pag 03.indd - Colégio Vasco da Gama

Transcrição

pag 03.indd - Colégio Vasco da Gama
Correio da Feira
10.JUN.2013
03
Espargo // Sessões para todas as faixas etárias
O primeiro contacto com o
mundo da investigação criminal
acontece no Visionarium
Para os que pensam que as sessões de investigação criminal do Visionarium
são uma espécie de CSI à portuguesa, desenganem-se
Daniela Castro Soares
[email protected]
As perguntas dos alunos do 9.º
e 10.º ano do Colégio Vasco da
Gama, de Sintra, sucediam-se
umas às outras: “O que fazia a
vítima?”, “Onde vivia?”, “Quanto
calçava?”, “Qual era o seu estrato
social?”, “Era fiel à mulher?”. A
esta última, o orientador da actividade, Mário Ferreira, respondeu:
“Pois, os mortos têm esse problema, colaboram muito pouco”.
A actividade ia ser difícil, tal e
qual como se fosse para adultos,
mas a grande participação dos
jovens denotou o seu entusiasmo.
Divididos em grupos de cinco, dos
quais faziam parte também as
professoras que os acompanhavam, queriam aprender o máximo
que conseguissem. Há muito
tempo que estavam à espera
desta visita ao Visionarium, em
Espargo, para participarem na actividade de investigação criminal.
“Eles estão a trabalhar para esta
actividade desde o início do ano,
a angariar dinheiro, a fazerem bolos, rifas, feiras para poderem vir.
Isto para eles é fantástico” – diz
a directora de turma, Rita Marques. A professora de Biologia,
Ondina Espírito Santo, concorda.
“Sonhávamos vir ao Visionarium.
Queríamos vir há muito tempo
mas para ir e vir no mesmo dia
era muito cansativo”.
A solução foi o formato Overnight,
em que os participantes ficam a
dormir no museu. A actividade
é exaustiva, começa às 19h00
de um dia e termina ao meio-dia
do dia seguinte, sendo que os
miúdos vão dormir sem saberem
quem é o principal suspeito.
Mas toda a adrenalina de serem
eles a descortinar o caso e a
investigar as pistas dá-lhes um
ânimo surpreendente. “É difícil
para eles relacionar conceitos
e pensar. Custa muito, dá muito
trabalho. Aqui conseguem ver,
entusiasmam-se e em grupo conseguem pensar mais facilmente”
– diz a professora de FísicoQuímica, Filipa Batalha. Para
além disto, a própria mística da
noite contribui para elevar a actividade a outro nível. “Não é uma
invenção nossa, existe em outros
museus. É um tipo de formato
muito procurado, porque permite
uma interacção completamente
diferente. Permite um convívio
distinto de uma sessão normal
que decorra durante o dia, há um
encantamento maior” – explica
Mário Ferreira. Os alunos iam
fazer de tudo: analisar o relatório
de autópsia, ir para o local do
crime e, se assim o desejassem,
analisar os objectos do crime eles
próprios. O orientador e a sua
assistente em nada iam ajudar,
muito pelo contrário, “quanto mais
atrapalharem melhor”. Os jovens
ficaram com um saber muito mais
alargado sobre a investigação
criminal, conseguindo definir o
que é um projéctil ou descrever
os vários tipos de tiro.
Isto não é o CSI
Um dos grandes objectivos destas
actividades, para além de aumentar o conhecimento sobre a área,
é desconstruir a imagem que os
jovens têm das ciências forenses.
Essa imagem, criada por programas como o CSI (Crime Scene
Investigation), não corresponde
inteiramente à realidade. “A medicina legal durante décadas era o
parente mal-cheiroso da medicina
e ninguém queria saber disto
para nada. Havia meia dúzia de
pessoas que se interessavam por
literatura policial. Esta mudança
de paradigma verificou-se quando
surgiram séries como o CSI que
mostram este mundo da investigação criminal da pior forma
possível, mas simultaneamente
da forma mais apelativa possível.
