Regime Concorrencial de Operações de farm-in

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Regime Concorrencial de Operações de farm-in
IBP2097_14
REGIME CONCORRENCIAL DE OPERAÇÕES DE
FARM-IN/FARM-OUT: BALANÇO RECENTE E
PROPOSIÇÃO DE MELHORIAS
Fabíola Cammarota, Rafael Baleroni1,
Ricardo Gaillard, Guilherme Missali2
Copyright 2014, Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis - IBP
Este Trabalho Técnico foi preparado para apresentação na Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014, realizado no período de 15 a
18 de setembro de 2014, no Rio de Janeiro. Este Trabalho Técnico foi selecionado para apresentação pelo Comitê Técnico do evento,
seguindo as informações contidas no trabalho completo submetido pelo(s) autor(es). Os organizadores não irão traduzir ou corrigir os
textos recebidos. O material conforme, apresentado, não necessariamente reflete as opiniões do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e
Biocombustíveis, Sócios e Representantes. É de conhecimento e aprovação do(s) autor(es) que este Trabalho Técnico seja publicado
nos Anais da Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014.
Resumo
Este artigo irá analisar a forma como a Nova Lei de Defesa da Concorrência impactou a indústria de óleo e gás, em
particular os contratos de farm-in/farm-out. Tal lei exige a apresentação prévia dos referidos contratos à aprovação do
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”), desde que preenchidos determinados critérios de
faturamento. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (“ANP”), por sua vez, passou a exigir o
comprovante da decisão de aprovação do CADE para fins de solicitar autorização para aprovação de operações de
cessão de direitos de contratos de concessão. O mercado reagiu às novas instruções regulatórias, e as operações de
farm-in/farm-out passaram então a ser submetidas ao controle prévio do CADE em número crescente. Dentro desse
contexto, uma nova questão sobressai: tais contratos, em razão de suas características específicas, poderiam violar as
regras de gun jumping estabelecidas pelo CADE. Além de apresentar um panorama objetivo e regulamentar, o presente
artigo tem como objetivo demonstrar, com base na experiência internacional, que melhorias são necessárias, o que
parece revelar que o CADE eventualmente considere certas isenções legais à luz de casos específicos.
Abstract
This article will analyze how the New Antitrust Law impacted the Oil & Gas Industry, particularly farm-in/farm-out
agreements. This law requires the presentation of such agreements to the previous approval of CADE, in case the
groups involved meet certain turnover thresholds. ANP, in its turn, started to require an evidence of the clearance
decision of the transaction by CADE for the purposes of requesting authorization for the approval of farm-in/farm-out
agreements. The market reacted to the new regulatory guidelines and an increasing number of farm-in/farm-out
transactions started to be submitted to CADE’s prior control. Within such context, a new issue emerges: such
agreements, for their own characteristics, could violate gun-jumping rules issued by CADE. Besides presenting a
factual and regulatory overview, the article aims to demonstrate that improvements are necessary, based on the
international experience, which seems to show that CADE may consider certain legal exemptions, in specific cases.
1. Introdução
Nos últimos 8 (oito) meses, decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”) em
operações de farm-in/farm-out trouxeram questões concorrenciais para a ordem do dia da indústria do petróleo
brasileira. Em particular, no que diz respeito à (1) submissão de Atos de Concentração envolvendo contratos de cessão
de direitos e obrigações decorrentes de concessão de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural
ou farm-in/farm-out agreements; e (2) ocorrência de gun jumping nessas transações.
Ainda que a discussão sobre o enquadramento das operações de farm-in/farm-out no conceito de Ato de
Concentração tenha sido, por ora, superada, em razão de resposta à consulta formulada ao CADE pelo Instituto
Brasileiro de Petróleo (“IBP”) sobre esse ponto específico, o debate sobre a eventual prática de gun jumping em tais
contratos remanesce, sem uma sinalização clara do CADE sobre os limites dos atos que poderiam ser praticados pelas
partes antes da aprovação prévia do órgão concorrencial.
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1
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Sócios do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados.
Associados do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados.
Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014
2. Submissão ao CADE de Contratos de Farm-in/Farm-out
2.1. Histórico da Indústria
No Brasil, as atividades de exploração, desenvolvimento e produção de hidrocarbonetos (E&P) são exercidas
por meio de contratos de concessão ou de partilha de produção (estes, em áreas definidas como estratégicas pelo
Governo Federal, como o pré-sal). Como usual a indústria do petróleo global, as atividades são geralmente realizadas
em conjunto e as companhias de petróleo, ao gerir seu portfólio de ativos, ocasionalmente transferem participações na
área, em operações conhecidas como farm-in/farm-out.
Ou seja, estes são contratos para transferência de direitos decorrentes da concessão ou de contratos de partilha
de produção. Como não houve até o momento operações de farm-in/farm-out de contratos de partilha de produção,
faremos referência apenas a cessões de direitos de concessões.
2.2. O Controle Prévio e a Mudança de Paradigma
As operações de farm-in/farm-out ganharam relevância no direito concorrencial com a entrada em vigor da Lei
12.529/2011 (a “Nova Lei de Defesa da Concorrência”) em 29 de maio de 2012, que, além de estabelecer um regime
prévio para o controle de concentrações, adotou um conceito objetivo de “atos de concentração”, explicitando, assim, as
operações que demandam a aprovação do CADE, preenchidos determinados critérios de faturamento.
Na vigência da Lei 8.884/94, a definição de atos de concentração sujeitos à aprovação do CADE era subjetiva,
e envolvia requisitos cuja aplicação demandava, das partes envolvidas, assim como do próprio CADE, a análise caso a
caso, de forma a verificar se uma determinada operação poderia se enquadrar no conceito de ato de concentração trazido
por aquela lei, a saber, “atos sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a
livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços”1. Assim, havia clara
margem para defender a não obrigatoriedade de submissão de contratos de farm-in/farm-out ao CADE, o que era feito
pela indústria de O&G de um modo geral.
Já a Nova Lei de Defesa da Concorrência não excepcionou do controle prévio do CADE, em uma leitura
objetiva, operações que envolvam modificações na titularidade dos contratos de concessão (farm-in/farm-out). Pelo
contrário, o texto legal é claro ao estabelecer quais os tipos de operação são considerados atos de concentração de
submissão obrigatória, desde que preenchidos certos critérios de faturamento pelos grupos envolvidos:
Lei 12.529/2011, artigo 90: “Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de
concentração quando: I - 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se
fundem; II - 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou
permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos,
tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o
controle ou partes de uma ou outras empresas; III - 1 (uma) ou mais empresas incorporam
outra ou outras empresas; ou IV - 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato
associativo, consórcio ou joint venture”.
Não por outra razão, a Superintendência de Exploração e Produção da Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis (“ANP”) enviou às empresas do setor de O&G, em 05 de abril de 2013, o Ofício Circular
003/2013/SEP, informando sobre o novo entendimento da agência acerca da necessidade de submissão prévia ao CADE
das operações de cessão de direitos e obrigações decorrentes de contratos com ela firmados.
Ainda, e de modo a dar ainda mais segurança jurídica a esse novo posicionamento, CADE e ANP celebraram,
em 09 de abril e 2013, Acordo de Cooperação Técnica, em decorrência do qual a ANP passou a exigir comprovante da
decisão de aprovação da operação pelo CADE ou, na sua ausência, das razões que justificaram a não submissão, como
parte dos documentos necessários para solicitação de autorização da sua aprovação de operações de cessão de direitos
de contratos de concessão2.
1
Lei 8.884/1994, artigo 54, caput.
O mencionado Acordo de Cooperação tem por fundamento a Nota Técnica da ANP 029/CDC, também de 09 de abril
de 2013 (“NT 029/2013”). De acordo com a NT 029/2013, o tratamento de cessão é conferido às hipóteses de: (i)
transferência total ou parcial de titularidade ou dos direitos e obrigações decorrentes do contrato; (ii) fusão, cisão e
incorporação de sociedade empresaria integrante do consórcio do concessionário; (iii) mudança de operador ou de
garantidor; e (iv) alteração de composição societária, direta ou indireta, que implique a transferência do controle
majoritário do concessionário. Ainda, que as hipóteses de cessão contidas no item (i) devem ser submetidas ao CADE
por constituírem hipóteses de ato de concentração previstas nos incisos I, II e III do artigo 90 da Nova Lei de Defesa da
Concorrência, a depender do caso; e que as hipóteses contidas nos itens (ii) e (iv) também constituem hipóteses de atos
de concentração previstas no inciso II do artigo 90 (aquisição de ativos tangíveis e/ou intangíveis, a depender do caso.
