm o direito de influenciar na pre-
pois se trata de uma decorrência direta do prin-
paração da decisão que será prolatada e o juiz tem
cípio do contraditório (como garantia constitu-
o dever de consultar as partes, chamando-as para
cional prevista no art. 5º, inciso LV, combinado
se manifestarem sobre pontos que ele vislumbra
com o art. 5, § 1º, da CF), cuja concepção mais
como relevantes para a decisão a ser tomada. O
moderna não tolera que o litigante seja surpreen-
contraditório, nesses termos, coloca-se para o liti-
dido por decisão embasada em dados estranhos
gante como uma garantia de influência e também
à dialética travada no processo. Entendimentos
uma garantia de “não surpresa” (já que o julgador
do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também
não decidirá fora do que foi submetido ao debate).
acompanham tal linha de pensamento.8 Nesse
É acertado concluir, nesse contexto, que o art.
contexto, a regra contida no art. 10 do NCPC
10 do NCPC dá concretude ao princípio do contra-
não seria exatamente uma inovação.9
ditório e consagra a perspectiva atual que se tem do
postulado, já que aquela norma, ao fomentar um debate prévio sobre os fundamentos da futura decisão,
impõe o “dever de consulta” ao magistrado, além de
assegurar à parte a garantia de influência (na livre
convicção do juiz) e a garantia de “não surpresa”.
Os litigantes têm o direito de
influenciar na preparação da
decisão que será prolatada.
Conquanto autorizada doutrina afirme que
a orientação do art. 10 tenha sabor de novidade
De qualquer maneira, temos que o art. 10 do
(MARINONI; MITIDIERO, 2010, p. 74; WAMBIER,
NCPC consolida um avanço em nosso ordena-
2013), deve ser lembrado que outras prestigiosas
mento, seja por se harmonizar com a moderna
vozes (THEODORO JÚNIOR; NUNES, 2009,
ótica que a ciência processual tem do contraditó-
p. 125; NERY JUNIOR, 2009, p. 227) já susten-
rio, seja por reforçar no plano infraconstitucional
tavam existir a vedação à “decisão-surpresa” em
a existência de direitos e deveres dos participantes
do contraditório (no que se inclui o juiz), a ponto
8.A título exemplificativo, vide caso em que o STJ repudiou a decisão
ex officio tomada no âmbito de expropriatória indireta sem suporte
em pedido expresso da parte interessada e sem assegurar ao interessado o contraditório e a ampla defesa “apanhando-o de surpresa”
(REsp nº 153828-SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 1º/3/1999).
Em outro julgado, deparou-se o STJ com sentença fundamentada
com base na impossibilidade legal de o Inmetro impor multa; todavia,
tal premissa não foi previamente debatida entre os litigantes, o que
levou o STJ a reconhecer que o juiz impôs surpresa às partes, anulando o decisum (REsp nº 496348-PR, Rel. Min. Castro Meira, DJe de
10/12/2010). Registre-se, todavia, em sentido divergente, situação em
que o STJ já permitiu que o magistrado tomasse decisão ex officio sem
a necessidade de propiciar o prévio debate ou sem qualquer prévia
advertência às partes: “Inexiste surpresa na inversão do ônus da prova
apenas no julgamento da ação consumerista. Essa possibilidade está
presente desde o ajuizamento da ação e nenhuma das partes pode alegar desconhecimento quanto à sua existência” (REsp nº 1125621-MG,
Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 7/2/2011).
9.Didier Jr. (2014, p. 236) trata o art. 10 do NCPC como uma “pseudonovidade normativa”, por se incluir no rol de enunciados que
“reforçam, ratificam, confirmam, corroboram etc. a compreensão
atual do direito processual civil brasileiro, construída antes da vigência do novo CPC”.
Livro_126.indb 165
de espancar dúvidas existentes quanto à delicada
questão de se fomentar o debate prévio sobre ma-
D a e x p r e s s a p r o i b i ç ã o à “ d ecis ão -s u rp res a” n o Novo CPC.
nosso sistema, mesmo sem uma lei específica,
165
Revi s t a d o A d v o g a d o
Nessa perspectiva, desdobra-se a ideia de que
téria apreciável de ofício pelo julgador.
5 Previsões semelhantes no Direito
estrangeiro
O teor do art. 10 do NCPC segue o que ordenamentos processuais de vanguarda contemplam
sobre a proteção contra a “decisão-surpresa”. Destaque-se:
i) no sistema francês, o art. 16 do Noveau Code
de Procédure Civile estabelece que o juiz não
pode fundamentar sua decisão sobre uma questão de direito que ele próprio suscitou de ofício,
sem conceder oportunidade de manifestação às
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D a e x p r e s s a p r o i b i ç ã o à “ d ecis ão -s u rp res a” n o Novo CPC.
Re v is t a d o A d v o g a d o
166
partes;10 trata-se de disposição aplaudida já há um
Embora não seja o caso, nos limites deste tra-
certo tempo pela doutrina brasileira, rotulando-a
balho, de tecer comparações, registre-se que o ca-
como “sábia” e “inspiradora” (DINAMARCO,
minho já trilhado por legislações estrangeiras (so-
2000, p. 135);
bre o tema aqui tratado) anuncia a possível vinda
ii) o art. 3º, n. 3, do CPC português dispõe que
de dúvidas sobre o que pode ou não ser considera-
não é lícito ao magistrado, “salvo caso de manifes-
do “surpreendente”, bem como a constatação de
ta desnecessidade, decidir questões de direito ou
eventuais imperfeições da sistemática do NCPC,
de facto, mesmo que de conhecimento oficioso,
traduzindo-se em discussões a serem pacificadas
sem que as partes tenham tido a possibilidade de
pela jurisprudência. De outra parte, a experiên-
sobre elas se pronunciarem”. Com tom crítico, a
cia estrangeira também nos mostra que a direção
doutrina lusitana aponta que, à míngua de um
adotada pelo novo Código brasileiro (consolidan-
critério legal objetivo, a jurisprudência acaba deli-
do o princípio do contraditório em sua moderna
berando as situações que se enquadram como de
acepção e a confirmar que o reconhecimento de
“manifesta desnecessidade” (FREITAS; REDINHA;
questões de ordem pública deve ser precedido de
PINTO, 2008, p. 10);
consulta às partes) não nos afasta da busca do pro-
iii) o § 139 do CPC alemão (ZPO) proíbe
cesso justo e efetivo.
qualquer decisão que se apresente como surpresa aos litigantes, sob pena de nulidade (CRUZ
E TUCCI, 2005, p. 12-22); há registro de que o
6 Repercussões da expressa vedação à
“decisão-surpresa”
legislador alemão, ao instituir a regra, tinha o objetivo da redução do número de recursos, na linha
Dentre outras repercussões que o teor do art.
de que a previsibilidade sobre o provável desfecho
10 do NCPC pode trazer, cabe mencionar em
do processo poderia propiciar satisfação às partes
apertadíssimas linhas:
com a sentença proferida (BARBOSA MOREIRA,
2004, p. 201);
i) a releitura da aplicação do aforismo iura novit
curia: o brocardo, que confere ao magistrado a
iv) o art. 183, § 4º, do CPC italiano prevê o
possibilidade de se valer de norma não invoca-
dever de o magistrado indicar às partes as ques-
da pelas partes para aplicá-la ao caso concreto,
tões cognoscíveis de ofício que pretende utilizar
deve ser redimensionado, a ele se acrescentando
como fundamento da decisão; no mesmo senti-
a noção de que tal possibilidade não dispensa
do, o art. 384, § 4º, disciplina o tema no juízo de
a prévia manifestação das partes sobre a qua-
cassação; mais recentemente, a reforma italiana
lificação jurídica que pretende dar aos fatos e
levada a efeito pela Lei nº 69/2009 alterou o art.
fundamentos do pedido – e tudo como forma de
101 do CPC, autorizando o juiz a utilizar uma
concretizar o contraditório e evitar surpresas ao
questão conhecida de ofício como fundamento
jurisdicionado;11
de sua decisão, desde que ouça as partes previa-
ii) há críticas no sentido de que o NCPC
mente – e tudo sob pena de nulidade; ao fixar
deveria especificar qual a consequência ou sanção
tal sanção (ou consequência) para a decisão-
para a prolação da decisão desconforme com o
surpresa, o teor do art. 101 eliminou boa parte
art. 10: a ineficácia (MARINONI; MITIDIERO,
de inflamadas discussões doutrinárias e jurisprudenciais até então existentes (sobre ser nulo – ou
não – tal pronunciamento judicial) (GRADI,
2010, p. 828-833).
Livro_126.indb 166
10. Cf. GRADI, 2010, p. 827; LEONEL, 2010, p. 126-127.
11. O entendimento endossado por Oliveira (1993, p. 135) e Trocker
(1974, p. 369), que trataram do princípio do contraditório pelo prisma
da cooperação, é também hoje confirmado por Souza (2014, p. 173).
23/04/2015 16:28:56
da decisão-surpresa conduz ao decreto de nulida-
ou sendo omisso, é preferível aquela primeira op-
de, por violar o princípio do contraditório e pro-
ção, mais alinhada à segurança jurídica (SOUZA,
piciar cerceamento de defesa (o grave vício dessa
2014, p. 166);
decisão consiste justamente no afastamento de
iv) a celeridade e o princípio da duração razoá-
um modelo previsto na CF). De toda maneira, a
vel do processo podem ceder espaço para o princí-
crítica ora em comento prenuncia o que ocorreu
pio do contraditório: forçoso reconhecer que retar-
no sistema italiano: o surgimento de variadas dis-
damentos podem acontecer quando o juiz viabiliza
cussões sobre ser nula – ou não – a “decisão de
o debate prévio sobre questões ainda não ventiladas
terceira via” (o que culminou com a alteração do
no processo; mas tal situação não se traduz em ine-
CPC daquele país, com o acréscimo, no art. 101,
fetividade e nem pode autorizar o sacrifício do con-
da sanção da nulidade para a “decisão-surpresa”);
traditório, pilar do processo civil brasileiro.
iii) alegação de “prejulgamento” e de imparcialidade do juiz: não se sustenta a ideia de que a
7 Considerações finais
intimação prévia das partes – para falarem sobre
Livro_126.indb 167
matéria de ofício – seria indicativo de prejulga-
Sem prejuízo das reflexões pontuais trazidas a
mento da causa, pois aí se vislumbra a oportunida-
este ensaio, cumpre finalizar com o destaque de
de para o juiz verificar se a decisão que iria tomar
que o art. 10 do NCPC regulou o exercício do con-
é acertada – ou não; tampouco existe parcialidade
traditório, encampando o que já preconizava pres-
nesta postura, já que o juiz age sem armadilhas ou
tigiosa doutrina, alinhando-se, ainda, com julgados
surpresas para com todos os litigantes do processo.
do STJ e com a vanguarda da legislação processual
Ad argumentandum, um magistrado que detecta
civil estrangeira. A despeito de críticas e aspectos
uma decisão de ofício e não previne os litigantes a
negativos, maiores são os benefícios com a postura
tal respeito também correria o risco de beneficiar
de sempre ouvir todos aqueles que, de algum modo,
uma parte em detrimento da outra; e se ele corre
podem contribuir para uma melhor decisão.
D a e x p r e s s a p r o i b i ç ã o à “ d ecis ão -s u rp res a” n o Novo CPC.
o risco de ser parcial viabilizando o debate prévio
167
Revi s t a d o A d v o g a d o
2010, p. 76). Em nosso sentir, todavia, a prolação
23/04/2015 16:28:56
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Acesso em: 23 jan. 2015.
23/04/2015 16:28:56
M
otivação das decisões jurídicas
e o contraditório: identificação das decisões
imotivadas de acordo com o NCPC.
Sumário
1.Preâmbulo e objeto de investigação
2.Jurisdição e poder: limitações impostas pela
motivação
3.O contraditório na teoria dos princípios
4.Identificação das decisões imotivadas no NCPC
5.À guisa de conclusão
1 Preâmbulo e objeto de investigação
No ordenamento brasileiro, a motivação constitui requisito de validade das decisões jurídicas por
expressa determinação constitucional. O Código
Paulo Henrique dos Santos Lucon Professor doutor de Direito Processual Civil
de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), ademais,
estabelece como um dos requisitos das decisões
da Faculdade de Direito do Largo São Francisco
jurídicas a exposição pelo juiz dos fundamentos
(USP). Vice-presidente do Instituto Brasileiro de
que conduzem ou não ao acolhimento do pedido
Direito Processual (IBDP) e do Instituto dos Advogados de São Paulo. Integrou a Comissão Especial
do autor. Na tentativa de dar concretude a esses
do Novo Código de Processo Civil da Câmara dos
dispositivos, o Supremo Tribunal Federal (STF)
Deputados.
169
Revi s t a d o A d v o g a d o
Bibliografia
e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) elaboraram
algumas máximas para orientar a aplicação dessas normas. O STF, por exemplo, considera motivada decisão mesmo que dela não conste exame
de cada uma das alegações ou provas suscitadas e
produzidas pelas partes. O STJ, a seu turno, não
considera nula a decisão motivada de maneira sucinta ou deficiente. Da análise que se faz dessas
Livro_126.indb 169
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M o t i v a ç ã o d a s d e c i s õ e s ju ríd icas e o co n traditório: iden tificação das decisões
i m o t i v a d a s d e a c o r d o c o m o NCP C.
Rev i st a d o A d v o g a d o
170
máximas, constata-se que esses tribunais preo-
bem poderiam ser empregadas em uma miríade
cupam-se sobremaneira em não sobrecarregar os
de casos diversos e está com isso traçado o cami-
magistrados no exercício de sua função judicante.
nho da arbitrariedade.
Este artigo procura analisar a adequação da motivação, não sob essa perspectiva, preocupada com
o gerenciamento do Poder Judiciário, mas sim
sob a ótica dos jurisdicionados, com o propósito
de demonstrar o seguinte teorema: não pode ser
considerada motivada decisão que impossibilite
o exercício do contraditório.
2 Jurisdição e poder: limitações
impostas pela motivação
A necessidade de justificar
determinada escolha impõe restrições
ao subjetivismo de qualquer
elaborador racional de decisões.
Independentemente desses novos desafios,
algumas noções a respeito da atividade de justificação das decisões judiciais possuem caráter
A necessidade de justificar determinada esco-
atemporal, como, por exemplo, a necessidade de
lha impõe restrições ao subjetivismo de qualquer
a motivação ser: i) expressa, sendo vedada moti-
elaborador racional de decisões. Ciente de que
vação implícita, por conta da violação que isso
deve explicitar seu convencimento, o formulador
representaria ao imperativo da publicidade dos
de decisões que pretende ser racional é constrito
atos estatais; ii) clara, ou seja, desprovida de am-
a não decidir com base em fundamentos que não
biguidades e contradições; e iii) logicamente
podem por ele ser expostos. Se essa lógica deve
sustentável.1 Atendidos esses requisitos mínimos,
ser aplicada em qualquer âmbito decisional, com
pode-se afirmar que a motivação cumpre as fun-
maior razão isso ocorre nos casos em que se esta-
ções que dela são esperadas. A motivação, sob o
belece uma relação que revela determinada forma
aspecto político de legitimação do poder estatal,
de manifestação do poder estatal. Essa tarefa, con-
é uma garantia contra o arbítrio judicial e, sob
tudo, torna-se cada vez mais complexa nos dias
o ponto de vista endoprocessual, é um instituto
atuais diante de contexto marcado por uma hipe-
que assegura um melhor funcionamento do me-
rinflação legislativa e pela utilização de termos
canismo processual, isso porque, ao persuadir as
jurídicos indeterminados para regulamentação
partes da justiça da decisão, a motivação reforça a
de condutas sociais. A mera aplicação da lei ao
autoridade da decisão tomada e, com isso, deses-
caso concreto, a exigir do julgador a explicitação
timula a parte sucumbente a impugná-la.2 Se isso
do nexo de pertinência entre as fattispecie abstrata
não ocorrer e a parte decidir se insurgir contra a
e concreta, é então substituída por uma ativida-
decisão que lhe é prejudicial, é a motivação que
de complexa de justificação em que o magistrado
permitirá sejam individuados os vícios a respeito
deve, dentre outras atividades, i) demonstrar o sig-
dos quais versarão as razões recursais. Por isso,
nificado por ele atribuído a cada um desses ter-
não deve ser considerada motivada decisão que
mos indeterminados, ii) realizar juízo de pondera-
subtraia da parte que sucumbiu informações ne-
ção, quando diante de conflito entre normas com
cessárias ao exercício do contraditório. Se o direito
caráter de princípio e iii) indicar o estado ideal de
coisas a ser promovido com a sua decisão. Caso
assim não proceda, o magistrado tende a justificar
suas decisões com base em expressões vazias que
Livro_126.indb 170
1. Ver: CRUZ E TUCCI, 1987, p. 15-21.
2.Ver: TARUFFO, 1975, p. 374-375. A respeito dos escopos da motivação – subjetivo, técnico e público –, cf. novamente CRUZ E TUCCI,
1987, n. 5, p. 21-24.
23/04/2015 16:28:56
car todos os atos processuais previstos em lei para
cia indireta sobre outras normas jurídicas. Uma
obtenção de tutela jurisdicional definitiva, não
dessas funções é a chamada função definitória,
comporta restrições de qualquer ordem, não pode
segundo a qual o contraditório cumpriria o papel
o Poder Judiciário limitar o exercício desse direi-
de definir, ou seja, delimitar, o comando de um
to deixando de fornecer informação necessária à
sobreprincípio que lhe é axiologicamente supe-
parte que deseja se insurgir contra decisão que
rior.8 Sob essa ótica, tem-se que o contraditório
lhe foi desfavorável.3 Se ao recorrente é imposto
concretiza o princípio da soberania popular, na
o ônus de explicitar os motivos para que seja pro-
medida em que assegura a participação dos cida-
ferida nova decisão, sob pena de o recurso não ser
dãos na administração da Justiça. Além dessa fun-
conhecido, dele não pode ser cerceado o acesso
ção definitória, também por conta da eficácia in-
às razões determinantes do julgamento que lhe
direta dos princípios, o contraditório desempenha
foi desfavorável, ou então estaria o jurisdicionado
uma função interpretativa, uma vez que ele é
submetido a uma verdadeira situação kafkiana, já
utilizado na atividade de interpretação de normas
que não lhe seriam fornecidas condições de ele se
construídas a partir de outros textos normativos,
ver livre do jugo estatal.
restringindo ou ampliando seus sentidos. Por fim,
4
3 O contraditório na teoria dos
princípios
A concepção de processo como procedimento em contraditório5 ressalta o caráter estrutural
desta norma para o instrumento estatal de resolução de controvérsias. Ausente contraditório, inexiste processo. Se há contraditório, mas este não
é respeitado como deveria, está-se, então, diante
de um processo que não pode ser definido como
justo. Enquanto princípio jurídico,6 o contraditório produz efeitos sobre outras normas jurídicas de
forma direta e indireta. Por conta da eficácia direta, os princípios exercem uma função integrativa,
pois agregam elementos não previstos em subprincípios ou regras. Assim, ainda que não haja
regra expressa determinando a oitiva das partes a
respeito de ato judicial com potencial de influir
na esfera jurídica de uma delas, deverá ser oportunizada a sua manifestação.7 Além dessa eficácia
3.Ver: SICA, 2011, p. 23-41.