Passou-se a vender uma imagem
que nada tem de real, mas que
é extremamente atractiva. Eu
costumo dizer que ver desenhos
animados da Disney ou o CSI,
para aprender investigação criminal, é exactamente a mesma
coisa, ou seja nada” – comenta o
orientador. Durante a actividade,
Mário Ferreira chegou a desmis-
tificar várias ideias erradas dos
alunos, como por exemplo, a
crença de que era possível identificar a marca exacta do automóvel
através das marcas dos pneus, o
que não corresponde à verdade
mas é frequentemente feito em
televisão.
Mas não há nada de real nesses
programas? “A maior parte do que
se vê é ficção. O nome do processo até pode ser o real mas o que
é mostrado e como é mostrado
raramente tem alguma correspondência com o real” – afirma
Mário Ferreira. Muitos alunos,
fãs deste tipo de séries, sofrem
portanto um duro confronto com
a realidade quando embarcam
nesta aventura no Visionarium.
“O objectivo não é de todo divertir
ninguém, não é pôr as pessoas
muito felizes e contentes a brincar
aos detectives ou aos CSI. Estas
sessões permitem aos participantes o contacto com uma história
que, apesar de ficcionada, está
tão próxima da realidade quanto
possível. Com alguns saltos no
tempo, porque nem tudo pode
ser feito em tempo real, senão
não podia ser feito só numa noite.
Mas serve para que as pessoas
tenham esse confronto entre a
imagem idílica e romântica que
as séries passam e a realidade,
que pode não ter nenhum encanto
especial. Desenvolvem um olhar
crítico em relação a essas séries
e um respeito por quem trabalha
nesta área. Por norma, os alunos
saem sempre fascinados, muito
cansados, de rastos, mas extre-
mamente satisfeitos e a actividade é um sucesso” – esclarece o
orientador.
Actividades, festas de aniversário e espectáculos
Apesar das consequências negativas, o CSI também trouxe
coisas boas como o surgimento
de cursos e destas próprias sessões. “Permitiu o aparecimento
de cursos de especialização, de
pós-graduações e até de licenciaturas dentro desta área que não
existiam há meia dúzia de anos”
– diz Mário Ferreira. “Esses programas serão sempre positivos
na medida em que despertam e
motivam os alunos para a ciência” – aponta Filipa Batalha. Mas
o orientador da actividade alerta
para a falta de emprego na área
em Portugal, “um país minúsculo
com uma criminalidade muito
baixa”. Ainda assim, são cada vez
mais os que procuram este tipo
de actividades. Desde o projecto
“Crime no Museu” organizado
pelo Pavilhão do Conhecimento,
em Lisboa, a festas de aniversário
com a temática CSI, promovidas
pelo Oceanário de Lisboa, até a
um espectáculo, que já passou
pelo Europarque, intitulado “CSI
ao Vivo”.
Para estas sessões, o Visionarium já recebeu escolas desde o
Norte ao Alentejo e até profissionais da Ordem dos Advogados,
que pediram a preparação de sessões específicas. Quem constrói
todos os casos é Mário Ferreira,
que tem formação e um grande
fascínio pela área. “Os casos são
construídos por mim. Aquilo que
eu faço é estudar, baseando-me
em casos reais e literatura, e
construir um enredo, escolhendo
as perícias que se fariam naquele caso. As histórias são crimes
vulgares, que acontecem várias
vezes por ano. Preferencialmente
têm uma tradução sociológica
subjacente como violência doméstica, situações passionais,
abusos sexuais” – conta Mário
Ferreira. Desde que estes cursos
começaram, há cerca de cinco
anos, que ainda ninguém conseguiu, autonomamente, descobrir
quem cometeu o crime. Os alunos
do Colégio Vasco da Gama não
desanimaram e queriam entrar
para a história como os pioneiros.
“Com estas actividades podemos
desenvolver a nossa relação
com os nossos colegas fora do
ambiente de escola e desenvolver competências a nível das
ciências. Eu gosto especialmente
da parte do laboratório. Gostava
de voltar cá principalmente para
esta actividade que acho muito
gira” – diz uma das alunas mais
animadas, Mariana Cruz.