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O mercado reagiu às novas instruções regulatórias, e as operações de farm-in/farm-out passaram então a ser
submetidas ao controle prévio do CADE em número crescente.
3. Contratos de Farm-in/Farm-out: Atos de Concentração?
A primeira discussão relevante enfrentada pelo CADE no contexto de submissão de operações de farmin/farm-out está relacionada à obrigatoriedade de sua notificação ao órgão, por estarem as mesmas enquadradas, em
uma primeira leitura, no conceito objetivo de Ato de Concentração trazido pela Nova Lei de Defesa da Concorrência.
Tal debate se aprofunda a partir de consulta formulada ao CADE pelo IBP sobre o tema, conforme abaixo detalhado.
3.1. Consulta IBP
Em 10 de janeiro de 2014, o IBP formulou consulta ao CADE, requerendo ao órgão sua manifestação sobre a
obrigatoriedade de notificação de operações de cessão de direitos e obrigações de contratos de concessão. Segundo o
IBP, “as cessões de direitos e obrigações que envolvem apenas a alteração da titularidade nos contratos de concessão
de E&P não se subsumem ao inciso II do artigo 90 da Lei 12.529/2011, pois (i) não implicam em aquisição de
participações societárias; (ii) não representam a aquisição de ativos concorrencialmente relevantes, pois não implicam
a transferência de participação de mercado; e (iii) não compreendem a aquisição do controle ou de parte da
empresa”3.
O CADE, contudo, e em resposta a tal consulta, na sessão de julgamento realizada em 02 de abril de 2014,
reforçou o seu entendimento de que, em que pesem as ponderações do IBP, operações de farm-in/farm-out são de
notificação obrigatória ao órgão, pois, adentrando em uma análise subjetiva, conferem a seus titulares acesso a ativo
essencial para a cadeia produtiva de petróleo e gás - o direito à exploração e extração desses insumos fósseis - de modo
a implicar a possibilidade de cumulação de participação em produção e resultados, além de barreiras à entrada a esse
mercado:
“O artigo 90, II, não fala em aquisição de participação societária, mas sim em aquisição
de controle ou parte de empresa. No mesmo sentido, a Lei não especifica que as aquisições
devem ser de ativos concorrencialmente relevantes (ou que sejam neutros). A relevância
dos ativos adquiridos em termos concorrenciais não compreende elemento para fins de
conhecimento do Ato de Concentração. Relevância é elemento para deliberação de Ato de
Concentração”4. (grifamos).
Assim, o CADE reiterou que, nos termos da Nova Lei de Defesa da Concorrência, contratos de E&P
caracterizam típica hipótese de concentração econômica, enquadrando-se, de forma objetiva, tanto no inciso II “aquisição de ativos concorrencialmente sensíveis” - quanto no inciso IV - “contrato associativo” - do artigo 90,
conforme a estrutura de cada operação específica; requerendo, portanto, a aprovação prévia do CADE quando os grupos
envolvidos preencherem os critérios objetivos de faturamento5.
Um ponto importante enfrentado pelo CADE na consulta diz respeito à aplicação de eventual isenção antitruste
prevista no parágrafo único do artigo 90 da Nova Lei de Defesa da Concorrência6 às operações de farm-in/farm-out. A
autoridade concorrencial assentou entendimento segundo o qual contratos de E&P não são enquadráveis em tal isenção
legal, uma vez que tais contratos não podem ser considerados como decorrentes de licitações promovidas pela
Administração Pública direta e indireta e, por essa razão, neutros do ponto de vista concorrencial - a justificar a isenção
prevista em lei.
Portanto, apenas os contratos diretamente relacionados à licitação - contratos primários - estariam cobertos pela
hipótese do parágrafo único do artigo 90, sinalizando uma leitura restritiva do normativo legal pela autoridade.
3
Voto de vista do Conselheiro Gilvandro nos autos da Consulta 08700.000207/2014-02.