4.Ver: BARBOSA MOREIRA, 1968, p. 103-107.
5.Ver: FAZZALARI, 1996, p. 29.
6.Ver: ÁVILA, 2009, cap. 2, n. 2.4.3, p. 78-79.
7. Ver: ÁVILA, 2009, cap. 2, n. 2.4.8.1.2, p. 97 e ss.
8.Ver: ÁVILA, 2009, cap. 2, n. 2.4.8.1.3, p. 98 e ss.
Livro_126.indb 171
e esta é a função do contraditório que mais de perto nos interessa, tem-se que os princípios jurídicos
exercem uma função bloqueadora, que consiste
na capacidade de afastar elementos incompatíveis
com o estado ideal de coisas a ser por eles promovido. Desse modo, caso uma determinada regra,
por exemplo, preveja a concessão de certo prazo
para a prática de um ato processual, mas sendo
ele incompatível com a natureza do ato a ser praticado, para garantir o regular exercício do contraditório e a efetiva proteção dos direitos do
cidadão, um prazo adequado deverá ser garantido
M o t i v a ç ã o d a s d e c i s õ e s j u ríd icas e o co n traditório: iden tificação das decisões
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direta, o contraditório também exerce uma eficá-
171
Revi s t a d o A d v o g a d o
de ação, compreendido como o direito de prati-
pelo juiz. Da mesma forma, em virtude dessa função bloqueadora do contraditório, é que se deve
considerar não motivada decisão que de alguma
maneira impossibilite o exercício do contraditório.
Isso ocorrerá quando a parte que sucumbiu restar
impossibilitada de se insurgir contra decisão que
lhe foi desfavorável por conta de alguma omissão
do julgador que deixou de explicitar como deveria
o seu convencimento. Vale dizer, a função bloqueadora do princípio do contraditório faz com
que seja considerada imotivada a decisão que leve
a parte que sucumbiu a não dispor de informações suficientes para se insurgir contra a decisão
que lhe foi desfavorável. Usualmente, a violação
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M o t i v a ç ã o d a s d e c i s õ e s ju ríd icas e o co n traditório: iden tificação das decisões
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Re v is t a d o A d v o g a d o
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ao contraditório ocorre quando o juiz se des-
ter o dever de materializar esses termos à luz das
cola das particularidades do caso. A motivação
especificidades de cada caso concreto que lhe é
e o contraditório, portanto, estão interligados de
submetido. Por exemplo, o art. 422 do Código Ci-
modo que a primeira não pode ser considerada
vil estabelece que “os contratantes são obrigados
adequada se o segundo não puder ser exercido.
a guardar, assim na conclusão do contrato, como
Trata-se de um liame estrutural.
em sua execução, os princípios da probidade e
boa-fé”. Referidos princípios, contudo, manifes-
4 Identificação das decisões
imotivadas no NCPC
tam-se de maneira diversa em cada espécie contratual, por isso incumbe ao magistrado em sua
fundamentação explicitar cada um dos deveres
Fixadas essas premissas, estabelecido que não
de conduta esperados em função da incidência
se pode considerar motivada decisão que de algu-
desses princípios. Se não for explicitada a mate-
ma forma impeça o exercício regular do contradi-
rialização atribuída pelo juiz ao termo jurídico in-
tório, cumpre-nos identificar aquelas decisões que
determinado, a parte que sucumbiu não terá, em
devem ser consideradas imotivadas de acordo com
suma, conhecimento da conduta reputada como
o Novo Código de Processo Civil (NCPC):
reprovável pelo magistrado.
a) indicação, reprodução, ou paráfrase de
ato normativo sem explicitar sua relação com a
causa ou a questão decidida (CPC, art. 489, § 1º,
inciso I). Os magistrados costumam por vezes justificar suas decisões reportando-se apenas ao texto normativo aplicável ao caso, seja por meio de
Algumas decisões são, infelizmente, compostas por frases
que nada trazem de novo.
mera indicação, reprodução literal, ou então, nos
casos de maior sofisticação, por meio de simples
c) invocar motivos que se prestariam a justi-
paráfrase. Justificativas dessa natureza nada sig-
ficar qualquer decisão (CPC, art. 489, § 1º, inci-
nificam, porque não aportam à decisão qualquer
so III). Apenas frases prontas na motivação merecem
informação significativa a respeito da incidência
repúdio, porque nada elucidam e dão a nítida e
ou não de referido dispositivo legal ao caso con-
frustrante impressão de que o julgador nada exa-
creto. Se o juiz, ao justificar sua decisão, se limitar
minou nos autos. Algumas decisões são, infeliz-
a indicar a norma aplicável ao caso e não indicar o
mente, compostas por frases que poderiam estar em
porquê de sua incidência ao caso concreto, a par-
todo e qualquer ato decisório e nada trazem de novo.
te que sucumbiu não terá condições de conhecer
d) não enfrentar todos os argumentos deduzi-
qual é o bem da vida efetivamente outorgado à
dos no processo capazes de, em tese, infirmar a
parte vitoriosa, não conhecerá qual o fato prin-
conclusão adotada pelo julgador (CPC, art. 489,
cipal que levou àquela decisão nem tampouco a
§ 1º, inciso IV). Esse vício de motivação representa
prova que foi determinante para esse resultado.
acima de tudo uma negativa de prestação da tute-
b) utilização de conceitos indeterminados
la jurisdicional e uma violação direta ao princípio
sem explicar o motivo concreto de sua incidên-
do contraditório, pois este também deve ser com-
cia no caso (CPC, art. 489, § 1º, inciso II). A utili-
preendido como o direito das partes de obterem
zação de termos jurídicos indeterminados implica
manifestação judicial a respeito das alegações que
o deslocamento de competência decisória do Le-
elas reputam sustentar suas pretensões jurídicas.
gislativo para o Judiciário, que passa, portanto, a
Afinal, de que adianta as Constituições democrá-
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seus direitos fundamentais se os Juízes deixarem
um princípio sobre o outro, contudo, não pode se
de cumprir a sua missão de resolver os conflitos
dar de maneira arbitrária, conforme a conveniência
com justiça, respondendo sim ou não aos anseios
do magistrado. É preciso que ele explicite cada um
das partes?
dos passos por ele realizados no juízo de ponderação
e) utilizar (ou deixar de utilizar) enunciado de
para optar por um ou outro dos princípios em confli-
súmula, jurisprudência ou precedente invocado
to. Sob a ótica da adequação, o juiz deve demonstrar
sem identificar seus fundamentos determinan-
em síntese que a medida por ele adotada é apta à
tes nem demonstrar que o caso sob julgamento
realização do fim almejado e, sob a ótica da necessi-
se ajusta (ou não) àqueles fundamentos (CPC,
dade, ele deve analisar as medidas alternativas a essa
art. 489, § 1º, incisos V e VI). Sejam as manifes-
e que possam promover o mesmo fim sem restringir,
tações judiciais consideradas fontes de direito ou
na mesma intensidade, os direitos fundamentais em
não, fato é que cada vez mais a elas se faz refe-
conflito, e por fim, ao realizar o exame da proporcio-
rência nas decisões judiciais. Os magistrados,
nalidade em sentido estrito, o magistrado deve res-
contudo, para que suas decisões sejam reputadas
ponder em síntese à seguinte pergunta para que sua
como justas, ao utilizarem determinada norma ju-
decisão possa ser considerada motivada: “o grau de
risprudencial, têm o ônus de demonstrar as razões
importância da promoção do fim justifica o grau
da sua aplicação ou não ao caso concreto, o que
de restrição causada aos direitos fundamentais?”.9
implica a necessidade de analisar as particularidades de cada caso, do precedente e do caso em
5 À guisa de conclusão
exame, para demonstrar que em função da similitude fática entre eles é justificável a aplicação da
A atividade de fundamentação das decisões
mesma razão de decidir. Além disso, caso se con-
judiciais acompanha o contexto sociocultural em
sidere que o entendimento jurisprudencial aplicá-
que inserido o processo estatal de resolução de
vel a princípio ao caso encontra-se superado, tem
controvérsias. Na atual configuração do Estado
o magistrado o dever de demonstrar, no caso de
Constitucional brasileiro, não se pode conceber
superação do entendimento, quais as razões que
a figura de um juiz que resolva os conflitos jurídi-
o levaram a não aplicar a regra jurisprudencial ao
cos que lhe são submetidos sem explicitar de ma-
caso concreto. Só assim, a parte que sucumbiu
neira adequada os motivos determinantes que o
terá condições de se insurgir contra essa decisão
levaram a agir dessa maneira. Por conta da função
para demonstrar que a superação apontada pelo
bloqueadora do contraditório, não deve ser consi-
magistrado não encontra correspondência na rea-
derada motivada a decisão que de alguma maneira
lidade e, portanto, não se justifica.
impossibilite a insurgência da parte que sucumbiu
f) no caso de colisão entre normas, o juiz
porque dela foi suprimida informação relevante
deve justificar o objeto e os critérios gerais da
do convencimento judicial. Por isso o NCPC ca-
ponderação efetuada, enunciando as razões que
minhou muito bem ao estabelecer hipóteses em
autorizam a interferência na norma afastada e
que não serão consideradas motivadas as decisões
as premissas fáticas que fundamentam a conclu-
judiciais. Se todas essas hipóteses puderem ser
são (CPC, art. 489, § 2º). É ínsito aos princípios
agrupadas sob um só lema, podemos afirmar que
jurídicos um estado latente de tensão e de confli-
não será considerada motivada decisão que não se
M o t i v a ç ã o d a s d e c i s õ e s ju ríd icas e o co n traditório: iden tificação das decisões
i m o t i v a d a s d e a c o r d o c om o NCP C.
to uns com os outros. A opção pelo predomínio de
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Revi s t a d o A d v o g a d o
ticas consagrarem o acesso à justiça como um de
atenta às peculiaridades do caso concreto, porque
9.Ver: ÁVILA, 2009, cap. 2, n. 2.4.8.1.3, p. 175 e ss.
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isso implica violação ao contraditório.
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M o t i v a ç ã o d a s d e c i s õ e s ju ríd icas e o co n traditório: iden tificação das decisões
i m o t i v a d a s d e a c o r d o c o m o NCP C.
Bibliografia
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FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale civile. 8.
ed. Padova: Cedam, 1996.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O juízo de admissi-
SICA, Heitor Vitor Mendonça. O direito de defesa no processo
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TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza civile.
Padova: Cedam, 1975.
Re v is t a d o A d v o g a d o
174
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A
notações sobre a prova no Novo
CPC.
Sumário
1.Posicionamento da matéria e estrutura geral
2.Previsão da “ata notarial” como específico meio
de prova
3.Regulamentação da prova emprestada
4.Incorporação da teoria das cargas probatórias
dinâmicas
5.Ampliação dos poderes do juiz em matéria de
instrução probatória quanto aos terceiros
da urgência
7.Depoimento pessoal, prova testemunhal e acareação por meio de videoconferência
8.Produção da prova testemunhal
9.Produção da prova pericial
10.À guisa de conclusão
175
Revi s t a d o A d v o g a d o
6.Produção antecipada de prova sem o requisito
1 Posicionamento da matéria e
estrutura geral
Ricardo de Barros Leonel Professor associado do departamento de Direito
A matéria foi tratada na Parte Especial do
Processual da Faculdade de Direito da Universidade
Novo Código de Processo Civil (NCPC) (Lei nº
de São Paulo. Promotor de Justiça-SP.
13.105, de 16 de março de 2015) e, nesta, no Livro I
(“Do processo de conhecimento e do cumprimento de sentença”), Título I (“Do procedimento
comum”), posicionada como Capítulo XI deste
Título, sob a rubrica “Das provas”. Há uma seção
(Seção II) que trata especificamente da “Produção
antecipada da prova” (arts. 381 a 383), matéria esta
que, no CPC/1973, era disciplinada no “Processo
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Cautelar”, no Livro III (arts. 796 e ss.; a produção
antecipada de provas, nos arts. 846 a 851).
Por outro lado, em tempos em que os meios
digitais e eletrônicos de registro de dados e de co-
Outras novidades, ainda de ordem geral e
municação se tornaram parte do cotidiano de pra-
estrutural, são: a) inclusão no contexto da prova
ticamente todas as pessoas, torna-se cada vez mais
da regra dos poderes instrutórios do juiz (art. 370
frequente a ocorrência de situações cuja divulga-
do NCPC, equivalente ao art. 130 do CPC/1973),
ção e conhecimento por parte dos interessados ou
que era antes tratada no campo dos poderes, de-
de terceiros se dão através de meios virtuais.
veres e responsabilidades do juiz; b) inclusão no
direito probatório da regra do livre convencimento
motivado do juiz (art. 371 do NCPC, análogo ao
A n o t a ç õ e s s o b r e a p r o v a n o No vo CP C.
art. 131 do CPC/1973), matéria antes tratada no
Rev i st a d o A d v o g a d o
176
âmbito dos poderes, deveres e responsabilidades
do magistrado. A prova testemunhal deve ser
produzida mediante a coleta
das declarações na presença
das partes e do juiz.
2 Previsão da “ata notarial” como
específico meio de prova
Tomemos como exemplo hipótese em que
a ofensa à honra de determinada pessoa ocorra
O NCPC prevê, no art. 384, que “a existência
através dos meios de comunicação digital (“redes
e o modo de existir de algum fato podem ser do-
sociais”). Imaginemos ainda a hipótese em que a
cumentados, a requerimento do interessado, por
comunicação entre pessoas de empresas diversas,
meio de ata lavrada por tabelião”, dispondo o res-
a respeito de fatos relacionados ao cumprimento
pectivo parágrafo único que “dados representados
de contrato, seja objeto de diálogo digital.
por imagem ou gravados em arquivos eletrônicos
poderão constar da ata notarial”.
A possibilidade do registro notarial daquilo
que constar em correspondências eletrônicas ou
A menção a tal meio de prova certamente eli-
em publicações realizadas pelas pessoas envolvi-
minará discussões ainda hoje enfrentadas quanto
das nas denominadas redes sociais dá força e con-
à possibilidade de se considerar como prova, por
cretiza de modo prático a via pela qual a prova
exemplo, o comparecimento de pessoas ao tabelio-
de tais ocorrências pode ser, com simplicidade,
nato para declarar conhecimento sobre a existência
elaborada.
e o modo de ser de determinados fatos. Claro que
a prova testemunhal deve ser produzida na forma
3 Regulamentação da prova emprestada
prevista na lei processual, mediante a coleta das declarações na presença das partes e do juiz. Daí por
No CPC/1973 não há regra tratando dire-
que declarações feitas em tabelionato nada mais
tamente da determinada prova emprestada. O
eram que forma irregular de colher-se prova teste-
NCPC cuidou do tema como prova típica. Nesse
munhal, não devendo receber positiva valoração.
sentido, o art. 372 do NCPC. O legislador acolheu
A previsão da “ata notarial” como meio proba-
a posição que já era dominante tanto na doutrina
tório típico, entretanto, reduz espaço para a crítica
como na jurisprudência, no sentido de admitir-se
dessa ordem, ainda que não se lhe possa atribuir,
a utilização, num segundo processo, de prova pro-
quando utilizada para formalizar declarações ex-
duzida em outro feito.
trajudiciais, o mesmo valor probatório das declarações de testemunhas em audiência judicial.
Livro_126.indb 176
Como requisitos para a utilização da prova
emprestada, antes da edição do NCPC, costu-
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fosse produzida em processo anterior; b) a parte
terior, no segundo processo, no qual ela vai ser no-
contra quem se pretendia utilizar a prova tivesse
vamente utilizada, quando isso não ocasionar pre-
sido também integrante da relação processual for-
juízo às partes (é o que se verifica na hipótese da
mada naquele feito anterior; c) a prova fosse pro-
utilização da prova documental emprestada, pro-
duzida licitamente; d) fosse inviável a reprodução
duzida antes em outro processo); d) o legislador
daquela prova no segundo processo (“irrepetibili-
não formulou exigência expressa de que a prova
dade” da prova).
seja “irrepetível”, ou seja, inviável sua reprodução,
O art. 372 do NCPC parece adotar maior fle-
exigência que poderia inviabilizar a utilização da
xibilidade quanto ao tema, exigindo apenas que
prova antes formada em processo distinto, mesmo
seja “respeitado o contraditório”. Algumas dúvidas
nos casos em que da sua utilização não resultasse
surgirão daí, tais como: é possível utilizar prova
prejuízo algum para as partes (tome-se novamente
emprestada, mesmo que seja viável sua reprodu-
o exemplo da prova documental usada em feito
ção no segundo feito (por exemplo, a testemunha
anterior: quanto à prova documental, o contra-
que foi anteriormente inquirida está viva e pode
ditório, em qualquer processo, se dá sempre em
ser novamente inquirida; o objeto examinado por
momento subsequente ao da produção – juntada
peritos ainda existe, e pode ser submetido à segun-
aos autos).
da perícia)? Bastaria o contraditório a posteriori
(manifestação das partes, no segundo feito, a respeito daquela prova)? Ou seria imprescindível o
4 Incorporação da teoria das cargas
probatórias dinâmicas
contraditório efetivo (possibilidade de participação dos interessados no processo e no procedimento no qual a prova foi produzida)?
