Artigos Sistemas construtivos em terra crua

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Artigos Sistemas construtivos em terra crua
Artigos
Sistemas construtivos em terra crua:
panorama da América Latina nos
últimos 30 anos e suas referências
técnicas históricas
Mariana Kimie da Silva Nito
Arquitetura, técnica e contexto:
o canteiro e a produção habitacional
no Brasil (1960-1990)
Jonas de Campos Azevedo
O Banco Nacional de Habitação (BNH):
uma proposta de revisão bibliográfica
Maria Alejandra Bruschi Costa
Jacques Pilon: modernismo
e mercado imobiliário
Marina Rosenfeld Sznelwar
Galerias: uma tipologia para
a metrópole. São Paulo, 1942 - 1964
Juliane Bellot Rolemberg Lessa
Os lugares no espaço: a problematização
do Cine Belas Artes como patrimônio
cultural de São Paulo
Pedro Beresin Schleder Ferreira
Os Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade são um periódico da
Escola da Cidade criado com o objetivo de divulgar e publicizar as
ações de Iniciação Científica desenvolvidas por essa instituição. De
caráter acadêmico e científico configuram-se como um espaço de
discussão e reflexão dedicado às questões afeitas à pesquisa de
arquitetura e urbanismo – bem como áreas afins – em seus múltiplos
aspectos. Voltados para a publicação de trabalhos de pesquisa desenvolvidos por alunos de graduação, os Cadernos de Pesquisa da
Escola da Cidade buscam qualificar e fomentar as pesquisas desenvolvidas na Escola da Cidade, mas também chamar ao diálogo
pesquisadores de outras instituições.
Comissão Editorial
Amália Cristovão dos Santos (EC / FAU-USP)
Eduardo Augusto Costa (EC / IFCH-Unicamp)
Fabio Lins Mosaner (EC)
Fernanda Mendonça Pitta (EC / Pinacoteca SP)
Joana Mello de Carvalho e Silva (EC / FAU-USP)
Marianna Boghosian Al Assal (EC)
Pedro Lopes (EC / FFLCH-USP)
Conselho Consultivo
Ana Claudia Scaglione Veiga de Castro (FAU-USP)
Cristiane Checchia (ILAACH-Unila)
Nilce Cristina Aravecchia Botas (FAU-USP)
Renato Cymbalista (FAU-USP)
Taisa Helena Pascale Palhares (IFCH-Unicamp)
sumário
5
Apresentação
21
Arquitetura, técnica e contexto: o canteiro e a produção
habitacional no Brasil (1960-1990)
Jonas de Campos Azevedo
33
O Banco Nacional de Habitação (BNH): uma proposta
de revisão bibliográfica
Maria Alejandra Bruschi Costa
Escola da Cidade
Ciro Pirondi (Diretor)
45
Jacques Pilon: modernismo e mercado imobiliário
Marina Rosenfeld Sznelwar
Conselho de Graduação
Alvaro Puntoni (Coordenação)
57
Galerias: uma tipologia para a metrópole. São Paulo,
1942 - 1964
Juliane Bellot Rolemberg Lessa
75
Os lugares no espaço: a problematização do Cine Belas
Artes como patrimônio cultural de São Paulo
Pedro Beresin Schleder Ferreira
91
94
97
110
VII Jornada de Iniciação Científica da Escola da Cidade
Programação
Resumos dos trabalhos
Professores convidados
113
Normas para a submissão de trabalhos
Editor Científico
Ana Claudia Scaglione Veiga de Castro
Marianna Boghosian Al Assal
Projeto Gráfico e diagramação
três design
Associação Escola da Cidade
Anália M. M. C. Amorim (Presidente)
Conselho Científico
Newton Massafumi Yamato (Coordenação)
Editora da Cidade
Anderson Freitas
Fabio Valentim
José Paulo Gouvêa
Editora executiva
Marina Rago Moreira
Revista Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade
Número 1 / 2015
Rua General Jardim, 65 - Vila Buarque
CEP: 01223-011 – São Paulo, SP
9
11
Artigos
Sistemas construtivos em terra crua: panorama da
América Latina nos últimos 30 anos e suas referências
técnicas históricas
Mariana Kimie da Silva Nito
Apresentação
Formulada desde sua criação como um centro de
estudos que por meio de relações entre arquitetura, história, cultura, território e natureza, procura
introduzir e reinterpretar as diferentes formas de
ocupação do espaço, a Escola da Cidade mantém
desde 2008 um programa de Iniciação Científica.
Atrelado inicialmente ao Núcleo de Pesquisa, e a
partir desse ano de 2015, ao Conselho Científico
da Escola da Cidade, o programa visou desde seu
momento inicial oferecer ao aluno da graduação
a possibilidade de refletir criticamente sobre os
campos de atuação afeitos à profissão do arquiteto e urbanista, levando em conta seus diálogos e
intersecções com questões de outros campos do
saber. A proposta ecoava algo que se configurava
em grande parte como o motor inicial para a
própria criação da Escola da Cidade, tornando-se,
neste sentido, um caminho seguro a ser seguido.
Outra preocupação fundante da instituição, a
de pensar as relações entre teoria e prática, conferiu contornos especiais ao programa de pesquisa junto à graduação. Ao longo desses anos esse
programa contou com o fomento oferecido pela
Escola, propiciando a conclusão de pesquisas de
Iniciação Científica nos moldes acadêmicos tradicionais, mas também pesquisas definidas por seu
cunho experimental, dando a chance para novas
e instigantes investigações. De um lado, portanto,
o programa propiciou o desenvolvimento de pesquisas atreladas ao rigor acadêmico, formando
jovens pesquisadores competentes que posteriormente poderão se vincular aos programas de pós-graduação com uma experiência importante. E
de outro, propondo um modelo de pesquisa experimental que se afastava das definições tradicionais
(mais ligadas às práticas laboratoriais) e se afirmava como investigação propositiva. Essa última,
denominada Pesquisa Experimental, está voltada
para iniciativas de experimentação no urbanismo
e na arquitetura, através dos seus diversos elementos de expressão (linguagem) e conteúdo (técnica).
Pressupõe-se assim que o plano ou projeto proposto para realização devem estar imbuídos de propósitos de investigação ou da produção de modelos
técnicos, e que, a partir de leituras da diversidade
e da complexidade arquitetônica e urbana contemporâneas, se construam hipóteses de descrição,
registro e transformação da realidade.
Desde quando este programa de Iniciação Científica se iniciou, em 2008, quando o edital abriu as
primeiras duas vagas de pesquisa, até o ano de
2015, foram concluídas 42 pesquisas, número que
demonstra a consolidação da investigação acadêmica na Escola, com a ampliação do interesse tanto
dos alunos quantos dos professores, e não apenas
os diretamente envolvidos. Outro fato importante
a mencionar refere-se à multiplicidade de temas
e questões essenciais ao campo de atuação do arquiteto e urbanista abordados nessas pesquisas,
desenvolvidas desde os mais diversos pontos de
vista. Questões muitas vezes inicialmente discutidas em sala de aula desdobram-se em novas pesquisas, percorrendo um amplo espectro disciplinar,
da habitação social às discussões da paisagem, da
arte pública à crítica da arquitetura moderna brasileira, do urbanismo ao design, em todas suas
linguagens, métodos e técnicas pertinentes. Outras,
suscitadas pelos interesses próprios dos alunos ou
por pesquisas desenvolvidas pelos professores em
suas atividades de investigação, também renderiam
temas de pesquisas contemplados pelo programa.
De maneira associada ao fomento da pesquisa
junto à graduação, as Jornadas de Iniciação Científica da Escola da Cidade vêm sendo realizadas
anualmente desde 2009. Concebida como oportunidade de difusão e de debate das investigações
5
desenvolvidas na Escola, a Jornada possibilita ao
jovem pesquisador apresentar e ver discutida a
sua análise ao lado de outras, sempre debatida por
um pesquisador experiente, em geral ligado às
principais universidades brasileiras, o que lhe
coloca em um ambiente de discussão intelectual
que o prepara para novos desafios. Desde 2014, a
Jornada abriu-se também para a apresentação de
pesquisas realizadas em outras universidades,
faculdades e escolas, ampliando o debate ao receber
contribuições não apenas do campo da arquitetura e urbanismo, mas também de áreas afins, como
o design, a história, as artes visuais, entre outras.
A possibilidade de colocar em diálogo os trabalhos
realizados na Escola com aqueles desenvolvidos
em outras instituições de ensino superior configurou-se como oportunidade única de ampliação das
perspectivas de debate, algo fundamental para o
adensamento do pensamento crítico no âmbito da
pesquisa científica desenvolvida nesta instituição.
Evidência disso foi a importante contribuição dos
professores convidados que a cada ano participaram como comentadores da Jornada. Como também
o é a expressiva resposta à chamada aos alunos e
professores de outras instituições para a possibilidade de participação, apresentação e discussão
de suas pesquisas. O número de adesões, tanto em
2014 quanto nessa VII edição da Jornada de Iniciação Científica da Escola da Cidade de 2015, não
deixa dúvida sobre o reconhecimento do programa
e do próprio evento.
É nesse contexto, portanto, que a realização do
primeiro número da revista Cadernos de Pesquisa
da Escola da Cidade que agora se lança configura
a possibilidade de alargamento das fronteiras da
pesquisa acadêmica em arquitetura urbanismo na
Escola da Cidade, com o crescimento e afirmação
de um programa de Iniciação Científica rumo a
sua maturidade, estimulando alunos e professores
a desenvolverem suas trajetórias acadêmicas na
instituição de maneira plena. Mas também, em
grande medida, o lançamento dessa revista é a
comemoração do caminho percorrido até aqui e
a homenagem a todos os envolvidos nesse processo – alunos pesquisadores, seus orientadores e
coordenadores, que desde 2009 contribuíram para
construir de maneira coletiva a pesquisa na Escola
da Cidade.
Para configurar esse momento de consolidação
do programa, nada mais justo que publicar artigos
oriundos de algumas das pesquisas desenvolvidas
entre 2009 e 2012. Tais textos são amostra clara do
esforço de excelência almejado pelos coordenadores do programa e professores orientadores, mas
6
também do potencial reflexivo desses alunos de
graduação que a partir de recortes, temáticas e
questionamentos diversos, desenvolveram pesquisas de grande qualidade e interesse.
O primeiro desses artigos – “Sistemas construtivos em terra crua: panorama da América Latina
nos últimos 30 anos e suas referências técnicas
históricas” –, de autoria de Mariana Kimie da Silva
Nito, procura contribuir com o debate acerca da
importância histórica bem como da relevância e
pertinência contemporânea do uso de sistemas
construtivos em terra crua. Busca-se, a partir de um
levantamento de técnicas e normas e de sua abordagem crítica, destacar esses sistemas construtivos
como tecnologia durável relacionada à conservação
e restauração do patrimônio cultural, à construção
de baixo impacto ambiental da arquitetura e
também à produção arquitetônica contemporânea.
Ainda com o olhar voltado para o canteiro de
obras em suas dinâmicas e práticas, Jonas de
Campos Azevedo – em “Arquitetura, técnica e contexto: o canteiro e a produção habitacional no Brasil
[1960-1990]” – destaca alguns dos processos de
racionalização da construção civil no campo da
habitação social no Brasil, entre as décadas de 1960
e meados da década de 1990. Partindo de uma
divisão do período em dois momentos distintos – de
1960 a 1980 e de 1980 a 1990 – e da escolha de
exemplos emblemáticos analisados para cada um
desses momentos, busca-se entender em que medida
os processos de racionalização da técnica popular
podem levar a produção de modelos habitacionais
coerentes com os contextos onde estão inseridos.
Embora com outro enfoque, Maria Alejandra
Bruschi Costa também toma as políticas para produção habitacional como tema central, concentrando-se na ação do Banco Nacional da Habitação
(BNH), que vigorou de 1964 a 1986. O artigo “O
Banco Nacional de Habitação (BNH): uma proposta de revisão bibliográfica” expõe assim os resultados parciais da pesquisa que procurou a partir
de um amplo levantamento bibliográfico – de documentos oficiais à produção de viés crítico, vinda
de acadêmicos que exerciam oposição ao regime
militar, ou vinculada ao Instituto de Arquitetos do
Brasil (IAB) –, propor uma revisão da atuação desse
órgão a partir de três pontos que propõe como
centrais para a formulação de ações públicas que
pretendam equacionar o problema habitacional:
as políticas de desenvolvimento urbano; o desenvolvimento tecnológico na construção civil; e o
acesso aos financiamentos para as famílias de
menor renda.
Ao estudar a obra do arquiteto francês Jacques
Pilon (1905- 1962) em São Paulo, entre os anos de
1934 e 1962, Marina Rosenfeld Sznelwar, na pesquisa “Jacques Pilon: modernismo e mercado imobiliário”, investiga a contribuição do arquiteto e
de seu escritório para a metropolização de São
Paulo, compreendendo sua atuação num mercado
imobiliário que então se estruturava em bases
empresariais. Ao enfocar o escritório e não apenas
a atuação de Pilon, a pesquisa permite conhecer a
própria dinâmica do estabelecimento da profissão
na cidade, e seu papel na constituição da metrópole paulista.
Do mesmo modo, Juliane Bellot Rolemberg
Lessa também se interessa pela metropolização
da capital paulista, neste caso, procedendo a uma
pesquisa sobre edifícios em altura com galerias
comerciais em seus térreos, entendendo-os como
uma nova tipologia que contribuirá para conceder
a almejada feição de metrópole à cidade. Seu artigo,
“Galerias: uma tipologia para a metrópole (São
Paulo, 1942-1964)”, discute tal tipologia dentro do
contexto de americanização dos modos de vida e
em relação ao aparecimento da figura do incorporador, importante para o sucesso de vendas, e se
pergunta pelos motivos do desaparecimento de tal
tipologia na cidade.
Em seguida, podemos relembrar, a partir da
pesquisa de Pedro Beresin Schleder Ferreira, “Os
lugares no espaço: a problematização do Cine Belas
Artes como Patrimônio Cultural de São Paulo”, que
no início de 2011 o Cine Belas Artes, tradicional
sala exibidora do chamado “cinema de arte” em
São Paulo, foi ameaçado de fechamento. O artigo
permite tomarmos contato com as diversas manifestações realizadas pela sociedade civil em busca
da salvaguarda do cinema, e coloca em pauta a
possibilidade de sua inclusão no rol do Patrimônio
Cultural de São Paulo. A intenção, neste caso, era
a de subsidiar discussões sobre os critérios de
atribuição de valor predominantes e novas formas
de atuação para a preservação e conservação do
Patrimônio Cultural no meio ambiente urbano.
A revista conta ainda com uma seção dedicada
à VII Jornada de Iniciação Científica da Escola da
Cidade, composta por um breve relato da Comissão
Científica acerca da organização do evento; o registro da composição das mesas; além da relação
dos professores convidados e dos resumos das
pesquisas apresentadas.
A partir deste primeiro número, espera-se fazer
destes Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade
um espaço aberto à reflexão e ao debate, em que
alunos e professores da Escola da Cidade e de outras
instituições possam publicizar suas pesquisas,
divulgar seus resultados, debater suas questões e
encontrar seus leitores. Num mundo saturado de
palavras e imagens, espera-se que estes Cadernos
possam de fato se tornar um espaço de crítica, um
espaço de experimentação, espaço onde estes
jovens pesquisadores possam experimentar com
liberdade e expressar suas ideias. Que suas pesquisas sejam mais que um pequeno passo nas suas
formações, que elas possam também ser um primeiro passo em busca de uma reflexão empenhada na construção de um país melhor.
Agradecemos aos demais membros da Comissão Editorial, do Conselho Consultivo e do Conselho
Científico da VII Jornada de Iniciação Científica
que em muito engrandecem a revista por sua participação e que terão papel fundamental nas decisões futuras da revista; e também à Diretoria da
Escola da Cidade, ao Conselho Científico e mais
particularmente à Editora da Cidade, por encamparem essa iniciativa de construção de uma revista
científica dedicada ao debate, reafirmando a relevância da pesquisa acadêmica na graduação. Por
fim, cabe agradecer os autores dos artigos que nos
brindam com artigos de grande qualidade, nos
ajudando a pautar o perfil dos diversos números
da revista que seguirão esse primeiro!
Ana Castro e Marianna Boghosian Al Assal
Editoras desse número
7
artigos
Sistemas construtivos em
terra crua: panorama da
América Latina nos últimos
30 anos e suas referências
técnicas históricas
Rammed earth building
systems: panorama of Latin
America in the last 30 years
and its historical references
Sistemas de construcción
en tierra cruda: panorama de
América Latina en los últimos
30 años y sus referencias
técnicas históricas
Mariana Kimie da Silva Nito1
Orientadora: Profa. Dra. Anália M. M. C. Amorim
Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2011-2012
com financiamento do Núcleo de Pesquisa da Escola da Cidade
10
A pesquisa aqui apresentada dedicou-se à compreensão do potencial
tipológico dos sistemas construtivos em terra crua, a fim de levantar o debate sobre a sua utilização
como material de construção. Reconhece os sistemas construtivos
mais primitivos da humanidade
como tecnologia durável relacionada à conservação e restauração
do patrimônio cultural, à construção de baixo impacto ambiental da
arquitetura e também à produção
arquitetônica contemporânea. A
sistematização da produção contemporânea indica como os sistemas e técnicas vêm sendo explorados na produção tradicional e
contemporânea e dá condições
reflexivas a respeito do repertório
e da renovação da produção de
arquitetura em terra crua.
The research presented in this
paper was devoted to understanding the typological potential of
construction systems for rammed
land in order to raise the debate
about using this as a building material. Recognizes the most primitive construction systems of humankind as a durable technology
related to conservation and restoration of cultural heritage, the construction of architecture of low
environmental impact and the
contemporary architectural production. The systematization of
contemporary production indicates
how the systems and techniques
have been exploited in traditional
and contemporary production and
give reflective conditions regarding
repertoire and renovation of architectural production in raw land.
Palavras-chave
Construção em terra crua, tipologia
e técnica, América Latina.
Keywords
Construction of rammed earth, typology and technique, Latin
America.
La investigación presentada en ese
artículo estuve dedicada a entender el potencial de los sistemas de
construcción tipológica de tierra
cruda a fin de elevar el debate
sobre su uso como un material de
construcción. Reconoce los sistemas constructivos más primitivos
de la humanidad como tecnología
duradera relacionada con la conservación y restauración del patrimonio cultural, con la construcción
de bajo impacto ambiental de la
arquitectura, y con la producción
arquitectónica contemporánea. La
sistematización de la producción
contemporánea indica cómo los
sistemas y técnicas han sido explotados en la producción tradicional
y contemporánea y da condiciones
reflexivas a respecto del repertorio
y de la renovación de la producción
arquitectónica en tierra cruda.
Palabras-clave
Construcción en tierra cruda, tipología y técnica, América Latina.
11
Figura 1. Diagrama
estabelecido pelo grupo
CRATerre das diferentes
famílias de sistemas de
construção antigos e
modernos que utilizam
a terra como matéria
prima. Fonte: GUILLAUD;
HOUBEN, 1989.
1. A terra crua como material de construção
As camadas de solo utilizadas para a construção
em terra localizam-se abaixo do húmus, a camada
superficial do solo2 que contém muita matéria orgânica. A terra resulta do processo de deterioração
da rocha e depende de sua composição, das condições climáticas e dos processos de evolução físico-química inerentes a esta. Assim, sua diversidade
de propriedades varia em relação a cor, textura,
coesão, compacidade, densidade, porosidade, plasticidade, contração linear, etc. (INSTITUTO, 2007).
As características mais importantes destas propriedades são a textura, a natureza mineral de suas
partículas, sua compacidade, coesão e plasticidade,
pois influenciam e definem as técnicas mais adequadas para cada tipo de terra. Tais propriedades
são quantificadas através de vários procedimentos
de prova específicos e também de campo. A terra
natural também pode ser estabilizada para gerar o
desempenho desejável à construção. Entre esses
mecanismos estão adensamento, reforço, vinculação,
cimentação, impenetrabilidade e impermeabilidade.
2. Os sistemas construtivos em terra crua
O termo “arquitetura de terra” engloba toda a série
de estruturas em que o solo natural é condicionado a edificar elementos construtivos de espaços
habitáveis. As edificações em terra crua seguem a
mesma lógica que a maioria dos sistemas convencionais: para o desenvolvimento do projeto é necessário ter a consciência de suas limitações e
capacidade de carga a partir da compreensão do
funcionamento “orgânico” estrutural. Por estas
razões são fundamentais a análise e o conhecimento dos sistemas construtivos, as relações que os
12
mantêm, para que foram historicamente desenhadas e o seu estudo e desenvolvimento técnico.
Assim, fica claro o porquê de conhecer tanto as
caracterizações físicas dos materiais construtivos.
De todas as variedades, podemos fazer uma
classificação geral para facilitar seu estudo. Estabelecidas pelo grupo CRATerre (Centro Internacional de Construção em Terra), as diferentes famílias
de sistemas construtivos antigos e modernos que
utilizam a terra crua como matéria-prima são:
grupo A - utilização da terra de forma monolítica
e portante; grupo B - utilização da terra sob a forma
de alvenaria; e grupo C - utilização da terra como
enchimento de uma estrutura suporte.
2.1. Sistemas monolíticos
Este grupo compreende sistemas de elevação in
situ onde não existe separação entre material e
componente construtivo, ou seja, a transformação
do solo e a edificação são constituídas num mesmo
processo. As construções monolíticas podem ser
executadas de diversas formas. Fazem parte deste
grupo a terra escavada (1); a terra plástica (2); a
terra empilhada (3); a terra modelada (4); e a terra
compactada (6) [Figura 1]
2.2. Sistemas em alvenaria
As paredes de alvenaria em terra crua não são
necessariamente portantes, os blocos também são
utilizados como vedação. Podem constituir diversas
formas como arcos, cúpulas e abóbodas permitindo
assim a flexibilidade de seus modos de construção.
Na execução destas, são utilizados diferentes tipos
de unidades pré-fabricadas, que após a secagem
são utilizadas na construção. As formas variam de
tamanho de acordo com o uso, geralmente os de
maior dimensão são utilizados para muros autoportantes. Exemplos de técnicas deste sistema são
Figura 2. Casas construídas em adobe
no povoado do Pasmado. Fonte: fotografia
Jonas Campos, 2012.
os blocos apiloados (6); os blocos prensados (7); os
blocos cortados (8); os torrões de terra (9); a terra
extrudida (10); adobe mecânico (11); adobe manual
(12); e adobe moldado (13) [Figura 1].
2.3. Sistemas mistos
Estas técnicas consistem na associação de uma
estrutura suporte no qual a utilização da terra é
um elemento secundário, no enchimento ou revestimento de outras estruturas. Estas são de
madeira ou de outros materiais de origem vegetal
como canas, bambu e outras. Fazem parte desse
sistema, conforme diagrama representado acima,
a terra de recobrimento (14); a terra sobre engradado (15); a terra palha (16); a terra de enchimento (17); e a terra de cobertura (18) [Figura 1]. Estas
duas últimas e também o revestimento de paredes
são utilizados para o isolamento térmico.
3. Desenvolvimento dos sistemas
construtivos em terra crua
O desenvolvimento dos sistemas construtivos em
terra crua está baseado no equilíbrio entre a satisfação das necessidades sociais e a previsão das
condições de risco dos edifícios. Entre eles, estão
a disponibilidade de recursos naturais, o sistema
construtivo, a geografia local, entre outros. Sendo
os abalos sísmicos e a água os principais agentes
de vulnerabilidade das construções de terra crua,
existe uma busca para que resistam a estes embates.
Com os desenvolvimentos, foram geradas tecnologias construtivas com diversos graus de exclusividade e combinação com outros materiais para
se configurar o aprimoramento das técnicas. E
assim, possibilitando sua disseminação.
3.1. Normatização construtiva
Os documentos normativos, na maioria dos casos,
se referem a uma ou duas técnicas e não sobre o
uso em geral das construções em terra crua. A
diversidade de propriedades da terra é muito peculiar, demandando um conhecimento amplo e
sensível para definição da melhor técnica a ser
utilizada. Dessa forma, a inclusão dos sistemas
construtivos em terra crua nas normativas de construção civil apresenta complexidades intrínsecas
à sua matéria prima.
Alguns países têm desenvolvido normativas
específicas, principalmente nas regiões latinas na
qual a tradição de autoconstrução se deriva deste
material. As normas sobre os blocos de terra comprimida destacam-se por sua abundancia. A
exemplo das normas brasileiras, que diz a respeito do bloco, de sua aparência, características geométricas, físico-químicas, etc.
4. Marcos de referência técnico histórico
A terra crua está presente como material desde as
primeiras manifestações construtivas do homem3.
Está presente em quase todos os ecossistemas habitados pelo homem. Dessa forma, a maioria das
culturas tiveram contato com ela em alguma época.
Tal diversidade de culturas e características de
solo produziu muitos métodos construtivos. Ao
longo de nossa história, a terra já foi utilizada em
construções populares, edifícios monumentais e
até mesmo cidades projetadas em terra, sendo a
África e o Oriente Médio as regiões onde registros
mais remotos foram encontrados. (GUILLAUD;
HOUBEN, 1989)
Na península ibérica, as técnicas de construção
em terra crua foram introduzidas pelos romanos
13
Figura 3. Corte e detalhes
construtivos do anteprojeto para
a Vila de Monlevade (Sabará,
MG), 1936. Fonte: DETHIER;
ZBINDEN, 1982.
Figura 4. Foto e plantas Casa
Cirrel de Lina Bo Bardi em São
Paulo, 1958. Fonte: Arquivo Lina
Bo Bardi.
e enriquecidas pelos árabes. Já na América pré-colombiana existiram construções em adobe em
quase todas as culturas. Estas possuíam técnicas
distintas das europeias e em geral suas construções
eram feitas em larga escala.
Na América Latina, as técnicas foram aperfeiçoadas a partir de inúmeras combinações introduzidas pelo processo de colonização de portugueses e espanhóis. Estes adaptaram e organizaram
as formas mais adequadas de construir no novo
território4. Tendo uma matéria prima abundante,
as técnicas em terra crua se disseminaram por
todo o território americano. Assim se formou um
vasto acervo histórico-cultural constituído por
edificações com matriz estrutural de terra até o
início do século XIX.
No Brasil, a terra permaneceu e se desenvolveu
quando e onde sua utilização se adaptou pela experiência com solo e clima. Assim, formam parte
do patrimônio brasileiro, das casas paulistas de
taipa de pilão ao longo dos caminhos bandeiristas,
até Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, onde a taipa
de pilão introduzida foi substituída pelo pau-a-pique ou adobe e/ou perdeu sua função estrutural,
combinando-se com estruturas de madeira. Foi de
pau-a-pique o primeiro muro na cidade de Salvador,
na Bahia, para defesa contra os índios. Inúmeros
monumentos com essa tecnologia são encontrados
nas cidades coloniais brasileiras. As igrejas e casas
de Ouro Preto e Diamantina, em Minas Gerais, as
fortificações militares em Recife, Pernambuco, as
fazendas de café do Vale do Paraíba, São Paulo, e
em tantas outras cidades brasileiras.
Porém, num contexto mundial, a industrialização da construção e os avanços tecnológicos
determinaram o declínio das técnicas5. O valor e
a extensão do patrimônio edificado em arquitetura com terra foi sistematicamente ignorado e ocul-
14
tado por quase todas as disciplinas que envolvem
a arte e a arquitetura.
Desta maneira, é sabido que 16 dos monumentos mundiais inclusos na “Lista dos 100 monumentos em perigo” do World Monument Watch são
feitos em terra; 10% da “Lista do patrimônio cultural da humanidade” da Unesco é construído em
terra; e que 56 % da “ Lista do patrimônio cultural
em perigo” do World Heritage Centre consiste em
locais de arquitetura de terra.
Enquanto isso, no Brasil, a herança construtiva
cultural em terra crua permaneceu somente pelo
interior do país. Na prática do povo rural e de áreas
periféricas as grandes cidades as técnicas do pau-a-pique e adobe são encontrados em habitações
populares, tanto por seu conhecimento quanto
pela facilidade de execução. Estas são adotadas
como solução de emergência ou sobrevivência, em
sua maioria no contexto da pobreza. Perdurando
até hoje em municípios como o de Itinga, no Vale
do Jequitinhonha.
No século XX, essa situação começaria a mudar
no Brasil. Através do movimento moderno é despertado o interesse de arquitetos e outros intelectuais pelas técnicas construtivas em terra crua
numa busca de valores de identidade cultural.
A partir dos anos 1930, iniciam uma série de
propostas, a partir das raízes e das memórias. Estas
buscam racionalizar a tradição popular brasileira
de construção em terra crua e assim derivam novas
técnicas. Tal interesse condiz com a preocupação,
de um lado, com o problema da habitação popular,
e do outro com a aderência do projeto de moradia
às condições humanas, sociais e climáticas do país.
Entre estas propostas se destacam:
- As casas de “barro armado” para a Vila Operária de Monlevade (Sabará) em 1936 de Lúcio
Costa, num implícito primeiro esforço de adaptação
entre técnicas populares e processos racionalizados. Assim, estabelecendo um sistema misto entre
pau-a-pique e o concreto armado.
Evitar os inconvenientes, difíceis sempre de
remediar, dos delineamentos rígidos ou pouco
maleáveis, procurando, pelo contrário, aquele
delineamento que se apresentasse como mais
elástico, tornando assim fácil sua adaptação,
conveniente às particularidades topográficas
locais; reduzir ao mínimo estritamente necessário as despesas com movimentos de terra que,
supérfluo se torna frisar, tanto poderiam encarecer o custo global da obra; prejudicar o menos
possível a beleza natural do lugar a que se refere,
muito a propósito, o programa. Tais requisitos
aconselham, de maneira inequívoca, a adoção
do sistema construtivo há cerca de vinte anos
preconizado por Le Corbusier e P. Jeanneret, e
já hoje por assim dizer incorporado como um
dos princípios fundamentais da arquitetura
moderna - os pilotis: não se estará mais à frente
ou atrás da casa, mas sob a casa. (COSTA, 1936).
- O início das pesquisas da tecnologia em solo
cimento em 1935 até as construções em solo-cimento promovida pela Associação Brasileira de
Cimento Portland, nos anos 40. A primeira construção em solo cimento foi a casa de bomba do
Aeroporto de Santarém em 1945.
- As intervenções em sítios unindo o uso bruto
do artesanato vernacular do adobe e da palha com
singela geometria da planta funcional da Casa
Cirrel, de Lina Bo Bardi em 1958.
- A iniciativa exemplar do projeto da comunidade de Cajueiro Seco em Pernambuco do arquiteto Acácio Gil Borsoi de 1963. No qual, racionaliza e pré-fabrica o processo construtivo do
pau-a-pique e o sistema de auto-gestão no canteiro
de obras. Assim, aprofunda o tema da pré-fabrica-
ção, extremamente debatido na época, adaptando-o a uma técnica popular:
No uso da madeira em uma casa de taipa (barro-armado), construída segundo a maneira
tradicional, verificamos que racionalizando a
fabricação dos entrelaços e subdividindo a
madeira empregada dando-lhe melhor aproveitamento, chegar-se-ia à duplicação da área
vedada, com o emprego da mesma quantidade
de material, dando, assim, maior rendimento.
A fabricação em série de poucos tipos de painéis,
permitiria uma variada e fácil, dentro das disponibilidades econômicas e do interesse de
cada família.[...] Essa experiência evidenciou
a necessidade sempre maior da pesquisa de
soluções locais com a utilização de materiais
também locais e traduziu, de certa forma, o
problema nos apresentado quando de sua experiência em reabilitação de núcleos de população de baixa renda, onde não obstante existem
tijolos à disposição para a construção de casas,
a população não consegue utilizá-los por completo desconhecimento em relação ao sistema
construtivo (fio de prumo, andaime, nível,
amarração dos tijolos). A taipa, por seu turno,
permite o emprego da mão-de-obra de toda a
família- o homem arma a casa, a mulher e as
crianças tecem e vedam com o barro as paredes.
(BORSOI apud SOUZA, 2010)
- O protótipo de habitações transitórias, do
arquiteto Paulo Magalhães, 1965-1967, em placas
pré-moldadas de um concreto fibroso, resultado
de um de um agregado de cimento, terra e fibra
vegetal (no caso, cascalho do campo e canela de
ema), armado com bambu. A pesquisa foi abandonada com a constituição do BNH.
- A síntese das pesquisas de Lina Bo Bardi sobre
o pré-artesanato nordestino realizado na década
15
Figura 5. Painel pré-moldado do projeto
da comunidade de Cajueiro Seco, PE.
Fonte: SOUZA, 2010.
Figura 6. Protótipo de habitação rural
em Brasilândia, Distrito Federal de 1967.
Fonte: SILVEIRA, 1982.
de 60 e a na transição do popular em indústria
moderna revelam o contato da arquiteta com o
contexto local no projeto habitacional em Camurupim de1975 em Sergipe. Neste o uso da taipa em
pré-moldados não portantes com aplicação de
barro, cimento e capim. A arquiteta previa para a
construção a participação coletiva na produção do
canteiro que abarcava também a fabricação mobiliários e a utilização dos materiais da região. Há
três tipologias que são desenvolvidos que se destinam a uma “família-tipo” (pais, 5 filhos e criança
recém-nascida), mas as suas soluções estruturais
e materiais são semelhantes.
- O desenvolvimento do sistema de construção
de paredes monolíticas de solo-cimento pelo Centro
de Pesquisas e Desenvolvimento do Estado da Bahia
(Ceped), no âmbito do projeto Thaba. Teve como
premissas a utilização de materiais de fácil obtenção com um sistema construtivo razoavelmente
simples e com mínimo investimento. Destaca-se
sua aplicação em habitações populares e construções escolares pelo mesmo.
A partir dos anos 1970, o reconhecimento do
significado de patrimônio cultural se torna cada
vez mais claro e abrangente através das conferências internacionais e documentos produzidos.
Assim como na mesma época se iniciam os debates
e conferências mundiais sobre o meio ambiente6.
Sendo ambos os assuntos resultados do trabalho
conjunto realizado pelo ser humano e pela natureza, formam um patrimônio comum: o natural e
o arquitetônico arqueológico. A designação destes
exige assim, um cuidadoso equilíbrio em relação
ao homem e com a natureza.
Nos anos 1980 a repercussão destas ideias
ganha alcance e sua perspectiva é compreendida
através de reflexos no campo de pesquisa e experimentação na produção de sistemas construtivos
16
em terra crua7. Assim, a investigação e o conhecimento científico de arquitetura em terra avançaram de maneira considerável.
Junto a isso, no Brasil, a reavaliação da arquitetura moderna e de seus resultados, a crítica crescente à internacionalização dos métodos e das
técnicas de projeto também à crise econômica e
energética mundial. A confirmação veio do grande
interesse entre jovens arquitetos e estudantes das
faculdades de arquitetura pela pequena “versão
brasileira” da exposição “arquitetura de terra”,
organizada pelo Centre Georges Pompidou de Paris.
A exposição realizada no MAM Museu de Arte
Moderna no Rio de Janeiro e no MASP Museu de
Arte em São Paulo, apresentou trabalhos e experiências de arquitetos como Lúcio Costa (Vila Monlevade/MG,1936), Acássio Borsoi (Cajueiro Seco/
PE,1963), Zanine Caldas (residência/BA,1977),
Cydno Silveira e Amélia Gama (residência em
Búzios/RJ,1984), entre outros (DEL BRENNA, 1982)8.
No século XXI, em decorrência de problemas
sociais e ambientais, o uso da terra como elemento construtivo retorna como grande ator no cenário
da sustentabilidade. Esta se insere no campo de
investigações de materiais e técnicas construtivas
do passado recente que se dedicam à produção do
ambiente construído de baixo impacto com o ambiente natural. As construções em terra crua são
caracterizadas por baixos índices de consumo
energético e emissão de carbono, além do controle de umidade e constante nível térmico. (TORGAL;
JALALI, 2010.)
Hoje, cerca de um terço da população mundial9
vive em construções de taipa, tijolos de abobe, de
tabique ou de blocos de terra comprimida. Modestas ou monumentais, estas arquiteturas estão pr
sentes em 190 países10 e testemunham uma qualidade de inovações técnicas que aliam estreitamen-
te saber-fazer e arquitetura. (CRATerre, 2011)
Assim, a produção e o uso da arquitetura contemporânea de terra no Brasil se concentra nos
aspectos do patrimônio cultural e da sustentabilidade da construção, que englobam:
- reconhecimento perante os sistemas construtivos mais primitivos como tecnologia durável
relacionada com conservação e restauro do patrimônio arquitetônico cultural;
- com as pesquisas orientadas à otimização de
suas características técnicos construtivos, à luz da
engenharia moderna;
- através da bioarquitetura11, a arquitetura de
terra forma um conjunto sistêmico de possibilidades de técnicas. Agregado a investigações de materiais de baixo custo, é matéria em abundância,
por em sua fabricação consumir menos energia,
entre outros motivos.
5. Panorama América Latina
No contexto da produção brasileira, tanto por pertencerem à tradição da construção quanto por oferecerem novas possibilidades de execução e bons
resultados, foram escolhidas as seguintes técnicas
para representar a produção brasileira em terra
crua: a taipa, o adobe e o pau-a-pique pela cultura
construtivas remanescentes; os blocos de terra
comprimida pelas inúmeras pesquisas encontradas
e por sua potencialidade no mercado; e o super-adobe por se difundir através da bio-arquitetura.
Em função destas cinco técnicas construtivas,
foram analisadas obras construídas a partir de um
exemplar representativo brasileiro junto a comparação de 3 a 6 obras selecionadas que correspondem: ao contexto em que se inserem, às variantes da técnica e que tenha variantes culturais
na América Latina. Os potenciais de cada técnica
foram explorados no âmbito de seu modelo de
execução, local e contexto em que estão inseridas,
buscando entender como respondem a diferentes
situações de uso. A análise levou em conta o possível desenvolvimento tecnológico da técnica construtiva, incluindo também as formas técnicas de
execução e associação a outros materiais.
Com isso, apresentou-se a diversidade das
formas arquitetônicas em terra crua, o estado de
sua arte correspondente às condições peculiares
do meio social, cultural e econômico, geográfico e
climático. Assim, foi possível ter uma aproximação
sobre o estado da arte das construções em terra
crua e como esta vem sendo utilizada nos últimos
30 anos.
6. Conclusão
Na pesquisa, foram encontrados inúmeros estudos
técnicos sobre a matéria e seu potencial construtivo, porém estes não tinham aplicação prática ou
referências além do protótipo. O mesmo fato ocorre
com cartilhas e algumas publicações sobre as técnicas construtivas que abordam o potencial tipológico muito brevemente. Muitas informações sobre
as obras foram encontradas nos sites dos autores
e boletins arquitetônicos online, mostrando-se uma
grande ferramenta de busca e propagação dos
sistemas construtivos.
A importância da preservação do saber construtivo tradicional brasileiro não se destaca apenas
por seu valor histórico e cultural, mas também
pela potencialidade construtiva desta na produção
arquitetônica atual. Muito mais do que uma ideologia, a escolha do material está estreitamente
relacionada ao meio ambiente em que se insere a
17
obra. Esta relação conduz a uma análise das disponibilidades materiais encontradas no local, ao
clima, e ao uso desejado.
As tipologias arquitetônicas possuem muitas
variantes desde obras com expressões mais orgânicas a linhas modernistas e contemporâneas,
atende a vários gostos de projetos populares a alto
padrão. É importante ressaltar que a forma está
atrelada a uma consciência sobre as propriedades
físicas da terra. Ou seja, as tipologias correspondem
aos trabalhos de compressão da estrutura.
Durante a pesquisa, foram encontrados poucos
registros sobre a quantidade de matéria prima, a
terra crua, utilizada para nas construções, tampouco, informações sobre o local de onde veio a
terra utilizada e o que aconteceu com este espaço
após a retirada da terra. Ou ainda que tipo de solo
foi utilizado na construção. O registro destas informações é essencial, pois a execução da obra
começa muito antes de sua fundação. A importância destes fatores pode ser crucial para condicionar
a escolha da técnica construtiva mais apropriada
que condiciona a qualidade arquitetônica da obra.
De certa forma é possível dizer que o saber construtivo ainda está em meios empíricos e se mantém
com aqueles que sabem construir.
A escolha do sistema construtivo é geralmente
associada muito mais ao clima pela capacidade
térmica do material do que por sua função estrutural. A terra crua tem grande inércia térmica,
proporcionando conforto ótimo para climas extremos. Nas regiões onde são mais utilizadas, absorvem o calor do sol e mantém a temperatura interna
amena ao longo do dia e da noite. Em climas frios
o calor deve vir de aquecimentos artificiais dentro
das construções. Ou seja, é coerente seu uso em
climas muito quentes ou muito frias e também em
regiões cuja variação térmica é muito grande.
Já o fator da espessura de parede está integrado ao espaço construído. Nesta análise foi possível
observar a qualidade espacial gerada pelas técnicas. Assim, é possível afirmar que o esforço utilizado para construção de espaços muito pequenos
com paredes muito grossas não é justificável. A
beleza destas paredes está, também, em percebê-las no espaço.
O valor intrínseco da terra viabiliza formas de
trabalho em sociedade. Este torna a construção
mais próxima da população, pois as técnicas não
necessitam de mão de obra especializada. O aprendizado é facilmente difundido, e neste são relevantes as ações participativas de construção não
só de uma técnica, mas também de um saber.
Mesmo assim, não foram encontradas informações
18
sobre mão de obra especializada utilizada em construções de grande porte.
Ademais, é notável como a compreensão estrutural da matéria condiciona o desenvolvimento da técnica. A associação à tecnologia e à indústria são de grande importância em sua inserção
no contexto atual, pois promove a utilização destas
novas tecnologias no mercado da construção. Os
processos mecanizados, mesmo consumindo mais
matriz energética que os métodos tradicionais,
continuam sendo uma construção mais vantajosa
que as técnicas construtivas convencionais.
Sendo assim, é possível concluir que o cenário
da produção atual em terra crua pode ser classificado em três frentes: 1) produção individual por
iniciativa própria e desenvolvimento junto à permacultura e a sustentabilidade; 2) iniciativas sociais
tanto por incentivo de organizações não governamentais quanto governamentais, principalmente
na produção de habitação, que desenvolvem trabalho participativo com comunidades, multas vezes
em mutirão; 3- através de empresas fazendo incorporações que ainda têm pouco espaço no
mercado, mas promovem a padronização dos elementos construtivos em terra crua. Esta última
ainda não tem, no Brasil, desenvolvimento suficiente para que os sistemas de terra crua sejam
vistos como alternativas plausíveis para a população em geral, e seu avanço pode alicerçar o desenvolvimento das outras duas frentes.
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Notas
1. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela
Escola da Cidade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (2012) e especialização em Gestão de Restauro
e Prática de Obras de Conservação e Restauro do Patrimônio Cultural pelo Centro de Estudos Avançados
da Conservação Integrada CECI, do Departamento de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de
Pernambuco - UFPE (2014). Atualmente é bolsista do
Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio
Cultural (PEP/MP), do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional - IPHAN.
2. Aproximadamente 50 cm abaixo do nível do solo.
3. Existem indícios de construção de mais de 10 mil
anos (MINKE, 2008).
4. Estas constituem grande parte da arquitetura colonial.
5. Pois, a terra possui características muito específicas
que variam de acordo com os processos físico-químicos
de sua formação.
6. Como exemplo destes, em 1972, a Unesco realizou
uma convenção sobre a Proteção Mundial Cultural e
Natural, procurando identificar a Lista de Patrimônio
Mundial que corresponde aos valores defendidos.
7. A partir dos promissores resultados obtidos do comportamento da mistura de terra com cimento, também
foram desenvolvidas investigações sobre o uso do solo
junto a químicos para a fabricação de tijolos e blocos
comprimidos de terra.
8. A exposição, promovida pelo Centro Cultural Francês
do Rio de Janeiro, pelo IAB e pelo SPHAN foi em seguida
apresentada pela UFRJ, na Universidade Santa Úrsula
no C.E.P. de Belo Horizonte e no Museu de Ciência e Tecnologia de Salvador.
9. Alguns autores (DETHIER; ZBINDEN, 1986; Genta,
[s.d.]; MINKE, 2008) se referem a quase 50% da população. Contudo, estas referências estão cronologicamente defasadas entre si. Portanto não é possível afirmar
como essa percentagem se alterou com o tempo.
10. Sem que se possa afirmar uma relação direta entre
estes países.
11. Termo utilizado para se referir a construções onde a
preocupação ecológica está presente desde sua concepção até sua ocupação.
19
Arquitetura, técnica
e contexto: o canteiro
e a produção habitacional
no Brasil (1960-1990)
Architecture, technique and
context: the construction site
and housing production in
Brazil (1960-1990)
Arquitectura, técnica
y contexto: el sitio de
construcción y la producción
de viviendas en Brasil
(1960-1990)
A pesquisa aqui apresentada
buscou analisar os processos de
racionalização da construção civil
no campo da habitação social no
Brasil, da década de 1960 até
meados da década de 1990. Em
função do interesse em analisar as
possibilidades de síntese entre as
técnicas e os sistemas construtivos
populares, os materiais locais e os
processos de racionalização da
construção, adotamos uma perspectiva historiográfica capaz de
situar criticamente o conjunto de
projetos estudados. Buscamos, com
isso, entender como os processos
de racionalização da técnica
popular podem levar à produção
de modelos habitacionais coerentes
com os contextos onde estão inseridos. A estrutura geral do trabalho
ancora-se em dois períodos de
análise. Primeiro, entre as décadas
de 1960 e 1980, foram analisados
projetos de cinco arquitetos brasileiros – sendo um deles o trio Arquitetura Nova – sob enfoque do
contexto histórico e das obras e
projetos representativos para o
objeto de pesquisa. No segundo
período, entre 1980 e 1990, três
projetos foram escolhidos a partir
da análise da mudança na produção habitacional, enfatizando possíveis rupturas e continuidades
quanto às formas de gestão do canteiro de obras e meios construtivos
da casa popular.
The research presented in this
article sought to study the process
of rationalization of construction
systems in the social housing field
in Brazil, from early 60’s to middle
90’s. Interested in analyzing the
possibilities of synthesis between
popular techniques, construction
systems, local materials and rationalization processes we embraced
a historiographic perspective in
order to scrutinize the object from
a critical point of view. The hypothesis, therefore, was to understand
how the processes of rationalization
of popular technique can provide
a housing production coherent with
the context where it is placed. The
research’s structure is based on the
division in two periods of analysis.
The first between 1960 to 1980,
where five Brazilian architects
were studied – trio Arquitetura
Nova being one of them – focusing
on historical context, buildings and
projects relevant for the object
studied. In the second period,
between the 80’s and the 90’s, three
projects were chosen as to show a
change in housing production, highlighting possible ruptures and continuities concerning the management of construction site and
constructive techniques used for
social housing.
La investigación aquí presentada
pretendió analizar los procesos de
racionalización de la construcción
civil en el área de la habitación social
en Brasil, desde la década de 1960
hasta la mitad de la década de 1990.
En razón del interés analizar las
posibilidades de integración entre
las técnicas y los sistemas constructivos populares, los materiales
locales y los procesos de racionalización de la construcción, elegimos
una perspectiva historiográfica que
pudiese situar de forma crítica el
conjunto de proyectos a estudiar.