Ver nota de rodapé 3 acima.
5
Lei 12.529/2011, artigo 88: “Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração
econômica em que, cumulativamente: I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último
balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou
superior a R$ 750.000.000,00 (setecentos e cinquenta milhões de reais; e II - pelo menos um outro grupo envolvido na
operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano
anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais)”. Note-se que ambos
os valores foram atualizados de acordo com a Portaria Interministerial n.º 994, de 30 de maio de 2012, expedida pelo
Ministro de Estado da Justiça e pelo Ministro de Estado da Fazenda, após indicação pelo Plenário do CADE, e nos
termos do Art. 88, §1º, da Lei 12.529/2011.
6
Lei 12.529/2011, artigo 90, parágrafo único: “Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do
disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela
administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes”.
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Conforme esclarecido pelo CADE, a cessão de direitos e obrigações que implica mudança na titularidade do contrato de
E&P ocorre em momento posterior à licitação, quando o procedimento licitatório já fora concluído e seu vencedor
contratado como concessionário, justificando, assim, a obrigatoriedade da notificação.
Por fim, ressalve-se que tal posicionamento do CADE reforça determinação anterior da Conselheira Ana
Frazão manifestada nos autos de Ato de Concentração 08700.005775/2013-19, envolvendo OGX Petróleo e Gás S.A. e
Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobrás, de que a Superintendência do órgão averigue a submissão das operações de cessão
de direitos realizadas no âmbito da Nova Lei de Defesa da Concorrência e não notificadas a aprovação previa do órgão7.
4. Contratos de Farm-in/Farm-out e o Gun Jumping
A segunda discussão relevante enfrentada pelo CADE no contexto de operações de farm-in/farm-out, e tema
central deste artigo, está relacionada ao fato de que os contratos de E&P, por suas características, violariam, segundo o
órgão, as regras de gun jumping por ele expedidas dentro do contexto da promulgação da Nova Lei de Defesa da
Concorrência.
4.1. Conceito de Gun Jumping
Em apertada síntese, o gun jumping é um termo genérico cunhado na prática norte-americana para se referir ao
ato/prática de “precipitar-se/antecipar-se” a um determinado comando legal. No contexto antitruste, esse conceito se
relaciona com o fato de que as partes envolvidas em certa operação não devem coordenar sua atuação antes do aval da
autoridade antitruste, ou até a desistência da operação, sob o risco de “queimar a largada”8. Portanto, espera-se que as
partes mantenham-se independentes, ou seja, que se comportem como entidades econômicas distintas até a decisão final
da autoridade reguladora (ou ainda até a desistência da operação pelas partes).
O gun jumping, sob a ótica antitruste conceitual, poderia se manifestar sob 2 (dois) aspectos, a saber:
processual e material. No que tange ao aspecto processual, o gun jumping se materializa quando as partes integrantes de
uma operação de concentração não cumprem com a obrigação de notificar previamente a autoridade antitruste, ou de
aguardar o período de espera de análise do ato. Do ponto de vista material, o gun jumping se consubstancia quando os
concorrentes coordenam suas atividades previamente à consumação efetiva da operação.
A Nova Lei de Defesa da Concorrência, em linha com o regime prévio que concebeu, consagrou o conceito de
gun jumping assentado pela prática norte-americana, prevendo que até a decisão final do CADE as condições de
concorrência entre as empresas envolvidas em um Ato de Concentração devem ser preservadas, sendo vedada,
especificamente, a transferência de ativos, influência de uma parte sobre a outra e a troca de informações sensíveis, que
não sejam estritamente necessárias para a celebração do contrato vinculativo9.
Caso tais premissas não sejam observadas, haveria, no entendimento do CADE, prática de gun jumping,
implicando nulidade da operação e multa pecuniária que pode variar de R$ 60 mil a R$ 60 milhões, além da abertura de
processo administrativo correspondente10.
