A MODERNIDADE DOS INTERIORES ART DÉCO DE

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A MODERNIDADE DOS INTERIORES ART DÉCO DE
A MODERNIDADE DOS INTERIORES ART DÉCO DE GOIÂNIA
Daniella Medeiros Moreira Rocha
[email protected]
Universidade Federal de Goiás
Resumo
Na temática "Interiores em Art Déco", objetiva-se um diálogo entre três imagens de épocas
diferentes. Como aporte teórico, adotou-se Baxandall, Michael David Kighley, autor cuja
proposta é uma leitura individual das imagens e do panorama geral em que estão inseridas,
mesmo criadas num contexto não atual, estabelecendo uma relação objeto - circunstâncias.
Assim, contextualizaram-se os momentos histórico, político, social, econômico das imagens do
século XX (décadas 30, 40 e 50), identificando como o Art Déco se manifestou na Europa
(Paris) e Goiânia. Analisou-se a implantação do edifício no traçado urbano, fachadas e
interiores, como dialogam, ressaltando elementos recorrentes e diferenciais.
Palavras-Chave: Modernidade - Art Déco – Interiores
Abstract
MODERNITY OF THE ART DECO INTERIORS IN GOIANIA
In the thematic "Interiors in Art Deco", the objective is a dialogue among three images of
different times. Baxandall, Michael was adopted as theoretical referential, because of his
proposal of an individual reading as well as one of the general panorama where images are
inserted, even having been created in a non current context, establishing therefore a relation
between object - circumstances. Thus, historical, political, social, economic moments of the
images of century XX (30, 40 and 50 decades) were contextualized, identifying as Art Deco has
expressed itself in Europe (Paris) and Goiania. The implantation of the building in urban tracing,
facades and interiors, how they dialogue, standing out recurrent and distinguishing elements
have been analyzed.
Key-words: Modernity - Art Deco - Interiors
O presente artigo traz como proposta um diálogo sobre o assunto Art
Déco, a partir de três imagens de fachadas e interiores de hotéis distintos, no
estilo: uma recepção de um Hotel em Paris, da década de 1920, projetado por
um importante designer de interiores Pierre-Paul Montagnac; a segunda do
Grande Hotel, década de 1930, por Attílio Corrêa Lima e a terceira do interior
do Hotel Dom Bosco, década 50, ambos em Goiânia.
O aporte teórico utilizado, trabalha com o conceito de intenção, quando
faz a análise da obra:
A hipótese de fundo é que todo ator histórico e, mais ainda, todo
objeto histórico têm um propósito - ou um intento ou, por assim dizer,
uma qualidade intencional. Nessa acepção, a intencionalidade
caracteriza tanto o ator quanto o objeto. A intenção é a peculiaridade
que as coisas têm de se inclinar para o futuro. (BAXANDALL, 1985,
p.81)
291
A partir dessa visão, os relatos do autor sobre qual era a intenção estética
ao produzir a obra têm pouca importância para a explicação do significado de
intenção do objeto. O que lhe confere sentido é a comparação entre o discurso
e o objeto, e em que situação ele foi produzido, colocando-nos numa situação
neutra, onde é permitido ajustá-los, retocá-los e até descartá-los.
As imagens remetem à temática
hotéis; segundo o teórico arquiteto
Edgar Graeff (1980,p. 64) a definição do que seja um edifício, no campo da
arquitetura, perpassa por “um conjunto organizado de espaços construídos.”
Um hotel, por exemplo, se constitui não somente por seus volumes e fachadas,
mas pelos espaços internamente projetados para o desenvolvimento das
atividades, como o repouso e higiene.
Fig. 1-Pierre-Paul Montagnac -Reception hall (1927) - Fonte:DUNCAN,A.2011.
O contexto Europa
Esta imagem foi produzida nas décadas de 20 e 30 do séc. XX, em que o
estilo Art Déco estava no auge de sua manifestação na Europa. Caracterizado
por ser uma manifestação moderna, ocorreu dentro de clima social e cultural de
muitos debates intelectuais e transformações no campo da Política, Economia,
Cultura, Arte e Arquitetura.