Intentamos con esta propuesta comprehender de qué forma los procesos de racionalización de la técnica
popular pueden resultar en la producción de modelos de habitación
en conformidad con el contexto en
el cual están insertados. La estructura general del estudio se fundamenta así en dos etapas de analices.
En primer lugar, entre las décadas
de 1960 hasta 1980, han sido analizados proyectos de cinco arquitectos
de Brasil – entre ellos en el trío Arquitetura Nova – a partir del énfasis
en el contexto histórico y de las
obras y proyectos importantes para
la investigación. Del segundo
período, desde 1980 hasta 1990, se
eligió tres proyectos desde el punto
de vista del cambio en la producción
habitacional, destacando las posibles rupturas y continuidades en
relación a la administración del sitio
de construcción y los medios constructivos de la vivienda popular.
Jonas de Campos Azevedo1
Orientadora: Profa. Dra. Joana Mello
Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2011-2012
com financiamento do Núcleo de Pesquisa da Escola da Cidade
Palavras-chave: Arquitetura brasileira, técnica, habitação social.
Keywords: Brazilian architecture,
technique, social housing.
Palavras-clave : Arquitetura brasileña, técnica, vivienda social.
20
21
Figura 1. O primeiro protótipo de
Villà – a “casinha da Unicamp”
Fonte: VILLÀ, 2005.
1.Mosaico de cacos: a arquitetura brasileira
entre o canteiro e a prancheta
Esta pesquisa nasceu do interesse em investigar a
relação íntima entre arquitetura e construção. No
limite, verificar as possibilidades da arquitetura
como construção. A fratura entre o “pensar” e o
“fazer” – patologia instalada na maioria das escolas
de arquitetura do país – foi tomada como uma
questão estrutural para esta pesquisa, um “vício
de origem”. Desta perspectiva, lançamos algumas
hipóteses que determinaram o objeto da pesquisa
e uma metodologia guiada pelo estudo de um grupo
de arquitetos brasileiros atuantes entre as décadas
de 1960 e 1990. Retomando o material acumulado
e decantando algumas reflexões, é possível entender o leitmotiv da pesquisa. O ânimo de correr o
risco em um território teórico novo fez pontes
entre arquitetos que, de nosso ponto de vista,
tinham inúmeras aproximações. A pesquisa,
porém, não caminhou no sentido da compreensão
autoral das obras estudadas, isto é, não interessava buscar um leque de afinidades eletivas dentro
de um “grupo”, mas em compreender o contexto
mais abrangente da arquitetura brasileira que, a
partir dos anos 1960, seria capaz de criar alternativas de inserção do arquiteto no canteiro de obras.
O ponto de partida da análise foi a arquitetura
brasileira na cena nacional-desenvolvimentista,
momento em que a construção da nova capital
representava um ícone da “nova arquitetura”.
Olhados à contrapelo, os anos JK mostram frestas
de um país arcaico, empacado numa dialética truncada, muito bem definida pelo sociólogo Francisco
de Oliveira: “introduzindo relações novas no
arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo”
(OLIVEIRA, 2003, p.60). O argumento de Oliveira
permitiu situar o objeto da pesquisa de um ponto
22
de vista mais amplo. O tema da habitação e da
autoconstrução, vale a nota, foi também objeto das
pesquisas do sociólogo pernambucano juntamente com Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèvre e Mayumi de
Souza Lima. A escolha de uma geração de arquitetos brasileiros não poderia ser, portanto, “casual”.
É lastreada em boa medida pelas pautas do SHRU
- Seminários de Habitação e Reforma Urbana,
criado em 1963, culminando, com o golpe militar
no ano seguinte, para uma bifurcação – “cisão
e comprometimento”.
A nata da arquitetura brasileira participa do
Seminário de 1963: Vilanova Artigas, Joaquim
Guedes (coordenador), Acácio Gil Borsói, Sérgio
Ferro, Rodrigo Lefèvre, Eduardo Kneese de Mello,
Lina Bo Bardi, entre outros. Um setor parece mais
afinado à “grande industrialização” prometida pelo
projeto nacional-desenvolvimentista. Por outro
lado, trajetórias que escaparam às formulas arquitetônicas mais ortodoxas começavam a pensar por
um outro viés o tema da moradia e dos meios construtivos arraigados. O quadro político a partir de
1964 não deixava brechas, instaurando no BNH
um sistema estatal centralizador, de caráter retrógrado e autoritário para o exercício da profissão.
Cisão e comprometimento formam um par cuja
síntese é difícil de ser tratada como um “modelo
teórico”. A ruptura de 1964 desarticula o projeto
nacional de industrialização da construção, conforme pensado pelo “grupo de 1963”, gerando a
partir daí um nexo tenso na relação entre arquitetura e Estado. A síntese difícil desse par se refere,
primeiro, aos arquitetos que se mantem diretamente atrelados a administração pública, mas vão
de alguma forma criar mecanismos de projeto que
ecoam os sistemas industrializados. São exemplares neste sentido o canteiro experimental de Narandiba, à cargo da construtora Alfredo Mathias,
e o Conjunto Zezinho Magalhães Prado, o Parque
CECAP de Artigas, que mesmo construídos através
de sistemas construtivos tradicionais, apontavam
no grau de detalhamento do projeto a crença na
industrialização da arquitetura.
Por outro lado, esta síntese não fecha um círculo
homogêneo entre os arquitetos remanescentes de
1963. A cisão do golpe deflagra o comprometimento em torno das grandes pautas do SHRU – sobretudo o tema da habitação e dos sistemas de racionalização da construção. Um “mosaico de cacos”,
por outra via, se forma a partir de arquitetos que
escapam aos meios ortodoxos vinculados as demandas estatais. Claramente focados em pensar/construir uma arquitetura contextualizada a partir do
canteiro de obras, dos materiais, dos trabalhadores
– evocando deles inclusive formas lúdicas de cooperativas autônomas – articula-se, a partir de uma
nova geração, o questionamento do próprio ofício.
A partir dos escritos, obras e projetos dos cinco
arquitetos referenciais da pesquisa – sendo um
deles o trio Arquitetura Nova – não cogitamos em
nenhum momento que esta “outra arquitetura”
pudesse formar uma unidade homogênea. Ao contrário, a diversidade de propostas formuladas
apontava para uma síntese possível entre processos de industrialização e a racionalização das técnicas construtivas populares. O “canteiro-escola”
de Rodrigo Lèfevre; os “mocambeiros” de Cajueiro
Seco; a arquitetura da caatinga, desenhada por
Joaquim Guedes em Caraíba; os estudos exaustivos
de Lina Bo Bardi sobre a técnica artesanal no Nordeste; e as fábricas de “invenção tecnológica” de
Lelé, todos se opõem, a partir de 1964, ao projeto
tecnológico e habitacional do BNH.
Este vínculo “intelectual” entre as obras de Lina
Bo Bardi, Joaquim Guedes, Acácio Gil Borsói, o
grupo Arquitetura Nova e Lelé, porém, não é tarefa
fácil. Muitas vezes vistos como “feudos”, suas obras
esbarram em ideologias que parecem obstruir relações recíprocas de uma geração de arquitetos que
buscou alternativas aos entraves da industrialização brasileira. Conforme o ângulo de análise, este
“grupo” forma duplas ou trios, uns se aproximam,
outros se afastam. Quando mudamos nossa lente
de análise, encontramos, sob o aspecto da arquitetura construtiva, paralelos e divergências entre os
projetos. Não existe uma “fórmula explicativa”,
tampouco um vínculo consensual, mas parece claro
um certo afastamento desses arquitetos em relação
à ortodoxia do movimento moderno – sua arquitetura desenvolvimentista – e um certo “mal-estar”
com uma arquitetura do desenho industrial distante das condições reais de sua produção.
Parecia tentador compreender este mosaico,
ainda que correndo o risco de um estilhaçamento.
A justificativa, insisto, não é de assumir um caráter
autoral ou monográfico, mas uma hipótese sobre
uma certa arquitetura construtiva que, a partir de
Brasília, olha para os fluxos migratórios chegando
aos grandes centros urbanos e, deles, repensa o
fazer arquitetônico. Os anos 1960 e 1970 escancaram o tema do trabalhador, dos migrantes da seca
que chegam ao centro-sul como peões da construção civil2. Esta realidade é percebida por esse
“grupo” de arquitetos que, em diferentes contextos,
buscam alternativas de inserção da cultura popular
no campo construtivo da arquitetura. Esta foi uma
das gratas descobertas da pesquisa que, reunindo
trechos de entrevistas, fotografias, filmes etc, revelava o peso dado por estes arquitetos ao tema
do trabalho e do trabalhador. O sertanejo que
manuseia as técnicas artesanais foi objeto dos
estudos da arquiteta Lina Bo Bardi, e era a base
do país moderno. Para Acácio Gil Borsói e para
Joaquim Guedes não foram menos importantes. O
23
“homem da caatinga” para Guedes ou os “mocambeiros” de Cajueiro Seco, para Borsói, foram
tomados como herdeiros da boa tradição, a partir
da qual deveria nascer a nova arquitetura que,
assim, aproveitaria as virtudes técnicas e espaciais
da casa brasileira.
Lelé é o arquiteto mais arraigado aos caminhos
da industrialização da construção. Desde a criação
do CEPLAN, em Brasília, com Darcy Ribeiro, até a
pequena Fábrica de Abadiania, no interior de Goiás,
passamos a lente sobre projetos e entrevistas que
rechaçam o senso-comum da assepsia técnica. Pelo
contrário, as fábricas de Lelé são indutoras de
criação e transferência tecnológica, e, nos casos
específicos estudados3, criticam duramente a ortodoxia técnica, priorizando na fábrica e no canteiro sistemas cooperativos de trabalho. É o trabalho e o trabalhador, a inserção do arquiteto no
canteiro de obras e o seu papel mediador, que
aproxima e, ao mesmo tempo, distancia Lelé do
trio Arquitetura Nova. Para Sérgio Ferro, Rodrigo
Lefèfre e Flávio Império o protótipo da casa popular
brasileira deveria vir dos processos de racionalização da manufatura, do emprego de uma materialidade – linguagem – corrente, capaz de sintetizar as técnicas construtivas populares. Não é,
porém, uma racionalização construtiva per se, mas
um novo programa para arquitetura brasileira,
uma estética chamada “poética da economia”:
Assim é que do mínimo útil, do mínimo construtivo e do mínimo didático necessários,
tiramos as bases de uma nova estética que poderíamos chamar de poética da economia, do
absolutamente indispensável, da eliminação
de todo supérfluo, da economia de meios para
formulação da nova linguagem, para nós, inteiramente estabelecida nas bases da nossa
realidade histórica. [FERRO; LEFÈVRE apud
KOURY, 2003, p.61]
A poética da economia, porém, não se confunde com apologia ao miserabilismo. É uma crítica
aos processos de produção proto-industriais e aos
meios de coerção do trabalho no canteiro. O mínimo
útil, o mínimo construtivo e o mínimo didático
deveriam dar conta de ensinar a construir, por
meio de sucessivos ensaios, a moradia popular do
país. Os ecos da Arquitetura Nova são flagrados,
por um outro viés, na obra de Lina Bo Bardi, sobretudo nos projetos da década de 1970 e início
dos anos 80 onde parece clara a sua postura de
“projetar in loco”, assumindo os riscos e apostando
na poética da mãos e materiais no canteiro. A
pequena cooperativa rural de Camurupim, em
Propiá, Sergipe, e a Igreja Espírito Santo do Cerrado,
24
em Uberlândia, foram as obras estudadas.
O ensaio dos processos construtivos, a opção
pelo material mais racional àquele contexto e o
caráter didático na relação entre arquiteto e trabalhador são indícios de uma “arquitetura feita
por dentro”. O diálogo com a cultura popular,
guardiã de um “saber fazer”, sustenta a hipótese
de uma nova arquitetura. No caso do “canteiro-escola” de Rodrigo Lefèvre a mediação com o popular
ocorre olhando para a realidade do migrante que
chega na metrópole e precisa entrar no sistema
produtivo. A proposta do arquiteto é verificar o
contexto de adaptação deste migrante à periferia
da grande cidade, apontando na direção de uma
arquitetura baseada na racionalização da técnica
popular. Para Lina a hipótese de um “ateliê-canteiro” indica, por outro lado, uma matriz de racionalidade do fazer popular, fruto da necessidade na
economia de meios e materiais para construção da
casa. Neste sentido, ambos buscam que o trabalhador se aproprie da tecnologia, numa arquitetura
mais voltada aos meios de produção e às possibilidades criativas intrínsecas ao canteiro de obras.
As cinco trajetórias estudadas na primeira parte
da pesquisa – de 1960 a 1980 – parecem formar
um trançado difícil de costurar, porém muito rico
do ponto de vista das relações semânticas e dos
programas para a arquitetura brasileira. Impossível não apontar a distância das fábricas de Lelé,
sua industrialização leve em argamassa armada,
das demais experiências. O lugar, a escala, os meios
construtivos não ortodoxos e os sistemas de cooperação, porém, fazem a ponte com experiências
tão “frágeis” quanto encantadoras como Cajueiro
Seco. “Frágil” no sentido mais humano do termo,
como também parecem ser as casas de platibanda
caiada de Caraíba, desenhadas por Joaquim Guedes.
A “cidade aberta”, como se referia Guedes sobre o
projeto, constitui o caso “particular” da pesquisa.
Joaquim Guedes não deixa rastros participativos
no canteiro de obras. Por outro lado, atua como
um interprete do lugar, tem nexos evidentes com
Lina ao abordar o “desenho antropológico da casa”
(GUEDES, 1981), relê as casas do sertão com a
mesma delicadeza e inteligência de Borsói.
Como se vê não há frestas aqui para os “ismos”
das correntes arquitetônicas ou formas de classificação. O nosso interesse foi outro. A proposta
inicial de uma pesquisa sobre o próprio objeto-ofício da profissão – desenhar/construir – levou a
uma metodologia ancorada na história. Em última
análise passa a ser o “sentido da formação”
(ARANTES; ARANTES, 1997) o produto do mosaico
de arquiteturas estudadas entre as décadas de 1960
Figura 2. Associação por Moradia de Osasco
– COPROMO: modulação, racionalização
e industrialização. Um salto possível?
Fonte: foto do autor, 2009.
e 1980. Parece menos importante neste sentido as
pequenas trincas ao invés da análise historiográfica dos escritos, projetos e obras que levam à
formação de “outras arquiteturas” entrelaçadas,
considerando o contexto de formação da nova
arquitetura. Este é o ponto de chegada. Em que
medida os cinco arquitetos referenciais da pesquisa ajudam a ver continuidades e rupturas no
período seguinte – anos 80 e 90? Três projetos
foram escolhidos neste segundo período, buscando manter os nexos com o objeto da pesquisa – a
habitação, os processos de racionalização da construção, a técnica popular, o papel mediador do
arquiteto. A história, porém, parece guiar os caminhos alheios à arquitetura. Discutimos através das
utopias da realidade e das vanguardas da periferia
as imbricações da história.
2. Utopias da realidade
Se é verdade que a história, aqui, é antes um “processo” para se chegar ao objeto de estudo, então a
metáfora de Carlo Ginzburg parece oportuna ao
buscar o “fio e os rastros” do tempo (GINZBURG,
2007). A engrenagem de dois períodos de estudo,
a princípio bastante simplificada em “continuidades e rupturas”, não deixa passar o “detalhe revelador” nem as “raízes” a que se refere Ginzburg.
Era no prumo de um outro fazer arquitetônico,
um fazer que acreditava na inserção do arquiteto
no canteiro de obras e na formação dos processos
construtivos em cooperação com o trabalhador,
que a diversidade de trajetórias pesquisadas
parecia construir um sentido notável. Entre 1960
e 1990, impossível não perceber a cisão política
como um marco regulatório da pesquisa, isto é, o
viés contextualista dessa arquitetura precisava ser
decifrado do ponto de vista dos meios de produção
disponíveis, dos órgãos de planejamento, dos fluxos
migratórios etc.
Para além dos embates ideológicos que marcaram este período, procuramos paralelos entre arquitetos que souberam ler os “tempos de chumbo”
através de um exercício crítico da profissão. No
contexto dos anos 60 e 70, todos sabem, não foi
tarefa fácil exercer plenamente a profissão. Muitas
frentes foram abertas para que fosse possível dar
continuidade, ainda que lentamente, à construção
de uma arquitetura fortemente engajada no desenvolvimento do país. Nesta transição agrupamos
certas arquiteturas que, aparentemente distantes
quanto aos meios, se afinam quanto aos fins.
Construir uma nova arquitetura, transversal
ao “Brasil-de-verdade”, nos termos de Lina Bo Bardi,
menos focada no positivismo da nação, mais atenta
à cultura popular. Neste fecho poderíamos especular inúmeros cortes que agrupam a geração pós-Brasília, deixaria, porém, de verificar qual o lugar
de uma arquitetura que buscou projetar somente
depois de entender “como se faz de verdade”. Na
diversidade das arquiteturas pesquisadas, todas se
rendem a este “Brasil-de-verdade”, todas enfrentaram primeiro a realidade de um país dependente, onde não bastaria apenas projetar para indústria,
mas repensar, reinventar a indústria.
É neste sentido que vale a pena reunir ideias
e obras tão diversas. Existia, no ânimo destes arquitetos, uma crítica contundente ao arquiteto que
projeta alheio à realidade. Um posicionamento
diante do contexto local, das possibilidades de uma
nova arquitetura pela via do canteiro de obras. É
em função deste fator comum – projetar a partir
do contexto real – que arriscaria chamar estas
arquiteturas como “utopias da realidade”.
O caráter utópico das arquiteturas estudadas
25
Figura 3. Trabalhadores montam cobertura
com painéis de argamassa armada para
escola-modelo de Abadiania.
Fonte: LATORRACA, 2000.
não está no devaneio, na fuga da realidade, mas
no ânimo de construir uma arquitetura ancorada
nas possibilidades concretas do país. Lina Bo Bardi
e o trio Arquitetura Nova têm trajetórias convergentes neste sentido, pois pensaram, antes, a base
produtiva que daria aporte à nova arquitetura.
Joaquim Guedes e Acácio Gil Borsói trilharam caminhos mais diversos, experimentaram as demandas do mercado, mas deixaram as utopias de Cajueiro Seco e Caraíba, como quem pergunta: Como
se faz arquitetura neste contexto?
Último arquiteto da geração pós-Brasília, Lelé
atravessa essas trajetórias. Do CEPLAN, onde despontava o projeto da “grande industrialização”, à
pequena Fábrica de Abadiânia, no interior de Goiás,
vai dos anseios de uma geração que “pensava o
país” à realidade mais local, possível, à arquitetura construtiva da pequena escala. Este é o sentido
das utopias da realidade que seguem – menor na
escala, porém mais arraigadas ao contexto, mais
afinadas com as comunidades e com o domínio
técnico popular. Um olhar distante poderia dizer
que são esporádicas ou “pontuais”, mas as aproximações revelam de imediato a importância da
apropriação do contexto em cada projeto estudado.
Esta percepção é ainda mais visível nos anos 1980,
quando saltamos dos ensaios construtivos à produção real da habitação popular. Nessa década
continuam sendo utopias porque não são práticas
majoritárias, não representam a massa da produção habitacional. Enfatizam, porém, mais ainda o
sentido concreto daquela arquitetura experimental que, nos anos 60, indicava possibilidades de
“outras arquiteturas”. Nas palavras de Joan Villà
esta trajetória seria “a busca de uma síntese entre
construção e arquitetura, na procura de uma expressão poética brasileira comprometida com as
condições reais do país” (VILLÀ, 2005).
26
Distantes no tempo e no espaço a “geração do
mutirão”, porém, se aproxima de uma certa arquitetura construtiva defendida outrora. Seguem
sendo experimentais na forma de pensar o “fazer”
arquitetônico, na forma de engrenar projeto e
canteiro de obras. Essa engrenagem, porém, cruza
outros dados. Uns mais relativos aos materiais, aos
processos construtivos e às técnica. Outros encaram
a tecnologia como trabalho, explorando o canteiro
de obras como um laboratório experimental para
construção da moradia. Neste particular as utopias
da realidade foram lançadas por Rodrigo Lefèvre
e Guilherme Coelho.
Lefèvre ensaiava na pequena escala a hipótese de um canteiro-escola, uma abóbada cerâmica
que abriga o trabalhador e permite o “fazer-prazer”
no canteiro. Em Vila Nova Cachoeirinha o “arquiteto pau-de-arara” (LIMA, 1989) é o protagonista
deste canteiro, é ele quem faz a síntese entre os
processos industrializados e a linguagem construtiva popular. Talvez o canteiro-escola seja a melhor
tradução dessas utopias da realidade, um norte
indicativo de que a solução para a moradia da
pobreza deveria passar pelas mãos de quem lhe é
de direito.
A liberdade para construir e o processo habitacional controlado pelo usuário eram as premissas defendidas por John Turner (1976). Pesquisando in loco as favelas da América Latina por quase
uma década Turner estruturou uma crítica contundente aos imensos conjuntos habitacionais que
“desenhavam” as periferias das grandes cidades.
Um cerco de favelas que já não escondia a escala
do problema, colocando em xeque a posição do
Estado como provedor da habitação. John Turner
não apontou apenas os erros, também indicou
saídas que passavam pela “pequena escala” tão
cara àquela arquitetura experimental, pensando
Figura 4. A taipa pré-fabricada de Acácio Gil
Borsói em Cajueiro Seco: os caminhos do
design autônomo pensado por Lina em
Salvador em sua síntese mais elementar.
Fonte: SOUZA, 2010.
27
como construir a casa popular apropriando-se de
contextos específicos.
As perguntas iniciais desta pesquisa não colocavam suspeitas sobre a qualidade dos projetos
escolhidos, mas sobre a escala ou o alcance dessas
arquiteturas. Da tese de doutorado de Ana Paula
Koury (2005), de onde retiramos a noção de uma
“arquitetura construtiva”, entendemos a importância de uma revisão profunda na formação do
arquiteto. Nas entrevistas buscamos ver o lugar
desta arquitetura construtiva – arquitetos, engenheiros e trabalhadores da construção civil foram
unanimes ao afirmar que existe uma lacuna imensa
entre o traço no papel e a realidade do canteiro de
obras. A velha dicotomia entre o canteiro e o
desenho, apontada por Sérgio Ferro nos anos 60 e
70, estaria de pé não fossem algumas arquiteturas
que insistem em construir utopias da realidade.
Sobre este aspecto, de fato, a escala da arquitetura experimental “não resolve”. É um farol, um
norte para construção de bairros e cidades menos
segregadas. A questão de fundo, porém, é mais
profunda, pois coloca esta produção como uma
alternativa ao projeto da “grande industrialização”
sufocado na década de 1960. Sobre este ponto de
vista o alcance da arquitetura experimental foi
imenso; se contrapondo aos meios de coerção do
trabalhador da construção civil, pensando um
canteiro que pudesse ser, ao mesmo tempo, ferramenta de invenção de novos processos construtivos
e lugares de inserção de uma classe marginalizada.
3. Vanguardas da periferia
Figura 5. A partir do sistema construtivo
das abóbadas, Lefèvre desenvolve estudos
para processos pré-fabricados.
Fonte: LEFÈVRE, 1981.
28
Para além das utopias, questionávamos, no início
da pesquisa, o lugar desses projetos no contexto
da arquitetura brasileira, isto é, o papel coadjuvante dado aos arquitetos que se dedicaram à
prática construtiva da habitação popular. Esta
impressão parece mais real nos arquitetos do
segundo período, a geração de 1980-1990, onde os
termos da utopia social propaladas desde os anos
60 já estavam desgastados. Era o fim das velhas
ideologias, nos termos de Daniel Bell (1980), mas
não o fim das velhas contradições.
Diante do crescimento vertiginoso das periferias, desde os anos 70, a pesquisa buscou verificar
as alternativas criadas, os caminhos, ainda que
pequenos, que poderiam levar à construção de
modelos habitacionais coerentes com o contexto
do lugar. Foi, portanto, um salto do estágio de
“ensaios”, característicos de alguns arquitetos dos
anos 60 e 70, para condição real das periferias.
Uma transição de concepção entre uma técnica /
um design elementar, estruturadas por arquitetos
que pensaram o quadro produtivo de nossa arquitetura, e as propostas concretas de uma nova arquitetura que conseguiu construir pequenos
trechos de cidades, apontando, junto com as comunidades, um norte.
A chave de ligação entre os dois períodos é uma
visão aguda do país, as vísceras do Brasil-de-verdade. É, reafirmo, o sentido da formação. Se Lina
Bo Bardi e Sérgio Ferro se colocaram como interpretes do Brasil, lendo o calcanhar de Aquiles da
arquitetura desenvolvimentista, nos anos 80 e 90
aparecem arquiteturas engajadas quanto à situação real das periferias brasileiras. Como bem
lembra Francisco de Oliveira (2003), num país que
mais parece um Ornitorrinco – “um gigante com
pés de barro” – as periferias escancaram aquilo
que deveria ser o campo prioritário de nossa arquitetura, uma possibilidade evidente de retomar
um projeto não cumprido.
O tempo curto e o espaço estreito não fizeram
jus, nesta pesquisa, a todos que se dedicaram a
cumprir esse projeto. Uma leitura parcial, talvez,
pois de fato tomamos partido de uma certa arquitetura construtiva – como objeto da pesquisa, e
também como um questionamento do nosso
metier. Foram criados parâmetros, porém, dos
motivos de cada escolha, enfatizando as afinidades
e as “rupturas”, e, sobretudo, que não se trata aqui
de um campo uniforme de arquiteturas nem de
discursos. São escolhas pontuais que representaram, algumas vezes, períodos de cada arquiteto,
quando certos projetos explicam uma dedicação
especial ao tema da moradia popular e dos processos construtivos. Uma trama aberta parece
costurar o objeto em questão: o arquiteto e o canteiro, o arquiteto e o trabalhador, o arquiteto e os
materiais disponíveis etc.
A condição de minoria coloca esta arquitetura
na condição de “utopias da realidade”. Ao entrar
nesta realidade tomando contato com as condições
concretas da periferia, ganham, porém, um “diferencial”. O contexto das periferias – mais ou menos
urbanas – não é apenas objeto de um projeto de
arquitetura, são verdadeiros laboratórios sobre
autoconstrução, sobre os espaços da casa popular,
sobre a técnica, os materiais etc. Sobretudo nos
anos 80 e 90 as condições de enfrentamento do
canteiro de obras foram determinantes para que
a arquitetura experimental saísse da condição de
ideia para ganhar a forma de novos meios de produção habitacional.
Deste ponto de vista mais do que pioneiros
29
síntese difícil entre manufatura e indústria, entre
o braço mecânico e a técnica artesanal. Um sinal
de que as “soluções” poderiam – deveriam? – surgir
de dentro das comunidades, pela capacidade de
transformação das periferias que, levantadas do
chão, conseguem se reconstruir cotidianamente.
Referências Bibliográficas
Figura 6. A Igreja Espírito Santo do Cerrado,
em Uberlândia, de Lina Bo Bardi.
Fonte: FERRAZ; LATORRACA, 1999.
quanto à defesa de uma arquitetura participativa,
são experiências focadas no lugar, no contexto
onde deve ser inserido uma forma particular de
projetar e construir. O canteiro-escola de Rodrigo
Lefèvre respinga, por isso, em outros projetos,
certamente nas obras de Lina, como enfatizamos,
mas também nos inteligentes módulos quadriculados de Cajueiro Seco, dizendo – “monte sua casa”;
uma pedagogia do canteiro que também aconteceu
na pequena fábrica de Abadiânia, de Lelé. Nos anos
80 os sinais de uma arquitetura participativa e
construtiva ganham corpo e espaço; se consolidam
como canteiros de “invenção tecnológica”, ganham
escala, vão para grande periferia.
Se merecem ser tratadas como referenciais
porque quebram determinados paradigmas, portanto também merecem sair da condição de “coadjuvante” citada, ou “arquitetos que fazem casas,
e não pensam na cidade” como dizem certas vozes
duvidosas4. A trajetória desta pesquisa não tinha
apenas o intuito de estabelecer paralelos, mas de
verificar o lugar de fato dessas arquiteturas, o lugar
de vanguardas. Porque vanguardas estão à frente
e quebram paradigmas. É uma hipótese conclusiva
que, já nos primeiros projetos – os casos estudados
até 1980 – indicava os caminhos possíveis de uma
outra arquitetura. Da concepção técnica, afinada
as bases populares ou a “industrialização rudimentar”, como diz Lelé sobre Abadiânia, é possível
rever uma certa “vitrine” da arquitetura brasileira.
Um questionamento sobre vanguardas do
atraso, talvez – não tínhamos as bases tecnológicas
para uma revolução nos modos de produção do
espaço. Mas, incontestavelmente, são arquiteturas
que pensaram como reconstruir as periferias com
os dados do lugar. A escolha deste lugar pode ser
Cajueiro Seco, Osasco, Sergipe, uma “casa ensaio”;
30
diferentes escalas para o mesmo fim, experimentando tecnologias do trabalhador, processos construtivos e materiais “possíveis”, buscando resolver
nessas periferias – ideais ou concretas – a moradia
da pobreza. Vanguardas da periferia em oposição
ao centro conservador, pois na terra arrasada desses
lugares encontravam, como diz Joan Villà, possibilidades da nova arquitetura (ENTREVISTA, 2009).
Dos “tempos de grossura” à uma “arquitetura
mecanizada da terra”, como queriam os arquitetos
dos anos 80 (LOPES, 2012), esta pesquisa foi um
tiro curto na busca por novos caminhos de construção da cidade e da moradia popular. Uma reflexão difícil sobre pensar o que é mais importante – a escala do déficit habitacional, hoje na casa
de 7,2 milhões de unidades, ou arquiteturas experimentais que, na pequena escala, serviriam como
um norte para os programas públicos de habitação?
Uma questão que toca no cerne do problema
da produção em massa de habitação, uma vez que
o problema atual não seria a capacidade produtiva,
mas sim a qualidade do projeto. De outra forma:
se houve algum salto tecnológico – em mecanização
da construção – as velhas contradições do canteiro permanecem. Do que levantamos até aqui, das
arquiteturas mais diversas na escala e no lugar,
temos alguns índices de que bons projetos habitacionais passam, sempre, por uma leitura cuidadosa do contexto, uma análise criteriosa dos usos,
pela ação participativa do usuário.
As arquiteturas da construção, por outra via,
deixaram mostras desse caminho. Justamente
porque não eram apologias da técnica – um dos
erros graves da arquitetura desenvolvimentista –
mas apropriações da técnica, tentativas de inserir
o trabalhador dentro do processo criativo do canteiro de obras. Talvez esse seja um dos dilemas na
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Notas
1. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela
Escola da Cidade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (2012). Atualmente é graduando em Ciências Sociais
na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo.
2. Os documentários da Caravana Farkas, em especial
Viramundo, que trata da situação do migrante no auge
O Banco Nacional de
Habitação (BNH): uma
proposta de revisão
bibliográfica
sa interface.
3. Entre as obras de João Filgeuiras Lima – Lelé – foram
estudados os equipamentos públicos construídos pela
Banco Nacional de vivienda
(BNH): una propuesta de
revisión bibliográfica
Maria Alejandra Bruschi Costa1
Orientadora: Profa. Dra. Nilce Cristina Aravecchia Botas
Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2010-2011
com financiamento do Núcleo de Pesquisa da Escola da Cidade
Este artigo é resultado parcial da
pesquisa realizada no âmbito do
Programa de Iniciação Científica
da Escola da Cidade - Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo.
Propõe entender os mecanismos
institucionais de provisão habitacional pelo Banco Nacional da
Habitação, que vigorou de 1964
a 1986. O levantamento bibliográfico proposto parte da recuperação análoga dos documentos
oficiais, e da produção de viés
crítico, vinda de acadêmicos que
exerciam oposição ao regime
militar, assim como também a
produção vinculada ao Instituto
de Arquitetos do Brasil (IAB).
Para a consolidação da revisão
adotamos três pontos que consideramos vertebrais na formulação de uma política pública que
pretenda equacionar o problema
habitacional: as políticas de desenvolvimento urbano; o desenvolvimento tecnológico na construção civil; e o acesso aos
financiamentos para as famílias
de menor renda.
da industrialização de São Paulo, e A mão do povo,
dedicado aos estudos de Lina Bo Bardi, são índices des-
The Brazilian National
Housing Bank (BNH):
a literature review
Palavras-chave
Habitação social,
planejamento, BNH
This paper is a partial result of a
research conducted under the
Undergraduate Research
Program of the Escola da Cidade
- School of Architecture and Urbanism. The article aims to understand the mechanisms of
institutional housing provision
by the National Housing Bank,
which lasted from 1964 to 1986.
The literature review started
from the simultaneous recovery
of official documents, the production of critical bias coming from
academics who made opposition
to the military regime, and the
written production linked to the
Institute of Architects of Brazil
(IAB). To consolidate the literature review we take three main
points in the analysis of the
public policy that has the objective to equate the housing
problem: policies on urban development, technological development in construction, and
access to finance for lower
income families.
Keywords
Social housing,
urban planning, BNH
Este artículo es el resultado
parcial de la investigación realizada dentro del Programa de
Iniciación Científica de la Escola
da Cidade - Facultad de Arquitectura y Urbanismo. Se pretende
entender los mecanismos institucionales de concesión de vivienda por el Banco Nacional de
Vivienda, durante el período de
1964 a 1986. La búsqueda bibliográfica propuesta parte de la
recuperación análoga de la documentación oficial, y de la producción de un punto de vista
crítico, partiendo de académicos
de oposición al régimen militar,
así como también de la producción escrita vinculada al Instituto de Arquitectos de Brasil (IAB).
Para consolidar la revisión adoptamos tres puntos que consideramos vertebrales en la formulación de una política pública que
pretenda enfrentar el problema
de la vivienda: las políticas de
desarrollo urbano; el desarrollo
tecnológico en la construcción
civil; el acceso a la financiación
para familias de menos recursos.
Palabras-clave
Vivienda social,
planeamiento urbano, BNH
RENURB, em Salvador, e as escolas pré-fabricadas de
Abadiania.
4. É recorrente a crítica de que “o mutirão não desenha
a cidade”. Entretanto os próprios termos da crítica já
indicam o viés ideológico de quem o faz.
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33
1. Introdução
2. Contexto político
O problema habitacional no Brasil esteve no imaginário e na ação de técnicos e políticos durante
todo o século XX e ainda no XXI. Sua importância
cresceu na mesma medida da explosão demográfica a partir da década de 1940. Tornou-se um
veículo fundamental para impulsionar o crescimento econômico ao final da década de 1960, e
manteve-se como um desejo para os que nunca
foram contemplados com as ações governamentais,
que procuraram opções alternativas como saídas
à falta de moradia.
Este artigo, desenvolvido no âmbito do Programa de Iniciação Científica da Escola da Cidade,
trata da sistematização de alguns discursos sobre
habitação nascidos no poder político, nas associações de arquitetos e na academia, durante o período
de vigência do órgão responsável pelo financiamento da maior produção habitacional pública do
país, o Banco Nacional de Habitação (BNH). Criado
pelo governo militar o Banco funcionou de 1964 a
1986, recorte temporal adotado para a revisão
bibliográfica. Como forma de organizar essa revisão
bibliográfica, adotamos três recortes: a política de
desenvolvimento urbano, o desenvolvimento tecnológico na construção civil, e as formas de acesso
ao financiamento, pautas escolhidas para facilitar
a revisão.
As informações vêm tanto das publicações governamentais como das instituições de ensino, que
criaram uma frente de oposição às ações do Banco
e, consequentemente ao regime político instaurado. Para confrontar a bibliografia sobre o tema
propriamente dito, buscamos reconstruir o contexto no qual o Banco Nacional da Habitação se
desenvolve, desde os antecedentes da sua criação
até seu fechamento em 1986.
Diferentes acontecimentos marcaram a atuação
do BNH no campo político, no econômico e consequentemente no social, considerando que a crise
política que culminou no golpe para a implantação
da ditadura militar no país antecede ao ano da
sua criação.
Segundo Paul Singer (1977), os acontecimentos
políticos de 1964 tem derivação direta da crise
econômica e social que os antecederam. O tipo de
Estado implantado levou reformas de natureza
social e econômica a ficarem postergadas ou esquecidas, considerando a necessidade de repressão
das forças mais progressistas, para que se instaurasse a política de viés mais conservador. Ao final
dos anos 1950 o crescimento econômico do país
veio acompanhado de contradições que ficavam
demonstradas no aumento progressivo da inflação
e numa diminuição do valor do salário real. Isso
levou a uma mobilização e radicalização das
massas gerando a crise política cujo ápice foi a
renúncia de Jânio Quadros em 1961. O agravamento dos problemas chegou ao ponto mais crítico
entre os anos de 1963 e 1965.
Após a renúncia de Jânio Quadros, seu vice
João Goulart deveria assumir. Grandes pressões
da oposição determinaram a mudança da forma
de governo de presidencialismo para parlamentarismo. Em 1963 foi chamado um plebiscito que
decidiu pela volta ao presidencialismo. João
Goulart, comprometido com as bandeiras trabalhistas, iniciou a discussão sobre as chamadas
reformas de base. Dessas reformas (administrativa, tributaria, bancaria etc.) a agrária chamava
maior atenção e produziu as maiores polarizações
político ideológicas. Os arquitetos, reunidos no
Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), também
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entraram nessas discussões. O Seminário de Habitação e Reforma Urbana (SHRU), promovido pelo
IAB, com o apoio do governo federal através do
Instituto de Pensões e Aposentadoria dos Servidores do Estado (IPASE), realizado no Rio de Janeiro
e em São Paulo, em 1963, foi organizado nessa
perspectiva. Algumas das propostas discutidas
durante o seminário seriam apropriadas pelo
regime militar que se instaurou no país após 1964,
como a centralização das políticas habitacionais
em um só órgão. Outras, mais progressistas, seriam
sempre postergadas. (KOURY e BONDUKI, 2007).
Na política econômica, a adoção do Plano
Trienal de Desenvolvimento, na primeira metade
de 1963 causou forte recessão, cujas consequências
no plano político levaram à derrubada do governo
de João Goulart pelas Forças Armadas, em março
de 1964. Mesmo com a mudança drástica de poder,
as transformações de natureza econômica só
seriam significativas a partir do ano de 1967, interrompendo, por fim, uma orientação mais progressista. (SINGER, 1977).
O período histórico que começa em 1964 e vai
até 1986 pode ser dividido em três etapas: de 1964
a 1974, quando os militares realizam as principais
reformas; de 1974 a 1982, quando há um período
de distensão eleitoral; e de 1983 a 1988, quando
ocorre a abertura democrática. Como primeiro
presidente do regime ditatorial, o Marechal Humberto de Alencar Castello Branco instaurou, a partir
de abril de 1964, o Plano de Ação Econômica do
Governo (PAEG). Foram tomadas várias medidas
como o arrocho salarial, o aumento de impostos e
tarifas públicas e o corte de subsídios a produtos
básicos. No mês de agosto deste mesmo ano foram
criados o Banco Nacional da Habitação (BNH) e o
Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Essa
medida buscava demonstrar que o novo governo
se importava com as necessidades da população e
se apresentava disposto a trabalhar na melhoria
de suas condições de vida. Também foi criado o
Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA),
com o objetivo de mostrar sensibilidade às discussões do período anterior. Essas medidas eram necessárias para conter as massas e se possível ter o
apoio delas (AZEVEDO; ANDRADE, 1982). Os atos
institucionais davam as letras das decisões que
orientavam a política, tendo como ápice o AI-5,
que teve o objetivo de endurecer ainda mais o
regime ditatorial.
Em 1973, o general Ernesto Geisel começa uma
gradual abertura política. Em 1977, o governo fecha
temporariamente o congresso, emenda à constituição e baixa uma série de decretos lei. No mesmo
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ano, é aprovada a Emenda Constitucional n.11 que
revogava as reformas promovidas pelo AI-5. Em
1979 é aprovada a Lei de Anistia e a Nova Lei de
Partidos. Em 1983, começam as mobilizações pelas
eleições diretas para presidência da república,
movimento que ficou conhecido como “direitas já”.
3. O Banco Nacional de Habitação
A lei Nº 4380 de 21 de agosto de 1964 instituiu o
Plano Nacional de Habitação, criou o Banco Nacional de Habitação (BNH) e o Serviço Federal de
Habitação e Urbanismo (SERFHAU). Havia deliberada intenção de responder às massas que sofreram
uma gradual politização durante o governo de João
Goulart. O governo militar tentaria ganhar legitimidade e o problema da habitação seria veículo
dessa vontade. É assim que num primeiro período
o banco dará prioridade ao problema habitacional
em detrimento da política urbana. Também a ideologia da “casa própria”, assim como a geração de
empregos pela dinamização da indústria da construção civil em período de crise, influenciou na
elaboração dos programas.
[…] a solução do problema pela casa própria
tem esta particular atração de criar o estímulo
de poupança que, de outra forma, não existiria,
e contribui muito mais para a estabilidade social
do que o imóvel de aluguel. O proprietário da
casa própria pensa duas vezes antes de se meter
em arruaças ou depredar propriedades alheias
e torna-se um aliado da ordem. (CAMPOS apud
AZEVEDO; ANDRADE, 1982)
Num primeiro momento, os fundos para o BNH
viriam de 1% da folha de pagamento dos trabalhadores em regime CLT. Em 1967 o governo de Castelo
Branco cria o Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS) – uma forma compulsória de poupança. O BNH administraria poupanças voluntárias
de letras imobiliárias e cadernetas de poupança
de sociedades de crédito imobiliário, de associações
de poupança e empréstimo e das caixas econômicas. A elevação da carga fiscal só foi possível pela
centralização do poder no Executivo Central.
Assim, a fonte principal dos recursos empregados nas inversões públicas ou que o Estado
passou a transferir ao setor privado sob a forma
de crédito, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), pelo Banco Nacional de Habitação (BNH) ou pelo Banco do
Nordeste, etc., continuaram sendo os assalariados, como antes, só que a forma como estes
recursos passaram a ser “transferidos” mudou.
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(AZEVEDO; ANDRADE, 1982)
A atuação do BNH nos procedimentos executados para desenvolver os programas propostos
foi, e continua sendo, alvo de críticas, pelas consequências que a produção massificada de habitação trouxe para as cidades, que segundo alguns
autores, contribuíram para agravar os problemas
urbanos e de déficit habitacional.
Foram três os principais questionamentos levantados frente à atuação do BNH. O primeiro
refere-se à incapacidade de cumprir um dos seus
principais objetivos, atingir com o programa de
financiamento habitacional as faixas de menor
renda, ou seja, de 0 a 3 salários mínimos. Outro
ponto foi o da uniformização das soluções adotadas
no território nacional, que desconsiderava características locais e gerava grandes massas de construção padronizada e monótona. E, por último, a
desarticulação entre os órgãos responsáveis pela
construção das habitações e o desenvolvimento
urbano, que implantou conjuntos em lugares longínquos e carentes da infraestrutura.
Numa primeira fase de atuação do Banco de
1964 até 1969 seria destacável a quantidade de
habitação financiada para o mercado popular. Já
no período 1970-1974, o financiamento deste tipo
de habitação decresce quase pela metade em
relação ao período anterior. Em 1976 houve um
crescimento das operações realizadas pelas
COHABs, as Companhias de Habitação Municipais
e Estaduais, registrando-se nesta década a primeira superação das habitações do mercado popular
em relação às do mercado médio. Foram, no
período 1975-1980, financiadas 76% do total de
habitações populares construídas durante a existência do BNH.
A revisão bibliográfica a seguir traça um paralelo entre publicações institucionais e interpretações críticas. Como adiantado, seguimos o seguinte recorte temático: políticas de desenvolvimento
urbano, desenvolvimento tecnológico, e formas de
acesso aos financiamentos.
4. Políticas de desenvolvimento urbano
Desde a passagem do século XIX para o século XX,
a urbanização foi entendida por vários segmentos
e também pelo estado como estratégica para o
desenvolvimento econômico. Para os setores que
ocupam o poder no Brasil a partir de 1964 não é
diferente: a urbanização seria a alavanca do
próprio desenvolvimento, levando o país ao grupo
dos países ricos. Vastas são as citações nos docu-
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mentos oficiais do BNH em que a urbanização é
colocada como fim num processo de desenvolvimento. Exemplos disso podem ser encontrados
mesmo nas palavras de Rubens Vaz da Costa, presidente do BNH entre 1971 e 1974
Com a urbanização tornam-se maiores os mercados, cresce a necessidade de produzir mais
e melhor, aumentam e se diversificam as oportunidades de emprego, sobe a produtividade
em verdadeira espiral de prosperidade e de
avanço do bem-estar social. (COSTA, 1973)
A história do desenvolvimento econômico é
também a crônica da urbanização, da industrialização, da crescente demanda de serviços
e da mecanização da agricultura. É, em resumo,
a descrição da evolução da humanidade.
(COSTA, 1973)
Seria novamente Rubens Vaz da Costa que, no
Encontro de Prefeitos das capitais sobre desenvolvimento urbano, ao se referir ao crescimento
acelerado da população que mora nas cidades,
afirmaria:
[…] são as forças incoercíveis do progresso, da
industrialização e do desenvolvimento, transformando a sociedade brasileira. Não devemos
opor-nos a elas, mas procurar orientá-las para
que se humanizem as cidades, melhore a qualidade de vida, se preserve o meio ambiente,
reduzam-se as desigualdades sociais e mais
justamente se repartam os frutos do trabalho
da nação brasileira. (ENCONTRO..., 1973)
Gabriel Bolaffi, um dos autores da vertente
acadêmica de crítica ao BNH, coloca no entanto,
os limites da relação entre urbanização e desenvolvimento:
O valor atingido pela renda per capita em 1978
indica que desde o ano da criação do BNH até
o presente, pelo menos em termos nominais, a
torta da riqueza nacional nesse país cresceu
cinco vezes. Só que em vez de reparti-la, os
donos da casa já começam a falar em coibir-lhe
o excessivo crescimento. (BOLAFFI, 1979)
As análises da realidade brasileira, e dos problemas enfrentados na época consideraram como
ponto importante o crescimento da população que
seria determinante junto às elevadas taxas migratórias do campo às cidades. Esse discurso é facilmente encontrado em vários documentos oficiais:
Estamos enfrentando dificuldades seríssimas
para elevar a qualidade de vida em nosso país.
Isto é consequência, sem dúvida, da nossa
elevada natalidade. [...] A melhoria da qualidade de vida dos brasileiros está relacionada
com a melhor utilização dos nossos recursos,
especialmente os recursos humanos, da melhoria na distribuição da renda e da riqueza,
de reformas que aperfeiçoem nossas instituições políticas, sociais e econômicas, etc. Mas
depende também e, fundamentalmente, da
adoção de política demográfica, baseada em
amplos programas de planejamento familiar
voluntário, que reduzam o ritmo de crescimento de nossa população. (COSTA, 1977)
Comumente se responsabilizou o crescimento
explosivo da população, pelos problemas da falta
de infraestrutura e da falta de recursos para enfrentar a expansão horizontal. Porém, vozes dissonantes, novamente representadas aqui por
Bolaffi, alertavam para a tendência a certa naturalização dos problemas urbanos:
[...] procura-se obscurecer o fenômeno, confundindo-o com os processos naturais. O empobrecimento e a deterioração das cidades são apresentados à população como um processo
orgânico de envelhecimento natural, ou de
crescimento excessivo, e não como a consequência direta da economia política vigente.