Livro_126.indb 177
O CPC/1973 distribuía de forma estática os
encargos probatórios, atribuindo ao autor o ônus
O art. 372 do NCPC sinaliza para uma posi-
da prova do fato constitutivo do seu direito e ao
ção mais flexível, ao não mencionar a exigência
réu o ônus da prova dos fatos modificativos, extin-
de que a prova não possa ser reproduzida, bem
tivos ou impeditivos do direito do autor (art. 333
como ao falar apenas na necessidade de se assegu-
do CPC/1973). Ademais, regra específica aplicá-
rar o contraditório, deixando de especificar, entre-
vel aos litígios na área do Direito do Consumidor
tanto, se é exigível o contraditório prévio.
já previa a possibilidade de inversão da regra do
Nesse quadro podem ser indicados os requisi-
ônus da prova nos casos de verossimilhança das
tos para o uso da prova emprestada na nova codifi-
alegações do consumidor ou de hipossuficiência
cação: a) a prova deve ter sido produzida em outro
deste (art. 6º, inciso VIII, da Lei nº 8.078/1990).
processo (não em simples procedimento investi-
Independentemente de previsão legal, corren-
gatório), ou seja, processos administrativos, crimi-
te doutrinária, contando com o apoio de alguns
nais, cíveis, trabalhistas, disciplinares, ou de con-
julgados, vinha admitindo que, excepcionalmen-
tas (junto aos Tribunais de Contas), que tramitam
te, o juiz determinasse a distribuição dos encargos
sob o contraditório, e dos quais se pode, ao final,
probatórios de modo diverso, com a finalidade
obter imposição de conduta ou sanção; b) deve-se
de equilibrar, diante do caso concreto, as condi-
respeitar o contraditório, o que, em princípio, só
ções dos litigantes. Apoiava-se essa linha de en-
se verifica quando os interessados são partes no
tendimento em argumentos variados, como, por
processo anterior em que a prova foi produzida;
exemplo, o princípio constitucional da isonomia,
c) não se deve descartar, entretanto, a admissão da
ou mesmo na ideia de que a ninguém pode ser
A n o t a ç õ e s s o b r e a p r o v a n o No vo CP C.
prova emprestada pelo simples contraditório pos-
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Revi s t a d o A d v o g a d o
mava-se apontar a necessidade de que: a) a prova
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imposto encargo processual do qual não terá con-
pode incidir mesmo no momento do julgamen-
dições de se desincumbir.
to. Na perspectiva das partes, entretanto, o “ônus
Os argumentos favoráveis à teoria das cargas pro-
subjetivo da prova” deve ser conhecido em tempo
batórias dinâmicas não afastavam uma crítica perti-
hábil para que o litigante possa cumprir seu en-
nente: do modo como essa teoria vinha sendo cons-
cargo probatório.
truída, conferia praticamente um cheque em branco
ao juiz, como se ele pudesse escolher, caso a caso, se
deveria cumprir a lei (regra do ônus fixo da prova)
ou a Constituição (isonomia), mesmo sem declarar
O NCPC inova ao tornar maior o
poder do juiz quanto ao terceiro.
a lei inconstitucional. Como o NCPC adota regra
A n o t a ç õ e s s o b r e a p r o v a n o No vo CP C.
expressa sobre o tema, a discussão fica superada.
Re v is t a d o A d v o g a d o
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Livro_126.indb 178
Some-se que o art. 373, § 1º, in fine, do NCPC
Dessa forma, são requisitos para a “dinamização”
prevê que, na hipótese de aplicação da regra da
do ônus probatório, nos termos do art. 373, § 1º, do
dinamização do ônus da prova, o juiz deve “dar à
NCPC, que: a) a distribuição dinâmica seja ne-
parte oportunidade para se desincumbir do ônus
cessária em função das “peculiaridades da causa,
que lhe foi atribuído”. Dessa forma, antes da ins-
relacionadas à impossibilidade ou excessiva difi-
trução probatória (quando da decisão de sanea-
culdade” de se cumprir o encargo na forma tra-
mento do processo, ou seja, no momento em que
dicional; b) ou haja maior facilidade de obtenção
deferir a produção de provas), deverá o juiz alertar
da prova do fato contrário àquele que teria, em
as partes quanto à possibilidade de aplicação da
princípio, que ser provado por uma das partes; c) a
inversão. Com isso, assegurará o respeito ao con-
inversão do encargo probatório deve ocorrer em
traditório relativamente à parte onerada.
decisão fundamentada, assegurando-se à parte
onerada a possibilidade de se desincumbir do encargo; d) a inversão não pode produzir para qualquer das partes encargo do qual seja impossível ou
5 Ampliação dos poderes do juiz em
matéria de instrução probatória
quanto aos terceiros
excessivamente difícil, para ela, se desincumbir.
Um ponto importante diz respeito ao momento
da inversão.
O art. 341 do CPC/1973 já estabelecia o dever do terceiro de informar ao juízo fatos e cir-
O problema é que a disposição processual refe-
cunstâncias das quais tivesse conhecimento,
rente ao ônus da prova contempla duas diretrizes
bem como de exibir coisa ou documento que
distintas: a primeira, que pode ser chamada de
tivesse em seu poder. Previa ainda, no art. 362,
“ônus objetivo da prova”, que nada mais é que uma
que, havendo recusa do terceiro, sem justo mo-
regra de julgamento, da qual o juiz só deve se valer
tivo, em efetuar a exibição, “o juiz lhe ordenará
para evitar o pronunciamento do non liquet, veda-
que proceda ao respectivo depósito em cartório
do em nosso sistema (art. 126 do CPC/1973; art.
ou noutro lugar designado, no prazo de 5 (cinco)
140 do NCPC); a segunda, que pode ser chamada
dias”, bem como que, se o terceiro descumprir a
de “ônus subjetivo da prova”, é diretriz endereçada
ordem, “o juiz expedirá mandado de apreensão,
às partes, que devem saber, de antemão, os fatos em
requisitando, se necessário, força policial, tudo
relação aos quais recaem seus encargos probatórios,
sem prejuízo da responsabilidade por crime de
para que deles possam se desvencilhar.
obediência”.
Do ponto de vista da atividade jurisdicional, a
Em função dessas disposições, a jurisprudên-
regra de julgamento (“ônus objetivo da prova”) só
cia se cristalizou no sentido da impossibilidade de
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multa, contra o terceiro, dada a ausência de previ-
produção antecipada de provas (art. 381, incisos
são nesse sentido. O Superior Tribunal de Justiça
I, II e III, e § 5º): a) quando houver fundado re-
(STJ), a propósito, editou a Súmula nº 372, pela
ceio de que venha a tornar-se impossível ou mui-
qual, “Na ação de exibição de documentos, não
to difícil a verificação dos fatos na pendência da
cabe a aplicação de multa cominatória”.
ação; b) quando a prova seja suscetível de viabi-
O NCPC inova ao tornar maior o poder do
lizar a autocomposição ou outro meio adequa-
juiz quanto ao terceiro. O art. 380 do NCPC rei-
do de solução do conflito; c) quando o prévio
tera o dever do terceiro de informar ao juiz fatos e
conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar
circunstâncias de que tenha conhecimento, bem
o ajuizamento da ação; d) quando alguém pre-
como de exibir documento ou coisa que esteja
tender justificar a existência de algum fato ou
em seu poder. Vai além, entretanto, prevendo o
relação jurídica para simples documentação e
respectivo parágrafo único que, em caso de des-
sem caráter contencioso.
cumprimento da ordem, poderá o juiz determinar
A primeira das hipóteses anteriormente discri-
ao terceiro “além da imposição de multa, outras
minadas (a) tem natureza nitidamente cautelar.
medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou
As outras hipóteses (b, c e d) não têm natureza
sub-rogatórias”.
cautelar, cuidando-se apenas de se assegurar aos
Observe-se que a expressa previsão da possibi-
interessados a possibilidade de registro dos fatos
lidade da aplicação da multa cominatória contra
ou obtenção de esclarecimentos quanto a eles,
o terceiro neutraliza a posição jurisprudencial
como direito autônomo (o chamado “direito autô-
contida na Súmula nº 372 do STJ, deixando claro
nomo à prova sem o requisito da urgência”), faci-
o dever de todos, inclusive daqueles que não são
litando-se a composição extrajudicial de conflito
partes no processo, de atender as determinações
iminente, ou mesmo que através do prévio escla-
judiciais, respeitando a autoridade das decisões
recimento dos fatos seja justificado ou evitado o
advindas do Poder Judiciário.
ajuizamento da ação.
Não bastasse isso, deve ser destacado o caráter
Interessante e oportuna, dadas as peculiarida-
exemplificativo das expressões contidas no pará-
des da produção antecipada de provas, a fixação
grafo único do art. 380 do NCPC, que fala no ca-
da competência alternativa do juízo do foro onde
bimento da imposição de multa ao terceiro, mas
a prova deve ser produzida ou do foro do domicí-
também de “outras medidas indutivas, coercitivas,
lio do réu (art. 381, § 2º). Igual avaliação merece
mandamentais ou sub-rogatórias”.
a possibilidade de produção antecipada de prova
A n o t a ç õ e s s o b r e a p r o v a n o No vo CP C.
O art. 381 do NCPC disciplina os casos de
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Revi s t a d o A d v o g a d o
imposição de outras medidas coercitivas, como a
requerida em face da União, entidade autárquica
6 Produção antecipada de prova sem o
requisito da urgência
ou empresa pública federal na Justiça estadual, se
na localidade não houver vara da Justiça federal
(art. 381, § 4º, do NCPC). São alternativas desti-
A matéria deixou de ser tratada como espécie de procedimento cautelar, como ocorria no
Livro_126.indb 179
nadas à simplificação, fundadas no art. 109, § 3º,
da Constituição Federal.
CPC/1973 (arts. 846 a 851), vindo para o âmbito
Em consonância com esse quadro, fica excluí-
do processo de conhecimento, inserida no contex-
da a prevenção para futura ação de conhecimento
to da disciplina do direito probatório (arts. 381 a
relacionada aos mesmos fatos que tenham sido
383 do NCPC), em seção especificamente desti-
objeto da instrução probatória antecipada (art. 381,
nada ao tema.
§ 3º, do NCPC).
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7 Depoimento pessoal, prova
testemunhal e acareação por
meio de videoconferência
O texto legal do Novo Código estabelece
expressamente a possibilidade do uso da videoconferência. Nesse sentido os arts. 385, § 2º, 453,
§ 1º, e 461, § 2º, do NCPC.
Essa é uma novidade importante. Elimina
A n o t a ç õ e s s o b r e a p r o v a n o No vo CP C.
qualquer discussão sobre a viabilidade ou não do
uso do referido meio eletrônico de comunicação
para oitiva de partes e testemunhas que se encontrem em local distante, evitando a necessidade de
expedição de cartas precatórias ou rogatórias.
Pelo art. 459 do NCPC, as
perguntas passam a ser feitas
pelas partes diretamente às
testemunhas.
Re v is t a d o A d v o g a d o
180
Há, nesse mecanismo, potencial para tornar
mais célere a conclusão da instrução, bem como
manter o juiz em contato “direto” (ainda que, paradoxalmente, por meio virtual de comunicação)
com a prova a ser colhida por meio do depoimento
pessoal e da oitiva de testemunhas.
8 Produção da prova testemunhal
A parte pode, ainda, comprometer-se a apresentar a testemunha independentemente de intimação, caso em que o não comparecimento
injustificado gera presunção de desistência da inquirição (art. 455, § 2º, do NCPC). A inércia na
realização da intimação também gera presunção
de desistência quanto à oitiva da testemunha (art.
455, § 3º, do NCPC).
A regra passa a ser que as intimações não são
feitas pelo cartório judicial. A exceção – realização
das intimações por mandado – se aplicará apenas
às seguintes situações previstas de modo expresso
no art. 455, § 4º, do NCPC.
Pelo art. 459 do NCPC, as perguntas passam a
ser feitas pelas partes diretamente às testemunhas,
e não mais por intermédio do juiz, ao qual fica o
encargo, exclusivamente, de fiscalizar o desenvolvimento da inquirição, a fim de evitar abusos e
constrangimentos indevidos aos inquiridos.
Trata-se da denominada cross-examination (exame ou inquirição cruzada, em tradução literal),
utilizando a referência terminológica dos sistemas
de common law, que já vinha ocorrendo entre nós
no processo penal, desde a reforma realizada há
alguns anos (art. 212 do Código de Processo Penal,
redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008).
9 Produção da prova pericial
Adota o NCPC, de forma expressa, a possibilidade de realização em audiência da “prova técnica simplificada”, que, nos sistemas de common
No que se refere à produção da prova testemu-
law, é usualmente referida como expert witness
nhal, há modificações importantes, embora singe-
(ou, em tradução literal, a “testemunha-perito”),
las, como se percebe do cotejo com o CPC/1973. A
que presta esclarecimentos em juízo não por ter
primeira delas é que as testemunhas arroladas pelas
testemunhado o fato a ser comprovado, mas por
partes deverão, preferencialmente, ser intimadas
ter conhecimento técnico que a habilita a elucidar
pelo próprio advogado da parte que as arrolou, me-
pontos que não são alvo de conhecimento comum
diante carta com aviso de recebimento, que deverá
dos homens, entre eles juízes, partes e seus patro-
ser juntado aos autos, com a cópia da carta de inti-
nos. É o que dispõe o art. 464, § 2º, do NCPC.
mação, até três dias antes da realização da audiência para sua inquirição (art. 455, § 1º, do NCPC).
Livro_126.indb 180
Ainda sobre o tema, os §§ 3º e 4º do mesmo
artigo estabelecem que “a prova técnica simplifi-
23/04/2015 16:28:57
cada consistirá em inquirição pelo juiz de espe-
Há ainda, na nova lei, a previsão da “perícia
cialista sobre ponto controvertido da causa, que
consensual”: sendo as partes plenamente capa-
demande especial conhecimento técnico ou cien-
zes, e admitindo a causa autocomposição, pode-
tífico”, e ainda que o especialista, que deverá ter
rão indicar perito em comum acordo (art. 471 do
formação acadêmica específica na área objeto de
NCPC).
seu depoimento, poderá “valer-se de qualquer re-
Passa a ser possível, ademais, a dispensa de pro-
curso tecnológico de transmissão de sons e ima-
va pericial, quando as partes, na inicial e na con-
gens com o fim de esclarecer os pontos controver-
testação, trouxerem, a respeito das questões de fato,
tidos da causa”.
pareceres técnicos ou documentos elucidativos que
consistir não apenas em esclarecimentos verbais,
Trata-se de tentativa de simplificação, maior
mas sim em exposição técnica circunstanciada,
agilidade e barateamento do processo, que
com apoio de aparato logístico, apto a elucidar de
poderá, evidentemente, ser objeto de crítica e
modo técnico a verdadeira dimensão e modo de ser
render ensejo a impugnações fundadas no cercea-
de aspectos intricados das alegações relativas aos
mento do contraditório e da amplitude do di-
fatos que são objeto da instrução probatória.
reito à prova.
É bem sabido que no CPC/1973 havia a pre-
A autorização legal poderá ser útil, mas a
visão, no art. 435, de que as partes poderiam soli-
dispensa da realização da prova pericial em juí-
citar ao juiz que determinasse o comparecimento
zo, a pretexto da existência de pareceres técni-
do perito ou assistente técnico à audiência, a fim
cos, produzidos extrajudicialmente, é medida
de que estes prestassem esclarecimentos. Tais es-
cuja utilização deve ocorrer com ponderação,
clarecimentos, entretanto, tinham natureza niti-
evitando-se o cerceamento indevido do efetivo
damente complementar relativamente ao laudo
contraditório em juízo.
(perito) ou parecer (assistente técnico) já apresentado, não podendo, pura e simplesmente, substi-
10 À guisa de conclusão
tuir a prova pericial. A novidade trazida pelo art.
Livro_126.indb 181
464 do NCPC tem alcance muito maior que a
Sem pretensão de esgotar o tema, ficam aqui
simples convocação de peritos ou assistentes téc-
averbadas algumas das novidades mais importan-
nicos para esclarecimentos complementares.
tes do NCPC em matéria probatória.
A n o t a ç õ e s s o b r e a p r o v a n o No vo CP C.
o juiz considerar suficientes (art. 472 do NCPC).
181
Revi s t a d o A d v o g a d o
Em outras palavras, o testemunho poderá
23/04/2015 16:28:57
A
distribuição dinâmica do ônus da
prova e o Novo CPC.
Sumário
1.Introdução
2.Inversão do ônus da prova e julgamento com
base em “verossimilhança”: esclarecimentos iniciais
3.Dinamização do ônus da prova
3.1.A recepção da teoria no Brasil
3.2.Requisitos e desdobramentos práticos
4.Considerações finais
Bibliografia
Revi s t a d o A d v o g a d o
182
1 Introdução
Ronnie Preuss Duarte Sem pretender reduzir os horizontes probató-
Mestre em Ciências Jurídicas. Diretor da Escola
rios do processo à repartição dos ônus (estática
Judiciária Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral
ou dinâmica), isto é, sem olvidar um direito pro-
de Pernambuco (TRE-PE). Membro do Conselho de
Relações Internacionais da REPRO. Membro da
cessual subjetivo à prova (CAMBI, 2001, p. 45 e
Associação Norte e Nordeste de Professores
ss.), este trabalho enfoca a teoria da distribuição
de Processo (Annep). Advogado em Pernambuco.
dinâmica dos encargos probatórios; conquanto
Mateus Costa Pereira essa teoria não seja novidade entre nós, agora vem
Mestre em Direito Processual. Professor de Pro-
disciplinada no Novo Código de Processo Civil
cesso Civil da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Membro da Associação Norte e
(CPC). Nosso intento é fazer um bosquejo dou-
Nordeste de Professores de Processo (Annep).
trinário diante da singular relevância do assunto,
Advogado.
refletindo o novo texto normativo à luz das principais correntes formadas sobre o tema no Brasil.
O tema exige cautela; respeitosa doutrina já afirmou que a matéria é uma das mais complexas no
âmbito do Direito Processual (TARUFFO, 2012,
p. 260). No curto espaço de um artigo, não tencionando exaurir o tema – o que não conduz a uma
necessária abordagem rasteira –, também iremos
Livro_126.indb 182
23/04/2015 16:28:57
estremar o instituto de outros assuntos afins e
que, contrastando à própria ideia de instrumen-
apresentar alguns desdobramentos práticos da di-
talidade, é indiferente à riqueza do direito material
namização. Segue.