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No campo da política mundial, em 1917 os bolcheviques sobem ao poder,
na figura de Lênin, marcando a revolução russa; a subida de Stálin, pós morte
de Lênin, o surgimento e crescimento dos regimes de extrema direita, como o
Nazi-facismo e governos autoritários em vários locais.
No cenário econômico, crises econômicas, como a inflação de difícil
controle e a queda da Bolsa de Nova Iorque, em 1929.
É um momento marcante na Cultura e nas Artes, em que surgem o Jazz e
a música dodecafônica; na literatura Saint-Exupéry, Scott Fitzgerard,
Hemingway, Garcia Lorca e Neruda; no teatro Brecht e Pirandelo; o cinema
mudo de Fritz Lang (Metrópolis,1926), Eisenstein (Encouraçado Potemkin) e
Chaplin; nos quadrinhos, Mickey Mouse, de Disney (1928), Popeye e Tarzan
(1929), Dick Tracy e Betty Boop e Flash Gordon (1934). Nas artes plásticas os
artistas que se destacaram foram Matisse, Kandinsky, Picasso, Brancusi,
Mondrian, Modigliani, Chagall, Miró, Duchamp, Dali e De Chirico.
A idéia de modernidade é estabelecida principalmente com três
invenções, que marcaram a época: o disco, o rádio e o cinema falado. Com
essas mídias, as idéias expandiam o circuito da elite cultural em direção às
massas. E ainda o surgimento do disco e do rádio-emissor.
No campo do urbanismo, Paris estava envolvida com o discurso
do
progresso, onde existia um argumento em que a capital deveria ser um
monumento simbólico.
Ao estabelecer os princípios para as intervenções na cidade de Paris,
Laugier (1979) propôs que tudo fosse feito de modo a possibilitar à
capital tornar-se “superior a todas as outras pela perfeição do seu
plano”. Percebe-se aí o contraste entre as condições reais em que se
encontrava a cidade de Paris naquela época e a idéia que se tinha do
que ela deveria ser:um marco simbólico, um monumento que
revelasse a grandeza da nação francesa. (LAUGIER,1979 apud
MANSO, 2001,p. 21)
A imagem acima é do interior de um hotel em Paris, elaborado pelo
designer de interiores Montagnac, referência na década de 20; obteve as
habilidades de pintura e decoração nas academias mais significativas em Paris
e também expôs na Exposição Internacional de 1925.
Trata-se de uma decoração Art Déco pela simplificação formal e a
geometrização no tratamento da superfícies, como a estampa do tapete e da
cortina, o guarda corpo da escada, os elementos estruturais como forma e
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acabamento de pilares, mobiliários como formato do tampo da mesa e parte de
apoio da mesa e elementos decorativos como vasos, luminárias, esculturas.
O Art Déco reflete um tempo diferenciado da decoração anterior
historicista, Art Nouveau. Traz os ares da modernidade, da cidade moderna
com inúmeros novos programas, configurava-se contextualmente na era da
máquina.
As formas aerodinâmicas e náuticas estão presentes, é possível verificar
nas linhas do design do mobiliário. Possui uma organização tradicional do
volume construído, percebida na base das esculturas dispostas simetricamente
ao volume central. A estampa da cortina à esquerda, tipicamente art déco com
estampa floral e também o papel de parede na lateral direita. Outro elemento
típico é a serralheria artística presente no guarda corpo, além das duas
luminárias dispostas simetricamente com uma iluminação mais difusa.
Presença de grande diversidade de materiais desde granitos, estuque,
madeira, ferro, veludo, etc.
A “intenção” desta obra francesa era proporcionar essa atmosfera
inusitada, própria do ambiente déco, um estilo que nesse momento, em Paris,
se inclinava para uma proposta déco ainda “em trânsito”, trazendo pinceladas
de elementos historicistas, mas ao mesmo tempo, inundado por ousadas
referências modernas.