4.2. Precedentes no CADE
Ao analisar os primeiros contratos de farm-in/farm-out submetidos ao seu controle no âmbito da Nova Lei de
Defesa da Concorrência, o CADE notou que os mesmos eram dotados de certas características peculiares que poderiam
7
Voto da Conselheira Ana Frazão nos autos do Ato de Concentração 08700.000207/2014-02, datado de 28 de agosto de
2013, in verbis: “Por fim, recomendo à Superintendência-Geral a abertura de procedimento para apuração de atos de
concentração relativos a cessões de direitos e obrigações em contratos de concessão ocorridos na indústria petrolífera
desde a entrada em vigor da Lei n. 12.529/2011”.
8
ABA Section of Antitrust Law, Premerger Coordination: The Emerging Law of Gun Jumping and Information
Exchange (2006).
9
Lei 12.529/2011, artigo 88, § 4o: “Até a decisão final sobre a operação, deverão ser preservadas as condições de
concorrência entre as empresas envolvidas, sob pena de aplicação das sanções previstas no § 3o deste artigo”. Ainda,
e em regulamentação a tal dispositivo legal, artigo 108, §2º do Regimento Interno do CADE: “As partes deverão manter
as estruturas físicas e as condições competitivas inalteradas até a apreciação final do Cade, sendo vedadas, inclusive,
quaisquer transferências de ativos e qualquer tipo de influência de uma parte sobre a outra, bem como a troca de
informações concorrencialmente sensíveis que não seja estritamente necessária para a celebração do instrumento
formal que vincule as partes”.
10
Lei 12.529/2011, artigo 88, § 3o: “Os atos que se subsumirem ao disposto no caput deste artigo não podem ser
consumados antes de apreciados, nos termos deste artigo e do procedimento previsto no Capítulo II do Título VI desta
Lei, sob pena de nulidade, sendo ainda imposta multa pecuniária, de valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil
reais) nem superior a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), a ser aplicada nos termos da regulamentação, sem
prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 69 desta Lei”.
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implicar violação das regras de gun jumping acima detalhadas. Isto porque, por uma dinâmica particular da indústria,
implicavam, como regra geral, assunção imediata de direitos e obrigações, antecipação do pagamento do preço e de
custos inerentes à operação do bloco e compartilhamento de informações sensíveis.
Nesses primeiros casos, e de modo a evitar a pena de nulidade prevista na Nova Lei de Defesa da Concorrência
para as operações em que fique caracterizado o gun jumping, agentes do setor de O&G negociaram acordos com o
CADE em Atos de Concentração distintos relacionados a contratos de farm-in/farm-out, nos quais reconheceram a
prática de atos de implementação antes da aprovação concorrencial e se obrigaram ao pagamento de uma contribuição
pecuniária, conforme detalhado na “Tabela 1” abaixo.
Tabela 1. Acordos de Gun Jumping em Contratos de E&P
Resumo da Operação
Data do Acordo
Aquisição, por parte da OGX, de
participação de 40% detida pela
Petrobras no Bloco BS-4.
Aquisição, por parte da UTC, de
participação de 37% detida pela
Aurizônia no Bloco BT-POT-39.
Aquisição, por parte da UTC, de
participação de 50% detida pela
Potióleo no Bloco BT-POT-10.
28.08.2013
Contribuição
Acordada
R$ 3.500.000,00
05.02.2014
R$ 60.000,00
05.02.2014
R$ 60.000,00
A questão transformou-se em um assunto sensível para o mercado, que passou a ter mais cuidado com a
elaboração das clausulas de interim period previstas nos contratos de farm-in/farm-out, além de formalmente
condicionar o fechamento de tais operações à aprovação do CADE, por meio de cláusula suspensiva especifica - não
existente nos precedentes acima mencionados.
Como resultado dessa nova dinâmica contratual, em pelo menos 5 (cinco) Atos de Concentração envolvendo a
cessão de contratos de cessão de direitos e obrigações submetidos à aprovação prévia do CADE após os precedentes
acima indicados, as partes obtiveram aprovação do órgão sem a imposição de restrições - leia-se, sem caracterização de
violação as regras de gun jumping, conforme detalhado na “Tabela 2” abaixo.
Tabela 2. Contratos de E&P Aprovados sem Restrições
Resumo da Operação
Potencial aquisição, pela ONGC
Campos Ltda. de 12% de participação
nos direitos e obrigações referentes ao
Contrato de Concessão nº
48000.003552/97-11, para exploração e
produção de hidrocarbonetos no Bloco
BC-10 (Parque das Conchas),
localizado na Bacia de Campos, região
offshore do Estado do Rio de Janeiro,
Brasil, detidos pela Petrobras.