(DALL’AGNOL JR., 2001; KNIJNIK, 2006;
DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, v. 2, p. 88);
2 Inversão do ônus da prova
vale dizer, o legislador conferiu tratamento uni-
e julgamento com base em
“verossimilhança”: esclarecimentos
iniciais
entre as partes (paridade significando que “todas
as partes que atuam no processo devem dispor
Ônus é um “encargo atribuído à parte e ja-
de oportunidades processuais preordenadas e si-
mais uma obrigação”; encargo, isto é, carga ou
métricas” – CRUZ E TUCCI, 2010). Ademais,
peso, cuja não desincumbência pode levar a um
a regra pressupõe uma simplicidade e repetição
1
prejuízo; pode, não necessariamente traduz um.
das situações da vida. Em síntese, o preceito en-
Nessa perspectiva, ônus não se confunde com
carna uma lupa redutora da complexidade (ri-
obrigação, pois no último caso a desobediência
queza da vida). Por algum tempo acreditou-se
implica um resultado negativo ou mesmo à sorte
que a regra estática seria temperada pelo prin-
da reprimenda judicial (DALL’AGNOL JR., 2001;
cípio da aquisição ou comunhão da prova; algo
KNIJNIK, 2006; THEODORO JR., 2010, v. 1, p. 432;
que, sob a perspectiva da isonomia, decerto que
DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2013, v. 2, p. 81).
não funcionou.
Os ônus também distam das obrigações pelos in-
Muito bem.
teresses que são tutelados; no primeiro caso, da
própria parte, e no último, de terceiros. Há várias
situações de ônus processuais entre nós, podendo-se
citar a apresentação: de defesa, da “réplica”, de um
recurso, a produção de prova, etc. – os ônus vêm
atrelados às faculdades (poder).
Particularizando ao tema do ônus da prova,
Ônus não se confunde com
obrigação, pois no último caso
a desobediência implica um
resultado negativo.
o CPC/1973 adotou a conhecida regra estática
de atribuir o encargo probatório a quem alega;
A única concessão feita pelo legislador do
os dois incisos do art. 333 refletem essa diretiva
CPC/1973 sobre o tema consta do parágrafo úni-
(SANTOS, 1952, v. 1, p. 144-145; SILVA, 2008, v. 1,
co do art. 333, ao permitir um negócio jurídico
t. I, p. 267) – isso sob a dimensão subjetiva (par-
que altere a regra do caput, a chamada “conven-
tes), mas sem olvidar a dimensão objetiva do ônus
ção sobre o ônus da prova”. Todavia, malgrado
(julgamento) (BARBOSA MOREIRA, 1980) –,
se desconheçam estatísticas sobre o assunto, essa
consubstanciada no brocardo onus probandi
também aparenta ser uma situação de rara ocor-
incubit ei qui dicit. Contudo, a opção legislativa
rência, revelando, mais uma vez, o compromisso
é criticada por sua artificialidade, na medida em
ideológico do legislador com uma suposta igual-
183
Revi s t a d o A d v o g a d o
pressupõe uma paridade – perpétua – de armas
A d i s t r i b u i ç ã o d i n â m i c a d o ô n u s d a p ro va e o Novo CPC.
forme a todas as situações, o que, de certa forma,
dade entre as partes – aqui, em sentido negocial.
1. Com o cuidado de observar, com apoio em Dinamarco (2004, p. 85),
que o ônus pode ser “relativo” (ex.: ônus da prova) ou “absoluto” (ex.:
não apresentação de apelação diante de uma sentença desfavorável).
No último caso, continua o autor, as consequências da inércia são
inevitáveis, fatais.
Livro_126.indb 183
Até então não se falava em inversão do ônus da
prova, seja legal (ope legis; apriorística (em abstrato) ou jurisdicional (ope iudicis; posteriorística
(em concreto)).
23/04/2015 16:28:57
Coube ao legislador do Código de Defesa do
demonstração da verdade para algumas situações
Consumidor (CDC) ampliar os horizontes no
(ex.: lesões pré-natais (demonstração de que os
campo dos ônus probatórios, sensível à relevância
problemas de saúde numa criança foram ocasio-
da distribuição do onus probandi para a potencial
nados em virtude de lesões suportadas pelo feto
justiça da decisão a ser proferida (RANGEL, 2002,
durante a gestação – prova da causalidade)), senão
p. 101). Alinhado aos anseios protetivos, sobretudo
que o julgamento tenha fundamento apenas na
ao acesso à justiça do consumidor, o art. 6º, inci-
prova de verossimilhança daquilo que é afirmado.
so VIII, do CDC permite a inversão do ônus da
Claramente, não há como confundir a propos-
prova – ope iudicis – sempre que demonstrada a
ta defendida pelos autores ao tema da inversão,
hipossuficiência ou a verossimilhança das alega-
já que uma coisa é a alteração da convicção do
ções. O preceito em questão somente pode ser
magistrado (verdade ou verossimilhança) e, pois,
aplicado diante de uma dessas situações, havendo,
daquilo que deverá ser demonstrado nos autos;
inclusive, um ônus do pretenso beneficiário em
coisa diversa é saber quem está encarregado de
A d i s t r i b u i ç ã o d i n â m i c a d o ô n u s d a p ro va e o Novo CPC.
2
Rev i st a d o A d v o g a d o
184
3
4
5
demonstrar uma delas no caso concreto. Algu6
mas polêmicas marca(ra)m o tema da inversão do
ônus da prova, mas uma análise miúda desborda
de nossos propósitos.
Sobre ampliar os poderes do magistrado, a
inversão pressupõe a ocorrência de uma das situações descritas em lei; fora delas não é possível ao
magistrado reverter a carga probatória. Nessa esteira, conquanto forte, não soa absurdo afirmar
que, em certa medida, o móvel da regra encartada no CDC também é estático: inverte-se o ônus
(redistribuição estática), apenas em benefício do
consumidor, se, e somente se, demonstrada uma
situação de fato que espelhe o requisito A ou o
requisito B – e o processo continua sendo encarado sob uma lupa redutora da complexidade... E
se não se tratar de uma relação de consumo? E se
não for o caso de hipossuficiência ou de verossimilhança das alegações e, nada obstante, a aplicação do art. 333, CPC, inviabilizar o pleno exercício do contraditório ou de outro direito processual
fundamental? Responderemos a essas indagações
em momento oportuno.
Por último, nenhuma dessas situações se mistura à redução das exigências probatórias (redução
do módulo da prova) rumo à aceitação de definitividade dos juízos de verossimilhança. Entre nós,
a teoria é encabeçada por Marinoni e Arenhart
(2009), os quais preconizam seja dispensada a
Livro_126.indb 184
2.Nesse sentido, lembra Rui Rangel (2002, p. 101) ser “acertado
afirmar-se que quanto melhor forem apuradas (e mais perfeitas) as
regras de regulação do ónus da prova, mais se aproxima a decisão
da verdade material possível, ou seja, mais justa será, com certeza, a
decisão”.
3. O CDC também traz hipóteses de inversão legal (ex.: art. 12, § 3º;
art. 14, § 3º, etc.), mas sua análise ressai de nossos objetivos. A título de esclarecimento, o legislador pode atribuir a negativa do fato
constitutivo ao réu (o § 3º do art. 12, CDC, imputa ao “fabricante,
construtor, produtor ou importador” a prova, por exemplo, de que o
produto colocado no mercado não apresenta defeito). No particular,
ela se aproxima da “presunção legal relativa”, se é que com ela não
se confunda. No sentido de ser uma presunção legal relativa, com a
qual concordamos: DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, op. cit., p. 89.
4. O que, a nosso ver, não pode ser confundido com a vulnerabilidade; todo consumidor é vulnerável – a própria legislação protetiva tem
isso como premissa –, mas não é, necessariamente, hipossuficiente.
Também nesse sentido: THEODORO JR., op. cit., p. 435. E também
Miragem (2008, p. 136), para quem a vulnerabilidade é presumida no
plano do direito material, e a hipossuficiência depende de demonstração no caso concreto. Já Cláudia Lima Marques (2009, p. 63) se refere
à hipossuficiência como “espécie de vulnerabilidade processual”.
5. O id quod plerumque accidit: aquilo que normalmente ocorre. Na
precisa lição de Taruffo (2012, p. 111): “se considera verossímil aquilo que corresponde à normalidade de certo tipo de comportamentos
ou de acontecimentos”. A verossimilhança, pois, pressupõe que o
evento seja “repetível”, que se enquadre na “normalidade”. Daí por
que, assevera o mesmo doutrinador, a verossimilhança não tem nada
a ver com a veracidade ou falsidade do fato afirmado.
6. Há divergências interpretativas sobre o alcance da “hipossuficiência”.
Alguns autores entendem que apenas a hipossuficiência econômica
poderia autorizar a inversão (MARINONI, 2009), ao passo que outros
também trabalham com a ideia de uma hipossuficiência técnica.
Criticando a restrição à hipossuficiência econômica e falando que o
verdadeiro problema situa-se no campo do conhecimento do consumidor (de ordem técnica ou científica): DALL’AGNOL JR., op. cit. Com
sentido similar, apontando como causas a hipossuficiência econômica,
social e mesmo cultural, é o alvitre de Klippel e Bastos (2011, p. 342-343),
os quais asseveram que o requisito somente pode ser aferido corretamente em confronto à parte adversa da relação processual.
23/04/2015 16:28:57
suposta pelo direito material e processual. Em
ca dizer que outras tantas situações foram deixadas
suma, o que os referidos doutrinadores professam
à margem de uma moderna técnica processual,
é uma flexibilização no paradigma da convicção
sendo suficiente citar os inúmeros casos de prova
judicial, haja vista a falta de racionalidade de sua
diabólica (“vício de inesclarecibilidade”); ou mes-
observância uniforme para todos os casos (MARI-
mo de situações peculiares do direito material em
NONI; ARENHART, 2009, p. 204-209), pois há
que, ao menos em tese, a inversão do ônus não
situações em que a convicção de verdade e, pois,
é aplicável. Ora, pelo ordenamento processual do
a prova com esse fito – não apenas no atual con-
CPC/1973, diante de uma situação em que é di-
texto tecnológico – é sobremodo difícil ou impos-
fícil ou quase impossível a alguém produzir uma
sível para qualquer das partes. No ensejo, é o que
determinada prova, mas sendo possível à parte ad-
ocorre com clareza na tutela inibitória pura (tute-
versa produzir a contraprova (a negativa do fato),
la contra a ameaça de um ilícito) que, voltando-se
a situação jurídica acabava sendo absorvida pela
para o futuro, indiscutivelmente, reclama a dimi-
regra genérica do art. 333, CPC/1973, resolvendo-
nuição do módulo da prova.
-se na pura abstração ali estatuída – em geral, os
Muito bem.
pretórios não perfilham a construção doutrinária
pelo afastamento do dispositivo em virtude de
O mais longe que o legislador
processual caminhou foi admitir a
convenção acerca do ônus.
sua não recepção circunstancial, defendido por
Macêdo e Peixoto (2014, p. 205) como o único
método juridicamente viável para o afastamento
da distribuição estática. Como visto, o mais longe
que o legislador processual caminhou foi admitir
a convenção acerca do ônus.
As situações encimadas não se confundem
Diante desse cenário, no início da década de
com a dinamização – objeto do próximo item. Por
1990, ecoando a doutrina argentina da distribui-
ora, importante consignar que ela guarda mais
ção dinâmica das cargas probatórias, já era possí-
proximidade com a inversão, na medida em que
vel encontrar vozes entre nós que censuravam a
também é posta como alternativa à distribuição
exegese do código que somente alcançava a dis-
estática dos ônus probatórios.
tribuição estática, isto é, defendendo que a nossa
A d i s t r i b u i ç ã o d i n â m i c a d o ô n u s d a p ro va e o Novo CPC.
matéria ambiental (REsp nº 972.902-RS). Signifi-
185
Revi s t a d o A d v o g a d o
demonstrar essa verdade ou verossimilhança pres-
legislação também recepcionava a distribuição di-
3 Dinamização do ônus da prova
nâmica. É nesse sentido a preleção de Dall’Agnol
Jr. (2001), o qual, num dos primeiros trabalhos pu-
3.1. A recepção da teoria no Brasil
Livro_126.indb 185
blicados sobre a dinamização no Brasil, criticava
A despeito das polêmicas em derredor do tema
os intérpretes que ignoravam os poderes instrutó-
da inversão do ônus da prova, o estado atual de
rios do magistrado (art. 130, CPC/1973): na “vi-
arte arrima uma aplicação restrita em nosso orde-
são tradicional, a incidência do art. 333, do CPC,
namento jurídico. Por conseguinte, esse instituto
ostentar-se-ia inexorável; e asséptica, porque de
com envergadura para densificar o acesso à justi-
resolução em abstrato, sem consideração para o
ça, mesmo com o advento do CDC, não mudou
caso concreto”. Para o mesmo autor, a teoria que é
a realidade dos litigantes em geral, senão dos con-
tributada a Jorge W. Peyrano – senão como autor,
sumidores que demonstrem a presença de um dos
decerto que um dos principais difusores –, mal-
requisitos – consignando que há precedente em
grado a ausência de previsão expressa, retiraria
23/04/2015 16:28:57
A d i s t r i b u i ç ã o d i n â m i c a d o ô n u s d a p ro va e o Novo CPC.
Re v is t a d o A d v o g a d o
186
seu fundamento dos poderes instrutórios; todo
configuração do dano moral – todas situações de
magistrado, pois, teria poderes para redistribuir os
larga ocorrência e que podem gerar dificuldades
ônus atento às circunstâncias do caso.
probatórias.8
Motivado por situações da vida ou do direito
Rigorosamente, a dinamização do ônus da
material em que sobreleva a dificuldade probató-
prova não é uma novidade entre nós, na medida
ria, não é incomum o próprio legislador (de di-
em que, timidamente, já vinha sendo aplicada
reito material) abrandar alguns requisitos, o que,
pela jurisprudência atenta a algumas situações de
reflexamente, afeta o objeto da prova; a evolução
probatio diabolica,9 o que, inclusive, retiraria fun-
do Direito em atenção à complexidade social
damento do próprio inciso II do parágrafo único
pode conduzir a essas reformas. Nesse contexto,
do art. 333, CPC/1973 (KNIJNIK, 2006). De toda
figure-se o exemplo da teoria da responsabili-
sorte, agora vem disciplinada pelo Novo CPC.
dade civil, cujo longo percurso evolutivo levou
Antes de seu advento, façamos novo registro, mui-
à presunção de culpa nalguns casos, seguindo à
tas vozes já conclamavam sua aplicabilidade no
formulação da responsabilidade objetiva (teoria
Direito brasileiro, mormente para garantir a iso-
do risco) e, ainda, à responsabilidade pelo risco
nomia no plano dos ônus probatórios (KNIJNIK,
integral (SCHREIBER, 2007, p. 16 e ss.). Essas
2006; MACÊDO; PEIXOTO, 2014, p. 160). To-
situações, de nítidos reflexos no Direito Proces-
davia, sabe-se que muitos operadores ainda não se
sual, decerto que facilita(ra)m a atuação da parte
interessada em juízo; mas são situações, é importante enaltecer, que não se confundem com o regramento de Direito Processual Probatório, pois
a flexibilização é do próprio direito material, que
não exige a demonstração de culpa (teoria do risco) ou que nem sequer admite a alegação de caso
fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima
(teoria do risco integral). No particular, o alvitre
é do legislador, e não do magistrado – cediço que
o legislador não é um ser iluminado como, justamente, era pregado pelo racionalismo iluminista,
recordando as influências ideológicas subjacentes
à codificação (SILVA, 2006, passim) –, de modo
que outras situações continuam sendo deixadas à
sua margem.
De nossa parte, deparamo-nos com diferentes
situações de dificuldade probatória que não contaram com a “clarividência” do legislador e tampouco se enquadram numa relação de consumo.
Figuremos três situações comuns do cotidiano:
prova de fato negativo; 7 demonstração dos requisitos à configuração da fraude contra credores (eventus
damini + consilium fraudis e scientia fraudis);
demonstração de dor, sofrimento, angústia, etc. à
Livro_126.indb 186
7. Com necessários temperamentos nesses casos, pois não são todos os casos de fatos negativos que, necessariamente, motivam a
alteração do ônus, senão os fatos “negativos indefinidos”. Há casos
em que a prova do fato negativo alocado como fato constitutivo do
direito pode ser realizada pela demonstração de um fato afirmativo.
Assim, por exemplo, a pessoa alega que não praticou uma infração
de trânsito naquele determinado dia e hora na cidade de Belo Horizonte, porque, por exemplo, estava em outro local ou outra cidade
no mesmo horário. Situação diversa, por exemplo, é aquela em que
se alega que não recebeu a notificação de infração no prazo de 30
dias, porque nem sequer foi recebida qualquer notificação à ciência
do ocorrido e apresentação de defesa. No primeiro caso há um fato
afirmativo correlato; no segundo, não. Sem ignorar que o ordenamento também oferece mecanismos específicos à demonstração de
alguns fatos negativos, como é o caso das certidões negativas.
8.Sem ignorar que, em se tratando de dano moral, a jurisprudência,
tentando corrigir um erro, consagra a teoria do dano moral in re
ipsa nalguns casos. Por certo que dano moral nunca deveria estar
atrelado à demonstração de dor ou qualquer outra situação anímica.
O erro está na origem. (Sobre o tema, mais uma vez, cf. Schreiber, op.
cit., passim.) E quanto à prova do fato negativo, também há julgados
entendendo que o ônus pode ser invertido.
9. Foi o que sinalizou a ministra Nancy Andrighi em voto exarado
no REsp nº 896.435, seguido pelos demais pares da 3ª Turma. Na
ocasião, muito embora não tenha havido a aplicação direta da teoria
da distribuição dinâmica do ônus da prova para solucionar o caso
em exame, essa teoria foi um dos fundamentos invocados para que
fosse decretada a invalidação da sentença. Em suma, entendeu-se
que o magistrado procedeu com error in procedendo, pois teria outras
“alternativas” processuais à sua disposição, que não julgar o pedido
improcedente pela ausência de juntada de documento indispensável
à propositura da ação, sobretudo diante de um pedido de exibição
incidental formulado pela parte. Recomenda-se a leitura do voto da
ministra.