Embora se fale em “funções urbanas”, “vias
arteriais” e se utilizem outros conceitos derivados de organismo do século XIX, as cidades
não são formadas por células vivas, mas por
propriedades privadas e por serviços públicos.
(BOLAFFI, 1979)
As políticas urbanas adotadas no período
passam pela trajetória do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFAU), que atuou vinculado
ao BNH, e em estreita relação com os municípios.
Criado com o objetivo de encaminhar pesquisas
sobre o déficit habitacional e ajudar os municípios
na elaboração dos seus planos diretores, existiu de
1964 até 1974. Os recursos para seu funcionamento viriam da criação do Fundo de Financiamento
para o Planejamento Local (FIPLAN). Alvo de muitas
críticas, o SERFHAU não teria conseguido amenizar
os problemas crescentes de expansão urbana sem
infraestrutura adequada. Em 1967 o órgão sofreu
uma reformulação, passando de apoio ao sistema
de habitação, para ser apoio ao planejamento
urbano e local no Brasil. A condução da política
urbana e habitacional foi consolidando um campo
de debate teórico e conceitual:
O SERFHAU é um órgão de caráter nacional que,
no nosso entender, deve ter, cada vez mais,
funções normativas; um órgão que tenha a seu
cargo a elaboração de normas gerais, o fornecimento sistemático de informações úteis e
atuais. Uma fonte de documentação, de natureza especializada e da mais ampla diversificação,
no campo dos assuntos municipais, incluindo
normas e modelos de planejamento, que evolua
em função de suas tarefas e fins específicos,
deixando a parte executiva do treinamento, da
organização e funcionamento dos cursos a cargo
das superintendências. (CAVALCANTI, 1973)
Finalmente, durante os seus dez primeiros anos
de existência, apesar de instituído o Serviço de
Habitação e Urbanismo, com o objetivo de criar
condições e estímulos para o planejamento
urbano, ao abdicar da gestão dos créditos que
concede, o BNH somente contribuiu para
agravar os problemas urbanos. Por mais que
isto seja paradoxal, o uso que tem sido feito dos
recursos do BNH não fez mais do que multiplicar na escala da construção em série, mas sem
os ganhos em produtividade desta última, os
efeitos urbanísticos dos lotes vendidos a prazo
na periferia das grandes cidades “com mil tijolos
postos” no terreno. Um processo industrial de
favelamento. (AZEVEDO; ANDRADE, 1982)
Gradualmente, o BNH foi ampliando seu campo
de atuação, do financiamento de habitação ao
desenvolvimento urbano. Vários programas foram
criados para responder as críticas sobre a falta de
infraestrutura nos conjuntos habitacionais, que
eram cada vez mais frequentes. Alguns teóricos,
porém, encontraram nessa preocupação e nos
planos apresentados outros objetivos não manifestos e que serviriam de motivo para a ampliação
da intervenção estatal no campo do desenvolvimento urbano. Maricato faz uma distinção entre
os investimentos realizados e sua finalidade:
[...] apoio aos conjuntos habitacionais (infraestrutura e equipamento complementar); obras
urbanas propriamente desligadas de conjuntos
residenciais financiados pelo BNH e por vezes
desligados até mesmo do uso residencial; obras
de apoio a grandes projetos de abrangência
inter-regional ou nacional. (MARICATO, 1987)
Para a autora, não seria necessário diferenciar
o financiamento para as diversas faixas de renda,
mas sim diferenciar o que foi produção habitacional propriamente dita dos recursos dirigidos para
o desenvolvimento urbano e de polos industriais.
Assim se explicitam os interesses das empresas de
edificação e das empresas de construção pesada
que, muitas vezes, são de maior porte do que as
de edificação. Nesse sentido, um dos programas
de grande alcance foi o PLANASA, que se encarregaria de estender a rede de água e esgoto a todo o
país, como aponta a fala institucional:
Os programas cooperativos, lançados pelo
Governo Federal no campo do desenvolvimen-
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to urbano, situam-se entre os maiores do mundo.
Destacam-se ao lado do Plano Nacional de Habitação, pedra angular da ação do BNH, o
PLANASA, que tem por meta levar água de boa
qualidade a 65 milhões de brasileiros em 1980,
e a controlar a poluição hídrica através de adequados sistemas de esgotos sanitários, e o grandioso programa recém instituído pelo Presidente Médici – o PLANHAP – cujo objetivo é eliminar
o déficit habitacional das populações com renda
familiar de um a três salários mínimos, e posteriormente manter em equilíbrio a oferta e a
demanda de moradias para as famílias naquela
faixa de renda. (ENCONTRO..., 1973)
Os recursos a seu dispor permitiram financiar
número de vivendas superior à possibilidade
de suprimento pelos Estados e Municípios, de
serviços de água e esgotos sanitários. O plano
Nacional de Saneamento – PLANASA – foi a
resposta do BNH a este desafio. Para auxiliar
as cidades a preparar planos diretores que
ordenem o seu crescimento, estabeleceu um
fundo que é administrado pelo Serviço Federal
de Habitação e Urbanismo (SERFHAU). Muitos
conjuntos habitacionais construídos com financiamento do BNH ficaram sem ruas calçadas,
sem escolas, sem casas comerciais, sem centros
comunitários, devido à escassez de recursos
das autoridades locais. O BNH criou mecanismos de financiamento que permitem suprir tal
deficiência através da construção de equipamento comunitário adequado. (COSTA, 1973)
Sem deixar de considerar a importância que o
acesso a saneamento tem na saúde da população,
a passagem mostra como o PLANASA criou obstáculos aos pequenos municípios, que foram obrigados a sua adesão como condição para a participação do projeto CURA (Comunidade Urbana para
Recuperação Acelerada). O objetivo do projeto
CURA era o de estimular o adensamento da população urbana e reduzir os efeitos da especulação
imobiliária com obras de infraestrutura. Ele era
considerado um dos programas com intenção expressa de reduzir os impactos das obras nos preços
dos terrenos, mas acabou muitas vezes por produzir o efeito contrário. (MARICATO, 1987).
Tradicionalmente água e esgoto têm sido subsidiados pelas prefeituras municipais. Com o
Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), tais
serviços, antes considerados “bens públicos”,
vêm sendo privatizados, em detrimento dos
setores menos privilegiados da sociedade.
(AZEVEDO; ANDRADE, 1982)
Em 1975 foi posto em prática o Programa de
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Financiamento de Lotes Urbanizados (PROFILURB).
Financiavam-se lotes com luz, água, esgoto e uma
pequena unidade do tipo embrião que seria ampliada posteriormente pelo proprietário por autoconstrução. O programa era direcionado a famílias
com renda até 3 salários mínimos. Na mesma linha
foram criados o Programa de Erradicação da Sub-Habitação (PROMORAR) em 1979, e o Projeto João
de Barro em 1984. Este último com base deliberada na autoconstrução, as Prefeituras deveriam dar
os terrenos e implantar a infraestrutura necessária
enquanto o futuro morador arcaria com a construção da residência.
O BNH financiará a urbanização de terrenos,
incluindo dotação adequada de equipamentos
comunitários, e os poderes públicos estaduais
e municipais venderão tais terrenos, a preços
subsidiados, às famílias que desejem construir
suas moradias com esforço próprio e ajuda
comunitária. Quatro programas piloto de terrenos urbanizados estão sendo executados e a
experiência que estamos colhendo permitirá a
elaboração de planos para facilitar a venda de
um milhão de terrenos urbanizados até 1980,
a famílias sem renda certa ou de recursos escassos. (COSTA, 1973)
O BNH estendeu seu campo de atuação ao desenvolvimento urbano, diferente do caso da Fundação da Casa Popular, órgão que antecedeu e,
que, criado em 1946, também propunha a concentração de recursos para a solução habitacional,
mas que não foi além da construção de moradias.
Isso não isentou o Banco de críticas referentes ao
modelo de política de urbanização defendido por
ele e a sua atuação como veículo do Estado no papel
de distribuição de riquezas. Além do financiamento para obras de saneamento, o BNH investiu em
obras de infraestrutura de transportes, como por
exemplo, no metrô de São Paulo e do Rio de Janeiro,
com custos muito superiores aos metrôs de outras
cidades, sendo construídos na mesma época. Essas
obras seriam levadas adiante por empresas de
construção pesada de grande porte. Um dos planos
de maior polêmica foi o investimento da SABESP
no SENEGRAN (Sistema de Coleta e Tratamento de
Esgotos da Grande São Paulo). Ele não lograria
melhorar as condições de esgoto da região metropolitana, tendo como exemplo o tratamento dos
poluentes do Rio Tiete.
A participação do BNH em obras urbanas teria
um incremento até meados da década de 1970,
quando houve a tentativa de re-impulsionar os
financiamentos para o mercado popular, sendo
que, somente a partir dos anos de 1976 as mudan-
ças começam a ser perceptíveis com a volta à cena
das COHABs. Mesmo com essa série de programas
criados pelo governo federal, as periferias das
grandes cidades seguiram um crescimento constante. O loteamento clandestino tornou-se uma
saída ao acesso à terra e, ao mesmo tempo, um
negócio ao longo da década de 70.
O loteamento irregular é presença constante
em todas as grandes cidades brasileiras, resultando inequívoco de uma política habitacional
que desconhece as necessidades habitacionais
da maior parte da população e de um processo
de crescimento urbano onde os grandes e pequenos especuladores imobiliários gozam de
ampla liberdade. (MARICATO, 1987)
Essa ocupação e expansão dos locais periféricos
têm a ver com o valor do solo, ou seja, com aqueles
mecanismos econômicos que segundo Bolaffi:
[…] conferem ao solo urbano funções econômicas alheias à sua utilidade intrínseca enquanto bem natural e ao papel que deveria desempenhar na composição e na organização do
espaço requerido para as atividades públicas
ou privadas da população. (BOLAFFI, 1979)
Na mesma direção, formula-se a análise
de Maricato:
A recessão econômica com desemprego em
massa que se aprofunda em 1983 causou uma
aceleração nos processos de invasão. E se até
passado bem recente (1981 e começo de 1982)
as invasões eram tratadas como caso de polícia,
em seguida, com a crise econômica, e com alguns
Estados governados pela oposição, a política é
de tolerância. A orientação oficial de urbanizar
favela substitui a de remoção. (MARICATO, 1987)
Segundo a autora, essa orientação de urbanizar
em lugar de remover, não foi algo positivo, e sim
uma alternativa criada pelo governo a fim da não
aprovação de leis que restringissem a retenção e
a especulação da terra urbana. Os resultados da
lei federal 6766, criada para dar poderes aos municípios para penalizar os loteamentos clandestinos
não satisfaziam, seja por atos de corrupção entre
funcionários municipais e loteadores, seja por
despreparo dos primeiros. Por parte da crítica à
política do BNH, grande expectativa era gerada
sobre as iniciativas da sociedade civil, como a lei
de “reforma urbana” proveniente do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU):
Algumas tentativas de controle do parcelamento, do uso e da ocupação do solo urbano, expressas na lei federal de 1979, 6766 ou no anteprojeto de lei de Desenvolvimento Urbano de
1982, são, a nosso ver, medidas que caminham
no sentido de eliminar um grande obstáculo à
viabilização da produção em massa de habitações “populares”: o custo e a disponibilidade
da terra também atuam no sentido de modernizar e disciplinar (com resistências) o crescimento urbano. (MARICATO, 1987)
O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) manifestou-se diversas vezes ao longo do período de
funcionamento do BNH na tentativa de reafirmar
a importância da política urbana. Em 1964, após
ser sancionada a Lei no. 438, o Instituto já manifestava sua análise:
Às vésperas da sanção do projeto de lei, o IAB
julgou oportuno lembrar ao presidente Castelo
Branco, a importância de manter a parte do
projeto de lei, referente ao Serviço Federal de
Habitação e Urbanismo, aprovada pelas duas
Casas do Congresso Nacional, alertando a Sua
Excelência quanto às graves consequências
resultantes da inteira subordinação do órgão
de planejamento da parte técnica do sistema,
ao órgão econômico financeiro. (SERRAN, 1976)
Em relação ao desenvolvimento urbano o IAB
propunha auxílio técnico, aos municípios que não
possuíssem quadro técnico suficiente e o orçamento para realizar os estudos e formular planos diretores. O Instituto era contrário aos vetos da lei,
que não permitiriam ao BNH o financiamento de
serviços urbanos como água, esgoto, luz, arruamentos etc., e ainda criticava os vetos, que consideravam o esvaziamento do setor técnico, o
SERFHAU (SERRAN, 1976).
Em 1966 o IAB lança as conclusões de uma
mesa redonda realizada nos dias 27 e 30 de julho
no Rio de Janeiro. Nesta oportunidade teve a colaboração de representantes do BNH, do SERFHAU,
do Setor de Habitação do Escritório de Economia
Aplicada do Ministério do Planejamento, do Setor
de Planejamento Municipal do Ministério do Planejamento, e da Carteira de Habitação da Caixa
Econômica Federal do Rio de Janeiro. Considerava-se que as medidas reunidas na lei n. 4380/64
tinham como intenção amenizar a depressão econômica causada pela contenção inflacionária, e
não precisamente a solução do problema habitacional. Por isso foi escolhido o setor da construção
civil como responsável pela regulação da atividade econômica e como principal agenciador da
geração de emprego. Eles observavam que os
aspectos financeiros foram ganhando cada vez
mais importância em detrimento de fatores técnicos e sociais. Assim, foi enunciada uma lista de
conclusões: o vínculo entre problema de moradia
e renda familiar; a relação entre a carência de
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moradia e os problemas econômicos estruturais e
não com causas eventuais ou resultantes da crise;
falta de vínculo entre o planejamento habitacional
e o planejamento urbano e regional; a necessidade
do planejamento físico vinculado ao econômico,
social e administrativo; necessidade de financiamento de planos municipais e criação de um fundo
que garantisse os recursos para sua aplicação;
implantação de uma política habitacional correta
para corrigir as distorções causadas pelo plano;
incentivo ao estudo e pesquisa dos problemas
habitacionais e de planejamento. Concluía-se que:
[...] o problema fundiário urbano nem sequer
foi esboçado. O alto valor do terreno, produto
da especulação com a terra urbana, beneficiada por melhorias urbanísticas realizadas às
expensas da coletividade, obriga que as novas
construções, principalmente para as camadas
da população menos favorecidas, sejam realizadas em áreas periféricas aos núcleos urbanos,
sem o mínimo de condições de infraestrutura
e agravando o sistema de transporte urbano.
(SERRAN, 1976)
5. Desenvolvimento tecnológico
Quanto ao desenvolvimento de novas tecnologias
aplicáveis à construção civil, não se pode deixar de
considerar as características da mão de obra que
deveria ser empregada, e que aparece como uma
das principais questões na criação do BNH e do
Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Considerou-se, desde o início, o emprego de uma massa de
trabalhadores sem qualificação profissional, provenientes, em sua maioria, de áreas rurais, que
migravam às grandes cidades na procura de melhores condições de vida. Tratava-se de uma estratégia
econômica e social no interior da política habitacional. Esta seria a razão principal, pela qual não
haveria interesse na industrialização da construção:
No setor da construção civil, os meios tradicionais de produção devem ter a preferência no
momento atual, dada a necessidade de criar
empregos para mão de obra não qualificada.
Os modernos métodos industriais de produção,
no entanto, podem ser objeto de estudos, de
experimentos, mas a sua utilização no País é
ainda prematura, inclusive porque, de modo
geral, são mais caros do que os meios tradicionais que empregam mão de obra não qualificada, de baixo salário. É, portanto, o setor da
construção civil o que mais tem correspondido
à necessidade de criação de empregos; e deverá
40
continuar por muitos anos um baluarte do
emprego em nosso País. (COSTA, 1976)
Paradoxalmente, seria necessária uma elevação
gradual dos salários dos empregados da construção
civil, para que pudessem ter acesso à habitação
que produziam, impulsionando o crescimento,
além do consequente aumento na produtividade
destes trabalhadores, que dependeria da implantação de um sistema que permitisse o barateamento da construção, pela racionalização de recursos
e o emprego de novas tecnologias. Neste sentido,
Bruna conclui:
O problema então se resume em grande parte
a uma adequação do ritmo de introdução tecnológica à capacidade de acumulação de capital
e de criação de empregos, dentro do panorama
geral do processo de desenvolvimento econômico. Esta colocação só poderá ser feita adequadamente nos termos de um planejamento a
longo prazo que leve em consideração a inter-relação dos fatores mencionados. (BRUNA, 1976)
Segundo o autor a possibilidade de uma produção em massa de habitações estava condicionada
a alguns requisitos básicos: garantia à indústria da
construção de continuidade de trabalho nos canteiros industrializados, e de amortização dos investimentos; diminuição nas variações da demanda,
para facilitar a produção de componentes estandardizados; investimento em pesquisa e desenvolvimento; e formação de profissionais especializados
nos diversos níveis.
O IAB em uma de suas publicações expõe uma
análise dos produtos oferecidos pela indústria da
construção civil com suas adaptações aos diferentes níveis de renda:
Apelando para a indústria tradicional da construção civil, cuja atividade restringe-se aos
grandes centros urbanos do país e ao atendimento de classe com poder aquisitivo, adotaram
como padrão um produto só possível de ser
consumido pelas camadas da população já atendidas anteriormente. O único tipo de tecnologia
construtiva aceita pelo BNH, pelo menos até
pouco tempo (a casa de alvenaria de tijolos, com
cobertura cerâmica e uma infinidade de rígidas
especificações construtivas que passou a ser
imposta ao país), levou a uma redução progressiva da área de moradia. Como o preço deste
tipo é elevado para a maioria da população
procurou-se reduzir as dimensões do produto
até que, impossibilitados pelo mínimo de bom
senso, passam a oferecer parcelas do produto,
ou seja: a casa embrião. (SERRAN, 1976)
Quanto à utilização de novas tecnologias ou da
racionalização das existentes apontava-se a incapacidade da política habitacional até aquele
momento de estimular a criação de novas concepções de espaço que partisse de elementos pré-fabricados. Adotavam-se, para a solução do problema de aumento da produtividade, os mesmos
processos das casas das classes de maior renda
(SERRAN, 1976).
Parece correto entender os limites do desenvolvimento tecnológico para a solução dos problemas habitacionais. Mas, por outro lado, é necessário incorporar o problema da cadeia produtiva,
aprofundando na análise da composição de forças
que está em jogo, a partir das diversas soluções
técnicas. De um modo geral, as interpretações
advindas da crítica ao BNH análogas à crítica ao
regime, também não enfrentaram a problemática
da cadeia produtiva em seu conjunto – sua composição, setores, tipos de ação –, que passa, inclusive pelo papel do valor da terra e da renda fundiária na composição do problema da moradia.
6. Acesso ao financiamento
O BNH foi o órgão central do Sistema Financeiro
da Habitação (SFH), contando, na sua origem, com
um capital de 1 milhão de cruzeiros. A principal
diferença do sistema anterior, da Fundação da
Casa Popular e das Caixas Previdenciárias, está no
fato da instituição ser um banco. O sistema financeiro montado era formado pela poupança compulsória proveniente do Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço (FGTS), administrados pelo BNH,
e a poupança voluntária formada por cadernetas
de poupança e letras imobiliárias, recursos do
Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo
(SBPE). Os financiamentos contavam com um mecanismo de compensação inflacionária, a correção
monetária, que reajustava tanto débitos como
prestações segundo as taxas de inflação. A aplicação da correção monetária no SFH era dada pela
Unidade Padrão de Capital (UPC). Esta unidade
monetária era atualizada a cada trimestre, na
proporção da variação do índice de preços:
O sistema opera com correção monetária, isto
é, opera com valores reais não sujeitos à inflação. Esta é uma condição essencial para que
os recursos não se diluam através do processo
inflacionário e possa o Banco desempenhar
suas responsabilidades de centro do sistema
financeiro do desenvolvimento urbano no País.
(COSTA, 1972)
Sendo autofinanciável, o sistema deixaria livre
o Orçamento Geral da União para investimentos
em outras áreas. Isso dependeria da arrecadação
tanto do FGTS como do SBPE, e também da taxa
de inadimplência dos mutuários. Até a criação do
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)
com a lei n. 5107 de 14 de setembro de1966, o que
vigorava era o aporte de 1% da folha de pagamento dos salários dos trabalhadores sujeitos ao regime
de Consolidação das leis do Trabalho (CLT). O FGTS
seria constituído pelo aporte de 8% dos salários
pagos mensalmente.
O primeiro pressuposto deste modelo, era o de
que as soluções subsidiadas, como as da Fundação
da Casa Popular, levavam a uma política clientelística. O segundo dizia respeito à inferioridade da
capacidade administrativa do Estado em relação
à iniciativa privada. O terceiro, a necessidade da
descentralização executiva e a centralização normativa, como condições para assegurar a eficiência do sistema (AZEVEDO; ANDRADE, 1982). Notam-se diretrizes claras nas falas institucionais:
O BNH procura operar de acordo com as forças
do mercado, aumentando ou restringindo a
oferta de recursos, de acordo com a demanda
e suas tendências. Exige tarifas que, além de
cobrirem todos os custos, permitam financiar
a expansão dos serviços. Os subsídios diretos
e indiretos são reduzidos ao mínimo necessário
a viabilizar programas de interesse social,
atender a situações locais ou de natureza especial. (COSTA, 1973)
Cada financiamento teria agentes específicos
encarregados dos segmentos do mercado definidos
pelo BNH. No mercado popular, que inicialmente
estava previsto que fosse de 1 a 3 salários mínimos
e posteriormente foi ampliado até 5 salários
mínimos, o financiamento ficaria com as Companhias Habitacionais (COHABs). No mercado econômico, para famílias de rendas entre 3 e 6 salários
mínimos, atuavam as cooperativas habitacionais
principalmente de categorias profissionais. No
mercado médio, famílias com renda mensal
mínima de 6 salários mínimos, encontramos os
agentes privados da Sociedade de Credito Imobiliário (SCIs), Associações de Poupança e Empréstimos (APEs) e Caixas Econômicas. Estas instituições
formavam o SBPE.
A construção, independente do segmento do
mercado, ficava à cargo da iniciativa privada. Os
empréstimos fornecidos teriam dois tipos de reajustamento dependendo do plano ao qual obedeciam. Um dos planos estava direcionado às famílias
de baixa renda e as parcelas seriam reajustadas
com a elevação do salário mínimo. No plano des-
41
tinado aos outros setores da população as parcelas
seriam reajustadas trimestralmente de acordo com
a variação da UPC. Em ambos os casos o saldo
devedor seria reajustado trimestralmente. O prazo
assim para os financiamentos dedicados a baixa
renda podia ser mais ou menos longo dependendo
da relação entre o aumento do salário mínimo e a
variação da UPC. No caso dos outros planos, isso
não aconteceria porque, tanto prestações como
saldo devedor teriam o mesmo reajuste.
Ao vincular o reajuste das prestações com a elevação do salário mínimo, o BNH buscava tornar
viável a compra de moradia por parte dos trabalhadores de baixa renda. (...) em seu afã de
levar até as últimas consequências uma atitude
empresarial, o BNH manteve o cálculo de saldos
devedores baseado na UPC, cujos índices de crescimento, embora menores que a taxa de inflação,
eram maiores que os fatores de correção dos
salários. (AZEVEDO; ANDRADE, 1982)
Este sistema parecia tornar a dívida infinita.
Na tentativa de conter esta situação excessiva da
dilatação dos prazos, o BNH criou o Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS) para
limitar o prazo da dívida nas famílias de baixa
renda. Para Azevedo e Andrade (1982), admitindo
que se saldasse a dívida apurada no prazo máximo,
o BNH finalmente reconhecia que não era possível
a aplicação de uma política estritamente empresarial para o caso das famílias de menor renda.
A partir de 1970 começa a ser usado o Plano
de Equivalência Salarial (PES) para as famílias de
baixa renda, também estendido para o mercado
econômico e médio. A principal mudança foi a
fixação do número de prestações a serem pagas
pelos adquirentes, e o Fundo de Compensação das
Variações Salariais assume a responsabilidade pelo
saldo devedor dos financiamentos contratados. O
objetivo era impulsionar o sistema que se demonstrava cada vez mais vulnerável às flutuações inflacionárias. A lógica empresarial escolhida pelo
governo foi alvo de intensas críticas, ao mesmo
tempo em que uma análise dos dados, facilmente
confirmava a dificuldade das faixas de menor
renda acessar os financiamentos oferecidos.
[...] as inovações introduzidas pela nova política habitacional, ao invés de lhe facilitarem a
realização dos objetivos, acentuaram ainda
mais o conflito entre eles. A opção por uma
base empresarial de atuação eliminou o risco
do distributivismo na política habitacional,
tornou ainda mais difícil o acesso das camadas
de renda baixa à casa própria. (AZEVEDO;
ANDRADE, 1982)
42
Nos anos 1970, o BNH passa a atuar como banco
de segunda linha, encarregando outros agentes de
repassar os créditos por ele concedidos, que
ao mesmo tempo deveriam se responsabilizar
pelas operações:
A confiança na capacidade dos agentes financeiros e a vantagem social de usar estruturas
que o setor privado montou levaram o BNH, a
atuar, exclusivamente, como banco de segunda
linha, em lugar de adotar a opção tentadora,
mas cheia de percalços de ter sua própria rede
de agências competindo direta ou indiretamente, com o sistema existente. Esta decisão amplia
o campo de colaboração e alarga as oportunidades de negócios e lucros para os bancos privados. Porém a área em que a colaboração do
sistema bancário ao BNH deve ser objeto do
mais caloroso agradecimento é a do recebimento dos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço. (COSTA, 1972)
Assim, o BNH transferiria os créditos referentes aos mutuários de baixa renda que até então
estavam sob sua responsabilidade. Estes créditos
foram repassados para agentes do SBPE assegurando-lhes o retorno em caso de possível prejuízo.
Em maio de 1975 estes agentes realizam um relatório endereçado ao BNH onde explicam as dificuldades de cobrança dos créditos concedidos –
Relatório de entidades do SBPE:
O problema habitacional para essa faixa de
renda da população não pode ser simplesmente inserido no bojo de atividades das entidades
do SBPE sem o forte e conveniente subsídio
governamental, não apenas financeiro, que é
indispensável, mas subsídio inclusive sobre o
aspecto de apoio logístico, desencadeado através
de mecanismo que só o governo tem condições
de movimentar. Os problemas de infraestrutura, no plano físico, e os problemas de educação,
de policiamento, de mobilidade populacional,
de perda de renda, no plano humano, não
podem ser resolvidos apenas com soluções financeiras, de diferenciais de juros, altos ou
baixos. (AZEVEDO; ANDRADE, 1982)
No documento emitido pelo IAB de 1967 está
presente a crítica à solução do problema da moradia
social considerando a iniciativa privada.
Concorre para agravar a situação, a incapacidade já demonstrada de se obter pela iniciativa
privada, recursos necessários ao aumento de
oferta de moradias de interesse social, pelo
menos no ritmo em que se processa o crescimento das populações urbanas. Tem-se, mesmo,
observado que um significativo número de ha-
bitações providas pela iniciativa privada tem
se destinado às classes economicamente mais
favorecidas, aumentando o déficit de residências
em relação à necessidade total2. (SERRAN, 1976)
No período de implantação do sistema, o
número de unidades financiadas foi considerável.
A produção das COHABs somou 40% dos financiamentos do período de 1964 até 1969. Segundo
Azevedo e Andrade (1982) isso se devia à tentativa
de legitimação junto às massas, mas se acreditava
na capacidade de conciliar os objetivos sociais com
o modelo empresarial.
Já no período entre 1970 e 1974 houve uma
perda de dinamismo e as unidades financiadas
pelas COHABs tiveram grande queda. Este período
é caracterizado pela alta inadimplência dos mutuários, levando consequentemente ao esvaziamento das COHABs. A deterioração do salário
mínimo contribuiu para o agravamento da situação. Novos programas foram então criados para o
atendimento às famílias de até 3 salários mínimos,
que haviam ficado de fora dos programas das
COHABs. O Programa de Financiamento de Lotes
Urbanizados (PROFILURB) era uma dessas alternativas. Por ele, lotes com saneamento e infraestrutura básica eram oferecidos, ficando sob a responsabilidade do mutuário a construção da
residência. Ainda direcionado às famílias de menor
renda, foi criado o Programa de Erradicação da
Sub-Habitação (PROMORAR), em 1979, cujo objetivo era recuperar áreas precárias.
No período que vai de 1975 a 1980 a situação
do financiamento para o mercado popular foi sendo
revertida: a inadimplência diminuiu e aumentou
o número de unidades financiadas, quase 75% da
produção total do Banco. Segundo Azevedo e
Andrade (1982) um dos principais fatores para
estes acontecimentos foi o privilégio das faixas
mais altas do mercado popular, aquelas entre 3 e
5 salários mínimos, e a compra de imóveis usados
por famílias de melhor renda, interpretação compartilhada por Ermínia Maricato:
O sucesso do sistema financeiro de habitação
no Brasil desde sua estruturação em bases mais
exequíveis, em 1968, até 1980, quando entra
em profunda crise em consonância com toda
a economia do país, se deveu exatamente ao
fato de ignorar os setores de menores rendimentos da população e tratar a habitação como
uma mercadoria a ser produzida e comercializada em moldes estritamente capitalistas.
(MARICATO, 1987)
7. Conclusão
Procuramos aqui compreender o funcionamento
do sistema montado em torno do Banco Nacional
de Habitação, que funcionou de 1964 a 1986, a
partir de dois pontos de vista: o institucional e o
da literatura crítica.
O contato com matérias de diferentes origens
e o confronto de tais ideias demonstram as diversas interpretações sobre a problemática habitacional e os diferentes locais que ocupa do ponto de
vista das estratégias políticas, econômicas e sociais.
A bibliografia institucional, ainda que se trate
de material “propagandístico” da política instituída, revela as estratégias vinculadas ao incentivo
da construção civil, dentro de um planejamento
econômico que privilegiou a concentração dos
investimentos nas grandes empresas da iniciativa
privada. A bibliografia proveniente do meio acadêmico, e dos arquitetos, apresentando críticas
bastante contundentes, direcionou-se, sobretudo,
ao reduzido alcance social da política, no que diz
respeito à necessidade pungente de distribuição
de riquezas.
A sensação de superficialidade da bibliografia
institucional, baseada sobretudo em intenções genéricas, trouxe consequências para a análise, que
buscou analogamente trazer as posturas do governo,
da academia e dos arquitetos representados pelo
IAB. Ao mesmo tempo em que tentamos nos manter
atentos às “construções ideológicas” e aos “lugares
comuns”, acreditamos na necessidade de evitar
tomar de imediato o partido da crítica, colocando
seus argumentos no mesmo grau de importância
dos produzidos pelo Banco. Ainda que a crítica
tenha se constituído sobre bases sólidas e coerentes,
cujas orientações compartilhamos, apontamos a
necessidade de um novo balanço sobre a ação do
BNH, buscando verificar avanços, retrocessos e
impasses do legado habitacional dele resultante.
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43
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SERRAN, João Ricardo. O IAB e a Política Habitacional. São Paulo: Schema, 1976.
44
Notas
1. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela
Jacques Pilon: modernismo
e mercado imobiliário
Jacques Pilon: modernism and
the real estate market
Jacques Pilon: modernismo
y el mercado inmobiliario
Escola da Cidade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (2012). Atualmente é arquiteta da Secretaria da Habitação da Prefeitura de São Paulo.
2. Resposta do Instituto de Arquitetos do Brasil à Comissão Especial para elaborar anteprojeto de lei para
reformular a estrutura do Banco Nacional de Habitação criada pelo Congresso Nacional – preparado pela
Marina Rosenfeld Sznelwar1
Orientadora: Profa. Dra. Joana Mello
Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2008-2009
com financiamento do Núcleo de Pesquisa da Escola da Cidade
CEPHA-GB atendendo solicitação do Conselho Superior
do IAB (SERRAN, 1976).
O objeto da pesquisa aqui apresentada foi estudar a obra do arquiteto francês Jacques Émile Paul Pilon
(1905-1962) em São Paulo (19341962), inicialmente desenvolvida
com o engenheiro civil Francisco
Matarazzo Neto (1910-1980) e, a
partir de 1940, com a colaboração
de outros arquitetos, entre eles os
alemães Herbert Dushenes (19142003) e Adolf Franz Heep (19021978), o italiano Gian Carlo Gasperini (1926-) e o brasileiro Jerônimo
Bonilha Esteves (1933-). A pesquisa investigou a contribuição do
arquiteto e de seus escritórios para
a construção de São Paulo em um
período em que a cidade passava
por um intenso processo de metropolização. Para tanto, buscou-se
debater a sua participação nas
discussões acerca da arquitetura
moderna e a sua atuação no
mercado imobiliário que então se
estruturava em bases empresariais. A pesquisa esteve vinculada
ao projeto temático desenvolvido
junto à Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São
Paulo (FAU-USP), São Paulo: os estrangeiros e a construção da
cidade, com apoio da FAPESP, que
teve como proposta estudar a
cidade e seus processos de transformação física, demográfica,
social e cultural a partir do final
do século XIX, através da análise
da presença dos estrangeiros e de
sua produção na cidade.
The object of the research presented here was to study the work of
the french architect Jacques Émile
Paul Pilon (1905-1962) in São Paulo
(1934-1962), initially developed
with the civil engineer Francisco
Matarazzo Neto (1910-1980) and,
from 1940 on, in collaboration with
other architects, among them the
germans Herbert Dushenes (19142003) and Adolf Franz Heep (19021978), the italian Gian Carlo Gasperini (1926-) and the brazilian
Jerônimo Bonilha Edwards (1933-).
The research investigated the contribution of the architect and its
offices for the construction of São
Paulo in a period when the city
went through an intense process
of metropolization. Therefore, the
research tried to understand their
participation in the discussions
concerning modern architecture
and his role in the process of a
structuring real estate market. The
research was linked to the thematic project developed at the Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo (FAUUSP), São Paulo: foreigners and the
construction of the city, with the
support of FAPESP, whose proposal was to study the city and its physical, social, cultural and demographic transformation processes
from the late 19th century on,
through the analysis of the presence of foreigners and their role in
the production of the city.
El objeto de la investigación que
presentamos fue estudiar la obra
del arquitecto francés Jacques
Émile Paul Pilon (1905-1962) en São
Paulo (1934-1962), desarrollado
inicialmente con el ingeniero civil
Francisco Matarazzo Neto (19101980) y, a partir de 1940, en colaboración con otros arquitectos,
entre ellos los alemanes Herbert
Dushenes (1914-2003) y Adolf Franz
Heep (1902-1978), el italiano Gian
Carlo Gasperini (1926-) y el brasileño Jerônimo Bonilha Edwards
(1933-). La investigación investigó
la contribución del arquitecto y sus
oficinas para la construcción de
Sao Paulo en una época cuando la
ciudad pasó por un intenso proceso
de metropolización. Con ese objetivo, se buscó discutir su participación en las discusiones sobre la
arquitectura moderna y su papel
en el mercado inmobiliario en estructuración. La búsqueda estuve
relacionada con el proyecto temático desarrollado en la Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP),
São Paulo: los extranjeros y la
construcción de la ciudad, con el
apoyo de la FAPESP, cuya propuesta fue el estudio de la ciudad y su
transformación física, social, cultural y demográfico a partir de finales
del siglo XIX, a través del análisis
de la presencia de los extranjeros
y su papel en la producción de la
ciudad.
Palavra-chave: Jacques Pilon, São
Paulo, estrangeiros
Keyword: Jacques Pilon, São Paulo,
foreigner
Palabras-clave: Jacques Pilon, São
Paulo, extranjeros
45
1. Introdução
Jacques Pilon faz parte de um conjunto de arquitetos estrangeiros que vieram a São Paulo a partir
da década de 1930 e colaboraram através de sua
atuação no mercado imobiliário para a construção
da cidade. Entre esses arquitetos estavam Lucjan
Korngold (1897-1963) (FALBEL, 2003), Giancarlo
Palanti (1906-1977) (SANCHES, 2004), Gregori Warchavchik (1896-1972) (LIRA, 2008; FARIAS, 1990;
FERRAZ, 1965), Bernard Rudofsky (1905-1988)
(GUARNIERI, 2003), Francisco Beck (1901-1990),
Daniele Calabi (1906-1964) (ZUCCONI, 1992).
Ao contrário dos arquitetos citados que mereceram cuidadosos estudos sobre sua formação na
Europa e atuação naquele continente e no Brasil,
o trabalho de Pilon e os projetos desenvolvidos em
seus escritórios, permaneciam menos estudados.
Uma questão que problematiza o lugar de Pilon
na bibliografia é o fato do projeto da Biblioteca
Mário de Andrade fazer parte da exposição Brazil
Builds realizada no Museu de Arte Moderna de
Nova York em 19422 e não fazer mais parte do livro
do Mindlin, o que significa uma seleção clara do
que era considerado moderno antes e depois da
exposição. Isso talvez explique o fato de sua obra
não ser mais valorizada, sendo pouco investigada
e quando analisada sempre com ressalvas.
Retratado por Carlos Lemos como um homem
pragmático, que olhava atentamente para as conveniências financeiras ou econômicas de seus empreendimentos e se dedicava quase que exclusivamente à construção de edifícios comerciais e
residenciais no centro de São Paulo, Pilon atenderia de “modo pouco crítico e criativo às demandas
do mercado imobiliário”(LEMOS, 1983, p.4). Talvez
por isso a sua obra não tenha merecido a mesma
atenção que a dos arquitetos acima mencionados.
Contudo, Ilda Castello Branco (2002), afirma que
Pilon contribuiu para a difusão de certos preceitos
da arquitetura moderna na cidade, como a racionalização do projeto, a partir da compactação e
46
funcionalidade dos ambientes, da padronização
de elementos construtivos e da relação estreita
com métodos racionalizados de construção. Por
isso, a autora considera importante estudar a sua
obra, ainda que tenha privilegiado a obra construída até os anos 1940 (BRANCO, 2002). Diante disso,
a pesquisa desenvolvida se propunha a estudar a
produção de Jacques Pilon em São Paulo de 1934,
quando se estabelece na cidade e abre a Construtora Pilon & Matarazzo Ltda - Arquitetos, Engenheiros e Construtores (PILMAT) a 1962, quando
vem a falecer. Durante todos esses anos Pilon contribuiu para a construção da cidade de São Paulo
com diferentes parceiros e produziu por volta de
300 projetos a maior parte deles em São Paulo. Mas
Pilon também construiu em Bauru, Belo Horizonte, Catanduva, Guarujá, Jundiaí, Maringá, Piracicaba, Pelotas, Poços de Cauda, Rio de Janeiro,
Santos, São Bernardo, São Vicente, Tatuí e Taubaté3.
Da mesma forma que não se investigou ainda a
produção completa de Pilon, pouco se questionou
também, com exceção de Adolf Franz Heep
(BARBOSA, 2002), a exata contribuição de cada um
dos arquitetos que trabalharam para os escritórios
do arquiteto. É possível perceber, contudo, uma
mudança em sua produção que coincide com o
período de colaboração de cada um dos arquitetos,
como mostraremos a seguir. Para compreender
melhor sua obra dividimos sua produção em três
fases, que não são consideradas rupturas porque
tem questões comuns, mas que indicam algumas
características específicas que permitem essa divisão.
Na pesquisa aqui apresentada, a obra de Pilon
não interessou apenas por sua relação com a arquitetura moderna. Isso porque acredita-se que a
partir de sua produção seria possível recuperar
também a história da construção de São Paulo num
período de grandes transformações arquitetônicas
e urbanísticas, assim como a inserção e a contribuição do estrangeiro nessa construção, tal como
proposto pelo grupo temático ao qual se vinculou
este trabalho. Dessa forma, a partir do olhar e
compreensão dos projetos de Pilon, pretende-se
estudar como a cidade foi pensada e construída
no período, e como os arquitetos estrangeiros colaboraram para isso, tomando como guia os edifícios de habitação, os quais tiveram uma importância destacada durante o período de atuação dos
escritórios de Jacques Pilon.
Para a realização da pesquisa foram buscadas
diversas fontes. As primeiras consultadas foram as
fontes secundárias ou bibliográficas a partir das
quais realizamos uma revisão dos temas relativos
à pesquisa: sobre o arquiteto Jacques Pilon e sua
obra; sobre os arquitetos estrangeiros que contribuíram para o processo de metropolização de São
Paulo; sobre a relação dos arquitetos com o mercado
imobiliário; sobre a cidade e os processos de verticalização e de metropolização em curso no período.
2. Jacques Pilon e as diferentes fases
do escritório
Jacques Pilon nasceu em Le Havre, na França, em
1905. Chegou ao Brasil em 1914, aos cinco anos de
idade. Seu pai, Émile Pilon, era diretor do Porto de
Le Havre, o maior importador do café brasileiro
naquele período. Quando estourou a Primeira
Guerra Mundial ele estava no Brasil, sendo
nomeado interventor dos negócios franceses no
país, onde permaneceu. Passou a trabalhar como
interventor dos negócios franceses e foi morar em
São Paulo – toda a família se mudou para o Brasil
até o final da Guerra.
Pilon retornou à França em 1919 para estudar
na École Nationale Supérieure de Beaux-Arts de
Paris, onde se formou em 19324. Também se formou
na faculdade de direito de Paris e fez a escola
Militar em Sancerre. Ainda se sabe pouco sobre o
período em que viveu em Paris, sobre a sua formação e sobre os seus professores. Recém-formado, em 1933 Pilon retornou ao Brasil, trabalhando
inicialmente na construtora do arquiteto escocês
Robert R. Prentice, sócio do austríaco Anton Floderer, no Rio de Janeiro. Em 1934, Pilon se transferiu para São Paulo para acompanhar a obra do
Edifício da Sul América de Capitalizações - Sulacap
(1933-1934), concebido por Prentice.
O edifício trouxe referências da arquitetura
comercial norte americana para a cidade e, segundo
Ilda Castello Branco, foi considerado um modelo
de edifício de escritório de alto padrão (BRANCO,
2002, p.56). Porém, segundo Paulo Ormindo de
Azevedo (2007), na década de 1930 circulavam
revistas e arquitetos de formação alemã que in-
fluenciavam na arquitetura brasileira, assim como
a atuação de profissionais germânicos que estavam
com grande presença no mercado. Desta forma é
possível dizer que as referências alemãs também
estavam presentes no Edifício Sulacap, suas fachadas lisas e as janelas de canto. Prentice desenhou
este edifício com a entrada na esquina, arremates
curvos, janelas com ritmo bem marcado, espaços
de trabalho e de circulação amplos, preocupou-se
com a boa iluminação e ventilação dos espaços e
com a segurança das instalações elétricas, hidráulicas e contra incêndio. O primeiro pavimento
abrigava os conjuntos comerciais e os demais pavimentos as salas de escritórios, adotando-se uma
solução que se popularizou na área central5.
Neste mesmo ano, Pilon associou-se ao engenheiro brasileiro Francisco Matarazzo Neto para
fundar a construtora PILMAT, em São Paulo. É
possível afirmar que a sociedade dá início a primeira fase de sua produção (1934-1948) (MELLO,
2008). Esta primeira fase do escritório englobou
tanto os projetos da PILMAT como o período em
que Dushenes era chefe do escritório individual
de Jacques Pilon.
Na PILMAT foram desenvolvidos edifícios públicos, residenciais, mas em sua maioria comerciais, que eram muitas vezes empreendimentos
individuais destinados ao aluguel6. A empresa
participou também de concursos de grandes obras
públicas, como os realizados para o Viaduto do
Chá (1934) e para o Viaduto General Olímpio da
Silveira (sobre a avenida Pacaembu). No primeiro
concurso o projeto apresentado pela PILMAT foi
classificado em terceiro lugar, enquanto no segundo
a empresa saiu vencedora, o projeto sendo fielmente executado.
As obras deste período estão relacionadas à
experiência com Prentice e às obras do Sulacap a
primeira encomenda da PILMAT em São Paulo. O
projeto teve repercussão no desenvolvimento
futuro do escritório, especialmente na produção
para o mercado imobiliário, isso pode ser notado
nas características dos edifícios comerciais, e em
certa medida residenciais como o edifício Santo
André (1935) localizado na Avenida Angélica
esquina com a rua Piauí.
Notadamente os edifícios construídos na rua
Marconi, também ilustram a influência do Edifício
Sulacap. Por exemplo o edifício São Manoel, assemelha-se na volumetria que acompanha o traçado
da esquina, janelas de canto, as linhas da marquise, o ritmo e proporção das aberturas, mas, sobretudo, na composição da fachada, lisa, com marcação
das linhas horizontais. Essas características também
47
estão presentes em outros edifícios construídos na
mesma rua, como o Edifício Ângela Loureiro (19381940) do Escritório Técnico Ramos de Azevedo
Severo - Villares Cia. Ltda e o Santa Leonor (19381940) projetado pelo arquiteto Otávio Lotufo e
construído pela construtora Richter & Lotufo Ltda.
Todos os edifícios foram construídos em concreto
armado, uma tecnologia que nos anos 1930 se
tornou mais comum, alguns deles, como o edifício
Sulacap, marcado também por uma geometrização
e abstração, que podem ser identificadas como uma
tendência “moderna”(PINHEIRO, 1997). Esta
maneira de construir atendia a um dos principais
anseios de Pilon: a racionalização e economia da
construção, algo que se revelava do ponto de vista
estético na simplificação da arquitetura, na adoção
de elementos construtivos modulados e de simetria,
no emprego de soluções que facilitavam a execução
do edifício e de sua estrutura em concreto armado.
Se, como aponta Joana Mello (2008), a preocupação
com a economia e racionalização da construção
era presente na obra de Pilon no período, essa
mesma preocupação não acarretou nesse primeiro
momento, uma mudança no seu modo de conceber
os projetos, que ainda continuavam vinculados ao
academicismo (MELLO, 2008).
Dos edifícios concebidos por Pilon na PILMAT
a sua a obra mais conhecida é a Biblioteca Mário
de Andrade (1935). A biblioteca segue as mesmas
características dos edifícios anteriores, principalmente a ausência de ornamentação, a marcação
das linhas horizontais, a orientação clássica da
composição, a harmonia de proporções entre cheios
e vazios, a impressão de solidez e a capacidade de
desenvolver um programa complexo, que abriga
funções diversas. O projeto saudado pelos periódicos nacionais, faz parte também da famosa exposição Brazil Builds (GOODWIN, 1943, p.135).
Pode se dizer que existiam dois grupos de edifícios, primeiramente os relacionados ao Sulacap
como foi mostrado anteriormente, mas também os
edifícios semelhantes à Biblioteca Municipal Mario
de Andrade, que era mais clássico tanto nas plantas
como na organização do programa. Há ainda um
grupo de projetos ecléticos formado por residências
unifamiliares e edifícios residenciais, como o São
Luís. Se nos edifícios de escritórios Pilon adotava
como partido geral a simplificação dos elementos
arquitetônicos, preocupado com os custos e a
rapidez da construção, nas residenciais unifamiliares e edifícios residenciais, a grande preocupação
de Pilon, era com o sentimento das famílias, que
solicitavam certo estilo e o arquiteto projetava
(BRANCO, 2002).