Aquisição, pela BC-10 Petróleo Ltda.,
de 23% de participação nos direitos e
obrigações referentes ao Contrato de
Concessão nº 48000.003552/97-11 para
exploração e produção de
hidrocarbonetos no Bloco BC-10
(Parque das Conchas), localizado na
Bacia de Campos, região offshore do
Estado do Rio de Janeiro, Brasil,
detidos pela Petrobras.
Aquisição pela ExxonMobil Exploração
Brasil Ltda., de 35% da participação
detida pela OGX Petróleo e Gás S.A. no
contrato de concessão para exploração,
desenvolvimento e produção de
petróleo e gás natural nº
Data da
Decisão
20.11.2013
Decisão
Conhecido e
aprovado sem
restrições.
20.11.2013
Conhecido e
aprovado sem
restrições.
21.11.2013
Conhecido e
aprovado sem
restrições.
5
Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014
8610.005446/2013-00, referente ao
bloco POT-M-475, localizado na Bacia
Potiguar, offshore do estado do Rio
Grande do Norte.
Aquisição, pela Qatar Petroleum
International Limited (QPI), de 100%
das quotas pertencentes à BC-10
Petróleo Ltda. (BPL), a qual, por sua
vez, detém 23% de participação nos
direitos e obrigações referentes ao
Contrato de Concessão nº
48000.003552/97-11.
Aquisição, pela Total E&P do Brasil
Ltda., de 50% dos direitos e obrigações
referentes à participação indivisa de
100%, originariamente detida pela
Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras, no
Contrato de Concessão nº
48610.007990/2004.
10.02.2014
Conhecido e
aprovado sem
restrições.
09.04.2014
Conhecido e
aprovado sem
restrições11.
4.3. Mensagem e Pontos de Atenção
Em que pese a existência de um número já substancial de precedentes envolvendo operações de farm-in/farmout, o mercado de O&G ainda espera do CADE uma sinalização mais clara e objetiva no que diz respeito aos atos
específicos que seriam permitidos entre assinatura e fechamento (signing e closing) de modo a preservar o investimento
feito pelos agentes e suportar os custos de operação dos blocos de petróleo, usualmente de alto valor - ou seja, do exato
alcance do conceito de gun jumping.
Não obstante a ausência de sinalização clara do CADE sobre o assunto, já é possível identificar, a partir de um
conjunto de evidências inferidas dos precedentes acima detalhados, alguns pontos sensíveis que devem ser endereçados
nessas operações, de forma a evitar a aplicação de eventuais penalidades relacionadas à prática de gun jumping, que
incluem, entre outros:
•
•
•
•
•
•
•
•
a possibilidade do cessionário exercer qualquer direito antes da aprovação do órgão, ou mesmo que o cedente
deixe de exercer seus direitos, no curso ordinário dos negócios do bloco;
a eventual especificação de data de vigência anterior à data de celebração do contrato para qualquer finalidade
que não ajustes de preço;
a realização de qualquer tipo de transferência monetária entre as partes;
a criação e o funcionamento de Comitês antes da aprovação do órgão;
a concessão de acesso, ao cessionário, a informações que possam ser consideradas concorrencialmente
sensíveis;
a realização de comunicações entre as partes com relação aos ativos envolvidos na operação;
a participação de representantes da cessionária em negócios relacionados com o ativo; e
a divulgação de informações a terceiros.
5. Análise Comparada
5.1. A Experiência Internacional
A prática internacional relacionada ao setor de O&G parece, acertadamente, ser mais flexível do que a
legislação concorrencial brasileira, ao prever, em dispositivos específicos, conforme o caso, certas isenções para as
operações envolvendo os blocos de petróleo e gás natural.
Dentro desse contexto, e a título exemplificativo12, menciona-se a jurisdição norte-americana, que,
acertadamente, consagra isenções relacionadas (i) ao valor das reservas; i.e. quando o valor das reservas e ativos
associados for inferior a montante concorrencialmente relevante; e (ii) produção dos blocos de petróleo; i.e. caso a área
11
Ainda que, nesse caso em particular, as partes tenham enfrentado discussão envolvendo a eventual caracterização de
gun jumping pelo fato de terem participado de reunião conjunta no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (“IBAMA”).