23/04/2015 16:28:57
e de seu manuseio reportado por Bobbio (1995,
go nos termos do caput ou à maior facilidade de
p. 78), daí a renovada importância de precisos
obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz
contornos normativos.
atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde
A prova diabólica resulta de um desequilíbrio
que o faça por decisão fundamentada. Neste caso,
anormal entre as partes, ensejando um “vício de
o juiz deverá dar à parte a oportunidade de se de-
inesclarecibilidade”. Normalmente, os autores
sincumbir do ônus que lhe foi atribuído”.
mencionam a relação médico-paciente para ilus-
O caput e seus incisos, basicamente, reprodu-
trar o desequilíbrio do ponto de vista do conhe-
zem o preceito constante do art. 333, CPC/1973,
cimento; mesmo porque foi justamente um dos
sendo desnecessário transcrevê-los.
campos em que a teoria das cargas dinâmicas
mais se desenvolveu (PEYRANO, 2008). Mas não
apenas no campo da responsabilidade do profissional liberal ela poderá ser aplicada. Em atenção
à isonomia, a teoria também vem sendo empregada no campo das relações contratuais bancárias
A prova diabólica resulta de um
desequilíbrio anormal entre as
partes.
e securitárias (DALL’AGNOL JR., 2001) e, certamente, tende a ser aplicada para outras situações.
Antes do Novo CPC, entre nós, ao lado da hi-
Analisemos os contornos normativos e alguns de
possuficiência probatória, Theodoro Jr. (2010, v. 1,
seus desdobramentos.
p. 432-434) entendia que a “verossimilhança” também seria um requisito necessário à dinamização
Livro_126.indb 187
3.2. Requisitos e desdobramentos práticos
e que, inclusive, o dinamismo seria mais bem
Para expor e desenvolver alguns aspectos prá-
empregado na seara das provas indiciárias ou cir-
ticos do tema neste leito de Procusto (um artigo),
cunstanciais. Já Rodrigo Klippel, manifestando-se
nossa estratégia será partir das seguintes indaga-
sobre o projeto de novo CPC ainda na versão apre-
ções: Quais são os requisitos à dinamização? Qual
sentada pelo Senado, elogiava a ausência daquilo
a medida da “excessiva dificuldade” ou “impossibi-
que lhe parecia um “critério casuísta e de difícil
lidade” de cumprir o encargo que justifica a distri-
interpretação” (2011, p. 350). Diferentemente do
buição dinâmica do ônus da prova? Depende de re-
art. 6º, inciso VIII, CDC, constata-se que o texto
querimento? A dinamização é regra ou tem caráter
normativo não exigiu semelhante demonstração,
subsidiário? Em que momento deverá ser aplicada
tendo, no ponto, avançado.
a distribuição dinâmica? Sua aplicação pressupõe
É importante ter em mente que a dinamiza-
que a outra parte, à qual se atribui um ônus, neces-
ção não revoga a distribuição estática, tampouco
sariamente, tenha melhores condições de provar?
havendo uma antagonização radical no caso con-
Os requisitos à aplicação do instituto vieram
creto; mesmo porque a aplicação da dinamização
indicados no Novo CPC – considerando que, ao
não precisa afastar a distribuição estática (pode
tempo da elaboração deste opúsculo, o projeto de
haver mais de um fato constitutivo, sem que exista
lei ainda não havia sido sancionado, opta-se por
a dificuldade ou a impossibilidade probatória para
não citar a numeração. Sem embargo, reproduzi-
todos eles – PEYRANO, 2008). A grande verda-
mos seu conteúdo para facilitar a análise:
de é que são dois raciocínios sucessivos: a insu-
“Nos casos previstos em lei ou diante de pecu-
ficiência da distribuição estática, o que se revela
liaridades da causa, relacionadas à impossibilida-
pela própria leitura do preceito, pode autorizar a
A d i s t r i b u i ç ã o d i n â m i c a d o ô n u s d a p ro va e o Novo CPC.
de ou à excessiva dificuldade de cumprir o encar-
187
Revi s t a d o A d v o g a d o
desvencilharam do vezo oitocentista dos códigos
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A d i s t r i b u i ç ã o d i n â m i c a d o ô n u s d a p ro va e o Novo CPC.
Re v is t a d o A d v o g a d o
188
distribuição dinâmica. Nesse ponto, perfilhamos
dificuldade” ventiladas no texto normativo. E
a doutrina que concebe um caráter subsidiário à
mais precisamente: se a análise se dará apenas
regra (PEYRANO, 2008; MACÊDO; PEIXOTO,
no plano objetivo (em abstrato) ou subjetivo (em
2014, p. 232-233). Havendo uma situação de dese-
concreto); é saber se só se deve considerar a “ex-
quilíbrio anormal na relação jurídica, em virtu-
cessiva dificuldade” quando esta se verificar em
de dos encargos probatórios excessivos a uma das
qualquer situação que se apresente (como, verbi
partes, por hipótese de a contraparte ostentar me-
gratia, os tribunais têm considerado na prova de
lhores – ou exclusivas – condições probatórias, a
fato negativo), ou se é possível a consideração
paridade de armas (isonomia em sentido material)
de uma dificuldade peculiar, que atinge sujeito
fica vulnerada, de modo que deve ser aplicada a
ou situação jurídica determinada (por exemplo,
dinamização; logo, prova quem tiver melhores
uma dificuldade circunstancial e por vezes até
condições de fazê-lo (MACÊDO; PEIXOTO,
transitória).
2014, p. 163-166). Mesmo com a distribuição di-
Com efeito, o atendimento pleno à teleologia
nâmica, ao final do processo poderão remanescer
do comando normativo impõe que se considere
dúvidas sobre os enunciados de fato. Mas também
compreendida no âmbito da previsão normativa a
não devemos olvidar que a dinâmica das cargas
dificuldade ou impossibilidade subjetiva, ou seja,
probatórias, como sói, também convive com os
permite-se que a “excessiva dificuldade” seja aferi-
poderes instrutórios do magistrado. É certo que
da pelo aplicador de acordo com as circunstâncias
a vinda aos autos de elementos úteis à formação
do caso concreto, já que, por razões específicas
do convencimento do julgador sobre fatos con-
(e não gerais), uma parte pode ver dificultada a
trovertidos, em última análise, potencializa a
produção de determinada prova. Contudo, é de
possibilidade da prolação de uma decisão justa.
se exigir, particularmente em casos tais, que a dis-
É igualmente inegável que, muito além de servir
tribuição não venha a dificultar sobremaneira a
como regra de julgamento na hipótese de lapsos
produção da prova pela parte onerada.10 É o caso,
probatórios, a distribuição do ônus da prova é fa-
por exemplo, de fatos controversos em demandas
tor de indução à atividade de produção de provas
envolvendo empresas de elevada organização ad-
(PACÍFICO, 2011, p. 150).
ministrativa (como os bancos). Há situações em
Sobre a necessidade de requerimento expresso,
que o indivíduo teve elementos documentais em
diante da ausência de qualquer ressalva na legis-
suas mãos e que, por motivo qualquer, deixou de
lação, tem-se que a atuação do magistrado poderá
dispor. Trata-se de prova de facílima produção
ser oficiosa, no ponto; tudo se limita à verificação
para a contraparte, mas que, em se aplicando a
da presença de uma das situações pressupostas
distribuição estática do ônus da prova, não virá
em lei. Sempre que, diante das circunstâncias
aos autos.11 Imagine-se, ainda, a possibilidade de
particulares, o juiz verificar preenchimento do su-
litígio em idênticas condições em que, em disputa
porte fático para a incidência normativa (situação
de preenchimento dos requisitos à distribuição
dinâmica do ônus da prova), terá o poder-dever
de atribuir àquele que inicialmente não via recair
sobre si o onus probandi o encargo de provar fatos
determinados.
Outra dúvida que se põe prende-se com a exata
compreensão de “impossibilidade” ou “excessiva
Livro_126.indb 188
10. A consideração de circunstâncias particulares impõe ao juiz um
maior rigor na observância da exigência contida no art. 370, inciso
II, § 2º, do CPC.
11. Em determinados casos, pode-se pensar na possibilidade de se
perseguir a pretensão de exibição de documentos, mas a distribuição
dinâmica é medida que melhor atende à celeridade processual, simplificando o procedimento e agilizando a marcha do processo, na
medida em que faz recair sobre aquele que possui condições de apresentar determinada prova as consequências da respectiva inércia.
23/04/2015 16:28:58
com conglomerado empresarial, parte do acervo
sui uma dimensão passiva: o processo não pode
probatório esteja em poder de empresa coligada
andar tão rapidamente a ponto de sacrificar os di-
no estrangeiro, com acesso inviável para um hi-
reitos processuais fundamentais, dentre os quais
possuficiente.
o de produzir a prova necessária à demonstração
cidir a matéria é o do saneamento, o que está in-
das alegações que dão sustentação ao pedido
(DUARTE, 2007, passim).
Precisamente em relação à parte onerada, o
o princípio do contraditório. A decisão desafia re-
legislador dedicou especial atenção, de modo
curso de agravo na modalidade instrumental. A
a não vilipendiar a possibilidade de defesa dos
nosso ver, a temática não desafia maiores medita-
seus interesses em juízo. Aludindo à decisão que
ções. De toda sorte, é possível que a dificuldade
aplica a distribuição dinâmica, o novo texto co-
probatória possa surgir noutra oportunidade – no
dificado menciona que o encargo não poderá ser
curso da própria instrução – ou mesmo em rela-
“impossível ou excessivamente difícil”. Sobre o
ção a fatos novos que sejam carreados ao processo.
tema, Knijnik (2006) já sustentava que deveria
Em todos os casos se afigura possível a distribui-
existir uma posição privilegiada do litigante esta-
ção do ônus da prova em momento subsequente
ticamente não onerado (por deter conhecimen-
ao saneamento, desde que se respeite o contradi-
tos especiais ou provas relevantes) na situação
tório, assegurando-se à parte onerada a oportuni-
em exame. Mas, além da prova diabólica, Danilo
dade de se desincumbir do encargo (MACÊDO;
Knijnik também aludia à hipótese de os elemen-
PEIXOTO, 2014, p. 231).
tos probatórios terem se tornado inacessíveis ao
O Novo Código tenciona resgatar
o princípio da fundamentação.
estaticamente onerado como fruto de uma atua-
A d i s t r i b u i ç ã o d i n â m i c a d o ô n u s d a p ro va e o Novo CPC.
dicado noutra passagem do CPC e alinhado com
ção culposa ou mesmo em violação aos deveres
189
de colaboração com a parte adversa. Em todos os
casos, não se pretende criar uma aporia por uma
situação de prova diabólica reversa, sendo certo
Livro_126.indb 189
Para além do respeito ao contraditório, é im-
que a impossibilidade circunstancial, subjetiva,
portante que se assegure à parte onerada tempo
também deve ser considerada. Todavia, caso a
hábil para se desincumbir do encargo que passou
impossibilidade venha a se verificar, desassistido
a lhe ser imposto. Com efeito, parte da doutrina
de elementos nos autos para a formação da sua
fala mesmo em pré-eficácia das normas de distri-
convicção, a solução jurídica passará pela “regra
buição do ônus da prova para aludir à circunstân-
de inesclarecibilidade”, isto é, o magistrado de-
cia de que ela opera efeitos práticos antes mesmo
verá investigar “qual das partes assumiu o risco
da existência do processo, já que as partes (ou,
da situação insolúvel” e atribuir a ela, sendo o
pelo menos, aquele que demanda), antes do afora-
caso, o prejuízo por isso (MACÊDO; PEIXOTO,
mento da pretensão, já direcionam a coleta de ele-
2014, p. 230).
mentos probantes norteadas pelas regras inciden-
Uma última questão se impõe; mas ela, em
tes no que toca ao ônus da prova (MÚRIAS, 2000,
razão de sua ingente importância, não toma uma
p. 29). Assim, impõe-se que, entre a atribuição do
indagação como fio condutor. Referimo-nos à
ônus e a instrução, seja assegurado à parte um
fundamentação da dinamização. Dissertar so-
lapso temporal que possibilite a efetiva produção
bre a necessidade de motivação pode soar como
da prova necessária. Não se pode descurar que a
platitude, na medida em que estamos diante de
proclamada “duração razoável do processo” pos-
uma decisão interlocutória. Todavia, é preciso ter
Revi s t a d o A d v o g a d o
Segundo o Novo Código, o momento de de-
23/04/2015 16:28:58
o cuidado de perceber que o Novo Código tenciona resgatar o princípio da fundamentação –
densificando-o por meio de inúmeros preceitos –,
até então bastante maltratado pela jurisprudência
de nosso país, sendo uma herança malfadada do
A d i s t r i b u i ç ã o d i n â m i c a d o ô n u s d a p ro va e o Novo CPC.
sujeito solipsista (STRECK, 2010, passim). Decerto que o atual entendimento pretoriano não se
coaduna com a nova orientação legislativa. Logo,
a decisão que distribui de maneira diversa o ônus
da prova deve indicar a presença dos pressupostos,
dizendo o porquê da inversão e, mais importante
ainda, especificando de maneira individualizada
os fatos controversos que oneram a parte, não se
admitindo, no particular, uma inversão genérica.
A exigência vem em prestígio à ampla defesa (em
sentido lato) e à lealdade processual: aquele que
tem um ônus judicialmente fixado há de saber antecipadamente a extensão e as consequências da
sua inércia.
4 Considerações finais
Conquanto o tema não seja inteiramente novo
entre nós, ainda não há uma larga conscientização
de sua existência e/ou mesmo importância para a
garantia da isonomia no plano dos ônus probatórios. O grande mérito da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova é que ela não se propõe
a oferecer uma solução apriorística para todos os
casos, senão permitindo uma análise do caso concreto para, de modo fundamentado, redistribuir as
cargas probatórias entre as partes em prol da paridade de armas. A adoção da teoria pelo Novo CPC
levará à sua disseminação e amadurecimento na
prática, sendo certo que se situa no espírito do novo
diploma codificado o reforço do papel, do protagonismo e da responsabilidade do juiz na condução
do processo, mas sempre em colaboração com as
partes, isto é, respeitando-se os direitos processuais
fundamentais.
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Rev i st a d o A d v o g a d o
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Re vis t a d o A d v o g a d o
191
Livro_126.indb 191
23/04/2015 16:28:58
A
pontamentos sobre o saneamento e
a organização do processo.
Dentre os diversos dispositivos que visam à ace-
leração do processo, à redução de seu tempo de
tramitação, merece destaque a redação dada, no
Novo Código de Processo Civil (NCPC), ao art. 357,
incluído na Seção IV, do Capítulo X, denominada
“Do Saneamento e da Organização do Processo”.
A denominação da seção faz entrever que seu
objetivo é ir além do tradicional saneamento do
processo, circunscrito, no Código de 1973, à deci-
192
Revi s t a d o A d v o g a d o
são sobre as questões processuais pendentes, à fixação dos pontos controvertidos e à determinação
das provas a serem produzidas.
É certo que, mesmo à luz do Código atual,
a decisão saneadora, se bem elaborada, é perfeitamente apta a organizar o processo, reduzindo
sobremaneira o seu tempo de tramitação. Recordo-me de um exemplo: na primeira metade da
década passada, pululavam ações em que se pedia
Swarai Cervone de Oliveira a revisão de contratos de cartão de crédito. Dentre
Mestre e doutor em Direito Processual Civil
os pontos sempre levantados estavam a pretensa
pela Universidade de São Paulo. Juiz de Direito
limitação constitucional dos juros a 12% ao ano
em São Paulo.
e a legalidade do anatocismo, a cobrança de juros compostos. No mais das vezes, cuidava-se, tão
somente, de matérias de direito. Cabe ao juiz – e
não a um perito – decidir se os juros devem ser
limitados a 12% ao ano e se é lícita a cobrança de
juros compostos. Se o autor narra tais fatos e sobre
eles o réu não controverte, não há questão de fato
a ser dirimida, mas, somente, questão de direito
Livro_126.indb 192
23/04/2015 16:28:58
tão”). Não obstante, eram muito comuns decisões
passiva contemplação, relegando a momento pos-
saneadoras em que se determinava a produção de
terior a interposição de recurso. O mais comum,
prova pericial. E essa prova tinha por objetivo ve-
aliás, é que o saneamento se faça por decisão prola-
rificar o percentual dos juros cobrados e a existên-
tada fora da audiência, sem qualquer diálogo vivo.
cia de juros compostos, muito embora nada disso
fosse controvertido. O que se controvertia era a legalidade, portanto, questão de direito. No entanto,
determinada a prova, perdia-se enorme tempo no
Não mais se toleram advogados
passivos nem juízes prepotentes!
processo e ele se tornava custoso (diferentes eram
os casos em que, em contrato bancário, se negava
O art. 357, no entanto, prevê, em seu § 1º,
a cobrança de juros compostos. Aí, sim, tratava-se
que, realizado o saneamento, as partes podem
de questão de fato, a demandar prova pericial).
pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no pra-
O exemplo foi dado apenas à guisa de demons-
zo comum de cinco dias, sem o que a decisão se
tração de que o atual sistema de saneamento do
torna estável. O dispositivo, ao mesmo tempo em
processo não é obsoleto ou ruim. O problema é o
que lhes dá o direito de intervir, as adverte com a
mau uso que se faz dele. Há uma série de outros
consequência da preclusão; o § 3º prescreve que,
exemplos aptos a demonstrar o quanto se pode
havendo complexidade da matéria de fato ou de
perder de tempo e dinheiro por causa de uma má
direito, o juiz deve designar audiência, para que
decisão saneadora. Uma boa decisão saneadora –
o saneamento seja feito em cooperação com as
e não um saneamento meramente formal, sem
partes, que podem ser convidadas a integrar ou
compromisso com o panorama concreto dos au-
esclarecer suas alegações. O recado está dado:
tos – é capaz, porém, de reduzir sobremaneira o
não mais se toleram advogados passivos nem juí-
tempo do processo.
zes prepotentes! O processo é instrumento de
Ao mencionar, contudo, não apenas o sanea-
atuação da jurisdição. E a jurisdição tem como
mento, mas a organização do processo, o legisla-
escopo a pacificação social, com justiça. Para
dor aponta para a necessidade de uma visão pros-
tanto, todas as personagens que atuam no pro-
pectiva do fenômeno. Cabe ao juiz, ao sanear e
cesso devem estar engajadas nesse ideário.
organizar o processo, antever as consequências
Deixei propositalmente o § 2º para uma aná-
da delimitação das questões de fato e de direito,
lise específica. É sobre ele que desejo falar. Veja-
notadamente do objeto da prova, a fim de evitar
mos sua redação:
desperdício de custos e tempo das partes.