48
De fato, analisando o projeto para o edifício
São Luiz no acervo da FAUUSP, verificamos que
havia outras propostas para as fachadas, que eram
ora mais ornamentadas e ora mais desprovidas de
ornamentos, próximas da linguagem moderna ou
art déco. Dessa forma, diferentemente dos edifícios
comerciais, que eram destinados à aplicação de
um capital e para um público mais diversificado,
os edifícios residências e as residências unifamiliares parecem estar mais ligadas às ideias saudosistas dos seus proprietários (BRANCO, 2002).
Pilon atuou na PILMAT até junho de 1940, ao
contrário do que fora afirmado pela bibliografia
para quem a parceria tinha se encerrado em 1939.
Segundo o filho mais velho do arquiteto, a sociedade terminou por conta da invasão da Alemanha
à França durante a Segunda Guerra Mundial. No
ano seguinte, Pilon abriu um novo escritório de
projetos e construção próprio chamado Jacques
Pilon, arquitetura e construção, onde atuaram como
chefes de escritórios Herbert Dushenes, Franz
Heep, Gian Carlo Gasperini e Jerônimo Bonilha,
além de outros desenhistas estrangeiros cujos
nomes não foi possível levantar.
Dushenes nasceu em Hamburgo na Alemanha
e estudou na Technischen Hochschulen de Praga7
até 1939, quando abandonou os estudos seis meses
antes de se formar. Junto com outro irmão, Duschenes decidiu emigrar diante do avanço nazista,
fugindo para a Hungria, passando pela Itália e até
chegar na Suíça, e com sua família, foram para a
Inglaterra e então para o Brasil. Em entrevista a
Joana Mello, o arquiteto Gian Carlo Gasperini,
afirmou que quando entrou no escritório em 1951,
Dushenes já tinha saído, mas sabia que ele era o
responsável pelos projetos neoclássicos do Pilon,
que eram de alta qualidade.8
Então esta primeira fase do escritório do
Jacques Pilon se configura primeiramente pelos
trabalhos realizados pela PILMAT, e posteriormente com Dushenes como chefe de projetos. É possível perceber que a maioria dos projetos são de
edifícios comerciais, e fazem parte de um momento
mais conservador do escritório, uma atitude mais
vinculada à academia que aparece na composição
geral dos edifícios. Porém não havia uma única
forma de projetar, foram feitos edifícios com características modernas como o Edifício Sulacap,
clássicas como a Biblioteca Mario de Andrade e
ecléticas como a identificada no Edifício São Luis.
O arquiteto Heep trabalhou no escritório de
Pilon entre 1947 e 1950, modificando, segundo
Barbosa (2002), de maneira decisiva a produção
de Pilon ao impor o abandono das características
acadêmicas do início da carreira em favor da arquitetura moderna. Ainda segundo o mesmo autor,
Heep deu leveza e movimento às obras de Pilon
através da volumetria recortada e sinuosa, do jogo
entre simetria e assimetria, dos brises-soleil, dos
elementos vazados, das venezianas e das varandas,
características que definem os edifícios d’O Estado
de S. Paulo (1948-1953) e da Casa da França (1950)
(BARBOSA, 2002). Neste novo contexto, é possível
perceber uma alteração tão significativa em sua
produção arquitetônica, que uma nova fase se
inicia. Nesta segunda fase (1948-1958) a chefia do
escritório passa de Dushenes para o Heep. Além
disso, a cidade e os investimentos imobiliários
passavam por grandes mudanças.
Em 1942, é promulgada pelo governo federal
a Lei do Inquilinato, que congelava por tempo
indeterminado os aluguéis, tornando o investimento no mercado rentista, característico da primeira
fase do escritório, desinteressante. Influenciado
por esta lei, pela intensa urbanização, pela expansão das classes médias e pelo aumento do crédito
imobiliário, o mercado imobiliário altera sensivelmente o seu tipo de investimento (SOUZA, 1994).
O mercado imobiliário deixa, então, de investir
prioritariamente em edifícios comerciais destinados ao aluguel, para investir no mercado de compra
e venda de edifícios residenciais, construídos em
sua grande maioria no centro novo e expandido.
As classes médias são o principal alvo desse
mercado imobiliário que, em virtude da restrita
capacidade de compra dessa camada da sociedade,
investe inicialmente em pequenos apartamentos,
inspirados nos hotéis norte-americanos, conhecidos
por quitinetes. As quitinetes garantiam aos
membros da classe média o acesso a moradia no
centro, ou seja, em áreas providas de toda a infra-estrutura urbana e onde se concentravam os empregos da cidade. A colaboração de Heep ocorre
prioritariamente nesse momento (1948-1951), o
arquiteto alemão se destacou pela qualidade dos
edifícios que concebeu na cidade.
Segundo Barbosa (2002, p.178), Heep estava
totalmente afinado com os ideais da arquitetura
funcionalista dos anos de 1920 e 1930, época de
sua formação em Frankfurt, com professores como
Walter Gropius e Adolf Meyer, chegando a colaborar com Meyer no departamento Municipal de
construções de Frankfurt Am Main de 1926 a 1928,
portanto sofrendo a influência das experiências
habitacionais desenvolvidas por Ernest May nos
bairros de Hohenblick e Romerstadt, com a racionalização dos métodos construtivos. E em um
segundo momento Heep estudou na École Specia-
le d’Architecture com Mallet Stevens em 1928,
quando migrou para a França. Nesta época colaborou com André Lurçat, Le Corbusier (no trabalho de canteiro) e Jean Grinsberg de quem foi colega
na École Spéciale e sócio de 1936 até 1945. É possível verificar que seus projetos refletem as influências de sua formação e os ideais da época, como
a industrialização dos elementos desde a estrutura até a caixilharia. No escritório de Pilon, com a
chegada de Heep, alguns edifícios foram repensados, dentre eles o edifício Atlanta (1945-1949), o
edifício R. Monteiro (1945-1948), o Vicente Filizola
(1943-1952), o edifício Salim Farah Maluf (19451951), o edifício Santa Mônica (1947-1950), o Basílio
Jafet (1946-1950) e o Liga das Senhoras Católicas
(1949-1950).
A partir de 1957, com a promulgação de um
novo Código de Obras, que estabelecia um coeficiente de aproveitamento para edifícios comerciais
e residenciais - menor do que os aplicados até
aquele momento - e uma área mínima de 35 m2
para apartamentos - a construção de quitinetes é
desestimulada, incentivando-se a construção de
edifícios de 1 a 3 dormitórios destinados a um
público de maior poder aquisitivo (ROSSETTO,
2002). Nessa nova fase, ao contrário da primeira
quando predominavam os investidores individuais,
os principais investidores e promotores da construção dos edifícios na cidade são empresas imobiliárias, bancos, institutos de previdência e, em
menor escala, sociedades particulares9. O setor
passa a se organizar em moldes empresariais,
consolidando a atividade de incorporação, que
englobava a promoção, construção e a comercialização de imóveis. O incorporador participava em
muitos casos do investimento da compra do terreno
e venda dos apartamentos, passando pela elaboração do projeto, por sua aprovação na Prefeitura
e construção. Mas existiam diferentes incorporadores atuando na cidade, como aponta a pesquisa
de doutorado de Rossela Rosseto (2002) e o trabalho da Maria Adélia de Souza (1994).
No escritório, Pilon era agenciador e empresário, organizava os projetos na busca por diferentes
trabalhos e continuava com as encomendas individuais. Além de Heep, contribuiu para essa
segunda fase da obra de Pilon, o arquiteto italiano
Gian Carlo Gasperini. Com Gasperini, Pilon realizou
os edifícios residenciais Paulicéia e São Carlos do
Pinhal (1956) e o edifício de escritórios Barão de
Iguape (1956). Nos primeiros desenhos para o edifício Paulicéia, os arquitetos assimilaram as lições
de Heep no desenho uniforme das fachadas, definido por caixilhos e venezianas padronizadas, ao
49
mesmo tempo em que características da chamada
arquitetura carioca são introduzidas por Gasperini. Abrigando três tipos de apartamentos por andar,
o projeto dispensa a dependência de empregada
no apartamento de quarto e sala, algo raro nos
empreendimentos imobiliários de alto padrão à
época, mas já presente nos apartamentos tipo quitinetes, como o edifício Porto Feliz (1941) na praça
da República, da primeira fase da obra de Pilon.
Gasperini desenvolveu diversos projetos iniciados por Heep quando trabalhava no escritório
de Jacques Pilon, dentre eles, o Edifício do Estado
de São Paulo, uma fábrica em Taubaté, um banco
francês em São José dos Campos e a Aliança Francesa em São Paulo. O do Banco Moreira Sales foi
desenvolvido a partir do projeto da firma americana Skidmore, Owings and Merril (SOM) que empregou nas fachadas a cortina de vidro, marca
registrada dos edifícios do gênero inspirados na
obra de Mies van der Rohe (1886-1969). Para a
realização deste projeto, Moreira Sales pediu a
Pilon, para que o arquiteto fosse aos Estados
Unidos. Gasperini acaba indo para Nova York trabalhar no projeto no SOM, trazendo modelos de
fachadas típico do escritório, mas gostaria de ter
realizado o seu projeto, que segundo ele era um
projeto carioca10.
Nessa segunda fase é possível concluir que a
maioria dos edifícios projetados pelo escritório era
residencial e podemos notar a proeminência da
arquitetura moderna que se manifestava na relação
entre arquitetura e engenharia.
Na terceira e última fase (1958-62) do escritório
de Jacques Pilon, o chefe do escritório é o jovem
Jerônimo Bonilha Esteves, que dois meses depois
de formado, em 1958, foi trabalhar no escritório
do arquiteto francês. Segundo o relato de Bonilha11
o escritório do Pilon se organizava em um esquema
enxuto e realizava obras importantíssimas. Pilon
era o dono que, de maneira sábia, cultivava as
amizades socialmente importantes, arrumava o
cliente e conduzia o escritório. Havia uns cinco ou
seis desenhistas projetistas, um engenheiro, um
contador e uma secretaria. Desta maneira, o escritório fazia o projeto e cuidava da obra, escolhia as
construtoras e empreiteiras, fazia orçamentos.
Pilon dirigia a obra, contratava empresas especializadas, muitas delas estrangeiras. Bonillha se tornou chefe do escritório e passou
a coordenar o desenvolvimento do projeto e acompanhamento da obra do Banco do Moreira Salles.
A maioria dos componentes da obra eram importados, porque aqui não existia ainda na década de
1950, uma indústria da construção civil de fato
50
estruturada. Neste período, as obras mais noticiadas foram: a Sede do Banco Lar Brasileiro (1959),
que tinha como referência outro projeto do SOM.
Para Paulo Bruna (1988), no projeto Sede do Banco
Lar Brasileiro foi retomada a solução de fachada
empregada no Barão de Iguape e no Liceu Pasteur,
onde se “nota o uso de fortes estruturas de concreto aparente, o uso de cobogós, gárgulas e as cores
típicas da arquitetura paulista dos anos 1960”
(BRUNA, 1988, p.139). Porém segundo Bonilha12,
“o Liceu (Pasteur) foi feito com uma construtora
francesa que trouxe a tecnologia para se fazer
concreto aparente, como o Le Corbusier fazia. Foi
uma das primeiras obras que utilizou concreto
aparente e pintaram, ainda ninguém pintava”.
Durante essa terceira fase, o escritório passava
por dificuldades em virtude da diminuição sensível das encomendas. A arquitetura moderna paulista passou a ganhar espaço e se começou a questionar a relação da arquitetura com o mercado
imobiliário. Como foi apontado, a obra de Pilon
em São Paulo, pode ser dividida em três fases, que
se definem tanto pelo caráter geral de sua produção, pela contribuição específica de cada um dos
seus colaboradores, pela maneira como o mercado
imobiliário se estruturava e a relação do escritório
com o crescimento de São Paulo. Em cada uma
dessas fases, Pilon encontrou em São Paulo um
espaço e uma situação para que seu escritório
pudesse se estruturar em moldes empresarias e
produzir em larga escala. Dessa forma, o arquiteto contribuiu para a consolidação de uma das faces
do processo de metropolização da cidade, a verticalização das áreas centrais, nesse período se destacaram outros arquitetos estrangeiros, entre eles
os já citados Herbert Duschenes, Franz Heep e Gian
Carlos Gasperini, além de Lucjan Korngold, Francisco Beck e Giancarlo Palanti.
3. A construção da cidade pelo mercado
imobiliário a partir de quatro projetos
do escritório Jacques Pilon
Os edifícios São Luiz, Goytacaz, Atlanta e Paulicéia
parecem sintetizar a produção dos escritórios de
Jacques Pilon, as mudanças de sua produção conforme os chefes de escritório e a sua ação no processo de verticalização de São Paulo. Segundo Nadia
Somekh (1997) a verticalização que em São Paulo
começou nos anos 1920, passou por várias fases13.
Uma primeira fase mais intensificada outra de constituição do mercado em bases empresarias, ocorrida sobretudo a partir dos anos 1940, acompanhada
da incorporação imobiliária, que em uma terceira
fase, começaria a ser controlada pelo poder público.
Na primeira fase da verticalização da cidade,
houve a promulgação do Código de obras Arthur
Saboya, em 1929, que visava assegurar um crescimento racional das edificações (FELDMAN, 2005,
p.62). Porém, as principais críticas feitas ao código
foram: a falta de um plano coerente de zoneamento, providências inadequadas para a aprovação
de plantas e fiscalização da construção, tratamento insuficiente dos problemas de higiene e segurança pública, regulamentação deficiente do loteamento e ausência de qualquer preocupação
estética. A partir dos anos 1930 a verticalização se
intensificou, acompanhando a transformação do
mercado imobiliário estruturado em bases familiares para um mercado imobiliário de bases empresarias. Neste período, o Estado passou a investir em infraestrutura urbana e intervir no setor
de edificações mediante às legislações urbanas,
caixas econômicas e fundos de financiamentos.
Esta fase se consolidou como fase rentista, os edifícios eram construídos para aluguel, na época, a
melhor opção de investimento.
A classe média, muito interessada neste processo, passa a se aliar com a burguesia que aplicava os seus lucros na construção de edifícios para
aluguel. Segundo Carlos Lemos, essa década foi o
tempo de propagação do concreto armado e os
edifícios residenciais, passaram a ser aceitos, pois
a solução de moradia coletiva era até então altamente rejeitada pelo gosto popular, especialmente
pela classe média, que não admitia ‘promiscuidades’
que via nos cortiços da cidade (LEMOS, 1983, p.136).
Durante a década de 1940, a verticalização se
expande. As plantas dos edifícios repetem as soluções de casa térreas: corredores, saletas, salas de
almoço junto à cozinha, e de jantar junto à de estar,
os edifícios reproduzem as plantas dos palacetes.
Um bom exemplo dessa solução é o Edifício São
Luiz (1939-1942). Ele começou a ser desenvolvido
pela PILMAT, e foi concluído pelo Escritório Jacques
Pilon. O projeto interessa porque é um exemplar
de mudança do estatuto do escritório e das parcerias. O edifício São Luiz era habitado por uma classe
média alta, Jacques Pilon morou nele durante alguns
anos14. O cliente Roberto Alves de Almeida, fazendeiro de café e banqueiro (proprietário de outro
edifício projetado pelo escritório na Avenida Nova
Anhangabaú esquina com a Rua Francisco) teria
exigido o desenho eclético e não havia concordado
com outra versão mais moderna (BRANCO, 2002).
O edifício, implantado na esquina da rua Ipiranga com a avenida São Luiz, demandava um
desenho da fachada de esquina diferenciado em
função dos recuos exigidos pela legislação. Pilon
optou por arredondar o edifício na esquina para
que fosse possível uma circulação facilitada na
calçada. A fachada foi muito estudada15, nas diversas versões podemos verificar desenhos com
menos ornamentos, que se aproximam da fachada
dos edifícios na rua Marconi, em uma composição
mais clássica. Porém, na versão final a fachada o
desenho é eclético e se aproxima de certos edifícios
franceses. Se analisarmos o programa, edifício
residencial, com comércio no térreo, é possível
dizer, que o desenho da fachada é marcado pelo
uso residencial. Há um coroamento da marquise,
que diferencia o uso.
O edifício, em sua implantação final foi desenhado com duas fachadas parciais e duas fachadas
cegas para os terrenos vizinhos, a circulação vertical é central por onde se acessa os apartamentos,
no qual a circulação interna horizontal é realizada
pelos corredores devido a setorização da planta.
Neste período houve uma mudança de escala
na produção imobiliária, que se intensificou e
ocorreu em diferentes segmentos do mercado imobiliário. Em 1942, com a Lei do Inquilinato, foi
alterado o modo de produção dos edifícios, iniciou-se um processo de produção para venda, surgiu
a incorporação, os condomínios, decorrente de um
desestimulo à produção rentista. No campo do
urbanismo, segundo Sarah Feldman, a prática
inovadora se daria nas formas de controle do uso
e ocupação do solo, com demarcação de zonas,
articulação de índices urbanísticos definidores de
funções, recuos, coeficientes de aproveitamento e
taxa de ocupação. Entre o final dos anos 1940 e ao
longo dos anos 1950 inúmeros decretos são emitidos definindo extensas áreas exclusivamente residenciais e vias destinadas à verticalização.
Avenida 9 de julho, é um exemplo para compreendermos melhor esse período. Essa avenida
revela um momento de transformação da cidade,
Adriano Augusto Bosetti estudou esse processo e
segundo ele, a modernidade na arquitetura encontrou na avenida significativa possibilidade de expressão: “valendo-se cada vez mais dos crescentes
avanços na área da indústria da construção civil
com o apuro na produção seriada de elementos
construtivos pré-fabricados, os arquitetos e engenheiros puderam desenhar edifícios com as mais
variadas soluções” (BOSETTI, 2002). O Edifício
Goytacaz (1942-44), localizado na avenida Nove de
Julho, cujo cliente era Benedito Manhães Barreto,
um banqueiro e industrial, também proprietário
do Edifício Barão de Ramalho na avenida, é o
51
exemplo desse período. O edifício ainda traz referências mais clássicas na solução do programa,
são diferentes tipos de apartamentos, a área
molhada está próxima da circulação vertical, separando área de serviço e de estar. Ao mesmo
tempo, o projeto da estrutura mostra uma preocupação na liberdade para desenhar os quartos e
salas, espaços servidos que por uma questão funcional estão separados dos espaços servidores
(cozinha, banheiro e área de serviço). No projeto
final, o edifício foi desenhado com três fachadas
parciais, uma delas possui uma varanda e na outra
as aberturas são para um vazio interno. Duas fachadas cegas, uma para o lote lateral e a outra para
o posterior, a circulação vertical é perimetral
interna, por onde se acessa os apartamentos, cujas
plantas são organizadas pela setorização dos ambientes. Ao analisar os desenhos no Arquivo da
FAUUSP verificamos diversos estudos das fachada
e perspectivas desenhadas por Herbert Dushenes
que revelam a maneira como o edifício e seus
detalhes eram projetados. Parece ter sido projetado para uma classe média, porém com ideais ainda
burgueses, as perspectivas internas mostram uma
casa francesa, foram feitos vários estudos dos ornamentos, detalhes das escadas, croquis das grades
do balcão. O desenho dos porta-leites, é indicado
a vivência na cidade ainda provinciana, era um
momento de contradições São Paulo se transformava em industrial, porém esses detalhes refletem
ainda, uma vida mais provinciana.
Na década de 40 e 50, as companhias de capitalização, caixas econômicas e empresas de seguros
investiram em construções de edifícios para as
diferentes classes sociais. Em São Paulo, também
são construídos os conjuntos pelos Institutos de
Aposentadoria e Pensões, que visavam um barateamento na construção, uma racionalização e
verticalização. A verticalização que primeiramente era comercial passa a ser residencial. Surgem
novas formas de morar, destinadas à classe média
as quitinetes. Segundo Figueroa,
[…] ao se pensar o problema e a configuração
de uma habitação coletiva não há a figura de
um cliente e nem de uma família, portanto
nenhuma informação específica ou pessoal de
quem irá morar. Há sim, por parte de quem
idealiza, seja ele promotor público ou privado,
uma noção genérica de quem poderá morar.
Portanto, têm-se inevitavelmente um recorte
socioeconômico do critério de configuração
programática. (FIGUEIROA, 2002, p.227)
No escritório de Jacques Pilon foram construídos alguns edifícios quitinetes, como o Edifício
52
Atlanta (1945-1949), localizado na Praça da República. O prédio era um investimento pessoal de
Jacques Pilon. A partir da leitura dos processos é
possível especular sobre os usos que o edifício teve
e quais foram as modificações necessárias para
que o projeto fosse aprovado. Primeiramente em
1945, parece ter sido um edifício comercial, pois
nas plantas diziam salas, possivelmente salas de
escritórios; em 1946, tem uma nota dizendo que os
sanitários terão ventilação permanente, o que significa exigência da prefeitura e em 1948 temos
dormitórios. Esse edifício contou com a colaboração
do arquiteto Adolf Franz Heep, que trouxe novidades na forma de projetar. Seus projetos, principalmente em suas inúmeras quitinetes no centro de
São Paulo, visavam a satisfação das necessidades
mínimas do homem conforme defendido por
Gropius e Le Corbusier. A partir de suas experiências na Europa, Heep traz o desenho de elementos
construtivos adaptados para São Paulo: a utilização
de brises, uma racionalização e, se possível, simplificação da estrutura e nas plantas dos apartamentos salas e dormitórios integrados em que se
compartilha as atividades sociais e íntimas.
Entre 1945-1949, o edifício passou por diversas
alterações promovidas por Heep do projeto original. Na descrição de Barbosa (2002, p.42), as venezianas de correr, em alumínio, protegem e integram
a sala ao terraço que se abre para a praça. As jardineiras funcionam como guarda - corpo, dando
uma característica peculiar a este prédio, isso se
vê no conjunto de edificações de frente para a
praça, compondo a fachada juntamente com o
edifício Esther de Álvaro Vital Brasil e Adhemar
Marinho, de 1936. O Edifício Atlanta, se comparado a outros projetos de quitinetes na mesma época,
mostra uma enorme qualidade, com uma regularidade na multiplicação das unidades esse edifício
além de responder ao aproveitamento dos espaços
trazia altas possibilidades de lucro. O desenho da
implantação final do edifício é constituído por uma
fachada plena para a Praça da República, uma
fachada parcial e duas fachadas cegas. A circulação
vertical é perimetral interna, por onde se acessa
os apartamentos, cuja planta é axial. Na cobertura
são destacados quatro andares, onde Heep desloca
o volume superior para a lateral, encostando na
edificação vizinha, possibilitando aberturas na
outra lateral, então a fachada é composta nesse
desenho assimétrico.
É possível dizer que o processo de verticalização as legislações tiveram um papel muito mais
incentivador do que inibidor, limitava a altura dos
edifícios a partir da largura das ruas, mas era
flexibilizada se fossem feitos recuos escalonados,
como ocorria na legislação americana. No edifício
Atlanta, os processos de aprovação do prédio demonstram a possibilidade de reinterpretar a legislação. Através da atuação de Pilon, que entra com
recurso na prefeitura, o projeto foi aprovado em
conjunto com outros dois o Santa Mônica, realizado pelo escritório do arquiteto francês, e o da Bolsa
de Imóveis, realizado por Lucjan Korngold. Desse
modo, foram exigidos recuos laterais apenas nos
edifícios Atlanta e Santa Mônica, constituindo um
conjunto integrado dos três edifícios. Além dos
prédios residenciais com várias de unidades, que
destinam o pavimento térreo para comércio e
serviços, os anos 1950 são marcados pelo surgimento de edifícios que agregam múltiplas atividades-cinemas, comércios, restaurantes, escritórios
- e incorporam galerias comerciais em ruas internas aos quarteirões (SAMPAIO, 2002). Em 1952, o
Código Arthur Saboya foi revisto e um novo foi
promulgado, mas as questões permaneceram muito
genéricas a respeito dos coeficientes máximos de
aproveitamento do terreno e zoneamento, estimulando o surgimento de grandes edifícios, que adensaram a cidade.
O Edifício Paulicéia (1955-56) parece interessante porque é um exemplar da participação do
arquiteto Gian Carlo Gasperini e do investimento
de um novo tipo de cliente, não mais o cliente
particular, mas sim o incorporador, neste caso a
Sul América Capitalização S/A. Ao mesmo tempo,
no projeto do edifício se ensaia a possibilidade de
reunir diversos programas além do residencial,
um cinema no subsolo, que não foi implantado.
São três possibilidades de apartamento, um, dois
e três dormitórios que reúnem diferentes classes
econômicas de moradores. Foram feitos diversos
estudos para a circulação vertical. Em um outro
estudo os dois edifícios são diferentes, um deles é
arredondado e uma ponte com circulação vertical
conecta os dois. Nos apartamentos também foram
feitas especulações, existiam exemplos com as
varandas por toda fachada, alguns desenhos mostravam a organização da área molhada e circulação
vertical na parte central do apartamento. Em 1952,
com a promulgação da lei municipal que regulamentava a construção de banheiros sem ventilação
direta, isso acontece nos apartamentos de um e
três dormitórios deste edifício. A implantação final
inova com dois grandes edifícios paralelos no
mesmo lote configurando um grande térreo jardim,
uma laje que vence o desnível das duas ruas, São
Carlos do Pinhal e a avenida Paulista. O edifício
foi desenhado com uma fachada plena e três par-
ciais, cada apartamento possui no mínimo uma
fachada plena e uma parcial. A circulação vertical
é perimetral interna, por onde se acessa os apartamentos, também existe uma circulação vertical
externa que possibilita o acesso às unidades
maiores. A planta foi organizada a partir da setorização da área molhada conectada aos quartos a
partir da sala.
Se compararmos o edifício Paulicéia com outros
edifícios da avenida Paulista como o Conjunto Nacional (1954) do arquiteto David Libeskind, ou Três
Marias (1952) e o Nações Unidas (1955-1959) projetados pelo arquiteto Abelardo de Souza, podemos
afirmar que na década de 1950 esses edifícios eram
grandes empreendimentos inseridos em lotes de
grandes dimensões, com diferentes soluções arquitetônicas, porém bem localizados, o que garantia
importância para a função terciária (SAMPAIO,
2002). Em relação ao programa há uma variação
com comércio, serviços e uma grande área destinada a habitação. No edifício Paulicéia a área destinada para a habitação é majoritária. A solução
final parece ser a mais simplificada e eficiente.
4. Considerações finais
A partir do debate sobre a participação do arquiteto nas discussões acerca da arquitetura moderna
e a sua atuação no mercado imobiliário que então
se estruturava em bases empresariais, é possível
concluir que Pilon foi muito importante para a
metropolização de São Paulo. Durante sua produção, primeiramente na PILMAT, Pilon investiu
numa linguagem mais simplificada próxima do
art deco, de Perret, e dos alemães, para além da
eclética e empregou em larga escala a tecnologia
do concreto armado. Em seu escritório particular,
a partir as contribuições de Dushenes, Heep, Gasperini e Bonilha, difundiu certos preceitos da arquitetura moderna, como a racionalização compactação e funcionalidade dos ambientes.
Se na PILMAT ele se envolve mais diretamente com a concepção dos projetos, em seu escritório
particular Pilon vai se tornando cada vez mais um
administrador. Nesse papel, ele soube perceber as
mudanças em curso e contratar bons arquitetos
mais conectados com a produção contemporânea
da arquitetura, que tinham alta qualidade e ainda
na verticalização da cidade, propunham novas
tipologias. O papel de Pilon passa a ser de agenciador e empresário, talvez devido a essa postura de
Pilon, os arquitetos colaboradores de seu escritório
ganhavam muito espaço para projetar e acabavam
53
sendo reconhecidos como autores dos projetos.
Segundo Bonilha, que se tornou chefe de projeto
no último período do escritório, Pilon
[…] via a arquitetura como um meio de vida,
de construir coisas bonitas e agradáveis para
o cliente. Ele tinha uma sensibilidade grande
para responder às demandas do momento,
sabia contratar bons arquitetos, em geral mais
jovens do que ele. Com isso ele foi acompanhando as mudanças na arquitetura e por isso sua
obra teve várias fases a depender do parceiro
e do período.16
Porém, Pilon se torna preterido no panorama
historiográfico, devido ao seu modo de trabalhar
para o mercado imobiliário, sua obra passa a ser
pouco investigada e quando analisada sempre com
ressalvas, e nunca na totalidade dos projetos, sem
considerar as reais contribuições de sua arquitetura para a cidade de São Paulo. Neste trabalho
procuramos expor todo seu período de produção,
expondo suas obras para serem analisadas como
um todo. Desta maneira foi possível construir um
outro olhar sobre tal arquiteto.
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Notas
1. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela
Escola da Cidade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (2009).
2. Philip Goodwin produziu um catálogo para a exposição Brazil Builds, publicado pelo MoMA de Nova York
3. As informações foram retiradas do levantamento das
obras e catalogação realizado na biblioteca da FAUUSP.
4. Segundo Ilda Castelo Branco (2002), Pilon teria morado em Santos e estudado no curso de Letras. Essa
versão, contudo, foi revista em entrevista concedida à
Joana Mello e Marina Rosenfeld, por Jean Louis Pilon,
filho de Jacques Pilon, em abril de 2009.
5. Atualmente a fachada está em más condições, mas o
edifício continua sendo importante, haja visto que abriga a sede da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, em
São Paulo.
6. Dos projetos analisados, 284 no total, 77 eram residências unifamiliares, 68 edifícios residenciais, 76 edifícios de escritórios, 15 edifícios industriais, 3 edifícios de
lazer, 3 edifícios educacionais, 8 fazendas, 2 religiosos e
32 não identificados. Esses dados foram obtidos a partir
dos memoriais de catalogação do Acervo Jacques Pilon
da Biblioteca da FAU-USP, organizado por Ilda Castello
Branco sob a supervisão de Gian Carlo Gasperini.
7. Entrevista elaborada por Joana Mello e Marina Rosenfeld, e concedida por Ronaldo Dushenes, filho de
Herbert Dushenes, a Joana Mello em maio de 2009.
8. Entrevista gravada concedida a Joana Mello por Gian
Carlo Gasperini em abril de 2008.
9. Existiram diversos momentos na produção de edifícios verticais e nas negociações imobiliárias. Em um
primeiro momento, na década de 1940, predominavam
os proprietários privados. As sociedades particulares
(formais ou informais) que visavam a construção de
edifícios, foram aumentando até atingir 19% de 1958
a 1967. A produção das empresas imobiliárias também
aumentou gradualmente, em 1944 era cerca de 13% do
total construído e em 1967 passa a ser de 40%, o que
mostra uma primazia frente aos proprietários particulares. Conclui-se que a atividade imobiliária foi se tornando empresarial (SOMEKH, 1987; ROSSETTO, 2002).
10. Entrevista realizada com Gian Carlo Gasperini citada anteriormente.
11. Entrevista concedida a autora e Joana Mello por Jerônimo Bonilha Esteves em maio de 2009.
12. Entrevista com Jerônimo Bonilha Esteves citada anteriormente.
13. Ver também a esse respeito Sampaio (2002), Rossetto (2002), e Feldman (2005).
14. Segundo Jean Pilon em entrevista realizada com a
professora orientadora Joana Mello.
15. Verificamos diferentes estudos no arquivo da
FAUUSP.
16. Entrevista realizada com Jerônimo Bonilha já
citada.
em 1943 que apresentou parte da arquitetura brasileira
desde o período colonial. Esta exposição junto ao catálogo abriu um caminho para o reconhecimento europeu
da arquitetura moderna brasileira (GOODWIN, 1943).
55
Galerias: uma tipologia para
a metrópole. São Paulo,
1942 - 1964
Gallery buildings: a typology
for the metropolis. São Paulo,
1942 - 1964
Edificios galería: una tipología
para la metrópoli. São Paulo,
1942 - 1964
Juliane Bellot Rolemberg Lessa1
Orientadora: Profa. Dra. Ana Castro
Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2009-2010
com financiamento do Núcleo de Pesquisa da Escola da Cidade
56
O presente artigo é resultante de
pesquisa de iniciação científica
sobre edifícios em altura com galerias comerciais nos primeiros
pavimentos, construídos em São
Paulo de 1942 a 1964, entendendo-os como uma nova tipologia que
concederia uma almejada feição
de metrópole à cidade. Concentraram-se no centro novo da cidade
- região à oeste da colina central,
que tivera seu acesso facilitado pela
construção do Viaduto do Chá - e
suas adjacências. Em sua maioria,
foram projetados segundo o ideário
da arquitetura moderna e inspirados pelo novo modelo cultural norte-americano. O surgimento da
figura do incorporador, durante
boom imobiliário das décadas de
1940 e 1950, foi também importante para o sucesso de vendas, permitindo aos investidores um maior
aproveitamento do lote e a diversidade de usos, gerando uma lucratividade ainda maior.
This paper is a partial result of an
undergraduate research that
studied tall buildings with commercial galleries on the first floor,
built in São Paulo from 1942 to
1964, understanding them as a new
typology that would grant a long
sought-after feature of metropolis
to the city. They were located on
the new center – a region at the
west of the central hill, which had
its access facilitated by the construction of the Viaduto do Chá –
and neighborhoods. For the most
part, these buildings were designed
according to the ideals of modern
architecture and inspired by the
new American cultural model. The
emergence of the figure of the developer, during the housing boom
of the 1940 and 1950 decades was
also important for sales success,
allowing investors to a greater utilization of the plot and diversity of
uses, generating an even greater
profitability.
Palavras-chave
Galerias, arquitetura moderna,
São Paulo
Keywords
Galleries, modern architecture,
São Paulo
Este artículo es el resultado parcial
de una investigación de iniciación
científica sobre altos edificios con
galerías comerciales en el primer
piso, construidos en São Paulo
entre 1942 y 1964, entendiéndolos
como una nueva tipología que concederá una característica de metrópolis a tiempos buscada por la
ciudad. Esse proceso se centró en
el nuevo centro de la ciudad –
región al oeste de la colina central,
que tuviera su acceso facilitado por
la construcción del Viaduto do Chá
– y sus inmediaciones. En su mayor
parte, esos edificios fueron diseñados según los ideales de la arquitectura moderna e inspirados por
el nuevo modelo cultural americano. La aparición de la figura del
promotor, durante el boom inmobiliario de las décadas de 1940 y
1950, también fue importante para
el éxito de ventas, permitiendo a
los inversores a una mayor utilización del terreno y la diversidad de
usos, generando una rentabilidad
aún mayor.
Palabras-clave
Galerías, arquitectura moderna,
São Paulo
57
Figura 1. Edifício Califórnia, detalhe da
fachada para Rua Dom José de Barros.
Fonte: fotografia da autora, 2010.
1. Introdução
1.1. São Paulo, 1942-1964. A metropolização da
cidade: desenvolvimento econômico, novos
modos de vida e transformação das formas de
morar.
São Paulo se configura definitivamente como metrópole entre os anos 1942 e 1964 (FELDMAN, 2004).
Nesse período, o Brasil vivia um momento de
intenso crescimento econômico, baseado na industrialização decorrente dos efeitos da segunda
guerra mundial. Verifica-se a instalação de setores
de tecnologia avançada no país, um processo de
desenvolvimento que exigiu grandes investimentos públicos. Primeiramente visava-se atender a
demanda do mercado interno, cujo abastecimento
fora prejudicado pela guerra, entretanto, o Brasil
acabará por se tornar um exportador de industrializados, deixando para trás o estigma de fornecedor
de produtos agrícolas.
Por se tratar de um período de crescimento
econômico acelerado, o clima era de grande otimismo, que se fazia sentir, principalmente durante
a década de 1950, em uma efervescência cultural
traduzida num sentimento de orgulho e de desejo
de integração ao “mundo desenvolvido”. A São
Paulo moderna se apresentava nos cinemas, galerias de arte, museus, bibliotecas e nos novos hábitos
que em pouco tempo a levariam a figurar dentro
do seleto grupo das chamadas cidades cosmopolitas (ALBA, 2004). O “moderno” tornou-se assim,
associado ao reconhecimento dessa cidade enquanto metrópole. Dentro desta perspectiva, são, em
grande parte, os “arranha-céus” que aparecem
como a materialização na arquitetura do grau de
desenvolvimento alcançado pela sociedade paulistana. Uma intensificação do processo de verticalização, bem como a opção pelo modelo rodo-
58
viarista no campo do urbanismo, já desde a década
de 19302, reforçam que o modelo almejado era
Nova York, Chicago, Boston, as grandes cidades
dos EUA e não mais a Paris haussmaniana que
ocupara corações e mentes das capitais sul-americanas desde o fim do século XIX.
São Paulo, como principal centro do parque
industrial nacional e, assim, o maior pólo de empregos do país, é protagonista no destino das migrações internas e passa a receber milhares de
pessoas que vêm de outras regiões do país tentar
a sorte na “cidade grande”. Assim, o crescimento
econômico, apoiado na verticalização e na ampliação da malha viária, se fará traduzir em expansão
urbana na mesma medida.
O crescimento econômico e o desenvolvimento do país, entretanto, não abrem caminho para a
superação da enorme desigualdade social. Apesar
da pouca mobilidade social, no período em questão
se verifica um incremento significativo das “classes
médias”; que se dá principalmente pela ampliação
do setor terciário. Esse crescimento criará uma
demanda nova, que alicerçará o desenvolvimento
da tipologia estudada nesta pesquisa.
O período em estudo também é caracterizado
pela intensificação da atividade imobiliária. Trata-se de um período de inflexão no mercado e,
consequentemente, na produção edilícia. Em 1942
é promulgada pelo governo federal a Lei do Inquilinato, que congelava por tempo indeterminado
os contratos de aluguel, forçando uma reestruturação do mercado para uma produção de unidades
voltadas para a venda, mercado esse que era pressionado pelo crescimento da cidade e da população,
pela expansão da classe média e pelo aumento da
concessão de crédito, além da retração na oferta
de casas para aluguel.
A produção imobiliária passa gradativamente
a ser realizada menos por investidores individuais
e começa a se estabelecer em moldes mais empresariais, quando a atividade de incorporação surge
e se consolida (SOMEKH, 1997; ROSSETO, 2002). A
cidade fica cada vez mais à mercê da especulação
imobiliária que fomenta a indústria da construção
civil3. Arquitetos reconhecidos pelo discurso e pela
prática modernos, como Gregori Warchavchik,
Rino Levi, Franz Heep, Oscar Niemeyer, Abelardo
de Souza, Eduardo Corona e outros, projetavam
para incorporadores ou eram sócios de empresas
incorporadoras e construtoras, e serão responsáveis pela construção de extraordinários edifícios
na cidade.4
Alguns conceitos ligados à arquitetura moderna
– nesse momento já configurada como uma importante matriz conceitual para algumas das questões
e desafios impostos pela vida na metrópole, como
habitação econômica, máquina de morar, espaços
mínimos de habitar, eficiência produtiva, baixos
custos e máximo aproveitamento – despertaram
os interesses dos incorporadores (ROSSETO, 2002).
Conceitos como estandartização, produção em
série5, racionalização dos espaços; buscavam o
barateamento da moradia como forma a garantir
que todos pudessem ter acesso a uma habitação
digna. O mercado imobiliário, entretanto, vislumbrou a possibilidade da garantia de lucro, dentro
da lógica capitalista6, com o máximo aproveitamento do lote e os preços diferenciados entre
espaços de moradia e de comércio e/ou serviços.
Com as novas demandas surgem novos programas e novas tipologias habitacionais. Para parte
das classes médias, notadamente a de menor poder
de compra, muitas vezes solteiros ou casais que
chegavam à cidade, surgem os apartamentos
menores em áreas centrais7. Surgem ainda as quitinetes, pequenos apartamentos claramente inspi-
rados em experiências norte-americanas de associação entre hotel e residência, os
apartment-houses. Essa nova tipologia de moradia
permitiu a uma parte das classes menos abastadas
morar no centro e, com isso, garantiu-lhes o acesso
à infraestrutura urbana de que essa região é
provida (ROSSETO, 2002; SAMPAIO, 2002).
Vale lembrar que os primeiros edifícios em
altura surgiram no que começa a ser chamado de
centro velho da cidade, ainda nas primeiras
décadas do século XX, mas a inauguração do
Viaduto do Chá logo desloca esse crescimento em
altura para além do Vale do Anhangabaú, alcançando a rua Barão de Itapetininga e a região da
Praça da República (ALBA, 2004; SOMEKH, 1997).
Junte-se a isso o fato de que era o centro novo8 que
nesse momento era reconhecido como o local de
convívio e aglutinador de atividades, local de negócios, comércio e de lazer, com seus cinemas,
bares, restaurantes e teatros (ARRUDA, 2005). É,
portanto, nessa área que são construídas a maioria
das novas edificações, onde o grande fluxo de
pessoas e veículos justificava as galerias comerciais
no nível da rua.
Pode-se dizer, portanto, que é o centro novo
que assume o caráter de símbolo da modernidade,
reafirmando o progresso da cidade e projetando
sua imagem de metrópole através dos novos “arranha-céus”. Quando há a expansão do comércio
para regiões que ultrapassam esse centro, e sobretudo nas regiões mais nobres, onde o preço da terra
é alto, a pressão do consumo por pontos de venda
acabou por colaborar para que surgissem também
ali grandes empreendimentos de uso misto.
Esses edifícios de uso misto possuem um programa complexo e uma proposta de articulação
com a rua e, pode-se dizer, com a própria cidade.
As galerias dão continuidade ao traçado das cal-
59
Figura 2. Edifício Califórnia, fachada e
acesso na Rua Barão de Itapetininga.
Fonte: fotografia da autora, 2010.
çadas, integrando o conjunto à cidade ao conceder
às áreas comerciais internas o mesmo caráter
público da rua (BARBARA, 2004). Isso lhes garantiu
uma permeabilidade, uma nova relação entre os
espaços públicos e privados, ou públicos e semi-públicos, nunca vistas aqui até então, e que modificam a relação do pedestre com a edificação
propondo, de certa maneira, uma nova cidade.
Os edifícios de uso misto mais notáveis ainda
hoje fazem parte da rotina e do imaginário dos
paulistanos, foram ícones de uma geração e se
confundem com a própria imagem da cidade, como
a Galeria Metrópole, o Copan e o Conjunto Nacional, e, de fato, tornaram-se símbolos da metrópole.
1.2. Debate Urbanístico nos anos da Metropolização: Novos mecanismos de produção do espaço
urbano e mudanças na produção arquitetônica.
O recorte temporal desta pesquisa (1942-1964) se
justifica por englobar o período, cujo contexto geral
foi explicitado acima, que alicerçou a produção da
tipologia em estudo.
Em 1942, quando a Lei do Inquilinato é promulgada por Getúlio Vargas há, como dissemos,
uma grande alteração no mercado imobiliário.
Ressaltamos que a questão da produção imobiliária
em São Paulo já era uma atividade com finalidades
capitalistas bastante lucrativas, desde o primeiro
ciclo de expansão, a partir de 1870. A expansão da
mancha urbana paulista se realizou sob moldes de
uma ocupação determinada principalmente pelos
objetivos da especulação levada a cabo pela iniciativa privada, onde os interesses públicos geridos
pelo estado se subordinavam aos interesses privados (CAMPOS, 2002; SAMPAIO, 2002).
O primeiro plano geral para a cidade que só
surge em 1930, o Plano de Avenidas de Prestes
60
Maia, não privilegiava as iniciativas reguladoras
e concentra boa parte de suas intenções nos projetos viários aliados a soluções “embelezadoras”.
Parte de seu mérito era reconhecer uma estrutura
de funcionamento da cidade e tentar organizá-la,
entretanto, quanto à questão da habitação social,
que em poucos anos se tornaria premente, pouco
foi dito, acentuando-se o caráter preponderante
do investidor privado na cidade9.
A saída de Prestes Maia do poder, em 1945,
abre espaço para o debate urbanístico, motivado
pelas modificações no perfil econômico, político e
social da cidade e pelo desenvolvimento do parque
industrial. A política urbana começa a ser mais
questionada, através principalmente da atuação
de Anhaia Mello, que desde a década de 1920 defendia outras medidas urbanísticas, baseadas nas
ideias da poli-nuclearidade e da contenção do crescimento, apostando em núcleos urbanos menores
ligados por um planejamento regional.
Anhaia Mello era um entusiasta de práticas
urbanísticas que também se desenvolviam nos
Estados Unidos, e as enxergava como modelos para
São Paulo. O zoneamento (zoning) é um mecanismo
de controle urbano desenvolvido pela política
urbana norte-americana, cujos conceitos e experiências fundamentaram as leis em São Paulo. O
que se nota é que o planejamento (planning),
mesmo nos Estados Unidos, se sujeitou ao zoneamento, uma vez que esse último era ditado pelos
interesses imobiliários e da construção civil. Deste
modo, o funcionamento do zoneamento – garantir
determinadas ocupações e usos do solo adequados
ao que se queria para a cidade – foi desvirtuado,
já que o mercado vislumbrou oportunidades de
lucro e de proteção à propriedade privada e, por
isso, utilizava-se desse mecanismo de forma a
manter e até valorizar o preço da terra10.
Figura 3. Edifício Cia. Seguradora, detalhe
das venezianas da fachada principal.
Fonte: fotografia da autora, 2010.
Aqui o zoneamento foi utilizado de modo a
proteger os padrões diferenciais dos bairros de
elite, bem como foi flexivo com a verticalização e
a multiplicidade de usos em regiões sob pressão
do mercado imobiliário. A codificação do zoneamento não se fez de forma democrática, mas sim
sobre decretos e regulamentações segmentadas,
até a aprovação de uma lei mais completa em 1972,
que é a vigente até os dias atuais. Apesar de promovido como meio de criar mecanismos para a
coordenação do volume e altura das edificações e
da utilização do solo urbano, o zoneamento será
utilizado como forma de proteger os valores imobiliários e preservar áreas com grande potencial
especulativo. Assim, conclui-se que sua codificação
não promoveu mudanças significativas na forma
de construir a cidade e muito menos se colocou
freio no espraiamento da mancha urbana.
Verticalização, multiplicidade de funções, ocupação intensiva do lote entre outras, são as características do recorte tipológico em estudo nesta
pesquisa. E todas, de uma forma ou de outra, encontram amparo na legislação do período. Para a
tipologia em estudo, a lei 5261 de 1957 foi importante. Conhecida como a “Lei dos CAs”, desagradou
alguns setores ao estabelecer parâmetros construtivos vigentes para toda a mancha urbana, que
tinham efeitos sobre a verticalização. Para moradia,
determinava um coeficiente de aproveitamento de
quatro, já para outros usos, como hotel ou comércio, o coeficiente permitido era de seis; além disso,
estabelecia um mínimo para uso residencial, de 35
m², e para áreas livres, de 20 m² por habitante.
A lei é coerente com o pensamento de Anhaia
Mello, que era contrário ao crescimento horizontal
da cidade, mas também à verticalização e às altas
densidades populacionais. Entretanto, a lei deixou
uma brecha ao estipular dois coeficientes diferen-
tes; construíam-se os edifícios como não-residenciais, aproveitando-se do maior índice, e depois do
“habite-se” o uso do prédio era alterado para habitacional. Em 1964 é proposta a regularização da
questão, estabelecendo o mesmo coeficiente para
todos os tipos de empreendimentos, e excluindo os
outros incômodos índices, como a cota máxima de
terreno por unidade e a densidade máxima; que é
aprovada em 1966.