12
Nesse sentido petição inicial do IBP nos autos da Consulta 08700.000207/2014-02, formulada ao CADE em janeiro
de 2014.
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Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014
não tenha produzido receitas superiores a certo patamar. Tais isenções estão contidas em dispositivos específicos
publicadas pela Federal Trade Commission (“FTC”) no Code of Federal Regulations (“CFR”)13:
CFR, Seção 802.2: “Certain acquisitions of real property assets. (…)(c) Unproductive real
property. An acquisition of unproductive real property shall be exempt from the
requirements of the act. In an acquisition that includes unproductive real property, the
transfer of any assets that are not un- productive real property shall be subject to the
requirements of the act and these rules as if they were being acquired in a separate
acquisition14. (grifamos).
CFR, Seção 802.3: “Acquisitions of carbon-based mineral reserves (…) (a) An acquisition of
reserves of oil, natural gas, shale or tar sands, or rights to reserves of oil, natural gas, shale
or tar sands together with associated exploration or production assets shall be exempt from
the requirements of the act if the value of the reserves, the rights and the associated
exploration or production assets to be held as a result of the acquisition does not exceed
$500 million. In an acquisition that includes reserves of oil, natural gas, shale or tar sands,
or rights to reserves of oil, natural gas, shale or tar sands and associated exploration or
production assets, the transfer of any other assets shall be subject to the requirements of the
act and these rules as if they were being acquired in a separate acquisition”. (grifamos).
Importante notar que em pelo menos uma oportunidade tais isenções legais foram usadas pela FTC para
reconhecer a não subsunção de operação envolvendo aquisição de ativos e direitos relacionados a concessões de
exploração e produção de O&G às regras do Hart-Scott-Rodino Act (“HSR”)15.
O Canadá parece adotar entendimento semelhante, ao prever, na seção 111(e) do Competition Act, a não
obrigatoriedade de notificação de operações que envolvam a aquisição de ativos que consistam em recursos minerais
canadenses, compreendendo, dentre outros, direitos, licenças e privilégios para a exploração e produção de petróleo e
gás natural em território canadense16.
5.2. Proposição de Alternativas
Sob a perspectiva comparada, os exemplos acima detalhados poderiam servir de base para um refinamento da
legislação concorrencial brasileira aplicável às operações relacionadas ao mercado de O&G, ainda que se reconheçam
as peculiaridades de nosso ordenamento jurídico e cultura concorrencial.
Dentro desse contexto, o CADE, em sede, por exemplo, de resolução específica, poderia disciplinar que blocos
de petróleo pré-operacionais - leia-se, que não se encontrem em fase de produção - estariam isentos da aprovação prévia
do órgão, mesmo que os critérios de faturamento sejam atingidos pelos grupos envolvidos. Tratar-se-ia de postura
moderna e flexível do órgão, a afastar de sua análise uma série de operações sem relevância concorrencial, com
racionalização de recursos, a serem canalizados à análise de casos complexos.
Desafio maior parece estar na criação de eventual isenção baseada no valor de ativos concorrencialmente
relevantes, não somente pela subjetividade de tal valoração, mas porque outros setores do país também evocariam a
mesma regra para afastar suas operações do escrutínio prévio do CADE, o que parece confrontar o espírito da legislação
concorrencial, que consagra a universalidade de sua aplicação à coletividade, titular dos bens jurídicos por ela
protegidos.
Ainda dentro do cenário de proposição de alternativas, merece destaque a louvável intenção do CADE17 em
estabelecer uma súmula específica à indústria de O&G que discipline, em caráter normativo, que as cessões de direitos
13
Codificação das regras gerais e permanentes publicadas no Federal Register pelos Departamentos do Poder
Executivo e pelas Agências Reguladoras do Governo Federal dos Estados Unidos. Disponível em:
http://www.ecfr.gov/cgi-bin/ECFR?page=browse (último acesso: 23 de abril de 2014).