O estilo Art Déco
O Art Déco foi um conjunto de manifestações artísticas,
estilisticamente coeso, originado na Europa e que se expande para as
Américas do Norte e do Sul inclusive Brasil, a partir dos anos 20. Seu
lançamento formal ao público ocorre na Exposition Internationalle des
Arts Décoratives et Industrialles Modernes, acontecida em Paris, em
1925,[ ....] (CONDE; ALMADA, 2000,p. 9).
Esta exposição foi um evento de grande proporções que proporcionou um
destaque da França nas artes decorativas industriais, patrocinada pelo
Ministério do Comércio e da Indústria Francês, a idéia era a definição da
identidade e domínio da produção francesa no mercado internacional e garantir
sua autoridade na produção de produtos de luxo produzidos em um novo estilo
moderno, realmente acessível à população, ou seja, democrático. Denominado
estilo moderno, estilo funcional,estilo industrial,estilo internacional e estilo
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moderno-cosmopolita, o Art Déco trouxe novas soluções na pintura, escultura e
decoração,arquitetura
de
interiores,
iluminação,
propaganda,
artes
gráficas,publicidade,cenografia,design de mobiliários e objetos de decoração ,
na arquitetura e urbanismo,moda e vestuário, instituindo o mercado bens de
consumo de qualidade e até artigos de luxo para a burguesia que se fortalecia.
Foi considerado um estilo, porque não houve doutrina teórica, manifestos,
que alicerçassem sua manifestação como o Movimento Moderno, mas verificase que manteve um grau de unidade do começo ao fim.
Segundo Conde; Almada (2000, p.12) é possível considerar três linhas de
expressão nas obras Art Déco: a primeira, mais seca e geometrizante, próxima
ao racionalismo modernista, conhecida como escalonada ou zigue-zague; a
segunda, afrancesada, com resquícios acadêmicos e ênfase decorativa; e a
terceira, sinuosa e aerodinâmica, inspirada no expressionismo e denominada
streamline. Pode–se constatar no Brasil que o estilo déco se caracterizou
através de volumes, platibandas e ornamentos de formas escalonadas,
coerentes com a tendência conhecida como zigue-zague. Em alguns casos
mais específicos, é possível verificar as formas arredondadas que remetem à
tendência streamlined.
O Art Déco inspirou-se em arquiteturas de civilizações antigas, como a
Assíria, Babilônia, Suméria, Maia, Asteca, Persa, Mourisca, Bizantina e
Medieval. Além dessas referências ligadas ao passado, como também o
próprio ecletismo se manifestou, busca elementos do movimento moderno para
elaborar suas composições.
Pode-se dizer que o art déco mostrou-se mais bizarro que o próprio
ecletismo, pois, paralelamente, usou motivos encontrados nos
movimentos de vanguarda como o cubismo, o construtivismo russo e
o futurismo italiano. Esses últimos legaram ao estilo sua forte
tendência à geometrização. (MELLO, 2006, p. 80)
O contexto Brasil
No séc. XIX, o Brasil vivenciou uma série de transformações como a
Independência da República em 1822, a Abolição da Escravatura e a
instauração da República; assim, o cenário político e social brasileiro no início
do século XX é de instabilidade. As questões ligadas ao discurso social e
intelectual buscam a construção da identidade nacional.
295
De 1922-26, Arthur Bernardes governou sob estado de sítio e depois de
1926-30, Washington Luís governou na República Velha e em 1930, acontece
a Revolução, Getúlio Vargas se estabelece no poder até 1945, implantando um
governo com reformas sociais, autoritarismo político e oscilação ideológica.
É um período em que em todo o Pais ocorrem uma série de movimentos
como a Revolução de 23 (RS), a Revolução Paulista de 24, originando a
Coluna Prestes. Em 1922 é fundado o Partido Comunista Brasileiro e a Revolta
Dezoito do Forte; o regime café com leite entra em colapso em 1930. Em 1932,
São Paulo surge com a Constitucionalista, derrotada e depois ressurge com
êxito em 1934. Em 1941, o Brasil assina o acordo Brasil-EUA, declara guerra
ao Eixo em 43 e envia a FEB à Itália em 1944. Em 1945, Getúlio Vargas cai do
poder. Momento de eleições e nova Constituinte.