Reforçando a definição do corte em 1964, há
ainda estudos e teses que também sinalizam esse
mesmo ano como marca de uma inflexão no
sistema de produção imobiliária. Maria Adélia
Aparecida de Souza ao periodizar a expansão metropolitana e a verticalização, considera o recorte
1945-64 legítimo e o denomina como “metrópole
vertical”, quando:
Inicia-se a incorporação imobiliária e o adensamento advindos da verticalização. Acentua-se o caos urbano em face do intenso processo
de expansão, que é, apesar de tudo, acompanhado de planejamento e modernização
urbanas. Início de um intenso processo de verticalização com função, sobretudo, residencial.
(SOUZA, 1994, p.52)
Raquel Rolnik também reforça o ano de 1964
como o fim de um período e de uma forma de legislar e pensar a produção urbana:
Depois de 1964, durante o período da ditadura
militar, o Estado nacional requereu a produção
de planos integrados e condicionou a oferta de
financiamento federal para projetos de desenvolvimento urbano à apresentação pela municipalidade de um plano integrado. (ROLNIK, 2003)
Por fim, mas não menos importante, outro fato
que explica 1964 como o ano em que terminamos
nosso recorte de estudo é que dali a dois anos, em
1966, é inaugurado o primeiro shopping-center de
61
Figura 4. Edifício Nações Unidas. Vista
da Avenida Paulista. Fonte: fotografia
da autora, 2010.
São Paulo, o Iguatemi, cuja construção é iniciada
em 1964. Essa nova forma de organização do comércio, que se remete às próprias galerias comerciais, será responsável, entretanto, por decretar a
extinção das mesmas. Os shoppings-centers se
afirmarão como uma fortíssima tendência de
consumo, que é dominante até a presente data;
mas mais que isso se afirmarão como uma nova
forma de vida na cidade e, principalmente, com
um novo modelo de desenho urbano.
Ao contrário das galerias, que ao prolongarem
o tecido urbano para dentro do edifício configuravam novos espaços públicos, o que se inaugura
com os grandes centros fechados de compra é outra
forma de consumo; há a substituição de um padrão
por outro. Tem início uma busca pela privatização
dos espaços e, consequentemente, uma certa segregação social que encontrará campo fértil com
a posterior insegurança pública. Assim, não diferentemente das galerias, os shoppings também
desenham trechos urbanos; a diferença, entretanto, reside no tipo de cidade que se busca em cada
uma das tipologias.
1.3. Nova Referência Econômica, Política e Social:
Mudança de modelo cultural, novos parâmetros
urbanos e arquitetônicos.
A profunda relação entre as transformações econômicas e as mudanças na estrutura social é de
conhecimento geral. Como dissemos, durante os
anos de 1945 e 1964 o Brasil vive períodos de franco
progresso e otimismo, e é durante esse arco temporal que vários estudiosos consideram que o país
finalmente se moderniza. O ano de 1964 também
simbolicamente pode ser visto como momento de
inflexão, pois sinaliza um corte profundo nos ideais
de uma modernização includente que parecia ser
62
possível naqueles anos e que toma força nos anos
pré-64 com as iniciativas progressistas que se
fazem sentir11.
Nos poucos anos desse período se solidifica
uma economia moderna, que constrói os alicerces
para que essa sociedade rapidamente incorporasse padrões de produção e consumo próprios dos
países desenvolvidos. A acelerada industrialização
permitiu um desenvolvimento tecnológico nunca
visto e, aqui, já se fabricava quase tudo. Os alimentos industrializados e a moda de “comer fora”, a
indústria farmacêutica, novos hábitos de higiene
e limpeza, os cosméticos; muitas são as modificações nos hábitos nesse período e as influências
norte-americanas, facilmente transmitidas pelos
cinemas (outro novo costume do paulistano), vão
do cheese-burger e batata chips ao tênis e a calça
jeans. Como explicam Mello e Novais:
A via principal de transmissão do valor do progresso foi sempre, entre nós, a da imitação dos
padrões de consumo e dos estilos de vida reinantes nos países desenvolvidos [...] Já no final
do século XIX em diante, e acentuadamente a
partir dos anos 50, o grande fascínio, o modelo
a ser copiado passa a ser cada vez mais o American way of life [...].Não é a toa que o brinquedo preferido dos meninos passa a ser o automóvel, símbolo maior do americanismo. Nem
que a riqueza seja muitas vezes identificada
com o Cadillac, carro mais luxuoso fabricado
nos Estados Unidos. [...] Essa forma de consciência social, que identifica o progresso a estilos
de consumo e de vida, oculta os pressupostos
econômicos, sociais e morais em que se assentam no mundo desenvolvido. Forma retificada
de consciência, acrescentemos, peculiar à periferia, onde é possível consumir sem produzir,
gozar dos resultados materiais do capitalismo
Figura 5. Edifício Nações Unidas. Vista da
Avenida Brigadeiro Luiz Antonio (sentido
centro). Fonte: fotografia da autora, 2010.
sem liquidar o passado, sentir-se moderno
mesmo vivendo numa sociedade atrasada.
(MELLO; NOVAIS, 1998, p.604-605)
Não coincidentemente há claras referências
na arquitetura desse período às emblemáticas
construções nos EUA, como a Galeria Metrópole
faz ao Edifício Seagram (de Mies van der Rohe em
Nova York) e como outros tantos edifícios aqui que
irão se basear no Lever House (projeto de Philip
Johnson em Nova York). Até mesmo nas tipologias
que surgem nesse período verifica-se a mudança
de referencial. As quitinetes eram pequenos apartamentos, claramente inspirados em experiências
norte-americanas de associação entre hotel e residência, e que serão grande sucesso de vendas
aqui para, justamente, uma emergente classe
média. Em sua tese, Joana Mello diz:
O modelo de ocupação urbana, da reestruturação viária e da verticalização em curso em São
Paulo no período é formulado a partir dos
Estados Unidos, país que se consolidou como
referência econômica, política e cultural no
entre-guerras, suplantando a hegemonia europeia. Como em Nova York, a lei exigia que os
edifícios fossem implantados no alinhamento
da rua e nos limites do lote, definindo a altura
dos edifícios em função da largura das ruas e
permitindo o aumento do gabarito por meio de
recuos sucessivos. (MELLO, 2010)
Então, sente-se essa mudança de modelo cultural também nas influências arquitetônicas e nos
padrões e referências de modelos urbanísticos. Em
1950 o nova-iorquino Robert Moses é nomeado
para realizar um estudo encomendado ao IBEC
(International Basic Economy Corporation) pela
prefeitura paulista, confirmando o EUA como principal referencial urbano e parceiro econômico.
Seu estudo irá se apoiar, em grande parte, no Plano
de Avenidas de Prestes Maia; e não poderia ser
diferente, considerando que o engenheiro americano era responsável pela idealização de várias
vias expressas, pontes, túneis e viadutos em Nova
York.12 Campos e Somekh reforçam que o EUA eram
a principal referência naquele momento:
Os constantes paralelos, traçados entre São
Paulo e Nova Iorque, reforçam esse ponto de
vista. Como referência desejável, mostram-se
expressways norte americanas. A escala metropolitana, as grandes massas de edifícios,
automóveis e pessoas surgem como modelo
para a cidade. (CAMPOS; SOMEKH, 2002)
Essas opções desenham a legislação, que somada
às características verticais e até mesmo as referências de uma produção arquitetônica americana,
colaboram para a formatação da tipologia de edificação em estudo nesta pesquisa. Por esses motivos,
nos interessou estudar a cidade e seus processos
de transformação física, demográfica, social e cultural a partir dos ideais de norte-americanização
da cidade durante o processo de metropolização.
2. Galerias
2.1. Identificação do padrão das galerias: Recorte
tipológico estudado.
A escolha de um recorte tipológico das galerias em
estudo foi um passo importante da pesquisa. Interessava-nos estudar as galerias cujas edificações
se tornaram símbolo da pujança econômica de São
Paulo durante os anos 1942-1964, que foram ícones
de uma geração e que se confundem com a própria
imagem da cidade até hoje. Para tanto, acompanhamos o trabalho de alguns autores que lidaram
com o tema. A definição da tipologia que mais nos
interessou como recorte foi descrita por Rossela
63
Figura 6. Edifício Cia. Seguradora. Vista
da Avenida da Liberdade. Fonte: fotografia
da autora, 2010.
Rosseto, e pode ser enumerada da seguinte forma:
Programa: residências (ou salas comerciais/
escritórios), comércio e serviços em uma só
edificação; ou seja, uso misto; Separação volumétrica das funções: diferentes usos são marcados por volumes independentes, articulados
entre si e geralmente definidos pela dinâmica
da massa horizontal (...) que serve de apoio
para o desenvolvimento de outra massa, mas
agora vertical (...); Galeria: no térreo, os espaços
comerciais são servidos por ruas internas, como
uma continuação do tecido urbano e, assim
como na rua, podemos observar os acessos dos
edifícios; Espaços coletivos: acima da cobertura do volume horizontal, em geral se desenvolve um espaço de uso restrito aos moradores do
edifício vertical. É o térreo recuperado para
utilização como espaços de convivência e lazer
(ROSSETO, 2002).
O recorte tipológico proposto por Rosseto nos
parece ser o mais interessante na medida em que
essa tipologia representa a hipótese que defendemos na pesquisa. É nos edifícios-conjunto que
temos a associação de uma produção realizada
seguindo o ideário proposto pela arquitetura
moderna, mas que teve desdobramentos tanto nos
interesses econômicos dos incorporadores e construtores do período, quanto no desejo da sociedade paulista de se identificar com a cidade norte-americana, ou o que se imaginava ser isso (MELLO;
NOVAIS, 1998). De fato, trata-se de uma produção
arquitetônica de qualidade, e somente isso já nos
interessaria; mas ela se torna ainda mais instigante por verificar-se nessas edificações um trabalho
que foi realizado para o mercado imobiliário; uma
produção da atividade de incorporação e especulativa, mas que produziu um desenho de cidade
muito mais interessante do que promove o mercado
64
imobiliário atual.
Nos projetos de edifícios-conjunto, as galerias
são uma continuação da calçada; sua resolução
formal de fato inaugura um novo desenho de
cidade. É possível, por exemplo, adentrar na galeria,
atravessar toda a projeção do edifício alcançando
a saída, às vezes já em outra rua ou em outro trecho
da mesma quadra. Sendo assim, sua existência
redesenha todo um trecho do tecido urbano.
2.2. Edificações Estudadas: Listagem das galerias
Considerando o perímetro13 em estudo e os
recortes temporal e tipológico, foram selecionadas
para a pesquisa as nove edificações que cumpriam
com estes pré-requisitos. Além da leitura e fichamento de teses, dissertações e livros sobre os edifícios e sobre assuntos correlatos, levantei material
em revistas e periódicos e, por fim, visitei todos os
nove edifícios. Dessa maneira, foi possível montar
fichas, contendo dados básicos, descrição e uma
breve análise, de cada uma das seguintes edificações: Edifício Metrópole, Edifício Itália, Edifício
Eiffel, Edifício Copan, Conjunto Zarvos, Conjunto
Nacional.
Para os estudos aprofundados selecionamos o
Edifício Cia. Seguradora Brasileira, projeto de Rino
Levi, por ter sido ainda pouco estudado. O pouco
material existente está, em geral, nas pesquisas
sobre a produção do arquiteto, e mesmo assim
não há um estudo sobre o edifício especificamente; ele aparece dentro de análises sobre os estudos
extensivos que Levi realizava para as fachadas ou
para proteção contra a insolação excessiva em
suas obras.
O segundo selecionado, o Edifício e galeria
Nações Unidas, que também foi pouco estudado.
É verdade que seu material é de mais fácil acesso,
já que se destaca dentro da produção de Abelardo
de Souza; mas mesmo o arquiteto não foi muito
estudado, existindo apenas algumas poucas pesquisas sobre o conjunto de sua obra.
Sobre o terceiro edifício estudado, julgamos
interessante escolher uma edificação cuja função
complementar não fosse habitacional. Entretanto,
evitamos as edificações que já foram bastante
estudadas, o que não traria novos elementos a
nossa pesquisa. A Galeria Califórnia enquadra-se
no perfil desejado e também nos interessou por
ter sido o primeiro projeto do arquiteto Oscar
Niemeyer em São Paulo para o BNI (Banco Nacional Imobiliário), de uma sequência de produções
que realizaria para esses incorporadores.
3 Galerias: Estudos Aprofundados
3.1. Edifício Cia. Seguradora Brasileira
3.1.1. Dados Básicos
Projeto: Rino Levi
Construtor: SABE S/A Brasileira de Engenharia
Proprietário: Companhia Seguradora Brasileira
Localização: Avenida Liberdade, n.455,
Liberdade, São Paulo, SP
Data do projeto: 1948
Data da conclusão da obra: 1956
Método e/ou principais materiais construtivos:
concreto armado
Número de pavimentos: 17
Tipologia: salas comerciais (térreo e sobreloja) e
apartamentos 3 dormitórios (4° ao 17° andar).
3.1.2. Estratégias: implantação, distribuição
do programa e partido estrutural
Implantado em um lote de esquina de formato
trapezoidal, no Largo da Pólvora no bairro da Liberdade, a edificação tem maior face para
a Avenida Liberdade e outra para Rua Américo
Campos, onde está a portaria de acesso ao
edifício habitacional.
A localização estratégica, junto ao viaduto da
Rua Jaceguai, próximo ao Largo da Liberdade e de
frente para uma importante avenida, justifica o
investimento em um edifício de múltiplo uso. A
galeria comercial no térreo aproveita-se da localização onde é intensa a circulação de pessoas
locando as lojas no nível da rua.
A separação volumétrica das funções, uma das
principais características da tipologia em estudo,
é exemplar nesta edificação. Um bloco horizontal,
o embasamento onde se desenvolve o programa
da galeria comercial, e um edifício vertical, suspenso sobre o embasamento pelos pilotis, parece
flutuar sobre o volume mais horizontal. Essa
solução formal também é interessante na medida
em que, além de prolongar o espaço urbano, diluindo as barreiras entre as áreas públicas e privadas, também mantém uma escala agradável ao
ser humano, principalmente ao pedestre.
O programa previa então um embasamento com
dois pavimentos de lojas e espaços comerciais, térreo
e sobreloja, onde também se encontra o acesso ao
edifício habitacional. Hoje, a galeria comercial não
existe mais, o espaço reservado para as lojas foi
ocupado inteiramente por um supermercado.
A prumada de circulação vertical do edifício
habitacional é acessada por uma portaria na rua
lateral, entretanto, já no projeto inicial os elevadores e escada se abrem em um hall privativo e não
diretamente nas circulações da galeria comercial.
O edifício vertical, recebe o programa habitacional e se divide em dois blocos, ambos verticais
e paralelos, que estão conectados na região central
pela prumada de circulação vertical, onde também
se localizam as áreas de serviços dos apartamentos, conformando uma solução em planta H. São
14 pavimentos habitacionais com 4 apartamentos
por andar (56 unidades habitacionais); o conjunto alcança 17 pavimentos no total somando os de
uso comercial.
A edificação habitacional, como já mencionado,
está claramente separada do embasamento, suspensa por pilotis gerando um terraço jardim, área
de lazer privativa dos moradores do conjunto. Essa
também era uma solução comum na tipologia em
estudo, que se apresentará também no Copan, na
Galeria Metrópole, no conjunto Zarvos, no Conjunto Nacional, no edifício Eiffel e em outros.
O partido estrutural se dá através do sistema
de vigas e pilares em concreto armado, além de
um corpo transversal rígido, formado pelas prumadas de circulação vertical. Esse sistema estrutural é recorrente nas edificações em estudo, entretanto, geralmente se faz necessária uma
transição entre a edificação vertical e a lâmina
horizontal; essa transição estrutural evita um
número excessivo de apoios no nível da galeria
comercial, o que poderia atravancar essas áreas
em que é desejável a fluidez de percursos e, portanto, a menor quantidade de obstáculos à passagem possíveis.
Aqui se apresenta uma brilhante solução
pensada pelo arquiteto. Ao invés da grande viga
de transição, incômoda e custosa, o número de
65
pilares é o mesmo, mas sua seção vai se transformando a cada ascensão de andar, passando da
forma circular, colunas, no subsolo, para paredes
estruturais nos apartamentos. Isso significa que
apesar de mantido em números, os pilares apresentam sempre a mais interessante solução formal
para cada uma das situações requeridas pela diversidade de programas do conjunto; escondendo-se nas vedações quando nos apartamentos, e
em colunas onde a planta livre é desejada. O arquiteto, nos primeiros pavimentos, recua as vedações, expondo a transição formal da estrutura.
As fachadas, como em tantos outros projetos de
Rino Levi, também recebem atenção especial. Neste
caso, a diferença de peitoris entre as aberturas
retangulares realiza um desenho movimentado
para a fachada, evitando a monotonia dos rasgos
horizontais e destacando o edifício do seu entorno.
3.1.3. Entendendo o edifício: relações, escolhas
e justificativas
A diferenciação entre a área comercial e as lâminas
habitacionais é exposta com muita clareza, como
dito mais acima. O embasamento ocupa 100% do
terreno tirando, assim, proveito máximo do lote;
e como vimos no primeiro capítulo, a legislação
da época não obrigava recuos, permitindo esse
tipo de ocupação extensiva que desenha edifícios
como o da Cia. Seguradora Brasileira.
O fato de o corpo horizontal possuir dois pavimentos também não era novidade e se repetirá em
outros edifícios da tipologia em estudo. A distribuição em térreo e sobreloja permite uma grande
quantidade de combinações para o desenho desses
espaços comerciais, o que explica a supremacia
dessa solução em tantas edificações diferentes.
Outra inteligente resolução de projeto, é o fato
de os acessos às circulações verticais dos apartamentos não se abriam diretamente nos corredores
da galeria comercial, mas sim em um hall privativo. Dessa maneira, a circulação dos moradores
passava pela galeria comercial, mas o acesso direto
aos elevadores e escadas ganhavam a privacidade
e segurança necessárias ao programa habitacional.
Tributária também da circulação de pessoas na
galeria, além da dos moradores do conjunto, é a
possibilidade de encurtar o caminho; um convite
para acessar os espaços comerciais, além das lojas,
é a conexão entre a Avenida Liberdade e a Rua
Américo de Campos.
Hoje, a galeria comercial não existe mais. Os
espaços comerciais foram todos ocupados por um
único estabelecimento, um supermercado, que se
66
abre apenas para a Avenida Liberdade e que não
permite mais a travessia. O desenho de cidade
permitido pela galeria comercial se desfez e o
projeto do conjunto foi muito prejudicado; a distinção de espaços privados e públicos é agora claramente marcada, bem como a portaria do edifício
habitacional, isolados do restante do conjunto,
elevadores e escadas têm acesso direto pela rua
lateral, a Rua Américo de Campos.
As duas lâminas habitacionais conformam uma
planta em H, uma vez que se conectam através de
uma prumada central que reúne as circulações
verticais: dois elevadores de serviço, dois sociais
e escadas. Também no miolo do edifício, se concentram as áreas de serviço dos apartamentos.
Essa solução permite que todos os quatro apartamentos do pavimento tipo possuam 3 fachadas
livres, o que garante boa ventilação e insolação;
preocupações recorrentes em todos os projetos de
Rino Levi.
Formas de proteger as fachadas contra a insolação excessiva é também outra área de experimentação e de muito estudo por parte do arquiteto. Aqui também as fachadas recebem uma atenção
especial; para este edifício, assim como outros
edifícios habitacionais, Levi não escolheu brise-soleil, preferindo persianas de enrolar como mecanismo de proteção solar; persianas essas que o
arquiteto detalhou minuciosamente.
A usual proposta de união das artes, sempre
incorporada por projetos de arquitetura modernistas, aqui conhece uma variação. Nem painéis
de mosaicos, nem murais pintados, a variação de
altura dos peitoris das aberturas é que garante um
desenho muito expressivo. O zig-zag conformado
pelas janelas quebra a monotonia proporcionada
pelos rasgos horizontais mais usuais, desenhando
uma fachada que destaca o edifício da paisagem
do entorno.
É interessante notar também que a alternância
na altura dos peitoris das janelas também revela
que a fachada está liberta da incumbência estrutural, o que é outro ponto primordial defendido
pela arquitetura modernista.
A suspensão do edifício habitacional por pilotis
destaca-o do embasamento, criando dois volumes
formalmente separados e que também se relacionam de formas diferentes com o entorno. O edifício habitacional, solto do volume horizontal do
embasamento, fica totalmente isolado da rua, à
qual está totalmente integrada a galeria comercial.
Essa separação volumétrica diferencia nitidamente para o espectador as funções desenvolvidas no
conjunto edificado, mas também cria uma nova
cota de contemplação e de espaços para o lazer e
descanso dos moradores; áreas que conquistam
privacidade pela distância da rua e pela separação
do térreo público do conjunto.
Entretanto, os espaços cobertos gerados pelos
pilotis da torre habitacional sobre o bloco horizontal foram vedados por caixilhos de vidro, com
película de tom azul, que prejudicaram a sensação
de flutuação da lâmina vertical.
O alinhamento do bloco vertical não se dá com
a Avenida Liberdade, um pouco enviesado com
relação a esta, o edifício foi buscar a melhor orientação leste-oeste, melhor para insolação das unidades habitacionais; ao mesmo tempo em que, com
essa implantação, se alinha à Rua Américo Campos,
onde se localiza o acesso aos blocos residenciais.
O desenho da torre central, núcleo rígido do
edifício, também foi muito feliz. Além de conseguir
reunir dois jogos de elevadores, aproveita-se para
instalar aí a cozinha e área de serviço dos apartamentos, servindo-se desse núcleo para levar prumadas de hidráulica. Essas áreas molhadas recebem
vedação em elementos vazados de concreto, comprovando o cuidado por igual do arquiteto com
todas as fachadas do edifício.
A organização funcional e estrutural é muito
importante em projetos como esse, já que todas as
prumadas de elétrica, hidráulica e as peças estruturais precisam chegar ao solo, o que significa
passar pelas áreas públicas do projeto. Se essas
transposições não foram planejadas e projetadas
corretamente a galeria comercial pode ter seu
desenho seriamente prejudicado, precisando dobrar-se a soluções pouco funcionais para corrigir
ou colaborar com a resolução destes problemas.
Características reconhecidamente modernas
estão presentes. Por exemplo, a alteração do
desenho estrutural, que transforma pilares em
vedações portantes, denuncia uma clara intenção
de racionalizar o processo construtivo. Também o
estudo e detalhamento minucioso de elementos
(como as venezianas e elementos vazados) demonstram o desejo de criar objetos para a produção
industrial. São atitudes exemplares de um arquiteto moderno, que procura se afastar da imagem
do desenhista ou do ornamentador de fachada, e
assume sua função social e aceita o papel de personagem principal na colaboração com o desenvolvimento do parque industrial nacional.
O projeto também é exemplar da tipologia
selecionada para esta pesquisa, na medida em que
sua galeria comercial se desenvolve amplamente
conectada com a rua, é uma edificação que desenha
cidade, que não se omite do grande peso urbano
do projeto de arquitetura. As diversas funções que
se desenvolvem no edifício são separadas volumetricamente e o edifício habitacional, solto do embasamento, gera lugares de privacidade aos moradores. A verticalidade está presente e, até a data
atual, o conjunto em muito se destaca do entorno.
Por fim, o projeto se enquadra perfeitamente em
todos os preceitos da arquitetura moderna, desde
o térreo público, passando pelo terraço-jardim,
pela fachada desvinculada do sistema estrutural
chegando aos estudos de proteção contra a insolação excessiva.
3.2. Edifício Nações Unidas
3.2.1. Dados Básicos
Projeto: Abelardo de Souza
Construtor: Sociedade de Eng. Cyro Ribeiro
Pereira Ltda.
Proprietário: Incorporação CNI
Localização: Avenida Paulista, n.620-648, Jardim
Paulista, São Paulo, SP.
Data do projeto: 1952
Data da conclusão da obra: 1959
Método e/ou principais materiais construtivos:
concreto armado
Número de pavimentos: bloco voltado para
a Avenida Paulista tem 18 e o bloco voltado
para a Avenida Brigadeiro Luis Antonio
tem 21 andares.
Tipologia: lojas (térreo e sobreloja) e
apartamentos de 1 ou 2 dormitórios.
3.2.2. Estratégias: implantação, distribuição do
programa e partido estrutural
O conjunto está implantado em um lote irregular,
conformado pela Avenida Paulista, pela Avenida
Brigadeiro Luis Antonio e pela rua São Carlos do
Pinhal, de 4940 m². O embasamento ocupa totalmente o terreno, e as lâminas habitacionais se
organizam de tal forma que resultam em uma
planta de cobertura em L. Essa solução determina
um espaço de lazer no terraço-jardim, na cobertura do embasamento.
O arquiteto realizou vários estudos para implantação do conjunto, em virtude da irregularidade do lote e das possibilidades de conexão, bem
como para tentar evitar um conjunto de dimensões
exageradas, mas não conseguiu convencer os
incorporadores, que pretendiam tirar máximo
proveito do lote. Resultado são 48.664 m² de
área construída.
67
São no total 4 blocos. Um volume horizontal,
onde foi implantada a galeria comercial com 25
lojas no nível da rua, todas com mezanino; e três
blocos verticais com programa habitacional, totalizando 430 apartamentos. Uma das lâminas, a
maior, está implantada no limite noroeste do lote,
alinhada com a Avenida Brigadeiro Luiz Antonio.
Os dois outros edifícios, de dimensões diferentes,
estão alinhados com a Avenida Paulista; um ocupa
o limite sudoeste e está voltado diretamente para
a avenida e uma outra lâmina menor cuja fachada
tem direção oposta a do anterior, para o terraço-jardim do próprio empreendimento e para a Brigadeiro Luiz Antonio; ambos estão perpendicularmente implantados com relação a grande
lâmina habitacional.
No subsolo, as garagens têm espaço para 300
veículos, estacionamento de grandes dimensões
se comparados a alguns outros edifícios selecionados para estudo aqui nesta pesquisa. No último
pavimento do embasamento foram programados
espaços de lazer, um playground para as crianças;
e no terraço da cobertura da lâmina habitacional,
um salão para reuniões e festas.
As lâminas habitacionais não estão suspensas
sobre pilotis, não estão soltas do embasamento.
Suas projeções são ocupadas por apartamentos
que se abrem diretamente para os espaços livres
do terraço-jardim, numa situação excepcional em
relação aos outros edifícios estudados, onde esse
espaço, em geral, é utilizado como áreas coletivas
dos moradores.
Nas tipologias habitacionais, deu-se preferência a unidades menores. No bloco alinhado com a
Avenida Paulista, há apartamentos de um dormitório (face posterior) e de dois dormitórios. Na
lâmina maior, alinhada com a Brigadeiro, somente
apartamentos de dois dormitórios, mas com dimensões e distribuição internas diferentes dos
apartamentos voltados para a Avenida Paulista.
O partido estrutural se dá através do usual
conjunto de vigas e pilares em concreto armado,
reforçado pelos núcleos rígidos das prumadas de
circulação vertical. As novidades estão nos elevadores em volumes independentes, visíveis na
fachada posterior da maior lâmina. A cada dois
apartamentos há dois elevadores e uma escada,
sem necessidade de corredores para os acessos às
unidades habitacionais; entretanto, as prumadas
de circulação vertical abrem-se diretamente na
galeria comercial do térreo, gerando problemas
de segurança e privacidade aos moradores.
Todas as fachadas foram minuciosamente estudadas e receberam tratamentos distintos. Brises,
68
painéis e aplicação de pastilhas garantiram que, de
qualquer ângulo, o conjunto forneceria ao espectador volumetrias e faces diferenciadas.
A monumentalidade do conjunto e seu grande
impacto na região foram motivos de debates e
discussões acaloradas mesmo entre os arquitetos
modernistas; por conta do altíssimo aproveitamento do lote, muitas vezes o projeto foi analisado
como uma mercantilização do programa habitacional levada ao extremo.
3.2.3. Entendendo o edifício: relações, escolhas e
justificativas
Pelos motivos expostos, o conjunto do Edifício
Nações Unidas foi um projeto polêmico. Em grande
parte, seu desenho foi determinado pelos interesses capitalistas de seus incorporadores. Entretanto, é preciso notar que nesse período a influência
do projeto da unité de Le Corbusier é muito marcante sobre a arquitetura mundial, e não é diferente no Nações Unidas; nele Abelardo de Souza
aplicou todos os cinco princípios da arquitetura
corbusiana. O Edifício Três Irmãs, realizado pouco
depois, também é implantado na Avenida Paulista
e também é fruto de uma incorporação da CNI;
entretanto, o programa voltado para um público
de maior poder aquisitivo realiza um edifício com
menor aproveitamento do lote e cujas relações
com o entorno se apresentam muito diversas das
construídas pelo conjunto do Nações Unidas.
O que vemos é que o programa com diversas
atividades, incluindo áreas comerciais e habitações,
desenha edifícios de grande porte e de ocupação
extensiva; contemporâneos do Edifício Nações
Unidas, como o Edifício Copan e o Conjunto Nacional, também são edificações imponentes e de altíssimo coeficiente de aproveitamento do lote.
A galeria comercial também foi alvo de muita
polêmica. No período de implantação do edifício,
a legislação não permitia ainda o uso comercial
na Avenida Paulista, cujos espaços eram determinados para utilização restritamente habitacional.
A alegação de que não haviam lojas voltadas para
a Avenida Paulista (as lojas se abrem para o interior
da galeria e para a Avenida Brigadeiro Luis Antonio)
e sim apenas um acesso à galeria, conseguiu convencer, e o projeto foi aprovado por uma Junta
Consultiva do Código de Obras, da qual o arquiteto Rino Levi fez parte e com certeza colaborou para
a aprovação do projeto.
A galeria comercial se desenvolve em pé direito
duplo, concedendo às lojas dois pavimentos. Além
da localização estratégica, em uma esquina de
intensa movimentação, a galeria também convida
ao passeio por seu interior aqueles pedestres que
querem encurtar caminho, uma vez que conecta
a Avenida Paulista a Rua São Carlos do Pinhal.
Entretanto, ressente-se a ausência de passagens
para a Avenida Brigadeiro Luis Antonio, realizadas
apenas através das próprias lojas (que possuem
dupla fachada, uma para a avenida outra para o
interior da galeria); dessa maneira, a face do embasamento voltada para a Avenida Brigadeiro
confunde-se com a própria rua. As lojas hoje estão
descaracterizadas, sem unidade formal nem visual,
o que reforça essa sensação de continuidade do
tecido urbano local.
O fato de a rua interna da galeria também seguir
o desnível do terreno, uma declividade muito suave
ressalte-se, reforça a sensação de continuidade do
passeio público, as calçadas invadem o edifício, em
semelhança com o projeto do edifício Copan.
Os acessos aos apartamentos se dão somente
através da galeria comercial que, para assimilar
todos esses fluxos, de passagem e de moradores,
foi projetada com 6 metros de largura. Os elevadores e escadas se desenvolvem em volumes diferenciados, totalizado 18 elevadores e 9 escadas. O
alto número de elevadores talvez denunciasse o
interesse de manter certa privacidade aos moradores, uma vez que cada jogo de 2 elevadores e 1
escada serve a dois apartamentos por andar
apenas, mas de fato está relacionado com os baixos
custos desses equipamentos à época da construção,
e das necessidades inerentes ao bom funcionamento de um edifício com essas dimensões.
Entretanto, o fato de que essas prumadas de
circulação se abrirem diretamente na galeria comercial e não em hall privativos, como no Conjunto Nacional ou no Copan, gerou problemas de segurança e privacidade aos condôminos, que até
hoje carecem de uma solução adequada.
A separação volumétrica das funções é clara
entre os edifícios do conjunto, sendo que a separação entre o bloco horizontal comercial e as
lâminas habitacionais gera um terraço-jardim.
Como já mencionado, diferentemente de outros
projetos do mesmo gênero, os edifícios verticais
não estão soltos do embasamento, não estão flutuando, pairando sobre pilotis. Ao contrário, se assentam diretamente sobre o volume que abriga as
funções comerciais, e há apartamentos cujas aberturas estão em nível com as áreas de lazer projetadas para essa cobertura do volume horizontal.
No interior da galeria, recebem destaque os
pilares que originalmente eram revestidos de granilite cinza. Na fachada para a Avenida Paulista,
os pilares em formato V também eram destacados,
uma vez que as vedações eram bem recuadas,
gerando inclusive algumas áreas livres cobertas
em nível com a avenida. Em ambos os desenhos
dessas estruturas, há claras referências a arquitetos cariocas, como Oscar Niemeyer e irmãos
Roberto. Já os detalhes do forro da galeria e do
coroamento do edifício habitacional voltado para
a Avenida Brigadeiro, lembram projetos de Bratke
(Edifício ABC).
As fachadas, como era recorrente em projetos
da arquitetura moderna brasileira, foram alvo de
estudos sobre insolação e ventilação. Os edifícios
possuíam brises fixos de concreto, que foram removidos posteriormente, além da aplicação de
painéis de pastilhas coloridas; que também eram
resultados de uma pesquisa formal e de uma outra
característica intrínseca da arquitetura modernista, a síntese das artes.
No térreo, voltado para a Avenida Paulista,
além do acesso a galeria, havia jardins públicos e
pequenas praças cobertas, geradas pelo recuo das
vedações e a distribuição dos acessos desse bloco,
já que se sua posição é perpendicular à galeria.
Depois da ampliação da avenida, em 1971, preservou-se apenas um pequeno canteiro em frente a
um painel de cerâmica do artista Clóvis Graciano.
Dois subsolos totalizam espaço para 300 vagas
de veículos, o que parecia anteceder o futuro, já
que era uma garagem de tamanho demasiado
grande para os padrões da época; tem o mesmo
número de vagas oferecido pelo Conjunto Nacional,
por exemplo.
A galeria passou por uma reforma entre o fim
de 2009 e primeiros meses de 2010. Os pilares receberam acabamento em tinta de uma cor nova,
uma tonalidade de verde, sem nenhuma referência nem relação com as cores originais da edificação. O piso também foi totalmente substituído por
placas de granito. Os acessos aos elevadores, em
uma nova tentativa de resolver o problema da
privacidade e segurança dos condôminos, foram
vedados por pequenos boxes de vidros temperados,
também em tom verde.
Ainda no interior da galeria, o acabamento do
pé direito duplo das lojas foi demarcado com placas
de Alucobond (material composto de alumínio),
intercalado com granito aparente, que foi mantido
apenas nos acessos aos elevadores. A fachada térrea
da galeria, voltada para a Avenida Paulista, também
foi totalmente vedada por caixilhos de vidro temperado verde, privatizando a pequena praça
coberta que é conformada pelos acessos daquele
bloco habitacional. Esse edifício voltado para a
Paulista também teve seu programa alterado, uma
69
vez que hoje é mais ocupado por firmas e escritórios comerciais do que utilizado como moradia.
Todas essas mudanças alteraram bastante o
projeto original da galeria mas, diferentemente de
alguns outros edifícios, como no Edifício Itália, ela
ainda é mantida totalmente aberta durante o
horário comercial, sem controle de acesso, o que
garante continuidade da grande vitalidade do
projeto original da proposta do conjunto.
3.3. Edifício Califórnia
3.3.1. Dados Básicos
Projeto: Oscar Niemeyer
Construtor:CNI
Proprietário: BNI
Localização: Rua Dom José de Barros, n.67,
República, São Paulo, SP
Data do projeto: 1951
Data da conclusão da obra:
Método e/ou principais materiais construtivos:
concreto armado
Número de pavimentos: 15
Tipologia: lojas (térreo e sobreloja)
e salas comerciais
3.3.2. Estratégias: implantação, distribuição do
programa e partido estrutural
Implantado em um lote em L, confinado no denso
centro da cidade, o edifício Califórnia foi o primeiro projeto de Oscar Niemeyer para a incorporadora BNI / CNI.
O formato do terreno, a legislação e os interesses do incorporador foram determinantes para a
definição da implantação do conjunto. Seguindo o
modelo tipológico em estudo, o Califórnia ocupa
100% do lote, e por imposição do formato do terreno,
o edifício vertical também tem planta em L.
A implantação na rua comercial mais requintada, a Barão de Itapetininga, considerada então
reduto da nata da sociedade paulistana, justifica
tanto a escolha do uso da galeria comercial, com
lojas no nível da rua, quanto explica a contratação
do já renomado arquiteto Oscar Niemeyer.
Seu embasamento e a torre não são separados
volumetricamente, a multiplicidade de usos aqui
é destaca formalmente, pelo uso dos pilares em V
nas fachadas – tanto para rua Barão de Itapetininga quanto para Dom José de Barros. No miolo do
conjunto, a planta em L do edifício vertical configura uma praça aberta na cobertura do embasamento, que foi projetado como um terraço-jardim,
70
com desenho do paisagista Burle Marx.
No embasamento desenvolve-se o programa
da galeria comercial, as lojas todas têm pé direito
duplo, com térreo e mezanino. Também no embasamento, há o acesso ao cinema, inicialmente projetado em rampa contínua, ocupa a porção mais
interna do conjunto, programa adequado para uma
região mais escura e de menor ventilação natural
de toda a edificação. Acompanhando a rampa, que
não está solta mas junto à uma empena, foi projetado um grande painel representando a “Epopéia
das Bandeiras de Piratininga”, em mosaico de pastilhas que encomendado ao Portinari.
A passagem interna da galeria comercial, que
conecta as duas ruas urbanas, se alarga no miolo
da quadra. Aí está tanto o acesso ao cinema quanto
a prumada de circulação vertical; esse espaço mais
amplo funciona como uma praça de espera para
conjunto de elevadores e escada e também como
foyer para o cinema.
O edifício vertical, com andar tipo com planta
em L, pode ter 16 salas por pavimento. Para cada
uma há previsão de uma pequena área de serviço
particular. A circulação nos pavimentos tipo
também é ampla, e são mais largas no átrio dos
elevadores, onde há uma grande abertura com
vista para o terraço-jardim. Entretanto, por conta
de modificações para adequar às exigências dos
bombeiros, as aberturas nos corredores em L que
proviam alguma iluminação natural, foram ocupadas pelas escadas de incêndio. Essas circulações
foram muito prejudicadas pelas novas escadas e
hoje são espaços escuros e confinados.
Os escritórios têm abertura para o terraço-jardim, que acabou por se tornar um grande fosso de
ventilação interno; recebendo as escadas de incêndio construídas posteriormente para adequação
do edifício.
O partido estrutural se dá através da associação
de vigas e pilares em concreto armado aos núcleos
rígidos da prumada de circulação vertical. Nos
outros edifícios que Niemeyer projeta em São Paulo
nesse período, os núcleos de circulação vertical
estão soltos do corpo da edificação principal. Aqui,
provavelmente por imposição do lote, a prumada
de circulação vertical está incorporada ao edifício
e ainda faz parte do sistema estrutural.
O tratamento das fachadas foi feito de forma
diferenciada. A face alinhada com a rua Barão de
Itapetininga, mais importante, recebe maior
atenção. Os caixilhos estão recuados e protegidos
por estreitas varandas; estas se parecem com
balcões, uma vez que tanto em cima quanto
embaixo há placas perfuradas de argamassa
armada. Essas placas não estão chumbadas nas
lajes, estão conectadas por pequenas peças, de tal
forma que há um espaçamento entre as placas e
a estrutura, evidenciando a independência entre
estas. No projeto original esses brises estavam em
posição oblíqua com relação a laje, mas não foi
dessa maneira que foi executado.
3.3.3. Entendendo o edifício: relações, escolhas e
justificativas
O projeto com a assinatura do arquiteto do conjunto da Pampulha foi utilizado como mais um
chamariz de venda, garantindo a lucratividade
desejada pelo empreendedor; antes mesmo da
conclusão das obras, a grande maioria das unidades já havia sido vendida.
Niemeyer, mais acostumado aos projetos de
obras monumentais em lote amplos, neste projeto
precisou se sujeitar ao perfil do terreno, às exigências da legislação (como já vimos, mais rigorosa
nas áreas nobres da cidade) e às pretensões especulativas dos incorporadores. Esses obstáculos não
eram compatíveis com o usual volume vertical
suspenso, um prisma puro que pareceria flutuar
sobre uma lâmina horizontal. Aqui a solução foi
menos feliz, mais bruta, ocupando todo o terreno
e gerando uma praça confinada no miolo do conjunto construído, espaço sem relação com o entorno
e com vista apenas para o céu
Na galeria comercial, a presença da mão do
arquiteto é mais visível. Primeiramente, pelos
pilares em V na fachada. Desentendimentos com
os calculistas escolhidos pelos incorporadores não
permitiram o desenho dos elegantes apoios em V
que Niemeyer irá desenvolver em outros projetos.
No edifício Califórnia, eles têm um ângulo muito
fechado e volume demasiado, o que gerou um
aspecto pesado ao invés do usual desenho sutil e
da leveza característica dos projetos do arquiteto.
Também no passeio público que se desenvolve
no interior da galeria é possível verificar decisões
que remetem diretamente ao arquiteto. O sistema
estrutural racional e a distribuição regular dos
pilares são quebrados pelo desenho sinuoso da
laje; que está suspensa, solta do teto, permitindo
uma iluminação indireta e agradável para esses
espaços internos.
No trecho mais amplo da galeria, a rampa contínua que promovia o acesso ao cinema não foi
realizada como projetada. Na parte mais alta, em
nível com a galeria, foi construída uma escada que
tem a rampa como sequência, acessando o nível
do cinema. A interessante sensação de continui-
dade, de desdobramento de um mesmo espaço que
a rampa permitiria se perdeu. O cinema, assim
como no Copan, também teve seu uso alterado.
Durante os últimos anos funcionou em seu espaço
um bingo. No momento de realização desta pesquisa passava por uma reforma e estava sem uso.
O painel que acompanha a escada-rampa
também não foi realizado como no projeto original.
O artista, Portinari, em um momento de grande
produção não pode realizar o painel solicitado em
tempo, por pressa dos incorporadores combinou
outro tema e entregou um mosaico de desenho
abstrato em lugar da cena inicialmente encomendada. Neste projeto, a característica proposta de
síntese das artes promovida pela arquitetura
moderna se apresentou com outros fins. Os incorporadores, na verdade, não estavam muito preocupados com o discurso moderno e, assim sendo,
pouco importava o desenho ou tema do painel.
Interessava usar o nome do artista, assim como se
utilizaram da projeção do arquiteto, para promover o empreendimento e obter lucro maior ainda
com as vendas. Na galeria, provavelmente pela
maior importância da rua Barão de Itapetininga,
as lojas próximas a este acesso são maiores do que
as que estão locadas no outro braço com comunicação com a rua Dom José de Barros.
O que podemos notar é que, na galeria o
desenho característico do arquiteto está mais presente, talvez por serem espaços mais públicos e
por possuírem a escala a qual estava mais adaptado. A edificação vertical é mais pragmática,
também pelas tantas imposições as quais teve que
se sujeitar, conforme já mencionado. Niemeyer
não se submeterá novamente a certas condições
que aqui se apresentaram, como, por exemplo, o
escalonamento dos últimos andares para conseguir
o maior número de pavimentos possíveis, retirando o máximo aproveitamento do lote; seus outros
edifícios serão sempre prismas puros, conjuntos
com desenho mais regular e geométrico.
O edifício Califórnia é o mais distante do
desenho usual do arquiteto, por ser o primeiro dos
conjuntos que Niemeyer projetou em São Paulo,
algumas decisões submeteram-se aos interesses
dos contratantes. Os projetos posteriores o arquiteto expressará mais livremente sua capacidade
criativa e suas características mais marcantes. Por
esses motivos, o edifício não atraiu muitas atenções
e foi pouco estudo até hoje, como se pode verificar
pela escassa bibliografia a disposição.
71
4. Conclusão
Por tudo que foi pesquisado, concluímos que as
edificações de uso misto se desenvolveram principalmente entre os anos 1942-64. Concentraram-se
no centro novo da cidade e suas adjacências e, em
sua maioria, foram projetadas segundo o ideário
da arquitetura moderna. O contexto de crescimento acelerado de São Paulo, transformando-a rapidamente em uma metrópole, justificava o desejo
de uma nova feição para a cidade. A alteração do
modelo, com a adoção da cultura, arquitetura e no
modo de vida norte-americanos ficará muito visível
nesse período. Para o novo empreendedor imobiliário, que surgia nesse momento, o que interessava é que a arquitetura “moderna”, além de gerar
impacto na transformação da cidade, alcançando
o desejo de feição condizente com a metrópole,
também lhe permitia um maior aproveitamento
do lote e a garantia, com a diversidade de usos, de
uma lucratividade ainda maior.
Algumas das edificações mais notáveis da tipologia estudada nesta pesquisa ainda hoje fazem
parte da rotina e do imaginário dos paulistanos;
algumas foram ícones de uma geração e se confundem com a própria imagem da cidade, como a
Galeria Metrópole, o Copan e o Conjunto Nacional,
e, de fato, tornaram-se símbolos da metrópole.
Apesar do reconhecimento dessa importância,
pouco se estudou acerca dessa tipologia a partir
do olhar aqui descrito. É a isso que essa pesquisa
se propôs: reconhecê-la, estudá-la, analisá-la criticamente como um novo tipo que surgiu, obteve
um enorme sucesso nas vendas (portanto na aceitação que tem na sociedade), alteraram a paisagem
da cidade e que, hoje em dia, é praticamente abandonada como prática construtiva, como partido
arquitetônico.
Na procura pelas motivações do abandono da
tipologia, a pesquisa levou-nos a embrenhar pelos
caminhos percorridos para configuração da legislação atual, e verificar que de fato é proibitiva, os
edifícios com galerias no nível do térreo e ocupação extensiva do lote são incompatíveis com as
normas atuais.
Por fim, a pesquisa me presenteou grandes
aprendizados, que ultrapassam o limite do universo acadêmico. No caso específico desta Iniciação,
além de todo o conhecimento adquirido pela própria,
ela me possibilitou visitar essas edificações, realizar
ensaios fotográficos e conseguir acesso a diversos
materiais sobre as edificações e suas histórias que
não estariam acessíveis ao público geral. Com poucas
exceções, nas visitas fui recebida calorosamente;
72
meus anfitriões tinham um certo orgulho estampado no rosto, provavelmente semelhante ao daqueles que vivenciaram os anos de construção desses
monumentos; e todos, daquele ou deste tempo,
percebem a importância desses trabalhos acadêmicos para a preservação de um patrimônio construído e, ao mesmo tempo, imaterial.
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Notas
1. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela
Escola da Cidade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (2010). Atualmente realiza mestrado na Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo na área de História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo.
2. Como atesta o Plano de Avenidas de Prestes Maia, por
exemplo.
3. Isso não quer dizer que no período anterior não houvesse investidores privados, como mostra Maria Ruth
Amaral Sampaio (1994).