14
“(1) Subject to the limitations of (c)(2), unproductive real property is any real property, including raw land,
structures or other improvements (but excluding equipment), associated production and exploration assets as de- fined
in §802.3(c), natural resources and assets incidental to the ownership of the real property, that has not generated total
revenues in excess of $5 million during the thirty-six (36) months preceding the acquisition”.
15
A operação em referência envolvia ativos localizados no Golfo do México. Disponível em:
http://ftc.gov/bc/hsr/informal/opinions/0607017.htm (último acesso: 23 de abril de 2014).
16
Competition Acts, 111: “The following classes of transactions are exempt from the application of this Part (…) (e) an
acquisition of a Canadian resource property, as defined in subsection 66(15) of the Income Tax Act, pursuant to an
agreement in writing that provides for the transfer of that property to the person or persons acquiring the property only
if the person or persons acquiring the property incur expenses to carry out exploration or development activities with
respect to the property”.
17
Tal proposta foi sinalizada pelo CADE em debates orais ocorridos na Sessão de Julgamento que formalizou resposta
à consulta formulada pelo IBP detalhada no Item 3.1. acima.
7
Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014
e obrigações decorrentes de contratos de concessão seriam uma das hipóteses elegíveis à análise em rito sumário - leiase, compromisso de aprovação em prazo não superior a 45 dias - tendo por fundamento a homogeneidade de tais
contratos e a ausência de preocupações concorrenciais deles decorrentes. Trata-se de uma medida de simples
implantação e que privilegia a celeridade processual, preservando os direitos das partes em operações que envolvem,
como regra geral, elevados investimentos, e que merecem assim ser preservados no âmbito de uma legislação moderna
e pragmática.
6. Conclusão
A análise do panorama normativo e jurisprudencial mostra que tanto CADE como ANP caminham de forma
cada vez mais contundente no sentido de exigir a submissão de contratos de farm-in/farm-out ao seu controle prévio,
desde que preenchidos pelos grupos envolvidos os critérios de faturamento estabelecidos na Nova Lei de Defesa da
Concorrência. Trata-se de um novo momento jurídico que demandará como resposta adaptação da indústria de O&G às
praticas normativas então vigentes.
Neste particular, ressalte-se a celeridade do CADE para aprovação dos precedentes aqui detalhados; como
regra dentro do prazo de análise de rito sumário, que não ultrapassa o prazo máximo de 45 dias. Tal prática reiterada
deve culminar, conforme já sinalizado pelo órgão, com uma esperada e acertada súmula, que deve incluir as cessões de
direitos e obrigações decorrentes de contratos de concessão no rol de operações elegíveis ao rito sumário, garantindo
celeridade e segurança jurídica ao mercado.
Avanços maiores, contudo, são esperados com relação a uma sinalização mais clara do órgão quanto ao real
conceito de gun jumping trazido pela legislação concorrencial; mais especificamente, um detalhamento dos atos que
seriam permitidos antes do fechamento das operações de farm-in/farm-out, de modo a preservar os altos investimentos
usualmente envolvidos.
O maior desafio, contudo, parece estar no aprimoramento das regras atuais, no sentido de caminharmos para a
construção de isenções que afastem do órgão uma série de operações sem relevância concorrencial. Neste particular, a
experiência internacional parece servir de incentivo para a construção de um sistema de análise prévia eficiente e
racional.
7. Referências
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS. Legislação. Disponível em:
http://www.anp.gov.br/ (último acesso: 23 de abril de 2014).
AMERICAN BAR ASSOCIATION. Section of Antitrust Law - Premerger Coordination: The Emerging Law of Gun
Jumping and Information Exchange, 2006.
COMPETITION BUREAU (CANADA). Legislação. Disponível em: http://www.competitionbureau.gc.ca/eic/site/cbbc.nsf/eng/home (último acesso: 23 de abril de 2014).
CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA. Legislação e processos. Disponível em:
http://www.cade.gov.br/ (último acesso: 23 de abril de 2014).
FEDERAL REGISTER. Codificação de regras. Disponível em: http://www.ecfr.gov/cgi-bin/ECFR?page=browse
(último acesso: 23 de abril de 2014).
FEDERAL TRADE COMMISSION. Legislação e processos. Disponível em: http://www.ftc.gov/ (último acesso: 23 de
abril de 2014).
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