Nas artes plásticas a influência predominante era o academicismo da
Escola de Belas Artes, até 1920. Predominava Lasar Segall (imigrante russo)
em 1913 e a artista Anita Malfatti, em 1917, considerados os precursores da
pintura moderna no Brasil, que se efetivará somente com a Semana de Arte
Moderna em 22 de julho de 1922. Nos anos seguintes (20-45) Portinari entra
em evidência pintando em telas e murais uma temática rural e social da
sociedade brasileira. Outros artistas marcaram essa época: os caricaturistas J.
Carlos e Nássara e os artistas Di Cavalcanti, Victor Brecheret, Ismael Nery,
Tarsila do Amaral, Oswaldo Goeldi e Vicente do Rego Monteiro, considerado
entre todos o mais Art Déco do cenário nacional.
Em 1920, Vicente do Rego Monteiro expôs algumas obras em São Paulo,
conhecendo o grupo de modernistas da cidade e abrindo caminho para a
exposição de oito obras suas na Semana de Arte Moderna de 1922,
enfatizando temas nacionais. Inspirado na cerâmica marajoara e na cultura
indígena, ilustrou o livro de P. L. Duchartre – Légendes, Croyances et
Talismans dês Indiens de l’Amazonie.
Em 1935, ocorre a concretização de um plano geopolítico, com a idéia de
interiorização do Brasil, com a inauguração de Goiânia.
296
O contexto Goiânia
O cenário no Brasil e, consequentemente em Goiás, era a Revolução de
30, caracterizada por ser trazida para o Estado e por não ter surgido a partir de
minorias que buscavam objetivos sociais, mas alavancada por grupos
heterogênios da classe dominante descontente e das classes médias, em
discordância à política estabelecida. Dr. Pedro Ludovico era oposição na
cidade interiorana de Rio Verde. Foi nomeado interventor por Getúlio Vargas e
governou Goiás por um período de 15 anos.
A Revolução trouxe uma renovação política e transformações profundas
e definitivas para o Estado. Para o governo, a prioridade era o desenvolvimento
do Estado, que teve como marco inicial a construção de Goiânia, mudança
significativa na história de Goiás.
A primeira, e grande, transformação teve lugar no campo da
psicologia social. O povo goiano, como consequência da ruína da
mineração, como consequência do isolamento e do esquecimento
nacional, tinha desenvolvido um sentimento de frustração, uma
espécie de complexo de inferioridade coletivo. […] A construção de
Goiânia, uma das grandes obras do Brasil na época, devolveu aos
goianos a confiança em si mesmos. (PALACIN; MORAIS, 1986,
p.110)
Em 24 de outubro de 1933 ocorreu o lançamento da Pedra Fundamental,
no local onde seria construído o Palácio das Esmeraldas.
O Traçado Urbanístico
Em 06 de julho de 1933, o interventor contratou Attílio Corrêa Lima,
representando o conceito de modernização, constando a execução do planopiloto e o projeto de seus principais edifícios. Atílio, graduou-se urbanista em
Paris, no ano de 1930, pela Sorbonne, sendo o primeiro urbanista formado do
Brasil. Compôs o traçado urbanístico de Goiânia utilizando características
monumentais das cidades barrocas européias e
com as propostas da
urbanística moderna.
Attílio revelou os critérios adotados para a implantação do núcleo inicial:
“[...] Procuramos adotar o partido clássico de Versailles, Carlsruhe e
Washington, pelo aspecto monumental e nobre, como merece a capital do
grande
Estado
(evidentemente
guardando
as
devidas
proporções).”
(LIMA,1937 apud MANSO, 2001,p.99)
297
Diante da proposta das três avenidas convergindo para o centro
administrativo e comercial, é possível verificar o objetivo de conciliar, de um
lado a ousadia de uma proposta monumental vinda do barroco através das
esplanadas tratadas como parkways e, do outro lado, manter a tradição através
da intensa arborização nos passeios e canteiros centrais, trazendo um toque
gracioso interiorano.