4. Isso complexifica o entendimento da cena da construção civil em São Paulo, nos afastando da dicotomia
já notada anteriormente entre arquitetura de mercado
(identificada como de baixa qualidade) versus arquitetura erudita (de alta qualidade), às vezes mobilizada
por parte da crítica.
5. Processo construtivo facilitado pela produção de
componentes padronizados pela indústria.
6. Ainda que não se postule aqui uma separação estrita
entre arquiteto e mercado, pois como dissemos acima,
muitos arquitetos se transformam em empreendedores
do Chá. A partir de então, começará a atrair os maiores
investimentos públicos e privados, como se demonstra
pelo ajardinamento da Praça da República no início do
século, bem como a construção do Teatro Municipal em
1911, entre outros. A esse respeito, ver Candido Malta
Os lugares no espaço:
a problematização do Cine
Belas Artes como patrimônio
cultural de São Paulo
intenções entre os postulados modernos (estandatização, barateamento, etc.) e a economia de mercado que
Los lugares en el espacio:
la problematización del Cine
Belas Artes como patrimonio
cultural de São Paulo
Campos (2002)
9. Sua timidez em relação aos chamados “temas sociais”, sobretudo em relação à habitação, é digna de
nota, principalmente se pensarmos como o urbanista
usa modelos estrangeiros para articular e defender
suas opções, já que na Europa tais temas vinham sendo
enfrentados desde a primeira guerra.
Pedro Beresin Schleder Ferreira1
Orientadora: Profa. Dra. Fernanda Mendonça Pitta
Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida entre 2011-2012
com financiamento do Núcleo de Pesquisa da Escola da Cidade
10. Sobre esse debate urbanístico e as gradativas mudanças da legislação ver Sarah Feldman (2005) e Raquel
Rolnik (2003).
11. Lembremos como exemplo as Ligas camponesas,
ou a criação da SUDENE em 1962, uma ação no campo
da sociedade civil, outra no campo institucional, ambas
buscando a incorporação do conjunto da população nos
benefícios da modernização.
12. Tal tema foi estudado por Cristina Leme no interior
do Projeto Temático São Paulo os estrangeiros e a construção da metrópole, conforme texto apresentado no I
Workshop do projeto realizado na FAUUSP em maio de
2010.
13. Perímetro definido através dos estudos e levantamentos realizados nesta pesquisa e descritos no primeiro item deste texto.
No início de 2011, o Cine Belas
Artes, tradicional sala exibidora
do chamado “cinema de arte” em
São Paulo, foi ameaçado de fechamento. Diversas manifestações
foram realizadas pela sociedade
civil em busca da salvaguarda da
sala de cinema. Tendo em vista tal
fenômeno, o presente estudo
propõe uma investigação sobre o
valor do Cine Belas Artes como bem
cultural da cidade e da possibilidade de sua inclusão no rol do
patrimônio cultural de São Paulo,
a fim de subsidiar discussões
acerca de sua preservação e cooperar para o debate de maior amplitude sobre os critérios de atribuição de valor predominantes e
novas formas de atuação para a
preservação e conservação do patrimônio cultural no meio ambiente urbano.
imobiliários, sendo donos de pequenas empresas incorporadoras e construtoras. Assim, há um “casamento” de
Places in space:
thoughts about the Cine Belas
Artes as cultural heritage of
São Paulo
At the beginning of 2011, the Cine
Belas Artes, traditional exhibition
room of the so-called “art film” in
São Paulo, was threatened with
closure. Several demonstrations
were held by civil society in pursuit
of the cinema. In view of this phenomenon, this study proposes an
investigation into the cultural value
of the Cine Belas Artes and the possibility of its register as an official
cultural heritage. The aim was to
support discussions about its preservation and cooperate to the
wider debate on the prevailing
value criteria and new forms of
action for the preservation and
conservation of cultural heritage
in the urban environment.
Keywords: Cultural heritage, intangible heritage, street cinemas
A principios de 2011, el Cine Belas
Artes, tradicional sala de exhibición del llamado “cine arte” en São
Paulo, fue amenazada de cierre.
Varias manifestaciones se llevaron
a cabo por la sociedad civil en
defensa del cine. En vista de este
fenómeno, este estudio propone
una investigación sobre el valor
cultural del Cine Belas Artes así
como de la posibilidad de su inclusión en la lista del patrimonio cultural de São Paulo, con el fin de
apoyar las discusiones sobre su
preservación y cooperar para el
debate más amplio sobre los vigentes criterios de valor y nuevas
formas de acción para la preservación y conservación del patrimonio
cultural en el contexto urbano.
Palabras-clave: Patrimonio cultural, patrimonio inmaterial, cines
de calle
Palavras-chave: Patrimônio Cultural, patrimônio imaterial,
cinemas de rua
visa o lucro. O que é interessante é como dentro desse
sistema pode haver bons e maus projetos, boas e más
soluções, edifícios de qualidade e sem qualidade.
7. Pode-se lembrar de Carlos (Walmor Chagas) e Luciana (Eva Wilma), o casal protagonista de São Paulo S A
(de Luís Sergio Person, 1965), filme ícone da metropolização de São Paulo, que recém-casados se mudam para
um pequeno apartamento no centro novo. O filme mostra também como novos modos de vida se instauravam
na metrópole.
8. Trata-se da região à oeste da colina central, que tivera seu acesso facilitado pela construção do Viaduto
74
75
Figura 1. Fachada do Cine Belas Artes.
Fonte: fotografia do autor, 2011.
1. Introdução
Ninguém sabe melhor que tu, sábio Kublai, que
nunca se deve confundir a cidade com o discurso que a descreve. No entanto, há uma
relação entre ambos. (CALVINO, 1993, p.59)
Em As cidades invisíveis, Marco Polo narra ao imperador Kublai Kahn a diversidade e vitalidade do
urbano, observadas ao longo de suas campanhas
pelo mundo. As andanças de Polo, fragmentadas
em diversos núcleos circunscritos ao Império,
talvez sejam, entretanto, fruto de uma única expedição a uma única cidade. À maneira de um
cientista, é possível que Polo tenha dissecado esta
cidade e revelado à Kahn suas diversas camadas.
Boa parte das cidades narradas tem suas principais
características fundamentadas no intricado entre
a materialidade e a realidade psicossocial. É o caso
de “Irene”, cidade dividida entre a parte de cima
e a de baixo, distintas pelo olhar de seus habitantes que perambulam pelas ruas mirando o céu ou
as calçadas (CALVINO, 1993).
As cidades, ou as ordens da cidade, são-nos
reveladas pela voz e vontade do experiente navegante. Marco Polo alerta o imperador que “não se
deve confundir a cidade com o discurso que a
descreve”, porém faz a ressalva: “no entanto, há
uma relação entre ambos” (CALVINO, 1990, p.59).
O discurso sobre a cidade e sua vivência são filtrados pela subjetividade, portanto distintos do objeto
a que se referem. No entanto, a experiência urbana
é construída e dirigida por estas mesmas vivências
e discursos. A mensagem de Polo parece nos alertar
quanto à aparência universal ou científica que os
discursos costumam vestir-se, porém, distanciados
desses artifícios, devemos reconhecê-los enquanto parte dialética, e não totalizante, da “realidade”.
76
Realidade com aspas, pois nunca capturada por
completo, sempre esquiva, em processo. Uma
infinda sequência de totalidades que se justapõem
e disputam a produção do espaço urbano.
Com as lições de Polo na mala, passemos ao
caso em questão. Antes de tudo, façamos uma breve
advertência: o presente artigo não pretende provar
o valor do Cine Belas Artes, cuja existência é um
dos pressupostos da investigação, mas compreender os motivos que levaram o caso de seu fechamento à singular comoção pública e agitação social.
A questão fundamental consiste na busca dos
motivos que levaram centenas de paulistanos a
sair às ruas, realizar passeatas, lotar o cinema em
seu último mês de funcionamento, preencher extensas listas de abaixo assinado, e ainda organizar
um movimento social específico para a busca da
preservação dessa sala de cinema. Para procurarmos apreender tal fenômeno, compreendemos a
relação do Cine Belas Artes com a vida na metrópole através do fenômeno de “territorialização”
(CARLOS, 1996), ou seja, de demarcação social do
espaço e construção de significados e valores em
aspectos com tendências objetivas e subjetivas.
Ao primeiro grupo de aspectos concerne a
análise do Cine Belas Artes como equipamento
cultural da cidade, relevante na difusão de uma
cultura cinematográfica específica e, junto com
outros cinemas de rua, engendrador de uma
“mancha cultural” importante para a vida de determinados grupos sociais em São Paulo (MAGNANI,
1987). A fim de compreendê-lo, recorremos a
estudos anteriores sobre o circuito de cinemas de
rua da Avenida Paulista (STEFANI, 2009; TORRES,
1996; ALMEIDA, 1996) e às entrevistas com frequentadores do Cine Belas Artes realizadas por
Almeida (1996). Como bibliografia complementar,
nos valemos de autores que tratam da trajetória
de desenvolvimento das centralidades culturais
em São Paulo, como Frúgoli (2000) e Santoro (2004).
Quanto à análise subjetiva, concerne a construção de um lugar de representação ao redor do Cine
Belas Artes. Um lugar revelador e contenedor de
um desejo urbano, que em última instância, coloca-se como um projeto social. Para averiguar a
construção desse lugar, valemo-nos de entrevistas
realizadas por Almeida (1995) dezesseis anos antes
do fechamento, por Ornelas (2011), realizadas
durante o mês do fechamento, e por nós um ano
após o ocorrido (FERREIRA, 2012a; 2012b; 2012c;
2012d)2.Como referenciais teóricos, recorremos a
pensadores que tratam da relação de construção
do significado e da identidade no espaço, como
Meneses (2006), Hall (2006), Veiga (2005), Carlos
(1996), Magnani (1987), Arantes (2006), entre outros.
Antes de adentrar as análises, façamos uma
breve retrospectiva do caso. Em janeiro de 2011 o
Cine Belas Artes recebeu nova ameaça de fechamento (a última havia sido em 2003) por conta da
saída de seu antigo patrocinador (HSBC) e a duplicação no preço de seu aluguel. Em março, a advertência se cumpriu e o cinema fechou as portas. Em
fevereiro do mesmo ano, após a notícia do iminente fechamento, o Cine Belas Artes realizou uma
programação especial de despedida, que angariou
público recorde e diversas demonstrações de
comoção popular. Alguns choraram, outros se queixaram e organizaram passeatas e abaixo-assinados,
mas nada foi suficiente para deter o encerramento. Em decorrência da pressão pública, sustentada
pelo aporte da cobertura da mídia e de intelectuais,
em abril foram abertos no Conpresp e no Condephaat processos de tombamento do edifício que
desde 1952 abrigou a tradicional sala exibidora. A
abertura destes processos, requisitados pela ONG
Via Cultural, constituiu simultaneamente estraté-
gia política e inquietação patrimonial. No pedido
protocolado, a argumentação se esforça no sentido
de fundamentar valorações “históricas” e afetivas
ao bem, considerando como objeto essencial de
tais atribuições simultaneamente o uso e a edificação. O desejo manifesto diz respeito à preservação
íntegra do Cine Belas Artes, ou seja, não somente
de sua estrutura física, mas também das práticas
ali realizadas, explicitadas no pedido de tombamento por meio do elogio à singular programação
oferecida pela sala exibidora e a particularidade
de seu público. Tal coincidência entre objetos ditos
materiais e imateriais será foco de amplo debate
dentro dos órgãos patrimoniais e suscitará profundos questionamentos acerca de sua atividade, que
aqui serão desenvolvidos mais adiante.
Em paralelo, o pedido de tombamento compôs
recurso emergencial para evitar a transformação
do edifício através do cerceamento de propriedade
propiciado pela abertura do processo de estudo de
tombamento, possibilitando o prolongamento das
negociações entre os programadores do Cine Belas
Artes e o proprietário do imóvel. Enquanto eram
abertos os processos no Condephaat e no Conpresp,
um restrito grupo de membros da sociedade civil
organizou-se para fazer pressão no poder público
a fim de ter seu desejo atendido. Inicialmente, foi
composto por cerca de dez pessoas, nas quais se
inclui o autor do presente artigo. Durante o primeiro ano, o MBA (Movimento pelo Cine Belas Artes)
teve três frentes de atividade: a midiatização, pesquisa, e ação política.
Passeatas e debates foram organizados a fim de
conquistar a opinião pública e ampliar a ação do
movimento. Em paralelo, aproveitando o interesse
da mídia no caso, manifesto pela grande repercussão que esta deu ao fechamento do cinema, o movimento enviou diversos releases, a fim de pautar
77
a questão do fechamento do Cine Belas Artes como
uma espécie de sinédoque das dificuldades existentes para a manutenção de “casas de cultura” na
cidade de São Paulo. Por fim, o movimento organizou documentações e análises, a fim de subsidiar
a pesquisa dos órgãos patrimoniais, além de frequentar as reuniões de seus respectivos conselhos.
Em meados de agosto, o Conpresp deferiu o
arquivamento do processo de tombamento, em
contraste aos estudos realizados por Licia M. Alves
de Olveira (2011) e Fátima Martin Rodrigues Ferreira Antunes (2011) no âmbito do DPH (Departamento do Patrimônio Histórico), que afirmavam
os valores proferidos no pedido e recomendavam
o tombamento. Poucos meses depois, no Condephaat também foi deferido o arquivamento do processo, que teve como parecerista o historiador Francisco Alambert, antecipando-se à finalização e
análise do estudo encomendado a seu corpo técnico
(UPPH – Unidade de Preservação do Patrimônio
Histórico), que fora encarregado à historiadora
Deborah R. Leal Neves, ao sociólogo Mário A. Medeiros da Silva e ao arquiteto José A. Chinelato
Zagato (2011). Ambos conselhos afirmaram que o
tombamento era inviável, pois, de acordo com os
atuais contornos interpretativos dados à legislação
estadual e municipal reguladora do tombamento
pelos órgãos de preservação, a edificação carecia
de valor artístico ou “histórico”. Da mesma forma,
foi alegado que o tombamento do edifício não
garantia seu uso, ou seja, que nem o tombamento
ou qualquer outro instrumento de ação de que
estão dotados os órgãos patrimoniais seriam
capazes de contemplar o valor requisitado pela
população civil.
Nesse momento, após longas conversas com
especialistas, tais como Nabil Bonduki, Walter
Pires e Raquel Rolnik, o MBA já estava consciente
de que o tombamento não era a solução mais
adequada para o caso, porém julgava estratégica
a manutenção do cerceamento de propriedade
propiciado pela situação de estudo de tombamento, a fim de assegurar a integridade do bem enquanto outras negociações eram realizadas. Assim,
em dezembro de 2011, uma liminar da justiça
obrigou o Condephaat e o Conpresp a desarquivarem os respectivos processos referentes ao Cine
Belas Artes. Em outubro de 2012, após o indeferimento do pedido no Conpresp, o Condephaat, em
sessão ordinária de seu conselho, decidiria pelo
tombamento da fachada do Cine Belas Artes e de
uma faixa de onze metros do interior, contada a
partir da frente do edifício. A tática de preservação
adotada pelo órgão negou os valores atribuídos
78
ao uso e ao que mais adiante desenvolveremos
como o “lugar” Cine Belas Artes. Entende-se que
a garantia desse não está ao alcance das leis que
regem as atividades do Condephaat, porém o órgão
demonstrou dificuldade de renovar-se frente a
novos objetos patrimoniais, de buscar estratégias
de preservação conjuntas com outros órgãos estatais ou o terceiro setor.
Ainda assim, o tombamento foi útil ao movimento ao dificultar a comercialização do edifício,
que até 2014 permaneceu abandonado. Foi nessa
janela, de 2012 até o início de 2014, que o MBA
realizou negociações com as secretarias de cultura
do Estado e do município de São Paulo, que por
fim acabaram por resultar na promessa de reabertura Cine Belas Artes com patrocínio da Caixa
Econômica Federal e gestão do municipal, complementando a preservação iniciada pelo Condephaat (RODRIGUES, 2012; ZANIN, 2014).
2. O lugar de cinema
Para a compreensão das valorações construídas
acerca do Cine Belas Artes por seus usuários, fez-se
necessária a construção de um patamar analítico
para o caso. Esse local privilegiado para a observação foi construído, fundamentalmente, a partir
dos conceitos de “lugar” e “espaço”, de forma a
aprofundar a interação entre práticas sociais e
espaço físico, como expresso na valoração simultânea de características materiais e imateriais do
Cine Belas Artes. Seguindo Ana Fani Carlos, se
assente que:
Lugar é a porção do espaço apropriável para a
vida [...] é o bairro, é a praça, é a rua, e nesse
sentido poderíamos afirmar que não seria
jamais a metrópole ou mesmo a cidade lato
sensu a menos que seja a pequena vila ou cidade
– vivida/conhecida/reconhecida em todos os
cantos. [...] A metrópole não é “lugar”, ela só
pode ser vivida parcialmente (CARLOS apud
VEIGA, 2005, p.44).
Um “espaço” está cercado de outros espaços.
Um “lugar” está cercado de significados. A existência de um “lugar” depende de sua apropriação por
um indivíduo ou grupo. Espaços são apenas as
localidades, os endereços e constituições físicas da
cidade. Lugares são espaços compreendidos na
vida de seus habitantes. Existe um espaço para
todos: a cidade. Porém sobre esse mapa do espaço
se sobrepões milhares de outros mapas de lugares,
constituídos pela afetividade cotidiana de cada
indivíduo. Cada um estabelece relações singulares
com a cidade e se apropria de elementos e de forma
distinta do espaço. Agora imaginemos todos esses
mapas da cidade sobrepostos:
Se, por hipótese absurda, pudéssemos levantar
e traduzir graficamente o sentido da cidade
resultante da experiência inconsciente de cada
habitante e depois sobrepuséssemos por transparência todos esses gráficos, obteríamos uma
imagem muito semelhante a uma pintura de
Jackson Pollock, por volta de 1950: uma espécie
de mapa imenso, formado de linhas e pontos
coloridos, um emaranhado inextricável de
sinais, de traçados aparentemente arbitrários,
de filamentos tortuosos, embaraçados, que mil
vezes se cruzam, se interrompem, recomeçam
e, depois de estranhas voltas, retornam ao ponto
de onde partiram. (ARGAN, 1992, p.178)
Nesse mapa virtual é possível imaginar que
agregando os mais distintos trajetos há certos
pontos de convergência, de adensamento. Estes
podem dar-se por diversos motivos, podem delimitar-se de diversas formas. São esses os lugares
que transcendem a representatividade individual.
O passeio da Avenida Paulista e o bairro do Bexiga
em São Paulo são exemplos deste fenômeno.
Magnani (1987) associa grande parte dessas significações urbanas às práticas de lazer, sendo essas
grandes agregadoras da vida coletiva paulistana
no espaço comum. Veiga (2005) analisa que “o que
caracteriza o lugar seria a vivência que dele se faz
e o que define o homem seriam os lugares que
compõem seu cotidiano”. Dessa forma entendemos
que não há um caminho unívoco na determinação
de espaços como lugares, mas bidirecional, onde
indivíduo ou grupo dão identidade a um espaço,
tornando-o lugar, ao passo que esse automaticamente passa a constituir parte da identidade desses
atores. Há uma relação de ambivalência dialética
entre sujeito-espaço que vai muito além da fruição
estética ou do uso. Como indicado por Ana Fani
Carlos (1996), um lugar não é apenas conhecido,
mas local de reconhecimento, de identificação.
Para entender a aplicação desses conceitos no
caso do Cine Belas Artes, deve-se primeiramente
entender e identificar os grupos sociais participantes do fenômeno estudado. Nossa hipótese inicial
para a delimitação do referido grupo, assim como
colocado por Torres (1996), partiu da caracterização desse como um público de consumo “intelectualizado”. Diversos depoimentos3 referem-se à
qualidade e singularidade da programação deste
cinema, desde seus primórdios, referida como
“cinema de arte”, caracterizando-o como espaço
de encontro de indivíduos que partilham um
mesmo gosto.
Ainda seguindo o estudo realizado por Torres
(1996), acrescido de informações obtidas por nós
(FERREIRA, 2012a; 2012b; 2012c; 2012d) e Ornelas
(2012), pode-se definir que o grupo social estudado
é constituído, em geral, por habitantes da Zona
Oeste de São Paulo, em geral dotados de ensino
superior completo ou em curso, com idade variante entre dezesseis e sessenta anos, e renda superior
a três salários mínimos. Por fim, são frequentadores do polo cultural da Avenida Paulista, ou seja,
de suas salas de cinemas que não o Belas Artes,
restaurantes, museus, etc.
Determinado o grupo social, vejamos quais os
valores atribuídos por esses agentes ao Cine Belas
Artes. Distinguimo-los em duas vertentes: lugar
objetivo e lugares subjetivos. No que diz respeito
ao primeiro, notamos que parte da importância
do Cine Belas Artes, manifesta em sua defesa, está
diretamente relacionada com a particular atividade desenvolvida nesse espaço em tensão com o
resto da cidade. Assim, destacam-se na determinação do lugar objetivo o uso e a localização.
O mote de abertura do cinema foi a criação de
um circuito de programação paralela à hegemonia
de Hollywood, presente em mais de 85% das salas
de cinema de São Paulo (STEFANI, 2009). Nos
últimos anos, após a reforma de 2004, dedicou sua
programação a filmes europeus e lançamentos
nacionais, assim como manteve um programa de
cineclube, cursos de direção e roteiro, e o tradicional “noitão” – sessão extraordinária em que
eram exibidos filmes ao longo da madrugada. Além
do mais era um dos grandes palcos da Mostra
Internacional de Cinema, que tem nos cinemas de
rua da Avenida Paulista grande parte de sua atividade desenvolvida.
A exaltação da acessibilidade aponta para a
locação específica do cinema, tanto no que diz
respeito ao acesso, quanto à inserção no polo cultural da Avenida Paulista. Alguns entrevistados
afirmam a frequência a outros cinemas e espaços
(baladas, cafés, museus, restaurantes, livrarias e
bares) da Avenida Paulista, como complemento
ao programa. A maioria não tinha uma preferência específica pelo Cine Belas Artes, mas costumavam “perambular” pelos cinemas da região para
verificar a programação: “Se o filme de que eu estava
a fim de assistir estivesse passando em outro cinema
da Paulista, eu não iria ao Belas Artes” – Jorge, 45
anos (FERREIRA, 2012b).
Todos os cinemas citados nas entrevistas (CineSESC, Unibanco, Espaço Itaú Frei Caneca, Cine Livraria Cultura e Reserva Cultural) possuem as
79
mesmas qualidades referenciadas ao Belas Artes:
programação diversa do circuito comercial e acessibilidade. Dessa forma, o circuito das salas de
“cinema de arte” da Avenida Paulista caracteriza-se
como uma “mancha”7 urbana que concentra 90%
das poltronas destinadas à exibição do “cinema de
arte” na cidade, agrupadas em seis salas localizadas
no polígono formado pela Avenida Paulista, Rua da
Consolação e Rua Augusta. O Cine Belas Artes é um
dos vértices dessa formação urbana (STEFANI, 2009).
Assim, a nosso ver, este possui características que
transcendem uma sala de cinema, beirando, em
interação com seus arredores, a configuração de
um centro cultural. Dessa forma, pode-se dizer que
os aspectos objetivos constituintes do lugar Cine
Belas Artes, uso e localização, fundamentam a valoração do cinema como parte basal de um notável
polo cultural no cenário do lazer urbano paulista.
A fim de tratar do caráter subjetivo da produção desse lugar, partimos da análise da prática
discursiva, tanto plural como subjetiva. Procuramos encontrar na fala de nossos entrevistados os
momentos em que o particular, individual, transita ao comum, coletivo. No conjunto o fizemos
buscando as constantes discursivas enunciadas.
Nos particulares, procuramos compreender os
momentos em que o discurso se apoia em questões
de maior amplitude do que a experiência subjetiva ou que procura reforçar a própria experiência.
Assim, buscamos cartografar a ambiência psíquica do Cine Belas Artes enquanto parte da complexa e difusa trama dos sentidos produzidos no meio
ambiente urbano.
Através desse processo, percebemos a existência de duas camadas na construção do lugar Cine
Belas Artes, que apesar de apresentadas separadamente, possuem estreita relação entre si. Coexistem nessa formação os lugares de representação
e experiência.
2.1. Lugar de representação
Percebemos que para além da resolução do caso
do Cine Belas Artes e através dele, os entrevistados
proferiam discursos sobre a cidade, revelando
como a desejam e imaginam. É de grande valor
aqui a distinção feita por Harvey (apud HAESBAERT, 2011) entre lugar de representação e lugar
vivido. O lugar vivido é aquele da experiência, seu
discurso é restrito à esfera de locações específicas
e suas relações com grupos e indivíduos. Já o lugar
de representação é construído como suporte para
uma reflexão mais ampla da cultura, ele representa alguma coisa. O desejo de permanência do Cine
80
Belas Artes, a nosso ver, representa o desejo de
uma radical transformação no processo de construção do ambiente urbano de São Paulo.
Dessa maneira, tecemos a hipótese da construção do lugar Cine Belas Artes a partir da constituição de uma identidade de caráter político, na qual
a coluna vertebral desse constructo está na maior
estima do valor de uso em detrimento do valor de
troca na produção do espaço urbano. Assim, o
capital especulativo imobiliário e os “cinemas de
shopping” emergem nesse discurso enquanto
signos do hegemônico, enquanto o grupo, organizado ou não, de ex-usuários vêm-se como antagonistas através de seus próprios signos: cinemas de
rua, vida nas ruas, etc. O Cine Belas Artes figura
como um lugar de representação quando passa a
ancorar um determinado desejo irradiador para
todo o urbano, tornando a preservação, dentro dos
discursos analisados, um passo “emblemático” para
uma mudança nos processos de construção da
cidade e, consequentemente, de toda a sociedade.
Em suma, o Belas Artes é feito sinédoque de um
desejo de cidade a conquistar.
A imagem desse anseio urbano pode ser bem
delineada na construção da história da vida nas
ruas da cidade de São Paulo em que se apoiou o
MBA. Nesta o auge dos cinemas de rua está centrado entre os anos 40 e 60, período em que houve
grande aumento no número de salas na cidade
(SIMÕES, 1990). Em meados dos anos 70, com o
advento da televisão no cotidiano popular, junto
com outros fatores, como aumento gradual da violência, tem início a redução do público dos cinemas;
também se agrava a dificuldade financeira para
manter as salas ativas, todas ocupando espaços de
aluguel (SIMÕES, 1990, SANTORO, 2004 e ALMEIDA,
1995). A vida privada prevalecendo sobre a pública,
esta é a história do lazer em São Paulo narrada a
partir deste momento.
Em paralelo, o comércio de rua entra em declínio; cenário de extrema fertilidade para surgirem
os shopping centers, que passam a ser a opção mais
“segura” para a população, além de ocupar um lugar
privilegiado na hierarquia da mentalidade consumista que começa a entrar em erupção. Da mesma
forma há o gradativo aumento do mercado automobilístico, que reforça o individualismo e possibilita que o habitante da cidade transite entre diversos espaços privados, onde passará a concentrar
a maior parte de sua vida, sem nenhum verdadeiro
contato com a rua. A este processo Mumford e Jacobs
denominarão a desertificação da rua (BONDUKI,
2011). As poucas salas remanescentes ficam na
região da Avenida Paulista, onde a vida nas ruas
ainda é presente, a tolerância à diversidade existe
e a cultura urbana se exacerba (SANTORO, 204). A
negação do shopping center, portanto, surge como
afirmação do caráter qualitativo da vida desejada
na cidade. O shopping, enquanto mimese controlada da rua é encarnado como oposição no discurso.
Aponta para o desejo de outra modalidade para o
espaço comum na cidade, que não esteja pautada
excessivamente pelo consumo, pela vigilância e pelo
espetáculo (GHIRARDO, 2009).
Dessa maneira, o Cine Belas Artes como lugar
de representação é ícone para uma ideia que transcende sua particularidade. A constante de alguns
juízos (aversão ao mercado imobiliário e aos shoppings centers; apologia aos cinemas de rua, à
acessibilidade, à permanência em detrimento à
destruição) nos depoimentos coletados nos permitem construir um panorama de que há por detrás
do interesse no caso do Cine Belas Artes uma
vontade, um desejo de transformação, tanto da
configuração urbana de São Paulo, quanto de seus
processos de construção. É saliente que todas as
formulações surgem em oposição, negação, ao existente. São simultaneamente críticas e propositivas:
Mas de qualquer forma, o movimento em defesa
do Cine Belas Artes é emblemático: hoje em dia,
a cidade está nas mãos da especulação imobiliária – a preservação e a reabertura do Belas
Artes significará uma vitória da cultura, da arte
e de todos os valores humanos mais elevados
sobre a ganância, a cobiça e esse poder brutal
da especulação imobiliária. – Jorge, 45 anos (FERREIRA, 2012b)
A movimentação social e a própria preservação
do Belas Artes são tidas por seus defensores como
uma transformação para além da resolução do
caso em particular. Ao tratar de “ganância” e o
“poder brutal da especulação imobiliária”, Jorge
trata da cidade toda. O “caso emblemático” que
propõe se refere ao aspecto difusor de problemáticas urbanas que o caso Belas Artes levantou
através da mobilização social e das mídias como
lugar de representação.
2.2. Lugar de vivência
A segunda face da construção do lugar Cine Belas
Artes diz respeito ao lugar vivido. Esse, em contraste com o lugar de representação, refere-se à experiência corriqueira, coletiva ou individual, de um
espaço. A construção desse lugar, ao invés de estar
relacionado a significações de caráter icônico ou
metafóricas, vincula-se aos significados produzidos
a partir do contato direto com o espaço. O lugar de
vivência, diferentemente do de representação, não
existe fora experiência do espaço. A experiência
do cinema coopera na construção da memória e
do afeto, bases para a elaboração do lugar Belas
Artes. Dessa maneira, a partir dos discursos dos
ex-usuários, pode-se aferir alguns dos aspectos
construtivos da singularidade desse lugar de vivência, cuja manutenção, manifesta na valoração
do uso e da localização, é a principal reivindicação
da busca pela salvaguarda do Cine Belas Artes.
Filmes e salas do circuito e alternativos não são
a priori passíveis de julgamento de valor. Mas há
talvez, uma distinção de posicionamento e valoração da experiência cinematográfica pelos diferentes públicos. Os cinemas da Paulista abrigam,
em maioria, públicos distintos dos cinemas de shopping (ALMEIDA, 1995). A apropriação por determinados grupos sociais, em geral de jovens universitários e intelectuais (SIMÕES, 1990) do Belas
Artes transcende o mero uso, no sentido estritamente funcional, tornando-se ponto de encontro,
de espera, de pausa, de conversas, enfim, de certa
sociabilidade urbana. Distintos púbicos realizam
distintas apropriações (“cinema de arte” e cinema
comercial) de seus espaços. Seguindo as observações de Stefani (2009) e Almeida (1996), o público
do “cinema de arte” estabelece relação sentimental
e afetiva com os espaços de exibição, constituindo
muitas vezes até certos “ritos” em sua frequência.
Esse fenômeno possivelmente está associado tanto
com a relação e com o consumo do produto exibido,
assim como com a escassez destes espaços de exibição na cidade. Deste modo ambos concluem que
possivelmente estes espaços engendram certa
identidade, consolidando-se como lugares da
cidade para estes grupos.
Em contrapartida os frequentadores dos multiplex não estabelecem vinculo sólido com seus
espaços de exibição. Independentemente se se
encontra em um shopping center ou não, para
ambos os autores, o costume de ir ao cinema está
para esse indivíduo assim como uma gama de
outras atividades de lazer, ou seja, é apenas mais
um entretenimento entre outros. Outro fator determinante talvez seja a homogeneidade dos
espaços e programação nos multiplex de forma
que constituem espaços indistintos (assim como o
produto que oferecem) e, portanto, desprovidos
de qualquer singularidade capaz de engendrar
uma identidade, beirando o que Augé (2010) denomina de não-lugares.
Dessa maneira, há para além do julgamento
de valor e oposição, alguma disparidade entre os
cinemas “de arte” e de shopping center e é razoá-
81
vel o afeto de seus usuários. Almeida (1996) chega
a esboçar a ideia de que há uma fidelidade do
público com esses espaços, devido à sua escassez
e singularidade. Porém também especula que, para
além das questões práticas, há:
[...] ligações emocionais com certas salas ou
regiões da cidade; algumas delas são pontos
de encontro casuais com amigos e conhecidos
e, portanto, há certa sensação de se estar mais
à vontade em determinados locais (ALMEIDA,
1995, p.198).
Por último, a própria experiência de assistir a
um filme, constitui importante fator engendrador
do lugar vivido do Cine Belas Artes. De acordo com
Morin (1970) o cinema como cultura de massa
passa a ser um dos grandes fornecedores dos mitos
condutores da vida, de maneira que se torna compreensível a sua oscilação entre fantasia e realidade, dos saltos que dá do imaginário ao real e
vice- versa. “Ela (cultura de massa) não é só evasão,
ela é ao mesmo tempo, e contraditoriamente, integração” (MORIN, 1970). A cultura de massa como
adaptação ao sistema social, que propõe uma ideologia e “receitas práticas para a vida privada”.
Mitos de auto realização, do amor, o modelo do
herói, são todos arquétipos fundados no cinema,
impulsionados do imaginário em direção à realidade. Para Morin o cinema é um modelo de cultura
e, portanto, compartilha com seus espectadores
laços mais estreitos do que a simples evasão do
entretenimento, ou seja, o cinema é um parâmetro
de comportamento para o homem contemporâneo.
Em muitos relatos, ex-usuários ao serem estimulados a falar sobre o Belas Artes acabam falando
dos filmes que lá assistiram. A sala exibidora passa
a ser além de portadora, antropomorficamente,
quem lhes ofereceu a oportunidade da experiência.
Há um certo ar de gratidão nesse sentido. Seguindo a trilha de Morin (1970), podemos dizer que o
cinema constrói maneiras de percepção e reação
ao cotidiano. Por isso muitos entrevistados referiam-se ao cinema como espaços de formação ou
de aprendizagem. Por exemplo, para Leo, 21 anos,
sobre o Cine Belas Artes: “tudo que eu sei, toda
minha personalidade, tudo que aprendi, foi aqui
mesmo” (FERREIRA, 2012d). Da mesma forma,
Hirao, 36 anos define o Cine Belas Artes como “um
espaço de formação, informação, sociabilização,
cultura e conhecimento” (FERREIRA, 2012c). Confrontar uma obra não se restringe a uma experiência estética ou de entretenimento, é um processo de aprendizagem da construção de significados
bilateral, ao passo em que se significa a obra, o faz
consigo mesmo e com a vida.
82
Dessa forma, o lugar vivido do Cine Belas Artes
constitui-se a partir da soma de vivências coletivas
e individuais, estando diretamente relacionados
o espaço e a localização do cinema, com seu público
e os ritos e valorações desse rito que ali se estabelecem. Uso, programação, localização e espaço
encontram-se plenamente fundidos na vivência
do lugar, tornando a preservação completa desses
aspectos condição sine qua non para a preservação
do lugar Cine Belas Artes.
3. Questões patrimoniais
O tempo cultural não é cronológico. Coisas do
passado podem, de repente, tornar-se altamente significativas para o presente e estimulantes
do futuro. (MAGALHÃES, 1985)
Antes de penetrar no embate com as problemáticas patrimoniais sugeridas pelo caso, faz-se
necessário deslocar e debater certos conceitos,
enrijecidos ao longo do tempo, associados à disciplina. Tentaremos, para isso, desnaturalizar
algumas noções correntes acerca do patrimônio
cultural.
Comecemos pelas noções de perenidade, unicidade e universalidade atribuídas à disciplina
patrimonial e objetos tombados, que se aproximam
da sacralidade de um museu (casa de memória e
poder) à qual também se soma o valor da antiguidade per se (CHAGAS, 2002). Em oposição a essa,
adotemos a concepção de que o patrimônio cultural é fruto da articulação de discursos, como todo
fato social, sendo um constructo cultural, portanto sujeito à transformação e à crítica assim como
toda e qualquer forma de organização humana:
[...] as considerações dos excluídos, das singularidades e o silêncio na atual escrita da História, é um fator que, juntamente com a percepção do patrimônio como fator cultural, tende
a modificar este quadro, pois desvenda o existir
não apenas de um patrimônio, mas de patrimônios, cada um dos quais referenciados em
memórias específicas ou locais cujo valor tem
que ser aferido por critérios múltiplos. (RODRIGUES, 1996, p.203).
Qualquer coisa ou fenômeno do mundo é passível de valor patrimonial e de preservação, que
são categorias e etapas distintas da disciplina. O
valor não está no objeto, mas é atribuído por sujeitos. Dessa maneira temos um patrimônio não só de
categorias móveis, mas também dinâmico, pois
parte das transformações sociais. A distinção que
Halbwachs (1990) faz dos conceitos de História e
Memória nos parece análoga às duas formas de
patrimônio a que estamos nos referindo, conforme
recuperadas por Nora (1993):
A história é reconstrução sempre problemática
e incompleta do que não existe mais. A memória
é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no
eterno presente; a história, uma representação
do passado. [...] A memória emerge de um grupo
que ela une o que quer dizer, como Halbwachs
o fez, há tantas memórias quantos grupos
existem; que ela é, por natureza, múltipla e
desacelerada, coletiva, plural e individualizada.
A história, ao contrário, pertence a todos e a
ninguém, o que lhe dá uma vocação para o
universal. A memória se enraíza no concreto,
no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A
história só se liga às continuidades temporais,
às evoluções e às relações das coisas. A memória
é um absoluto e a história só conhece o relativo.
(NORA, 1993, p.9)
Este trecho nos conduz à outra face da prática
patrimonial que nos interessa: a prática do patrimônio como projeto social. Uma acepção da disciplina que leve em conta as duas dimensões colocadas por Nora. Seguindo Antônio Arantes (2006),
encontramos no patrimônio a potência de um
discurso transformador:
A temática do patrimônio quando associada, ao
mesmo tempo, às noções de memória e futuro
sugere não só uma relação entre memória social
e projeto social, isto é, entre a memória social
e a construção no presente das perspectivas
futuras de uma formação sócio-territorial;
sugere também que, de alguma forma, o patrimônio histórico-cultural participa desta relação,
da memória social com a construção das soluções dos problemas com os quais se confronta
uma sociedade. (ARANTES, 2006, p.3)
O patrimônio para além de instrumento museográfico para a preservação da cultura erudita,
constrói através da rememoração e da vivência as
bases para um projeto social. Decide pela lembrança ou o esquecimento, que serão os possíveis pilares
de sustentação para memórias transformadoras
(NORA, 1993). Eis a importância da história vista
a contrapelo, pois a permanência das derrotas
marca a permanência dos conflitos, enquanto o
esquecimento tenderá a apagá-los. Uma das possíveis compreensões do fenômeno social de busca
pela salvaguarda do Cine Belas Artes tange essa
leitura, entendendo o cinema em questão como
um espaço de resistência.
A terceira noção a ser deslocada diz respeito às
categorias da materialidade e imaterialidade de
um bem patrimonial. A cultura, em última instância, é um amálgama de símbolos, ritos e práticas,
com diferentes formas de manifestação. A materialidade e a imaterialidade de uma cultura são
duas faces indissociáveis de uma mesma moeda.
Esta interdependência é raramente exaltada em
casos de tombamento, menção que permitiria ao
discurso patrimonial acerca de bens imóveis expandir-se do âmbito técnico para os diversos valores
estabelecidos por outros grupos sociais.
Como definido por Argan (1992), o tratamento
da cidade deve dar-se em duas vias: a função e o
espaço visual, aquele trabalhado também por
Lynch (2011), cuja origem é a imagem da cidade
construída na interioridade de seus habitantes.
Para Argan (1992) um lugar da cidade deve ser
objeto de tratamento do urbanismo quando, como
se fossem sobrepostos os mapas afetivos de todos
os habitantes, este formar pontos de concentração
afetiva, constituindo um lugar que transcende a
vivencia individual e passa a ser um lugar social.
Essa observação equivale ao direito à memória e
à cidade, apontados nas reivindicações sóciais
observadas no caso em questão.
No episódio do Cine Belas Artes, devido a uma
suposta ausência de valor material de caráter
técnico arquitetônico4, a contradição vem à tona.
Comporta memória social e constitui importante
lugar para a vida da cidade. O edifício em questão
é valorado enquanto recipiente. Há grande recusa
entre os técnicos na utilização do instituto do tombamento5 nesses casos, afirmando a restrita abrangência a objetos de valor artístico e excepcional
da cultura brasileira, mais especificamente, a bens
arquitetônicos e obras de arte. Surge a questão:
deve-se abranger a atuação do instituto do tombamento ou criar novas ferramentas6?
O último ponto a ser tratado acerca dos deslocamentos das noções do Patrimônio Cultural diz
respeito aos limites da disciplina. Os órgãos de
preservação do patrimônio cultural são agentes de
produção do espaço urbano. Sua atuação, portanto,
é política (Arantes, 2006), e está estritamente ligada
aos anseios da sociedade enquanto coletividade:
A orientação e eficácia do trabalho com o patrimônio cultural dependem, visceralmente, de
nosso projeto de sociedade, do tipo de relações
que desejamos instaurar entre os homens
(MENESES apud ARANTES, 2006, p.194).
Toda prática preservacionista está articulada
com algum projeto de sociedade e cidade. Pode-se
pensar o tombamento do Cine Belas Artes sob duas
matrizes: o uso político do tombamento e/ou da
transformação das políticas patrimoniais e de seu
83
“projeto de sociedade”. Pela primeira poderíamos
pensar que mesmo não garantindo as qualidades
requisitadas pela sociedade para o bem em questão,
a utilização do de tal instrumento traria poder à
sociedade civil, dando validade ao seu desejo:
Se a memória social depende da narração para
sua continuidade, a paisagem urbana também
poderia contribuir a partir da memória do lugar
que seria, para o filósofo (Aristóteles), a presença estabilizadora do lugar como um contendor de experiências que contribui tão poderosamente para a sua memorabilidade intrínseca
(CASTRIOTA, 2009, p.124).
O tombamento poderia ser entendido como um
gesto político, que percebe o processo de preservação de maneira mais complexa, em longo prazo.
No caso do Cine Belas Artes, possibilitaria à sociedade civil mobilizada realizar a articulação faltante entre o órgão patrimonial municipal (Conpresp)
e as secretarias responsáveis pelo planejamento da
cidade, ou que se formem estratégias extraoficiais
para a preservação do Patrimônio Cultural (à
maneira da preservação realizada em 2004, que
analisaremos mais adiante). Dentre os órgãos públicos atuantes na cidade de São Paulo, talvez os
responsáveis pelo Patrimônio Cultural (Conpresp
e Condephaat) sejam os únicos onde é possível que
qualquer cidadão abra um processo sem grandes
barreiras burocráticas. Essa constitui uma hipótese para o fato de casos, como o do presente estudo,
acabarem sendo direcionados aos órgãos patrimoniais e terem seu debate circunscrito a esse campo.
As questões de preservação, dizem respeito aos
referidos órgãos públicos, porém esse tipo de ação
não é específico a esses, havendo diversas possibilidades para que seja efetuado por outros segmentos do Estado que comportam instrumentos eficientes como a desapropriação, as PPP’s (Parceria
Público-Privado) e a elaboração e gestão dos Planos
Diretores Estratégicos8. Por outro lado, essas políticas estão mais afastadas do cidadão comum, e
normalmente comprometidas com agendas políticas pré-estabelecidas das Secretárias Municipais.
A recuperação do Cine Belas Artes em 2004,
realizada pela produtora O2 Filmes junto à distribuidora Pandora Filmes, pode ser entendida como
significativa de uma ação de preservação material
e imaterial do cinema independente dos instrumentos oficiais. O edifício então se encontrava em
condições materiais inviáveis para desenvolver sua
atividade. A reforma do edifício, realizada por
Roberto Loeb, agiu sobre o material de acordo com
sua valoração imaterial, ou seja, a nosso ver, não
consiste em um processo de restauro arquitetônico,
84
mas de restauro de uso, de urbanidade. Dessa forma
o arquiteto sentiu-se livre para criar novos espaços
de convivência (como o hall do segundo andar, a
abertura para a Rua da Consolação e a lanchonete
no térreo) assim como reconfigurar livremente as
salas de exibição. Note-se que essa ação conseguiu
equilibrar o interesse financeiro e mercadológico
dos entes envolvidos com a interpretação e respeito ao valor social atribuído para aquele espaço.
A ideia dessa recuperação era revitalizar aquele
lugar tão caro à cidade de São Paulo. Por isso foi
imprescindível a associação de André Sturmn na
direção das atividades do cinema. A recuperação
tanto do caráter de programação que o cinema
havia desenvolvido até os anos 90, assim como de
suas atividades de teor cultural, garantiram, junto
à recuperação das instalações, que aquele voltasse
a ser um lugar da cidade. As movimentações ocorridas no começo de 2011, reunindo desde jovens
até idosos, são a prova da eficiência desta ação de
preservação, verdadeiramente efetiva não só na
preservação da memória, mas também da vida na
cidade, contemplando a esfera de valor que aqui
lidamos: a manutenção do lugar.
4. Considerações finais
Grande parte da problemática desenrolada pelo
caso do Cine Belas Artes diz respeito à decisão de
que modelo e instrumentos seriam adequados à
sua preservação. A dificuldade está concentrada,
dentre outras, na ideia de preservação do uso. O
uso, tradicionalmente no Urbanismo é tratado de
forma restrita a seu caráter utilitário e funcional.
Este conceito de uso esquadrinha as experiências
da cidade, reduzindo-as a seu caráter quantitativo.
Entre o lazer e o trabalho, há a vida de todos habitantes da cidade. Uma sala de cinema não é nem
somente funcional, nem somente lazer, mas uma
experiência coletiva e individual multifacetada. O
objetivo inicial de pesquisa foi entender a mobilização realizada em torno do Cine Belas Artes e
suas consequências propositivas para problemáticas da disciplina do Patrimônio Cultural. A conclusão do artigo dá-se, portanto, no entrecruzamento entres estas duas frentes de investigação.
Este encontro não chega à dimensão de uma proposta, por mais que possa insinuar caminhos.
A quantidade de grafites que cobriram o cinema
após seu fechamento é reveladora da posição de
seu destaque no imaginário urbano (Figura 1). Como
a relva da floresta que encobre velhas construções,
os grafites e pichações atestam o abandono. Protes-
tam por meio da intensificação do processo de degradação, como catalisadores ou lamentosos oráculos do destino a que está fadado o edifício.
“Pasolini passou aqui” é a síntese das valorações
atribuídas ao Belas Artes. A primeira, mais literal,
diz respeito à sua posição no circuito exibidor paulista, parte do circulo afetivo de determinados
grupos ligados a uma cultura cinematográfica. A
outra, como descrita pelo próprio autor (VEIGA,
2011), surge da metáfora sobre o destino de Pasolini, que morreu atropelado, assim como, nas palavras
dos entrevistados, o foi, por outras forças, o Belas
Artes. A compreensão da mobilização ao redor da
salvaguarda da sala de cinema em questão teve seu
desenvolvimento primordial envolta do conceito
de lugar. Foi a partir dele e da busca por uma compreensão especifica de sua construção no caso estudado que formulamos e organizamos nossas
percepções acerca desse fenômeno social.