Livro_126.indb 193
A p o n t a m e n t o s s o b r e o s an eamen to e a o rgan ização do processo.
ato isolado do juiz, restando os procuradores em
193
Revi s t a d o A d v o g a d o
(tratarei, mais à frente, sobre a noção de “ques-
“As partes podem apresentar ao juiz, para ho-
E é justamente aí que ocorre importante inova-
mologação, delimitação consensual das questões
ção: o maior comprometimento das partes na orga-
de fato e de direito a que se referem os incisos II e
nização do processo. Embora, como disse, o atual
IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz”.
sistema não seja ruim, o fato é que a prática forense
Já os incisos II e IV rezam que cabe ao juiz, em
acabou por isolar o juiz nesse momento processual.
decisão de saneamento e organização do processo,
Raríssimos os casos em que a decisão saneadora é
respectivamente:
proferida em audiência preliminar, com a efetiva
“delimitar as questões de fato sobre as quais
participação das partes, com um diálogo aberto en-
recairá a atividade probatória, especificando os
tre juiz e procuradores. No mais das vezes, ainda
meios de prova admitidos”; “delimitar as questões
que proferida em audiência, a decisão traduz um
de direito relevantes para a decisão do mérito”.
23/04/2015 16:28:58
A p o n t a m e n t o s s o b r e o s an eamen to e a o rgan ização do processo.
Rev i st a d o A d v o g a d o
194
A primeira observação que faço é sobre o con-
pretensão – condiciona-se, de certa forma, a ativi-
ceito de questão. Segundo conhecida distinção de
dade do réu. Incumbirá a ele controverter os fatos
Carnelutti (1959, p. 36), ponto é a afirmação in-
alegados pelo autor, aduzindo outros, se necessário.
controversa, ao passo que questão traduz o ponto
Da mesma forma, controverterá o fundamento
controvertido. Quando algum fundamento da
jurídico.
demanda ou da defesa restar incontroverso, tem-se
Existe, então, nesse momento, toda a delimi-
um ponto; quando, porém, houver controvérsia, o
tação do objeto de cognição do juiz. Ou, como
ponto ganha o status de questão processual.
expressa Milton Paulo de Carvalho (1992, p. 61),
Logo, ao tratar da delimitação consensual das
“objeto do processo, que é toda a matéria, in-
questões de fato e de direito, o legislador exclui,
clusive o mérito, submetida à apreciação do juiz
evidentemente, os pontos, ou seja, os fundamen-
para simples cognição ou para decisão principal
tos não controvertidos.
ou incidental”.
Pois bem. Os pontos, como fundamentos de
Todavia, o § 2º aponta para a possibilidade de,
fato e de direito, são trazidos ao processo pelo autor.
não obstante essa delimitação, conatural ao binômio
A lide, que, via de regra, dá ensejo à propositura da
demanda/defesa, as partes novamente delimitarem
ação, é fenômeno extraprocessual. Ela pode ser ex-
as questões de fato e de direito. Pergunto: cuida-se
posta, no processo, por inteiro, ou apenas em parte.
de uma faculdade incondicionada? Não me parece.
É o autor quem elegerá que fatos pretende expor,
Quanto às questões de fato, as partes só poderão
qual o enquadramento jurídico que dará a eles e,
excluir da apreciação judicial aquelas que digam
o mais importante, que pedido(s) fará. Em termos
respeito à controvérsia sobre fatos simples, secundá-
técnicos, ele delimitará o objeto do processo: o pe-
rios (sobre a distinção entre fatos simples e fatos
dido, iluminado por determinada causa de pedir
jurídicos – causa eficiente de uma pretensão pro-
(diz-se “iluminado pela causa de pedir”, pois, como
cessual –, vide Carvalho, 1992, p. 81). Não pode
lembra Ada Pellegrini Grinover, nos comentários
haver exclusão sobre a apreciação de fatos essenciais,
ao texto de Liebman, “excluem-se da coisa julga-
sem os quais perde substância a própria causa de
da os motivos, mas são eles mesmos um elemento
pedir ou a causa da exceção. E não faz sentido
indispensável para determinar com exatidão a sig-
alijar de atividade probatória questão de fato –
nificação e o alcance do dispositivo” (LIEBMAN,
ponto controvertido – relevante ao julgamento,
1984, p. 58)). Nas claras palavras de José Ignácio
visto que isso prejudicará aquele responsável pelo
Botelho de Mesquita (1980, p. 168),
ônus da prova.
“causa petendi e petitum, intimamente ligados,
Em resumo, à primeira vista, resta pouco às
qual verso e reverso da mesma medalha, ou alicer-
partes nesse tópico. Pontos incontroversos não são
ces e paredes do mesmo edifício, são por excelência
questões. Não interessam, portanto. Fundamentos
os elementos identificadores do objeto do processo,
de fato essenciais, se controvertidos, transmudam-se
pois o petitum é condição da existência da causa
em questões e não podem ser excluídos de cog-
petendi e esta, por sua vez, não se limita a qualificá-lo
nição, sob pena de se esvaziar a própria causa de
ou restringi-lo, mas o individua plenamente”.
pedir. E, se são essenciais e foram controvertidos,
A partir do momento em que o autor elege
os fatos que narrará (causa de pedir remota), faz
Livro_126.indb 194
aquele que tem o ônus de provar não há de concordar com delimitação alguma.
uma correlação lógico-jurídica entre eles e a con-
O sentido da norma, aí, poderia parecer ape-
sequência que reputa necessária (causa de pedir
nas o da cooperação, não fosse a locução final:
próxima) – como razão para a procedência de sua
se homologada, a delimitação vincula o juiz. Mas
23/04/2015 16:28:58
que signifique esvaziamento da causa de pedir
tes. De outra forma, como entender a locução
ou, muito menos, alteração do objeto do proces-
“vincula o juiz”?
so. Vale dizer, nessas hipóteses, não se homologa a
Vamos a um exemplo real: em uma ação ajui-
delimitação. Na medida em que se usa a condicio-
zada contra plano de saúde, a parte alegou ter dado
nante “se” – “se homologada, a delimitação vin-
entrada na internação como emergência. A cober-
cula as partes e o juiz” –, fica clara a possibilidade
tura foi negada em razão da cláusula de carência.
de não homologação, desde que, evidentemente,
O pedido de cobertura teve, como causa de pedir,
por decisão fundamentada.
a abusividade, em contratos existenciais, à luz do
Código de Defesa do Consumidor, de cláusula de
O juiz está adstrito aos fatos
narrados e ao pedido feito.
carência. O réu defendeu-se levando em conta esse
fato (internação emergencial e existência de contrato
entre as partes) e esse fundamento (abusividade da
cláusula). Ao proferir sentença, entendi que o fun-
Livro_126.indb 195
Mais delicado, no entanto, é o trato da delimi-
damento jurídico era equivocado. A cláusula não
tação das questões de direito. Se por questão de
era abusiva, mas simplesmente inaplicável, porque a
direito se entende o fundamento jurídico contro-
internação fora emergencial, o que afastava a neces-
vertido pelo réu, é de se indagar se, pelo princípio
sidade de carência. Julguei procedente a ação, mas
do iura novit curia, existe vinculação do juiz a essa
por fundamento jurídico diverso do discutido. Não
controvérsia. A doutrina é pacífica em responder
me afastei dos fatos narrados nem do pedido feito.
negativamente à questão (por todos, veja-se Tucci,
Somente considerei outro fundamento jurídico.
2001, p. 160 e ss.). O juiz está adstrito aos fatos
Vamos supor que, sob a égide do novo Códi-
narrados e ao pedido feito. Não pode considerar
go, as partes houvessem delimitado como questão
fatos alheios ao processo nem julgar em descon-
de direito relevante para a decisão do mérito a
formidade ao pedido. Quanto ao enquadramento
legalidade da cláusula de carência, em contratos
jurídico dos fatos, porém, não existe vinculação.
existenciais, de adesão. Poderia ter sido proferida
Segundo José Rogério Cruz e Tucci (2001, p. 161),
a sentença acima? Parece-me que não, dada a vin-
“o juiz goza de absoluta liberdade, dentro dos
culação imposta ao juiz. Isso é bom? A princípio,
limites fáticos abordados no processo, na aplica-
também respondo negativamente. Por isso, de-
ção do direito, sob o enquadramento jurídico que
vem ter cuidado os juízes ao homologarem tais
entender pertinente”.
delimitações.
Mas, se o § 2º diz que as partes podem de-
O processo civil é ramo do Direito Público,
limitar as questões de direito relevantes para a
preocupado com a efetivação da jurisdição, ou
decisão do mérito e se, ainda conforme o dispo-
seja, com a pacificação social, por meio de deci-
sitivo, a delimitação, se homologada, vincula
sões justas (“Eliminar conflitos mediante critérios
as partes e o juiz, parece-me aberto o caminho
justos – eis o mais elevado escopo social das ativi-
para a limitação ao princípio do iura novit curia.
dades jurídicas do Estado” – DINAMARCO, 2005,
Delimitadas as questões de direito relevantes
p. 196). Não obstante haja um interesse subjacente
(ressalte-se: partindo-se da definição de questão
da parte à tutela jurisdicional apta a satisfazer a sua
de direito como fundamento jurídico controverti-
pretensão, existe, correlatamente, um interesse do
do), não poderia o juiz, após homologação, pautar
Estado na justiça das decisões. Daí por que o pro-
seu julgamento em outros fundamentos jurídicos,
cesso atual tem caminhado de uma feição dis-
A p o n t a m e n t o s s o b r e o s an eamen to e a o rgan ização do processo.
em desacordo com a delimitação feita pelas par-
195
Revi s t a d o A d v o g a d o
não se pode pensar numa vinculação do juiz
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A p o n t a m e n t o s s o b r e o s an eamen to e a o rgan ização do processo.
Re v is t a d o A d v o g a d o
196
positiva a um modo de ser mais inquisitório, em
de improcedência, que, hipoteticamente, poderia
que despontam os poderes e a iniciativa do juiz.
não ocorrer se o juiz examinasse livremente as
Vinculá-lo a uma delimitação a) sobre a ativida-
questões de fato e analisasse, segundo o princípio
de probatória a respeito das questões de fato; b)
iura novit curia, as questões de direito?
sobre as questões de direito relevantes à decisão
de mérito é ressuscitar um caráter privatístico do
processo, que parecia há muito superado.
Aliás, é impossível não traçar um paralelo com
a fórmula e a litis contestatio do Direito romano.
Levando-se em conta apenas as partes ordinárias
da fórmula (não as partes adjetas), tinha-se a
intentio, a demonstratio, a adiudicatio e a condemnatio.
Representavam, de maneira bem resumida, res-
Parece-me que a possibilidade de delimitação
pectivamente: a pretensão do autor – a enuncia-
ora examinada esteja ligada, diretamente, à dispo-
ção da relação jurídica substancial e a causa de
nibilidade do direito discutido. Embora a disponi-
pedir; o fato constitutivo do suposto direito do au-
bilidade diga respeito ao direito material, não há
tor, nas hipóteses em que a intentio fosse incerta;
dúvida de que, no campo do processo, ela condi-
a permissão para que o juiz adjudicasse a coisa ao
ciona a possibilidade de alguns comportamentos
vencedor; e, por fim, o poder de se condenar ou
da parte, que, caso se tratasse de direitos indispo-
absolver o réu (a pagar quantia em dinheiro). A
níveis, caberia ao juiz rechaçar (sobre princípios
litis contestatio implicava a existência de consen-
dispositivo e inquisitório, indispensáveis as leitu-
so entre as partes, finalizando o procedimento in
ras de Bedaque, 1994, p. 65 e ss., e Calamandrei,
iure, perante o pretor, que editava o decretum. De
1930, notadamente o item 2). Assim, embora se
acordo com Tucci e Azevedo (2001, p. 100):
possa admitir que a delimitação ora discutida ve-
“O escopo primordial da litis contestatio seria,
nha em prejuízo de algum dos litigantes, não se
portanto, o de fixar o ponto ou pontos litigiosos
pode permitir que prejudique pretensão ligada a
da questão, definindo os lindes da sentença a ser
algum direito indisponível; da mesma forma, um
proferida pelo iudex e obrigando os litigantes a
legitimado ativo de ação coletiva, nem sequer titu-
respeitá-la”.
lar do interesse tutelado, não pode subtrair do juiz
Veja-se: um comportamento pelo qual se fixavam os pontos litigiosos da questão, definindo
Livro_126.indb 196
Haverá possibilidade de delimitação
consensual das questões de fato e
de direito nas hipóteses de direitos
indisponíveis?
a possibilidade de amplo conhecimento dos fatos
e fundamentos jurídicos.
os lindes da sentença a ser proferida pelo iudex e
Na verdade, essas questões ligam-se ao exame
obrigando os litigantes a respeitá-la. Bastante pa-
de sobre o que, exatamente, recairá a coisa julga-
recido, não? O problema é que não se tinha, a essa
da e qual será o efeito preclusivo que dela decorre
altura, noção da feição autônoma e publicística do
quando as partes fizerem tal delimitação. Confor-
processo. Hoje o panorama é bem diferente.
me Bedaque (2002, p. 27), “também a problemá-
Isso tudo remete a outro complicador: haverá
tica da eficácia preclusiva da coisa julgada tem
possibilidade de delimitação consensual das
nexo com os elementos objetivos da demanda”.
questões de fato e de direito nas hipóteses de
Isso, contudo, ultrapassa os limites desses breves
direitos indisponíveis? E de interesses coletivos,
apontamentos.
em sentido amplo? O que ocorrerá se a delimi-
Por fim, gostaria de fazer uma rápida observa-
tação, homologada, acabar levando a um decreto
ção sobre a posição do assistente diante de sua vin-
23/04/2015 16:28:58
digo manteve a atual redação do art. 55, afirmando
por algum vício do negócio, é ilustrativo. Sua in-
que, transitada em julgado a sentença, na causa em
tervenção, como assistente, justifica-se na medi-
que interveio o assistente, este não poderá, em pro-
da em que pretende excluir sua participação no
cesso posterior, discutir a justiça da decisão.
alegado vício. É o caso de se decretar a nulidade
Há um interesse típico, que pode justificar a as-
da escritura, por dolo, mas, na fundamentação, se
sistência, que é o de vincular-se, e às partes originá-
dispor que o tabelião não tomou parte na atitude
rias, à justiça da decisão. Ou seja, pode o assistente
dolosa. No entanto, como ficará a situação do as-
limitar seu interesse jurídico à imutabilidade da
sistente se as partes, em consenso, decidirem que
fundamentação da decisão. Como observa Carlos
sua participação nos fatos é irrelevante ao julga-
Gustavo Rodrigues Del Prá (2007, p. 278),
mento da ação e excluírem da apreciação judicial
“se o efeito da imutabilidade do fundamento da
essa questão?
decisão, que atinge o assistente, incide por força de
Duas parecem ser as respostas possíveis: a)
norma jurídica (art. 55 do CPC), então esse mesmo
entende-se que a participação do assistente na de-
atingimento pode constituir o núcleo de interesse
limitação das questões de fato e de direito é neces-
(jurídico) daquele que deseja intervir como assistente”.
sária, dado que ele tem interesse na imutabilidade
Ora, nessa hipótese, ele será evidentemente
da justiça da decisão; b) entende-se que, diante da
atingido pela homologação da delimitação que
delimitação imposta pelas partes e homologada
excluir a atividade probatória sobre questão de
pelo juiz, não mais remanesce interesse na inter-
fato que lhe interesse ou sobre questão de direito
venção e exclui-se o assistente. A primeira solução
que repute relevante.
parece mais consentânea ao princípio de econo-
O exemplo típico – dado no estudo anteriormente mencionado – do tabelião que intervém
mia processual, resolvendo, em um só processo, a
situação do assistente.
Bibliografia
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos
demanda nova: uma releitura do art. 55 do CPC e a carac-
da demanda à luz do contraditório. In: Causa de pedir e
terização do interesse jurídico do assistente. Revista de
pedido no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 32, n. 144,
2002.
______. Poderes Instrutórios do juiz. 2. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1994.
processo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença
e outros estudos sobre a coisa julgada. 3. ed. Rio de Janeiro:
1. Tradução de Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires:
Ediciones Jurídicas Europa-América, 1959.
CARVALHO, Milton Paulo de. Do pedido no processo civil.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1992.
DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. A imutabilidade da
“justiça da decisão” como fixação da causa de pedir em
Livro_126.indb 197
fev. 2007.
civile inquisitorio. In: Studi sul processo civile. v. 2. Padova:
CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del processo civil. v.
197
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do
CALAMANDREI, Piero. Linee fondamentali del processo
Cedam, 1930.
A p o n t a m e n t o s s o b r e o s an eamen to e a o rgan ização do processo.
em ação em que se busca a nulidade de escritura,
Revi s t a d o A d v o g a d o
culação à justiça da decisão. O art. 123 do novo Có-
Forense, 1984.
MESQUITA, José Ignácio Botelho de. A causa petendi nas
ações reivindicatórias. Revista Ajuris, 20, ano VII, nov. 1980.
TUCCI, José Rogério Cruz e. A causa petendi no processo
civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
______; AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história do
processo civil romano. 2. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001.
23/04/2015 16:28:58
O
que se espera do Novo CPC?
Pretendo orientar estas minhas reflexões a partir de uma pergunta: o que, afinal, se pode esperar do Novo Código de Processo Civil (NCPC)?
Acredito que toda a comunidade jurídica esteja, a
esta altura, se fazendo esta pergunta: juízes, promotores, advogados, defensores públicos e a própria
sociedade.
Mas, atenção: o processo de formação das normas processuais é lento. Acontece depois das primeiras manifestações doutrinárias, dos primeiros acórdãos. Ninguém é “dono” do Código. A interpretação
Revi s t a d o A d v o g a d o
198
de um novo Código se constrói, não se impõe.