A composição adotada para o plano urbanístico de Goiânia demonstra
semelhanças com a Paris de Haussman: avenidas, bulevares, praças e
traçados geométricos, regularidade de fachadas dos edifícios e dos gabaritos
nos quarteirões, os grandes eixos monumentais, interceptados por praças e
edifícios públicos. Presença de características do urbanismo moderno como o
zoning ,que observa regras de higiene e de salubridade e de teorias como os
anéis verdes (green belts).
A produção das primeiras obras, o Palácio, a Secretaria Geral e o Grande
Hotel, traçadas pelo então arquiteto-urbanista Attílio Corrêa Lima e construídas
pela Firma Coimbra Bueno.
No plano de Attílio, o centro administrativo tem posição de destaque e o
grupo de edifícios inseridos neste núcleo central pertencia às administrações
municipal, estadual e federal e foram escolhidos para serem monumentos Art
Déco. Para realçar o destaque do Palácio, este foi elaborado com três
pavimentos, enquanto os demais no máximo dois. Dentro desse traçado, o
Grande Hotel e o Hotel Dom Bosco foram localizados em posições
estratégicas, centrais dentro da malha, sendo de fácil acesso à Praça Cívica e
aos outros edifícios, para a saída da cidade, além da projeção de crescimento
do comércio e serviços ao redor. Os três eixos principais eram compostos pela
avenidas Tocantins, Araguaia e Independência, contendo dois eixos, as
avenida Goiás e a avenida Anhanguera.
O Grande Hotel se localiza na Avenida Goiás, esquina com a Rua 3 e o
Hotel Dom Bosco está situado na esquina da Av. Araguaia com a Rua 4,
ambos implantados dentro de um loteamento de esquina de vias principais com
ruas secundárias, uma característica típicamente Art Déco, é um recurso
cenográfico que tem como objetivo a valorização do edifício. A horizontalidade
e volumetria expressam uma monumentalidade e imponência, representando
poder.
298
Tanto o Grande Hotel quanto o Hotel Dom Bosco apresentam como
recorrência quanto às características do Art Déco: são edifícios marcados por
uma horizontalidade integrada à paisagem e à topografia, a simetria, acesso
centralizado e feito através de hall, valorizando a utilização de uma esquina,
tratamento volumétrico, com predominância de cheios sobre vazios, utilização
de varandas semi-embutidas, iluminação cenográfica, emprego de conjunto de
molduras como meio de expressão arquitetônica, utilização de platibanda
escondendo o telhado, presença de caracteres tipográficos nomeando o
edifício e racionalidade.
Como fator diferencial, analisando as duas imagens das fachadas
externas no Edifício do Grande Hotel, existe um elemento que se localiza no
meio do edifício e marca a entrada (hall), um volume cilíndrico que contém um
guarda corpo acima. compondo uma pequena varanda do pavimento superior.
Fig.2: Grande Hotel, Autor desconhecido, década de 1940, Goiânia - GO. Acervo MIS.
Fig.3: Interior do Grande Hotel – Década de 1930- Fonte: MIS
299
De acordo com Baxandall (1985, p.81), “[...] a intenção não é um estado
de espírito reconstruído,
mas uma relação entre o objeto e suas
circunstâncias”.
O Grande Hotel é uma das primeiras edificações construídas na cidade,
foi concluída em julho de 1936 e inaugurada em janeiro de 1937. Embora com
características mais simplificadas, é possível identificar nesta obra o estilo Art
Déco; o predomínio da horizontalidade, presença de volumetria pura, como o
cilindro no hall de entrada, platibandas emolduradas.
A intenção desta obra, dentro do contexto das primeiras edificações da
nova capital, era ser o ponto de encontro da sociedade goianiense. Local onde
ocorriam eventos comemorativos, reuniões de secretários de Estado e
personalidades importantes, que tinham necessidade de estar em Goiânia.