Para tanto, lançamos duas hipóteses para a
sustentação e elaboração do lugar Belas Artes. A
primeira procura compreender o Cine Belas Artes
enquanto lugar de representação, ícone do desejo
urbano do grupo social analisado. A segunda
aborda o cinema enquanto lugar vivido, tendo
como foco a construção do lugar a partir da experiência subjetiva e coletiva daquele espaço. Assim,
observamos dois lugares distintos para um mesmo
espaço. Lidamos, para a primeira, na matriz do
lugar de representação, ou seja, o Belas Artes enquanto um lugar no imaginário da cidade. Na
segunda o lugar é construído menos pelos discursos que o cercam e mais pelas vivências, experiências e memórias acumuladas naquele espaço.
Para cada lugar há um debate patrimonial
distinto. Por isso nos propomos a pensá-los separadamente, mas não completamente apartadas,
mas antes camadas conspícuas de um mesmo fenômeno. A valoração do edifício que comporta o
Cine Belas Artes, sob a ótica do lugar de representação e de memória, está relacionada à idéia de
monumento. Esta noção, na modernidade, está
associada diretamente com o intricado entre as
ideias de rememoração e projeto político (FONSECA,
1997). Foi assim que o SPHAN construiu uma ideia
nação brasileira em sua primeira fase de atuação
(durante a gestão de Rodrigo Melo Franco de
Andrade) (FONSECA, 1997), estratégia seminal da
noção moderna de patrimônio surgida na França,
em consonância com a formulação de projeto social
e político proposta por Arantes (2006).
A operação de memória/rememoração pensada
para o Belas Artes é de menor escala, porém opera
de maneira semelhante. O ato de preservar supõe
o ato de esquecer. Esquecer o Belas Artes, simbolicamente, significa esquecer um desejo urbano,
em todos os aspectos antes formulados. Por outro
lado, preservá-lo denota o reconhecimento dessas
mesmas qualidades e aspirações. Assim como, por
exemplo, o Obelisco de São Paulo foi erguido em
memória à Revolução Constitucionalista de 1932,
com o objetivo de firmar certa identidade paulistana e manter acesa a chama dos ideais marcados
por aquele movimento.
Se entendemos o Belas Artes como monumento paulistano é no estrito sentido da lembrança,
da permanência da memória enquanto propulsora do imaginário urbano e de suas consequentes
transformações. Seria antes, enquanto lugar de
memória, como proposto por Pierre Nora (1993),
do que um saudosismo. Retomando ao binômio da
história dos “vencedores” e dos “derrotados”
podemos pensar que a preservação do Belas Artes
seria a construção de um monumento aos “derrotados”, mantendo acesa a chama da luta de identidades, criadas e sustentadas pela oposição (HALL,
2006), que foram construídas ao redor deste espaço
enquanto elemento simbólico, lugar de representação. Preservar o Belas Artes seria instituir aos
grupos sociais que se articulam ao discurso de
desejo urbano aqui caracterizados um lugar de
resistência, um lugar de memória que mantém o
conflito de interesses na produção do espaço
urbano em aberto, que reforça essas contradições
ao invés de neutralizá-las a fim de atingir uma
suposta “unanimidade”.
Se pensado o monumento Belas Artes na matriz
da experiência e vivência do cinema, do lugar
vivido, chegamos a outra formulação. Entramos
em consonância com o pensamento urbano característico dos anos 60/70, do apelo à pequena escala
e da valoração de dados subjetivos no pensamento
da produção da cidade. O monumento Belas Artes,
nesse caso, não trataria exatamente de uma
memória coletiva e comum como no outro, mas de
um amálgama de memórias e afeto individuais
depositados em um mesmo objeto. O foco da valoração é a manutenção da experiência e das práticas
dos grupos sociais ligados a esses espaços, que são
interdependentes. Ao contrário do monumento
anterior, este não seria um objeto que procura
confluir em si uma única memória, uma espécie
de meta-narrativa comum, mas um objeto que
contempla a multiplicidade da experiência urbana,
equiparando esse valor ao das “grandes” narrativas
históricas. Valoriza o cotidiano do cidadão comum,
pretende apenas atuar enquanto mantenedor de
um determinado modo de vida na cidade, à maneira
85
como são realizadas ações patrimoniais junto à
comunidade indígenas, como o tombamento da
Cachoeira do Iauaretê (ARANTES, 2009).
Tangenciando o pensamento de Magnani (1987)
sobre as manchas urbanas, consideramos que o
Cine Belas Artes junto com o Cinearte (atual Cine
Livraria Cultura), Cine Unibanco, CineSESC e
Reserva Cultural, constituem juntos um lugar para
a cidade. Como proferido por muitos de nossos
entrevistados e de Almeida (1990): são os “cinemas
da Paulista”, compartilhando identidade e público
específicos. O Cine Belas Artes não é o lugar de
cinema de arte na cidade, mas um dos lugares, o
lugar de cinema é constituído pelo conjunto. Dessa
maneira, pensar a permanência do Belas Artes
unicamente enquanto lugar vivido só faria sentido
se pensada em conjunto.
As duas noções de monumento propostas não
são excludentes, mas complementares uma vez
que dão conta de diferentes camadas do fenômeno
estudado. Por último cabe analisar estas duas propostas sob a luz das problemáticas patrimoniais
levantas pelo trabalho. Ambas contemplam tanto
a noção do patrimônio enquanto projeto social, ou
seja, um olhar mais amplo para o patrimônio como
fenômeno social e parte atuante na concorrência
para a produção do espaço urbano. Ambas também
consideram a dissolução da distinção entre materialidade e imaterialidade, tanto no que diz respeito à valoração do espaço enquanto recipiente
da experiência e afeto de grupos sociais paulistanos, quanto na valoração pelo valor simbólico do
edifício, em que a criação do símbolo é uma operação “imaterial”, imaginativa, que pousa sobre
uma estrutura física.
Para a ação efetiva das duas hipóteses seria
necessário o cerceamento do direito de propriedade privada a fim de garantir a preservação proposta. Poderia ser realizada por meio de um acordo,
como no caso citado em 2004, porém, se não há
consentimento do proprietário, se faz necessária
a intervenção do setor público. Os instrumentos
utilizados poderiam ser a desapropriação ou o
tombamento. A utilização do tombamento, como
já mencionado, é limitada tanto pela legislação
como em sua eficácia. Nesse caso o tombamento
seria útil enquanto gesto político inaugural para
uma ação seguinte de desapropriação, de convencimento do proprietário ou de negociação para
uma PPP. A desapropriação por sua vez garantiria
a posse de propriedade ao Estado, mas assim como
tombamento, não garante a preservação. Essa é
possível através de ações contundentes da sociedade civil organizada e do Estado para mobilizar
86
patrocinadores e especialistas para retomar o uso
do local, como ocorrido na reabertura do cinema
realizada em 2004.
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88
Notas
1. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela
Escola da Cidade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (2013). Atualmente realiza mestrado na Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo na área de História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo.
2. Durante o processo de pesquisa, o autor envolveu-se diretamente em ações e discussões acerca da preservação do Cine Belas Artes ocorridas em São Paulo.
Dessa maneira, para além da voz captada através das
entrevistas, destaca-se como importante dado para a
pesquisa a própria experiência do autor e sua vivência
da cidade.
3. O referido discurso se faz presente nos depoimentos
por nós recolhidos com os ex-usuários do cinema envolvidos nas movimentações sociais para sua preservação,
Jorge Rubies e Afonso Junior em fevereiro de 2012, assim como nas entrevistas realizadas anteriormente por
Torres (1996) e Ornelas (2012) com usuários do Cine
Belas Artes.
4. O termo mancha, precisa Magnani, designa “uma
ambos os instrumentos, porém, da maneira como estão
instituídos e regulamentados é impossível, uma vez que
contraditórios no que se refere à qualidade e temporalidade do valor que cada instrumento contempla.
8. Pode-se utilizar como exemplo o Plano Diretor Estratégico de São Paulo (Lei Municipal Nº 13.430/2002), que
determina as ZEPECs (Zonas Especiais de Preservação
Cultural), que determinam regulamentação específica
para determinados trechos urbanos, garantindo uma
gestão mais apurada de áreas e bens com valor cultural
atribuído pela sociedade de maneira mais flexível que
o Instituto do Tombamento e sem a necessidade de onerar o Poder Público, como ocorre na desapropriação.
A definição das ZEPECs também viabiliza a utilização
de outros instrumentos previstos no PDE de São Paulo,
que podem cooperar na negociação entre os interesses
públicos e privado sobre a propriedade como o direito
de preempção, a permuta de terrenos e a transferência
de potencial construtivo. No que tange às PPP’s, a mitigação de impostos via Lei Rouanet (PROAC e PRONAC),
tem grande potencial para a preservação de bens culturais, como já foi realizado no próprio Cine Belas Artes,
que foi patrocinado pelo HSBC de 2004 até 2010.
área contígua do espaço urbano dotada de equipamentos que marcam seus limites e viabilizam – cada qual
com sua especificidade, competindo ou complementando – uma atividade ou prática predominante” (MAGNANI, 1987, p.3).
5 Segundo Fonseca, é notório que a prática dominante de ações de preservação de bens materiais no Brasil
permanece pautada pelos valores de excepcionalidade
das obras no que se refere ao seu valor artístico ou arquitetônico (FONSECA, 1997).
6. Regido no Estado de São Paulo pelo Decreto Estadual
nº 13.426, de 16/mar/1979, pautado no DL nº 25/37.
7. Um exemplo elucidativo dessa questão é o registro
da Cachoeira do Iauaretê (AM), realizado pelo IPHAN
em 2006. O valor reconhecido pelo IPHAN nesse local
remete-se ao valor espiritual e mítico atribuído pelas
tribos indígenas que vivem às redondezas da cachoeira. Nesse caso, a opção pelo Registro é coerente por
não enrijecer o valor daquele espaço, pois se tratando
de uma valoração de ordem espiritual e mítica, está
sujeito á mudanças ao longo do tempo. Dessa maneira,
o bem valorado é preservado através da chancela do
IPHAN e mantém as atribuições materiais e imateriais
do bem distintas para futura manutenção. Porém, no
caso de uma disputa por essa propriedade, como ocorre comumente em meios ambientes urbanos como o de
São Paulo, o Registro demonstra-se pouco eficiente para
a garantia dos valores culturais preservados, pois não
propicia o cerceamento de propriedade à maneira do
instituto do tombamento. No caso do Cine Belas Artes,
seriam necessárias para a preservação as qualidades de
89
VII jornada
de iniciação
científica
VII Jornada de Iniciação
Científica da Escola da Cidade
A Jornada de Iniciação Científica, que a Escola da
Cidade promove anualmente desde 2009, foi concebida como oportunidade de difusão e de debate
de pesquisas que se realizavam no âmbito do Programa de Iniciação Científica e Pesquisa Experimental fomentados pelo antigo Núcleo de Pesquisa da própria escola. Em sua VII edição a jornada
se reafirma como esse espaço prolífico de debate
inicialmente idealizado, bem como evidencia a
diversificação e as múltiplas possibilidades que a
pesquisa no âmbito da graduação assume atualmente na Escola da Cidade a partir de suas três
modalidades – iniciação científica, pesquisa experimental e vivência externa em pesquisa – abrigadas a partir de 2015 junto ao Conselho Científico.
Repete-se no evento desse ano a experiência iniciada em 2014 de abrir-se para a apresentação de
pesquisas de iniciação científica de arquitetura e
urbanismo (e áreas afins) também realizadas em
outras universidades, faculdades e escolas de
ensino superior. A possibilidade de colocar em
diálogo os trabalhos realizados na Escola com
aqueles feitos em outras instituições de ensino é
uma oportunidade única de ampliação das perspectivas de debate, fundamental para o adensamento do pensamento crítico no âmbito da pesquisa científica desenvolvida nesta instituição.
Este ano, oito mesas, que abarcam 31 pesquisas
de alunos de graduação, contarão com os comentários de profissionais respeitados em seus campos
de atuação, o que uma vez mais só têm a nos
honrar. A VII Jornada de Iniciação Científica propõe
ainda a realização de uma mesa de encerramento
que procura discutir estruturas de grupos de pesquisa e possibilidades de articulação de suas atuações com profissionais em suas diferentes etapas
de formação, bem como das relações entre o universo teórico e a prática cotidiana da profissão do
92
arquiteto urbanista na dinâmica acelerada de
nossas cidades.
A mesa Invenções do morar convida a ex-professora da casa, Nilce Aravecchia, agora docente
na FAU-USP, para, a partir de um universo de pesquisas com caráter e objetos bastante diversos,
discutir os sentidos do morar. As pesquisas aqui
em debate tencionam as relações entre o espaço
do morar e suas relações sociais internas e externas,
ao olharem para exemplos particulares e provocativos de novas reflexões e perspectivas de análise.
Já a mesa Técnicas e estratégias projetuais conta
com a participação de Franklin Lee, que traz sua
experiência como professor e profissional que busca
o encontro de tecnologias de design para gerar
geometrias social e ambientalmente sensíveis em
projetos de arquitetura e de desenho urbano. Busca-se nessa mesa explorar estratégias diversas da
concepção e da análise de projetos arquitetônicos,
em diálogo com as novas tecnologias disponíveis
do universo digital, mas também a partir de um
caráter multidisciplinar que ora aproxima a arquitetura das discussões no campo da estética, ora a
coloca como resultante de lógicas intrínsecas do
universo da matemática.
Habitação e a ação do Estado pretende lançar
luz na importante temática da habitação de interesse social no nosso país, a partir de pesquisas
que, adotando perspectivas de análise diversas,
abordam vários programas e estratégias que procuraram atender às carências habitacionais nas
últimas décadas. A participação de Ana Paula Koury,
professora do Programa de Pós Gradação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas
Tadeu e coordenadora junto com Nabil Bonduki
da pesquisa Pioneiros da Habitação Social no Brasil
que resultou nos três volumes publicados em 2014,
traz assim contribuição valiosa. Igualmente impor-
tante é a contribuição da professora livre-docente
e curadora do Museu de Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo (MAC-USP), Ana Magalhães, à mesa Artes – circuitos e diálogos, na qual
estão reunidos trabalhos que aproximam a formação do arquiteto dos campos artísticos – quer seja
pelos elementos complementares do espaço construído ou pelas possibilidades da luz na construção
do espaço cênico, quer seja pelas perspectivas mais
próximas à história da arte de reflexão sobre movimentos, trânsitos e artistas.
A mesa Derivas do urbano traz reflexões sobre
os complexos e por vezes contraditórios processos
de produção e leitura dos espaços urbanos a partir
de diversificados recortes e escalas de análise; e
contará com os comentários de Leandro Medrano,
professor livre-docente da FAU-USP, cujas pesquisas têm se centrado, entre outras temáticas, nos
processos de produção da cidade e da economia
urbana. Também com foco na perspectiva urbana,
mas deslocando-a para um território mais próximo
da história das cidades e da construção de suas
memórias, inseridas nas dinâmicas sociais do
passado e do presente, a mesa Memórias, registros
e espaço construído convida a também professora da FAU-USP Ana Castro (ex-docente da casa),
para o diálogo.
Com a prestimosa colaboração da professora
da FAU-USP e diretora do CPC-USP Monica Junqueira de Camargo discute-se, em Miradas do moderno,
pesquisas que procuram desvelar os percursos
ricos e diversificados a partir dos quais a arquitetura moderna procurou se construir, afirmar e
difundir no Brasil. Em Espaços do educar Lilian
L’Abbate Kelian, traz sua reconhecida experiência
de reflexão sobre educação e políticas educacionais,
para a discussão de pesquisas que procuram evidenciar as intricadas lógicas que ligam o projeto
de espaços escolares ao percurso de reflexão de
seus arquitetos, mas também a dimensões pedagógicas, políticas ou urbanas.
Por fim, embora certamente não menos importante, a mesa Investigações em rede na arquitetura e no urbanismo convida ao diálogo o Núcleo
de Estudos das Espacialidades Contemporâneas
– através de seu coordenador Fabio Lopes; o Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade –
através das professoras Raquel Rolnik (FAU-USP)
e Paula Santoro (FAU-USP); o Grupo de Pesquisa
Da Experimentação ao Projeto: Materialidades e
Traduções – através das professoras Myrna de
Arruda Nascimento (Centro Universitário SENAC)
e Valeria Cássia dos Santos Fialho (Centro Universitário SENAC); e o Usina – Centro de Trabalho para
o Ambiente Habitado – através de seu atual coordenador Flavio Higuchi Hirao. A partir do relato
desses grupos e espaços de pesquisa distintos, de
suas estratégias diversas de compreensão de seus
objetos, mas também da estruturação de seus
espaços – institucionais ou não - de pesquisa; trata-se de oportunidade riquíssima para abrir novos
horizontes de reflexão sobre as possibilidades de
construção de redes de pesquisa que procuram em
escalas e de formas diversas enfrentar questões
de interdisciplinariedade e das possíveis conexões
com o universo prático que lidar com o objeto
construído nos traz.
Comissão Científica
Eduardo Costa
Fernanda Pitta
Luis Octavio Pereira Lopes de Faria e Silva
Maira Rios
Marianna Boghosian Al Assal
Pedro Lopes
93
programação
27 de outubro de 2015
mesa 1
Invenções do morar
comentário: Profa. Dra. Nilce Aravecchia Botas
(FAU-USP)
coordenação: Prof. Ms. Pedro Lopes
1. Habitar o invisível: residências reais para
uma São Paulo inventada
Vitor Hugo Pissaia (EC / bolsista PE-EC)
orientação: Profa. Ms. Ana Carolina Tonetti (EC)
2. A arquitetura da moradia
estudantil da Unicamp
Giovana Bertazzoni de Martino
(FEC-Unicamp / bolsista Pibic-CNPq)
orientação: Profa. Dra. Ana Maria de Goes
Monteiro (FEC-Unicamp)
3. Domesticidade em esquadro: o Escritório
Técnico F. P. Ramos de Azevedo e algumas
propostas para o espaço doméstico paulistano
na virada do século XIX para o XX
Carlos Thaniel Moura (EFLCH-Unifesp / bolsista
Pibic-CNPq)
orientação: Prof. Dr. Fernando Atique (EFLCHUnifesp)
4. Casa-aldeia: microcosmo
Thiago Benucci (EC / bolsista Fapesp)
orientação: Prof. Dr. Pedro Cesarino (FFLCH-USP)
mesa 2
Técnicas e estratégias projetuais
comentário: Prof. Ms. Franklin Lee (AA)
coordenação: Prof. Dr. Luis Octavio Pereira
Lopes de Faria e Silva
1. Aspectos construtivistas
na arquitetura contemporânea
Gabriella Neri Gutierrez (Centro Universitário
94
3. O cliente coletivo: Estado, habitação social
e arquitetura moderna
Anne Mayara Almeida Capelo (IFCH-Unicamp /
bolsista Fapesp)
orientação: Profa. Dra. Silvana Rubino (IFCHUnicamp)
4. Análise crítica das dimensões dos espaços
funcionais de habitações populares – COHAB,
SEHAB, CDHU e PMCMV
Micherlâne Lima (IFSP / bolsista IFSP)
orientação: Prof. Dr. Alexandre Kenchian (IFSP)
SENAC / bolsista Pibic-CNPq)
orientação: Profa. Dra. Myrna de Arruda
Nascimento (Centro Universitário SENAC)
2. Experimentações nas obras
contemporâneas de Peter Eisenman
Luis Paulo Hayashi Garcia
(Centro Universitário SENAC)
orientação: Profa. Dra. Valeria Cássia dos Santos
Fialho (Centro Universitário SENAC)
3. Geometria e estrutura: construção
de estruturas complexas a partir de
módulos geométricos
Mariana Tiemi Uemura Kawaguti (IFSP)
orientação: Profa. Dra. Patrícia Andréa Paladino
(IFSP)
4. Influência das curvas cônicas na
arquitetura: a elipse e as galerias do sussuro
Giovanna Rodrigues Cardoso (IFSP/bolsista IFSP)
orientação: Profa. Dra. Patrícia Andréa Paladino
(IFSP)
mesa 3
Habitação e a ação do Estado
comentário: Profa. Dra. Ana Paula Koury (USJT)
coordenação: Profa. Ms. Maira Rios
1. O papel das ZEIS na política habitacional
Leticia Haspene Santaella (FEBASP)
orientação: Profa. Dra. Débora Sanches (FEBASP)
2. A Caixa Estadual de Casas para o Povo
(CECAP) e o interior paulista: a atuação de
uma autarquia governamental na construção
de conjuntos habitacionais
Michele Aparecida Siqueira Dias (EFLCH-Unifesp
bolsista Fapesp)
orientação: Prof. Dr. Fernando Atique (EFLCHUnifesp)
mesa 4
Artes – circuitos e diálogos
comentário: Profa. Dra. Ana Magalhães (MAE-USP)
coordenação: Prof. Dr. Fernanda Pitta
1. Luz - elemento constitutivo da forma,
espaço e tempo. Experiência de iluminação
cênica do espetáculo “O filho”
(Teatro da Vertigem)
Naiara Abrahão (EC / bolsista VE-EC)
orientação: Prof. Ms. Alexandre Benoit (EC)
2. Círculo y Cuadrado e Grupo Ruptura: os
movimentos uruguaio e brasileiro
e o debate sobre a relação entre
surrealismo e construtivismo
Olívia Mendes Tavares (EC / bolsista IC-EC)
orientação: Profa. Dra. Fernanda Pitta (EC)
3. Anita Malfatti como retratista: análise das
relações entre a artista e os retratados nos
anos 1930-1940
Morgana Souza (IEB-USP / bolsista IC- Santander)
orientação: Profa. Dra. Ana Paula Cavalcanti
Simioni (IEB-USP)
4. Inventários: altares de Taubaté e
Guaratinguetá –
levantamento e análise de artes
complementares
João Paulo Gobbo e Marina Carneiro Murad
(UNITAU / bolsistas UNITAU)
orientação: Prof. Dr. George Rembrandt Gutlich
(UNITAU)
mesa 5
Derivas do urbano
comentário: Prof. Dr. Leandro Medrano (FAU-USP)
coordenação: Profa. Ms. Amália Cristovão
dos Santos
1. São Paulo – duas cidades em uma. Um
estudo sobre a Galeria Metrópole e o
conjunto Cidade Jardim
Débora Cristina da Silva Filippini
(EC / bolsista IC-EC)
orientação: Profa. Dra. Marina Grinover (EC)
2. O centro de São Paulo e o mercado
imobiliário residencial
Daniel Souza de Carvalho (EC)
orientação: Prof. Ms. Felipe Noto (EC)
3. Análise dos usos informais do espaço
público no bairro Jardim América, São Paulo
Cesar Hiro Okinaga (FEBASP)
orientação: Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos
(UNITAU / FEBASP)
4. A deriva como método para a interpretação
do espaço urbano
Thamires de Cássia César (UNITAU)
orientação: Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos
(UNITAU / FEBASP)
mesa 6
Memórias, registros e espaço construído
comentário: Profa. Dra. Ana Castro (FAU-USP)
coordenação: Prof. Ms. Gian Spina
1. Buenos Aires: memórias de dor na
paisagem urbana
Rebeca Lopes Cabral (EC / bolsista Fapesp)
orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al
Assal (EC)
2. Edifício Anchieta: formalizando memórias
e patrimonializando a arquitetura moderna
Rebeca Domiciano de Paula (EC / bolsista Fapesp)
orientação: Profa. Dra. Flavia Brito
do Nascimento (FAU-USP)
3. Por detrás dos muros – o industrial
Sabbado D’Angelo e os paradoxos
de sua memória
Lucas Florêncio da Costa (EFLCH-Unifesp)
orientação: Prof. Dr. Fernando Atique
(EFLCH-Unifesp)
4. Registros de um arquiteto peregrino:
identificação
e organização do acervo fotográfico de
Eduardo Kneese de Mello
Elisa Horta da Silva (FEBASP)
orientação: Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos
(UNITAU / FEBASP)
mesa 7
Miradas do moderno
comentário: Profa. Dra. Monica Junqueira de
Camargo (FAU-USP)
95
coordenação: Profa. Dra. Joana Mello
1. Moderno e regional: trajetória
e projetos residenciais de Severiano
Porto em Manaus (AM)
Isabella De Bonis Silva Simões (EC / bolsista
IC-EC)
orientação: Profa. Dra. Joana Mello (EC)
2. Lina Bo Bardi e o projeto moderno no Brasil
Luiz Gustavo Sobral Fernandes (FAU-Mack /
bolsista Fapesp)
orientação: Profa. Dra. Lizete Rubano
(Fau-Mack)
3. Técnica e tradição: Os caminhos da
Azulejaria no Brasil e em Portugal em meados
do século XX a partir das leituras particulares
Giulia Godinho (EC / bolsista VE-EC)
orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian
Al Assal (EC)
4. Congresso Brasileiro de Arquitetos entre
1945-1954: debates para a construção de uma
escola moderna de arquitetura
Fernando Shigueo Nakandakare (FEC-Unicamp /
bolsista Pibic-CNPq)
orientação: Profa. Dra. Ana Maria Reis de Goes
Monteiro (FEC-Unicamp)
mesa 8
Espaços do educar
comentário: Profa. Lilian L’Abbate Kelian
(Nupsi-USP / CENPEC)
coordenação: Prof. Ms. Fabio Mosaner
1. O projeto da Escola Técnica de São Paulo no
contexto da obra de Zenon Lotufo
Tamires Kafka Faceira (IFSP / bolsista IFSP)
orientação: Prof. Dr. João Fernando Blasi de
Toledo Pisa (IFSP)
2. Por uma arquitetura social: o legado de
Mayumi Watanabe de Souza Lima
Bruna Marchiori Souto (EC / bolsista IC-EC)
orientação: Profa. Dra. Joana Mello (EC)
3. Construção de cidade e cidadania –
o legado da arquitetura escolar e o
desafio dos Territórios CEU
Rafael de Jesus Silva (EC/Bolsista VE-EC)
orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian Al
Assal (EC)
96
mesa fechamento
Investigações em rede na arquitetura e no
urbanismo
coordenação: Profa. Dra. Anália M. M. C. Amorim
Núcleo de Estudos das Espacialidades
Contemporâneas
Prof. Dr. Fabio Lopes (IAU-USP)
Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade
Profa. Dra. Raquel Rolnik (FAU-USP) e Profa. Dra.
Paula Santoro (FAU-USP)
Grupo de Pesquisa Da Experimentação ao
Projeto: Materialidades e Traduções
Profa. Dra. Myrna de Arruda Nascimento
(Centro Universitário SENAC) e Profa. Dra.
Valeria Cássia dos Santos Fialho (Centro
Universitário SENAC)
Usina – Centro de Trabalho para o Ambiente
Habitado
Prof. Ms. Flavio Higuchi Hirao
Resumos dos trabalhos
mesa 1
Invenções do morar
comentário: Profa. Dra. Nilce Aravecchia Botas
(FAU-USP)
coordenação: Prof. Ms. Pedro Lopes
1. Habitar o invisível: residências reais para
uma São Paulo inventada
Vitor Hugo Pissaia (EC / bolsista PE-EC)
orientação: Profa. Ms. Ana Carolina Tonetti (EC)
Este trabalho experimental pretendeu ser um fazer
crítico sobre três chaves do projeto de arquitetura:
programa, metodologia e representação. Como em
uma metonímia, buscou-se entender fragmentos
da cidade contemporânea de São Paulo através de
suas partes menores, as habitações e seus habitantes imaginados – aqui entendidas como reflexo de
seu contexto maior. O projeto procurou ser capaz
de condensar, através de intersecções com a literatura, as histórias em quadrinhos e a linguagem
arquitetônica, um pensamento crítico sobre a cidade
de São Paulo. Como produto final foi elaborada a
Casa hidráulica – ou a Casa das oportunidades perdidas –, que consiste em uma estrutura vertical
cheia de água. Assim se estabelecem as narrativas:
primeiro a narrativa visual, ritmada pelo virar das
páginas e do deslocamento para o fundo do desenho;
a narrativa do memorial arquitetônico, que ora se
comporta como descrição das intenções do objeto,
ora como as intenções do próprio projeto experimental; depois as memórias do personagem, revelando uma camada mais pessoal, da experiência do
corpo; por fim, mas não menos importante, pensamentos de dois outros figurantes da casa. Esse material foi formatado através de uma publicação que
também estabelece a sequência da leitura e as modificações do espaço através do tempo.
2. A arquitetura da moradia estudantil
da Unicamp
Giovana Bertazzoni de Martino
(FEC-Unicamp / bolsista Pibic-CNPq)
orientação: Profa. Dra. Ana Maria de Goes
Monteiro (FEC-Unicamp)
Essa pesquisa teve como objetivo geral traçar o
histórico da implantação da Moradia estudantil
da Unicamp, especialmente o processo de concepção e o projeto de arquitetura. Com isso, buscou-se
compreender os princípios programáticos que
nortearam a adoção do partido arquitetônico e o
sistema construtivo adotado, bem como a atuação
dos diversos agentes sociais envolvidos (arquitetos,
discentes e representantes da Universidade) e finalmente, sua implantação. A partir da revisão
bibliográfica de teses, livros e revistas, das consultas à órgãos e arquivos da Universidade, e ainda,
de visitas feitas ao local, foi possível entender o
cenário histórico e a base conceitual que envolve
o projeto do arquiteto Joan Villá. A pesquisa discorre sobre a relação entre o aluno, a habitação
estudantil e a Universidade, em diferentes aspectos e contextos, tanto dentro quanto fora do Brasil,
criando uma base comparativa que norteou a
análise do projeto da Moradia estudantil da
Unicamp. Durante esse processo foi desenvolvido
material gráfico, contendo diagramas, fotografias
e croquis que sintetizam essa reflexão. Conclui-se
assim que o projeto de arquitetura da Moradia
estudantil da Unicamp se caracteriza por três aspectos. O primeiro, o movimento estudantil TABA,
considerado um dos mais organizados da história
da Universidade, foi quem constatou a necessidade de moradia e deu início às negociações com a
reitoria. O segundo, o LabHab, Laboratório de
Habitação da Unicamp, que não somente desen-
97
volveu uma tecnologia de construção, inovadora
para a época, como também foi o responsável pelo
envolvimento do arquiteto Joan Villá no projeto.
Finalmente, o terceiro ponto é o processo de projeto
participativo, que une os alunos ao arquiteto,
fazendo com que os usuários participem ativamente das discussões e decisões de projeto. Esses aspectos combinados resultam na moradia estudantil como um espaço dinâmico e único dentro da
Universidade.
3. Domesticidade em esquadro: o Escritório
Técnico F. P. Ramos de Azevedo e algumas
propostas para o espaço doméstico paulistano
na virada do século XIX para o XX
Carlos Thaniel Moura
(EFLCH-Unifesp / bolsista Pibic-CNPq)
orientação: Prof. Dr. Fernando Atique
(EFLCH-Unifesp)
A presente pesquisa investiga como a criação arquitetônica do Escritório Técnico Francisco de
Paula Ramos de Azevedo incorporou a concepção
de uma domesticidade capaz de expressar a opulência típica dos interiores oitocentistas, ajudando
a reforçar a construção de uma imagem destacada
da elite paulistana. Busca-se, em última análise,
compreender as redes relacionais a partir do estudo
deste bureau de projetos, que congregou arquitetos,
construtores, decoradores, proprietários e divulgadores dessas obras, de maneira a tornar mais
densa o sociograma envolvido na produção de um
“sistema doméstico”. A pesquisa está no início de
seu percurso, mas conta com hipótese levantada
a partir de fontes textuais, de que o Liceu de Artes
e Ofícios de São Paulo estava direto e indiretamente mobilizado, de forma a contribuir para a organização e decoração dos ambientes domésticos
organizados, projetados e construídos pelo escritório, assim como outras instituições ligadas ao
escritório. Como citado acima, até o presente
momento temos algumas hipóteses, que nos levam
a algumas conclusões parciais, tais como: 1) a produção de mobiliário no Liceu de Artes e Ofícios
estava ligada aos palacetes/residências que o Escritório Técnico F. P. Ramos de Azevedo projetava,
deixando uma relação clara entre decoração e
arquitetura; 2) os professores responsáveis pelo
ensino no Liceu (imigrantes e amigos de Ramos de
Azevedo convidados pelo mesmo), em sua maioria
trabalhavam no Escritório. Até o momento essas
conclusões parciais têm alimentado reflexões de
quão influente foi a obra arquitetônica e seu ambiente interno para a construção de um espaço
98
doméstico projetado para uma nova concepção do
morar em São Paulo, a partir do Escritório Técnico
F. P. Ramos de Azevedo e da rede que estava por
trás de toda sua produção.
4. Casa-aldeia: microcosmo
Thiago Benucci (EC / bolsista Fapesp)
orientação: Prof. Dr. Pedro Cesarino (FFLCH-USP)
Este projeto de pesquisa reflete sobre a relação
simbiótica entre casa e cosmologia, através da
investigação dos aspectos socioculturais que agem
na produção e concepção da casa coletiva yanomami: a casa-aldeia. Procura-se assim aprofundar
a noção que relaciona a casa-aldeia a um microcosmo social e simbólico da cultura yanomami.
Propõe-se guiar esta questão central através da
iconografia pictográfica yanomami, a partir de
exemplares selecionados de coleções particulares,
como do acervo de Claudia Andujar, e possivelmente coletados em campo. Tais desenhos, produzidos por diversos artistas e em diversas épocas,
podem ser considerados como importantes instrumentos de indiciação, mediação e tradução de
noções ontologicamente heterogêneas; e como
guias e diretrizes para a análise das relações simbólicas que operam entre as concepções cosmológicas e a casa coletiva. No que tange a intrincada relação entre a casa coletiva e cosmologia, uma
descrição de David Kopenawa e Bruce Albert sobre
o rito de iniciação xamânico yanomami, conduz
para uma noção que extrema esta relação central
e ilustra parcialmente a questão central do trabalho. Os autores assinalam a ideia de uma “morada
celeste” habitada pelos espíritos (xapiripë). Esta
“casa dos espíritos”, nos termos de Kopenawa, não
se compara com as casas comuns: são suspendidas
do chão, fixadas no peito do céu e de proporções
descomunais. Além disso, os elementos estruturais
que a compõem representam o interior do corpo
do xamã e estabelecem uma relação de correspondência entre a casa dos espíritos e o peito do
xamã iniciado, conduzindo-nos assim a uma noção
similar a da “maloca interna” marubo, levantada
por Pedro Cesarino. Pretende-se assim contribuir
para uma maior compreensão da complexidade
em torno das habitações indígenas através de um
estudo interdisciplinar (aproximando os campos
da arquitetura e da antropologia) da cultura yanomami e de sua concepção de mundo e de espaço,
simultaneamente.
mesa 2
Técnicas e estratégias projetuais
comentário: Prof. Ms. Franklin Lee (AA)
coordenação: Prof. Dr. Luis Octavio Pereira Lopes
de Faria e Silva
1. Aspectos construtivistas na arquitetura
contemporânea
Gabriella Neri Gutierrez
(Centro Universitário SENAC / bolsista Pibic-CNPq)
orientação: Profa. Dra. Myrna de Arruda
Nascimento (Centro Universitário SENAC)
O projeto de pesquisa em questão estuda a influência dos princípios e características do movimento construtivista soviético em fenômenos arquitetônicos contemporâneos, com especial ênfase à
compreensão do impacto deste movimento, na
abordagem do arquiteto americano contemporâneo
Steven Holl e nas produções do escritório brasileiro SPBR-Arquitetos, representado pelo arquiteto
Angelo Bucci. Desenvolvemos um percurso analítico de aprofundamento conceitual sobre o construtivismo russo, embasado em premissas do racionalismo moderno, bem como identificamos
obras nacionais e internacionais, de renomados
arquitetos contemporâneos, visando investigar
possíveis associações / conexões destas obras com
os atributos do movimento vanguardista do início
do século passado. Identificamos assim características comuns como: experimentações volumétricas,
qualidade cromática, relação entre cheio e vazio
e, especialmente, os predicados estéticos e de composição plástica - qualificados por um modo de
expressão marcante, no qual figuras geométricas
dispostas de determinadas maneiras remetem à
sensação de movimento, pela sobreposição de
planos e pelo uso de materiais aparentes. Esta
pesquisa também contemplou visitas a produções
arquitetônicas nacionais selecionadas previamente, com a finalidade de expor a pesquisadora a uma
vivência efetiva, em contato presencial com as
obras (desenvolvendo a percepção do contexto
espacial e conhecendo o fenômeno arquitetônico
através da experiência corpórea). O estudo permitiu à pesquisadora selecionar exemplos pontuais
paradigmáticos da conexão buscada (entre arquitetura contemporânea e movimento construtivista); estabelecer contato com o arquiteto Angelo
Bucci, sócio-diretor do escritório SPBR-Arquitetos;
e assim identificar os pressupostos dos projetos
estudados, assim como a influência da abordagem
de Steven Holl, nos trabalhos atualmente desenvolvidos por este escritório.
2. Experimentações nas obras contemporâneas
de Peter Eisenman
Luis Paulo Hayashi Garcia
(Centro Universitário SENAC)
orientação: Profa. Dra. Valeria Cássia dos Santos
Fialho (Centro Universitário SENAC)
Esse projeto de iniciação científica busca, por meio
de estudos com modelos tridimensionais, tanto
físicos como virtuais, compreender as experimentações projetuais e conceituais desenvolvidas pelo
arquiteto e teórico Peter Eisenman em sua produção contemporânea. Busca-se assim, dar continuidade ao estudo previamente desenvolvido pelo
aluno, de série de dez residências produzidas por
esse mesmo arquiteto. Essa nova abordagem pretende buscar o entendimento de conceitos filosóficos, teorias e métodos, assim como o papel da
utilização de softwares para auxílio generativo /
paramétrico, no processo produtivo do arquiteto.
Para melhor compreender a articulação arquitetônica dos projetos selecionados, os modelos, virtuais e físicos, são de importantíssima ajuda, além
de desenhos manuais e computacionais. Exterioridades, recorte principal da carreira do arquiteto
neste estudo, são questões mundanas que se transformam em aliados para Eisenman, tornando-se
articulações arquitetônicas essenciais. As obras
selecionadas para estudo – abordadas anteriormente – são: Biocenter for J.W. Goethe, Frankfurt,
Alemanha (1986-1987); The Virtual House (1997);
e City of Culture, Santiago de Compostela (1999). A
escolha das obras está relacionada à sua importância conceitual que traz questões para debate
no âmbito arquitetônico e os processos compositivos que o arquiteto apresenta com esses projetos.
3. Geometria e estrutura: construção
de estruturas complexas a partir de
módulos geométricos
Mariana Tiemi Uemura Kawaguti (IFSP)
orientação: Profa. Dra. Patrícia Andréa
Paladino (IFSP)
A geometria modular compõe um vasto campo de
estudo. O termo módulo vem do latim modulus que
significa medida pequena. As pequenas peças agrupadas da maneira correta podem render grandes
e belos resultados. A construção modular consiste
em criar um objeto complexo a partir da repetição
de várias peças unitárias semelhantes. O comportamento geométrico dos módulos pode seguir técnicas de transformações como a repetição, a reflexão, a rotação e a translação. A lógica da geometria
99
modular foi utilizada por muitos matemáticos e
filósofos da história por representar harmonia e
beleza das formas. A facilidade de se criar peças
modulares chegou ao seu ápice com a vinda da
Revolução Industrial cujo desenvolvimento tornou
viável e barato tal produção em larga escala. O
aprofundamento das técnicas de encaixe a cada
dia influenciam mais o mercado da construção civil
trazendo variação de formas, agilizando projetos,
economizando espaços e barateando custos. Na
arquitetura, a geometria modular teve como marco
importante 1851, com a construção do Palácio de
Cristal, em Londres – feito inteiramente de peças
pré-moldadas de aço fundido e vidro. Na área do
design, as peças modulares são sinônimo de flexibilidade e beleza, criando novas formas e modificando os espaços. O avanço nessa área de conhecimento agrega valor à plasticidade dos projetos e
contribui como alternativa morfológica abrindo
espaço à arquitetura contemporânea. Este trabalho
pretende desenvolver alguns objetos de design por
meio da composição de oito peças modulares. O
projeto tem como finalidade elaborar quebra-cabeças lúdicos para o aperfeiçoamento de habilidades geométricas inspirados na arquitetura modular
e na tradicional arte oriental do origami.
4. Influência das curvas cônicas na arquitetura:
a elipse e as galerias do sussuro
Giovanna Rodrigues Cardoso (IFSP / bolsista IFSP)
orientação: Profa. Dra. Patrícia Andréa Paladino
(IFSP)
As curvas cônicas, em particular as elipses, sempre
foram alvo de estudos devido às suas propriedades.
O fato das órbitas em torno dos planetas serem
elípticas, por exemplo, foi um aspecto que intrigou
grandes cientistas como Newton e Galileu. A partir
de suas descobertas, os estudos relacionados às
elipses aprofundaram-se. Outro aspecto interessante das elipses são os métodos utilizados para
desenhá-las, que têm sido pesquisados e
desenvolvidos por arquitetos e engenheiros. Este
trabalho busca estudar esses mecanismos e
entender de que modo eles se relacionam com as
propriedades das elipses. As elipses também estão
diretamente relacionadas com a arquitetura,
principalmente no campo da acústica e da óptica.
Isso se dá devido à sua propriedade reflexiva, a
qual permite que uma onda deixe um dos focos,
encontre um ponto da elipse e reflita, passando
por outro foco. Desse modo, edifícios que tenham
o teto com o formato elíptico podem ser, na verdade,
galerias do sussurro: lugares em que, se duas
100
pessoas se posicionarem sobre os focos da elipse
e sussurrarem, o som de uma pode ser ouvido
perfeitamente pela outra. Para desenvolver este
trabalho, foi realizado um estudo matemático das
curvas cônicas, um levantamento de galerias do
sussurro existentes e um estudo sobre os recursos
tecnológicos para a construção de elipses por meio
de softwares além de instrumentos para desenhar
uma elipse. Com base nisso, este projeto busca
ainda explorar essas características e mostrá-las
por meio da construção de um compasso e uma
maquete. Este trabalho aborda aspectos que permeiam a área do desenho e do conforto acústico.
Tendo o estudo matemático como base necessária
para compreender essas duas áreas, é possível
notar a importância da relação entre a matemática e a formação do arquiteto.
mesa 3
Habitação e a ação do Estado
comentário: Profa. Dra. Ana Paula Koury (USJT)
coordenação: Profa. Ms. Maira Rios
1. O papel das ZEIS na política habitacional
Leticia Haspene Santaella (FEBASP)
orientação: Profa. Dra. Débora Sanches (FEBASP)
A presente pesquisa visa entender a trajetória da
questão da moradia na cidade de São Paulo e o
contexto histórico em que se inserem as ZEIS – categoria de zoneamento em estudo – buscando comprovar sua efetividade na política habitacional.
Para tanto, foram levados em consideração neste
breve estudo a desigualdade territorial na metrópole e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)
de cada região da cidade comprovando que na
periferia e em áreas de vulnerabilidade o índice é
desproporcionalmente inferior quando comparado
a regiões centrais ou de concentração de empregos.
A pesquisa busca aprofundar-se na categoria de
zoneamento destinada a habitações de interesse
social e evidenciar sua efetividade na produção de
moradia para a população de baixa renda.
2. A Caixa Estadual de Casas para o Povo
(CECAP) e o interior paulista: a atuação de uma
autarquia governamental na construção de
conjuntos habitacionais
Michele Aparecida Siqueira Dias
(EFLCH-Unifesp / bolsista Fapesp)
orientação: Prof. Dr. Fernando Atique
(EFLCH-Unifesp)
A presente pesquisa de iniciação científica preten-
de refletir sobre a política habitacional do primeiro órgão do governo do Estado de São Paulo destinado a produção de habitação de interesse social,
a autarquia CECAP – Caixa Estadual de Casas para
o Povo – durante o período da ditadura civil-militar.
Segundo a historiografia da habitação social, o
período militar foi caracterizado pela institucionalização de órgãos federais para garantir recursos
destinados ao financiamento de moradias, ao
mesmo passo em que as soluções construtivas utilizadas demonstravam um interesse maior nos
aspectos financeiros do que na inserção urbana
dos conjuntos e a qualidade arquitetônica. Esta
pesquisa pretende analisar três conjuntos habitacionais promovidos pela CECAP no interior de São
Paulo (nas cidades de Taubaté, Serra Negra e Caçapava) durante a década de 1970 – momento em que
a autarquia propôs a construção de habitações de
qualidade como parte de uma política governamental para o desenvolvimento do interior do Estado.
Sendo assim, para analise desta pesquisa, pretendemos compreender como estes conjuntos habitacionais foram planejados, seus pressupostos arquitetônicos, o que foi efetivamente construído e como
foi a recepção dos mesmos pelos seus moradores.
3. O cliente coletivo: Estado, habitação social
e arquitetura moderna
Anne Mayara Almeida Capelo
(IFCH-Unicamp / bolsista Fapesp)
orientação: Profa. Dra. Silvana Rubino
(IFCH-Unicamp)
O presente projeto de iniciação científica procura
estudar a produção de habitação social ligada aos
institutos de aposentadoria e pensões (IAPs) partindo do pressuposto de que o trabalho elaborado
para a construção desses edifícios não é limitado
ao plano tectônico, mas sim elaborado em duas
principais camadas: aquela relativa à necessidade
da promoção de habitação para os trabalhadores
urbanos e a questão simbólica, em que a qualificação do trabalhador como cidadão, tão própria
do Estado Novo, se faz presente e fundamental
para o entendimento das escolhas e narrativas
empregadas a esses conjuntos. Nesse sentido, o
entendimento da figura central dessa pesquisa, o
nosso “cliente coletivo”, grupo basicamente composto por trabalhadores urbanos, é pensada como
figura ativa no processo de demanda e legitimação
do emprego da arquitetura moderna nos projetos
realizados. Assim, esses indivíduos que são, basicamente, trabalhadores das indústrias e escritórios,
constituem um novo grupo capaz de estimular
através das necessidades de solução das suas novas
demandas, uma nova arquitetura. Os fundamentais
conceitos de cidadania, trabalhismo e modo de
morar foram (re)elaborados para que fosse possível entender o diálogo entre esses e a arquitetura
moderna. A produção habitacional é encarada,
portanto, como modelos funcionais do presente
que apresentam e legitimam novos hábitos e comportamentos de uma possível sociedade do futuro
sintonizada a uma demanda estatal e do próprio
cliente coletivo nos seus papéis de construtores ex
nihilo de uma nova sociedade, de um novo trabalhador / cidadão.
4. Análise crítica das dimensões dos espaços
funcionais de habitações populares – COHAB,
SEHAB, CDHU e PMCMV
Micherlâne Lima (IFSP / bolsista IFSP)
orientação: Prof. Dr. Alexandre Kenchian (IFSP)
Com a crescente expansão da população e compactação dos ambientes construídos, torna-se essencial uma análise crítica das dimensões dos
imóveis oferecidos a uma camada da população
carente de recursos financeiros e sociais que, como
consequência de tal condição, é a mais afetada pela
redução desenfreada dos espaços habitacionais.