Conta-se que perguntaram ao Gustavo Flaubert
o que ele teria querido dizer com uma passagem
muito interessante do seu romance Madame Bovary.
Teresa Arruda Alvim Wambier E ele respondeu, espantado:
Livre-docente. Doutora e mestre em Direito
“Mas como? Por que você se interessa por isso?
pela PUC-SP. Professora visitante na Universi-
Isso não tem a menor importância. O que real-
dade de Cambridge – Inglaterra (2008 e 2011).
mente interessa é o que o meu texto disse a você.
Professora visitante na Universidade de Lisboa
(2011). Presidente do IBDP. Vice-presidente do
É o que a leitura das minhas palavras conseguiu
Instituto Ibero-Americano de Direito Processual.
despertar no seu espírito. O resto é bobagem”.
Membro conselheiro da International Association
of Procedural Law. Membro do Instituto Paname-
Mas, voltando à nossa pergunta: o que se pode
ricano de Derecho Procesal, do Instituto Português
esperar do NCPC? Fundamentalmente que cum-
de Processo Civil. Advogada.
pra três finalidades: 1ª) que resolva o problema
das partes definitivamente; 2ª) que o faça com
agilidade; 3ª) e que haja melhora na performance
do Judiciário, no que diz respeito a dois aspectos:
a sua lentidão e a incapacidade de gerar segurança
jurídica, no sentido de previsibilidade.
O que existe no NCPC para que o problema
das partes seja efetivamente resolvido? Com efeti-
Livro_126.indb 198
23/04/2015 16:28:58
Livro_126.indb 199
cessual deve conter regras que façam com que o
ocorra a correção da petição inicial, caso esta
processo, na grande maioria das vezes, cumpra a
apresente defeitos. O juiz não só deve determinar
sua verdadeira função, que é gerar uma sentença
que haja essa correção, como deve indicar, com
de mérito que possa ser realizada, concretizada,
precisão, ao autor aquilo que deve ser emendado.
no plano empírico. Da mesma forma, o Código
É nessa oportunidade também que o autor deverá
deve conter regras mais eficientes que levem a
corrigir a legitimidade passiva.
que, como regra, os recursos sejam julgados no
Há dispositivo na nova lei determinando que
seu mérito também e não resultem, o que é inde-
vício de representação em recurso seja corrigido. E
sejável, numa decisão de inadmissibilidade.
o Código não faz ressalva alguma: logo, esta ne-
Às vezes, o processo não resolve realmente
cessidade existe relativamente a recursos interpos-
o problema das partes e acaba gerando o que eu
tos no segundo grau de jurisdição e nos Tribunais
chamaria de “filhotes”; e há processos que acabam
Superiores. Extremamente salutar esta nova regra,
se transformando em verdadeiros “bumerangues”,
que deixa claro que o princípio da instrumentali-
pois vão e acabam voltando, às vezes sob uma for-
dade se deve aplicar ao primeiro e ao segundo grau
ma ligeiramente diferente. Há vários elementos
de jurisdição, mas também ao processo que esteja
no Código: regras e institutos que são capazes, no
sendo objeto de recurso especial ou extraordinário.
meu entender, realmente, de desempenhar um
Por várias vezes, o legislador insiste em que
papel importante neste movimento de resolução
o juiz deve determinar a correção de vícios liga-
efetiva e integral da lide.
dos aos pressupostos processuais e às condições
O primeiro desses elementos é, sem dúvida,
da ação. Isto é extremamente relevante, pois se
o sistema das nulidades. Priorizou-se, neste Có-
houver vícios relativos a essas duas categorias, que
digo, o princípio da sanabilidade: todos os vícios
integram os pressupostos genéricos de admissibili-
do processo são corrigíveis ou releváveis. Sabe-se
dade da apreciação do mérito, o juiz, de rigor, não
que, no Direito Público, especificamente no Di-
pode decidir a lide.
reito Processual Civil, as nulidades absolutas não
Outras mudanças, com certeza, muito espera-
se identificam com as nulidades insanáveis, como
das pela comunidade jurídica e que têm por obje-
ocorre no Direito Privado. De fato, no Direito Ci-
tivo justamente o de proporcionar que o processo
vil, as expressões são usadas quase como se fos-
decida de maneira definitiva a lide, resolvendo de
sem sinônimas: nulidades insanáveis, nulidades
vez a controvérsia entre as partes, são aquelas que
de pleno direito, nulidades ipso jure, nulidades
dizem respeito à jurisprudência “defensiva”. Os
absolutas. No Direito Público, esta diferença não
acórdãos que integram esta categoria de jurispru-
existe. Existe, sim, a diferença entre vícios graves
dência são, por exemplo, aqueles que dizem que o
e vícios menos graves: são nulidades absolutas e
recurso não pode ser conhecido porque o carimbo
relativas. Mas as absolutas não são insanáveis.
está borrado ou porque a guia está mal preenchi-
É interessante observar-se que, mesmo à luz do
da. Há um dispositivo genérico segundo o qual a
CPC em vigor, se pode afirmar que este princípio
causa que poderia levar à inadmissibilidade do re-
já existe. Mas a ideia subjacente a estes dispositi-
curso, se não considerada grave, pode ser relevada
vos aparece de uma maneira muito mais nítida no
ou deve ser corrigida. E outros específicos.
Código de 2015: o processo deve ser “salvo”. Uma
O espaço deste artigo me permite citar, ainda,
vez salvo, deve gerar uma sentença de mérito, por-
duas alterações extremamente relevantes neste
que esta é a sua vocação.
contexto.
O q u e s e e s p e r a d o N o v o CP C?
Há, no Código, dispositivo determinando que
199
Revi s t a d o A d v o g a d o
vamente resolvido, quero significar que a lei pro-
23/04/2015 16:28:58
Trata-se de inovação com diversos objetivos,
O que se fez na nova lei? Na nova lei se criou
mas o principal é o de evitar um dos casos de ju-
uma regra dizendo que não só a parte efetivamen-
risprudência “defensiva”, consubstanciado em
te decisória da sentença fica acobertada pela au-
acórdãos em que um Tribunal Superior diz que a
toridade da coisa julgada. O que se diz no Novo
competência é do outro. E nenhum dos dois julga.
Código é que também se tornam imutáveis os
Ou, às vezes, ocorre o contrário: ambos julgam.
fundamentos, desde que a respeito deles haja
contraditório e cognição exauriente, juntamente
Para que haja mais agilidade no
processo, são necessários meios
para que este não “empaque”.
com a parte propriamente decisória.
Quer-se também que o processo decida a controvérsia que se instalou entre as partes, de forma
ágil. Para que haja mais agilidade no processo, são
necessários meios para que este não “empaque”,
O q u e s e e s p e r a d o N o v o CP C?
não fique “enroscado”, parado num momento em
Rev i st a d o A d v o g a d o
200
Se o relator do recurso especial entender que
que não acontece nada de importante nele.
a questão sobre a qual versa este recurso é cons-
Regras novas que geram mais agilidade no
titucional, em vez de, pura e simplesmente, não
processo são aquelas que suprimem o juízo de ad-
apreciar o mérito do recurso, deve remetê-lo ao
missibilidade do recurso do juízo a quo. Na nova
Supremo Tribunal Federal (STF). Antes disso,
lei, a regra é a de que o juízo de admissibilida-
deve dar à parte recorrente o prazo de 15 dias para
de dos recursos se dê no órgão que vai julgar o
que seja demonstrada explicitamente, em prelimi-
mérito desse mesmo recurso. Isso acontece com
nar, a repercussão geral.
apelação, com recurso extraordinário e com o re-
Se o relator do recurso extraordinário, no
STF, entender que a questão tratada no recurso
curso especial. Isso faz, evidentemente, com que
tenhamos muitos recursos a menos.
é de natureza infraconstitucional, deve remeter
Outra alteração que gera agilidade houve tam-
este recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
bém no âmbito do recurso especial e do recurso
A última palavra a respeito da natureza da ma-
extraordinário. Nossos tribunais de cúpula não
téria do recurso é, como é natural, do STF.
Esta regra evita que, se forem inadmitidos recursos de acórdão realmente equivocado, nasça uma
são tribunais de cassação. Podem, isto sim, dependendo do caso concreto, anular a decisão: cassá-la.
Mas podem rejulgar a causa.
outra ação: a rescisória. É o processo “bumerangue”!
Frequentemente ocorre que pedidos sejam
Última observação é relativa à regra que au-
formulados perante o Judiciário lastreados em
menta o espectro de abrangência da coisa julgada
mais de uma causa de pedir. Do mesmo modo,
para fazer com que ela passe a atingir também as
comumente a defesa se baseia em mais de um
questões prejudiciais. Esta nova regra tem o con-
fundamento.1
dão de evitar que o processo gere “filhotes”. Isso
porque da mesma causa de pedir podem derivar
pedidos diferentes. Se as prejudiciais não transitam em julgado, fica a porta aberta para que outras ações sejam movidas, com base na mesma
causa de pedir, ações essas que são um modo de
trazer novamente o mesmo problema perante o
Judiciário.
Livro_126.indb 200
1. Segundo o CPC de 1973, em vigor, prevalece a posição segundo
a qual, acolhida uma causa de pedir, o juiz de primeiro grau fica
dispensado de analisar as demais (isto muda integralmente com o
NCPC, à luz das exigências feitas no NCPC quanto à fundamentação da sentença. Julgando procedente a demanda, o recurso que seja,
eventualmente, interposto pelo réu, devolve ao tribunal de segundo
grau as demais causas de pedir (art. 515, §§ 1º e 2º). Isto cria a possibilidade de que o tribunal, por exemplo, mantenha a procedência do
pedido, com base em outra causa de pedir.
23/04/2015 16:28:58
certo contrato por causa da teoria da imprevisão
E, por último, pretendo responder, infeliz-
e porque o contrato é nulo de pleno direito. Em
mente não com a profundidade que o tema mere-
primeiro grau de jurisdição, entende-se que se
ce, à terceira e última questão: será mesmo que os
aplica ao caso a teoria da imprevisão e o réu recor-
elementos e institutos trazidos pelo NCPC terão
re. O tribunal de segundo grau também decide
condições de melhorar a performance do Poder
que se aplica ao caso a teoria da imprevisão. O
Judiciário como um todo e de responder, de forma
STJ, ao julgar o recurso especial interposto pelo
satisfatória, às queixas do jurisdicionado no que
réu, entende que não se aplica esta teoria. Pode o
diz respeito à lentidão dos processos e à falta de
STJ analisar a questão da nulidade, ainda que não
segurança jurídica do país? Este é justamente um
tenha constado do acórdão recorrido? Segundo o
dos pontos fortes do Novo Código. A situação que
NCPC, pode, sem sombra de dúvida.
se instalou hoje, no país, é de extremo desrespeito
O NCPC permite expressamente que o pró-
ao princípio da isonomia. Os tribunais interpre-
prio Tribunal Superior decida as demais causas
tam de maneira diferente a mesma regra jurídica,
de pedir, assim como permite que se analise ou-
a torto e a direito. É extremamente comum que
tro eventual fundamento de defesa.
tribunais, no mesmo momento histórico, decidam
Por fim, uma das alterações que eu conside-
a mesma questão jurídica de maneiras diversas,
ro bastante modernas e que devem ser vistas com
o que gera extrema insegurança jurídica. Fala-se,
bons olhos no novo regime é aquela que diz res-
portanto, da falta de uniformidade da jurispru-
peito à disciplina da tutela provisória. Hoje, o
dência no país, o que acaba comprometendo o
CPC de 1973, que, como dizem todos, ficou de
princípio da isonomia, porque, se a lei deve ser
fato parecendo uma “colcha de retalhos”, disci-
a mesma para todos, é evidente que a interpreta-
plina a matéria de um modo extremamente mal
ção da lei deve ser a mesma para todos também.
organizado. Há um livro que trata da tutela caute-
Senão a regra fica integralmente desmoralizada.
lar e um dispositivo específico que trata da tutela
antecipada, fora do livro da tutela cautelar.
Livro_126.indb 201
tutela de urgência e tutela da evidência.
Não se deve, por honestidade, deixar de apontar uma das principais causas desta terrível desu-
Sabe-se, todavia, que se trata de fenômenos
niformidade que existe na jurisprudência brasilei-
extremamente parecidos. Isso porque, na verdade,
ra, que é a falta de estabilidade das decisões dos
há diversos critérios segundo os quais se pode dife-
Tribunais Superiores, principalmente do STJ. É
renciar a tutela cautelar da tutela antecipada.
um tribunal cuja função deveria ser exatamente
Seja qual for o critério em que ela se baseie, o
a de gerar um norte, a de orientar, a de servir de
que há de comum entre elas é o que há de mais
modelo. É claro que os tribunais de segundo grau
marcante: a circunstância de ambas serem conce-
ficam desorientados porque, em determinadas
didas com base em cognição não exauriente. É
matérias, não têm a quem seguir, já que, além
verdade: tanto a tutela antecipada quanto a tutela
de haver desuniformidade interna no STJ quan-
cautelar são concedidas em momento processual
to a alguns temas relevantes para o país, muito
em que o juiz ainda não está plenamente con-
frequentemente, quando a jurisprudência já está
vencido a respeito do direito do autor. Partindo
pacificada em torno de determinado tema, alguns
dessa premissa, o legislador de 2015 acabou com
dos ministros têm a iniciativa de rever a tese e al-
a tipificação das cautelares, o que me parece em
teram drasticamente a posição já consolidada do
tudo e por tudo excelente, e disciplinou, de forma
tribunal.
O q u e s e e s p e r a d o N o v o CP C?
teando a declaração de que não precisa cumprir
conjunta, a tutela provisória, subdividindo-a em
201
Revi s t a d o A d v o g a d o
Imagine-se que A mova ação contra B plei-
23/04/2015 16:28:58
Se os nossos tribunais, principalmente o STJ,
O q u e s e e s p e r a d o N o v o CP C?
conseguirem criar uma jurisprudência estável e
Re v is t a d o A d v o g a d o
202
de interesse social, que esse novo entendimento
seja aplicado só dali para frente.
uniforme em torno de certos temas, muito dificil-
Além do âmbito principiológico, houve o refor-
mente as partes insistirão em fazer o seu recurso
ço nítido dos institutos que já existem no CPC
chegar até lá. Não se quer, evidentemente, dizer,
de 1973, cujo objetivo é diminuir a sobrecarga
que a jurisprudência não pode mudar. É claro que
de trabalho dos Tribunais Superiores e prestigiar
pode. Mas se sabe que o que justifica a mudança
o princípio da isonomia, como é, por exemplo, o
da jurisprudência é a circunstância de esta con-
julgamento dos recursos extraordinário e especial
sistir em um termômetro bastante sensível das os-
sob o regime dos recursos repetitivos. Concebeu-se
cilações sociais. É muito comum que certas mu-
o Incidente de Resolução de Demandas Repeti-
danças no Direito aconteçam em primeiro lugar
tivas, que é um mecanismo que faz com que o
por obra dos juízes e depois, é sempre um pouco
Judiciário, em segundo grau, decida determinada
mais tarde, o legislador se apercebe de que não
tese jurídica, que se repete em processos que ocor-
há outro remédio, senão mudar a própria lei. Mas
rem às centenas ou aos milhares, fazendo com
não em todos os setores!
que cada juiz passe a decidir o seu caso concreto
a partir daquilo que tenha sido decidido pelo tri-
É necessário que as decisões
dos Tribunais Superiores sejam
respeitadas. Aliás, por eles mesmos.
bunal a respeito da tese jurídica que foi objeto do
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
Enfim, é necessário que as decisões dos Tribunais Superiores sejam respeitadas. Aliás, por eles
mesmos.
No Brasil, entretanto, só se diz que algo é real-
E aqui são oportunas duas observações: as os-
mente obrigatório quando uma consequência
cilações sociais são sempre muito lentas. Ocorrem
extremamente drástica e onerosa ocorre para a
em anos, décadas e, às vezes, em séculos. Não em
parte que deixou de fazer aquilo que tinha que ser
uma semana, um mês, ou um ano.
feito. Mas, na verdade, esta obrigatoriedade não
2
A instabilidade e a desuniformidade da juris-
pode ser desconsiderada, sob pena de o NCPC ter
prudência desacredita o Poder Judiciário, decep-
muito menos da eficácia que dele se pode esperar.
ciona o jurisdicionado, desrespeita, inaceitavel-
Esta obrigatoriedade cultural, que aqui no Brasil
mente, o princípio da isonomia, desacredita o país
é fraca, mas talvez não devesse ser, decorre da ra-
até no âmbito internacional.
zão de ser, da estrutura do nosso sistema judiciá-
Há soluções propostas no Novo Código que
rio. Afinal, para que serve o STJ? Para que serve
têm uma dimensão principiológica. Há diversos
o STF? São tribunais cuja função é interpretar a
enunciados normativos que nada mais são do que
Constituição. A função desses tribunais é dar a in-
princípios colocados na lei positiva, em que se re-
terpretação oficial da Constituição e da lei federal,
comenda aos Tribunais Superiores criarem juris-
portanto, desrespeitá-la é desconhecer e tornar
prudência estável e uniforme, sempre que possível
inútil tanto a estrutura organizacional do Poder
editarem súmulas, etc.
Judiciário quanto o próprio sistema recursal.
A nova lei prevê também a possibilidade de
modulação, ou seja, a nova lei também possibilita aos Tribunais Superiores que, se mudarem
orientação consolidada, determinem, por razões
Livro_126.indb 202
2. Basta pensar-se no exemplo clássico da alteração da jurisprudência
americana no que diz respeito a temas ligados ao racismo, que levou
mais de um século.
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so de elaboração, de formação do Código não foi
NCPC: uma capacidade maior para resolver os
democrático? Não. Não é isso que se espera. O
problemas da parte de uma forma definitiva, con-
que se espera de processualistas, de juristas, de juí-
dições para que isso seja feito com mais agilidade,
zes, advogados, promotores, das próprias partes, é
e que traga regras que contribuam para que o Po-
uma atitude de cooperação, para extrair da nova
der Judiciário seja mais eficiente como um todo e
lei o máximo que essa possa dar, no sentido de
gere mais segurança jurídica. E o que se espera
responder positivamente às três questões formula-
da comunidade jurídica? Que critiquem feroz-
das. Porque se sabe que só a lei não faz milagres.
mente o Novo Código? Que digam que as regras
Quem faz milagres é Deus, com a boa vontade
antigas eram melhores? Que digam que o proces-
dos homens.