Portanto, era uma obra estratégica para o desenvolvimento da cidade e seu
objetivo principal era: “facilitar o ingresso de elementos de fora para o Estado e
facilitar com boas instalações a estadia de quantos tenham negócios a tratar
com o governo […] ” para Monteiro (1936,p.468).
Naquela época era o Estado que administrava o Hotel, como menciona
Badan(2004,p.84), “na pessoa do primeiro escriturário da Diretoria Geral da
Fazenda, Sr. João da Veiga Jardim, nomeado pelo decreto n.1.230, de 20 de
julho de 1936.”
Relacionar o Art Déco, não só em Goiânia, como Brasil e no Mundo ao
discurso da modernidade, das vanguardas, é uma posição comum na grande
maioria dos pesquisadores, mesmo que busque referências antigas, mesmo
sendo considerado estilo e não um movimento.
Mas existem visões diferentes entre pesquisadores goianos, quanto à
intenção da definição do estilo Art Déco nas construções da nova capital.
Existe a leitura que ele é considerado uma representação do poder do Estado
Novo, liderado por Getúlio Vargas, na figura do interventor Pedro Ludovico
Teixeira. E o entendimento de que ele representa a modernidade e não se
vincula às questões políticas.
Para a pesquisadora Mello (2004, p.80), como o Art Déco não
caracterizava um estilo que não tinha o caráter de propor rupturas, diferente da
proposta do movimento moderno, associar a imagem a Vargas e às forças
político-ditatoriais é especulação. O discurso da modernidade, do progresso e
300
desenvolvimento, são os alicerces que solidificaram a implantação de Goiânia,
e com isso o Art Déco era um “porta voz” autorizado por esse discurso. Ele
representava o poder, porque era um ícone de modernidade.
Segundo Coelho (1997, p.52), a manifestação do Art Déco em Goiânia,
ocorreu principalmente na arquitetura dos edifícios públicos, expressando
signos do poder emergente do Estado Novo, representando a força do poder,
através da sinuosidade de determinadas linhas, do jogo de volumes e de uma
imponência que, mesmo não sendo monumental em suas dimensões, pudesse
sê-lo em sua caracterização. A mesma identificação pode ser reportada ao
Grande Hotel, uma vez que possui a mesma caracterização.
Assim, através destas imagens é possível verificar a presença do Art
Déco, tanto no exterior quanto no interior. Existe na imagem do interior do
Grande Hotel, uma distribuição do lay-out de forma funcional, afim de otimizar
os espaços. A disposição das luminárias de teto na parte central e o formato
geométrico remete aos espaços Art Déco. A utilização do revestimento de
parede com motivos, a meia altura, produz um efeito decorativo ao ambiente e
uma atmosfera discretamente cálida.
Década de 1950
Fig.4:Hotel Dom Bosco-1950 / Fonte: MIS
301
Fig.5- Interior Hotel Dom Bosco / Fonte: ROCHA, D. 2012.
O progresso em Goiás veio se desenvolvendo somente após 1940, com a
implantação de Goiânia, desbravamento de Mato Grosso, goiano, a campanha
a nível nacional denominada “marcha para o oeste”, que atinge o auge na
década de cinquenta, com a construção da Brasília. A urbanização que ocorre
depois da década de 50, não foi acompanhada paralelamente pela indústria
como geralmente ocorre, mas do êxodo rural, causado pelo aumento da
população na zona rural devido à medicina profilática, a busca pelas facilidades
de comunicação e a pressão dos meios de comunicação visual.
A ausência de capitais e de uma tradição empresarial tornou a ação do
governo insubstituível para promover o desenvolvimento. Com isso, em 1950
ocorreu a criação do Banco do Estado e da CELG. Consta a inauguração do
Aeroporto Santa Genoveva.