Dessa forma, o presente trabalho pretende estudar
minuciosamente, do ponto de vista dimensional,
um conjunto de tipologias habitacionais oferecidas
às camadas mais carentes da população, na Zona
Noroeste da cidade de São Paulo, por órgãos públicos como a Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB-SP) e a Companhia do
Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU),
por agentes financeiros, como é o caso do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) do governo
federal e, ainda, as tipologias outrora produzidas
pelos mutirões autogeridos entre os anos de 1989
e 1992, coordenados pela Secretaria Municipal de
Habitação (SEHAB). A análise dimensional dos
espaços de tais habitações, através de estudos de
casos, direciona a um estudo qualitativo do espaço
construído: como este se adequa ao público alvo,
ou seja, como interfere na configuração dos mobiliários e equipamentos domésticos e, consequentemente, na qualidade de vida de seus habitantes.
mesa 4
Artes – circuitos e diálogos
comentário: Profa. Dra. Ana Magalhães (MAE-USP)
coordenação: Prof. Dr. Fernanda Pitta
101
1. Luz - elemento constitutivo da forma, espaço
e tempo. Experiência de iluminação cênica do
espetáculo “O filho” (Teatro da Vertigem)
Naiara Abrahão (EC / bolsista VE-EC)
orientação: Prof. Ms. Alexandre Benoit (EC)
Partindo da experiência de estágio na equipe
técnica de iluminação da companhia do Teatro da
Vertigem, elabora-se uma reflexão em pesquisa
sobre a iluminação cênica e a arquitetura, relacionando a luz por suas variadas camadas simbólicas,
narrativas percepcionais da forma, do espaço e do
tempo. A Luz teatral transforma um ambiente,
gerando atmosferas distintas e recortando o tempo
e a forma em uma matriz, articulando a experiência percepcional em narratividade. A arquitetura
se ocupa da materialidade da forma para sustentar
a narrativa projetual, refletindo a luz como experiência da sensação, relacionando corpo e espaço,
gerando diálogos semióticos da vivência e assim
constituindo não só um ambiente, mas também
um lugar a partir de relações percepcionais. A
percepção como partido projetual, é o que se busca
entender do ponto de vista tanto da arquitetura
como do teatro. Busca-se igualmente evidenciar a
ampliação das relações do corpo no espaço de
maneiras distintas, através do uso da luz como um
elemento imaterial. Explorando a dinâmica da
experiência da forma, do tempo e do espaço que
se modifica, pelo dia e pela noite, se constrói a
iluminação. A matéria que sustenta a forma na
arquitetura pode ser alterada pela não matéria da
luz, e a percepção torna-se instrumento de projeto
do espaço como condutor de estímulos se valendo
da bagagem simbólica do corpo que se relaciona
e constrói o lugar. Assim, procura-se estabelecer
ligações do projeto entre iluminação e arquitetura,
entendendo a percepção como instrumento do
desenho do espaço. Transformando figura e fundo,
vazio e cheio em claro e escuro, as construções
tornam-se aquilo que se pode enxergar ou suprimir.
2. Círculo y Cuadrado e Grupo Ruptura:
os movimentos uruguaio e brasileiro e
o debate sobre a relação entre surrealismo
e construtivismo
Olívia Mendes Tavares (EC / bolsista IC-EC)
orientação: Profa. Dra. Fernanda Pitta (EC)
O projeto propõe o estudo das relações entre o
construtivismo brasileiro e o movimento Círculo
y Cuadrado, partindo das propostas e ideias gestadas no grupo Cercle et Carré, reunido em Paris no
final dos anos 1920. Através do estudo das exposi-
102
ções: III Salão de Maio, Exposição do figurativismo
ao abstracionismo e a Primeira Bienal Internacional de São Paulo, pretende-se discutir e elucidar
as ligações entre os dois movimentos e suas produções artísticas.
3. Anita Malfatti como retratista: análise das
relações entre a artista e os retratados nos anos
1930-1940
Morgana Souza (IEB-USP / bolsista IC- Santander)
orientação: Profa. Dra. Ana Paula Cavalcanti
Simioni (IEB-USP)
Anita Malfatti é uma artista brasileira famosa por
ter inspirado e participado do movimento modernista brasileiro. A sua exposição de 1917 causou a
emblemática rixa entre os modernistas e Monteiro Lobato e representa, na historiografia tradicional, o momento de rompimento com os modelos
oitocentistas da elite paulista. A sua produção
posterior, que perdura até os anos 1960, é usualmente posta de lado e considerada de qualidade
inferior. Tal decaimento teria sido causado por
diversas pressões sociais e familiares sob a figura
frágil e sensível da pintora. Este trabalho propõe
uma nova visão sobre seus trabalhos pós-1917 ao
analisar a grande quantidade de retratos dos anos
1930-1940 de amigos, familiares e alunos. Informações biográficas encontradas sobre os retratados, assim como documentos e entrevistas do
Fundo Marta Rossetti Batista no Arquivo IEB-USP,
revelam que a artista mapeou as suas relações
pessoais da época. Inicialmente, estas obras podem
ser percebidas apenas como exemplos de sua
afeição, entretanto, é possível perceber a existência de discretos motivos mercadológicos. Após seu
retorno da Europa, em 1928, Anita precisou dar
aulas de pintura e aceitar encomendas como forma
de sustentar a si, sua família e a sua pintura. A
produção de retratos deste período pode então ser
percebida como uma ferramenta para estabilidade financeira e – como Portinari havia feito com a
sua própria produção retratística – a criação de
uma rede de mecenas. Portanto, percebe-se que
outros períodos da vida da artista revelam uma
produção tão interessante quanto aquela dos anos
1910 e, de certa forma, também apresentam novas
facetas da sensível Anita.
4. Inventários: altares de Taubaté
e Guaratinguetá – levantamento e análise
de artes complementares
João Paulo Gobbo e Marina Carneiro Murad
(UNITAU / bolsistas UNITAU)
orientação: Prof. Dr. George Rembrandt Gutlich
(UNITAU)
O objeto deste estudo se compõe pela associação
ornamental entre altares e retábulos, portanto essa
pesquisa teve a finalidade de propor um levantamento e análise de artes complementares da arquitetura nas Igrejas de Guaratinguetá e Taubaté,
cidades de grande valor histórico e arquitetônico
para o Vale do Paraíba e o Estado de São Paulo. As
populações dessas cidades são predominantemente católicas, e em seu antigo território foi encontrada a imagem de Nossa Senhora Aparecida e
posteriormente nasceu Frei Galvão, o primeiro
santo brasileiro. O método de pesquisa se definiu
em duas linhas, pelo estudo da literatura relativa
aos temas e pelo registro gráfico e decomposição
dos elementos ornamentais. Tal procedimento se
deu num recorte temporal que envolve desde o
início do séc. XVI até meados do séc. XX e o material coletado é objeto de análise estilística, de procedência e disseminação do gosto. Para a efetivação
desta análise optou-se pela seguinte metodologia:
a definição de estratégias e critérios de documentação e análise; em seguida será realizada pesquisa de campo com registro gráfico documental,
catalogação das imagens e elaboração de ficha
técnica específica. Como resultado parcial elaborou-se um inventário analítico nas artes complementares da arquitetura como fonte para estudo
da disseminação dos modelos do gosto, que será
direcionado à elaboração de uma cartilha de educação patrimonial.
mesa 5
Derivas do urbano
comentário: Prof. Dr. Leandro Medrano (FAU-USP)
coordenação: Profa. Ms. Amália Cristovão
dos Santos
1. São Paulo – duas cidades em uma.
Um estudo sobre a Galeria Metrópole
e o conjunto Cidade Jardim
Débora Cristina da Silva Filippini
(EC / bolsista IC-EC)
orientação: Profa. Dra. Marina Grinover (EC)
O projeto de pesquisa propõe uma leitura contemporânea da cidade de São Paulo, estudando por
um viés social e espacial a segregação da cidade.
Serão examinadas diferentes conformações históricas, arquitetônicas e culturais de dois objetos de
estudo: a Galeria Metrópole, e o conjunto e sho-
pping Cidade Jardim. Os objetos de estudo apresentam duas propostas diferentes de cidade. De
um lado, o edifício e Galeria Metrópole, que, pertencente ao contexto ainda modernista da implantação de edifícios de uso misto nos anos 50/60,
permitiu espaços coletivos no térreo, e abriu o
projeto para a área central da cidade. De outro
lado, o conjunto residencial e comercial Shopping
Cidade Jardim, um empreendimento imobiliário
para alta renda, que possui uma proposta mais
privativa do uso misto e que foi construído em
uma região de centralidade econômica relativamente recente da cidade. A partir da análise destes
dois edifícios análogos, a intensão da pesquisa é
aprofundar o debate do papel ético da arquitetura
na conformação da cidade e a responsabilidade
social do arquiteto ao projetar para empreendedores privados. Além disso, a pesquisa tem como
contexto uma São Paulo que permite diversas conformações de cidade dentro de si, resultantes de
diferentes interesses econômicos em distintos
contextos históricos.
2. O centro de São Paulo e o mercado
imobiliário residencial
Daniel Souza de Carvalho (EC)
orientação: Prof. Ms. Felipe Noto (EC)
A intenção dessa pesquisa é analisar os atuais
e novos empreendimentos do mercado imobiliário
no centro da cidade de São Paulo e levantar hipóteses sobre esses empreendimentos em relação à
morfologia, seus moradores e também à dinâmica
urbana da qual fazem parte; além de compreender
como o conjunto desses novos empreendimentos
vão influenciar na dinâmica urbana local e atual.
Busca-se assim entender que tipos de empreendimentos são esse, e, a partir de diversas informações,
o quanto tais intervenções, de projetos pontuais e
isolados cada um em seu lote, podem influenciar
e intervir no meio urbano. Compreender o conjunto desses projetos pontuais pode levar a constatações sobre a forma pela qual a cidade agora
tende a mudar e para que rumo segue a dinâmica
urbana no centro da cidade de São Paulo. A partir
desse ponto a pesquisa tem como objetivo mapear,
identificar, quantificar e qualificar tais empreendimentos (em construção ou construídos nos
últimos 5 anos) no centro da cidade, no intuito de
responder questões relacionadas a quem são os
novos moradores que o centro abrigará, a que
classe social tais empreendimentos se destinam,
quais os impactos e mudanças que trarão as dinâmicas urbanas atuais e que dinâmicas possivel-
103
mente irão resultar. Essa pesquisa – incluída na
investigação proposta pela tese de doutoramento
Quarteirão como suporte da transformação do
centro de São Paulo, desenvolvida por Felipe de
Souza Noto – se oferece como aprofundamento de
um de seus temas de trabalho
3. Análise dos usos informais do espaço público
no bairro Jardim América, São Paulo
Cesar Hiro Okinaga (FEBASP)
orientação: Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos
(UNITAU / FEBASP)
O presente trabalho tem por objetivo a compreensão do processo de transformação ocorrido no
projeto do Jardim América e os desdobramentos
que resultaram em sua atual configuração espacial.
Pioneiro na América do Sul em exigir a organização das edificações no lote, em usar traçados orgânicos e densas áreas verdes, o subúrbio ajardinado destinado à habitação surgiu em São Paulo
no início do século XX como o primeiro bairro
concebido aos moldes das cidades-jardins, idealizadas por Ebenezer Howard na virada do século
XIX. Loteado pela Companhia City e projetado por
Barry Parker – arquiteto inglês que junto de seu
sócio Raymond Unwin foi responsável pelo projeto
da primeira cidade-jardim inglesa, Letchworth –,
o bairro passou por sucessivas modificações em
seu projeto original que resultaram na gradativa
perda de seus espaços públicos durante e após a
sua ocupação. O estudo utiliza como fonte as
plantas oficiais da Companhia City somadas às
plantas do Município de São Paulo de diferentes
períodos, que serviram de base para a elaboração
da análise cronológica e dos estudos gráficos comparativos. A primeira grande perda de área pública
foi a erradicação das áreas insulares para uso
compartilhado no interior das quadras, tal como
eram previstas no projeto original. Esse processo
de eliminação das áreas públicas é o objeto principal da análise aqui desenvolvida. Busca-se compreender esse fenômeno assim como as posteriores apropriações informais dos espaços públicos
pelos próprios moradores do bairro. Conclui-se
que essa apropriação se assemelha aos casos de
urbanismo informal registrados nos assentamentos irregulares e ocupações geralmente associados
às classes de baixa renda, evidenciando que o fenômeno de apropriação de espaços públicos tão
comum às metrópoles não é uma exclusividade
dos menos favorecidos. Trata-se de um traço da
cultura urbana brasileira que por sua vez, exige
reflexões mais acuradas.
104
4. A deriva como método para a interpretação
do espaço urbano
Thamires de Cássia César (UNITAU)
orientação: Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos
(UNITAU / FEBASP)
Após o encerramento do CIAM em 1956, iniciou-se
um profícuo período de questionamentos sobre a
Carta de Atenas (1933) e o pensamento urbanístico funcionalista ortodoxo. No ano de 1957 foi
fundado em Paris o grupo Internacional Situacionista, em função da busca de uma abordagem que
contemplasse o aspecto lúdico da cidade, retomando o legado dadaísta, surrealistas e de outros movimentos de vanguarda do início do século XX. As
ideias do grupo eram difundidas primeiramente
pela Revista Potlatch e posteriormente pela Revista
Internacional Situacionista. A base do pensamento situacionista tem como fundamento e destaque
a Teoria da Deriva, apresentada em 1958 por Guy
Debord, como um procedimento de interpretação
e leitura da cidade pautada no ato de caminhar. A
pesquisa exploratória de base documental e bibliográfica se justifica pela necessidade de se sistematizar e desenvolver abordagens interpretativas sobre a cidade baseada na percepção e na
experimentação, ampliando a capacidade de compreender fenômenos que fogem dos instrumentos
tradicionais de interpretação e representação do
espaço urbano. Os resultados compreendem uma
síntese dos conceitos da deriva, devidamente contextualizada pela produção dos principais expoentes da Internacional Situacionista. Num segundo
momento, serão apresentados usos do conceito de
Deriva nos estudos urbanos e de modo especial
nas Artes Plásticas.
mesa 6
Memórias, registros e espaço construído
comentário: Profa. Dra. Ana Castro (FAU-USP)
coordenação: Prof. Ms. Gian Spina
1. Buenos Aires: memórias de dor
na paisagem urbana
Rebeca Lopes Cabral (EC / bolsista Fapesp)
orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian
Al Assal (EC)
Este projeto de pesquisa pretende estudar as relações dinâmicas e muitas vezes conflituosas que
história e memória estabelecem com o espaço
urbano. Constituem o objeto central da presente
pesquisa as memórias relacionadas à violência de
Estado argentina referentes à última e mais violenta ditadura vivida pelo país, entre os anos 1976
e 1983. Com o fim da ditadura, os lugares de
memória coletiva relacionados às violências de
Estado foram reivindicados enquanto provas jurídicas, espaços de significados políticos e simbólicos. Nesse contexto, espacializaram-se disputas
entre os diferentes grupos da comunidade que
compartilhavam diferentes versões sobre os fatos
históricos. O estudo, centrado na cidade de Buenos
Aires, se divide, assim, em duas etapas: A primeira busca compreender a conformação dos percursos e caminhos que formam uma topografia da dor
na capital argentina; enquanto a segunda pretende aproximar-se de casos específicos, buscando
entender como disputas se deram no reconhecimento desses lugares de memórias dolorosas. Desse
modo objetiva-se, em última análise, entender a
maneira pela qual essas memórias foram social e
espacialmente construídas, a partir e através da
paisagem urbana de Buenos Aires.
2. Edifício Anchieta: formalizando memórias
e patrimonializando a arquitetura moderna
Rebeca Domiciano de Paula (EC / bolsista Fapesp)
orientação: Profa. Dra. Flavia Brito do Nascimento
(FAU-USP)
A pesquisa trata do Edifício Anchieta localizado
na esquina da Avenida Paulista com a Rua da Consolação, na cidade de São Paulo, construído em
1941 para abrigar funcionários do Instituto de
Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI).
Tomando o edifício como recorte e elemento principal, busca-se empreender uma leitura da arquitetura moderna, buscando compreender as dificuldades de sua preservação física e as construções
de memória em torno da mesma. O edifício conjuga
com maestria a linguagem arquitetônica moderna,
em especial do escritório carioca de arquitetura
MM Roberto, Milton e Marcelo Roberto – responsáveis pela obra. Sua proposta de habitação resultou do encontro de diferentes visões e debates
sobre a moradia dos trabalhadores feita a partir
do Estado Novo por meio dos Institutos de Aposentadorias e Pensões e protagonizou décadas de mudanças da Avenida Paulista. Estruturou-se um
estudo histórico do Edifício Anchieta, contemplando a produção arquitetônica moderna do período
e organizando a importância e os desdobramentos
que a arquitetura do edifício caracterizou no processo de desenvolvimento da cidade de São Paulo.
Os objetivos da pesquisa foram considerar sua
importância como patrimônio edificado da cidade,
compreender a importância da arquitetura
moderna como processo de transformação da arquitetura paulista, visando sua importância para
a memória coletiva e, finalmente, compreender o
trabalho dos Irmãos Roberto, ampliando os dados
sobre sua obra. Desta forma, considerou-se relevante problematizar a preservação do objeto arquitetônico, articulando as questões de memória
e da história urbana, através da metodologia do
registro da história oral com os moradores mais
antigos, além do levantamento material, num
esforço de pesquisa inédito. O levantamento cronológico a partir dos diferentes valores (arquitetônico, urbano, histórico e social) em que o Edifício
Anchieta se insere, afirma o objeto estudado como
um elemento, cuja valoração permite ir além de
sua edificação. A urbanidade se dá também dentro
do objeto edificado e principalmente nas conformações da vivência do mesmo. Com isso, é certo
que o espaço é passível de um passado atribuído
a sua materialidade, constituindo-o como um possível lugar de memória na cidade.
3. Por detrás dos muros – o industrial Sabbado
D’Angelo e os paradoxos de sua memória
Lucas Florêncio da Costa (EFLCH-Unifesp)
orientação: Prof. Dr. Fernando Atique
(EFLCH-Unifesp)
Quem foi Sabbado D’Angelo? Através de fotografias, excertos de jornais, propagandas e outras
fontes se investigou a trajetória do empresário e
industrial italiano Sabbado Umberto D’Angelo
(1879-1938). Se D’Angelo alcançou relativa fama
com sua fábrica de cigarros Sudan foi através de
uma inteligente rede social articulada na São Paulo
do início do século XX. Desse modo, contatando
redações de jornais e financiando festas públicas,
o industrial arquitetou para si uma imagem bastante positiva de empresário bem-sucedido e de
benfeitor social. É investigando a dinâmica de
afirmação e inserção no cenário paulista da época
- que estará muito atrelada às trocas simbólicas de
Bourdieu – que procuramos entender a presença
do “rei do fumo” na cidade. Se a memória social
legada por esta dinâmica de afirmação é a do “prestígio social” e do sucesso, é numa leitura crítica
dessas “construções discursivas” que conseguimos
desvelar certos conflitos postos à época, propondo
uma análise de todo o cenário que envolvia o empresário. Assim, buscamos averiguar qual o lugar
deste indivíduo na história da imigração italiana.
E se um dos objetivos primordiais da pesquisa é
entender a relação de tal indivíduo com o espaço
105
da cidade de São Paulo no início do século XX, o
fizemos, focalizando a reflexão em Itaquera; uma
vez que lá se encontra o casarão de Sabbado D’Angelo, construção que serviu ao industrial como
casa de veraneio. Buscou-se entender o Casarão
como um indício primordial da presença de D’Angelo na cidade, refletindo a partir dele sobre o
papel que a iniciativa privada teve na formatação
social e espacial da cidade de São Paulo. E se hoje
o favorecimento da sensação de pertencimento a
uma comunidade é um norte à urbanização e a
discussão do Patrimônio, pensamos esse patrimônio edificado à luz das discussões que Maria Cecília
Londres Fonseca apresenta.
4. Registros de um arquiteto peregrino: identificação e organização do acervo fotográfico de
Eduardo Kneese de Mello
Elisa Horta da Silva (FEBASP)
orientação: Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos
(UNITAU / FEBASP)
Este trabalho tem como objetivo apresentar o
estágio atual das pesquisas e atividades do trabalho
final de graduação em arquitetura e urbanismo em
desenvolvimento. Eduardo Kneese de Mello (19041994) formou-se Engenheiro-Arquiteto pelo Mackenzie em 1931 e teve uma carreira marcada pela
militância no Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB),
no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura
(CREA), além de integrar os conselhos do Condephaat e Iphan, assim como a equipe do Arquiteto Oscar
Niemeyer em projetos emblemáticos como o Parque
do Ibirapuera em São Paulo e Brasília. Sua trajetória tem como uma primeira fase a produção de
residências ecléticas até os primeiros anos da
década de 1940, quando se converteu às causas do
movimento moderno. Sua militância na divulgação
do modernismo é o que caracteriza a segunda fase
de sua vida profissional, quando se tornou conhecido como pioneiro da arquitetura industrializada
no Brasil, cujo marco é o Conjunto Residencial dos
estudantes da Universidade de São Paulo (CRUSP),
projetado em 1964. Foi também professor dos cursos
de Arquitetura da USP, Universidade Brás Cubas,
FAAP, Belas Artes e Universidade de Guarulhos
(UNG), onde projetou o edifício dedicado ao curso.
Na condição de representante do IAB, viajou por
praticamente todos os estados brasileiros e dezenas
de países de quase todos os continentes. Produziu
nas suas andanças cerca de 16 mil diapositivos
(slides) que integram o acervo do arquivo hoje sob
a responsabilidade do Centro Universitário Belas
Artes. Apresenta-se aqui o trabalho de organização
106
das imagens produzidas pelo arquiteto que além
da contagem dos diapositivos, tem como atividade
destacada a identificação correta dos lugares e o
nome das obras, bem como a localização geográfica dos registros fotográficos. O trabalho contempla
ainda a leitura de artigos e livros produzidos por
Kneese, bem como dissertações, teses e artigos sobre
a sua trajetória profissional. Espera-se assim contribuir para a revisão da biografia do arquiteto a
partir da cronologia das imagens, da geração de
gráficos e mapas dos roteiros seguido em suas
viagens. Depois de organizado e identificado, o
acervo de slides deverá ser digitalizado e disponibilizado para pesquisados e interessados por meio
da internet.
mesa 7
Miradas do moderno
comentário: Profa. Dra. Monica Junqueira de
Camargo (FAU-USP)
coordenação: Profa. Dra. Joana Mello
1. Moderno e regional: trajetória
e projetos residenciais de Severiano
Porto em Manaus (AM)
Isabella De Bonis Silva Simões (EC / bolsista IC-EC)
orientação: Profa. Dra. Joana Mello (EC)
A presente pesquisa foi formulada com a intenção
de analisar a trajetória e a obra residencial construída pelo arquiteto Severiano Porto na cidade
de Manaus. Severiano Mario Porto nasceu em
Uberlândia em 1930, formou-se pela Faculdade
Nacional de Arquitetura, em 1954, no Rio de
Janeiro, onde morou até 1965, quando convidado
pelo governador do Amazonas Arthur Reis, mudou-se para Manaus. Com a grande demanda de
trabalho, Severiano acabou permanecendo em
Manaus por mais de trinta e cinco anos, nos quais
realizou mais de duzentos projetos. Severiano criou
soluções inteligentes para responder às questões
climáticas, culturais e da paisagem amazônica,
sempre escolhendo bem os materiais e apreendendo os conhecimentos locais de construção. Desse
modo, este projeto de pesquisa estuda sua trajetória do Rio de Janeiro a Manaus, procurando compreender a sua formação, a sua contribuição para
a leitura sobre a arquitetura amazônica e a sua
forma de aliar este conhecimento com os preceitos
formadores da arquitetura moderna brasileira.
Como material de análise foram escolhidas algumas
casas construídas por Severiano, principalmente
as localizadas no condomínio Parque Residências
e Praia da Lua, ambos loteamentos feitos pelo
arquiteto em Manaus. A justificativa para esse
recorte se baseia tanto na pertinência do objeto
com relação às questões postas acima, quanto pelo
fato de que essa produção ainda é pouco conhecida e documentada, podendo-se contribuir para a
melhor compreensão de sua obra e também preencher uma lacuna sobre estudos da arquitetura
Amazonense. Os métodos que estão sendo aplicados são: levantamentos bibliográficos, visitas aos
projetos construídos e visitas ao acervo do Núcleo
de Pesquisa e Documentação da UFRJ que detém
o acervo de projetos do arquiteto. Essa pesquisa
continuará em andamento mesmo completado o
ano de iniciação científica da Escola da Cidade.
sempre presente é verídica, ela também não é
absoluta e completa. Outros temas da arquiteta
são sempre frequentes e distantes de uma reflexão
necessariamente popular: poucos consideram que
a “operação popular” que Lina realiza é parte de
um projeto estético que foi largamente trabalhado
no Brasil ao longo de praticamente todo o século
passado. Aclamadas e criticadas, as propostas voltadas a esse projeto estético, são referência de uma
formulação outra de moderno para o país tropical.
Lina Bardi tem tangência com essas discussões,
fundindo, incorporando e fazendo um projeto
particular de arquitetura.
2. Lina Bo Bardi e o projeto moderno no Brasil
Luiz Gustavo Sobral Fernandes
(FAU-Mack / bolsista Fapesp)
orientação: Profa. Dra. Lizete Rubano (Fau-Mack)
3. Técnica e tradição: Os caminhos da Azulejaria no Brasil e em Portugal em meados do
século XX a partir das leituras particulares
Giulia Godinho (EC / bolsista VE-EC)
orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian
Al Assal (EC)
Lina Bo Bardi apresentou, ao longo de intensa
trajetória profissional, características singulares.
Colocar as discussões tomadas pela arquiteta brasileira e pelo – assim denominado – quadro artístico que se formava no Brasil em confronto é uma
operação necessária, a fim de encontrarmos possíveis relações de similaridade e distanciamento.
Para tal procedimento é realizada leitura da
bibliografia selecionada, que interpreta e debate
o trabalho de Lina, as publicações realizadas sobre
seus projetos e seus próprios artigos. Posteriormente
são lidos textos que trabalham sobre a modernidade
brasileira recortada na pesquisa (“modernização”,
Mario e Oswald de Andrade e a Tropicália). A partir
disso relações entre os trabalhos de Lina e a modernidade que se desenvolveu no Brasil são traçadas. Nos três projetos analisados (Casa de Vidro,
Igreja do Espírito Santo do Cerrado e SESC Pompeia)
pode-se encontrar temas que tangenciam as temáticas abordadas pela “modernidade brasileira”. A
Casa de Vidro tem aproximações com a arquitetura popular, uma abordagem recorrente no Brasil
(a modernidade das primeiras décadas do século
XX), onde o moderno ganha ares de brasilidade. A
igreja mineira trabalha com uma abordagem distinta, porém com uma perspectiva semelhante,
onde o saber fazer popular é a grande temática.
No SESC Pompeia as ironias de Lina e as recomposições de elementos existentes no projeto poderiam
aproximar seu procedimento de algumas operações
estéticas realizadas pelo tropicalismo. Se a interpretação do trabalho de Lina a partir da suposição
de que o popular é uma pauta fundamental e
O projeto de pesquisa em questão aborda o uso,
na arquitetura, da azulejaria em meados século
XX no Brasil e em Portugal, tendo como ênfase o
olhar para trajetórias particulares, com o intuito
de compreender as trocas e relações existentes nos
trabalhos desenvolvidos por autores específicos.
Utilizando-se do tema da azulejaria, presente nos
murais desenvolvidos em edifícios icônicos do
modernismo, analisa-se os contextos e possíveis
relações que levaram às escolhas dos painéis, na
tentativa final de desmistificar as relações de influência que a historiografia propõe na construção
da azulejaria entre os dois países. A historiografia
brasileira, se conforma sob um diálogo de superação de períodos da arquitetura ou mesmo de importação desta, construindo um panorama de
hierarquização entre elas. No entanto, quando
direcionados os focos para a leitura da azulejara
no tempo, percebe-se que o desenvolvimento desta
arte se dá ao decorrer da história, e não apenas se
configura em um ou outro país, numa relação de
influência, como descreve a historiografia. A arquitetura moderna brasileira, foi reconhecida em
Portugal e no mundo a partir da década de 1940
com a exposição Brazil Builds: architecture new
and old, ocorrida em 1943 no MOMA (Museum of
Modern Art), em Nova Iorque, e com ela, a azulejaria moderna foi apresentada ao mundo, como
uma arte reconhecidamente brasileira. A partir de
então, arquitetos portugueses passam a olhar a
arte, considerada esquecida com novas possibilidades para composições espaciais. No entanto,
muitos arquitetos portugueses já vinham pensan-
107
do e produzindo novos usos para a azulejaria,
dentro do contexto moderno português, que teria
sido, contudo, tratada sob uma ótica saudosista.
Ao final do século XIX, Rafael Bordalo passa a
desenvolver, dentre diversas obras, azulejos aplicados à fachadas e ornamentação interna. A partir
de 1900, Raul Lino utiliza em ambientes internos
e externos azulejos, para compor espacialidades
em suas obras. O campo era, por tanto, fértil para
receber mais tarde os conceitos da azulejaria brasileira. Do mesmo modo, Portinari que vinha desenvolvendo leituras espaciais capazes de fugir
dos temas da tela, teria então sido convidado a
criar um painel de azulejos externo ao Ministério
de Educação e Cultura do Rio (MEC). Deste modo,
se mostra relevante contrapor a construção da
ideia de influência sugerida entre os dois países,
no contexto de importantes artistas que pensaram
simultaneamente o uso e a importância do azulejo.
4. Congresso Brasileiro de Arquitetos entre
1945-1954: debates para a construção de uma
escola moderna de arquitetura
Fernando Shigueo Nakandakare
(FEC-Unicamp / bolsista Pibic-CNPq)
orientação: Profa. Dra. Ana Maria Reis de Goes
Monteiro (FEC-Unicamp)
A pesquisa realizada consiste no levantamento e
organização dos documentos referentes ao I e IV
Congresso Brasileiro de Arquitetos, ocorridos em
1945 e 1954, respectivamente. Buscou-se sintetizar
um quadro de acontecimentos que pontue o contexto no campo político, educacional e cultural do
período. Como o objeto de estudo consistiu nos
documentos que relatavam os congressos, desenvolveu-se o levantamento e sistematização de organizadores, temas e, quando disponíveis, resoluções adotadas. A consulta aos arquivos do
Instituto de Arquitetos Brasileiros (IAB), à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAUUSP),
e aos jornais e revistas da época resultaram em
uma coletânea de notícias, imagens e resoluções
que possibilitaram o desenvolvimento de uma
linha do tempo e sistematização dos organizadores
do evento. Esse conjunto de documentos evidencia
o caráter ideológico presente nos congressos em
relação à produção dos arquitetos modernos desse
período, contribuindo para o entendimento da
atuação de membros do IAB e FAUUSP na intricada relação entre prática e ensino da arquitetura
voltado à afirmação da ideologia moderna. Em
constante diálogo com o Estado que vislumbrava
na arquitetura a imagem do futuro que propunha,
108
o congresso preencheu o espaço entre a arquitetura e a política em manutenção à ideologia desenvolvimentista que buscou utilizar da regularização do ensino como ferramenta para
continuidade das suas propostas.
mesa 8
Espaços do educar
comentário: Profa. Lilian L’Abbate Kelian
(Nupsi-USP / CENPEC)
coordenação: Prof. Ms. Fabio Mosaner
1. O projeto da Escola Técnica de São Paulo
no contexto da obra de Zenon Lotufo
Tamires Kafka Faceira (IFSP / bolsista IFSP)
orientação: Prof. Dr. João Fernando Blasi de
Toledo Pisa (IFSP)
A pesquisa aborda a biografia do arquiteto paulista Zenon Lotufo, sua formação acadêmica; carreira como arquiteto – com projetos associados ao
modernismo brasileiro, e projetos urbanísticos em
Santos e Campos do Jordão – e como professor na
Escola Politécnica e da Faculdade de Arquitetura
da Universidade de São Paulo; assim como sua
participação em diversos concursos de arquitetura pelo país e sua parceria em projeto com seu
filho, Vitor Amaral Lotufo. Inserido em sua carreira, e com influência de suas experiências vividas
ao longo de sua formação acadêmica, está o projeto
do atual Instituto Federal de São Paulo, antiga
Escola Técnica de São Paulo, onde parte de seu
projeto inicial foi construído e mantém sua função
até os dias de hoje. A pesquisa objetiva assim igualmente um estudo detalhado do projeto do Instituto Federal, suas etapas de construção, a concepção
inicial do arquiteto e a diferença de sua ideia original para o que foi realmente concretizado, assim
como as reformas pelas quais o edifício passou ao
longo do tempo.
2. Por uma arquitetura social: o legado de
Mayumi Watanabe de Souza Lima
Bruna Marchiori Souto (EC / bolsista IC-EC)
orientação: Profa. Dra. Joana Mello (EC)
Essa pesquisa busca analisar a trajetória e obra da
arquiteta Mayumi Watanabe de Souza Lima (19341994), cuja carreira contribuiu significativamente
para a reflexão acerca das questões sociais das
cidades, sobretudo a moradia popular e a educação.
Mayumi nasceu em Tóquio (Japão) no ano de 1934,
veio para o Brasil em 1938 e graduou-se em Arqui-
tetura e Urbanismo pela FAU-USP em 1956. Assumindo um posicionamento crítico e investigativo
sobre o desenho dos espaços coletivos, sempre sob
o viés do usuário, a arquiteta atuou principalmente na construção de escolas infantis, no início dos
anos 90 na capital de São Paulo. Os métodos aplicados na análise de sua trajetória serão: levantamentos bibliográficos, viagens de campo para
Universidade de Brasília (UnB) e Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP), onde concluiu
mestrado e iniciou como docente; e onde lecionou
durante seus últimos anos, respectivamente; visitas
às obras construídas e ao acervo pessoal da arquiteta, localizado no Centro de Memória Sérgio
Buarque de Holanda (Fundação Perseu Abramo)
em São Paulo, e entrevistas com pesquisadores,
usuários, colegas de trabalho e amigos. Buscando
compreender seu processo criativo, a técnica e a
metodologia de trabalho, através de um olhar analítico sobre sua produção textual e projetos públicos, justifica-se a abordagem de caráter documental sobre a obra de Mayumi, que ainda é pouco
estudada e conhecida. A pesquisa tem como objetivo último, contribuir para a divulgação da obra
e ensinamentos da arquiteta para além da esfera
acadêmica, sob a forma de uma publicação.
3. Construção de cidade e cidadania –
o legado da arquitetura escolar e o desafio
dos Territórios CEU
Rafael de Jesus Silva (EC/Bolsista CE-EC)
orientação: Profa. Dra. Marianna Boghosian
Al Assal (EC)
organizar os laços que vinculam o recorte preciso
dos Territórios CEU no seu contexto físico, época,
arquétipos precedentes, historiografia e questões
práticas da sua aplicabilidade. O termo “construção” identifica o gesto próprio da postura técnica
dos especialistas e no empreendimento de narrativas novas e formativas em um país em desenvolvimento como o Brasil, identificado no desenho
urbano ou “geração” de “cidade” onde só havia
ocupação. Disso também se destaca a própria
agenda proposta no intuito de incluir populações
marginalizadas na plena prática da “cidadania”,
ou seja, inclui-las à re de de relações formais e
participativas. “Legado da arquitetura” procura
dar conta de absorver no trabalho parte do léxico
acumulado sobre o desenvolvimento técnico e
programático ao longo da história recente, sobretudo na cidade de São Paulo e em “escolar” já se
define um eixo específico de interesse, identificando
a própria riqueza da tipologia, tanto na consolidação
de um patrimônio cultural arquitetônico, quanto
no desenvolvimento de políticas públicas
inovadoras. “Desafio” entende o projeto como algo
novo, ainda em fase de implantação e que, portanto, dá relevo às próprias dificuldades da gestão dos
projetos, da identificação de terrenos, da engenharia financeira, do calendário político, da assimilação e participação social, além da sua vinculação
com o próprio programa educacional municipal e
nacional em vigência. Território CEU deixa claro
o ponto de partida e também constitui terreno
onde se pretende algum avanço deste projeto de
pesquisa, por fim, São Paulo, é o que o contextualiza política e geograficamente.
O projeto de pesquisa parte de reflexão anteriormente desenvolvida sobre dois projetos de tipologias arquitetônicas, ações públicas e de desenvolvimento urbano, colocados em paralelo no intento
de especular sobre os pontos de aproximação e
contraste entre aqueles objetos, implantados em
diferentes cidades, de diferentes países do continente latino-americano: a rede CEU, na cidade de
São Paulo, e as Bibliotecas Públicas, na cidade de
Medellín. A partir das questões levantadas naquele
exercício primeiro de reflexão constrói-se a presente pesquisa, assumindo o programa dos Territórios CEU – projeto urbano e educacional levado
adiante pela atual administração municipal de São
Paulo – como eixo ordenador. Construção de cidade
e cidadania – legado da arquitetura escolar e
desafio dos Territórios CEU em São Paulo, é o título
que inicialmente carrega o projeto de pesquisa.
Nele, cada nomenclatura procura dar conta de
exprimir um desejo de guia para a pesquisa, e de
109
Professores convidados
Profa. Dra. Ana Castro
Arquiteta e urbanista (1997), mestre (2005) e doutora
(2005) pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Docente
do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da FAU-USP. Tem experiência na
área de arquitetura e urbanismo, com ênfase em
fundamento sociais da arquitetura e urbanismo,
atuando principalmente nos seguintes temas:
cidade, história, historiografia e cultura urbana.
Profa. Dra. Ana Magalhães
Historiadora da arte, possui bacharelado em história pelo IFCH-Unicamp (1992), mestrado em História da Arte e da Cultura (Unicamp, 1995) e doutorado em História e Crítica da Arte (USP, 2000).
Professora livre-docente e curadora do Museu de
Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo
(MAC-USP); bem como docente do Programa de
Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte e do Programa de Pós-Graduação em
Museologia na mesma instituição. Foi coordenadora editorial da Fundação Bienal de São Paulo
entre 2001 e 2008. Membro do Comitê Brasileiro
de História da Arte (CBHA) desde 2000.
Profa. Dra. Ana Paula Koury
Arquiteta e urbanista (1991), mestre (1999) pelo
IAU-USP e doutora (2005) pela FAU-USP. Professora Doutora do Programa de Pós Gradação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas
Tadeu. Entre 2004 e 2014 coordenou com Nabil
Bonduki o levantamento, sistematização de dados
e produção de textos para a publicação em 3
volumes da Coleção Pioneiros da Habitação Social
no Brasil. Atualmente coordena com Fernando
Lara a pesquisa Planning and participation: a new
agenda for urban and environmental policies in
110
tória da Arquitetura e Estética do Projeto da FAUUSP. Seus principais trabalhos abordam questões
relacionadas ao desenvolvimento urbano das
cidades; teoria da arquitetura e do urbanismo;
urbanismo; economia urbana; espaço urbano;
habitação coletiva; habitação de interesse social e
ensino superior.
Brazil com apoio Fapesp e Universidade do Texas
e realiza estágio de Pós Doutorado no Instituto de
Estudos Brasileiros (USP).
Prof. Dr. Fabio Lopes
Possui graduação em Arquitetura e urbanismo
pela FAU-USP (1980), Master of Arts pelo Royal
College Of Arts (1984) e doutorado em Arquitetura
e urbanismo pela FAU-USP (2000). Realizou diversas exposições de artes plásticas. Atualmente é
professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo
em São Carlos, Universidade de São Paulo. Tem
experiência docente na área de Arquitetura e Urbanismo, atuando principalmente nos temas arte
e cidade, identidade nacional e artes plásticas.
Prof. Ms. Flavio Higuchi Hirao
Possui graduação em arquitetura e urbanismo pela
Universidade Estadual de Campinas (2005) e mestrado em Arquitetura e urbanismo pela Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo (FAU-USP, 2015). É coordenador geral
da Usina – Centro de trabalho para o ambiente
habitado. Fez parte do Coletivo Risco.
Prof. Ms. Franklin Lee
Arquiteto e diretor do escritório SUBdV. AA Diploma
Unit 2 Master de 2005 a 2010. Lecionou no Instituto Pratt e na Universidade de Columbia, em Nova
York. Coordenador do AA Visiting Schools no Brasil.
Prof. Dr. Leandro Medrano
Formado pela FAU-USP (1992) onde também obteve
o título de doutor (2000), fez mestrado na Universitat Politecnica de Catalunya (1995), pós-doutorado na Universitad Politecnica de Madrid (2011-2012)
e livre-docência na Unicamp (2010). Atualmente é
Professor Livre-docente do Departamento de His-
Profa. Lilian L’Abbate Kelian
Historiadora formada pela Universidade de São
Paulo (1999). Atua na educação de crianças e
jovens, na formação de educadores, gestão e avaliação institucional de projetos educacionais, na
perspectiva da educação democrática. Co-fundadora da Escola Lumiar e da Associação Politeia.
Fundadora e pesquisadora associada do Núcleo
de Psicopatologia, Políticas Públicas de Saúde
Mental e Ações Comunicativas em Saúde Pública
(NUPSI-USP). Atualmente é coordenadora executiva do Projeto Jovens Urbanos no Centro de
Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação
Comunitária (CENPEC).
Profa. Dra. Monica Junqueira de Camargo
Arquiteta e urbanista (1977), mestre (1995) pela
Universidade Mackenzie, doutora (2000) e livre-docente (2009) pela FAU-USP. Professora do Departamento de História da Arquitetura e Estética
do Projeto da FAU-USP onde desenvolve a linha de
pesquisa Arquitetura e Cidade Moderna e Contemporânea, com particular interesse para a
arquitetura brasileira e para patrimônio histórico.
Conselheira do Conpresp no período de 2004 a
2007 é atualmente Diretora do CPC - Centro de
Preservação Cultural da USP.
Profa. Dra. Myrna de Arruda Nascimento
Arquiteta e urbanista (1985) mestre (1997) e
doutora (2002) pela FAU-USP, fez também mestrado em Ciências da Comunicação pela Faculdade
Cásper Líbero (1994). Professora e pesquisadora
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – junto ao Departamento
de Projeto. É também professora da graduação e
pós-graduação do Centro Universitário SENAC-SP.
Tem experiência na área de arquitetura, urbanismo e design, atuando como pesquisadora principalmente nos seguintes temas: ensino e experimentação, analogias entre design e arquitetura,
projeto-linguagem-representação, comunicação-espaço-significação, semiótica e história da arte. Profa. Dra. Nilce Aravecchia Botas
Arquiteta e urbanista (2000), mestre (2005) pelo
IAU-USP e doutora (2011) pela FAU-USP. Docente
do Departamento de História da Arquitetura e
Estética do Projeto da FAU-USP. Tem experiência
na área de arquitetura e urbanismo, com ênfase
nas pesquisas de história, atuando principalmente nos seguintes temas: história da habitação; o
papel dos engenheiros e dos arquitetos no serviço
público; história da tecnologia e da industrialização
na arquitetura habitacional; arquitetura, habitação
e processos de urbanização nas questões do desenvolvimento. Atualmente desenvolve pesquisa
sobre a relação entre arquitetura, habitação e
planejamento na América Latina.
Profa. Dra. Paula Santoro
Arquiteta e urbanista (1997), mestre (2004) e
doutora (2012) pela FAU-USP com estágio doutoral
na Universidade Politécnica da Cataluña (ETSAB-UPC). Fez especialização em Política de Terras na
América Latina pelo Lincoln Institute of Land Policy,
Panamá (2007). Foi Assistente Técnica do Ministério Público do Estado de São Paulo nos temas Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente (2011-2013)
e pesquisadora do Instituto Pólis (2001-2011), do
Instituto Socioambiental - ISA (2007-2008) e do
Laboratório de Urbanismo da Metrópole - LUME
FAUUSP (2001). Atualmente é docente do Departamento de Projeto da FAU-USP.
Profa. Dra. Raquel Rolnik
Arquiteta e urbanista (1978), mestre (1981) pela
FAU-USP, doutora pela Graduate School Of Arts And
Science History Department - New York University
(1995) e livre docência pela FAU-USP (2015). Docente
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Foi Diretora de Planejamento da cidade de São Paulo e consultora de
cidades brasileiras e latino-americanas em política urbana e habitacional. Foi também Secretária
Nacional de Programas Urbanos do Ministério das
Cidades entre (2003-2007) e Relatora Internacional
do Direito à Moradia Adequada do Conselho de
Direitos Humanos da ONU (2008-2014).
Profa. Dra. Valeria Cássia dos Santos Fialho
Possui graduação em arquitetura e urbanismo pelo
Centro Universitário Belas Artes de São Paulo
(1992), mestrado (2002) e doutorado (2007) pela
FAU-USP. Docente e coordenadora do Bacharelado
em Arquitetura e Urbanismo e do o curso de pós-graduação em Arquitetura Comercial no Centro
Universitário SENAC. Tem experiência na área de
projetos de arquitetura, urbanismo e design, com
diversos projetos publicados no Brasil e no exterior.
111
normas para
submissão
de trabalhos
112
Normas para submissão de trabalhos
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As colaborações (fluxo contínuo) serão sempre
bem-vindas e apreciadas pelo conselho editorial,
que avaliará a pertinência de sua publicação e
encaminhará o texto para a avaliação de pareceristas.
É responsabilidade do autor encaminhar textos
de acordo com as normas estabelecidas pela revista,
sob pena de não serem aceitos para publicação.
Cabe à revista e seus editores adequar os textos
originais ao seu padrão editorial, submetendo os
artigos à revisão gramatical e de estilo, assim como
estabelecer os prazos para publicação. O padrão
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A Revista Cadernos de Pesquisa da Escola da
Cidade não se responsabiliza pela redação, nem
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uma declaração.
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DE PESQUISA DA ESCOLA DA CIDADE
- Eu, (nome completo), CPF (número), RG
(número), residente no endereço (endereço
completo), autorizo a revista Cadernos de
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(título e subtítulo). - Atesto como sendo expressão absoluta da
114
verdade as seguintes afirmações: - Sou o único autor do artigo acima nomeado /
Sou autor do artigo acima nomeado, em co-autoria com (nomes completos dos co-autores)
[escolher uma das duas alternativas]. - O artigo enviado para avaliação é inédito / foi
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11 (para textos e títulos) e 9 (referências bibliográ-
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do trabalho, em ordem alfabética, utilizando fonte
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– Apresentação). Todos os textos citados devem
constar na lista de referências. As citações diretas
ou indiretas no corpo do texto devem seguir o
sistema de chamada autor-data. As citações diretas
com mais de três linhas devem ser formatadas em
arial 9, entre linhas simples, recuo de 4cm da
margem esquerda e sem aspas ou itálico.
3.3. Notas explicativas
As notas devem ser exclusivamente explicativas e
deverão ser enumeradas sequencialmente, com
algarismos arábicos. Todas as notas deverão ser
listadas no final do trabalho, usando fonte arial 9.
4. Referências bibliográficas
Deverão seguir o padrão ABNT NBR 6023/2002
(Informação e documentação – Referências – Ela-
115
fontes Noto Sans e Noto Serif
papel alta alvura 90g/m2
impressão Gráfica Flavio Motta
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São Paulo
Março de 2016
tiragem 500

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