O q u e s e e s p e r a d o N o v o CP C?
Resumindo e concluindo, o que se espera do
Revi s t a d o A d v o g a d o
203
Livro_126.indb 203
23/04/2015 16:28:59
A
prova pericial no Novo Código de
Processo Civil.
Sumário
1.Considerações iniciais
2.Produção da prova pericial
2.1.Saneamento compartilhado e prova pericial
2.2.Perito e exibição obrigatória do currículo
2.3. Distribuição equitativa de nomeações de peritos
2.4.Honorários periciais
2.5.Não realização do trabalho, penalizações e
devolução dos honorários antecipados
Revi s t a d o A d v o g a d o
204
2.6. Acompanhamento do início da prova pericial
e demais atos de sua produção
2.7.Fundamentação pericial
2.8.Perícia consensual
William Santos Ferreira 2.9.Contraditório e quesitos suplementares
Mestre e doutor pela PUC-SP. Professor de
2.10. Valoração da prova pericial e decisão sobre
Direito Processual Civil nos cursos de graduação,
mestrado e doutorado da PUC-SP. Coordenador
questões fáticas
da área de contencioso judicial e arbitral da
Bibliografia
Especialização em Direito Imobiliário da PUC-SP/
Cogeae. Diretor de Relações Institucionais do
Centro de Estudos Avançados de Processo
1 Considerações iniciais
(Ceapro). Membro efetivo do Instituto Brasileiro
de Direito Processual (IBDP). Sócio benemérito da
Academia Brasileira de Direito Processual Civil
(ABDPC). Advogado em São Paulo e Brasília.
Quando a solução de uma questão fática depende de determinado conhecimento técnico ou
científico, normalmente cabe ao juiz a nomeação
de um perito judicial.
As partes têm a possibilidade de indicar assistentes técnicos.
Os detentores do conhecimento específico
(perito e assistentes) têm um papel fundamental,
especialmente porque contribuem com informa-
Livro_126.indb 204
23/04/2015 16:28:59
usualmente não seriam capazes de obter.
fecção de um laudo conjunto, cabendo também a
Justamente por este “domínio”, o risco da mo-
nomeação de dois ou mais assistentes técnicos pe-
nopolização é enorme, pondo em cheque a boa
las partes); o cabimento de perícia simplificada
solução de questões técnicas. Eventuais erros, in-
(apenas com oitiva do perito e assistentes – hipó-
voluntários ou não, dificilmente são controláveis
tese que não “pegou” no Brasil); e a não realização
se não houver um contraditório efetivo em que as
de perícia na hipótese de as partes apresentarem
partes possam realmente participar, apresentan-
laudos técnicos que possibilitem ao juiz já proferir
do posicionamentos críticos em relação ao que foi
uma decisão. Todas mantidas no NCPC.
apresentado pelo perito judicial e que sejam efetivamente considerados pelo juiz no momento da
valoração da prova.
2.1. Saneamento compartilhado e prova
pericial
Um dos pontos positivos, se aplicado, será o
Quando o perito judicial apresentar
proposta de honorários, também
deverá apresentar currículo, com a
comprovação de sua especialização.
saneamento compartilhado, em que caberá ao
juiz, com a colaboração das partes, não apenas
designar a perícia e nomear perito, como também
estabelecer, desde que possível, calendário para
a realização da prova pericial, especialmente nos
casos em que a produção da prova se revelar mais
difícil (§ 8º do art. 357 do NCPC).
O Novo Código de Processo Civil (NCPC)
Por calendário não se entenda apenas a desig-
reúne consideráveis inovações em relação à pro-
nação de “prazo” para entrega do laudo (o que é
va e, por isto, vamos apresentar algumas delas em
o mais comumente visto), mas sim a definição de
relação à perícia, dividindo-as em novidades rela-
atividades e datas específicas para, p. ex., apresen-
cionadas à produção da prova e à sua valoração.
tação de proposta de honorários, discussão acerca
do que seria necessário para a produção da prova
2 Produção da prova pericial
pericial, apresentação e discussão sobre o espectro
da perícia e dos quesitos, realização de visitas, en-
A prova pericial não é exclusivamente o laudo
trega do laudo, apresentação de pareceres críticos,
pericial, mas sim todo o conjunto de atos proces-
entre outras etapas, dependendo das especificida-
suais especificamente voltados à apresentação de
des do caso concreto.
A p r o v a p e r i c i a l n o N o v o Có d ig o d e P ro cesso Civil.
da quantidade de matérias envolvidas, para a con-
205
Revi s t a d o A d v o g a d o
ções que os demais participantes do processo
elementos para a busca da solução de questões fáticas técnicas ou científicas, elementos estes que
não se resumem aos trazidos pelo perito judicial,
mas também pelos assistentes técnicos e pelas próprias partes.
Livro_126.indb 205
2.2. Perito e exibição obrigatória do
currículo
Conforme defendi em reunião com a Comissão na Câmara dos Deputados, quando o perito
Neste trabalho vamos reunir novidades em
judicial apresentar sua proposta de honorários,
relação ao CPC/1973 e suas reformas, porque de
também deverá apresentar “currículo, com a com-
avanços já existentes não trataremos aqui: como a
provação de sua especialização”, o que permitirá
perícia complexa (nos casos de necessidade de es-
às partes efetivamente controlarem e, se o caso,
pecialistas em mais de uma área específica, cabe
impugnarem a especialização e a experiência (ou
a nomeação de dois ou mais peritos, dependendo
falta dela!) do perito (art. 465, § 2º). Observa-se
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A p r o v a p e r i c i a l n o N o v o Có d ig o d e P ro cesso Civil.
Rev i st a d o A d v o g a d o
206
aqui uma certa incompatibilidade, pois as partes
esta generalidade está correta, porque possibilita
terão 15 dias da nomeação para suspeição e impe-
que seja considerado o que cada parte está provo-
dimento (art. 465, § 1º, inciso I), porém o currículo
cando no custo da perícia, isto porque, em algu-
somente virá posteriormente, quando as partes te-
mas perícias, especialmente envolvendo deman-
rão cinco dias para falar sobre honorários. Rigoro-
das de maior valor, uma das partes, por suas teses,
samente, se algum fato novo desconhecido surgir
matérias arguidas e quesitos, acaba sendo respon-
com a apresentação do currículo, não somente po-
sável pela elevação dos custos.
derão tratar de honorários, mas também de impedi-
Será possível também a determinação de depó-
mento, suspeição e falta de especialidade, esta últi-
sito de todo o valor relativo aos honorários peri-
ma no mesmo prazo de cinco dias para falar sobre
ciais (§ 1º do art. 95), garantindo o recebimento
honorários, cabendo ao juiz uma decisão.
pelo perito, não antecipadamente, mas dependendo,
apenas, da liberação judicial.
2.3. Distribuição equitativa de nomeações
de peritos
bém à luz deste NCPC, incidir na compreensão
De duvidosa viabilização, há previsão de distri-
de “rateio” o princípio constitucional da isonomia
buição equitativa entre os peritos registrados:
Como já sustentei anteriormente, entendo, tam-
a parametrizar a aplicação da regra de que, em
“Art. 157 [...] § 2º - Será organizada lista de
cada caso concreto, caberá a determinação judi-
peritos na vara ou na secretaria, com disponibi-
cial fundamentada de uma “distribuição especí-
lização dos documentos exigidos para habilitação
fica de custos”, “rateio”, considerando as peculia-
à consulta de interessados, para que a nomeação
ridades e atribuindo percentuais específicos para
seja distribuída de modo equitativo, observadas a
cada parte.
capacidade técnica e a área de conhecimento”.
Quando o requerimento for da Fazenda Públi-
Nos casos em que determinados peritos dete-
ca, do Ministério Público e da Defensoria Pública,
nham maior habilidade ou tenham uma produ-
a perícia poderá ser realizada por entidade pública
tividade mais adequada, não parece adequado
ou, havendo previsão orçamentária, poderão anteci-
simplesmente distribuir numericamente a quan-
par os honorários e, mesmo que não haja previsão,
tidade de nomeações, por isto deve se entender
poderá se realizar, desde que pagos no ano seguinte
por equitativo e capacidade técnica não somen-
ou ao final pelo vencido (§§ 1º e 2º do art. 91).
te o conhecimento do perito, como também sua
Também há regramentos específicos para os
produtividade a justificar um maior número de
beneficiários da justiça gratuita, sempre um ponto
nomeações.
de estrangulamento do sistema probatório. Aqui
o custeio ocorrerá com recursos alocados no or-
2.4. Honorários periciais
Livro_126.indb 206
çamento do ente público específico e realizada
Ficou mantido que a parte que requerer a perí-
por servidores do Judiciário ou de órgão público
cia terá o ônus de arcar com a antecipação dos ho-
conveniado. Cabendo a um particular, o valor da
norários, todavia, se ambas as partes requererem a
remuneração observará tabela do tribunal respec-
perícia (o que já havia) ou esta for determinada de
tivo e, se não houver, a tabela será do Conselho
ofício, os custos serão “rateados” (aqui a novidade)
Nacional de Justiça (CNJ) e pago com recursos
(art. 95).
da União, do Estado ou do Distrito Federal, a de-
Rigorosamente este modelo é uma evolução
pender de se tratar da Justiça Estadual ou Federal,
em relação ao anterior, porque, embora fale em
com inúmeras especificidades estabelecidas nos
“rateio”, não apresentando em qual proporção,
§§ 3º a 5º do art. 95.
23/04/2015 16:28:59
balhos, além da comunicação a eventual órgão
da qual se originou;
IV - resposta conclusiva a todos os quesitos
apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão
do Ministério Público [...]”.
de classe (que já existia), haverá penalizações
E ainda impõe a adoção de “linguagem sim-
que vão da redução dos honorários cabíveis até a
ples” e “coerência lógica”, devendo apontar “como
impossibilidade de atuar em perícias no prazo de
alcançou suas conclusões”.
dois a cinco anos, cabendo ao juiz também deter-
Como se vê, a perícia não é um ato de “vontade”,
minar a devolução do que foi recebido e, não o
mas um “ato vinculado” a um interesse público e
fazendo, caberá execução nos próprios autos (§§
resultado do exercício de um múnus público e, por
2º e 3º do art. 468).
isto, há expressa vedação à emissão de “opiniões pessoais que excedam o exame técnico ou científico do
2.6. Acompanhamento do início da prova
pericial e demais atos de sua produção
Embora o CPC/1973 já apresentasse uma evolução, no ponto que assegurava às partes o direito
objeto da perícia”; com isto, meras impressões sobre
declarações de pessoas, suposições sobre elementos
não encontrados, declarações sem confirmação técnica ou científica não serão admitidas.
de comunicação de dia e local de início de trabalhos periciais, como já tive oportunidade de criti-
2.8. Perícia consensual
car, o acompanhamento não pode se limitar ao iní-
Outra inovação será a possibilidade de as par-
cio, apenas, sendo assim, deverá se estender a todo
tes escolherem o perito judicial e indicarem assis-
o curso dos trabalhos periciais, como novas visitas,
tentes, descrevendo o § 3º do art. 471 do NCPC
análises de documentos, entre outros elementos.
que esta modalidade é substitutiva daquela reali-
Neste ponto também o NCPC expressamente
zada por perito nomeado.
determina o direito a esta participação, impondo
Em que pese ser, para alguns casos específi-
que o perito “deve assegurar aos assistentes das par-
cos, uma solução que reúne pontos positivos, en-
tes o acesso e o acompanhamento das diligências e
contrará aqui, no mínimo, um grande choque,
dos exames que realizar, com prévia comunicação,
porque no Brasil o “perito” é da confiança (técnica
comprovada nos autos, com antecedência mínima
e ética) do juiz que o nomeia.
de cinco dias” (§ 2º do art. 466).
A p r o v a p e r i c i a l n o N o v o Có d ig o d e P ro cesso Civil.
Nos casos em que o perito não realizar os tra-
aceito pelos especialistas da área do conhecimento
207
Revi s t a d o A d v o g a d o
2.5. Não realização do trabalho,
penalizações e devolução dos honorários
antecipados
Particularmente, não vejo aqui obstáculo para
este consenso, contudo, caso o juiz não se sinta
2.7. Fundamentação pericial
A fundamentação é outra marca do NCPC e
que precisa ser fundamentada (como a seguir des-
não se limita aos pronunciamentos judiciais, atin-
crito), terá o magistrado, mesmo sem regra literal-
gindo, também e de forma correta, o perito, apon-
mente expressa, o dever-poder de nomear “perito-
tando, didaticamente, que o laudo pericial “deve”
-consultor” para análise crítico-consultiva do que
conter, segundo o art. 473:
foi ou será realizado.
“I - a exposição do objeto da perícia;
II - a análise técnica ou científica realizada
pelo perito;
III - a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente
Livro_126.indb 207
confortável, sendo ele o responsável pela decisão
Em uma das versões do projeto na Câmara
constava que as conclusões técnicas desta “perícia
consensual” seriam vinculativas para as partes e para
o juiz, no entanto durante os trabalhos legislativos
isto foi suprimido, ao menos neste dispositivo.
23/04/2015 16:28:59
2.9. Contraditório e quesitos suplementares
O contraditório efetivo é uma marca do NCPC,
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos dedu-
bilidade de debate prévio e, por coerência, tam-
zidos no processo capazes de, em tese, infirmar a
bém, quando uma das partes apresentar quesitos
conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enuncia-
escrivão dar ciência à parte contrária (parágrafo
do de súmula, sem identificar seus fundamentos
único do art. 469), e claro que não se limitando o
determinantes nem demonstrar que o caso sob
contraditório à “ciência” como também incluindo
julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
208
que o NCPC não traria grandes modificações, não
Re v is t a d o A d v o g a d o
suplementares (durante a diligência), compete ao
A p r o v a p e r i c i a l n o N o v o Có d ig o d e P ro cesso Civil.
não sendo admitidas decisões sem que haja possi-
a “oportunidade” para manifestação, podendo a
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, ju-
parte intimada questionar ou apresentar também
risprudência ou precedente invocado pela parte,
quesitos suplementares em contraposição aos da
sem demonstrar a existência de distinção no caso
parte contrária, e tudo isto deve ser levado em
em julgamento ou a superação do entendimento”.
conta pelo juiz no momento da decisão (sobre o
contraditório – ciência-oportunidade-consideração judicial – ver o nosso Princípios Fundamentais
da Prova Cível (2014, p. 46-52).
2.10. Valoração da prova pericial e decisão
sobre questões fáticas
Em várias oportunidades chegou-se a afirmar
seria uma verdadeira quebra de paradigmas. Toda-
Mas em que pese toda a preocupação identi-
via, há marcantes modificações que dependerão
ficável no artigo citado, especificamente na valo-
muito do (re)conhecimento dos participantes do
ração da prova pericial, há mais uma regra que
processo, principalmente juízes, advogados e promo-
especifica, ainda mais, o disposto no art. 371,
tores, de que não é do que se tratará, mas sim como.
para não dar margem a qualquer dúvida que na
Dentre as mudanças está o que se compreende
valoração da prova pericial deverão ser indicados
por contraditório e sua operacionalização (meio)
“na sentença os motivos que levaram o juiz a con-
no processo, a vedação a decisões-surpresa e sobre
siderar ou deixar de considerar as conclusões do
o que deve ser considerado fundamentação, para
laudo, levando em conta o método utilizado pelo
tanto havendo o disposto no art. 489:
perito” (art. 479), e esta valoração terá relação di-
“Art. 489 [...]
reta com a “fundamentação pericial”, pois, se esta
§ 1º - Não se considera fundamentada qualquer
não existir, em geral impossibilitada estará a de-
decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou
acórdão, que:
monstração dos motivos pelo juiz.
Segundo o art. 371:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à pa-
“Art. 371 - O juiz apreciará a prova constante
ráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação
dos autos, independentemente do sujeito que a
com a causa ou a questão decidida;
tiver promovido, e indicará na decisão as razões
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
Livro_126.indb 208
Há modificações que dependerão
do (re)conhecimento dos
participantes do processo de
que não é do que se tratará,
mas sim como.
da formação de seu convencimento”.
Portanto, os deveres de fundamentação pericial e judicial são vasos comunicantes e é de sua
23/04/2015 16:28:59
A atividade jurisdicional atende a uma fina-
validade das soluções das questões fáticas envol-
lidade pública que se, por um lado, autoriza a
vendo elementos técnicos ou científicos.
invasão da esfera jurídica do particular pelo Esta-
Não serão admissíveis declarações como: “con-
do-Juiz, por outro, impõe que esta atuação se dê
vencido dos fundamentos do laudo”, “extraído das
mediante fundamentação justificadora, legitima-
conclusões apresentadas pelo expert resulta crista-
dora da conduta, isto porque o ato de julgar não
lino...”, enfim, descritivos não para demonstrar as
é uma tomada de posição, mas antes uma solução
razões do convencimento, mas que apenas anun-
escorada em um sistema jurídico e um processo
ciam um convencimento.
que deve reunir os elementos justificadores para
No Estado de Direito, a atividade jurisdicio-
tal atuação, portanto o foco não está na conclu-
nal não é um ato de vontade, com isto não cabe
são (no decisum), mas na sua estrutura de base, na
se descrever como se vontade do Estado fosse,
fundamentação descritivo-legitimadora.
porque não há suporte político-institucional
Magistrados e peritos têm papéis fundamen-
para tal conduta, daí a imposição de fundamen-
tais para a sociedade, e a fundamentação efetiva
tação na Constituição Federal (art. 93, inciso IX,
nos processos é dever estabelecido, o que, finalis-
da CF).
ticamente, enaltece, valida e qualifica seus atos.
Bibliografia
FERREIRA, William Santos. Princípios Fundamentais da Prova Cível. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
A p r o v a p e r i c i a l n o N o v o Có d ig o d e P ro cesso Civil.
conjugação que serão observados os requisitos de
Revi s t a d o A d v o g a d o
209
Livro_126.indb 209
23/04/2015 16:28:59
O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
nº126_novo_cpc.pdf 1 22/04/2015 13:24:05
O NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL
Associação dos Advogados de São Paulo
Rua Álvares Penteado, 151
Centro
cep 01012 905 São Paulo
SP
tel (11) 3291 9200 www.aasp.org.br
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