Ao analisar a imagem de uma sala de estar no pavimento superior do
Hotel Dom Bosco, é possível identificar características do estilo déco: como a
simetria nos elementos da parede (painéis), que fazem a divisa com a sacada,
o uso de elementos vazados em formatos geométricos, quadrados e círculos; o
uso de materiais nestes revestimentos, como peças pré-moldadas de concreto
e com vidro, acabamento do peitoril da esquadria em placa de granitina, piso
em madeira e ladrilho hidráulico na sacada e a porta em ferro e gradil, com
desenhos e uma preocupação em equilibrar as superfícies cheias e vazias, a
302
ponto de, na junção do portal com a verga (parte sobre o portal) existir um
trabalho diferenciado do gradil, transmitindo a idéia de leveza.
Dialogando as duas imagens dos interiores dos dois Hotéis, salientam-se
os jogos de luz e sombra proporcionados pelas esquadrias e os vãos. Para um
ambiente Déco, iluminação é um ponto fundamental. O tratamento dos dois
ambientes é diferenciado, uma vez que os objetivos também o são. Para o
interior do restaurante, a iluminação ficou garantida pelas luminárias centrais e
pelas esquadrias dispostas na mesma altura. Para a sala anterior à sacada, o
objetivo era a entrada de luz, uma vez que o estilo busca uma atmosfera clara
mas envolvente; em muitos casos, como na imagem do interior do Hotel de
Paris, foram trabalhados efeitos de luz indireta nas luminárias de parede e uma
iluminação geral em duas luminárias no teto.
A diversidade de materiais, mesmo sendo de momentos diferentes, o
restaurante do Grande Hotel ocorre no momento em que o estilo está em
expansão e a sala de estar do Dom Bosco ocorre na época das manifestações
tardias, isso nos remete a possibilidades de uso de materiais diferenciados,
como, por exemplo, as esquadrias do ambiente do restaurante são de madeira,
em contraposição com as esquadrias do Dom Bosco, que são de ferro. Ambos
utilizaram madeira em seus pisos. Também no Hotel de Paris, verifica-se uma
grande diversidade de materiais. O piso também é de madeira.
Um contraponto é que diante das imagens desses interiores goianos
constatamos simplicidade, racionalidade, nesse sentido “o objeto” demonstra a
intenção como um reflexo das circunstâncias daquela época. Pode-se entender
o porquê, a sala de estar, projetada por
Montagnac, em Paris de 1920,
recebeu grande tratamento decorativo nos detalhes de cada elemento da
composição como, por exemplo, a ousadia no uso das estampas geométricas
e forma circular do tapete, contrapondo com o jogo de poltronas soltas, com
design orgânico e uma mesa central geometricamente equilibrada e leve.
Considerações Finais
Através dos estudos do traçado urbanístico de Attílio e das circunstâncias
políticas, sociais e econômicas geradoras dessa proposta, não podemos
pensar em Art Déco, apenas no aspecto da edificação em si.
303
Mesmo conferindo as características barrocas no traçado de Goiânia, é
inegável a presença do moderno, e o que ocorreu de moderno esteve
imbricado com o Art Déco, seja em detalhes do mobiliário urbano, seja na
implantação dos edifícios ou mesmo nos interiores desses edifícios. E o Art
Déco, além de porta-voz da modernidade foi a tradução direta do poder do
regime vigente, que propunha uma modernização conservadora. De acordo
com Schwartzman (1984, p.18) “É um processo de modernização que permite
a inclusão progressiva de elementos de racionalidade, modernidade e
eficiência em um contexto de grande centralização do poder.”
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2004.113 f. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Ciências
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SCHWARTZMAN, Simon. Tempos de Capanema.Rio de Janeiro:Paz e Terra;
São Paulo:Editora da Universidade de São Paulo,1984,p.18.
Minicurrículo
Possui graduação em Arquitetura/Urbanismo pela Universidade Católica de
Goiás e Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Ambiental pela UCG. É
professor titular da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO) Atua em
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dois cursos: Design de Moda e Engenharia de Produção. Nas áreas de
Desenho Técnico e Ergonomia. Atualmente é mestranda (2011) do Programa
de Pós- Graduação em Arte e Cultura Visual - UFG.
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